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Quarta-feira, 2 de junho de 2021 I Série — Número 73
XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)
REUNIÃOPLENÁRIADE1DEJUNHODE 2021
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Ana Sofia Ferreira Araújo Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 14 horas e 33
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os
856 a 859/XIV/2.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1302 a 1304 e 1306 a 1309/XIV/2.ª.
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um
debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre o tema «Correção de uma injustiça no acesso aos fundos europeus». Depois de o Deputado Fernando Negrão (PSD) ter aberto o debate, usaram da palavra, além daquele orador, a Ministra da Coesão Territorial (Ana Abrunhosa) e os Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Filipe Pacheco (PS), Bruno Dias
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(PCP), José Luís Ferreira (PEV), Joana Mortágua (BE), Nuno Miguel Carvalho (PSD), Bebiana Cunha (PAN), Eurídice Pereira (PS), João Pinho de Almeida (CDS-PP), Fernanda Velez (PSD) e André Ventura (CH).
Foi apreciada a Petição n.º 47/XIV/1.ª (Juntos pelo Sudoeste) — O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura intensiva!, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 756/XIV/2.ª (PCP) — Atualização da caracterização e diagnóstico do estado das áreas protegidas e regime de aprovação de projetos, com os Projetos de Resolução n.os 243/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que adeque as condições dos trabalhadores agrícolas no Perímetro de Rega do Mira aos princípios fundamentais patentes na Constituição da República Portuguesa, 695/XIV/2.ª (PEV) — Travar a expansão de estufas e de culturas agrícolas intensivas em geral no Perímetro de Rega do Mira — Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, 820/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo a recuperação da biodiversidade do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e a transição ecológica da agricultura do Perímetro de Rega do Mira, e com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 835/XIV/2.ª (PAN) — Estabelece as medidas a adotar com caráter de urgência para a atualização e o cumprimento do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), prevendo a suspensão imediata e provisória de novas instalações agrícolas intensivas ou superintensivas no Parque Natural. Usaram da palavra os Deputados João Dias (PCP), Bebiana Cunha (PAN), José Luís Ferreira (PEV), Ricardo Vicente (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), Pedro do Carmo (PS), Emília Cerqueira (PSD), André Ventura (CH) e André Pinotes Batista (PS).
Foi apreciada a Petição n.º 95/XIV/1.ª (Plataforma de Escolas de Dança de Portugal) — Abertura das escolas de dança — apoios e medidas, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 865/XIV/2.ª (BE) — Adaptação das regras de confinamento às especificidades das escolas de dança, 871/XIV/2.ª (PCP) — Medidas de apoio à dança, 910/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que assegure a adoção de medidas de apoio às escolas de dança, 925/XIV/2.ª (PEV) — Requalificação do Conservatório Nacional e valorização e defesa do ensino artístico na Escola de Música e na Escola de Dança, 926/XIV/2.ª (PEV) — Apoio às escolas de dança devido ao encerramento obrigatório decretado a propósito da pandemia COVID-19 e 933/XIV/2.ª (CDS-PP) — Recomenda a conclusão urgente das obras de requalificação do edifício do Conservatório Nacional. Proferiram intervenções os Deputados Alexandra Vieira (BE), Ana Mesquita (PCP), Bebiana Cunha (PAN), Mariana Silva (PEV), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Paulo Rios de Oliveira (PSD) e Carla Sousa (PS).
Foi apreciada a Petição n.º 127/XIV/2.ª (Andreia Sofia da Costa Raposo Marques e outros) — Poder de opção de escolha aos pais/encarregados de educação entre o ensino em casa on-line e o ensino presencial. Intervieram os
Deputados Mariana Silva (PEV), Ana Rita Bessa (CDS-PP), Maria Gabriela Fonseca (PSD), Ana Mesquita (PCP), Bebiana Cunha (PAN), Alexandra Vieira (BE), Maria Joaquina Matos (PS) e André Ventura (CH).
Foi apreciada a Petição n.º 87/XIV/1.ª (Hugo Alexandre Trindade e outros) — Reposição da freguesia da Senhora da Hora e reposição da freguesia de São Mamede de Infesta. Proferiram intervenções os Deputados Maria Manuel Rola (BE), Bebiana Cunha (PAN), Palmira Maciel (PS), José Luís Ferreira (PEV), Diana Ferreira (PCP), José Cancela Moura (PSD) e Cecília Meireles (CDS-PP).
Foi apreciada a Petição n.º 110/XIV/1.ª (APDASC — Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural) — Estatuto profissional da carreira de animador sociocultural, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 649/XIV/2.ª (BE) — Reconhece e regulamenta o estatuto profissional da animação sociocultural e com o Projeto de Resolução n.º 1308/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo o reconhecimento e a regulamentação da profissão de animador cultural. Intervieram os Deputados José Moura Soeiro (BE), Diana Ferreira (PCP), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Bebiana Cunha (PAN), Mara Coelho (PS) e Ofélia Ramos (PSD).
Foi apreciada a Petição n.º 111/XIV/1.ª (Francisca Meleças de Magalhães Barros e outros) — Aprovação do estatuto de vítima para crianças inseridas em contexto de violência doméstica, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 630/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Reforça a proteção das crianças e jovens que vivam em contexto de violência doméstica ou que o testemunhem, 713/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, reforçando o direito das crianças à participação efetiva nas decisões que lhes digam respeito, 779/XIV/2.ª (PAN) — Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, 849/XIV/2.ª (CDS-PP) — Consagração do estatuto de vítima para as crianças que testemunhem a prática de violência doméstica ou que vivam em contexto de violência doméstica e 853/XIV/2.ª (IL) — Reconhece o estatuto de vítima aos menores que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem. Proferiram intervenções os Deputados Cristina Rodrigues (N insc.), Bebiana Cunha (PAN), Telmo Correia (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), Elza Pais (PS), Beatriz Gomes Dias (BE), Alma Rivera (PCP), e Emília Cerqueira (PSD).
Deu-se conta de um Deputado que esteve presente por videoconferência na reunião plenária.
O Presidente (José Manuel Pureza) encerrou a sessão eram 18 horas e 59 minutos.
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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade.
Está aberta a sessão.
Eram 14 horas e 33 minutos.
O primeiro ponto da ordem do dia de hoje consiste num debate de urgência, requerido pelo PSD, ao abrigo
do artigo 72.º do Regimento, sobre o tema «Correção de uma injustiça no acesso aos fundos europeus».
Antes, porém, de darmos início a este debate de urgência, solicito à Sr.ª Deputada Sofia Araújo o favor de
anunciar o expediente.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente, cumprimento a Câmara. Deram entrada na Mesa, e foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas legislativas. Refiro, em
primeiro lugar, os Projetos de Lei n.os 856/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 857/XIV/2.ª (Deputada não
inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 1.ª Comissão, 858/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues),
que baixa à 1.ª Comissão, e 859/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão.
Deram igualmente entrada, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 1302/XIV/2.ª (CDS-PP), que
baixa à 12.ª Comissão, 1303/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão, 1304/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª
Comissão, 1306/XIV/2.ª (BE), que baixa à 7.ª Comissão, 1307/XIV/2.ª (BE), que baixa à 9.ª Comissão,
1308/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª Comissão, e 1309/XIV/2.ª (PSD), que baixa à 8.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao debate de urgência já anunciado. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão, do PSD.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Coesão Territorial, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Até 2013, os nove concelhos a sul do Tejo que constituem a Península de
Setúbal mantiveram-se unidos numa unidade territorial estatística, com acesso aos fundos comunitários de
acordo com o seu nível de rendimento, que foi e é baixo.
A partir de 2013, os mesmos nove concelhos e a mesma península deixaram de estar autonomizados, tendo
sido integrados na unidade territorial da Área Metropolitana de Lisboa (AML), constituída também por nove
concelhos, mas estes a norte do rio Tejo, cujo nível de rendimento foi e é alto.
Resumindo: de um momento para o outro, os nove concelhos que integram a chamada Península de Setúbal,
e que detinham e detêm um nível de rendimento baixo, passaram a integrar o pelotão dos mais ricos com um
rendimento aproximado de 90% da média europeia.
Este prodígio estatístico teve e tem consequências. E não são boas para a Península de Setúbal.
Vejamos: impossibilitou a Península de Setúbal de aceder ao Quadro Comunitário de Apoio 2013-2020;
empresas, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e autarquias da mesma península foram
excluídas dos mecanismos de cofinanciamento comunitário; as empresas desta região, onde se incluem
algumas das mais dinâmicas e exportadoras, ficaram igualmente impedidas de cofinanciar a sua modernização.
E assim continua a Península de Setúbal, mesmo após o regresso à governação das esquerdas que, com a
não alteração desta injusta situação, manifestaram a sua concordância relativamente à mesma.
O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Embora fazendo o PS avançar uma espécie de guarda avançada para o início do processo de aproximação de última hora à solução, o Governo continua a resistir, achando que como
está é que está bem, contra a vontade de uma população ciente da necessidade de mudar, porque quer mais e
melhor economia, mais e melhor emprego e mais e melhores apoios sociais.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados, é urgente alterar a situação nos termos e pelas razões
que ficaram explicadas. É urgente repor justiça no acesso aos fundos comunitários.
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Enquanto, desde 2013, as empresas da Península de Setúbal perdem capacidade de investir na sua
produção e de modernização, as empresas das regiões como a Área Metropolitanas do Porto, Vouga, Minho,
Oeste ou Alentejo Litoral continuam a beneficiar de fundos com níveis de rendimento inferior a 75% da média
comunitária, porque nunca deixaram os seus níveis II e III.
A Associação da Indústria da Península de Setúbal afirma que a região está a perder cerca de 2000 milhões
de euros por cada quadro comunitário que passa anexada à «rica» grande Lisboa, o mesmo acontecendo com
os apoios sociais conferidos às IPSS. Assim, cria-se uma divergência no crescimento económico e um
agravamento na crise social, com efeitos nefastos nesta península com 800 000 habitantes, onde partidos
políticos, autarquias, igreja, empresas e sindicatos estão unidos no sentido de ser encontrada solução para que
a Península de Setúbal possa voltar a beneficiar de investimento cofinanciado por fundos comunitários à medida
do seu rendimento e não do rendimento dos concelhos considerados mais ricos a norte do rio Tejo.
Mas há mais. Nos últimos dados disponíveis, de 2016, verifica-se que a Península de Setúbal está entre as
sete NUTS (Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos) III com valor acrescentado bruto per
capita das empresas mais baixo. E em todo o território nacional, à exceção dos Açores, todas as demais NUTS
III, incluindo as mais débeis, foram apoiadas em condições mais vantajosas do que a Península de Setúbal, no
QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) e no Portugal 2020.
No ano de 2016, o PIB (produto interno bruto) per capita da Península de Setúbal era de 12 777 €, ou seja,
mais 26% do que no ano 2000. Na região Norte, o crescimento foi de mais 51%, na região Centro mais 47%, no
Alentejo de mais 46% e no Algarve de mais 47%. Invariavelmente, quase o dobro, nos mesmos 16 anos.
O PSD pediu o agendamento deste debate de urgência não por razões de natureza partidária, mas sim por
estar profundamente preocupado com as consequências económicas e sociais que este afastamento dos fundos
comunitários já provocou e, a manter-se, poderá continuar a provocar.
Não podendo ser para ontem, terá de ser para breve a decisão acerca da criação de uma NUTS II e III para
a Península de Setúbal, pois só assim esta região pode voltar a receber fundos comunitários de acordo com o
seu verdadeiro nível de rendimento.
Protestos do Deputado do PS André Pinotes Batista.
Caso isso não aconteça, ficarão em causa, por exemplo, a descarbonização e digitalização da indústria, por
impossibilidade de acesso aos fundos do Pacto Verde para esse efeito.
Termino, recordando o saudoso D. Manuel Martins, bispo de Setúbal que dizia, e cito: «Nada nos deverá
travar na busca de melhores soluções para um caminho mais feliz, mais justo e menos desigual para a península
e para os sadinos.»
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista dois pedidos de esclarecimentos, dos Srs. Deputados João Cotrim de Figueiredo e Filipe Pacheco.
Como pretende responder, Sr. Deputado?
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Responderei em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra para formular o primeiro pedido de esclarecimentos, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Negrão, obrigado pelo tema que hoje nos traz. Também para nós, defensores da descentralização, o tema é fundamental.
Defendemos, de facto, a transferência de poderes do Estado para as pessoas, e não podem ser só poderes
de execução, mas também de decisão, com a correspondente redução dos custos do Estado central, porque
transferir poderes não pode implicar a duplicação de custos nem de burocracias.
Acreditamos que os problemas locais são sempre mais bem respondidos por quem tem conhecimento direto
dos assuntos e que isso permite melhores soluções e maior responsabilização.
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O caso da Península de Setúbal é ainda mais grave, porque é uma região que já em 2016 era a quarta região
mais pobre do País, e é sabido que não tem tido o devido apoio dos fundos europeus por estar integrada na
Área Metropolitana de Lisboa, a região mais rica do País.
A Ministra da Coesão, aqui presente, dizia, em novembro, que era urgente que a Península de Setúbal
passasse a ser uma NUTS III. Agora diz que corresponderia a uma «fragmentação da Área Metropolitana de
Lisboa, com consequências a nível estratégico», mas não diz a que consequências se refere, porque a
consequência só pode ser a de continuar a ajudar Lisboa, região rica, à custa da Península de Setúbal, região
pobre.
A Península de Setúbal reúne boas razões de ordem geográfica, socioeconómica e histórica para ser região
NUTS II e NUTS III. Não fazer nada com o argumento de que esta alteração só teria efeitos depois de 2027 é
garantir que vamos continuar a não fazer nada até lá.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para terminar, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente. Portanto, Sr. Deputado, acompanha-me nesta pergunta: vamos continuar a prejudicar a Península de Setúbal
e condená-la à condição de deserto, como fez Mário Lino em 2007? A nossa resposta é esta: jamais!
Risos de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Pacheco, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Negrão, quero começar por saudar o Partido Social Democrata pela convocação deste debate, lembrando que a Península de
Setúbal e o País sabem bem o que o Governo do Partido Socialista tem feito nos últimos seis anos para reverter
muitas das medidas nefastas da anterior governação PSD/CDS.
O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Lá vem a mesma conversa!
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Mas a novidade de hoje é que ficámos a saber que o próprio PSD conta com o Governo do PS para reverter uma das injustiças criadas na altura em que foram poder.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado, foi ou não foi o PSD que, em 2013, eliminou a NUTS III da Península de Setúbal?
O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — É sempre a mesma conversa! Como é que votaram?!
O Sr. Filipe Pacheco (PS): — Foi ou não foi o PSD que, nesse mesmo ano, decidiu que a Área Metropolitana de Lisboa ia ser simultaneamente NUTS III e NUTS II, fazendo com que a Península de Setúbal fosse
considerada região desenvolvida e ficasse sem acesso aos fundos comunitários a que deveria ter direito?
Foi ou não foi o PSD que eliminou a NUTS III e que veio agora apresentar um projeto de resolução a pedir a
criação dessa mesma NUTS III?
Fernando Negrão, ex-Ministro da Justiça de Passos Coelho, é o mesmo Fernando Negrão que vem agora
trazer as autárquicas ao barulho e pedir a reversão de uma medida que apoiou quando estava nessa bancada.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
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Sr.as e Srs. Deputados, a primeira conclusão que tiramos deste debate é que o PSD falhou o tempo e a forma
de se apresentar a este debate.
Falhou o tempo, porque o tempo era há oito anos, quando ele ainda fazia sentido e antes da decisão ter sido
tomada. E falhou a forma, porque deveriam ter começado por uma confissão dessa bancada: «Sim, o PSD errou
em 2013, sim, prejudicámos toda a Península de Setúbal e, sim, queremos agora que nos ajudem a reverter o
erro que cometemos.»
Era isso que deveriam ter dito.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Negrão, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, quero acrescentar só uma coisa ao que disse: obviamente que isto é para continuar a tratar mal a Península de Setúbal.
O Sr. Deputado relembrou as palavras de Mário Lino e eu acrescentaria às palavras que referiu, o facto de
ele ter dito que «a margem sul é um deserto.» E é assim que o PS quer que a Península de Setúbal continue,
quer que continue a ser um deserto.
Protestos do PS.
Relativamente à questão levantada pelo Sr. Deputado Filipe Pacheco, deixe-me dizer-lhe que referi aqui
muito claramente que foi desde 2013. E nós sabemos bem que quem governava em 2013 era o Governo de
PSD/CDS.
Protestos do PS.
Mas eu fui claro! Sou mais claro do que os senhores!
O que não quer dizer que tenhamos concordância, até por alteração das circunstâncias, relativamente ao
que acontece.
Protestos do PS.
E, neste aspeto em particular, os senhores têm graves responsabilidades, porque tudo estava preparado
para um Governo amigo da economia, para um Governo para desenvolver a economia. Os senhores ganharam
as eleições, amarraram-se ao PCP e ao Bloco de Esquerda e não desenvolveram a economia.
Aplausos do PSD.
Pararam a economia e deixaram os portugueses sem emprego, quando, hoje, poderíamos ter uma economia
próspera e com emprego.
Esse é o vosso pecado e continua a teimosia no sentido de transformar a margem sul num deserto.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª Ministra da Coesão Territorial: A Península de Setúbal, ao longo de dezenas de anos, tem vindo a assumir um papel
fundamental no desenvolvimento económico e social do País.
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O imenso potencial desta região, as condições naturais, o investimento na infraestruturação e qualidade de
vida, especialmente a partir do poder local democrático, a capacidade instalada e a qualificação das suas
populações, estes e outros fatores evidenciam o muito que esta região tem dado e pode dar ao País.
Mas, além de opções desastrosas de sucessivos Governos, da injustiça e da visão estratégica errada, dos
investimentos prometidos e tantas vezes adiados, há um quadro de penalização agravado que continua, ano
após ano, a prejudicar esta região, neste caso, na aplicação dos fundos estruturais europeus.
E esse quadro injusto e penalizador, neste domínio concreto, resulta das decisões tomadas, em 2012, pelo,
então, Governo de PSD/CDS que, ao diligenciar junto do Eurostat a eliminação da NUTS III Península de
Setúbal, prejudicou, objetivamente, a região, desde logo, com o apagão estatístico que veio tornar mais grave a
dificuldade no acesso aos recursos.
O PCP alertou para esse problema, questionou, na comissão parlamentar, o, então, ministro Miguel Poiares
Maduro sobre esse prodígio estatístico que estava a ser decretado. Estávamos em 2013. O ministro respondeu
que o problema estaria ultrapassado. Não estava. O problema mantém-se e passaram oito anos.
A iniciativa do PSD de agendar este debate é particularmente relevante, significativa e reveladora, porque
traduz um indesmentível ato de contrição e autocrítica do PSD, que daqui queremos saudar.
Mas o que se verifica também, e que não é menos significativo, é que, ao cabo de seis anos de Governos
minoritários do Partido Socialista, o problema se mantém, sem qualquer solução tomada pelos responsáveis
governativos. Aliás, de cada vez que o PCP suscitava o assunto, vários membros de sucessivos Governos e
ministérios, quando confrontados, desvalorizaram sempre o assunto, ao longo do tempo.
Nesta discussão, os responsáveis do Governo e do Partido Socialista têm vindo a dizer tudo e o seu contrário:
dizem que a reconstrução da NUTS III Península de Setúbal é um processo muito complexo e prolongado, que
lá para 2027 estará feito, mas depois reconhecem que, de facto, pode haver um processo excecional e muito
mais rápido.
Dizem que não sabem de nenhum pedido para reconstituir a NUTS III Península de Setúbal, mas depois
reconhecem que tem havido contactos, ao longo do tempo, com a associação de municípios e com diversas
outras entidades da região.
Dizem que é preciso que haja duas NUTS II na AML e, depois, diz o Sr. Secretário de Estado que é preciso
que a Península de Setúbal passe para o Alentejo.
Srs. Governantes, Srs. Deputados, é preciso que se entendam na solução que querem propor ao País.
A solução que nós temos vindo a propor é muito concreta, objetiva e construtiva. Está apresentada nesta
Assembleia e, no essencial, responde aos anseios do que tem vindo a ser reclamado pelos agentes locais e
regionais de desenvolvimento na Península de Setúbal, pelas autarquias, pela associação de municípios, pelo
conjunto das várias entidades que se tem dirigido ao Governo e a esta Assembleia em relação a esta matéria.
A proposta do PCP está plasmada no Projeto de Resolução n.º 1165/XIV/2.ª — Reconstituição das NUTS III
Grande Lisboa e Península de Setúbal no âmbito da NUTS II AML, em que propomos que o Governo promova,
com caráter de urgência, a diferenciação estatística da Península de Setúbal, traduzida através do reposição da
NUTS III neste território, bem como da correspondente da Grande Lisboa, repondo-se a coerência
organizacional e territorial existente até 2013.
Mas este projeto também propõe que se dê início a uma revisão mais ampla dos instrumentos estatísticos
para informação regional, tendo em conta o atual referencial vigente no Eurostat, designadamente, que
contemple a criação de um desenho da NUTS II que potencie os fundos estruturais aplicáveis no território
nacional, e que, enquanto não estiver concretizada a modificação registada nesta proposta, o Estado e o
Governo estudem e diligenciem o apoio junto das estruturas da União Europeia, já no quadro financeiro
plurianual, para assegurar a não diminuição do financiamento a toda a AML, propiciando acrescentados fluxos
compensatórios para a Península de Setúbal, designadamente no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e
noutras eventuais operações integradas.
Srs. Deputados, esta é a proposta do PCP. Está pedido o seu agendamento, para que, de uma vez por todas,
se revelem as posições e as opções políticas na defesa e na promoção de uma proposta efetiva e de uma
resposta efetiva para os problemas na Península de Setúbal.
O PCP anuncia, aqui, o agendamento do debate e da votação desta proposta.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Cá estaremos para o debate necessário.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino, Sr. Presidente. Acima de tudo, apelamos a que se tomem medidas, de uma vez por todas, sem esquecer que, além destas
discussões, sobre os fundos estruturais de investimento público, há também um horizonte futuro de que não
podemos abdicar que é a regionalização.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes».
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes entendem este debate, agendado por parte do PSD, como um debate sobre as injustiças no acesso aos
fundos europeus e não apenas sobre a correção de uma injustiça no acesso a esses fundos, independentemente
da pertinência e, até, da oportunidade da injustiça visada pelo PSD.
De resto, só agora, na hora do debate, ficámos a saber a que injustiça o PSD, afinal, se referia. Não é um
filme de suspense, mas, enfim, faz lembrar um. Se o PSD tivesse, pelo menos, dito que se tratava de uma
injustiça criada pelo PSD, seria mais fácil percebermos qual era o assunto, mas nem isso foi dito.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — De qualquer forma, trago, para debate, duas matérias relativamente ao acesso aos fundos europeus que têm preocupado Os Verdes e que consideramos ser importante que o Governo,
sobre elas, hoje se pronuncie.
A primeira, tem que ver com a Península de Setúbal e, portanto, com a matéria que o PSD, pelos vistos,
visava com este debate, a segunda, com as micro, pequenas e médias empresas e com as suas dificuldades
no acesso aos fundos europeus.
Começo pela Península de Setúbal para lembrar que compete ao Governo garantir a definição de políticas
orientadoras de gestão e governação dos fundos europeus destinados aos diversos eixos temáticos, mas,
também, às diversas regiões do País. Ou seja, compete ao Governo encontrar as respostas adequadas às
regiões que, por qualquer motivo, não atingiram, ainda, os objetivos de coesão, mesmo que isso possa exigir a
alteração das regras nacionais.
Nesse contexto, como é público, a Associação de Municípios da Região de Setúbal, bem como os municípios
seus associados e diversas outras entidades representativas dos vários setores económicos da Península de
Setúbal, têm vindo, ao longo do tempo, a denunciar que a Península de Setúbal se depara com níveis de
investimento muito insuficientes, para dar resposta às suas necessidades de desenvolvimento económico e
social, tanto ao nível do investimento nacional, como, também, ao nível dos fundos europeus. É uma situação
que tem acentuado o trajeto de continuada divergência socioeconómica da Península de Setúbal relativamente
ao conjunto metropolitano e a outras regiões do País.
De facto, a Península de Setúbal continua a registar parâmetros socioeconómicos característicos de uma
região de convergência. No entanto, por razões político-administrativas, encontra-se integrada numa NUTS II,
classificada como de «Competitividade regional e emprego», que é a Área Metropolitana de Lisboa, o que
constituiu e continua a constituir um elemento negativo para alcançar a desejada coesão territorial e
socioeconómica.
Sr.ª Ministra, que respostas pondera o Governo assumir no plano legislativo para resolver este grave
problema que continua a prejudicar a Península de Setúbal?
Relativamente ao acesso aos fundos por parte das micro, pequenas e médias empresas, Sr.ª Ministra, como
sabemos, estas empresas deparam-se com enormes dificuldades quando pretendem aceder aos fundos. Essas
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dificuldades prendem-se, sobretudo, mas não só, com a natureza excessivamente burocrática dos processos
de candidatura.
Aliás, na grande maioria dos casos as micro e pequenas empresas veem-se obrigadas a ter de contratar
outras empresas para formalizar as respetivas candidaturas de acesso aos fundos, o que significa que uma
parte desses fundos não chegam ao destino para os quais foram criados, porque as empresas que se
candidatam têm de suportar os custos com os serviços das empresas que preparam o processo de candidatura.
Por isso, interessava perceber se o Governo tomou, ou pondera tomar, medidas para simplificar os processos
de candidatura de forma a dispensar a intervenção de terceiros no que diz respeito ao acesso aos fundos
comunitários.
Assim, Sr.ª Ministra, que medidas foram tomadas no sentido de desburocratizar os processos de candidatura,
de forma a que as micro e pequenas empresas possam, por elas, formalizar as suas candidaturas, sem terem
de recorrer a mecanismos externos, ou a terceiros, para poderem apresentar as suas candidaturas?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD traz-nos um debate sobre o acesso da Península de Setúbal a fundos comunitários, o que é o reverso de um outro problema, que é a
invisibilidade estatística da Península de Setúbal, que decorre de uma artificialidade socioeconómica que
esconde as assimetrias dentro da Área Metropolitana de Lisboa, assimetrias essas que se aprofundaram, desde
que a Península de Setúbal deixou de ser uma NUTS autónoma e foi integrada na NUTS II e III da Área
Metropolitana de Lisboa.
Sobre isto, acho que é importante lembrarmos duas coisas. A primeira é a origem, como já foi aqui referido.
A revisão do mapa territorial, em 2013, foi feita sem ouvir autarcas, sem ouvir a população. Dessa revisão,
decorreu a decisão de que a Península de Setúbal deixasse de ser uma NUTS autónoma. A região de Setúbal
é uma das lesadas de Miguel Relvas, como, aliás, muitas outras regiões o foram.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Bem lembrado!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O facto de o PSD assumir aqui esse erro, hoje, é importante, porque contribui para o resolver.
Porém, esse erro, calcula-se, custou 2000 milhões de euros, por quadro comunitário, à região e isso não
pode ser escamoteado. Esse erro prejudicou, ao longo dos últimos anos, autarquias, universidades e escolas
profissionais, empresas e indústria, no acesso a fundos comunitários. Prejudicou o acesso a fundos comunitários
para investigação, para a ciência tecnologia, para infraestruturas, para projetos sociais, para o desenvolvimento
da região. Essa é a primeira coisa que é importante lembrar.
A segunda coisa que é importante lembrar é que este prejuízo no acesso a fundos comunitários não justifica
tudo. A Península de Setúbal não é, calcula-se, a quarta região mais pobre de Portugal, e, em divergência com
a média europeia, apenas por este prejuízo no acesso a fundos comunitários. A Península de Setúbal teve
dificuldades em recuperar da crise económica, mas isso também se deve às leis laborais.
É preciso olhar para a contratação coletiva, para a precariedade, para os défices estruturais em políticas
públicas de saúde, de educação, de transportes, de habitação, para a privatização e para o desmantelamento
de algumas empresas estratégicas, para a falta de investimentos na ferrovia, por exemplo, para perceber a
razão da falta desenvolvimento da Península de Setúbal.
Muitos destes problemas não se vão resolver, apenas, com fundos comunitários e com a alteração que, hoje,
procuramos. A recuperação e o investimento no Hospital Garcia de Orta ou no Metro Sul do Tejo, por exemplo,
não estão, sequer, previstos na «bazuca» — lembro que estamos a discutir o acesso ao novo quadro comunitário
e aos fundos de recuperação e resiliência.
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Portanto, é importante lembrar que a alteração das NUTS que aqui pedimos pode corresponder ou não
corresponder a uma visão de desenvolvimento para a Península de Setúbal que esteja baseada nos direitos
sociais, nos direitos económicos, no desenvolvimento sustentável e na proteção ambiental.
Mas uma coisa é verdade: é que esta realidade existe. A Península de Setúbal existe enquanto realidade,
existe enquanto identidade, existe enquanto realidade socioeconómica. Portanto, independentemente da visão
de desenvolvimento que se tenha para ela, é justo considerar — e é isso que parece ser unânime aqui — que
ela deve ser uma unidade estatística autónoma, e que, portanto, a pretensão da população de Setúbal, que tem
vindo, também, a chegar este Parlamento, tantas vezes, relativamente a essa autonomização é real.
Cabe ao Governo decidir a organização do território e não há impossibilidades perante essa soberania. Se
essa soberania corresponder a critérios de participação democrática e popular, melhor ainda. Parece-nos que
esses critérios já determinaram a unanimidade na Península de Setúbal, relativamente à sua autonomia
estatística, digamos assim.
No entanto, entre o PS e o Governo isso não tem sido claro. Em 2017, o ex-Ministro Pedro Marques disse
que era impossível. Mais tarde, foi desmentido pela representante da Comissária Europeia Elisa Ferreira. Em
2020, a Ministra Ana Abrunhosa disse que a NUTS III era urgente, mais tarde disse que não teria utilidade. Mais
recentemente, o Sr. Secretário de Estado disse, aqui, que o caminho era deixar a Área Metropolitana de Lisboa
para integrar a NUTS Alentejo. Já na semana passada, a Federação do Partido Socialista de Setúbal aprovou
uma moção, defendida, aliás, pela líder parlamentar Ana Catarina Mendes, na qual se reivindicava justiça no
acesso a fundos comunitários para a Península de Setúbal.
Portanto, parece-nos que há unanimidade, no Parlamento, para aprovar os projetos que já foram entregues
sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino já, Sr. Presidente. Relativamente ao PSD, que vem aqui armar-se um pouco em campeão desta questão, era bom também ter
humildade e reconhecer que há partidos que, até antes deste debate e até antes do PSD, entregaram projetos
na Assembleia da República para reconhecer e recuperar a justiça no acesso a fundos comunitários.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem mesmo de concluir.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E termino, Sr. Presidente. Aqui, a questão é saber se tanta unanimidade vai corresponder a uma ação do Governo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Miguel Carvalho, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, a Sr.ª Ministra é Ministra deste Governo com o apoio do Partido Socialista e com a bênção, na
prática, com o apoio, do PCP.
Houve um Governo que, nestes últimos sete anos, praticamente, teve a oportunidade de corrigir aquela que
é a grande injustiça de que todos aqui falam, com um plano de investimento dedicado à Península de Setúbal,
e nunca o fez. Tem e sempre teve instrumentos para o poder fazer, para o poder resolver. Contextualmente e
estruturalmente, é evidente que precisamos de uma NUTS.
Isto quase parece aquele defeito da democracia, em que dois lobos e uma ovelha decidem o que é o jantar:
o PCP e o PS fazem figura de lobo, a população da Península de Setúbal faz figura de ovelha.
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
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Os senhores que aqui, neste Parlamento, apoiam o Governo, têm câmaras do PS e do PCP, exatamente, na
Península de Setúbal.
A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Ai, ai…
O Sr. Nuno Miguel Carvalho (PSD): — Sr.ª Ministra, porque é que, até agora, não tivemos, efetivamente, um investimento na Península de Setúbal, que pudesse também ser executado?
Sr.ª Ministra, porque é que, até agora, não tivemos uma aplicação justa e uma correção das NUTS? Sr.ª
Ministra, por favor, explique-nos qual é o impedimento jurídico e legal para que isso não possa acontecer,
porque, se não houver nenhum, temos de corrigir esta situação ontem.
Quanto aos Srs. Deputados, neste momento, o que é preciso corrigir são os sete anos da vossa governação.
Os senhores não sabem assumir as vossas responsabilidades e quem sofre é a Península de Setúbal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PAN. Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados, os Srs. Membros do Governo: Saúdo o PSD pelo tema escolhido para este debate. Sabemos bem que esta foi uma injustiça criada
pelo próprio PSD, mas, apesar disso, evidentemente, consideramos que faz bem trazer o tema a debate.
Por força da Lei n.º 75/2013, a Península de Setúbal perdeu a sua identidade regional no âmbito das NUTS
e mereceu o enquadramento na Área Metropolitana de Lisboa. Entendemos, mais uma vez, que esta foi uma
lógica de régua e esquadro, em que se juntaram dois territórios com características económicas e sociais muito
diferentes e absolutamente assimétricas.
Já hoje foram expostos vários dados que consubstanciam isso mesmo. Aliás, se olharmos para o PIB da
Península de Setúbal, verificamos que estamos a falar da quarta região mais pobre do País, a seguir ao Alto
Tâmega, Tâmega e Sousa, Beiras e Serra da Estrela.
Portanto, aquilo que gostaríamos de perguntar, Sr.ª Ministra, é como tenciona resolver este problema criado
em 2013 e como tenciona garantir um acesso equitativo de todas as regiões aos fundos comunitários.
Como estamos, hoje, a falar na correção de injustiças ao nível do acesso aos fundos comunitários, não
podemos perder a oportunidade de perguntar à Sr.ª Ministra — e também seria importante percebermos a
posição do PSD — qual vai ser o caminho e a posição assumida pelo Ministério da Coesão Territorial em relação
a uma injustiça que assola o empresário Luís Dias, que está no nosso País a fazer greve de fome há mais de
20 dias, devido, precisamente, a questões relacionadas com o acesso a fundos europeus, na altura o PRODER
(Programa de Desenvolvimento Rural) e agora PDR (Plano de Desenvolvimento Regional).
Portanto, no meio de várias atuações do que foi a DAPR Centro (Direção Regional de Agricultura e Pescas
do Centro), que têm, evidentemente de ser apuradas, estamos a falar de um cidadão que só reivindica justiça e
que o Governo reconheça os erros que cometeu.
Assim, gostaríamos de saber, da parte do Ministério da Coesão Territorial, se vai exigir que o Governo chegue
a um acordo com este empresário agrícola, se vai o Governo travar esta greve de fome.
O Sr. Presidente: — Lembro ao público que se encontra na galeria que, neste momento, devido à pandemia, a entrada de pessoas nas galerias é muito restrita, portanto, peço que não exerçam nenhuma forma de
manifestação, porque é um privilégio estar aí e não um direito.
Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Eurídice Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na revisão das NUTS, de 2013, a região de Lisboa foi substituída pela Área Metropolitana de Lisboa, tendo sido eliminadas as NUTS III Grande
Lisboa e Península de Setúbal. Esta eliminação foi iniciativa da autoria política do PSD.
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É de notar ainda que nessa ocasião, o PSD decidiu que a Área Metropolitana de Lisboa seria,
simultaneamente, NUTS III e NUTS II, com todos os efeitos resultantes dessa equiparação. A verdade é que,
hoje, o PSD, anos depois, chamou-nos aqui para desfazer o que fez.
É preciso lembrar que há um projeto de resolução do PSD que, a seu tempo, será aqui discutido e, nessa
altura, vai aqui perceber-se que a solução encontrada pelo PSD não resolve, de todo, mas de todo, aquilo que
foi aqui apresentado pelas palavras da intervenção inicial desse grupo parlamentar.
Mas, atos de contrição do PSD à parte, vamos à questão de fundo. Das cinco NUTS II do continente — e,
como sabem, as NUTS II são a base das dotações a alocar a cada Estado-Membro —, três são regiões de
convergência consideradas as menos desenvolvidas, uma vez que apresentam um PIB per capita abaixo dos
75% da média do mesmo indicador para o conjunto da União Europeia a 27. Existe uma região de transição, por
registar um PIB per capita entre os 75% e os 90%.
A Área Metropolitana de Lisboa, de que a Península de Setúbal faz parte, com um PIB per capita superior a
90%, é considerada região muito desenvolvida.
Acontece que, com os números estatísticos conhecidos e que hoje não serão muito diferentes, a Península
de Setúbal registou um PIB per capita equivalente a apenas 58% da média da União Europeia, o que a coloca
no contexto de uma região de convergência. No entanto, tem tratamento de região muito desenvolvida.
Traduzindo esta realidade em números, diga-se que o Portugal 2030 dispõe de 25 mil milhões de euros. A
Área Metropolitana de Lisboa, através do Programa Operacional Regional (POR) respetivo, terá acesso, no
mesmo período, a apoios na ordem dos 380 milhões de euros, o que, além de ser uma parte diminuta dos fundos
nacionais, ainda representa menos de metade do valor do último Quadro Comunitário de Apoio de 2014-2020,
e com taxas de cofinanciamento a fixarem-se em baixa, nos 40%, quando, no País, em regiões semelhantes à
Península de Setúbal, se continuarão a fixar em 85%.
É amplamente reconhecido que o PIB per capita da Área Metropolitana de Lisboa, se visto pela média, faz
omitir importantes desequilíbrios económicos intrarregionais, com prejuízos agravados para a convergência
económica e, consequentemente, social, bem como para a coesão territorial.
Tem havido um sucessivo reforço dos constrangimentos aplicáveis ao financiamento das operações
localizadas na Península de Setúbal, o que aponta, a nosso ver, para a indispensabilidade de concretização de
medidas que permitam trazer justiça ao processo, que sejam concluídas a tempo de entrarem em vigor para a
definição dos apoios a prever no quadro imediatamente seguinte ao Portugal 2030.
É público que dirigentes e autarcas socialistas, como a líder parlamentar, se pronunciaram no sentido de
alcançar a diferenciação estatística da Península de Setúbal e, consequentemente, a necessidade de
reconstituição da respetiva NUTS III.
É igualmente público que se entende que deve ser estudada a criação de duas NUTS II na circunscrição
geográfica da Área Metropolitana de Lisboa, Grande Lisboa e Península de Setúbal, ou solução com efeitos
equivalentes, sem com isso colocar em causa a atual composição e atribuições político-administrativas da Área
Metropolitana de Lisboa, mas permitindo que a Península de Setúbal tenha o acesso apropriado a fundos
europeus estruturais e de investimento, adequados aos seus níveis de desenvolvimento de riqueza e de coesão
reais, até porque este não é um assunto somente regional, é um assunto de planeamento e de coesão territorial
nacionais.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Eurídice Pereira (PS): — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que, sobre este dossiê de extrema importância, sabemos que há uma completa disponibilidade do Governo para iniciar negociações com Bruxelas,
no sentido daquilo que acabámos de referir.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida.
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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, queria cumprimentar o PSD,
através do Sr. Deputado Fernando Negrão, por esta iniciativa e dizer que nos associamos à preocupação que
acabou por ser, aqui, generalizada.
Estamos perante uma situação única, do ponto de vista do acesso a fundos europeus, não só pelo volume,
mas também pelas características dos fundos a que vamos ter acesso. Para isso, é fundamental que façamos
aquilo que outros países fazem e que já fizeram várias vezes, que é adequarem a sua realidade, segundo
critérios estatísticos, à realidade, de facto, do seu território. Isto para que as unidades estatísticas, tal qual
existem, não prejudiquem comunidades, concelhos, regiões que, obviamente, podem perder elegibilidade, por
aplicação desses critérios.
Nesse sentido, obviamente, só o Governo pode fazer uma análise cuidada de qual será o efeito prático e,
neste caso, o prejuízo dessa aplicação. Isso cabe, portanto, ao Governo, mas, obviamente, a Assembleia da
República está o mais empenhada possível para fazer as alterações necessárias, em tempo útil, para que não
só não prejudiquemos nenhuma parte do território nacional — e hoje foi dada aqui uma especial atenção, desde
logo, pelo Sr. Deputado Fernando Negrão, ao que se passa na Península de Setúbal —, como para evitarmos
aquilo que já aconteceu no passado, e pode vir a acontecer, com outras regiões do País.
Da parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP, associamo-nos a esta preocupação e associamo-nos também
ao apelo ao Governo para que, em tempo útil, possa promover as alterações para que esse prejuízo não
aconteça.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Velez, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: A Península de Setúbal, que, ao longo de décadas, desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento económico do
nosso País, vive paredes-meias com ricos concelhos da margem norte do Tejo, mas a proximidade de um rico
não faz o nosso território rico, por osmose ou magia.
No que respeita à saúde, à educação, à cultura, ao setor social, à proteção do emprego e às empresas, muito
há a fazer na Península de Setúbal, e já podia ter sido feito em seis anos de governação socialista.
Mas, para poder cumprir o seu potencial de desenvolvimento económico e social, a Península de Setúbal
precisa de alavancas ao investimento público e privado, em condições idênticas às de outras regiões com os
mesmos indicadores económicos.
Verificada a injustiça, mais do que discuti-la, porque se trata de uma evidência, o PSD pretende saber de
que forma é que o Governo vai salvaguardar os interesses da Península de Setúbal.
É atrás de um compromisso político que vimos hoje, Sr.ª Ministra! Um compromisso do seu Governo para
com a Península de Setúbal! Mais do que promessas e anúncios, o que esta bancada pretende levar daqui é
um compromisso, uma resposta concreta da Sr.ª Ministra para ultrapassar esta questão, ou seja, a dificuldade
de acesso da Península de Setúbal ao financiamento de projetos por fundos comunitários.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, começo por lhe perguntar se tem a noção de que, desde 2018, a Península de Setúbal é a quarta região mais pobre de Portugal, em termos de divergência
da média europeia. É uma das maiores e mais ricas regiões do País e apresenta-se como uma das mais pobres
de Portugal.
Mas pergunto-lhe, também, se sabe que o PIB desta região é de 55% da média europeia, repito, 55%, um
valor que devia envergonhar-nos…
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Oh! Lá vem a vergonha!
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O Sr. André Ventura (CH): — … em qualquer parte do mundo, mas que está mesmo aqui ao lado, em Setúbal.
Mas temos também a promessa que foi feita por António Costa, em 2018, de harmonizar os critérios que
permitiriam a atribuição de fundos europeus. O PS teve uma oportunidade única e histórica, que foi a Presidência
da União Europeia: não só poderia ter harmonizado esses critérios a nível europeu, como sabia bem que muitos
concelhos da Área Metropolitana de Lisboa têm um aumento significativo do PIB nos últimos dois anos e que
isso impede e continua a impedir a Península de Setúbal de receber fundos europeus como deveria receber.
Aliás, não foram só os estudos portugueses que apontaram isso mesmo, os próprios estudos europeus
demonstram que, a par de duas regiões no leste da Europa, a Península de Setúbal é das mais afetadas na
injustiça de distribuição dos fundos europeus. E é curioso…
Risos de Deputados do PS.
Não se esteja a rir, Sr. Deputado, devia envergonhar-se com isto. Não se devia rir, devia envergonhar-se,
mas talvez ache graça que Setúbal seja assim tratado no Parlamento.
Protestos do PS.
Já estamos habituados a isso,…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já excedeu o tempo de que dispunha.
O Sr. André Ventura (CH): — … mas devia envergonhá-lo que a sua terra, como de outros que aqui estão, fosse, hoje, das mais pobres e vista na Europa como das mais pobres. Isso é que devia envergonhá-lo!
Por isso, Sr.ª Ministra, faço-lhe a pergunta…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já ultrapassou o tempo de que dispunha. Peço-lhe para terminar.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, mas fui interrompido, Sr. Presidente,…
Risos do PS.
… e, por isso, peço-lhe que me permita terminar.
O Sr. Presidente: — Faça favor de terminar.
O Sr. André Ventura (CH): — Obrigado, Sr. Presidente. Faço-lhe, Sr.ª Ministra, a pergunta a que os seus Deputados não conseguem responder: vai ou não António
Costa cumprir a promessa, que fez em 2018, de harmonizar os critérios europeus e permitir que Setúbal receba
os fundos a que tem direito, por força da lei europeia?!
Protestos do PS e contraprotestos do Chega.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa.
Continuação de protestos do PS e contraprotestos do Chega.
Srs. Deputados, peço que haja silêncio, o silêncio normal, de modo a ouvirmos as intervenções dos oradores
e, neste caso, da Sr.ª Ministra Ana Abrunhosa.
Faça favor, Sr.ª Ministra.
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A Sr.ª Ministra da Coesão Territorial (Ana Abrunhosa): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O processo de definição das regiões elegíveis, que as classifica em regiões de convergência, de transição ou desenvolvidas,
para a aplicação do quadro comunitário 2021-2027, vulgarmente conhecido como Portugal 2030, foi concluído
a 8 de agosto de 2019, com base na organização territorial de 2013.
Foi na organização administrativa de 2013 que se implementou o «apagão» estatístico à Península de
Setúbal, tendo a Península de Setúbal deixado de ser NUTS III e passado a AML a ser uma única NUTS III e,
simultaneamente, NUTS II para o Programa Operacional Regional de Lisboa (PO Lisboa).
Isto significa que a discussão que hoje se trava é nova e com eventuais efeitos sobre os fundos comunitários,
mas apenas para o período após 2027. Em nada esta discussão afeta a verba dos fundos comunitários, no
âmbito do próximo quadro comunitário Portugal 2030.
As NUTS correspondem à divisão territorial dos Estados-Membros da União Europeia, segundo três níveis
hierárquicos, para a recolha, organização e difusão de estatísticas em diferentes níveis territoriais. Têm, no
entanto, como primeiro critério, a organização política e administrativa das regiões dos territórios dos Estados-
Membros e têm em conta critérios de dimensão demográfica. Isto significa, portanto, que, em primeiro lugar,
existe uma organização política e administrativa do território.
A NUTS III, a divisão territorial desta nomenclatura para fins estatísticos mais detalhada, corresponde à
desagregação da NUTS II e à leitura estatística da organização política e administrativa de nível supramunicipal,
que, no caso português, é enquadrada pela Lei n.º 75/2013, que aprova o estatuto das entidades intermunicipais.
As entidades intermunicipais são as comunidades intermunicipais (CIM) e as áreas metropolitanas. São
unidades administrativas pela força que a lei lhes deu e, por isso, são NUTS III. Existindo, no território, uma
unidade administrativa, como uma CIM ou uma área metropolitana, então, essa corresponde à NUTS III, tal
como exposto no Regulamento (CE) n.º 1059/2003, no seu artigo 3.º
A Península de Setúbal pretende ser uma NUTS III autónoma. Contudo, a NUTS III não resolve, per si, o que
o território reclama, na medida em que a classificação das regiões, enquanto regiões menos desenvolvidas, em
transição ou desenvolvidas, é efetuada a uma escala NUTS II, como fez o regulamento de disposições comuns,
que foi consensualizado ainda na Presidência alemã e sustentado em dados estatísticos do período 2015-2017.
Para que a Península de Setúbal tenha acesso a uma taxa de comparticipação maior, não basta que se
constitua como NUTS III. A taxa de comparticipação das NUTS III é definida, como todos sabemos, pela
respetiva NUTS II a que pertence. No caso concreto, é o território da AML, NUTS II, que é o território do
Programa Operacional Regional de Lisboa.
Considera-se ser possível e desejável a existência de uma estratégia específica para a Península de Setúbal,
integrada na estratégia da Área Metropolitana de Lisboa.
Neste contexto, e dentro da referida estratégia, que já foi aprovada em conselho regional, é possível, à luz
dos modelos definidos pela regulamentação comunitária e nacional, adaptar a melhor forma de financiamento
às especificidades sub-regionais, tendo sempre em conta a dotação do programa operacional e a categoria da
região.
No atual quadro comunitário, foram abertos avisos específicos e avisos com majoração das taxas de
comparticipação para o território da Península de Setúbal, nomeadamente avisos para empresas e avisos para
municípios e IPSS.
Com a eventual constituição da Península de Setúbal enquanto NUTS III, teremos de organizar o restante
território também em NUTS III, pelo que passaremos a ter a área metropolitana, enquanto NUTS II, com duas
NUTS III. Só sendo uma NUTS II é que a Península de Setúbal não estará limitada pela taxa de comparticipação
da NUTS II do PO Lisboa, que é a Área Metropolitana de Lisboa.
Nesse contexto, a taxa de comparticipação terá de resultar da avaliação e da classificação da Comissão
Europeia, em 2027. Mas, para que a Península de Setúbal pertença a uma NUTS II distinta, deixará,
naturalmente, de fazer parte da NUTS II Área Metropolitana de Lisboa, ou seja, passaremos a ter duas NUTS II
no que é, hoje, a área geográfica da Área Metropolitana de Lisboa.
O Governo está ao lado dos que querem melhorar as condições de acesso ao financiamento comunitário. E,
face a esta unanimidade à volta do tema, colocamo-nos do lado da solução. O Governo está, desde já, disponível
para propor a constituição da NUTS III Península de Setúbal à Comissão Europeia. Isto implicará a constituição
de duas NUTS III no território da Área Metropolitana de Lisboa e, por isso, uma estreita articulação com a
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Comissão Europeia e com o Eurostat, que é a autoridade estatística. Os prazos deste processo estão definidos
pelos calendários do Eurostat, são públicos e conhecidos.
No que respeita à criação da NUTS II para a Península de Setúbal, o Governo está, mais uma vez, disponível
para estudar a sua eventual criação. Consideramos, no entanto, que esta reflexão deve ser feita ponderando o
contexto do processo de regionalização que se pretende fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Fernando Negrão.
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria insistir num ponto que aqui foi criado pela «frente de esquerda», que foi apontar o dedo. Faz parte da natureza e da cultura de qualquer
frente apontar o dedo. Mais uma vez isso aconteceu, dizendo que foi um erro aquilo que foi feito em 2013.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — E foi!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Quero acrescentar que, se isso foi um erro, os senhores viveram e vivem muito bem com esse erro, uma vez que estão há quase sete anos a governar o País e não mudaram uma vírgula
àquilo que existia.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Portanto, os senhores gostam de governar com o erro, se é que isso foi um erro.
O que se passa é que o erro está no facto de o PS não ter uma política para a economia, o erro está no facto
de o PS não ter qualquer sensibilidade para o tecido económico e para as empresas, em Portugal, o erro está
no facto de não terem sensibilidade para a criação de políticas de emprego.
O erro, Sr.as e Srs. Deputados, está em continuarem a achar que o sul do País é o deserto. É este, de facto,
o vosso erro e daqui não conseguem sair.
É bom, Sr.ª Ministra, que tire alguma complexidade da solução que acaba de apresentar aqui, porque ela é
complexa e, sendo complexa, é de difícil concretização, principalmente em termos temporais. E Setúbal precisa,
como de pão para a boca, de soluções simples e claras, como é feito na grande Berlim, como foi feito na grande
Varsóvia, como acontece em determinados concelhos da Área Metropolitana do Porto.
Isso é possível, Sr.ª Ministra, e peço-lhe que não tornemos aquilo que é difícil mais complexo, antes, que
torne aquilo que é difícil em simples e claro, de forma a que as populações compreendam. É só isto que
pretendemos, não só eu, não só nós, mas também os outros partidos, designadamente o PCP, e todas as
estruturas da sociedade civil na Península de Setúbal. A igreja, as autarquias, as IPSS é isso que pretendem:
clareza e soluções simples, de modo a voltarem a ter acesso aos fundos comunitários.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que podemos passar ao segundo ponto da nossa ordem do dia, para a apreciação da Petição n.º 47/XIV/1.ª (Juntos pelo Sudoeste) —
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura intensiva!, juntamente
com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 756/XIV/2.ª (PCP) — Atualização da caracterização e diagnóstico do
estado das áreas protegidas e regime de aprovação de projetos, com os Projetos de Resolução n.os 243/XIV/1.ª
(PAN) — Recomenda ao Governo que adeque as condições dos trabalhadores agrícolas no Perímetro de Rega
do Mira aos princípios fundamentais patentes na Constituição da República Portuguesa, 695/XIV/2.ª (PEV) —
Travar a expansão de estufas e de culturas agrícolas intensivas em geral no Perímetro de Rega do Mira – Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, 820/XIV/2.ª (BE) — Recomenda ao Governo a recuperação
da biodiversidade do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e a transição ecológica da
agricultura do Perímetro de Rega do Mira, e com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 835/XIV/2.ª (PAN) —
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Estabelece as medidas a adotar com caráter de urgência para a atualização e o cumprimento do Plano de
Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV), prevendo a
suspensão imediata e provisória de novas instalações agrícolas intensivas ou superintensivas no Parque
Natural.
Tem a palavra, para abrir o debate, o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero cumprimentar e saudar os mais de 6000 peticionários que assinaram a petição e aqueles que a levaram a cabo. É um direito que exercem
e, por isso, saúdo-os e cumprimento-os, até porque ela vem aqui trazer um tema muito importante: «O Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura intensiva!»
O PCP entendeu juntar a esta petição um projeto de lei que determina a atualização da caracterização e
diagnóstico do estado das áreas protegidas e o regime de aprovação de projetos em territórios inseridos na
Rede Nacional de Áreas Protegidas, como é o caso do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina.
Srs. Deputados: O Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina foi
aprovado em 11 de dezembro de 1995, tendo em vista uma gestão adequada, assegurando a salvaguarda dos
recursos naturais, a promoção do desenvolvimento sustentado e da qualidade de vida das populações.
Em 15 de junho de 1999, foi aditada a carta de gestão do Parque Natural, a que se seguiram várias
resoluções do Conselho de Ministros, em 2001, em 2011 e, finalmente, a bem conhecida Resolução do Conselho
de Ministros n.º 179, de outubro de 2019.
É uma resolução cheia de medidas casuísticas, de remedeio, temporárias, de aumento da área de estufas
ou estufins, feitas à medida de alguns, aceitando as violações cometidas à legislação e os atentados ambientais
e sociais que estão à vista de todos.
É uma resolução produzida contra a vontade dos cidadãos, sem os ouvir, sem ter em conta o seu
conhecimento da realidade e deixando de fora os verdadeiros interessados, os produtores agrícolas, os
pescadores, as entidades locais, as autarquias e as populações.
É uma resolução que engana a esperança que os cidadãos depositaram na instituição e nos gestores do
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e da Costa Vicentina, que iriam preservar e desenvolver, valorizar e
respeitar os valores presentes, numa ótica de sustentabilidade e diversidade. Afinal tudo não passou de um
conjunto de promessas.
É uma resolução que esquece e mete na gaveta a tão propalada educação ambiental que iria decorrer nas
escolas, junto dos agricultores e da população em geral.
É uma resolução onde o Governo diz querer produzir uma transformação profunda, mas que na prática é
uma mão cheia de nada, com imensas proibições apenas para alguns, marcada pelo desrespeito pelos que ali
vivem, pelas suas tradições, impondo a lei do mais forte e poderoso, prevalecendo o plástico por tudo o que é
sítio numa mancha quase contínua.
É uma resolução que, com decisões deste calibre, secundariza ou, melhor, ignora completamente a
convergência entre a defesa dos valores naturais e o desenvolvimento sustentável.
Srs. Deputados, o atual Governo, tomou decisões tão importantes para o futuro do Parque Natural. A questão
que queremos saber é: que informação ou estudos lhe serviram de suporte para estas decisões? Onde está a
definição da carga admissível para cada tipologia de projeto ou setor de atividade, considerando a análise das
pressões sobre o ambiente, os valores naturais, a qualidade de vida das populações, incluindo, Srs. Deputados,
as infraestruturas e o acesso a serviços públicos e a influência sobre as atividades tradicionais? Qual é o limite,
Srs. Deputados? Ou, afinal, não há limite e tudo pode ser permitido desde que seja compensado?
E, mais: por que razão este Parque Natural, em tempos designado como uma das joias do nosso País e dos
mais preservados e naturais da Europa, está agora confrontado com graves ameaças à sua sustentabilidade,
salvaguarda dos recursos naturais e dos ecossistemas?
Não podem negar que nestes territórios têm ocorrido alterações profundas, muitas relacionadas com práticas
agrícolas intensivas e superintensivas, em particular estufas, estufins ou túneis, que foram sendo permitidos ao
longo dos últimos 10 anos e em que faltaram ações com vista à defesa e salvaguarda do património natural que
esteve na base da classificação desta área protegida.
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É com estas preocupações específicas relacionadas com este Parque, mas também com os atropelos que
vão sendo cometidos em muitas outras áreas protegidas, que o PCP apresenta este projeto de lei.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começamos por saudar o movimento de cidadãos Juntos pelo Sudoeste, em representação dos mais de 6000 peticionários que hoje
trazem a esta Assembleia uma preocupação e uma luta que travam há demasiado tempo, pessoas estas que
têm sido as verdadeiras zeladoras deste Parque Natural, missão que deveria ser estruturalmente levada a cabo
pelo Governo.
O PAN subscreve por completo as exigências vertidas na petição, porque sabe, tal como o próprio título da
petição indica, que o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura
intensiva. E lamentamos profundamente o constante encolher de ombros do Governo sobre este problema, uma
vez que esta não é uma realidade nova, nem para a qual o Governo não tenha vindo a ser constantemente
alertado.
A crise sanitária fez finalmente o Governo admitir o drama humanitário nestas explorações agrícolas
intensivas, provando mais uma vez que os impactes ambientais e a forma como se explora a natureza também
tem uma correlação com a forma como se exploram os seres humanos.
O avanço desequilibrado e desregrado deste mar de plástico naquele que é um Parque Natural, por ser
classificado como área protegida, deve ser travado e deve passar a sujeitar-se qualquer tipo de instalação ou
exploração agrícola intensiva ou superintensiva a um regime próprio. Sem esse regime manter-se-á tudo como
antes, ao aparente bom gosto dos ministros do Ambiente e da Agricultura: entre o silêncio, o pouco dizer e o
nada fazer para cumprir o ordenamento e a proteção deste Parque Natural.
Numa região caracterizada por uma considerável sazonalidade, a agricultura é, evidentemente, uma
atividade de extrema relevância para a economia local, mas não o pode ser à custa dos direitos humanos, dos
valores naturais e da sobrevivência de outras atividades, como a hotelaria, as praias e o turismo de natureza.
O Governo não divulgou até agora as áreas ocupadas através das atividades agrícolas exercidas neste
Parque Natural, mas, Sr.as e Srs. Deputados, a IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente
e do Ordenamento do Território) fez o seu trabalho e entregou ao Governo um relatório, em 2017, onde deixou
bem claro que, em resultado da ausência de um regime jurídico de licenciamento da atividade agrícola intensiva
e superintensiva, impera aquilo a que podemos chamar o «vale tudo».
Aquilo que o PAN aqui vem propor hoje é, nada mais nada menos, que se cumpra aquilo que a Inspeção-
Geral da Agricultura, do Mar e do Ambiente veio dizer ao Governo que estava por cumprir com vista à
preservação do Parque Natural da Costa Vicentina e do Sudoeste Alentejano.
Para tal é necessário estabelecer medidas a adotar com caráter de urgência para a atualização e
cumprimento do plano de ordenamento deste Parque Natural.
É preciso pôr ordem na casa, é preciso conseguir ordenação no Parque Natural, é preciso suspender no
imediato e provisoriamente novas instalações agrícolas intensivas ou superintensivas. Não podemos esperar
que se esgotem totalmente os meios hídricos que abastecem a região para percebermos aquilo que já sabemos
hoje, isto é, que este é um modelo insustentável que tem de se regular no imediato.
A Liga para a Proteção da Natureza deu ontem conhecimento à Comissão Europeia da destruição total, na
Costa Sudoeste, de habitats prioritários cuja conservação — pasme-se, Sr.as e Srs. Deputados! — foi alvo de
financiamento europeu.
Na votação do projeto de lei que o PAN aqui traz hoje, acompanhando os peticionários, que estão do lado
certo da história, saberemos quem, efetivamente, quer a proteção deste Parque Natural ou quem só faz de
conta, quem efetivamente está do lado do ambiente ou quem apenas quer limitar-se a agitar bandeiras.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes, para apresentar o seu projeto de resolução.
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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito antes de os problemas que se vivem em Odemira terem ganho dimensão mediática, com os casos de exploração e de tráfico de seres
humanos, Os Verdes denunciaram por variadíssimas vezes, inclusivamente aqui, nesta Assembleia, o problema
da proliferação de culturas agrícolas intensivas e de área coberta em estufas que transformou o Parque Natural
do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina numa verdadeira lixeira de plástico a céu aberto.
Como sabemos, estas práticas agrícolas são bastante consumidoras de água, de pesticidas e fertilizantes.
E este quadro é bem demonstrativo dos impactos ambientais que daqui decorrem e que são um contrassenso
em relação a objetivos centrais, como a aposta numa agricultura amiga do ambiente e um processo robusto de
adaptação às alterações climáticas, que precisamos de levar muito a sério e de não acomodar apenas em
discursos.
O facto é que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019 veio permitir um aumento das áreas
cobertas com estufas no Perímetro de Rega do Mira. Ora, na perspetiva de Os Verdes, esta determinação é
arrasadora do ponto de vista ambiental e põe em causa o equilíbrio ecológico deste Parque Natural.
Atualmente, as estufas e os túneis constituem-se como verdadeiras barreiras visuais e físicas, não afetando
apenas as pessoas, mas também fauna, como micromamíferos, répteis, anfíbios, ou seja, um conjunto
significativo de biodiversidade da zona.
Por outro lado, a proliferação de culturas intensivas tem gerado uma alteração da morfologia dos solos,
levando à destruição, terraplanagem e drenagem de charcos temporários e de outras zonas húmidas.
Sucede que essas práticas agrícolas estão a conflituar, aberta e diretamente, com a conservação de valores
naturais que a criação do Parque procurou preservar.
E é por situações como esta que é legítimo dizer-se que, muitas vezes, as áreas protegidas constam apenas
dos decretos que as criam e, na prática, são efetivamente áreas desprotegidas. E isto é absolutamente
inaceitável!
Os Verdes, para além de denunciarem as opções políticas erradas de vários Governos que desvalorizaram
a conservação da natureza e da biodiversidade, cedendo constantemente a pressões economicistas, não
podem, também, deixar de denunciar a incoerência de uma União Europeia que cria projetos de conservação,
como o Programa LIFE, que financia iniciativas de recuperação e proteção de charcos temporários, e
incompreensivelmente financia, ao mesmo tempo, projetos agrícolas que destroem esses mesmos valores
naturais.
Ora, isto é brincar com os dinheiros públicos e demonstra um profundo desrespeito da União Europeia pelos
cidadãos e pelo objetivo genuíno de desenvolvimento sustentável.
Acresce a tudo isto uma insensibilidade social muito preocupante, quando, por exemplo, a referida resolução
determina condições de habitabilidade inaceitáveis para os trabalhadores agrícolas, ou quando não é feito o
investimento necessário para que os serviços públicos deem resposta às necessidades de crescimento
populacional verificado e previsto.
Este facto precisa também de ser realçado, porque é necessário afirmar que não pode valer tudo, remetendo
as matérias ambientais e sociais para planos desconcertantes e que valoriza sobremaneira a estratégia
economicista do lucro a curto prazo.
Afinal, é de insustentabilidade que estamos a tratar!
São fundamentalmente estas as preocupações que nos levaram a apresentar esta iniciativa legislativa,
procurando também ir ao encontro das pretensões e dos objetivos dos milhares de cidadãos que subscreveram
a petição que também está em discussão e cujos subscritores aproveito para, em nome de Os Verdes, saudar,
em especial aqueles que hoje acompanham aqui os trabalhos connosco.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Vicente para apresentar o projeto de resolução do seu partido.
O Sr. Ricardo Vicente (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me começar com um agradecimento aos milhares de peticionários que subscreveram a petição «O Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina não aguenta mais agricultura intensiva!» e afirmar o apoio do Bloco de Esquerda
às propostas apresentadas pelos mesmos peticionários.
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A título de exemplo, no concelho de Odemira, existiam dezenas de charcos temporários — os últimos cinco
foram agora destruídos pela instalação de culturas intensivas e superintensivas, denunciou a LPN (Liga para a
Proteção da Natureza) — referentes a um conjunto de valores naturais que tiveram apoios públicos entre 2013
e 2018 para o seu restauro e preservação.
Esses mesmos projetos que receberam apoios públicos para serem preservados foram agora atropelados
por investimentos concretos em infraestruturas de produção intensiva que deitaram por terra todo o investimento
anterior.
Ora, este é apenas um exemplo de como andamos à deriva neste País, onde a agricultura intensiva se
estende de Norte a Sul e destrói património paisagístico, natural e cultural, sem regras mínimas, nem proteção
dos interesses públicos.
Esta agricultura desregulada tem tido a condescendência do Governo, que nada fez para travar este abuso
e que, além de nada ter feito para travar este abuso, é ainda promotor da sua concretização, incentivando
modelos de produção agrícola que são contrários ao interesse público, em especial em época de alterações
climáticas, quando a destruição tende a agravar-se e quando são necessários mecanismos de resiliência
exatamente contrários.
Esta luta vai longa — hoje, temos aqui peticionários, temos manifestantes à porta da Assembleia da
República — e vai continuar, com uma força crescente, porque há cada vez mais população, cada vez mais
organizações, cada vez mais académicos que se juntam a este protesto e que negam este caminho,
denunciando os seus impactos.
Na passada sexta-feira, o Bloco de Esquerda trouxe propostas concretas a esta Assembleia, que foram
votadas. Tratou-se de dois projetos de lei que propunham: a obrigatoriedade do licenciamento para a instalação
de culturas intensivas; a avaliação de impacte ambiental para todas as áreas com mais de 20 ha de estufas,
sejam elas novas ou acumuladas em continuidade; a criação de planos de paisagem para todos os perímetros
de rega públicos e a proibição da instalação de novas estufas e culturas intensivas até à publicação deste plano;
a obrigatoriedade da prática de rotações e consociações, para contrariar o avanço das monoculturas destrutivas;
medidas mínimas obrigatórias para a prevenção da erosão dos solos; a obrigatoriedade de dedicação de 5% a
15% das áreas das explorações agrícolas a infraestruturas ecológicas necessárias para a redução de pesticidas
e de adubos; o aumento do preço da água nos regadios públicos, de forma a atingir os custos reais, com um
desconto de 25% para os detentores do Estatuto de Agricultura Familiar, deixando de dar borlas em forma de
água a agriculturas que são destrutivas do território; a proibição de colheitas mecanizadas noturnas, que
dizimam milhares de aves, todos os anos, no País.
Todas estas medidas tiveram os votos contra do Partido Socialista e da direita e a abstenção do PCP.
Propusemos, também, a proibição de pulverizações com turbinas a menos de 250 m de habitações, de vias
públicas e de grandes linhas de água, e a proibição de pulverizações aéreas, realizadas com aviões.
Não faltam alternativas de precisão para responder a estas necessidades, mas o PCP, o PS e a direita
votaram contra. Demonstraram, assim, a sua responsabilidade, como cogestores destes modelos de produção
intensiva, no território dos vários municípios que governam a nível autárquico.
Hoje, o Bloco de Esquerda propõe um projeto de resolução que recomenda ao Governo a implementação de
ações de recuperação de espécies, de habitats e de ecossistemas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano
e Costa Vicentina. Os charcos temporários destruídos recentemente são apenas um exemplo da perda de
biodiversidade, o que necessita de resposta.
Propomos um aumento da fiscalização na região e o reforço dos meios humanos, técnicos e financeiros das
entidades fiscalizadoras nas áreas do ambiente, do trabalho, da habitação e das migrações.
Insistimos na necessidade da realização de uma avaliação de impacte ambiental de novas explorações
agrícolas e na garantia do cumprimento do regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural do
Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e das exigências das diretivas aves e habitats, relativas à Rede Natura
2000.
Propomos, também, a criação de um programa de transição ecológica para todo o Perímetro de Rega do
Mira, com o abandono da monocultura, garantindo rotações e consociações baseados em modelos de trabalho
estáveis, sem recurso à intermediação, que é, hoje, um negócio para o tráfico de pessoas e, por isso, necessita
de ser travado, também com a perspetiva de que quem não cumpre não pode receber apoios públicos.
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Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostava de, em primeiro lugar, cumprimentar os peticionários, que nos trazem este tema, que não é, aliás, um tema novo. Ao longo dos últimos
anos, em particular ao longo do último mês, já o discutimos muitas vezes.
Acho importante percebermos que aquilo que discutimos é um conflito latente entre duas realidades que
estão territorial e geograficamente sobrepostas: por um lado, temos o Perímetro de Rega do Mira, uma estrutura
de regadio constituída naquele território nos anos 60, portanto há décadas; do outro lado, temos o Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, constituído em 1988.
Estas duas realidades estão geograficamente sobrepostas. Portanto, a primeira coisa que gostava de deixar
clara é que não me parece que tenha sido a resolução do Conselho de Ministros de 2019 a gerar um problema.
O embate entre estas duas realidades e a utilização do território que delas resulta é que geram um conflito.
Acresce a isto — como tem sido visível não apenas neste debate, mas em muitos outros que já temos feito
— que a agricultura, sobretudo a agricultura enquanto atividade económica e não enquanto atividade de
subsistência, é cada vez mais vista como a inimiga pública número um por algumas forças políticas e, portanto,
é um alvo bastante fácil de ataque.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, acho que é importante, mais do que diabolizar esta ou aquela atividade,
percebermos aquilo que queremos.
Se aquilo que queremos é um Parque Natural sem qualquer atividade agrícola, então o que os partidos
devem propor é a abolição do Perímetro de Rega do Mira, e passamos a ter um parque e uma reserva natural
com utilização turística — aliás, conheço excelentes exemplos de turismo, em particular turismo da natureza,
nesta matéria — e assumimos, para nós, para o Parlamento, que aquele Parque serve para os turistas verem.
Portanto, é possível que lá existam umas hortas biológicas, até exploradas, porventura, por algumas famílias
mais urbanas que lá gostem de passar os fins de semana, mas agricultura como atividade económica os Srs.
Deputados entendem que deve ser proibida.
Consigo discutir estas duas visões, contudo, dizer que queremos que lá continue a haver agricultura
diabolizando a agricultura que efetivamente lá existe é que já não consigo perceber. Se aceitamos o princípio
de que o Perímetro de Rega do Mira se deve manter e de que ele serve para a atividade agrícola, isso significa
que a atividade agrícola lá ficará.
Gostava de salientar ainda um último aspeto, o mais importante, que é o da questão humana, porque
discutimos, muitas vezes, as condições de trabalho que são, com frequência, inaceitáveis neste local.
Sr.as e Srs. Deputados, se queremos trabalho com dignidade — e estou segura de que todos o queremos —
, das duas, uma: ou reconhecemos que tem de ser possível construir para que haja habitação com dignidade
para quem trabalha neste território,…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — … ou, então, teremos de concluir que alguns Srs. Deputados entendem que não deve haver agricultura e que, portanto, as pessoas devem voltar para as suas terras e que é assim que
se vai resolver o problema.
Do meu ponto de vista, é preciso construir habitação com dignidade.
Muito obrigada, Sr. Presidente.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Carmo, do Grupo Parlamentar do PS, para uma intervenção.
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O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar os peticionários, em especial a delegação aqui presente.
Sr.as e Srs. Deputados, discutimos hoje uma petição e diversas iniciativas legislativas sobre o Sudoeste
Alentejano e a Costa Vicentina.
É preciso que tenhamos conhecimento do que é o Parque Natural. A área total do Parque Natural é de 98
000 ha, em que o Perímetro de Rega do Mira ocupa 12 000 ha, dos quais 7500 estão a ser irrigados e cultivados
e cerca de 1500 são de agricultura em regime coberto, ou seja, de estufas.
O Sr. João Dias (PCP): — Grande parte é água!
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — O perímetro regado representa 7,6% da área do Parque e a área coberta representa apenas 1,5% da mesma.
Basicamente, Srs. Deputados, o que está a ser proposto é que se receite um «não» como solução de futuro
para aquelas comunidades, sem apresentar alternativas para quem tem de lá viver nos 365 dias do ano, além
das visitas esporádicas ou das férias de verão, para quem tem de procurar oportunidades de emprego e para
quem tem de gerir quotidianos sujeitos aos condicionalismos e às burocracias de dezenas de entidades que não
estão sujeitas a nenhum escrutínio democrático.
O «não», as proibições que se propõem não são solução para as pessoas, para as economias locais e para
a economia nacional.
O desafio, Srs. Deputados, é o de conciliar a preservação com o desenvolvimento, não é o de proibir sem
apresentar alternativas, como aconteceu durante tantos anos desta década no Sudoeste Alentejano.
Protestos do Deputado do BE Ricardo Vicente.
O desafio, Srs. Deputados, é o de encontrar novos pontos de equilíbrio na sustentabilidade, nas condições
de trabalho, na habitação, na dinamização das economias locais e na valorização do território, não só para quem
lá trabalha na agricultura, mas também para todos os outros.
Srs. Deputados, o «não» nunca foi solução. O «não» só poderia existir, se tivesse como alternativa a
existência de medidas reais, efetivas e concretizáveis para gerar oportunidades de emprego, criar riqueza nas
economias locais e proporcionar condições para a fixação da população.
O Sudoeste Alentejano e a Costa Vicentina estão agora na atenção dos media e de alguns dos que nunca
estão presentes quando se tem de negociar o Orçamento do Estado e disponibilizar recursos para encontrar
soluções concretas para aquelas pessoas e para aqueles territórios.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — O Sudoeste Alentejano e a Costa Vicentina não precisam de proibições, não precisam de mais «nãos», como sempre tiveram, tantas vezes, ao longo de mais de quatro décadas de
democracia.
Do que o Sudoeste Alentejano precisa, Srs. Deputados, é de soluções: soluções que salvaguardem a matriz
do Parque Natural, mas que sejam geradoras de respostas para as pessoas que lá vivem e trabalham; soluções
que procurem novos equilíbrios ambientais na ocupação dos solos e na gestão da água, sem colocar em risco
a capacidade produtiva, que é fundamental, Srs. Deputados, para as economias locais, para o mercado nacional
e para as exportações nacionais.
O Sudoeste Alentejano e a Costa Vicentina precisam é de respostas que digam «sim» às populações, que
apresentem oportunidades, que invistam nas pessoas e no território. Só depois, Srs. Deputados, poderão ser
ponderados os «nãos» que não resolvem nenhum futuro e destroem o presente.
Aplausos do PS.
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Melhorar nunca é proibir sem alternativas sustentáveis e reais, sem pensar nas pessoas que lá vivem e
trabalham. Não aceitamos estigmas ou proibições para o Sudoeste Alentejano e para a Costa Vicentina sem
alternativas para quem nunca está no radar da construção das soluções.
O «não» não é solução.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do Grupo Parlamentar do PSD, para uma intervenção.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por saudar os peticionários e, indo um pouco ao encontro das palavras que já foram ditas, devo dizer que estamos a discutir
em círculo, sempre a mesma matéria, como se houvesse uma impossibilidade da coexistência do Parque Natural
com o Perímetro de Rega do Mira, como se alimentar as populações fosse incompatível com o desfrutar da
natureza, quando, em Portugal, as nossas paisagens são humanizadas e todas elas têm a presença do Homem.
É importante que se faça esta distinção.
Também é importante que se recentre a questão: o Perímetro de Rega do Mira é dos anos 50, construído
nos anos 60 e terminado em 1973. A cronologia, neste caso, é importante. Aquando da constituição do Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, em 1988, apenas cerca de uma década mais tarde é que ele
é realmente operacionalizado e passa a ter existência real.
Porquê referir esta cronologia? Porque, antes do Parque Natural, a agricultura já lá estava, o Homem já lá
estava e o aproveitamento económico da região já existia.
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sempre existiram em conjunto, independentemente da sua classificação. O território não aparece no dia em que se classifica, ele já lá estava, e já lá estava como está e como continua.
Como já foi recordado — é importante que também se recentre esta questão —, a zona das estufas, que é
aquela que tem congregado todo o debate político, todos os ataques e todas as tentativas para terminar com
este tipo de exploração agrícola, representa 1,6% da área — 1,6%! É que, minhas senhoras e meus senhores,
quando ouvimos as discussões e as agendas políticas, parece que é ao contrário, que a área do Parque Natural
é de 1,6% e que a restante é zona de estufas. Não é! É apenas uma pequeníssima parte.
Deixem-me também que diga a todos aqueles que, todos os dias, atacam a produção agrícola do Perímetro
de Rega do Mira o seguinte: imagino muitos, enquanto desfrutam de um suco de frutos vermelhos ou de um
batido de abacate, a dizerem o quanto é pernicioso e negativo cultivar os frutos vermelhos e o abacate, ou a
alface, ou a pera, ou tudo aquilo que ali se produz e que é fundamental para abastecer as nossas casas e a
nossa dieta rica em frutos, em legumes, em vegetais, que todos os dias apregoamos…
O Sr. Adão Silva (PSD): — Do melhor! Do melhor!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … serem do melhor que há. Mais: trocá-los-emos por uns quaisquer produtos cuja pequena pegada ecológica é ir buscá-los ao outro lado
do mundo, que em vez de viajarem 50 km viajam 50 000 km, ou 20 000 km ou 30 000 km?! São essas as boas
práticas ambientais?
Dito isto, feita esta recentração do debate, vamos aos factos.
Há muito tempo que o PSD está preocupado com a questão da habitação, com a questão da mão de obra,
com a questão da fiscalização, com a questão da falta de meios. Apresentámos projetos, que foram aprovados.
Basta recordar-vos, como recordei na semana passada, um projeto de resolução apresentado em 2019, e
aprovado por esta Assembleia, que previa todas estas situações.
Vozes do PSD: — Exatamente!
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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mas, para fazermos um debate sério, não se podem misturar estas questões com a produção agrícola propriamente dita. Nem se podem misturar os produtores e agricultores que
realmente violam as normas e a lei com o que é a produção agroalimentar, porque isso não pode ser misturado.
A violação de lei tem de ser penalizada, a produção tem de ser incentivada.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Claro!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mais: aquilo que é o futuro para alimentar as nossas populações é a chamada agricultura de precisão, a agricultura dos baixos consumos energéticos, da rega gota a gota com
máxima eficiência no uso da água, com a máxima eficiência no uso de todos os recursos, cujo fundamento é
produzir mais com menos e em menos espaço.
Vozes do PSD: — Bem lembrado!
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Está-se aqui, de um lado, a dizer «queremos agricultura de precisão» e, do outro lado, a dizer «vamos acabar com ela, porque não nos agrada». De uma vez por todas, temos de decidir
o que queremos!
Mas se viermos aqui discutir as boas práticas ambientais, a valorização da biodiversidade, da paisagem, o
PSD estará sempre nessa discussão, para discutir melhores práticas, como evoluir para que haja um uso ainda
mais eficiente, para que se combatam as perdas de água, a falta de apresamento de água — porque uma das
coisas que todos nos dizem é que em Portugal não há falta de água, perde-se água —, as formas de fazer com
que essa água não se perca. Para isso tudo o PSD estará cá, porque o PSD está sempre com as populações,
com a economia, com o território e com as melhores práticas ambientais e também agrícolas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por cumprimentar os peticionários e dizer que parece haver dois Partidos Socialista: o Partido Socialista que vota e que governa e o
Partido Socialista do Deputado Pedro do Carmo, que fala, e fala com razão. A única não-razão que tem é que,
depois, ninguém ouve aquilo que o Deputado Pedro do Carmo diz. Portanto, parece que talvez estivesse melhor
aqui deste lado…
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Não vale ofender!
O Sr. André Ventura (CH): — … do que está na bancada do PS, porque, efetivamente, o Sr. Deputado fala, mas o Partido Socialista parece não o ouvir.
Não deixa também de ser curioso que a esquerda diga que o Governo não está a cumprir nesta matéria. E
não está! Não está a cumprir em matéria de sobre-exploração de recursos e de fiscalização devida desta área.
Efetivamente, o Governo está em violação não só da Lei de Bases do Ambiente, como do Regime Jurídico da
Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Isso, que se saiba, é competência do Governo e não da
oposição.
Não deixa também de ser engraçado a esquerda vir aqui queixar-se do financiamento das práticas intensivas
agrícolas e das condições de habitabilidade, porque quando chega ao Orçamento do Estado não impõe isso ao
Partido Socialista!
Onde é que andam quando se está a negociar o Orçamento do Estado? Nessa altura deviam dizer «ou isto
ou não aprovamos o Orçamento»!
Protestos do Deputado do PEV José Luís Ferreira.
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É que é muito fácil vir para aqui durante o ano inteiro dizer que tem de se fazer isto e aquilo, mas quando
aqueles senhores do Partido Socialista vos ameaçam de que se vão embora se não aprovarem o Orçamento do
Estado os senhores calam-se, «metem a viola no saco» e põem-se a andar para fora.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. André Ventura (CH): — Portanto, é muito simples: se não querem este modelo de financiamento da política agrícola em Portugal, daqui a dois meses dizem ao Governo socialista «ou isto ou nada» e vão-se
embora. É assim que devem fazer.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado André Pinotes Batista, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. André Pinotes Batista (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero trazer alguma calma ao final deste debate. É sempre difícil ouvir um Deputado que acusa outros partidos de dúvidas, quando, no fundo,
sabemos que tem três programas e quatro caras.
Mas vamos situar-nos naquilo que realmente interessa. Ser moderado é, de facto, hoje, um exercício cada
vez mais difícil, mas cada vez mais necessário. E não podemos diabolizar um setor como forma de resolver
alguns excessos que reconhecemos que possam ocorrer.
Este é um apelo que queremos deixar e que nos parece, até, reunir mais consenso nesta Sala do que as
fronteiras de cada força partidária. E é também neste sentido que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista
gostaria de deixar um repto ao PAN, no sentido de poder fazer baixar a sua iniciativa, sem votação, à respetiva
comissão, de forma a encontrarmos caminhos comuns.
É que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista quer verberar a sua disponibilidade para evoluir no
articulado jurídico,…
O Sr. André Ventura (CH): — Ai que bonito!
O Sr. André Pinotes Batista (PS): — … em particular também nos planos de gestão dos territórios das áreas que integram a Rede Natura 2020, sobretudo aquelas que estão debaixo de uma pressão antropomórfica mais
intensa.
Portanto, parecendo que, para além do ruído dos demagogos do costume, pode haver aqui caminho para se
fazer, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista fazia este apelo, na certeza de que, em conjunto, com
moderação, as forças democráticas, realmente democráticas, poderão construir caminho e servir as populações.
Quanto ao resto, jamais falaria com a paixão com que falou Pedro do Carmo. Tal é de quem representa o
seu território, não é de quem descobriu ontem o Litoral Alentejano para ir à Comporta beber um copo de sangria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, por poucos segundos, o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Registo que o Partido Socialista, pelos vistos, só tenha disponibilidade para articular com o PAN a iniciativa legislativa,…
O Sr. André Ventura (CH): — É isso mesmo!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … quando há, pelo menos, mais três iniciativas em discussão. Mas cada um saberá de si.
Sr. Deputado Pedro do Carmo, diz que não é solução… Conforme as coisas estão esta é que não é solução!
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A Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019, que, pelos vistos, já ninguém defende a não ser o Sr.
Ministro do Ambiente e da Ação Climática, tendo ficado praticamente isolado, não criou o problema, mas veio
agravá-lo, porque, de facto, veio alargar a área coberta de estufas.
Aliás, se a resolução promovesse uma redução das áreas cobertas, o descalabro que se está a verificar no
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina tenderia a diminuir e não a aumentar, como está a
acontecer a olhos vistos. De resto, a assustadora diminuição da reserva de água da Barragem de Santa Clara
é bem disso o retrato.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Vou terminar, Sr. Presidente. Queria apenas dizer que é preciso ter presente que a Assembleia Municipal de Odemira, que é do Partido
Socialista, aprovou, por unanimidade, uma moção pedindo exatamente a revogação dessa resolução.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Dias, do PCP, que dispõe ainda de menos tempo do que o orador anterior.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos confrontados com uma decisão que o Governo tomou, não tendo feito aquilo que o PCP aqui veio propor, ou seja, deveria ter estudado o estado de
conservação das atuais áreas protegidas, nomeadamente desta, deveria ter avaliado a capacidade de carga a
que pode estar sujeita aquela área e deveria avaliar as incidências ambientais dos futuros projetos. Mas não,
como não queriam fazer nada, criaram um grupo de trabalho.
Permita-me, Sr. Presidente, para terminar, dizer isto: há forças políticas que ainda não perceberam que
alcance têm as suas iniciativas. Não podemos avaliar uma iniciativa apenas pelo seu título! Estas iniciativas têm
alcance, e medidas proibicionistas que afetam toda a agricultura, a pequena e a média agricultura em todo o
País, não podemos acompanhar, porque o agronegócio tem muitas formas de contornar essas medidas
proibicionistas e quem fica a perder é a pequena e a média agricultura, prejudicando a nossa capacidade de
abastecimento alimentar, aumentando as importações.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Chegámos ao fim deste ponto da ordem de trabalhos. Segue-se a apreciação da Petição n.º 95/XIV/1.ª (Plataforma de Escolas de Dança de Portugal) — Abertura
das escolas de dança – apoios e medidas, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 865/XIV/2.ª (BE) —
Adaptação das regras de confinamento às especificidades das escolas de dança, 871/XIV/2.ª (PCP) — Medidas
de apoio à dança, 910/XIV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que assegure a adoção de medidas de apoio
às escolas de dança, 925/XIV/2.ª (PEV) — Requalificação do Conservatório Nacional e valorização e defesa do
ensino artístico na Escola de Música e na Escola de Dança, 926/XIV/2.ª (PEV) — Apoio às escolas de dança
devido ao encerramento obrigatório decretado a propósito da pandemia COVID-19 e 933/XIV/2.ª (CDS-PP) —
Recomenda a conclusão urgente das obras de requalificação do edifício do Conservatório Nacional.
Para apresentar o diploma do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira.
A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Saúdo a Plataforma Dança — Associação Nacional de Dança pela petição que aqui hoje se discute e pela informação que partilhou
quando foi ouvida numa audição da Comissão de Cultura e Comunicação sobre os danos graves que os
confinamentos provocaram nestas estruturas. Isto apesar de terem proporcionado atividades à distância aos
seus alunos e alunas, contribuindo para o bem-estar físico e psicológico e para a manutenção de níveis mínimos
de socialização, convivialidade e de quebra de isolamento das pessoas em confinamento, que é, sabemos há
muito, um dos benefícios da dança reconhecidos.
Ultrapassado o ponto mais crítico — espera-se — da crise pandémica, as escolas de dança continuam a
revelar-se essenciais na recuperação dos efeitos por ela causados. No entanto, o setor nunca foi alvo de uma
atenção específica, seja no âmbito do Ministério da Cultura, do Ministério da Saúde, do Ministério da Economia
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e da Transição Digital ou mesmo do Ministério da Educação, tendo-se associado estas entidades a ginásios e
não se teve em conta o seu caráter particular, tornando-se praticamente inviável a sua reabertura em junho de
2020.
Já no segundo desconfinamento, aplicaram-se medidas discriminatórias e criadoras de injustiça, uma vez
que foi permitida a abertura de umas escolas e não de outras. O Ministério da Educação e o Ministério da Cultura
autorizaram a abertura das escolas inscritas na ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino
Profissional), o que impediu as outras escolas de abrirem.
A Plataforma Dança — Associação Nacional de Dança calcula que mais de 10% das escolas tenham
encerrado, que muitos profissionais tenham sido obrigados a abandonar a atividade e que a situação tenda a
piorar. Nesta sequência, o projeto de resolução do Bloco de Esquerda, que hoje se apresenta, dá conta de um
universo que caracteriza o setor, que envolve cerca de 500 estabelecimentos, em formato de escola, associação,
federação, micro ou pequenas empresas, frequentados por 700 000 alunos de todos os níveis etários e com
5000 profissionais.
Há nestes setores vários entrecruzamentos que a própria crise pandémica tornou visíveis na dança, nas suas
múltiplas vertentes — ensino articulado, integrado, supletivo, extracurricular, profissional ou amador.
É uma atividade cultural e uma atividade de aprendizagem, da qual muitas famílias tiram o seu sustento; gera
dinamismo na comunidade; é uma atividade económica; contribui para a coesão territorial.
As escolas de dança têm tido um papel relevante na formação de numerosas gerações de bailarinos
profissionais e de professores de dança e o seu encerramento pode ter consequências no futuro da dança em
Portugal.
Assim, é muito importante que a Direção-Geral da Saúde crie e divulgue medidas adaptadas à realidade do
ensino da dança em todas as suas vertentes, em diálogo com as entidades envolvidas, para salvar o setor e
como contributo para a saúde das pessoas, seja através do reforço do programa ADAPTAR, da abertura de um
novo concurso acessível a todo o tipo de associações sem fins lucrativos, empresas e empresários, bem como
do desbloqueamento dos apoios financeiros e isenções a este setor de atividade.
O acesso à cultura é um preceito constitucional do qual a fruição e a prática da dança nos seus diferentes
níveis fazem, certamente, parte, daí a relevância do projeto de resolução do Bloco de Esquerda e dos restantes
projetos no mesmo sentido.
O Bloco de Esquerda acompanha também os projetos de resolução do Partido Ecologista «Os Verdes» e do
CDS sobre a retoma urgente das obras de requalificação do Conservatório Nacional, de modo a que sejam
garantidas as condições dignas de ensino e de segurança nas escolas de música e dança, que as instalações
temporárias observem os mesmos requisitos, que haja articulação com a comunidade educativa, que se
reforcem os meios — financeiros, físicos e humanos — e que se dê conhecimento a toda a comunidade
educativa dos prazos de conclusão da obra.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, o PCP quer saudar os peticionários, nomeadamente a Plataforma Dança — Associação Nacional de Dança e os mais de 6000
subscritores desta petição que nos encontramos, aqui, hoje, a discutir, e dizer que, já em comissão,
acompanhámos as preocupações expressas em relação à realidade das escolas de dança. E, logo em janeiro
de 2020, o PCP deu entrada do Projeto de Resolução n.º 871/XIV/2.ª, com medidas de apoio à dança.
Efetivamente, na altura, os números que existiam — resta confirmar se estão ainda no mesmo ponto —
davam conta de no nosso País termos cerca de 500 escolas de dança, com cerca de 70 000 alunos e 5000
profissionais.
Sabemos que a maioria das escolas encerrou logo em março de 2020, durante o primeiro confinamento
decretado. A sua reabertura ocorreu apenas a partir de 1 de junho e, já nessa altura, em novembro, o primeiro
balanço que foi possível efetuar indicava que 10% das academias não tinham conseguido resistir e tiveram
mesmo de fechar portas.
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Entretanto, percebeu-se que a realidade se agravou ao longo do tempo. Com o segundo confinamento,
houve, efetivamente, medidas que trataram de forma desigual as escolas, apenas aquelas que correspondiam
ao referencial da Agência Nacional de Qualificação e do Ensino Profissional puderam funcionar, e muitas das
aulas que existiam não só para efeitos de aprendizagem, mas para efeitos lúdicos deixaram de poder existir em
formato presencial.
O que, na altura, a Plataforma da Associação Nacional de Dança referiu na Assembleia da República foi o
facto de não ter sido envolvida ou auscultada no processo de elaboração de recomendações para o setor, o que
depois trouxe dificuldades na retoma da atividade, por existirem normas que não se adaptavam à sua realidade.
Concretamente, não as sentiam como sendo lógicas na sua aplicação à realidade em que operavam,
encontrando-se desadequadas.
Através do presente projeto de resolução, o PCP refere a necessidade de dar resposta às questões urgentes
que decorrem do âmbito da epidemia, mas não podem ser esquecidas outras matérias de fundo e uma política
que fortaleça a dança no nosso País, incentivando a prática desta atividade artística.
Com o nosso projeto de resolução, vimos trazer uma lógica de reforço aos apoios destinados à dança no
contexto do combate à infeção epidemiológica da doença COVID-19, sendo ainda necessárias adaptações com
vista à normalização que decorre da retoma da atividade; uma maior abrangência do acesso a apoios pelas
associações sem fins lucrativos, pelas micro, pequenas e médias empresas e também pelos trabalhadores
independentes que trabalham nesta área; a avaliação do impacto real das medidas adotadas no contexto desta
epidemia no ensino da dança e nas escolas de dança, avaliação que é importante para se saber que iniciativas
precisam de ser tomadas por parte do Governo para resolver os maiores problemas que subsistem; e medidas
que possam agilizar a atividade do ensino da dança, garantindo toda a segurança sanitária. Todas são medidas
urgentes que nos parece que devem ser tomadas.
A par destas, há outras questões de fundo que o PCP traz como recomendação, nomeadamente as relativas
à avaliação do atual regime fiscal das aulas de dança para as escolas não isentas, promovendo medidas de
incentivo à prática da atividade, o reforço dos apoios públicos às artes, no geral e em todas as áreas, incluindo
também os que estão especificamente direcionados à dança; e ainda a discussão pública com vista à definição
de uma política cultural nacional para a dança — uma visão estratégica envolvendo os sindicatos, as
associações, as escolas e os vários intervenientes nesta área artística, para garantir que, efetivamente, há uma
lógica na política cultural relativamente à dança, no nosso País.
Resta referir que o PCP acompanhará as iniciativas que vão neste sentido de reforço de respostas através
de medidas de apoio à dança e acompanhará igualmente, porque nos parece fundamental, os projetos que
recomendam a requalificação do Conservatório Nacional, a valorização e defesa do ensino artístico na escola
de música e na escola de dança, projetos que nos parecem fundamentais para garantir, também aqui, qualidade
de ensino, com uma escola a condizer, pelo que os projetos de resolução do PEV e do CDS relativos a esta
matéria também contarão com o nosso voto favorável.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar a Plataforma de Escolas de Dança de Portugal pela defesa de medidas de apoio às escolas de dança que, em contexto de
COVID-19, viram a sua situação claramente agravada.
Estendemos esta saudação a todas as escolas de dança, professores e alunos, que, há mais de um ano,
estão a viver situações de grande incerteza, devido ao contexto sanitário em que estamos.
Este contexto trouxe efeitos nefastos para as escolas de dança. Antes da crise, esta era uma atividade em
franco crescimento, com mais de 500 escolas de dança, cerca de 70 000 alunos e 5000 profissionais de diversas
faixas etárias. Devido a esta crise sanitária, 10% das escolas tinham já encerrado no terceiro trimestre de 2020
e estimava-se que, em janeiro deste ano, com o fim dos apoios em vigor, este número pudesse subir para 50%.
Sr.as e Srs. Deputados, este cenário catastrófico veio efetivamente a acontecer. Ao mesmo tempo que este
cenário se concretizou, assistimos a grandes dificuldades dos professores e dos profissionais do setor, por
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serem forçados a abandonar o seu trabalho, e aos que resistiram a terem quebras médias de rendimento mensal
na ordem dos 500 €.
O futuro desta importante atividade lúdica, educacional e cultural está em risco no nosso País. Se não se
melhorar de forma significativa o quadro de apoios existente, há o risco de se perder de forma irreversível um
polo de dinamização das comunidades locais e do comércio local.
Este setor não se salvará com medidas de apoio que deixam de fora escolas de dança que não estão sujeitas
à obrigação de contabilidade organizada ou escolas que estão isentas de IVA (imposto sobre o valor
acrescentado) ou de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas). Medidas destas não dão resposta
à emergência do setor.
Por isso, o PAN propõe uma recomendação para que seja assegurado um reforço dos apoios públicos às
escolas de dança no seu volume e na sua abrangência e duração e que se garanta a abertura de um novo
concurso do Programa ADAPTAR que seja acessível a todas as associações, empresas e empresários, pois
entendemos que só assim será possível assegurar a sobrevivência deste setor.
O que também entendemos é que o futuro não pode ser um regresso a um passado cujas consequências
ficaram visíveis na crise sanitária. Por isso, propomos também que seja feito um mapeamento da vulnerabilidade
ou precariedade no setor da dança para que se possa conhecer de forma aprofundada a realidade do setor e
fazer um diagnóstico das medidas necessárias para assegurar a proteção laboral e social destes profissionais.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os Verdes acompanham as preocupações refletidas na petição «Abertura das Escolas de Dança — apoios e medidas». Os Verdes não têm
dúvidas de que é preciso agir para salvar as escolas de dança.
Aproveito para saudar os mais de 6000 subscritores desta petição.
Estas escolas representam um elemento muito relevante da prática do exercício físico, da motivação para a
atividade e são, até, espaços de onde saem bailarinos profissionais. São cerca de 500 as escolas de dança no
País, com 70 000 alunos e milhares de profissionais.
As escolas de dança foram equiparadas aos ginásios para efeitos de confinamento, quando as suas
necessidades são distintas. A cultura, em geral, foi sobremaneira penalizada, quando estava a cumprir todas as
regras de segurança e a funcionar sem que se conhecessem quaisquer surtos com origem nos seus espaços
de atividade.
As escolas de dança não foram ouvidas pelo Ministério da Cultura. Essa auscultação teria permitido um
ajustamento de regras e uma aferição de apoios necessários.
É com vista a contribuir para resolver um problema sério com que estas escolas de dança estão confrontadas,
e porque consideramos impensável que se fechem os olhos ao possível encerramento de dezenas de escolas
de dança, que o Grupo Parlamentar de Os Verdes defende que o Governo ausculte as estruturas representativas
das escolas de dança e os seus profissionais, de modo a poder aferir dos efeitos reais do encerramento que
lhes foi decretado e dos meios necessários para evitar o encerramento definitivo de muitas destas escolas,
sobretudo que se reforcem os apoios de que tanto necessitam.
Relativamente ao Conservatório Nacional, que foi criado em 1836, no antigo Convento dos Caetanos,
localizado no Bairro Alto, em Lisboa, é um estabelecimento público para o ensino das artes. Este edifício assume
um valor arquitetónico e cultural destacado pelas funções artísticas que as Escolas do Conservatório Nacional
têm desempenhado na formação dos diversos campos artísticos.
Falamos de um espaço vivo com concertos, audições e aulas, com marcas de degradação estrutural e
ausência de obras de conservação. Por exemplo, o Salão Nobre encontrava-se com um dos balcões laterais
suportado por varões de ferro para não cair, há tetos com buracos, há salas de aula com fissuras, o sistema
elétrico está deteriorado, há telhas partidas, há um número considerável de material danificado, entre outros
problemas que colocavam em causa a segurança e o bem-estar de todos os que frequentavam o espaço.
Já em 2005, a Direção Regional de Educação de Lisboa lançou um concurso que tinha por objetivo a
recuperação do Salão Nobre da Escola de Música e outras obras. Porém, o Ministério da Educação acabaria
por nunca entrar na fase da adjudicação.
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Em 2011, um relatório da Inspeção-Geral da Educação e Ciência reportava: «O edifício ainda não foi sujeito
a obras de requalificação, o que dificulta a prática pedagógica, nomeadamente devido à implementação do
regime integrado no ensino básico».
Em 2019, iniciaram-se obras. Porém, pararam devido a um litígio entre o empreiteiro e a Parque Escolar,
tendo sido apenas tomadas novas diligências com vista ao lançamento de um novo concurso em novembro de
2020.
Recorde-se que, desde o ano letivo 2018/2019, as escolas de música e de dança foram transferidas para
outros espaços, sem as condições adequadas.
Exige-se um desfecho célere que vá ao encontro das expectativas e das necessidades da comunidade
escolar, que realizou vários protestos e outras ações com alunos, professores e outros profissionais,
reivindicando a sua urgente reabilitação.
Os Verdes têm intervindo na defesa da requalificação do Conservatório Nacional de várias formas, com
propostas de aditamento ao PIDDAC (Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da
Administração Central), intervenções e perguntas em sede da Assembleia da República e na Assembleia
Municipal de Lisboa, com os seus eleitos.
Os Verdes consideram que é urgente a requalificação, a valorização e a dignificação do ensino artístico
especializado, dotando as escolas de música e de dança das devidas condições financeiras, materiais e
humanas.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Vice-Presidente José Manuel Pureza.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde. Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por saudar a Plataforma Escolas de Dança de Portugal e os mais de 6000 peticionários de uma petição que deu entrada a
4 de junho de 2020 — mais ou menos há um ano — e que, nesse sentido, perdeu alguma atualidade, embora
não a sua relevância. Isto porque, tal como outras escolas e outras atividades, as escolas de dança tiveram de
fechar por força da pandemia e isso teve impacto direto, claro, nos seus alunos, nos professores e, no caso das
escolas privadas, nos profissionais liberais e nas associações, ao perderem receita que seria necessária para
suprir os custos que se mantiveram a pagamento.
Por isso, desde já anuncio que acompanharemos todas as iniciativas que recomendam ao Governo o
alargamento do Programa ADAPTAR, cuja necessidade ainda se mantém; a agilização dos apoios existentes
para que cheguem o mais rapidamente possível a estas escolas; e uma avaliação de impacto da situação
presente das escolas de dança em todas as suas tipologias, seja em ensino articulado, integrado, supletivo,
extracurricular, profissional ou amador, sejam as escolas privadas, associativas ou conservatórios. Isto porque,
frequentemente, debatemos aqui, no Parlamento, quer no Plenário, quer em sede de comissão, a importância
da dança como expressão cultural, defendemos a sua centralidade ou complementaridade à formação das
pessoas conforme a sua escolha, mas depois, muitas vezes, deixamos todo o setor com muitas fragilidades
estruturais.
É exatamente do ponto de vista do cuidar das fragilidades estruturais que trazemos à discussão um projeto
para a requalificação do Conservatório Nacional.
Numa cronologia muito sucinta, refiro: em março de 2016, o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues,
que tomava posse nessa altura, dizia e garantia, até, que o Conservatório Nacional era uma das suas grandes
prioridades, uma das prioridades do Governo — o Governo de então é também este, na verdade —, e que o
edifício iria sofrer obras de recuperação naquele mesmo ano letivo — em 2016.
Em 2018, os títulos dos jornais diziam: «Governo abre concurso internacional para obras no Conservatório»,
fazendo, portanto, saber que a grande prioridade de 2016 se iria concretizar nesse ano, o que não aconteceu.
Em 2019 dava-se conta de que «as obras no Conservatório de Lisboa vão, finalmente, arrancar em maio»,
e, em março de 2020, em resposta a uma pergunta do Grupo Parlamentar do CDS sobre a suspensão das obras
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de reabilitação do edifício, o Gabinete do Ministro garantia — palavra usada muitas vezes — que estas
constituíam uma prioridade de investimento do Ministério da Educação que, neste sentido, e cito «desenvolve
um longo trabalho para a sua concretização.» E penso que «longo» é aqui a palavra-chave neste processo,
porque é, de facto, o que o caracteriza, já que resultados temos poucos.
Bem sei que houve muitas vicissitudes no processo, muitas delas alheias à ação direta do Ministério da
Educação, mas, ainda assim, é o Ministério da Educação que usa palavras como «prioridade» e «garantia»,
talvez escusadas neste processo.
A saga continua e, em agosto de 2020, soube-se que as obras no Conservatório Nacional de Lisboa iriam
continuar paradas até ao final de 2020, e assim estiveram, e que os alunos seriam transportados de autocarro
entre as várias salas de lados opostos de Lisboa, com a reabertura do Conservatório prevista para 2023.
Relembro que essa era a prioridade de 2016.
Entretanto, com as restrições provocadas pela pandemia causada pela COVID-19, surgiram outras
preocupações, com restrições de espaços, com alunos a não terem as salas com a ventilação exigida pela DGS
(Direção-Geral da Saúde), enfim, e, portanto, acreditando que, tal como disse na resposta ao CDS, o Ministério
da Educação mantém, desde 2016, este empenho e a conclusão do investimento no mais breve espaço de
tempo possível — seja lá o que isso queira dizer —, o CDS entende recomendar ao Governo que tome, de facto,
todas as medidas necessárias à conclusão deste processo para que os alunos da escola artística e do
Conservatório Nacional possam regressar ao seu edifício de origem e retomar os seus estudos com as
condições que as suas qualificações e também estes novos tempos exigem.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A Mesa regista o pedido de intervenção do Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Embora aparentemente datada ou ultrapassada pelo decurso do tempo, a petição lançada pela Plataforma de Escolas de Dança e os
projetos de resolução que se seguiram devem merecer a nossa discussão e reflexão.
As escolas de dança ocupam, no panorama da nossa vida coletiva, uma espécie de nem-nem. Nem são
bem, bem escolas, nem são bem, bem cultura!
Esta duplicidade não as beneficia em nada, antes as remete para uma espécie de terra-de-ninguém, onde
ninguém sabe, ninguém manda, ninguém age.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Se juntarmos a esta infeliz circunstância o facto de muitos continuarem a olhar a cultura, neste caso a dança, como uma diversão, uma atividade amadora ou secundária,
mais ligada ao lazer do que ao trabalho, percebemos melhor os motivos do esquecimento desta nobre
manifestação de arte e cultura e desta necessária vertente de formação e educação.
Por que motivo fazer da vocação profissão menoriza um qualquer profissional?
A dança pode ser muita coisa — curricular ou extracurricular, amadora ou profissional, passatempo ou
atividade física —, mas as escolas de dança são claramente espaços onde todas as idades partilham e
comungam desta forma superior de comunicação e aprendizagem.
Uma coisa as escolas de dança não são, atividades desportivas, e mal andou o Governo ao englobar as
escolas de dança nesta subárea.
Se a cultura ficou órfã em período de pandemia, as escolas de dança foram simplesmente votadas ao
esquecimento.
Quando se trata de uma atividade em que, como alguém disse e cito, «a nossa mesa de trabalho é o soalho
que pisamos», impunha-se especial ponderação no sentido de compatibilizar os vários interesses em jogo.
Mas o que fez o Governo? Fecha-se e depois vê-se! E não se invoque, sob pena de incorrer numa grosseira
mentira, que as escolas não quiseram fazer parte dessa reflexão e da ponderação das soluções possíveis. Seja
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publicamente, seja no Parlamento, seja através desta petição, 500 escolas, 5000 profissionais, 6000
peticionários só pedem para ser ouvidos e para partilhar as suas propostas.
Como gostaria o PSD de vir a esta tribuna dizer que a petição carece hoje de sentido, pois o Governo foi —
por uma vez — urgente e consequente neste diálogo! Mas não! Ontem, como hoje, as escolas cruzaram a
pandemia longe dos 70 000 alunos e sem ninguém com responsabilidades para fazer ouvir a sua voz.
Um ano passado, é fácil perceber que o Governo ignora o que significa a palavra «urgente.» Mas,
ultrapassada a urgência, os problemas persistem e o Governo não mostra pressa em refletir sobre o futuro das
escolas de dança.
Quanto aos projetos de resolução que acompanham esta petição, impõe-se tomar posição. Concordamos
com muito, mas não concordamos com tudo. Desde as facilitistas isenções, propostas pelo Bloco de Esquerda,
às muito para além deste objeto, propostas pelo PCP, receamos não poder acompanhar, no todo e sem
reservas, tais projetos de resolução.
Mas o objeto dos projetos de resolução não pode merecer a nossa desaprovação. Dito isto, o Grupo
Parlamentar do PSD declara total solidariedade com o conjunto de preocupações e propostas contido na petição,
expurgadas daquelas que o decurso do tempo tornou inúteis, abstendo-se dos projetos a esta ligadas.
Ainda e no que concerne ao projeto de resolução do CDS-PP, cujo objeto recomenda a conclusão urgente
das obras de requalificação do edifício do Conservatório Nacional, onde se encontram instaladas as escolas
artísticas de música e dança, o Grupo Parlamentar do PSD acompanha tal projeto, seja na exposição de motivos,
seja nas recomendações, pelo que o votaremos favoravelmente.
Da mesma forma, votaremos favoravelmente o excelente projeto de resolução da autoria do PEV sobre o
mesmo tema.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Sousa, do PS.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Carla Sousa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os associados da Plataforma de Escolas de Dança, que, com a sua petição, mobilizaram diversos partidos a apresentar projetos
de resolução pedindo apoios para o setor.
Como se assinala no site da Plataforma: «Andamos há 40 anos a lutar para unir o setor da dança em Portugal.
Teve de vir um vírus para o conseguirmos.»
O vírus há de desaparecer, mas esperamos que a Plataforma fique, para unir o setor, congregar os seus
profissionais, fortalecer a disseminação das escolas de dança, amadoras e profissionais, dando-lhes o devido
lugar de destaque enquanto polos de desenvolvimento e coesão das comunidades locais, lutando para que a
dança seja um bálsamo, porque o é, para a saúde mental e física dos cidadãos dos 9 aos 90 anos.
A petição apresentada, bem como os projetos de resolução, confluem nos pedidos de regras e apoios para
o setor. Mas o setor é diverso e o impacto não foi sentido de igual modo por todos. Importa dizer que as escolas
de ensino artístico especializado são objeto de contrato de patrocínio com o Ministério da Educação, que
continuou a assegurar a transferência de pagamentos para estas escolas, independentemente de elas
funcionarem em modo presencial ou noutro regime.
Foram as escolas externas a esta rede que se viram mais fragilizadas com o encerramento compulsivo. E,
Srs. Deputados, não nos podemos iludir: dificilmente conseguiremos recuperar tudo o que todos perdemos neste
último ano, mas cabe ao Estado mitigar os impactos dos encerramentos compulsivos, e tem sido esse o seu
propósito.
O Ministério da Cultura teve a oportunidade de se reunir com elementos da Plataforma — sim, Sr. Deputado,
a Plataforma reuniu-se com o Ministério da Cultura, sim, sim! — para fazer um debate sobre as dificuldades
enfrentadas pelo setor e avançou com um quadro de apoio que permite mitigar o impacto da crise pandémica
no setor e estimula a retoma gradual de atividade.
Lembro: o programa Garantir Cultura apoia, a fundo perdido, pessoas singulares, grupos informais, entidades
coletivas, microempresas, no valor de 12 milhões de euros para suprir quebras de faturação; o reforço financeiro
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dirigido a entidades culturais não profissionais concedido pelas direções regionais de cultura; o apoio a
trabalhadores de cultura independentes no valor de 1 IAS (indexante dos apoios socias); o programa
APOIAR.PT, que apoia as empresas do setor a quem tenha tido diminuição de 25% de faturação em 2020 face
ao ano anterior, com apoio extraordinário à manutenção da atividade no primeiro trimestre de 2021; o programa
APOIAR Rendas, que cobre a fundo perdido seis rendas mensais.
Além disto, temos os apoios ao layoff, o apoio à retoma progressiva por quebra de faturação da empresa, o
apoio simplificado para microempresas, o apoio extraordinário à redução da atividade económica para
trabalhadores independentes ou empresários em nome individual.
Estes investimentos são essenciais para a retoma da atividade.
Estas escolas cumprem um papel fundamental no fortalecimento da coesão, no direito de fruição e
participação na vida cultural e artística do País e são elas que possibilitam o nascimento de novos talentos
profissionais que alimentam a indústria cultural.
Muitos deles irão passar certamente pelo Conservatório Nacional de Lisboa no seu processo de
profissionalização e o Governo está a trabalhar para garantir que o Conservatório Nacional tenha as condições
físicas e estruturais que a comunidade educativa, os profissionais do setor e a cultura em Portugal merecem.
Evidentemente, é fácil ao CDS pedir urgência na reabilitação do edifício. A responsabilidade do CDS nesta
matéria, enquanto Governo, foi a de ficar pela promessa. Prometeu, prometeu e nunca cumpriu!
Protestos da Deputada do CDS-PP Ana Rita Bessa.
Pelo contrário, este Governo tomou esta empreitada como uma prioridade. Provam-no as várias diligências
efetuadas para a sua execução. O que não podemos fazer é obrigar as construtoras civis a apresentar-se a
concurso ou a permitir que o construtor que fica com a empreitada apresente posteriormente desvios de 90%
face ao cronograma financeiro apresentado e aprovado, sob pena de o interesse público ser fortemente lesado.
Nós isso não fazemos, Srs. Deputados!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — E fazem muito bem! Autocomiseração!
A Sr.ª Carla Sousa (PS): — À urgência e ao pedido de requalificação do Conservatório, cabe-nos assinalar que no dia 18 de março foi publicado em Diário da República o anúncio do concurso no valor de 13 milhões de
euros. Sabemos da frustração que todo este longo processo tem gerado nas famílias, nos alunos, na
comunidade educativa. Sabemos da dificuldade logística de ter de deslocar os alunos para dois espaços distintos
para continuar a assegurar a sua formação. Esta é a solução desejável? Não, não é, é a possível! É a solução
transitória e sabemos que causa ansiedade a todos os envolvidos no processo.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — O PS tem as desculpas todas!
A Sr.ª Carla Sousa (PS): — A Parque Escolar tem acompanhado as angústias da comunidade educativa e tem mantido diálogo constante com a direção da escola no sentido de, com eles, partilhar os desenvolvimentos
do processo, mas os sobressaltos e as dificuldades do processo não esmorecem o empenho que temos
demonstrado nesta matéria e que o Ministério da Educação mantém como prioridade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, passamos à última intervenção sobre este ponto da agenda.
Para tal, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira, do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço o comentário do Sr. Deputado do PSD no que diz respeito ao nosso projeto de resolução. Agradecemos também todos os restantes
contributos.
Pensamos que as escolas de dança são uma forma de manifestação de cultura e que essa cultura deve estar
acessível a todas as pessoas. Consideramos que as escolas de dança, em todas as suas vertentes,
multiplicidade e diversidade, cumprem um papel importante, não só no que diz respeito à saúde física como
também à saúde mental, à socialização, e esse papel já era conhecido antes da pandemia. Portanto, as escolas
de dança são essenciais também a esse nível e, por essa via, podem vir a poupar algumas despesas ao Serviço
Nacional de Saúde, através do contributo que dão à saúde física e psicológica das pessoas.
Neste sentido, as escolas de dança deste País, que estão em sérios riscos, deveriam ser alvo de uma atenção
especial que lhes permita sobreviver e continuar a fazer este papel de trabalho com as pessoas que têm algumas
dificuldades a este nível e querem praticar a dança.
Relembro que estas escolas estão espalhadas um pouco por todo o País. Em muitas localidades são a única
oferta cultural disponível para os seus residentes e, dessa forma, deveriam ser alvo de atenção por parte do
Ministério da Cultura e do Ministério da Educação.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, terminámos, assim, o ponto 3 da ordem de trabalhos.
Passamos ao ponto 4, com a apreciação da Petição n.º 127/XIV/2.ª (Andreia Sofia da Costa Raposo Marques
e outros) — Poder de opção de escolha aos pais/encarregados de educação entre o ensino em casa on-line e
o ensino presencial.
Para iniciar este debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Silva, do Partido Ecologista «Os Verdes».
Pausa.
É o registo que aqui temos, Sr.ª Deputada. Se assim não for, dir-nos-á.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — É sim, Sr. Presidente. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Inicio esta intervenção por cumprimentar os peticionários que
subscreveram a petição «Poder de opção de escolha aos pais/encarregados de educação entre o ensino em
casa on-line e o ensino presencial».
A escola pública vive, desde março de 2020, um dos maiores desafios que lhe podia ser colocado: o grande
desafio de não abandonar as crianças e jovens, os alunos, durante esta fase difícil de epidemia. Não nos
cansamos de saudar o esforço das comunidades escolares, dos assistentes operacionais, dos docentes, dos
técnicos, dos encarregados de educação, esforço que permitiu, apesar da falta de meios, durante os dois
confinamentos, acompanhar alunos, lecionar alguns conteúdos, mantê-los ligados à escola, apesar do
isolamento, ausência e escassez de meios que oportunamente denunciámos.
No entanto, é unânime que a escola é espaço de aprendizagem, de socialização, de convívio, de
desenvolvimento físico, de descoberta e de brincadeira.
Os Verdes consideram que as aulas presenciais são essenciais ao desenvolvimento das crianças e jovens e
que ainda não estão devidamente identificadas as consequências físicas, de aprendizagem e até de saúde
mental que os confinamentos, o isolamento e o medo instalado provocaram para as gerações futuras.
É indispensável que esta avaliação seja feita, para que se reforcem as escolas com os profissionais tão
necessários para a recuperação de aprendizagens, para o apoio nas mais diversas áreas, para o
acompanhamento e prevenção da saúde mental, assim como é igualmente essencial que se retire o amianto
das escolas, protegendo as comunidades escolares de futuras doenças, e que se façam as obras tão urgentes
nas mais diversas escolas pelo País, para que se previnam doenças respiratórias por causa do frio, da
humidade, do intenso calor.
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Tornar as escolas seguras não é uma exigência de hoje, não é importante apenas para prevenir o contágio
da COVID-19. É essencial que a escola pública seja um espaço seguro e de liberdade para o crescimento e
desenvolvimento saudável das crianças e jovens, que são, como se sabe, a única razão de existir da escola.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.
A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A presente petição, da qual fui relatora, deu entrada aqui em setembro de 2020, tendo a audição de peticionários ocorrido em 2 de dezembro.
Começo, por isso, por saudar a primeira peticionária, Andreia Marques, bem como os mais de 4000 subscritores
desta petição.
No momento presente, esta petição também já perdeu, parcialmente, o seu o objetivo, que era o de, durante
a pandemia, os pais poderem optar pelo regime de ensino presencial ou on-line, por razões de saúde pública
ou por razões pedagógicas.
Digo que perdeu parcialmente o seu objetivo porque, na verdade, caminhamos para o final do ano letivo e
esperamos que, pelo menos, para um fim sem controlo da pandemia, pelo que a questão se coloca de outra
forma, neste momento.
No entanto, e sublinhando mais uma vez que o ensino presencial é — penso que para todos — o que mais
e melhor cumpre o papel educativo e formativo das escolas, creio que há algumas notas a fazer a este propósito.
O retomar das aulas presenciais, depois do confinamento recente, foi assumido com algumas condições que
garantiam a segurança. A primeira tinha a ver com a realização de testes de antigénio à comunidade educativa,
concretamente, aos alunos do secundário, na primeira semana de aulas, 14 dias depois e 28 dias depois. Na
maior parte das escolas, só se verificou, verdadeiramente, o primeiro varrimento de testes e nas escolas de
Lisboa, face ao agravamento dos casos, está agora a realizar-se o segundo, bastante tempo depois daquele
que era o calendário prometido. Portanto, a primeira condição de verificação de segurança não se realizou.
A segunda condição tinha a ver com a vacinação dos professores, que foram definidos como um grupo
autónomo de risco, o que lhes deu uma prioridade, passando à frente de outras pessoas com risco clínico
identificado, precisamente para garantir que as aulas poderiam continuar sem interrupções. Ora, o que está a
acontecer, na prática, em muitas das nossas escolas é que, quando é verificado um caso positivo numa turma,
os professores fazem teste PCR (polymerase chain reaction) ao quinto dia, tal como definido pela DGS, e até lá
verdadeiramente não há aulas, ou seja, os alunos ficam sem aulas, mais uma vez, o que nos faz, de facto,
questionar para que é que foi a prioridade na vacinação se, na verdade, continua a não haver aulas e os alunos
continuam a ficar prejudicados.
Portanto, enquanto for assim, nem o ensino presencial é seguro, na medida do possível, nem se cumpre na
prática, apesar de todos os anúncios e todas as defesas, com claro prejuízo para os alunos.
Relativamente a esta petição, não queria deixar de deixar uma última palavra sobre a expectativa que temos
quanto ao plano de recuperação de aprendizagens que foi anunciado para hoje.
Esperamos, com sinceridade, e contamos com isso, que este plano contenha todos os meios necessários
para que, num contexto de autonomia das escolas, se comece a recuperação das aprendizagens mais cedo do
que mais tarde, para além daquilo que já é o trabalho corrente das escolas, porque também as dificuldades e
as desigualdades se agravaram para além daquilo que são as situações habitualmente decorrentes nas escolas.
Portanto, temos grande esperança e olharemos com muita atenção para este plano.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Gabriela Fonseca, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª MariaGabriela Fonseca (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os 4075 peticionários, na pessoa da primeira subscritora, Andreia Marques, pelo exercício da sua cidadania.
Apesar de extemporânea, dado que esta petição se reporta a setembro de 2020, através da qual os pais e
encarregados de educação solicitam autorização para poderem optar pelo ensino on-line naquele tempo de
pandemia, ela levanta algumas questões sobre as quais vale a pena refletirmos.
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Que a escola presencial é um bem maior, maior quer do ponto de vista das aprendizagens, quer do
desenvolvimento de competências, da socialização das crianças e jovens, da promoção da saúde e do bem-
estar físico e mental dos mesmos, estamos todos de acordo.
O ensino presencial deve ser a regra porque é o melhor para as crianças e jovens a nível pedagógico, social,
do acompanhamento especializado e, até, para as crianças que se encontram, eventualmente, em risco no seio
familiar.
O problema que estes pais e encarregados de educação colocam é o da segurança das escolas, da
segurança sanitária dos seus filhos. Apesar de solicitada informação por diversas vezes ao Ministério da
Educação, ninguém sabia, nem sabe, quantos alunos e alunas se encontravam infetadas com o SARS-CoV-2,
quantos e quantas se encontravam em isolamento profilático, quantos se encontravam assintomáticos mas com
capacidade de contaminar outros, quantas e quantos professores e auxiliares eram doentes de risco, quantas e
quantos estavam infetados ou em isolamento profilático ou quantas turmas se encontravam igualmente em
isolamento.
Esta falta de informação por parte do Ministério da Educação, aliada à aplicação de critérios díspares por
parte das autoridades de saúde locais, causou receios, angústias e inseguranças legítimas nos pais.
Mais: o Ministério da Educação não investiu como deveria nas condições de segurança para a frequência do
ensino presencial.
O Ministro da Educação faltou ao prometido: faltou com os testes, faltou com os computadores e rede de
internet, com que se tinha comprometido precisamente para setembro, para o início do ano letivo de 2020/2021.
O Ministro da Educação faltou na distribuição de meios, mormente de webcams para assegurar o ensino on-
line para os alunos que se encontravam em casa, de computadores e no reforço atempado de recursos
humanos. A tão propalada escola digital não foi assegurada pelo Ministério da Educação, tendo este executado
apenas 60% da verba prevista para 2020.
Que recursos é que cada uma das escolas tinha ao seu dispor para o ensino presencial e para o
acompanhamento dos alunos que se encontravam em casa? Pois, também não sabemos! O que se sabe é que
o plano tecnológico aconteceu há alguns anos e os equipamentos que restam dele estão obsoletos.
Às escolas faltou quase tudo: informação, testes, equipamentos, professores e auxiliares, e não faltou mais
devido aos abnegados autarcas portugueses.
As assimetrias territoriais existentes entre as grandes cidades e os territórios de baixa densidade, entre o
litoral e o interior tornaram-se mais evidentes em tempo de crise.
O relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) de abril de 2021 é
muito claro quando refere que Portugal não tomou qualquer medida de fundo para contrariar os efeitos da
pandemia nas aprendizagens e só hoje, quase no final do ano letivo, vai ser dado a conhecer o plano de
recuperação das aprendizagens perdidas em tempo de pandemia, há muito reclamado, um plano para
2021/2023 e prometido para maio deste ano. Sempre a correr atrás do prejuízo!
Sr.as e Srs. Deputados, não nos devemos esquecer que, mesmo em tempo de pandemia, os superiores
interesses das crianças devem prevalecer. Hoje, dia 1 de junho, Dia Mundial da Criança, vale a pena revisitar a
Declaração dos Direitos da Criança, adotada pelas Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, bem como a
Convenção dos Direitos das Crianças.
A Convenção dos Direitos da Criança, no seu artigo 18.º, refere que «cabe aos pais a principal
responsabilidade comum de educar a criança e o Estado deve ajudá-los a exercer essa responsabilidade. O
Estado deve conceder uma ajuda apropriada aos pais na educação dos seus filhos». Eu acrescentaria que esse
dever é maior e mais premente no contexto pandémico em que temos vivido.
Termino com uma frase de Séneca: «A educação exige os maiores cuidados, porque influi sobre toda a vida».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do PCP.
A Sr.ª Ana Mesquita (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP cumprimenta os subscritores da petição.
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De facto, foram até enviados uma série de dados, bastante extensos, fundamentando o que é solicitado pelos
subscritores, mas cumpre-nos dizer que o PCP defendeu, desde sempre, a centralidade do ensino presencial
no processo de ensino-aprendizagem e alertou, inclusivamente, para o facto do encerramento de escolas em
dois anos letivos consecutivos, para além dos impactos negativos no percurso escolar e nas próprias
aprendizagens, vir aprofundar as desigualdades já existentes, levantar problemas ao nível da socialização das
crianças e dos jovens e contribuir para a degradação da sua própria saúde mental e física.
Estas questões não são teóricas, são práticas e são possíveis de constatar e, da nossa parte, consideramos
e defendemos que o Governo tem de intervir em relação a esta matéria para que os danos não se aprofundem.
Estes problemas foram, de facto, objeto de sucessivas intervenções da comunidade educativa, do PCP e de
vários outros grupos parlamentares e foram, inclusivamente, alvo de sucessivos alertas da Escola Nacional de
Saúde Pública, que, sistematicamente, foi apontando os impactos na saúde mental da população mais jovem.
A este respeito, gostaria de dizer que a própria ONU (Organização das Nações Unidas) tem afirmado que a
epidemia expôs e ampliou as desigualdades já existentes na educação e que, como sempre, foram os alunos
vulneráveis e marginalizados os mais afetados, apelando esta instituição a que os Governos mantenham as
escolas abertas e apoiem os professores, aumentando o investimento na educação.
Aliás, gostaria de dizer ainda que a ONU assinalou também que o encerramento das escolas originou uma
enorme perturbação na vida de crianças e jovens, afetando o seu desenvolvimento socio-emocional, o seu bem-
estar, assim como a sua vida social e os seus relacionamentos, evidenciando também aquilo a que a nível
nacional já tínhamos constatado, ou seja, os impactos na saúde mental das crianças e dos jovens.
O PCP não desvaloriza, como é evidente, aquilo que são preocupações legítimas de pais e encarregados de
educação em relação aos seus filhos e educandos, mas afirmamos com clareza que para o PCP não há
alternativa ao ensino presencial, sendo este o único que garante a necessária interação entre o aluno e o
professor na sala de aula, elemento decisivo para garantir a qualidade do ensino.
Há uma outra questão que nos preocupa: sabemos que não basta apelar para uma possível
complementaridade ou substituição por uma modalidade on-line, porque ela é profundamente desigual de
criança para criança, de jovem para jovem, de ponto do território para ponto do território. Portanto, não nos
parece que essa possa ser uma solução, isto é, a possibilidade de ficar ao critério de pais e encarregados de
educação, porque, efetivamente, há aqui uma questão geral e de sistema que tem de ser pensada.
No nosso País, a retoma faseada das aulas presenciais veio associada à realização em meio escolar de
testes à COVID-19, com uma taxa de positividade relativamente uma baixa, e o PCP considera que é preciso
prosseguir, reforçar e intensificar o caminho da vacinação, da testagem e do rastreio dos contactos. Isto é
fundamental.
Para o PCP, o caminho, no imediato e no futuro, passa pelo inequívoco reforço da escola pública, o que
implica mais investimento, mais trabalhadores, mais meios técnicos e materiais, melhor parque escolar, passa
por assegurar todos os meios para limpeza, desinfeção e higienização dos espaços, pelos equipamentos de
proteção individual para alunos e trabalhadores. Um caminho que aponte para a redução do número de alunos
por turma, há muito necessária e agora ainda mais evidente; um caminho de reforço da ação social escolar, com
os meios necessários e a iniciativa suficiente para garantir a todos os apoios atempados, que, nesta
circunstância, são acrescidos pelo agravamento da situação económica e social.
São estas as medidas que o PCP defende deverem ser implementadas com urgência na educação.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, começamos por saudar os peticionários.
Da petição aqui trazida, gostaríamos de destacar três aspetos: primeiro, o papel da sociedade civil nas
políticas públicas de educação; segundo, a preocupação de tantos encarregados de educação com a gestão da
vida escolar e a saúde dos seus educandos, ao longo do que tem sido este contexto sanitário; terceiro, o atual
modelo educativo.
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Numa análise retrospetiva, afirmamos novamente que as comunidades educativas têm dado o exemplo,
tendo-se adaptado rapidamente ao contexto sanitário e às exigências que este lhes colocou.
Este contexto trouxe fortes mudanças nas práticas educativas, aproximando escola e família, tendo, aliás,
encontrado novas fórmulas e métodos de ensino, dando impulso à aquisição de novas competências,
nomeadamente digitais, até por parte das comunidades escolares.
Como tem referido o Conselho Nacional de Educação, «famílias e escolas descobriram uma ligação entre si,
em muitos casos negligenciada até então». De facto, esta vivência aproximou ambas as partes, que nem sempre
se conseguem encontrar, e foi possível construir novas pontes, o que, evidentemente, foi um aspeto positivo
que gostaríamos de destacar.
Mas também sabemos que trouxe visibilidade a muitas das fragilidades já conhecidas e evidenciou algumas
que estavam bem escondidas. Como em todas as crises, aumentou o fosso de desigualdades e os estudantes
que tiveram mais dificuldades terão de ter agora mais recursos e mais suporte.
Desde logo, é essencial garantir o bem-estar geral dos alunos, a aprendizagem não se pode fazer sem
confiança nem sem motivação. Por isso, é necessário que as políticas educativas públicas integrem nas suas
orientações medidas relacionadas com as dimensões emocionais e psicológicas, fundamentais ao processo de
aprendizagem e de socialização e que serão ainda mais importantes neste cenário pós crise sanitária.
Na tentativa de recuperar rapidamente as aprendizagens, o Ministério da Educação não pode definir metas
às quais só alguns chegarão. Nem todos terão o mesmo ritmo e este tem de ser adaptado às idiossincrasias e
às necessidades de cada estudante. Se o foco estiver apenas na recuperação de metas e programas, o processo
será apressado e injusto. Este é o verdadeiro desafio para o Ministério da Educação. As políticas educativas
que se adotarem hoje ditarão o futuro das nossas crianças e jovens.
Sr.as e Srs. Deputados, sendo hoje o dia em que se comemora o Dia da Criança e também o dia em que o
Ministério da Educação apresenta o seu plano de recuperação das aprendizagens, esperamos, de facto, que
seja este o dia em que o Governo se compromete verdadeiramente com cada uma das nossas crianças.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção será do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. Tem a palavra, para o efeito, a Sr.ª Deputada Alexandra Vieira.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda saúda os peticionários da iniciativa «Poder de opção de escolha aos pais/encarregados de educação entre o ensino em
casa on-line e o ensino presencial» pelas questões que levanta.
Em situações extraordinárias e inéditas, as comunidades educativas, nas quais se incluem os pais e os
encarregados de educação, não podem reagir com base no pânico e reivindicar a abertura de precedentes só
possíveis para um grupo de famílias bem mais pequeno do que se julgava.
O que a crise pandémica e os confinamentos demonstraram foi que a maioria das famílias não tem condições
para, sequer, poder optar entre o ensino em casa ou o ensino presencial, no contexto de pandemia, por várias
razões: condições de habitabilidade, falta de equipamento informático, dificuldade no acesso à internet,
dificuldade em acompanhar, mesmo que quisessem, as tarefas de aprendizagem, sobretudo junto das crianças
mais pequenas, pelo facto de os adultos ou adulto, nas famílias monoparentais, também estarem em
teletrabalho, ou pelo facto de, desde o início, muitas famílias sentirem muitas dificuldades económicas, entre
outras, como o facto de serem famílias que estão nas diferentes linhas da frente, sejam os profissionais de
saúde, da limpeza, da educação, da distribuição ou da segurança.
É verdade que havia, e há, muito desconhecimento quanto ao grau de transmissão do vírus SARS-CoV-2. O
pânico é justificável e compreensível, mas, a bem da verdade, o pânico é mais compreensível por parte de todos
os que tiveram de estar na linha da frente, em particular por parte das pessoas que trabalham na escola, cientes
dos riscos e da elevada transmissibilidade.
Ainda assim, resistiram os docentes e as docentes e todas as pessoas que trabalham nas escolas, garantindo
escolas abertas aos filhos dos profissionais das diferentes linhas da frente, durante os dois confinamentos, com
falta de condições generalizadas, como todos sabemos, e por terem consciência do que é melhor para os seus
alunos e alunas.
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Se há evidências impossíveis de negar e tornadas visíveis pela crise pandémica, social e económica, é a
importância do ensino presencial, por tudo o que ele implica. Não nos podemos enganar: não houve ensino à
distância, houve, sim, ensino não presencial de emergência, com adequação rápida e possível das atividades
de aprendizagem aos ambientes virtuais e a um canal de televisão.
A verdade é que todos os trabalhadores das escolas sabiam os riscos que corriam e isso preocupa-os. A
verdade é que muitas vezes ficaram sem orientações precisas e sem possibilidade de manter as distâncias. A
verdade é que faltaram os equipamentos de proteção e os equipamentos informáticos. A verdade é que a
testagem tardou em chegar aos adultos da comunidade educativa. A verdade é que se tardou a incluir os
professores nos grupos de risco. A verdade é que é presencialmente que as aprendizagens se realizam.
Mas, no nosso entender, nada disto pode abrir o precedente de dar a possibilidade aos pais e encarregados
de educação de poderem optar pelo ensino presencial ou pelo ensino em casa. Não devemos, neste ponto,
confundir com o ensino doméstico, que, no entender do Bloco de Esquerda, pode ter algumas virtualidades,
sobretudo quando corresponde a escolhas de modos de vida alternativos, mais comunitários, mais ecológicos,
menos urbanos e mais sustentáveis.
Aprendemos mais com a crise pandémica e esta é sempre a pior maneira de aprender, porque foi uma
aprendizagem de resposta de emergência para algo totalmente desconhecido e com risco muito elevado,
incluindo a vida. Mas não foi sobre o ensino presencial, foi uma oportunidade de aprender a viver em
comunidade, em solidariedade, com empatia pelo outro, chamando à responsabilidade cada um e cada uma e
a coletiva.
Mas aprendemos sem anestesia nem paninhos quentes que a escola pública é mais do que o local onde se
aprende, é também o local onde as desigualdades se esbatem. Deveria ser onde se diluem, mas ainda não o é.
Ninguém fazia ideia de como o grau de utilização, aquisição de equipamento informático e de acesso via internet
era ainda tão limitado por parte de muitas famílias portuguesas.
Aprendemos o papel social da escola na atenuação das fragilidades sociais. Aprendemos que é na escola
que devem estar os alunos e alunas com necessidades especiais ou específicas. Aprendemos que os problemas
da escola são tão antigos e estruturais: turmas grandes, gestão do pessoal nem sempre segura e muitas vezes
autoritária na aplicação das diretivas da DGS; faltam espaços, faltam salas, faltam edifícios, faltam professores,
faltam técnicos, faltam assistentes operacionais.
Por fim, aprendemos todos a respeitar, de uma vez por todas, a escola pública e, sobretudo, a respeitar a
sério as pessoas que nela trabalham, pela dedicação, determinação e coragem perante o Ministério da
Educação que descarregou numa autonomia não existente das escolas, mais concretamente nos seus
diretores,…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Tem de terminar.
A Sr.ª Alexandra Vieira (BE): — Termino já, Sr. Presidente. Dizia que o Ministério da Educação descarregou numa autonomia não existente das escolas, mais
concretamente nos seus diretores, a responsabilidade de acudir a todas as problemáticas que a pressão levanta.
No entanto — e termino, Sr. Presidente —, são problemas que se resolvem na escola e com quem nela vive,
através das estruturas sindicais dos trabalhadores, em diálogo com o Ministério da Educação e com os seus
especialistas em educação, com todos os membros da comunidade educativa, incluindo os pais. Tenhamos,
pois, esperança na bonança que costuma suceder às tempestades, na abertura do Ministério da Educação para
a resolução destes problemas.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos ao que suponho ser a última intervenção deste ponto da agenda, que cabe ao Partido Socialista, através da Sr.ª Deputada Maria Joaquina Matos.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Joaquina Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: Começo por saudar a Sr.ª D. Andreia Raposo Marques e outros, cerca de 4000 cidadãos, que em setembro de 2020 entregaram na
Assembleia da República a petição sobre, e cito, o «Poder de opção de escolha aos pais e encarregados de
educação entre o ensino em casa on-line e o ensino presencial», manifestando as suas preocupações sobre as
condições em que iria ter início o ano letivo 2020-2021, num contexto tão imprevisível e difícil, decorrente da
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pandemia, que desafiou todos os pilares da organização da sociedade que enfrenta ainda uma situação sem
paralelo na história recente. Foi, pois, legítima a preocupação de pais e encarregados de educação.
O quadro legislativo, nomeadamente o relativo à área de educação, não foi criado no sentido de prever
normas para os desafios provocados pela pandemia. Mas a educação respondeu prontamente, mobilizou-se
para se adaptar ao exigente novo contexto, cumprindo a missão que lhe é atribuída na Lei de Bases do Sistema
Educativo, a Lei nº 46/86 de 14 de outubro, na sua redação atual.
O Governo estabeleceu, através da Resolução do n.º 53/2020 do Conselho de Ministros, medidas
temporárias e excecionais para a organização do ano letivo, definindo princípios orientadores, que passo a
destacar.
São eles a afirmação do regime presencial como regra, prevendo-se, mas apenas como alternativa, o recurso
do ensino não presencial ou misto, em situações pontuais de deteção de COVID-19, com o consequente
isolamento de alunos, professores e outros funcionários; o reforço de mecanismos de promoção de equidade e
igualdade, concebendo respostas específicas, que mitigam desigualdades, com vista a que todos os alunos
alcancem as competências previstas ao perfil do aluno, à saída da escolaridade obrigatória.
O regresso às aulas implicou trabalhos de preparação particularmente exigentes para toda a comunidade e
foi em diálogo com os representantes das direções das escolas, dos professores, dos pais e encarregados de
educação e das autarquias, que as escolas foram munidas de material e de equipamentos para proteger as
boas condições de saúde, de espaços e de intervenientes escolares.
Procedeu-se à concretização de medidas significativas de reforço de recursos humanos, nas mais variadas
áreas, de que destaco: a contratação de mais 3300 professores para reforço do crédito horário escolar e das
tutorias, uma medida importante na prevenção do abandono escolar precoce; a contratação efetiva de 5000
assistentes operacionais e assistentes técnicos; a revisão da portaria de rácios, em cumprimento da Lei do
Orçamento do Estado de 2021, e a contratação de 900 técnicos especializados para reforçar o bem-estar dos
alunos no seu regresso à escola. Foi um grande investimento que revela a estratégia de reforço da escola
pública.
Em março recente, no retorno ao ensino presencial, foi alargado o programa de testagem para combate à
pandemia e iniciou-se uma campanha de vacinação para todo o pessoal docente e não docente, que tem
decorrido com toda a normalidade.
Procedeu-se à criação de um grupo de trabalho, constituído por especialistas na área da educação, com o
objetivo de recolher sugestões e ideias para o Programa de Recuperação e Consolidação das Aprendizagens,
que, sabemos todos, foram prejudicadas pelo impacto da pandemia, apresentando propostas de soluções
curriculares, pedagógicas e de organização, que foi hoje apresentado.
Diz o povo que para «grandes males, grandes remédios». E, de facto, se grandes têm sido os males, maiores
ainda têm sido os remédios que foram e estão a ser construídos, garantindo a segurança e a confiança no
funcionamento da escola pública.
É neste contexto que a petição apresentada, «Poder de opção de escolha aos pais e encarregados de
educação entre o ensino em casa on-line e o ensino presencial», implicaria o funcionamento das atividades em
simultâneo e uma recusa expressa da modalidade de ensino doméstico — lembro que a sua concretização
implicaria ultrapassar questões de natureza organizativa, pedagógica e tecnológica.
Termino relembrando o valor das funções desempenhadas pela escola no âmbito da proteção e vigilância
das crianças, no contributo para a satisfação das suas necessidades básicas de convívio e socialização e,
sobretudo, no contributo para uma maior igualdade e coesão social. A prioridade da escola deve ser dada à
modalidade presencial, como garante de uma educação de maior qualidade, mais equitativa e mais inclusiva.
Nada substitui o professor e a sua sala de aula.
E falando de escola equitativa e inclusiva, a escola para todos, lembro, para saudar a data hoje assinalada,
o Dia Mundial da Criança, estabelecido oficialmente em 1950, na sequência do Congresso da Federação
Democrática Internacional das Mulheres, com o objetivo de sensibilizar o mundo para os direitos da criança e
para a necessidade de promover uma melhoria das suas condições de vida, para garantia do seu
desenvolvimento.
Termino citando Pessoa: «Grande é a poesia, a bondade e as danças…/ Mas o melhor do mundo são as
crianças». O nosso voto é o de que cada criança seja o melhor do mundo de alguém.
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Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem ainda a palavra, sobre este tema, o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou citar Fernando Pessoa, mas vou citar a Sr.ª Deputada do Partido Socialista, que disse que «para grandes males, grandes remédios» e «se há coisa
que temos feito é aplicar e desenvolver grandes remédios». A frase não seria cómica se não estivéssemos no
País em que os computadores não foram encontrados, investidos, aplicados a tempo. A frase não seria cómica
se não fôssemos o País em que a testagem dos professores ficou atrasada e a dos auxiliares ainda não se
concretizou.
Este é o País em que uma Deputada do partido que suporta o Governo diz que, para grandes males, o Partido
Socialista tem grandes remédios. Isto no debate de uma petição que pretende a forma de ensino on-line como
substituta do ensino presencial, enquanto opção.
Mesmo admitindo o que os estudos têm dito, que o ensino on-line é um fraco substituto do ensino presencial,
quem acha que podia trazer a uma Assembleia dominada pelo peso do Partido Socialista qualquer coisa
chamada «poder de opção», não conhece este Partido Socialista. Na verdade, este é o mesmo Partido Socialista
que impediu os colégios privados de terem ensino on-line. Como é que iria, agora, permitir ao País inteiro ter
ensino on-line?! É o mesmo Partido Socialista que impediu que professores da escola privada continuassem o
seu trabalho, impondo, pela sua insuficiência e ineficácia, as regras que impôs para a escola pública. Como é
que poderíamos ter poder de opção com o Partido Socialista?!
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr. Presidente. Podemos discutir se o ensino on-line é ou não um substituto adequado do ensino presencial. O que já
devíamos ter feito, porque o inverno virá tão rápido como a noite se aproxima do dia, era um investimento em
tecnologias da educação, porque o Partido Socialista está muito atrasado na sua realização.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, terminamos, assim, o quarto ponto da nossa ordem de trabalhos desta tarde e passamos ao quinto ponto, destinado à apreciação da Petição n.º 87/XIV/1.ª
(Hugo Alexandre Trindade e outros) — Reposição da freguesia da Senhora da Hora e reposição da freguesia
de São Mamede de Infesta.
Para iniciar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por agradecer aos mais de 4000 peticionários de São Mamede de Infesta e também da Senhora da Hora que nos trazem aqui, esta
tarde, a questão que tocou e toca a tantos outros territórios: a desagregação das freguesias que foram
agregadas a régua e esquadro.
Quero também felicitar este movimento, e tantos outros, porque esta luta deu, finalmente, resultados. As
freguesias que aqui abordamos hoje, em Matosinhos, no distrito do Porto, bem mostram os problemas de que
falamos quando dizemos que esta alteração, feita administrativamente, foi errada e penalizou milhares de
cidadãos e cidadãs.
Só nestas duas freguesias, Senhora da Hora e São Mamede de Infesta, agregadas, estamos a falar de cerca
de 50 000 habitantes. Muitos concelhos não têm sequer esta dimensão, mas Miguel Relvas, imbuído dos cortes
e reduções do Governo da troica, achou bem, à altura, juntar várias freguesias sem qualquer critério, totalmente
à la carte, e também estas duas. Para relembrar, extinguiu 1168 freguesias, no maior ataque que, em
democracia, se fez ao poder local de maior proximidade.
Ora, finalmente, e fruto da pressão das populações dos territórios que não se conformaram, voltámos a
debater, recentemente, um projeto de lei para criação de freguesias e, precisamente hoje, foi aprovado o texto
final que seguirá para promulgação pelo Sr. Presidente da República. Esta, sim, é uma vitória, e é uma vitória
que responde a esta petição. E explico porquê.
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O Partido Socialista tem inscrita no seu programa, desde 2015, a proposta de reversão da lei e propunha
que ocorresse antes das eleições autárquicas de 2017. Mas não! Com as mãos mais ou menos invisíveis do
PSD, preferiram descentralizar competências, ao invés de ceder autonomia de organização. Não terá sido por
falta de mobilização das populações nem de tempo para aprofundamento. A municipalização de competências
e a eleição dos presidentes das CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento regional), por exemplo,
foi feita num par de meses. Já a reversão das freguesias demorou mais de cinco anos. Foi opção política clara,
do PS e do PSD, e nem para as autárquicas de 2021 teremos este processo já finalizado.
Não fora a insistência do Bloco e de outros partidos e nem sequer estaria consagrado um processo
simplificado para a desagregação e recuperação de freguesias. Sim, no caso da revogação da «lei Relvas» não
se trata de criar novas freguesias mas, sim, de restituir algo que as populações nunca aceitaram que lhes fosse
retirado e por que sempre lutaram nos últimos oito anos: recuperar quer a sua identidade, quer a sua freguesia.
Este processo, retomado tardiamente, peca por não permitir um procedimento mais célere, mas permite que,
finalmente, se desagreguem e criem freguesias como estas, as de Senhora da Hora e São Mamede de Infesta.
Poderão existir de novo, alimentar a sua diversidade e identidade e garantir o apoio de proximidade às
populações e também o poderão fazer de forma mais participada e transparente.
O caso que aqui discutimos é um exemplo em que os representantes eleitos estão de acordo, mas, nos casos
em que não estejam, o Bloco de Esquerda conseguiu inscrever que podem as populações despoletar o
processo. E também isto foi mais uma vitória.
Este tem de ser, sim, um processo que chegue às pessoas. A proximidade, a democracia e a participação
exigem-no e esta petição que aqui discutimos é um exemplo primordial dessa exigência, dessa necessidade e
da urgência de se proceder às reversões. Só assim construímos uma democracia, de facto, participativa.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, em nome do PAN, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começaria por saudar os peticionários, na pessoa do seu primeiro peticionário, Hugo Alexandre Trindade.
Esta petição, assim como muitas outras, contribuiu para o processo que recentemente foi desenvolvido em
sede de especialidade, mas, evidentemente, gostaria de dizer algumas palavras, em particular, às pessoas de
São Mamede de Infesta e da Senhora da Hora.
Para quem conhece São Mamede de Infesta, falamos, evidentemente, de um tecido económico, social,
cultural e desportivo muito próprio, muito vasto e que difere da realidade da Senhora da Hora. Sendo freguesias
com pontos de contacto, representam realidades distintas e com acréscimo demográfico, nomeadamente no
caso da Senhora da Hora.
Com aquela que foi a reorganização administrativa, estamos a falar de se terem congregado numa única
freguesia mais de 50 000 cidadãos e cidadãs. Ora, torna-se completamente impossível para uma equipa de
autarcas dar respostas de proximidade, como se pretende do poder local, a um número tão elevado de pessoas.
Além disso, não podemos esquecer que este processo, remontando a 2013, que ficou conhecido por ter sido
de régua e esquadro, frustrou por completo o conceito de identidade de freguesia, defraudou a lógica de relações
de vizinhança e, como já aqui referi, as políticas de proximidade.
Felizmente, o caminho para a reversão deste erro está aberto, com a nova lei das freguesias.
No processo de especialidade, o PAN marcou a sua presença e procurou contribuir com vista a assegurar
uma lei mais capaz de defender os interesses das populações.
A Senhora da Hora e São Mamede de Infesta não precisarão de recorrer ao regime excecional previsto na
nova lei uma vez que reúnem, de forma clara, todas as condições gerais para que se venham a tornar freguesias
autónomas, sejam até as mais fáceis de verificar, como a história e identidade cultural ou a prestação de serviços
à população, e ainda as mais exigentes, como as que se prendem com a eficiência da gestão pública.
Portanto, resta-nos esperar que, mal a nova lei das freguesias entre em vigor, a Assembleia de Freguesia da
União das Freguesias de São Mamede de Infesta e Senhora da Hora inicie o processo de desagregação das
duas freguesias, para que o Parlamento possa também contribuir para reverter esse erro cometido em 2013.
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Hoje, tal como no dia em que reunimos com os peticionários, o PAN deixa o seu total compromisso com esse
processo.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos agora à intervenção do Grupo Parlamentar do PS e vai usar da palavra a Sr.ª Deputada Palmira Maciel.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Palmira Maciel (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar a minha intervenção saudando a capacidade democrática que os cidadãos têm para fazer eco, nesta Assembleia da
República, de assuntos que parecem ter uma incidência mais local, mas que, no caso em apreço, possibilitou a
associação de mais de 4000 pessoas para mostrarem o seu desagrado pela agregação das suas freguesias.
Saúdo assim os subscritores da petição sobre a «reposição da freguesia da Senhora da Hora e a reposição
da freguesia de São Mamede de Infesta», de que é primeiro subscritor o Sr. Hugo Alexandre Trindade.
A lei não respeitou, não ouviu e não valorizou os interesses das populações, sendo implementada à pressa,
numa atitude autoritária, assim contribuindo para inúmeros casos idênticos ao que hoje é aqui retratado.
Sr.as e Srs. Deputados, vêm os peticionários pedir a reposição de ambas as freguesias (Senhora da Hora e
São Mamede de Infesta), alegando questões territoriais, apontando a diferença da realidade sociocultural, os
usos e costumes, o património, o associativismo desportivo, que, sem menosprezar uma ou outra mas em
paralelo e com tudo o que as distingue e distingue as suas gentes, pode até contribuir para enriquecer uma
maior diversidade nacional.
Alegam ainda a possível perda de eficiência dos serviços prestados à população pelos autarcas locais, que
podem ter dificuldade em dar respostas exequíveis a um território que dizem extenso e tão diferente, já que,
com a reorganização administrativa, a freguesia da Senhora da Hora agregou a freguesia de São Mamede de
Infesta, passando a uma união de freguesias com mais de 50 000 cidadãos.
Por isso, segundo o Movimento pela Freguesia de São Mamede de Infesta e o Movimento pela Freguesia da
Senhora da Hora, «nem sempre a união faz a força».
Sr.as e Srs. Deputados: Estes factos mostram-nos a perda de governo de proximidade, a perda de identidade,
a falta de representatividade, a redução da participação cívica, o acréscimo de dificuldades ou menor eficácia
na gestão de recursos que o processo de agregação de freguesias trouxe.
O dispositivo legal então aprovado, sem critérios bem definidos e sem consulta vinculativa à população,
acarretou consequências profundamente negativas para as populações e, permito-me sublinhar, pôs em causa
a proximidade que caracteriza este nível do poder local.
Sabemos bem que as autarquias locais, designadamente as freguesias, são a primeira porta aberta para as
populações e qual a sua importância no serviço que é prestado todos os dias. Prova evidente disso mesmo é o
trabalho que têm desenvolvido em contexto de pandemia como primeira ajuda aos concidadãos e em
colaboração com outras entidades com responsabilidade direta neste combate.
Sr.as e Srs. Deputados: Em boa hora, assumiu o Partido Socialista o compromisso de, na primeira
oportunidade, promover a correção desta lei e avaliar a reorganização territorial. E foi no sentido do cumprimento
desse compromisso com os portugueses que muito se trabalhou, em conjunto com os restantes partidos,
baseados nas conclusões do relatório apresentado pelo Grupo Técnico para a definição de critérios para a
avaliação da reorganização do território das freguesias, o qual provém de um trabalho desenvolvido em parceria
com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e com a Associação Nacional de Freguesias.
Depois de muito trabalho, muitas audições, muito debate, felizmente, a lei foi aprovada e todas as situações
como aquela que nos chega hoje por via desta petição podem e devem ser reapreciadas e, se for o caso,
revertidas.
Apesar da justiça do conteúdo da petição e de o nosso parecer ser coincidente, a nova lei ainda não foi
publicada, pelo que ainda não produziu efeitos, e é, por isso, nesta altura, um impedimento normativo que
determina que os peticionários só possam ver atendidas as suas preocupações depois de o novo quadro
normativo entrar em vigor.
Nesse sentido, e tendo em conta as premissas da nova lei, designadamente a forma de despoletar o
processo, apelamos aos peticionários para que façam convergir a vontade manifestada nesta petição para a
iniciativa de cidadãos prevista na nova lei, dando, assim, corpo formal a um processo que possa, no final, permitir
a tão desejada desagregação.
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Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista reconhece a importância do serviço que é prestado às populações
e do desenvolvimento promovido pelas juntas e assembleias de freguesia, e tudo fará para que se cumpra uma
reorganização administrativa justa e participada.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, além de se solidarizar com esta causa, estará
empenhado em encontrar, no quadro normativo, a possibilidade de concretizar esse objetivo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes, para uma intervenção.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para, em nome de Os Verdes, saudar os milhares de subscritores da petição que agora discutimos, que pretende
a reposição da freguesia de São Mamede de Infesta e da freguesia da Senhora da Hora.
Em jeito de antecipação, gostaria de dizer que Os Verdes acompanham as preocupações e os objetivos
expressos nesta petição, que pretende remover a injustiça que foi criada com a agregação destas freguesias.
De facto, a freguesia de São Mamede de Infesta e a freguesia da Senhora da Hora foram agregadas na tal
reforma, promovida pelo PSD e pelo CDS-PP, que, de uma assentada, extinguiu centenas e centenas de
freguesias por todo o País, mesmo que os respetivos órgãos autárquicos se tivessem oposto no processo de
consulta que teve lugar no âmbito dessa dita reforma.
Como referem os peticionantes, o território da antiga Junta de Freguesia de São Mamede de Infesta
circunscreve uma realidade sociocultural única e irrepetível, um vasto património afeiçoado por muitas gerações,
que, ao longo dos séculos, foram trabalhando o seu destino comum, produzindo arte, jeitos de falar e de vestir,
usos e costumes que distinguem as suas gentes das de qualquer outra realidade sociológica.
Por outro lado, com a reorganização administrativa, a freguesia da Senhora da Hora agregou a freguesia de
São Mamede de Infesta, reunindo, assim, numa única união de freguesias mais de 50 000 cidadãos, tornando,
na perspetiva dos peticionantes, verdadeiramente impossível a uma qualquer equipa de autarcas locais dar
respostas exequíveis a uma mancha de território com tanta população.
Acompanhamos integralmente os peticionários na sua pretensão de ver repostas a freguesia de São Mamede
de Infesta e a freguesia da Senhora da Hora, como, de resto, defendemos a reposição de todas as freguesias
extintas, cujos órgãos autárquicos se tenham pronunciado contra essa extinção.
Além disso, consideramos que mesmo aquelas poucas freguesias que obtiveram parecer favorável à
agregação possam, decorridos estes anos, reavaliar a sua decisão, em função das desvantagens ou vantagens
que a agregação trouxe para as respetivas populações.
Era, aliás, esse o sentido da nossa proposta, que o PSD e o PS rejeitaram, para cozinharem uma solução
entre eles, em jeito de bloco central, que impede a reposição de muitas freguesias, mesmo que os seus órgãos
autárquicos e as suas populações assim o pretendam.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, para uma intervenção.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, começo por saudar os subscritores da petição pela reposição da freguesia da Senhora da Hora e da freguesia
de São Mamede de Infesta, acompanhando, naturalmente, os pressupostos desta mesma petição, que, aliás,
se traduzem na intervenção que o PCP tem tido sobre esta mesma matéria.
Passados oito anos desde a extinção das freguesias, há populações e autarquias que continuam a não se
rever no atual mapa das freguesias e que lutam pela reposição das suas freguesias, como é o caso das
populações de Senhora da Hora e de São Mamede de Infesta.
Mesmo com o diploma que foi aprovado, mesmo podendo ser repostas estas duas freguesias, o facto é que
as populações de São Mamede de Infesta e de Senhora da Hora terão de esperar mais uns anos para ter a sua
freguesia de volta, o que não teria acontecido, se tivesse sido aprovada a proposta que o PCP trouxe a
discussão,…
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … repondo as freguesias de acordo com a vontade das populações e de acordo com a decisão dos órgãos autárquicos.
Aplausos do PCP.
Foi isto que foi rejeitado e negou-se às populações da Senhora da Hora e de São Mamede de Infesta que
mais cedo tivessem a sua freguesia de volta! Esta iniciativa legislativa era a solução para estabelecer o
procedimento e os prazos que permitiam a reposição das freguesias, de acordo com a vontade das populações,
e este é o elemento central nesta discussão.
Com a rejeição deste projeto de lei que o PCP trouxe a votação, perdeu-se a oportunidade de se repor as
freguesias a tempo, inclusive, do próximo ato eleitoral para as autarquias, que acontece neste mesmo ano.
O diploma que, entretanto, foi aprovado não responde efetivamente às reivindicações de reposição de
freguesias das populações, onde esta seja a sua vontade, porque o PS, o PSD, o PAN e o Iniciativa Liberal
optaram por definir um conjunto de critérios restritivos que impedem que muitas freguesias no nosso País
possam ser, efetivamente, repostas, de acordo com a vontade das suas populações.
Lembramos que, no início da discussão das várias iniciativas legislativas, o PCP afirmou que estávamos
perante duas matérias distintas. Uma era a discussão sobre a definição dos critérios para a criação de novas
freguesias, ou seja, freguesias que não existiam no passado, uma vez que, atualmente, não existe legislação
para tal, porque o Governo do PSD/CDS, quando liquidou as freguesias que liquidou, revogou, também, a
legislação que determinava os critérios para a criação de freguesias. Este era um assunto que deveria ser
tratado.
Um outro assunto que também deveria ser tratado com a devida relevância, ou seja, a outra matéria distinta
era a criação de um regime transitório excecional para repor as freguesias, de acordo com a vontade das
populações e dos órgãos autárquicos. Neste regime transitório, o elemento central devia ser o respeito pela
posição das populações e dos órgãos autárquicos destas mesmas freguesias.
Neste momento, com o diploma que está aprovado, muitas são as freguesias no nosso País que não serão
devolvidas às suas populações, mesmo tendo as populações vontade de ter a sua freguesia de volta.
Lembramos que, em todo o processo legislativo que teve lugar, os sucessivos atrasos do Governo na entrega
da proposta na Assembleia da República, a dilação do normal andamento dos trabalhos na comissão
competente e a rejeição da proposta do PCP…
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Esse é que é o problema!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … tiveram consequências, porque impossibilitaram a reposição das freguesias neste mesmo ano de 2021.
Se, em 2017, isto já teria sido possível — como, aliás, o PCP propôs —, também teria sido possível, em
2021, devolver as freguesias a todas as populações que quisessem a sua freguesia de volta.
O PCP, honrando os compromissos assumidos com as populações, propôs soluções e bateu-se até ao último
minuto, não desperdiçando nenhuma possibilidade para que todas as populações que quisessem as suas
freguesias extintas de volta as pudessem, efetivamente, ter.
O PS, o PSD, o CDS, o Iniciativa Liberal, o Chega e o PAN impediram essa solução.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A próxima intervenção cabe ao PSD, tendo a palavra o Sr. Deputado José Cancela Moura.
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos uma petição que, simbolicamente, representa a vontade de milhares de cidadãos, que, durante os últimos oito anos, no exercício
dos seus direitos de cidadania, defenderam com convicção um sentimento de pertença e reclamam
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genuinamente a restauração da sua identidade coletiva. Neste caso, falamos dos cidadãos de Senhora da Hora
e de São Mamede de Infesta, em Matosinhos. É louvável e meritório.
Mas, em nome da verdade, importa, desde logo, dizer que só existiu reforma administrativa, porque a
extinção de freguesias foi sempre um desejo dos Governos do Partido Socialista.
Vamos aos factos: há 10 anos, o secretário de Estado das autarquias José Junqueiro anunciava o propósito
de extinguir todas as freguesias com menos de 1500 eleitores. Praticamente metade!
Aplausos do PSD.
Risos de Deputados do PS.
A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Oiçam! Oiçam!
O Sr. João Oliveira (PCP): — E o PSD bate palmas!
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Muito antes, em 2005, António Costa, então Ministro de Estado e da Administração Interna, já havia advogado a extinção das freguesias com menos de 1000 eleitores. O ministro
Pedro da Silva Pereira — outra vez o Governo de Sócrates —, antes do Memorando de Entendimento,
confessou, indo até mais longe, que a intenção do PS era a de acabar com dois terços das freguesias.
A reforma fez-se com intervenção externa, em estado de emergência nacional. Fez-se no tempo imposto
pelo PS e não no tempo escolhido pelo PSD. Mas, apesar dos factos, o PS escolheu o PSD como bode expiatório
e prometeu ao País reverter a agregação de freguesias. Porém, fê-lo tarde e a más horas.
Depois de duas tentativas falhadas do ministro Cabrita, António Costa protelou até à exaustão e entregou o
diploma no final do ano passado, seis longos anos depois da promessa, bem sabendo que era objetivamente
impossível discutir e aprovar esta lei em tempo útil.
Portanto, não há novas freguesias nas próximas eleições autárquicas, porque o PS faltou à palavra dada,
porque o PS não quis.
Mas também não há novas freguesias por culpa do PCP,…
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Oh!
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — … sobretudo pela demagogia com que participou no debate, porque apresentou um projeto de lei para retirar ganhos políticos, porque apresentou um requerimento para precipitar
a votação da lei, sem audição das entidades externas, e porque, numa completa falta de lealdade, a meio da
discussão, requereu a votação do próprio projeto em Plenário, para fazer outro número.
Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
O PCP alimentou estes jogos florais e, depois, queria obrigar o País a entrar em modo eleitoral durante quatro
anos, fazendo de cada junta uma comissão eleitoral!
Protestos do PCP.
Também como faz sempre, o PCP propunha reverter todas as freguesias, dar tudo a todos, como é habitual.
Protestos do PCP.
Mas, desta vez, enganaram-se. Foram vítimas da sua própria narrativa.
Quer o PCP, quer o Bloco de Esquerda, tiveram seis anos e outras tantas oportunidades para, no âmbito da
mercearia da geringonça,…
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Protestos da Deputada do PCP Diana Ferreira.
… fazer com a desagregação de freguesias o que fizeram com a reversão da privatização da TAP
(Transportes Aéreos Portugueses) ou com a redução do horário da função pública.
No caso, cabe um dito da minha terra: «Para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.»
Protestos de Deputados do PS.
E o Bloco também andou muito mal — não sei porque é que reclama vitória neste processo —, porque propor
um referendo local para desagregar freguesias só podia ser ideia de um partido sem implantação autárquica,
que não valoriza a política de proximidade.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Isso é tudo para não o condenarem!
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Um referendo, neste caso, seria impraticável e manifestamente desnecessário, em primeiro lugar porque a vontade política das populações emana dos órgãos autárquicos
legitimamente eleitos, nomeadamente das assembleias de freguesia, e, em segundo lugar, porque não haveria
Tribunal Constitucional que chegasse para mais de 4000 perguntas de assembleias de freguesia que não
existem.
O PSD é um partido do poder local…
Risos do Deputado do PCP João Oliveira.
… e confia em todos os autarcas sem exceção, incluindo os do Bloco de Esquerda, do PCP ou do PS, que
terão toda a legitimidade para decidir sobre a desagregação.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Afinal, era uma anedota!
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Foi em nome desses autarcas, entre os quais também me incluo, que honrámos o compromisso, sem preconceitos, sem tibiezas, de participar na revisão desta reforma que o PS
impôs e que o PSD foi obrigado a implementar.
Dos nossos contributos, integralmente acolhidos, destaco três alterações essenciais que deixam a nossa
marca e que melhoraram significativamente o diploma. Uma delas é a criação de um regime transitório que
permitirá que a desagregação de freguesias ocorra em condições iguais às que ocorreram na agregação…
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Só mais 1 minuto, Sr. Presidente, para concluir o raciocínio.
Protestos de Deputados do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Mais 1 minuto não pode ser, Sr. Deputado. Lamento, mas não pode ser!
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — A segunda alteração impossibilita os presidentes de junta, agregadas ou desagregadas, de poderem beneficiar de uma nova contagem de prazo, para moralizar o sistema, e a terceira
alteração permite aos cidadãos a faculdade de poderem requerer a desagregação de freguesias.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — Para terminar, temos de dizer que o PSD tem a consciência do dever cumprido.
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Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do CDS, para uma intervenção.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, cumprimentar os peticionários, que nos trazem uma petição para reverter a União de Freguesias de São
Mamede de Infesta e Senhora da Hora, que, como todos sabemos, foi feita na última reforma das freguesias.
Creio que, quanto aos resultados, eles já estão mais ou menos estabelecidos, porque, pela mão do bloco
central, do PS e do PSD, a reforma das freguesias já foi revertida. Portanto, o que é natural é que estas
freguesias que desejam voltar à sua condição inicial o possam fazer.
Mas gostava de deixar clara a minha opinião, até porque aquilo que percebo deste debate é que vai haver
autárquicas e há muita vontade de iniciar a caça ao voto.
Vale a pena perguntarmo-nos para que servem as freguesias e qual é o seu objetivo. É que muitos aqui
falaram da reforma das freguesias, todos para a atacarem, inclusive o partido que foi um dos seus coautores.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Ora!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Mas ninguém aqui se perguntou porque é que a reforma das freguesias nunca foi terminada. Isto porque a reforma das freguesias pressupunha a criação de escala e pressupunha mais
competências para as freguesias.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — O PS, que imediatamente quis reverter isso, surpreendentemente com o apoio do PSD, boicotou esta reforma das freguesias.
E é assim que vamos voltar a ter freguesias que permitem aos Srs. Deputados, em cada um destes locais,
fazer grandes discursos, mas que, Sr.as e Srs. Deputados, não servem as populações.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Muito bem!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Enquanto não formos capazes de discutir a descentralização percebendo que os meios têm de sair do Estado central e passar para as câmaras e das câmaras para as
freguesias e que sem isso não vale de nada estar a constituir corpos que pouco mais são do que lojas do cidadão
e que não prestam o serviço que têm de prestar às populações, enquanto não houver capacidade de discutir
este assunto de frente, aquilo que vamos estar a discutir é a criação de cargos políticos ao nível da freguesia e,
pura e simplesmente, a não resolver o problema das populações.
E é isso que é lamentável que tenha acontecido nesta reforma.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Ainda neste ponto e por um tempo relativamente curto, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Cancela Moura, de facto, isto foi um número interessantíssimo.
O Sr. Deputado tem razão: para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu.
O Sr. José Cancela Moura (PSD): — São vocês todos!
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O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Então, vamos aos factos, Sr. Deputado. O PSD extinguiu mais de 1000 freguesias por todo o País…
A Sr.ª Isaura Morais (PSD): — Mas porquê?!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … e nem mesmo aquelas cujos órgãos autárquicos deram parecer negativo escaparam à fúria agregacionista do PSD, nem mesmo essas,…
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … porque até essas foram extintas. E agora ouvimos o Sr. Deputado Cancela Moura dizer que a culpa é de todos menos do PSD!
Ó Sr. Deputado, tem razão: para quem não tem vergonha, todo o mundo é seu!
Aplausos do PCP e de Deputados do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Terminamos, assim, este ponto da ordem do dia. Passamos ao ponto 6, com a apreciação da Petição n.º 110/XIV/1.ª (APDASC - Associação Portuguesa para
o Desenvolvimento da Animação Sociocultural) — Estatuto profissional da carreira de animador sociocultural,
juntamente com, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 649/XIV/2.ª (BE) — Reconhece e regulamenta o estatuto
profissional da animação sociocultural e do Projeto de Resolução n.º 1308/XIV/2.ª (PCP) — Recomenda ao
Governo o reconhecimento e a regulamentação da profissão de animador sociocultural.
Está presente nas galerias uma delegação dos peticionários e das peticionárias, a quem a Mesa saúda.
Vamos entrar neste debate, logo que as Sr.as e os Srs. Deputados possam tomar devidamente os seus
lugares. Para começar, tem a palavra, para apresentar a respetiva iniciativa legislativa, o Sr. Deputado José
Soeiro, do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria começar por cumprimentar os representantes dos peticionários que estão aqui hoje, a assistir a este debate.
E queria dizer que, em escolas e nas autarquias, em projetos de desenvolvimento local e de intervenção
comunitária, em hospitais e em museus, em associações culturais e em estruturas residenciais para idosos, em
centros de dia ou nos centros de atividades ocupacionais para crianças com deficiência, nos centros de
atividades de tempos livres ou nas escolas, em atividades sociais, turísticas, educativas, em instituições ou nos
espaços públicos, no setor público e no setor privado, são múltiplos os contextos em que intervêm os animadores
e as animadoras socioculturais.
Na realidade, a animação sociocultural surgiu em Portugal na década de 70 do século XX e a revolução do
25 de Abril de 1974 deu um impulso e criou um momento de expansão e de consolidação de iniciativas que
nasciam da educação popular, da intervenção comunitária, do envolvimento militante. Desde aí, e nos anos
seguintes, iniciou-se um percurso de profissionalização dos animadores e das animadoras socioculturais,
sobretudo no movimento associativo e no movimento cooperativo.
No final da década de 80 do século passado, surgiram os cursos técnico-profissionais e foi criado também o
primeiro curso de animação sociocultural no ensino superior, na Cooperativa Árvore, no Porto.
Na década seguinte, sobretudo no ensino superior politécnico, multiplicaram-se os cursos de animação com
grau de bacharelato e com grau de licenciatura. E atualmente, praticamente em todas as instituições do ensino
superior politécnico existem cursos de animação sociocultural, que formam profissionais que desempenham
funções relevantes em todo o tipo de contextos.
A animação sociocultural tem esta raiz na intervenção na comunidade e é hoje um instrumento de
envolvimento e mobilização das populações e de desenvolvimento interdisciplinar dos indivíduos e dos grupos,
com o objetivo, certamente, de despertar neles as suas próprias capacidades, de apoiar e organizar a sua
iniciativa, de valorizar e pôr em ação o seu potencial.
Só que, como noutras áreas, a uma crescente exigência em termos de qualificação e de reflexividade, não
tem correspondido uma equivalente valorização laboral e salarial dos animadores e das animadoras.
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É, certamente, por isso que a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural, a
APDASC, decidiu lançar este processo e trazer a este Parlamento a exigência, sob a forma de uma petição com
mais de 4000 subscritores — que cumprimento e felicito novamente — de um enquadramento laboral, de um
estatuto socioprofissional.
Os objetivos da petição são, no fundo, os mesmos do projeto de lei do Bloco de Esquerda, que hoje é debatido
em conjunto com a petição da APDASC e que será amanhã votado nesta Assembleia. Trata-se, no fundo, de
pôr fim à injustiça de que são alvo os e as profissionais da animação sociocultural em Portugal, esclarecendo o
seu papel, garantindo o reconhecimento das suas funções em todos os contextos laborais, combatendo a
precariedade e a desvalorização salarial.
É certo, dirão alguns, que não teria necessariamente de ser o Parlamento a estabelecer tal regulamentação,
mas se outros não o fazem não alijemos nós a possibilidade, a capacidade e a responsabilidade que também é
nossa.
Aliás, não estaremos a dar um passo inédito com a aprovação deste estatuto. O Parlamento, este
Parlamento, deu exatamente o mesmo passo em junho de 2019, sem quaisquer votos contra, relativamente ao
estatuto profissional dos criminólogos.
É essa a nossa expectativa também relativamente a este projeto que hoje trazemos a debate, que ele possa
ser aprovado, que desça para discussão na especialidade em sede de comissão, que seja melhorado, corrigido,
trabalhado com o contributo de todos os grupos parlamentares, que seja uma realização do Parlamento e
também um tributo ao trabalho dos animadores e das animadoras socioculturais.
Assim desejamos e, com este espírito de abertura, apelamos aos outros grupos parlamentares que se
empenhem connosco neste processo.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Também para apresentar a iniciativa legislativa do seu grupo parlamentar, tem a palavra, em nome do PCP, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria começar por cumprimentar os mais de 4300 subscritores desta petição, bem como a APDASC, a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento
da Animação Sociocultural, que dinamizou esta petição, e saudar também os animadores socioculturais, pelo
trabalho que desenvolvem junto das crianças, dos jovens, dos idosos, de pessoas com deficiência e junto de
muitos grupos sociais, nomeadamente de grupos e populações em situação de risco ou em situação de
fragilidade social.
É um trabalho de grande importância comunitária nas instituições e também nas comunidades em que se
inserem e que a não-valorização da sua profissão coloca em causa.
Os trabalhadores que exercem estas funções, os animadores socioculturais, vivem uma realidade de
desvalorização da sua profissão, devido ao não-reconhecimento, à não-valorização da sua atividade, sendo
confrontados com situações de precariedade, de instabilidade, de baixos salários, o que é, naturalmente, de
uma profunda injustiça para estes trabalhadores e para as suas famílias, que são atingidas pelas condições de
trabalho degradadas que estes profissionais vivem diariamente.
Mas isso também pode trazer consequências ao próprio trabalho desenvolvido com os vários grupos sociais
com os quais intervêm os animadores socioculturais. Falamos de trabalhadores do setor público — muitos em
escolas, mas não só — e do setor privado, nomeadamente no setor social, em IPSS, que, trabalhando com
diferentes públicos e desenhando intervenções direcionadas a realidades e a especificidades identificadas, não
têm a devida valorização.
O não-reconhecimento efetivo da sua profissão significa não terem perspetivas de progressão e de evolução
na carreira, de valorização salarial, de valorização da experiência e do conhecimento adquiridos com o
desempenho das funções, nem terem perspetivas de estabilidade nas suas vidas para que possam construir um
projeto de vida pessoal e familiar.
Esta instabilidade é gerada também pelo facto de, em muitas situações, os animadores socioculturais terem
o seu trabalho definido por projetos. Saltam de projeto em projeto e o seu salário dura o tempo que durar o
projeto, quando, na prática, as suas funções e o desempenho das mesmas têm continuidade no tempo.
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O trabalho desenvolvido e a intervenção que fazem nas instituições e nas comunidades foram necessários
ontem, são necessários hoje e serão também necessários daqui a um mês, daqui a um ano. Esta estabilidade
tem também de ser garantida.
Este é um problema que o PCP, assinalando, diz que importa que seja resolvido, nomeadamente através da
estabilidade dos vínculos destes trabalhadores e da estabilidade das várias intervenções que são garantidas
pelos animadores socioculturais.
Entendemos que o Governo tem uma responsabilidade primeira, da qual não se pode descartar, de
reconhecimento da profissão de animação sociocultural, da sua regulamentação e da definição de um conjunto
de elementos de acesso, bem como de reconhecimento e valorização de todos os trabalhadores que a
desempenham, nomeadamente através da estabilidade do vínculo e da sua valorização salarial, devendo todos
estes e outros elementos ser deferidos com o envolvimento das organizações representativas dos trabalhadores.
É exatamente isso que propomos, que, num prazo de 60 dias, o Governo tome as medidas necessárias para
o reconhecimento e valorização da profissão de animador sociocultural, em articulação com as organizações
representativas dos trabalhadores, devendo ser considerados, entre outros aspetos, os conteúdos profissionais
da profissão, as condições de acesso à carreira de animador sociocultural — incluindo as dimensões da
formação adequada para o exercício das funções definidas —, a definição de carreira e de condições para o
exercício da atividade e a definição de progressões e de remunerações associadas, sem prejuízo, naturalmente,
de disposições que possam ser definidas em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
É com o objetivo de contribuir para resolver o problema sentido pelos animadores socioculturais que o PCP
apresenta esta iniciativa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Passamos agora ao debate mais geral. Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do CDS.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deixo um cumprimento especial à Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural e aos 4372 subscritores da
petição, fazendo-o na pessoa primeira peticionária, a Presidente da Associação, Dr.ª Isabel Filipe.
Resumidamente, solicitam os peticionários que o estatuto profissional da carreira de animador sociocultural
seja discutido em Assembleia da República e aprovado em Diário da República.
Queria destacar, Srs. Deputados, que a animação sociocultural é uma atividade da maior relevância.
Poderíamos destacar todas as referências e o significado que tem para a UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), mas queria destacar o papel determinante que têm tido os
animadores socioculturais no apoio às instituições sociais e às populações mais desfavorecidas, em especial
aos mais idosos.
Estes profissionais deverão ter um papel importantíssimo — têm-no não só agora, mas irão tê-lo no futuro —
no conjunto de políticas de combate à solidão, na promoção de políticas que têm em vista programas de
envelhecimento ativo, ou seja, deverão ter uma presença muito significativa junto de instituições sociais, centros
de dia, centros de convívio e espaços seniores.
Desde o 1.º Congresso Nacional de Animação Sociocultural que a Associação propõe um estatuto
profissional do animador sociocultural bem como a necessidade da sua profissionalização. Portanto, não
estamos a falar de algo novo, estamos a falar de uma reivindicação que já vem com mais de uma década e
queria deixar esta referência. Daí o CDS não estar insensível aos argumentos apresentados pela Associação
quer na petição quer em sede de audiência.
Contudo, temos o Decreto-Lei n.º 37/2015, que estabelece o regime de acesso e exercício de profissões e
de atividades profissionais e que refere que o exercício de uma profissão ou atividade profissional pode ficar
sujeita à verificação de um conjunto ou de alguns requisitos profissionais. Acrescenta também que incumbe à
Direção-Geral de Emprego e das Relações de Trabalho acompanhar de uma forma permanente os regimes de
acesso ao exercício de profissões ou às atividades profissionais.
Refere ainda que incumbe à Direção-Geral de Ensino Superior garantir a articulação dos regimes de acesso
e exercício de profissões ou as atividades profissionais com o sistema de ensino superior. Nestes termos, a
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capacidade que a Assembleia da República tem para acolher as pretensões dos peticionários está em parte
limitada pela lei.
Por isso mesmo, a Comissão de Trabalho e Segurança Social solicitou, em 15 de setembro de 2020,
informação do teor da petição à Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e, em especial, à
Direção-Geral de Emprego e das Relações do Trabalho.
De facto, não deixa de ser lamentável que, passados mais de oito meses, o Governo não tenha prestado
qualquer informação ao Parlamento. O Governo não respondeu ao Parlamento como também não responde,
desde 2019, a esta associação, que aguarda uma resposta da Sr.ª Ministra, segundo informações de que
dispomos.
Esta falta de consideração pelos cidadãos em geral e pelos animadores socioculturais em particular é grave
e é de lamentar.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não vou terminar sem antes referir algo que nos parece também
importante e que não pode passar despercebido neste debate: foi relatado pelos peticionários, em sede de
audição, que muitos animadores socioculturais foram dispensados com o surgimento da pandemia COVID-19,
uma vez que os empregadores não reconheciam a atividade destes profissionais, o que é lamentável e não
deveria ter acontecido.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr. Deputado, queira concluir, se faz o favor.
O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente, destacando que os animadores socioculturais irão ter um papel determinante e decisivo no futuro no apoio às populações mais desfavorecidas,
aos idosos, às pessoas portadoras de deficiência, pelo que deve haver uma palavra de esperança para com
todos eles.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostaríamos de saudar os mais de 4000 peticionários e agradecer a iniciativa que aqui nos trazem.
O primeiro curso superior de Animação Sociocultural foi autorizado em 1989, ao abrigo da Cooperativa de
Ensino Superior Artístico, Árvore, no Porto. Posteriormente, foram criadas ofertas em diversas instituições de
ensino superior, às quais se foram associando outras possibilidades ao nível das escolas profissionais, do IEFP
(Instituto de Emprego e Formação Profissional) e ainda cursos de curta duração, que foram captando o interesse
de diversas pessoas e alargando estas ofertas formativas um pouco por todo o território nacional. Evidentemente
que este interesse também decorreu da necessidade de dar resposta, de intervir enquanto animador
sociocultural.
Apesar da especificidade de competências e funções exigidas, a profissão do/a animador/a sociocultural
sofre as consequências do vazio legal por falta de regulamentação.
Face à heterogeneidade de públicos e contextos em que estes profissionais trabalham, são essenciais os
conhecimentos e competências técnicas, mas também as competências pessoais e interpessoais em que a
inteligência emocional é um fator-chave. Esta profissão exige elevada capacidade de adaptação, resiliência,
dedicação e responsabilidade, mas também capacidade de trabalho em equipa.
Trata-se de profissionais aptos a desenvolver a sua atividade nos mais diversos contextos, em autarquias
locais, nos equipamentos educativos, em instituições de apoio à terceira idade, junto de grupos de jovens e
grupos comunitários em geral.
Nas palavras de alguns destes profissionais, que gostaria de lembrar, o que mais os motiva é a possibilidade
de trazerem felicidade no dia a dia aos seus utentes, através de atividades que levam em conta as suas
características, vivências e histórias pessoais, contribuindo para a melhoria das condições de vida de muitas
pessoas.
Embora as instituições e os projetos compreendam a relevância destes profissionais e requeiram já a sua
integração nas equipas, a verdade é que, não sendo esta uma carreira devidamente reconhecida ou
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regulamentada, não se encontram definidas as exigências, os requisitos, as funções e as responsabilidades que
estes profissionais assumem ou que deveriam assumir.
Para o PAN, é claro que é fundamental tratar a área social com o mesmo rigor e exigência a que se obrigam
outras áreas profissionais, com um enquadramento legal que proteja profissionais, entidades empregadoras e
beneficiários.
Acompanharemos, por isso, todas as iniciativas que aqui hoje são trazidas a este debate.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Além dos partidos que apresentaram iniciativas legislativas, a Mesa não regista inscrições, pelo que aguardamos que isso seja rapidamente superado.
Pausa.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mara Coelho, do Partido Socialista.
A Sr.ª Mara Coelho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por saudar, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação
Sociocultural, promotora desta petição, aqui presente, bem como todas e todos os peticionários que promoveram
esta iniciativa.
É exatamente por aqui que queremos começar. A pandemia foi avassaladora para muitos setores, para o
modo de vida, para a forma como vivemos, socializamos e trabalhamos. Mas a pandemia foi também
responsável por ter mudado ou clarificado muitas perceções sobre a importância de um Estado social e de uma
economia social.
Por isso, não podemos deixar de reforçar a importância que o SNS (Serviço Nacional de Saúde), a segurança
social pública e o sistema de educação público tiveram durante este período que estamos a viver — durante
este período, tiveram a capacidade de disponibilizar à população os serviços necessários —, mas também toda
a economia social, onde quero destacar, reconhecer e valorizar a importância das e dos animadores
socioculturais, pelo seu trabalho, pela importância que, nas suas diversas frentes, têm na comunidade local, nas
comunidades intermunicipais, nas autarquias locais, nas IPSS, nas Misericórdias, no setor privado e no Estado
central.
Aliás, tal desiderato faz jus à conhecida resolução do Conselho de Ministros, de 1974, que reconhece a
necessidade de estimular a participação das populações locais no processo do seu próprio desenvolvimento e
na dinâmica global da vida sociocultural em que estão integradas, e cuja necessidade se reafirmou neste último
ano e meio.
A Sr.ª Ana Catarina Mendonça Mendes (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Mara Coelho (PS): — Hoje, discutimos também um projeto de lei da iniciativa do Bloco de Esquerda que pretende reconhecer e regulamentar o estatuto profissional da animação sociocultural e um projeto de
resolução do PCP com o mesmo objeto.
Neste sentido, no âmbito do projeto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, é preciso deixar muito claro
que temos presentes as preocupações dos profissionais de todos os setores da animação sociocultural, sendo
por isso para nós relevante não estrangular a carreira nas suas várias dimensões, quer no público, quer no
privado. Isto, sabendo que, no público, a regra é a da carreira geral, nos termos da Lei Geral do Trabalho em
Funções Públicas. No entanto, para o Partido Socialista, é ainda mais relevante que não se bloqueie o acesso
a todos os profissionais que, nas suas diferentes funções, são determinantes para o exercício da animação
sociocultural, sem prejuízo de outros.
Tal como está definido na nossa Constituição, no artigo 47.º, «todos têm o direito de escolher livremente a
profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à
sua própria capacidade». Portanto, embora a regra seja a da livre escolha de profissão, o seu exercício poderá
sofrer restrições impostas por lei, devidamente justificadas, como única forma de salvaguardar o interesse
coletivo.
Ora, a Lei n.º 2/2021, que debatemos nesta sessão legislativa, estabelece o regime de acesso e exercício
de profissões e de atividades profissionais, bem como o regime aplicável à avaliação da proporcionalidade prévia
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à adoção de disposições legislativas que limitem o acesso a profissões. Para que isso aconteça, deve ser
acompanhado de explicação que o justifique e fundamente de forma pormenorizada para permitir avaliar a
conformidade com o princípio da proporcionalidade, devendo assentar em elementos qualitativos, de forma
objetiva e independente.
Portanto, respeitar e valorizar os trabalhadores da animação sociocultural é garantir que nenhum deles e
delas fica para trás neste processo por o mesmo ter sido feito sem o debate necessário, sem ter sido tida em
conta a natureza dos riscos, tal como prevê a lei, relacionados com os objetivos de interesse público visados,
em especial os riscos para os beneficiários do serviço ou para os profissionais ou terceiros. Esta atividade tem
ação em setores vulneráveis da sociedade, que merecem, realmente, que se estude o impacto desta medida,
que poderá, no limite — não sabemos —, contribuir para a exclusão de dezenas, centenas de profissionais da
animação sociocultural, podendo ter um efeito contrário e avassalador.
Por isso, a nosso ver, todo e qualquer estatuto profissional deve ser precedido de um estudo de oportunidade
com análise de impactos e possíveis efeitos colaterais, coisa que não está prevista neste projeto de lei, razão
pela qual não o podemos acompanhar, por não assegurar a proteção de todos os profissionais da animação
sociocultural, por, em si mesmo, poder incluir barreiras e por não garantir a avaliação da proporcionalidade
exigida e necessária.
Não somos só nós que o dizemos. O mesmo foi também referido no âmbito dos contributos à iniciativa em
apreciação pública, que passo a citar: «Tem implicação direta na profissão dos animadores socioculturais, no
seu enquadramento e nas suas funções, não devendo ser aprovados sem uma discussão séria e alargada que
inclua todos os intervenientes, profissionais, escolas, universidades, instituições e demais interessados», o que
não exclui que se continue, naturalmente, a reforçar o combate à precariedade, como tem sido feito por este
Governo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ofélia Ramos.
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por saudar a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento da Animação Sociocultural e os milhares de subscritores da
petição que hoje discutimos e que se revela da maior importância. É da maior importância porque expressa um
conjunto de preocupações dos animadores socioculturais, sinalizando a necessidade de ser aprovado um
estatuto profissional para a animação sociocultural.
O PSD acompanha estas preocupações porque, além de justas, trazem para o debate político uma atividade
profissional que se revela da maior importância enquanto resposta às populações e enquanto instrumento para
o desenvolvimento integrado dos indivíduos e dos grupos onde os mesmos se inserem.
Apesar de acompanharmos estas preocupações, não podemos deixar de relembrar que a liberdade de
escolha e acesso às profissões é um direito fundamental constitucionalmente consagrado e compete a esta
Câmara assegurar e garantir essa efetiva liberdade de acesso. Esta consagração constitucional está, aliás,
concretizada e densificada na já mencionada Lei n.º 2/2021, que foi publicada no passado mês de janeiro, tendo
sido aprovada por esta Câmara em dezembro de 2020.
Este diploma não só aprovou o regime de acesso e exercício de profissões e de atividades profissionais,
como também aprovou um regime aplicável à avaliação da proporcionalidade prévia à adoção de disposições
legislativas que limitem o acesso a profissões, transpondo para o ordenamento jurídico português a Diretiva (UE)
2018/958, do Parlamento Europeu e do Conselho.
Srs. Deputados, as iniciativas que hoje se debatem, a par do desejo que todos temos de reconhecer e
valorizar a animação sociocultural como atividade profissional, merecem e exigem o cumprimento da lei que
esta Assembleia da República aprovou no passado mês de dezembro, não fosse esta a Casa da democracia.
Merecem que se reconheça, como princípio geral consagrado naquele diploma, que os regimes de acesso e
exercício das profissões devem ser livres, devem garantir a igualdade de oportunidades, o direito ao trabalho, o
direito à liberdade de escolha da profissão e de trabalho e a livre circulação de trabalhadores e prestadores de
serviços.
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Merecem que se cumpram os normativos legais que foram aprovados por esta Câmara com o objetivo de
evitar restrições ao acesso e exercício de profissões desproporcionais aos fins públicos que se pretendem
salvaguardar.
Dispensam, por isso, que se ceda à tentação da demagogia e do populismo a que o Bloco de Esquerda já
nos habituou.
Restringir o direito de acesso às profissões de forma discriminatória é dividir os cidadãos entre aqueles que
já exercem uma atividade profissional e aqueles que gostariam de poder vir a exercê-la, mas que veem esse
direito injustificadamente limitado.
Por isso, é nosso dever garantir que qualquer iniciativa legislativa suscetível de restringir esse direito
fundamental não seja discriminatória, que se justifique por razões de interesse público e que seja adequada
para garantir a realização do objetivo que prossegue, não ultrapassando aquilo que é necessário para atingir
esse objetivo.
Para assegurar estes desideratos, a Lei n.º 2/2021 impõe que a adoção de disposições legislativas que
limitem o acesso e o exercício à profissão deva ser precedida de uma avaliação da proporcionalidade. Esta
avaliação prévia da proporcionalidade deve ser devidamente justificada, deve ser objetiva, deve ser
independente e deve ter em conta todos os elementos instrutórios obrigatórios previstos na lei.
Não compete a esta Câmara fazer tal avaliação nem tal juízo, mas, sim, ao Governo, quando estejam em
causa profissões, como é o caso, que se pretendam regulamentar.
Por outro lado, a referida avaliação da proporcionalidade deve ser objeto obrigatório, mas não vinculativo,
por parte da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), tendo este parecer de ser tido
em conta no âmbito do processo legislativo. Diga-se, aliás, que, nos termos da mencionada lei, qualquer projeto
ou proposta de lei cujas disposições sejam suscetíveis de limitar o acesso a profissão só pode ser discutido e
votado pela Assembleia da República após o mencionado parecer da DGERT.
Ora, a iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda não vem acompanhada de uma avaliação da
proporcionalidade, nem foi objeto de parecer da DGERT. Por isso, esta iniciativa legislativa do Bloco de
Esquerda não passa de um ato de oportunismo político, de cariz meramente partidário e sem qualquer crivo
técnico a que a lei obriga.
Protestos do BE.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Parecer da DGERT?!…
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Sem esta avaliação da proporcionalidade e sem o parecer da DGERT, esta Câmara não dispõe de elementos bastantes e suficientes para garantir a inexistência de restrições
desproporcionais aos fins públicos que se pretendem salvaguardar.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.ª Deputada, queira concluir, por favor.
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente. Srs. Deputados, sejamos sérios, não façam da lei que aprovámos em dezembro letra-morta. Sendo justas e
legítimas as expectativas dos peticionários, deve o Governo diligenciar, com a maior rapidez, os procedimentos
necessários à tomada de decisão sobre esta matéria.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, para intervir na fase final deste debate, em nome do PCP, a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Houve palavras de reconhecimento aos animadores socioculturais por parte de todas as bancadas, houve palavras de reconhecimento à atividade
e às funções que estes exercem e à sua tremenda importância, nomeadamente no âmbito da intervenção social.
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Há todo esse reconhecimento, mas depois é preciso perceber, na prática, que resposta têm a dar,
nomeadamente o PS e o PSD, aos trabalhadores, aos animadores socioculturais, alguns deles aqui presentes.
Como é que vão posicionar-se, efetivamente, perante esta iniciativa que o PCP apresenta, que pede ao Governo
que assuma as suas responsabilidades nesta matéria e que, envolvendo as organizações representativas dos
trabalhadores, defina uma carreira e valorize esta profissão?
Protestos da Deputada do PSD Ofélia Ramos.
É disto que estes trabalhadores precisam, bem como de estabilidade nos seus vínculos laborais e de não
saltarem de ano letivo em ano letivo ou de projeto em projeto conhecendo uma realidade de profunda
instabilidade nas suas vidas.
A questão central que se coloca é como é que estes partidos se vão posicionar face à votação, amanhã,
desta iniciativa apresentada pelo PCP e que resposta têm a dar aos trabalhadores, aos animadores
socioculturais, se estes vão ter de ficar à espera muitos mais anos. É que há quem esteja há 20 anos a exercer
a profissão sem a ver reconhecida nem ter a devida valorização salarial, e isso também não é aceitável.
Aplausos do PCP.
Protestos de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A concluir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na audição dos peticionários, que teve lugar no âmbito da Comissão de Trabalho e Segurança Social, o PS e o PSD disseram que estavam muito
sensíveis e preocupados com o exposto na petição e que se iriam empenhar em dar sequência ao solicitado.
Pergunto: o que fizeram? Pediram algum parecer? Desencadearam alguma iniciativa? Fizeram alguma
coisa? Não! Não fizeram absolutamente nada!
Protestos da Deputada do PSD Ofélia Ramos.
A Sr.ª Helga Correia (PSD): — Pedimos à comissão que fizesse!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Com certeza que, no âmbito da comissão, pedimos informação ao Governo. Isso é o que acontece com todas as petições.
A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Ah!…
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mas, agora, que o Parlamento tem a possibilidade e a oportunidade de decidir, os Srs. Deputados não só não querem decidir nada como querem opor-se às propostas que surgiram.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado, por favor.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sim, Sr. Presidente, só mais 30 segundos. Francamente, alguma vez a Comissão de Trabalho e Segurança Social iria fazer um debate que não fosse
sério e alargado? Então, não podemos pedir os pareceres de que necessitamos se os quisermos pedir? Isso é
impeditivo de hoje iniciarmos esse debate na comissão, ouvindo toda a gente para, precisamente, fazermos uma
lei que não seja discriminatória e que seja adequada e proporcional?
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado!
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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Então, nós, Deputados da Assembleia da República, que temos um mandato popular, não somos capazes de fazer uma lei com essas características?
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr. Deputado!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr.as e Srs. Deputados, o que fizeram aqui hoje foi um gesto de demissão e um atestado de incompetência em causa própria, mas, pela nossa parte, entendemos que é possível e que
devemos aprovar esta legislação e responder aos peticionários que interpelaram este Parlamento.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, terminámos, assim, este ponto da ordem de trabalhos.
A Mesa não deixa de registar, com alguma sensibilidade, e até com alguma emoção, os pedidos de
Deputados que por vezes lhe são feitos no sentido de usarem da palavra «só mais 1 minuto», «só mais 30
segundos»…
Sr.as e Srs. Deputados, na verdade, os tempos são para cumprir…, enfim, com a flexibilidade que o bom
senso naturalmente impõe. Mas pedirem mais 1 minuto ou mais 30 segundos é que não dá!
Vamos passar ao último ponto da ordem de trabalhos de hoje, que consta da apreciação da Petição n.º
111/XIV/1.ª (Francisca Meleças de Magalhães Barros e outros) — Aprovação do estatuto de vítima para crianças
inseridas em contexto de violência doméstica.
Informo que se encontra, na galeria, uma representação dos e das subscritoras desta petição, a quem a
Mesa respeitosamente saúda.
Em simultâneo com esta petição, vamos também discutir, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 630/XIV/2.ª
(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Reforça a proteção das crianças e jovens que vivam em contexto
de violência doméstica ou que o testemunhem, 713/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Altera
o Regime Geral do Processo Tutelar Cível, reforçando o direito das crianças à participação efetiva nas decisões
que lhes digam respeito, 779/XIV/2.ª (PAN) — Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que
testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,
que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das
suas vítimas, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, 849/XIV/2.ª (CDS-
PP) — Consagração do estatuto de vítima para as crianças que testemunhem a prática de violência doméstica
ou que vivam em contexto de violência doméstica e 853/XIV/2.ª (IL) — Reconhece o estatuto de vítima aos
menores que vivam em contexto de violência doméstica ou o testemunhem.
Vamos, então, dar início ao debate.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues para apresentar as suas iniciativas legislativas.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, por coincidência no Dia Mundial da Criança, estão em debate várias iniciativas com vista a uma maior proteção para as crianças no
contexto de violência doméstica. Devemos este debate aos peticionários, que desde já saúdo por terem trazido
este tema novamente a debate e por se recusarem desistir das crianças. A verdade é que, infelizmente, desde
sempre as crianças foram vítimas de violência doméstica.
O entendimento maioritariamente seguido pela jurisprudência é o de que este crime não reconhece a criança
como vítima autónoma, mas como «mero» fator agravante deste crime.
Mas que justiça é esta em que uma criança é agredida no contexto familiar e não é vista como vítima?
É isto mesmo que pretendemos corrigir com a nossa iniciativa, seguindo o parecer do Conselho Superior do
Ministério Público.
A outra proposta diz respeito ao facto de as crianças continuarem a ter diversos obstáculos no acesso à
justiça, pelo que propomos que as conferências de pais devam ser gravadas, que os juízes devam,
obrigatoriamente, ter o apoio de assessoria técnica quando ouvem crianças, assim como deva ser nomeado
advogado oficioso a estas.
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Pretendemos, com estas iniciativas, construir um sistema de justiça adaptado às crianças, que lhes dê voz e
não que as silencie.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Sr.as e Srs. Deputados, dando sequência às intervenções de apresentação das iniciativas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do PAN.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, gostaríamos de saudar e agradecer aos peticionários e peticionárias aqui presentes, em representação de mais de 48 000
peticionários, por trazerem hoje a esta Casa um tema tão importante, neste simbólico Dia da Criança.
O direito a uma infância segura, equilibrada e com afeto é inalienável e da sua garantia depende a capacidade
de a criança construir as bases de uma vida adulta realizada e feliz.
O impacto que a violência doméstica tem nas crianças não pode ser visto como meramente circunstancial
ou como uma externalidade.
Esta importante matéria surge até discriminada num parecer da Procuradoria-Geral da República, onde é
mencionada a ausência de «reconhecimento legal expresso das crianças enquanto vítimas do crime de violência
doméstica quando vivenciam esse contexto no seio da família que integram e quando sejam testemunhas
presenciais dessa mesma realidade.»
Os filhos de mulheres vítimas de violência doméstica têm uma taxa de retenção escolar cinco vezes superior
à média nacional. É uma consequência dos atos violentos a que assistem e que têm efeitos negativos no
rendimento escolar, além de provocar, evidentemente, dificuldades diversas do ponto de vista pessoal e social.
Além disso, mais de metade das crianças e jovens que convivem com situações em que a mãe é agredida não
são ainda sinalizadas junto das comissões de proteção de crianças e jovens.
Há cerca de 28 000 casos denunciados por ano e os menores sinalizados por terem assistido são cerca de
11 000.
Nos termos em que o crime de violência doméstica está atualmente construído, assistimos a um sinal
contrário ao reconhecimento e consagração da criança como vítima autónoma, diferenciada, titular de direitos
próprios e merecedora de idêntica tutela jurídico-penal, tal como indicado no parecer da Procuradoria-Geral da
República, sendo que a prova dessa contradição — e até de desconsideração incompreensível — é que a
criança surja como mero fator agravante do crime-base, em alguns casos.
Considerar a criança como mero agravante é instrumentalizá-la e desconsiderar as graves e profundas
consequências que esta violência acarreta para o crescimento de uma criança.
Não é razoável que se encolha os ombros e se diga que cabe ao tribunal aplicar o já existente estatuto de
vítima das crianças por razão da sua especial vulnerabilidade, quando todos sabemos que é um regime que
deixa muitas dúvidas na aplicação e para o qual é urgente uma clarificação legal. E é a esta Casa que cabe
esclarecer o que anteriormente deixou pouco claro.
Não podemos pensar num futuro onde permitimos, por facilidade, que às crianças vítimas de atos violentos
no contexto familiar não lhes seja dada a devida tutela.
À semelhança da proposta de lei apresentada e chumbada nesta Casa com os votos contra de PS e a
abstenção do PSD, do PCP, do CDS-PP, do PEV e do CH, e uma vez que ainda não foi solucionado o problema,
o PAN apresenta hoje uma iniciativa que visa clarificar o estatuto da criança, por forma a assegurar o
reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que testemunhem ou vivam em contexto de violência
doméstica, procurando efetivar os direitos das crianças e salvaguardar o seu superior interesse.
Nas palavras de Nelson Mandela, «não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a
forma como esta trata as suas crianças.»
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Muito obrigado, Sr.ª Deputada Bebiana Cunha e obrigado também pelo cumprimento escrupuloso do tempo. Tem, aliás, 1 segundo de crédito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Telmo Correia para apresentar a iniciativa legislativa do
CDS-PP.
Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, mesmo na parte final da sua intervenção, citou um autor — mais do que um autor, é uma figura que muito
apreciamos: Nelson Mandela. Dir-lhe-ia que há uma coincidência feliz na data de debate destas iniciativas, que
é a de serem debatidas no Dia da Criança. Devo confessar-lhe que não sou grande entusiasta dos dias disto e
daquilo — acho que já há dias para quase tudo e mais alguma coisa —, mas o Dia da Criança tem um significado
grande, uma simbologia grande, pelo que estarmos a discutir estas matérias no Dia da Criança obviamente que
também é relevante.
Referi-me à questão do autor para, em invocação do dia, escolher um dos grandes autores — talvez, até, um
dos maiores — da nossa língua, que tinha toda a razão quando dizia: «Grande é a poesia, a bondade e as
danças…/Mas o melhor do mundo são as crianças.» Portanto, a propósito de citações, cito Pessoa para explicar
a importância da data e a relevância do debate.
Temos discutido o tema muitas vezes e, se assim fosse, de facto, este debate nem seria necessário. Estou
de acordo que, numa sociedade avançada, evoluída, não deveríamos, sequer, ter necessidade deste debate.
Mas a verdade é que temos, a verdade é que ele está próximo de muitas coisas que discutimos, por exemplo
da Convenção de Istambul, que é uma matéria essencial e que prevê, precisamente, esta possibilidade. E
também é verdade que nós, que aqui temos discutido tantas vezes a violência doméstica, a centramos — e com
razão, não é sem ela — na mulher, que, sabemos estatisticamente, é a principal vítima da violência doméstica.
Mas não podemos ignorar — e temo-lo dito também outras tantas vezes — nem a violência contra idosos,
nem, sobretudo, a violência e a exposição das crianças em contexto de violência doméstica.
Há uma característica muito especial para a qual, de resto, esta petição, que teve quase 45 000 assinaturas
e que aproveito para saudar, cumprimentando e felicitando os peticionários, chamou a atenção nas suas
declarações: se, por exemplo, mesmo as mulheres que são vítimas de violência doméstica são, muitas vezes,
vítimas silenciosas, por várias razões, as crianças são ainda mais vítimas silenciosas, porque muitas vezes
partilham afetos com os agressores, não compreendem o que está a acontecer, têm um receio muito próprio
das crianças, e isso pode fazer com que essa situação traumática a que são sujeitas as acompanhe ao longo
da vida e, obviamente, seja determinante de um ponto de vista negativo.
Não diria que elas próprias se tornarão violentas por isso — depende, pois cada caso é um caso —, mas
todas as crianças expostas a este tipo de violência serão, seguramente, pessoas marcadas e que não
esquecerão, muitas vezes, aquilo que viveram e que presenciaram.
É por isso que o CDS se junta a esta discussão, no pressuposto e no enquadramento dos nossos valores,
segundo os quais os mais vulneráveis na sociedade têm de ser exatamente aqueles que têm de ser protegidos,
e juntamo-nos com um projeto dizendo, precisamente, que a criança não é, por assim dizer, uma vítima ou um
dano colateral da violência doméstica, não é uma vítima porque estava lá, é uma vítima direta da situação de
violência doméstica.
Por isso, estamos de acordo com a alteração do artigo 152.º e propomos também que, efetivamente, o
estatuto de vítima direta nas situações de violência doméstica seja atribuído às crianças, o que nos parece
integralmente justo, correto e consta, de resto, da petição que aqui foi apresentada.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem a palavra, ainda para apresentar uma iniciativa legislativa, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os 45 000 peticionários, na pessoa da primeira subscritora, Francisca Barros.
A violência doméstica é um crime com milhares de vítimas em Portugal, na sua grande maioria mulheres. É
um crime hediondo, com consequências físicas e psicológicas prolongadas no tempo, mas não só para as
vítimas agredidas, também os menores expostos à violência doméstica sofrem estas consequências.
Em 2019, de acordo com o relatório anual de monitorização de violência doméstica do Ministério da
Administração Interna, das participações de violência doméstica às forças de segurança cerca de 31% foram
referentes a ocorrências presenciadas por menores. O mesmo relatório dá conta de que foram recebidas por
essas forças de segurança, em média, três participações de violência doméstica não por mês, não por semana,
não por dia, mas por hora. Ou seja, se um terço destes crimes são presenciados por menores, na próxima hora,
em média, haverá a participação de uma ocorrência de violência doméstica presenciada por menores. É um
dado muito preocupante.
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Hoje, é amplamente reconhecido que a exposição de menores a situações de violência doméstica é
profundamente danosa do seu desenvolvimento saudável. O entendimento de que deve ser atribuído o estatuto
de vítima a estas crianças e jovens e deve ser criado um novo tipo legal de crime para proteger o seu livre
desenvolvimento tem vindo a ser partilhado por entidades muito diversas, como a Ordem dos Advogados ou o
Conselho Superior do Ministério Público.
É isso que hoje propomos, como, aliás, já propusemos no passado. Ainda assim, tem sido difícil obter uma
maioria nesta Assembleia para que este estatuto seja reconhecido e este tipo legal seja criado. Um dos
argumentos mais utilizados é o de que a exposição de menores a violência doméstica é, em si, uma forma de
violência doméstica e que a jurisprudência já assim o entende.
Discordamos que isto obste a esta clarificação, porque sabemos que é rara a jurisprudência que tem seguido
este entendimento e porque os menores afetados não podem ficar à mercê de uma interpretação que pode
salvaguardá-los como vítimas mas que tantas vezes não o faz.
Por isso, hoje, insistimos nesta proposta e, com o objetivo de obter o maior consenso possível, desde já
informamos que iremos requerer a baixa à especialidade do nosso projeto de lei.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Entramos agora nas intervenções das demais forças políticas. Tem a palavra, para a primeira intervenção, a Sr.ª Deputada Elza Pais, do Partido Socialista.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste Dia Mundial da Criança há — já aqui foi dito — uma dimensão simbólica ao falarmos neste Parlamento dos direitos das crianças e de tudo o que
nosso no ordenamento jurídico tem sido feito para as proteger.
Saudamos, por isso, todas as iniciativas legislativas que visem aperfeiçoar o atual regime legal para
robustecer os instrumentos de proteção das crianças vítimas de crime, no caso, vítimas de crime de violência
doméstica, e fazemos uma saudação muito especial aos mais de 48 000 subscritores da petição para a
aprovação do estatuto de vítima para crianças inseridas no contexto de violência doméstica, na figura das suas
primeiras subscritoras, Francisca Barros e Dulce Rocha.
Com efeito, a violência doméstica e a violência contra as crianças continuam a ser — já aqui foi dito — um
grande flagelo, que se mantém em patamares muito elevados, pese embora tudo o que temos vindo a fazer ao
longo destas décadas e tem sido muito. Isto exige de todos e de todas nós os mais redobrados esforços para
encontrarmos soluções inovadoras para continuarmos a combater e a proteger as crianças vítimas vulneráveis.
Os dados oficiais não deixam, Sr. Presidente, qualquer dúvida: dão-nos conta de que uma das primeiras
situações de perigo mais comunicadas às CPCJ (comissões de proteção de crianças e jovens) é a violência
doméstica, com 29% de casos comunicados; de que em cerca de 31% dos casos registados pelas forças de
segurança as ocorrências foram presenciadas por menores; o RASI (Relatório Anual de Segurança Interna)
deste ano dá conta de que a violência doméstica diminuiu 6,3% — não vou aqui trazer à discussão o
silenciamento ou as respostas públicas antecipadas para apoiar e proteger as vítimas —, mas, de todo modo, a
violência contra menores aumentou, ainda assim, ligeiramente.
O combate à violência doméstica — é sabido — tem, efetivamente, assumido prioridade central nas
governações socialistas. Está plasmado no Programa do Governo um conjunto de medidas para combater todas
as formas de violência, em particular contra as mulheres, incluindo os homicídios, bem como o aperfeiçoamento
dos mecanismos de proteção das vítimas, incluindo as crianças e os jovens.
Nesta linha, o Governo apresentou a essa Assembleia uma proposta de lei, que está a ser discutida, na
especialidade, e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou uma proposta de alteração a essa
proposta de lei, também em discussão. Pensamos que é no quadro desse debate que as propostas têm de ser
apreciadas, mas é importante, desde já, que se diga que as crianças não estão desprotegidas no nosso
ordenamento jurídico. Contudo, e temos visto isso ao longo destes tempos, nomeadamente nas audições que
fizemos no quadro da petição, tem vindo a configurar-se a importância de clarificar a lei em vigor, nomeadamente
o texto do artigo 152.º do Código Penal e o artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, de modo a evitarem-se
dúvidas de interpretação na aplicação da legislação para se menorizarem efeitos negativos, que sabemos que
existem, de interpretações menos corretas que podem ser prejudiciais à proteção das crianças.
Nesta linha aponta o GREVIO (Group of Experts on Action against Violence against Women), que diz que
Portugal deve rever a definição de vítima e também que deve promover uma maior articulação entre o tribunal
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de família e menores e os tribunais criminais. Também a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em
Violência Doméstica (EARHVD) recomenda a esta Assembleia que pondere a necessidade e oportunidade de
clarificar o texto do artigo 152.º do Código Penal, e a proposta do Grupo Parlamentar do PS assim fez.
O objetivo será, então, evitar redundâncias, não esquecendo que o regime jurídico em vigor já contempla
várias soluções orientadas para a proteção destas vítimas, e é preciso adequar o artigo 152.º do Código Penal
ao artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, ambos também em conformidade com a Lei n.º 112/2009, de 16
de setembro.
Assim, não destacando algumas questões importantes porque não tenho muito tempo, gostaria de dizer que
é inequívoca a necessidade de proteção das crianças e é fundamental que se esclareça, com clareza, sem
quaisquer dúvidas interpretativas, que as crianças expostas à violência também são vítimas dessa violência e é
importante que se reduza a morosidade dos processos. Para tal, deve considerar-se a possibilidade de o juiz de
instrução criminal aplicar de imediato ao arguido medidas de coação que o afastem da casa e limitem o seu
contato com os menores. Deve igualmente assegurar-se que o perigo de vitimação seja tomado em
consideração no processo de regulação das responsabilidades parentais.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Elza Pais (PS): — Para terminar, Sr. Presidente, permita-me que cite Cecília Meireles, não a nossa colega, mas a poeta: «O último andar é muito longe:/custa-se muito a chegar./Mas é lá que eu quero morar.»
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Beatriz Gomes Dias, do BE.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por saudar as representantes dos peticionários, as mais de 44 000 pessoas que assinaram a petição que insta os Deputados
e as Deputadas a aprovar o estatuto de vítima a crianças inseridas no contexto de violência doméstica.
Esta petição é muito importante, pois traz de novo este assunto à Assembleia da República — não é a
primeira vez que o discutimos e estamos de novo a discuti-lo —, o qual se reveste de um grande simbolismo,
como já foi dito por outros Deputados. As datas simbólicas têm esta importância porque nos convocam à reflexão
sobre condições que precisamos de corrigir e de melhorar, e sem dúvida que precisamos de corrigir e de garantir
alterações legislativas que protejam as crianças que vivam em contexto familiar de violência doméstica.
Estamos a debater a necessidade e a urgência de alterações legislativas que garantam a proteção das
crianças que vivem em contexto familiar de violência doméstica no dia em que se assinala o Dia da Criança,
uma data instituída com o objetivo de sensibilizar toda a comunidade para os direitos das crianças e para a
necessidade de promover uma melhoria das suas condições de vida.
Esta data, que hoje se celebra, convoca-nos a criar condições para melhorar as condições de vida de todas
as crianças, tendo em vista o seu pleno desenvolvimento.
E é isso que esta alteração legislativa deve procurar: temos de garantir condições para uma infância segura,
equilibrada e com afeto, pois sabemos que estas condições são fundamentais para a construção de uma vida
adulta realizada e feliz. É esse o caminho que devemos fazer e é para aí que nos devemos dirigir.
Contudo, há vários obstáculos que devem ser removidos para alcançarmos este objetivo. Desde logo, os
dados revelam que os casos de violência doméstica são presenciados por crianças e que a violência doméstica
é a segunda situação de perigo mais comunicada às comissões de proteção de crianças e jovens.
Estes dados são preocupantes, pois, como sublinham as peticionárias, «as crianças que assistem a episódios
de violência na família e que vivenciam ambientes violentos no seu dia a dia desenvolvem várias patologias,
físicas e psíquicas, que afetam profundamente o seu desenvolvimento, impedindo-as de crescer de forma
harmoniosa, marcando irreversivelmente o curso da sua vida até à fase adulta». Ou seja, são estas as condições
em que as crianças se encontram quando presenciam a violência doméstica e a realidade que temos constatado
é a de que o sistema não responde, adequadamente, a estas crianças.
Embora muitas vezes seja mobilizado o argumento de que a lei já protege as crianças e que nestas situações
elas podem ser consideradas vítimas, o que acontece ao abrigo do Código Penal ou da Lei de Proteção de
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Crianças e Jovens em Perigo, sabemos que isso não acontece e que as crianças raramente, ou nunca, são
consideradas vítimas, ficando por isso desprotegidas.
Como está, o sistema não está a funcionar e, por isso, precisamos de o melhorar, ou seja, este sistema
precisa de aperfeiçoamento. Precisamos de fazer mudanças que sejam transformadoras, que garantam de uma
forma inequívoca a proteção das crianças inseridas em contextos de violência doméstica.
Foi com esta convicção que o Bloco de Esquerda apresentou, logo no início desta Legislatura, o Projeto de
Lei n.º 1/XIV/1.ª, que era a revisitação de uma proposta já muito discutida e que colocava a necessidade
expressa de as crianças testemunhas de casos de violência doméstica serem consideradas vítimas de violência
doméstica. Esta proposta, embora tenha sido a nossa primeira proposta, demonstrando a convicção e o
compromisso com esta medida, foi rejeitada com os votos contra do PS.
Contudo, não desistimos, insistimos, e apresentámos propostas de alteração à Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª,
do Governo, que altera o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à
assistência das suas vítimas. Propomos, novamente, que as crianças que vivam em contexto de violência
doméstica ou que a testemunhem sejam sempre consideradas vítimas, ainda que não sejam o alvo direto da
violência.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Beatriz Gomes Dias (BE): — O debate está em processo de especialidade e temos a expectativa de que as nossas propostas sejam aprovadas para garantir, assim, a proteção específica e explícita das crianças
vítimas.
Muito obrigada, Sr. Presidente, pela sua tolerância.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A petição que hoje aqui discutimos — a qual saudamos, tal como saudamos os seus signatários — coloca-nos o problema das crianças vítimas de
situações de violência doméstica e do seu direito a uma infância segura.
A erradicação da violência doméstica e a defesa das crianças face à violência são certamente objetivos em
torno dos quais há um longo caminho a percorrer. Há, com certeza, melhorias a introduzir na legislação relativa
à violência doméstica. Aliás, há bem pouco tempo o PCP fez aprovar uma alteração nesse sentido. No entanto,
aquilo que a realidade nos grita está para além da legislação e das lacunas da lei e está muito mais relacionado
com a prevenção de contextos, de invisibilidade dos casos e, depois, com a operacionalização da resposta.
Regressando ao texto da petição, parece-nos que as preocupações que nela são assinaladas estão, em
parte significativa, acauteladas pela legislação em vigor, sem prejuízo de ajustes e aperfeiçoamentos que
possam ser feitos. De facto, as crianças que estão envolvidas em situações de violência doméstica estão, em
primeiro lugar, abrangidas pela Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Risco e, em segundo
lugar, inserem-se no conceito de vítima, vertido no regime aplicável à violência doméstica.
O conceito de «vítima especialmente vulnerável» que o Código de Processo Penal prevê já possibilita mesmo
que esse estatuto de vítima de violência doméstica seja conferido às crianças, tal como a Procuradoria-Geral da
República já reconheceu e, precisamente, clarificou.
A questão mais complexa neste âmbito é a das declarações para memória futura e sobre ela o PCP tem sido
sensível aos alertas relativos ao potencial atropelo ao disposto no artigo 134.º do Código de Processo Penal,
que permite a recusa de depoimento a descendentes, ascendentes, irmãos, adotados, etc., impondo às vítimas,
a coberto da sua própria proteção, algo que elas próprias possam não querer fazer.
Dito isto, há, com certeza, melhorias a introduzir na legislação e um problema social com a dimensão da
violência doméstica no nosso País tem de ter uma ação decidida por parte de todos.
O que não pode acontecer é, umas vezes por indignação e impaciência perante um problema que persiste e
até se agrava, outras vezes por mera conveniência política, que se reduza a discussão a sucessivas alterações
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legislativas, na expectativa de que assim o problema se resolva. Infelizmente, essa abordagem não tem sido
eficaz. Faz muita falta, sim, questionar o que acontece quando se detetam situações destas, como se detetam
quando faltam profissionais em todos os serviços essenciais, desde a escola, à saúde, passando pelas forças e
serviços de segurança.
Qual é a realidade das comissões de proteção de crianças e jovens em risco? Quais os meios ao seu dispor?
Existem equipas multidisciplinares, com capacidade de intervir e trabalhar o problema, nos centros de saúde ou
nas escolas? Há acompanhamento psicológico às vítimas, sejam elas adultos ou crianças?
É que entre o que se escreve na lei e a vida continua a haver um enorme desfasamento. É nesse vazio de
capacidade de intervenção que achamos dever haver mais foco, sob pena de se continuar sem condições de
investimento público para garantir a aplicação da lei que já temos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — A última intervenção sobre este ponto da ordem do dia, cabe à Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, do PSD.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por cumprimentar os mais de 48 000 peticionários, na pessoa dos seus representantes, que se encontram aqui hoje.
Por parte do Grupo Parlamentar do PSD, não podemos também deixar de evocar a feliz coincidência de este
debate sobre crianças se realizar, precisamente, no Dia Mundial da Criança, o que também nos congrega para
a responsabilidade, enquanto legisladores, para que tenhamos sempre uma atenção muito especial e muito
particular para a criança nas suas diversas dimensões e também na sua dimensão de vítima.
Sendo a violência doméstica uma questão que tem congregado todos os partidos políticos, é uma
preocupação transversal a toda a sociedade e a todos os espectros político-partidários e tem havido, de facto,
uma evolução muito grande no seu combate, com vista à sua erradicação, na vertente dos idosos, dos adultos
e das crianças — embora os idosos sejam adultos, infelizmente, muitas vezes, são tratados quase como se não
o fossem — e, portanto, tem havido um grande combate em todos os espectros da violência.
Especialmente a partir da subscrição da Convenção de Istambul por parte de Portugal, com vista à
erradicação de todas as formas de violência, temos dado grandes passos, quer no combate, quer na
sensibilização, quer na prevenção e também na repressão da violência doméstica.
São cinco as iniciativas, para além da petição, hoje em apreciação, mas neste momento também temos cinco
iniciativas já em fase de especialidade, a serem discutidas na Subcomissão da Igualdade e Não Discriminação.
Uma delas é uma iniciativa do Governo, à qual, aliás, o PSD apresentou uma proposta de alteração que tem
precisamente a ver com uma questão já aqui abordada, o estatuto de vítima, que é uma alteração no sentido de
se clarificar o estatuto de vítima por forma a que não restem dúvidas de que as crianças, quando expostas a
violência, quer direta, quer indireta, também devem beneficiar desse estatuto de vítima.
Esta é uma das propostas que está a ser trabalhada no meio de um pacote, que, aliás, denominámos como
o pacote da violência doméstica, nas suas várias vertentes, e estas iniciativas acabam, de certa forma, por
duplicar aquilo que já está em discussão, em termos da matéria que abarcam.
Como já foi dito, essencialmente, não temos um problema de lei, temos, muitas vezes, um problema de
aplicação de lei. É que se atentarmos bem no conteúdo do artigo 152.º do Código Penal, quanto à violência
doméstica, já abrange os diversos tipos de violência e as crianças expostas, quer direta, quer indiretamente, a
violência doméstica já estão protegidas e têm este estatuto de vítima.
Não podemos cair no erro de se criar a perceção de que não existe esse estatuto de vítima. Inclusive, depois,
nos restantes números deste mesmo artigo, já temos desde as situações de agravamento da pena àquelas que
são as penas assessórias que podem ser imediatamente aplicadas ao agressor, mesmo em termos de medidas
de coação, desde o afastamento da residência aos meios eletrónicos de vigilância à distância, hoje dados às
vítimas para que elas acionem um alarme quando há aproximação do agressor e sentem medo. Enfim, já há
uma série de medidas.
Também quanto às crianças expostas direta ou indiretamente já existe a possibilidade, no próprio processo
de violência doméstica, no processo penal, de ser decretada a medida de afastamento quanto à tutela e quanto
ao exercício das responsabilidades parentais. Portanto, já não estamos perante um vazio legal da proteção das
crianças e muito caminho se tem feito.
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I SÉRIE — NÚMERO 73
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Mas, realmente, há um problema que vivemos no País, que é transversal e que a todos deve preocupar, que
tem que ver com a aplicação e com a falta de meios dados às entidades no terreno, nomeadamente às CPCJ.
As CPCJ não têm meios, não têm instalações, dependem muito da boa vontade de uma série de pessoas
por todo o País para terem este papel tão importante de sinalização, que depende das escolas e dos centros de
saúde mas quase sempre de um aspeto voluntarista, numa situação em que deveríamos ter um investimento
muito mais sério. É que, ao investirmos na infância, estamos a investir no futuro e por vezes neste Governo,
apesar dos muitos anúncios, não se dão meios para que as políticas sejam, de facto, colocadas no terreno e
para que haja os meios necessários para se fazer o verdadeiro combate ao flagelo que é a violência, nas suas
diversas aceções.
Todos, e no Dia da Criança mais do que nunca, temos de nos lembrar que uma criança vítima será um adulto
em sofrimento e é mais um problema que vamos levar para a geração seguinte. Assim, todo o investimento nas
crianças — que não tem sido feito, volto a repetir — é um investimento no futuro, especialmente num país
envelhecido como o nosso, com tantos problemas de natalidade e com tantos problemas para repor as gerações.
Portanto, é apenas um investimento e esperemos que na especialidade consigamos levar a bom porto este
pacote, para que as crianças sejam cada vez mais protegidas na lei e no terreno.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Com esta intervenção termina este ponto da nossa ordem do dia e termina também o conjunto de matérias que tínhamos para discutir.
Antes de passar ao anúncio da ordem do dia de amanhã, a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha tem
informações para dar à Câmara.
Faça favor, Sr.ª Secretária.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos. É unicamente para dar conta de que o Sr. Deputado Pedro Sousa, do Partido Socialista, que se encontra em isolamento
profilático, assistiu à sessão plenária através de videoconferência.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Srs. Deputados, amanhã o Plenário reunirá às 15 horas e terá dois pontos na ordem de trabalhos.
O primeiro ponto consiste no debate da Interpelação ao Governo n.º 9/XIV/2.ª, requerida pelo BE, sobre
política cultural, e o segundo ponto de ordem de trabalhos é relativo às votações regimentais.
A todas e a todos desejo a continuação de uma boa tarde e até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 59 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.