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Sexta-feira, 17 de setembro de 2021 I Série — Número 2

XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)

REUNIÃOPLENÁRIADE16DESETEMBRODE 2021

Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Helga Alexandra Freire Correia

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 1

minuto. Foram apreciados, em conjunto, na generalidade, os

Projetos de Lei n.os 708/XIV/2.ª (PS) — Proteção e valorização do barranquenho e 800/XIV/2.ª (PCP) —

Reconhecimento e proteção do barranquenho e da sua identidade cultural, tendo usado da palavra os Deputados Pedro do Carmo (PS), João Dias (PCP), Ana Rita Bessa (CDS-PP), José Cesário (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), José Luís Ferreira (PEV) e Pedro Filipe Soares (BE).

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Deu-se conta da retirada, pelo CDS-PP, do seu Projeto de Resolução n.º 510/XIV/1.ª e da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 112/XIV/2.ª, dos Projetos de Lei n.os 927 a 935/XIV/2.ª e 936/XIV/3.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1441 a 1445/XIV/2.ª e 1446/XIV/3.ª

Foi discutido, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 516/XIV/2.ª (PSD) — Transfere a sede do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos para a cidade de Coimbra, procedendo à décima alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, e à terceira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos). Intervieram os Deputados António Maló de Abreu (PSD), João Cotrim de Figueiredo (IL), Nelson Silva (PAN), José Manuel Pureza (BE), José Luís Ferreira (PEV), Diogo Pacheco de Amorim (CH), António Filipe (PCP), Pedro Delgado Alves (PS) e Telmo Correia (CDS-PP).

Foi apreciado, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 148/XIV/1.ª (CDS-PP) — Modelo de financiamento dos hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde, tendo usado da palavra os Deputados Ana Rita Bessa (CDS-PP), João Cotrim de Figueiredo (IL), Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE), António Maló de Abreu (PSD), Susana Correia (PS) e Paula Santos (PCP).

Foram debatidos, conjuntamente, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 883/XIV/2.ª (PAN) — Regula o

acorrentamento e o alojamento em varandas e espaços afins dos animais de companhia, procedendo à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e 932/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Melhora as condições de detenção de cães e gatos previstas no Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro. Intervieram no debate os Deputados Inês de Sousa Real (PAN) (a), Cristina Rodrigues (N insc.), Catarina Rocha Ferreira (PSD), Palmira Maciel (PS), Mariana Silva (PEV), Maria Manuel Rola (BE), Cecília Meireles (CDS-PP), João Oliveira (PCP) e Emília Cerqueira (PSD).

Foi discutido o Projeto de Resolução n.º 1161/XIV/2.ª (PEV) — Programa nacional para o uso eficiente da água juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 931/XIV/2.ª (PAN) — Estabelece a obrigação de o Governo implementar um plano nacional de ação de adaptação às alterações climáticas para o setor da água e com o Projeto de Resolução n.º 1188/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Por uma política da água que assegura a equidade de acesso e o abastecimento das populações. Usaram da palavra os Deputados Mariana Silva (PEV), Nelson Silva (PAN) (a), Alexandre Quintanilha (PS), Pedro Morais Soares (CDS-PP), Paula Santos (PCP), Maria Manuel Rola (BE), Paulo Leitão (PSD) e Luís Graça (PS).

Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, nesta reunião plenária e na anterior.

O Presidente (Fernando Negrão) encerrou a sessão eram 18 horas e 11 minutos.

(a) Durante esta intervenção foram projetadas imagens.

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O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade.

Declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 1 minuto.

O primeiro ponto da ordem do dia consta da apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os

708/XIV/2.ª (PS) — Proteção e valorização do barranquenho e 800/XIV/2.ª (PCP) — Reconhecimento e proteção

do barranquenho e da sua identidade cultural.

Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro do Carmo, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na apresentação deste projeto de lei, endereço um cumprimento muito especial a todos os barranquenhos.

Valorizar a identidade, a diversidade e as vivências partilhadas é sempre um bom ponto de partida estratégico

para a afirmação das comunidades, dos territórios e do País. É o que fazemos com esta iniciativa de defesa e

valorização do barranquenho.

Mesmo assumindo a existência de uma realidade homogénea e monolingue no perfil linguístico de Portugal,

há espaço para a diversidade. Há e tem de continuar a haver. É esse o sentido das iniciativas locais de

reconhecimento do património linguístico enquanto traço identitário do património imaterial das populações,

acompanhadas por esta iniciativa que dá voz ao Baixo Alentejo.

Tem de haver futuro para o barranquenho e para a sua comunidade, porque só um povo com memória e

identidade está habilitado a construir o tempo que está por vir.

A realidade do barranquenho e o incremento significativo da produção científica em torno da sua evolução e

caracterização evidenciam, hoje, com clareza, mais uma realidade linguística singular em Portugal, e até na

Península Ibérica, a qual, pela sua subsistência até ao presente, deve merecer também uma intervenção

normativa, em linha, aliás, com os movimentos europeus e internacionais de proteção deste tipo de património

imaterial linguístico.

Quanto às suas origens, estima-se que, nas suas raízes remotas, o barranquenho possa decorrer da

permanência, desde o período medieval, em torno do Castelo de Noudar, antiga sede de concelho, de população

proveniente de Castela, tendo a manutenção de contacto contínuo entre as terras de Barrancos e as populações

vizinhas espanholas contribuído para a permanência desta especificidade linguística, que a literatura científica

tem reconduzido tradicionalmente a um dialeto do português, a uma fala local ou, nalguns casos, a uma língua

mista.

José Leite de Vasconcelos realizou, na década de 30 do século XX, importantes estudos que originaram a

Filologia Barranquenha, obra em que concluiu a identificação de um curioso dialeto popular, usado no concelho

de Barrancos, que tem por base o falar do Baixo Alentejo, modificado pelo estremenho-andaluz, que lhe deu

feição muito notável e que merece que se lhe dedique desvelada atenção e não se deixe morrer sem que a sua

gramática e léxico fiquem devidamente investigados.

Mais recentemente, no quadro de um movimento que convoca vários investigadores, a professora da

Universidade Complutense de Madrid María Victoria Navas defendeu a revisão do estatuto e tipologia até aqui

atribuídos a esta variedade linguística mista, preferindo identificar o barranquenho como uma língua de contacto

minoritária, mais do que apenas um dialeto, uma fala fronteiriça ou uma fala raiana, como outros autores

tradicionalmente a qualificaram.

Ainda que possa subsistir o debate científico em torno da sua classificação, todos os investigadores são

unânimes na deteção de uma manifestação cultural imaterial identitária clara e merecedora de proteção e

valorização. Há uma vivência real, diferenciadora, que deve ser protegida e valorizada e, de acordo com as

orientações de vários organismos internacionais em matéria de defesa e proteção das línguas minoritárias e

ameaçadas, as tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do património cultural, devem ser

salvaguardadas e valorizadas.

Aplausos do PS.

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Assim, a língua pode e deve ser entendida como uma prática ancestral e uma tradição cultural, reflexo da

sociedade local.

O barranquenho, uma língua híbrida, ainda que sem tradição escrita, única no mundo pelo seu caráter misto

de português e espanhol, falado pelos cerca de 1300 residentes e por todos os naturais do concelho há vários

séculos, constitui, pois, um lugar de encontro de culturas peninsulares. Onde outros dividiram, a língua uniu,

cimentou relações e forjou uma identidade própria.

A vitalidade que o barranquenho evidencia não permite, contudo, afastar todas as ameaças que pairam sobre

a sua subsistência. Em primeiro lugar, porque, de acordo com a UNESCO (Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura), qualquer língua falada por menos de 5000 pessoas tende a considerar-

se ameaçada, pelo que a evolução dos atuais números de falantes do barranquenho é um motivo de

preocupação.

A esta realidade acresce o envelhecimento dos falantes. O desaparecimento da geração mais velha pode

traduzir-se na perda irreparável deste património linguístico caso se verifique uma ausência de adoção de

medidas.

Finalmente, neste contexto, o menor isolamento físico do território, que o desenvolvimento da região e dos

meios de comunicação e transporte acarretou, bem como a presença intensa do português como língua da

administração do território, da escola, dos meios de comunicação e das terras vizinhas, podem contribuir

igualmente para um risco de assimilação pela língua oficial.

É, pois, fundamental e urgente preservar o barranquenho para evitar a perda irreparável deste património

linguístico inestimável e de uma marca de identidade própria. Neste contexto, a salvaguarda passa pelo reforço

da documentação e da investigação sobre o barranquenho, impulso de preservação que deve transcender as

fronteiras do concelho de Barrancos por estar em causa uma marca de identidade local, regional, nacional e até

europeia.

A Europa é também mais rica por essa diversidade, feita de memória, que se quer parte do futuro.

É neste contexto de reconhecimento e valorização que surge a presente iniciativa legislativa, indo ao encontro

do trabalho fundamental já em curso e correspondendo às aspirações locais de proteção de um património com

escala verdadeiramente nacional, merecedor de consagração em lei da República e do desenvolvimento de

políticas públicas de escala nacional para a sua proteção e valorização.

O barranquenho resistiu e eliminou fronteiras e barreiras que os Estados construíram, porque este é um povo

que resiste, que luta contra o isolamento, que defende, que encontra novas formas de preservar a sua

identidade.

O barranquenho é também a luta de um povo contra a massificação e globalização cultural. O barranquenho

é sinónimo de autenticidade e daquilo que é verdadeiramente genuíno num povo.

Aplausos do PS.

Neste momento, assumiu a presidência o Vice-Presidente Fernando Negrão.

O Sr. Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Saúdo-vos com votos de um bom e profícuo regresso aos trabalhos parlamentares.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP traz à Assembleia da República um projeto de lei que visa o reconhecimento e proteção do barranquenho e da sua identidade cultural. Trata-se de um

projeto de lei distinto, este que o PCP traz, que se diferencia por, além de introduzir o reconhecimento e proteção

do barranquenho, reconhecer a sua identidade cultural: os hábitos e costumes de um povo, as suas tradições,

a sua gastronomia, a sua memória.

Mas permitam-me, Srs. Deputados, que, antes de mais, vos fale de Barrancos, de um povo de encontro, de

reencontro, de confraternização e, sobretudo, de um saber viver que é uma constante. Em qualquer canto de

Barrancos podemos encontrar uma história, uma lição de vida.

Permitam-me destacar dois momentos da história de Barrancos.

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Primeiro, durante a Guerra Civil de Espanha, foi em Barrancos e nas suas gentes que muitos espanhóis,

fugidos da ditadura de Franco, encontraram o refúgio e o acolhimento para fugirem à morte certa. O povo de

Barrancos soube defender os seus vizinhos.

Num outro momento, em que Portugal estava sujeito à maior ditadura, a de Salazar, as rotas do contrabando

encontraram em Barrancos uma solução para matar a fome de muitos portugueses, de muitos alentejanos.

Por isso Barrancos tem este património, o barranquenho, uma fala mista do português, na variante

alentejana, e do espanhol, na variante andaluza e estremenha. Daqui resulta este dialeto, esta língua, pela

contínua convivência com as vizinhas populações espanholas, nomeadamente a de Encinasola.

Mas também não podemos deixar de salientar o contributo do município de Barrancos para que a língua

barranquenha continue viva e tenha força. Para isso, contribuiu a intervenção decisiva do município de

Barrancos, que, em 2008, aprovou e classificou o barranquenho como património cultural imaterial municipal; e,

já no verão de 2017, fomentou o estudo do barranquenho para a classificação nacional e o ensino do

barranquenho na escola local.

Reconhecemos as características desta língua, mas também precisamos de reconhecer as dificuldades por

que Barrancos passa, além de falar só do barranquenho. Este é um povo que, tal como outros povos, o PCP

não deixa de defender por estar distante. Barrancos está distante fisicamente, mas, económica e socialmente,

está muito mais distante pela postura dos sucessivos Governos que o mantêm no esquecimento e abandono. É

por isso que, a cada dia que passa, Barrancos fica mais distante.

Em Barrancos, podemos identificar com facilidade aqueles que resistem, que constroem uma identidade,

uma cultura e uma língua, que constroem os seus hábitos e as suas tradições e os mantêm vivos, mas também

podemos encontrar em Barrancos aqueles que lá vão usufruir e beneficiar de uma cultura ímpar. E também

encontramos aqueles que só lá vão nas festas e na feira. Queremos que esses continuem a ir lá, convidamo-los

a ir lá, mas também queremos que defendam o barranquenho, Barrancos e este território.

Pelos problemas de Barrancos e do seu desenvolvimento económico e social, não podemos continuar a

deixá-lo à sua sorte, na saúde, na educação, nas acessibilidades, nos transportes. Inclusivamente, durante a

COVID-19, a fronteira de Barrancos foi fechada e não lhe foi dada a mesma oportunidade que foi dada às outras

fronteiras. Por isso, é importante defender Barrancos e defender a sua língua é defender todo aquele território

e aquele concelho.

Aplausos do PCP e do PEV.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar-vos, em particular o Sr. Deputado João Dias por esta intervenção tão apaixonada. Claramente, um homem da sua terra. Extravasou

ligeiramente o tema, mas, nos tempos que vivemos, é compreensível que tenha essa paixão.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

Sr. Deputado, em matérias diversas e em matéria de preservação de tradições, pela nossa natureza e

posicionamento político, obviamente que acompanharemos estes dois projetos. Não por fazermos uma defesa

vazia das tradições, mas, precisamente — e neste caso assim é! —, porque existe uma fundamentação em

trabalho académico para os acompanharmos. De resto, ambos os projetos dão nota do trabalho da Prof. María

Victoria Navas, da Universidade Complutense, que aponta para a importância da classificação do barranquenho

como mais do que um dialeto ou do que uma língua raiana, mas verdadeiramente como uma língua de contacto

minoritária.

Segundo aquilo que é possível consultar, tanto nos projetos como na própria câmara municipal e na

Universidade de Évora, a Universidade está, precisamente, a trabalhar para que o barranquenho venha a ser

reconhecido como uma língua cooficial minoritária, documentando a sua memória histórica e a sua experiência

e vivificação na comunidade e elaborando, até, uma convenção ortográfica e uma gramática, exatamente porque

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o barranquenho é uma língua de tradição oral que não tem uma contraparte estabelecida e formalizada, como

uma tradição, como uma língua escrita.

Como também aqui foi dito, o facto de haver um reduzido número de falantes põe em perigo o valor desta

língua minoritária, da sua expressão identitária e do património cultural local, que entendemos, sim, ser

importante defender.

Por isso, vamos apoiar estes projetos, reconhecendo, valorizando e preservando o barranquenho, sendo

ensinado nas escolas, estudado e investigado.

Todavia, temos uma questão que pode ser trabalhada em sede de especialidade e que tem que ver com o

artigo 4.º do projeto do PS e o artigo 5.º do projeto do PCP, que propõem que o barranquenho seja utilizado

como língua de documentação oficial, em paralelo, presumo eu — e talvez seja necessário explicar isto melhor

—, com a língua oficial do País. Exatamente por não existir uma tradição escrita solidificada, talvez seja melhor

ponderar como é que este trabalho vai ser feito.

Mas, à parte disso, e com estas ressalvas que podem ser afinadas em sede de especialidade,

acompanharemos este projeto, para sua grande alegria, Sr. Deputado João Dias.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia em que a Assembleia da República discute a proteção e a valorização do barranquenho, saúdo Barrancos e as suas gentes. Saúdo uma

terra com história e com fortes referências culturais, uma terra de gente trabalhadora, que soube preservar as

suas tradições numa fortíssima cultura popular, incluindo as suas caraterísticas linguísticas bem próprias,

assentes no dialeto barranquenho, há muito referenciado.

Porém, no dia de hoje, permitam-me que recorde o trabalho que aqui realizámos em 1998 e 1999, no âmbito

da então Comissão de Educação, Ciência e Cultura, para a legalização da língua mirandesa. Sou o único que

resta desse grupo de Deputados, nesta atual composição da Assembleia, e, por isso, tenho o dever de aqui

destacar o impacto que tal decisão teve em Miranda do Douro e nas suas terras.

Recordo bem, Srs. Deputados, a sessão simbólica dessa Comissão que então realizámos nos Paços do

Concelho de Miranda do Douro. O seu significado foi bem evidente. É com esse mesmo espírito que, hoje,

participamos neste debate, esperando que as decisões que viermos a tomar tenham um forte impacto positivo

na valorização e no desenvolvimento das terras de Barrancos.

Sr.as e Srs. Deputados, a língua é um elemento estruturante da cultura de um povo, constituindo-se como um

valor identitário fundamental para a sua existência e afirmação no mundo.

O português é um magnífico exemplo disto mesmo, sendo historicamente uma língua que aproximou e

aproxima povos, constituindo-se como o grande fator de ligação entre os quase 300 milhões de cidadãos

lusófonos que existem no mundo.

Porém, com o nosso dinamismo histórico e a nossa capacidade de interação e miscigenação, a nossa língua

foi capaz de se reinventar e de se misturar com outras, permitindo a muitos povos do universo da lusofonia criar

outras línguas e dialetos que são igualmente importantes fatores de afirmação identitária.

É assim que, apesar da homogeneidade cultural existente em Portugal, há especificidades e caraterísticas

próprias de povos e regiões que, também no território nacional, particularmente na zona da raia, têm permitido

desenvolver fórmulas de comunicação linguística próprias, configurando línguas ou dialetos mistos ou de

transição. É o caso do barranquenho, do mirandês, do minderico ou do dialeto castrejo, estes últimos menos

conhecidos.

O estudo desta realidade linguística polifacetada há muito que envolve investigadores e instituições

académicas, num trabalho fortemente incentivado pelas investigações do grande etnólogo e filólogo Leite de

Vasconcelos, meu quase conterrâneo, natural de Ucanha, em Tarouca.

Leite de Vasconcelos foi muito claro quando afirmou que «não é o português a única língua usada em

Portugal (…). Fala-se aqui também o mirandês…» e «… da convivência de hespanhóis com os habitantes de

Nóudar e de Barrancos adveio influência hespanhola no português, a qual muito concorreu para a formação de

um tipo especial de linguagem, designado na povoação por barranquenho, ou fala barranquenha, ou fala à

barranquenha».

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Este riquíssimo universo linguístico deve continuar, assim, a ser merecedor da nossa maior atenção,

enquanto legisladores, sendo muito evidentes os já referidos resultados práticos da aprovação da lei que permitiu

uma mais clara afirmação do mirandês no planalto de Miranda do Douro e mesmo a nível nacional e

internacional.

Daí a importância destes projetos de lei, que seguem outras iniciativas anteriores de vários quadrantes,

incluindo da minha área política, não podendo esquecer os contributos do antigo Deputado, eleito pelo círculo

de Beja, Mário Simões, que tão bem me lembro de se ter batido por este objetivo dentro e fora do meu partido,

a quem também rendo a minha homenagem.

Aplausos de Deputados do PSD.

Estou certo de que a aprovação de uma iniciativa legislativa que venha proteger e valorizar o barranquenho,

com a formulação agora apresentada ou com outra, porventura mais aprofundada, será um sério contributo para

o enriquecimento da nossa cultura linguística.

Em qualquer caso, a aprovação destas iniciativas traduzir-se-á num inequívoco incentivo político às iniciativas

em curso por parte da Câmara Municipal de Barrancos e da Universidade de Évora tendentes ao

desenvolvimento de um grande programa de preservação, estudo e valorização do património linguístico e

cultural de Barrancos, incluindo a documentação do barranquenho, a organização de uma convenção

ortográfica, a elaboração de uma gramática e de um dicionário, não esquecendo, naturalmente, o ensino da

língua.

Mas, Srs. Deputados, saibamos ser ousados. Que esta não seja a simples manifestação de meras intenções

genéricas, mas, mais do que isso, que se saiba definir um quadro legal muito claro relativamente a atribuições

e responsabilidades, envolvendo todos — órgãos do poder político, instituições académicas e de investigação e

sociedade em geral — num intenso trabalho coletivo.

Não nos iludamos! Há muito para fazer!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. José Cesário (PSD): — Termino já, Sr. Presidente. Desde logo, há que envolver os mais novos e um número crescente de investigadores e estudiosos, que não

apenas de Barrancos e do Alentejo, neste esforço de afirmação do barranquenho e de outros dialetos e línguas

minoritárias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PAN saúda estas duas iniciativas, que se inserem na valorização da diversidade cultural do nosso País, em particular

do património linguístico, tão rico e diversificado, de que é exemplo o dialeto barranquenho.

Para o PAN, é fundamental dotar as populações de condições igualitárias de acesso à cultura, tendo em

consideração os territórios do interior que se encontram mais afastados dos grandes centros urbanos.

No caso concreto da vila de Barrancos, a sua imagem no nosso País, e até internacionalmente, ficou

marcada, a partir de 1997, pela prática de tradições que não podemos nem devemos acompanhar. É o exemplo

dos touros de morte, uma prática cruel e anacrónica que tem merecido amplo repúdio da sociedade. Ao mesmo

tempo, o poder local tem agido em detrimento de outros festejos comunitários que ainda se conservam na região

de Barrancos, mas que estão em risco de desaparecer. Falo, por exemplo, das tradições comunitárias

associadas ao Carnaval, à Páscoa, ao Natal ou a outros eventos festivos, para não falar do valioso património

histórico, como os ofícios artesanais tradicionais, da importante riqueza paisagística e da diversificada fauna e

flora de Barrancos, uma zona do País onde se incluem várias espécies protegidas.

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Barrancos possui, de facto, uma identidade única que se reflete no dialeto barranquenho, mas também

noutras manifestações antigas que merecem ser valorizadas, devendo ser deixadas para trás as que não

acompanharam o devir civilizacional, nomeadamente a anacrónica tradição de matar animais numa praça

pública.

É importante alterar esta imagem que se criou de Barrancos, valorizando outros aspetos da sua identidade

singular, como o património cultural, histórico e ambiental.

Nesse sentido, o PAN reconhece o dialeto barranquenho como um valor cultural único e acompanha estas

iniciativas no sentido de promover a sua preservação e de evitar o seu desaparecimento.

Mas lembramos aqui algo que é fundamental para conservar este dialeto e para conservar o modo de vida

comunitário: as pessoas. E as pessoas não se têm fixado no interior e Barrancos, infelizmente, também é um

desses exemplos.

O último Censos indica que Barrancos perdeu quase 22% da sua população nos últimos 10 anos, ou seja,

Barrancos passou a ser o município português que mais população perdeu desde 2011. Barrancos perde

população desde 1950, sendo evidente o envelhecimento crescente da população, tal como acontece na

esmagadora maioria do nosso País.

Não há barranquenho que resista, enquanto o concelho continuar a perder população desta forma. Não há

interior que resista, enquanto se continuar a privar as populações do acesso a serviços públicos absolutamente

essenciais, como o acesso ao emprego, às acessibilidades, aos transportes públicos, ao investimento na rede

elétrica para que a população não seja deixada às escuras durante longas horas, várias vezes ao dia, como

ainda acontece em Barrancos e em muitas regiões de Portugal por falta de investimento na rede.

Por isso, de nada nos serve procurar preservar o dialeto barranquenho se não conseguirmos fixar as

pessoas.

O PAN acompanhará, evidentemente, estas duas iniciativas, mas alertamos para a necessidade de haver

uma evolução não só civilizacional, como também de diminuição das assimetrias regionais, o que ainda está por

cumprir.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Luís Ferreira.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos diante de duas iniciativas legislativas, uma do PS e outra do PCP, ambas com o propósito de estabelecer no plano legal, por um lado, o

reconhecimento do barranquenho, e, por outro, a adoção de políticas públicas com vista à proteção, à promoção

e à valorização do barranquenho.

Em jeito de antecipação, gostaria de dizer que Os Verdes acompanham com simpatia os propósitos e os

objetivos dos projetos agora em discussão, desde logo porque valorizamos muito a nossa diversidade linguística

e, portanto, como fizemos no passado, acompanharemos, em tese, todas as iniciativas que pretendam

estabelecer o reconhecimento do nosso património linguístico, um património que importa não só reconhecer

como também preservar, valorizar e divulgar e que, aliás, representa um elemento identitário do património

imaterial das populações.

Como muito bem referiu o diretor-geral da UNESCO no Ano Internacional das Línguas, em 2008, «a

diversidade linguística é uma das principais garantias da diversidade cultural (…)», «contribui para o

desenvolvimento sustentável, reforça o diálogo, a coesão social e a paz» e «com a língua os povos constroem,

compreendem e expressam as suas emoções, intenções, valores, noções e práticas».

E agora dizemos nós: se chegámos ao século XXI e em Barrancos se fala barranquenho, cabe-nos assegurar

a sua sobrevivência para o futuro, o que exige, naturalmente, o seu reconhecimento no plano legal, mas também

a adoção de medidas capazes de o preservar e valorizar.

Diz quem sabe que a sua origem está, muito provavelmente, ligada à permanência, que vem da Idade Média,

de pessoas provenientes de Castela, em torno do Castelo de Noudar.

Mas tão ou mais importante que a sua origem é constatar que chegámos aos dias de hoje, num mundo cada

vez mais global, e o barranquenho continua a ser falado em Barrancos. Por outro lado, a singularidade deste

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dialeto tem merecido ao longo do tempo a atenção de vários investigadores, o que já resultou num importante

acervo de obras científicas tanto ao nível da sua caracterização como da sua evolução.

Deste universo destaca-se a obra de José Leite de Vasconcelos ou os trabalhos de María Victoria Navas, da

Universidade Complutense de Madrid, e mais recentemente também os trabalhos de investigação de Joseph

Clements, Patrícia Amaral e Ana Luís.

Apesar das diferentes leituras que a classificação do barranquenho possa merecer por parte da comunidade

científica, a verdade é que existe um denominador comum entre todos os investigadores, que é a constatação

de uma manifestação cultural, imaterial e identitária que exige ser reconhecida, protegida e valorizada.

Para terminar, gostaria de deixar uma nota de reconhecimento ao trabalho e aos esforços que o município

de Barrancos tem vindo a desenvolver ao longo dos anos e que, certamente, muito contribuiu para que o

barranquenho tenha resistido à globalização e chegasse aos nossos dias.

Por nós, o barranquenho será valorizado, protegido e, por isso, iremos votar a favor das duas iniciativas

legislativas que estão em discussão.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projetos de lei agora em debate têm dois méritos que reconhecemos.

O primeiro mérito é o de identificarem o nosso País e o nosso povo com a diversidade que o faz forte. Aquela

ideia que alguns têm de uma pureza, de uma existência quase linear de um povo é desmontada pela realidade.

Somos plurais, somos multiculturais e é isso que, ao longo dos anos, ao longo dos séculos, nos tem feito fortes.

Creio que esse mérito é reconhecível nas duas iniciativas que estão agora em debate.

O segundo mérito que deve ser reconhecido é o da tentativa de proteger o barranquenho, que tem um legado

histórico e uma pretensão no povo de Barrancos, na sua manutenção e na sua promoção. E, como tudo o que

é memória e tudo o que é identidade deve ser valorizado, estes projetos de lei têm o mérito de dar esse passo

e de o tornarem força de uma lei que obriga o Governo a agir sobre esta matéria.

O Bloco de Esquerda espera que estes dois méritos não venham acompanhados de um enorme demérito,

que, possivelmente, pode assombrar estas iniciativas. É que tantas vezes, infelizmente tantas vezes, a memória

e a identidade que vem do passado e as promessas para o futuro servem apenas e só para que as pessoas se

esqueçam do presente. E, não por acaso, este tipo de iniciativas chega sempre em vésperas de uma qualquer

eleição, neste caso nas vésperas das eleições autárquicas.

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Muito bem!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Esperamos que estes projetos de lei não sejam promessas para Barrancos de modo a que o povo se esqueça das dificuldades das acessibilidades, da fragilidade das suas

condições de vida, do acesso aos serviços públicos. Esperamos que, na prática, não esteja agora o

barranquenho a ser jogado meramente e apenas para ganhos nas eleições autárquicas.

Vamos dar o nosso voto de dúvida, o voto valorizado pelos dois méritos que reconheci inicialmente, porque

acreditamos que o barranquenho e o povo de Barrancos merecem essa nossa confiança.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para encerrar o debate, o Sr. Deputado Pedro do Carmo, do PS. Dispõe de 2 minutos.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a aprovação deste projeto de lei que defende e promove o barranquenho, sublinhamos não ser possível reescrever a História no que diz

respeito ao abandono e isolamento daquele território pelo Estado português ao longo de décadas, mas

começamos a escrever o futuro.

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Dizemos que queremos defender o barranquenho como marca de identidade linguística de uma comunidade

e património nacional.

Dizemos que queremos percorrer um caminho sustentado de valorização dos territórios do interior e das suas

realidades, quer defendendo a identidade, quer gerando novas oportunidades de desenvolvimento.

Não, Srs. Deputados, não é um «perdoa-me», é um sinal de compromisso com os barranquenhos e com a

sua língua, diferente, singular e à qual se associam vivências únicas.

É tudo isto que deve ser protegido e valorizado por um Estado aberto à diversidade como marca democrática

de Abril e ponto de afirmação de uma visão estratégica.

O Estado português, através da Assembleia da República, junta-se, assim, ao trabalho que o município tem

vindo a realizar na salvaguarda do barranquenho, em especial nestes últimos quatro anos, do que há bem prova,

com algumas organizações, e irá certamente continuar nos próximos anos.

O Sr. João Dias (PCP): — Eh pá!… Fica-lhe mal!

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — O passo está dado. O acerto de passo com o passado deve continuar. Barrancos merece isto e muito mais.

Só há futuro com respeito pela memória e pela identidade. É assim no País, é assim nas comunidades do

Baixo Alentejo.

O mundo rural, o interior, as comunidades e os territórios precisam desses sinais, com consequência e

sustentabilidade, para gerarem novas oportunidades. Muito se falou até aqui, mas pouco ou nada se fez.

Não posso terminar sem citar e sem evocar a memória de Jorge Sampaio. Jorge Sampaio, em visita ao

concelho de Barrancos, em 2002, afirmou: «Temos de preservar as tradições e perceber os povos mais

distantes.» Digo eu: devemos respeitar todas as tradições, não só aquelas de que gostamos. É o que

começámos a fazer hoje, aqui. É o que fazem os barranquenhos há muito.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Permitam-me só que vos peça desculpa por não ter utilizado nenhuma expressão em barranquenho — e podia utilizar muitas, porque com muita frequência estou em Barrancos —,

mas fi-lo de propósito. Fi-lo para vos convidar, a todos, a visitar Barrancos e a visitar a hospitalidade de um povo

e verem uma língua viva todos os dias.

Obrigado a todos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Terminado este ponto, tem a palavra a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para proceder a vários anúncios.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde a todas e a todos.

Começo por anunciar a retirada, pelo proponente, do Projeto de Resolução n.º 510/XIV/1.ª (CDS-PP), que

estava na 8.ª Comissão.

Passo agora a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidas pelo Sr. Presidente, várias iniciativas

legislativas.

Em primeiro lugar, refiro a Proposta de Lei n.º 112/XIV/2.ª (GOV), que baixa à 5.ª Comissão.

Deram também entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 927/XIV/2.ª (BE), que baixa à 10.ª Comissão,

928/XIV/2.ª (BE), que baixa à 11.ª Comissão, 929/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a

14.ª Comissão, 930/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 10.ª Comissão, 931/XIV/2.ª

(PAN), que baixa à 11.ª Comissão, 932/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 7.ª

Comissão, 933/XIV/2.ª (BE), que baixa à 6.ª Comissão, 934/XIV/2.ª (BE), que baixa à 6.ª Comissão, 935/XIV/2.ª

(BE), que baixa à 6.ª Comissão, e 936/XIV/3.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), que baixa à 6.ª

Comissão.

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Refiro, de seguida, os Projetos de Resolução n.os 1441/XIV/2.ª (PAR), 1442/XIV/2.ª (Deputada não inscrita

Joacine Katar Moreira), que baixa à 12.ª Comissão, 1443/XIV/2.ª (PAN), que baixa à 9.ª Comissão, 1444/XIV/2.ª

(Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira), que baixa à 12.ª Comissão, 1445/XIV/2.ª (PCP), que baixa à 10.ª

Comissão, e 1446/XIV/3.ª (PAN), que baixa à 8.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Entramos agora no segundo ponto da agenda, que se refere à discussão, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 516/XIV/2.ª (PSD) — Transfere a sede do Tribunal

Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos para

a cidade de Coimbra, procedendo à décima alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da organização,

funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais

Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, e à terceira alteração à Lei Orgânica

n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos

Políticos).

Começo por dar a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado António Maló de Abreu, do PSD.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar como o fez, um dia, Almeida Garrett na Sala dos Atos Grandes da Universidade de Coimbra, onde decorreram

episódios decisivos da História de Portugal, como foi o da proclamação de D. João I em 1385 — «ergo tardia a

voz, mas ergo-a livre», porque, apreciado pelos contemporâneos, admiraram-no vindouros de sucessivas

gerações, de Eça a Saramago, de António Nobre a Pessoa, de Régio a tantos outros.

Também aqui e agora se questionam e interrogam os homens, a história, a consciência da responsabilidade

pública, se apela à inteligência comprometida com o destino e à coragem de enfrentar preconceitos imobilistas

ou interesses pequenos.

Exatamente há um ano, em setembro de 2020, o PSD apresentou o projeto de lei ora em discussão,

considerando que a organização judiciária não pode ficar à margem de um processo mais abrangente de

descentralização lato sensu.

Portugal é, reconhecidamente, um dos países da União Europeia com o perfil mais centralizado e

centralizador. Por isso, também, as sedes da generalidade dos nossos altos tribunais se encontram na capital.

Mas vários e importantes são os exemplos de distanciamento geográfico entre a sede do poder político e a

sede de altas instâncias judiciais.

Daremos um sinal, um importante passo e uma guinada de sentido inverso à saga concentracionária se a

Casa da democracia aprovar esta iniciativa e transferir para Coimbra as sedes do Tribunal Constitucional e do

Supremo Tribunal Administrativo.

Aplausos do PSD.

É mais do que tempo de abrir caminho e olhar para o território nacional como um todo, porque não há chão

pátrio menor ou dispensável. Temos aqui a oportunidade para passar das palavras aos atos e para honrar a

palavra dada — também e não menos importante.

Para esta deslocalização, a escolha de Coimbra é óbvia, porque reúne condições ímpares: pela sua posição

geográfica, pela sua indelével característica de Cidade Universitária e pela relevância reconhecida, no plano

nacional e internacional, no ensino do Direito.

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Mas permitam-me um aviso à navegação: é igualmente fundamental que a Coimbra profunda não se acomode em esperas para agir, por visitas governamentais para exigir, por

crises para reagir. Que seja afirmativa e autêntica, sem medo da polémica e que abrace as grandes causas.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

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O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Que não ceda à moda do politicamente «faz-de-conta» e não troque o que justamente merece por honrarias. Foi sempre assim nessa cidade onde a irreverência exercita a liberdade,

marcada por memórias, cantos, ecos de lutas e desafios novos.

Quem defende a coesão nacional só pode ser a favor desta iniciativa. Pode-se e deve-se descentralizar,

desconcentrar e deslocalizar com imperdíveis vantagens para o País, desde que o saibamos fazer sem se tornar

um embaraço, isto é, sem aumentar a despesa pública, sem inflacionar o número de funcionários e sem gerar

burocracia.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Quem defende um desenvolvimento equilibrado do País só pode ser a favor desta iniciativa.

Temos uma proposta e temos vontade política, porque o que mais tem faltado é a força das convicções que

lideram e rompem, se necessário, quando o País mantém uma cultura centralizadora e macrocéfala, em que o

poder, sediado na capital e seja a quem esteja entregue, não aceita perder o monopólio de a todos prometer

favores a troco de súplicas e apoios, mesmo que envergonhados e de ocasião.

E não se diga que esta deslocalização representa um desprestígio institucional para estes altos tribunais.

Como bem refere o Sr. Prof. Manuel da Costa Andrade, numa declaração de voto, de vencido mas não

convencido, que arrasa e envergonha o parecer do Tribunal Constitucional, de que era Presidente ao momento,

«é evidente que qualquer lugar do chão nacional — em que se vive e trabalha ao ritmo da mesma língua, se

rega de suor e sangue a mesma terra em busca de pão, se presta tributo e culto aos mesmos manes pátrios e

se faz a mesma história — tem a mesma dignidade e legitimidade para acolher uma das mais sublimes

instituições do Estado de direito».

Aplausos do PSD.

No mesmo sentido, vem a declaração da Sr.ª Juíza, a Dr.ª Mariana Canotilho.

O PSD — e penso que todos nós — não poderia estar mais de acordo. A aprovação deste projeto de lei não

belisca, de todo, o prestígio institucional destes tribunais. Bem pelo contrário, reforça-o, conferindo-lhes uma

nova centralidade que os distinguirá, pela positiva, dos demais tribunais superiores.

E não serão constrangimentos de ordem prática que o impedirão. Tanto mais, e naturalmente, que o PSD

estará disponível para ouvir, consensualizar e alterar o que for de corrigir em sede de especialidade, mas sem

nunca abdicar dos princípios ou deixar para trás o que é nuclear.

Este é o tempo, esta é a hora de aqui assumirmos que a todos cabe o que de melhor temos, e não só o que

nos sobra ou sobeja.

Esta é uma opção iminentemente política e que incumbe exclusivamente ao poder legislativo. Estamos diante

de um dever de esperança nos homens da política de hoje, enquanto a esperança não desespera. A mudança

nunca foi obra de um solista nem nunca foi fácil, mas exige a conquista pelo esforço lúcido de todos. Há, pois,

uma saída deste beco centralista, aparentemente sem saída à vista.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Miguel Torga, um trasmontano por inteiro, escreveu-nos: «Recomeça…/ Se puderes/ Sem angústia/ E sem pressa./ […] Enquanto não alcances/ Não descanses». E é

tudo o que vos peço ao ter pedido a palavra: palavra de honra.

Aplausos do PSD, tendo a Deputada do PSD Ana Miguel dos Santos aplaudido de pé.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há uns tempos, a Ministra da Coesão Territorial dizia que, por muito que o seu Ministério «faça o pino e ande a pedinchar» junto dos

restantes ministérios, é muito difícil deslocalizar serviços. Ou seja, existe um ministério que se incomoda com o

excessivo centralismo e os outros 18 ministérios arrastam os pés porque, para eles, o País é Lisboa e o resto é

paisagem.

Isto não é aceitável para quem, como nós, considera a descentralização uma prioridade. É evidente que a

deslocalização do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade das Contas e

Financiamentos Políticos (ECFP) não é uma descentralização, ou seja, o projeto de lei do PSD, caso seja

aprovado, não vai conduzir a nenhuma real transferência de poderes ou de competências.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Claro!

O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Ainda assim, a deslocalização destes órgãos é um passo no caminho certo, o caminho de aproximar, também fisicamente, as decisões das pessoas e de deixar de alimentar

a macrocefalia de Lisboa.

Mas convém não usar esta deslocalização como pretexto para que o Governo do Partido Socialista continue

a adiar a dotação de verbas do Tribunal Constitucional para que a Entidade da Transparência veja finalmente a

luz do dia, ou para que a ECFP possa exercer eficazmente as suas funções, ou até para que exista finalmente

uma secretaria no Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que espera decisão, dotação e

quadro de pessoal há — imagine-se! — 18 anos.

Finalmente, que fique claro que, para a Iniciativa Liberal, usar argumentos falaciosos ou de conveniência

particular para manter estes órgãos em Lisboa é simplesmente — para quem usa esses argumentos e para usar

uma palavra que todos perceberão — desprestigiante.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, boa tarde a todos e a todas. Hoje, o PSD podia ter seguido o exemplo do PAN e aproveitar o seu agendamento para discutir as

insuficiências nas instalações do Tribunal Constitucional, que são de tal ordem que, há apenas um ano, não

asseguravam sequer cobertura de wi-fi em todo o edifício. Ou, então, aproveitar para propor uma alteração legal

para que a Entidade das Contas passe a ter condições para fixar os seus trabalhadores no seu quadro de

pessoal, ou até para ver um agendamento de um debate com o Governo para que fosse explicado o corte de

264 milhões de euros nas despesas dos órgãos de soberania, em 2022, previsto no Programa de Estabilidade.

Mas, no debate de hoje, o PSD quis afastar-se do essencial e ficar-se pelo acessório, numa discussão de

pura cosmética e numa medida de charme para as eleições autárquicas: a deslocalização do Tribunal

Constitucional, da Entidade das Contas e do Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa para Coimbra. No fundo,

o PSD, seguindo a boa tradição do bloco central, que também já vimos quanto ao Infarmed (Autoridade Nacional

do Medicamento e Produtos de Saúde), quer fazer uma descentralização por decreto, como se aí estivesse uma

varinha mágica para os problemas de coesão territorial e de despovoamento do nosso País.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Então como é que se faz?

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Contudo, esta proposta do PSD não é eficaz na concretização dos objetivos de coesão territorial que diz querer alcançar. Para o provar basta olhar para o exemplo da Entidade da

Transparência que, por ter tido a sua sede descentralizada, também por decreto e também por proposta do

PSD, ao dia de hoje e passados dois anos da sua criação na lei, continua a não existir na prática.

Esta proposta do PSD é também incoerente. Ora vejamos: diz querer uma descentralização e opta por um

modelo que centraliza tudo em Coimbra; diz que centraliza em Coimbra, devido à representatividade do ensino

do Direito na cidade, mas depois deixa em Lisboa a sede do Supremo Tribunal de Justiça. Como se isso não

bastasse, no Orçamento do Estado para 2020, o PSD vota a favor de um reforço de verbas para a melhoria das

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instalações do Tribunal Constitucional, mas, agora, vem dizer que esse investimento não serviu para nada

porque, afinal, é para mudar tudo para Coimbra. Sr.as e Srs. Deputados, que sentido têm estas incoerências?

Finalmente, esta proposta do PSD é também irresponsável, uma vez que não apresenta nenhuma estimativa

sobre os custos da transferência destas instalações, o que é algo estranho vindo de um partido que sempre que

se trata de assegurar o reforço de direitos sociais não hesita em pedir as contas sobre o custo dessas propostas.

Só no caso do Tribunal Constitucional estamos a falar da necessidade de arranjar instalações condignas à

dignidade do órgão, de transferir e reorganizar uma biblioteca com milhares de livros e uma área de 262,5 m2 e

de transferir ou reconverter 99 pessoas, entre juízes, magistrados do Ministério Público, membros de gabinetes

de apoio e outros funcionários. Quanto custa esta operação de charme para as eleições autárquicas de

Coimbra?

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — O diploma tem um ano!

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr.as e Srs. Deputados do PSD, não contam com o PAN para números eleitorais sem qualquer planeamento e organização! Não é assim que vamos conseguir um adequado funcionamento

deste tipo de instituições que, ainda para mais, são um garante do Estado de direito democrático.

Aplausos do PAN.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quis o PSD que o debate sobre a descentralização e sobre as condições de administração de justiça em Coimbra decorresse em plena

campanha autárquica. Coimbra merecia mais consideração do PSD do que esta sua utilização para truques

eleitoralistas!

A Sr.ª Ana Miguel dos Santos (PSD): — Oh, meu Deus!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Ao contrário do que dizem alguns, não é a transferência do Tribunal Constitucional para Coimbra que é desprestigiante, é o truque eleitoralista que desprestigia esta medida…

A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — … e a descentralização dos poderes públicos também. Sendo uma mera jogada eleitoral, este é o pior contributo que o PSD pode dar a essa causa.

Mas, contra esta estratégia pequenina do PSD, queremos discutir estes dois assuntos a sério, tal como

merecem. Começo, então, pelas condições do exercício da administração da justiça em Coimbra.

O Palácio da Justiça está instalado num antigo colégio universitário, construído inicialmente em 1543 e

adaptado em 1928. A urgência de construção de um novo Palácio da Justiça em Coimbra tem mais de cinco

décadas. Cada um destes mais de 50 anos assistiu à sobrelotação dos espaços disponíveis com imensas

valências entretanto criadas, secções cíveis em estado de degradação gravíssimo, localização de juízos

criminais e de execução de penas sem qualquer articulação, desrespeito pelos direitos de acesso das pessoas

com deficiência, condições de trabalho de magistrados, advogados e funcionários muito abaixo do minimamente

exigível.

Por outro lado, em virtude dessa incapacidade de resposta do velho Palácio da Justiça, foi-se assistindo a

uma dispersão de tribunais e de serviços judiciais pela malha urbana de Coimbra: juízos cíveis na torre Arnado,

Tribunal do Trabalho em Celas, Ministério Público e Tribunal de Instrução Criminal na Rua da Sofia, Tribunal

Administrativo num antigo edifício dos correios, etc., etc. Tudo isto com custos elevados para o erário público,

onerado com o pagamento de rendas de valor muito elevado pela ocupação destes vários edifícios. Governo

após Governo, a urgência foi sempre urgência e assim continua — tudo no papel.

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A pergunta que se impõe é a seguinte: o PSD traz alguma resposta para a degradação das condições da

administração da justiça em Coimbra? Não, não traz. Anuncia, com pompa, uma Karlsruhe imaginária, ao

mesmo tempo que mantém o Palácio da Justiça concreto em Coimbra concreta, a ser emblema de um parque

judiciário decrépito e indigno de uma democracia do século XXI. Só fogo fátuo para fazer um favor eleitoral à

coligação das direitas em Coimbra!

A instalação do Tribunal Constitucional em Coimbra arrisca-se, por isso, a ter a mesma consistência que teve

a instalação da Secretaria de Estado da Valorização do Interior em Bragança. A valorização ganhou em

concretização e em robustez com a instalação de um escritório governamental em Bragança? Não! Dirão que é

simbólico, um sinal, como lhe chamou há pouco o Sr. Deputado Maló de Abreu. Mal andamos quando a

descentralização efetivamente existente é, afinal de contas, estritamente simbólica, feita só de sinais!

O combate sério contra a desigualdade do território e das condições de vida não se faz de símbolos quando

os símbolos servem para disfarçar políticas de acentuação dessa desigualdade e de degradação dessas

condições, como o foram as políticas que o PSD pôs em prática quando foi Governo. Achar que os problemas

do território se combatem mudando um tribunal de uma cidade para outra é brincar com quem sente, todos os

dias na sua vida, problemas de um território desigual.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Isso é que é uma lata!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Não se combate a desigualdade do território sem garantir a creche que falta ou o posto dos CTT (Correios e Telecomunicações de Portugal), sem travar o aumento do preço das casas

que começou no litoral e já alastrou ao interior, sem ferrovia, sem transportes que liguem o País. Sobre estes

debates, o PSD não diz nada e isso é natural. É neles que o Bloco de Esquerda está empenhado, porque o

nosso compromisso é com respostas sérias.

Protestos de Deputados do PSD.

Oiçam!

Queremos descentralização a sério e, por isso, defendemos o efetivo cumprimento dos direitos sociais e da

presença de serviços públicos em todo o território. Gostamos de Coimbra a sério e, por isso, não a usamos para

truques eleitorais.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado José Luís Ferreira, do PEV, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD apresenta-nos, hoje, uma proposta para a transferência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade das

Contas para a cidade de Coimbra.

Se é verdade que, em tese, Os Verdes nada têm a opor relativamente à transferência das referidas

instituições, também é verdade que partimos para este debate com dúvidas sobre o sentido de voto. A nossa

esperança era a de que, durante a apresentação do projeto de lei, o PSD clarificasse alguns pontos sobre os

propósitos e os fundamentos desta proposta. Mas não o fez.

Vamos aos factos. Olhamos para a exposição de motivos do projeto de lei e, com alguma surpresa,

percebemos que o PSD está preocupado com a aproximação das instituições aos cidadãos, mas, depois,

lembramo-nos da quantidade de serviços públicos que o PSD encerrou durante o Governo de Passos Coelho e

de Paulo Portas e ficamos na dúvida. De facto, por todo o País, foram encerrados, nesse período, inúmeros

serviços de saúde, escolas, postos de GNR (Guarda Nacional Republicana), serviços descentralizados do

Ministério da Agricultura, nomeadamente os serviços de extensão rural, entre outros serviços públicos que

faziam falta às populações e que mantinham a tal proximidade das instituições aos cidadãos de que o PSD

agora fala.

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Isto já para não falar da maior golpada na história do poder local: a extinção de freguesias promovida pelo

PSD e pelo CDS, que, de uma assentada, extinguiu mais de 1000 freguesias, com fortes prejuízos para as

populações, sobretudo para as populações do interior, inclusivamente para as populações de Coimbra.

Depois, o PSD diz, na mesma exposição de motivos, que o desenvolvimento equilibrado dos vários territórios

passa também por uma adequada distribuição do mapa judiciário. Então o PSD, que encerrou dezenas de

tribunais por todo o País, vem agora falar de uma adequada distribuição do mapa judiciário e da aproximação

das instituições aos cidadãos? Não se percebe, porque, de facto, também não é fácil perceber! O PSD que

encerra serviços públicos — e muitos, inclusivamente tribunais — e que dispensa milhares de trabalhadores da

Administração Pública, deixando os serviços com falta de profissionais, é o mesmo PSD que vem agora mostrar

muita preocupação com a necessidade de proceder à aproximação das instituições aos cidadãos. Não é fácil de

perceber!

Por outro lado, há ainda um outro elemento cujo alcance nos escapa, sendo exatamente essa a matéria que

esperávamos que o PSD clarificasse neste debate. Um dos motivos que levaram o PSD a apresentar esta

proposta diz respeito ao seu contributo para a independência do poder judicial em relação ao poder político.

Estas são as palavras do presidente do PSD, que, aliás, estão em sintonia com o texto da exposição de motivos

que acompanha o projeto de lei.

Mas nós não percebemos como e de que forma a transferência destas instituições de Lisboa para Coimbra

contribui para reforçar a independência do poder judicial em relação ao poder político. E, como, até agora, o

PSD ainda não conseguiu explicar, vamos esperar até ao final do debate para ver se o PSD nos ajuda a

compreender o alcance deste contributo para a independência do poder judicial face ao poder político, passando

o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa para Coimbra.

Aplausos de Deputados do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, dou agora a palavra ao Sr. Deputado Diogo Pacheco de Amorim, do Chega.

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, apenas um breve apontamento: o meu partido defende profundamente a descentralização, acha que é fundamental

desconcentrar, descentralizar, mas entende que esta é uma questão de processos e não de pegar em pequenos

blocos do Estado e espalhá-los pelo País.

Há que começar pelo princípio, e o princípio é começar por alterar processos. É que pegar no Tribunal

Constitucional e levá-lo para Coimbra apenas vai servir para que as verdadeiras alterações que tenham de ser

feitas não o sejam.

Passámos dezenas de anos a centralizar ou a manter o País centralizado. Chegou a altura de tomar

verdadeiras medidas de descentralização e de desconcentração. Contudo, parece-nos que esta não é uma

medida propícia a essa descentralização e a essa desconcentração.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Filipe, do PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta que o PSD aqui traz é um péssimo serviço à causa que diz defender, que é a da descentralização.

É verdade o que o Sr. Deputado Maló de Abreu disse na tribuna, que Portugal é um País centralista. Mas,

pergunto, o PSD não tem responsabilidades na centralização do País?!

Vozes do PCP: — Exatamente!

O Sr. António Filipe (PCP): — Não tem?!

Protestos do PSD.

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O maior adversário da criação das regiões administrativas foi o PSD, que sabotou todo e qualquer processo

de criação das regiões administrativas.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — E agora? Cruzamos os braços?

O Sr. António Filipe (PCP): — Foi o partido responsável pela extinção de dezenas de tribunais, pelo encerramento de dezenas de tribunais pelo País fora, não de tribunais centrais, mas dos tribunais a que os

cidadãos recorrem. É que não é ao Tribunal Constitucional nem ao Supremo Tribunal Administrativo que os

cidadãos, no seu dia a dia, têm necessidade de recorrer, mas aos tribunais que os senhores encerraram e que

foi preciso reabrir, em 2015, depois de os senhores terem sido afastados do Governo. Esses tribunais, sim, é

que fazem falta às populações. Esses é que fazem falta!

Aplausos do PCP.

Vozes do PCP: — Bem lembrado!

O Sr. António Filipe (PCP): — Os senhores, que encerraram, que extinguiram centenas de freguesias por esse País fora, que são responsáveis pelo encerramento de centenas de escolas, pelo encerramento de

extensões de saúde, pelo encerramento de estações de correios?! Os senhores são responsáveis pelas maiores

ações de centralismo que este País tem conhecido, são responsáveis pela situação de desertificação do interior

do País. E agora aparecem aqui, como arautos da descentralização, e «tiram da cartola» a iniciativa mágica de

descentralização do País, que é transferir a sede de dois tribunais, com jurisdição de âmbito nacional, de Lisboa

para Coimbra.

Bom, esta proposta tem todas as vantagens da demagogia. Ou seja, os senhores fazem esta proposta e ai

de quem se atreva a dizer que esta é uma proposta sem sentido e sem credibilidade, porque os senhores dirão:

«o quê?! Não faria sentido que Coimbra pudesse ser a sede do Tribunal Constitucional ou do Supremo Tribunal

Administrativo?!» Com certeza que sim! É óbvio que Coimbra — como, aliás, salienta o Professor Costa Andrade

na sua declaração de voto —, como qualquer localidade do território nacional, teria dignidade para acolher a

sede de um tribunal com competência de jurisdição nacional.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Então, qual é o problema?!

O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, é muito fácil os senhores dizerem: «Bom, se estão contra esta proposta — malandros centralistas! —, estão contra Coimbra!»

Mas, então, podemos considerar o seguinte: eu agora vinha aqui e, se isso, autarquicamente, me desse jeito,

de acordo com as minhas prioridades de luta autárquica, propunha que a sede do Supremo Tribunal de Justiça

deveria sair do Terreiro do Paço — esse símbolo do centralismo — para Bragança. E dizia, como os senhores

dizem, «bom, isto tem de estar concluído no final de 2022». E, então, os senhores perguntavam-me assim:

«Bom, então, mas vai para onde? Para estar pronto em 2022, o senhor tem aí a chave? É que 2022 é daqui a

15 meses… Já sabe onde é que o vai colocar? E quanto é que isso ia custar? O que é que isso ia implicar? O

que é que ia fazer ao salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça? Ia ser um hotel de charme?»

Protestos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

Ou seja, relativamente às questões concretas que esta proposta implicaria, os senhores dizem «zero»,

absolutamente «zero», porque não é isso que vos interessa. Não vos interessa fazer uma proposta nem de

descentralização do País — a que sempre foram adversos — nem uma proposta séria, a dizer: «Bom, há aqui

estas instalações. É possível colocar este tribunal ali. Relativamente ao Palácio Ratton, não é um hotel de

charme nem alojamento local, mas vamos instalar…»

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Ora, os senhores não dizem rigorosamente nada disso, porque, de facto, não acreditam na credibilidade da

vossa proposta, que, na verdade, não é uma proposta credível, tem apenas um único objetivo, que é o de tentar,

tentar, tentar, em desespero de causa, ganhar meia dúzia de votos em Coimbra. É este o seu único objetivo.

Aplausos do PCP, do BE e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente. Portanto, os senhores acabam por transformar aquilo que poderia ser uma proposta séria num mero

«tesourinho deprimente» para as eleições autárquicas da próxima semana.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista gostaria de sublinhar, como já foi referido por vários intervenientes,

anteriormente, que há, de facto, um debate que o País tem de fazer sobre descentralização, desconcentração

e deslocalização. Este, a ser, é apenas sobre a deslocalização de um tribunal superior.

Portanto, sejamos claros quanto àquilo que propomos e não nos imbuamos de um espírito transformador,

revolucionário, pelo facto de estarmos a transferir a sede de dois tribunais superiores. Olhemos para as coisas

com a calma, a ponderação e a escala do que vem proposto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — É daqui a 50 anos!…

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Ora, o facto de ter uma escala menor do que uma descentralização transformadora não significa que se faça de forma irrefletida, de forma improvisada e de forma não

suficientemente estruturada.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Votem contra!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E, como já foi sublinhado, o PSD é talvez o pior inimigo da eventual deslocação do Tribunal Constitucional para Coimbra, porque o que apresenta, um ano depois de ter dado

entrada o projeto de lei que aqui, hoje, discutimos, é exatamente o mesmo que há um ano. Não há um estudo,

não há uma análise de custo/benefício, não há nenhuma resposta sobre o que é que acontece aos trabalhadores

e aos funcionários que hoje prestam serviço nas secretarias judiciais do Tribunal Constitucional, do Supremo

Tribunal Administrativo, cujas vidas, obviamente, dependem deste elemento, e cuja experiência e capacidade

de orientar os processos que ali se encontram é absolutamente indispensável para que dois tribunais superiores,

fundamentais para a ordem jurídica portuguesa, possam continuar a funcionar.

Portanto, constrói a casa pelo telhado. Aponta para uma meta, de forma até bastante pouco realista nas

datas que propõe, na ausência de dados quanto à localização, e procura com isto — obviamente, no pior

contexto possível, em termos de calendário — ter algum ganho de causa para refregas eleitorais que deveriam

preservar quer a dignidade dos tribunais, que está a pôr em cima da mesa, quer a dignidade dos coimbrenses,

que quer, evidentemente, enganar com este caminho.

Aplausos do PS.

Naturalmente, também não acompanhamos de forma alguma o argumento de que, de alguma maneira, isto

seria pouco prestigiante para qualquer uma das instituições, já que seria extraordinariamente prestigiante para

qualquer uma delas. Coimbra já foi capital do reino. Aliás, durante muitos anos foi o local em que havia o

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monopólio do ensino jurídico em Portugal, monopólio, esse, que, a certa altura, também se quebrou, a partir de

1913, com a abertura de uma segunda faculdade de direito. Portanto, quanto a esse aspeto, Coimbra preenche

todos esses requisitos, da dignidade, da solenidade, pelo que estariam muito bem instaladas em Coimbra, neste

sentido e nesta aceção. Mas, para isso, era preciso mais qualquer coisa. Era preciso ter feito o trabalho de casa,

que o PSD não fez. Era preciso ter trazido mais ao debate do que aquilo que, efetivamente, aqui se encontra.

No tempo que ainda temos, penso que podemos aprofundar duas ou três questões adicionais sobre o

conteúdo dos tribunais e do serviço que pretendem transferir. Vou focar-me não tanto no Tribunal Constitucional,

sobre o qual muito temos discutido, mas na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e também no

Supremo Tribunal Administrativo, que também constam desta proposta.

É curioso que a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que fiscaliza as campanhas e o

financiamento dos partidos políticos, se encontra em Lisboa, talvez por uma boa razão. Encontra-se aqui, porque

depende do Tribunal Constitucional. Mas deveria, se calhar, fazer-se a reflexão sobre se faz sentido que a sua

sede esteja instalada a 200 km da esmagadora maioria das sedes dos partidos políticos que por ela devem ser

fiscalizados. Sabemos que a Iniciativa Liberal tem sede no Porto, mas é uma exceção. E, sendo uma exceção,

penso que, para ajuizar a melhor maneira de poderem ser fiscalizadas as contas e a atividade dos partidos, não

é seguramente enviando o responsável por essa fiscalização para um local a 200 km de distância, onde

naturalmente esta tarefa seria mais mal desempenhada.

Portanto, neste sentido, em relação a esta parcela da proposta, ela não merecerá o nosso apoio nem agora

nem posteriormente.

Quanto ao Supremo Tribunal Administrativo, o parecer do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos

e Fiscais (CSTAF) — que se ateve a uma leitura técnica, não fez considerações inadequadas neste debate, foi

bastante rigoroso naquilo que sublinhou — mais uma vez colocou o dedo na ferida, exatamente onde ele deve

ser colocado. Qual é o principal problema da jurisdição administrativa e fiscal, neste momento? É a mudança

das instalações do Supremo Tribunal Administrativo, que as tem até recentemente readaptadas e onde tem

capacidade para desempenhar as suas funções de tribunal de recurso, tribunal de reenvio e tribunal para

questões prejudiciais em que não há interação direta com os cidadãos, em que não se coloca a questão da

proximidade e em que, ao contrário de outros, que defendem direitos fundamentais e podem potencialmente ter

esse problema, manifestamente, está vocacionado para uma ligação aos serviços cujos atos administrativos ele

tem de conhecer e tem de impugnar, que são os da administração central, são os dos ministérios, são os

praticados pelo Conselho de Ministros, que — pasme-se! — estão em Lisboa.

Portanto, neste debate, há que ser sério a dois níveis: preparando mais detalhadamente o trabalho de casa,

mas também reconhecendo que os países têm capitais — e têm capitais por uma razão — e que alguns serviços

devem estar na capital. Não significa isto que todos tenham de estar. Não significa isto que outros países não

demonstrem que tribunais superiores se possam encontrar noutros locais. Nada disso! Significa apenas que, se

queremos fazer diferente, temos de justificar adequadamente esta posição, e não ir atrás do ganho do dia

seguinte, do ganho imediato, da tentativa de arregimentar mais uns quantos votos, porque, isso, sim, isso é que

não prestigia seguramente nem o tribunal, nem a democracia, nem a cidade de Coimbra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Telmo Correia, do CDS-PP.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero dizer, em primeiro lugar, que esta proposta que o PSD nos traz hoje é uma proposta que, de facto, tem em si mesma um certo caráter

simbólico, mas não é estritamente simbólico, porque, se fosse só simbólico, não existiriam algumas das

dificuldades que aqui foram levantadas e que poderiam existir, porque, efetivamente, estes tribunais iriam para

Coimbra e, portanto, não seria só uma ideia ou uma mudança de nome, por assim dizer.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que, na nossa leitura e na minha perspetiva, não se trata, de facto, de

descentralização, no sentido e no termo técnico-jurídico da matéria, nem mesmo de desconcentração, trata-se,

no fundo, de uma ideia de repartição de instituições de âmbito nacional pelo País, de valorização de outras

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cidades do País, claramente com esse intuito, na minha opinião. Portanto, trata-se de uma deslocalização, mais

do que de qualquer outra coisa.

Desse ponto de vista, estas propostas encontram sempre resistência e encontram sempre críticas, desde

logo dos potenciais deslocalizados. Sabemos que assim é e tem sido sempre assim, com os hospitais, por

exemplo, até dentro da mesma cidade, quando mudam de local. Foi assim, quando, num Governo PSD/CDS,

na altura, o Governo de Pedro Santana Lopes, se procurou a colocação de várias instituições, inclusivamente

do próprio Governo, em vários pontos do País. Estas propostas encontram sempre vários tipos de resistência.

Mas os argumentos de crítica que aqui ouvimos à esquerda, na minha opinião, são um pouco absurdos,

porque assentam em duas ou três ideias muito simples. A primeira ideia para tentar atacar esta proposta é

aquela que é misturar os assuntos todos.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Claro!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Foi o que vimos fazer, por exemplo, pelo Sr. Deputado António Filipe, que disse «então, os senhores, que não querem a regionalização, agora querem o Tribunal Constitucional em

Coimbra?!», como se uma coisa tivesse a ver com a outra, como se eu não pudesse ser — e sou! — contra a

regionalização e municipalista e defensor da descentralização!… Não tem nada a ver! Baralhar os assuntos não

é uma forma de discutir o que está em cima da mesa!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — E o que está em cima da mesa é tão-só a proposta de que o Supremo Tribunal Administrativo, o Tribunal Constitucional e a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos passem

para Coimbra. É isto que está em cima da mesa, e não mais do que isto.

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Claro!

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — A outra técnica, que já não foi a do Sr. Deputado António Filipe, mas a do Sr. Deputado José Manuel Pureza, é uma técnica diferente, que é a de dizer assim: «Enquanto o País não

for todo perfeito, não se pode fazer isto».

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Ou seja, «enquanto houver alguém que não tenha acesso a isto ou aquilo, não pode; enquanto houver

alguma dificuldade, não pode». Por esse caminho, não se faz nada, nunca! Nunca se faz nada! Em vez de se

irem resolvendo os problemas um a um, ficamos sempre à espera da grande utopia, do grande País perfeito,

que nunca vai acontecer.

E há que perguntar, até, a quem diz aqui isso, «então, mas como é que pode ser?» Os senhores, por

exemplo, criticaram o mapa judiciário. Os senhores dizem: «Tinha de haver um tribunal em todo o lado!» Ou

seja, mesmo onde não houvesse processos ou casos, «tinha de haver lá um tribunal, era fundamental haver».

«Isso tem de ser!», foi aqui dito. Mas o Tribunal Constitucional para Coimbra… «Ah, isso, não! Isso, nem pensar!

Isso é que não pode mesmo ser!»

Risos do Deputado do PSD Carlos Peixoto.

São argumentos que não colhem, como não colhe, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, a sua argumentação.

O Sr. Deputado diz-nos aqui várias coisas. Estava a ouvi-lo e fiquei cheio de vontade de lhe fazer uma pergunta,

e vou fazê-la: o Infarmed já está no Porto ou foi só uma coisa esporádica, sem sentido e a despropósito?

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Compreendo, até, a discussão sobre o momento desta proposta.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a atenção para o seu tempo de intervenção.

O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Como estava a dizer, compreendo a discussão sobre o momento da proposta, que cairia sempre nalguma

altura, mas que cai, de facto, no momento eleitoral. Compreendo essa discussão. Agora, o Partido Socialista vir

falar-nos em eleitoralismo?!… O Sr. Primeiro-Ministro esteve em Coimbra a anunciar uma maternidade que

devia estar feita há décadas! É surreal! É inaceitável!

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

Obviamente, ponderamos a proposta, mas acompanharemos a proposta feita pelo PSD.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, sei que quer usar os 3 segundos de que ainda dispõe para intervir, mas peço-lhe que não ultrapasse significativamente esse tempo.

Faça favor, Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, respondendo ao Sr. Deputado Telmo Correia, o Partido Socialista e o Governo, olhando para a realidade, conseguem aprender com as coisas

que correm menos bem.

Vozes do PSD: — Ah!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É pena que o PSD e o CDS não consigam fazer o mesmo exercício. De facto, é difícil transferir um serviço de raiz para outro local de um dia para o outro, e é isso que aqui se

propõe!

O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Deixem tudo aqui!…

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Criar e instituir de raiz um determinado serviço num determinado local adicionalmente é algo que é viável. Transferi-lo, como sabemos…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente. Aliás, a pergunta que o Sr. Deputado faz é precisamente essa e essa é a demonstração da razão pela qual

a matéria carece de estudo e de tempo, e não de eleitoralismo de última hora, Sr. Deputado! É isso que

desprestigia e não resolve o problema: o excesso de eleitoralismo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Cabendo o encerramento ao PSD, tem a palavra, novamente, o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvi atentamente as intervenções que foram feitas. Disseram: «Somos absolutamente a favor da descentralização. Somos a favor

da desconcentração. Somos a favor da deslocalização.» O vosso problema é que, de facto, não o querem fazer.

São palavrosos, mas não fazem, não passam das palavras aos atos.

O Sr. António Filipe (PCP): — Vocês fizeram imenso!

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O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Esquecem-se, não de Coimbra, mas esquecem-se de Guimarães, esquecem-se de Viana do Castelo, esquecem-se da Guarda, esquecem-se de Portalegre, esquecem-se de

Aveiro, esquecem-se do País. Estão em Lisboa!

Aplausos do PSD.

O Presidente do Partido Social Democrata, há muitos anos, repito, há muitos anos, defende a transferência

do Tribunal Constitucional para Coimbra.

Apresentámos esta proposta há 365 dias, há um ano. Só hoje, infelizmente, é discutida.

Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, julgo que conhece quem está aqui sentado…

Neste momento, o orador exibiu um artigo do jornal Expresso, com uma fotografia do Primeiro-Ministro,

António Costa.

É o Dr. António Costa, é o Primeiro-Ministro, que disse ao Expresso, em 11 de agosto de 2018, «(…) acho

que era bom que outras instituições pudessem estar sediadas noutras cidades. Perguntam-me muitas vezes por

que é que a sede do Tribunal Constitucional não é em Coimbra, e eu próprio me interrogo. Aí está um bom

exemplo. Não vejo nenhum motivo para que isso não aconteça. É um exemplo, é um serviço que com facilidade

se pode deslocar.»

Aplausos do PSD.

O vosso problema, Sr. Deputado, é a vossa incoerência.

O vosso problema, Sr. Deputado, é a vossa falta de credibilidade.

O vosso problema, Sr. Deputado, é a vossa falta de coragem, porque não dizem o que pensam, não fazem

o que dizem e deviam fazê-lo.

É com pena que vejo o Partido Socialista fora desta discussão, não a do Tribunal Constitucional para

Coimbra, mas a da descentralização, da desconcentração, da deslocalização.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Vamos ao debate, em sede de especialidade! Tenham coragem de o fazer!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Passamos, agora, ao terceiro ponto da nossa ordem de trabalhos, para apreciar, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 148/XIV/1.ª (CDS-PP) — Modelo de financiamento dos

hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde.

Para dar início ao debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atual Lei de Bases da Saúde estabelece, na Base 4, que é fundamento da política de saúde, e cito, «a gestão dos recursos disponíveis

segundo critérios de efetividade, eficiência e qualidade».

Na mesma linha, a Base 20 desta nossa Lei de Bases da Saúde determina que um dos princípios pelos quais

o SNS (Serviço Nacional de Saúde) deve pautar a sua atuação é a «sustentabilidade financeira, tendo em vista

uma utilização efetiva, eficiente e de qualidade dos recursos públicos disponíveis».

A verdade, Sr.as e Srs. Deputados, é que o SNS tem a sua sustentabilidade grave e cronicamente

comprometida: por um lado, pelo menos desde 2013, regista anualmente um défice, sendo que o Orçamento do

Estado para 2021 apresentava, mesmo antes de começar, um valor negativo de 89 milhões de euros; por outro

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lado, a dívida vencida a fornecedores — que, em julho deste ano, ultrapassava os 1000 milhões de euros — é

um problema recorrente, com consequências negativas na tal gestão efetiva e eficiente dos recursos públicos.

Nada disto é neutro para o sistema e tudo isto tem impacto no acesso dos cidadãos a um SNS de qualidade

e em tempo clinicamente útil.

Acresce que, se, até ao final de 2019, o SNS já apresentava muitas fragilidades, a pandemia da COVID-19

veio não só expor essas limitações, como, em muitos casos, agravá-las.

Com toda a atividade assistencial que ficou por realizar — consultas, cirurgias, reabilitação e meios

complementares de diagnóstico e terapêutica — torna-se ainda mais importante encontrar mecanismos mais

eficientes de financiamento e de gestão dos hospitais integrados no SNS. Se isto não for feito, continuar-se-á a

injetar verbas, as que bastem para garantir a viabilização do Orçamento, mas que não se traduzirão plenamente

em ganhos para os utentes e em condições de trabalho para os profissionais de saúde.

O SNS, sendo pago pelos contribuintes, tem de ser financiado eficientemente, em função dos ganhos em

saúde obtidos e não em função do número de atos produzidos ou de preços fixados administrativamente.

O SNS precisa de cativar profissionais de saúde porque os remunera e responsabiliza, e não porque os

obriga a ficar.

Parece-nos que este é um momento particularmente oportuno para se olhar para o SNS para além do

Orçamento do Estado, para além de cada injeção de capital para abater a dívida, mudando uma receita que não

tem funcionado.

No CDS, temos defendido um outro modelo de financiamento dos hospitais, baseado em ganhos de saúde.

Nesse sentido, apresentámos, na Legislatura anterior, o Projeto de Lei n.º 998/XIII/4.ª, que aqui foi chumbado.

Mantemos a mesma convicção quanto a esta ideia e, por isso, mantemos esta proposta, já comprovada

noutros países e, em prática, em Portugal, em alguns hospitais privados.

O financiamento com base em ganhos de saúde coloca no centro o doente, em vez dos procedimentos, e

cria incentivos organizacionais para que se procure maximizar o resultado alcançado em benefício do doente

em causa e não de um determinado serviço específico do hospital.

Tal implica reorganização, coordenação e trabalho multidisciplinar, num modelo que premeia e também

penaliza os hospitais, com base na eficiência, efetividade e qualidade dos resultados, afinal, as premissas

estabelecidas na Lei de Bases da Saúde.

Implica compilar e trabalhar indicadores, para o que será necessária uma plataforma de amplo consenso, a

partir dos quais se podem avaliar os ganhos obtidos. Por exemplo, dados sobre taxas de internamento e a sua

duração, sobre medicação e tratamentos prescritos, sobre reinternamentos, sobre infeções hospitalares, sobre

taxas de mortalidade são, todos eles, dados que existem e que têm vindo a ser analisados do ponto de vista da

qualidade clínica, o que é essencial, mas dos quais falta retirar consequências, do ponto de vista da gestão

hospitalar e do subsequente financiamento.

Para o CDS, este é um momento particularmente oportuno para promover a aplicação gradual deste modelo

alternativo de financiamento, precisamente porque vivemos num cenário de recursos públicos limitados e de

grande pressão da procura.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, peço-lhe que termine.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Esta é uma proposta que garante os critérios de efetividade, eficiência e qualidade, previstos na Lei de Bases,

assim como é um passo instrumental para a concretização dos melhores cuidados de saúde a tempo e horas

para todos os cidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.

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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É consensual que o acesso a cuidados de saúde é um direito básico, mas são profundas as divergências sobre a forma de assegurar esse

direito.

As saudáveis diferenças ideológicas entre quem defende diversas soluções não podem, no entanto, constituir

uma licença para ignorar o exemplo de sistemas que, noutros países, têm dado mostras de dar uma muito

melhor resposta a quem necessita dos cuidados de saúde. Ignorar esses exemplos tem consequências, por

vezes, dramáticas na vida real das pessoas.

O projeto de lei do CDS, aqui em discussão, tem virtudes, porque a reforma do financiamento do sistema de

saúde é essencial para a melhoria da eficiência do mesmo. Mas é preciso ir mais longe. Reformular o

financiamento do sistema sem alterar profundamente a sua arquitetura é ficar a meio da ponte.

Mesmo assim, iremos votar a favor deste projeto de lei, esperando ter oportunidade de, em sede de

especialidade, introduzir melhorias, no sentido de uma maior descentralização e de uma melhor escolha dos

indicadores apresentados.

Quanto à solução estrutural, essa passará pela reforma integral e profunda do sistema nacional de saúde,

que a Iniciativa Liberal já anunciou que irá apresentar, durante esta sessão legislativa.

Os portugueses merecem melhores cuidados de saúde do que os que hoje têm, prestados com qualidade e

a tempo, e merecem ter a liberdade de poder escolher quem lhes presta esses cuidados.

Basta de meias soluções e de remendos. Os portugueses merecem mais do que isto.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN, tem a palavra, para uma intervenção.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A qualidade dos cuidados de saúde e dos serviços que prestam estes cuidados encontra-se profundamente relacionada com a prosperidade

social e económica de um país.

Esta crise sanitária que o País e o mundo têm atravessado permitiu-nos perceber, de forma muito visível, o

impacto que os sistemas nacionais de saúde podem ter na capacidade de adaptação, reorganização e resiliência

dos territórios e, acima de tudo, na preservação da saúde global.

O PAN defende, assim, um Serviço Nacional de Saúde robusto, capaz de captar e fixar recursos humanos

qualificados e de prestar serviços de elevada exigência técnica, científica e humana. Isto é, e tem de ser, uma

prioridade.

Recordamos, aliás, que não faz assim tanto tempo quanto isso que os portugueses não tinham acesso aos

mais básicos cuidados de saúde, o que veio a concretizar-se com o SNS.

O direito à saúde é, sem dúvida, um direito inquestionável, que deve estar acessível a todas e a todos,

atempadamente. A emergência da COVID trouxe-nos essa mesma evidência e o Governo investiu mais recursos

e meios no SNS. Mas uma estratégia política em saúde não pode resumir-se a momentos críticos. A saúde tem

de ser uma prioridade política estratégica de qualquer Governo, não podendo ser menosprezada perante outros

setores de decisão governativa, porque, sem saúde, não há riqueza económica nem desenvolvimento social.

Quando falamos de investimento no SNS, temos de ver o problema no seu todo: a necessidade de mais e

melhor investimento, de captação e fixação de recursos humanos qualificados, de internalização de respostas

e serviços e de valorização dos profissionais de saúde.

Mas falamos, também, de uma área que o PAN sempre defendeu e trouxe a debate: a prevenção. Na nossa

perspetiva, não há gestão eficaz do SNS se não se apostar na prevenção.

Portugal continua a apostar numa saúde mais remediativa e reabilitadora do que numa saúde preventiva,

com a qual poderíamos poupar muitos milhões de euros ao erário público e muitos anos de vida perdidos às

populações.

Veja-se, aliás, que Portugal é um dos países da Europa que menos gasta em cuidados de saúde preventivos.

Em 2018, a despesa pública e privada em cuidados de saúde preventivos, na União Europeia, representou 2,8%

da despesa total em saúde. Contudo, no nosso País, essa despesa representou apenas 1,7%. Quando, em

média, são gastos 82 € por pessoa em cuidados preventivos na União Europeia, em Portugal, no mesmo ano,

gastam-se 32 € por cada cidadã ou cidadão.

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Esta é uma realidade que urge alterar, se queremos que o dinheiro investido no SNS seja mais bem utilizado,

com ganhos para todos, até porque a sustentabilidade do SNS passa por mais investimento, mas, também, por

melhor investimento. Aliás, o estudo do custo/efetividade das intervenções é uma ferramenta essencial para

garantir que se tomam as melhores opções clínicas e financeiras. Sabemos, por exemplo, que, quando se

implementam intervenções psicológicas nos cuidados de saúde, é possível poupar entre 20% a 30% de custos,

seja porque se reduz o número de consultas, de psicofármacos e de ausências ao trabalho, ou porque se

minimizam os custos sociais.

Apesar da evidência disponível, assistimos, porém, de forma absolutamente incompreensível, a uma falta de

planeamento e de investimento em prevenção, optando os sucessivos Governos por poupar agora para gastar

depois.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a atenção para o tempo de intervenção que lhe resta.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. De facto, só podemos terminar, reforçando a importância do Serviço Nacional de Saúde e que qualquer

solução tem de passar por um investimento que valorize não só os seus profissionais, mas também os

equipamentos existentes no nosso País.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O CDS apresenta o seu projeto de lei e tenta justificá-lo com um caso hipotético, que passo a explicar. Se no hospital x um utente é operado e

fica internado dias a mais, então, esse hospital x não pode receber o mesmo que o hospital y, onde o doente é

internado apenas durante o tempo clinicamente recomendado, sem quaisquer complicações.

Para o CDS — essa é a sua proposta — o hospital x deve ser penalizado e ter um corte no seu orçamento.

O problema dos cenários hipotéticos, e muitas vezes o problema da teoria, é que ignora a realidade, e, no

caso do CDS, ou ignora propositadamente ou, então, até desconhece a realidade.

Mas transponhamos este cenário hipotético para o concreto do nosso País e para as diversas realidades.

Falemos, por exemplo, do hospital de Portalegre, que tem imensa dificuldade em atrair e contratar médicos.

Aliás, muito do seu serviço é garantido por médicos que não são do hospital e muitos nem sequer são

especialistas.

Como é óbvio, isso tem uma repercussão nos números e nos objetivos desse hospital, na capacidade de

realizar, por exemplo, as consultas externas. Ora, a solução do CDS não passaria por investir ou garantir

mecanismos para fixar mais profissionais. Não! Passava — essa é a solução que propõe — por cortar o

orçamento ao hospital de Portalegre, porque não cumpre com as médias previstas.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Não, nada disso!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Para um dos hospitais mais deprimidos e com mais dificuldades, a proposta do CDS tinha como consequência cortar o orçamento.

Olhemos para outro exemplo concreto da realidade do nosso País, o hospital Amadora-Sintra. Este hospital

tinha, até há pouco tempo, uma média de 45 camas ocupadas, em cada dia, com os chamados «casos sociais»,

ou seja, de pessoas com alta clínica, mas que têm de permanecer no hospital, porque não há uma resposta da

rede de cuidados continuados ou de qualquer outra valência social.

Ora, a solução do CDS passa por cortar o orçamento deste hospital, porque, lá está, não cumpre com a

métrica e tem essas pessoas demasiados dias nas camas hospitalares.

Se o hospital se recusar a cumprir o objetivo, tem o orçamento cortado, mas, se aceitar cumprir o objetivo,

então, a consequência é a de ter de colocar essas pessoas na rua. Esta é a escolha a que a proposta do CDS

obriga os hospitais: ou colocam as pessoas na rua, pessoas que são casos sociais, ou, então, têm um corte no

seu orçamento.

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Mas vamos a mais um caso concreto, o de vários hospitais na zona da Grande Lisboa. Sabe-se que, na

Grande Lisboa, existem mais de 700 mil utentes sem médico de família e que isso sobrecarrega,

inevitavelmente, as urgências hospitalares.

Ora, a proposta do CDS não quer saber dos cuidados de saúde primários, não quer saber desta circunstância

em que os hospitais estão, não quer saber de matérias para garantir que há médicos de família necessários,

não quer saber de nada disso. Para o CDS, a consequência era o corte no orçamento desses hospitais, porque

tratam mais casos de urgência do que aqueles que deveriam fazer, pela métrica que propõe.

Esta é a corrida para o fundo que o CDS propõe, e tem duas particularidades muito nocivas. A primeira é a

de que tem um timing específico, o da pandemia, que, obviamente, tem efeitos no trabalho programado do SNS

e, por isso, a consequência que o CDS propõe é que, para além de lidar com um ano e meio de efeitos da

pandemia, haja ainda um corte orçamental para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

Mas a segunda exigência, essa, é mais seletiva, porque, ao mesmo tempo que o CDS diz que o SNS deve

ser financiado eficientemente, anda a apregoar, através do seu presidente de partido, um aumento do

pagamento aos privados.

Na verdade, nós percebemos o que está por detrás desta proposta: asfixiar os hospitais do Serviço Nacional

de Saúde, para que eles entreguem mais dinheiro aos privados, para que o negócio da medicina privada

continue a florescer à custa do SNS e do erário público.

Ora, nós não aceitamos esta via. É que, com esta proposta do CDS, o resultado direto…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a atenção para o tempo.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Termino, Sr. Presidente, com esta frase: a única coisa que o CDS conseguiria era um corte no orçamento dos hospitais do SNS.

Creio que se há alguma coisa que as pessoas percebem, ao fim de quase dois anos de pandemia, é que

quem está contra o SNS está contra o nosso povo. E, de facto, este é um projeto que está contra o nosso povo.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado António Maló de Abreu, do PSD, para uma intervenção.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos, hoje, este projeto de lei, iniciativa através da qual o CDS-PP propõe um novo modelo de financiamento dos hospitais integrados

no SNS.

Em bom rigor, não se trata de uma iniciativa nova, pois, há cerca de três anos, o partido proponente já

apresentara um projeto em tudo semelhante ao que agora apreciamos.

Na passada Legislatura, a frente de esquerda chumbou a proposta do CDS.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E bem!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Desta vez, suspeito que voltem a chumbar esta proposta, assim inviabilizando, uma vez mais, a oportunidade de esta Assembleia refletir sobre a importante temática do

financiamento hospitalar.

Será pena, se assim for. E será pena, porque, mesmo discordando o PSD de algumas das propostas do

CDS, não nos parece que o Serviço Nacional de Saúde beneficie com a ausência de discussão e com o atual

imobilismo, porque, hoje, Sr.as e Srs. Deputados, a situação económico-financeira dos hospitais do SNS é grave

e ninguém responsável e imparcial pode negar a degradação das condições de sustentabilidade das unidades

públicas de saúde.

Assim, por exemplo, apesar das sucessivas injeções financeiras, as dívidas hospitalares acumulam-se e

agravam-se a um ritmo alucinante de 2 a 3 milhões de euros por dia. Insustentável!

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Só nos últimos 12 meses, comparando julho de 2020 com julho de 2021, a Direção-Geral do Orçamento

revela-nos que os pagamentos em atraso dos hospitais EPE (entidades públicas empresariais) mais do que

triplicaram, aproximando-se o seu montante dos 700 milhões de euros.

Segundo o Portal do SNS, também em julho passado a dívida vencida do SNS a fornecedores externos

quase atingia os 1300 milhões de euros, um aumento de 50% face ao final de 2015.

A sustentabilidade financeira do SNS pode estar ameaçada a médio prazo, dado que as despesas de saúde

têm crescido sempre acima do aumento da riqueza nacional, o que tende a agravar-se com o envelhecimento

da população, o aumento das doenças crónicas e o acréscimo de custos da inovação e do desenvolvimento

tecnológico.

Neste contexto, é quase pungente lembrar a esquecida Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do

Programa Orçamental da Saúde, que o anterior Executivo criou há já três anos, em 2018.

Essa estrutura deveria, entre outras funções, promover medidas que favorecessem o equilíbrio e a

sustentabilidade das entidades do SNS, incluindo medidas que contribuíssem para a redução dos prazos de

pagamento a fornecedores do setor da saúde.

O problema é que, três anos volvidos, diz-nos, por exemplo, o Portal da Transparência que o prazo médio

de pagamento do SNS a fornecedores se situa atualmente nos 130 dias, ultrapassando mesmo os 260 dias, por

exemplo, no caso dos dispositivos médicos.

Decorridos quase seis anos de governação socialista, já não é tempo para desculpas.

O desperdício e as ineficiências hospitalares, estimados em cerca de 20% dos seus custos totais,

comprometem a sustentabilidade do sistema público de saúde.

Os indicadores e métricas de qualidade e os resultados de saúde obtidos continuam a ser ignorados no

financiamento das unidades de saúde do SNS, permanecendo a gestão hospitalar longe da exigível

profissionalização.

Apesar de prometida, em 2015, a reforma da organização interna e do modelo de gestão dos hospitais falhou.

Também a prometida aposta na autonomia e na responsabilização da gestão hospitalar falhou, o mesmo

sucedendo com a tão propalada aplicação de incentivos ligados ao desempenho.

Em suma, nestes seis anos, o PS não fez a reforma que prometeu no Serviço Nacional de Saúde.

Para o Partido Social Democrata urge mudar, no SNS, o paradigma, em termos de gestão. Para nós, é

imperioso motivar as equipas de gestão e os profissionais de saúde, mas também garantir a autonomia e a

profissionalização da gestão hospitalar, com fixação contratualizada de objetivos, em função das melhores

práticas.

Há que responsabilizar as equipas pelos resultados atingidos, mas também criar um verdadeiro e efetivo

sistema de incentivos e de penalizações, em função da prossecução dos objetivos previamente definidos.

Sendo estas, Sr. Presidente, as nossas propostas, consideramos, hoje, como há três anos o considerámos,

que o projeto de lei em apreço vai num sentido construtivo, pelo que merece a oportunidade de uma discussão

mais aprofundada,…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, chamo a sua atenção para o tempo.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — … em sede de especialidade, assim o queira a maioria que nos desgoverna.

Aplausos do PSD.

O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Susana Correia, do PS.

A Sr.ª Susana Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei hoje, aqui, em discussão, apresentado pelo CDS, aborda um tema fundamental para o Serviço Nacional de Saúde, o do modelo

de financiamento dos hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde.

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Este projeto de lei inicia a sua exposição de motivos — e, em nosso entender, bem — referindo-se à

Constituição da República Portuguesa, que determina que o direito à proteção da saúde é realizado «através

de um serviço nacional de saúde universal e geral e tendencialmente gratuito».

Ainda nesta exposição de motivos, o CDS refere, e cito: «Existe a ideia generalizada de que, quando algo é

gratuito, não custa nada a ninguém.» E refere, ainda, e cito, que «a saúde não tem preço, mas tem custos».

Sr.as e Srs. Deputados: Celebrámos, ontem, 42 anos do Serviço Nacional de Saúde em Portugal. O Serviço

Nacional de Saúde em Portugal é a garantia de cuidados de saúde universais, pois o que defendemos é mesmo

que o Serviço Nacional de Saúde seja um serviço universal, sem teorias economicistas, geral e tendencialmente

gratuito. E a saúde, para o Partido Socialista, não é um custo, Sr. Deputado, é um verdadeiro investimento!

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD António Maló de Abreu.

E a prova de que a saúde é um verdadeiro investimento nas pessoas é mesmo a forma como o Serviço

Nacional de Saúde respondeu a esta pandemia. E a forma como o Serviço Nacional de Saúde está a recuperar

desta pandemia não implica a necessidade de pedir desculpas, Sr. Deputado, mas de dizer um «obrigado»!

Portugal é hoje o País do mundo com maior taxa de cobertura da população com vacinação completa contra

a COVID-19.

Aplausos do PS.

Esta iniciativa também refere que é preciso maior orçamento para a saúde.

Vejamos: se há luta que o Partido Socialista tem travado é mesmo a da crónica suborçamentação e do

reforço do Serviço Nacional de Saúde. O orçamento da saúde cresceu mais de 700 milhões, em 2021; há mais

29 000 profissionais de saúde, desde 2015; reposição de salários, de horas extraordinárias, das 35 horas; novas

carreiras de técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, de técnicos de emergência pré-hospitalar, e a

carreira farmacêutica hospitalar.

Não perceber que todo este esforço foi crucial para a forma como o Serviço Nacional de Saúde combateu e

recupera desta pandemia é ignorar o essencial.

Aplausos do PS.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que a iniciativa, aqui apresentada pelo CDS, não define

concretamente um modelo de financiamento, antes, defende a existência de majorações e penalizações na

distribuição das verbas do Orçamento do Estado a afetar às instituições do Serviço Nacional de Saúde.

Entendemos que não pode ser ignorado o caminho iniciado em 2019, de alargamento da autonomia destas

entidades, de contratos-programa que implicam o cumprimento de indicadores de acesso, qualidade e eficiência.

Os resultados já são medidos e incorporados no modelo de financiamento hospitalar e é promovida a

eficiência. Sim, Sr.ª Deputada, é promovida a eficiência destas entidades, mas fazendo-o de forma positiva e

não negativa, penalizando estas entidades.

Para concluir, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista reconhece a importância do tema do financiamento

do Serviço Nacional de Saúde e, concretamente, dos hospitais. No entanto, defendemos que esta temática não

pode ignorar uma reflexão técnica e articulada, que responda às necessidades do sistema, em termos de

cobertura, de acessibilidade e de equidade, respeitando os princípios constitucionais e as orientações das

políticas em saúde, uma gestão eficiente das unidades hospitalares, mas salvaguardando sempre a importância

de fatores como a eficiência das especialidades — porque algumas unidades hospitalares podem recusar

especialidades que são importantes para as populações —, as características demográficas, a área

populacional, entre outras.

As medidas de eficiência são de extrema importância, mas deverão ser também analisados os impactos na

capacidade de prestar cuidados de qualidade, exigindo sempre o máximo do valor a entregar. E, para nós, Sr.ª

Deputada, o máximo do valor a entregar é entregue ao utente.

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Não podemos, portanto, dar a nossa concordância a esta medida, com esta natureza, porque entendemos

que esta iniciativa faz uma inversão no caminho que vem sendo seguido, do gradual alargamento da autonomia

destas instituições e da motivação dos seus gestores, em prol de melhor saúde aos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O reforço do Serviço Nacional de Saúde e a garantia dos meios quer humanos, quer financeiros, quer no plano técnico são essenciais para que

o Serviço Nacional de Saúde tenha as condições para prestar os cuidados de saúde a que a população tem

direito.

Valorizamos, como é óbvio, a autonomia da gestão das instituições, a eficiência da sua gestão, a qualidade

da prestação dos cuidados de saúde, mas, para isto ser assegurado, tem de ser acompanhado da dotação dos

meios adequados para que as unidades de saúde tenham condições para cumprir com aquela que é a sua

missão. Consideramos que a proposta que o CDS traz a debate não vai neste sentido. Invoca a qualidade, a

eficiência, mas, depois, o que propõe, em concreto, não estando garantidas aquelas condições, que são

fundamentais para que as unidades possam exercer e cumprir com as suas funções de forma adequada, é uma

penalização para aquelas instituições que não consigam atingir os objetivos, não tendo em conta a realidade

concreta em que as instituições se inserem, a população em concreto que servem, que é diferente na Área

Metropolitana de Lisboa, na região do Alentejo, do Algarve ou de Trás-os-Montes.

É necessário ter essa realidade e essa especificidade em conta e em cima da mesa e, sobretudo, não se

pode penalizar quem não tem condições para prestar esses cuidados. É que se, hoje, faltam profissionais, se,

hoje, é necessário modernizar os equipamentos, se, hoje, é necessário alargar a cobertura e a capacidade de

várias valências, quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer ao nível dos cuidados hospitalares,

naturalmente, não se pode penalizar as instituições, porque essas condições não estão garantidas.

O que o CDS aqui traz é exatamente isso, no sentido do agravamento das dificuldades. Aqueles que já têm

mais dificuldades com mais dificuldades ficarão, aqueles que já estão onde há mais assimetrias e desigualdades

verão aprofundar-se essas mesmas desigualdades e assimetrias. De facto, este é o objetivo central desta

proposta. Pode não estar vertido neste projeto, ou na intervenção inicial da Sr.ª Deputada, de uma forma direta

e mais expressa, mas conhecemos bem o objetivo do CDS. Trata-se de contribuir para a desagregação e para

a desestabilização do Serviço Nacional de Saúde, naturalmente, para transferir cuidados para os grupos

privados.

Aquilo que consideramos essencial nesta discussão é, de facto, encontrar soluções que permitam reforçar o

SNS. Consideramos que é necessário mais financiamento — o financiamento adequado, precisamente, para

ultrapassar as dificuldades de suborçamentação que persistem —, que é necessário encontrar soluções, do

ponto de vista organizacional, que permitam também melhorar, em termos de gestão, o funcionamento das

unidades de saúde, mas, sobretudo, é preciso dotar o Serviço Nacional de Saúde dos meios e das condições

adequadas para prestar os cuidados de saúde a que a população tem direito.

Esses são os eixos essenciais, e bem os sabemos, aliás, o PCP tem apresentado inúmeras propostas nesse

sentido, não só de reforço do financiamento, de reforço da contratação de trabalhadores, da valorização dos

trabalhadores, das carreiras, das remunerações, da dedicação exclusiva, do investimento nas instalações, no

alargamento das valências, na modernização dos equipamentos. Estes são aspetos absolutamente centrais

para que o Serviço Nacional de Saúde possa progredir e para que tenha mais capacidade para prestar cuidados

de saúde à população e para que o direito à saúde, que a nossa Constituição consagra, seja efetivamente

assegurado.

Consideramos que a garantia desse direito se promove, de facto, através de um Serviço Nacional de Saúde

com meios e não pela transferência da prestação de cuidados para os grupos privados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para o encerramento deste debate, tem, novamente, a palavra a Sr.ª Deputada Ana Rita Bessa, do CDS-PP.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço os contributos de todos e dirijo-me, em concreto, aos Srs. Deputados Pedro Filipe Soares e Susana Correia.

Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, de duas uma, ou não leu, o que é compreensível, pois não é a sua área,

não é o tema que costuma acompanhar, ou, então, quis fazer um número de demagogia, treslendo o que está

escrito na nossa iniciativa, para trazer o seu refrão e enredo habitual, de que o CDS é contra o SNS, quer cortar

o orçamento do SNS e por aí em diante. É que, se tivesse lido ou, mesmo não tendo lido, se me tivesse ouvido

— simplesmente isso —, teria percebido que o que estamos a dizer é tão simples quanto isto: um hospital não

pode ser considerado como uma fábrica, que é remunerada pelo número de atos e procedimentos que faz, mas

deve colocar no centro o doente e aquilo que consegue obter em ganhos de saúde. Isto nada tem a ver com a

sua conceção simplista, que se baseia em mais ou menos orçamento. Não são esses os nossos vetores e tanto

é assim — pelo menos a Sr.ª Deputada Susana Correia leu o projeto — que até dizemos que, sim,

compreendemos que seja preciso aumentar o orçamento do SNS. A questão é como e onde deve ser alocado

esse aumento, para, sim, termos um melhor sistema nacional de saúde, até na linha do que o Sr. Deputado

aprovou, com grande felicidade, e que eu citei, uma boa utilização de recursos públicos, efetiva, eficiente e de

qualidade.

Portanto, nada tem a ver com o que Sr. Deputado disse, tem a ver com outra coisa completamente diferente,

mas percebo que não lhe interesse trazer aqui essa análise.

Quanto à Sr.ª Deputada Susana Correia, a Sr.ª Deputada associou o projeto do CDS a teorias economicistas.

Sr.ª Deputada, sinceramente, julgo que isto lhe traz um problema mais a si do que a mim, porque, ainda no dia

30 de agosto, a Sr.ª Ministra da Saúde disse o seguinte, numa entrevista, no caso, sobre a rede de cuidados

continuados: «Há, de facto, problemas e é preciso rever o modelo de financiamento, tendo por base os

resultados». Na perspetiva da governante, ouvida pela TSF, e cito, «o pagamento por diária não é o mais

adequado a compensar outros aspetos a que ao próprio financiador interessa ter presentes, como, por exemplo,

a recuperação das pessoas que são utilizadoras deste serviço». E, então, veja bem, até constituiu um grupo de

trabalho — enfim, é uma prática habitual, em vez de aprovar um projeto de lei como este — para criar um modelo

de custeio mais fino e incluir, exatamente, os ganhos em saúde.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a atenção para o tempo.

A Sr.ª Ana Rita Bessa (CDS-PP): — Termino, Sr. Presidente. Portanto, Sr.ª Deputada, se calhar, o melhor é resolver isso junto do Governo, antes de vir aqui fazer

intervenções a dizer que as nossas são visões economicistas.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, terminámos este debate, pelo que entramos no quarto ponto da nossa ordem de trabalhos, com a discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os

883/XIV/2.ª (PAN) — Regula o acorrentamento e o alojamento em varandas e espaços afins dos animais de

companhia, procedendo à décima alteração ao Decreto-Lei n.º 276/2001, de 17 de outubro, e 932/XIV/2.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) — Melhora as condições de detenção de cães e gatos previstas no

Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro.

Para apresentar a iniciativa do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os representantes das associações de proteção animal aqui presentes e que nos acompanham nesta iniciativa.

Durante cerca de 14 anos, um cão com o nome Leão viveu acorrentado num terreno devoluto. Este animal

viu serem-lhe queimados os seus olhos, supostamente para que não denunciasse a presença de pessoas no

local e, como estava acorrentado, não teve sequer a oportunidade de se defender ou de fugir. Foi um animal

que teve a sorte de conseguir ser resgatado do sofrimento agudo em que se encontrava, pelo movimento cívico

Quebr’a Corrente, que foi devidamente tratado, recuperou alguma visão e encontra-se hoje ao cuidado de uma

família de acolhimento temporário, algo que as autoridades, apesar de instadas, não foram capazes de fazer.

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Mas muitos são os casos em que, lamentavelmente, ninguém chega a tempo. Há animais que vivem toda

uma vida de acorrentamento, como se de uma prisão perpétua se tratasse, de indiferença perante o olhar de

todas as pessoas que ali passam e que ninguém vai socorrer.

É preocupante que, em 2021, estejamos ainda a discutir, nesta Assembleia, a questão do acorrentamento

de animais de companhia — em que se incluem também os gatos —, uma realidade anacrónica e altamente

lesiva para os mais básicos princípios de bem-estar animal.

Sabemos, também, que alguns destes casos de natureza mais gravosa revestem já natureza criminal, mas

este é um problema de uma sociedade que carece de ser sensibilizada para o respeito dos animais, de

compreender as suas necessidades, as suas capacidades emotivas e as suas carências. Mas é também um

problema que resulta, em grande medida, de uma falta de consciência cívica de que os animais são seres

sencientes, capazes de sentir emoções e de que, assim, tal como nós, também eles sofrem, evidência que a

ciência tem vindo a demonstrar, mas que bastaria um olhar e compaixão para a ter presente em nós.

Infelizmente, em Portugal, ainda são muitas as denúncias de casos de animais acorrentados à porta de uma

casa, abandonados em varandas, um pouco por todo o País, muitos deles em condições verdadeiramente

degradantes ou sem a mínima dignidade.

Hoje, trouxemos alguns exemplos a este Parlamento, mas são milhares, milhares de animais, por todo o

País, Sr.as e Srs. Deputados, que vivem nestas condições. E tivemos até o cuidado de trazer imagens que não

firam a sensibilidade de quem nos acompanha, porque, infelizmente, muitos destes animais acabam expostos,

dias, meses, anos a fio, às intempéries, ao calor, ao frio, à chuva, o que põe em causa não só o seu conforto, a

sua existência digna e o seu bem-estar, como também, muitas vezes, a sua sobrevivência às condições em que

estão alojados.

Esta situação provoca também conflitualidade entre a vizinhança, seja pelo ruído gerado, pela insalubridade

ou, até mesmo, pela consternação e compaixão de quem não consegue viver paredes meias com tamanho

sofrimento animal.

Além disso, também não podemos ignorar o risco de inundações e de incêndios, que são particularmente

fatais para os animais acorrentados. E o episódio do incêndio nas instalações de Santo Tirso, um caso bem

presente na nossa memória, onde viviam animais que não tiveram sequer uma hipótese de fuga ou de refúgio,

é um claro exemplo disso.

As imagens de animais acorrentados o dia inteiro, fechados em varandas, também não são um problema

menor e não devem continuar a fazer parte da paisagem do nosso País. É, por isso, que, apesar de todos os

avanços que temos alcançado em matéria de proteção animal, existe ainda um Portugal que tem de cumprir um

salto civilizacional, não apenas em zonas rurais — engane-se quem pensa que este é um fenómeno apenas das

zonas rurais —, mas, sim, também nas cidades, para termos, de facto, um País que olha para os animais, para

os seus direitos e que tem consideração por eles, como seres vivos dotados de sensibilidade.

Para isso, precisamos não só de campanhas de sensibilização, algo que o PAN propõe neste projeto, mas

também de criar regulamentação e um plano de desacorrentamento animal. Todas estas iniciativas existem já

noutros países, como na vizinha Espanha, na Alemanha ou em França, e em muitos Estados norte-americanos,

só para dar aqui alguns exemplos.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a atenção para o tempo.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. Este projeto que aqui trazemos reflete não só uma melhoria no bem-estar dos animais, mas também um ato

de compaixão que acreditamos que esta Assembleia da República não será capaz de ignorar.

Aplausos do Deputado do PAN Nelson Silva.

Durante a intervenção, foram projetadas imagens, que podem ser vistas no final do DAR.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem, agora, a palavra, para apresentar a sua iniciativa, a Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

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A Sr.ª Cristina Rodrigues (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: São ainda conhecidas muitas situações de alojamento inadequado, especialmente para cães e gatos, como é o caso das varandas exíguas

ou das correntes. A estes tem de ser assegurado não só abrigo e alimento, como também a possibilidade de se

exercitarem e de expressarem o seu comportamento natural.

Importa, por isso, fazer ações de sensibilização junto da população, para que haja um maior esclarecimento

das necessidades de bem-estar dos animais, mas também dos órgãos fiscalizadores, para que estes possam

ter uma abordagem pedagógica e identificar com mais facilidade se o bem-estar está assegurado.

Além disso, deve ser vedada ao condomínio a possibilidade de restringir a liberdade de os condóminos terem

animais, na medida em que a lei já determina que a sua detenção fica dependente das condições da fração.

Concluindo, tendo sempre em atenção a proteção e o bem-estar animal, não podemos criar condições tão

exigentes para a sua detenção que levem ao aumento do abandono, flagelo que ainda hoje não conseguimos

combater, ou que sejam impossíveis de fiscalizar. Importa, por isso, propor medidas que os protejam, mas

também que tenham em atenção a realidade do nosso País, contribuam para uma maior consciencialização do

tratamento condigno dos animais, promovam uma detenção responsável, fomentem a adoção de animais e

combatam o abandono e os maus-tratos.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do PSD.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Ex.mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sobre as iniciativas em debate haveria uma série de considerações políticas, de ordem filosófica, ética, moral e até racional, diria

eu, que se deveriam tecer.

A verdade é que o modo como a nossa sociedade se está a transformar, substituindo valores e padrões de

vida, justificaria um debate sério. Contudo, verifica-se essa ausência e por isso esta nossa primeira nota, para

lamentar que nenhumas destas iniciativas seja meritória desse debate que é necessário. Em vez disso

deparamo-nos com a extrapolação de exemplos infelizes, de algo que ocorre em cidades, para todo o País. Ora,

assim sendo, acaba por não refletir a realidade do País, mas apenas uma visão enviesada do mesmo.

Outro aspeto a ter em conta é o modo como se encaram os animais de companhia, legislando sobre eles

sem os diferenciar. Nesse sentido, se é sobejamente conhecido que cada espécie que se inclui na categoria de

animal de companhia tem características intrínsecas, não podemos deixar de referir que nos parece

incompreensível que essas mesmas características não sejam atendidas e sejam mesmo ignoradas.

A título de exemplo, verifica-se que não existe, sequer, a distinção das exigências de bem-estar, vitais, entre

cães e gatos, já para não falar entre os restantes animais de companhia, algo que nos parece basilar.

De igual modo, não há distinção no tipo de local, varanda ou similar, que se visa proibir. Convenhamos: é

completamente diferente estarmos a falar de uma varanda com 5 m2 ou de outra com 100 m2. Novamente, tal

distinção não é tida em conta.

Permitam-me que passe mesmo à leitura de uma das propostas de alteração do PAN, para todos

percebermos do que estamos a falar. O PAN pretende, e cito, que «os animais de companhia não possam ser

deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas». Ora, isto significa

que se estivermos a falar apenas de um animal, este não pode ser deixado sozinho mais de 12 horas, mas dois

animais já podem! E é irrelevante a espécie desses animais. Tão pouco é necessário que sejam ambos animais

de companhia.

Ou seja, se alguém tiver um cão e o deixar com uma tartaruga ou com um peixe num aquário, ele já poderá

ficar sozinho além das 12 horas. É isto que o PAN propõe e, a nosso ver, mal.

Sr.as e Srs. Deputados, para concluir, queria apenas dizer que já desde há bastante tempo que o PSD se tem

preocupado com o bem-estar animal e com a defesa dos animais. A diferença é que não legislamos de qualquer

forma, porque, para nós, é fundamental que, lado a lado com o bem-estar animal, exista bom senso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Palmira Maciel, do PS.

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A Sr.ª Palmira Maciel (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A relação afetiva entre as pessoas e os animais tem sido valorizada, reforçada e estimulada. Hoje, a maioria das famílias gostam de conviver com

um ou mais animais de companhia e, obviamente, de lhes proporcionar o bem-estar a que têm direito.

Em matéria de bem-estar animal, o Partido Socialista e o Governo têm desenvolvido e concretizado políticas

efetivas e continuamos empenhados em trabalhar para melhorar as condições de detenção e de alojamento dos

animais, quer sejam de companhia, quer sejam de produção.

Recordemos alguns dos mais recentes diplomas aprovados pelo Governo. Em primeiro lugar, o decreto que

altera a orgânica do ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), tornando também missão

deste instituto a promoção do bem-estar dos animais de companhia, incluindo os animais errantes, privilegiando

as ações de identificação, esterilização, adoção e promoção da detenção responsável destes animais. Nesse

sentido, o ICNF reforça os recursos humanos através da contratação de 20 médicos-veterinários e da criação

de um departamento de bem-estar dos animais de companhia que terá uma atuação em todo o território nacional

através das direções regionais.

Refiro ainda a resolução do Conselho de Ministros que aprova o Programa Nacional para os Animais de

Companhia, do qual se destacam a elaboração de um regime geral de bem-estar dos animais, à semelhança do

que sucede nos outros países; a revisão da legislação setorial com vista à sua atualização, harmonização e

simplificação; a estratégia nacional para os animais errantes, em articulação com os municípios; a rede nacional

de respostas para o acolhimento temporário, articulando os centros de recolhimento com os alojamentos das

associações zoófilas e com as famílias de acolhimento temporário; a instituição de um programa nacional de

adoção de animais de companhia, num trabalho concertado com as associações e os municípios; um guia de

procedimentos para gerir situações de acumulação de animais; o plano nacional de formação, também com os

municípios; a criação do registo nacional das associações zoófilas; e o prémio nacional para as melhores

práticas de bem-estar animal de companhia.

Este conjunto de medidas é conduzido pelo ICNF, como disse, que irá definir, executar e avaliar políticas de

bem-estar, detenção, criação, comércio e controlo de animais de companhia. Serão medidas a desenvolver em

articulação com as entidades relevantes, em especial com os municípios e com as associações.

Finalmente, relembro o decreto que institui o Provedor do Animal, figura prevista no programa do Governo e

inscrita na Lei do Orçamento do Estado para 2021, atribuindo ao titular deste cargo a missão da defesa do bem-

estar animal, promovendo uma articulação mais eficaz e coordenada do Estado, nomeadamente através do

acompanhamento da atuação dos poderes públicos no cumprimento da legislação aplicável. Relembro ainda

que, a 16 de julho, a Prof.ª Laurentina Pedroso foi designada para o cargo de Provedor do Animal.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as iniciativas em análise, o projeto de lei do PAN e o projeto de lei da

Deputada não-inscrita Cristina Rodrigues, são pertinentes e muito importantes quanto às temáticas abordadas.

Contudo, suscitam questões que merecem uma reflexão aprofundada e tratada com tempo.

No entender do Partido Socialista, deveremos considerar que questões como a envolvência e o meio, as

necessidades existentes na comunidade, os apoios e a sua forma de aplicação devem ser ponderadas

cuidadosamente.

Quanto à iniciativa do PAN, consideramos que estão previstos aspetos que repudiam a política de bem-estar

animal, como a possibilidade da manutenção de animais de companhia em espaços confinados, por exemplo

as varandas, tal como indica o n.º 6 do artigo 8.º do projeto.

Quanto à iniciativa da Deputada não inscrita Cristina Rodrigues, consideramos que há matérias que exigem

a contribuição de outras entidades.

Em face destas limitações e dúvidas, julgamos que há espaço para, em sede de especialidade, se

melhorarem as iniciativas, assim os proponentes queiram.

Sr.as e Srs. Deputados, só com o compromisso, a responsabilidade, a cooperação da sociedade civil e o

respeito pelos animais é que se encontrará um verdadeiro equilíbrio. Por isso, devemos apelar, cada vez mais,

a um compromisso responsável por parte dos detentores dos animais e continuar a legislar, não só de forma a

que sirva o animal e o seu detentor, mas também de forma a que sirva a liberdade de quem, por esta ou aquela

razão, não opta por ter animais, fomentando assim a harmonia do meio onde se inserem.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV, tem a palavra para uma intervenção.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se é certo que muito já se fez na política do bem-estar animal, é, contudo, necessário que se continue este caminho de proteção e respeito pelos

animais de companhia que hoje são, em muitos casos, considerados membros de família. Mas este objetivo é

contraditório com o vazio criado pela decisão do Governo de retirar a tutela à DGAV (Direção-Geral de

Alimentação e Veterinária) e, passado quase um ano, não estarem ainda contratados os veterinários nem estar

totalmente constituída a estrutura que a deveria substituir; assim como é contraditório com o atraso na criação

de estruturas de fim de linha, os CRO (centros de recolha oficiais), com condições para a permanência dos

animais e para o seu tratamento e esterilização até à entrega a uma família adotante.

Ora, para que se continue a aprofundar este caminho, precisamos de reforçar os alicerces e não de insistir

em construir a casa pelo telhado. Não consideramos que a punição seja a solução, antes insistimos na

pedagogia e no apoio a quem pretende adotar e manter os seus animais de companhia.

As campanhas de adoção de animais abandonados devem ser reforçadas, com maiores apoios aos

municípios, às freguesias, às associações que se dedicam à defesa dos animais e do ambiente, para que

possam contribuir para um comportamento adequado de adoções responsáveis, prevenindo abandonos

sucessivos e promovendo estruturas de proximidade de apoio ao bem-estar animal.

As propostas que hoje debatemos tratam de questões para as quais é urgente encontrar soluções, mas as

soluções mais eficazes serão sempre as que permitem a mudança de comportamento, o fim dos abusos e não

a punição, que, promovendo a conflitualidade, irá, sobretudo, bater no facto de não existirem estruturas

competentes para a fiscalização de abusos contra os animais.

Ainda assim, não podemos deixar de assinalar que há aspetos que nos suscitam dúvidas. Pondera-se

penalizar todos aqueles que permitam que os animais errantes permaneçam nos seus quintais ou espaços ao

ar livre, porque lhes garantem alimentação, mas eles ficam sozinhos todo o tempo?! E as pessoas que saem de

casa às 7 horas e regressam às 20 horas porque vivem longe dos seus locais de trabalho? Estamos a dizer-

lhes que não podem adotar um animal?!

Aponta-se que os animais não podem ser alojados em varandas, alpendres e espaços afins, admitindo a sua

presença ocasional até 3 horas diárias, mas não será esta uma medida cega, que não tem em conta que

varandas e alpendres haverá que podem ter melhores condições do que o espaço habitacional e que os animais

podem preferir passar aí a maior do seu tempo, mesmo que tenham acesso à casa?! O que fazem os detentores

destes animais? Entregam-nos aos CRO? Abandonam-nos?

É urgente desacorrentar os animais, dar-lhes condições dignas, ensinar os adotantes a cuidar dos seus

animais. É necessário promover adoções responsáveis, combater o abandono, esvaziar os CRO. Mas, para que

estes passos sejam dados com firmeza, é urgente que se faça um caminho de sensibilização, de investimento,

de desenvolvimento de uma política de bem-estar animal que tenha realmente os animais no centro das

atenções e não outros interesses.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos vindo a dar passos largos e firmes para uma lei que garanta um maior bem-estar animal. Esses passos acabam não só por garantir uma

maior consciência e sensibilização como, também, preocupações de fiscalização, mas temos ainda muito a

fazer.

Temos uma administração local e central que tem vindo a descartar várias das suas responsabilidades e

temo-lo visto, por exemplo, na entrega de funções públicas a entidades privadas. Falamos das entidades

associadas da caça ou ainda do registo de animais de criação pela associação de canicultura. Não raramente,

estes são lóbis associados à tauromaquia…

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…

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A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — … e aí jazem muitos dos problemas que identificamos, tais como os maus-tratos, o abandono e a proliferação de animais errantes.

Sr.as e Srs. Deputados, de facto, é preciso coragem para começar a colocar essa questão em cima da mesa

e este problema tem também incidência no acorrentamento. Quando os animais são um negócio não se pode

entregar a galinha à raposa, mas no rol de propostas da Sr.ª Deputada do Partido Socialista não encontramos

essas alterações, nem sequer essas preocupações.

Estas são questões que terão de ter resposta cabal e um avanço legislativo, mais tarde ou mais cedo.

Enquanto tal não ocorre, estas inclusões de que falamos, das especificações relativamente à lei de proteção

dos animais de companhia, deve continuar a fazer mais caminho. É também ela uma matéria relevante e, por

isso, estamos de acordo com as propostas apresentadas. Consideramos, no entanto, que podem ser bastante

melhoradas.

Deve, por exemplo, garantir-se uma maior atenção à situação social e de habitabilidade de cada cuidador ou

cuidadora. Se as condições de habitabilidade da pessoa forem insalubres, dificilmente as dos animais poderão

ser diferentes. Quem vive numa ilha de 9 m², por exemplo, não poderá ter o seu animal nesse espaço exíguo

se o próprio animal tiver condições para isso?!

Devem, ainda, precisar-se conceitos e garantir que os centros de recolha, os responsáveis pelo registo dos

animais no registo nacional e as próprias juntas garantam um trabalho obrigatório de proximidade aquando do

registo e licenciamento, na informação e na garantia de que as pessoas têm disponibilidade para receber o

animal.

Deve existir também um compromisso por parte do Governo com as leis que temos aprovado, o que não tem

ocorrido com a determinação necessária e nós sabemo-lo bem. A regulamentação, a orçamentação, a

contratação de trabalhadores e de trabalhadoras para as entidades com responsabilidades na matéria são

essenciais para que esta lei seja efetiva, tal como outras leis que já aqui aprovámos.

Deixo aqui, no entanto, por parte do Bloco de Esquerda, o nosso absoluto compromisso para pensar e

delinear com mais rigor e em sede de especialidade, com as nossas propostas, que nos parecem essenciais,

uma lei que se torne efetiva e um processo de abolição de amarras consequente.

Estamos disponíveis para esse debate sério que devemos fazer em sede de especialidade. Claramente

existem forças políticas que aqui não estão disponíveis para o fazer, mas, quando se fala em debate sério, todas

e todos sabemos que esse debate é para ser tido em sede de especialidade, com audições, com todo um

processo que é necessário que as forças políticas estejam disponíveis para fazer.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei do PAN e o da Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues vêm chamar a atenção para um problema, que, infelizmente, é já

muito antigo, dos animais, sobretudo cães, mas não só, que vivem acorrentados e amarrados numa situação

que, acho, mesmo sem auxílio das fotografias que aqui vimos, todos nós conseguiremos qualificar como de

crueldade. É óbvio que é cruel.

Gostava de chamar a atenção para que, quer estes projetos, quer as fotografias que aqui vimos não falam

apenas destes casos. Em primeiro lugar, as fotografias que aqui vimos mostram, sobretudo, casos que são já,

hoje, com a legislação que temos, qualificados como crimes e que não são abrangidos por esta legislação que

aqui é proposta.

Esta legislação hoje proposta pelo PAN vem falar não apenas das amarrações, e se fosse esse o caso

estaríamos a falar de um assunto diferente, mas também dos animais de companhia que vivem confinados em

varandas, em marquises ou em alpendres e também dos animais que são deixados sozinhos, sem outra

companhia, humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas.

É disto que, tecnicamente, estamos a falar e não das imagens que vimos.

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Portanto, tenho algumas perguntas técnicas e outras do ponto de vista das consequências e uma última

reflexão do ponto de vista dos valores.

A primeira pergunta técnica é a de que eu gostava, em primeiro lugar, de entender qual a sanção para quem

infringir esta lei, porque, depois, daí vêm as consequências, quer para quem infringir a lei, quer para os animais

que estão em causa, quando forem detetadas infrações.

O que é que acontece, por exemplo, se uma pessoa for apanhada numa situação irregular porque deixou o

seu cão em casa mais de 12 horas sozinho? Imagine que alguém está a planear chegar a casa ao fim do dia,

tem um acidente de viação, tem de ir ao hospital e quando chega a casa está em infração legal…

Protestos da Deputada do PAN Inês de Sousa Real.

Percebo que a legislação possa não ter sido feita com esta intenção, mas o que lá está escrito é isto que eu

estou a descrever.

Gostava também de saber se quando falamos em animais de companhia estamos a falar de cães e de gatos

ou se estamos a falar de todos os animais de companhia, porque suponho que, em alguns casos — por exemplo,

no caso de aves —, não estaremos a aplicar estas regras.

Gostava ainda de saber se no caso de animais, como cães, que vivam em quintas ou em casas com grandes

quintais e que durmam fora de casa, também vamos aplicar esta regra das 12 horas, porque estes casos também

acontecem, e se as pessoas vão ser separadas dos seus cães — porque, pura e simplesmente, eles dormem

fora de casa — se os donos dormirem mais de 12 horas. Isto vai acontecer?!

Em segundo lugar, quero falar das consequências. Gostava de perceber o que vai acontecer a estes animais,

porque no caso de Santo Tirso, que é absolutamente chocante, esses animais não estavam numa marquise,

nem estavam acorrentados; estavam num abrigo chamado «Cantinho das Quatro Patas», que é onde muitos

destes animais irão parar se forem retirados às pessoas.

Portanto, convém pensarmos se não estamos a criar uma situação pior do que a que queremos evitar.

Em terceiro lugar, por último, e apenas porque estas fotografias foram mostradas, gostava de perguntar aos

Srs. Deputados — naturalmente sem mostrar fotografias — quantos idosos conhecem que não têm forças para

sair de sua casa e veem pessoas uma vez por dia quando têm a sorte de ter apoio domiciliário.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — O PAN apresentou uma iniciativa!

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Na nossa hierarquia de valores, essa situação é ou não prioritária?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou passar ao lado de considerações gerais sobre as questões dos maus-tratos a animais, porque elas já foram ao longo dos anos várias vezes

referidas, e queria ir, sobretudo, às propostas que são apresentadas, porque os projetos suscitam-nos mais

dúvidas e interrogações do que propriamente certezas quanto àquilo que os proponentes verdadeiramente

tencionam com as propostas que apresentam.

Tenho a vantagem de intervir no fim do debate, muitas das questões já foram colocadas e posso até pegar

nelas já a partir de um ponto mais avançado, mas queria começar por questionar, quer o PAN, quer a Sr.ª

Deputada Cristina Rodrigues, sobre qual o objetivo destes projetos, porque parece-nos que a terem alguma

consequência ela seria a da impossibilidade de milhares e milhares de portugueses terem animais de companhia

— isto como consequência direta das propostas que aqui apresentam.

Se o objetivo era esse, julgo que está bem conseguido. A Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, sobretudo,

carrega muito na componente de mandados judiciais, buscas, retirada dos animais e colocação dos animais nos

canis ou nos gatis; o PAN, ainda assim, é mais suave, digamos assim, nas propostas, mas estas propostas a

terem alguma consequência — e digo a terem, porque, e já lá vamos, tenho dúvidas de que possam ter —, seria

a da limitação de milhares de cidadãos portugueses poderem ter animais de companhia e, ainda por cima, Sr.as

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e Srs. Deputados, precisamente, aqueles portugueses que têm condições económicas e sociais mais

degradadas, provavelmente habitações com menos condições, serão esses duplamente penalizados, porque

serão esses que terão que ficar sem animais de companhia.

Começando no projeto do PAN, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, diz-se que os animais de companhia não

podem ser deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas. Mas se

forem não acontece nada, porque não há qualquer consequência que o PAN preveja no seu projeto.

Mas, ainda antes da consequência, porque nem sequer me quero atrever a saber qual a consequência que

querem propor, não vá vir alguma coisa ainda pior do que a intenção, queria perguntar: Sr.ª Deputada Inês de

Sousa Real, mas 12 horas porquê? Por que não 10 horas ou 8 horas? E porquê sozinhos, sem a companhia de

outro animal? É um problema de interação entre os animais? Alguém que tenha um cão não o pode deixar

sozinho durante 12 horas, mas se tiver um cão e uma tartaruga já podem estar mais de 12 horas sozinhos?!

Qual é a interação entre um cão e uma tartaruga?!

Estes são alguns dos problemas e é preciso perceber exatamente qual a intenção do PAN para que se

entenda o que é que estamos a votar e quais são, verdadeiramente, as intenções do PAN quando apresenta

esta proposta.

Outra questão: diz-se ainda no projeto que os animais não podem ser alojados em varandas, alpendres e

espaços afins, sem prejuízo da sua presença ocasional nesses locais por tempo não superior a 3 horas diárias.

Porquê 3 e não 2 ou 5 horas? Como é que se vai fiscalizar uma coisa destas? Alguém tem um animal num 5.º

andar da Avenida Almirante Reis. Pergunto: como é que se vai fiscalizar uma coisa destas? Como é que é

possível procurar uma consequência prática disto?

E pergunto-lhe outra vez o mesmo que já lhe perguntei a propósito do outro caso: se estiver mais de 3 horas,

o que é que acontece? Não há consequência que o PAN preveja no projeto. Não se percebe, verdadeiramente,

o que resultaria da aprovação desta lei.

Há ainda uma outra questão que me parece mais grave do que estas: o problema dos maus-tratos e, digamos

assim, do acrescento do ilícito penal que aqui se faz em relação à questão dos maus-tratos a animais. É que,

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, deixe-me dizer-lhe uma coisa — e, ainda por cima, a Sr.ª Deputada é jurista

—: este é um péssimo serviço que os senhores prestam ao combate aos maus-tratos a animais.

Vir dizer que estas situações que estão descritas no projeto de lei têm que ser consideradas como maus-

tratos a animais é a assunção direta de que hoje não o são. Pergunto, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, se,

olhando para a lei que hoje existe, a Sr.ª Deputada se atreve a dizer que animais que estejam nestas condições

podem não ser considerados como estando sujeitos a maus-tratos.

Sr.ª Deputada, deixe-me dizer-lhe que este é um péssimo serviço que presta ao combate aos maus-tratos a

animais, porque acrescentar isso significa dizer que isto não está na atual lei. Ora, não há, em lado nenhum, na

lei, que hoje está em vigor, o que quer que seja que diga que uma situação destas não pode ser punida como

maus-tratos a animais. Aliás, julgo que até era preferível tirar isto da proposta não vá alguém lembrar-se de

utilizar o próprio projeto do PAN para se defender de uma acusação de maus-tratos a animais com base em

falta de previsão legal.

Por último, queria terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com uma referência muito simples: o problema

dos conceitos indeterminados. Quando estamos a tratar situações às quais queremos dar consequência, não

podemos deixar a definição dessas situações com o grau de incerteza e de insegurança que resulta destes

projetos, porque todos os conceitos que aqui estão, enquanto conceitos indeterminados, são todos muito certos

e podem estar todos muito adequados às situações, mas quando estamos a tentar limitar situações, proibindo…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. Quando estamos a tentar tratar de situações com vista à sua punição penal ou há certeza naquilo que se

está a escrever ou não há possibilidade de consequência na lei e, assim, a indefinição e a indeterminação que

os projetos de lei que os senhores aqui apresentam é tal que eu diria que, dificilmente, conseguimos retirar daqui

qualquer consequência seja ela qual for.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para terminar o tempo de que ainda dispõe o PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos no fim do debate e já muito foi dito, mas parece-me que ainda há um ou dois aspetos que importa enfatizar, quer relativamente à

proposta do PAN quer à proposta da Sr.ª Deputada não inscrita Cristina Rodrigues.

Relativamente ao PAN, depois da discussão que houve no ponto anterior, é caso para dizer que o que conta

é Lisboa e o resto é mesmo paisagem, porque isto só se adapta à realidade das grandes cidades onde há

pequenas varandas, pequenos alpendres e pequenos pátios. Se formos ao País real, com o grau de indefinição

que está nesta proposta, vale tudo, quer tenha 0,5 m2 quer tenha 50 ou 100 m2. Sim, porque na minha região

ter um pátio ou um alpendre com 50 ou 60 m2 não é nada de raro. De facto, há aqui uma diferença muito grande

entre o campo e a cidade que não está minimamente plasmada nestas propostas. É uma grande indefinição!

Mas também há um outro aspeto que é o seguinte: às vezes, sabermos quando devemos parar é uma grande

virtude. O que é que quero dizer com isto? Em nome do bem-estar animal, estas propostas, a irem avante, levam

ao abandono de milhares e milhares de animais, porque são as pessoas mais pobres, com mais dificuldades,

com menos acesso à habitação, as socialmente mais expostas, as que ficariam sem condições para terem um

animal de companhia, nos termos do que se pretende com estas propostas.

Além da técnica legislativa — que já aqui foi comentado quanto é quase incompreensível —, também a

própria bondade, aparente, desta proposta é uma miragem, não existe, muito pelo contrário.

Relativamente à proposta da Sr.ª Deputada Cristina Rodrigues, quanto à revogação da alínea que permite

aos condomínios decidir sobre o número de animais nos prédios em propriedade horizontal, também é

incompreensível, porque não podemos tratar — e o legislador tem a obrigação de fazer leis tendo em conta a

realidade do País — o que é diferente como não sendo diferente.

Atualmente, a lei já fixa o número de animais que pode haver em cada edifício, dizendo que pode haver

diminuição do número, tendo em conta situações concretas, ou até um maior número, dentro de certos e

determinados parâmetros.

O que é que sucede? Tanto faz estarmos a falar de uma vivenda, de moradias em banda ou de um prédio

de apartamentos de T1 ou de T0, porque, então, pode ter sempre os mesmos animais mas o incómodo não é o

mesmo,…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, queira terminar.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente, com uma contradição insanável: por um lado, diz-se que não deve haver muitos animais, porque o barulho pode incomodar, até, quando ladram e estão

sozinhos, mas, por outro lado, pode haver os que houver e, dentro da lei, não haver diminuição, porque assim

decidem.

Só mesmo uma última nota, Sr. Presidente: estas contradições constantes acabam por fazer com que os

animais sejam abandonados em CRO sobrelotados, em associações, que não são mais do que acumuladores

de animais e que levam a casos como os que acabámos por ver em Santo Tirso ou, agora, no Algarve, em que

pessoas, em nome do amor aos animais, os maltratam e os têm em péssimas condições, em condições

degradantes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Passamos, agora, à fase de encerramento do debate, pelo que dou a palavra à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, resulta claro deste debate que não há vontade política de debater de forma séria a problemática do bem-estar animal no nosso

País e do flagelo do acorrentamento.

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Aliás, permitam-me até dizer que é com incompreensão que tantas vezes, até nesta Assembleia, vêm dizer

que no PAN somos uma «cambada de urbano-depressivos», que queremos é ter os cães fechados em casa,

sozinhos, ou nas varandas, e, hoje, curiosamente, quando queremos, precisamente, evitar que o animal esteja

ao abandono, fechado numa varanda sobre os seus próprios dejetos, a sua própria urina e sem alimentação,

não haja a mínima sensibilidade para um problema que não é exclusivo das cidades, mas é transversal a todo

o País.

E mais, Sr.as e Srs. Deputados: infelizmente, tantas e tantas vezes, estas situações absolutamente

deploráveis não são consideradas pelo tribunal como maus-tratos. Portanto, há uma linha que, infelizmente, não

tem sido considerada pelo tribunal e que cumpre ao legislador clarificar e deixar bem expresso na lei que estas

situações são maus-tratos.

É que se as Sr.as e Srs. Deputados recebessem os milhares de denúncias que o PAN e as associações

recebem todo o ano sobre esta matéria saberiam perfeitamente que esta é uma realidade transversal a todo o

País e que está cheia de arquivamentos, de despachos de arquivamento, que lavam daí as mãos, não são

emitidos mandados para retirar os animais destes locais e perpassa uma total impunidade.

Há também aqui um aspeto que urge clarificar. Antes de mais, gostaria de deixar claro, por aquilo que as

Sr.as Deputadas referiram, que o caso de Santo Tirso, em particular, referido pela Sr.ª Deputada Cecília Meireles,

do CDS-PP, não se pode confundir com o trabalho das associações.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — É uma associação!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — O caso de Santo Tirso era o de duas pessoas, particulares, que não se confunde em nada com o trabalho muito meritório que as associações de proteção animal têm feito no nosso

País, substituindo-se tantas e tantas vezes às câmaras municipais. Portanto também é bom que isso fique claro.

Em relação ao regime contraordenacional e ao regime penal, há, de facto, uma destrinça nos conceitos e na

gravidade das infrações. Por isso mesmo é que uma situação de um animal que está, se calhar, há uma semana

acorrentado deve ficar clarificada na lei que efetivamente, não pode ocorrer, mas na situação em que esse

mesmo animal, ao fim de um ano, morra à fome porque foi deixado ao abandono aí sim, já configura o crime de

maus-tratos contra animal de companhia.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Em relação às famílias carenciadas, não só o PAN prevê essa questão na sua iniciativa como já temos

apresentado várias iniciativas — inclusive em Orçamento do Estado — para dar solução às pessoas em situação

de carência socioeconómica, com ou sem animais de companhia.

E não posso deixar de referir, Sr.ª Deputada, quanto aos idosos, que tem a memória curta, porque foi pela

mão do PAN que também se discutiu nesta Assembleia o abandono das pessoas idosas.

Aplausos do PAN.

A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Isso não é verdade! Isso não é mesmo verdade! Ainda o PAN aqui não estava já o CDS tinha apresentado uma iniciativa!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Vamos, então, ao quinto ponto da nosso ordem de trabalhos, com o debate conjunto do Projeto de Resolução n.º 1161/XIV/2.ª (PEV) — Programa nacional para o uso eficiente

da água, do Projeto de Lei n.º 931/XIV/2.ª (PAN) — Estabelece a obrigação de o Governo implementar um plano

nacional de ação de adaptação às alterações climáticas para o setor da água, na generalidade, e do Projeto de

Resolução n.º 1188/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) — Por uma política da água que

assegura a equidade de acesso e o abastecimento das populações.

Começo por dar a palavra, para uma intervenção, à Sr.ª Deputada Mariana Silva, do PEV.

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A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A água é suporte de vida. A sua imprescindibilidade levou as Nações Unidas a declarar o direito humano à água, considerando que a água

potável e limpa é determinante para a garantia e a concretização de todos os direitos humanos. Este recurso

vital é também fundamental para o desenvolvimento das atividades económicas.

As alterações climáticas que aí estão a impor-se, mesmo a quem as queira negar, implicam ameaças a vários

recursos naturais, mas sobretudo ao recurso água, principalmente no que se refere à sua escassez.

Existe, por isso, uma responsabilidade global de preservação do recurso água, o que requer medidas

eficazes para combater o seu desperdício e a poluição dos seus cursos, das nascentes ao momento em que

desaguam noutros rios ou no mar, atendendo ao ciclo da água e à sua utilização para os diferentes usos.

Constituindo-se um claro recurso estratégico, a gestão da água tem sido objeto do interesse do setor privado

com o objetivo à obtenção de lucros máximos, matéria que Os Verdes sempre recusaram, defendendo que esta

tem de ser assegurada na sua gestão pública, de modo a satisfazer as necessidades das populações e do País,

garantindo o acesso equitativo e racional da água, condição de desenvolvimento e de vida.

Para o Partido Ecologista Os Verdes, o recurso água deve ser reconhecido como um bem insubstituível, um

direito fundamental, inalienável da humanidade.

Sendo o setor agrícola o maior consumidor de água, seguido do setor urbano e, depois, do setor industrial,

deve ter-se em conta que a água pode ter parâmetros de qualidade diferentes para os seus diversos usos. Para

consumo humano, o nível de qualidade da água tem de ser muito superior ao da água para a indústria ou para

rega de jardins públicos.

Sr.as e Srs. Deputados, no ano de 2001 foi elaborada uma proposta de Programa Nacional para o Uso

Eficiente da Água (PNUEA), a partir de um estudo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), com o

apoio do Instituto Superior de Agronomia (ISA). Esse programa foi aprovado apenas em 2005, pela resolução

do Conselho de Ministros, estabelecendo medidas e metas a alcançar no prazo de 10 anos. Uma boa parte

desses objetivos não foram, claramente, cumpridos.

Em junho de 2012 foi lançado o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, com âmbito de

implementação de 2012 a 2020. Esse programa anunciava a intenção de, grosso modo, alcançar eficiência de

uso da água na ordem dos 80% no setor urbano, de 65% no setor agrícola e de 85% no setor industrial.

A verdade é que este Programa terminou em 2020. Estamos em 2021 e não se conhecem os seus resultados

nem lhe foi dada continuidade.

Tendo em conta o facto de estarmos a tratar de um recurso por demais importante, a água, e considerando

também ainda o elevado nível de perdas e de ausência de reaproveitamento da mesma, como por exemplo as

águas pluviais para usos específicos, o Partido Ecologista «Os Verdes» considera que não podemos passar por

esta questão «como cão por vinha vindimada».

O uso eficiente da água é de tal modo relevante, especialmente face à era de alterações climáticas que

atravessamos, que a programação específica do cumprimento deste desígnio tem de ser uma peça central.

Nesse sentido, Os Verdes apresentam hoje uma recomendação ao Governo para que este se comprometa

a apresentar ao Parlamento um balanço de implementação do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água

2012-2020, de modo a aferir os níveis de cumprimento de cada uma das medidas e metas previstas no final do

seu período de vigência e a iniciar os procedimentos necessários para a elaboração de um novo Programa

Nacional para o Uso Eficiente da Água.

É que, Sr.as e Srs. Deputados, com a água não se brinca e ela, infelizmente, não cai do céu.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.

O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em menos de 7 anos, ao atual ritmo de emissões, iremos ter um aumento médio da temperatura global de 2 oC e o ponto de não retorno a partir do qual

o planeta entra num novo estado climático, um estado que, de acordo com os cientistas, irá provocar a redução

da precipitação, o aumento dos períodos de seca, desertificação, subida do nível do mar, com a submersão de

zonas costeiras, fenómenos climáticos extremos, como inundações e furacões e disseminação de doenças.

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Estas alterações vão provocar uma extinção em massa das atuais formas de vida, incluindo da espécie

humana, se nada for feito. Perante este cenário, os cientistas estimam que cerca de 88% da população mundial

não sobreviverá.

Em Portugal, abaixo da Figueira da Foz, os nossos territórios correm o risco de desertificação, consoante,

aliás, se pode visualizar nesta imagem do último relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate

Change).

O acesso à água potável constitui um dos maiores desafios que o País terá de enfrentar.

Além do impacto da escassez de água nas populações, ecossistemas e atividades económicas sabemos que

o acesso à água, em cenário de escassez, tem constituído, historicamente, uma das maiores fontes de tensão

e conflitos entre os Estados.

A redução da disponibilidade de água potável em território nacional será muito significativa e implica uma

avaliação urgente do que poderá ser o uso da água e da forma para contrariar este processo. Já no presente o

estamos a sentir na zona de rega do Mira e noutras zonas do Alentejo e do Algarve.

É assim fundamental e urgente a elaboração de um plano nacional de ação de adaptação às alterações

climáticas específico para o setor da água que, entre outros, identifique que tipos de culturas agrícolas serão

compatíveis com a disponibilidade hídrica projetada para os próximos 50 anos; identifique zonas ameaçadas

com escassez de água para uso humano para os próximos 50 anos; identifique riscos de nulidade de tratados

internacionais que contenham regimes de exceção com referência à precipitação hídrica, como, por exemplo, a

Convenção de Albufeira; determine restrições ao uso da água para determinadas atividades económicas sempre

que tal não seja compatível com a disponibilidade hídrica; consagre fontes alternativas de obtenção de água

potável e de retenção de recursos hídricos no solo e determine a implementação dos planos de uso eficiente da

água.

Paralelamente, e porque entendemos que os municípios poderão ter um papel fundamental na concretização

do referido plano, propomos que possam existir também planos municipais de adaptação às alterações

climáticas para o setor da água, cuja elaboração compete às câmaras municipais e a aprovação às assembleias

municipais.

Sr.as e Srs. Deputados, os investimentos de adaptação às alterações climáticas no setor de água de que o

País necessita não se compaginam com continuarmos sem fazer nada, tendo em conta o tempo disponível e os

recursos financeiros que vão ser necessários.

Quando o Banco Mundial afirma que são necessários 147 milhões de euros por ano em ações de adaptação

às alterações climáticas, em 2020, o Governo, através do Fundo Ambiental, dedicou apenas 1 milhão de euros

à adaptação às alterações climáticas, enquanto dava mais de 500 milhões de euros em subsídios e borlas fiscais

aos produtos petrolíferos, precisamente uma das atividades que contribui para o aquecimento global.

Quando já não tivermos água nas torneiras será tarde demais e é preciso agir já.

Durante a intervenção, foram projetadas imagens, que podem ser vistas no final do DAR.

O Sr. João Dias (PCP): — Então e as barragens?! São para deitar abaixo?!

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou agora a palavra ao PS, para uma intervenção, na pessoa do Sr. Deputado Alexandre Quintanilha.

O Sr. Alexandre Quintanilha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sendo a água um dos recursos mais abundantes do nosso planeta, menos de 3% é doce e uma parte muito menor é potável. Ela é essencial à

vida, não só por ser a principal componente dos seres vivos, mas porque é a fonte de todo o oxigénio que

respiramos. Os oceanos são os principais sumidouros de CO2 e o vapor de água é o mais importante gás de

efeito de estufa. A sua relevância nas alterações climáticas é inquestionável.

A União Europeia tem vindo a combater as alterações climáticas através de políticas ambiciosas, sendo o

Pacto Ecológico Europeu um excelente exemplo.

Portugal concluiu com sucesso a negociação da Lei Europeia do Clima, entretanto já publicada.

Na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, o trabalho que está em curso sobre a lei

de bases da política do clima integra claramente a questão da água.

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Reconhecer que a água é um recurso vital, escasso, estratégico e estruturante, requer o desenvolvimento

de instrumentos de planeamento que aprofundem e perspetivem cenários de escassez hídrica para horizontes

temporais alargados.

O Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água 2012-2020 está a ser reformulado, em concertação entre a

APA (Agência Portuguesa do Ambiente), a ADENE (Agência para a Energia), a ERSAR (Entidade Reguladora

dos Serviços de Águas e Resíduos) e o LNEC, e em articulação com os demais setores, para o desenvolvimento

de indicadores setoriais de eficiência hídrica que permitam fazer um diagnóstico preciso da situação e gizar a

operacionalização desse Plano.

O Programa de Ação para a Adaptação às Alterações Climáticas —aprovado pela resolução do Conselho de

Ministros de 2 de agosto de 2019 — articula de forma holística uma estratégia de ação para os setores mais

críticos, incluindo a temática da escassez hídrica.

Encontram-se também em curso planos de gestão de secas e escassez, cujo objetivo central é, no contexto

da Lei da Água, mitigar os efeitos ambientais, económicos e sociais de eventuais episódios de seca e de

situações de escassez, protegendo o acesso à água.

Encontram-se em processo de revisão oito Planos de Gestão de Região Hidrográfica no continente, onde as

Questões Significativas da Gestão da Água, que foram colocadas à participação pública até finais de 2020,

figuram como linhas de orientação metodológica para a análise dos impactos das alterações climáticas, incluindo

nas regiões de maior criticidade.

Vários encontros relevantes sobre estes temas já foram anunciados. Com início amanhã, a Greenfest realiza

um encontro sobre o «Pacto da Água», o Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento

realiza-se de 23 a 26 de novembro, focando os desafios do setor, e o recente estudo da APREN (Associação

Portuguesa de Energias Renováveis) sobre a eletricidade de origem renovável é de particular relevância.

Dado todo o trabalho em curso, o Partido Socialista considera que o tema da água continuará a ser de enorme

atualidade e está, obviamente, empenhado em aprofundar este debate em sede própria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Morais Soares, do CDS-PP.

O Sr. Pedro Morais Soares (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As alterações climáticas e a agenda da sustentabilidade estão na ordem do dia, mais do que nunca. O CDS entende que é fundamental

preparar Portugal para as alterações climáticas, que são, sem dúvida, um dos maiores desafios do século XXI.

Portugal é o país da Europa que mais vai sofrer e os principais impactos vão ser no nosso clima: um clima

mais seco, risco de desertificação, fruto de secas mais frequentes e mais prolongadas e diminuição da

disponibilidade de água. Por isso, a necessidade de uma boa gestão da água é um problema e um desafio que

deve ser assumido e combatido por todos nós.

Sr. Presidente, desde há muito que o CDS alerta para a escassez de água e para a falta de um planeamento

na sua gestão e armazenamento, em Portugal. Foram várias as iniciativas que foram apresentadas nesta Casa,

todas elas chumbadas pela esquerda. A última destas foi há precisamente um ano, a qual previa a preparação

de medidas reais e concretas, com caráter permanente, para minorar os efeitos da seca. Entendemos também

que importa assegurar a utilização sustentável da água, para além da qualidade, no seu aspeto quantitativo, o

que constitui um verdadeiro desafio, na medida em que é necessário conjugar os usos atuais e futuros com os

cenários das alterações climáticas.

Sr. Presidente, o setor urbano tem feito investimentos significativos, visando diminuir as perdas, desde a

captação até à distribuição, e promovendo a utilização de tecnologias mais eficientes, mas continuamos a ter,

em Portugal, infelizmente, perdas de água muito significativas, em alguns casos na ordem dos 50%.

Toda a água da chuva é encaminhada para o mar pelas sargetas, em vez de ser retida e canalizada para a

rega urbana, por exemplo, ou mesmo tratada para consumo. É também essencial criar bacias de água da chuva

a nível municipal e temos de evitar ao máximo a impermeabilização dos solos.

Mas também o setor agrícola e os investimentos em infraestruturas de rega têm contribuído para melhorar a

capacidade de armazenamento e de distribuição de água, assim como a promoção e a utilização de tecnologias

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de rega mais eficientes, desempenhando um papel essencial e fundamental na redução das pressões sobre o

ambiente e na adaptação às alterações climáticas. No entanto, apesar de o regadio ser também um garante da

coesão territorial, o enfoque que tem sido dado nas últimas décadas não tem sido dirigido a este setor. Há ainda

um longo caminho a percorrer no que respeita a investimentos de reabilitação de regadios tradicionais para

reduzir as perdas e melhorar também a eficiência.

Há visões muito diferentes, nesta Casa, neste Plenário, sobre estas questões. Para alguns partidos, a

agricultura e a pecuária são os inimigos do clima e do ambiente. Para o CDS, a água é determinante para a

competitividade e também para a modernização da agricultura. A agricultura é essencial e absolutamente

fundamental para todos nós.

Do nosso ponto de vista, e já o afirmámos diversas vezes nesta Casa, Sr. Presidente, os agricultores e os

criadores são os verdadeiros guardiões do território e fazem muito mais pelo ambiente e pelo clima do que

muitos ativistas, nos seus apartamentos dentro da cidade.

Num país onde dois terços do território é rural, o não reconhecimento do papel essencial que o setor agrícola

pode ter — e tem —, quer na preservação, quer na coesão do mesmo território, quer na redução da pressão

sobre o ambiente e na adaptação às alterações climáticas, nada mais é do que uma perseguição da agricultura

e da pecuária. O CDS não a aceita nem a acompanha.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP, tem a palavra.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazemos hoje este debate na sequência do agendamento por parte do Partido Ecologista «Os Verdes». De facto, esta é uma matéria de extrema importância

para o nosso futuro coletivo: a utilização e a gestão adequada da água, um bem essencial à vida, um direito

humano.

A gestão dos recursos hídricos do nosso País é de extrema relevância para assegurar a disponibilidade de

água, em primeiro lugar para o consumo humano, para as atividades económicas, não em função das lógicas

de mercado e do consumo, mas em função da satisfação das necessidades básicas dos seres humanos e para

garantir a biodiversidade e os ecossistemas naturais.

Importa, de facto, como é proposto, fazer uma avaliação da implementação do Programa Nacional para o

Uso Eficiente da Água 2012-2020 que permita, por um lado, fazer um balanço do que foi concretizado e do que

não foi concretizado e, por outro, possibilitar a adoção, nos próximos anos, das medidas necessárias para

assegurar a acessibilidade à água e para ultrapassar os problemas de escassez de água.

A situação da escassez de água é estrutural e não meramente conjuntural. Por isso, o PCP, no início desta

Legislatura, entregou um projeto de lei no qual propõe a criação de um plano nacional para a prevenção

estrutural dos efeitos da seca. Este tem o objetivo de desenvolver e de implementar um plano integrado em que

se correlacionem as necessidades de utilização da água para múltiplos fins com as adequadas e possíveis

capacidades de armazenamento, promovendo a utilização racional e eficiente da água como fator de

desenvolvimento económico e social, assente na universalidade de acesso a este recurso, em detrimento da

sua utilização massiva e da sua exploração numa base privada monopolista.

Há, por isso, necessidade de investir no aumento da capacidade de armazenamento de água e de assegurar

a acessibilidade da água. Há uma quantidade significativa de água superficial, da água da chuva, que é

desperdiçada e perdida e que pode e deve ser aproveitada.

É importante o recurso à inovação tecnológica, à adaptação da atividade agrícola, privilegiando espécies e

variedades tradicionais mais adaptadas às condições do País e às exigências hídricas das novas plantações e

das novas práticas agrícolas com espécies tradicionais, como referimos.

Obviamente, o modelo superintensivo que tem sido desenvolvido, em particular no Alentejo mas também em

algumas regiões do Ribatejo e do Centro do nosso País, de facto, não serve e não dá resposta a este objetivo.

Aliás, o uso eficiente da água não pode ser pretexto para uma maior concentração da terra e da riqueza nos

grandes agricultores, em que os pequenos e médios agricultores, por não terem condições de investimento, são

forçados ao abandono da atividade agrícola.

Valorizar a pequena agricultura, valorizar a produção nacional são elementos estruturantes se pretendemos,

naturalmente, assegurar a produção de elementos essenciais para a sobrevivência dos seres humanos e

também uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos.

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Ao longo dos anos, os sucessivos Governos prosseguiram um caminho que levou à perda de capacidade

técnica, por parte da Administração Pública, neste setor. Hoje, não temos capacidade de planificação, de

monitorização, de fiscalização dos recursos hídricos e isto, de facto, tem consequências, como estamos a ver,

na degradação da qualidade das massas de água e também na degradação do acompanhamento e da

monitorização do seu uso. De facto, este é um aspeto determinante: investir na capacidade dos serviços públicos

na área da água.

Outra questão que gostaríamos de salientar prende-se com o papel dos municípios e a sua intervenção. Esta

é uma questão que não podemos ignorar. As bacias hidrográficas têm, de facto, uma extensão e uma área que

vai muito além da área territorial de cada um dos concelhos.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Portanto, não podemos ver esta questão caso a caso, temos de a ver de uma forma a integrada e de uma forma que, de facto, permita uma gestão…

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, chamo a sua atenção para o tempo.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente, mas gostaria ainda de falar de dois aspetos. O primeiro é sobre as perdas de água, pois é necessário um investimento para evitar essas perdas. O acesso aos

fundos comunitários não o tem permitido e essa é uma questão central nos tempos que, hoje, correm. Não pode

ser privilegiada a criação de condições para a privatização de infraestruturas na área da água e deve, sim,

privilegiar-se o investimento na modernização e na substituição.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, já vamos em grande perda de tempo!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, mesmo para terminar, e muito telegraficamente, com a sua tolerância, gostaria de dizer que é a gestão pública da água que garante, de facto, o seu uso eficiente e a defesa

do interesse público.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sabemos que a crise climática está aí e, com ela, a falta de água, as secas cada vez mais frequentes, prolongadas e severas. Esta é a realidade

com a qual nos confrontamos em Portugal, sobretudo no sul.

Mas é exatamente quando começa a faltar água nas regiões mais secas do País que prolifera a agricultura

intensiva e impera uma gestão privada da água que é de todos e é de todas. Não é por falta de planos ou de

programas que os recursos hídricos não são usados de forma justa, eficiente, é, de facto, por falta de vontade

política e por não se querer fazer frente aos interesses económicos que dominam o seu uso e gestão.

Vejamos o caso de Odemira e Aljezur. Em junho, centenas de pessoas viram, de repente, os seus pequenos

negócios ameaçados, as suas hortas em risco e a criação de animais em causa por falta dessa mesma água

que usufruíram e pagaram, diga-se, durante décadas. A entidade privada que gere a água da albufeira de Santa

Clara, que abastece todas estas pessoas, decidiu simplesmente cortar a água para que as explorações de

estufas que representa — sabemos que é maioritariamente dirigida por estas explorações — pudessem

continuar com a agricultura intensiva no Perímetro de Rega do Mira, que, além da água, explora os trabalhadores

e destrói a biodiversidade do sudoeste alentejano.

A apropriação deste bem escasso foi de tal maneira evidente que até o limitado caudal ecológico foi cortado

ao rio Mira, secaram partes do rio e agravou-se o frágil estado ecológico da fauna e flora. E, quando confrontada

com esta situação, a entidade privada que gere a albufeira disse que restituiria o caudal desde que houvesse

um pagamento de 13 738 € mais IVA (imposto sobre o valor acrescentado). Não pode prosseguir-se assim!

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Defender um interesse público que é de todos significa garantir o acesso à água, gerindo-a de forma justa,

eficiente, ao mesmo tempo que adaptamos o território à crise climática. É por isso que nos batemos pela gestão

pública da água, por sabermos que, assim, se garante que chega a quem dela mais precisa. Não podem ser os

donos das estufas que mandam na água que é de todos! Por isto, apresentámos uma proposta, na Assembleia,

para garantir a gestão pública da água em Odemira, chumbada pelo Partido Socialista e pela direita. Não

desistimos, vamos continuar a apresentar propostas.

Também a extinção do instituto nacional da água, pelo Governo de Passos Coelho, foi uma machadada na

gestão …

Vozes do PSD e do CDS-PP: — Oh!…

A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — … eficiente dos recursos hídricos, porque resultou na perda de competências e de meios.

Protestos do PSD.

Relembro, sim, que deixou de haver uma entidade que faça a gestão, uma entidade com essa preocupação

e, já agora, com descentralização de competências para as administrações das regiões hidrográficas que, neste

momento, estão quase paralisadas. Repor o Instituto Nacional da Água e devolver autonomia a estas

administrações é essencial para assegurar um acompanhamento eficaz do estado de qualidade das massas de

água.

Sabemos também que precisamos de adaptar o nosso território à crise climática, por isso apresentamos

estas propostas e outras que garantem a transição ecológica da agricultura, que é, de facto, o setor que mais

consome água no nosso País. Precisamos de uma agricultura diversificada, eficiente, adaptada às condições

do território e que promova o trabalho estável e com direitos. Isto implica nem mais 1 m de estufa! Pela água,

pelo clima e pelo que é de toda a gente! Se, de facto, não houver água, não vai haver competitividade, não

haverá sequer agricultura e não haverá, Sr.as e Srs. Deputados, vida.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Leitão, do PSD.

O Sr. Paulo Leitão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista «Os Verdes», além da pertinência, da relevância e da atualidade

do tema, permite desmascarar, mais uma vez, a política de faz de conta do Governo.

Vejamos: em 2005, conforme foi dito, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 113/2005, foi

aprovado o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, definindo metas para o setor alcançar num

horizonte de 10 anos. Em 2012, a Agência Portuguesa do Ambiente viria a reativar o programa para um uso

eficiente de água, com o horizonte de 2020, alterando estrategicamente o modelo de governança, criando uma

comissão independente de acompanhamento, com a representação e o envolvimento ativo dos setores com

maiores consumidores de água — urbano, agrícola e industrial.

Como é amplamente reconhecido, com o agravamento dos efeitos provocados pelas alterações climáticas,

o uso eficiente da água será, porventura, uma das ferramentas mais eficazes para mitigar os seus impactos,

permitindo combater a sua escassez e manter ou aumentar a capacidade de produção agrícola e industrial.

Também é do conhecimento de todos que os relatórios de acompanhamento de qualquer plano ou programa

são ferramentas essenciais para avaliar a sua execução, bem como a eficácia das medidas nele preconizadas.

Só quem não tem qualquer execução ou não tem nada para mostrar ou avaliar pode querer desvalorizar a sua

não execução, até porque, se fosse do entendimento do Governo que seria necessário reavaliar alguns aspetos

do programa, o mais natural é que tivesse sido seguido o exemplo do que foi feito em 2012, pelo Governo de

então.

O que é certo é que, nos últimos seis anos, sobre este programa, nada foi feito. No entanto, o Governo, neste

setor, tem pautado a sua atuação por sucessivos anúncios e propaganda, tendo apresentado, inclusive, um

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conjunto de medidas na área do ambiente de pendor mais popular, mais concretamente no que diz respeito às

florestas e à versão de hidrogénio verde, com o intuito de agradar a alguns setores, e cuja aplicação nos levanta

sérias dúvidas.

No que concerne ao Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, se o Governo tivesse atingido as

metas que nele estavam previstas, estaríamos certamente, à data de hoje, completamente intoxicados com

sessões de apresentação dos resultados obtidos. O certo é que só temos assistido a anúncios de milhões e de

ações, mas assistimos a uma completa inação quando se trata de avaliar os resultados da sua execução, o que

é ilustrativo, mais uma vez, da política de faz-de-conta do Governo.

Para o PSD, o conhecimento do País real — e não do País das ilusões — é essencial para o correto

diagnóstico da situação atual, bem como para a adoção de novas políticas. Também consideramos não ser

suficiente a adoção de planos regionais ou setoriais para a implementação de políticas eficazes quanto à

eficiência hídrica, dado que não cobrem o todo do território e não têm em conta uma visão integrada dos setores

com maior consumo de água.

Quanto aos desafios que o País enfrenta e enfrentará no campo da eficiência hídrica, é importante conhecer

os resultados do programa que terminou em 2020, como também a adoção de um novo programa, que deverá

ser elaborado com a colaboração da comunidade científica e dos setores atrás referidos, em que há maior

consumo de água.

Querer programar ou planear o futuro sem saber o ponto de partida e a eficácia das medidas adotadas no

passado, o porquê do insucesso de umas e o sucesso de outras, é um exercício estéril, sem qualquer adesão

ou aplicação da realidade.

Assim, o conhecimento do grau de execução dos objetivos estratégicos — como a redução de perdas nos

sistemas de abastecimento de água do setor urbano, nos sistemas de regadio do setor agrícola, bem como a

otimização do uso da água no setor industrial e a limitação dos impactos no ambiente associados às descargas

de águas residuais industriais — é fundamental para a execução de um novo programa.

Srs. Deputados, para o PSD, a ciência hídrica é um dos pilares essenciais das políticas ambientais, sendo a

água um dos recursos fundamentais para o futuro do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Dou agora a palavra, presumo que para esgotar o tempo que ainda cabe ao PS, ao Sr. Deputado Luís Graça.

O Sr. Luís Graça (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem sido pioneiro quer no desenho quer na implementação de medidas para combater e mitigar as alterações climáticas.

Na matéria de que estamos a falar, da água, a verdade é que a inclusão de medidas para uma gestão

eficiente deste recurso essencial no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) valeu um elogio da Comissão

Europeia ao Governo português. Portugal inscreveu no PRR 441 milhões de euros para melhorar a forma como

gerimos a água no nosso País, nomeadamente privilegiando as zonas onde a seca deixou de ser conjuntural e

passou a ser estrutural.

O Algarve, por exemplo, que vive uma situação de seca há muitos anos, vai ter 200 milhões de euros não só

para ajudar na parte da oferta, criando outras soluções com vista ao aparecimento da água, através da

dessalinização, mas para melhorar também o uso da água. Melhorar a utilização da água na agricultura,

melhorar a utilização da água nos sistemas urbanos, reduzindo as perdas que já aqui foram referidas.

Também no Alto Alentejo, um projeto com mais de 67 anos, a Barragem do Pisão, vai avançar para mais de

100 000 pessoas terem água nas suas torneiras. Temos de atender a que a atual barragem tem problemas

estruturais e que é urgente encontrar uma outra solução para a população do Alto Alentejo.

Estamos também a preparar um novo ciclo de apoios comunitários, e esta é uma oportunidade para utilizar

a ciência que hoje domina a nova agricultura não só para potenciar o lucro da agricultura, mas também para

potenciar a sustentabilidade, não só para potenciar o aumento da produção da agricultura, mas também para

potenciar o uso eficiente da água. Isto é, temos de ter melhor agricultura, com melhor gestão deste recurso que

é a água.

Para terminar, também no meio urbano temos de utilizar este novo ciclo de apoios para fazer com que as

perdas dos sistemas, em alta ou em baixa, diminuam, quer seja a ERSAR que tenha razão quando aponta, em

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2019, para 28% de perdas, quer seja a APA, que aponta, em 2018, para 21%, o que já mostra que estamos

muito perto dos objetivos do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água.

Ainda assim, a avaliação deste programa faz todo o sentido e, por isso, quero saudar a iniciativa do Partido

Ecologista «Os Verdes».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Cabendo o encerramento deste ponto ao PEV, dou de novo a palavra à Sr.ª Deputada Mariana Silva.

A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, as intervenções hoje proferidas vão num mesmo sentido: o da preservação e gestão eficiente dos recursos hídricos.

Muito há ainda por fazer. Não basta anunciar milhões de investimento, é necessário implementar os

programas e avaliar a sua aplicação.

Já em 2017, Os Verdes denunciavam que este programa estava fechado numa gaveta. A nossa preocupação

é a de que, passados tantos anos, não continue apenas na gaveta, mas que alguém tenha perdido a chave,

porque tinha uma data de implementação, 2012-2020, conforme consta ainda do sítio da Agência Portuguesa

do Ambiente.

Um dos grandes problemas, em Portugal, não reside na falta de legislação, reside na falta de planeamento

e programação que vão ao encontro dos objetivos necessários, como já dissemos diversas vezes, reside na

carência de recursos alocados ao cumprimento desses objetivos e na capacidade e vontade políticas para a sua

prossecução. Daqui resulta que, muitas vezes, as leis, planos e programas não passam da estipulação de um

conjunto de boas intenções que acabam por não ter tradução prática.

Com as alterações climáticas, é cada vez mais evidente que Portugal sofrerá duras consequências. Não

podemos ignorar os seus efeitos.

Assim sendo, Os Verdes consideram que os planos não são feitos para ficar na gaveta. É necessário agir,

porque corremos riscos de enfrentar problemas sérios a médio prazo no que diz respeito ao nosso uso da água,

que é indispensável nas mais diversas necessidades, seja para consumo humano, agrícola e muitos outros.

Os Verdes alertam para estes factos há muitos anos.

Este é o tempo de fazer uma avaliação para reforçar as medidas do uso eficiente da água.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.as e Srs. Deputados, damos, então, por finda a agenda de hoje. Falta ainda anunciar a ordem do dia para a sessão plenária de amanhã, sexta-feira, às 10 horas.

Da agenda consta, no primeiro ponto, a discussão da Proposta de Lei n.º 109/XIV/2.ª (GOV) — Cria a

possibilidade de fixação de margens máximas de comercialização para os combustíveis simples, juntamente

com os Projetos de Lei n.os 898/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece um regime excecional e temporário de preços

máximos dos combustíveis líquidos, 899/XIV/2.ª (PCP) — Estabelece um regime de preços máximos no gás,

900/XIV/2.ª (PCP) — Desoneração fiscal da eletricidade produzida por fontes de energia renovável e outras

medidas para contrariar a escalada inflacionista do preço da eletricidade, 924/XIV/2.ª (CDS-PP) — Eliminação

do aumento do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) e 928/XIV/2.ª (BE) — Introduz regime de preços

máximos de combustíveis e medidas antiespeculativas na formação dos preços de combustíveis.

Segue-se, no segundo ponto, a discussão da Proposta de Lei n.º 110/XIV/2.ª (GOV) — Aprova a lei

antidopagem no desporto, adotando na ordem jurídica interna as regras estabelecidas no Código Mundial

Antidopagem.

No terceiro ponto, procederemos à discussão dos Projetos de Resolução n.os 1438/XIV/2.ª (BE) — Garantia

de acesso aos apoios extraordinários por parte de desempregados e trabalhadores independentes e 929/XIV/2.ª

(PEV) — Prorrogação do prazo de garantia do subsídio desemprego e subsídio social de desemprego.

Do quarto ponto, consta a discussão dos Projetos de Lei n.os 909/XIV/2.ª (PCP) — Alteração ao Regime do

Arrendamento Urbano, 930/XIV/2.ª (PAN) — Altera o regime de arrendamento urbano e o regime excecional

para as situações de mora no pagamento da renda no âmbito da pandemia COVID-19, 933/XIV/2.ª (BE) —

Reforça a proteção do direito à habitação das pessoas idosas (oitava alteração ao NRAU e primeira alteração à

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Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro), 934/XIV/2.ª (BE) — Reconhecimento de contratos de arrendamento (oitava

alteração ao Novo Regime do Arrendamento Urbano) e 935/XIV/2.ª (BE) — Pela estabilidade nos contratos de

arrendamento (septuagésima oitava alteração ao Código Civil).

No quinto ponto, procederemos à discussão da Proposta de Resolução n.º 26/XIV/2.ª (GOV) — Aprova o

Acordo entre a República Portuguesa e a República Democrática e Popular da Argélia que altera o Quadro de

Rotas estabelecido pelo Acordo sobre Transporte Aéreo, assinado em Lisboa, em 3 de outubro de 2018.

No sexto ponto, sem tempos de discussão atribuídos, está agendada a Proposta de Resolução n.º 27/XIV/2.ª

(GOV) — Aprova, para ratificação, o Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da Europa sobre a

Transferência de Pessoas Condenadas, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 18 de dezembro de 1997.

No sétimo ponto, também sem tempo para debate, está agendada a Proposta de Resolução n.º 28/XIV/2.ª

(GOV) — Aprova, para adesão, o Protocolo que altera o Protocolo Adicional à Convenção do Conselho da

Europa sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, aberto à assinatura em Estrasburgo, em 22 de

novembro de 2017.

No ponto oito, igualmente sem tempos de discussão, está agendado o debate do Relatório e Conta de

Gerência da Assembleia da República relativos ao ano de 2020.

No nono ponto, no final desta extensa agenda, teremos votações regimentais.

A Sr.ª Secretária Sofia Araújo vai dar conta das Sr.as e Srs. Deputados que estiveram presentes por

videoconferência.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Sofia Araújo): — Sr. Presidente, passo a anunciar que estiveram presentes, por videoconferência, na sessão plenária de ontem, dia 15 de setembro, os Srs. Deputados Ilídia Quadrado e Paulo

Moniz, do Grupo Parlamentar do PSD, e Ana Mesquita, do Grupo Parlamentar do PCP. Na sessão plenária de

hoje, estiveram presentes, por videoconferência, os Srs. Deputados Olavo Câmara, do Grupo Parlamentar do

PS, e a Sr.ª Deputada Ana Mesquita, do Grupo Parlamentar do PCP.

É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Obrigado, Sr.ª Secretária Sofia Araújo. Vamos terminar os nossos trabalhos. Muito obrigado a todos. Uma boa noite e até amanhã.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 11 minutos.

———

Imagens projetadas pela Deputada do PAN Inês de Sousa Real no decurso da intervenção que proferiu na

abertura do debate conjunto, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 883/XIV/2.ª (PAN) e 932/XIV/2.ª

(Deputada não inscrita Cristina Rodrigues).

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Imagens projetadas pelo Deputado do PAN Nelson Silva no decurso da intervenção que proferiu no debate

conjunto do Projeto de Resolução n.º 1161/XIV/2.ª (PEV), do Projeto de Lei n.º 931/XIV/2.ª (PAN) e do Projeto

de Resolução n.º 1188/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira).

———

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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