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Quinta-feira, 27 de maio de 2021 I Série — Número 70
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE26DEMAIODE 2021
Presidente: Ex.mo Sr. Fernando Mimoso Negrão
Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha
Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita
S U M Á R I O
O Presidente (Fernando Negrão) declarou aberta a
sessão às 15 horas e 3 minutos. Foram aprovados três pareceres da Comissão de
Transparência e Estatuto dos Deputados, autorizando uma
Deputada não inscrita e duas Deputadas do PAN a intervirem em tribunal.
Deu-se conta da alteração da data de deslocação do Presidente da República à Eslovénia, à Bulgária e a Espanha,
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da retirada, pelo CDS-PP, do seu Projeto de Lei n.º 796/XIV/2.ª e da entrada na Mesa das Propostas de Lei n.os 97 e 98/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 844 a 852/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1280 e 1282 a 1291/XIV/2.ª
Procedeu-se ao debate, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 839/XIV/2.ª (BE) — Reforça os mecanismos de combate ao trabalho forçado e a outras formas de exploração laboral, responsabilizando diretamente toda a cadeia de subcontratação e as empresas utilizadoras, bem como gerentes, administradores e diretores, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 744/XIV/2.ª (BE) — Pelo combate à precariedade e promoção da formação e qualificação profissional do trabalho agrícola, com, também na generalidade, o Projeto de Lei n.º 847/XIV/2.ª (PCP) — Confere natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT e altera o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, procedendo à 3.ª alteração à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e com o Projeto de Resolução n.º 1273/XIV/2.ª (PEV) — Reforço de meios para combater a exploração laboral. Usaram da palavra, a diverso título, os Deputados
José Moura Soeiro (BE), Nuno Sá (PS), Margarida Balseiro Lopes (PSD), Diana Ferreira (PCP), Lúcia Araújo Silva (PS), Olga Silvestre (PSD), José Luís Ferreira (PEV), Ricardo Vicente (BE), Inês de Sousa Real (PAN), André Ventura (CH), Constança Urbano de Sousa (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Fernanda Velez (PSD), Beatriz Gomes Dias (BE), João Cotrim de Figueiredo (IL), Maria Manuel Rola (BE), Emília Cerqueira (PSD), João Dias (PCP), Carlos Pereira, Rita Borges Madeira e Tiago Barbosa Ribeiro (PS), Lina Lopes (PSD) e Jorge Costa (BE).
Foi aprovada, na especialidade e em votação final global, a Proposta de Lei n.º 96/XIV/2.ª (GOV) — Estabelece o regime fiscal das entidades organizadoras da final da competição UEFA Champions League 2020/2021, tendo, no final, sido aprovado um requerimento, apresentado pelo PS, solicitando a dispensa de redação final e do prazo para apresentação de reclamações contra inexatidões.
Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente (Fernando Negrão) encerrou a sessão eram 17 horas e 24 minutos.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes de autoridade, vamos dar início aos nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 3 minutos.
Peço que sejam abertas as galerias.
Antes de iniciarmos o primeiro ponto da ordem do dia, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha tem
informações para nos fornecer.
Sr.ª Deputada, faça favor.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde a todas e a todos. Sr. Presidente, temos três pareceres, enviados pela Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados,
que, pelo facto de serem muito urgentes, necessitam de ser votados já no início da sessão. Têm que ver com o
levantamento da imunidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 4.º Juízo do
Trabalho, Processo n.º 15475/20.3T8LSBA, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, decidiu
emitir parecer no sentido de autorizar a Deputada Cristina Rodrigues (N insc.) a intervir no âmbito dos referidos
autos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 4.º Juízo do Trabalho, Processo n.º 15475/20.3T8LSBA, a Comissão de
Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Deputada Bebiana
Cunha (PAN) a intervir no âmbito dos referidos autos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 4.º Juízo do Trabalho, Processo n.º 15475/20.3T8LSBA, a Comissão de
Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar a Deputada Inês de
Sousa Real (PAN) a intervir no âmbito dos referidos autos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
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A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, compete-me comunicar que a viagem do Sr. Presidente da República à Eslovénia, à Bulgária e a Espanha, que tinha sido inicialmente
aprovada entre os dias 30 de maio e 5 de junho, se realizará a 29 de maio, por ter sido marcada para o dia 30
de maio uma reunião com os presidentes dos respetivos países.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, dada a alteração das datas, pergunto se há algum Sr. Deputado ou Sr.ª Deputada que objete à mesma.
Pausa.
Não havendo, a viagem continua autorizada.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, anuncio também a retirada pelo proponente do Projeto de Lei n.º 796/XIV/2.ª (CDS-PP).
Deram ainda entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: Propostas de Lei n.os
97/XIV/2.ª, que baixa à 1.ª Comissão, e 98/XIV/2.ª, que baixa à 5.ª Comissão; Projetos de Lei n.os 844/XIV/2.ª
(CDS-PP), que baixa à 13.ª Comissão, 845/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 7.ª Comissão, em conexão com a 11.ª
Comissão, 846/XIV/1.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, 847/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª Comissão,
848/XIV/2.ª, que baixa à 11.ª Comissão, 849/XIV/2.ª (CDS-PP), que baixa à 1.ª Comissão, 850/XIV/2.ª (BE), que
baixa à 7.ª Comissão, em conexão com a 11.ª Comissão, 851/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues),
que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 8.ª Comissão, e 852/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, em
conexão com a 10.ª Comissão; Projetos de Resolução n.os 1280/XIV/2.ª (BE), que baixa à 13.ª Comissão, em
conexão com as 9.ª, 10.ª e 1.ª Comissões, 1282/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 8.ª Comissão, 1283/XIV/2.ª (PCP),
que baixa à 12.ª Comissão, 1284/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 12.ª Comissão, 1285/XIV/2.ª (PCP), que baixa à
7.ª Comissão, 1286/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, 1287/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 6.ª Comissão,
em conexão com as 4.ª e 11.ª Comissões, 1288/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira), que
baixa à 1.ª Comissão, em conexão com as 10.ª e 13.ª Comissões, 1289/XIV/2.ª (PAN) que baixa à 10.ª
Comissão, 1290/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 9.ª Comissão, e 1291/XIV/2.ª (CDS-PP), que baixa à 9.ª Comissão.
Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito obrigado, Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. Srs. Deputados, vamos dar início à nossa ordem do dia de hoje, com a apreciação, em conjunto, do Projeto
de Lei n.º 839/XIX/2.ª (BE) — Reforça os mecanismos de combate ao trabalho forçado e a outras formas de
exploração laboral, responsabilizando diretamente toda a cadeia de subcontratação e as empresas utilizadoras,
bem como gerentes, administradores e diretores, do Projeto de Resolução n.º 744/XIV/2.ª (BE) — Pelo combate
à precariedade e promoção da formação e qualificação profissional do trabalho agrícola, do Projeto de Lei n.º
847/XIV/2.ª (PCP) — Confere natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT e altera o regime
processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, procedendo à terceira alteração à Lei
n.º 107/2009, de 14 de setembro, e do Projeto de Resolução n.º 1273/XIV/2.ª (PEV) — Reforço de meios para
combater a exploração laboral.
Para apresentar as iniciativas do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não houvera um problema de saúde pública, não houvera a decisão de decretar uma cerca sanitária e talvez continuasse a reinar a desatenção
pública e sobretudo a invisibilidade dos milhares de trabalhadores que passam os seus dias fechados no espaço
concentracionário das explorações agrícolas do nosso País.
O que se passa com estes trabalhadores ou com outros submetidos a cascatas de subcontratação e ao
trabalho forçado é connosco.
São eles e elas uma boa parte da população alentejana, mas também do Ribatejo e de outras zonas do País.
São eles que cultivam os frutos que vêm parar à nossa mesa e que alimentam as exportações das empresas
agrícolas. Eles e elas não são outros, são uma parte do País.
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Odemira e as várias «Odemiras» do País são o retrato de um modelo de negócio que atropela o território e
os direitos humanos, que põe a nu a ausência de planeamento infraestrutural, que revela a submissão do Estado
às estratégias privadas de acumulação de lucro (como ficou patente nas regras para o «armazenamento» dos
trabalhadores), que resulta de uma divisão internacional do trabalho assente na exploração de imigrantes
através de falsas empresas prestadoras de serviço.
O problema não é de agora. Foi há quase cinco anos, no verão de 2016, que o Parlamento aprovou uma
nova lei para combater as formas modernas de trabalho forçado. Na altura, por iniciativa do Bloco, abriu-se um
debate que permitiu introduzir no Código do Trabalho uma alteração que despertou a fúria das confederações
patronais: a responsabilização solidária de toda a cadeia de contratação pelas violações dos direitos dos
trabalhadores, pelos créditos e encargos sociais, bem como pelo pagamento das respetivas coimas.
O objetivo era contrariar a impunidade. Era impedir que, numa obra ou numa exploração agrícola, quem
recorre ao trabalho temporário e subcontrata mão de obra a angariadores pudesse alegar ou fingir
desconhecimento aquilo que ali se passa.
Nessa altura, a dimensão do trabalho forçado e da exploração laboral, nomeadamente na produção agrícola
no Alentejo, era conhecida.
O modelo económico, aliás, não era diferente do de hoje: exploração de mão de obra imigrante,
subcontratação, aproveitamento da condição clandestina de uma parte dessa mão de obra, produção agrícola
intensiva e insustentável, condições de habitação e de saúde miseráveis, proprietários que encontravam já então
no aluguer de quartos, onde amontoavam pessoas, uma verdadeira mina de ouro.
A direita esteve contra esta alteração e as quatro confederações patronais divulgaram um comunicado
conjunto em que diziam repudiar veementemente o conteúdo do diploma, em resultado do qual, alegavam as
confederações patronais, as empresas de trabalho temporário, as agências privadas de colocação e os
respetivos utilizadores ficam, na prática, proscritas, atento o enorme risco que passam a comportar.
Foi constrangedor o modo tão desabrido como os representantes do patronato exibiram a sua afeição por
estes esquemas de subcontratação, verdadeiros biombos através dos quais se precariza o trabalho, se dificulta
a ação inspetiva e se permite aos utilizadores finais da mão de obra lavarem as mãos de todas as violações de
direitos que ocorrem nos locais por eles tutelados.
Infelizmente, contudo, as confederações patronais não tinham razão para tanta farronca. A aplicação da lei
mostrou-se muitíssimo difícil e o problema continuou, tendo até aumentando de escala.
Na realidade, mais do que condenações, as empresas agrícolas de Odemira tiveram, nos últimos anos,
sobretudo a lambugem dos benefícios fiscais. Em 2019, mais de meio milhão de euros, sobretudo, no âmbito
dos impostos especiais sobre o consumo, para a Atlantic Growers, agora Frestia, Vitacress Portugal e Vitacress
Agricultura Intensiva, Discroll’s; SudoBerry — são algumas das empresas que lideram esta lista.
Da inspeção de trabalho, que tem levantado centenas de autos, sobretudo neste último mês, o testemunho
que nos chega é de dificuldade. Dificuldade, desde logo, em identificar e notificar as redes mafiosas encapotadas
através de empresas na hora, que se constituem em 48 horas, criadas por falsos empresários que funcionam
como testas-de-ferro.
Estas empresas, basicamente, existem até serem intercetadas pelas autoridades, momento em que se
extinguem ou desaparecem da circulação, para no dia seguinte ser formada uma outra empresa na hora, com
outro trabalhador que passou a ser um suposto empresário sob comando da mesma rede.
Este esquema tornou-se uma estratégia para os engajadores escaparem à lei, porque, mesmo que a
Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) os apanhasse, mesmo que levantasse os autos, mesmo que
se apurassem as dívidas à segurança social, quando as autoridades inspetivas fossem fazer a notificação do
processo, já não haveria a quem fazê-lo. Na morada identificada, nenhuma empresa em funcionamento e o
responsável já em parte incerta. Sem interlocutores, o processo é normalmente arquivado e a impunidade
garantida.
Continuam, pois, a existir dificuldades significativas e também algumas resistências operacionais em
materializar esta responsabilidade solidária. Os arguidos no processo são empresas que contratam os
trabalhadores e se esfumam e se os instrutores não autonomizam os processos, não se conseguindo punir estas
empresas em primeiro lugar, não se responsabilizam as outras solidariamente.
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A estes bloqueios somam-se dificuldades processuais. A lei do processo de trabalho que temos não obriga
o inspetor a identificar logo no auto o dono da exploração, toda a cadeia de subcontratação e os respetivos
administradores, mas devia obrigar.
Onde a lei diz que a identificação pode ser feita, «se possível», tem de obrigar a fazer, de modo categórico.
Se o inspetor ou a inspetora não identifica logo no início os agentes que podem ser solidariamente responsáveis,
depois, o instrutor já não consegue notificar quem não foi identificado no auto. Não é uma questão de somenos.
Para acabar com a impunidade é necessário avançar para a responsabilização direta de toda a cadeia,
garantindo que o dono da exploração agrícola, bem como os seus dirigentes e administradores, são diretamente
responsabilizáveis pelas violações dos direitos laborais que correm nos espaços que tutelam, mesmo que a
empresa na hora já se tenha «evaporado». É isto que pretendemos com este projeto de lei.
A responsabilização do dono da exploração tem de ser independente da punição do engajador.
De resto, não estamos a inventar nada ou a propor trilhar um caminho que não tenha precedentes. Veja-se
o que a lei define relativamente à responsabilidade das empresas utilizadoras, quando uma empresa de trabalho
temporário não tem o alvará que a lei exige.
Há quem argumente, invocando os princípios da lei penal, que não se pode imputar, sem mais, a culpa ao
dono da exploração, que tem de haver factos que comprovem a colaboração do dono da exploração, que provem
que ele ajudou a cometer aquelas violações.
Esta leitura peculiar, mas infelizmente comum, da lei de 2016 limita totalmente o seu alcance. É muito fácil
dizer-se que não se sabia de nada.
Mas, francamente, Sr.as e Srs. Deputados, todos e todas o sabemos: o dono da exploração agrícola é, na
realidade, não apenas cúmplice, mas o principal beneficiário destes abusos. As empresas prestadoras de
serviços, os engajadores, só existem porque há quem as contrate e recorra a elas. Os donos das estufas são,
na verdade, os grandes promotores destas práticas ilícitas, mesmo que não seja a mão deles a que segura o
chicote.
A lei deve por isso sancionar todos os que retiram benefícios das práticas ilícitas de exploração.
É, pois, fundamental — e é isso que propomos — imputar diretamente essa responsabilidade a todos os
agentes, para que se faça justiça e para começarmos a acabar com esta afronta.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, registamos duas inscrições para pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Respondo aos dois conjuntamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Muito bem, Sr. Deputado. Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Sá, do Partido Socialista.
O Sr. Nuno Sá (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV pela apresentação destas iniciativas, porque, desde logo, permitem ao Partido Socialista afirmar o seu
compromisso com a agenda do trabalho digno.
É justo evidenciar o trabalho do Partido Socialista no sentido da defesa e da promoção da agenda do trabalho
digno. Somos o partido que mais tem promovido a valorização e a dignidade do trabalho, com medidas e políticas
concretas que fazem a diferença na realidade laboral dos portugueses.
Conseguimos avançar sempre na defesa dos rendimentos e dos direitos dos trabalhadores. Alcançámos
acordos na concertação social e apoiámos as nossas empresas e empregadores. Foi sempre esta a nossa
política. Vamos continuar a alargar direitos, no enquadramento das novas formas de trabalho e no combate à
pobreza e às desigualdades sociais.
O Partido Socialista tem, no centro das suas políticas, a proteção dos mais desfavorecidos e dos mais frágeis.
São impensáveis situações de abuso e de aproveitamento dos mais vulneráveis. Por isso, o Partido Socialista
tem aumentado o nível de rendimentos e das respostas sociais, sobretudo para os mais desfavorecidos, bem
como tem reforçado a prevenção e a atuação sobre as condições do trabalho.
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Aprovámos e instituímos mecanismos judiciais e instrumentos jurídicos, como a Lei n.º 28/2016, de combate
ao trabalho forçado, ou a Lei n.º 63/2013, que permite a regularização do trabalho não declarado, tudo isto numa
estratégia de combate ao trabalho forçado e de proteção dos trabalhadores mais fragilizados.
Em 2016, o Partido Socialista apresentou um projeto de lei para combater as formas modernas de trabalho
forçado, que deu origem a um grupo de trabalho, no qual, aliás, eu próprio participei, e testemunho que toda a
esquerda parlamentar se uniu e conseguimos aprovar uma lei que todos reconhecem como um passo da maior
importância no combate ao trabalho forçado.
Uma correção: «todos», não! A direita, tal como na Lei n.º 63/2013, tal como nas propostas de aumento do
salário mínimo, votou contra.
Aplausos do PS.
A esquerda parlamentar fez o que tinha de ser feito e até foi capaz de intensificar muito trabalho conjunto e
entendimentos que melhoraram a vida dos portugueses e que lhes deram mais direitos.
Srs. Deputados, este caminho da agenda do trabalho digno não terminou e temos de continuar a dignificar e
a valorizar o trabalho. Qualquer forma de exploração laboral é absolutamente inaceitável.
Enaltecemos o que disse, a este propósito, o Primeiro-Ministro, António Costa. Quando confrontado com
situações graves, não hesitou em afirmar que estão em causa direitos humanos, deixando bem claro que o PS
repugna e tudo fará para acabar com formas de trabalho indignas e em condições desumanas.
Assim, consideramos muito importantes as matérias em causa. Queremos todos os contributos para a
melhoria das condições de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Muito já fizemos, mas as pessoas ainda
esperam muito de nós para terem uma vida melhor. Estes desafios, este percurso comum e a esperança dos
portugueses merecem todos os nossos esforços.
A questão essencial que queremos deixar ao Bloco de Esquerda é a seguinte: quem está disponível para
colocar sempre os interesses dos portugueses, dos trabalhadores e dos que mais precisam de proteção acima
de tudo?
O Bloco de Esquerda reconhece este percurso de valorização do trabalho que realizámos? Podemos contar
com a responsabilidade do Bloco de Esquerda para dialogar e para encontrar soluções, sem radicalismos ou
intransigências, reunindo apoios? Ou as propostas do Bloco de Esquerda são completamente fechadas e sem
qualquer hipótese de diálogo e de consensualização?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Balseiro Lopes, do PSD, para um pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Margarida Balseiro Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria que a minha primeira palavra fosse para saudar o Bloco de Esquerda por trazer a debate este tema tão importante, porque não
podemos esquecer aquilo que se passou e ainda se passa em Odemira.
É muito interessante ouvir o Partido Socialista falar das alterações de 2016, quando, hoje, temos necessidade
de voltar a discutir alterações à lei. Porquê?! Porque as de 2016 não serviram.
Mais: o Partido Socialista vem citar declarações do Sr. Primeiro-Ministro, dizendo que, de facto, em Odemira,
havia violações gritantes dos direitos humanos, mas ele faz parte do mesmo Governo que tem uma secretária
de Estado que, há um ano, dizia que Odemira era um exemplo de integração.
Portanto, em matéria de coerência, acho que, relativamente ao Partido Socialista, estamos conversados.
De facto, saudamos esta intervenção do Bloco de Esquerda, porque este é um tema que precisa, desde logo,
do apuramento de responsabilidades políticas, porque as autoridades públicas sabiam, há anos, desta situação
de desrespeito pelos direitos humanos, desta situação degradante em que muitas pessoas viviam, e a verdade
é que, mais de dois anos depois, nada aconteceu.
Importa voltar a referir que, até ao momento, não houve nenhuma consequência política face à gravidade
dos acontecimentos.
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O Bloco de Esquerda apresenta este projeto de lei, em que, basicamente, procura fazer uma alteração à
alteração de 2016, que o Bloco de Esquerda já reconheceu, no texto e na tribuna, que teve uma escassa
aplicação por falta de meios e por dificuldades operacionais.
A minha primeira pergunta é esta: se o Bloco reconhece que é por falta de meios e por dificuldades
operacionais, de que forma é que uma alteração ao Código do Trabalho vai resolver este problema de falta de
meios?
O Sr. Jorge Costa (BE): — Não ouviu com atenção!
A Sr.ª Margarida Balseiro Lopes (PSD): — Fazendo fé — e eu faço — nas boas intenções do Bloco de Esquerda ao apresentar esta iniciativa, pergunto se não reconhece que estar a mexer no regime de
responsabilidades é desonerar o Estado das responsabilidades máximas que tem, por ter ignorado e fechado
os olhos a este escândalo que se passa há anos e anos?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, para responder aos pedidos de esclarecimento.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Sá, registamos a declaração que fez sobre a importância do tema.
Obviamente, o Bloco de Esquerda está disponível para trabalhar sobre este diploma, em sede de
especialidade, mas gostávamos é de saber se o Partido Socialista vai votar a favor e o que é que o Partido
Socialista pensa sobre este diploma, porque este debate é precisamente sobre isso.
De resto, quanto à outra pergunta, confesso que não percebi muito bem, mas registamos também a ausência
do Governo neste debate, que é um agendamento potestativo. Ainda este mês, fizemos um outro agendamento
potestativo sobre o teletrabalho em que o Governo marcou presença e registamos que, num tema que não é
menos importante do que o do teletrabalho, que é o do combate ao trabalho forçado, o Governo entendeu não
marcar presença.
Da nossa parte, insistimos naquilo que é óbvio: fizemos uma lei em 2016, mas sabemos as dificuldades com
que essa lei se confronta. Por isso, entendemos que é preciso dar um passo em frente. Ou seja, precisamos de
passar de uma responsabilidade solidária, que enfrenta as dificuldades da notificação de toda a cadeia, para
uma responsabilidade direta, porque sabemos que quem beneficia com estes abusos laborais, com o trabalho
forçado, com esta escravatura, são os donos das explorações agrícolas.
Portanto, a verdadeira pergunta, gostava de devolvê-la à bancada do Partido Socialista: tendo feito, em 2016,
essa alteração à lei, está o Partido Socialista disponível, ou não, para dar este passo em frente, ou seja, para
responsabilizar diretamente toda a cascata de subcontratações e os donos das explorações agrícolas?
É que, Sr. Deputado, sabemos — e já o disse lá de cima, da tribuna —, que, nos últimos anos, mais do que
serem responsabilizados e condenados, aos donos das explorações agrícolas o Estado tem dado, sobretudo,
benefícios fiscais.
Sobre a intervenção da Sr.ª Deputada Margarida Balseiro Lopes, do PSD, que disse que há anos que as
autoridades sabem deste problema, queria referir que com certeza que também há anos que o PSD sabe deste
problema. Em 2016, já sabia deste problema e nem a responsabilidade solidária esteve disponível para
consagrar na lei.
Temos tido diálogos com os inspetores do trabalho que estão no terreno. Neste momento, creio que há 12
inspetores em Beja e há outros que já foram destacados. Nos últimos 15 dias foram levantados mais de 300
autos e nos últimos meses foram levantados mais de 1200 autos por infrações. Portanto, francamente, neste
momento, do que precisamos é de dar aos inspetores que estão no terreno a capacidade de fazerem o seu
trabalho. Para isso, não é só a capacidade de levantarem os autos, mas de fazerem com que estes processos
tenham consequência. Por isso é que precisamos de mudar a lei.
Vozes do PSD: — Ah!
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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Havia um inspetor do trabalho que nos dizia, precisamente: «Deem-nos instrumentos para conseguirmos responsabilizar toda esta cadeia.»
A responsabilização direta de toda a cadeia é o que permite combater uma impunidade que tem prevalecido,
mesmo quando há autos, como expliquei. Porquê?! Porque, muitas vezes, depois de o inspetor tomar conta do
ocorrido, os processos acabam por ser arquivados, as empresas desaparecem e o resto da cadeia não é
responsabilizada. É com esta impunidade que é preciso acabar.
É preciso, Sr.ª Deputada, acabar de fingir que não sabemos que os verdadeiros beneficiários destes abusos,
desta escravatura, desta exploração, são os donos das explorações, são os donos das empresas, são
precisamente aqueles que lavam as mãos, que não se responsabilizam, que fingem que não sabiam e que
continuam a passar impunes em todo este processo.
Portanto, pergunto ao PSD se também vai continuar a olhar para o lado ou se vai mudar de posição e
defender a responsabilização direta de toda esta cadeia, porque não nos basta ter grandes declarações de
intenção e de indignação se nós, o Parlamento, não fizermos a nossa parte.
O Bloco de Esquerda traz uma proposta concreta que nos responsabiliza e permite ter mais condições para
combater este fenómeno. Uma lei não resolve tudo, porque isto tem várias dimensões, mas façamos, pelo
menos, aquilo que nos compete.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para a apresentação do Projeto de Lei n.º 847/XIV/2.ª (PCP), tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos, hoje, uma realidade económica e social cujo agravamento vai bem além do contexto do surto epidémico, que tem servido de pretexto para as
práticas mais abusivas, arbitrárias e ilegais por parte de entidades patronais.
Há uma consideração generalizada de que tudo se vende e tudo se compra, incluindo a dignidade humana.
Há uma realidade brutal de exploração e de atropelo de direitos laborais, que atinge centenas de milhares de
trabalhadores e, de forma particular, os trabalhadores imigrantes. O caso de Odemira, que, aliás, o PCP vem
denunciando desde 2012 — estavam, então, o PSD e o CDS no Governo —, é apenas a ponta do iceberg.
A situação atinge um grande número de trabalhadores, da agricultura à logística, da pesca à indústria, entre
muitos outros setores. Em todo o País é possível identificar situações inaceitáveis e atentatórias de direitos
fundamentais.
Retornam e intensificam-se velhas formas de exploração e de situações de pobreza, com contornos
alarmantes. Temos realidades tremendamente violentas no mundo do trabalho, com a imposição de extenuantes
ritmos de trabalho, a manutenção de baixos salários, salários abaixo do limiar da pobreza, discriminações
salariais, precariedade e a procura de instrumentos para a legitimação da precariedade e a violação sistemática
de direitos laborais. Temos, sim, uma realidade de trabalho não declarado e ilegal, com a exploração do trabalho
imigrante e com situações de autêntica escravatura, em geral, associada ao tráfico de mão de obra, uma
realidade difícil de avaliar na sua verdadeira dimensão, mas que não pode servir de desculpa para a ausência
de intervenção. Estamos perante uma violação dos direitos humanos e da dignidade de cada um destes homens
e mulheres trabalhadores.
Em Portugal, é significativa a dimensão de trabalhadores em situações de trabalho ilegal ou não declarado
e de um recurso continuado ao trabalho temporário para funções e tarefas permanentes. Muitas destas
empresas utilizam estas pessoas como mão de obra gratuita em períodos de época alta, substituindo
necessidades efetivas de trabalhadores, obrigando-os à realização de horários de 50, 60 ou mais horas
semanais.
Ao mesmo tempo, a realidade nacional caracteriza-se por uma reduzida eficácia da ACT, agravada não só
pela falta de meios humanos e técnicos — os reforços anunciados não conseguem ultrapassar essa carência
—, mas também pela ausência de uma justiça célere, com elevadas e injustificadas custas judiciais e entraves
no acesso ao apoio judiciário pela generalidade dos trabalhadores, o que impede, em muitos casos, o próprio
acesso à justiça e aos tribunais.
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A realidade da precariedade, da arbitrariedade e da violação de direitos que se verifica no nosso País impõe
o reforço e o aumento da eficácia de mecanismos de informação, de fiscalização, de punição dos infratores,
bem como dos esquemas de apoio aos trabalhadores.
O PCP traz também a este debate o seu contributo, com uma proposta concreta, identificando que, em
Portugal, a realidade laboral traduz de forma indelével o fosso existente entre a consagração legal dos direitos
e a sua concretização, cumprimento e exercício efetivo.
Esta realidade é visível através do desrespeito, incumprimento e violação de direitos dos trabalhadores e é
inseparável do agravamento das condições de trabalho, da precarização das relações de trabalho, da
desregulamentação dos horários e da facilitação e embaratecimento dos despedimentos.
É urgente tomar medidas alternativas que contrariem a destruição e degradação das relações de trabalho e
das condições de vida promovidas por sucessivos governos. É urgente travar a generalização e legitimação da
precariedade, mesmo a que vem disfarçada de modernidade e de desenvolvimento tecnológico, que, aliás,
corporiza uma estratégia de substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores sem direitos.
Para o PCP, não só é possível como é urgente promover, de uma vez por todas, um efetivo combate que
traga justiça à vida de milhares de trabalhadores que são duramente explorados e sujeitos a uma brutal
precariedade.
Urge a criação de mecanismos dissuasores do recurso a estas práticas ilegais, assim como dar ao
trabalhador a possibilidade de recurso a meios mais eficazes de reconhecimento da relação laboral subordinada,
através da ação executiva.
Por isso, propomos que, sempre que seja detetada pela ACT uma situação de irregularidade de recurso ilegal
à prestação de serviços, seja dada força executiva à decisão condenatória, no sentido de o trabalhador ver a
sua situação regularizada, não só com a simples apreciação do reconhecimento da sua relação laboral, com
subordinação jurídica ao empregador, mas também que mesma seja imediatamente convertida em contrato de
trabalho sem termo, garantindo estabilidade e direitos a estes trabalhadores.
A precariedade é um flagelo individual e coletivo que representa uma grave violação de direitos e que exige
o seu firme combate e a erradicação de todas as suas formas.
Da parte do PCP, não há cedências. Estamos do lado do emprego com direitos na vida de todos os
trabalhadores, rejeitando, denunciando e combatendo todos os abusos, atropelos e ilegalidades.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, tem dois pedidos de esclarecimentos. Como pretende responder?
Pausa.
A Mesa regista que responderá no final, pelo que dou a palavra à Sr.ª Deputada Lúcia Araújo Silva, do PS,
para o primeiro pedido de esclarecimentos.
A Sr.ª Lúcia Araújo Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, saúdo o PCP por trazer esta iniciativa a debate.
Defender o trabalho digno para todos não é utopia, é justiça e o Governo e o Grupo Parlamentar do Partido
Socialista defendem este desígnio.
Srs. Deputados, na sequência da pandemia, as prioridades do Governo centram-se na proteção da vida das
pessoas, na proteção dos rendimentos das famílias, do emprego, das empresas e dos seus trabalhadores.
Dentro de um vasto conjunto de medidas pela valorização e dignidade do trabalho, relembro o aumento do
salário mínimo nacional, que, entre 2015 e 2021, teve um aumento de 31,7%, ou seja, mais 160 €, estando
previsto o aumento de 245 € até ao final da Legislatura, atingindo o valor de 750 €.
Relembro também o combate à precariedade no trabalho, incluindo os falsos recibos verdes, o combate ao
recurso abusivo aos estágios, o combate ao uso dos contratos de emprego e inserção social para substituição
dos trabalhadores e o combate às formas modernas de trabalho forçado, na alteração do regime jurídico da
promoção da segurança e saúde no trabalho e do regime do licenciamento de agências privadas.
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Se foram, assim, dados passos relevantes na seletividade e focalização das políticas ativas de emprego, é
preciso prosseguir este caminho através da promoção do diálogo social, com vista a reforçar as medidas de
combate à precariedade, a redução dos níveis de insegurança no mercado de trabalho e a prossecução do
reforço na capacidade inspetiva da ACT, que, neste mês de maio, passou a ter nos quadros de mapa de pessoal
493 inspetores — o maior número de sempre — e 50 inspetores de reforço extraordinário, que passaram a
permanentes.
Srs. Deputados, sendo este um combate central por uma sociedade mais digna, impõe-se uma maior
articulação de dados entre a ACT e outras entidades, bem como a implementação de um novo sistema de
informação na inspeção do trabalho. Impõe-se também a redução dos níveis de insegurança no mercado de
trabalho, o reforço dos mecanismos de controlo nas cadeias de contratação e de combate à cedência ilícita de
trabalhadores, o reforço dos poderes da ACT para combater fenómenos inaceitáveis e todos, como sociedade,
termos a garantia de inclusão no sistema de proteção social das «novas e velhas formas de trabalho».
Srs. Deputados, muito já se fez, mas ainda temos um caminho a percorrer.
Assim, deixo uma pergunta à Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP: atendendo a que se encontra em curso,
em sede de concertação social, a discussão do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho e a respetiva alteração
ao Código do Trabalho, com o reforço dos poderes da ACT, pergunto à Sr.ª Deputada se o PCP está disponível
para trabalharmos estas questões de forma integral?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Olga Silvestre, do PSD.
A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD, com matriz personalista e humanista, centra a sua atividade política na defesa da dignidade humana.
O PSD repudia o trabalho forçado ou qualquer forma de exploração ou escravidão; o PSD é um partido
responsável, que não assobia para o lado, Sr. Deputado,…
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Não assobia pouco!
A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — … num atentado contra os direitos humanos, que é abominável em qualquer sociedade e muito mais numa sociedade democrática.
Os direitos humanos não têm nacionalidade, raça, sexo ou ideologia política. Infelizmente, há sempre quem
não hesite em explorar o próximo de forma iníqua, indigna, inadmissível e criminosa, o que é abominável e não
faz parte do nosso ADN (ácido desoxirribonucleico) de povo acolhedor e exímio na arte de bem receber e com
a tradição de séculos de bem tratar o próximo.
As notícias recentes da exploração de imigrantes chocam-nos e exigem uma resposta firme e inequívoca por
parte do Governo. Mas o Governo socialista falhou com os mais desprotegidos, como de resto falha em tantas
coisas.
Ignorou os alertas do município socialista, ignorou as queixas dos sindicatos, do SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteira) e da ACT, ignorou durante muito tempo as denúncias da comunicação social. Como
sempre, ignorou o que incomoda, ignorou o que não podia ser ignorado.
Estas situações, manifestamente graves e de urgente resolução, são a exceção e não a regra e não se
circunscrevem a uma região ou a um sector. No entanto, ainda que pontuais, têm de ser combatidas sem
complacência e sem hesitações e não podem o Governo e a esquerda andar a reboque da onda mediática a
criar diplomas que fingem que resolvem, mas não resolvem. Não é ingénuo, mas é ilusório. Querer legislar o
que está legislado e à medida é deixar escancarada a inação e incompetência do Governo e nada resolver
quanto a quem está a sofrer maus tratos, literalmente, na pele. É desumano!
Srs. Deputados, o que o País precisa é que o Governo faça cumprir as leis existentes. Se o Governo fizesse
as inspeções que deve e se agisse, nada disto acontecia. Mais uma vez os partidos de esquerda, em vez de
exigirem ao Governo que crie meios e incentive a fiscalização das atividades, limitam-se a deitar as culpas nas
empresas e nos empresários, que são geradores de riqueza e que sentem as dificuldades da crise.
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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Eles é que exploram! São eles!
A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — Sim, porque os incumpridores são uma exceção e não se pode confundir a árvore com a floresta.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Olga Silvestre (PSD): — A solução é ter um Governo que funcione e faça cumprir a legislação. Para isso, tem de implementar uma fiscalização robusta e proporcionar meios humanos e técnicos. E não, não são
50 inspetores da ACT que resolvem o problema. A solução passa pelo reforço da ACT e pela criação de políticas
de integração dos imigrantes.
Aplausos de Deputados do PSD.
Sr.ª Deputada Diana Ferreira, o Partido Comunista está disponível para trilhar este caminho?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder aos dois pedidos de esclarecimentos acabados de formular, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, agradeço à Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, do PS, e à Sr.ª Deputada Olga Silvestre, do PSD, as questões.
Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, começo, desde já, por lembrar que, na última revisão à legislação laboral, foi
pela mão do PS que se aumentou o período experimental para 180 dias. Isso não é um combate à precariedade,
muito pelo contrário, é uma promoção da precariedade, como, aliás, o último ano demonstrou de forma clara, já
que foram muitos os trabalhadores no período experimental que foram os primeiros a serem despedidos a
pretexto do surto epidémico. Portanto, isso não é combate à precariedade.
O combate à precariedade é efetivamente tomar as opções que significam que para todas as necessidades
permanentes há um vínculo efetivo para todos os trabalhadores e que se garante a estabilidade nas suas vidas.
Sr.ª Deputada, temos centenas de milhares de trabalhadores no nosso País a corresponderem a
necessidades permanentes que continuam com vínculos precários e o Governo do PS também não pode ignorar
essa situação.
Em relação à questão da ACT, a Sr.ª Deputada falou do reforço de inspetores e importava falar também do
reforço dos técnicos superiores, que o PCP, aliás, propôs em sede do Orçamento do Estado. A verdade é que
fizemos uma proposta para o reforço de 200 inspetores da ACT, 200 técnicos superiores, que o PS e o PSD
inviabilizaram.
A Sr.ª Deputada Olga Silvestre falou do reforço de meios da ACT, mas o PSD, quando teve a oportunidade
de aprovar a proposta do PCP, em sede do Orçamento do Estado, contribuiu para a sua rejeição. Por isso, logo
se vê que o PSD não está, de facto, interessado em reforçar a ACT, como nunca esteve em todas as vezes que
esteve no Governo.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Muito bem! Bem lembrado!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Deputada Olga Silvestre, permita-me só relembrar um percurso histórico. O PSD não assobiou só para o lado, o CDS não assobiou só para o lado. PSD e CDS fizeram ouvidos moucos
desde 2012, quando o PCP denunciou todas as situações que se passavam em Odemira.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Mais, Sr.ª Deputada, o PSD e o CDS, em 2013, contribuíram com alterações legislativas para facilitar a prática de abusos e ilegalidades nas agências que colocavam trabalhadores, Sr.ª
Deputada.
Vozes do PCP e do PEV: — Muito bem!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É o vosso legado: a precariedade e a exploração dos trabalhadores. Para esse caminho, não está cá o PCP. O nosso caminho é o da defesa dos direitos de todos os
trabalhadores, do direito ao pleno emprego, do direito à estabilidade na vida de todos os dias.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 1273/XIV/2.ª, do PEV, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar o Bloco por ter agendado a necessidade de reforçar os mecanismos de combate ao trabalho forçado e outras
formas de exploração laboral, propostas que, globalmente, acompanhamos, assim como acompanhamos a
proposta do PCP.
Acompanhamos porque, já há muito, mas sobretudo agora, quando falamos, por exemplo, do Parque Natural
do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, não falamos apenas do problema da agricultura intensiva e da
proliferação de plástico que invade este Parque Natural, falamos também dos milhares de trabalhadores
agrícolas que são vítimas de redes de auxílio à imigração ilegal, de tráfico de pessoas e até de fortes suspeitas
de escravatura.
Infelizmente, Odemira não é caso único. Basta olhar para o que se continua a passar no Estuário do Tejo,
com a apanha ilegal da ameijoa, um negócio controlado por redes criminosas organizadas que envolvem
milhares de imigrantes que, além de serem profundamente explorados, são sistematicamente coagidos. Não há
recibos nem de compra nem de venda, logo não há impostos, nem licenças, o que, em muitos casos, aliás, nem
deveria ser possível, uma vez que a ameijoa, nalguns desses locais, está contaminada com metais pesados e,
portanto, a apanha, aí, é proibida.
Muitos destes mariscadores vivem em locais sem o mínimo de dignidade e sem quaisquer condições
sanitárias, tal como em Odemira, e nalguns casos até piores, e são igualmente vítimas de redes de auxílio à
imigração ilegal e de tráfico de pessoas. Ou seja, em Odemira, no Estuário do Tejo, no Ribatejo e em tantas
outras regiões do País, a exploração laboral tem por trás cadeias de contratação, subcontratação e prestação
de serviços que, procurando desvirtuar a normal relação de trabalho, permitem ainda dispersar o rasto da
responsabilização pelas mais variadas violações da legislação.
Exige-se, assim, um combate sério a este grave problema de ampla precariedade, que muitas vezes tem
ainda associadas redes de tráfico de mão de obra, aproveitando a fragilidade de trabalhadores migrantes
chegados ao nosso País.
Estes trabalhadores precários auferem salários mais baixos do que os demais, desconhecem os seus direitos
e encontram-se sujeitos a uma completa desproteção. Falamos de situações que refletem a precariedade que
tem vindo a representar uma prática recorrente e que se alastra pelas mais variadas zonas do País, nos campos
mas também nas fábricas e noutros setores.
Com elevados níveis no sector primário, é certo, mas com expressão em muitos outros, a precariedade
encontra-se hoje demasiado presente e está quase institucionalizada como forma de desresponsabilizar a
entidade patronal e de acentuar a degradação das condições de vida de quem se vê forçado a trabalhar sem
direitos.
Desta forma, o trabalhador perde em toda a linha, perde direitos, ou não chega sequer a adquiri-los, perde
segurança no emprego e perde em termos salariais.
Na verdade, os falsos recibos verdes, por serem falsos, constituem uma verdadeira mentira e os contratos a
prazo, bem como os contratos de trabalho temporário, os contratos de emprego e de inserção, os estágios
profissionais, as ocupações de tempos livres que visam satisfazer necessidades permanentes não são,
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substancialmente, nem contratos a prazo, nem contratos de trabalho temporário, nem contratos de inserção,
nem estágios profissionais, são literalmente uma fraude.
Ora, face a este cenário, esta Assembleia não pode ficar indiferente ao que se está a passar e deverá
envolver-se num verdadeiro combate no sentido de acabar com a falsidade e a mentira contratual nas relações
laborais.
Do que se trata é de colocar verdade no vínculo que é estabelecido nas relações laborais, porque, se quem
trabalha faz a sua parte, cumpre as suas obrigações, respeita a lei, o mesmo se exige das entidades
empregadoras, nomeadamente no que concerne à observância das leis laborais.
Srs. Deputados, a Lei n.º 28/2016, já referida por várias vezes, tem como objetivo responsabilizar a empresa
que recorre a intermediários para procurar fugir às suas responsabilidades na relação de trabalho, com o que,
aliás, é beneficiada, mas essa lei não resolveu, por si só, o problema que subsiste na origem da relação de
trabalho.
A verdade é que os proprietários agrícolas, de grandes agroindústrias, fábricas ou empresas logísticas, entre
outras, procuram esconder-se atrás de quem contrata os trabalhadores e não querem assumir responsabilidades
nem sobre as condições em que a mão de obra é contratada nem, sequer, sobre as condições de trabalho.
O Sr. João Dias (PCP): — É isso mesmo!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Mas estes trabalhadores ocupam, na realidade, postos de trabalho permanentes, devendo, portanto, ser suportados por um contrato de trabalho efetivo, como de resto resulta do
artigo 12.º do Código do Trabalho.
Por outro lado, também nos diz o artigo 140.º do mesmo Código que o contrato de trabalho a termo resolutivo
só pode ser celebrado e só é admissível para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas
pela entidade empregadora, e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
Sucede que a prática generalizada é hoje de recurso a contratos com natureza precária, o que representa
grosseiras violações à lei, nomeadamente à legislação laboral.
Perante tais factos, e tendo presente, até, o próprio relatório de atividades da Autoridade para as Condições
de Trabalho de 2018, que nos indica que, das 261 participações feitas ao Ministério Público, 70% referem-se à
utilização indevida de contratos de prestação de serviços, Os Verdes entendem que o combate à exploração
laboral exige um substancial reforço dos meios da Autoridade para as Condições de Trabalho, com vista à
realização de mais ações inspetivas de reconhecimento da existência destas situações, e também o reforço de
meios do Ministério Público para dar sequência às denúncias realizadas, com vista a ações de reconhecimento
da existência, ou não, de contratos de trabalho.
É exatamente este o sentido da iniciativa legislativa que Os Verdes agora apresentam, que deve ser
entendida como um contributo para garantir o trabalho com direitos e para remover da nossa realidade a
falsidade e a mentira nas relações laborais.
Aplausos do Deputado do PCP João Dias.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para apresentação do Projeto de Resolução n.º 744/XIV/2.ª (BE) — Pelo combate à precariedade e promoção da formação e qualificação profissional do trabalho
agrícola, o Sr. Deputado Ricardo Vicente, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O trabalho forçado e o abuso laboral que discutimos aqui é também uma consequência do modelo agrícola a que o País está a recorrer, é também
uma consequência da política agrícola que se aplica a nível nacional.
Esta agricultura intensiva, desmesurada, que percorre de norte a sul o País a passo acelerado, promovendo
a uniformização da paisagem, a destruição da biodiversidade, com base em monoculturas, que destrói recursos
e que precariza os seus trabalhadores, é uma agricultura de lógica «mineira», que explora, que esgota os
recursos e não deixa o trabalho de fora. Esgota até ao final e pouco sobrará em cada território depois da
destruição destes solos, depois do abuso laboral sobre Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa
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Vicentina. E depois da destruição que ali está, o que é que lá ficará?! Há «zero» compromisso por parte dos
promotores destes projetos relativamente à reabilitação e à proteção dos meios ambientais.
Se olharmos ponto a ponto vemos culturas em estufa no Sudoeste Alentejano e na Costa Vicentina, mas não
é só: há o olival e o amendoal superintensivos no Alqueva, a horticultura no Oeste e do Ribatejo, as vindimas
no Douro, as centrais hortifrutícolas do Oeste e do Ribatejo, que também já estão inundadas de trabalho
migrante, em muitas circunstâncias com péssimas condições de trabalho e de habitabilidade.
Este é um modelo de trabalho que faz caminho em toda a agricultura e atividades conexas. É, por isso,
impossível não ver a realidade e as suas consequências, porque este modelo de trabalho subcontratado,
baseado em trabalhadores migrantes e não especializados, sem possibilidade de especialização do trabalho e
de qualificação, tem imensos danos do ponto de vista ambiental.
É que é impossível conhecer um ecossistema agrário, trabalhar sobre ele e reduzir danos ambientais se não
houver memória, e essa memória faz-se com trabalho coletivo que junta trabalhadores e cria aprendizagens de
gestão desses ecossistemas agrários. Neste contexto, em que as pessoas passam pouquíssimo tempo nos
seus locais de trabalho, não há nenhuma hipótese de especialização nem de aplicação de progressão
tecnológica que resolvam os problemas ambientais que conhecemos hoje.
Além da catástrofe socioeconómica que representa, olhemos para os problemas de sobrecarga de escolas,
de hospitais e de muitos serviços públicos destas regiões, que são consequência de escolhas também dos
governos passados.
Estes modelos são duplamente destrutivos: são destrutivos do ponto de vista ambiental e social, mas também
são destrutivos de apoios públicos, porque estes barracões, estes contentores onde vivem trabalhadores e as
estufas que os acolhem são financiadas com apoios públicos da política agrícola comum. São investimentos
com 30% a 50% de apoios públicos, além da água gratuita: depois de 2500 milhões de euros para construir o
Alqueva, entregam-se metros cúbicos a seis cêntimos o quilo a modelos de produção que são lesivos do ponto
de vista do interesse público e para o território.
É por isso que o Bloco de Esquerda traz a este Plenário não só propostas para o aumento da fiscalização e
responsabilização dos promotores do trabalho forçado como traz propostas concretas para a política agrícola
que se avizinha.
A política agrícola comum tem de deixar de entregar dinheiros públicos a quem promove trabalho forçado e
precariedade, tem de haver metas mínimas anuais para a qualificação de trabalhadores agrícolas, tem de haver
a possibilidade de estruturas representantes de trabalhadores, sindicatos e outras, influenciarem os níveis de
apoios que são atribuídos, além de uma grande programação nacional para a formação. São todas essas
propostas que trazemos hoje.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — A Mesa registou a inscrição de dois Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos e o Sr. Deputado informou que pretende responder conjuntamente.
Assim sendo, tem a palavra, para o primeiro pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real,
do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por saudar o Bloco de Esquerda pela iniciativa que aqui nos traz e aproveito, Sr. Deputado, para colocar uma questão que se prende
com um dos aspetos que começou por referir na sua intervenção.
Um dos problemas que está subjacente à matéria que estamos a discutir prende-se com o facto de o modelo
de produção no nosso País, hoje, ser maioritariamente intensivo e superintensivo.
O PAN há muito que tem vindo a defender a suspensão da instalação deste tipo de produções,
nomeadamente as monoculturas, e da colocação de estufas intensivas no Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e da Costa Vicentina, até que existam planos de ordenamento deste território adequados e que
regulamentem esta atividade.
Neste sentido, sendo este um dos motivos pelos quais os trabalhos são de caráter essencialmente
temporário, precisamente pela natureza, também, das próprias culturas — e daí a questão de não respeitarem
os ciclos e os recursos naturais, como também igualmente referiu, ciclos esses que, se fossem respeitados,
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permitiriam termos uma outra natureza e uma outra temporalidade, do ponto de vista do trabalho, ao longo do
ano —, aproveitamos para perguntar ao Bloco de Esquerda se é desta feita que vai acompanhar a iniciativa do
PAN para a suspensão imediata e provisória das novas instalações agrícolas intensivas ou superintensivas no
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, até à implementação de medidas necessárias que
travem este flagelo a que temos vindo a assistir.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, gostávamos de perguntar, para começar, se o Bloco de Esquerda não sente nenhuma responsabilidade pelo facto de Odemira ter, hoje, 229 contentores de
alojamento, que foram decididos pelo Governo socialista, num Orçamento que foi apoiado pelo Bloco de
Esquerda e pelo Partido Comunista.
Disso é que nós nos deveríamos lembrar, aqui, hoje. Portanto, pergunto se o Sr. Deputado…
O Sr. Jorge Costa (BE): — Não é verdade!
O Sr. André Ventura (CH): — Não é mentira, Sr. Deputado, não! Basta ver a história e ver que o Bloco de Esquerda aprovou o Orçamento onde estavam previstos os 229 contentores de alojamento que foram lá
colocados.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Não leu o Orçamento!
O Sr. André Ventura (CH): — Aliás, ainda há pouco tempo, o Governo vos recordou isso mesmo, nas tricas de namorados entre Governo e Bloco de Esquerda, recordou-vos que vocês apoiaram isso mesmo!
Mas gostava de lhe perguntar, já agora, Sr. Deputado, se também não acha que, para lá de proibir fundos
públicos às empresas agrícolas, o Bloco de Esquerda tem responsabilidade na lei de imigração que foi aprovada
e que permitiu que pessoas sem contrato de trabalho, sem promessa de trabalho, sem vínculo laboral viessem
para Odemira, como viessem para o Ribatejo e para outros pontos do País. Agora aparece aqui a dizer «temos
de acabar com isto», quando «isto» deriva da vossa ação e deriva daquilo que vocês provocaram, e estão a
provocar, no sul e no interior do País.
Portanto, qual é a responsabilidade do Bloco de Esquerda nesta matéria? É fácil agora dizer: «Cortem-se os
apoios estas empresas». E o que é que acontece a estes trabalhadores? O que é que acontece a estas
empresas?
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Gostávamos de saber, Sr. Deputado, se o Bloco de Esquerda reconhece, ou não, a sua quota-parte de
responsabilidade na tragédia que está a ocorrer em Odemira.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado Ricardo Vicente, tem a palavra para responder.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Ventura, tem de começar por ler os documentos antes de se referir a eles, porque o Orçamento do Estado nada possibilitou em relação à situação
abusiva em que se encontram estes trabalhadores migrantes.
É de estranhar que o Sr. Deputado, que tanto fala em bandidos, não consiga, nesta situação, identificar quem
são os bandidos em questão, que traficam pessoas, que abusam delas, concretamente para promover os seus
lucros.
Aplausos do BE.
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Sr. Deputado, a única coisa que soube dizer, relativamente a esta gente, foi que são muçulmanos imigrantes
e que são um perigo para as nossas mulheres.
O Sr. Deputado não traz nenhum contributo para resolver o problema em concreto, limita-se a humilhar gente
que trabalha e que procura melhores condições de vida.
Aplausos do BE.
Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, o Bloco de Esquerda acompanha a necessidade de suspender a
instalação de culturas intensivas, não só as estufas no Sudoeste Alentejano mas também o olival e o amendoal
superintensivo, que necessitam de ser suspensas, devendo ser criadas regras concretas para as travar, neste
momento, e regulamentar algumas das suas atividades, para o que o Bloco de Esquerda também tem, neste
momento, projetos em espera para serem debatidos e votados aqui.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Entramos, agora, na fase das intervenções. Começo por dar a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por saudar não apenas o Bloco de Esquerda mas as demais forças políticas, não só por terem trazido, hoje, este tema à
Assembleia da República mas também as diferentes propostas que nos permitem um debate em torno de uma
problemática de que, como ficou bem claro e patente, o caso de Odemira é apenas uma amostra da realidade
que temos, não sendo exclusivos da região os problemas relativamente aos migrantes, à habitação ou aos
trabalhadores agrícolas. Infelizmente, são problemas estruturais, demonstrativos de diversas situações que têm
ocorrido um pouco por todo o País.
Um desses problemas é, sem sombra de dúvida, o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral,
problemas para os quais o PAN há muito tem vindo a alertar e que hoje se discutem na Assembleia da República.
Este problema, apesar de agora ter despertado maior interesse, não é, de todo, novo e o reforço dos
mecanismos de combate ao trabalho forçado e à exploração laboral são absolutamente essenciais para o
colmatar. Foi precisamente por isso que o PAN garantiu neste Orçamento do Estado o reforço dos meios afetos,
neste caso, ao antigo SEF e à Polícia Judiciária, precisamente para fiscalizarem e garantirem uma maior
fiscalização no combate ao tráfico de seres humanos.
Acresce que os processos de integração não podem continuar a esbarrar numa muralha de burocracia. Este
é também um problema que tem de ser resolvido a montante porque estas pessoas, quando ficam expostas a
uma malha burocrática que prolonga no tempo, demasiadamente, a sua situação de regularização ou até mesmo
a sua integração, ficam sujeitas, como bem sabemos, a situações de precariedade ou de fragilidade social e até
humanitária.
A iniciativa legislativa trazida pelo Bloco de Esquerda pretende reforçar a responsabilização de toda a cadeia
de contratação e de subcontratação utilizada nas explorações agrícolas, muitas vezes com recurso à Empresa
na Hora, com sociedades tituladas por falsos empresários que funcionam como meros testas-de-ferro.
Porém, parece-nos que este problema tem de ser resolvido a montante e, nesse sentido, acompanhamos
também a preocupação trazida pelo PEV relativa ao reforço dos meios da ACT. Pensamos que devem ser
criados mecanismos que incentivem a contratação direta, nomeadamente através de bolsas de emprego que
envolvam o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), pois parece-nos existir um problema de fundo
que vai muito mais além e que não se resolve apenas com a penalização e a responsabilização, mas sim, por
exemplo, através da acreditação destas empresas como forma de controlo prévio e, necessariamente, através
do reforço dos meios da ACT e dos inspetores, designadamente da Polícia Judiciária.
Não posso deixar de referir que o PAN deu entrada de um projeto de lei que estabelece as medidas urgentes
a adotar para a atualização e cumprimento do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano
e Costa Vicentina, prevendo a suspensão imediata e provisória de novas instalações agrícolas intensivas ou
superintensivas no Parque Natural. Por vezes, é preciso assumir que temos de dar um passo atrás e respirar. E
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é isso mesmo que temos de fazer agora: voltar atrás, pensar e regular, antes de se continuar a construir um
gigante com cabeça de ouro e pés de barro.
Se isto é válido para a questão ambiental, também tem de ser válido para as questões laborais. Fará sentido
focarmo-nos unicamente na aplicação de coimas e de responsabilização da cadeia de contratação ou, antes,
limitar à partida o acesso a essa mesma cadeia neste setor, que já se mostrou propício à exploração laboral?
Temos de ir à raiz do problema e não de o remediar.
Se temos empresas que recorrem inteira e reiteradamente a uma subcontratação ilimitada de trabalhadores
ou se a totalidade dos seus trabalhadores são subcontratados, a realidade é que estas empresas têm
necessidades de contratação de recursos humanos de forma mais estendida no tempo, mesmo que esta seja
uma necessidade temporária e sazonal.
A verdade é que o Código do Trabalho prevê a contratação a termo exatamente para estes casos cuja
atividade seja sazonal ou com um ciclo anual irregular, pelo que, antes de se avançar com mecanismos que
viabilizem este acesso à subcontratação constante, a qual dificulta a aplicação da lei e da própria atividade
fiscalizadora, parece-nos que seria importante limitar o acesso a estas zonas cinzentas e a estes subterfúgios
legais que permitem que o setor permaneça na precaridade constante e, no caso específico dos migrantes, que
os coloca à mercê da exploração ou de redes de tráfico humano.
Sr.as e Srs. Deputados, bem sabemos que temos um longo caminho a fazer no combate ao tráfico de seres
humanos nas suas múltiplas dimensões, não apenas na dimensão laboral mas também nas do tráfico para
exploração sexual ou até mesmo de menores. Este é um problema ao qual o legislador não pode continuar a
virar a cara.
Assim, além deste debate, urge colmatar de alguma forma a via legislativa, não bastando penalizar ou
responsabilizar. É necessário limitar o acesso à subcontratação e tornar a cadeia de contratação mais
transparente e mais simplificada, acima de tudo, na própria integração destes migrantes e destes trabalhadores.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, do PS.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria, naturalmente, de agradecer aos grupos parlamentares que fizeram este agendamento potestativo sobre o tema
da exploração laboral, um tema não apenas de regulação de relações laborais mas também de direitos humanos.
A verdade é que, devido ao nosso inverno demográfico, muitos setores de atividade económica, desde a
agricultura ao turismo, passando pelas pescas, pela construção civil, pelo setor dos serviços, só poderão
sobreviver graças à mão de obra imigrante. Infelizmente, a exploração laboral dos trabalhadores imigrantes,
sazonais ou não, é um fenómeno que tem de ser combatido com toda a força e esta não é, apenas, uma questão
de lei ou da sua aplicação porque temos tido autos de contraordenação e condenações.
No que aos trabalhadores imigrantes diz respeito, desde 2007 que existe na nossa lei, a qual até foi muito
pioneira em termos comparados, a responsabilidade solidária de toda a cadeia de contratação, desde o utilizador
à empresa de trabalho temporário, pelo pagamento de créditos salariais, de contraordenações laborais, de
contraordenações perante a segurança social, de contraordenações fiscais.
Também desde 2007, qualquer imigrante que tenha sido vítima de tráfico de seres humanos ou de exploração
laboral tem direito não só a apoio do Estado mas também a uma autorização de residência que lhe permita
escapar à continuidade dos crimes de que é vítima.
Por outro lado, desde 2012, o empregador, se um mero utilizador de mão de obra imigrante em situação
irregular for vítima de condições laborais especialmente abusivas, comete um crime que é punido com pena de
prisão entre um e cinco anos.
Ou seja, temos legislação para enfrentar esta situação, que é ignóbil, mas a verdade é que as situações de
exploração laboral de imigrantes persistem e é necessário ir a montante do problema e criar vias legais de
imigração que permitam satisfazer as necessidades de mão de obra, sazonal ou não, garantindo a eliminação
de intermediários e assegurando condições de acolhimento condignas.
Portanto, ao contrário do que diz o Sr. Deputado André Ventura, todas as alterações na lei da imigração
visaram, precisamente, dar dignidade a estas pessoas e permitir que elas escapassem à exploração a que estão
sujeitas.
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Foi por isso que, também em 2017, pela mão do Partido Socialista, foi introduzido um regime jurídico que
permite a contratação, desde a origem, de trabalhadores imigrantes sazonais, o qual impõe uma série de
obrigações às entidades empregadoras, desde o salário e direitos sociais às próprias condições de alojamento,
para garantir que estas pessoas não são exploradas. Por isso, é tempo de os empregadores, eles próprios,
recorrerem a estes regimes jurídicos e a canais legais de imigração que sejam respeitadores dos direitos
humanos e de a eles aderirem, em vez de recorrerem a estes esquemas manhosos de contratação de mão de
obra que geram vulnerabilidade e que são inaceitáveis. É tempo de todos nós o interiorizarmos e quando digo
«todos nós» não me refiro só ao Estado, somos também nós, consumidores, que, sempre que vamos comprar
mirtilos ou framboesas, temos de exigir que as empresas que os vendem também cumpram a legislação que
têm ao seu dispor.
Portanto, é tempo de todos nós interiorizarmos que o respeito pelos direitos humanos é um valor inalienável.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — A Mesa regista duas inscrições para pedir esclarecimentos. Como pretende responder, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do CDS-PP, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, quando se analisa o fenómeno do trabalho forçado e o de outras formas de exploração laboral,
podemos fazê-lo de duas maneiras, analisando-o de uma forma global ou analisando-o de uma forma particular.
O CDS prefere — e irá sempre fazê-lo — analisá-lo de uma forma completa e não se limitar a olhar apenas para
uma parte.
Não ignoramos que em Portugal — e não é só no Alentejo nem, muito menos, no setor agrícola — poderão
ocorrer alegadas práticas de exploração laboral e de trabalho forçado e que muitas delas versam sobre
trabalhadores imigrantes, mas importa saber, em primeiro lugar, o porquê de ser sobre estes trabalhadores.
Estes trabalhadores, como se constata, encontram-se numa situação mais vulnerável, mais suscetível, mais
desprotegida e, por isso, são, maioritariamente, alvo destes abusos.
Sr.ª Deputada, um país como Portugal, com a sua História, particularmente em termos de emigração — creio
que todos nós, Deputados, temos, direta ou indiretamente, alguém que esteve ligado à emigração —, tem de
saber acolher com dignidade quem recebe e, quer queira, quer não, só se pode receber bem se existir um
controlo de garantias mínimas para conseguirmos dar condições da forma de os receber.
Pela Lei n.º 59/2017, que a Sr.ª Deputada referiu há pouco, a autorização de residência para o exercício de
atividade profissional subordinada passou a estar apenas dependente de uma mera manifestação de interesse
apresentada no SEF, não sendo necessário, sequer, um contrato de trabalho, bastando apenas uma promessa
de contrato de trabalho.
O CDS e o SEF foram muito críticos relativamente a esta alteração legislativa, em 2017. Alertámos para os
perigos que daí advinham, sobretudo para a desproteção e fragilidade dos imigrantes perante esta alteração
legislativa, o que acabou por suceder, infelizmente. Como era expectável, no espaço de liberdade de circulação
da União Europeia, disparou o número de imigrantes a requerer, ao SEF, autorização de residência em Portugal.
Protestos da Deputada do BE Beatriz Gomes Dias.
Pior, Sr.ª Deputada: infelizmente, não foram só os imigrantes a fazê-lo mas, sobretudo, as redes que os
exploram criminosamente.
A título de exemplo, queria deixar-lhe alguns números. Numa só semana, logo após a publicação da lei, em
2017, entraram 4073 novos pedidos, a maioria deles com promessas de contrato de trabalho, um valor que
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superou largamente a média de cerca de 300 pedidos semanais registados na vigência da anterior lei. Um
aumento de 1300%, Sr.ª Deputada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, se queremos combater o trabalho forçado, devemos ir ao seu início e não
devemos ignorar a forma desprotegida e desamparada como a atual lei de entrada em Portugal, aprovada pelo
Partido Socialista, deixa quem quer vir trabalhar para o nosso País.
Pergunto, Sr.ª Deputada, se não entende ser necessário, nomeadamente para a proteção dos imigrantes,
retomar o regime vigente até 2017 e ser obrigatória a existência de um contrato de trabalho. Certamente, nada
disto que ocorreu em Odemira e em outros pontos do País aconteceria, na escala em que aconteceu, se
tivéssemos o regime anterior à lei de 2017.
Uma simples manifestação de interesse, não existindo, sequer, a obrigatoriedade de um contrato de trabalho,
será a principal causa de todos os problemas que estão a acontecer em Odemira e da exploração dos imigrantes,
Sr.ª Deputada.
O Sr. Nelson Peralta (BE): — Tanta coisa para não falar dos empresários!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Velez, do PSD.
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, nunca é de mais reafirmar nesta Câmara que, para o PSD, qualquer forma de exploração laboral, trabalho forçado, trabalho escravo é
condenável. Por isso, a matéria em discussão é particularmente relevante para nós, porquanto está em causa
uma grosseira violação dos direitos humanos, que repudiamos e condenamos.
O trabalho não declarado e ilegal, a exploração do trabalho imigrante, com situações de autêntica escravatura
e o tráfico de mão de obra constituem um problema que não é de agora. Recuando no tempo, já Soeiro Pereira
Gomes, no livro Esteiros, denunciava este tipo de práticas com crianças e homens escravizados no rio Tejo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que se passa em Odemira, na zona Oeste do nosso País, no estuário
do Tejo, mais precisamente no Samouco, Alcochete e Barreiro, onde proliferam imigrantes que trabalham e
vivem em situações muito precárias, num verdadeiro cenário de escravatura, reféns de grupos organizados, é
inaceitável no Portugal democrático.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — É inaceitável no Portugal que, juntamente com 49 Estados-Membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificou o Protocolo sobre o Trabalho Forçado.
A esquerda, que é cúmplice dos abusos que se verificam, já que o problema é antigo e conhecido, tenta,
hoje, legislar para aliviar consciências,…
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — … fazendo propaganda de defesa dos injustiçados, mas se ninguém fizer cumprir essa legislação tudo ficará na mesma.
Acresce que a esquerda aproveita, também, para lançar o anátema sobre as empresas e a agricultura
intensiva, alvos que lhes são particularmente caros.
Porém, importa frisar que a maioria das empresas cumpre as regras e a agricultura, para além da função
básica, mas essencial, a da alimentação, cria emprego e riqueza.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Muito bem!
Protestos doDeputado do BE Jorge Costa.
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A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, neste momento, impõe-se o reforço e o aumento da eficácia de mecanismos de informação e de fiscalização, ou seja, não está em causa a falta de
legislação mas a fiscalização do cumprimento das leis.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — O PSD saudou a Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social pelo anúncio que fez neste Parlamento, na passada semana, de 50 inspetores para a ACT, anúncio que
peca, porém, por tardio, pois era já uma promessa feita em 2015 por Vieira da Silva.
Para o PSD, a dignidade da pessoa humana, em particular no que respeita ao trabalho, é uma causa que a
todos deve unir, exigindo-se do Governo, mais do que planos, palavras, promessas e anúncios, a tomada de
medidas concretas que contribuam para a fiscalização das condições de trabalho, de forma a pôr fim a situações
que atentam à dignidade humana.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Neste sentido, Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, pergunto-lhe: o Partido Socialista vai aprovar as propostas hoje apresentadas, um conjunto de hipotéticas soluções que não
foram discutidas em sede de concertação social? Ou o Partido Socialista vai, finalmente, promover uma
discussão séria e construtiva sobre tão importante matéria?
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, relativamente à matéria em discussão, o caminho a seguir passa,
obrigatoriamente, pelo reforço da fiscalização.
Só assim conseguiremos prevenir e erradicar o trabalho forçado, um flagelo da nossa sociedade, que o PSD
considera uma violação grave dos direitos humanos, intolerável num Estado de direito.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr. Presidente, começo por responder ao Sr. Deputado Pedro Morais Soares dizendo o seguinte: engana-se, Sr. Deputado, não foram as alterações à lei que conduziram a
uma maior precariedade. Aliás, se essas alterações não tivessem sido feitas, muitas destas pessoas estariam
numa situação de muito maior vulnerabilidade do que estão hoje — não tenha a menor das dúvidas!
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — É que a ilegalidade só precariza. Estavam cá? Claro que estavam cá! Ou pensa que os morangos nas estufas iam deixar de ser colhidos?! Claro que não iam deixar de
ser colhidos. Ou acha que não se ia buscar?! Por amor de deus!
Aplausos do PS.
Protestos do BE, do CDS-PP e do CH.
Não seja hipócrita! É claro que precisamos de mão de obra imigrante e temos de lhes dar condições. Mas a
condição primeira é a da sua legalização, porque, sem estarem legalizados em Portugal, como é que pode haver
políticas de integração credíveis?
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Muito bem!
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A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Portanto, enganam-se, esta legislação não foi causa de precarização. Muito pelo contrário, permitiu a um número muito significativo de pessoas, que são necessárias
no nosso País, legalizar a sua situação.
Quanto à questão posta pela Sr.ª Deputada Fernanda Velez, é claro que o Partido Socialista, como partido
que considera indigno o trabalho forçado, não se fica apenas pelas palavras e vai valorizar as propostas que
estão em cima da mesa, vai discuti-las e está aberto a discuti-las com seriedade.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Mais uma vez, fingem que fazem!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, quero começar por fornecer dados que muitas das pessoas que querem criminalizar a imigração procuram esconder. Os imigrantes que não têm a sua situação
regularizada, que vivem há anos — há mais de seis anos, em alguns casos — em Portugal, contribuíram com
88 milhões de euros para a segurança social, tendo recebido apenas 111 milhões de euros. Quer dizer, este é
o saldo líquido do contributo das pessoas migrantes para a riqueza do País. E isto é muito importante para se
saber o que recebem em troca. Em troca, recebem a sua situação no País em suspenso, as suas vidas em
suspenso, porque não há mecanismos que permitam a sua regularização.
Este é o primeiro ponto que queria trazer à colação para poder recentrar o debate. O debate deve estar nas
pessoas que estão a ser vítimas de exploração e também naqueles que exploram estas pessoas, que não lhes
pagam salários dignos e que subcontratam para não serem responsabilizados por esta situação de exploração,
que se mantém há anos. Esta situação não é nova, já foi falada várias vezes, e não se trata exclusivamente de
um atentado aos direitos humanos. É, evidentemente, um atentado aos direitos humanos, porque estas pessoas
vivem em condições insalubres, com os seus salários retidos em muitos casos, sem lhes ser pago alojamento
em casas sobrelotadas e sem lhes serem pagos transportes, mas é também uma questão de dignificação do
trabalho e da garantia dos direitos do trabalho destes trabalhadores e destas trabalhadoras. Estes trabalhadores
e estas trabalhadoras contribuem, todos os dias, com a força do seu trabalho para o desenvolvimento
tecnológico, cultural e económico do nosso País,…
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — … e recebem em troca um conjunto de ideias pré-concebidas, de estigmatização e de divisões preconceituosas, que, no nosso País, os identifica como sendo pessoas criminosas
ou vítimas de crime. São vítimas de crime em muitos casos e precisamos de fiscalizar isso, mas, por outro lado,
estas pessoas vêm a Portugal à procura de melhores condições de vida. É a isso que devemos responder, é a
isso que devemos olhar e é isso que elas esperam de nós, porque a sua vida merece ser tratada com dignidade,
o trabalho que elas exercem merece ser respeitado e o salário que elas recebem merece ser digno. É isso que
estamos aqui a discutir: formas e medidas para acabar com a exploração destas pessoas e com a precariedade
a que elas estão sujeitas.
Todos os anos são publicados dados segundo os quais as pessoas estrangeiras, em Portugal, recebem, em
média, menos 100 € do que as pessoas portuguesas, quando desempenham as mesmas funções. Portanto, é
preciso corrigir isso. Precisamos acabar com este gap salarial que existe entre aqueles que vêm a Portugal, que
trabalham em Portugal e que contribuem para a riqueza do País e aqueles que exercem as mesmas funções e
que têm nacionalidade portuguesa.
Portanto, vamos acabar com os equívocos neste debate, vamos acabar com a desinformação e vamos dar
direitos dignos às pessoas que vivem connosco, na nossa comunidade nacional, e que contribuem para a
riqueza e desenvolvimento deste País.
Aplausos do BE.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A agricultura tem sido o parente pobre da economia portuguesa. E, no entanto, a agricultura cresce, moderniza-se, fixa populações e faz
mais pelo interior do que as palavras ocas de um Governo centralista ou de uma esquerda de foco urbano e
desconhecedora da realidade do mundo rural.
Há aqui partidos que não conseguem, ou não querem, perceber que agricultura, crescimento,
desenvolvimento das pessoas, da sua vida e condições de trabalho dignas e até — pasme-se! — preservação
do ambiente não só não são inconciliáveis como podem caminhar lado a lado.
O dogmatismo e miopia desses partidos impede-os de admitir soluções de compromisso ou de consenso
alargado. Preferem continuar a estigmatizar os agricultores e os empresários agrícolas, preferem insistir em
falsas dicotomias entre agricultura e turismo ou entre desenvolvimento e ambiente.
É fundamental reforçar a fiscalização das condições de trabalho dos trabalhadores agrícolas? Sim.
É urgente tirar da legislação os incentivos à utilização de empresas que exploram e abusam dos
trabalhadores? Sim.
É necessário cuidar da preservação do meio ambiente e da utilização da água e outros recursos naturais?
Sim.
É importante que seja dada à agricultura o relevo que merece para continuar a contribuir para o nosso
crescimento? Sim.
É possível e é desejável conciliar todos estes interesses, mas tal só poderá fazer-se por consenso entre os
trabalhadores, os agricultores e as populações locais.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Não será, Sr. Presidente, por um centralista qualquer sentado em Lisboa, que decidiu criar mais níveis de decisão, bem longe do terreno.
E as propostas que preveem isso terão o nosso voto contra.
Protestos da Deputada do BE Beatriz Gomes Dias.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos dois meses era previsível desde 2011 e também era visível desde 2016, e foi para isso mesmo que
o Bloco de Esquerda alertou, na altura.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a migração massiva de trabalhadores para cidades com oferta de trabalho
ocorreu também em vários períodos da História. O mais documentado tem sido o da Revolução Industrial,
quando milhares de migrantes camponeses acorriam às cidades do Porto, de Lisboa, de Setúbal e da Covilhã,
no nosso País, para trabalhar. E ocorreu, nessa altura, aquilo que, agora, já deveríamos saber evitar: falta de
planeamento e de infraestruturas nas cidades, capazes de acolher os trabalhadores; trabalhadores albergados,
em condições miseráveis, por rendas altíssimas; trabalhadores albergados nos quintais dos patrões, numa
mimetização do regime feudal; exploração, insalubridade, sobrelotação, doenças. Qualquer semelhança com
Odemira, o Alentejo ou o Ribatejo é, de facto, a história a repetir-se. No século XIX, fizeram-se inventários e
promoveu-se a construção das vilas operárias. No século XXI, a resposta tem de estar à altura do que já
aprendemos no passado: nem o mercado, nem os proprietários vão resolver o problema. Mas não podemos
deixar de responsabilizar os patrões por salários de miséria, aos quais, muitas vezes, ainda subtraem rendas
especulativas em troca de tugúrios.
Já sabemos que as condições de habitabilidade desses e de outros trabalhadores são um problema de saúde
pública, para além de serem evidentes situações de exploração, escravatura e sonegação de direitos humanos.
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Sabemos também que os proprietários não alteraram as condições, mesmo com as rendas exorbitantes que
praticam. As rendas que se sacam a estes trabalhadores já permitiriam ter garantido condições de habitabilidade,
pelo que devem ser penalizados por albergarem pessoas de forma desumana nas suas propriedades, contra a
lei, contra a Constituição e contra os direitos humanos.
Existe, por isso, claramente, uma necessidade e até legitimidade para que o Estado proceda à requisição,
reabilitação e disponibilização nos programas de rendas controladas do Estado. Podem ainda ser construídas
habitações temporárias em terrenos da própria cidade, garantindo o acesso a serviços públicos, a transportes,
a infraestruturas de saneamento, inclusão territorial e, ainda, à estabilidade que qualquer pessoa merece.
Estes trabalhadores poderão trabalhar em várias zonas do País ou até da Península, mas, como qualquer
pessoa, precisam de um espaço com estabilidade e um espaço de pertença, de habitabilidade e de salubridade.
Os temporários num local também precisam de estabilização e raízes. Num Alentejo despovoado, não se
pode dizer que não exista espaço para tal. E, sim, deve e pode haver. Há escolas vazias, habitações
desocupadas, serviços de apoio social também desocupados, terreno abundante e, agora, há também espaços
turísticos subutilizados.
Se houver coragem política, podemos, de facto, mudar a forma de entender o trabalho e a habitação,
deixando de vez os modelos feudais e escravocratas onde eles deviam estar, que é no passado. E, digo, Sr.as
e Srs. Deputados, já está mais do que na hora.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por deixar um cumprimento para o ausente Governo, pela importância que dá a este debate.
O PSD, como partido personalista e humanista que é, tem, como sempre teve, o homem e os direitos
humanos na centralidade das suas preocupações e das suas políticas.
O trabalho forçado, as novas formas de escravatura, bem como o trabalho sem direitos, que vão das
situações de exploração sexual até ao trabalho agrícola, estão no centro das nossas preocupações.
Fruto, aliás, dessas preocupações, o Governo PSD/CDS subscreveu o Protocolo de 2014 à Convenção sobre
o Trabalho Forçado, agora ratificado, onde se reconhece que «a proibição do trabalho forçado ou obrigatório é
um dos direitos fundamentais, e que o trabalho forçado ou obrigatório constitui uma violação dos direitos
humanos e um ataque à dignidade de milhões de mulheres e homens, de raparigas e de rapazes, contribui para
a perpetuação da pobreza e dificulta a realização de um trabalho digno para todos».
Esse desiderato deve ser garantido através de medidas concretas de combate à escravidão moderna sob
todas as suas formas, quer ao nível da prevenção, proteção e reabilitação, quer através da fiscalização do
trabalho e de outros serviços que protejam os trabalhadores da exploração, bem como sancionando as práticas
abusivas e fraudulentas dos recrutadores e das agências de emprego.
O Bloco de Esquerda agendou este debate sobre trabalho forçado, o que, à primeira vista, aliás, parece um
debate bem-intencionado, revelador de uma genuína preocupação com os direitos humanos e, portanto,
merecedor do maior apoio do PSD. Infelizmente, essa bondade é apenas aparente, porque, se atentarmos nas
iniciativas hoje em discussão, rapidamente podemos verificar que este debate se refere a tudo menos a uma
genuína preocupação com os direitos humanos, mas tão-só a um ataque à produção agrícola.
Protestos do BE.
Aliás, num timbre a que já nos vem habituando, o Bloco e Esquerda, o PCP e também o PEV, nomeadamente
no caso de Odemira — que, aliás, o PSD há anos acompanha, chama a atenção e apresenta iniciativas —,…
Protestos do BE.
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… em vez de se preocuparem com a falta de atuação do Governo, com a falta de fiscalização, com a falta
de respostas ao nível da habitação, que permita habitação digna para os migrantes, com a falta de respostas
ao nível do ordenamento do território, com a falta de resposta ao nível dos serviços públicos, com a falta
capacidade de resposta do SEF para fiscalizar redes de tráfico de pessoas, com a falta de pessoal da ACT para
fiscalizar as condições de trabalho, com a falta de uma abordagem multissetorial que permita a integração de
migrantes nas comunidades de acolhimento, o que fazem? Ignoram o grande «elefante na sala» e tentam
resolver os problemas de falta de aplicação das leis existentes com novas leis! É assim, sem ouvir as partes,
sem ouvir ninguém, desrespeitando tudo e todos e, acima de tudo, a concertação social.
Este debate, Minhas Senhoras e Meus Senhores, é bem exemplificativo desse paradigma dos partidos
proponentes das iniciativas, que, sob a capa da preocupação com os direitos humanos, aproveitam para exigir
novas leis laborais, que penalizam as empresas e os empresários agrícolas para, assim, atingirem o seu grande
objetivo, que é acabar com a agricultura de produção no Perímetro de Rega do Mira, no Alentejo, na zona do
Oeste e nem a Região Demarcada do Douro escapa, e, em última análise, querem mesmo acabar com a
principal cadeia de abastecimento alimentar dos portugueses.
As exposições de motivos dos diplomas em discussão transmitem a verdadeira motivação dos proponentes,
um preconceito ideológico sobre a produção agrícola e um desrespeito pela produtividade e pelo trabalho.
Com a ânsia de combater as empresas que criam riqueza e são competitivas, que geram emprego também
sustentável e duradouro, ignoram a realidade do trabalho agrícola. Sim, porque o trabalho agrícola, medido em
Unidade de Trabalho Agrícola, registou uma quebra de 85% nos últimos 70 anos, como é fácil de perceber e,
aliás, de explicar.
Atualmente, estima-se que o peso dos não recenseados no setor é superior a dois terços do trabalho na
agricultura, refletindo a do regime de trabalho a tempo parcial, face ao trabalho a tempo completo.
Na verdade, nas últimas décadas, o fortalecimento e a expansão de vários sistemas agrícolas deram maior
dimensão ao recurso a trabalho eventual, em especial nas operações em que se concentram grandes
necessidades de mão de obra, em períodos limitados — fenómeno que retoma, aliás, os chamados «ranchos
migratórios» dentro de Portugal.
O recurso a mão de obra migrante tem uma dimensão incontornável num País cada vez mais envelhecido e
com um território cada vez mais despovoado, pois, apesar da sua grande invisibilidade social e estatística, é
bem visível e deve ser encarada pela política pública com a seriedade e a dignidade que merece, mas que não
se consegue com estas iniciativas. Não é esse o objetivo das iniciativas.
Aplausos do PSD.
Contudo, e perante esta realidade que não é nova, pelo menos para o PSD, que se tem batido por este
combate às desigualdades, o Bloco, ao invés de contribuir para a solução, apresenta-se neste debate com uma
postura retrógrada, carregada de sobranceria e que não traz benefícios para o trabalho, nem para os
trabalhadores, nem para as empresas, nem comunidade — para ninguém!
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Utilizam casos chocantes e condenáveis para generalizar sobre o que se passa no trabalho agrícola, o que não é sério e não é justo nem para empregadores nem para empregados.
Aliás, a falta de honestidade é tal que associam a eventual quebra de qualidade alimentar à precariedade no
trabalho, extravasando para conceitos ambientais.
Sr.as e Srs. Deputados, o PSD não se revê na associação direta de trabalho escravo e sem direitos ao setor
agrícola, que todos os projetos apresentam. Não acreditamos nem aceitamos que sejam todos tratados por
igual, pois somos um partido que valoriza a pessoa no seu trabalho e na sua integração social.
Naturalmente que todos condenamos o trabalho forçado e as terríveis redes de tráfico de seres humanos e
defendemos o combate a todas as formas de exploração. Porém, deve distinguir-se, claramente, as empresas
cumpridoras, que, aliás, pretendem dar condições aos seus trabalhadores de várias nacionalidades, por falta de
mão de obra nacional, a quem atribuem o êxito da produção, oferecendo-lhes um alojamento digno e adequado,
daquelas que são as empresas prevaricadoras e, quanto a estas, deve ser-se implacável na sua condenação.
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O Sr. Jorge Costa (BE): — Nota-se!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — No tão falado caso de Odemira, o Estado foi omisso e falhou! E é nessa falta de atuação do Governo que devemos concentrar as nossas forças para combater todas as formas de
exploração, com seriedade e sem demagogia.
Para esse caminho de combate às falhas do Governo e de garantia de efetivação dos direitos humanos,
contem com o PSD. Para demagogias e agendas político-partidárias, apenas, não!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, escreveram-se dois Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento. Pergunto como pretende responder.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, começo por dar a palavra ao Sr. Deputado João Dias, do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, o PCP traz hoje a debate um projeto de lei que confere o título executivo às decisões condenatórias da ACT.
Permita-me que comece, desde logo, por uma questão que, acho, a Sr.ª Deputada terá todo o gosto em
responder.
Sr.ª Deputada, quem não deve, não teme. Se, de facto, como a senhora defendeu na intervenção inicial, as
empresas são cumpridoras, se as sociedades agrícolas são cumpridoras, qual é o problema em termos uma
legislação que defenda e proteja os trabalhadores? O que pensa o PSD fazer em relação a esta iniciativa do
PCP? Está disponível para acompanhar o PCP no reforço dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente estes
trabalhadores que estão sujeitos a uma situação de exploração, a uma situação que atingiu contornos de
desumanidade, como todos reconhecem?
A verdade é que todos dizem que não aceitam, todos dizem que repudiam, mas há aqueles, como os da
bancada da direita, que dizem que não aceitam e que repudiam, mas depois facilitam os abusos e as
ilegalidades. Pelo contrário, o PCP não aceita, repudia, combate a precariedade, combate a desigualdade, e a
Sr.ª Deputada sabe isso.
Podemos questionar-nos: esta situação é atual, é nova, é recente? Não, não é! Tem mais de 10 anos de
evolução, logo, responsabilidades do PSD e também do Governo PSD/CDS.
É uma situação que diz apenas respeito aos trabalhadores agrícolas? Não! Várias áreas, vários setores da
economia também se confrontam com este problema, como já aqui hoje o dissemos.
É um problema apenas de ordem sanitária, ou seja, resolve-se como se resolveu a cerca sanitária? Não! Ele
continua e permanece.
É um só problema de alojamento? Não! É um problema de exploração laboral, é também um problema de
tráfico de seres humanos, que é preciso combater.
O problema de Odemira ou do Alentejo será, única e exclusivamente, como a sua bancada disse, apenas
pontual? Não! É transversal ao País, porque resulta daquilo que tem sido o comportamento e as opções políticas.
Deixe-me lembrar o que disse a Deputada Rita Rato, em 2016. Recordando o que o PSD fez, nomeadamente,
em 2013, afirmou o seguinte: «Alertámos, inclusivamente, para o facto de ter deixado de ser obrigatório
indemnizar o trabalhador quando este é apanhado numa situação de falcatrua ou de ilegalidade e tem de retornar
ao seu país, tendo o Governo PSD/CDS retirado da lei a obrigação de a empresa pagar a viagem de regresso
ao trabalhador.»
Ainda em 2016, também respondendo a um Deputado da bancada da direita, a Sr.ª Deputada Rita Rato disse
isto: «Tenho vontade de lhe dizer, Sr. Deputado, para ir ao distrito de Beja, designadamente ao concelho de
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Odemira, para perceber qual é a realidade daquelas estufas. Depois, venha dizer-nos que não há quaisquer
problemas no País e que estamos a levantar anátemas sobre a situação das empresas.»
Sr.ª Deputada, o que se passa neste País é inadmissível! Trata-se dos mais fundamentais e elementares
direitos dos milhares de trabalhadores, direitos que lhes estão a ser negados e em que o PSD e o CDS têm
responsabilidades.
Por isso, quero voltar a questioná-la, Sr.ª Deputada: está disponível para acompanhar o PCP nestas soluções
que hoje trazemos, nomeadamente neste projeto de lei, que confere natureza de título…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Faça favor de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Dias (PCP): — Termino já, Sr. Presidente. Como eu estava a perguntar, está a Sr.ª Deputada disponível para acompanhar o PCP neste projeto de lei,
que confere natureza de título executivo às decisões condenatórias da ACT?
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, dou a palavra ao Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, permita-me dar algumas notas e fazer uma ou duas perguntas.
Gostaria de começar por dizer que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista se associa à preocupação
manifestada sobre as questões que dizem respeito à exploração no trabalho. Porém, nesta altura do debate,
talvez valha a pena sublinhar que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera, em primeiro lugar, que
não há empresas sem trabalhadores, depois, não há mercado de trabalho sem empresas e para que isto tudo
não seja uma selva, para que não seja um caos, para que não haja indignidade no trabalho, é preciso que haja
uma mão visível do Estado, que intervenha, que faça legislação e que fiscalize.
Protestos do BE.
Do nosso ponto de vista, isso é absolutamente essencial. Aliás, tem sido esse o caminho que o Grupo
Parlamentar do Partido Socialista e o Governo têm feito, com ações concretas, com legislação, com o reforço
da fiscalização. Isso tem sido feito e é possível demonstrar.
Mas eu reparei na direita, em particular, e nas intervenções do PSD um traço comum: o de que é preciso
medidas. Aliás, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira disse isso mesmo e elencou um conjunto de medidas para
resolver o problema. Antes disso, a Sr.ª Deputada Margarida Balseiro Lopes também já tinha dito que eram
precisas medidas e, mais, que as alterações de 2016 não serviram para nada.
Ora, a primeira pergunta para o PSD é esta: se as alterações não serviram para nada, qual foi a alternativa
que apresentaram? O que fez o PSD para resolver os problemas, para apresentar alternativas, para apresentar
soluções?
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Vá ver a história!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — A segunda pergunta vai nesta linha de raciocínio: a Sr.ª Deputada apresentou uma lista, na qual confesso que me perdi — a lista era grande e eu perdi-me nas soluções que queriam impor
—, mas eu não me lembro de nenhuma proposta do PSD sobre esta matéria. Não me lembro! Não encontro!
Vozes do PS: — Muito bem!
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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Anda distraído!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Chegado a este ponto, Sr.ª Deputada, talvez valha a pena lembrar o passado. Os Srs. Deputados não gostam de falar do passado, mas parece evidente que o PSD tem um papel naquilo
que é, hoje, o mercado de trabalho português e naquilo que é o funcionamento das empresas, porque já teve
oportunidade de governar o País e, nessa altura, de fazer coisas, de demonstrar que tinha um papel
absolutamente diferente daquele que hoje está a ser usado, mais positivo, mais eficaz, com mais valor.
Ora, quero lembrar o que aconteceu no passado, acho que vale a pena fazê-lo. Começo logo por aquilo que
aconteceu no passado muito recente, que foi uma intervenção do Sr. Deputado Rui Rio, Presidente do Partido
Social Democrata, aqui, nesta Assembleia, a questionar o aumento do salário mínimo.
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Muito bem!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — A terceira pergunta que faço é esta: os Srs. Deputados do PSD acham que há algo mais importante para a dignidade do trabalho do que o aumento do salário mínimo? Acham que há algo
mais importante do que esse esforço, que é preciso ser feito? É bom que possam responder.
Gostava, ainda, de dizer que o PSD abandonou, no passado, a ideia de que era possível introduzir medidas
anticíclicas para combater a perda de rendimento, a perda de mercado das empresas — voltando às empresas
—, abandonou completamente essa abordagem. Ora, isso foi uma desgraça para o País, porque perdemos
rendimento, perdemos emprego, tivemos a maior taxa de desemprego de que há memória e as empresas
ficaram sem mercado, porque os senhores tiraram rendimento às pessoas e acabaram com o mercado interno.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Portanto, o que aconteceu foi que os senhores seguiram políticas completamente erradas e, ao que parece,
querem voltar a essas mesmas políticas.
Protestos do PSD.
Se os senhores têm dúvidas sobre o que se passou, vou dar-vos três indicadores muito importantes. Os
indicadores avaliam aquilo que se passou entre 2011 e 2021, ou seja, os picos nas crises, os picos nas piores
situações do ponto de vista do desemprego, do desemprego jovem e do desemprego de longa duração.
Reparem nisto: o pico de desemprego, na altura em que o PSD governava, foi em 2013, 1.º trimestre, de
17,5%. Sabe qual foi o pico de desemprego nesta crise pandémica, que é absolutamente extraordinária e em
que o PS governa? Foi 2,5 vezes menor do que na vossa altura.
Vozes do PS: — Muito bem!
Protestos da Deputada do PSD Lina Lopes.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Mas há mais: no 3.º trimestre de 2012, os senhores tiveram o pico de desemprego jovem de 42,5%. Sabe qual foi o pico de desemprego jovem nesta altura, numa crise pandémica,
muito difícil, global, em que governa o PS? Foi 1,8 vezes mais baixa.
Terceira nota: desemprego de longa duração. No 1.º trimestre de 2013, os senhores conseguiram 10,3% de
desemprego de longa duração. No 1.º trimestre de 2021, o pior momento da crise pandémica, com o Governo
do Partido Socialista, foi possível ser 4,3 vezes mais baixo do que aquele que os senhores conseguiram.
Este é o resultado das políticas do PSD e o resultado das políticas que o Partido Socialista tem implementado,
à procura da dignidade do trabalho, da criação de emprego e do emprego com qualidade.
São estas as questões que queria deixar.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, antes de mais, agradeço as perguntas que me foram feitas e começaria a responder pelo fim, ao Sr. Deputado Carlos Pereira, do PS.
Sr. Deputado, depois de seis anos de governação, gostava de lhe lembrar o que dizia um dos ideólogos do
PSD, que se chamava Sá Carneiro: um primeiro-ministro, depois de seis meses de ter sido eleito, não devia
estar a olhar para o anterior.
Seis anos depois, os senhores ainda não olham para as vossas responsabilidades!
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PS Carlos Pereira.
Dito isto, Sr. Deputado, ouvi-o fazer aqui um grande chorrilho de afirmações, muitas delas irreais, como sabe.
Isto porque não teve em conta a troica, os apoios da União Europeia, a política do Banco Central Europeu, os
apoios excecionais, nunca existentes, para a pandemia.
Protestos do Deputado do PS Carlos Pereira.
Mas passando por todo esse branqueamento e pelo branqueamento dos números, Sr. Deputado, percebo
que queira falar de tudo menos do que o que está em discussão, porque, se falar, vai pôr a nu a inércia do seu
Governo, a inércia da câmara municipal, a inércia das medidas tomadas, enfim, o facto de terem ignorado
ostensivamente durante todos estes anos o que se passava.
Aplausos do PSD.
E isto, sim, numa câmara socialista, como é a de Odemira. Os senhores sempre fizeram vista grossa, porque
não vos interessava olhar para o problema.
Protestos de Deputados do PS.
E, sim, Sr. Deputado, sei que andou distraído e que não lhe interessava o assunto, mas o PSD apresentou
propostas, que foram aprovadas nesta Câmara, para resolver os problemas em Odemira. Que os ignorem,
percebemos! Não fora a pandemia e continuavam a fingir que não tinham um «elefante no meio da sala», porque
isso os senhores são especialistas a fazer!
Aplausos do PSD.
Dito isto, Sr. Deputado João Dias, agradeço as suas perguntas e aproveito para lhe dizer que, como sabe, já
fui a Beja e a Odemira, muitas vezes. Aliás, até já reuni com a autarquia.
Sou uma assídua visitante da sua região, que muito prezo e da qual gosto. Conheço bem toda a realidade
de Beja e de Odemira. Conheço a situação da agricultura, do parque natural… Conheço toda essa situação e
vejo com muita preocupação a falta de respostas que há no território, bem como…
O Sr. João Dias (PCP): — Conhece quando vai para o Algarve!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não, não, Sr. Deputado! Conheço mesmo as estufas, e o senhor sabe disso. Aliás, já várias vezes me disse: «Vem à minha terra e não diz nada?!»
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
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Como sabe, estamos ambos na Comissão de Agricultura e, nas nossas conversas, já várias vezes me
chamou a atenção para isso. Mas, repito, conheço muito bem o território do Alentejo, do Alentejo profundo,
daquele Alentejo que, hoje, está mais desenvolvido,…
O Sr. João Dias (PCP): — Está quase a falar alentejano!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … que tem produção, que tem população, que tem uma atividade agrícola pujante — de que os senhores não gostam, mas de que nós gostamos! — e que, em última análise, é
fundamental para a nossa balança agroalimentar. Conheço e preocupo-me, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Dias (PCP): — Quem não deve não teme!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Deixe-me continuar dizendo que a proposta do PCP é uma razia ao Estado de direito.
Nós não podemos substituir-nos aos tribunais. A ACT aplica os seus processos, obtém as suas condenações.
Não nos compete retirar a possibilidade a qualquer cidadão, português ou estrangeiro, que resida em Portugal
e que tenha os seus direitos em Portugal, de ver exercidos esses direitos.
Protestos do BE e do PCP.
O argumento que usou, Sr. Deputado, não é válido, uma vez que ainda hoje de manhã a Sr.ª Ministra do
Trabalho quis anunciar-nos que, inclusive, já tinha havido 443 condenações.
Portanto, pelos vistos, a lei não impede que haja condenações.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Houvesse fiscalização, houvesse trabalho no terreno, houvesse os meios para que as entidades públicas pudessem atuar e o problema não estava nas condenações da ACT ou na
ausência delas.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — O problema está na falta de respostas de um Governo que se demite de governar.
Os senhores não se mostrem indignados, porque, depois de negociarem e aprovarem seis Orçamentos e de
servirem de muleta ao Governo, são tão responsáveis, por ação ou omissão, como o próprio Governo.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Não vale a pena hoje «limparem a água do capote» e fingirem que as empresas do setor não andam há 10
anos a tentar uma solução.
Continuação de protestos do Deputado do PCP João Dias.
Assumam as vossas responsabilidades!
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do CDS-PP.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Num debate sobre o combate ao trabalho forçado e a outras formas de exploração laboral, um partido humanista e democrata-cristão,
como o CDS, não pode ficar indiferente.
Contudo, antes de ir diretamente à questão do combate ao trabalho forçado e a outras formas de exploração
laboral, tenho de fazer uma nota introdutória.
No CDS, não aceitamos as visões sectárias, discriminatórias e redutoras que aqui foram apresentadas contra
o mundo rural e contra a agricultura. Se é provável que existam trabalhos forçados em Portugal e se é verdade
que poderá existir alguma exploração laboral, recusamo-nos, contudo, a fazer um ataque, à moda de inquisição,
ao mundo rural e à atividade agrícola. Não toleramos a forma como alguma esquerda desrespeita quem trabalha
no campo e quem produz, Srs. Deputados.
Queremos combater o trabalho forçado? Queremos. Mas não aceitamos que, à boleia desse combate, se
ataque, despropositada e desproporcionalmente, um setor muito nobre e que se queira impor uma visão urbano-
depressiva. A agricultura merece tanto respeito como qualquer outro setor.
Sr.as e Srs. Deputados, jamais se esqueçam que «se o campo não planta, a cidade não janta».
Feita esta nota, não podemos deixar de analisar a questão do combate ao trabalho forçado e a outras formas
de exploração laboral sem começar pelo início.
O início é perceber quem são estes trabalhadores que são alvo de exploração laboral ou que estão mais
suscetíveis de o ser. A resposta é, aparente e infelizmente, objetiva: são os imigrantes.
Por isso, importa perceber o porquê deste fenómeno. Em 2017, procedeu-se à alteração da lei dos
estrangeiros. Na sequência destas alterações, a regularização da permanência por meio do exercício de uma
atividade profissional subordinada deixou de ter carácter excecional e a permanência legal em território nacional
deixou de ser requisito para a concessão do direito de residência, passando a ser requisito suficiente a entrada
legal em território nacional, ainda que o motivo dessa mesma entrada se tenha esgotado ou deixado de se
verificar.
Protestos do BE e do PCP.
Conforme referi há pouco, após a entrada em vigor das alterações da Lei n.º 59/2017, numa só semana,
entraram 4073 novos pedidos de permanência, o que constitui um acréscimo de mais de 1300% face à média
semanal que ocorria ao abrigo da anterior lei.
Esta irresponsabilidade, para a qual o CDS bem alertou, resultou em práticas com agendamentos de pessoas
que não estavam cá, com IP (Internet Protocol) nacionais adquiridos por outros para o efeito, com meras
promessas de contratos de trabalho, com empresas constituídas na hora só para fazerem promessas de
contratos de trabalho. Quando os imigrantes se apresentavam ao SEF, verificava-se que essas empresas não
existiam nem nunca tinham tido atividade e, consequentemente, não faziam descontos na segurança social,
embora fosse descontado esse valor dos ordenados dos imigrantes. Isto tudo além de que as promessas não
executadas nos contratos de trabalho criaram um vazio legal na responsabilização de quem as faz.
As preocupações que o SEF manifestou sobre o efeito da chamada de imigrantes ilegais ao nosso País,
sobre as alterações à lei confirmaram-se integralmente, Srs. Deputados.
Seria de esperar que o responsável pela administração interna tivesse em consideração os avisos de um
serviço de segurança com competência específica nessa área, cuja experiência o autorizava a opinar com
conhecimento de causa, mas tal não sucedeu, infelizmente.
Protestos do BE e do PCP.
Não obstante isso, a este acréscimo de solicitações não correspondeu o necessário incremento de meios
humanos e materiais dos serviços públicos que exercem competências nesta matéria. A intervenção de
autoridades, como a ACT, o SEF, tem-se traduzido em operações mediatizadas de prevenção e repressão. No
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entanto, estas operações revelam-se insuficientes para debelar os fenómenos de exploração laboral, pela falta
de meios e efetivos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um dos principais problemas é a falta de fiscalização. Porém, mais
importante do que mudar a lei, muitas vezes, para pior, como aconteceu em 2017, o que importa é dotar quer a
ACT quer ainda o SEF de meios e de efetivos.
Para combater a exploração laboral, nomeadamente dos imigrantes, é necessário recebê-los com a garantia
da sua segurança laboral e é indispensável fiscalizar, no terreno, as suas condições.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Para combater a exploração laboral e o trabalho forçado contarão sempre com o CDS; para a demagogia e
o ataque ao mundo rural terão sempre pela frente o CDS.
Aplausos do CDS-PP.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, dou a palavra à Sr.ª Deputada Rita Borges Madeira, do PS.
Sr.ª Deputada, faça favor.
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No próximo dia 23 de dezembro, entra em vigor o Protocolo Adicional de 2014 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, adotado pela Conferência
Internacional do Trabalho. Será, seguramente, mais um dia simbólico para todos aqueles que lutam por
verdadeiras condições dignas no trabalho.
Infelizmente, e apesar de estarmos no século XXI, este flagelo é, ainda hoje, um problema global. Segundo
a OIT, estima-se que atualmente o número de vítimas ronde os 21 milhões em todo o mundo, sendo que 30%
não são nacionais do país onde prestam trabalho.
Não podemos nós permitir que, enquanto aqui estamos hoje, agora, a discutir este tema possa existir uma
só pessoa que seja que esteja a viver em condições degradantes, a ser explorada, a ser coagida, a ser
esquartejada da sua liberdade, enquanto trabalhador, enquanto pessoa, enquanto cidadão do mundo, livre e
com o direito de ganhar o seu sustento em condições dignas.
Perante o amplo consenso na sociedade moderna do reconhecimento da liberdade, do trabalho e das suas
garantias, protegidas legal e constitucionalmente, ainda hoje, e depois de tudo o que foi feito, seria de esperar
que o trabalho forçado já tivesse sido erradicado. Isto só pode significar que o nosso trabalho ainda não está
concluído.
No entanto, não estivemos parados. O Partido Socialista apresentou na anterior legislatura o projeto de lei
de combate às formas modernas de trabalho forçado. Com os votos favoráveis do PS e da restante esquerda,
esta lei introduziu importantes alterações ao Código do Trabalho, designadamente em matéria de
responsabilidade financeira de todos os agentes e utilizadores de trabalho temporário, mas também introduziu
alterações ao regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho e ao regime jurídico do exercício
e licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas de trabalho temporário.
Estivemos antes e estaremos hoje disponíveis para trabalhar, na especialidade, com o Bloco de Esquerda,
e com os outros partidos, no aperfeiçoamento do seu projeto de lei.
Já na presente legislatura, tive a honra de apresentar o projeto de resolução do Partido Socialista, que
recomendava ao Governo que desencadeasse o procedimento para a conclusão da vinculação da República
Portuguesa ao Protocolo Adicional de 2014, que foi aprovado por unanimidade, protocolo esse que, como disse
anteriormente, entrará em vigor no final deste ano.
Mas o Partido Socialista também aumentou o salário mínimo nacional para 665 €, estando previsto subir até
ao final da presente legislatura para 750 €; regulamentou os abusos que existiam na transmissão de
estabelecimento; reformulou as políticas ativas de emprego.
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Mais: combatemos o défice de qualificação dos portugueses com a nova estratégia de educação e formação
de adultos, com o Programa Qualifica, com uma rede de 300 centros, 315 000 inscrições desde 2017,
contribuindo para uma maior empregabilidade; cumprimos a Constituição portuguesa ao estabelecer uma quota
de acesso ao emprego para pessoas deficientes, tanto no público, como no privado, permitindo assim que todos
os portugueses tenham direito ao trabalho, independentemente da sua condição;…
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Rita Borges Madeira (PS): — … atualizámos as pensões mais baixas, abrangendo cerca de 2 milhões de pensionistas; aumentámos o valor mínimo do subsídio de desemprego, alcançando 144 000 trabalhadores;
majorámos o subsídio de desemprego para casais desempregados.
O Partido Socialista esteve ao lado dos trabalhadores ao elevar a proteção ao trabalho, o rendimento, a criar
instrumentos de combate à pobreza, tal como o subsídio social de desemprego ou o rendimento mínimo
garantido.
Isto, Sr.as e Srs. Deputados, são políticas que pensam o futuro do mercado de trabalho, o futuro dos
trabalhadores, o futuro dos portugueses. São políticas que, também elas, contribuem para a eliminação da
precariedade no trabalho, que promovem a formação e a qualificação profissional e que permitem uma maior
dignidade nas condições laborais.
Porém, Srs. Deputados, o Partido Socialista não fica por aqui, ambiciona mais.
Vamos continuar a trabalhar, no âmbito da agenda do trabalho digno, porque, com empregos dignos, com
salários dignos, existe crescimento económico e o crescimento económico gera mais recursos que, por sua vez,
criam mais empregos dignos.
O Partido Socialista tem feito a diferença na vida das pessoas, o Partido Socialista quer continuar a fazer a
diferença na vida das pessoas. Quer continuar a proteger aqueles que não conseguem encontrar um emprego
ou que, infelizmente, não podem trabalhar.
O trabalho digno reduz a desigualdade e a redução da desigualdade aumenta a dignidade, aumenta a justiça,
a equidade, aumenta a paz social.
Sr.as e Srs. Deputados, pela frente temos grandes desafios sobre o futuro do trabalho, sobre aquilo que
queremos para o futuro do trabalho. Saibamos todos ultrapassar as nossas divergências e, todos juntos,
contribuir, como diz a OIT, para que o trabalho digno não seja apenas um objetivo mas também um impulso ao
desenvolvimento sustentável do nosso País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Barbosa Ribeiro.
O Sr. Tiago Barbosa Ribeiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Apenas uma nota final, por parte do Partido Socialista, relativamente àquilo que foi aqui discutido, ao agendamento que o Bloco de Esquerda
fez e aos projetos que os vários partidos — o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o PEV —
aqui trouxeram para apreciarmos.
Gostaria de começar esta nota final por valorizar essas iniciativas, que são relevantes no âmbito do trabalho
forçado, no âmbito do combate à precariedade, no âmbito do combate à exploração laboral, sobretudo em
contexto agrícola, mas não só, e que merecem a atenção e o acompanhamento do Partido Socialista, que quer
continuar a trabalhar, em sede de especialidade, procurando os consensos possíveis e necessários
relativamente a estas matérias.
Em segundo lugar, queria registar que, pelas intervenções proferidas até agora — no essencial, creio que as
intervenções dos diferentes partidos já foram aqui expressas —, nós, de facto, não contamos com os partidos à
direita para este trabalho, para este combate. Hoje, neste debate, demitiram-se de qualquer trabalho na
especialidade em torno das iniciativas que aqui foram apresentadas, preferiram um discurso algo sectário do
mundo rural contra o mundo urbano, de defesa do mundo agrícola contra a defesa dos urbano-depressivos,
como foi aqui dito pelo Sr. Deputado do CDS Pedro Morais Soares — confesso que não percebi bem. Estamos
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a falar de matérias laborais, estamos a falar de exploração laboral e creio que é nesse quadro que as iniciativas
devem ser discutidas e não, Sr. Deputado, com todo o respeito, como se estivéssemos a discutir a proibição das
touradas.
Em terceiro lugar, gostaria de deixar aqui a ideia de que os direitos humanos e os direitos dos trabalhadores
migrantes são condição essencial deste debate. Nós não podemos discutir aquilo que tem sido a exploração de
muitos trabalhadores em contexto agrícola, mas não só, sem discutir a exposição das debilidades, que a
pandemia trouxe, e a necessidade de combater o discurso do medo e da exclusão relativamente aos
trabalhadores migrantes, discurso que, ainda hoje, foi reiterado e reforçado pelo Sr. Deputado André Ventura,
que dialoga com os partidos à direita para encontrar, nesta Assembleia, maiorias que o povo português não dá
e que, creio, não dará.
Portanto, nós não podemos proteger relações laborais sem protegermos os trabalhadores migrantes e
imigrantes como seres humanos, como trabalhadores que têm direitos sociais antes de serem trabalhadores e
como trabalhadores e pessoas a quem o Estado português reconhece esses direitos, desde logo o direito à
legalização, o direito ao Estado social, o direito a serem pessoas.
Em quarto lugar, precisamos de continuar — e continuaremos — a intervir sobre o mercado laboral. Os
Deputados do Partido Socialista que usaram da palavra antes de mim referiram aqui várias das medidas que
foram sendo apresentadas, ao longo dos últimos anos, em torno de direitos, em torno do reforço das condições
de contratação, em torno da limitação do recurso ao trabalho temporário. E outras medidas podiam ter sido
apresentadas, como a taxa de rotatividade excessiva por parte das empresas que a isso recorram, a limitação
do recurso aos contratos a termo, entre outras medidas, a responsabilidade subsidiária das empresas de
trabalho temporário, a legislação que foi promulgada há sensivelmente três semanas no âmbito da transmissão
do estabelecimento, onde muitas destas empresas também operam. O Partido Socialista e os partidos à sua
esquerda têm vindo a construir consensos sobre estas e outras matérias nesta Assembleia, e é nesse contexto
que queremos continuar a trabalhar, até porque necessidades temporárias de trabalho, que existem,
obviamente, sobretudo no mundo agrícola, não podem significar condições precárias para quem trabalha nesse
âmbito, respondendo àquelas que são as necessidades das empresas.
Por último, queria dizer que me parece muito relevante salientar que as alterações que aqui fizemos em 2016,
na anterior Legislatura, estabelecendo a responsabilidade subsidiária das cadeias de contratação, já levou a
443 condenações. Hoje, ouvimos o PSD dizer aqui que essa lei era uma lei ineficiente. Pois bem, com o apoio
do PSD não havia 443, havia zero condenações, porque não acompanharam essa intervenção e essa alteração
legislativa.
Aplausos do PS.
Protestos da Deputada do PSD Clara Marques Mendes.
Portanto, é neste contexto que queremos continuar a trabalhar.
São estas as linhas de força da visão do Partido Socialista que gostaria de deixar nesta referência final, tal
como gostaria de dizer que iremos, no âmbito da especialidade, continuar a trabalhar nestas matérias com os
partidos que as apresentaram.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, também para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Lina Lopes.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Terminado o debate sobre estes projetos de lei e projetos de resolução do Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português e de Os Verdes, e tendo
ouvido com atenção todos os intervenientes, nas suas intervenções sobre o trabalho forçado, a exploração
laboral e o trabalho digno, gostava de recordar a todos que Portugal, no Governo do Partido Social Democrata
e do CDS, ratificou o Protocolo da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho forçado ou
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obrigatório, em junho de 2014, em conjunto com 50 Estados-Membros da OIT, e este protocolo entrará em vigor
em 31 de dezembro de 2021, ou seja, no final deste ano.
Este Protocolo vem reforçar o quadro jurídico internacional, criando novas obrigações para prevenir o
trabalho forçado, proteger as vítimas e permitir o acesso a compensações por prejuízos materiais e físicos.
Como todos sabemos, e hoje foi aqui assinalado por todos, isto vai ao encontro das palavras de Guy Ryder,
Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho, que afirmou que «a proibição do trabalho forçado ou
obrigatório é um dos direitos fundamentais e o trabalho forçado ou obrigatório constitui uma violação dos direitos
humanos e um ataque à dignidade de milhões de mulheres e de homens, de raparigas e de rapazes, contribui
para a perpetuação da pobreza e é um obstáculo à concretização do princípio do trabalho digno para todos».
Todos deram nota e salientaram que o contexto do trabalho forçado ou obrigatório mudou e que é crucial
mantermo-nos alerta face ao tráfico de pessoas para estes fins indignos e infames, incluindo a exploração
sexual. E tem de ser uma preocupação não só nacional, mas também internacional, o que requer medidas
urgentes para a sua eliminação efetiva. Logo, ninguém tem dúvidas de que temos de tomar medidas concretas
e imediatas a nível da prevenção, proteção e reabilitação.
Sr.as e Srs. Deputados: Este assunto já foi trazido por diversas vezes a esta Câmara, tendo mesmo resultado
numa alteração ao Código do Trabalho, em 2016.
O que aqui está em causa não é a legislação laboral. O que está em causa, e hoje ficou aqui bem expresso,
é um problema de fiscalização, de atuação focada no problema, por parte das autoridades responsáveis. Alterar
o Código do Trabalho não vai resolver as falhas do Ministério do Trabalho; não vai resolver as falhas de
fiscalização da Autoridade para as Condições do Trabalho, provavelmente sem meios adequados para fazer
esta fiscalização; não vai resolver as falhas do Ministério da Administração Interna, que passa o tempo a desviar
a atenção dos seus erros com aparições bombásticas ou anúncios de desmantelamento de serviços essenciais,
em vez de os melhorar e otimizar; não vai colmatar as falhas do próprio Ministério da Justiça. Se existir tráfico
de seres humanos, como aqui hoje foi afirmado pelo Bloco de Esquerda, uma denúncia grave, pergunta-se: o
que tem sido feito pelas autoridades, em particular pelo Ministério da Justiça?
Obviamente, para o Bloco de Esquerda, na sua aversão coletivista à iniciativa da sociedade, o mais fácil é
culpar as confederações patronais. O Bloco até utiliza uma expressão que consideramos muito infeliz, que cito:
a «raiva» das confederações patronais. Esquece-se o Bloco de Esquerda de que, em 2017, na sua raiva à
regulação da imigração, foi o Bloco de Esquerda que aligeirou a obrigatoriedade de um contrato de trabalho,
transformando este garante legal numa mera manifestação de interesses, o que conduziu à entrada de muitos
imigrantes sem terem um local de trabalho fixo.
Sr.as e Srs. Deputados: Para o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, o que está em causa não é
a alteração do Código do Trabalho, mas, sim, a existência de coordenação e de políticas públicas integradas
entre o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o Ministério da Administração Interna e o
Ministério da Justiça. É isto que falta para se fazer cumprir a lei existente.
Termino, dizendo que o Partido Social Democrata é um partido humanista e personalista, para quem o alfa
e o ómega da política residem na pessoa humana, no respeito pleno pela pessoa humana. É esta a nossa matriz.
Sr.as e Srs. Deputados, as leis existem! Cabe ao Governo criar as condições para que sejam cumpridas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para proferir a intervenção de encerramento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, que poderá utilizar o tempo de que ainda dispõe, bem como os
2 minutos que cabem ao seu partido por ter sido o autor do agendamento.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Sr. Presidente. Sr.as e Srs. Deputados, o trabalho que, hoje, estamos a fazer é o trabalho normal de um Parlamento: observar o cumprimento da lei, verificar se as iniciativas tomadas no passado
tiveram o resultado pretendido, se os objetivos para que legislámos estão a ser atingidos e, no caso de não
estarem, adaptarmos a legislação. Nada de mais normal no funcionamento de um Parlamento.
Não esperávamos, neste debate, um contributo da direita. A direita já era contra, em 2016, que fossem
responsabilizados os empresários e os donos das explorações e tinha um discurso do tipo daquele que, hoje,
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aqui teve: o problema não é o fazendeiro, o problema é o capataz. Ora, a direita não mudou e continua a não
fazer parte da solução, mas, sim, do problema.
Quando olhamos para a maneira como a lei está a ser aplicada, verificamos que há, de facto, um problema.
Não está a ter consequência, como se desejava, não está a cumprir o objetivo: acabar com o trabalho forçado
nos campos de Portugal! Portanto, não podemos manter uma hipocrisia, que é a de fazer de conta que temos
uma lei contra o trabalho forçado, quando, na verdade, não resolve o problema do trabalho forçado.
A direita ensaiou, aqui, no debate, dois argumentos. Um argumento é o de que este é um problema de
imigração. Foi o argumento que começou por ser usado pelo CDS; o Chega, naturalmente, não faltou à
chamada, é o seu terreno; e o PSD, na última intervenção que aqui nos trouxe, fez o mesmo. Isto é de uma
hipocrisia a toda a prova, porque o modelo de negócio da agricultura intensiva, no nosso País, baseia-se, em
grande medida, na sobre-exploração de mão de obra imigrante. Portanto, a necessidade desta mão de obra, a
presença desta mão de obra e a sobre-exploração desta mão de obra já existiam no momento de qualquer das
alterações legislativas que aqui foram mencionadas, no que respeita à política de imigração. Tudo o que foi feito
em matéria de lei de imigração contribuiu para melhorar as condições dos trabalhadores, não para as piorar, e
contribuiu para diminuir o número de trabalhadores clandestinos nestas explorações. Eles podem ter deixado
de ser clandestinos, mas isso não resolveu o problema da sobre-exploração deste trabalho, não resolveu o
problema de estarem a ser coagidos e mantidos em habitações que pagam a preço de ouro, não bastou para
que deixassem de receber 3 €/hora. Este género de ilegalidades cometidas não pode ser atribuído ao problema
da imigração. E é um sinal político muito pesado que toda a direita se junte para trazer o tema da imigração a
um debate que é sobre direitos humanos, sobre direitos do trabalho e que nada tem a ver com o estatuto
migratório destas pessoas.
Aplausos do BE.
O outro argumento que aqui foi trazido pelo PSD é o de que este é um problema de fiscalização — «já temos
lei, faltam os inspetores no terreno, é um problema de fiscalização».
Sr.as Deputadas do PSD que aqui intervieram hoje, não é nenhum problema de fiscalização! Fiscalização
existe! Tem havido imensa fiscalização! Só nos últimos 15 dias, em Odemira, foram levantados 300 autos.
Vozes do PSD e do CDS-PP: — Ah! Agora?!
O Sr. Jorge Costa (BE): — E já não é de agora! O problema é a consequência dessa fiscalização, o problema é que essa fiscalização é inconsequente, porque não se passa do intermediário. Apanham-se os capatazes,
mas não se apanham os fazendeiros, e é isso que é preciso fazer. É essa adaptação que importa fazer à lei e é
essa adaptação que a direita quer impedir, porque está ligada aos interesses dos fazendeiros.
Quem tiver dúvidas sobre isso veja o que aconteceu ontem, na Comissão de Agricultura: o PSD apresentou
um requerimento para trazer à Assembleia da República — vejam bem! — os jornalistas da RTP (Rádio e
Televisão de Portugal) que fizeram uma reportagem sobre as condições em que é praticada a agricultura
intensiva em Portugal.
Vou ler o requerimento: «O PSD considera que o documentário televisivo emitido pela RTP, no programa
Linha da Frente, sobre agricultura intensiva, no dia 15 de abril, não retrata com isenção a realidade agrícola das
diferentes regiões do nosso País», porque espelha uma visão depreciativa.
O PSD não gostou do programa. Se calhar, os donos das propriedades rurais também não gostaram.
Vai daí, o PSD faz um requerimento, solicitando a audição dos responsáveis pelo programa da RTP, que
produziu e emitiu o documentário em causa.
Sr.as e Srs. Deputados, julgo que todos percebemos a gravidade do que está em causa e a noção de liberdade
de imprensa que aqui reside.
Os empresários da agricultura intensiva nem tiveram o trabalho de pedir uma audição ou de apresentar a
sua reclamação, porque o PSD se encarregou de vir fazer bullying aos jornalistas da RTP, e lá se vai o discurso
sobre a governamentalização e a independência da RTP.
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Para terminar, o Governo primou pela sua ausência no debate. É uma pena que não tenha vindo, porque
esta constatação das insuficiências da atual lei envolve a atuação do Governo e era um compromisso importante
que poderia ter sido hoje assumido.
O Partido Socialista prometeu analisar com cuidado, mas evitou prudentemente pronunciar-se, neste debate,
sobre os conteúdos concretos da proposta do Bloco de Esquerda, sobre cada medida que está a ser avançada,
e é pena que não tivesse aproveitado, entre tantas intervenções, para dizer aquilo com que concorda e de que
discorda no projeto do Bloco de Esquerda.
Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, os responsáveis têm de ser chamados à responsabilidade. Não podemos
aceitar um modelo de negócio como aquele que está hoje exposto aos olhos de todo o País e que envolve a
sobre-exploração e o trabalho forçado em condições em que a lei não tem um enquadramento suficientemente
forte para a atuação diligente da fiscalização e da Autoridade para as Condições do Trabalho.
É essa a alteração que é preciso fazer e é com muita expectativa que vamos ao trabalho de especialidade.
Contamos com um esclarecimento maior da posição do Partido Socialista nessa altura, porque hoje ainda
ficámos com muito por esclarecer.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Terminado o debate, passamos agora ao segundo ponto da nossa ordem do dia, do qual consta um guião suplementar de votações.
Trata-se de votar, na especialidade e em votação final global, a Proposta de Lei n.º 96/XIV/2.ª (GOV) —
Estabelece o regime fiscal das entidades organizadoras da final da competição UEFA Champions League
2020/2021.
Em primeiro lugar, vamos proceder às votações na especialidade.
Pergunto se podemos votar todos os artigos em conjunto.
Pausa.
Não havendo oposição, vamos votar, na especialidade, o artigo 1.º, os n.os 1 e 2 do artigo 2.º e o artigo 3.º
da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, votos contra do BE e do PAN e abstenções
do PSD, do PCP, do CDS-PP, do PEV, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar
Moreira.
Vamos agora proceder à votação final global.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, votos contra do BE e do PAN e abstenções do
PSD, do PCP, do CDS-PP, do PEV, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar
Moreira.
Vamos, agora, votar um requerimento, apresentado pelo PS, solicitando a dispensa de redação final e do
prazo para apresentação de reclamações contra inexatidões relativamente a esta proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do BE, do PCP, do CDS-PP, do PEV,
do IL e das Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e votos contra do PAN.
Srs. Deputados, da nossa agenda para a sessão de amanhã consta, em primeiro lugar, a apreciação do
Projeto de Resolução n.º 1205/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda ao Governo que submeta à Assembleia da
República a anunciada reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Em segundo lugar, haverá uma eventual votação no final do debate.
A Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha dará agora a informação dos Srs. Deputados que estiveram presentes
por videoconferência.
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A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, informo a Câmara de que o Sr. Deputado José Cesário, do PSD, eleito pelo círculo eleitoral Fora da Europa, esteve presente através
de videoconferência.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Obrigado, Sr.ª Secretária. Sr.as e Srs. Deputados, muito obrigado. Amanhã, aqui nos voltaremos a encontrar.
Uma boa tarde a todos.
Eram 17 horas e 24 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.