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Sexta-feira, 7 de maio de 2021 I Série — Número 63

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

REUNIÃOPLENÁRIADE6DEMAIODE 2021

Presidente: Ex.mo Sr. Edite Fátima Santos Marreiros Estrela

Secretários: Ex.mos Srs. Ana Sofia Ferreira Araújo Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco

S U M Á R I O

A Presidente (Edite Estrela) declarou aberta a sessão às

15 horas e 4 minutos. Foi anunciada a retirada, pelo CH, dos seus Projetos de

Revisão Constitucional n.os 4 e 6/XIV/2.ª. Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um

debate de urgência, requerido pelo PAN, sobre imigração ilegal, redes de tráfico de pessoas, escravatura laboral,

sobrelotação e insalubridade de habitações dos trabalhadores agrícolas no município de Odemira e consequente risco para a saúde pública, bem como sobre a problemática de cariz ambiental afeta ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Proferiram intervenções, além dos Ministros da Agricultura (Maria do Céu Antunes) e da Administração Interna (Eduardo Cabrita), os

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Deputados Bebiana Cunha (PAN), Filipa Roseta (PSD), José Luís Ferreira (PEV), Pedro do Carmo (PS), Beatriz Gomes Dias (BE), João Dias (PCP), André Ventura (CH), Telmo Correia (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), Telma Guerreiro (PS) e Cristóvão Norte (PSD).

Em declaração política, o Deputado Duarte Pacheco (PSD) teceu considerações relativamente ao relatório, apresentado pelo Tribunal de Contas, sobre a auditoria solicitada pela Assembleia da República ao Novo Banco, criticando o Governo, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução pelas posições assumidas relativamente às injeções de capital. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados José Luís Ferreira (PEV), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), João Paulo Correia (PS), Duarte Alves (PCP) e Mariana Mortágua (BE).

Em declaração política, o Deputado Moisés Ferreira (BE) referiu-se à decisão tomada pelos Estados Unidos da América no sentido de se proceder ao levantamento das patentes das vacinas da COVID-19, salientando a importância de a União Europeia e a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia seguirem o exemplo. Posteriormente, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Sandra Pereira (PSD), Bruno Aragão (PS), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Paula Santos (PCP) e Mariana Silva (PEV).

Em declaração política, o Deputado Duarte Alves (PCP), a propósito de conclusões extraídas do Relatório do Tribunal de Contas acerca do processo de financiamento ao Novo Banco, reiterou a proposta do PCP de controlo público deste Banco. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Alberto Fonseca (PSD), José Luís Ferreira (PEV), Mariana Mortágua (BE), Joana Sá Pereira (PS) e Cecília Meireles (CDS-PP).

Em declaração política, a Deputada Ana Rita Bessa (CDS-PP) criticou orientações da Direção-Geral da Saúde relativamente à administração de vacinas da AstraZeneca e da Jansen, que podem atrasar o processo de vacinação no País, e ao desvio de médicos de consultas para apoio ao processo vacinal, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Rui Cristina (PSD), Susana Correia (PS) e Paula Santos (PCP).

Em declaração política, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) condenou os modelos de exploração agrícola com sobre-exploração dos recursos naturais e desrespeito pelos direitos humanos, tendo pedido incentivos com vista à transição para modelos sustentáveis, justos e humanizados. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Deputados Hugo Oliveira (PS), Bruno Dias (PCP), Sofia Matos (PSD) e Isabel Pires (BE).

Em declaração política, a Deputada Ana Passos (PS), referindo-se ao mar como ativo estratégico nacional, defendeu a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, proposta pelo Governo, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Catarina Rocha Ferreira (PSD), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), João Dias (PCP), Mariana Silva (PEV) e Ricardo Vicente (BE).

Em declaração política, o Deputado André Ventura (CH) insurgiu-se contra a forma como as autoridades procederam ao realojamento de imigrantes nas instalações do empreendimento Zmar, em Odemira, sem que tivesse havido acordo dos moradores daquele empreendimento, e defendeu que o País deve fazer uma reflexão sobre que imigração quer para Portugal.

Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 81/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o Governo a estabelecer o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as suas regras de funcionamento. Intervieram, além do Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território (João Catarino), os Deputados Emília Cerqueira (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Ricardo Vicente (BE), André Ventura (CH), Santinho Pacheco (PS), Mariana Silva (PEV), João Dias

(PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), Francisco Pereira Oliveira (PS) e Duarte Marques (PSD). Posteriormente, a proposta de lei foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 1249 e 1250/XIV/2.ª.

Foram aprovados três pareceres da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados autorizando Deputados do PS, do PSD e do PAN a intervirem em tribunal.

Foi lido, pela Deputada Ana Catarina Mendonça Mendes (PS), o Projeto de Voto n.º 561/XIV/2.ª (apresentado pelo PS) — De pesar pelo falecimento de Carlos Bernardes, tendo sido aprovada a respetiva parte deliberativa. (a)

Foi aprovada a parte deliberativa (a) do Projeto de Voto n.º 564/XIV/2.ª (apresentado pela Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e subscrito por uma Deputada do PSD) — De pesar pela morte de 453 migrantes no Mediterrâneo.

A seguir à aprovação daqueles votos, a Câmara guardou 1 minuto de silêncio.

Foi aprovado o Projeto de Resolução n.º 1230/XIV/2.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República a Cabo Verde e à Guiné-Bissau.

Foram aprovados requerimentos, apresentados pelos autores das respetivas iniciativas legislativas, solicitando a baixa à Comissão de Trabalho e Segurança Social, sem votação, pelo prazo de 60 dias, dos Projetos de Lei n.os 745/XIV/2.ª (BE) — Altera o regime jurídico-laboral de teletrabalho, garantindo maior proteção do trabalhador (Décima nona alteração ao Código do Trabalho e primeira alteração da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais), 765/XIV/2.ª (PCP) — Regula o regime de trabalho em teletrabalho, 535/XIV/2.ª (PAN) — Consagra o direito de desconexão profissional, procedendo à décima sexta alteração ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, 811/XIV/2.ª (PAN) — Regulamenta o teletrabalho no setor público e privado, cria o regime de trabalho flexível e reforça os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho à distância, procedendo à alteração do Código do Trabalho, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, 790/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Garante o direito dos trabalhadores à desconexão profissional, 791/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Reforça os direitos dos trabalhadores em regime de teletrabalho, 797/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagra o direito ao desligamento, procede à décima sétima alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho, 806/XIV/2.ª (PEV) — Altera o Código do Trabalho com vista a regular o teletrabalho de forma mais justa, 808/XIV/2.ª (PS) — Procede à regulação do teletrabalho e 812/XIV/2.ª (PSD) — Altera o regime jurídico-laboral do teletrabalho (Décima nona alteração ao Código do Trabalho e primeira alteração da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais) e do Projeto de Resolução n.º 1222/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que promova um amplo debate com os parceiros sociais com vista à celebração de um acordo de concertação social sobre as matérias relativas ao futuro do trabalho, designadamente sobre as matérias do teletrabalho e do trabalho dos nómadas digitais.

Foi aprovado o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 2021.

Foram votados os seguintes projetos de resolução: N.º 1118/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda a reativação da

campanha de sensibilização ambiental «O clima é connosco» — que foi aprovado;

N.º 1163/XIV/2.ª (PEV) — Implementação de medidas para a monitorização, despoluição e valorização do rio Dão e seus afluentes — que foi aprovado na generalidade;

N.º1232/XIV/2.ª (BE) — Pela recuperação ambiental e despoluição da sub-bacia hidrográfica do rio Dão — que foi

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aprovado na generalidade; N.º 1056/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues) — Recomenda ao Governo que proceda à revisão dos conteúdos da educação sexual nas escolas, garantindo a promoção da igualdade de género — que foi aprovado;

N.º 1088/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Por uma educação para a sexualidade e para os afetos cujos conteúdos reforcem a promoção da igualdade de género nas escolas, a luta contra a violência de género e os estereótipos e uma carga horária que reflita a sua importância educativa — que foi rejeitado;

N.º 1229/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo que promova a educação para a sexualidade nas escolas — que foi rejeitado;

N.º 1233/XIV/2.ª (PCP) — Pela efetiva implementação da educação sexual transversal e interdisciplinar em meio escolar — que foi rejeitado;

N.º 1181/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a revisão das carreiras profissionais da Polícia de Segurança Pública — que foi aprovado.

Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Saúde, relativo aos Projetos de Resolução n.os 850/XIV/2.ª (PCP) — Promoção da saúde mental em contexto COVID-19, 861/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que desenvolva uma abordagem específica e urgente em matéria de saúde mental no contexto da pandemia de COVID-19, 869/XIV/2.ª (BE) — Medidas de

resposta à saúde mental em Portugal, 879/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Reforçar e melhorar as políticas de saúde mental em contexto de emergência sanitária, 880/XIV/2.ª (IL) — Medidas de combate aos problemas de saúde mental, tendo em conta a pandemia de COVID-19, 963/XIV/2.ª (PSD) — Por um compromisso com a saúde mental das novas gerações, 964/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Pelo reforço das respostas do SNS na área da saúde mental e 969/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo o reforço das estratégias para a prevenção e reforço das respostas aos impactos na saúde mental.

Foi aprovado, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto, relativo aos Projetos de Resolução n.os 1114/XIV/2.ª (BE) — Pela realização de concursos que preencham as necessidades das escolas e não excluam professores e 1122/XIV/2.ª (PSD) — Pela realização de um concurso de professores que melhor responda às necessidades de pessoal docente nas escolas.

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 19 horas e 2 minutos.

(a) Estas votações tiveram lugar ao abrigo do n.º 10 do

artigo 75.º do Regimento.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo presentes, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas.

Vamos dar início à sessão plenária.

Eram 15 horas e 4 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias.

Antes de iniciarmos os nossos trabalhos, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai fazer o favor de dar à Câmara

algumas informações.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente. Cumprimento todas e todos. Cumpre-me dar conta de que foram retirados, pelo autor das iniciativas, os Projetos de Revisão

Constitucional n.os 4 e 6/XIV/2.ª (CH).

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos iniciar o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste num debate de urgência, requerido pelo PAN, ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre imigração

ilegal, redes de tráfico de pessoas, escravatura laboral, sobrelotação e insalubridade de habitações dos

trabalhadores agrícolas no município de Odemira e consequente risco para a saúde pública, bem como sobre a

problemática de cariz ambiental afeta ao Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Para proferir a intervenção de abertura, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar

do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nos últimos dias, o País tem estado de olhos postos em Odemira, mas esta não é uma realidade recente, nem para

a qual o Governo não tenha sido alertado ao longo dos últimos anos.

Ainda na passada quinta-feira, o PAN questionou a Sr.ª Ministra da Presidência sobre as denúncias relativas

às condições de trabalho de imigrantes em Beja e em Ferreira do Alentejo, nas explorações agrícolas intensivas.

Ficámos a saber que o Governo tem consciência de que a agricultura em Portugal vive de muito trabalho de

migrantes e, face à realidade no Baixo Alentejo, informou-nos que iria deslocalizar o Alto Comissariado para as

Migrações para Beja. Sobre a realidade dos trabalhadores na agricultura intensiva nada mais nos disse o

Governo nesse debate.

Mas, momentos depois, o Primeiro-Ministro informou que duas freguesias de Odemira teriam uma cerca

sanitária claramente associada à população migrante que trabalha no setor agrícola, fruto das condições de

insalubridade em que vivem, o que o Sr. Primeiro-Ministro considerou, e bem, «uma violação gritante dos direitos

humanos». Mais vale tarde do que nunca — corre o ano de 2021.

Em 2017, a reportagem Escravos do rio, sobre apanhadores de amêijoa no Tejo, que eram também

apanhadores de fruta na costa vicentina, veio alertar para o facto de, pelo menos desde 2014, termos redes de

tráfico para exploração laboral em Portugal e, desde 2007, para exploração sexual, mas continuamos sem os

meios necessários para prevenir e combater este flagelo no nosso País.

Sr.as e Srs. Deputados, este é um assunto demasiado sério para entrarmos em negacionismo de que não há

tráfico de seres humanos, de que não há auxílio à imigração ilegal, de que não há fraude de documentos, enfim,

de uma panóplia de crimes conexos.

Evidentemente que Odemira nos alerta para outras zonas do País, nada que o RASI (Relatório Anual de

Segurança Interna) já não indiciasse e que o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) já não tivesse apontado,

mas este caso tem vindo a trazer mais atenção a este flagelo do tráfico, que não se resume só à agricultura.

Só desde 2015, no Alentejo, o SEF investigou e deu seguimento a 82 casos de angariação de mão de obra

ilegal, auxílio à imigração ilegal, escravatura, tráfico de pessoas para exploração laboral e tráfico de menores.

Este não é o momento de tirar os processos que já estavam a decorrer no SEF para outro órgão de polícia

criminal. O Governo deveria prever normas transitórias que permitissem que as investigações chegassem ao

fim sem perder prova, porque mais importante do que possa ser o ego do Sr. Ministro da Administração Interna

é salvar vidas. Essa deve ser a missão desta Casa e do Governo.

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É mais do que altura de se investir em fortes campanhas de sensibilização para desocultar e para capacitar

a sociedade, de forma a identificar os sinais inerentes a estes crimes e que estas campanhas cheguem às

próprias vítimas.

Mais, sabemos que o tráfico de seres humanos tem três etapas: recrutamento de pessoas vulneráveis, auxílio

à imigração ilegal e, por fim, a própria exploração em rede organizada. Lembramos que, no Orçamento do

Estado, o PAN viu garantida e aprovada a elaboração da próxima estratégia de combate ao tráfico de seres

humanos. É fundamental que se reforcem as equipas multidisciplinares, os meios de investigação e instrução

que garantam que se assegura a celeridade dos processos desde a investigação ao tribunal.

O que queremos saber, hoje, é se vai haver um plano integrado para ouvir todas estas pessoas. É que, Sr.as

e Srs. Deputados, as questões de ausência de ilegalidade não convencem. Sabemos que, por termos leis mais

humanitárias, e bem, a estas pessoas bastará estarem em processo de regulamentação da sua situação para

serem consideradas regulares. Por isso, não é de irregularidades que queremos ouvir o Governo falar. O facto

de a pessoa estar regular não quer dizer que não esteja a ser explorada ou a ser vítima de qualquer crime.

Queremos ouvir o Governo falar de vidas e de salvaguarda de direitos humanos, queremos ter a garantia de

que o Governo vai combater este flagelo e não «sacudir a água do capote» ou jogar o jogo do empurra entre

ministérios.

Queremos ouvir o Governo falar sobre a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que permitiu

estes alojamentos diminutos e segregados.

Quantas ações de fiscalização promoveu o Governo a estes alojamentos desde então? E que conclusões se

tiraram?

Estas empresas, constituídas na hora, para angariar pessoas de outras nacionalidades para estes trabalhos,

que trabalham de sol a sol, têm de ter rostos, têm de ter responsáveis.

Portanto, queremos saber o seguinte: vai o Governo permitir que estas empresas de trabalho temporário e

empresas criadas na hora, articuladas de forma transnacional, continuem a reinar e a tornar estes territórios

num verdadeiro «no man’s land»?

A par das questões humanitárias, acresce a dimensão ambiental, assistindo-se a impactos ambientais em

contraciclo com o combate às alterações climáticas, por força da atividade agrícola intensiva, que tem avançado

de forma totalmente desequilibrada.

Vai o Governo separar o trigo do joio no que aos agricultores diz respeito? Sr.as e Srs. Deputados, as boas

práticas agrícolas é que têm de ser incentivadas e seguidas.

Quantas inspeções foram realizadas para aferir dos impactos ambientais? Quando vai o Governo dar

resposta ao relatório da IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do

Território) de 2017 e garantir os meios necessários para estas fiscalizações?

Temos um instrumento hidroagrícola que não se soube adaptar ao plano do parque natural, temos um

perímetro de rega que se sobrepõe ao parque natural. E não se trata de vir demonizar o setor agrícola, bem

pelo contrário, trata-se de exigirmos regras, trata-se de exigirmos que haja avaliação de impactos ambientais

cumulativos e, por isso, esperamos que os outros partidos estejam disponíveis para rever o regime jurídico da

avaliação de impacto ambiental, cuja discussão o PAN já agendou para o dia 28 de maio.

Para concluir, Sr.as e Srs. Deputados, este não é um problema que tenha solução no imediato nem que se

resolva numa semana, é um problema que se arrasta, sim, há demasiado tempo. E foi preciso a COVID-19 e a

polémica em torno da forma como a requisição civil se processou para pôr o País de olhos em Odemira.

Quanto às questões ambientais e da transição agrícola, será finalmente hoje que vamos ouvir o Governo

dizer quem integra o Grupo de Trabalho do Mira e para quando as suas conclusões?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Agradeço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Será hoje que vamos ouvir o Governo falar do plano de ordenamento do parque natural? Será hoje que

vamos ouvir o Governo falar sobre um regime de licenciamento da atividade agrícola? Será hoje que vamos

ouvir o Governo falar sobre o plano de gestão territorial, no âmbito da zona especial de conservação? Será hoje

que vamos, finalmente, ouvir apresentar as primeiras luzes de um programa integrado para dar resposta a este

problema multifatorial, com a intervenção de vários ministérios?

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a quem cumprimento.

A Sr.ª Ministra da Agricultura (Maria do Céu Antunes): — Sr.ª Presidente, cumprimento-a, bem como todas e todos os Srs. Deputados.

Gostava de começar por dizer que aquele território de Odemira que hoje está debaixo dos holofotes

representa para o nosso País um ativo que não é, de todo, negligenciável.

Em 2020, representou cerca de 200 milhões de euros das nossas exportações. Lembro que, em 2011,

representava 48 milhões de euros, montante este que representa 15% das exportações nacionais de hortícolas

e de frutas.

Este setor, em concreto das frutas e dos legumes, representa 50% do valor acrescentado bruto naquele

concelho. Mas a estes valores junta-se, inevitavelmente, aquilo que diz respeito aos valores ambientais e

também aos valores sociais.

De facto, o Grupo de Trabalho do Mira tem trabalhado, ao longo do último ano,…

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — O que é que fez?

A Sr.ª Ministra da Agricultura: — …nomeadamente para promover o licenciamento dos 229 contentores que ali existem, onde não há problemas de saúde pública neste momento, compatibilizando os valores

ambientais com os valores da atividade agrícola, querendo promover a reabilitação do perímetro de rega.

Para isso, há duas candidaturas em curso: uma, para fazer esta reabilitação do perímetro de rega e, outra,

para que as autarquias se candidatem para elaborarem uma proposta de solução integrada…

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … em relação ao alojamento, aos serviços públicos, às infraestruturas e aos equipamentos necessários para dar dignidade à comunidade residente e à comunidade migrante, sendo

também fundamental — e é esse o trabalho que o grupo está a fazer — definir a estrutura ecológica.

Mas, caras Deputadas e caros Deputados, neste momento, há uma resposta que é urgente e que está em

curso: parar a pandemia naquele território. Depois, é preciso trabalhar, no curto espaço de tempo, para termos

a capacidade de instalar, mesmo que provisoriamente, aqueles cidadãos que se encontram em habitações sem

condições dentro dos aglomerados populacionais. E, depois, é preciso definir uma estratégia de médio e longo

prazo, que se possam criar condições de dignidade humana, que nós sabemos que não existem.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Não existem porque não fizeram nada!

A Sr.ª Ministra da Agricultura: — E já sabemos isso de há algum tempo a esta parte, porquanto há uma resolução do Conselho de Ministro dessa altura.

Concluo, reconhecendo, hoje, também, o trabalho das empresas agrícolas em todo o território nacional,

assim como naquele território, porque, pese embora toda a dificuldade que estamos a ter neste contexto

pandémico, são as próprias empresas que têm criado condições para garantir que nada falte nas nossas mesas,

testando, criando condições para que os seus trabalhadores possam exercer o seu trabalho.

Mas, caras Deputadas e caros Deputados, não tenhamos dúvidas: é preciso unir esforços, temos de estar

todos do lado das soluções e, por isso, é necessário que, ao lado do Governo, as autarquias e as empresas se

juntem para implementar as soluções urgentes de saúde pública e aquelas que são necessárias para promover

a agricultura enquanto ativo da nossa economia, com respeito pelo ambiente e pela dignidade humana.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Filipa Roseta, do Grupo Parlamentar do PSD.

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A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.ª Ministra da Agricultura, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Sr.ª Ministra, vou tentar manter a calma, mas, objetivamente, vai

ser muito difícil. Vai ser muito difícil, Sr.ª Ministra!

Risos do PS.

Nós todos sabemos o que se está a passar em Odemira há mais de dois anos!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Há nove!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Nós todos sabemos que, há mais de dois anos, há graves violações de direitos humanos em Odemira. Nós sabemos todos!

Em 2019, o PSD fez uma pergunta ao Governo e propôs uma solução há mais de um ano, em janeiro de

2020. Qual é a solução?

Ponto um: o Governo tem de reforçar os serviços públicos, tem de reforçar a fiscalização, tem de reforçar a

saúde, tem de reforçar a educação, tem de reforçar as finanças, tem de reforçar a segurança social dado que a

população está a crescer exponencialmente desde 2018, Sr.ª Ministra! Desde 2018, Sr.ª Ministra!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Desde 2012!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Ponto dois: o Presidente da Câmara de Odemira tem de desenhar a solução urbanística. É inaceitável o que se está a passar! Odemira já teve mais de 40 000 habitantes!

Não há razão nenhuma para aquilo a que estamos a assistir.

Falhou o Governo, falhou o Presidente da Câmara e o Estado demitiu-se de agir perante aquilo que era uma

grave violação de direitos humanos — demitiu-se!

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — O Governo demitiu-se, a Câmara demitiu-se! Demitiram-se! Nós identificamos dois culpados: o Governo e o Presidente da Câmara de Odemira.

Um Governo que se dirige, em comitiva, para ir para um lugar destes pôr pessoas contra pessoas,

agricultores contra o turismo, empresários contra cidadãos, pessoa contra pessoas, um Governo que se dirige

a um sítio para disseminar a polémica, para as pessoas se sentirem ofendidas quando muitos, a perfeita maioria,

são empresários que estão a fazer tudo dentro da legalidade, é um Governo que faz parte do problema, que não

faz parte da solução.

Um presidente de câmara que vai para a televisão dizer que a culpa é dos empresários é um presidente que

faz parte do problema, não faz parte da solução, e nós precisamos de soluções. A solução é clara, é aquela que

nós dissemos em janeiro de 2020.

Sr.ª Ministra, já disse, mas vou voltar a repetir: vocês estiveram aqui e até aprovaram a nossa resolução…

Protestos do PS.

Aliás, foi aprovada por unanimidade, isto é, por todos os grupos parlamentares que compõem o Parlamento.

Portanto, resumindo, este Parlamento e todos os grupos parlamentares estiveram bem, mas eu queria aqui

deixar três factos que são muito ignorados neste debate.

Primeiro facto: os empresários andam a dirigir-se a esta Casa há mais de dois anos a pedir soluções. Os

empresários dirigiram-se ao ministro em 2017 com a solução.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Bem lembrado!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Eles estão preocupados.

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Os empresários contactaram a Universidade Católica para fazer um estudo, porque não tinham dados. Este

é o País onde nós vivemos. O Governo não existe, não existiu, esteve ausente.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Segundo facto, que é importante que toda a gente se lembre: a sobrelotação em Portugal é proibida desde 1951. Não é permitido mais do que dois adultos por quarto numa situação

habitacional. Desde 1951 que não é permitido ficarem mais de um mês…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Mas diz que é desde 2018!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Estavam tão preocupados em ficar na história em matéria de políticas de habitação que ficaram como o maior retrocesso de que há memória nos dois séculos de políticas de habitação

no nosso País.

Este é o maior retrocesso de que há memória nos dois séculos de políticas de habitação no nosso País, ao

permitirem-se condições que não são permitidas desde 1951 por razões de saúde pública. É este o vosso legado

em políticas de habitação. E registo a ausência, aqui, do Ministro da Habitação, que sempre achou que isto não

era com ele.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Eu bem vejo a ausência do Ministro da Habitação.

Aplausos do PSD.

É possível a solução integrada, combinando ambiente e agricultura, é possível a solução integrada turismo,

ambiente, agricultura. Odemira é o maior concelho do País, há espaço para todos. O que é preciso? É preciso

sentarem-se e desenharem a solução. O que é que lá andam a fazer? Temos um Governo que é parte do

problema, não é parte da solução.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Começo com duas notas prévias, a primeira para referir que foi com surpresa que verificámos que a Sr.ª Ministra,

na sua intervenção inicial, não teve uma única palavra de referência para com os trabalhadores agrícolas

migrantes.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — A segunda nota é para dizer ao PSD que fala como se não tivesse quaisquer responsabilidades no assunto.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não tem! Este Governo está lá há seis anos! Seis anos!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Deputada, o mundo já existia antes de 2015!

Protestos do PSD.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados da bancada do PSD, pedia-lhes que criassem condições para que o Sr. Deputado se possa exprimir.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Infelizmente, parece que foi necessário sermos confrontados com a COVID-19 para que o Governo olhasse para a situação que se vive no Parque Natural do Sudoeste Alentejano

e Costa Vicentina e para os problemas que persistem naquela região do País. E persistem apesar dos alertas e

das denúncias que há muito têm vindo a ser feitas também por Os Verdes, que, depois de visitarem o local,

confrontaram por várias vezes o Governo com o assunto, tanto no Plenário, como em Comissão, através de

perguntas escritas, e que nos levou até a apresentar uma iniciativa legislativa sobre o assunto, que será discutida

brevemente em conjunto com a petição que alerta para o facto de o Parque Natural não aguentar mais agricultura

intensiva.

Mas o problema da agricultura intensiva e a proliferação de plásticos que invade o Parque Natural, que é

muito grave e que também exige respostas, é apenas uma parte do problema.

Hoje ficou claro para todos, e sobretudo para o Governo, que se impõe olhar para os milhares e milhares de

trabalhadores agrícolas que são vítimas de redes de imigração ilegal, tráfico de pessoas, havendo até fortes

suspeitas de escravatura.

É uma realidade que não surgiu com a COVID-19, que não surgiu agora. É, aliás, tão antiga como antiga é

a passividade deste e de outros Governos.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Zero! Zero!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — E o que temos hoje? Para além de lixeiras de plástico a céu aberto, temos empresários agrícolas a recorrerem a empresas de prestação de serviços, muitas delas a alimentar e a

potenciar redes que se servem da falta de ética para gerar novas formas de escravatura.

De facto, as violações dos direitos humanos não se limitam apenas à forma como os trabalhadores são

tratados e explorados, mas também se devem à ausência de condições mínimas de habitabilidade, o que

certamente está na origem dos índices de transmissibilidade do vírus naquela região do País.

Aliás, como muito bem lhe chamou Helena Roseta, num artigo publicado em 2019, os contentores de

Odemira representam «a institucionalização de uma espécie de campo de refugiados para trabalhadores

agrícolas estrangeiros no Alentejo».

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Diga isso à Ministra!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — A este propósito, convirá recordar uma decisão da Assembleia Municipal de Odemira de 2019, que manifestou preocupação por o Governo ter optado, em pleno Parque Natural, por

aumentar de 30% para 40% a área de estruturas cobertas a ocupar com túneis, túneis elevados e estufins.

No entender do município de Odemira, é uma opção que resulta numa situação diferente daquela que foi

defendida por larga maioria no âmbito do Grupo de Trabalho do Mira.

Mas, mais, o município de Odemira manifestou também preocupação pelo facto de não ter sido fixado um

limite máximo global de colocação de trabalhadores agrícolas em aglomerados temporários.

Na verdade, o Governo definiu valores de ocupação bastante superiores àqueles que foram propostos tanto

pelas autarquias como pelas entidades públicas, respondendo, mais uma vez, apenas ao reivindicado pelos

empresários e pelas associações agrícolas e não a uma solução equilibrada a bem da gestão e conservação do

território.

Sr.ª Ministra, não são Os Verdes que o afirmam, quem o diz, com toda a clareza, é a Assembleia Municipal

de Odemira, que, como sabemos, é uma autarquia do PS, ainda que essa moção tenha sido aprovada por

unanimidade em 2019.

Em causa está, como já se percebeu, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, resolução que,

aliás, tanto o município de Aljezur como o de Odemira reclamam a suspensão imediata.

Sr.ª Ministra, começo por lhe perguntar se o Governo pondera a possibilidade de alterar essa resolução ou

se, depois de o surto passar, fica tudo na mesma.

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Por fim, Sr.ª Ministra, não lhe vou perguntar se considera que Odemira seria um bom local para realizar a

Cimeira Social Europeia,…

O Sr. João Dias (PCP): — Boa pergunta!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … mas pergunto-lhe quais os motivos que justificam tanta e tão demorada passividade face à gravidade da situação que se vive naquela região do País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Carmo, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vivemos tempos difíceis, muito difíceis. A situação que se vive no concelho de Odemira, que vê duas das suas freguesias

com cerca sanitária, é uma situação evidenciada pela crise pandémica, pois foi detetado um surto de COVID-19

que apresentava alguma gravidade.

Era, pois, urgente, atuar para quebrar a cadeia de contágio. O Governo tinha de agir rapidamente, o que fez.

Aliás, situações como esta já tinham ocorrido noutros locais, noutros momentos, e tiveram tratamento idêntico.

A par disso, são detetadas situações com pessoas muito vulneráveis, desprotegidas, situações que considero

— consideramos — intoleráveis e inadmissíveis no Portugal de hoje. O PS condena todos estes comportamentos

que violam e que não respeitam os direitos e a dignidade humana.

Aplausos do PS.

Estamos, pois, perante um caso de polícia, e a esta pedimos que atue com firmeza, rapidez e sem

contemplações. Isto, sim, é o essencial que está aqui a ser discutido.

É, pois, errado vir aqui diabolizar a agricultura, é errado querer arranjar um qualquer culpado de tudo, é

errado querer alavancar com esta situação um fundamentalismo ambiental como solução para todo este

problema. Mais: é errado dizer que ninguém fez nada quando ninguém somos todos nós. Srs. Deputados,

ninguém somos todos nós.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Todos nós, não!

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Não por não termos feito, mas por não termos feito tudo o que devíamos. Exemplo disto, Srs. Deputados, é que todos os grupos parlamentares e muitos líderes partidários já visitaram

várias vezes aquele território, existindo até — pasme-se! — registo de comissões parlamentares permanentes

desta Assembleia que visitaram aquele território em 2009.

Protestos do Deputado do PSD Cristóvão Norte.

Por isso, relembro, a este propósito, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que, não sendo

perfeita — já constatámos aqui que não é; a própria câmara municipal, a assembleia municipal e outros

intervenientes suscitaram alterações —, é uma resolução que identifica os problemas e apresenta soluções,

envolvendo todos os agentes.

Prova disso, também, é que a autarquia tem muitos e bons exemplos de contínuo trabalho para ajudar a

mudar as coisas naquele território.

Chegados aqui, Srs. Deputados, aquilo que vos peço é bom senso, é mais respeito por Odemira, pelos

odemirenses, sejam eles naturais ou não do concelho.

Aplausos do PS.

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Odemira, Srs. Deputados, tem tudo! Tem sol, tem mar, tem natureza e turismo ambiental que é referência

mundial. Não ajudem a destruí-lo!

Tem agricultura, com bons agricultores e com muito bons produtos. Tem uma excelente oferta turística,

apoiada numa tradição gastronómica de excelência. Tem gente extraordinária, que está a passar um mau

momento, e é por esses que não podemos deitar tudo a perder.

Aproveitemos este momento para, em colaboração com o Governo, com as entidades… Exigimos ao

Governo que acelere o processo de testagem e de vacinação e apoiemos novas soluções que temos de construir

para as pessoas que vivem e trabalham em Odemira, relançando a economia de forma a que saiamos deste

momento todos a ganhar.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O surto em Odemira que estamos a analisar expôs as condições indignas em que vivem as pessoas migrantes que trabalham na

agricultura, no Alentejo.

O País, que andava distraído relativamente a esta situação,…

Protestos de Deputados do PSD.

… acordou para a dimensão da exploração e de atropelo aos direitos humanos a que estas pessoas estão

sujeitas.

O País andava, sim, distraído, porque nós colocámos estas questões há imenso tempo,…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Nós também!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — … fazendo variadíssimas recomendações, e nada foi feito. Esta situação não é nova, e os senhores sabem que esta situação não é nova.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Quem está distraído é o Governo!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — O que aconteceu em Odemira é a ponta do iceberg do que se passa no Ribatejo, do que se passa no Oeste, do que se passa noutras zonas do País. Isto passa-se em todas as zonas

onde, poucos, aqueles que exploram a agricultura, têm unidades de exploração agrícola e querem ganhar muito

à custa de salários baixos, à custa da exploração dos trabalhadores,…

Vozes do BE: — Exatamente!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — … subcontratando aqueles que contratam os trabalhadores, e estes não recebem muitas vezes o seu salário.

É isso que se está a passar, é a isso que temos de prestar atenção.

Esta informação já nos foi trazida variadíssimas vezes por organizações ambientalistas.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Fale com o Governo! Fale com o Governo!

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — O Bloco de Esquerda associou-se a estas preocupações, fez inúmeras perguntas e apresentou inúmeras propostas. Também as organizações de defesa das pessoas migrantes

fizeram denúncias, alertaram para esta situação, chamaram a atenção para as condições em que as pessoas

vivem.

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E porque é que isto aconteceu? Isto aconteceu porque nas estufas que proliferam nesta região o modo de

produção de agricultura intensiva destrói os recursos ecológicos, destrói o tecido social e também destrói a

coesão social, porque, ao não responder adequadamente às condições de vida das pessoas migrantes,

consegue fomentar ou promover ou não fazer nada sobre o crescimento de reações xenófobas e racistas

relativamente às pessoas migrantes.

Portanto, é preciso olhar para as condições em que estas pessoas trabalham. Muito antes da pandemia já

havia relatos de casas sobrelotadas, muito antes da pandemia sabíamos que as pessoas pagavam várias

centenas de euros por casas insalubres, degradadas, onde viviam amontoadas.

O Bloco de Esquerda e as organizações de defesa das pessoas migrantes alertaram para esta situação antes

da pandemia, mas também alertaram quando a pandemia se instalou. Isto porque as condições eram propícias

para potenciar contágios entre as pessoas que viviam naquelas condições e, por isso, criavam uma situação de

risco a que era preciso responder. O Governo nada fez, o Governo não olhou nem respondeu às condições em

que estes trabalhadores se encontravam.

Nós questionámos o Governo, questionámos as Câmaras de Odemira e de Aljezur sobre as medidas que

tinham para melhorar as condições de vida dos trabalhadores em situação de confinamento e ainda não

obtivemos resposta.

Vozes do PS: — Ah!…

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — A generalidade das empresas agrícolas que operam no Perímetro de Rega do Mira, para responder à carência habitacional, optaram por alojar os trabalhadores em contentores

instalados nas explorações agrícolas. Esta solução de habitação precária foi regulamentada pelo Governo. O

Governo regulamentou, aceitou e legalizou a ilegalidade. Habitações ilegais para pessoas estrangeiras foi o que

o Governo aceitou na resolução do Conselho de Ministros de 2019, normalizando e permitindo a guetização das

pessoas estrangeiras, isolando-as do tecido social das localidades mais próximas, negando-lhes condições

dignas de habitação e dificultando o seu acesso ao espaço urbano, a transportes e a serviços públicos.

O Bloco de Esquerda acha que esta resolução deve ser revogada e aplicada uma moratória à instalação e

expansão de explorações agrícolas no Perímetro de Rega do Mira, até que se encontrem soluções ambientais

e sociais adequadas, como recomendou ao Governo num projeto de resolução que apresentou na anterior

Legislatura.

Este assunto assume agora uma prioridade muito grande, porque, se já era importante resolver as condições

de habitação destes trabalhadores, soma-se, agora, a necessidade de se rever os modos de produção agrícola.

Não podemos continuar a incentivar a produção de agricultura intensiva e também não podemos continuar a dar

dinheiros públicos àqueles que exploram trabalhadores, alojam trabalhadores em condições indignas e que,

além disso, promovem a destruição de recursos ecológicos fundamentais.

A solução para esta carência de habitação não passa por aumentar o número de contentores, não passa por

regulamentar os contentores nem por criar guetos e promover a sobrecarga do litoral. A prioridade deve ser a

habitação digna para todas as pessoas, espalhada pela malha urbana e sem recurso a aldeias de contentores.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Outra questão que importa aqui destacar é a condição destas pessoas no País. Muitas destas pessoas estão em situação irregular,…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que conclua.

A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — … que se prolonga há vários anos e que precisa de ser corrigida. É preciso a regularização extraordinária de todas estas pessoas para que elas não fiquem vulneráveis às

máfias e possam defender os seus direitos.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tendo em consideração que estamos perante uma situação em que está em causa a dignidade da vida humana, o tema do debate merece seriedade e

honestidade e que se identifiquem as causas e, naturalmente, se apontem as soluções.

Ouvimos a Sr.ª Ministra com atenção e estamos numa situação em que temos de responder à questão de

saúde pública. Considerando aquelas que foram as lacunas e as falhas do Governo na resposta, e tendo até

em atenção as exigências que o PCP sempre fez naquilo que tem a ver com a necessidade de rastreios, de

testagens, de vacinação, é natural que estejamos confrontados com uma situação que, em termos de saúde

pública, não pode, de forma nenhuma, deixar de ser atendida. Mas isso não pode impedir que se faça o debate

sobre as causas que estão na sua base, de forma a identificar e combater o que originou e conduziu a esta

situação.

O modelo económico subjacente à situação que conduziu a um nível de desumanidade bastante grande

destes trabalhadores é uma causa, mas não acontece única e exclusivamente em Odemira. Odemira é o «olho

do furacão», mas existem muitas outras situações que abrangem outras regiões, outros territórios, outras áreas

e setores da economia, e também a outros trabalhadores, a que é preciso responder.

A situação tem autores e tem cúmplices e é preciso identificá-los. Ouvirmos aqui, hoje, a Sr.ª Deputada Filipa

Roseta dizer e querer fazer crer que o PSD não tem responsabilidades,…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não tem!

O Sr. João Dias (PCP): — … com uma falta de memória e uma amnésia absoluta,…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não tem!

O Sr. João Dias (PCP): — … deixa bem claro que o PSD tem responsabilidades.

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não tem!

O Sr. João Dias (PCP): — O PSD foi Governo,…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Não tem! Não tem! Não tem!

O Sr. João Dias (PCP): — … o PSD não pode vir só criticar e tem de assumir as suas responsabilidades, porque, em 2012, quando o PSD estava no Governo, o PCP colocou questões ao Governo e, Sr.ª Deputada,

identificou uma delas como um problema de contornos humanitários e de exploração ilegal de mão de obra.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. João Dias (PCP): — Foi isso que dissemos em 2012, Sr.ª Deputada, mas a iniciativa do PCP não se ficou, única e exclusivamente, pelo questionamento. Estivemos junto das populações em 2011, reunindo com

as populações, na vida das populações, identificámos os problemas correspondentes à exploração do trabalho

agrícola e fomos apresentando soluções, nomeadamente no que tinha a ver com o trabalho ilegal, a

intermediação laboral, a precariedade. E, nessa altura, durante os anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, o

Governo «pau mandado» do PSD…

Protestos da Deputada do PSD Filipa Roseta.

… estava absolutamente focado em aumentar a precariedade, em desresponsabilizar-se e, acima de tudo,

em desregular as relações laborais.

Mas o PS e o Governo do PS não se podem colocar de fora,…

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Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. João Dias (PCP): — … porque, se tivemos um Governo do PSD, tivemos dois Governos do PS, que também devem assumir as suas responsabilidades. O que não é admissível, Srs. Deputados, é que se venham

agora fingir surpreendidos. É isto que não podemos aceitar e é isto que a população também não aceita.

Nesse sentido, aquilo que se exige é que se combata esta inação, uma inação que tem autores, que são os

grandes exploradores e que são também os autores da situação que está aqui colocada, e que não podemos

deixar de apontar, porque não podemos permitir que o negócio da rede de apartamentos prevaleça sobre o valor

da vida humana.

Srs. Deputados, permitam-me também que lhes diga que há, necessariamente, que apontar soluções, e é

esse desafio que dirigimos ao Governo, que já o deveria ter feito. Por isso, perguntamos: está o Governo

disponível para concretizar as propostas que o PCP apresenta, nomeadamente o apuramento das

responsabilidades, eventualmente criminais, de quem se aproveitou — e isto é importante —, mas também de

quem foi cúmplice?

É preciso fiscalizar, é preciso identificar todas as situações de exploração laboral, todas as situações de

alojamento indigno, mas também é preciso responder às necessidades de serviços públicos, não só destes

trabalhadores, mas de toda a população do concelho de Odemira.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na intervenção da Sr.ª Ministra da Agricultura não houve nem uma palavra sobre direitos humanos, nem o assumir

de uma responsabilidade sobre a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que não se coaduna com

a nossa Lei de Bases da Habitação, que não se coaduna com aquilo que está vertido na nossa Constituição.

Nenhuma família pode e consegue viver em condições destas. Estamos a falar de habitações partilhadas por

16 pessoas, com 7 m2 por pessoa.

Portanto, o Governo ainda tem de explicar o que vai fazer em relação a essa resolução do Conselho de

Ministros, que nada mais é do que um reflexo de que o programa 1.º Direito, em Portugal, continua no papel.

Continua, de facto, a ser um privilégio ter acesso a uma habitação digna e, evidentemente, isso reflete-se nas

nossas políticas de migração e de integração das pessoas migrantes. A própria resolução do Conselho de

Ministros contribui para uma verdadeira segregação: estas pessoas têm de ficar instaladas, contentorizadas, a

1 km de aglomerados urbanos.

Esperamos que o Sr. Ministro da Administração Interna possa, efetivamente, vir dizer que políticas de

integração são estas.

A Sr.ª Ministra falou de um plano integrado e, hoje, temos aqui dois ministros, mas esperamos que este plano

integrado vá para além destes dois ministérios.

A Sr.ª Ministra continua a não separar o trigo do joio naquilo que se refere à agricultura e aos agricultores e

isto é, de facto, uma falta de respeito pelos agricultores que fazem bem e que têm boas práticas que devem ser

seguidas.

Estamos a falar de práticas agrícolas que têm sangue nas mãos, estamos a falar de práticas agrícolas que

deixam atrás de si um rastro de destruição ambiental e, portanto, evidentemente, gostaríamos de ouvir o

Governo sobre isto mesmo.

Respondendo ao Sr. Deputado Pedro do Carmo, respeitar as pessoas de Odemira é garantir-lhes o acesso

à habitação, é garantir-lhes o acesso à saúde, o acesso ao trabalho e ao ambiente.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — É isso que estamos a fazer!

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Não é!

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O Sr. Pedro do Carmo (PS): — É isso mesmo!

A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Não é isso que estão a fazer, Sr. Deputado! Estão a deixar avançar explorações agrícolas, sem rei nem roque, sem regulamentação, a deixar que tudo ande e, depois, logo se vê,

sem pensar, sequer, naquilo que é hipotecar o presente e o futuro das nossas crianças e jovens, também nesta

região.

É evidente que a visão da Sr.ª Ministra da Agricultura, naquilo que são as suas políticas, ficou parada no

século XX. E isto, numa altura em que se transformam hábitos alimentares, em que há ou deveria haver outra

consciência ambiental. Mas a Sr.ª Ministra já veio aqui dizer-nos que, no seu pelouro, vai tudo bem.

Em resultado daquilo que é um desregrado mar de plásticos de estufas, lembro que em 2019 se

contabilizavam 1335 ha de estruturas cobertas de plástico, a nível de áreas de culturas intensivas e

superintensivas, um pouco por todo o Alentejo, degradando paisagens, ecossistemas e biodiversidade, e um

uso abusivo dos meios hídricos. E não será preciso ser especialista em hidrologia para saber que os meios

hídricos não vão chegar para as populações.

Portanto, importa que o Governo esteja, de facto, disponível para responder a todas as questões que

suscitámos na nossa intervenção inicial e que ficaram sem resposta.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, é verdade que o problema não começou em 2015, nem o mundo, mas também não começou ontem. Foi há dois anos que o Governo autorizou

300 contentores em Odemira para estas pessoas viverem. Não foi o PSD que autorizou, nem o CDS, nem o

Chega, nem a Iniciativa Liberal, foi o Partido Socialista que autorizou, e autorizou com toda a cumplicidade dos

seus parceiros de esquerda, que agora olham para o lado e dizem «não temos nada a ver com isto».

Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.

Vejo nesta Assembleia uma preocupação muito grande, muito grande e justa, legítima, com os migrantes

que temos de cuidar. Então, e as populações daquelas terras? E os proprietários das casas que, durante a noite,

se veem expropriados por um Governo que não cumpre a lei? Ninguém se preocupa com eles? Estamos

preocupados, e bem, única e exclusivamente com pessoas que vêm da Índia, do Nepal, do Paquistão e do

Afeganistão, mas não nos preocupamos com quem nasceu na nossa terra e com quem tem casas, propriedades

e trabalha nas nossas terras.

O Sr. Deputado Pedro do Carmo disse que isto era um caso de polícia. Ninguém melhor do que o Ministro

da Administração Interna para esclarecer onde é que andou a polícia durante este tempo, quando tinha de

fiscalizar. Eis o homem! Está aqui quem nos pode responder a esta situação!

Já agora, deixe-me dizer-lhe…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Deixe-me dizer-lhe que este Sr. Ministro é o responsável por o Bastonário da Ordem dos Advogados e um

advogado não terem podido entrar no Zmar, tendo sido desautorizado pelo Presidente da República com um

telefonema.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou mesmo terminar, Sr.ª Presidente. Sr. Ministro, queria só dizer-lhe que acho que é tempo de se ir embora, porque são tantas as desautorizações

que me parece que é tempo de apresentar a demissão ao Sr. Primeiro-Ministro.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por registar que esta matéria justificaria, talvez, menos chicana parlamentar e até, talvez, menos partidarite.

Queria dizer que a decisão de uma requisição, na minha opinião desproporcionada e absurda, cuja dúvida

que suscita é se foi feita deliberadamente ou, mais uma vez, por mera incompetência, por não se ter apercebido

de que metade das casas eram particulares, começou por chamar a atenção para esta matéria. Uma requisição

que diria ser o maior ataque à propriedade privada, no Alentejo, desde 1975, e que desencadeia, ao mesmo

tempo, a questão da imigração. Ou seja, tivemos, na mesma situação, um ataque à propriedade privada e uma

ofensa aos direitos humanos.

Em relação à imigração, gostaria de deixar claro que a nossa posição não é a dos que defendem «imigração

zero» — estes trabalhadores e outros trabalhadores imigrantes são necessários e fazem muita falta ao nosso

País, que tem carência de mão de obra, designadamente na agricultura —, mas também não é a posição

daqueles que, mais à esquerda, defendem fronteiras abertas e falta de controlo, porque isso é um estímulo às

redes ilegais de imigração.

O Governo gaba-se, há anos, de sermos exemplares na integração dos imigrantes. É o que o Governo diz e

é este o seu discurso. E o que é que verificamos em relação à realidade? Já tínhamos visto a situação de um

hostel na Baixa de Lisboa e as condições em que os imigrantes estão, que a pandemia expôs. Agora, com o

mesmo Governo, a pandemia expôs mais situações, numa dimensão muito maior, muito mais grave e muito

mais acintosa.

Em termos de políticas de imigração, é a este ponto que o Governo é exemplar, um Governo que se gaba

disso.

A verdade é que temos denúncias de redes de imigração ilegal e de tráfico de pessoas. O Parlamento sabe

isso. Todos os Deputados da 1.ª Comissão sabem isso, seguramente, desde 2016 e 2017.

Quem nos trazia essas queixas? O SEF! O SEF pedia sempre a mesma coisa: mais meios e mais inspetores

para o Alentejo, mais condições de trabalho. O SEF pediu-nos sempre isso!

O Sr. João Dias (PCP): — Desde 2014!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — O que é que o Governo fez? Extinguiu o SEF — solução brilhante!… Ou seja, o que este Governo conseguiu fazer ao organismo mais especializado em tratar desta matéria e em

combater estes problemas foi extingui-lo.

Em relação ao partido que nos trouxe o tema, e bem, quero dizer o seguinte: é muito importante que esta

questão não se vire contra a agricultura, porque se ela se virar contra a agricultura esse seria também um erro

absoluto.

Do que nós precisamos é de condições, do que nós precisamos é de fiscalização, do que nós precisamos é

de respeito pelos direitos humanos.

Vale a pena perguntar, por exemplo, o que é que a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), que

andou de restaurante em restaurante a fiscalizar o layoff, fez nesta matéria, porque parece que não teve o

mesmo zelo nem a mesma capacidade. Isto, obviamente, tem um nome. A isto chama-se «incompetência».

Precisamos dos imigrantes, porque são importantes para a economia. Precisamos da agricultura, precisamos

de fiscalização, precisamos de rigor e precisamos de humanidade.

O Governo falhou redondamente ao longo destes anos e continua sem ter resposta para esta matéria.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Agricultura, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Partilhamos a

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opinião de que são indignas as condições de vida e de habitação dos trabalhadores rurais sazonais em Odemira

e de que são preocupantes os problemas ambientais no Perímetro de Rega do Mira.

Já não partilhamos a facilidade com que se aponta os empresários agrícolas como sendo os únicos

responsáveis, nem podemos alinhar no discurso simplista e falso de que só se produzem produtos agrícolas de

luxo naquela região.

A questão da água merece preocupação, mas não se fala do problema a montante, ou seja, da forte quebra

nas afluências de água do rio Mira à Barragem de Santa Clara, e, mesmo a jusante da barragem, ninguém se

preocupou em eliminar o desperdício de água num sistema que tem mais de 50 anos, é a céu aberto e funciona

por gravidade.

Quanto às condições degradantes de habitação dos trabalhadores rurais, as autoridades são tudo menos

inocentes. A câmara socialista de Odemira chega a demorar quatro anos para emitir uma licença de habitação

e as demoras nos loteamentos são uma constante.

Por seu turno, os empresários agrícolas que pretendam construir habitação para os trabalhadores esbarram

com a burocracia socialista do costume: com uma meia dúzia de entidades que têm de dar parecer e que não

se entendem entre si. Quando algum empresário opta por desrespeitar as regras em vigor, é a vez de a

fiscalização falhar clamorosamente.

Depois das sucessivas falhas do Estado central e do Estado local — ambos socialistas, recorde-se —, e

perante a necessidade de isolamento profilático de numerosos trabalhadores, o que decide o Ministro Cabrita?

Decide requisitar civilmente certos alojamentos privados…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Como estava a dizer, o Ministro Cabrita escolhe requisitar civilmente certos alojamentos privados, sem cuidar

de saber da sua real situação, espezinhando os direitos de propriedade privada de forma desproporcionada,

como se viu nesta madrugada mesmo.

Mais uma prova de que o seu prazo de validade, Sr. Ministro, já expirou há muito.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Telma Guerreiro, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Telma Guerreiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr.ª Ministra da Agricultura, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O tom que esta

discussão tomou não é o tom que Portugal deseja, nem é, com certeza, o tom que Odemira deseja e precisa.

Aplausos do PS.

Acho que é importante todos e todas concertarmos que esta discussão não termina hoje. Por isso, não temos

de fazer todas as acusações, não temos de fazer tudo nesta discussão, que não termina, nem pode terminar,

aqui, pelo País e por Odemira.

A situação que se vive hoje em Odemira deve ser transformada numa oportunidade para Odemira e para o

País, porque o que se vive em Odemira não é singular, nem o será no nosso futuro, tendo em conta o nosso

cenário demográfico. Portugal vai continuar a precisar de imigrantes.

Aos imigrantes a viver em situações indignas, aos odemirenses a viver uma situação difícil, o que importa,

neste momento, não são as culpas. O que importa aos odemirenses e aos portugueses é que já ninguém está

disposto a esquecer.

É importante que o Parlamento e o Governo mostrem força e coragem de agir na resposta e, sobretudo, na

prevenção dos problemas.

Aplausos do PS.

O que importa é tomarmos as medidas de que Odemira e o País precisam.

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Odemira também tem imigrantes felizes.

Deixo palavras, também, para a população de Odemira, para as suas instituições, de um profundo

reconhecimento.

Aplausos do PS.

Reconhecimento pela capacidade de resistir, pela capacidade de se adaptar. De Odemira e para Odemira

vai uma palavra de respeito.

Aplausos do PS.

Para este Parlamento e para o Governo vai a certeza de que estas pessoas, que são vítimas hoje, não o

voltem a ser, nem em Odemira, nem no nosso País.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está confiante de que, em conjunto, neste Parlamento e no

Governo, vamos saber dar a resposta necessária, sem intransigências aos direitos humanos, combatendo sem

tréguas a exploração económica, quebrando o círculo vicioso das condições desumanas em que vivem estas

pessoas, que são pessoas com nomes, com vidas e com sonhos.

Aplausos do PS.

Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.ª Presidente, Odemira e Portugal precisam de um voto

de confiança de que todos, em conjunto, vamos ser capazes de fazer mais e de fazer melhor.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Ministros da Administração Interna e da Agricultura, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro, que, numa

curta declaração ao País, na quinta-feira, veio dizer que estávamos perante um grosseiro atentado aos direitos

humanos em Odemira, é o mesmo que decidiu, numa resolução do Conselho de Ministros,…

O Sr. André Ventura (CH): — É verdade!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … perpetuar um regime de habitação em contentores em Odemira, pelo período de 10 anos.

Os Srs. Ministros que estão à nossa frente foram os ministros que, nos últimos dias, foram a Odemira e

aprovaram essa mesma resolução do Conselho de Ministros.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Quero dizer que nós, há dois anos, na Assembleia da República, definimos o quadro pelo qual o Governo se devia orientar. Este devia, por um lado, ter a máxima urgência na definição de

uma solução urbanística e, por outro lado, devia robustecer os serviços públicos, de modo a que todos, cidadãos

de Odemira e imigrantes, tivessem acesso à saúde, à educação e à habitação condigna.

O Governo não fez nem uma coisa, nem outra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

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O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Por isso, não podemos aceitar que, na altura, tivessem vindo defender essa solução e agora venham, no mesmo repente, exortar a posição responsável do Governo em relação a esta

matéria.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado,…

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, então, se faz favor, primeiro ouve, a seguir responde e, depois, poderá continuar, se a Mesa o permitir.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Se me permitir, Sr.ª Presidente, terminarei agora.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça o favor de concluir.

O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — O Governo que, neste momento, vem imputar responsabilidades, como já o fez, em várias ocasiões, aos empresários agrícolas, que têm muito relevo para o País, foi o mesmo Governo

que, depois dos seus insistentes pedidos, nada fez e ignorou esta situação.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje deixa bem claro que se identificam as causas, os autores e os seus cúmplices.

Os autores são as explorações agrícolas, que querem fazer dos trabalhadores agrícolas vítimas, no sentido

de retirar deles o lucro máximo. Mas os cúmplices também têm aproveitado esta situação.

Não podemos deixar de denunciar os sucessivos Governos, que, por inércia e inação,…

A Sr.ª Filipa Roseta (PSD): — Há seis anos! Há seis anos!

O Sr. João Dias (PCP): — … têm deixado que esta situação permaneça. Lançamos o desafio a este Governo que não faça aquilo que o Governo do PSD/CDS e que os outros

Governos do PS fizeram.

São precisas, a par de respostas urgentes e imediatas, medidas de fundo que protejam os trabalhadores e

as populações naquilo que eles mais precisam e que garantam condições de vida, de trabalho e de habitação

condignas.

É nisso que o PSD, o CDS e o PS faltaram à população e aos trabalhadores.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Também para uma nova intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia, do Grupo Parlamentar do CDS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, é só para deixar claro, nos 5 segundos que me restam, que esta questão não deve ser, de facto, discutida num tom de pura partidarite.

Mas se alguém teve sempre duas caras nesta matéria não foi deste lado, nestas bancadas. Quem teve

sempre duas caras e se alguém foi cúmplice do Governo e do Partido Socialista foi o PCP, foi o Bloco de

Esquerda e foram os Deputados que estão nessas bancadas.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Os senhores, sim, são cúmplices no silêncio e foram cúmplices em tudo o que aconteceu.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado João Oliveira, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Oliveira (PCP): — É para fazer uma interpelação à Mesa, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr.ª Presidente, é para pedir a distribuição de um documento a todas as bancadas, em especial à Sr.ª Deputada Filipa Roseta.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Queria pedir que fossem distribuídas três perguntas feitas pelo PCP, no dia 29 de novembro de 2012, a dois ministros do CDS e a um ministro do PSD, sobre esta questão que estamos

hoje a discutir, com nove anos de atraso, porque o PSD e o CDS se recusaram a intervir sobre esta matéria!

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado. Está feito o pedido.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada Joana Mortágua, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É para o mesmo efeito, Sr.ª Presidente, para fazer uma interpelação à Mesa.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — É também para pedir a distribuição de um projeto de lei do Bloco de Esquerda de combate ao trabalho forçado e à exploração laboral, nomeadamente nas herdades do Alentejo,

que foi chumbado, em 2014, pelo PSD e pelo CDS, nesta Casa.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O debate hoje travado é, de facto, um debate sobre direitos humanos. É um debate sobre o direito à vida, o direito

à saúde, o direito ao trabalho com direitos e o direito à habitação.

O Governo não descobriu Odemira nesta semana. Não estamos como a direita, que confunde e faz rimar

pandemia com hipocrisia.

Aplausos do PS.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Tenha vergonha! Que lata!

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O Sr. Ministro da Administração Interna: — É por isso que, com a mesma frontalidade com que temos coordenado a aplicação das medidas do estado de emergência e, agora, das medidas em situação de

calamidade, que colocam Portugal como o País com os melhores resultados de incidência da pandemia em toda

a União Europeia, não escondemos os problemas reais.

Por isso, adotamos as medidas necessárias, como foi a da cerca sanitária de Ovar, onde foram mobilizadas

instalações privadas de hotelaria, como foi na área da Grande Lisboa, quando foi necessário aplicar medidas a

19 freguesias, como está a ser agora, nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, defendendo as populações

e o Estado de direito.

É por isso que dizemos: a cerca sanitária está a produzir efeitos, porque, desde a última semana, Odemira

tem muito menos de 50% de casos de infeção do que tinha no dia em que a cerca foi instaurada. Ontem, estavam

ativos 46 casos, quando há uma semana estavam ativos 123.

É este o caminho, pelo direito à saúde e à vida, direito que é para todos,…

Aplausos do PS.

… para os odemirenses lá nascidos e para os 10 000 cidadãos que vivem lá mas que nasceram noutras

terras, da Alemanha ao Nepal. São todos iguais, todos têm direitos, inclusive o direito à residência permanente!

Aplausos do PS.

É por uma sociedade justa, cosmopolita, solidária que também aqui dizemos que a economia é fundamental.

Queremos que aquela linda terra do litoral, de sol, de praia, de floresta, de Santa Clara-Saboia, de Boavista dos

Pinheiros, que alguns conhecem como turistas, tenha futuro.

Queremos direitos para todos nesta terra, queremos que os empresários assumam o compromisso de

responsabilidade social. Só há futuro para a economia havendo trabalho com direitos, havendo direito à

habitação e, para isso, faremos tudo por Portugal e pelos odemirenses.

Aplausos do PS.

Protestos de Deputados do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos o primeiro ponto da nossa ordem do dia, pelo que me despeço dos Srs. Membros do Governo.

Vamos passar ao segundo ponto, que consta de declarações políticas.

Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Já nada, ou mesmo muito pouco, nos pode surpreender no «folhetim Novo Banco».

A Assembleia da República, em boa hora, cumprindo a sua função de fiscalização dos atos públicos,

determinou ao Tribunal de Contas, em outubro último, a realização, com caráter de urgência, de uma auditoria

à gestão do passivo e à alienação de ativos pelo Novo Banco, sejam ativos imobiliários, créditos improdutivos

ou outros, assim como «a sua valorização e registo no balanço» e a «identificação de eventuais práticas de

gestão no Novo Banco conducentes e orientadas para a obtenção de um determinado resultado líquido do

Banco, com o objetivo de permitir o acionamento do mecanismo de capital contingente», citando a resolução

que aprovámos.

O Tribunal de Contas acatou a deliberação da Assembleia da República e entregou esta semana ao

Parlamento e a outras entidades o resultado dessa auditoria.

O documento entregue inclui informações relevantes, mas, Srs. Deputados, há omissões ensurdecedoras

que devem agora ser alvo de análise dos portugueses e da Assembleia da República, afinal, a entidade que

solicitou a auditoria.

Há omissões porque a auditoria não responde a algo que foi solicitado ao Tribunal de Contas e corresponde

a uma exigência de todos os portugueses.

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A alienação de ativos pelo Novo Banco ocorreu por um justo valor? A alienação de ativos e os prejuízos daí

decorrentes foram bem calculados? O valor que já foi pago ao Novo Banco foi o valor correto? Existiram práticas

de gestão destinadas a, deliberadamente, afetar os resultados do banco de modo a que a instituição fosse

buscar dinheiro público? A quem foram vendidos esses ativos?

A tudo isto, o Tribunal de Contas não responde nesta auditoria e, assim, os portugueses ficam na mesma,

ou seja, sem saber se a conta paga com os nossos impostos corresponde ao valor real a que estávamos

obrigados.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Podemos, no entanto, ter a expectativa de que o Tribunal de Contas venha ainda colmatar esta omissão.

Por outro lado, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Tribunal veio confirmar aquilo que muitos já

suspeitavam: que o Fundo de Resolução não atuou proativamente na demonstração, verificação e validação

dos valores a pagar ao Novo Banco; que o Fundo de Resolução não exigiu o cumprimento dos deveres

contratuais de prestação de contas a que o Novo Banco estava obrigado, ou seja, que o Fundo de Resolução

não teve qualquer cuidado na defesa dos contribuintes; que foram feitas injeções de capital sem demonstração

de cálculo do défice de capital.

O Tribunal reconhece, também, a importância da venda para a estabilidade do sistema financeiro, o que é

correto. No entanto, não analisou alternativas à liquidação, no limite a manutenção plena do Novo Banco na

esfera pública.

O Tribunal de Contas reconhece ainda a falta de transparência na comunicação do impacto quer da resolução

quer da venda na sustentabilidade das finanças públicas, o que poderia ter sido evitado se o contrato de venda

fosse público desde o início e não mantido em segredo, como o Governo sempre o procurou fazer.

O que já suspeitávamos é agora confirmado e é tão grave, Sr.ª Presidente, que o PSD irá apresentar uma

exposição ao Ministério Público, na expectativa de que algo possa ainda acontecer para apuramento de

responsabilidades.

Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É perante todo este contexto que o Novo Banco veio pedir ao Fundo

de Resolução nova injeção de dinheiro e a grande preocupação — pasme-se! — dos responsáveis do Fundo

de Resolução, do Banco de Portugal e do Governo é afirmar que, no enquadramento que já citei, a referida

injeção financeira pode avançar.

É natural a surpresa dos portugueses!

Claro que os contratos são para cumprir, mesmo os maus contratos, aqueles em que, porventura, os

interesses do Estado, nomeadamente os dos contribuintes, não foram suficientemente salvaguardados.

Mas o Governo, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução têm a certeza de que o valor pedido é mesmo

devido?

Face ao histórico da análise da fatura, que, segundo conclusão do Tribunal de Contas, nunca aconteceu, há

garantia de que isso agora não se vai repetir?

O «folhetim Novo Banco» é mesmo assustador, Srs. Deputados.

O relatório da auditoria do Tribunal de Contas veio confirmar as falhas destas instituições, mas, de facto, o

mundo não acabou com esta auditoria.

Há uma nova injeção financeira em cima da mesa e pelo menos sobre esta os portugueses exigem que ela

só aconteça se comprovadamente — repito, comprovadamente! — o valor for devido.

Esperemos que o bom senso se imponha nas autoridades. Este não é um desejo do PSD, é uma exigência

de todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Duarte Pacheco, a Mesa registou a inscrição, para pedir esclarecimentos, de seis Srs. Deputados. Pergunto como deseja responder.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — A dois de cada vez, Sr.ª Presidente.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado. Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, queria começar por saudá-lo por ter trazido o tema do Novo Banco a discussão, porque é um assunto que,

infelizmente, continua a ser notícia e, ainda por cima, pelos piores motivos.

De facto, os portugueses continuam a suportar o peso da fatura e os administradores a receberem prémios

milionários. Aliás, a decisão do Novo Banco de atribuir prémios, relativamente a 2020, aos administradores é,

na perspetiva de Os Verdes, uma cruel ofensa aos contribuintes e aos portugueses. É uma ofensa não só porque

são os portugueses que continuam a suportar este regabofe, mas também porque estamos a falar de um ano

em que o Novo Banco registou 1329 milhões de euros de prejuízo.

Portanto, a atribuição de 2 milhões de euros aos membros do Conselho de Administração só pode ser

entendida como uma verdadeira provocação aos contribuintes e aos portugueses.

Além disso, temos as primeiras conclusões do relatório da auditoria do Tribunal de Contas ao financiamento

público do Novo Banco. Nesse relatório, o Tribunal de Contas faz uma apreciação muito crítica relativamente ao

acompanhamento que o Fundo de Resolução fez de todo o processo de venda do Novo Banco, bem como

identifica riscos de complacência, conflito de interesses e falta de independência na atividade do Fundo de

Resolução.

Mais, Sr. Deputado Duarte Pacheco: o Tribunal de Contas vem confirmar o que se esperava, isto é, que o

interesse público esteve ausente neste processo.

O interesse público esteve ausente na privatização do Novo Banco, que foi assumida pelo Governo do PS,

mas o interesse público também esteve ausente na resolução do BES (Banco Espírito Santo), que foi, como o

Sr. Deputado sabe e certamente reconhecerá, assumida durante o Governo PSD/CDS.

Face a essa constatação, pergunto ao Sr. Deputado Duarte Pacheco como é que o PSD encara este

problema, tendo presente as suas responsabilidades neste processo, que são muitas, como bem sabe.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Pacheco, se fosse noutro país, logo no dia a seguir a ter saído uma auditoria como aquela que conhecemos do Tribunal

de Contas, o Primeiro-Ministro estaria no Parlamento a dar explicações, porque o que é dito na auditoria é

gravíssimo para o Governo. Tenho de dizer que talvez ajudasse se houvesse debates quinzenais!

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Essa é para o PSD!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O que a auditoria refere é tão grave como diz o Sr. Deputado e até mais. Saliento, pois, uma conclusão: a auditoria diz que o Estado português se comprometeu, além de todos os

montantes que já conhecíamos, com ainda mais 1600 milhões de euros, caso tudo corra mal no Novo Banco.

Esta é uma matéria que o Governo sonegou ao Parlamento. Gostava de deixar isto claro e gostava de saber

se o Sr. Deputado acha que tal exige novas explicações, nomeadamente que o Governo explique, sobretudo,

por que motivo sonegou ao Parlamento a informação de que o Estado português está comprometido em mais

1600 milhões de euros, além de tudo o que já conhecíamos.

Gostava também de saber o que acha o Sr. Deputado de termos ouvido o Sr. Primeiro-Ministro dizer que os

contratos são para cumprir. O Sr. Primeiro-Ministro está sempre muito indignado com o Novo Banco, mas,

quando chega a hora de tirar alguma consequência da sua indignação, diz que os contratos são para cumprir.

O Tribunal de Contas explicou que estamos perante um incumprimento contratual. Portanto, gostava de saber

o que acha o Sr. Deputado de nem o Governo nem aparentemente o Fundo de Resolução exigirem o

cumprimento do contrato.

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Um parágrafo desta auditoria do Tribunal de Contas explica que o Banco de Portugal, ao mesmo tempo que

sugeriu a escolha do Lone Star, sugeriu também que o Governo, enquanto decisor final, promovesse

negociações para que houvesse a hipótese de outros concorrentes e de outras empresas apresentarem

propostas tão boas ou melhores do que aquelas. No entanto, o Tribunal de Contas diz que não encontra

evidência de isto ter acontecido. Não acha que o Governo nos deve uma explicação?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Com certeza. Por último, pergunto ao Sr. Deputado se lhe parece razoável que o grande responsável governamental por

esta negociação seja o atual Governador do Banco de Portugal, que, sobre isto tudo, a única coisa que foi capaz

de dizer foi que não concordava com o Tribunal de Contas.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões que colocaram. Sr. Deputado José Luís Ferreira, respondo muito diretamente à questão dos prémios. Ontem, tive a ocasião

de dizer a um órgão de comunicação social que só há uma reação: «Haja decoro!» Acho que não é preciso dizer

mais nada. Quando não há vergonha, aparecem propostas como aquela. Mas, infelizmente, a falta de decoro

acontece, também, na Administração do Novo Banco.

Sobre o interesse público, Sr. Deputado, também está claro no relatório do Tribunal de Contas — e é a nossa

opinião — que a resolução e a alienação foram importantes para salvaguardar a estabilidade do sistema

financeiro e isso é interesse público. Porque salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro, sem haver risco

sistémico, salvaguardar a situação dos depositantes, manter uma instituição como esta no mercado a funcionar

é interesse público. E isso foi alcançado.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Vamos ver!…

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Se existiam ou não alternativas, essa é outra questão. Eu próprio disse que o Tribunal de Contas refere que o interesse público foi garantido porque a alienação salvaguardou a estabilidade

do sistema financeiro, mas que não estudou as alternativas e uma alternativa limite — que é muito querida aos

parceiros da sua coligação — seria a própria manutenção do banco na esfera pública. Isso não foi feito.

Digo isto para ser totalmente franco convosco. Mas o que não podemos dizer é que a estabilidade do sistema

financeiro não é interesse público, porque o é.

Quanto à outra questão — e agradeço à Sr.ª Deputada Cecília Meireles as questões que me colocou —,

primeiro, como é óbvio, a falta de transparência é uma crítica que o Tribunal de Contas faz, mas penso que não

é apenas o Tribunal de Contas, qualquer português a faz. Pensar que se faz uma alienação e que se esconde

no cofre-forte o contrato com as obrigações a que o Estado está obrigado, para que os portugueses não saibam

e não lhe possam pedir responsabilidades, é uma vergonha. E foi isso que aconteceu durante anos: o Governo

escondeu o cofre a sete-chaves para que ninguém soubesse o que lá estava.

Portanto, há muitas explicações a dar e, tal como disse, estamos perante uma incompatibilidade, que

evidenciámos ontem, em que o Sr. Dr. Mário Centeno, no Banco de Portugal, reagiu como o ex-Ministro das

Finanças que tinha assinado esse contrato. Isto é algo incompreensível e inaceitável num Estado de direito.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Pelo menos, se queria defender a sua honra pessoal, saía do Banco de Portugal, ia para uma sala de hotel e falava daí. Misturar as funções é, mais uma vez, algo de muito criticável,

mas neste Governo já vimos de tudo.

Aplausos do PSD.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço ao PSD por ter trazido este tema a debate e só me ocorre, desde já, dizer, Sr. Deputado, que Portugal está a saque. Está a saque da

corrupção, está a saque dos crimes de colarinho branco e está a saque também da má gestão da banca, entre

tantos outros atores e interesses instalados.

Aqui chegados, Sr. Deputado, e tendo em conta que só o caso da banca já custou, na última década, mais

de 25 000 milhões de euros ao erário público, de facto, é com muita preocupação que olhamos para a auditoria

do Tribunal de Contas, apesar de não nos surpreender.

Efetivamente, o Novo Banco é um saco sem fundo, cuja fatura não para de ser apresentada aos portugueses.

Mais: ano após ano, há cheques em branco que têm sido passados ao Lone Star, por um lado, e, por outro, há

a postura de desprezo da Administração, para com os portugueses e a própria Assembleia da República, que é

absolutamente estrondosa, não se coibindo de dar a si própria bónus para premiar o prejuízo da sua má gestão.

Sr. Deputado, o caminho e a postura do PAN nesta matéria são conhecidos, sendo que o PSD já se absteve

quanto a uma iniciativa que aqui trouxemos na discussão do Orçamento do Estado, nomeadamente para a

renegociação dos acordos de venda do Novo Banco.

Face a toda esta realidade e ao facto de agora o Tribunal de Contas apontar que o Novo Banco poderá vir a

custar, afinal, 10 000 milhões de euros ao erário público, a pergunta que se impõe, Sr. Deputado, é se, numa

próxima iniciativa do PAN para esta renegociação, o PSD vai votar favoravelmente. Parece-nos que as coisas,

tal como estão, não podem continuar.

Todas estas injeções de capital, inclusive em contexto de crise sanitária, só vêm agravar todos estes

resultados e o equilíbrio das contas públicas do País. Mais: este relatório apresentado pelo Tribunal Contas é

absolutamente chocante, uma vez que daqui resulta claro que houve responsabilidades de António Costa, mas

também de Passos Coelho, que enganaram os portugueses.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Oh!…

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Deputado, isto tem de ser dito, porque o PSD veio, e bem, trazer aqui esta preocupação. Esperamos que haja, finalmente, uma posição próxima de resolver, de uma vez por

todas, o problema do Novo Banco. Há uma clara irresponsabilidade nesta gestão que tem de ser posta em cima

da mesa e tem de haver legislação sobre este assunto.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou já concluir, Sr.ª Presidente. Nesse sentido, e tendo em conta que não há uma lei que limite a possibilidade de fazer novas injeções no

Novo Banco sem que passem pela aprovação da Assembleia da República, o PAN deu ontem entrada de uma

iniciativa que visa que passe a ser obrigatória a aprovação, por parte desta Assembleia, de toda e qualquer

injeção de capital na banca, incluindo no Novo Banco. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se o PSD nos vai ou não

acompanhar.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, falar do Novo Banco, por estes dias, é falar da decisão tomada pela instituição de premiar os seus administradores e gestores de topo,

supostamente pela gestão do banco em 2020 que apresentou um prejuízo histórico, quando, mais uma vez,

vem pedir o apoio do Fundo de Resolução.

O Partido Socialista disse, a respeito disto, que esta decisão do Novo Banco é imoral e inaceitável. Não é a

primeira vez que ela é tomada e consideramos que é positiva a decisão do Fundo de Resolução de descontar

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esses 2 milhões de euros do prémio de gestão de uma eventual transferência que venha a ser feita nos próximos

tempos entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco.

Vemos, também, que o PSD, nas últimas 24 horas, «mudou a agulha» sobre o que falhou ao longo dos anos

sobre a solução para o Novo Banco.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Conversa!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — O PSD sempre defendeu que a venda tinha sido a melhor solução. Ontem à noite, o Presidente do PSD pôs isso em causa, dizendo que a venda não terá sido a melhor solução e que,

provavelmente, ter mantido o Novo Banco na esfera pública teria sido melhor.

O Sr. Deputado Duarte Pacheco, na sua intervenção, tentou lavrar um pouco essa tese. Pois bem, fiquei

surpreendido, como, certamente, muitos Deputados desta Câmara ficaram. Mas rapidamente cheguei a dois

projetos de resolução que foram aqui apresentados, pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, a 3 de fevereiro de

2017, que propunham exatamente a manutenção do Novo Banco na esfera pública, propondo até que se fizesse

um estudo para esse efeito, e o PSD e o CDS votaram contra!

O Sr. João Oliveira (PCP): — Claro!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Portanto, esse debate foi feito na altura própria, em 2017, quando o Estado português e o Governo estavam obrigados a vender o Novo Banco. E temos de nos lembrar do que

estava em cima da mesa: liquidar o Novo Banco ou vendê-lo.

Liquidar o Novo Banco tinha custos brutais para as finanças públicas e para os contribuintes, nomeadamente

o aumento dos juros da dívida pública, na casa das centenas de milhões de euros, um novo universo de lesados

a indemnizar, a capitalização do Fundo de Garantia de Depósitos para depósitos até 100 000 €. Portanto,

estávamos a falar de mais de milhares de milhões de euros que tinham custos muito acima do que foi o produto

da venda. Mas a venda só decorreu em 2017 porque alguém falhou a venda do banco em 2015.

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Por amor de Deus…!

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Quem criou o Novo Banco prometeu um banco bom e falhou! Quem prometeu vender o Novo Banco em 2015 falhou. E quem falhou? Há dois nomes e dois responsáveis: Pedro

Passos Coelho e Carlos Costa. O Sr. Deputado sabe disso.

Que o PSD não perca a memória e tenha dignidade intelectual neste debate!

Aplausos do PS.

Risos do Deputado do PSD Duarte Marques.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, quero deixar duas notas face às questões que colocou.

Em primeiro lugar, é preciso separar — às vezes há quem não separe e penso que nos seus valores não fez

essa separação — os empréstimos a bancos que pagaram e devolveram com taxas de juro de 10%. Há bancos

privados que receberam um empréstimo que devolveram ao Estado com um juro de 10% e esse valor não pode

ser visto como um custo para o contribuinte. O que temos de ver é o que foi emprestado a fundo perdido, o que

aconteceu na Caixa, no BPN (Banco Português de Negócios) e no Novo Banco — e não atinge esse valor.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Não é um saco azul!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Mas, seja como for, é um valor elevado para qualquer um de nós e para os portugueses, naturalmente.

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Deixo outra nota importante para vermos o que nos separa do que tem sido o comportamento do Governo e

do Dr. Mário Centeno. Há um ano, o Dr. António Costa disse-nos: «Sem apuramento real de se o valor é devido,

não há transferência para o Novo Banco». Porém, nas suas costas, o Dr. Mário Centeno estava a passar o

cheque, porque para ele o mais importante é cumprir o contrato.

Aquilo que dizemos é que estamos com receio de que volte a acontecer isso, mesmo agora quando o Tribunal

de Contas confirma que o Fundo de Resolução não faz a avaliação e a análise das contas que lhe são

apresentadas.

Portanto, repito, os contratos são para cumprir, sim, se o valor for devido. Mas sem olhar para a conta, passo

o cheque sem me preocupar?! Claro, o dinheiro não é deles, é de todos nós, porque se fosse deles teriam mais

cuidado a fazer as suas contas quando as pagavam.

Sr. Deputado João Paulo Correia, é importante fazer esta distinção. Sr. Deputado, imagine que tem uma

propriedade e que quer aliená-la. Mas se não encontra no mercado a melhor solução e sabe que vai perder

dinheiro, pode pensar em manter essa propriedade durante mais algum tempo, valorizá-la e vendê-la mais tarde.

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Se sou obrigado a vender…

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Isto é diferente da questão ideológica que diz que a propriedade deveria ser pública sempre, ad aeternum, ou de que nós temos como princípio que a venda é a solução. No entanto, a

venda tem de ser em boas condições, ou seja, nas condições em que se consiga rentabilizar da melhor forma o

interesse público e o interesse dos contribuintes.

O que está comprovado é que isso não aconteceu na venda em 2017. E agora percebe-se mais, percebe-se

que foi conscientemente, porque, como isso estava na consciência dos governantes que fizeram a alienação,

esconderam o contrato a sete-chaves!

O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É verdade!

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Se estivessem tão seguros de que a venda era uma boa solução, o contrato teria sido público, teria sido escrutinado por todos nós. Só que preferiram escondê-lo, porque tinham a

consciência de que estavam a enganar os portugueses, dizendo que isto não tinha custos para o contribuinte e

que não havia nenhuma garantia pública. Mas de cada vez que se abre uma porta descobre-se mais uma dívida

a pagar pelo Estado. Uma vergonha! E quem é o responsável por isso? O Dr. Mário Centeno!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, cumprimento-o por ter trazido a este debate o tema do controlo público do Novo Banco.

O Sr. João Oliveira (PCP) — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — O Sr. Deputado citou o relatório do Tribunal de Contas e várias das consequências ali apontadas das decisões tomadas quer pelo Governo do PSD/CDS, quer pelo do PS. Por

exemplo, na privatização decidida pelo Governo do PS não se acautelou a defesa dos contribuintes e os

mecanismos de controlo anunciados não funcionam.

Os fundos do Fundo de Resolução — isto também está no relatório do Tribunal de Contas —, na verdade,

são recursos públicos, repito, são recursos públicos, não são outra coisa.

A resolução sem custos para o contribuinte, anunciada pelo Governo do PSD/CDS, e depois a privatização

sem custos para o contribuinte, apresentada pelo Governo do PS, são fraudes políticas, porque tinham custos

para os contribuintes.

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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Portanto, é revelado por esta auditoria que o Novo Banco procura usar toda a verba do CCA (Contingent Capital Agreement) e, se possível, ir mais além no uso de recursos públicos.

Perante todas estas constatações, a pergunta que fazemos ao PSD é esta: que consequências tira disto?

Mantém um banco privado pago pelo Estado? O Estado paga, mas não manda? Que consequências se tiram

disto? Continuamos a ter uma situação em que o Estado e os contribuintes portugueses pagam a limpeza do

banco, mas o banco é posto nas mãos dos privados? Um dia que ele dê lucro, o lucro é privado?

É esta a questão que colocamos ao PSD e, aliás, a todos os partidos.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, a primeira coisa que, enfim, me apraz dizer é que muito se andou para que o PSD defenda a opção de manter o Novo Banco na esfera pública e o CDS coloque em

causa o cumprimento de contratos! Foi um longo percurso até aqui chegarmos.

A auditoria não faz, de facto, uma análise dos atos de gestão, apesar de ter sido esse o pedido ao Tribunal

de Contas, mas confirma uma coisa, aliás, denuncia uma coisa: denuncia a farsa política que foi a intervenção

no BES, tanto no momento da resolução como no momento da venda.

E essa farsa política foi uma decisão consciente dos decisores políticos quer do PSD e do CDS como do PS

ao dizerem aos cidadãos que a resolução e venda do Novo Banco não iria custar dinheiro aos contribuintes. É

essa a farsa que o Tribunal de Contas destrói, dizendo não só que todo este dinheiro que foi investido no Novo

Banco e foi pago ao Novo Banco é dinheiro dos contribuintes, como também as próprias contribuições que estão

a financiar o Fundo de Resolução são impostos que pertencem ao Estado e não ao Fundo de Resolução, são

consignadas ao Fundo de Resolução.

De resto, o Tribunal de Contas confirma aquilo que temos vindo a dizer há anos. O contrato de venda do

Novo Banco é ruinoso! É ruinoso para o Estado! Não tem mecanismos de defesa do interesse público e só foi

imposto ao País sob uma farsa, a farsa de que não existia garantia, a farsa de que a garantia não estaria por

utilizar e a farsa, que o Governo perpetua, de dizer que é um negócio entre privados e que não tem nada que

ver com os contribuintes. Essa farsa caiu e hoje é o Tribunal de Contas que o diz.

A segunda coisa que o Tribunal de Contas diz é que não há mecanismos de controlo, porque todas as

decisões da Administração vão recair sobre o Fundo de Resolução. Isto porque todas as decisões da

Administração têm um impacto no capital, logo podem acionar uma injeção de capital, mesmo que não tenham

que ver com a carteira de ativos tóxicos que foi garantida.

Portanto, quando a Administração decide atribuir-se prémios de gestão, isso vai à conta de capital! Por acaso,

desta feita, o Fundo de Resolução teve vergonha e disse que não pagava. Mas quantas outras decisões deste

género é que a Administração não tomou e que recaíram sobre os contribuintes?! Vamos confiar numa

Administração que se atribui prémios milionários, enquanto deixa o banco ter prejuízo? É nesta Administração

que confiamos?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Srs. Deputados, a nova decisão de injetar dinheiro no Novo Banco virá à Assembleia da República. Há muitas

declarações, agora, sobre as posições dos vários partidos, mas a decisão final será tomada nesse momento.

Por isso, pergunto ao PSD se será coerente, nesse momento, e se votará contra uma nova injeção, que, aliás,

nem sequer é necessária agora, com as novas regras de capital.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Alves, mais do que uma pergunta, a sua intervenção foi uma assunção ideológica de um modelo de sociedade, que não

corresponde ao nosso, em que tudo deve ser público. Não é a nossa posição, portanto, essa é uma divergência

de fundo que nos separa nesta matéria.

Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, partilho da ideia de que o contrato

é ruinoso, está confirmado. O contrato de venda foi ruinoso e, porventura, por isso é que foi escondido durante

tanto tempo de todos nós.

Diz o Tribunal de Contas, mas qualquer pessoa de bom-senso pode concluir isso, que não há mecanismos

de controlo. Nós já tínhamos percebido e o Tribunal de Contas veio confirmar.

Portanto, o que se coloca em cima da mesa, mais até do que discutirmos o passado — que é sempre

importante, naturalmente, para apuramento de responsabilidades —, é perguntar aos dirigentes do Fundo de

Resolução se vão atuar como atuaram ao longo destes anos. Se vão passar o cheque sem fazer uma validação

de todas as contas e se tudo aquilo que é devido é realmente devido.

O Tribunal de Contas diz: «Eles nunca o fizeram.» Porventura, não o fizeram porque o dinheiro não era deles,

era de todos nós, mas a pergunta é se voltam a fazer o mesmo, porque agora já não são os partidos da oposição

a dizê-lo, é o próprio Tribunal de Contas que diz «Os senhores não fizeram! Vão fazer o mesmo ou não?»

Esperemos que haja decoro, também, por parte das autoridades. Que os contratos são para cumprir são,

mas só cumpro um contrato se estiver a dever aquilo que me for apresentado. E isso tem de ser comprovado,

antes de qualquer pagamento.

Obrigado, Sr.ª Presidente, por toda a tolerância ao longo destas respostas.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O mundo soube ontem à noite que os Estados Unidos da América mudaram a sua posição em relação às vacinas contra a COVID-19 e passarão

a defender o levantamento das patentes. Porquê? Porque concluíram, finalmente, que essa é a única forma de

intensificar a produção, ou seja, é a única forma de intensificar a vacinação. Concluíram, finalmente, que a

universalização da vacina é a forma de controlar a pandemia e que ou nos vacinamos todos, em todo o mundo,

ou não encontraremos porta de saída da pandemia.

É uma decisão histórica que só peca por tardia. A informação e a tecnologia necessárias para vencer a

pandemia nunca, repito, nunca deveriam ter sido patenteadas, nunca deveriam ter sido exploradas como

mercadoria. Devem ser um bem público, um bem universal, coisa que o Bloco de Esquerda, aliás, sempre

defendeu.

Coloca-se agora a questão: então e a União Europeia? E a Presidência portuguesa da União Europeia? Vão

continuar a aceitar uma vacinação lenta e assimétrica entre os vários Estados, tudo em nome dos interesses

dos laboratórios farmacêuticos? Vão continuar a bloquear a proposta de dezenas de países que defendem o

levantamento das patentes dizendo que podem ter capacidade de produção, que podem contribuir para o

aumento da produção mundial?

António Guterres, que está à frente da ONU (Organização das Nações Unidas), como sabem, já disse há

vários meses que é preciso partilhar a informação para que os grandes laboratórios mundiais possam produzir

e aumentar rapidamente a quantidade de vacinas disponível.

Porém, em março deste ano, tanto a Ministra da Saúde como o Primeiro-Ministro continuavam a insistir numa

narrativa que é falsa, dizendo que o problema não são as patentes, mas, sim, a falta de capacidade industrial

em todo o mundo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em junho do ano passado, lançou um apelo público para que toda

a investigação, toda a tecnologia relacionada com a COVID-19, em particular aquela que beneficiou de apoios

e investimento públicos, fosse partilhada. O Governo português, na altura, até correu a colocar a sua assinatura

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nesse apelo de solidariedade à universalização da tecnologia e da informação. Pena é que, na reunião da

Organização Mundial do Comércio (OMC), tenha queimado por completo a sua posição na Organização Mundial

de Saúde e tenha votado contra a proposta de levantamento das patentes. Na Organização Mundial do

Comércio, deu o dito por não dito e deixou de parte a posição da Organização Mundial de Saúde.

Em Portugal, um apelo que contou com vários ex-ministros da saúde de antigos Governos do Partido

Socialista não podia ser mais claro, e cito: «É agora a altura para invocar a legislação europeia sobre propriedade

industrial para permitir a produção em fábricas de diversos laboratórios que estão disponíveis em vários Estados-

Membros. É agora o momento certo para que as vacinas sejam consideradas como um bem de interesse

comum, cuja produção tem de ser controlada e alargada utilizando todos os processos para que a população

seja rapidamente vacinada».

A isto, o Primeiro-Ministro respondeu, mais uma vez, que o problema não era o da existência de patentes,

era o da não existência de capacidade produtiva.

Não era verdade este argumento. Não é verdade este argumento. É falso e só serviu para proteger as

farmacêuticas, atrasar a produção e a vacinação.

É mais do que altura de o Governo português abandonar esta postura de subserviência em relação aos

interesses das farmacêuticas e a uma estratégia falhada da União Europeia. O mesmo vale, Sr.as e Srs.

Deputados, para todas e todos os Srs. Deputados do Partido Socialista, do Partido Social Democrata, do CDS-

PP, do Iniciativa Liberal e do Chega que, há menos de um mês, votaram contra uma iniciativa legislativa que o

Bloco de Esquerda trouxe a debate para o levantamento das patentes e para garantir um aumento do ritmo da

vacinação em Portugal e em todo o mundo.

Cada vez que a União Europeia, o Governo ou os partidos do centro e da direita parlamentar recusaram que

as vacinas fossem um bem-comum, fizeram o processo de vacinação atrasar-se. É uma responsabilidade vossa.

Dos mais de 4 milhões de vacinas que Portugal deveria ter recebido até ao final do primeiro trimestre, só metade

foram recebidas de facto. Resultado disso é que menos 2 milhões de pessoas foram vacinadas no nosso País

até final de março.

Cada vez que a União Europeia, o Governo ou os partidos do centro e da direita parlamentar recusarem o

levantamento das patentes, estarão apenas a prolongar a pandemia e a potenciar o aparecimento de novas

variantes que podem ser mais perigosas e mais contagiosas.

É, por isso, Sr.as e Srs. Deputados, tempo de deixar de proteger o lucro e passar a proteger as pessoas. É

tempo de ter como prioridade a saúde e fazer dela um bem público, comum e universal.

Este não é o tempo de dizer que se está disponível para começar a discutir o levantamento de patentes. Este

é tempo de levantar as patentes.

Exige-se que o Governo português tome essa posição e que diga, hoje, que é a favor do levantamento das

patentes.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Termino, Sr.ª Presidente. Exige-se que os vários grupos parlamentares nesta Assembleia da República tomem a mesma posição.

Menos do que isso, não é aceitável. Quanto aos partidos que, há menos de um mês, votaram contra o

levantamento das patentes, ainda vão a tempo de corrigir o seu enorme erro. Hoje, têm essa possibilidade.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado tem cinco pedidos de esclarecimento. Como deseja responder?

Pausa.

O Sr. Deputado assinalou que responderá primeiro a três pedidos, a que se seguirão os restantes dois.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira, do Grupo Parlamentar do PSD.

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A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Moisés Ferreira, quero saudar o Bloco de Esquerda por ter trazido este tema a debate. É um tema atual e oportuno, que está na ordem

do dia e sobre o qual o PSD não se arroga o direito de ter posições fechadas nem mágicas.

De um lado, reconhecemos a importância das patentes como um incentivo à inovação científica e, do outro,

não ignoramos a gravidade e o caráter global da emergência sanitária que nos convoca.

Já para o Bloco de Esquerda, sabemos bem que este tema nada tem a ver com saúde nem com o combate

à pandemia, sendo apenas mais um pretexto para a afirmação do seu preconceito ideológico e da sua

permanente luta social. Para o Bloco, as patentes das vacinas são, como a propriedade privada em geral, um

roubo.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Não diga isso do Joe Biden!

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): —O Bloco despreza e ignora os efeitos que o levantamento dessas patentes possa provocar na pesquisa e no desenvolvimento de medicamentos, sendo que foi essa pesquisa, Sr.as e Srs.

Deputados, essa inovação científica, que permitiu que houvesse vacinas disponíveis em menos de um ano —

em tempo recorde — para combatermos a pandemia. É um ano a que correspondem muitos anos de

investigação e muitos milhões de investimento.

O Sr. Deputado disse que nunca deveríamos patentear as vacinas e eu digo-lhe que provavelmente esse

«nunca» implicaria que nunca tivéssemos tido vacinas disponíveis neste tempo recorde.

Para o PSD, o que importa e o que nos convoca é acelerar a produção de vacinas e fazê-las chegar a todo

o mundo o quanto antes, não ignorando as limitações existentes na capacidade de produção e nas próprias

cadeias de abastecimento.

Não acreditamos, Sr.as e Srs. Deputados, de todo, que hostilizar aqueles que, fruto da sua investigação e

empenho, conseguiram encontrar uma resposta em tempo recorde para travar uma crise pandémica mundial

seja a solução. Este é um debate que acreditamos que deve ser feito sempre com respeito pelos países

produtores de vacinas, apelando à solidariedade entre as nações.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Por isso, quero perguntar-lhe, Sr. Deputado, em que medida considera o Bloco de Esquerda que o

levantamento das patentes vai, só por si, aumentar a capacidade de fabrico das vacinas?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Em que medida o levantamento da propriedade industrial não vai, futuramente, comprometer a inovação terapêutica de que vamos precisar, com as novas variantes?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Aragão, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr.ª Presidente, gosto do nome, mas não me identifico. O meu nome é mesmo Bruno Aragão. Desculpe a brincadeira.

Risos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço desculpa, Sr. Deputado, mas é o que está aqui escrito.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr.ª Presidente, não há qualquer problema. Que todas as nossas dificuldades fossem essas!

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Sr. Deputado Moisés Ferreira, obrigado pela questão que nos traz, mas, de facto, ela não pode ser

desgarrada do que está a acontecer: 3,5 milhões de vacinas administradas; mais de 2,6 milhões de pessoas

com a primeira dose tomada; estamos perto de um milhão de pessoas com a vacinação completa; são dadas,

em média, 77 000 vacinas por dia e ainda não atingimos a capacidade máxima; mais de 70% das pessoas com

mais de 65 anos já tomaram a vacina; e mais de 200 000 portugueses já fizeram a autoinscrição.

Estamos já na segunda fase do plano e, ainda nesta semana, tivemos a Comissão Técnica de Vacinação

contra COVID-19 a confirmar que seguimos os critérios que vêm sendo aplicados e que a task-force continua a

aplicar o seu plano sem sobressaltos.

Portanto, acho que é relevante recordar as declarações da coordenadora do Bloco de Esquerda, no dia 8 de

abril, porque acho que todos nos revemos nelas, e cito: «Confio na ciência, ouçam as autoridades responsáveis

e não criem alarmismos onde eles não devem existir.»

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Boa citação!

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Devolvo a pergunta: e, então, a Europa? A Europa é a da concertação, como sempre defendemos! A Europa da concertação é para as vacinas e para os fundos — não há uma Europa para

uma coisa e uma Europa para outra. Então, e a Europa? A Europa é, talvez, o único grande bloco do mundo

que disponibilizou mais de 200 milhões de vacinas para outros países, para mais de 90 países. A solidariedade

não é para as sobras, como todos sabemos.

Portanto, a questão que lhe coloco é muito concreta. Neste quadro e nesta visão comunitária que temos de

todos estes países, o Bloco de Esquerda acompanha ou não esta solidariedade europeia ou será cada um por

si?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, cumprimento o Sr. Deputado Moisés Ferreira e começo por lhe dizer que, quando acordei hoje com estas notícias, pensei logo que o Sr. Deputado viria aqui falar sobre

este assunto, mas é com gosto que o discuto consigo.

No entanto, há uma pequena diferença de pressuposto que é a seguinte: estamos no âmbito de uma

discussão que é da Organização Mundial do Comércio, que tem 164 países, e não estamos propriamente no

âmbito da discussão das iniciativas do Bloco de Esquerda. Quem o ouvisse falar parecia que, se tivéssemos

aprovado o projeto do Bloco de Esquerda, já as patentes pelo mundo fora tinham sido levantadas e já havia

vacinas em todos os países, da África à Índia, que dela precisam. Sr. Deputado, um bocadinho de modéstia

também não lhe ficava mal!

Especificamente, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, na Declaração de Doha, que é um tratado,

simplificando, sobre aspetos relacionados com a propriedade intelectual, o que se está a discutir não é o

levantamento das patentes tout court. Isto porque as pessoas, apesar de tudo, têm o mínimo de noção e sabem

que, se fosse feito um levantamento de patentes, nunca mais haveria 1 € investido em investigação e

desenvolvimento…

O Sr. João Dias (PCP): — Já houve e não aconteceu isso!

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — … e os medicamentos que o Sr. Deputado tanto preza nunca mais existiriam, a não ser, claro, que fossem produzidos no Laboratório Militar, e nós bem sabemos que está

particularmente bem-dotado para o fazer!

Estamos a discutir um acordo transitório — um acordo, não uma imposição! — para a produção, noutras

fábricas, de vacinas para países que tenham escassez.

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Portanto, Sr. Deputado, não faça a galvanização do levantamento de patentes, porque acho que também

sabe que teriam efeitos prejudiciais noutro tipo de propriedade intelectual, como, por exemplo, a produção

literária ou artística. Convém que haja um mínimo de regras para fazer esta regulação.

Só para acalmar o seu entusiasmo, gostava de lhe dizer que os Estados Unidos disseram, através da sua

representante, que só iriam discutir este assunto depois de, no seu país, estar assegurada a imunidade de

grupo. Enfim, as coisas acontecem como acontecem.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Termino, sim, Sr.ª Presidente. Sr. Deputado, gostava de lhe perguntar se é assim tão ingénuo para achar que amanhã se levantam as

patentes — com toda esta boa vontade e porque, no Parlamento, concordamos — e que, depois, todos os países

vão ter vacinas no dia a seguir, independentemente das matérias-primas e de tudo o diz respeito à investigação

e desenvolvimento e ao investimento feito até aqui? Acredita mesmo nisso?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Moisés Ferreira, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço as perguntas feitas pelas Sr.ª Deputada Sandra Pereira, pelo Sr. Deputado Bruno Aragão e pela Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa. Irei

responder, então, pela mesma ordem.

Sr.ª Deputada Sandra Pereira, de alguma forma, apesar de agora dizer que não tem uma posição fechada

sobre o assunto, foi uma evolução a registada nas últimas três semanas. Ainda bem que existiu evolução, ela

ficou registada, porém soou um pouco à doutrina trumpista do perigo comunista que vem com Biden e por aí

fora.

Sr.ª Deputada, ainda assim, gostava de lhe referir o seguinte: disse que a posição do Bloco de Esquerda

sobre as patentes da vacina para a COVID-19 nada tem que ver com saúde. Bem, é um bocadinho espantoso,

porque, repare, se não houver produção, não há, enfim, imagine-se, vacinação; se não houver vacinação, não

existe imunidade de grupo nem proteção contra a COVID-19; se não houver vacinação e produção suficientes,

as variantes que aparecerão serão, por mecanismos de seleção natural, mais perigosas, mais contagiosas, mais

infeciosas, etc., facto para o qual toda a gente neste mundo tem alertado.

Portanto, não vejo como é que este debate possa ser desligado de um debate sobre saúde. Creio que a Sr.ª

Deputada quer fugir desse debate porque, provavelmente, ainda não fez a evolução suficiente, de há três

semanas a esta parte, mas terá, certamente, tempo suficiente para o fazer.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Mais três semanas?!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr. Deputado Bruno Aragão, também colocou algumas questões e terminou perguntando se nós acreditamos na solidariedade ou num mecanismo de cada um por si.

Pois, a partilha de informação, a partilha de tecnologia, o levantamento de patentes para que possa haver

uma produção generalizada no mundo, nomeadamente através da capacidade produtiva na Índia, na África do

Sul, no Brasil e em tantos países que dizem ter capacidade produtiva mas que não podem produzir porque não

lhes dão acesso à tecnologia e à informação, esta é que é a posição de solidariedade, sim!

Não se esqueça do que diz António Guterres: só uma ínfima parte da população mundial está a ter acesso

às vacinas. Isso é que é cada um por si, Sr. Deputado! Manter as patentes, manter um mecanismo que é um

obstáculo à produção, isso, sim, é que é cada um por si, os países ricos contra os países pobres e, dentro dos

países ricos, os ricos contra os pobres e assim por diante. Isso é que é cada um por si! Já partilhar a tecnologia,

partilhar a informação e levantar as patentes são mecanismos de solidariedade.

Se a pergunta era um pouco retórica, no sentido de dizer que o Partido Socialista está do lado da

solidariedade, então vai ter de mudar radicalmente a sua posição sobre as patentes, porque estar do lado da

solidariedade é defender, agora, o levantamento das patentes.

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Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, registo também algum jogo de palavras para não ser apanhada por aquilo

que disse há três semanas, mas não registei qual era a posição do CDS-PP sobre o debate que estamos a ter:

o Parlamento deve ou não apoiar o levantamento de patentes?

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Assim não!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Essa é que é, realmente, a grande questão.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Não se trata do que vai acontecer no dia de amanhã, mas, sim, hoje, neste debate: qual deve ser a posição da Assembleia da República?

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, quero cumprimentá-la e cumprimentar também os Srs. Deputados e o Sr. Deputado Moisés Ferreira, pelo tema importante que traz para debate na Assembleia da

República sobre a vacinação e a questão das patentes das vacinas.

Queria começar por dizer que, se calhar, quando é evocada a inovação tecnológica e a inovação na área do

medicamento, é importante ter presente que, muitas vezes, a investigação se inicia nas instituições públicas.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Na esmagadora maioria das situações, onde se inicia a investigação é nas instituições públicas e, depois, quando começa a tomar jeito e quando pode ter caminho para andar, então

aparecem as empresas para adquirir o conhecimento e para desenvolvê-lo dali para a frente.

O Sr. João Dias (PCP): — À procura do negócio!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Por isso, não é verdade que se coloque o alfa e o ómega da inovação na indústria farmacêutica.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Tem toda a razão, Sr.ª Deputada! Podemos sempre tomar um Ben-u-ron!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Relativamente às vacinas contra a COVID-19, é ainda importante ter presente que se não tivesse havido avultado financiamento público para o desenvolvimento destas vacinas — e foi

importante que tivessem sido desenvolvidas no tempo em que foram — não estaríamos, hoje, a fazer esta

discussão.

O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Portanto, também é preciso ter isto presente neste debate. Sr. Deputado, o PCP trouxe, há cerca de um mês, uma proposta muito concreta à Assembleia da República

em que punha três eixos essenciais para a vacinação: diversificar a compra, investir na capacidade de produção

no nosso País e suspender a validade das patentes. Esta proposta tinha exatamente o objetivo de acelerar a

vacinação, de proteger mais rapidamente a nossa população, de retomar com normalidade e em segurança,

como é óbvio, as atividades económicas e culturais, ou seja, devolver a vida às pessoas. Estas são as questões

estratégicas essenciais que temos neste momento!

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De facto, não faz sentido que haja capacidade produtiva e que haja fábricas no mundo que podem produzir

mais vacinas e que não estejam a ser utilizadas. Este é um aspeto essencial e, por isso, o PCP apresentou

estas propostas, que foram rejeitadas, o que revela bem o posicionamento do PS, do PSD, do CDS-PP, do PAN,

do Iniciativa Liberal e do Chega relativamente a esta matéria. Entre defender a saúde e defender os interesses

da indústria, o que salta à vista é a defesa dos interesses da indústria.

A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Não é verdade!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ainda na semana passada, no Parlamento Europeu, perante propostas para se considerar a vacina como um bem público e, mais uma vez, para se suspenderem as patentes, o PS, o PSD

e o CDS-PP votaram contra. Creio que isto revela bem o posicionamento destes partidos.

Para terminar, Sr. Deputado, gostaria de colocar uma questão. Nós estamos de acordo com a suspensão

das patentes e consideramos, também, que é importante, no nosso País, haver esta capacidade produtiva que,

hoje, não temos. Perante a situação que vivemos, em que se prevê a necessidade da vacina por mais tempo e

tendo em conta esta mesma realidade, o Bloco de Esquerda não acompanha a proposta do PCP acerca da

necessidade de investimento na capacidade produtiva no nosso País, naturalmente, na produção de vacinas

contra a COVID-19?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, peço que conclua.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Estas vacinas serão necessárias para o futuro do nosso País!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar do PEV.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: cumprimento o Sr. Deputado Moisés Ferreira por nos trazer este tema, uma vez que a vacinação constitui o mais importante elemento de esperança

no momento atual, para os portugueses, para o nosso País, para o mundo.

Esta esperança é muito desigual e está em condições de desigualdade tremendas, uma vez que nem a

pandemia foi capaz de alterar opções políticas e, sobretudo, a opção de priorizar o lucro, em vez da saúde das

pessoas.

Garantir a vacinação de todos, ultrapassando os problemas que possam existir, designadamente no plano

da contratação dos enfermeiros necessários, assegurando os espaços com as condições adequadas ao

processo complexo, garantindo que chega a todos os que necessitam de proteção, porque são mais vulneráveis

à doença, parece ser o caminho para que não se ande para trás no processo do desconfinamento. Mas a

verdade é que, à medida que se avança no número de pessoas a vacinar, novos problemas vão surgindo, porque

a logística começa a ser pesada e vacinar, todos os dias, 100 000 pessoas não é a mesma coisa do que vacinar

120 000, num fim de semana.

Os Verdes afirmaram, em diversos debates sobre o tema, que era já tempo de o Governo português assumir

o seu papel na Presidência do Conselho da União Europeia, procurando alargar a oferta de vacinas, enfrentando

os poderosos interesses das farmacêuticas, exigindo-lhes o cumprimento dos contratos ou garantindo, no plano

nacional, a compra de mais vacinas a outros fornecedores.

Os números demonstram que a vacinação já está a surtir efeitos positivos, com menos mortes por COVID-

19, mas não podemos continuar com este ritmo de vacinação.

Para isso, é necessário que Portugal faça o que andamos há meses a defender, ou seja, que tome nas mãos

a compra de vacinas a outros fornecedores e que, no médio prazo, aposte na produção de vacinas.

A questão que lhe deixo é se considera que este seria o caminho para enfrentarmos a pandemia com mais

segurança.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Moisés Ferreira.

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O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço as perguntas que foram formuladas pelas Sr.as Deputadas Paula Santos e Mariana Silva.

Começando pela questão da capacidade produtiva no País, sim, achamos que deve haver um investimento

na capacidade produtiva do País. Ao contrário do que ouvimos das bancadas da direita, que dizem que só os

laboratórios, só as empresas farmacêuticas é que podem garantir a vacina, se olharmos à dimensão do nosso

País, conseguimos comprovar que não é assim.

Por exemplo, o Instituto de Medicina Molecular está a desenvolver investigação pioneira, a nível mundial, na

vacina contra a malária; o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, (i3S) no Porto, está a desenvolver

investigação de uma vacina portuguesa contra a COVID-19. Na academia, em institutos públicos e em

laboratórios de investigação públicos o salto que é preciso para a produção é o da capacidade de produção,

como é óbvio. Pelos vistos, em Portugal, até com as deficiências de investimento que existem na área da

investigação e das ciências, conseguimos ter investigação, pelo que o que falta, realmente, é investimento na

produção, que, diga-se de passagem, não é tão difícil quanto isso de concretizar.

Ora, neste dia, em que sabemos da disponibilidade de Biden e, até, da Presidente da Comissão Europeia

Ursula von der Leyen para, finalmente, debater o levantamento das patentes, também no âmbito da União

Europeia, o que se regista da parte do Governo, que, por acaso, até está na Presidência da União Europeia, é

um silêncio absurdo.

O Governo deveria ter utilizado a Presidência da União Europeia para defender a saúde pública e a saúde

da população, não só portuguesa, não só europeia, mas mundial, e nunca o fez. Esse silêncio já não deveria ter

existido antes, mas agora, que do outro do Atlântico há uma predisposição para levantar patentes e que do lado

da Presidência da Comissão Europeia existe a predisposição para fazer o debate sobre o levantamento de

patentes, o Governo continua calado. Esse silêncio é absurdo e não pode continuar.

Da mesma forma, devemos registar que, mesmo com todos estes factos em cima da mesa, mesmo sabendo

que é necessário aumentar a produção, o que neste dia ouvimos dizer ao Partido Socialista, ao Partido Social

Democrata e ao CDS — os partidos mais à direita não devem ter nada a dizer sobre o assunto, não deve ser

um assunto que achem de interesse para a população — é: «Nós estamos do lado dos interesses das

farmacêuticas. Na propriedade ninguém toca, nas patentes ninguém toca!»

Pelos vistos, são, provavelmente, o último reduto na defesa da capitalização bolsista da Pfizer, etc., mas não

na defesa da saúde pública.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. Moisés Ferreira (BE): — Julgo que isso é o que há a registar deste debate, aliás, a registar negativamente deste debate.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A publicação do relatório de auditoria do Tribunal de Contas ao financiamento público do Novo Banco, com fortes críticas à atuação de Governos,

supervisores, Fundo de Resolução e Administração do Novo Banco e o anúncio, por parte da Administração do

Novo Banco, da decisão de se atribuírem a si próprios prémios de gestão para o ano de 2020, que chegam a

perto de 2 milhões de euros, são elementos que confirmam a necessidade do que o PCP tem proposto há quase

sete anos: o controlo público do Novo Banco. É a única opção para garantir o fim da sangria de recursos públicos

a favor de uma entidade privada e um passo no sentido do caminho que é preciso trilhar para fazer pagar os

beneficiários do BES e do GES (Grupo Espírito Santo) pelos prejuízos que causaram ao País com a sua gestão

ruinosa.

É o controlo público que permite acabar com os desmandos da atual administração, dar condições para a

recuperação das perdas que foram suportadas pelo Estado e colocar o banco ao serviço da economia nacional,

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trazendo-o para a esfera pública como instrumento especializado de apoio às micro, pequenas e médias

empresas e ao investimento, tão necessário no momento atual.

A auditoria do Tribunal de Contas e a decisão da Administração do Novo Banco demonstram a desfaçatez

com que os grandes grupos privados continuam a atuar na banca e a cumplicidade de quem não impõe a defesa

do interesse público.

A auditoria do Tribunal de Contas é clara: a administração que não cumpre com os deveres de reporte; a

administração que gere o banco de forma a consumir o máximo de verbas possíveis, não apenas nos ativos

abrangidos pelo acordo de capital contingente, mas em toda a atividade do banco; a administração que não

cumpre sequer com as obrigações de prestação de informação ao Tribunal de Contas; a administração que

continua a sonegar milhões de euros pagos pelos portugueses, é a mesma administração que procura premiar-

se com 2 milhões de euros, mesmo num ano em que milhares de portugueses passam por enormes dificuldades.

A desfaçatez é muita, mas a indignação tem de ter consequências. PSD e CDS são responsáveis pelas

decisões desastrosas que tomaram em relação ao BES, mas também o PS é responsável, porque insistiu numa

privatização, já de si ruinosa, e não acautelou mecanismos que impedissem a atribuição destes prémios e

remunerações variáveis para administradores e altos gestores do banco.

Sr.as e Srs. Deputados, as principais conclusões da auditoria do Tribunal de Contas confirmam aquilo que o

PCP diz há muito: confirmam que, ao contrário do que foi tantas vezes repetido, os recursos do Fundo de

Resolução são recursos públicos — consolidam no Orçamento, contam para o défice, são resultado de uma

contribuição fiscal. Nenhum outro setor além da banca tem o privilégio de ter uma parte dos seus impostos

diretamente consignada à resolução do próprio setor, quando gerem mal os seus recursos, nem sequer outros

setores que pagam, também, contribuições extraordinárias. E, mais, diz ainda o Tribunal de Contas que quem

acaba por pagar estas contribuições são os clientes bancários.

Por outro lado, o Tribunal de Contas diz também aquilo que há muito tem sido afirmado pelo PCP: quem

disse que haveria uma resolução ou uma privatização sem custos para os contribuintes mentiu aos portugueses.

O Governo PSD/CDS foi o primeiro responsável por essa fraude, ao afirmar que era possível resolver o BES

com 4,9 mil milhões de euros e que isso não representava custos para os contribuintes.

O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — As consequências dessa fraude política estão ainda presentes, e também na Comissão de Inquérito vamos tendo cada vez mais certezas de que não havia nenhum «banco bom», limpo dos

ativos tóxicos.

O segundo responsável é o Governo PS que promoveu a ruinosa privatização do Novo Banco. Entregou à

Lone Star 75% das ações de um banco por zero euros, a troco de uma injeção de capital de 1000 milhões, mas

com garantia pública, que é disso que se trata, de 3900 milhões de euros.

Ficou a Lone Star com «a faca e o queijo na mão» para gerir os ativos abrangidos pelo acordo e também os

rácios de capital do banco, de forma a conseguir sugar toda essa verba e se possível ir mais longe ainda,

invocando circunstâncias adversas.

O Fundo de Resolução, que continua a ter 25% do banco, não tem nem um lugar na administração que lhe

permita controlar minimamente o que se passa em nome do interesse público. Disse o Governo que haveria

mecanismos de controlo. Ora, aquilo que já tínhamos percebido, e que agora o Tribunal de Contas confirma, é

que, na verdade, nenhum desses mecanismos funciona.

A Lone Star faz as engenharias necessárias para manter os níveis de capital à tona e vende os ativos a preço

de saldo para obter o máximo da garantia pública sem que o Fundo de Resolução exija a prestação de contas.

Já lá vão perto de 8 mil milhões de euros pagos pelos portugueses para suportar estas perdas, numa situação

que responsabiliza Governos, Banco de Portugal e, também, autoridades europeias.

O BES foi ao longo dos anos um instrumento que serviu os grandes interesses dos negócios da alta nos

offshores, de guerras de acionistas noutros bancos, do futebol, da construção, etc.

Já no período do Novo Banco, muitos destes devedores, que deviam às centenas de milhões, aumentaram

a sua exposição ao banco e continuaram a gerar perdas que continuam a ser pagas por todos os portugueses.

E o maior escândalo é este: continua a ser o Estado a pagar, mas o banco é privado.

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O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Ou seja, enquanto dá prejuízos, o Estado paga as contas — até paga os bónus dos administradores —, mas um dia que dê lucros estes vão para a Lone Star ou para um qualquer grupo

bancário privado a quem esta venda o banco.

Não aceitamos que se entregue mais dinheiro ao Novo Banco, nem que o Governo procure subterfúgios para

o fazer à margem do Orçamento. O Governo tem é de concretizar o que está no Orçamento, para responder

aos problemas do País, em vez de procurar formas de fazer transferências para a banca que não estão em lado

nenhum no Orçamento aprovado.

Mas não basta não entregar mais dinheiro ao Novo Banco, é preciso recuperar o que já lá «mora»!

Dizia-se há uns anos que havia bancos demasiado grandes para falir. Dizemos, hoje, que o que os

portugueses já meteram no Novo Banco é um valor demasiado grande para que o banco continue a ser privado.

Aplausos do PCP e do PEV.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Duarte Alves, a Mesa regista a inscrição de dois Srs. Deputados para lhe formularem pedidos de esclarecimento.

Como deseja responder?

Pausa.

O Sr. Deputado Duarte Alves indicou à Mesa que responderá aos dois pedidos de esclarecimento em

conjunto.

Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Alberto Fonseca, do Grupo Parlamentar

do PSD.

O Sr. Alberto Fonseca (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero começar por cumprimentar o PCP e o Sr. Deputado Duarte Alves por trazerem este tema — aliás, o PSD também já o fez — que muito

preocupa os portugueses.

Já todos sabíamos mas o Tribunal de Contas veio confirmar que a liquidação do BES teria sido bem mais

desastrosa para todos: sistema financeiro, depositantes do BES e contribuintes em geral.

Também todos sabíamos, e o Tribunal de Contas veio confirmá-lo, que o Sr. Primeiro-Ministro António Costa

e o então Sr. Ministro das Finanças Mário Centeno mentiram aos portugueses.

Mentiram quando disseram que a forma como o Novo Banco foi vendido não teria nenhum impacto indireto

nas contas públicas. Ora, até hoje, as contas públicas foram afetadas em 3 mil de milhões de euros e amanhã

— e, quando digo amanhã, é mesmo amanhã — poderão sê-lo em mais 400 milhões de euros.

Mentiram quando disseram que a forma como o Novo Banco foi vendido também não teria nenhum impacto

direto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes.

Já sabíamos que existia uma cláusula de backstop capital em que o Estado português se comprometeu com

Bruxelas em colocar lá dinheiro, desta vez não através do Fundo de Resolução mas diretamente pelo Estado.

O Tribunal de Contas revelou esse montante — 1600 milhões de euros. São 1600 milhões de euros de potencial

impacto direto que o Governo sempre escondeu dos portugueses.

É curioso que Mário Centeno veio rapidamente reagir a este relatório do Tribunal de Contas, não para

defender o interesse público, mas para se defender a si próprio. Em rodapé, líamos que era o Governador do

Banco de Portugal a falar, mas quem ouvíamos era o antigo Ministro das Finanças — por isso, sempre nos

opusemos à sua transferência para o Banco de Portugal —, Ministro esse que sempre revelou muita pressa em

passar o cheque ao Novo Banco. Todos nos lembramos do que aconteceu no ano passado.

Este ano o Governo também não tem disfarçado a vontade de passar o cheque rapidamente e de qualquer

forma, mesmo quando a Assembleia da República aprovou coisa diferente. Passaram um cheque, e bem grande,

a uma entidade que, milagrosamente, já anuncia lucros, passando de anos de prejuízos para lucros milagrosos,

um banco que devidamente capitalizado com o dinheiro dos contribuintes portugueses quer comprar já outro

banco.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Fonseca (PSD): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Uma entidade que à segunda feira pede 600 milhões de euros ao Fundo de Resolução, mas à terça feira

distribui 2 milhões de euros à sua administração.

Concluo, Sr.ª Presidente, perguntando ao PCP se, como único grande parceiro que resta a este Governo,

não se sente, tal como todos os portugueses, enganado por este Governo relativamente à venda do Novo Banco.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do PEV.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Alves, queria também felicitá-lo por trazer de novo o tema do Novo Banco à discussão, porque é um assunto, como

disse há pouco, que, infelizmente, continua a ser notícia e, uma vez mais, pelos piores motivos.

Continua a ser notícia porque em cima da mesa está a atribuição de prémios milionários aos administradores

do Novo Banco, numa espécie de teste à paciência dos portugueses. Continua a ser notícia porque foram

divulgadas as primeiras conclusões do relatório da auditoria do Tribunal de Contas ao financiamento público do

Novo Banco que vieram confirmar que o interesse público não foi convocado nem para o processo de resolução

do BES, da responsabilidade do Governo PSD e CDS-PP — e todos nos lembramos da conversa de então de

que não havia custos para o contribuinte e, portanto, também mentiram aos portugueses, Sr. Deputado Alberto

Fonseca —, nem foi convocado para o processo de privatização do Novo Banco assumido pelo Governo PS.

O Novo Banco continua a ser notícia, também, porque os portugueses continuam a desembolsar avultadas

verbas e sem verem resolvidos quaisquer problemas que estão criados em torno do processo deste banco.

Feitas as contas, já lá vão 8 mil milhões de euros que os portugueses tiveram de suportar até agora e sem

saberem quando se fecha a torneira. E o pior é que, apesar desse pesado fardo, os portugueses não veem os

problemas do Novo Banco resolvidos, bem pelo contrário.

Sr. Deputado Duarte Alves, Os Verdes continuam a considerar absolutamente inadmissível e, a todos os

títulos, imoral que os portugueses paguem a fatura da resolução de um banco, que já vai, como disse há pouco,

em 8 mil milhões de euros, para a seguir voltar a devolver o Novo Banco a um grupo económico privado. Isto

não é, a nosso ver, respeitar os contribuintes, isto é enganar e ofender os portugueses.

Por isso, pergunto, Sr. Deputado Duarte Alves, que solução aponta para, definitivamente, resolver o problema

no Novo Banco e para o colocar ao serviço da economia e do desenvolvimento do País?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Duarte Alves, antes de lhe dar a palavra para responder, quero informá-lo de que se inscreveram mais dois oradores para pedir esclarecimentos.

Quero aproveitar a oportunidade para fazer um apelo às Sr.as e aos Srs. Deputados. Hoje, temos uma longa

agenda, pelo que lhes peço que, por um lado, colaborem na gestão do tempo de palavra para não se excederem

excessivamente, passe a redundância, e, por outro, se inscrevam, para pedir esclarecimentos, durante a

declaração política que está a ser proferida.

Dito isto, tem a palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento já formulados, o Sr. Deputado Duarte

Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, agradeço as questões colocadas pelos Srs. Deputados Alberto Fonseca e José Luís Ferreira.

Respondendo diretamente à pergunta que me coloca, Sr. Deputado Alberto Fonseca, devo dizer que o PCP

está muito à vontade com a sua iniciativa nos vários Orçamentos, em que sempre propôs que não fosse entregue

nem mais 1 € ao Novo Banco sem que se garantisse o seu controlo público, propostas essas que foram

rejeitadas pelo PS, pelo PSD, pelo CDS-PP, pelo CH e pelo IL. Portanto, é essa a nossa proposta.

Respondendo também ao Sr. Deputado José Luís Ferreira, consideramos que é essa a solução que se deve

pôr em cima da mesa, porque nos parece verdadeiramente inacreditável que o Estado pague mas não mande

e não tenha qualquer controlo sobre o banco.

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Há pouco, o Sr. Deputado Duarte Pacheco, em resposta a uma pergunta que lhe coloquei a propósito da sua

declaração política, referiu que a minha pergunta encerrava uma visão ideológica, porque eu queria tudo para o

Estado. Ora, aqui, nem sequer estamos nesse patamar, porque do que estamos aqui a falar é de o Estado pagar

mas o banco ser privado. O problema é esse, é que o Estado está a pagar e vai continuar a pagar até aos 8000

milhões de euros — aliás, já está perto desse valor…

O Sr. João Dias (PCP): — Já vai em 9000 milhões de euros!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — … — e, no final, o banco será privado. Isto não lhe faz confusão? Quando o Novo Banco diz que, para o ano, vai anunciar lucros, não lhe faz confusão que, enquanto houve prejuízo, tenha

sido o Estado a pagar, mas um dia, quando houver lucros, estes serão do privado?

Ouvi hoje, pela primeira vez, o PSD falar de controlo público, na declaração política que fez. Portanto, a

pergunta que quero deixar aqui no ar é se o PSD tira alguma conclusão das afirmações que faz e da leitura que

faz do relatório do Tribunal de Contas. É que a única conclusão que se pode daqui retirar é que, neste momento,

o que é preciso é não só não entregar mais dinheiro ao Novo Banco mas também ir buscar aquele que já lá está

e pôr o banco ao serviço da economia nacional, garantindo o seu controlo público.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado. E tenho a informá-lo de que há mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, porque, a partir do momento em que se abre uma exceção, tem de

ser para toda a gente.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, agradeço o facto de ter trazido, mais uma vez, este tema a debate, até porque há vários aspetos que merecem tempo para serem

discutidos.

Há uma questão que raramente foi falada, porque é relativamente complexa, mas que tem de ser falada. É

que a carteira de ativos tóxicos gera as perdas que são garantidas pelo Estado. Mas, para aceder a essas perdas

como garantia, como injeção de capital, o banco tem de ter uma insuficiência de capital. E, para o banco

conseguir ter essa insuficiência de capital, qualquer decisão de gestão conta. Quando o banco decide adotar

uma norma contabilística x, em vez de y, isso impacta o capital. Quando o banco decide investir em dívida

pública dos Estados Unidos da América ou do Brasil, isso impacta o capital. Quando o banco decide atribuir

prémios, isso impacta o capital. Todas as decisões do dia a dia determinam se a injeção pública será maior ou

menor.

Ora, estas decisões de gestão nunca foram escrutinadas e a auditoria não diz nada sobre elas. E é por isto

que este contrato é ruinoso e dá à gestão privada todo o poder para manipular o contrato

E isto sem falar noutro «monstro», muito difícil de discutir, que é a questão dos DTA (Deferred Tax Assets),

ativos por impostos diferidos, regime através do qual o Estado português entregou centenas de milhões de euros

«de mão beijada» como injeção de capital ao Novo Banco, para além desta injeção, sem poder exercer os seus

direitos de propriedade, porque está escrito no contrato de venda que o Estado pode pôr as centenas de milhões

de euros mas não pode transformar essa participação em capital. E isso obviamente é benefício do acionista

privado.

Portanto, é lógico que o contrato é ruinoso, é óbvio que o Estado já pagou o banco e que ele devia ser público

e também é óbvio que o banco já cumpre rácios de capital e que essas exigências hoje já não existem por causa

da pandemia.

A minha pergunta é se espera que, depois dos discursos inflamados que ouvimos hoje na Assembleia,

quando o Parlamento for chamado a votar mais uma vez sobre se a injeção se faz ou não se faz, consigamos

impedir essa injeção de capital, apelando à coerência dos partidos que, no passado, mantiveram a situação do

Novo Banco tal como ela é hoje.

Aplausos do BE.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Sá Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, em 2017, tínhamos duas opções muito claras: ou se vendia, ou se liquidava o Novo Banco.

A maior conclusão trazida por este relatório da auditoria foi que a venda do Novo Banco salvaguardou o

interesse público, em duas perspetivas: por um lado, por ter evitado a liquidação do banco e, por outro, por ter

contribuído para a redução do risco sistémico. É o relatório que o diz: a alternativa era a liquidação, que tinha

custos brutais para as finanças públicas.

Vozes do PS: — Muito bem!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — E é preciso dizer com clareza que quem liderou o processo de venda do Novo Banco foi o Banco de Portugal. Foi o Banco de Portugal, com dois responsáveis muito claros, o Governador

Carlos Costa e o consultor Sérgio Monteiro, e foi o Dr. Sérgio Monteiro, Secretário de Estado do Governo

PSD/CDS-PP,…

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Não nessa qualidade, desculpe lá!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — … que esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito há poucas semanas e que deixou claro que a venda defendeu o interesse público. Vou até citá-lo: «Foi muito importante para o

sistema financeiro que houvesse um limite anual de contribuições, porque isso dá certeza e estabilidade. Se não

tivesse sido feita a venda, o rating não tinha evoluído como evoluiu, o custo da dívida portuguesa não tinha

evoluído como evoluiu e o impacto positivo nas contas públicas que essa redução de dívida teve (…) também

não tinha ocorrido».

Mas nós sabemos hoje que a doença do BES passou para o Novo Banco. O Sr. Deputado sabe disso, e

também sabe que PSD e CDS prometeram um «banco bom» e, hoje, sabemos que o Novo Banco enfrentou

dificuldades de liquidez e de capital desde os primeiros dias de vida.

E o Sr. Deputado também sabe que foi o Governo PSD/CDS-PP que prometeu vender o Novo Banco, em

2015. Ora, o inquérito já nos permitiu saber que essa venda falhou por causa da desconfiança dos interessados

sobre esta carteira de ativos que, hoje, chamamos de «mecanismo de capital contingente».

O Sr. João Paulo Correia (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Por isso, Sr. Deputado, sabemos hoje que essa doença podia e devia ter sido evitada. Essa responsabilidade não é nossa. Concorda, como já provou este inquérito parlamentar, que o

Novo Banco nasceu com ativos problemáticos, insuficientemente provisionados, e com capital abaixo do

necessário, que hoje são responsáveis pelas enormes perdas que o Novo Banco está a produzir?

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS-PP.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo por ter trazido este tema para discussão — já não é a primeira vez que o debatemos e suspeito

que não será a última.

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Tenho algumas perguntas telegráficas a fazer-lhe. A primeira tem a ver com o mantra do Governo e do

Partido Socialista e, curiosamente, do Sr. Governador do Banco de Portugal, que é este: a principal conclusão

do Tribunal de Contas é que a venda do Novo Banco salvaguardou a estabilidade financeira.

Gostava que o Sr. Deputado Duarte Alves ajudasse ali a bancada do PS e explicasse que essa não é a

principal conclusão da auditoria. Não há nenhum momento na auditoria em que se diga que a principal conclusão

da auditoria é esta. Aliás, sugiro a todos que tenham dúvidas que vão ler a página (é uma página) de conclusões

e vejam lá se em algum sítio se diz isso.

Protestos do Deputado do PS João Paulo Correia.

Gostava também de referir que a auditoria diz expressamente que o decisor último da venda não é o Banco

de Portugal. O decisor último da venda é o Governo de Portugal. Portanto, convém que o Governo de Portugal

dê explicações, para além de dizer «nós não concordamos com o Tribunal de Contas», de ler lá coisas que lá

não estão e de não responder ao que realmente importa.

Em segundo lugar, o Sr. Deputado Duarte Alves defendeu, como, aliás, defende para a banca inteira, o

controlo público e questionou: «se pagamos os prejuízos, porque é que não ficamos com o banco?»

Sr. Deputado Duarte Alves, esta auditoria já diz que, se tudo correr mal e se no fim de tudo isto o Novo Banco

continuar a ser inviável e continuar a dar prejuízos, o Sr. Deputado vai ter aquilo que quer,…

O Sr. Duarte Alves (PCP): — E se der lucro?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … porque o Estado português está comprometido com mais uma injeção de capital, de 1600 milhões de euros, altura em que, sim, o banco passará a ser integralmente público.

Pergunto-lhe se apoia esta conclusão e, já agora, pergunto-lhe também se o Governo, que na altura governava

com base numa coligação de apoio parlamentar de esquerda de que o PCP fazia parte, o informou de que tinha

comprometido o Estado português com uma injeção de mais 1600 milhões de euros, caso fosse necessário.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, começo por agradecer as perguntas feitas pelas Sr.as Deputadas Mariana Mortágua, Joana Sá Pereira e Cecília Meireles.

Relativamente às insuficiências de capital é uma constatação que é ressalvada nesta auditoria do Tribunal

de Contas, mas que está no próprio mecanismo, uma vez que não são apenas os ativos que estão sob o CCA

que impactam nas contas do banco e nas injeções de dinheiros públicos, toda a atividade do banco também tem

esses impactos. Também os prémios de 2 milhões de euros, agora decididos pela administração do banco,

mesmo que o Fundo de Resolução desconte essa transferência para o Novo Banco, têm impactos nos recursos

públicos que serão entregues ao Novo Banco.

Portanto, o que afirmámos na declaração política, e voltamos a afirmar, é que não deve ser entregue mais

nenhuma verba ao Novo Banco nem devem ser encontrados subterfúgios por parte do Governo para fazer aquilo

que não está no Orçamento.

Relativamente às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Joana Sá Pereira, de facto, há aqui um problema

quando se sinaliza apenas uma parte da conclusão. É verdade que o Tribunal de Contas diz que foi

salvaguardada a estabilidade do sistema financeiro, mas qualquer solução que não levasse à liquidação do

banco teria essa consequência. Agora, faltou-lhe também referir que aquilo que foi dito foi que a utilização de

recursos públicos não foi salvaguardada com o processo de privatização.

Voltamos a chamar a atenção — e com isto respondo também à Sr.ª Deputada Cecília Meireles — para o

seguinte: porque é que não há aqui uma utilização ótima dos recursos públicos? Porque nós estamos a pagar

um banco que é privado. O Estado está a pagar mas não está a ter, depois, o benefício. Um dia que o banco dê

lucro, o lucro é do privado e, nessa altura, muito provavelmente, o banco será entregue a um qualquer grande

grupo bancário internacional.

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Portanto, o que voltamos a afirmar é que o Estado não pode continuar a pagar a «limpeza» do Novo Banco,

ou seja, não podem continuar todos os portugueses a pagar estes desmandos, estes prémios aos

administradores, não pode continuar esta falta de respeito até pelos recursos públicos na utilização do CCA e

de outros mecanismos, e, no final, não ficar com o banco.

Portanto, o que dizemos é o seguinte: mais do que não ir mais dinheiro para o Novo Banco, o que é preciso

é ir buscar o que já lá está, é preciso pôr aqueles recursos que já foram entregues ao serviço do País, colocando

o banco numa perspetiva de desenvolvimento da economia, de apoio às pequenas empresas, de apoio ao

investimento.

Nesse sentido, a solução que apontámos há sete anos, e que voltamos a apontar hoje, é o controlo público

do Novo Banco.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 3 de dezembro, o Grupo Parlamentar do CDS trouxe ao Plenário, numa declaração política, 10 questões sobre o processo de vacinação.

Na altura, fomos criticados por sermos céticos, quando tudo estaria já pensado e acautelado pela task force do

Dr. Francisco Ramos.

Infelizmente, várias dessas questões vieram a comprovar-se como problemas reais, em parte pela escassez

de vacinas, que não controlamos, mas sobretudo por uma deficiente organização e planeamento, que só veio a

ser resolvida com a entrada do Vice-Almirante Gouveia e Melo e a sua abordagem pragmática ao processo.

Cinco meses depois, voltamos a esta tribuna para novos avisos à vacinação.

No dia 30 de abril, a DGS (Direção-Geral da Saúde) emitiu duas atualizações às normas para administração

das vacinas da AstraZeneca e da Jansen, restringindo a sua aplicação a maiores de 60 anos e de 50 anos,

respetivamente.

Surgem estas atualizações depois de uma nova avaliação da EMA (European Medicines Agency) quanto à

AstraZeneca, que passou a estar indicada para todas as pessoas com mais de 18 anos, concluindo que os seus

benefícios na prevenção da COVID-19 compensam largamente os riscos (mínimos) de eventos

tromboembólicos. Nesse sentido, a EMA também recomenda a segunda toma no intervalo de 4 a 12 semanas.

A mesma avaliação é feita pela EMA à vacina da Jansen — de resto, tal como o regulador americano, a FDA

(Food and Drug Administration) —, recomendando o uso acima dos 18 anos, sem mais restrições de idade ou

género. A FDA realça, aliás, que se verificaram apenas 15 casos de fenómenos tromboembólicos em 8 milhões

de pessoas vacinadas.

Em Portugal, não se conhece pronúncia oficial do Infarmed — Autoridade Nacional do Medicamento e

Produtos de Saúde, I.P. e a DGS fundamenta a restrição etária na Comissão Técnica de Vacinação, que, por

sua vez, afirma estar sustentada na melhor evidência científica — evidência essa que, aparentemente, não está

na posse nem da EMA nem da FDA.

Mais, sob o pretexto de liberdade de escolha e sublinhando o contexto de incerteza que ainda existe sobre

estas vacinas, a DGS atira para os cidadãos a decisão de tomar a vacina fora das faixas etárias indicadas,

assinando, previamente, um consentimento informado. Mas informado de quê? Das dúvidas que as autoridades

nacionais têm, mas que, afinal, não são assim tão fortes que assumam como uma regra firme?

À falta de melhor explicação, esta parece ser uma decisão política para desresponsabilizar a autoridade de

saúde por qualquer eventual problema clínico, que, assim, passa a ser da responsabilidade do cidadão

informado, equiparado a um cientista reconhecido pelas Novas Oportunidades.

Estas normas não fazem sentido à luz dos documentos nem da EMA nem da FDA. A liberdade de escolha

aqui mencionada é só um artifício, porque implicaria, de facto, uma alternativa que a própria DGS diz ainda não

existir. E as consequências são danosas porque contrariam os objetivos da task force, aliás, os objetivos de

todos nós, de aumentar a resiliência e libertar a economia.

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Por isso, o Sr. Vice-Almirante Gouveia e Melo já foi avisando, e cito: «O limite de idade nos dois tipos de

vacinas pode condicionar a utilização de meio milhão de vacinas no segundo trimestre e de 2,7 milhões de

vacinas no terceiro, atrasando a meta dos 70% de vacinação até ao verão.»

Se estamos ainda em tempo de escassez de vacinas, qual é o racional para restringir ainda mais as que

temos? Se queremos abrir fronteiras, promover o turismo, recuperar a atividade hoteleira e a restauração, os

festivais e os espetáculos, enfim, salvar o verão, então porque estamos a autolimitar o ritmo da nossa imunidade,

sobretudo quando uma das vacinas em causa implica apenas uma única dose e não tem, à data, riscos de rutura

de fornecimento?

Sr.as e Srs. Deputados, parece-me relevante fazer um segundo alerta, este sobre o efeito colateral da

vacinação na atividade e nos profissionais dos cuidados de saúde primários.

Os médicos dos centros de saúde estão a ser desviados das consultas para a vacinação, que, de acordo

com uma norma da DGS, obriga à presença de um médico. Esta disposição tem três consequências negativas:

impede a recuperação da atividade assistencial nos cuidados de saúde primários — as consultas presenciais

caíram 47% nos primeiros dois meses do ano, comparando com 2020, mais uma vez deixando para trás os

doentes não-COVID —, impõe escalas adicionais aos médicos, que estão, reconhecidamente, em situação de

cansaço extremo, e inibe a agilização da vacinação através das farmácias comunitárias que estejam preparadas

para o efeito.

Sr.as e Srs. Deputados, na vacinação contra a COVID-19 está concentrada a esperança de recuperar a saúde

como bem fundamental e a economia como atividade vital, particularmente em comparação com outros países,

a esperança de voltar ao normal o mais depressa possível.

É por isso que fazemos, hoje, estes alertas, porque depois serão só críticas inconsequentes.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista três pedidos de esclarecimento, respetivamente do PSD, do PS e do PCP.

A inscrição do Sr. Deputado Moisés Ferreira não será considerada porque foi já feita depois de a intervenção

ter acabado.

Hoje temos uma longuíssima jornada. Há regras para cumprir e, portanto, falam os Srs. Deputados destes

três grupos parlamentares que anunciei.

Tem a palavra, para formular o primeiro pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Rui Cristina, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Cristina (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, recentemente, o coordenador da task force da vacinação contra a COVID-19 admitiu que poderá verificar-se um desperdício de mais de 3 milhões de vacinas

devido às limitações de idade impostas às vacinas da AstraZeneca e da Jansen.

O argumento é o de que as referidas vacinas são absolutamente seguras a partir dos 60 anos de idade, no

caso da AstraZeneca, e dos 50 anos, no caso da Jansen, podendo não acontecer o mesmo em idades inferiores.

Um argumento curioso, na medida em que este esquema imposto em Portugal não é partilhado pelas

autoridades de saúde de diversos outros Estados-Membros europeus, mas também um argumento grave, na

medida em que dele pode resultar a não-utilização de alguns milhões de doses de vacinas já adquiridas por

Portugal.

O PSD tem procurado esclarecer o fundamento científico dessas declarações. Ainda ontem a Comissão de

Saúde ouviu a Comissão Técnica de Vacinação contra a COVID-19, mas a verdade é que continua por

evidenciar qual é a base para as referidas vacinas não poderem ser administradas a menores de 60 e 50 anos,

consoante os casos.

E a situação é grave, na medida em que, no momento em que menos de 1 milhão de portugueses receberam

a vacinação completa e mais de 7 milhões não receberam ainda qualquer dose, não se compreende que as

vacinas disponíveis possam não ser administradas sem que estritos e ponderosos critérios científicos a tal

obriguem.

Por isso lhe pergunto, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, se conhece a evidência científica para a decisão das

autoridades portuguesas de limitar a administração das vacinas da AstraZeneca só a pessoas com mais de 60

anos de idade e as da Jansen a pessoas com mais de 50 anos. Deram-lhe as autoridades de saúde portuguesas

argumentos científicos credíveis para não alargarem aquelas duas vacinas a toda a população?

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Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, há pouco não lhe perguntei como pretendia responder aos pedidos de esclarecimentos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Responderei em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Assim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Susana Correia, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Susana Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, da sua intervenção retirei duas frases, se me permite citar: «aumentar a resiliência e libertar a economia» e «a

esperança de voltar ao normal o mais depressa possível».

Sr.ª Deputada, importa relembrar que, antes de sermos assaltados por esta pandemia, a saúde em Portugal

assistia ao maior investimento de sempre no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e não é justo não reconhecer

este caminho que tem sido feito de recuperação e de resiliência, do aumento da capacidade do Serviço Nacional

de Saúde.

Por isso, nesta fase em que já não se fala no número de mortes, que acompanhamos, e de salvar vidas,

estamos numa fase de confiança, de confiança nas instituições, e até falamos nos números que a ciência pode

suportar.

Isto, para nós, é símbolo de que, efetivamente, o caminho que tem sido traçado e que elogiamos — todos

reconhecemos o mérito do Serviço Nacional de Saúde, dos recursos humanos, e todo o trabalho que tem sido

feito de articulação e de coordenação nesta matéria — é, de facto, um trabalho positivo.

Muito se tem falado também de pandemia, mas não devemos banalizar a palavra pandemia. O que vivemos,

Sr.ª Deputada é uma verdadeira tragédia que assolou o mundo.

Os decisores políticos, os serviços de saúde, as autarquias, todos foram chamados à missão primordial de

dar o seu melhor na linha da frente.

Tem sido com muito esforço que temos estado na tentativa de responder continuamente, com um Serviço

Nacional de Saúde mais forte, verificado no exemplo que tem sido dado pela task force e pela Comissão Técnica,

que tivemos oportunidade de ouvir nesta Casa, e tivemos oportunidade de confirmar todo o caminho de

responsabilidade e a confiança que devemos depositar nestas instituições. Os serviços reinventaram-se: novos

circuitos, novas respostas, capacidade de testagem.

Sr.ª Deputada, a pergunta que lhe deixo é: onde estava o CDS quando em Orçamentos do Estados

consecutivos e sucessivos fizemos o melhor, o mais histórico investimento no Serviço Nacional de Saúde?

E, já agora, está disponível para fazer este caminho de confiança e de recuperação?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, cumprimento-a também pelo tema que traz a debate.

As questões da vacinação estão, de facto, na ordem do dia do nosso País. Mas a questão, perante o conjunto

de aspetos que invoca na sua intervenção, referindo dificuldades no processo de vacinação, dificuldades que o

PCP há muito tem vindo a suscitar,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não pode ser há muito porque a norma é da semana passada!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … é que aquilo que é necessário neste momento é ter soluções, soluções para que se possa acelerar o processo de vacinação, soluções para que haja mais capacidade nos próprios

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centros de vacinação, com a contratação dos trabalhadores na área da saúde, que são necessários para que

os centros possam funcionar, e, ao mesmo tempo, assegurar também o funcionamento ao nível dos cuidados

de saúde primários.

Como a Sr.ª Deputada sabe, o PCP tem apresentado várias propostas nesse sentido, porque consideramos

que é fundamental que os cuidados de saúde primários continuem a funcionar e assegurem o acompanhamento

dos seus doentes.

O PCP considera que a vacinação não deve ser mais uma oportunidade de negócio para a obtenção de lucro

por parte dos grupos privados.

Sr.ª Deputada, de facto, aquilo que tem vindo a ser suscitado sobre um conjunto de vacinas que estão, neste

momento, a ser utilizadas no nosso País claramente dificulta a concretização do plano de vacinação e pode

levar, inclusivamente, a atrasos. Há, de facto, uma escassez de vacinas, mas a questão que aqui queria colocar

era esta: perante este facto, o que é que o CDS propõe?

É que, quando o PCP aqui trouxe uma proposta para que fosse diversificada a compra de vacinas, vacinas

que sejam reconhecidas pela OMS e que a nossa autoridade do medicamento possa, naturalmente, autorizar

que sejam utilizadas no nosso País, o CDS votou contra.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Claro!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É que, perante os factos, perante a realidade e perante soluções concretas que permitiam, de facto, acelerar, que permitiam, de facto, proteger mais rapidamente a nossa população, que

permitiam também mais rapidamente retomar as atividades económicas, sociais, culturais, desportivas em

segurança, em suma, devolver a vida às populações, o CDS o que faz? Vota contra! Vota contra, impedindo que

estas propostas possam ser aprovadas.

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Vota contra e não traz nenhuma solução em concreto,…

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Traz, traz!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … que, de facto, resolva o problema, a não ser entregar nas mãos dos privados, que é isso que o CDS traz sempre.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Perante problemas concretos no Serviço Nacional de Saúde, em vez de se reforçar a resposta do Serviço Nacional de Saúde entregue-se para o lucro dos grupos privados. Essa não é a

solução.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, tem a palavra, para responder. Entendo, pelos gestos que trocou, que já sabe qual era a pergunta que o Sr. Deputado Moisés Ferreira iria fazer.

Risos.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sim, Sr. Presidente, tenho uma ideia. Já estava implícito.

Risos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, queria agradecer aos Srs. Deputados Rui Cristina, Susana Correia e Paula Santos pelas questões colocadas e, implicitamente, ao Sr. Deputado Moisés Ferreira,

neste exercício a que já vamos estando habituados. Gostaria, talvez, de começar por responder à Sr.ª Deputada

Susana Correia, só por ser mais simples endereçar a sua questão.

Sr.ª Deputada, quando a Sr.ª Deputada quiser fazer uma declaração política sobre investimento no SNS,

proponho que fale no seu grupo parlamentar, traga aqui essa declaração política e discutimos esse assunto.

Se não se importar, gostava de discutir o assunto que trouxe hoje, que é o tema da vacinação e, portanto, é

aí que me irei fixar. Peço que não me leve a mal mas, de facto, é um bocadinho como quando a pessoa não

sabe a resposta para o teste e então responde a outra coisa. Portanto, irei antes falar sobre a vacinação.

Tentando, então, responder aos restantes Srs. Deputados sobre soluções, acho que até trouxe aqui soluções

muito concretas. O que vim aqui dizer foi que, exatamente, não há nenhum critério científico — e com isto

respondo ao Sr. Deputado Rui Cristina.

Ontem, todos os Deputados da Comissão de Saúde ouviram a Comissão Técnica de Vacinação, a quem

perguntámos: «Qual é a informação científica na qual baseiam uma opção diferente da da EMA e da FDA?» E

a resposta foi: «Baseamo-nos na melhor informação científica.»

Entrámos aqui num raciocínio circular. Realmente, dele não sei sair e, portanto, diria que não, não há

nenhuma evidência científica e, se calhar, a primeira solução era, exatamente, deixarmo-nos disto e usar sem

restrição as vacinas aprovadas para qualquer faixa etária e para qualquer género e não desperdiçar os milhões

de vacinas que temos em nossa posse. Primeira solução! Muito simples, nada de complicar.

Sr. Deputado Moisés Ferreira, ainda antes de levantar patentes ou, Sr.ª Deputada Paula Santos, ainda antes

de fazer compras injustificadas de vacinas que nem sequer estão aprovadas por nenhum regulador,…

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

… se calhar, uma boa ideia era usar estas, em vez as de deitar fora ou de deixar para depois. Esta era a

primeira nota que gostava de fazer.

A segunda nota é a de que também trouxe algumas soluções, sim, para o SNS.

Aquilo que vim aqui dizer foi que o SNS, particularmente os cuidados de saúde primários, não estão a

conseguir dar a resposta de recuperação das consultas presenciais, dos seus cuidados assistenciais, que é a

sua primeira missão. E também todos ouvimos, na Comissão de Saúde, quer a FNAM (Federação Nacional dos

Médicos), quer o SIM (Sindicato Independente dos Médicos), dizerem que os médicos estavam sobrecarregados

com escalas, porque são desviados ou para o «covidário» ou para a vacinação e não conseguem estar sentados

a fazer as consultas que deviam estar a fazer.

A pergunta é: tem mesmo de ser assim? Além dos centros de vacinação para onde estes médicos, mais uma

vez por causa da DGS, têm de ser deslocados, não seria possível usar outras redes, como a das farmácias

comunitárias?

Não é os grandes lucros! Eu nem falei nos hospitais privados, esses grandes devoradores de lucro.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

Sr.ª Deputada, nem falei nisso. Falei na farmácia da esquina de sua casa que, se calhar, pode perfeitamente

vacinar algumas pessoas e dar vazão, se usarmos bem as vacinas. Foi só isso que propus.

Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.

Portanto, sim, vim propor soluções; sim, vim propor coisas que até já foram discutidas. Como disse, só vim

fazer alertas para, mais tarde, não dizerem «ninguém avisou» ou «vêm criticar agora porque não têm nada

melhor para fazer».

O espírito é o melhor possível, é o de contribuir para que este processo corra bem, como aconteceu já em 3

de dezembro. Se quiserem ouvir, ótimo; se não quiserem, temos pena!

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O Sr. João Dias (PCP): — A vacinação é mais do que a vacina!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma declaração política pelo Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Portugal vive um momento absolutamente decisivo no que respeita à definição de prioridades no investimento público,

investimento esse que será determinante no futuro do nosso País, a vários níveis, e do qual depende a nossa

qualidade de vida e a qualidade de vida das futuras gerações. Esta é, sem dúvida, uma oportunidade que não

pode ser desperdiçada ou, menos ainda, esbanjada.

Contudo, os portugueses continuam a ser confrontados com a utilização de fundos públicos em tudo menos

no que serve o bem comum, seja nos buracos da má gestão da banca, no financiamento às indústrias e

atividades altamente prejudiciais para o planeta ou em atividades que assentam na crueldade contra os animais.

Os exemplos são, infelizmente, mais do que muitos e os que persistem só vão continuar a alimentar a injustiça,

a precariedade, a pobreza, a destruição dos recursos naturais do País e até mesmo os movimentos populistas

antidemocráticos que continuem a existir.

Por um lado, proclama-se agora o que no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) é a prioridade do

combate às alterações climáticas, mas, por outro lado, continua-se a canalizar o investimento para atividades

que destroem os nossos recursos naturais e a biodiversidade. A conversa é uma, mas a ação é completamente

diferente, como ouvimos no debate anterior, o que, aliás, põe até em causa os direitos humanos, como no caso

de Odemira, ou ignora investimentos essenciais perante a grave crise sanitária, social e económica que vivemos.

A pergunta que se impõe é esta: afinal, qual é a prioridade para este Governo? Esta estratégia de

investimento tem de ser prosseguida Governo após Governo, década após década, tem de ser urgentemente

revista e o que importa agora precisar, conforme o PAN tem vindo a alertar sistematicamente, é se vamos ou

não fazer deste um tempo de mudança. Esta estratégia tem de começar pelo que respeita à defesa do meio

ambiente e isso passa, necessariamente, por alinhar o desenvolvimento económico e as práticas agrícolas com

uma gestão responsável dos recursos.

Não podemos continuar a aceitar que as grandes empresas agrícolas continuem a absorver milhões e

milhões de euros dos fundos destinados à produção agrícola — aliás, da grande parte dos fundos destinados a

Portugal! — para desenvolver um tipo de produção focado em números, explorando os nossos recursos para lá

dos limites naturais, bem como a mão de obra humana barata e vulnerável, a par de uma total descaracterização

do nosso território e do que melhor temos, que é o nosso património natural.

Se continuarmos a insistir em competir desta forma com a natureza e com os ecossistemas, explorando mais

do que eles têm para nos dar e interferindo no seu frágil equilíbrio natural, os resultados vão ser catastróficos e

os sinais já estão à vista de toda a gente.

Veja-se que, em 2020, o PDR (Plano de Desenvolvimento Rural) destinou apenas 3 milhões de euros para

investir na agricultura biológica, isto quando sabemos que a agricultura biológica e orgânica, a agricultura

biodinâmica ou a permacultura são soluções cada vez mais evoluídas e que garantem uma alimentação

saudável aos consumidores, com menores impactos no meio ambiente.

No entanto, a preservação da biodiversidade e o combate à crise climática continuam a ter subinvestimento

no nosso País, não existindo um investimento sério nestes setores que incentive os produtores a seguir por este

caminho e a transitar para modelos de produção mais sustentáveis, que promovam e apoiem as boas práticas,

a gestão dos habitats agrícolas e os serviços dos ecossistemas, que olhem para o nosso mar e florestas, por

exemplo, como recursos naturais e não como meros apêndices da economia. Só dessa forma vamos conseguir

impulsionar a transição que se impõe para um modelo de desenvolvimento mais justo e humanizado.

No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, o que ouvimos no dia a dia, da parte das organizações não

governamentais, são as queixas, reiteradas e frequentes, da falta de verbas para programas de conservação de

espécies, para a recuperação de habitats, para a despoluição dos nossos rios e ribeiros, entre tantos outros

exemplos.

Porém, passada a onda de choque provocada pelo massacre da Torre Bela, o Governo não tardou em investir

mais de 10 milhões de euros no setor da caça. E não se fica por aqui! Muito poucos são os que sabem que o

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dinheiro dos contribuintes financia projetos com nomes pomposos como o Centro de Competências para Gestão

e Sustentabilidade das Espécies Cinegéticas e Biodiversidade, o qual, sob o manto da sustentabilidade e da

biodiversidade, tem como missão apoiar e promover o próprio setor da caça, canibalizando recursos muito

importantes que são desviados e que deveriam estar empenhados para se estudar e compreender os impactos

da atividade humana na conservação dos habitats e em promover a biodiversidade.

Haverá um melhor exemplo de desperdício de fundos públicos?! Por acaso até há e, pasmem-se, Sr.as e Srs.

Deputados, chama-se tauromaquia, uma atividade anacrónica que continua a alimentar-se dos fundos públicos

para conseguir sobreviver, como se fosse essencial ao País, e para a qual continuamos a ver largos milhões de

euros da PAC (política agrícola comum) a serem desviados para o bolso dos ganadeiros. E, como se os fundos

da PAC não chegassem, ainda vemos os profissionais da tauromaquia a comer do mesmo «bolo» da cultura.

Ainda nesta semana, a Sr.ª Ministra da Agricultura — a mesma que iniciou o debate anterior a falar no impacto

económico, ao invés de falar de direitos humanos ou de transição sustentável na agricultura — disse, nesta

Casa, que Portugal é uma referência em matéria de bem-estar animal. Quem conhece a realidade do País e

esteve atento aos recentes e louváveis trabalhos de investigação da própria comunicação social sabe que esta

afirmação não poderia estar mais longe da verdade. Isto já nem falando na dificuldade que todos os anos

enfrentamos, nesta mesma Casa, ao procurar aumentar as verbas destinadas à proteção animal, muitas vezes

sem qualquer sucesso. Poderia ser para rir se não fosse para chorar! É que a biodiversidade e os animais não

se protegem à lei da bala, os ecossistemas não se preservam continuando a financiar atividades poluentes e o

País também não desenvolve se continuarmos a utilizar a mesma receita.

Não é apenas no setor da banca que o Governo tem de escolher a quem dá a mão. No que respeita ao

combate das nossas vidas, o combate às alterações climáticas, mas também à forma como nos relacionamos

com os outros seres que habitam este planeta, o Governo e o Parlamento têm de fazer as suas escolhas, as

quais têm de ir ao encontro do século XXI.

Todos desejamos uma sociedade mais justa, mais humanizada e mais saudável, mas, para isso, o dinheiro

dos contribuintes tem de ser investido e utilizado naquilo que, efetivamente, é o interesse do País, na resiliência

do território e das populações e no compromisso com a transição para uma economia verde.

Este momento é absolutamente crucial. Saibamos onde investir e deixar para trás atividades anacrónicas

que em nada servem os interesses do País.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista quatro inscrições para pedir esclarecimentos. Como pretende responder, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — A todos em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, desde 2015 que o Partido Socialista e o Governo têm vindo a aumentar de forma sustentada o investimento

público e têm-no feito com o mesmo rigor com que têm conseguido equilibrar as contas públicas.

A primeira informação que lhe queria dar, Sr.ª Deputada, a si e a esta Câmara, é a de que assim

continuaremos. Queremos mais e melhor investimento público, mas sempre suportado por mais e melhor rigor

orçamental.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Muito bem!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — A Sr.ª Deputada disse que havia pouco investimento público, nomeadamente nos programas europeus e nos fundos de investimento para a transição climática, mas, perante esta sua

intervenção, julgo que não tem lido os programas que lhe têm chegado às mãos.

A Sr.ª Deputada disse que 3000 milhões de 16 000 milhões do PRR é pouco. Até posso concordar consigo,

mas o que a Sr.ª Deputada não pode fazer é chegar a esta Casa e contar apenas metade da história. E a metade

da história é sempre aquela em que dizemos «quero mais investimento nesta matéria e nesta área».

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Pois bem, vou dizer-lhe o porquê de isso ser metade da história. É que os fundos de que fala não são infinitos,

são finitos. São fundos que têm um valor e, para sermos sérios e termos uma discussão séria e rigorosa, como

merecem os portugueses, a Sr.ª Deputada tem de dizer onde corta. Se quer mais dinheiro na transição climática

tem de dizer onde corta na saúde. Que hospital deixa de fazer?

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Muito bem!

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Se cortar na educação, que escola deixa de fazer? Se cortar na rodovia, que estrada deixa de fazer?

É isso que tem de dizer, Sr.ª Deputada, é a outra metade da história que tem de contar.

Mas, Sr.ª Deputada, vou dar-lhe outra informação. No que toca ao programa de investimento plurianual dos

fundos europeus, nomeadamente ao de 2021-2027, estamos a falar de 60% de investimento desse dinheiro na

transição climática. Continua a achar pouco, Sr.ª Deputada?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Hugo Oliveira (PS): — Vou concluir, Sr. Presidente. A pergunta que lhe deixo é essa, Sr.ª Deputada, qual é a outra metade da história. Onde é que a Sr.ª

Deputada deixa de gastar? É na saúde, na educação ou nos apoios sociais?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, gostaria de começar por sublinhar a importância do tema das opções para o investimento público que trouxe a esta sessão

plenária.

Para o PCP, a resposta necessária aos problemas e necessidades do País quanto à modernização e

desenvolvimento das suas infraestruturas, para a mobilização de todos os recursos disponíveis, do Orçamento

do Estado aos fundos comunitários ou a outras formas de financiamento, é uma resposta subordinada a uma

estratégia de desenvolvimento soberano que rejeite espartilhos decorrentes do euro, contrários ao

desenvolvimento do País. É uma política que fixe níveis de investimento público acima de 5% do PIB (produto

interno bruto), sem o qual não haverá crescimento económico duradouro acima dos 3%, e que responda a

atrasos no plano das infraestruturas e equipamentos: dos cuidados primários de saúde aos hospitais; desde o

suporte à atividade produtiva à energia e comunicações; do novo aeroporto à rede ferroviária; da rede pública

de creches aos equipamentos e apoio aos idosos, articulados com a realidade das estruturas sociais existentes;

do incremento do transporte público à habitação ou à garantia da proteção ambiental. É uma política que

dinamize a produção nacional, substituindo importações em bens estratégicos como os alimentos, em que o

apoio aos setores produtivos, à agricultura familiar, assuma uma importância fundamental.

Ora, a situação que o País enfrenta não encontra resposta na política do Governo do PS, mas não encontra

também resposta na política que tem vindo a ser seguida há décadas, apesar de o País e o Governo disporem

de todos os instrumentos para darem a resposta necessária mais imediata. Insistem em não o fazer, optando

por dar prioridade à gestão do défice em detrimento das medidas e dos investimentos que se mostram

inadiáveis.

A pergunta que lhe colocamos, Sr.ª Deputada, é a seguinte: não considera urgente e indispensável ter a

coragem política de inverter essas opções para enfrentar políticas e problemas acumulados, romper com a

política de direita — repito, romper com a política de direita! —, encetar um rumo de verdadeira recuperação e

abrir caminho ao desenvolvimento e ao progresso social?

É que esses poderosos interesses que mencionou, do agronegócio, dos grupos económicos, da grande

propriedade e da produção intensiva e superintensiva, gostam muito de ouvir falar quem se arroga não ser de

esquerda nem de direita.

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sofia Matos, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é irresistível não começar por vos trazer um facto absolutamente indesmentível, o de que a fatia que este Governo entrega ao investimento, ano após

ano, sucessivamente, é inferior à fatia que foi aplicada entre os anos de 2011 e 2015, em relação aos quais

todos sabemos das dificuldades por que este País passou.

A verdade está à vista de todos, Srs. Deputados. Veja-se o plano de investimentos no Ferrovia 2020, que

precisamente no ano de 2020 só tinha 19% do investimento executado. Veja-se a vergonhosa execução que o

Governo levou a cabo do Orçamento do Estado de 2020 e do Orçamento retificativo. Nem em tempos de

catástrofe sem paralelo o Governo foi capaz de cumprir o que prometeu aos portugueses.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, o Estado tem de ter um nível básico de investimento. E investimento, Srs.

Deputados, não é simplesmente passar cheques, é ter a capacidade de empreender, é ter a capacidade de

fazer e, acima de tudo, é ter a capacidade de executar e de concretizar. É muito mais, Srs. Deputados, do que

ir a Espanha comprar sucata que os outros já não querem utilizar, é escolher investimentos que sejam

reprodutivos e que ponham a produtividade acima de tudo.

Sr.as e Srs. Deputados, todos os anos o Governo deixa de executar, pelo menos, 1000 milhões de euros,

face àquilo que prevê e promete nos Orçamentos do Estado. Começa, desde já, a ser um padrão: o Governo

projeta uma coisa no Orçamento do Estado, depois deixa cair um bocadinho no Programa de Estabilidade, como

aconteceu este mês, mais um bocadinho quando se estima a execução do ano corrente no Orçamento do Estado

seguinte e a execução orçamental vem revelar, no final do ano, que nem os montantes revistos em baixa são

executados.

Estes factos dizem muito sobre este Governo, dizem muito sobre as suas prioridades, mas também dizem

muito sobre os Srs. Deputados e os grupos parlamentares que, sucessivamente, têm apoiado e viabilizado estes

Orçamentos fantasma apresentados por este Governo, como é o caso do PAN, Sr.ª Deputada.

Por isso, como se diz na minha terra — e vou terminar, Sr. Presidente —, à primeira caem todos, à segunda

caem os mais imprudentes e à terceira só cai mesmo quem quer. E, pelos vistos, os Srs. Deputados vão

continuar a cair.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para o último pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, na sua declaração política trouxe-nos vários temas, muito diversos, tendo, atualmente, grande parte uma

importância no debate político bastante relevante.

De facto, Portugal tem apresentado vários problemas que foram aludidos, nomeadamente na área ambiental,

na área agrícola, na proteção de habitats naturais, em que Portugal ainda está demasiado aquém daquilo que

seria importante, mas a questão essencial sobre todas estas matérias tem muito que ver com o modo como se

resolvem os problemas que foram aludidos, designadamente o tipo de produção agrícola que temos no nosso

País e as respetivas consequências ambientais e outras.

Pergunto se resolvemos isto com alterações estruturais de fundo do modelo de produção — como, aliás, tem

defendido o Bloco de Esquerda ao longo dos anos — ou se resolvemos isto apenas com taxas, que têm uma

lógica demasiadas vezes perniciosa, que pune as populações, e deixa, na grande maioria das vezes,

praticamente intactos os grandes produtores.

Parece-nos que este é um ponto essencial de demarcação das diferenças da forma como olhamos, por

exemplo, para as alterações climáticas, para a transição para um modelo mais justo de produção que todos

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queremos para fazer face a essas alterações climáticas, mas isso não se pode fazer sem falarmos de alterações,

de raiz, do modelo de produção.

Deixo-lhe, pois, essa pergunta porque ao longo dos anos e, especialmente nesta Assembleia, temos

percebido que, por parte do PAN, muitas vezes não tem existido esse avançar tão longe quanto seria necessário

neste modelo de produção. Essa era a pergunta que deixava.

Sobre o investimento público e ligando com a questão da transição para modelos mais justos e com as

alterações climáticas — e vou terminar, Sr. Presidente —, queria perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, se o PAN

acompanha este reforço e esta ideia de que o investimento público é necessário para fazer face não só às

alterações climáticas mas também até aos desafios que temos, provocados pela própria pandemia,

nomeadamente na questão dos transportes, um ponto essencial para fazermos essa luta, e, em especial, na

ferrovia, que, durante demasiadas décadas, foi sendo abandonada e que necessita, neste momento, de um

reforço bastante robusto. Sr.ª Deputada, pergunto se o PAN acompanha esta matéria.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, começo, desde já, por agradecer às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados as questões que me colocaram.

Desde logo, Sr. Deputado Hugo Oliveira, em relação às suas perguntas, penso que não esteve propriamente

atento à minha intervenção, porque dei exemplos muito claros de onde o PAN optaria por cortar, e não

precisamos de ir à saúde. É que, de facto, na saúde, o investimento público…

Risos do Deputado do PS Hugo Oliveira.

O Sr. Deputado ri-se, mas até agora o investimento público tem estado cativado.

Nós podemos dar outro nome à austeridade, e temos estado atentos ao que o Governo tem feito e ao que

não tem feito. E exemplos não faltam: sejam os 10 milhões de euros da caça, que ainda agora o seu Governo

deu, de mão beijada, ao setor, seja o subinvestimento na agricultura biológica — e se o Sr. Deputado estivesse

atento, teria tido o cuidado de ouvir — de 3 milhões de euros. Não é assim que se muda o paradigma nem que

se apoia os agricultores a terem boas práticas.

Em relação ao agronegócio — em que o seu Governo tem optado também por, mais uma vez, estender a

mão e por continuar a dar esse investimento —, também não precisamos de ficar por aí. Compreendo que seja

um léxico que, muitas vezes, vos é alheio, mas basta ver aquilo que é o debate da banca. Por exemplo, sobre

os muitos milhões de euros que têm ido para a banca, o PAN já deixou muito claro que, por nós, é aí que o

Governo tem de cortar e não no bem-estar das populações e menos ainda na saúde ou na educação.

Relativamente às questões colocadas pelo PCP — e, desde já, agradeço, Sr. Deputado —, queria dizer, de

uma forma bem clara, que para o PAN é evidente que consideramos urgente romper com as políticas que têm

sido desenvolvidas. No caso do ambiente, é uma política que tem de ser transversal aos diferentes espectros

políticos. Sr. Deputado, quando falamos em romper apenas com a direita, não nos podemos esquecer que

muitas vezes o conservadorismo da esquerda, que tantas vezes tem apoiado a agricultura intensiva e

superintensiva, também não tem contribuído para esta transição. E nós ouvimos a rejeição. Quando o PAN vem

falar em retirar, por exemplo, as isenções aos setores pecuários intensivos e superintensivos, todas as forças

políticas têm votado contra.

Portanto, Sr. Deputado, de facto, há que atender que o ambiente tem de ser transversal às preocupações de

todos os setores políticos e não apenas de alguns. Para esse debate, contará, certamente, com o PAN, porque

não nos furtaremos ao mesmo.

Sr.ª Deputada Sofia Matos, referiu uma questão à qual não posso deixar de retorquir. É muito bonito vir aqui

falar do Orçamento do Estado e da abstenção, quando o PAN fez avançar as suas causas no Orçamento do

Estado. Curiosamente, quando é para dar a mão ao PS para reduzir os debates quinzenais ou para reduzir os

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direitos eleitorais, o PSD também nunca se furta. Portanto, Sr.ª Deputada, às vezes, é melhor ter cuidado com

aquilo que se afirma.

Em relação a este debate e à execução dos fundos — porque, nesse caso, o PS e o PSD, o bloco central,

são muito amigos —, aquilo que verificamos é que há um desinvestimento sucessivo, Governo após Governo,

nas diferentes matérias. E o PSD não é muito diferente do PS naquilo que respeita à agricultura intensiva e

superintensiva e às políticas que tem seguido. Portanto, o apelo que deixamos ao PSD é que, de uma vez por

todas, comece a votar favoravelmente as medidas que procuram tornar mais sustentável as políticas ambientais.

Por fim, e evidentemente com a tolerância da Mesa, porque não queria deixar de responder à Sr.ª Deputada

Isabel Pires, queria dizer que o PAN deixou bem claro, desde o primeiro momento em que entrou nesta

Assembleia e no que têm sido as suas políticas, que há uma mudança de paradigma que tem de ocorrer na

forma como desenvolvemos e fazemos crescer o País.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — A economia não pode continuar a subjugar os interesses ambientais nem a proteção animal.

Assim, quer por via das taxas, quer por via do incentivo ao modelo económico, é fundamental que se mude

a forma como o País está a desenvolver-se e a crescer.

Muito obrigada pela tolerância, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Passos, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

A Sr.ª Ana Passos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há muito que o mar se constitui como um traço identitário português que nos orgulha e que nos transporta ao tempo dos corajosos navegadores, que

se aventuraram «Por mares nunca dantes navegados».

Esta relação imemorial que mantemos com o mar não nos pode deixar ficar fechados no passado, mas, sim,

servir de inspiração para estabelecer um outro tipo de ligação mais racional, reconhecendo este setor como um

dos principais ativos estratégicos para o futuro desenvolvimento do País, especialmente agora em contexto de

pandemia, onde o uso inteligente do oceano e dos respetivos recursos naturais poderão ter um papel decisivo

em alavancar o bem-estar da sociedade e o seu desenvolvimento económico.

Congratulamo-nos com o facto de o atual Governo continuar a dar ao mar a importância central que lhe é

devida, ao apresentar uma proposta de Estratégia Nacional para o Mar para o período de 2021-2030, que aposta

numa abordagem inovadora, integrada e completamente alinhada com as exigências dos tempos atuais.

De realçar que este documento estratégico apresenta uma visão alicerçada na promoção, e passo a citar,

«de um oceano saudável para potenciar o desenvolvimento azul sustentável, o bem-estar dos portugueses e

afirmar Portugal como líder na governação do oceano», apoiando-se no conhecimento científico e cumprindo,

assim, com um objetivo inscrito no Programa do XXII Governo Constitucional.

Importa destacar que a atual proposta de Estratégia Nacional para o Mar apresenta princípios orientadores

perfeitamente alinhados com a Agenda da ONU, com a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento

Sustentável 2021-2030, com o Pacto Ecológico Europeu, com a Política Marítima Integrada da União Europeia

e com a recente Estratégia Europeia para a Biodiversidade. Este alinhamento com os instrumentos

internacionais permitirá contribuir para objetivos comuns, de modo a enquadrar as políticas do mar e a fortalecer

o posicionamento geopolítico e geoestratégico de Portugal.

De sublinhar que a estratégia se encontra focada em 10 grandes objetivos para a década, que, por sua vez,

são complementados por 13 áreas de intervenção prioritária que os reforçam, contribuindo para a concretização

dos mesmos.

Assim sendo, pela relevância destas dimensões, permitam-me destacar alguns dos objetivos: combater as

alterações climáticas e a poluição e restaurar os ecossistemas; fomentar o emprego e a economia azul circular

e sustentável; descarbonizar a economia e promover as energias renováveis e a autonomia energética; estimular

o conhecimento científico, o desenvolvimento tecnológico e inovação azul; e, por último, incrementar a

educação, formação, cultura e literacia do oceano.

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Mas, como não basta definir objetivos, importa também avaliar e monitorizar a implementação da estratégia,

pelo que foram estabelecidas metas específicas e quantificáveis.

Destas, sublinho as metas relativas à gestão de resíduos provenientes das atividades marítimas, com

estratégias para a promoção de utilização de embalagens reutilizáveis; a meta de classificar áreas marinhas

protegidas em 30% das águas marinhas nacionais, com um terço destas áreas com proteção total,

acompanhando, assim, o movimento internacional de alargamento da rede de Áreas Marinhas Protegidas, por

forma cumprir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 14 da Agenda 2030; a meta de assegurar o

crescimento do emprego na economia azul nacional; o reforço do envolvimento das organizações de produtores

na gestão sustentável de cada stock de pesca, promovendo-se a efetiva cogestão da pesca com os vários

intervenientes; e a meta de aumentar a produção aquícola nacional para 25 000 t por ano, entre muitas outras.

Uma dimensão muito valorizada nesta estratégia é a da descarbonização da economia, com o

desenvolvimento de processos de produção mais limpos, aumentando a sua eficiência no uso de recursos e de

energia e assegurando um aproveitamento sustentável dos recursos naturais, dentro dos limites regenerativos

dos ecossistemas, salvaguardando a devida proteção ambiental.

É necessário não esquecer que o oceano contribui com mais de 50% do oxigénio que respiramos e que as

suas zonas costeiras continentais, onde se incluem as pradarias marinhas, florestas de macroalgas, sapais e

massas de fitoplâncton, se constituem como importantes sumidouros de carbono, fundamentais para a

manutenção da vida do planeta. De referir que, ainda no mês passado, o Grupo Parlamentar do PS apresentou

um projeto de resolução que vai neste sentido de se aumentar a proteção destes ecossistemas costeiros.

Importa notar que, no atual contexto de crise pandémica, o desenvolvimento da economia do mar e a criação

de emprego são prioridades óbvias em que importa apostar, visto estar demonstrado que a dimensão da

economia do mar é significativa no ranking dos principais setores da economia nacional com potencial para

crescimento.

De referir que o Plano de Recuperação e Resiliência, um dos vários instrumentos financeiros que será usado

para implementar a estratégia, tem inscritos 252 milhões de euros para investimentos ligados à investigação,

economia azul, segurança pesqueira e desenvolvimento do Cluster do Mar dos Açores. A esta verba acresce,

ainda, 300 milhões de euros do próximo quadro financeiro plurianual e de fundos da ciência, a que se podem

candidatar empresas e instituições.

Uma nota final para sublinhar que a recuperação económica no pós-COVID passa por redefinirmos o nosso

modelo de desenvolvimento económico e, acima de tudo, os nossos comportamentos e estilos de vida. Para tal,

será necessário envolver todas e todos, jovens e menos jovens, num processo de transformação alicerçado no

conhecimento científico, onde a literacia do oceano terá um papel fundamental e determinante para a

manutenção e sobrevivência de muitas espécies, entre as quais a espécie humana.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, a Mesa regista a inscrição de cinco Srs. Deputados para pedir esclarecimentos.

O Sr. Jorge Costa (BE): — E também o Bloco de Esquerda, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — O Bloco de Esquerda não estava inscrito, mas, desta vez, vamos partir do princípio de que alguém não tomou nota.

Nesse caso, estão inscritos seis Srs. Deputados. Como pretende responder, Sr.ª Deputada Ana Passos?

Três a três, seis a zero, zero a seis?

A Sr.ª Ana Passos (PS): — Sr. Presidente, respondo três a três.

O Sr. Presidente: — Muito bem, Sr.ª Deputada. Para iniciar a primeira série de três pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha

Ferreira, do Grupo Parlamentar do PSD.

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A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD). — Sr. Presidente, Srs. Deputados, começamos por cumprimentar o Partido Socialista por ter trazido a este Parlamento o tema do mar, tão relevante para Portugal. Na verdade, não

é primeira vez que este tema é abordado neste tipo de debates, o que por si é bastante positivo.

Contudo, o que nos espanta é que o discurso seja tão alheado da realidade do nosso País, porque a verdade

é que o modelo de crescimento de Portugal pelo mar, que tanto ambicionamos, continua uma miragem. E nem

a reviravolta que o Plano de Recuperação e Resiliência teve sobre o mar cura a falta de ambição e de liberdade

dos últimos anos. Mas mesmo assim, ficamos satisfeitos que tenham ouvido o PSD e que, na segunda versão

do PRR, se tenha introduzido um capítulo dedicado ao mar.

É, ainda, igualmente importante que Portugal renove, como está a fazer, a sua Estratégia Nacional para o

Mar.

Nesse sentido, Sr.ª Deputada, gostaria de lhe deixar algumas perguntas.

Em primeiro lugar, quais são as primeiras medidas a implementar ao nível da Transição Verde e Digital e

Segurança nas Pescas, através dos 21 milhões de euros previstos no PRR? Qual é o montante para a

modernização da frota e a valorização do setor da pesca?

Em segundo lugar, qual é a estimativa de repercussão económica que a Rede de Infraestruturas para a

Economia Azul, com 87 milhões de euros, terá na economia do mar? E quais os cenários em termos de

recuperação do investimento?

Mais: como deve saber, as indústrias do mar já manifestaram interesse em investir em Portugal mais de 5000

milhões até 2030 em setores que vão dos portos e da construção naval à pesca e à transformação do pescado

e da biotecnologia azul ao turismo. Precisam, porém, de desbloqueios financeiros e administrativos. Acha que

Portugal terá essa liberdade de escolha e de apoiar o investimento privado no mar, até 2030?

Porque falar sobre o mar é isto, Sr.ª Deputada, é trazermos números e darmos respostas concretas, senão,

não passa de um discurso bonito sem qualquer conexão com a realidade.

Nesse sentido, e para terminar, gostaria de lhe perguntar, Sr.ª Deputada, se acha que a Estratégia Marítima

Nacional será capaz de dar a Portugal os instrumentos para sermos um País com crescimento e

desenvolvimento sustentável no mar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Passos, 97% do território nacional é mar.

Temos uma das maiores plataformas continentais europeias, com um potencial de aproveitamento enorme:

na renovação da pesca, na renovação dos portos, novas tendências de energia elétrica, no turismo, no clima,

na energia, na biotecnologia azul, na produção de aquacultura… A economia do mar representa, neste

momento, cerca de 3% do PIB, o que é, de facto, miserável, tendo em conta todo o potencial que existe e que

temos para aproveitar e para explorar.

A aposta no mar tem sido nula: falta foco, falta estratégia ao Governo, uma promessa ano após ano sempre

adiada, não existem fundos ou aqueles que existem alocados ao mar são mesmo muito poucos, chegando a ser

menos de 1% do total dos fundos europeus.

O mar é um setor estratégico para Portugal que nos poderia colocar na vanguarda e, novamente, no mapa

mundial, mas para o PS e para o Governo não tem sido prioritário. Fica bem falar do mar, mas, na prática, é

zero!

De facto, Sr.ª Deputada, estamos a perder uma oportunidade única. O mar e a economia azul poderiam ser

uma das chaves, uma clivagem para potenciarmos também o verdadeiro crescimento económico de Portugal,

mas os fundos do mar são uma gota no oceano. Senão, vejamos: PRR — 252 milhões de euros para a indústria

do mar,…

O Sr. João Dias (PCP): — Se fosse o CDS a meter a mão nesse dinheiro…!

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O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — … 10 vezes menos do que era necessário ou que era pretendido pelo Conselho Estratégico para a Economia do Mar da Confederação Empresarial de Portugal, pois eles

pretendiam investir cerca de 5000 milhões, até 2030.

Sr.ª Deputada Ana Passos, dos 252 milhões de euros, com apenas 20 milhões, porque só apenas 20 milhões

destes 252 milhões de euros do PRR são verdadeiramente alocados à economia real do mar, como pensa o

Partido Socialista potenciar a economia do mar?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN, para um pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, antes de mais, agradeço à Sr.ª Deputada pela questão que nos trouxe. É uma temática bastante importante para o nosso País; no entanto, não podemos deixar de

referir que a estratégia é bastante dececionante naquilo que respeita à forma como, mais uma vez, olha para o

mar.

Aliás, se pegarmos na estratégia e a cruzarmos com o próprio PRR, o facto de lá aparecer um eixo que se

refere à economia do mar e não ao mar deixa bem presente a prioridade do próprio Partido Socialista para o

País nesta matéria.

É que olhar para o mar não pode ser só numa perspetiva extrativista de mineração em mar profundo ou até

mesmo de exploração do peixe que ainda existe no mar, a sua biodiversidade numa perspetiva economicista,

mas, sim, na preservação das espécies marinhas, que estão em forte declínio, na despoluição dos oceanos.

Nesse sentido, na própria estratégia, é referido que, e passo a citar, «tem como propósito potenciar o contributo

do mar para a economia do País, a prosperidade e o bem-estar de todos os portugueses, dar respostas aos

grandes desafios da década e reforçar a posição e visibilidade de Portugal no mundo». Ora, isto diz tudo. De

facto, fora ficou a preservação da biodiversidade.

Sabemos que o mar tem um potencial de sumidouro de carbono absolutamente imprescindível e, se não

tomarmos medidas que visem a sua preservação, estaremos a pôr em causa o equilíbrio dos ecossistemas.

E mais: se não se incentivar na pesca industrial a implementação de medidas que visem salvaguardar as

espécies marinhas, estaremos a assistir a um vertiginoso declínio das mesmas.

Nesse sentido, a pergunta que colocamos ao PS é a de saber se está disponível para revisitar aquelas que

são as suas opções no que respeita à implementação quer do PRR quer também das Grandes Opções alinhadas

com o Orçamento do Estado, para que a estratégia que está no papel se materialize em medidas mais eficazes

de proteção dos nossos oceanos.

O Sr. Presidente: — Para responder a este primeiro bloco de questões, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Passos, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Ana Passos (PS). — Sr. Presidente, começo por agradecer as questões que me foram colocadas pela Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, pelo Sr. Deputado Pedro Morais Soares e pela Sr.ª Deputada Inês de

Sousa Real.

Queria informar a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira que a Estratégia Nacional para o Mar não é um

documento orçamentado, não tem orçamento, é uma estratégia, define caminhos.

Esta é a terceira Estratégia Nacional para o Mar que Portugal tem e, como as suas antecessoras, será um

documento estratégico com orientações para todo o País e não terá, como nunca teve, um envelope orçamental

associado; nem é uma estratégia para o Estado ou para o Governo, é uma estratégia para Portugal. A sua

implementação dependerá de investimentos públicos e privados.

O PRR é um dos vários instrumentos financeiros que será usado para implementar a estratégia. Na sua

componente 10, dedicada ao mar, estão lá 252 milhões de euros, repito, 252 milhões de euros, todos eles

projetos dedicados ao mar. Cobrem: a criação de um hub azul com uma rede de parques tecnológicos em zonas

portuárias dedicadas à promoção da economia azul; um programa de apoio à transição ecológica nas pescas,

que financiará novos equipamentos em embarcações, instalações industriais da fileira do pescado; a construção

de uma plataforma naval multiusos para a Marinha portuguesa, que servirá para investigação científica,

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monitorização ambiental e salvamento marítimo e para o Cluster do Mar dos Açores, incluindo um parque

tecnológico e a construção de um navio de investigação regional.

Para além destes 252 milhões de euros, as empresas da economia do mar podem também recorrer a outros

apoios transversais previstos no PRR, como, por exemplo, as agendas/alianças verdes para a inovação

empresarial, sob a componente 5, ou os investimentos em qualificações e competências, sob a componente 6,

só para referir dois especialmente vocacionados para o setor privado.

Acresce, ainda, o próximo quadro financeiro plurianual, com 300 milhões de euros e fundos da ciência. Agora,

importa executar, isso sim.

Relativamente às pescas, esta proposta de estratégia procura cobrir os principais setores da economia do

mar, não deixando nenhum setor ficar fora da estratégia. Nas pescas, existe uma aposta na inovação, na

melhoria das condições de trabalho a bordo, na reestruturação da frota, na sua renovação em eficiência

energética e digital para promover a sua sustentabilidade económica e ambiental, em vez de se apostar em mais

embarcações ou no aumento das quantidades pescadas.

Relativamente à questão que a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real me colocou, sobre se estamos disponíveis

para revisitar o PRR e as Grandes Opções do Plano, queria dizer que as Grandes Opções do Plano refletem

também aquilo que está plasmado na Estratégia Nacional para o Mar, tais como todas as preocupações

ambientais e até mesmo a questão das áreas marinhas protegidas. Não sei se a Sr.ª Deputada tem tido

oportunidade de acompanhar as audições que temos feito na Comissão de Agricultura e Mar a diferentes

entidades, onde foi apresentada uma proposta de área marinha protegida, bastante inovadora,…

Entretanto, reassumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente: — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Passos (PS). — … uma área alicerçada no conhecimento científico e com a envolvência de todos os protagonistas da região. Mas mais à frente, completarei a resposta.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Continuando com os pedidos de esclarecimento à Sr.ª Deputada Ana Passos, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Passos, quero cumprimentá-la e saudá-la por ter trazido um tema tão relevante para o nosso País, tendo em consideração o País que temos

com esta importância estratégica, que é o mar.

De facto, e concordando consigo, o que está em causa, o que a Estratégia Nacional para o Mar nos traz aqui

é um caminho, mas a estratégia do mar que o Governo do PS defende nunca será uma verdadeira estratégia

sem considerar o setor da pesca e os pescadores.

Sinceramente, Sr.ª Deputada, há aqui uma contradição insanável relativamente à estratégia que aqui nos

trouxe e aquela de que também deveríamos estar a falar hoje, a qual teria de responder aos problemas da pesca

e dos pescadores portugueses.

Por isso, a estratégia que defendeu não responde àquilo que deveria responder.

Vou pôr três questões muito simples. Aliás, considerando até que é uma Deputada eleita pelo Algarve, calculo

que estava à espera que o PCP lhe pusesse estas três questões.

Tendo em consideração os fundos públicos, desde o Orçamento do Estado aos fundos comunitários, o PS

está disponível para acompanhar o PCP na defesa da renovação da frota de pesca nacional, algo que é

fundamental e decisivo para a segurança e as condições de trabalho dos pescadores?

Uma outra questão tem que ver com os investimentos dos portos e das lotas nacionais. Sr.ª Deputada, não

considera que é importante que se faça um investimento que responda às condições de degradação e abandono

em que se encontram as infraestruturas nacionais em termos de portos e lotas?

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E, já agora, tendo em consideração a iniciativa do PCP, a qual deu entrada na semana passada, sobre os

investimentos nos portos do Algarve, sendo uma Deputada eleita pelo Algarve, está disponível para acompanhar

esta importante iniciativa do PCP?

Portugal tem necessidades permanentes de dragagens nos nossos portos. Aquilo que temos dito

sucessivamente é que o País tenha capacidade de responder às suas necessidades de dragagem,

nomeadamente através da criação de uma entidade pública que permitisse dar resposta a esta situação.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Nesse sentido, relativamente às dragagens, um drama que se vive em Portugal, pergunto-lhe qual é a solução que o PS apresenta.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar do PEV.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero congratular a Sr.ª Deputada Ana Passos por trazer a debate o tema da Estratégia Nacional para o Mar.

O mar que uniu o mundo, que, na sua imensidão, esconde riquezas naturais que ainda estão por descobrir,

exatamente por essa imensidão, mas também pela sua complexidade, enquanto ecossistema, muito dificilmente

permitirá ao ser humano descobrir toda a sua essência com a rapidez que alguns gostariam.

Conscientes de que todas as atividades humanas dependem de funções de ecossistemas, Os Verdes têm

vindo a alertar, ao longo dos anos, para as ameaças que os diversos habitats têm sofrido, pelo aumento da

temperatura e pela alteração dos padrões de clima que se fazem sentir.

Estes ecossistemas, mais vezes do que seria de esperar, não são devidamente acompanhados, cuidados e

defendidos, não são fiscalizadas as atividades ao seu redor, para que possam ser preservados e sobreviver à

necessidade de se inovar, construir e desenvolver.

Por isso, depois do desejo de explorar sem limites os recursos minerais em terra, assistimos à possibilidade

e ao desejo de se explorarem os recursos minerais no fundo do mar. E, assim, o PS e o Governo, na estratégia

que a Sr.ª Deputada, hoje, aqui vem defender, mais uma vez, demonstram a dúvida, propositada ou não, em

que vivem. Se, por um lado, nascem os mais diversos planos de preservação da biodiversidade, dos

ecossistemas, da natureza, planos e planos de mitigação das alterações climáticas, por outro, brotam propostas,

desafios e intenções de se explorarem os recursos naturais de forma descontrolada e sem qualquer

planeamento, tanto em terra como no mar.

Sr.ª Deputada, concorda com a insistência em desenvolver planos de exploração de recursos naturais finitos,

que deixam um rasto de destruição atroz? Não será mais aconselhável que o País saiba primeiro, ao certo,

quais as riquezas naturais que possui? É um País destruído que queremos deixar para as gerações futuras?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Sr.ª Deputada Ana Passos, na nova Estratégia Nacional para o Mar, o Governo diz muito sobre negócio, empreendedorismo e matérias-

primas e muito pouco sobre trabalho, salários e emprego.

Nas pescas, tão importantes como a conservação dos ecossistemas marinhos, o esforço de pesca e a

rastreabilidade do pescado são as condições dignas de trabalho e os salários justos para os pescadores. Mas

nem na Estratégia para o Mar nem entre os milhões do Plano de Recuperação e Resiliência destinados à

economia do mar, o trabalho com direitos é uma prioridade.

Na estratégia do Governo não existe uma única medida para assegurar o trabalho qualificado e combater a

precariedade na pesca. Brevemente, votaremos um projeto do Bloco neste sentido. Questiono: estão o PS e os

restantes grupos parlamentares disponíveis para o acompanhar?

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É preciso acabar com o abuso laboral que reina em muitos portos e embarcações, onde, de forma semelhante

ao que acontece na agricultura, ocorrem atropelos aos direitos dos trabalhadores migrantes, que, também aqui,

vivem em habitações sobrelotadas e armazéns, em condições indignas.

De forma a ignorar exigências legais de qualificação, o Governo inventou a categoria de marinheiro

praticante, para legalizar a prática corrente de recrutamento de migrantes sem formação adequada, qual

legalização de contentores em Odemira.

Outra urgência que escapa ao Governo, no meio de tanta pompa e circunstância de bazucas e anúncios, é

a erradicação da precariedade nos Laboratórios do Estado. Passados quatro anos desde o início do PREVPAP

(Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública), dezenas de

investigadores precários continuam à espera da sua integração no IPMA (Instituto Português do Mar e da

Atmosfera). Alguns deles têm uma situação de trabalho precária há 20 anos, continuando a exercer funções

indispensáveis ao funcionamento do Instituto.

No Bloco de Esquerda, em vez do extrativismo e do abuso laboral, as prioridades para o mar passam pelas

condições dignas de trabalho e pelo conhecimento que assegura a preservação do meio marinho.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Passos, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Ana Passos (PS): — Sr.ª Presidente, começo por agradecer as questões que me colocaram o Sr. Deputado João Dias, a Sr.ª Deputada Mariana Silva e o Sr. Deputado Ricardo Vicente.

Respondendo ao Sr. Deputado João Dias, queria dizer-lhe que, se calhar, tem estado um bocadinho

desatento relativamente aos diplomas que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem apresentado. Ainda

na semana passada, apresentámos um diploma referente às dragagens no Algarve, onde propomos a criação

de um plano específico para o Algarve, dadas as condições naturais especiais que lá temos, mais

especificamente na ria Formosa e na ria de Alvor. Aí poderá verificar, além desta recomendação, muitas outras

relativas às dragagens de canais, manutenção de canais, reposição do cordão dunar, etc. Penso que, na próxima

semana, estará em discussão na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território.

Relativamente à pesca e às questões relacionadas com os pescadores, já aqui disse, Sr. Deputado, que está

prevista, na área da inovação, a melhoria das condições de trabalho a bordo, a reestruturação da frota e a sua

renovação em eficiência energética e digital, alicerçando-se nos pilares do PRR que são de transição energética

e digital.

No entanto, queria dizer-lhe que, na Estratégia Nacional para o Mar, já aparece uma forte aposta na

aquacultura, e não só na aquacultura offshore, na aquacultura em terra, assim como na aquacultura em zonas

de transição. Este forte investimento em aquacultura, esta forte aposta em aquacultura irá complementar a

questão das pescas e aliviar um pouco o esforço de pesca, permitindo também a recuperação dos ecossistemas

naturais e dos stocks de pesca.

No que se refere à questão dos recursos não vivos e à exploração dos recursos naturais, o que está previsto

na Estratégia Nacional para o Mar é privilegiar-se a produção de oxigénio e água potável, em vez dos recursos

fósseis.

Nos minerais, aposta-se no mapeamento geológico do solo e do subsolo marinho da Plataforma Continental.

Esta exploração encontra-se, obviamente, condicionada ao desenvolvimento de conhecimento científico e

tecnologia que assegure a mitigação e a eliminação de impactos nos ecossistemas, na biodiversidade e nas

atividades económicas estabelecidas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

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O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: «Vieram durante a noite», foi assim que os moradores do Zmar, e aqueles que serão proprietários de vários espaços dentro do mesmo local, expressaram

hoje a forma como as autoridades procederam ao realojamento de migrantes em Odemira.

«Vieram durante a noite, quando ninguém esperava, para o fazer. Hoje, acordámos com uma preocupação

adicional: com os migrantes a explicar que tinham vindo durante a noite por razões laborais e também por razões

religiosas». Vergonha! Um País onde é mais importante que aqueles que são realojados o sejam de acordo com

as suas vontades, enquanto aqueles que são os nossos proprietários, os nossos homens e as nossas mulheres

que vivem neste território são deixados para trás, como se fossem descartáveis.

«Vieram durante a noite para ocupar as nossas casas e para ocupar uma parte deste estabelecimento, sem

que ninguém nos tenha dito nada». Este padrão de atuação do Governo não é incomum. Em 2020, aprovámos

nesta Câmara um regime especial para expropriações e servidões administrativas. O Estado que não sabe

quantos imóveis tem é o mesmo Estado que quer expropriar à vontade, sem qualquer problema e sem qualquer

limitação. O Estado que não sabe nem consegue inventariar os seus imóveis, apesar de, em 2009, esta

Assembleia o ter mandatado para isso, é o mesmo Estado que quer expropriar à vontade os portugueses de

bem, que pagam os seus impostos e que cumprem as suas obrigações.

O que se passa no Zmar é, sem dúvida, um problema de direitos humanos, mas também é um problema de

direitos humanos, que devíamos conhecer, aquele que ocorre quando um Governo autoriza 300 contentores

para esses migrantes viverem. Onde é que estava a conversa dos direitos humanos, quando o Partido Socialista,

com a cumplicidade da extrema-esquerda, permitiu que fossem usados contentores como meros locais de

aglomeração de pessoas?! Hoje, gritam, mas há um e dois anos permitiram que estes homens e mulheres

vivessem nessas condições! Agora, mãos no ar, lágrimas na cara, mas, quando olhamos, sabemos bem que

aquilo que a esquerda, hoje, quer é fazer disto um caso, apenas para dizer, tão-somente, que a agricultura é

que é a culpada, os proprietários é que são os culpados, os portugueses de bem é que são os culpados. É isto

que temos em Portugal, no Zmar e em muitas zonas do Alentejo e do Ribatejo. Temos um Governo incapaz de

gerir um problema que sabia existir há anos e que, agora, chega aos proprietários e diz: «Meus amigos, deem-

nos as vossas casas, deem-nos as vossas propriedades e deem-nos as vossas vidas».

Nós devemos perceber bem quando temos ou não de agir em prol daqueles que estamos aqui a defender.

E não houve nenhuma negociação com os moradores. Basta uma mera conversa, um contacto com eles para

perceber que a requisição que foi feita — porque não se chegou a acordo com os moradores — foi, na verdade,

uma fantochada, porque nunca houve negociação, nunca houve acordo, nunca houve qualquer intenção de

negociar. Há uma declaração unilateral do Governo, uma requisição que é ilegal e inconstitucional, e o Chega

exigirá nos tribunais que ela seja revertida, por ser um ataque inadmissível aos direitos humanos.

Por isso mesmo, amanhã ainda, o Chega entrará, novamente, no Supremo Tribunal Administrativo, para

pedir ao Estado, ao Estado responsável, que reverta a decisão deste Governo, de permitir que sejam

requisitadas casas, habitações e propriedades. Se, para estes partidos, não interessa o sofrimento daquelas

populações,…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Não diga disparates!

O Sr. André Ventura (CH): — … nós estaremos lá, a dizer que um tribunal tem de reverter esta decisão e que um Primeiro-Ministro não é senhor absoluto do território.

Pediremos, também, à Procuradoria-Geral da República que fiscalize a forma como foi feita esta requisição

e como continua a ser abordada em Portugal. É que, Meus Senhores, não basta bater com a mão no peito e

dizer que temos uma Constituição liberal, que defende a propriedade privada, e que somos o País do mundo

que primeiro defendeu a propriedade, se estamos lá, na primeira linha, a bater palmas, quando as pessoas são

expropriadas dos seus bens e os seus terrenos são completamente postos à mercê de outros.

A imigração que temos em Portugal é legal e ilegal, mas não é disso que se trata neste caso, e todos os

países a têm, o que não podemos, nunca, o que não devemos, aquilo a que não temos direito é a dizer que

estes homens e mulheres, que vieram para Portugal trabalhar e devem ser acolhidos com dignidade, valem mais

do que os nossos próprios, que cá estão a trabalhar e a pagar impostos há anos.

Aquelas populações sentem-se abandonadas pelo Estado, há anos, em concelhos, alguns deles, de partidos

que, hoje, dizem aqui que, há anos, denunciam o problema, mas têm-no ali mesmo, há décadas, e gerem-no

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sem qualquer solução, e dizem agora, a homens e mulheres que perderam as suas casas, que viram os seus

filhos perder a escola primária,…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Não diga mentiras!

O Sr. André Ventura (CH): — … que viram o centro de saúde fechar, que viram as propriedades agrícolas acabar, «deem-nos as vossas casas, porque vamos ficar com elas e vamos continuar a usar a vossa

propriedade».

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Mentiroso!

O Sr. André Ventura (CH): — Vergonha! Vergonha de um Estado que não consegue tratar os portugueses melhor, de um Governo que não consegue tratar com dignidade aqueles por quem foi eleito e que merecem

esse trabalho.

No meio disto, os advogados foram impedidos de entrar na zona do Zmar. Foi o mesmo Ministro que hoje

aqui esteve, a bater com a mão no peito e a dizer que cumpriu toda a lei, que impediu os advogados dos

proprietários de entrarem. Só um telefonema de Marcelo Rebelo de Sousa, a meio da tarde, desautorizou, mais

uma vez, o Ministro mais desautorizado da história da nossa terceira República, que aparece aqui, com a mão

para a frente e para trás, a dizer que estamos todos juntos e todos no bom caminho. Nem estamos todos juntos,

nem estamos no bom caminho, estamos num péssimo caminho! Quando o Governo começa a expropriar as

vidas e os terrenos das pessoas, estamos em muito mau caminho!

Vou terminar perguntando que imigração queremos para Portugal. Precisamos ou não de imigração?

Precisamos! Mas devemos ser capazes de fazer uma reflexão sobre o tipo de imigração que queremos.

Muitos crimes sexuais, sobre os quais aqui batemos com a mão no peito, aumentaram em países como a

Suécia e a Alemanha, fruto da imigração islâmica…

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Não tem vergonha mesmo!

O Sr. André Ventura (CH): — … e de origem islâmica que tiveram nos seus territórios.

Protestos de Deputados do PS.

É verdade, Srs. Deputados! Sei que custa ouvir, mas é a verdade.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

Continuação de protestos de Deputados do PS.

Peço-lhe que conclua, por favor, Sr. Deputado. Já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Sr. André Ventura (CH): — Ia terminar, mas não me foi permitido terminar.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor de concluir.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar dizendo isto: temos de pensar na imigração que queremos. E, se mais ninguém é capaz de o dizer, nós vamos dizê-lo: a imigração islâmica é um perigo para Portugal, é um

perigo sobre as nossas mulheres e sobre as nossas cidades.

Devemos, a bem ou com os instrumentos do Estado de direito, conseguir reverter a dignidade a terras que

já a perderam há muito tempo.

Protestos de Deputados do PS.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, vamos passar ao terceiro ponto da nossa agenda, o qual consta da discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 81/XIV/2.ª (GOV) — Autoriza o

Governo a estabelecer o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as suas

regras de funcionamento.

Agradeço às Sr.as e aos Srs. Deputados que desejam intervir neste ponto que se inscrevam, pois ainda não

temos inscrições.

O Sr. João Dias (PCP): — O Governo não vem?!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — O Governo não vem?!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos aguardar pela chegada de membros do Governo.

Pausa.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Agora, sim, estamos em condições de dar início ao terceiro ponto da nossa agenda.

Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza,

das Florestas e do Ordenamento do Território, João Paulo Catarino.

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território (João Catarino): — Ex.ma Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Ex.mas Sr.as Deputadas, Ex.mos Srs.

Deputados: Os graves incêndios de 2017 vieram demonstrar, de forma clara, a necessidade de se adotar um

conjunto de medidas sólidas que configurem uma reforma integrada na prevenção e no combate aos incêndios

florestais.

A reforma em curso é orientada por três grandes princípios.

O princípio da aproximação entre a prevenção e o combate. Este princípio implica um reforço e a progressiva

reorientação de recursos para os pilares da prevenção e da vigilância, com o indispensável robustecimento do

Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e da Guarda Nacional Republicana (GNR).

O princípio da profissionalização e da capacitação do sistema.

O princípio da especialização. Este princípio permite a progressiva e tendencial segmentação dos meios

vocacionados para a proteção das pessoas e bens — missão primeira da proteção civil — e para a gestão dos

fogos rurais, a qual exige uma intervenção altamente especializada.

A reforma tem por base a transformação do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, criado

pelo Decreto-Lei n.º 124/2006, de 28 de junho, no Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, o SGIFR.

Torna-se, agora, necessário concretizar o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e definir as suas

regras de funcionamento, com base nas recomendações da Comissão Técnica Independente e nas orientações

acima referidas.

No seguimento de um intensíssimo trabalho de fina articulação entre as diversas entidades envolvidas, o

Governo elaborou um projeto de decreto-lei que concretiza os elementos essenciais deste novo sistema. A

saber: a definição, a nível nacional, das macropolíticas e das orientações estratégicas que contribuem para

reduzir o perigo e alterar os comportamentos dos proprietários, utilizadores e beneficiários diretos e indiretos do

território rural; a definição dos modelos de articulação interministerial, delimitando as competências e os âmbitos

de atuação de cada entidade e apostando num modelo de maior responsabilização dos diversos agentes no

processo de tomada de decisão, em harmonia com a cadeia de processos do PNGIFR (Plano Nacional de

Gestão Integrada de Fogos Rurais); a definição dos conteúdos dos diversos instrumentos de planeamento de

gestão integrada de fogos rurais, a nível nacional, regional, sub-regional e municipal, coordenando as funções

estratégicas, operativas e de execução; a criação de um sistema de informação de fogos rurais, de forma a

agregar e difundir toda a informação técnica relevante do SGIFR, traduzindo uma aposta clara na definição de

um modelo assente na prevenção e na minimização dos riscos; o estabelecimento de um modelo de governança,

de monitorização e de avaliação, que contribuirá para a melhoria contínua das políticas e programas públicos.

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Por fim, este projeto de decreto-lei prevê o aperfeiçoamento dos mecanismos necessários para assegurar a

execução das medidas de prevenção, a proteção de pessoas e bens em situações de elevada perigosidade ou

de perigo de incêndio rural e a responsabilização dos agentes envolvidos.

As medidas relativas aos mecanismos de prevenção, de proteção e de responsabilização abrangem matérias

da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, razão pela qual o Governo

apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 81/XIV/2.ª, cabendo-me a honra de a apresentar

às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados.

A presente proposta de lei de autorização legislativa tem por objeto o estabelecimento das normas

necessárias para assegurar a eficácia das medidas de prevenção e de supressão de incêndios rurais,

designadamente: a execução das medidas de prevenção; a proteção de pessoas e de bens em situações de

elevada perigosidade ou de perigo de incêndio rural; a responsabilização em situações de incumprimento e,

sobretudo, em situações de crime de incêndio.

Para garantir a execução efetiva das medidas de prevenção da ocorrência de incêndios rurais, são previstas

as seguintes medidas: o estabelecimento de servidões administrativas relativas às redes de defesa contra

incêndios rurais, de modo a garantir que essas infraestruturas de prevenção e de defesa dão a resposta

necessária, onde e quando forem precisas; a adoção de mecanismos de execução dos deveres de gestão de

combustível, a cargo das entidades gestoras, das infraestruturas ou equipamentos e dos proprietários, de modo

a garantir que as medidas necessárias para a proteção das infraestruturas e das populações não são

descuradas; a previsão de mecanismos de notificação adequados dos proprietários, de modo a assegurar a

execução efetiva e atempada das medidas, conciliando-a com as garantias fundamentais.

Para garantir a responsabilização em caso de incumprimento dos deveres de prevenção, são previstas

também as seguintes medidas: o estabelecimento de um quadro contraordenacional adequado e eficaz, de

modo a garantir sanções com efeito suficientemente dissuasor, em função da gravidade das infrações, mas

adaptadas às características dos destinatários em presença; a previsão da utilização dos meios de

videovigilância e de vigilância aérea, de modo a assegurar a monitorização dos incêndios e a responsabilização

efetiva e, nesse âmbito, a atribuição de valor probatório para efeitos de responsabilidade criminal às imagens

recolhidas no âmbito da rede de vigilância contra incêndios.

Para garantir a segurança de pessoas e de bens em situações de elevada perigosidade ou perigo de incêndio

rural, são previstas, ainda, as seguintes medidas: a restrição da circulação e da realização de atividades que

envolvam a concentração de muitas pessoas em situações de perigo, de modo a prevenir riscos graves e evitar

a ocorrência de tragédias como as que sucederam no passado; o condicionamento do uso do fogo, de

maquinaria e de equipamentos, prevenindo, assim, a ocorrência de fontes de ignição em zonas e períodos mais

críticos.

As medidas previstas na presente proposta de lei de autorização legislativa são concretizadas no projeto de

decreto-lei anexo à mesma.

Para colocarmos em marcha esta reforma necessária, é essencial que aproveitemos o trabalho desenvolvido

e o árduo esforço de consenso e de articulação realizado para alcançar uma visão comum entre tantas

entidades.

Contamos, por isso, com a importante colaboração das Sr.as e dos Srs. Deputados para, em conjunto,

atingirmos o objetivo maior e mais urgente de proteger Portugal, as pessoas, os animais, o ambiente, o

património, as atividades e os recursos, contra a destruição causada pelos incêndios rurais.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Secretário de Estado, aproveito para o cumprimentar, porque há pouco não o fiz.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Ainda bem que, à última hora, o Governo apareceu, porque, estando em discussão uma proposta de autorização

legislativa, estranhávamos que não se desse ao trabalho de vir à Assembleia.

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Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Secretário de Estado, compreenda o meu comentário, porque nos apresentam hoje, apressadamente, esta autorização legislativa, não tendo esperado sequer pelo relatório que,

como sabe, o OTI (Observatório Técnico Independente) está a preparar, e tem o prazo de 60 dias, relativamente

ao novo sistema integrado. Teria sido bom aguardar para também ouvir os especialistas.

Diz-nos que pretende simplificar o sistema, que diz ser horizontal, mas a verdade é que cria uma série de

regimes todos em paralelo, que está a densificar e a complicar muito mais aquilo que diz pretender ser simples.

Permita-me um reparo: isto é muito estranho vindo de si, porque foi precisamente quem disse que se

deveriam simplificar os processos. Diz uma coisa e faz exatamente o oposto, através de uma complexidade

incrível que vem colocar no processo e criar mais entropias.

Mas há uma questão que preocupa imenso o PSD, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. João Dias (PCP): — Lá está o PSD! Fica nervoso com uma facilidade!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Nem é tanto a parte teórica desta autorização legislativa. Teoricamente, para quem está desgarrado do território e não conhece este País, parece-nos até uma proposta bastante boa.

O problema é que as políticas e as leis têm de ser pensadas para o território. Aí é que está o busílis da questão.

Como sabe, todas aquelas políticas não estão ajustadas. São bondosas, mas são precisas pessoas, é preciso

a capacitação das pessoas. Onde é que elas estão?! São políticas muito desajustadas do território. Aliás, o PSD

tem andado a falar desde há muito tempo, como se recordará, da desadequação das políticas e da sua

implantação no território. Aquilo que, teoricamente, parece bom, depois, na prática, não o é.

Também estranhamos mais dois ou três aspetos.

Quando se quer simplificar um sistema, explique-nos como é que, por exemplo, as coimas e o sistema

contraordenacional para as faixas de gestão de combustível continuam nos Orçamentos do Estado, em vez de

estarem num diploma como este, onde faria sentido. Ou será para que ad hoc, ano após ano, se faça aquilo que

vos apetece, não tendo em conta uma gestão pensada e integrada?

Quanto à capacitação dos agentes e como vão chegar os financiamentos, temos um território que vai ser

planeado no papel e, depois, na realidade, é o que se vê: uma mão cheia de nada, com o interior cada vez mais

abandonado. Lamentamos muito que assim seja!

Mais, Sr. Secretário de Estado: com este tipo de diplomas, cheques em branco não leva, porque o Governo

também não os merece.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do Grupo Parlamentar do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo aqui presentes, Sr.as e Srs. Deputados: Este Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais reveste-se da maior relevância para o

País.

Há diferentes dimensões que não podemos deixar de acautelar, desde logo, a parte da prevenção, não

apenas a parte sancionatória ou a do combate aos próprios incêndios. Aliás, não podemos deixar de reforçar o

que acabou de ser dito pelo PSD. No que respeita ao quadro contraordenacional, é, de facto, de estranhar que

não esteja densificado e estabilizado num regime próprio e que esteja dependente dos Orçamentos do Estado.

Não podíamos estar mais de acordo quanto a isso.

Mas mais: aquilo que nos parece, da leitura de alguns aspetos críticos deste plano, é que não basta traçar e

identificar metas que estão inscritas nos planos, mas que, depois, não se materializam e acabam por não

suceder, décadas após décadas.

Neste sentido, é inaceitável que o Governo continue a não avançar no terreno com algumas respostas que

possam resolver o problema do ordenamento florestal, desde logo, porque não pode estar alheio a este plano.

Neste caso, há uma ausência total dele, que impede, depois, uma prevenção eficaz dos riscos de incêndio.

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Aliás, neste plano, o Governo vem sacudir as responsabilidades para as populações, o que nos parece

manifestamente incompreensível. Não são as pessoas que têm de resolver o grave problema do reordenamento

florestal em Portugal; é o Governo que tem de tomar a iniciativa de criar medidas que vão ao encontro desta

necessidade, nomeadamente em função das especificidades do território.

Esta atitude, no nosso entender, é grave e, de alguma forma, injusta para as populações, que têm sofrido

nos últimos anos com os grandes incêndios. Atendendo até mesmo às características do território nacional, pois

sabemos que os fenómenos climatéricos extremos vão manifestar-se cada vez mais, é fundamental que isso

seja acautelado no reordenamento do território.

Nesse sentido, não podemos deixar de recordar que grande parte da área ardida em Portugal é constituída

precisamente por plantações de monocultura e não pela dita «floresta» ou pela designação conceptual que

temos da própria floresta.

O nosso território tem vastas plantações intensivas de eucaliptal, de pinhal, nomeadamente nas regiões Norte

e Centro e mesmo em zonas da Rede Natura, que coincidem muitas vezes com zonas de risco elevado de

incêndio e onde a ocorrência de fogos de grande dimensão acaba por ser maior.

A reconversão da própria floresta, de modo a reduzir significativamente este tipo de plantações, deveria estar

vertida e pensada neste plano como uma visão estratégica para o País, o que não verificamos.

Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, o que não se entende é que a recuperação das áreas ardidas não

seja encarada como uma oportunidade para promover a resiliência do nosso território, bem como a sua

requalificação, havendo, por exemplo, uma intercalação com espécies autóctones mais resistentes ao fogo, o

que asseguraria uma maior resistência e reduziria o risco de propagação de incêndio.

A regeneração e a defesa da biodiversidade deveriam ser uma componente e uma aposta, que não

verificamos neste plano, o qual também deveria atender ao despovoamento. Este não pode ser um plano

sectorial, tem de ser interministerial, Sr. Secretário de Estado.

A prevenção passa, de facto, pela qualidade e pela capacidade da nossa floresta, o que não acontece

atualmente. O PAN tem defendido a conclusão do cadastro florestal, algo que não tem sido feito e para o qual

é necessário garantir a intervenção do Estado não só na identificação e na limpeza dos próprios terrenos, como

também no socorro às populações.

É necessário atender-se ao socorro das pessoas e dos animais. Não basta ser um chavão mencionado, tem

de haver uma adequação e integração nestes planos, inclusive desta componente veterinária, para que, de

facto, depois, não haja vítimas humanas nem vítimas não humanas.

Da parte do PAN, não iremos viabilizar o plano, iremos abster-nos. Esperamos que haja, da parte do Governo,

um acolhimento das nossas preocupações na autorização legislativa, para que se possa fazer um caminho de

aproximação das várias preocupações.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas: Bem sabemos que, em termos de política agroflorestal, de prevenção e de combate a incêndios, este Governo

ignora frequentemente muitas das recomendações técnico-científicas disponíveis até ao momento.

Criam-se comissões técnicas, observatórios e grupos de peritos, mas depois ignoram redondamente as suas

recomendações. Esta forma de governar é irresponsável e contrária ao interesse público e os seus riscos são

eminentemente crescentes com o avançar das alterações climáticas.

Não faltam exemplos de recomendações essenciais que foram ignoradas. Fizeram-no ao determinar que a

Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) seria integrada no Instituto da Conservação da

Natureza e das Florestas em vez de funcionar como interagência, como aconselhado pela Comissão Técnica

Independente na proposta que a originou.

Ainda agora começou e já sobra confusão entre profissionais com competências semelhantes, mas com

vínculos e remunerações muito diferentes, alocados à AGIF e ao ICNF, e isto para não falar da promoção salarial

dos dirigentes do ICNF face a outras direções-gerais. Onde é preciso estabilidade e cooperação, o Governo

decide pela turbulência.

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Ignoraram as recomendações científicas aquando da produção do Plano Nacional de Gestão Integrada de

Fogos Rurais, com o lançamento da estratégia de forma desligada do programa de ação, um programa cuja

versão final o Parlamento não conhece. Por isso, o que o Governo nos solicita agora é que passemos um cheque

em branco para a sua execução. Votaremos contra.

Não falta descaramento ao Governo, pois sabe que o Parlamento decidiu retomar o funcionamento do

Observatório Técnico Independente, por 60 dias, para que este garanta a emissão de um parecer sobre o

programa de ação em causa. O Governo convive mal com a transparência, o escrutínio e o debate público nesta

matéria.

Ignoraram as recomendações científicas referentes à formação profissional e à estabilidade no emprego, de

que é bom exemplo o caso dos sapadores florestais, que não têm carreira profissional e estão espartilhados por

várias entidades diferentes em diversos contextos de precariedade.

Ignoraram as recomendações científicas quando decidiram manter planos regionais de ordenamento florestal

com metas desadequadas, assumindo como prioritários os povoamentos puros de eucalipto, contrariando o

Programa de Transformação da Paisagem e as necessidades de adaptação do território às alterações

climáticas.

Ignoraram as recomendações da Comissão Científica para a recuperação do Pinhal de Leiria e das matas

litorais ardidas em 2017, que ainda hoje não têm planos de gestão florestal atualizados, colocando o Estado a

dar um mau exemplo como proprietário e gestor florestal.

Está atualmente a ser preparada a aplicação de uma nova política agrícola comum. As decisões de aplicação

nacional vão ser preponderantes para conseguir mudar a estrutura florestal do País e garantir a resiliência do

território aos incêndios rurais. O Governo criou um grupo de peritos para apoiar este processo, mas já houve

demissões, tendo o Governo sido acusado de falta de transparência, de ignorar o interesse público e as

recomendações dos peritos.

O que falta ao Governo em disponibilidade para acolher o interesse público abunda em compadrio com a

indústria da celulose, à qual não foi capaz de aplicar uma taxa prevista há dois anos. Só assim se justifica

também que a avaliação ex ante e a avaliação ambiental estratégica da política agrícola comum estejam

entregues à AGRO.GES, vejam bem, empresa do ex-Secretário de Estado das Florestas Francisco Gomes da

Silva, que foi recentemente promovido a diretor-geral da CELPA, associação da indústria das celuloses.

Questionada ontem em Comissão se este conflito de interesses é para manter, a Ministra da Agricultura nada

respondeu.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado: É bom estarmos aqui hoje consigo, porque foi há quatro anos que o Governo anunciou que ia apresentar um novo modelo de gestão do território e

de defesa da floresta. E digo-o não por ter demorado hoje, mas, sim, por ter demorado quatro anos a apresentar,

finalmente, este sistema, o que registamos como um louvor de rapidez e de velocidade.

Mas, quando começamos a olhar para o diploma, percebemos que estão lá os mesmos tiques do Governo.

É que não consegue legislar sem falar de expropriação e de servidões administrativas! Lá estão elas novamente

neste diploma.

Pedem um cheque em branco ao Parlamento para que, em casos de necessidade, sem ninguém saber de

que se trata essa necessidade, se possa expropriar novamente cidadãos e constituir servidões administrativas.

Mas nós sabemos do que estamos a falar, Sr. Secretário de Estado, nós compreendemos os conceitos, e eles

estão lá!

Este diploma também refere a videovigilância, que o Governo diz que é para defender e proteger a floresta,

mas depois diz que pode ser usada na investigação das causas dos incêndios, ou seja, na investigação criminal.

O Governo está a legislar sobre investigação criminal e traz-nos este diploma como se fosse um sistema

integrado, um sistema de gestão de fogos. Duvido até da constitucionalidade disso, ou seja, que um diploma

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como este possa estabelecer um meio de investigação criminal ou um meio de obtenção de prova ou de

diligência probatória para ser levado a tribunal mesmo em casos de incêndio.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente, dizendo apenas que nem o relatório do Tribunal de Contas o Governo seguiu. Esse relatório pedia um modelo de gestão integrada, um modelo de gestão sobre

a formação da carreira dos bombeiros e, mesmo assim, o Governo ignorou o Tribunal de Contas.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Santinho Pacheco, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Santinho Pacheco (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais define um modelo de funcionamento em rede de todas as

entidades que o integram.

O ano de 2017 demonstrou que havia enormes fragilidades no nosso mundo rural. As consequências dos

incêndios na região Centro, no Pinhal Interior, aliadas às alterações climáticas, evidenciam a urgência de

proceder a um reforço da segurança das populações e dos seus bens.

Há a constatação generalizada de que, ao longo de décadas, se viveu de costas voltadas para os espaços

rurais e de montanha, numa ausência de políticas e estratégia para a floresta em Portugal, onde 97% da área é

privada e só 3% é pública.

Esta proposta de lei é mais um elemento dessa necessidade de mudar. As florestas e todos os espaços que

lhe estão associados são um bem comum a preservar. Estamos a definir e a implementar políticas públicas de

incentivo a uma gestão ativa do território, contrariando o abandono pelos seus proprietários, apoiando a

agricultura familiar, protegendo as áreas envolventes das povoações.

A prioridade tem de ser evitar os fogos, diminuir o número de ignições, e isso pressupõe uma floresta

diferente, que aponte às causas do desordenamento florestal.

Refiro o despovoamento em primeiro lugar. O êxodo das populações rurais leva ao aumento das áreas

incultas e estas estão na origem da expansão dos matagais, autênticos barris de pólvora que as altas

temperaturas e a baixa humidade potenciam.

A floresta de uso múltiplo, bem planeada, ordenada e gerida com rigor, conduz à sustentabilidade que não

tem tido. A floresta multiúso é a resposta. A rentabilidade não pode ser um objetivo em si mesmo, levando à

produção intensiva de espécies como o eucalipto. A floresta de uso múltiplo envolve as populações na

prevenção. Uma floresta feita por todos e para todos!

A gestão agregada dos territórios do mundo rural e a mobilização da agricultura familiar, da nossa ruralidade

ativa, com o pastoreio nas áreas da montanha coordenam-se na prevenção de incêndios com a supressão de

material combustível nas redes primárias e secundárias.

A mudança que propomos continuar define as bases da política florestal nacional, estabelecendo uma

governação ao nível do País, regional e sub-regional, com funções de planeamento e coordenação.

Com a presente lei, a Assembleia da República concede ao Governo a autorização legislativa para

estabelecer o sistema de gestão integrada de fogos rurais e define as regras do seu funcionamento, desde logo

a simplificação dos processos.

A partir dos ensinamentos e do conhecimento científico para que apontam os pareceres e recomendações

do Observatório Técnico Independente, é dada a resposta sobre quem decide, quem faz, quem é responsável.

Não há desculpas ou, melhor ainda, como diria Jorge Coelho, a culpa não pode, neste caso, morrer solteira.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Grupo Parlamentar do PEV.

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A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os grandes incêndios de 2017, com a perda de mais de uma centena de vidas humanas, inúmeros bens e cerca

de 500 mil hectares devastados, tornaram evidente a necessidade de inverter o paradigma não só em termos

de combate aos fogos rurais, mas, sobretudo, em termos de prevenção, o que não é dissociável das políticas

para o mundo rural, que, ao longo de décadas, têm sido contrárias às necessidades destes territórios, da sua

população e das atividades económicas, as quais teimosamente resistem às dificuldades decorrentes da falta

de serviços públicos de saúde, de ensino, de transportes e de comunicações e da falta de investimento público.

O Governo propõe um sistema de gestão integrada de fogos rurais, mas parece ignorar a necessidade de

existência de pessoas nas áreas rurais, pelo seu papel determinante na prevenção dos incêndios, reduzindo o

risco e a severidade dos mesmos, sobretudo por via da agricultura familiar. Tarda em valorizar as atividades

agrícolas e o mundo rural e a efetivar os direitos consagrados no Estatuto da Agricultura Familiar, evitando o

abandono das explorações agrícolas e das áreas cultivadas.

Embora a limpeza dos terrenos seja importante, hoje o Governo quer responsabilizar ainda mais os

proprietários na gestão de combustíveis por si só, não tendo em conta a realidade das áreas rurais,

nomeadamente o envelhecimento da população e os seus parcos recursos económicos. Trata-se de uma

população que, não tendo rentabilidade devido aos baixos preços pagos pela madeira, tem sérias dificuldades

para proceder à limpeza dos terrenos.

Após os incêndios de 2017, a culpabilização e o aumento de coimas sobre os proprietários — acentuados

nesta proposta de lei — têm fomentado a especulação nas áreas rurais, por um lado, pelo inflacionar do preço

cobrado para limpeza dos terrenos e, por outro, com a venda de terrenos ao desbarato para evitar tais custos,

conduzindo à concentração da propriedade.

A prevenção dos incêndios rurais é indissociável de uma correta política de arborização.

O Governo está obcecado com os pequenos proprietários, mas devia olhar para as empresas da celulose,

responsáveis, direta ou indiretamente, por extensas monoculturas de eucalipto que, literalmente, afogam

localidades num denso mar de eucaliptal, aumentando o risco e deixando a população mais vulnerável.

Por outro lado, após os incêndios, são formados densos tapetes de eucaliptos que invadem áreas outrora

arborizadas por outras espécies e invadem vias públicas. Caminhos agrícolas e florestais deixados ao abandono

após os incêndios estão hoje intransitáveis, cobertos com espécies invasoras como as acácias e os eucaliptos

de crescimento espontâneo. O Estado tem de assumir a responsabilidade pela manutenção das vias públicas e

gestão dos terrenos públicos.

No seu enxotar de responsabilidades, o Governo empurra para os municípios mais competências,

nomeadamente na substituição dos proprietários na limpeza dos terrenos, sem que aqueles tenham visto serem

reforçados os meios materiais e financeiros adequados.

No final, pergunta-se: porquê mudar o que se mudou há tão pouco tempo e nos prometiam que agora é que

era? Que balanço faz o Governo? O que falhou?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo vem aqui pedir uma autorização legislativa para estabelecer o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais,

mas, antes de apresentar esta autorização legislativa, cuidou de garantir a sua viabilização por parte do PSD.

Mais uma vez o PSD se deixou «meter no bolso» do Governo nesta questão das florestas e isto fica aqui bem

claro pela sua intervenção. O cheque que passou foi precisamente aquele que o PS e o Governo lhe pediram.

Com esta proposta de lei o Governo vem revogar o Decreto-Lei n.º 124/2006 — e espero que o PSD reflita

sobre o que vou dizer —, que é tão-somente o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Isto não é coisa

pequena nem coisa menor, é a pedra angular da prevenção e proteção das florestas contra incêndios que o

Governo vem agora revogar.

Recordo que o Decreto-Lei n.º 124/2006 já foi objeto da Lei n.º 76/2017, apelidada — lembram-se? — pelo

anterior Governo do PS como a «reforma D. Dinis». Pois aqui está a defesa da floresta: diziam que ia resolver

todos os problemas e males da floresta,…

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O Sr. Duarte Marques (PSD): — Vocês apoiaram!

O Sr. João Dias (PCP): — … de tão boa, tão boa que era, mas já sofreu duas alterações e, pouco mais de três anos depois, cá está um pedido de autorização legislativa para a alterar.

Razão tinha o PCP quando votou contra e razão teve o PCP quando alertou que legislar à pressa não ia

resolver nada, antes pelo contrário, e, até, que a precipitação não era boa conselheira! Dissemos que o papel

aguentava quantas leis lá quisessem inscrever, no entanto, não é com leis que querem esconder a política que

desprezou o mundo rural e a floresta e que promoveu o seu abandono que se resolvem os problemas.

Mas, o que quer o Governo esconder com esta proposta? Não quer dizer que está a revogar o Sistema de

Defesa da Floresta contra Incêndios e nem sequer fez o balanço — que era o mínimo que se pedia! — da

eficácia da legislação que está em vigor. Não fez qualquer balanço e decidiu legislar. Não quer reconhecer que

o PCP tinha razão quando criticou a lei em vigor e está a mandar fora o importante papel dos guardas florestais

e a dar por terminado o objetivo das 500 equipas de sapadores florestais. Virou as costas a esse objetivo.

Esta proposta, no essencial, acentua a perseguição aos pequenos proprietários, com multas e mais multas

e com ameaças para quem decidir defender as suas propriedades.

Esta proposta inclui a constituição do direito de diversas entidades entrarem nos terrenos privados e

constituírem servidões de uso sem se prever o pagamento dessas servidões, Sr. Secretário de Estado.

Esta proposta determina a execução coerciva das faixas de gestão de combustível não pela administração

central, mas pelas autarquias e podem mesmo ser delegadas às juntas de freguesia.

Com esta proposta o Governo prevê que seja a GNR a executar as ações de fogo controlado. Temos de

perguntar: e quanto ao ICNF, que era quem tinha equipas de grande qualidade para fazer este trabalho?

Nesta proposta não há sequer uma referência aos guardas florestais, que estavam previstos no diploma

agora revogado. Como já disse, é de igual modo eliminado o objetivo de atingir as 500 equipas de sapadores

florestais.

Com esta proposta o Governo atribui às Forças Armadas — atenção, Srs. Deputados! — tarefas da

responsabilidade da Administração Interna, designadamente assegurando «a presença dissuasora», que é da

responsabilidade da Administração Interna.

Nesta proposta há um conjunto de competências atribuídas à GNR que deveriam ser da competência dos

guardas florestais. É o caso da investigação das causas dos incêndios florestais — falo do artigo 76.º do decreto-

lei aqui em causa. De acordo com a lei-órgão de polícia criminal específica, além dos guardas florestais só à

Polícia Judiciária cabe também esta competência.

É aos guardas florestais que compete policiar e fiscalizar o cumprimento da legislação florestal, mas nesta

proposta eles ficam completamente de fora.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Vou terminar com a cereja no topo do bolo, Sr.ª Presidente, o artigo 80.º, a norma que revoga o decreto-lei que proíbe a alteração do uso do solo por dez anos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Srs. Deputados, a partir da aprovação deste decreto-lei, qualquer proprietário a quem arder a sua propriedade florestal pode alterar, no dia a seguir, o uso do solo e passar a usá-lo para outro

fim,…

O Sr. Duarte Marques (PSD): — É ao contrário!

O Sr. João Dias (PCP): — … quando antes estava obrigado a explorá-lo para esse fim durante dez anos, o que protegia a floresta! É isso que vocês não têm em atenção!

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de saudar a entrada deste diploma, porque pode dizer-se muita coisa acerca dele, mas

que entrou depressa ou cedo é que não se pode dizer, de maneira nenhuma. Ele estava na calha há quatro

anos, demorou quatro anos, mas mais vale tarde do que nunca.

O problema, Sr. Secretário de Estado, é que o que se pode dizer de positivo fica mais ou menos por aqui. E

explico porquê.

Primeiro, o Governo escolheu — poderia não ter escolhido, poderia ter feito uma proposta de lei — fazer uma

proposta de lei de autorização, o que significa que vamos fazer hoje a votação na generalidade, na especialidade

e a votação final global. E poderia não ser assim.

Isto significa que vai condicionar irrevogavelmente o nosso sentido de voto.

O Sr. João Oliveira (PCP): — E é mesmo irrevogável?!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Porquê? Porque, Sr. Secretário de Estado, há muitas perguntas que ficam aqui no ar. Eu explico.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Em primeiro lugar, não acompanha, este diploma, nenhum parecer de nenhuma associação, de nenhum

sindicato, de rigorosamente ninguém. Decisões graves desta natureza, sobretudo quando são para ser tomadas

em relativamente pouco tempo, no mínimo, devem ser acompanhadas.

Além disso, mais do que diabolizar algumas espécies, creio que não haverá maior amiga dos fogos do que

a floresta abandonada. Mas para que ela não esteja abandonada e o território não esteja abandonado é preciso

que as pessoas possam ganhar a sua vida lá. Se há coisa que este Governo tem demonstrado é que tem um

preconceito contra as atividades que permitem às pessoas ganhar a vida nestes territórios e vou abster-me de

lhe dar exemplos, porque são muitos.

O que vem agora o Governo pedir é um cheque completamente em branco para fazer mais ou menos aquilo

que entender, para mexer no quadro contraordenacional, para impor obrigações às pessoas que aqui estão,

sem contrapartidas e com determinada fiscalização. Lamento, mas, noutras circunstâncias e com outra proposta,

seriam possíveis outros sentidos de voto, só que assim não é, pura e simplesmente, possível viabilizar este

diploma.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Oliveira, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Francisco Pereira Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Sistema Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais vem definir um modelo de articulação

horizontal de todas as entidades participantes na prevenção estrutural nos sistemas de autoproteção de pessoas

e infraestruturas e, muito em particular, no dispositivo de combate aos incêndios rurais e na recuperação das

áreas ardidas.

Este sistema é uma ferramenta fundamental na construção do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos

Rurais e tem como objetivo mudar o paradigma da prevenção e combate aos fogos.

Desde 2017, o Governo tem adotado inúmeras medidas no sentido de dotar o dispositivo dos meios

necessários para o combate aos incêndios.

No ano de 2020 houve um aumento significativo dos meios humanos e materiais: 21,41% de aumento de

operacionais, 13,18% de bombeiros, e o dispositivo aéreo de resposta permanente teve um reforço de ataque

aéreo ampliado. Tudo isto permitiu a redução de 51% na área ardida e de 50% de incêndios rurais, relativamente

à média dos últimos anos.

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Porém, a estratégia não é só combater os fogos, mas sim evitar que eles ocorram, sendo a prevenção

fundamental, razão pela qual o Sistema de Gestão Integral de Fogos Rurais é tao importante. Este diploma

permite à ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil) coordenar o eixo dos incêndios rurais,

a segurança e salvaguarda das pessoas e animais, bens e área edificada. Explicita o âmbito de intervenção dos

corpos de bombeiros, alinhando os meios de governança com o novo modelo territorial da proteção civil. Permite,

também, a aplicação de restrições ou condicionamentos em concelhos em que o perigo de incêndios seja muito

elevado ou máximo.

Mas o importante de toda esta estratégia é que os recursos destinados à prevenção são já metade dos

despendidos no dispositivo de combate aos incêndios e tendem a aumentar no futuro.

Sabemos que a coesão territorial, a fixação das populações e a mudança do tipo de floresta são

imprescindíveis para reduzir substancialmente as ignições. É esse o caminho que estamos a trilhar para defesa

das pessoas, dos seus bens, de suas culturas e da floresta, promovendo o desenvolvimento económico dessas

regiões, o que ocorre com a presente lei.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Marques, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A apresentação deste diploma, feita hoje pelo Governo, é, no fundo, a confissão de que em quatro anos tudo o

que apresentaram falhou. É reconhecer o erro para o qual foram avisados e para o qual contaram sempre com

o apoio do PCP, na primeira fila, e também do Bloco de Esquerda. É sempre bom lembrar.

O Sr. João Dias (PCP): — Nós votámos contra, vocês é que apoiaram!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Isto é a confissão do falhanço, o que agora muito irrita o Partido Comunista Português!

Mas, Sr.ª Presidente, Srs. Secretários de Estado, se o Governo queria fazer esta discussão com elevação e

seriedade, propondo um conjunto de reformas profundas que vão desde o combate aos fogos à prevenção,

deveria, pelo menos, chegar aqui munido de um conjunto de pareceres, como bem disse o CDS, e permitir uma

discussão na especialidade, deixar baixar a iniciativa sem votação à comissão. Não devia vir aqui com esta

chantagem «em cima do verão», criando instabilidade, tentando novamente usar a comoção que usaram há

quatro anos para aprovar legislação à pressa.

O Sr. João Dias (PCP): — É a chantagem!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Portanto, Sr. Secretário de Estado, o PSD deu-lhe dois avisos e uma chamada de atenção. O PSD não vai bloquear esta aprovação,…

Vozes do BE e do PCP: — Ah!!!...

O Sr. Duarte Marques (PSD): — … mas não contem com o nosso apoio. É que o PCP e o Bloco de Esquerda amansaram durante quatro anos e aprovaram tudo.

Vozes do PSD: — Exatamente!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — O Sr. Secretário de Estado tem aqui uma autorização legislativa e o PSD estará na primeira fila para promover a apreciação parlamentar de cada um dos diplomas se abusar da

autorização que o Parlamento lhe dá.

O Sr. João Dias (PCP): — Grande cambalhota!

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O Sr. Duarte Marques (PSD): — Isto porque este Governo tem um histórico de falta de transparência, de aprovar documentos que, na realidade, depois, não concretiza e, sempre que tem um mínimo de poder na mão,

abusa das pessoas, como vimos recentemente.

Portanto, Sr. Secretário de Estado, tem aqui matéria para trabalhar. O que nos apresenta não é suficiente.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por isso é que viabilizam!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — É uma redefinição de funções das Forças Armadas, da GNR, dos bombeiros, do ICNF. Querem tentar mudar tudo o que até agora não conseguiram, capitaneados por uma

agência que é a AGIF que não tem qualquer controlo político deste Parlamento.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Por isso o PSD viabiliza!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Sr. Secretário de Estado, fica o alerta e o aviso. O Sr. Secretário de Estado tem muita matéria para aprovar no Conselho de Ministros e o PSD garante-lhe que em cada um dos diplomas a

apreciação parlamentar estará sempre em cima da mesa.

Portanto, se querem discutir, se querem ouvir o Observatório, as entidades e os outros partidos, têm mesmo

de ouvir, porque senão vão arrepender-se.

Vozes do PCP: — Ui!…

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Já agora, Sr. Secretário de Estado, não use o argumento de que estamos em cima do verão.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Da parte do PSD terá uma oposição assertiva e construtiva e jamais nos iremos ajoelhar como o PCP e o Bloco se ajoelharam durante quatro anos.

Aplausos do PSD.

Risos do BE e do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, vamos criar condições para que se possa proceder ao encerramento deste debate.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Tenho as pernas a tremer com a intervenção do PSD!!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território, João Paulo Catarino.

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e Ordenamento do Território: — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, não é um cheque em branco, porque

nós mandámos o diploma na íntegra, o decreto-lei e a autorização legislativa, na perspetiva de aprovar e

reproduzir o que vos enviámos.

Portanto, sobre todas essas questões de que queremos um cheque em branco da Assembleia, isso não é

verdade, porque mandámos rigorosamente tudo, na perfeição, para ser aprovado e será assim aprovado em

Conselho de Ministros.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, este não é um diploma de planeamento e ordenamento do território, é

um diploma que estrutura o sistema de prevenção e vigilância. Esses temas são, sem dúvida nenhuma, muito

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oportunos e estão, efetivamente, a ser trabalhados — alguns já foram aprovados —, outros estão a sê-lo noutros

diplomas, mas não neste, como é óbvio.

Este é um diploma para estruturar o sistema de vigilância e de prevenção, portanto é isso que faz.

O Sr. Deputado Ricardo Vicente diz que nós não ouvimos o que diz a Comissão Técnica Independente. Sr.

Deputado, o que está aqui é aquilo que a Comissão Técnica Independente disse em 2017. É precisamente isso.

O Sr. João Dias (PCP): — Olhe que eles estão a ouvir!

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território: — Pois estão! Espero bem que sim.

É precisamente aquilo que eles disseram em 2017, que tínhamos de especializar o combate aos incêndios

no meio urbano e no meio rural. É isso que está neste diploma, que atribui funções diferentes à ANEPC e ao

ICNF em função do combate.

O Sr. Deputado falou também no Pinhal de Leiria. O que está a ser implementado no Pinhal de Leiria é o que

a comissão científica disse que achava que se devia fazer. Nessa comissão científica estavam, como sabe, os

professores universitários. Se eles na altura pensavam uma coisa e hoje pensam outra, nós não temos culpa

nenhuma. Nós estamos a implementar rigorosamente o que eles nos disseram na altura!

O Sr. Duarte Marques (PSD): — Eles também evoluem!

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território: — Uns evoluem e outros regridem, mas enfim…

Em relação à questão das servidões administrativas, estas têm uma cartografia específica. Estão

cartografadas nos planos e vai haver 89 milhões no PRR para pagar estas servidões administrativas aos

proprietários. Vamos pagar essas servidões administrativas de acordo com as tabelas que estão definidas, por

isso os proprietários não vão ficar minimamente lesados, porque esses pagamentos estão previstos.

Quanto às imagens como elemento probatório, é apenas para ser mais fácil apanharmos os criminosos. É

só para isso e não tenha dúvidas de que é só para isso, Sr. Deputado.

Tenho ainda de responder ao Sr. Deputado João Dias que diz que estamos a alterar um diploma de há três

anos. O que estamos a revogar é um diploma de 2006, repito, de 2006, Sr. Deputado!

O Sr. João Dias (PCP): — Mas foi alterado em 2017!

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território: — É de 2006 e tudo aquilo que o Sr. Deputado aqui referiu já consta desse diploma, desde 2006. Há aqui algumas alterações e aperfeiçoamentos, mas…

O Sr. João Dias (PCP): — Isso é um trocadilho!

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território: — Não é trocadilho nenhum! Aquilo que o Sr. Deputado disse já consta no diploma desde 2006, desculpe lá! Há inovações, mas já consta desde 2006.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território: — Vou terminar, Sr.ª Presidente.

Julgo que o sistema que está neste projeto, em concreto, é aquilo que o Governo tem aprovado nalgumas

resoluções do Conselho de Ministros e é o que o Governo tem andado a dizer ao País, desde 2017, e que se

concretiza neste diploma legal.

Aplausos do PS.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos, assim, o terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, pelo que aproveito para me despedir dos Srs. Membros do Governo.

Passamos ao ponto quarto, de que consta o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para

2021, para o qual não há tempos de discussão atribuídos.

Antes de prosseguirmos para o quinto e último ponto da nossa agenda, as votações regimentais, dou a

palavra ao Sr. Secretário Duarte Pacheco para dar nota do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 1249/XIV/2.ª (BE), que baixa às 11.ª, 12.ª e 13.ª Comissões e

1250/XIV/2.ª (CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai agora dar conta de três pareceres da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados que teremos de votar.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de Cabeceiras de Basto, Processo n.º 48/21.1GACBG, a

Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Deputado

Joaquim Barreto (PS) a prestar depoimento por escrito como testemunha no âmbito dos referidos autos;

A solicitação dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior da Magistratura, Processo Disciplinar n.º

2020/PD/0021, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de

autorizar o Deputado Fernando Negrão (PSD) a prestar depoimento por escrito como testemunha no âmbito dos

autos em referência; e

A solicitação da Ordem dos Médicos Veterinários, Processo de Inquérito n.º 61/2020, a Comissão de

Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Deputada Bebiana

Cunha (PAN) a prestar depoimento presencialmente como testemunha no âmbito dos autos em referência.

É tudo, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, estão em apreciação os pareceres.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-los.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, a Mesa regista quórum, pelo que vamos dar início ao período das votações regimentais.

Começamos pela apreciação do Projeto de Voto n.º 561/XIV/2.ª (apresentado pelo PS) — De pesar pelo

falecimento de Carlos Bernardes, que peço à Sr.ª Deputada Ana Catarina Mendonça Mendes o favor de ler.

A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a vida prega partidas e tem momentos trágicos, ceifando vidas demasiado cedo.

«Carlos Bernardes, Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, tinha 53 anos. Morreu no passado

dia 3 de maio. Torres Vedras vestiu-se de gente, hoje, para dele se despedir, pelo seu exemplo de presidente

empenhado e dedicado à sua terra.

Carlos Manuel Antunes Bernardes nasceu em Lisboa, a 11 de fevereiro de 1968, e residia no Turcifal,

concelho de Torres Vedras, há 45 anos. Licenciou-se em Gestão de Empresas Turísticas e Hoteleiras, no

Instituto Superior Politécnico do Oeste, e doutorou-se em Turismo, no Instituto de Geografia e Ordenamento do

Território da Universidade de Lisboa, onde defendeu a tese subordinada ao título ‘As Linhas de Torres Vedras

— um destino turístico estratégico para Portugal’.

Politicamente ativo, e nesta bancada muitos o conhecemos, desde as fileiras da Juventude Socialista, onde

iniciou o seu percurso político, Carlos Bernardes representava uma força, uma proatividade e uma vontade de

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fazer sempre mais e mais. Filiou-se no Partido Socialista em 1990, onde desempenhou as mais diversas

funções. À data da sua morte, era também Presidente da Federação Regional do Oeste do Partido Socialista.

No exercício de uma cidadania ativa, foi dirigente associativo da Casa do Povo do Turcifal e do seu Grupo

Desportivo, da Associação de Socorros da Freguesia do Turcifal e do Sport Clube União Torreense. O vínculo

às coletividades locais manteve-se enquanto atleta do Grupo Desportivo Casa do Povo do Turcifal e da

Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras.

Em 1988, ingressou na função pública e foi ainda em jovem que manifestou o seu interesse por uma

participação cívica e política mais ativa. Foi secretário da Junta de Freguesia do Turcifal e desempenhou as

funções de adjunto e secretário do gabinete de apoio do Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras,

entre 1994 e 1997.

Em 1997, integrou o executivo da Câmara Municipal de Sobral de Monte Agraço, onde ficou responsável

pelo pelouro do turismo, temática que sempre o apaixonou até ao final dos seus dias, tendo aprofundado o seu

conhecimento e frequentado, por isso mesmo, um curso de Promoção e Gestão de Recursos Turísticos Locais

e um curso de Gestão e Animação Cultural.

Torres Vedras era a sua terra, ou foi adotada por si, e nela faria o seu maior percurso na dedicação à causa

pública. Foi vereador da Câmara Municipal de Torres Vedras entre 2003 e 2005, responsável pelos pelouros do

Ambiente e Serviços Urbanos e, em 2005, foi nomeado vice-presidente da Câmara Municipal onde é relevante

o seu contributo para o posicionamento precursor de Torres Vedras nos domínios do Ambiente e da

Sustentabilidade que hoje todos reivindicam para Torres Vedras. A assinatura dos compromissos de Aalborg, a

adesão à Agenda 21 Local das Nações Unidas ou ao Pacto dos Autarcas para a Energia e Clima da Comissão

Europeia são algumas das marcas que Carlos Bernardes deixa.

Era, desde 1 de dezembro de 2015, presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, sendo também

embaixador Quality Coast, embaixador Green Destinations para a Europa, e membro do Comité Consultivo

Político da CIVITAS Initiative.

Carlos Bernardes era, aliás, recandidato do Partido Socialista, com a apresentação pública da sua

candidatura no próximo dia 5 de junho.

Para quem o conheceu, era um ser humano extraordinário. E será lembrado por todos e por todas como um

ser humano abnegado, solidário, humilde, incansável nos seus esforços em todas as causas que abraçou ao

longo da sua vida.

Independentemente do cargo e das funções assumidas ao longo de todo o seu percurso, Carlos Bernardes

entregava-se, de corpo e alma, com a paixão que o caracterizava, ao serviço público, em especial, na sua região,

a Região Oeste.

Não é demais relembrar que no último ano de pandemia não poupou esforços, e talvez isso tenha levado a

que lhe ceifassem a vida, para ajudar todos quantos foram apanhados pela COVID, fosse pela doença, fosse

pelas consequências que ela trouxe.

Será sempre inesquecível para todos os que com ele privavam, na vida profissional, na vida política, a forma

como o Carlos motivava quem o rodeava e com quem com ele trabalhava, com um sorriso contagiante e um

‘trabalhar, trabalhar, trabalhar!’, sempre a bem do serviço público.

Deixa uma imensa saudade. A sua incansável dedicação e serviço à causa pública e todo o trabalho

desenvolvido ao longo do seu percurso político deixam-nos um legado, uma marca, que ficará para sempre na

memória de todos quantos com ele privámos.

Assim, reunida em sessão plenária, a Assembleia da República manifesta o seu pesar pelo falecimento de

Carlos Bernardes e transmite as suas condolências ao município de Torre Vedras, à sua mulher Angélica, ao

seu filho Rafael, à restante família, à bancada do Partido Socialista, do Governo e também a todo o Partido

Socialista.»

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Obrigada, Sr.ª Deputada. A Mesa também se associa a esta manifestação de pesar pela morte de Carlos Bernardes e envia sentidas

condolências à família, aos amigos e ao Partido Socialista.

Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa do projeto de voto que acaba de ser lido.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

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Passamos ao Projeto de Voto n.º 564/XIV/2.ª (apresentado pela Comissão de Negócios Estrangeiros e

Comunidades Portuguesas e subscrito por uma Deputada do PSD) — De pesar pela morte de 453 migrantes no

Mediterrâneo.

A Sr.ª Secretária Deputada Lina Lopes fará o favor de proceder à leitura do projeto de voto.

A Sr.ª Secretária (Lina Lopes): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projeto de voto é do seguinte teor:

«No passado dia 24 de abril de 2021, o mundo ficou chocado ao tomar conhecimento da última tragédia no Mediterrâneo, com a morte de 130 migrantes, depois de o barco que os transportava se ter virado, a nordeste

da capital líbia, Tripoli. Segundo a Organização Internacional para as Migrações, presidida pelo português

António Vitorino, este é o incidente com a maior perda de vidas no Mediterrâneo central desde o início de 2021,

perfazendo, assim, um total estimado de 435 vidas perdidas ou desaparecidas em todo o mar Mediterrâneo

desde o início do ano.

A repetição desta tragédia levanta, porém, questões sobre se este resultado fatal não seria evitável. As

autoridades europeias e líbias foram informadas com 48 horas de antecedência e não vieram ao socorro da

embarcação. A guarda costeira líbia, que estava a socorrer barcos em águas internacionais, abandonou este e

outro navio, com uma tripulação estimada de 40 pessoas. A autoridade europeia, Frontex, fez uma operação de

vigilância aérea, mas não tomou quaisquer outras medidas. Deve-se, ainda, ter em consideração as alegações

de violação sistemática e grave de direitos humanos de migrantes retornados à Líbia, por parte das autoridades

deste país.

Salvar vidas é uma obrigação de decência humana e, no âmbito marítimo, uma obrigação imposta pelo direito

internacional. É tempo de agir por uma política de fronteiras humanista, capaz de coordenar as autoridades

nacionais ou, ainda, que adote uma missão e financiamento europeus para operações de busca e salvamento.

Devemos fazê-lo o mais rapidamente possível, antecipando o agravar da situação no Mediterrâneo, à medida

que o tempo se torne mais quente com o aproximar do verão.

Assim, a Assembleia da República expressa o seu pesar pela morte de 453 migrantes no Mediterrâneo,

durante o corrente ano, apelando às autoridades nacionais e europeias que reforcem e incrementem meios de

auxílio às operações de busca e salvamento.»

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Secretária Lina Lopes. Srs. Deputados, vamos votar a parte deliberativa deste projeto de voto.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Sr.as e Srs. Deputados, na sequência dos votos que acabámos de aprovar, vamos guardar 1 minuto de

silêncio.

A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

Vamos votar o Projeto de Resolução n.º 1230/XIV/2.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República a

Cabo Verde e à Guiné-Bissau.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, do CDS-PP, do PEV,

do CH, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e a abstenção do PAN.

Srs. Deputados, vamos agora votar conjuntamente onze requerimentos, apresentados pelos proponentes

das iniciativas legislativas, solicitando a baixa à Comissão de Trabalho e Segurança Social, sem votação, pelo

prazo de 60 dias, dos Projetos de Lei n.os 745/XIV/2.ª (BE) — Altera o regime jurídico-laboral de teletrabalho,

garantindo maior proteção do trabalhador (Décima nona alteração ao Código do Trabalho e primeira alteração

da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de

doenças profissionais), 765/XIV/2.ª (PCP) — Regula o regime de trabalho em teletrabalho, 535/XIV/2.ª (PAN) —

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Consagra o direito de desconexão profissional, procedendo à décima sexta alteração ao Código do Trabalho,

aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, 811/XIV/2.ª (PAN) — Regulamenta o teletrabalho no setor

público e privado, cria o regime de trabalho flexível e reforça os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho

à distância, procedendo à alteração do Código do Trabalho, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e

da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, 790/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Garante o direito

dos trabalhadores à desconexão profissional, 791/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Reforça

os direitos dos trabalhadores em regime de teletrabalho, 797/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagra o direito ao

desligamento, procede à décima sétima alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do

Trabalho, 806/XIV/2.ª (PEV) — Altera o Código do Trabalho com vista a regular o teletrabalho de forma mais

justa, 808/XIV/2.ª (PS) — Procede à regulação do teletrabalho e 812/XIV/2.ª (PSD) — Altera o regime jurídico-

laboral do teletrabalho (Décima nona alteração ao Código do Trabalho e primeira alteração da Lei n.º 98/2009,

de 4 de setembro, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais)

e do Projeto de Resolução n.º 1222/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que promova um amplo debate

com os parceiros sociais com vista à celebração de um acordo de concertação social sobre as matérias relativas

ao futuro do trabalho, designadamente sobre as matérias do teletrabalho e do trabalho dos nómadas digitais.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Vamos votar, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a Proposta de Lei n.º 81/XIV/2.ª

(GOV) — Autoriza o Governo a estabelecer o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território

continental e define as suas regras de funcionamento.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do BE, do PCP, do CDS-PP, do

PEV e do CH e abstenções do PSD, do PAN, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine

Katar Moreira.

De seguida, vamos votar o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 2021.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Passamos à votação do Projeto de Resolução n.º 1118/XIV/2.ª (PSD) — Recomenda a reativação da

campanha de sensibilização ambiental «O clima é connosco».

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, do PAN, do PEV, do CH, do IL

e da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues e abstenções do PS, do BE, do PCP e da Deputada não inscrita

Joacine Katar Moreira.

De seguida, temos o Projeto de Resolução n.º 1163/XIV/2.ª (PEV) — Implementação de medidas para a

monitorização, despoluição e valorização do rio Dão e seus afluentes. Vamos votá-lo, na generalidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O diploma baixa à 11.ª Comissão.

Vamos agora votar, na generalidade, o Projeto de Resolução n.º 1232/XIV/2.ª (BE) — Pela recuperação

ambiental e despoluição da sub-bacia hidrográfica do rio Dão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O diploma baixa à 11.ª Comissão.

Passamos à votação do Projeto de Resolução n.º 1056/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) —

Recomenda ao Governo que proceda à revisão dos conteúdos da educação sexual nas escolas, garantindo a

promoção da igualdade de género.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do BE, do PCP, do PAN, do PEV e das

Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira, votos contra do PS, do CDS-PP e do CH

e abstenções do IL e dos Deputados do PS Eduardo Barroco de Melo e Miguel Matos.

O diploma baixa à 8.ª Comissão.

Vamos votar o Projeto de Resolução n.º 1088/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Por

uma educação para a sexualidade e para os afetos cujos conteúdos reforcem a promoção da igualdade de

género nas escolas, a luta contra a violência de género e os estereótipos e uma carga horária que reflita a sua

importância educativa.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do CH, votos a favor do

BE e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e abstenções doPCP, do PAN,

do PEV, do IL e dos Deputados do PS Eduardo Barroco de Melo e Miguel Matos.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, queria anunciar que entregaremos uma declaração de voto escrita.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Fica registado, Sr.ª Deputada. Vamos agora votar o Projeto de Resolução n.º 1229/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo que promova a

educação para a sexualidade nas escolas.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do CDS-PP e do CH, votos a favor do BE, do

PCP, do PAN, do PEV, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e

abstenções do PSD e dos Deputados do PS Eduardo Barroco de Melo e Miguel Matos.

Passamos à votação do Projeto de Resolução n.º 1233/XIV/2.ª (PCP) — Pela efetiva implementação da

educação sexual transversal e interdisciplinar em meio escolar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do CDS-PP e do CH, votos a favor do BE, do

PCP, do PEV e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e abstenções do PSD,

do PAN, do IL e dos Deputados do PS Eduardo Barroco de Melo e Miguel Matos.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, peço a palavra.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado André Ventura, pede a palavra para que efeito?

O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, queria anunciar que entregarei uma declaração de voto.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Miguel Costa Matos, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr.ª Presidente, queria também anunciar uma declaração de voto, em meu nome e em nome dos Deputados Maria Begonha, Eduardo Barroco de Melo, Filipe Pacheco e Joana Sá Pereira,

sobre estes últimos quatro projetos de resolução.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, fica registado. Passamos, agora, à votação do Projeto de Resolução n.º 1181/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo a

revisão das carreiras profissionais da Polícia de Segurança Pública.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do BE, do PCP, do CDS-PP, do PAN, do

PEV, do CH, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e votos contra do

PS.

Vamos proceder à votação final global do texto final, apresentado pela Comissão de Saúde, relativo aos

Projetos de Resolução n.os 850/XIV/2.ª (PCP) — Promoção da saúde mental em contexto COVID-19, 861/XIV/2.ª

(CDS-PP) — Recomenda ao Governo que desenvolva uma abordagem específica e urgente em matéria de

saúde mental, no contexto da pandemia de COVID-19, 869/XIV/2.ª (BE) — Medidas de resposta à saúde mental

em Portugal, 879/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Reforçar e melhorar as políticas de

saúde mental em contexto de emergência sanitária, 880/XIV/2.ª (IL) — Medidas de combate aos problemas de

saúde mental, tendo em conta a pandemia de COVID-19, 963/XIV/2.ª (PSD) — Por um compromisso com a

saúde mental das novas gerações, 964/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Pelo reforço das

respostas do SNS na área da saúde mental e 969/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo o reforço das

estratégias para a prevenção e reforço das respostas aos impactos na saúde mental.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do BE, do PCP, do CDS-PP, do PAN, do

PEV, do CH, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e a abstenção do

PS.

Vamos votar agora, em votação final global, o texto final, apresentado pela Comissão de Educação, Ciência,

Juventude e Desporto, relativo aos Projetos de Resolução n.os 1114/XIV/2.ª (BE) — Pela realização de concursos

que preencham as necessidades das escolas e não excluam professores e 1122/XIV/2.ª (PSD) — Pela

realização de um concurso de professores que melhor responda às necessidades de pessoal docente nas

escolas.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do BE, do PCP, do CDS-PP, do PAN, do

PEV, do CH, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e votos contra do

PS.

Antes de concluirmos a nossa sessão, dou a palavra à Sr.ª Secretária da Mesa Sofia Araújo para nos dar

algumas informações finais.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, informo a Câmara que estiveram presentes, através de videoconferência, os Srs. Deputados José Cesário, do Grupo Parlamentar do PSD, e Ivan

Gonçalves, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, lembro que a próxima reunião plenária será no dia 12 de maio, quarta-feira, às 14 horas e 30 minutos. Da ordem do dia estabelecida consta, no primeiro ponto, um

debate com o Governo sobre política geral, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, e, no

segundo ponto, um debate sobre os instrumentos da governação económica da União Europeia, com a

participação do Governo, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e

Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia e um debate

preparatório do Conselho Europeu, com a participação do Primeiro-Ministro, previsto na alínea a) do n.º 1 do

artigo 4.º da Lei de Acompanhamento e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do processo de

construção da União Europeia.

Agora, sim, chegámos ao fim da nossa sessão de hoje, que foi longa. A todos desejo um bom resto de dia e

também um bom fim de semana.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 2 minutos.

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———

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação

Relativa ao Projeto de Resolução n.º 1088/XIV/2.ª:

Genericamente, existe concordância com as medidas propostas no presente projeto de resolução,

considerando essencial a educação para os afetos e sexualidade, o reforço da promoção da Igualdade de

género, a luta contra a violência de género e demais medidas aqui apresentadas. Não obstante, a abstenção

prende-se com a discordância com o seu ponto 3, na medida em que consideramos que esta temática deve ser

trabalhada numa perspetiva interdisciplinar, integrada em disciplinas curriculares, e não através da criação de

uma nova disciplina. Através desta interdisciplinaridade, torna-se possível o desenvolvimento de abordagens

diferenciadas sem que se perca o quadro ético que deve estar subjacente a este tipo de intervenção, podendo,

no entanto, ser equacionada a criação de áreas curriculares não disciplinares, em todos os níveis de ensino,

onde este e outros assuntos tenham um tempo próprio de debate e partilha.

Palácio de São Bento, 6 de maio de 2021.

O Grupo Parlamentar do PAN.

———

Nota: As declarações de voto anunciadas pelo Deputado do PS Miguel Matos e pelo Deputado do CH André

Ventura, referentes a esta reunião plenária, não foram entregues no prazo previsto no n.º 3 do artigo 87.º do

Regimento da Assembleia da República.

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

———

Retificação ao n.º 2 do Diário, de 31 de outubro de 2019

No Sumário, 2.ª cl., § 1.º, l. 1, onde se lê «e Lina Lopes (BE)», deve ler-se «e Lina Lopes (PSD)».

———

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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