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Quinta-feira, 18 de novembro de 2021 I Série — Número 24
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
REUNIÃOPLENÁRIADE17DENOVEMBRODE 2021
Presidente: Ex.mo Sr. Fernando Mimoso Negrão
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Nelson Ricardo Esteves Peralta Ana Cristina Cardoso Dias Mesquita
S U M Á R I O
O Presidente (Fernando Negrão) declarou aberta a
sessão às 15 horas e 4 minutos. Deu-se conta da apresentação dos Projetos de Lei n.os
1019 a 1022/XIV/3.ª e dos Projetos de Resolução n.os 1507 a 1515/XIV/3.ª
Foi apreciado e rejeitado, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1014/XIV/3.ª (PCP) — Regime extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos, tendo-se pronunciado, a diverso título, os Deputados Bruno Dias (PCP), Hugo Carvalho (PS), Márcia Passos (PSD), João Cotrim de
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Figueiredo (IL), Maria Manuel Rola (BE), Eduardo Barroco de Melo (PS), Nelson Silva (PAN), Luís Miguel Reis (PS), Duarte Alves (PCP), José Luís Ferreira (PEV), Maria Begonha (PS), António Filipe (PCP), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), André Ventura (CH), Paula Santos (PCP), João Pinho de Almeida (CDS-PP), João Paulo Correia (PS), Alma Rivera (PCP), Carlos Silva (PSD), Hugo Costa (PS) e João Oliveira (PCP).
Foi discutida e aprovada, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 119/XIV/3.ª (GOV) — Procede à regulação da aplicação de contribuições especiais para o ano de 2022.
Proferiram intervenções, além do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes), os Deputados João Cotrim de Figueiredo (IL), Nelson Silva (PAN), Duarte Alves (PCP), Duarte Pacheco (PSD), Cecília Meireles (CDS-PP), Vera Braz (PS) e Mariana Mortágua (BE).
Deu-se conta de uma Deputada que esteve presente, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 55 minutos.
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O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Funcionários, Sr.as e Srs. Jornalistas, Sr.as e Srs. Agentes da autoridade, está aberta a sessão.
Eram15 horas e 4 minutos.
Peço aosSrs. Agentes da autoridade que abram as galerias destinadas ao público.
Da nossa ordem de trabalhos de hoje constam três pontos.
O primeiro ponto, cuja fixação foi requerida pelo PCP, consiste no debate, na generalidade, do Projeto de Lei
n.º 1014/XIV/3.ª (PCP) — Regime extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos.
Do segundo ponto consta a discussão, também na generalidade, da Proposta de Lei n.º 119/XIV/3.ª (GOV)
— Procede à regulação da aplicação de contribuições especiais para o ano de 2022.
Do terceiro ponto constam votações regimentais.
Antes de iniciarmos a ordem do dia, vou dar a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para proceder
à leitura do expediente que deu entrada na Mesa.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, passo a anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Lei n.os 1019/XIV/3.ª (BE),
1020/XIV/3.ª (BE), 1021/XIV/3.ª (PAN) e 1022/XIV/3.ª (PEV) e os Projetos de Resolução n.os 1507/XIV/3.ª (BE),
1508/XIV/3.ª (PS), 1509/XIV/3.ª (CH), 1510/XIV/3.ª (CH), 1511/XIV/3.ª (CH), 1512/XIV/3.ª (PS), 1513/XIV/3.ª
(PS), 1514/XIV/3.ª (PCP) e 1515/XIV/3.ª (PCP).
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Vamos entrar no primeiro ponto da ordem do dia, que foi fixada pelo PCP, e que consta da apreciação, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 1014/XIV/3.ª (PCP) — Regime
extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos.
Para a apresentação deste projeto de lei, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP convocou este debate e apresenta esta proposta de medidas extraordinárias de proteção e apoio aos inquilinos porque há milhares e milhares de
pessoas que vão ser confrontadas com a ameaça de ficarem sem casa, para além de todas aquelas a quem
isso já está a acontecer ou até já aconteceu.
Se a situação já era gravíssima antes da COVID-19, se já eram inúmeras as pessoas expulsas das suas
casas e dos seus bairros, deixadas sem alternativa e à mercê da especulação imobiliária, então com a crise
pandémica tornou-se ainda mais urgente tomar medidas de proteção aos inquilinos para que não ficassem sem
teto perante os impactos sociais e económicos da epidemia.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Pois bem, Srs. Deputados, se alguém nesta Sala considera que os impactos da pandemia estão ultrapassados, que os problemas sociais já não se fazem sentir, que não há nem vai haver
situações de pobreza decorrentes da epidemia e das decisões que possam ainda ser tomadas, se alguém
considera que isso já é assunto resolvido, então que peça a palavra, porque a discussão tem de ser outra.
É uma evidência que continuamos perante a necessidade incontornável de respostas efetivas na proteção e
no apoio aos inquilinos, porque os problemas continuam a fazer-se sentir.
Mais ainda, estamos na iminência de um problema ainda mais dramático que pode abater-se sobre dezenas
de milhares de famílias, de pessoas idosas, com baixas reformas, com a famigerada «lei dos despejos» a aplicar-
se, já a partir de janeiro, a todos os contratos de arrendamento anteriores a 1990.
Se até agora a situação já era, e é, de uma extrema gravidade, o que pode acontecer se nada for feito é uma
verdadeira emergência social. Estamos a falar dos contratos mais antigos, em que ainda prevalecem as
situações de pessoas mais idosas, mais vulneráveis socialmente — tantas vezes com as suas vidas marcadas
pela solidão, pela pobreza, por problemas de saúde — e que, a partir de janeiro, podem ter o senhorio a aplicar
a «lei dos despejos», colocando-as na rua para libertar a casa e fazer negócios mais rentáveis.
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Se apontamos estes riscos e ameaças pela sua gravidade, não estamos a fazer considerações abstratas sem fundamento, estamos a ter em conta a realidade concreta e o que já acontece, há
anos, na aplicação dessa lei aprovada pelo PSD e pelo CDS.
É que, nos contratos que se enquadram no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), já são
incontáveis os casos de inquilinos que tiveram de sair das suas casas, não por se recusarem a pagar a renda,
mas porque o senhorio — ou o fundo imobiliário — passou a ter a faca e o queijo na mão para denunciar o
contrato e passar a cobrar de renda o dobro ou o triplo.
São conhecidos os casos dramáticos de pessoas que ficaram sem teto, famílias monoparentais onde o adulto
estava empregado, tinha salário, e foi confrontado com um aumento exorbitante da renda. E agora andam de
sacos às costas, de abrigos para pensões, com as crianças a terem de ir à escola, sem apoios nem alternativas.
Isso aconteceu por toda a parte onde se vive a lei da selva da especulação imobiliária, e só não aconteceu
mais durante a crise pandémica porque houve medidas de salvaguarda na lei que travaram algumas dessas
barbaridades.
E agora, que essas medidas de salvaguarda chegam ao fim e que alguns esfregam as mãos com a famosa
«liberdade contratual entre as partes», junta-se ainda a perspetiva imediata que se coloca potencialmente a
centenas de milhares de pessoas com arrendamentos anteriores a 1990.
Mas a verdade é que não estamos a tratar de uma relação contratual qualquer, não estamos perante um
fornecimento de bens ou serviços em mercado livre. Estamos a falar de uma condição de vida indispensável e
do acesso a um direito básico que é consagrado na Constituição da República.
Trata-se de responder ao imperativo constitucional de garantir que todos os portugueses tenham direito, para
si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que
preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar — artigo 65.º da Constituição, o mesmo que preconiza
um sistema de renda compatível com o rendimento familiar.
Mas esta discussão coloca em evidência essa outra realidade, indissociável desta: a extensão do
empobrecimento da população e as consequências dos baixos salários. Num país onde o salário mínimo
nacional, 665 €, é o valor de referência para um em cada quatro trabalhadores, e onde o valor do arrendamento
médio por metro quadrado em janeiro deste ano se fixava em 11,20 €, fica mais clara a razão do elevado peso
dos custos com a habitação, nomeadamente no quintil de rendimentos mais baixo, onde a taxa de esforço é
superior a 40%. É urgente o aumentar os salários dos trabalhadores portugueses.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Srs. Deputados, já não estamos a falar das alterações mais profundas e abrangentes ao Regime do Arrendamento Urbano, das inúmeras normas gravosas da «lei Cristas» que é preciso
corrigir ou revogar. Esse debate nós tivemo-lo em setembro passado, com a proposta do PCP, que mantém
toda a justeza e atualidade, mas que foi já rejeitada quando o PS, o PAN, o PSD, o CDS, o CH e o IL deram as
mãos para votar contra o nosso projeto de lei.
O que agora está em causa é a resposta imediata a um problema que está aí à porta. E essa emergência
social pode assumir novas proporções se não for travada nem prevenida.
É essa a oportunidade que o PCP vos traz com este agendamento.
É essa a responsabilidade que o País vos exige com esta votação.
Aplausosdo PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, a Mesa regista a inscrição de dois Srs. Deputados para formularem pedidos de esclarecimento.
Começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Hugo Carvalho, do PS.
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O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Dias, há duas questões de fundo neste debate sobre habitação que temos de aqui trazer. A primeira é a visão de futuro de um
País que, no âmbito do direito constitucional, queremos construir, com habitação justa, com dignidade de
habitação e com a possibilidade de uma pessoa poder ter habitação na sua terra, de poder construir o seu lar
em perfeitas condições de dignidade.
O Sr. Deputado e a sua bancada sabem — eu sei e a bancada do PS também o sabe — que, nos últimos
anos, demos passos significativos na construção de uma visão de futuro e de um espaço de futuro no que diz
respeito ao tema da habitação. O tema da habitação ganhou uma nova centralidade política — isso é
inquestionável — com os Programas 1.º Direito e Renda Acessível e com as respostas extraordinárias no âmbito
da pandemia da COVID-19. Avançámos naquilo que é o direito pleno à habitação dos cidadãos.
Há também uma segunda questão, a da vertente paliativa, que consiste em ter medidas concretas que
respondam a problemas imediatos e urgentes, e é essencialmente a essas que o projeto de lei do PCP procura
dar resposta, resolvendo essas situações.
Mas deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado, que algumas delas nos deixam alguma dúvida. A dúvida é se o
PCP está, neste debate, a fazer um ato de contrição por não ter aprovado algumas propostas que aqui apresenta
e que também estavam vertidas na versão do Orçamento do Estado para 2022.
O Sr. João Paulo Oliveira (PS): — Bem lembrado!
O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Por isso, neste debate, nesta análise que devemos fazer, Sr. Deputado Bruno Dias, deixe-me que lhe diga que preferia que, neste momento, não estivéssemos a ter este debate, mas a fazer
um debate de especialidade e a somar às propostas iniciais do Orçamento do Estado os contributos que
podemos agora avançar.
Aplausosdo PS.
OSr. Deputado sabe que podíamos ter continuado a dar corpo a uma lei de bases da habitação? O Sr.
Deputado e a sua bancada sabem que deixam uma marca muito forte entre aquilo que cada uma das bancadas
quiseram aqui defender? Nós sabemos o que defendemos, outros sabem o que quiseram defender.
É por isso que, neste debate, infelizmente, o que estamos a fazer é a assistir a um ato de contrição por parte
do PCP: algumas propostas que estavam no Orçamento do Estado poderiam ter avançado e não avançaram,
sendo agora, também, apresentadas.
Portanto, Sr. Deputado, estaremos onde sempre estivemos, na procura de soluções que deem mais justiça,
mais dignidade e que avancem na política de habitação no nosso País.
Aplausosdo PS.
OSr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, para o segundo pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do PSD.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Bruno Dias, o PCP apresenta-nos, mais uma vez, um projeto de lei que deturpa a realidade,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não, não!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — … mas que tem uma virtude, se é que lhe podemos chamar virtude: este projeto de lei é claro a demonstrar que o PCP é mesmo um inimigo assumido dos senhorios.
O PCP quer prorrogar a suspensão da cessação dos contratos de arrendamento até 31 de dezembro de
2022, ou seja, quer que os senhorios continuem à espera que os arrendatários que já deviam ter entregado os
imóveis em 2020 passem a entregá-los no final do ano de 2022.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Exatamente!
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A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Eu pergunto: porquê, Sr. Deputado? Veja-se esta situação concreta: um arrendamento, cujo arrendatário faleceu, imagine, no dia 21 de março de
2020. A suspensão entrou em vigor no dia 20 de março de 2020 e a casa não é entregue porque o senhorio não
pode exigir a cessação do contrato dado que está suspensa até hoje.
Portanto, o Sr. Deputado e o PCP querem que o senhorio continue a não poder exigir a entrega de uma casa
que está vazia, com um arrendatário que faleceu, e cujo arrendamento não se transmitiu.
Diga-me, Sr. Deputado Bruno Dias: a quem beneficia esta medida?
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Ao morto é que não é!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Ninguém nesta Casa, julgo eu, consegue compreender a quem é que isto protege, que destinatário da proteção está na mente do PCP no âmbito deste projeto de lei?
É isso que lhe pedimos, Sr. Deputado: que o explique a esta Assembleia, mas também a todos os
portugueses, que estão completamente estupefactos com esta medida.
Aplausosdo PSD.
OSr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, começo por agradecer ao Deputado Hugo Carvalho, do PS, e à Deputada Márcia Passos, do PSD, as questões que colocaram.
O Sr. Deputado Hugo Carvalho falou em coisas muito importantes: do direito à habitação, da visão de futuro,
de um país desenvolvido, dos avanços alcançados. Deixo-lhe só um desafio, Sr. Deputado. Em janeiro, quando
as pessoas começarem a ser confrontadas com processos de liberalização das rendas ainda mais graves do
que aquilo que hoje está a acontecer, quando as pessoas que já hoje são confrontadas com a obrigatoriedade
de saírem das suas casas — porque saem das suas casas, Srs. Deputados, e andam de pensões para hostels
e destes para abrigos, com as crianças atrás; e não digam que isso não acontece, porque não se trata de uma
abstração, Srs. Deputados — se virem confrontadas com esse problema, vá lá o Sr. Deputado Hugo Carvalho
e vão lá os Srs. Deputados do PS e do PSD explicar-lhes os avanços alcançados, vão lá falar-lhes de visão de
futuro, vão lá falar-lhes do direito à habitação, dessa teoria tão bonita que os senhores trazem aqui para oferecer.
O problema agora é aprovar a lei, a lei que garanta medidas extraordinárias de salvaguarda, para que as
pessoas, essas pessoas mais idosas, essas pessoas que vivem sozinhas não fiquem — de uma forma ainda
mais gravosa e mais extensiva, como poderá acontecer com os contratos anteriores a 1990 — desprotegidas e
na iminência de receber a carta do senhorio.
E não vamos, agora, teorizar sobre a condição dos senhorios e a sua heterogeneidade, porque, pelos vistos,
quando o PSD intervém nestas discussões, fica à vista, como ficou mais uma vez, que a prioridade do PSD é
garantir que os inquilinos vão para a rua, e o mais depressa possível, tendo, aliás, agora dito que até já deviam
ter ido.
Mas nós estamos preocupados com a situação das pessoas que são confrontadas com as decisões desses
grupos económicos, desses fundos imobiliários, para os quais as famílias, as crianças, aqueles que vivem essas
ameaças são números numa folha de cálculo. Mas, para nós, não são, Srs. Deputados! Para nós, são pessoas
cujos direitos, cuja dignidade e cujo futuro têm de ser defendidos, e defendidos com medidas dessas.
Argumentos absolutamente absurdos, como aqueles que a Deputada Márcia Passos nos trouxe, hipóteses
absurdas do ponto de vista académico, não têm qualquer cabimento legal. Diga-me lá, então, quantas casas é
que a senhora já viu ou conhece que estão vazias porque o inquilino morreu, porque o senhorio tem a casa
fechada e não a pode arrendar porque a pessoa que lá estava faleceu. E o que a nossa lei agora vem impedir
é que a casa seja arrendada?! É este o contributo que o PSD tem para o debate?!
Quero deixar uma última palavra, uma recomendação, para o Sr. Deputado Hugo Carvalho. O Sr. Deputado
nem se lembre de falar do Orçamento do Estado, porque se há coisa que ficou evidenciada em todo este
processo é que a última preocupação dos senhores era a de terem um Orçamento. A partir do momento em que
o Sr. Presidente da República veio dizer que, se não houvesse Orçamento, haveria eleições, os senhores
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imediatamente deixaram cair o Orçamento e disseram não a tudo aquilo que o PCP colocasse em cima da mesa
que tivesse caráter urgente para a discussão das respostas aos problemas do País. Portanto, se querem mesmo
resolver os problemas, a pergunta é muito simples: quem vota a favor, Srs. Deputados?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do IL.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP, hoje, pretende utilizar a pandemia para impor a sua agenda política, normalizando o que era suposto ser extraordinário, o que
está errado. Lá no fundo, o PCP quer voltar ao tempo das rendas congeladas, com péssima preservação dos
imóveis e sem renovação da cidade, o que está errado.
É que até o PCP tem de reconhecer que o problema dos elevados preços da habitação é, sobretudo, um
problema da falta de oferta em relação à procura. Ora, a oferta não aumentará se não inventariarmos, de uma
vez por todas, os terrenos e imóveis públicos e os pusermos ao serviço da habitação e se não criarmos
condições para que possa haver mais projetos de construção.
Ora, os custos de construção têm aumentado, sobretudo devido aos preços dos materiais e à falta de mão
de obra. Portanto, se o Estado quer ajudar, então que faça tudo para baixar os custos que são da sua
responsabilidade. Tal como tem aumentado a carga fiscal sobre o setor, que chega a ficar perto dos 40%, o
dobro do que se verifica em Espanha. Está o PCP disponível para defender a redução dessa carga fiscal?
Para além disso, é essencial acabar com a instabilidade legislativa no mercado de arrendamento, a qual
conduz ou a não haver arrendamento, ou a haver rendas mais caras, pois incorporam aquilo a que se pode
chamar um «prémio de risco».
Termino com uma citação do Tribunal de Contas numa auditoria sobre as medidas que o Governo PS,
apoiado também aqui pelo PCP, introduziu para fazer face ao impacto adverso da pandemia no setor da
habitação. Diz o Tribunal de Contas o seguinte: «Das cinco medidas, com grau de execução insuficiente ou
incipiente, duas não apresentavam resultados, só uma tinha uma meta definida, sem a ter atingido, e nenhuma
se revelava eficaz para alcançar o seu objetivo nem para recuperar a situação inicial».
Por outras palavras, tratar de remendar e tratar dos sintomas, e mal, não é tratar do problema. Foi o que o
PS tentou fazer, e é o que o PCP também propõe fazer aqui hoje.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, do BE.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por congratular o Partido Comunista Português por trazer à discussão este tema neste final de Legislatura.
Sr.as e Srs. Deputados: A 17 de fevereiro de 2012, a Ministra responsável pela área do ambiente e habitação
anunciou, neste Plenário, uma reforma da lei do arrendamento, que pretendia, dizia ela, que viesse a dinamizar
o setor. Dizia, à altura, a Ministra Assunção Cristas: «Quero começar dando nota de alguns resultados do
Censos de 2011. Estes dados mostram que cerca de 76% dos portugueses são donos da sua habitação, o que
compara com uma média europeia de 60%; mostram que há 772 000 contratos de arrendamento, dos quais
33%, cerca de 255 000, são contratos anteriores a 1990, logo enquadrados no regime vinculístico; mostram que
70% das rendas são abaixo dos 100 €; mostram que 60% dos arrendatários têm mais de 65 anos; mostram
ainda que 47% dos contratos são posteriores à reforma de 2006 e que o universo dos contratos antigos desceu,
em 10 anos, de 440 000 para os ditos 255 000».
Utilizo as palavras da ex-Ministra para desmontar a ideia de que a liberalização do mercado do arrendamento
— operada forçadamente com requintes de malvadez e inconstitucionalidade — viria a dinamizar o mercado de
arrendamento. O chamado «mercado», Sr.as e Srs. Deputados, está igual.
Volto a citar a ex-Ministra, no final da apresentação dessa proposta, na mesma data de 2012, para que fique
claro o que se propunha, e acho que as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados podem perceber o que aconteceu:
«Quero apenas terminar dizendo que, quando olhamos para o nosso mercado de arrendamento, constatamos
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rapidamente que a oferta ou é de má qualidade, de casas degradadas e desconfortáveis, ou é muito cara, com
rendas muito elevadas, bem acima das possibilidades das pessoas. E quando não está em causa má qualidade
ou renda cara, então, muito provavelmente, é porque a localização não é famosa, obrigando tipicamente a
deslocações pendulares morosas, desgastantes e nocivas para o meio ambiente.
Estamos convictos de que a presente proposta é capaz de responder positivamente ao desafio que
enfrentamos. É uma lei equilibrada. É uma lei que não está cativa de nenhum interesse particular, mas que serve
tão-só o interesse de todos os portugueses, em termos de um mercado de arrendamento a funcionar bem e a
proporcionar a todos, nomeadamente aos jovens que hoje já não têm crédito para comprar casa, habitação
adequada às suas necessidades e a preços acessíveis».
Pois bem, Sr.as e Srs. Deputados, passaram quase 10 anos desta profética intervenção da, na altura, Ministra
Assunção Cristas e deste trágico dia que veio a reduzir substancialmente — é verdade — o número de pessoas
com mais de 65 anos protegidas pela lei e, ainda, de contratos anteriores a 1990, que maioritariamente
protegiam e protegem essas pessoas. Essa lei foi declarada inconstitucional em alguns dos seus termos, porque
viola a confiança e a estabilidade das pessoas mais velhas, protegidas especialmente pela Constituição.
Passados esses 10 anos, pergunto aos Srs. Deputados e às Sr.as Deputadas: que fez a liberalização do
mercado? Terá baixado as rendas? Pois não. Terá disponibilizado mais habitação para arrendamento? Também
não. Garantiu ela a reabilitação do edificado para arrendamento habitacional? Também não. Garantiu
arrendamento para os mais jovens? Mais uma vez, não.
Podemos concluir que esta foi uma lei que teve o único objetivo de desestabilizar o arrendamento habitacional
e de garantir que milhares de pessoas protegidas pela lei e pela Constituição eram despejadas. Foi, sem dúvida,
uma péssima lei.
Ora, aos dias de hoje, esta lei não foi substancialmente alterada. As alterações à lei estabeleceram um teto
mínimo dos contratos de apenas um ano — uma pessoa entra e pode ter de estar já a pensar em sair de casa.
Para além disso, esta lei mantém os contratos transitórios que pressionam para a instabilidade quem arrenda
no País após a pandemia, antes de ver novamente o espaço que habita no alojamento local.
Esta lei não retira a transição dos contratos antigos e não garante a todos os inquilinos que foram
inconstitucionalmente despejados a proteção e até, digamos, a compensação que o Estado lhes deve.
Estas foram medidas mínimas que, em setembro deste ano, o Bloco de Esquerda aqui apresentou e que o
Partido Socialista — juntamente com o PSD e o CDS — chumbou. O mesmo Partido Socialista que, em 2012,
dizia que os contratos deveriam ser por um mínimo de cinco anos, o mesmo Partido Socialista que, na Lei de
Bases da Habitação, fez um trabalho à esquerda e inscreveu a estabilidade e a proteção, assim como o
acompanhamento ativo do despejo de habitação pública que vergonhosamente remeteu recentemente da
segurança social para a competência das autarquias no âmbito da descentralização.
Nesta crise de identidade a que assistimos, pergunto-me: terá sido este já outro Partido Socialista? Aquele
que emerge provavelmente desde finais de 2019?
Também foi esse Partido Socialista — mais uma vez, não sei se será o atual ou o anterior — que se
comprometeu, em 2017, com mais 170 000 fogos públicos, até 2026. O que é certo é que o compromisso tem
vindo a ser sistematicamente falhado. E não só esses compromissos mais genéricos, como também, por
exemplo, o Programa 1.º Direito, que deixou de vir a celebrar os 50 anos de Abril e talvez, quem sabe, venha a
celebrar os 52.
E não é apenas o Bloco que o diz, é também o Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas fez, agora, uma
análise bastante detalhada — e convido os Srs. Deputados e as Sr.as Deputadas a analisá-la — das inscrições
orçamentais para 2020 no programa da habitação e ainda do inscrito no Programa de Estabilização Económica
e Social (PEES), que, lembre-se, foi viabilizado nesta Assembleia com o Orçamento Suplementar para 2020.
Pois bem, nas medidas em que o Governo se propunha atuar, o Tribunal de Contas afere uma execução
orçamental de apenas 16%, o que corresponde a 10 milhões de euros dos cerca de 63 milhões de euros
inscritos. E vou detalhar, porque me parece importante que se compreenda não só a falha legislativa desde
2019, mas também a falha orçamental, que já não se pode atribuir ao início dos programas.
No âmbito da conservação e reabilitação do parque habitacional do IHRU (Instituto da Habitação e da
Reabilitação Urbana), em 2020 o Ministério reduz em 30% o número de fogos a reabilitar, orçamenta 7 milhões
de euros e executa 5,4 milhões de euros. Das 4000 casas que reabilitaria em quatro anos, reabilita, em um ano,
apenas 300.
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Na proteção do arrendamento habitacional — os subsídios às rendas — dos 4 milhões de euros
orçamentados, apenas se executou 1,2 milhões de euros, ou seja, houve 30% de execução.
Para o parque habitacional público de habitação a custos acessíveis, de 48 milhões de euros orçamentados,
foram executados 7%.
Na reconversão do alojamento local, anunciado com pompa e circunstância, de 4,5 milhões de euros
orçamentados, houve zero de execução.
Nas medidas de redução, suspensão ou isenção de rendas do parque público, em que se poderia ter apoiado
milhares de agregados pobres e em situação de informalidade laboral em setores do trabalho doméstico ou da
construção, mas também em outros, o IHRU deu resposta a apenas 30 pedidos, que alcançaram uns míseros
30 000 €, no âmbito destes 30 pedidos. Relembro que o IHRU tem um parque habitacional com cerca de 14 000
fogos.
Para responder à crise da habitação e à crise da pandemia, o Governo tinha inscrito um valor já diminuto
para o setor da habitação. Quando devíamos ficar todos em casa, com as carências que se conhece a nível
habitacional no nosso País, o Governo mobilizava apenas 63 milhões de euros. Ora, desses, usou 10 milhões
de euros.
Bem podem o Governo e o Partido Socialista «encher a boca» com a prioridade que é a habitação, mas o
que demonstram os números é que o orçamento para o 1.º Direito é insuficiente, a regulamentação da lei de
bases da habitação está pela metade — e em muitos pontos preferiu deixar as pessoas desprotegidas em
situação de despejo — e os outros programas são sempre executados ao terço.
Sr.as e Srs. Deputados, «propaganda e água benta cada qual toma a que quer». O Bloco de Esquerda não
embarca em truques de magia orçamental e legislativa, operados pelo Governo. O nosso compromisso é mesmo
com o direito à habitação e com a retirada do período da troica e de Assunção Cristas da nossa história.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): ⎯ Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo.
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): ⎯ Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola, devo dizer-lhe que quis aqui ensaiar uma espécie de alteração de comportamento do Partido Socialista como se houvesse
dois.
Sr.ª Deputada, não existem dois Partidos Socialistas…
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Há muitos mais!
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): ⎯ … nem o Partido Socialista mudou desde antes da votação do Orçamento do Estado para agora.
Ao contrário do que a Sr.ª Deputada quis dizer, o Partido Socialista é o mesmo que, desde 2015, e em
conjunto com o Bloco de Esquerda, tem assumido a habitação como uma prioridade. Não há, certamente,
governo a quem possa acusar de não ter na habitação uma prioridade que não seja do Partido Socialista ⎯
aliás, é o mesmo Partido Socialista que sempre, na história da democracia portuguesa, governou à esquerda,
liderou os governos de esquerda. Tanto assim é que, apesar de a Sr.ª Deputada poder não o reconhecer,
reconhece-o a população, porque sempre que a população, em eleições legislativas, quis escolher um governo
à esquerda não votou no Bloco de Esquerda, votou mesmo no Partido Socialista, que é o partido da esquerda
popular que representa a maioria dos eleitores portugueses.
Aplausos do PS.
Portanto, Sr.ª Deputada, de nada adianta vir para aqui falar de propaganda quando aquilo que acabou de
fazer foi exatamente um exercício de propaganda. A Sr.ª Deputada falou, por exemplo, da necessidade de
atender à proteção dos arrendatários mais idosos. Sr.ª Deputada, no Orçamento do Estado previa-se a
suspensão da transição para o NRAU. Agora, não podemos é fazer, mais uma vez, propaganda, como a Sr.ª
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Deputada quis aqui fazer; o que queremos é fazer política pública com dados e sabermos a quem é que temos
de responder.
Não é por acaso que o Governo do Partido Socialista, quando preparou o Censos incluiu no inquérito
alterações para permitir conhecer que população existe em Portugal neste momento e quem são as pessoas
que são abrangidas por estas alterações legislativas.
Portanto, nós precisamos de fazer política pública, atendendo à realidade concreta, e isso não se trata de
discurso panfletário, como a Sr.ª Deputada fez; trata-se de perceber como é que podemos apoiar, através das
políticas públicas, da melhor maneira, estas pessoas que queremos abranger; trata-se de construir soluções
sustentadas; trata-se de saber de que maneira é que nós podemos, efetivamente, fazer a diferença na vida das
pessoas.
A Sr.ª Deputada fez uma apresentação encapotada dos projetos que já apresentou em setembro e eu não
tenho problemas absolutamente nenhuns com isso, porque a Sr.ª Deputada pode apresentar o que quiser, mas
não pode é não atender às diferenças que existem entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda para não
querer, neste momento, aceitar esta proposta.
E nós só não queremos por uma razão simples: porque nós, ao contrário do que a Sr.ª Deputada disse, não
queremos fazer política com base no vazio, não temos de fazer política com base em pressão.
Aliás, as pessoas não compreenderiam que nós, estando a pouco tempo de receber os resultados dos
inquéritos do Censos que o Governo preparou, como já estava, aliás, inscrito na proposta do Orçamento de
Estado, propositadamente para poder desenvolver soluções adequadas ao longo do próximo ano para este
problema…
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, tenham calma!
Não se compreenderia que nós pudéssemos enganar as pessoas e pudéssemos, daqui a um ano estar,
novamente, a promover alterações para responder àquilo a que não tínhamos sido capazes de dar resposta
neste momento.
Por isso, Sr.ª Deputada, o Partido Socialista é o mesmo que sempre foi e vai responder na habitação à
esquerda, como sempre respondeu, mas com uma razão: não fazemos isso com base em pressão; fazemo-lo
com base nos dados, porque é política preparada e sustentada que os portugueses querem, não é panfletos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): ⎯ Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Manuel Rola.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): ⎯ Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo, de facto, o senhor levanta aqui várias questões que me parece terem ficado esclarecidas durante a minha intervenção.
O Sr. Deputado não terá, porventura, acompanhado as alterações que fomos fazendo à Lei de Bases da
Habitação, à lei do arrendamento, as manigâncias que o Partido Socialista foi introduzindo nas diferentes
legislações e que abriram um alçapão, por exemplo, para as pessoas com mais de 65 anos a viver há mais de
15 ou há mais de 20 anos na mesma casa. Os Deputados da sua bancada saberão com mais certeza do que é
que eu estou a falar.
O Sr. Deputado também não saberá, ou provavelmente sabê-lo-á, que o Partido Socialista defendia que os
contratos de arrendamento tivessem um período mínimo de cinco anos e que o que está estabelecido na lei é
um ano.
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): ⎯ São três anos! Três anos!
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): ⎯ É um ano! Não existindo renovação dos contratos, é um ano!
O Sr. Eduardo Barroco de Melo (PS): ⎯ Três anos!
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A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): ⎯ Vá ler a legislação, Sr. Deputado. Adiar vezes sem conta a proteção dos inquilinos na legislação do arrendamento, adiar vezes sem conta a
regulamentação da Lei de Bases da Habitação, adiar vezes sem conta a execução orçamental do 1.º Direito,
adiar vezes sem conta a execução do PES (Programa de Emergência Social), também agora em 2020, adiar
vezes sem conta a reabilitação do edificado do IHRU, adiar vezes sem conta a prossecução da construção de
uma habitação ou de um parque habitacional público a renda acessível, é destas questões que estamos a falar.
Estamos a falar de alterações legislativas e também de alterações orçamentais e não adianta — digo-o mais
uma vez — encher a boca com a ideia de que a prioridade é a habitação. Enganar as pessoas é, de facto, adiar
e encher a boca com essas palavras.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): ⎯ Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nelson Silva (PAN): ⎯ Sr. Presidente, começo por alertar que registei a minha presença. O sistema não me dá como registado, mas eu estou aqui.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde o primeiro momento da crise sanitária que o PAN alertou para
a crise social e económica que iria surgir e, claro está, para a necessidade de se tomarem medidas que
protegessem o direito à habitação.
Mas os problemas associados à habitação não nasceram com a COVID-19. Imediatamente antes da crise,
éramos o país onde o preço da habitação mais subiu e em que a despesa com a habitação mais se refletia na
sobrecarga dos encargos familiares.
Tudo graças às políticas erráticas do PS e do PSD, assentes na aposta num modelo de turismo insustentável,
com a lógica do lucro a curto prazo, que afastaram as pessoas das cidades, em particular os jovens.
Infelizmente, temos visto pouca vontade política de seguir um caminho diferente, pelo que nos parece que a
saída da crise sanitária mais não vai ser do que um regresso ao passado e aos erros que nos trouxeram à crise
da habitação.
Mas durante a crise sanitária o PAN disse «presente». Desde logo, agimos na defesa dos proprietários de
casa própria. Fomos o primeiro partido a propor que o Governo aprovasse um regime de moratórias para o
crédito à habitação.
Propusemos que as pessoas que recorreram às moratórias não tivessem de pagar juros a dobrar com a
capitalização do valor dos juros no empréstimo, proposta que foi chumbada com a abstenção do Chega e o voto
contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do IL.
Mais recentemente, findas estas moratórias, conseguimos aprovar com o voto a favor de todos os partidos e
a abstenção do PS a atribuição de uma isenção de imposto do selo para todas as pessoas e associações que,
tendo beneficiado do regime das moratórias, tenham de renegociar o seu crédito devido à situação de debilidade
que ainda se faz sentir.
Estivemos sempre na linha da frente na defesa dos direitos dos inquilinos. Defendemos a necessidade de se
assegurar que os prazos de vigência não sejam demasiado fechados para se garantir alguma estabilidade, algo
que não foi acolhido.
Defendemos, logo, em abril, que o regime das moratórias do arrendamento deveria abranger os inquilinos
não habitacionais, que não são inquilinos de segunda, mas o Governo, infelizmente, demorou meses a
reconhecer o que o PAN reconheceu desde cedo.
Há apenas dois meses, trouxemos aqui várias propostas, entre elas a previsão de garantias efetivas de
resposta e de acompanhamento social ao longo de todo o processo de despejo, garantindo o impedimento dos
despejos em caso de ação que recaia sobre a habitação pública ou municipal de pessoas ou famílias
vulneráveis, sem que se garantam previamente soluções de realojamento adequadas e dignas a todo o
agregado familiar, entendendo-se, para os efeitos, por agregado familiar todas as pessoas que o compõem, bem
como os seus animais de companhia, que, cada vez mais, são tidos como parte integrante da família.
Apresentámos, ainda, uma proposta para o necessário alargamento da moratória no pagamento das rendas
devidas ao abrigo dos contratos de arrendamento no âmbito da pandemia.
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Todas estas propostas foram rejeitadas com os votos contra do PS, do PSD, do CDS e do Chega e a
abstenção do IL.
Neste debate, queríamos participar com propostas próprias que davam respostas concretas às necessidades
que a crise social e económica ainda nos coloca e queríamos aumentar o período de carência aplicável após o
fim das moratórias previstas no âmbito dos contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional e
de fornecimento dos serviços essenciais. As pessoas continuam a precisar de respostas públicas que acautelem
a situação de vulnerabilidade em que ainda se encontram.
Se uma família, por força das contingências da crise, não consegue pagar as prestações da conta da água
em dívida, previstas no respetivo plano de pagamentos, não deve ver o serviço ser-lhe cortado; deve, sim, ter
tolerância e tempo dentro de um período claramente definido.
Esta proposta poderia ser hoje aqui discutida e aprovada, no entanto o PCP colocou, mais uma vez, o seu
interesse partidário à frente das necessidades das pessoas e recusou este agendamento,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): ⎯ Vocês fizeram o vosso sobre animais vertebrados na semana passada!
O Sr. Nelson Silva (PAN): ⎯ … o que é lamentável e contrário à filosofia do PAN face a propostas do PCP. Nós pomos o interesse das pessoas e das populações à frente de qualquer interesse partidário.
Assim, neste debate, o PCP opta por estar sozinho e relativamente às propostas que apresentam temos duas
considerações que achamos relevantes: em primeiro lugar, estas propostas não pecam pelo enviesamento
excessivo de anteriores propostas do PCP em matéria de arrendamento, apesar de prever, com uma lógica de
régua e esquadro, a não aplicabilidade do NRAU a certos contratos, solução que não acompanhamos e que
esperamos ver afastada na especialidade; em segundo lugar, somos favoráveis a um conjunto de propostas que
apresentam, sem perder de vista uma certa lógica de equilíbrio e uma maior proteção dos inquilinos no contexto
da atual crise que estamos a viver.
No entanto, não podemos perder de vista igualmente os senhorios, nomeadamente os pequenos locadores,
porque, Sr.as e Srs. Deputados, nem todos os senhorios são fundos imobiliários, e essas pessoas também não
podem ser esquecidas.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): ⎯ Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): ⎯ Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Todos os portugueses têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que
preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Este é um imperativo constitucional que lança sobre o
Estado a responsabilidade do seu cumprimento.
Na verdade, para assegurar o direito à habitação de cada cidadão, de cada família, incumbe ao Estado:
programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada
em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento
social; promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de
habitações económicas e sociais; estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o
acesso à habitação própria ou arrendada; incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das
populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas
de habitação e a autoconstrução.
Sr.as e Srs. Deputados, o imperativo constitucional é este e está previsto no artigo 65.º da Constituição.
E, Sr.as e Srs. Deputados, o imperativo constitucional é claro: incumbe ao Estado. Vou repetir: incumbe ao
Estado! Não incumbe, pois, aos senhorios. Estes não são, Srs. Deputados, um prolongamento do Estado. Estes
não são um braço da segurança social e não são instituições de solidariedade social.
E neste, como em muitos outros imperativos constitucionais, o Estado, e concretamente o Governo, falha.
Falha quando o Governo não programa e não executa uma política de habitação capaz de dar respostas
adequadas às necessidades dos portugueses. Falha quando não promove o investimento e quando não cria
oportunidades para as pessoas, oportunidades para melhores empregos, para melhores condições de vida.
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Estes são problemas transversais a toda a sociedade, não são problemas de inquilinos ou de senhorios, Srs.
Deputados, são problemas da sociedade. Senhorios estes que, tantas vezes — e cumpre não esquecer —,
tantas vezes, são pessoas singulares que sobrevivem e sustentam as suas famílias com os parcos valores das
rendas que auferem.
Mas, para o PCP, que hoje nos traz um diploma para apreciação, não é assim e não tem sido assim.
Recorrendo a expressões sensacionalistas, para o PCP os senhorios são, desculpem-me a expressão, «os
bichos-papões» que arrasam a vida dos arrendatários.
E isto é tudo menos verdade.
As suas argumentações, Srs. Deputados, são falaciosas, como facilmente se demonstra.
O PCP, por exemplo, refere que, relativamente aos contratos celebrados antes de 1990, existe a perspetiva
da expulsão das famílias para fora dos seus bairros.
Mas porquê? Expulsão, Srs. Deputados?!
Os contratos celebrados antes de 1990 gozam de um regime excecional e transitório que protege os
arrendatários, nomeadamente os que têm 65 anos ou mais ou um grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Nestes casos, Srs. Deputados, o regime do contrato só se torna mais flexível com o acordo do arrendatário.
Permitam-me, Srs. Deputados, mas vou repetir: nestes casos, o regime do contrato de arrendamento só se torna
mais flexível com o acordo do arrendatário.
Além disso, este regime transitório já existe desde 2012, como aqui já foi dito, ou seja, existe há quase 10
anos. Um regime que, neste tempo todo, sofreu algumas alterações, que foram sempre num sentido: o de
reforçar a proteção dos inquilinos.
Onde está o perigo de expulsão das famílias, Srs. Deputados?!
Não existiu em 2012 e não existe hoje, estando nós perante um regime perfeitamente estabilizado a este
nível, segundo o qual todos os arrendatários com 65 anos ou mais e os arrendatários com grau de incapacidade
igual ou superior a 60% estão protegidos, e sabem que estão protegidos.
Outra nota de sensacionalismo do PCP é o que refere acerca do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA),
afirmando que é um grave fator de discricionariedade. Para o PCP, Srs. Deputados, o BNA é um tormento.
Mas creiam, Sr.as e Srs. Deputados, que o tormento é para todos os que a ele recorrem para efetivar um
despejo, para conseguir recuperar os seus imóveis, as suas casas, de todos os arrendatários que não cumprem
com as suas obrigações — e isto também temos de dizer: ou porque o contrato caducou e não entregam as
casas, ou porque deixam de pagar as rendas e lá permanecem abusivamente a habitar, como se as casas
fossem deles.
Este, Srs. Deputados, é que é o verdadeiro tormento!
Cumpre lembrar que a criação do BNA resultou de uma imposição para diminuir as pendências judiciais,
criando-se, assim, um regime procedimental alternativo ao processo judicial e aos tribunais. Não foi criado —
temos de dizer isto, Srs. Deputados! — com uma intenção facilitadora dos despejos. Foi criado por uma
imposição para diminuir pendências judiciais. E quem a ele recorre, ao BNA, bem sabe, Srs. Deputados, que de
facilitador tem pouco ou mesmo nada.
Depois, uma terceira falácia: o PCP refere que a epidemia COVID-19 veio tornar mais gritantes as diferenças
entre os fracos recursos da maioria dos inquilinos habitacionais e os grandes interesses ligados ao financiamento
do imobiliário. O que é que se pretende dizer com isto, Srs. Deputados? Que diferenças são estas?
O que a COVID-19 veio demonstrar foi algo bem diferente: foi a falta de recursos de muitas famílias para
fazer face a situações de crise como a que vivemos, nomeadamente as dificuldades para manter os seus
empregos, porque a economia estagnou; a dificuldade para manter a qualidade de vida das suas famílias, porque
muitas perderam os seus empregos; as dificuldades, Srs. Deputados, para honrar os seus compromissos,
nomeadamente o pagamento das rendas das suas casas.
Mas se estas dificuldades existem para todos, como é evidente, as causas, para além da epidemia COVID-
19, estão relacionadas também com a incapacidade do Governo, apoiado pelos partidos de esquerda, de
equacionar e implementar soluções que respondam diretamente às dificuldades das famílias, como a dificuldade
no pagamento das rendas das suas casas. Esta função, Srs. Deputados, compete ao Estado e não aos
senhorios.
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Até porque — convém não esquecer — a condição de arrendatário não é sempre sinónimo de pessoa
necessitada de ajuda. E quando é, então tais pessoas necessitadas de ajuda devem poder recorrer aos serviços
públicos para encontrarem alternativas de habitação.
Mas tais medidas não podem ser encontradas à custa dos atrasos nos processos, como também pretende o
diploma que o PCP nos apresentou.
Finalmente, Sr.as e Srs. Deputados, o PCP esteve bem na escolha do tema que trouxe a debate, mas, mais
uma vez, falhou nos pressupostos e, tal como tem acontecido com este Governo, falhou também nas soluções
que nos apresentou.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Inscreveram-se dois Srs. Deputados para pedidos de esclarecimento, um do PS e outro do PCP, aos quais a Sr.ª Deputada responderá em conjunto.
Para o efeito, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Reis, do PS.
O Sr. Luís Miguel Reis (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, mais do que discutir as alterações ao regime extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos, parece-me claro que aquilo que hoje estamos
verdadeiramente a debater são duas visões, distintas para o País, no que à matéria do programa 1.º Direito diz
respeito.
Se, por um lado, à esquerda, ainda que a diferentes velocidades, temos a preocupação de um Estado
interventivo e regulatório, capaz de promover a estabilidade do arrendamento urbano e, em simultâneo, proteger
as situações de maior fragilidade, por outro lado, à direita, sob a égide do suposto objetivo da reabilitação urbana,
defende-se a liberalização do mercado de arrendamento, com as consequências nefastas que são sobejamente
conhecidas.
Nunca é demais sublinhar que, entre 2012 e 2015, o direito à habitação foi um dos direitos mais atacados,
com uma regulamentação permissiva e que visava, exclusivamente, beneficiar os proprietários. Aliás, posso
recordar uma frase bem conhecida da então Ministra do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, que
referiu que o direito à propriedade prevalece sobre o direito à habitação.
E hoje, cara Deputada Márcia Passos, ficou também vincado na sua intervenção que assim o é para a
bancada do Partido Social Democrata.
Ora, neste caso em concreto, os direitos não têm necessariamente de se sobrepor um ao outro, trata-se de
equilíbrio. Assim como o resultado da nossa ação não são apenas números ou estatísticas, têm uma face
humana, por detrás desta realidade persiste nesta matéria o drama de muitas famílias.
Embora nas duas últimas legislaturas tenhamos revertido algumas das medidas que pesam sobre estas
mesmas famílias, há ainda um longo caminho a percorrer para garantir o acesso universal à habitação, um
caminho que não esquecerá, naturalmente, aspetos complementares, nos quais temos vindo a trabalhar, como
o estímulo à reabilitação urbana, como o combate à pobreza energética, à necessária articulação entre os
programas de alojamento nacionais e locais, obviamente com um profundo envolvimento das autarquias, mas
também na simplificação de processos. Este é um percurso que defende o direito à habitação e cuja
responsabilidade nos deve convocar a todos.
E não basta o PSD refugiar-se e apelar à responsabilidade regulatória, tal como a Sr.ª Deputada também já
fez em debates recentes sobre esta matéria, quando foram os principais responsáveis pelos diversos fatores de
instabilidade resultantes da Lei n.º 31/2012 — é preciso que os portugueses saibam ao que vêm.
A pergunta que se impõe, Sr.ª Deputada, é se, depois da «lei Cristas» e após votarem contra a Lei de Bases
da Habitação, a estabilidade que o PSD protagoniza é o regresso a 2012, com uma liberalização do mercado,
com o aumento exponencial das rendas e a facilitação dos despejos.
Da nossa parte, os portugueses sabem com o que podem contar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Márcia Passos, da sua intervenção resulta que o PSD quer que o Estado não seja o garante à habitação, mas seja, sim, um instrumento
musculado, ao serviço de forçar os despejos para muitos inquilinos que precisam que o direito à habitação seja
assegurado e que hoje não é.
A pergunta que lhe queria fazer não tem que ver diretamente com este assunto, mas com um outro, que não
referiu na sua intervenção. Várias vezes ouvimos o PSD muito preocupado com a situação das empresas, com
a necessidade de apoio às empresas, com a competitividade das empresas. Aquilo que lhe queria perguntar
tem a ver, precisamente, com um dos fatores que mais pesam em muitas pequenas e médias empresas, que
são a base do tecido empresarial deste País, precisamente os custos com o arrendamento.
O PSD esquece-se que aprovou, com o CDS, a «lei dos despejos», que não só desprotegeu o direito à
habitação, como também contribuiu para um brutal aumento das rendas para milhares de micro e pequenas
empresas, particularmente nos setores da restauração, do pequeno comércio, das oficinas e por aí fora.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muitas dessas empresas viram-se obrigadas a encerrar ou a deslocalizar-se para longe dos seus clientes, e o que vemos em cidades como as de Lisboa ou Porto é exemplo disso.
Veja-se quanto do comércio local foi expulso para instalar lojas, algumas delas de grandes cadeias, apenas
para turista ver. Veja-se como a expulsão deste pequeno comércio de proximidade, fruto da «lei dos despejos»,
destruiu, até, um tecido social que dava vida às próprias cidades. Isso acabou com o ganha-pão de muitas
destas microempresas.
E se é verdade que o PSD, junto com o CDS, tem responsabilidades na aprovação dessa lei, também não é
menos verdade que o PS sempre se recusou a revogar essas normas, aliando-se à direita e colocando, assim,
os grandes interesses dos fundos imobiliários acima dos interesses de muitos desses arrendatários comerciais.
Mas se houve empresas que conseguiram sobreviver à «lei dos despejos» do PSD e do CDS, a verdade é
que a pandemia, ao contrário do que a Sr.ª Deputada disse, veio agravar em muito a situação, também, das
micro, pequenas e médias empresas.
E uma vez que muitas destas empresas ainda não recuperaram um quadro de normalidade, perguntamos
ao PSD se está disponível para aprovar aquilo que o PCP, hoje, aqui propõe: prolongar o regime extraordinário
de proteção dos arrendatários, criado para fazer face às consequências da pandemia, e garantir a não aplicação
do NRAU aos contratos de arrendamento anteriores a 1990, duas medidas que também se aplicam ao
arrendamento comercial e que da sua aprovação depende também o futuro de muitas micro, pequenas e médias
empresas deste País.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do PSD.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Luís Reis, nós não queremos voltar a 2012, porque isso significava que íamos pegar outra vez num País deixado em bancarrota
pelo Partido Socialista.
Aplausos do PSD e do CDS-PP.
Protestos do PS.
Portanto, de facto, não queremos. Não queremos, Sr. Deputado! O que queremos é soluções equilibradas.
O Sr. Adão Silva (PSD): — Exato!
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A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — O que o PSD quer é que, numa situação em que um inquilino não possa pagar a renda, não tenha de ser o senhorio a suportar esta sua condição e que este tenha respostas na
sociedade, porque o Estado lhe dá essas respostas. É isso que nós queremos, ou seja, que as pessoas
encontrem soluções nos serviços públicos quando, por si próprias, não as conseguem obter.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — É exatamente isto que quer, e sempre quis, o Grupo Parlamentar do PSD: soluções equilibradas.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Deputado Duarte Alves, com todo o respeito que lhe tenho, não venha falar em apoio aos senhorios das rendas comerciais, porque, se não tivesse sido o PSD, em tempo de pandemia,
a propor soluções para o pagamento das rendas,…
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — É verdade!
Protestos do PCP.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — … até hoje, estes senhorios estariam totalmente desprovidos de apoios…
Aplausos do PSD.
… e estes arrendatários continuariam, também, sem os mesmos.
Protestos do PCP.
Portanto, Sr. Deputado, soluções para as micro, pequenas e médias empresas é um desígnio do Partido
Social Democrata, que continuará a lutar por isso.
Aplausos do PSD.
Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ferreira, de Os Verdes.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar o Partido Comunista Português por ter agendado para debate um assunto tão importante e tão oportuno…
O Sr. João Oliveira (PCP): — Obrigado!
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — … como o da necessidade de criar mecanismos de proteção e apoio aos inquilinos, neste caso concreto e nos termos da proposta em discussão, através da criação de um regime
extraordinário.
Nesta discussão, importa, antes de mais, recordar que a nossa Constituição inclui o direito à habitação no
elenco dos direitos fundamentais. Esse elemento não pode ficar esquecido ou ignorado neste debate, sobretudo
porque do próprio texto da Lei Fundamental do nosso País resulta de forma clara e expressa que, para assegurar
o direito à habitação, incumbe ao Estado adotar uma política tendente a estabelecer um sistema de rendas
compatível com o rendimento familiar.
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Mas mais: a Constituição também refere expressamente que todos os portugueses têm direito, para si e para
a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, que preserve a
intimidade pessoal e a privacidade familiar, como, de resto, já foi hoje referido.
Se essa é uma responsabilidade do Estado em circunstâncias normais, mais relevância assume em períodos
como aqueles que hoje, infelizmente, ainda vivemos.
De facto, a pandemia continua a provocar efeitos a todos os níveis e em todas as dimensões das nossas
vidas. Sem surpresas, veio provocar um conjunto de problemas às micro, pequenas e médias empresas do
nosso País, com toda a importância que essas empresas representam para a nossa economia também a nível
de postos de trabalho, mas foi igualmente sem surpresas que a pandemia veio provocar um conjunto de graves
problemas a milhares e milhares de famílias também em termos de habitação.
A verdade é que um universo muito alargado de pessoas ficou sem trabalho e outras tantas viram os seus
rendimentos substancialmente reduzidos, sobretudo as pessoas que, contra a sua vontade mas por exigências
ou imperativos do interesse coletivo, ficaram em layoff e, portanto, com perdas acentuadas nos seus
rendimentos e orçamentos familiares.
Nesta circunstância, milhares e milhares de famílias ficaram objetivamente sem possibilidade de dar resposta
aos compromissos que assumiram também a nível da habitação, porque o magro orçamento familiar não lhes
permite fazer face ao conjunto de despesas para manter aquilo que é essencial à vida.
Interessa também recordar que o problema não foi criado pela pandemia. O problema vem de trás e muito
de trás. O que a pandemia veio fazer foi ampliar a dimensão do problema, porque o problema já existia e há
muito, tendo conhecido, aliás, um impulso substancial com a Lei n.º 31/2012, uma lei do Governo PSD/CDS-PP,
portanto, do Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas, que, aliás, ficaria para a história — e com toda a
propriedade, diga-se de passagem — como a «lei dos despejos».
Na verdade, o tal Novo Regime do Arrendamento Urbano veio introduzir vários elementos que, como se
previa, potenciaram, e continuam a potenciar, um conjunto de injustiças e arbitrariedades a nível do
arrendamento, injustiças essas que é imperioso corrigir.
É necessário corrigi-las porque, apesar das alterações pontuais que foram promovidas nos últimos anos,
designadamente na anterior Legislatura, que, de certa forma, vieram minimizar os efeitos mais negativos da tal
«lei dos despejos», ainda assim, permanecem, nesse regime, elementos de grosseira discricionariedade, como
é o caso do Balcão do Arrendamento.
Portanto, em jeito de conclusão, acompanhamos a proposta que está em discussão. Acompanhamo-la não
só porque também consideramos absolutamente imperioso estabelecer o alargamento do regime extraordinário
de proteção dos arrendatários, através da prorrogação do prazo de vigência da Lei n.º 1-A/2020, como, de resto,
se prevê na proposta que o PCP hoje apresenta para discussão, mas também porque nos parece justo que se
proceda ao alargamento do regime excecional para situações de mora no pagamento da renda devida nos
termos de contratos de arrendamento urbano, seja habitacional, seja não habitacional.
O mesmo se diga relativamente às propostas de alteração que o PCP apresenta na sua iniciativa legislativa
quanto às normas que continuam impiedosamente a potenciar problemas às pessoas e que exigem resposta
imediata, nomeadamente o prazo de transição do contrato, a proteção do arrendatário com idade igual ou
superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Por fim, mas não menos importante, é necessário colocar de fora do alcance da aplicação do Novo Regime
do Arrendamento Urbano os contratos de arrendamento anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006.
Para terminar, gostaria de dizer que para o Partido Ecologista «Os Verdes» as propostas, ou medidas, hoje
em discussão têm muita importância não só para milhares e milhares de famílias, mas também para muitas
micro e pequenas empresas. São propostas, ou medidas, mais do que justas, que procuram sacudir a ameaça
com que milhares e milhares de famílias se confrontam, face à possibilidade de ficarem sem habitação.
Aplausos de Deputados do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Begonha, do PS.
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A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A habitação, a prioridade do direito à habitação, é uma das grandes marcas da governação do Partido Socialista, do trabalho parlamentar do PS nesta
Assembleia e também de vários importantes consensos entre a esquerda parlamentar, na anterior e presente
Legislaturas. Este é um facto inegável, quer hoje tenha sido reconhecido ou não por quem o devia fazer.
Relembramos que foi a governação do Partido Socialista que permitiu ultrapassar um desinvestimento de
décadas, que resultou num parque de habitação pública residual, que hipotecou a emancipação dos jovens e
impediu, continuando a impedir, muitos de viver nas terras e cidades que escolhem e onde trabalham, impondo-
se, à data, uma linha que divide aqueles que têm possibilidades, ou dinheiro, para viverem onde querem e
aqueles que se afastam dos centros urbanos.
Este desinvestimento resultou também na inexistência de arrendamento acessível ou de habitação com
condições mínimas de dignidade.
Retirámos, desde 2015, a devida conclusão da governação da direita, do recurso ao mercado como solução
para tudo e dos erros com a desvalorização sobre a habitação. Onde há investimento público a menos, há
desigualdades a mais.
Aplausos do PS.
Desde então estamos a implementar o maior investimento público em habitação de sempre da nossa história
democrática, com respostas globais e estruturantes, como tem pedido o PCP, para responder aos problemas
de habitação dos portugueses.
Não tem precedentes na nossa história o esforço que está a fazer o Governo, cumprindo a Lei de Bases da
Habitação, implementando uma nova geração de políticas de habitação, com a criação de um parque
habitacional público a custos acessíveis para a classe média, com incentivos fiscais criados ao arrendamento
acessível, com um paradigma que pugna pela reabilitação do património de todos colocado ao serviço do País,
em vez da sua alienação, ou com o Programa 1.º Direito, com mais de 100 estratégias locais de habitação
aprovadas, a responder a 35 000 famílias sobre as quais o Estado tem a responsabilidade maior de garantir
uma habitação digna.
Sim, ao compromisso pleno do Estado português com a habitação, somámos a sinergia com os municípios,
para responder aos muitos desafios da habitação, porque o PS tem a experiência do seu próprio património
local.
A verdade é que, durante um longo período de desinvestimento do Estado central, o Partido Socialista, como
grande partido autárquico, teve, ao longo de quase cinco décadas de poder local democrático, sucessivos
decisores eleitos locais que solucionaram problemas no campo da habitação, construindo habitação pública,
reabilitando parques habitacionais degradados, legalizando bairros e urbanizações inteiras, deitando abaixo
barracas, em suma, dignificando a vida de gerações de portugueses e de portuguesas, que obtiveram maior
justiça social e condições habitacionais melhores do que as que lhes foram legadas por gerações anteriores.
Aplausos do PS.
Hoje, através dos Governos socialistas, também o Estado assume a sua responsabilidade. Por isso, talvez
seja bom relembrar que o Partido Socialista é o grande partido da habitação em Portugal. Não é outro, é o
Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Não precisamos que nos recordem, Srs. Deputados, que a liberalização selvagem das rendas provocou
consequências sociais trágicas justamente para os mais pobres, para os mais desprotegidos, para os mais
velhos, consequências essas de que ainda estamos, atualmente, a recuperar e a reverter e com as quais não
admitimos que, falsamente, nenhum partido da esquerda nos procure associar ou considerar coniventes.
Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.
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Não privatizámos, não desregulámos, não liberalizámos. É assim que estamos a fazer uma grande reforma
na habitação, com investimento público e justiça social, num País que investiu nas causas certas, como a de
garantir que todos têm casa, sem, por isso, deixar de crescer economicamente.
O que não fazemos, mesmo sem liberalizar, sem desregular, sem desproteger, é ignorar o equilíbrio entre as
partes, senhorios e inquilinos, ao qual permanecemos sensíveis, ou ignorar a importância da estabilidade nas
relações de arrendamento, que o projeto do PCP também não valoriza.
Mas existem alterações que serão necessárias num futuro muito próximo, que ficaram mesmo em causa com
o chumbo do Orçamento e que o PS assume aqui a responsabilidade de resolver.
Sr.as e Srs. Deputados, é preciso que fique claro neste debate que o PS concorda que, 10 anos depois da
famosa «lei Cristas», é necessário encontrar uma solução equilibrada para todas as partes, que garanta, muito
em particular, que nenhum arrendatário fique numa situação de vulnerabilidade com a transição para o Novo
Regime do Arrendamento Urbano. É preciso que fique claro neste debate que o PS não permitirá ou viabilizará,
hoje ou no futuro, uma solução que repita o cenário nefasto de despejos, de atualização desmedida de rendas,
deixando para trás milhares de pessoas desprotegidas, como aconteceu no passado, sem proteção social ou
jurídica.
Aplausos do PS.
Como bem sabem o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda, o Governo inscreveu no
Orçamento do Estado que foi chumbado uma norma-travão que suspendia os prazos no ano de 2020 e
prorrogava o período transitório,…
Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.
… tendo em vista trabalhar, ao longo do próximo ano, numa solução definitiva e coerente.
O PCP que critica uma solução temporária de protelar um regime transitório para resolver um problema às
pessoas é o mesmo partido que propõe, hoje, alargar este período, não um ano, como propúnhamos, mas por
mais cinco anos, sem resolução.
Mas podem ficar descansados os portugueses e todos os arrendatários cujo regime cessa apenas em
novembro de 2022 e não em janeiro de 2022, como hoje também já se ouviu, porque haverá tempo de corrigir
o problema que não foi o PS que criou.
Não serão vítimas do chumbo deste Orçamento também os arrendatários que esperavam uma solução sobre
esta matéria no Orçamento, porque, por proposta do Grupo Parlamentar do PS, esteja em funções que governo
estiver, apresentaremos novamente a suspensão do prazo de transição ou uma solução definitiva, conhecendo
os dados do Censos que nos permitirão ter uma política pública de resposta séria para todos aqueles que, por
carência económica, precisam dessa medida.
Seremos nós a perguntar aos restantes partidos na Assembleia se acompanham o PS ou de que lado estão.
O que não podemos é acompanhar hesitações, recuos ou remendos de última hora a uma política que tem de
ser de resposta estruturante para o País. Essa resposta foi dada no Programa do XXII Governo da República e
as opções fundamentais do PS para responder aos desafios da habitação estavam presentes no Orçamento do
Estado para 2022, que o PS aprovou.
Termino, Sr. Presidente, dizendo que o PS prossegue com a mesma determinação e convicção que tinha
antes: a de que o investimento público do País e a reforma na habitação devem gerar o mesmo consenso social
sobre a sua importância que a escola pública ou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) têm na sociedade
portuguesa e que os portugueses sabem que com o Partido Socialista há uma garantia de que não serão
desvalorizados, desmantelados ou privatizados. Assim trabalharemos até ao último dia, até à dissolução da
Assembleia da República, e no futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr.ª Deputada, a Mesa regista a inscrição para dois pedidos de esclarecimento, um do PCP e outro do PSD.
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Pergunto-lhe como pretende responder, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Responderei em conjunto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Assim sendo, começo por dar a palavra ao Sr. Deputado António Filipe, do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Begonha, não tenho grande coisa a dizer nem a perguntar-lhe sobre a primeira parte da sua intervenção de autoelogio do Partido Socialista relativamente
às políticas de habitação e à garantia da habitação, mas, Sr.ª Deputada, nunca vi aqui nenhum Deputado, de
nenhuma bancada desta Assembleia, falar contra o direito à habitação. Até há pouco a Sr.ª Deputada Márcia
Passos iniciou a sua intervenção, e muito bem, citando, textualmente, o artigo da Constituição.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — E muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Portanto, evidentemente, não é isso que estamos aqui a discutir. O que estamos a discutir são propostas muito concretas que constam do projeto de lei apresentado pelo PCP e sobre
isso, de facto, a Sr.ª Deputada disse muito pouco.
A preocupação que temos — mas, pelos vistos, os senhores não têm — e o que estamos a discutir é saber
o que vamos fazer relativamente à situação das pessoas que, em plena pandemia — e sabemos que,
infelizmente, a pandemia está muito longe de ser debelada —, ficaram desprotegidas. Ou seja, saber se o regime
transitório que foi aprovado para proteger as pessoas nesse contexto, para proteger os inquilinos e,
particularmente, aqueles que estão em situação mais desfavorecida, se deve manter ou se deve cessar.
É essa a questão que está em cima da mesa, sobre a qual a Sr.ª Deputada disse praticamente nada e
retomou um pouco a ideia que o Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo referia, ou seja, que agora o PS
encontrou na proposta do Orçamento do Estado para 2022 a panaceia que resolveria todos os males. Para
qualquer problema detetado na sociedade portuguesa dir-se-á: «Ah, mas o Orçamento do Estado, se tivesse
sido aprovado, resolveria esse problema!». Sr.ª Deputada, então, o que acontece é que o Partido Socialista não
só não quis que o seu Orçamento fosse aprovado — e isto tem de ser repetido: o PS não quis, o PS recusou
qualquer convergência capaz de levar à aprovação do Orçamento —, como agora vem dizer que não aprova as
propostas apresentadas para resolver problemas concretos, dizendo que os resolveria através do Orçamento,
quando não é verdade, não é verdade!
Protestos do PS.
Ou seja, o que acontece é que o Partido Socialista, ao recusar equacionar propostas para resolução de
problemas concretos dizendo que os resolveria no Orçamento, está a demonstrar que não os quer resolver
agora nem os queria resolver no debate orçamental.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, quando vêm autoelogiar a política do Partido Socialista, queria saber, perante os problemas
que podem vir a acontecer com muitos inquilinos deste País nos próximos tempos, se os Srs. Deputados lhes
dirão que é uma posição de esquerda estar a permitir que essas pessoas sejam despejadas e fiquem na rua
porque o Partido Socialista se recusou a prorrogar os prazos de apoio a estas pessoas durante a pandemia.
Mas para concluir, Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada veio dizer-nos que o Partido Socialista tem propostas para
depois de ver os resultados do Censos. Ou seja, o Partido Socialista recusa equacionar soluções agora, quando
elas são necessárias e urgentes, e vem dizer-nos: «Bem, nós resolveremos isso depois de saber os resultados
do Censos.» Sr.ª Deputada, acho que o que as pessoas devem ler na sua afirmação é que não será depois dos
resultados do Censos mas, sim, depois das eleições de 30 de janeiro!
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Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O Partido Socialista não quer resolver o problema agora para, em vésperas de eleições, aparecer às pessoas a prometer que os vai resolver depois.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Mendes, do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria Begonha, ouvi atentamente a sua intervenção elogiando a epopeia do Governo em matéria de habitação. E referiu mesmo: «Uma marca da
governação do PS e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista», o que, e vai permitir-me, me leva, obviamente,
a que lhe faça algumas perguntas, quase de impulso.
Primeira pergunta: acredita mesmo que hoje, passados seis anos de governação socialista, estejamos melhor
quanto ao mercado de habitação? Acredita mesmo nisso?!
Vozes do PSD — Muito bem!
O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Segunda pergunta: acredita mesmo que o mercado de arrendamento esteja mais dinâmico, com mais oferta e rendas mais ajustadas às capacidades financeiras dos
portugueses, passados seis anos?
Sr.ª Deputada, o que constatamos pelas estatísticas é que a realidade é muito diferente da realidade
desejada pelo Partido Socialista. É exatamente o oposto do que afirmou. Hoje temos menos contratos de
arrendamento, as rendas estão mais altas, quase proibitivas, e as casinhas do Governo continuam casinhas de
papel ou casinhas no papel!
Aqui chegados, Sr.ª Deputada, mesmo querendo acreditar na bondade das propostas e empenho do Governo
em resolver os problemas da habitação, em concreto do arrendamento, como explica estes resultados passados
seis anos, Sr.ª Deputada?
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Boa pergunta!
O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, desde 2012 foram dados pequenos passos para reconstituir e relançar o mercado de arrendamento, apostando no reforço da confiança indispensável ao
setor, nomeadamente com a introdução dos contratos a prazo e a atualização anual das rendas, com regras
ajustadas.
A cegueira ideológica dos partidos da esquerda mais radical, muitas vezes impondo-se ao Partido Socialista
à mesa das negociações dos últimos orçamentos do Estado, transformaram novamente os senhorios no que
eles não são nem podem ser, ou seja, extensões da segurança social. Mas se o Estado quiser proteger
excecionalmente os inquilinos deve assumir esse ónus, essa responsabilidade, e não endossá-la à esfera dos
senhorios, muitos dos quais reformados que, legitimamente, aplicaram as suas poupanças de uma vida num
imóvel, esperando daí retirar uma justa remuneração, um complemento da sua reforma.
Os senhorios, como os inquilinos, não são categorias abstratas, são pessoas, na maioria micro e pequenos
investidores, muitos emigrantes da nossa diáspora e reformados.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr.ª Deputada, acha justo, aceitável, digno, que o Estado exija tudo aos proprietários, a estes proprietários, em termos fiscais, mas não proteja os seus legítimos direitos
enquanto senhorios?
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Perante a nova proposta do PCP, à 25.ª hora — porque esta proposta apareceu à 25.ª hora também —, o
Governo e o Partido Socialista estão ao lado do restabelecimento da confiança, indispensável ao mercado de
arrendamento, ou, uma vez mais, alinham com a esquerda na sua destruição?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Begonha, do PS.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Sr. Presidente, agradeço, naturalmente, os pedidos de esclarecimento que me fizeram.
Sr. Deputado António Filipe, do Partido Comunista Português, o reconhecimento, no qual incluí a maioria
parlamentar de esquerda da qual o Partido Socialista e o Partido Comunista Português fazem parte, não foi um
autoelogio.
Não é autoelogio reconhecer o caminho feito durante os últimos anos, em que é verdade que existe um
investimento sem precedente na habitação em Portugal, e até há bem pouco tempo éramos todos capazes de
fazer esse reconhecimento, que, espero, ainda sejamos capazes de o fazer. Portanto, não fica pelo autoelogio
o reconhecimento — e assim também vou respondendo ao PSD — de que hoje, de facto, em matéria de
habitação pública e das responsabilidades que o Estado assume nesta matéria, estamos indiscutivelmente
melhor. E, de facto, achamos que também deveria ser reconhecida pelo Partido Comunista Português essa
realidade.
Sr. Deputado, em relação às perguntas que me fez sobre deixar as pessoas desprotegidas, não
compreendemos como é que o Partido Comunista Português argumenta com a necessidade de agora voltarmos
atrás nas medidas e regimes extraordinários, um regime que terminou em junho/julho deste ano. Como é que
motivamos esta alteração?
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
Neste momento, não estamos perante a possibilidade ou a iminência de confinamento, estamos perto da
imunidade de grupo, num trajeto de recuperação, e certamente não é para deixar isso para o dia a seguir às
eleições ou para o período da campanha eleitoral, de uma forma maquiavélica.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Parece!
A Sr.ª Maria Begonha (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, não vemos o que motiva este recuo para medidas excecionais e temporárias cujo regime já terminou. Certamente que se estivermos novamente perante um
confinamento, perante a necessidade de mais medidas de proteção, o Governo do Partido Socialista e esta
bancada, que sempre souberam responder quando era necessário, assim farão. Não compreendemos como é
que o PCP avalia que seja neste momento e nesta fase necessário o recuo até essas medidas extraordinárias.
De outra forma, mas também dentro da ideia da proteção dos arrendatários e das pessoas, sim, Sr. Deputado,
esta proposta de Orçamento do Estado não tinha todas as respostas políticas e públicas de habitação, para isso
também existem as políticas públicas do Governo e outras respostas. O instrumento Orçamento do Estado não
é o único. Só que neste Orçamento do Estado estava, de facto, com a norma-travão, que os protege e protegia,
a suspensão do regime transitório para o NRAU, que ficava suspenso em 2022.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PCP João Oliveira.
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Srs. Deputados, servia! E tanto que servia que os Srs. Deputados hoje apresentam um projeto que fazia
exatamente a mesma coisa, mas suspendendo essa solução durante cinco anos, o que não nos parece ajustado
nem equilibrado.
E, sim, em particular, Sr. Deputado, também não nos parece equilibrado que, perante um chumbo do
Orçamento do Estado e a dissolução da Assembleia da República, façamos alterações de fundo, estruturantes,
ao arrendamento urbano, agora e nestas condições.
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Jorge Mendes, do PSD, acho que não é possível equilibrar visões. Nós temos uma visão de
equilíbrio entre inquilinos e senhorios, uma visão que privilegia…
Vozes do PSD: — Não, não é verdade!
A Sr.ª Maria Begonha (PS): — … o inquilino, a propriedade face ao direito à habitação, e vocês acreditam numa visão em que o mercado terá uma solução mágica para regular os problemas, como aconteceu no
passado. Não acreditamos nessa desregulação, acreditamos no mercado de arrendamento que protege o
arrendatário, que protege a parte que mais necessita de proteção. Essa é uma política de habitação que protege
o País e é a política que temos prosseguido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Regressamos às intervenções e dou agora a palavra ao Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate é curioso. Tivemos o Sr. Deputado Eduardo Barroco de Melo a dizer isto: «O PS sempre governou à esquerda em matéria de habitação.»
Do que me lembro, a única vez em que José Sócrates foi de esquerda em matéria de habitação foi quando
pagou alojamento a várias pessoas em Paris, e não foi do bolso dele, era de outro. Foi a única vez em que me
lembro que José Sócrates tenha sido tão de esquerda em matéria de habitação!
Risos do PSD.
Mas este debate do PCP é curioso, porque é um puro exercício eleitoral. O PCP vem a esta Assembleia pedir
mais apoios para os inquilinos, mas teve seis Orçamentos do Estado — seis! —em que poderia ter exigido ao
PS que fizesse a reforma da Lei de Bases da Habitação e nunca o fez.
O PCP prefere estar sozinho neste debate e, por isso, não aceitou que nenhuma proposta fosse ser arrastada
para aqui. Ao contrário dos outros partidos, que aceitam as propostas do PCP, o PCP faz o que sabe fazer
melhor: usar as suas técnicas burocráticas e bafientas para impedir o debate na Assembleia da República. É o
habitual, a que já estamos acostumados, e, por isso, esperemos que aquela bancada passe para metade já a
30 de janeiro do próximo ano.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vamos buscá-los a Moura!
O Sr. André Ventura (CH): — Metade ou um terço, pode ser um terço também, Sr. Deputado! Faz sentido que seja ou não uma proteção feita a inquilinos com mais de 65 anos…
Protestos do PCP.
Sr. Presidente, peço desculpa, mas assim não consigo, é impossível!
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Protestos do PCP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, sob pena de ouvirmos interminavelmente o Sr. Deputado André Ventura,…
Risos gerais.
O Sr. André Ventura (CH): — Imaginem o que seria!…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — … pedia-vos silêncio para o ouvirmos. Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Sei que ninguém me quer ouvir interminavelmente, por isso vou finalizar dizendo isto: este projeto esquece os senhorios, mata o mercado de habitação. É um projeto com uma visão
unilateral do mercado, que o PCP quer apenas utilizar em termos eleitorais, um projeto que não consegue olhar
para os senhorios como pequenas e microempresas, como alguns deles são, algumas delas com as poupanças
de uma vida toda, e trata-os a todos como uma espécie de bandidos locatários, que quer tratar por igual e da
mesma forma.
Por isso, este projeto vale do ponto de vista jurídico, mas não vale do ponto de vista político e é dever desta
Assembleia bloqueá-lo.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente, queria dizer que este projeto, a ser aprovado, mataria o mercado. Mas
o PCP sabe bem que este projeto nunca será aprovado, quer é levar alguma coisa para a campanha eleitoral
alguma coisa, aquilo que não exigiu ao PS durante seis anos, e isso é enganar os portugueses.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Vá tentar encontrar a vereadora de Moura!
O Sr. André Ventura (CH): — No dia 30 de janeiro falamos!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Se encontrar a vereadora de Moura mande-lhe cumprimentos meus!
O Sr. André Ventura (CH): — Falamos a 30 de janeiro!
O Sr. João Oliveira (PCP): — Se levar outra vez «tautau»…
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Garantir estabilidade no arrendamento habitacional é parte integrante do direito à habitação. No entanto e apesar de terem sido feitas algumas
alterações positivas no Novo Regime do Arrendamento Urbano, este continua a ser profundamente negativo
para os inquilinos e não garante estabilidade e segurança no arrendamento.
A incerteza, a ansiedade, o medo de perder a habitação, o medo de poder ser alvo de um processo de
despejo e de ter de sair da sua casa, tudo isto está presente em muitas famílias, em particular nos idosos, nas
pessoas com incapacidade igual ou superior a 60% e nas famílias com baixos rendimentos.
Falo de casais de idosos, de idosos que vivem sozinhos, de pessoas que viveram toda uma vida na casa em
que criaram os filhos e onde agora ajudam a criar os netos, de pessoas que criaram uma relação de proximidade
com a vizinhança, que são parte integrante de uma comunidade e têm um sentimento de pertença ao lugar.
Depois de uma vida de trabalho, é uma violência poderem vir a ser confrontados com a perda da habitação onde
sempre residiram, sem terem para onde ir, desenraizados do meio em que sempre residiram e quando as baixas
reformas não permitem suportar os elevados custos com a habitação.
São pessoas com elevada incapacidade, com deficiência, que não conseguem encontrar um emprego ou
que, pela sua condição, já não podem trabalhar, pessoas que têm baixos rendimentos. Como se não lhes
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bastasse as dificuldades da vida, se não houver intervenção, estas pessoas podem também vir a perder a
habitação porque não dispõem de condições económicas para suportar rendas de valores mais elevados.
São famílias que, pelas suas características, deveriam ter uma proteção social acrescida. Contudo, acabam
por estar mais expostas à desregulação do arrendamento, à liberalização dos preços das rendas, onde as vidas
das pessoas não contam, tudo em nome do mercado, da especulação, dos lucros à custa do direito à habitação.
Se nada for feito, se as propostas do PCP não forem consideradas e aprovadas, serão as famílias em
situação de maior fragilidade, do ponto de vista económico e social, que estarão na linha da frente para poderem
vir a ser despejadas e perder a habitação, pois, devido aos baixos rendimentos que auferem e aos preços
proibitivos do arrendamento, não terão nenhuma possibilidade de encontrar uma solução de habitação.
De acordo com os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), no segundo trimestre de 2021, a renda
mediana dos novos contratos de arrendamento no País aumentou 11,5%, um aumento superior ao observado
no primeiro trimestre, sendo que estes aumentos se verificaram num contexto marcado pela epidemia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quando a «lei dos despejos» foi imposta, PSD e CDS argumentaram
que ela iria dinamizar o chamado «mercado do arrendamento», que iria haver mais casas disponíveis para o
efeito, mas nada disto aconteceu. Não houve mais arrendamento nem mais casas disponíveis e esta lei foi
determinante para que milhares de famílias perdessem a casa e tivessem de ir morar para concelhos mais
distantes, tendo de enfrentar tempos de deslocação para o trabalho superiores.
A realidade deu razão ao PCP, que afirmou que a «lei dos despejos» desprotegia os inquilinos no seu direito
à habitação e que os custos com o arrendamento iriam aumentar, tornando-se insuportáveis.
Não se pode continuar a permitir que os interesses especulativos dos fundos e dos grupos económicos no
setor imobiliário prevaleçam sobre os direitos à habitação, à cidade e ao lugar, à estabilidade da vida das
pessoas e à sua dignidade. Com a proposta que o PCP traz a debate pode travar-se este estado de coisas já e
garantir de forma definitiva a estabilidade e segurança no arrendamento para as famílias, para os idosos com
mais de 65 anos, para as pessoas com incapacidade igual ou superior a 60%, garantir a proteção destas famílias
em situação de maior vulnerabilidade, garantir que os custos com a habitação são compatíveis com os seus
rendimentos e garantir o seu direito à habitação, assegurando-lhes a tranquilidade e o bem-estar da vida.
O problema está mais do que identificado, Sr.as e Srs. Deputados, não é tempo de se inventarem novos
subterfúgios para não se fazer nada e deixar tudo como está. É preciso agir, é preciso resolver o problema, é
preciso garantir a estabilidade no arrendamento e na vida das pessoas.
A Lei de Bases da Habitação, aprovada na Assembleia da República, estabelece a função social da
habitação, determina que a habitação deve ter um uso efetivo para fins habitacionais e que essa é a sua vocação,
a de garantir o direito à habitação e que todos os imóveis ou frações habitacionais, sejam públicos ou privados,
participam no objetivo de garantir esse direito.
O que o PCP propõe são soluções imediatas para responder aos problemas emergentes. Ao longo destes
anos, temos vindo a apresentar propostas de fundo, estruturais, para ir mais longe na resposta necessária à
questão da habitação. Ainda em setembro deste ano apresentámos aqui várias iniciativas, mas o que hoje
trazemos são propostas para resolver os problemas imediatos e, sobretudo, impedir que as famílias percam a
sua casa.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tal qual foi aprovado hoje em Conferência de Líderes, no tempo e no modo, havendo votações, só há registo para efeito de quórum para votação.
Peço aos serviços que acionem os respetivos procedimentos para ser aberto o registo do quórum para
votações.
Pausa.
Vamos, então, dar continuidade aos nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Pinho de Almeida, do CDS-PP, para uma intervenção.
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O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Escolheu este Parlamento, anunciada que estava a dissolução, e até com data marcada, continuar o processo legislativo como
se estivéssemos em funcionamento normal, como se não se soubesse que iria haver essa dissolução e,
inclusive, como se não se soubesse que tinha havido um chumbo do Orçamento do Estado e que, portanto,
havia uma condição muito forte para que se aprovassem medidas com impacto financeiro durante o exercício
de 2022. E, depois, acontecem situações absurdas como a que acabou de acontecer, com o Partido Socialista
a dizer ao PCP que não deveria ter trazido este tema porque numa altura destas não se discute o arrendamento
urbano, o mesmo Partido Socialista que acha que numa altura destas se discute a eutanásia.
Portanto, há temas importantíssimos, como o do arrendamento urbano, que não se podem discutir e outros
temas de somenos importância, como o da eutanásia, que se podem tratar às três pancadas!
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Exatamente!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mandava a prudência que o Parlamento tivesse sido parco em discussões e aprovações de legislação durante este período. O risco é grande e, do ponto de vista político, a
imagem também não será a melhor.
Estamos, neste caso, a discutir um dos temas que durante mais anos foi discutido nas opções de políticas
públicas em Portugal e que durante mais anos foi tido como sendo uma das reformas necessárias para o
desenvolvimento da nossa economia e para o progresso social da nossa população. Por muito que a esquerda
queira e que dê o nome pessoal de uma ministra à lei, não houve, em 2012, a invenção de uma questão com o
arrendamento urbano por parte de uma ministra que se lembrou de alterar a legislação sobre isso. Se havia
regime antigo era este, que vinha, aliás, do regime político anterior.
Isto não deixa de ser curioso e acho sempre interessante quando o PCP defende tão acerrimamente aquilo
que foi, provavelmente, do ponto de vista económico, uma das medidas mais graves tomadas durante o regime
anterior, um congelamento de rendas que condicionou, em muito, o desenvolvimento económico e social do
País e que, com base no miserabilismo, fez uma política totalmente errada. Fez uma política de quem não
acredita no progresso social, a qual, obviamente, une quem governava à época ao Partido Comunista e ao Bloco
de Esquerda, que hoje em dia representam essa visão anacrónica do desenvolvimento social e daquilo que é
acreditarmos que as pessoas podem subir na vida fruto do seu trabalho e da justa aplicação do rendimento que
possam obter com esse trabalho.
É o que acontece com muitos reformados de hoje, que, com as suas poupanças, foram conseguindo fazer
investimentos imobiliários no sentido de prepararem a sua velhice.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!
Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — E o que diz o PCP? Diz: «Essas pessoas pouparam ao longo da vida, trabalharam e adquiriram esses imóveis, mas eles agora estão ao serviço do Estado para fazer ação
social».
O PCP também tem esta postura. Se for para contratualizar com privados que tenham vocação para
determinadas funções, seja na saúde ou na educação, os senhores estão contra e dizem que não pode ser,
porque os privados não podem substituir-se aos Estado nessas funções essenciais, mas se forem os reformados
ou os emigrantes a fazerem ação social na política de arrendamento os senhores acham muito bem. Acham que
não é o Estado que tem de o fazer mas, sim, que são os proprietários, reformados, repito, com reformas muitas
vezes baixas, e emigrantes que têm cá a sua poupança, que têm de se substituir ao Estado fazendo essa política
social.
Não é essa a visão que temos, não foi essa a visão — e bem! — da alteração legislativa em 2012, que, aliás,
tendo sido concretizada num Governo PSD/CDS, não foi mais do que aquilo que já havia sido anunciado por
um ministro da Administração Interna de um Governo do Partido Socialista, que por acaso se chamava António
Costa, e daquilo que o Partido Socialista incluiu como compromisso no Memorando da troica que negociou.
Portanto, convém ter noção de que esta reforma era necessária para o País; tinha consciência disso quem a
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concretizou, mas tinha também consciência disso quem tinha governado antes e levado o País à situação a que
levou.
Em 2012, do ponto de vista do arrendamento, qual era a situação? Tínhamos um mercado de arrendamento
paralisado, sem oferta de habitação. Tínhamos o edificado devoluto e abandonado nos centros das grandes
cidades…
Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.
Os Srs. Deputados podem já não se lembrar, mas é bom lembrar como eram os centros das cidades em
2010, 2011 ou 2012 e ver como são agora. Não há qualquer comparação, do ponto de vista do estado das
habitações e da reabilitação urbana, entre o que existia e o que existe hoje em dia.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Havia, depois, o problema do elevado endividamento das famílias.
Os senhores podem também já não se lembrar, mas nós lembramo-nos muito bem das sucessivas
prorrogações de crédito bonificado à habitação, feitas pelo Partido Socialista, porque, não tendo coragem para
fazer a reforma do arrendamento, tentava ir «à volta», bonificando o crédito, contribuindo para o endividamento
das famílias e, em muitos casos, para créditos malparados e para a crise no setor bancário. Uma crise que, em
muito, teve como base estas bonificações de crédito à habitação que ficcionavam uma realidade de poder de
compra para aquisição, que na prática não existia, por pessoas que deveriam ter acesso ao mercado de
arrendamento, mas que, como não tinham acesso a esse mercado, seguiam por uma via muito mais complexa
que as endividava para toda a vida e onerava o próprio Estado, a via da aquisição de habitação própria.
Por outro lado, havia também uma enorme dificuldade e limitação à mobilidade social e geográfica, bem
como um setor de construção civil que estava, nessa altura, completamente parado. Chamo a atenção de que
convém comparar o que se passava no setor da construção civil no tempo em que o Partido Socialista levou no
País à bancarrota com a realidade desse setor, importantíssimo para a economia nacional, no fim da governação
PSD/CDS, a dinamização que foi introduzida nesse setor e a diferença que isso fez no produto e no nosso
crescimento económico. Por isso, a reforma foi feita no sentido certo e não temos problema algum em assumi-
lo.
Sendo uma reforma de um mercado que esteve parado durante décadas, obviamente que era não só preciso
um período de adaptação como também medidas de consciência social para que o impacto fosse suportável por
aqueles que menos recursos têm. Foi isso que se fez à época e, por isso, o problema só se pôs mais tarde. O
que aconteceu? Depois de uma lei que tinha esses mecanismos de proteção, o Partido Socialista nunca
conseguiu assumir uma de duas posições: ou revogava aquele regime por inteiro e voltava à situação anterior
ou tinha a coragem — nisto tem razão o PCP — de ter mecanismos que, do ponto de vista social, corrigissem
injustiças que existissem na aplicação da lei.
Neste impasse, chegámos ao absurdo de o Partido Socialista dizer que, agora, é preciso esperar pelo
Censos. Quem empurrou com a barriga durante seis anos, não assumindo nem uma coisa nem outra, não
assumindo revogar a lei porque sabe que é necessária e também não assumindo uma necessidade de política
social que não pode ser feita pelos senhorios e que tem de ser feita pelo próprio Estado, merece muito bem,
embora não seja a melhor prática legislativa, o que o PCP lhe faz agora: obrigar a terem de optar. É chato, mas
tem mesmo de ser verdade, porque não vale ao Partido Socialista, ao fim de seis anos, dizer que está à espera
do Censos.
É uma vergonha não perceberem que, numa política pública como esta, tinham de ter assumido
responsabilidade, tinham de ter percebido o que estava em causa, tinham de ter protegido os inquilinos, tinham
de ter compreendido os senhorios e o mercado, para não se confrontarem com a realidade que, neste momento,
existe: o mercado de arrendamento está muito pior agora do que quando os senhores começaram a governar.
Isso deveria ser suficiente para que tivessem feito alguma coisa, mas não o fizeram. Isso ficará com o Partido
Socialista, com a sua responsabilidade, pois não há eleições nem promessas eleitorais que valham a esta
irresponsabilidade.
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Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Srs. Deputados, temos ainda um pedido de esclarecimento do PCP.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, o pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Alma Rivera vai converter-se em intervenção.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Portanto, já não há nenhum pedido de esclarecimento, pois foi convertido em intervenção. Mas, antes disso, há uma inscrição do PS, também para uma intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Correia, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvir a direita a intervir neste debate dá-nos logo a sensação de que há um sentimento de culpa do lado do CDS e do PSD em relação às
medidas de governação até 2015 e ao impacto negativo que tiveram em matéria de arrendamento.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Eu disse que tinha orgulho do que tinha sido feito!
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Srs. Deputados, a grande causa do «sobreaquecimento» do valor das rendas chama-se «lei Cristas» e há milhares e milhares de inquilinos que não esquecem.
Aplausos do PS.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Se acham isso, revoguem a lei!
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Não esquecem e essa foi a principal causa do «sobreaquecimento» do valor das rendas.
Mais, Srs. Deputados, nós também não esquecemos que uma das primeiras medidas deste ciclo político, em
2016, foi votar um projeto de lei para acabar com a execução de penhoras de casas de morada de família por
dívidas fiscais. E lembramo-nos bem de que lado estiveram o CDS e o PSD: votaram contra esta medida!
Aplausos do PS.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não é verdade! Não é verdade!
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr. Deputado, se a vontade do PSD e do CDS-PP prevalecesse hoje, milhares e milhares de famílias já tinham sido despejadas por dívidas fiscais.
Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Tal não aconteceu porque houve uma maioria de esquerda liderada pelo Partido Socialista que o impediu.
Da mesma forma, não deixámos de fazer um caminho de proteção dos inquilinos, respeitando, obviamente, o
equilíbrio que tem de existir no mercado de arrendamento entre senhorios e inquilinos.
Foi assim que aprovámos a Lei de Bases da Habitação à esquerda. Se dúvidas houvesse sobre o lado em
que foi aprovada a Lei de Bases da Habitação bastaria lembrar de que lado esteve a direita: o PSD e o CDS-PP
estiveram contra ela!
Aplausos do PS.
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Portanto, devemos ter orgulho no grande avanço que foi, em matéria de habitação e de proteção dos
inquilinos e do mercado de arrendamento, a Lei de Bases do Arrendamento,…
Aplausos do PS.
… bem como as grandes alterações ao regime de arrendamento urbano, a criação de um sistema de injunção
em matéria de arrendamento, para equilibrar com o Balcão Nacional do Arrendamento, que já está
implementado, porque decorre da Lei de Bases da Habitação.
Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.
Obviamente que a aprovámos à esquerda, bem como todo um conjunto de medidas de proteção dos
inquilinos.
A Sr.ª Maria Manuel Rola (BE): — E na semana passada?!
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda e Srs. Deputados do PCP, hoje, se não existissem essas medidas que decorrem da Lei de Bases da Habitação, aprovadas na alteração ao Novo
Regime do Arrendamento Urbano pela esquerda, milhares e milhares de inquilinos teriam sido despejados e
não estariam ainda na sua habitação.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PSD Afonso de Oliveira.
Por isso, o caminho é seguir este conjunto de medidas e esta política para que haja sempre um equilíbrio no
mercado de arrendamento entre senhorios e inquilinos. Isso está a dar-se com o maior reforço de sempre da
política pública de habitação, que Portugal nunca seguiu até hoje, e deve-se ao impulso da esquerda liderada
pelo Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Protestos do CDS-PP.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Certamente que os ângulos de observação são muito diferentes, mas já todos percebemos que a lei do arrendamento em vigor não serviu para aumentar
os níveis de arrendamento, pelo contrário, aquilo que se verificou foi precisamente um movimento em sentido
inverso, ou seja, o que esta lei fez foi promover os despejos e isso é mais do que evidente. Fê-lo a muitas
famílias, continua a fazê-lo a muitas famílias e é isso que é preciso enfrentar e não continuar a empurrar para a
frente.
A especulação mais a «lei Cristas» foram e continuam a ser uma mistura explosiva que esvazia os centros
da cidade e nega o direito à habitação a muitos portugueses.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Como é que é possível?!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Deputado, tenho pena que não tenha tempo para nos responder, tenho mesmo muita pena, porque gostava que nos explicasse como é que, com uma lei tão boa como aquela que aqui
defendem, se dão situações como a que assistimos com as casas da Fidelidade. Ainda se lembra disso?
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Protestos do Deputado do CDS-PP João Pinho de Almeida.
Como é que uma lei tão garantística para os inquilinos fez com que estas famílias tenham sido informadas,
de um dia para o outro, que tinham 120 dias para entregar as chaves? Como é que esta lei tão boa, pelo que se
ouve aqui, fez com que 150 famílias, algumas delas que arrendavam as casas há 30 anos, muitos idosos, alguns
deles acamados, fossem expulsos das suas casas?! Algumas destas pessoas continuam, até hoje, com «a
corda ao pescoço»! Como é que pode defender esta lei? Como é que esta lei, sendo tão boa, não foi capaz de
responder a estes inquilinos? Tenho muito a pena que não possa responder a estas questões.
É que aqueles que vêm aqui bater no peito e que dizem que defendem os senhorios, não defendem os
senhorios com as práticas corretas, honestas e humanas.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Não, são uns malandros!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Os senhores defendem os fundos imobiliários. São esses os senhorios que os senhores defendem!
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Valha-me Deus! Por favor!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Portanto, esse é o ponto da questão e aqueles que não estão de acordo com estas práticas, com favorecimento dos fundos imobiliários, bem podiam colocar-se do lado justo e aprovar uma
nova lei.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Mas eles estão de acordo. É só conversa! Eles estão de acordo!
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Silva, do PSD.
O Sr. Carlos Silva (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD encontra-se preocupado com o momento que o País e os portugueses enfrentam e, por esse motivo, somos sensíveis e manifestamos
solidariedade aos muitos milhares de portugueses que necessitam, nesta fase crítica de recuperação da crise
pandémica, mais do que nunca, do apoio do Estado.
Estamos a discutir um projeto de lei relativo a um regime extraordinário de proteção e apoio aos inquilinos.
Assim, para nós, não é indiferente todo o percurso efetuado até aqui em matéria de mercado de arrendamento.
Infelizmente, o arrendamento tem sido alvo de avanços e recuos que têm sido trágicos para a verdadeira
afirmação do mercado de arrendamento em Portugal. O que temos após décadas de congelamento do mercado
é um acumular de erros estratégicos, que conduziram a sucessivos congelamentos de rendas, assim como a
entraves e constrangimentos à possibilidade da não-renovação de contratos.
Esta é uma ausência de estratégia para o arrendamento que culminou na degradação crescente do parque
edificado, no aumento exponencial de casas devolutas e numa expansão urbanística desregrada na periferia
das grandes cidades, que não passa hoje de dormitórios para quem trabalha nos grandes centros, com o
acréscimo constante de problemas que estas realidades comportam do ponto de vista da mobilidade, dos
transportes, da segurança e da habitação das populações.
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
O Sr. Carlos Silva (PSD): — Estas políticas conduziram à transformação gradual dos centros históricos em locais ermos e desabitados, com prédios devolutos, com péssimas condições de habitabilidade e, em muitos
casos, em situação de ruína.
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O novo regime jurídico de arrendamento urbano, aprovado em 2012, conjugado com outras reformas,
permitiu iniciar a inversão desta triste realidade. Sim, a reforma estava a fazer o seu percurso e a realidade dos
números comprovam-no. Os dados são oficiais, são conhecidos e estão publicados: mais 266 000 novos
contratos de arrendamento em 2016, mais 84 000 em 2017. Hoje, não temos dúvidas de que estes resultados
teriam sido ainda muito melhores não fosse o caso de esta esquerda parlamentar, que hoje propõe medidas de
apoio aos inquilinos, ter continuado a protelar o congelamento de rendas apenas com um objetivo: não pagar o
subsídio de renda devido aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência.
Sim, estes resultados teriam sido muito melhores não fossem declarações desastrosas como as da Sr.ª
Deputada Mariana Mortágua, de que era preciso perder a vergonha e ir buscar dinheiro a quem estava a
acumulá-lo. Com essa intenção, nasceu o adicional do IMI (imposto municipal sobre imóveis) que, hoje em dia,
constitui uma importante fonte de receita fiscal para o Estado, prejudicando milhares de portugueses.
Protestos do BE.
Embora critiquem a atuação do Governo em relação à recuperação económica e financeira do País, acontece
que, verdadeiramente, passou a reconhecer-se a existência de um verdadeiro mercado de arrendamento.
Critiquem, gritem alto, mintam muitas vezes aos portugueses para tentar que as vossas mentiras se tornem
verdades,…
Aplausos do PSD.
Protestos da Deputada do BE Maria Manuel Rola.
… mas acontece que se assistiu a uma fixação crescente de cidadãos de outras nacionalidades, de muito
elevado potencial intelectual, económico e social, e, simultaneamente, o investimento estrangeiro no mercado
imobiliário cresceu.
Mas, após a introdução das medidas de reversão das políticas de 2012, assistiu-se tão-só a uma imediata
diminuição dos contratos de arrendamento, a um desinvestimento brutal por parte dos senhorios e a uma quebra
de confiança do lado dos investidores.
Srs. Deputados, pergunto se o resultado destas políticas trouxe mais-valias para o mercado do
arrendamento. Outra pergunta que deixo é se existem mais imóveis para arrendar. Assiste-se à diminuição do
preço das rendas? Não! Efetivamente, não existem mais imóveis no mercado e os preços não baixaram, pelo
contrário, os preços subiram — e muito — e criam sérios problemas no acesso à habitação para casais jovens.
A esquerda parlamentar sofre de vários equívocos quanto à substância das políticas públicas implementadas.
O primeiro constitui um erro de perceção da realidade. A esquerda não percebeu que o problema da vida das
pessoas, neste caso dos inquilinos, não está na lei do arrendamento, está na realidade que o País enfrenta e
enfrentou.
Protestos do BE.
Portugal saiu de uma crise financeira profunda, na qual foi colocado por governos socialistas irresponsáveis,
e de seguida mergulhou numa crise pandémica mundial de contornos nunca observados.
Aplausos do PSD.
O segundo equívoco está no facto de, à boa maneira socialista, sempre que depara com um problema, a
solução apontada ser sempre para respostas com base na macrocefalia das grandes áreas metropolitanas,
esquecendo que o País é mais do que Lisboa e do que o Porto.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!
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O Sr. Carlos Silva (PSD): — Reconhecemos que se trata de um caminho mais fácil, mas não compreendemos que continuem a colocar o País a duas velocidades para prejuízo daqueles que vivem fora dos
grandes centros.
Não bastante os equívocos, a esquerda acrescenta o preconceito ideológico profundo contra a propriedade
privada, como fica expresso na defesa do protelamento do congelamento das rendas, da imposição dos
contratos vitalícios, da renovação garantida dos contratos, da proibição dos despejos, das alterações das
normas de direito de preferência. Isto, sim, Sr. Deputado João Paulo Correia, impede um verdadeiro mercado
de arrendamento!
Mas há ainda mais uma medida inaudita, Sr. Deputado, que é a chamada «requisição temporária de
imóveis», que mais não passa de um regresso ao gonçalvismo e às nacionalizações selvagens.
Aplausos do PSD.
Tal torna-se tanto mais incompreensível na medida em que o Estado, sendo o maior proprietário em Portugal,
com milhares de imóveis devolutos e degradados, dos quais não trata nem cuida, ainda pode expropriar à força
proprietários para resolver, à conta daqueles, um problema que é do próprio Estado.
Estas são as linhas vermelhas do nosso debate parlamentar e distinguem-nos claramente da esquerda do
Parlamento. Nunca apoiaremos políticas públicas de habitação à custa dos senhorios. Recusaremos alterações
legislativas que constituem verdadeiros ataques à propriedade privada e que transformam os senhorios em
extensões da segurança social, mas também defenderemos intransigentemente os arrendatários, sobretudo os
idosos e os mais necessitados.
Acontece que essa proteção, sendo absolutamente necessária, deve ser executada pelo próprio Estado e
não por imposição do Estado à conta daqueles que em nada contribuíram para a existência de situações de
carência social.
As nossas políticas serão sempre a pensar no País como um todo, a pensar na dinamização do mercado de
arrendamento, a pensar na estabilidade legislativa e com isso criando confiança nos cidadãos, não
abandonando uma visão social-democrata da proteção para com os mais necessitados, protegendo quem deve
ser protegido.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Costa, do PS.
O Sr. Hugo Costa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Atualmente, ninguém põe em causa a importância da habitação nas políticas públicas, mesmo que ao longo de décadas tenha sido um pilar esquecido.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem muito orgulho no caminho realizado a nível da habitação nos
últimos seis anos. Mesmo que outros, numa lógica de propaganda, façam esquecer os avanços, minimizando
os mesmos e apagando as responsabilidades na votação recente do Orçamento do Estado, que impediu
acréscimos orçamentais e a resolução de problemas concretos na área da habitação, o Partido Socialista tem
muito orgulho no trabalho realizado.
Aplausos do PS.
Sim, o Partido Socialista votou a favor do Orçamento, ao contrário do que outras intervenções tentaram deixar
transparecer, sendo esses partidos os responsáveis pelo chumbo do mesmo.
A habitação é um direito constitucional e o ponto base para outros direitos como o emprego, a educação ou
a saúde. Sem este vetor, não existe dignidade. E quem não tem um teto e sofre de frio e calor não tem condições
mínimas de dignidade para viver.
Sim, Sr.as e Srs. Deputados, ao longo de décadas, não respondemos enquanto sociedade a este desafio.
Durante anos, a lógica do mercado e do seu funcionamento livre foi a regra. O mercado tudo resolvia e as
denominadas falhas do mercado não eram mais do que efeitos colaterais.
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Sr.as e Srs. Deputados, apesar de ter sido aprovada na última Legislatura a Lei de Bases da Habitação, cuja
regulamentação está agora na fase final, é importante sublinhar que a direita parlamentar votou contra, e votou
contra porque sempre foi contra a intervenção pública na área da habitação.
Nesta Legislatura, assistimos a uma progressiva e avançada implementação do Programa 1.º Direito e às
respostas estruturais assentes no reforço do parque habitacional público.
Deste modo, o 1.º Direito é um programa que está integrado numa nova geração de políticas públicas de
habitação, visando a promoção de soluções habitacionais para as famílias mais carenciadas. São mais de 100
as estratégias locais de habitação já aprovadas em todo o território nacional, com acordos de celebração que
permitem dar resposta a mais de 35 000 famílias.
Não devemos esquecer que, a par do Programa 1.º Direito, encontramos ainda mais dois investimentos
fulcrais: o primeiro consiste na criação de um parque público a custos acessíveis; o segundo diz respeito à Bolsa
Nacional de Alojamento Urgente e Temporário, uma resposta estruturada às necessidades de alojamento de
emergência e de transição.
Quero recordar ainda o que foi feito em termos de avanço legislativo no que concerne à proteção dos
arrendatários e da estabilidade do arrendamento.
Trata-se de uma matéria de grande sensibilidade e que tem merecido a atenção legislativa do Governo e do
Parlamento, visando corrigir uma lei completamente contra o espírito social, a «lei Cristas», e ainda introduzir
um conjunto de mudanças que têm por objetivo reforçar os mecanismos de garantia e proteção dos arrendatários
e a sua estabilidade.
No âmbito das principais medidas destaca-se a proibição ao assédio no arrendamento e a previsão de modos
de reação contra comportamentos que possam constituir assédio da parte mais forte em relação à parte mais
fraca.
Bem sabemos qual é a alternativa da direita. Recordamos bem a «lei dos despejos», uma das leis mais cegas
e injustas de que o Parlamento tem memória. Sobre o denominado NRAU — a norma-travão que evitava os
despejos —, tal tinha solução no Orçamento do Estado, que a esquerda parlamentar quis reprovar, pois havia
uma resposta para este problema que tem dificuldades na sua concretização. E, sim, as Sr.as e Srs. Deputados
faltaram à chamada para proteger a parte mais fraca!
Um outro ponto central dos projetos é relativo à pandemia da COVID-19. Desde o primeiro momento que foi
evidente a necessidade de proteger a habitação permanente sem, contudo, desproteger os senhorios.
Ao contrário do que algumas vozes dissonantes à direita dão a entender, criando ruído num setor que já se
encontra numa situação complicada, as medidas que foram aprovadas permitiram um justo equilíbrio entre
senhorio e arrendatário, mitigando eventuais abusos e salvaguardando, sobretudo, o direito à habitação
enquanto direito fundamental, sendo que, mesmo em alturas como esta, o Parlamento deu sempre uma resposta
positiva.
Sr.as e Srs. Deputados, desta forma, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista continuará a trabalhar para
defender a parte mais fraca e vulnerável da sociedade portuguesa.
Como sempre, podem contar com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista para encontrar as soluções que
sempre defendemos para uma habitação pública, de qualidade e que permita responder aos interesses dos
portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Não havendo mais inscrições, passamos agora à fase de encerramento.
O PCP acumulará o tempo de que dispõe, de 7 minutos e 11 segundos, ao período adicional de 2 minutos
definido para o encerramento.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando o Grupo Parlamentar do PCP agendou este debate potestativo e escolheu o tema em questão, fê-lo com a noção do gravíssimo problema
social que é o problema da habitação em Portugal e da necessidade de encontrar respostas muito diversas.
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Sabemos que há um conjunto de dimensões muito significativo deste problema da habitação e que muitas
delas passam por uma resposta de fundo não apenas por via da construção de habitação pública, mas também
por via das alterações às regras do arrendamento, nomeadamente com a revogação da «lei Cristas» ou «lei dos
despejos», como se queira chamar-lhe, e com a aprovação de um verdadeiro regime de arrendamento que
proteja e garanta o direito à habitação através de arrendamento. Trouxemos essas propostas à discussão em
setembro passado e decidimos que não era sobre elas que a Assembleia da República precisava de se
pronunciar nestes últimos dias da Legislatura, a qual terminará em breve.
Por isso, trouxemos à Assembleia da República a discussão sobre um projeto de lei com medidas que
constituem um regime excecional e temporário de proteção ao arrendamento, medidas que, precisamente pelo
seu carácter de urgência, justificam o agendamento potestativo e a urgência na deliberação por parte da
Assembleia da República.
Para as Sr.as e Srs. Deputados que eventualmente possam já estar desligados da realidade que obrigou à
aprovação destas medidas, ainda não há dois anos, relembro que o primeiro caso de infeção por COVID-19 no
nosso País foi identificado no dia 2 de março de 2020 e que 17 dias depois estava a ser publicada no Diárioda
República a Lei n.º 1-A/2020, com um conjunto de medidas excecionais e temporárias de resposta às
consequências económicas e sociais da epidemia provocada pela COVID-19, que incluía, no seu artigo 8.º, as
medidas que o PCP hoje trouxe novamente à discussão.
Sr.as e Srs. Deputados, se em março de 2020 foi preciso tomar medidas excecionais e temporárias de
proteção para os arrendatários, essa é a primeira constatação e a primeira prova inequívoca de que o regime
do arrendamento urbano que temos hoje em vigor em Portugal não serve para proteger os arrendatários. E não
serve para proteger os arrendatários porque, perante uma situação de calamidade em função de uma epidemia,
o risco de perda da habitação foi identificado como um dos principais riscos, exigindo, por isso, essas medidas
urgentes que foram tomadas em março de 2020.
Esta, Sr.as e Srs. Deputados, é uma constatação que há muito tempo está feita. Não foi apenas em 2012 que
se constatou isso quando aqui foram discutidas as alterações que deram origem à «lei Cristas», constatou-se
ao longo de anos. Aliás, fomos chamando a atenção para as situações de desproteção para que essa «lei
Cristas» empurrou os arrendatários do nosso País, para as sucessivas situações de despejo, de desproteção
de famílias, particularmente de pessoas em situação de especial vulnerabilidade que a lei não protegia e que
viram perder a sua habitação ao longo do tempo.
Já hoje foi relembrado pelo Grupo Parlamentar do PCP o exemplo verdadeiramente dramático das 150
famílias que eram arrendatárias e que perderam as suas casas praticamente do dia para a noite, porque, no
negócio feito pela Fidelidade com um fundo imobiliário, colocou-se a necessidade de despejo daquelas famílias
para garantir a especulação imobiliária e, por essa via, a obtenção de lucros milionários.
Se não houve, ao longo destes anos, suficientes situações dramáticas que comprovassem a desproteção a
que os arrendatários estão sujeitos por via da «lei Cristas», pergunto: o que mais é preciso acontecer no nosso
País para que isso seja efetivamente reconhecido?
Essa conjugação verdadeiramente explosiva da «lei Cristas» com a especulação imobiliária, particularmente
aquela a que assistimos entre 2016 e 2019, transformaram o que até aí eram preocupações na constatação de
uma realidade que é realmente dramática em relação à habitação e numa situação que poderia ter sido resolvida
também nesse período. Isto porque, também entre 2015 e 2019, na Legislatura anterior, esse problema poderia
ter sido resolvido, revogando-se a «lei Cristas» e aprovando-se um regime de arrendamento adequado. Porque
é que não houve decisão nesse sentido? Porque o PS se constituiu como uma força de bloqueio a essas
soluções.
Aplausos do PCP.
Em vez de garantir a revogação da «lei Cristas» e a aprovação de um regime de arrendamento que
protegesse efetivamente os arrendatários, o PS optou por manter a «lei Cristas» e apenas tomar decisões de
prorrogação da norma-travão relativamente aos contratos anteriores a 1990 e aos arrendatários com mais de
65 anos ou com deficiência.
A circunstância em que estamos hoje, Sr.as e Srs. Deputados, é consequência direta dessas opções do PS.
Não tivesse o PS, na anterior Legislatura, empurrado este problema com a barriga, com a prorrogação por mais
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cinco anos daquelas normas, e tivesse o PS acompanhado as propostas do PCP para revogar a «lei Cristas» e
criar um regime de arrendamento urbano verdadeiramente preocupado com a proteção dos arrendatários, hoje,
não tínhamos de estar preocupados com a data em que a norma-travão vai deixar de produzir efeitos, data a
partir da qual todos os arrendatários titulares de contratos de arrendamento anteriores a 1990 vão ficar sujeitos
à subida especulativa das rendas e eventualmente sujeitos ao despejo por incapacidade de suportar esses
aumentos de rendas.
Sr.as e Srs. Deputados, dos partidos à direita do PS não há argumentos novos. É a ideologia do negócio
contra a ideologia da defesa do direito à habitação. É a ideologia da transformação do Estado no braço armado
dos despejos contra a ideologia da defesa da habitação como um direito e do direito à estabilidade e à proteção
do arrendamento como parte desse direito à habitação que a Constituição consagra.
Nem da parte do PSD, nem do CDS, nem dos seus sucedâneos mais reacionários ouvimos uma palavra que
fosse de preocupação com os arrendatários.
Mesmo quando estávamos a falar de arrendamento urbano e não propriamente de arrendamento dos lugares
das listas do Chega, que depois rapidamente dão em despejo de quem é eleito, quando estávamos a falar de
arrendamento urbano e do direito à habitação, não houve um elemento de preocupação, nem sequer quando
estávamos a tratar do rendimento das micro, pequenas e médias empresas. Sim, Srs. Deputados do PSD,
quando estamos a tratar de arrendamento e das propostas que o PCP hoje trouxe à discussão, estamos também
a tratar da proteção dos micro, pequenos e médios empresários, que têm de suportar rendas exorbitantes e que
estão sujeitos à subida especulativa das rendas, situação com a qual os senhores não se preocupam.
Também aqui temos, mais uma vez, a ideologia do grande negócio contra os micro, pequenos e médios
empresários, quem o PSD acaba por nunca defender, como, aliás, já tinham feito no passado, quando discutimos
nesta Assembleia da República as propostas do PCP para a proteção dessas micro, pequenas e médias
empresas que são arrendatárias.
Para terminar, Sr.as e Srs. Deputados, queria concluir a minha intervenção dizendo o seguinte: neste debate,
não se compreende o que quer, afinal, o PS. O PS diz que na proposta de Orçamento havia iniciativas
precisamente para estender a duração dessa norma-travão. Hoje, perante a iniciativa do PCP, diz que essas
iniciativas não servem. Mais, o PS diz: «Estamos preocupados com a situação do arrendamento e, em função
da avaliação dos Censos, lá mais à frente, poderemos resolver o problema». Hoje, perante propostas que
podiam evitar que esses problemas viessem a concretizar-se, o PS diz que elas não são necessárias.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado João Oliveira, chamo a sua atenção para o tempo.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Concluo, Sr. Presidente. A aprovação das propostas do PCP aponta aos arrendatários a possibilidade de terem os seus problemas
resolvidos. Parece que o PS não quer resolver os problemas para poder ter propostas no seu programa eleitoral.
Deixamos este último desafio: pensem se aquilo que deve pesar mais é a solução dos problemas dos
inquilinos ou terem um programa eleitoral para disputar as eleições no próximo dia 30 de janeiro. É que a pior
coisa que podia acontecer, depois de não terem querido Orçamento para poderem ter eleições, era agora, ainda
por cima, não quererem resolver os problemas para poderem ter propostas no programa eleitoral. Péssimo
serviço aos inquilinos, péssimo serviço para quem diz defender o direito à habitação.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado João Oliveira, queira terminar.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Fica esse desafio. Votem as propostas do PCP, aprovem-nas na generalidade, aprovem-nas na votação final global, e cá estaremos, na próxima Legislatura, para resolver todos os outros
problemas que continuarão por resolver, porque também esses o PS, até hoje, não quis resolver.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Sr. Deputado, que saudades que eu tinha de chamar a sua atenção para o tempo.
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Está, assim, concluído o debate do Projeto de Lei n.º 1014/XIV/3.ª (PCP), pelo que passamos à apreciação,
na generalidade, da Proposta de Lei n.º 119/XIV/3.ª (GOV) — Procede à regulação da aplicação de contribuições
especiais para o ano de 2022.
Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendes.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais (António Mendonça Mendes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo traz hoje à Assembleia da República decorre
do facto de, durante a apresentação do Orçamento do Estado para 2022, terem sido propostas as renovações
das contribuições para o setor energético, da contribuição para o setor bancário e o respetivo adicional, da
contribuição para o setor farmacêutico, da contribuição dos dispositivos médicos e também do adicional do IUC
(imposto único de circulação).
O facto de o Parlamento ter chumbado a proposta de Orçamento do Estado fez com que se pudesse colocar
a questão sobre se, em relação a estas contribuições, teria havido uma intenção expressa do Parlamento de as
reprovar.
Nesse sentido, para darmos segurança jurídica àqueles que são os destinatários das contribuições, o
Governo entendeu ser importante trazer, então, esta proposta de lei à Assembleia da República, para que as
Sr.as e os Srs. Deputados se possam pronunciar expressamente sobre a manutenção em vigor das contribuições
especiais que aqui estão apresentadas.
Fico, naturalmente, à disposição para qualquer questão que entendam adequada.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Orçamento do Estado, cuja proposta foi aqui chumbada há poucas semanas, constituiu um autêntico toque
de finados da geringonça, pelo menos na sua versão 1.0.
A geringonça desentendeu-se, mas, escassas semanas depois, volta a entender-se facilmente, quando se
trata de estatizar a economia ou de criar taxas «adicionais» ou impostos «extraordinários», tributos que são
temporários até se tornarem definitivos e que só demonstram uma coisa — para os socialistas, é fácil encontrar
novas formas de cobrar dinheiro às pessoas. E a prova está no facto de se prepararem para aprovar este
remendo legislativo no único ponto em que conseguem pôr-se de acordo: mais impostos.
A este respeito, é importante deixar duas notas.
Primeira nota: na vasta lista de impostos que o Governo tenta ressuscitar não está o adicional ao ISP (imposto
sobre os produtos petrolíferos e energéticos). Está o PS a reconhecer o erro cometido com a introdução deste
imposto ou está, simplesmente, em modo de campanha eleitoral, com medo de reintroduzir um imposto
impopular antes das eleições?
Segunda nota: está o Governo consciente de que, ao argumentar que este diploma se impõe por razões de
«segurança jurídica», está a dar força aos argumentos dos contribuintes que, na sequência da aplicação
retroativa de muitos destes impostos nos Orçamentos de 2016 e 2020, entraram em litígio judicial com o Estado?
O Estado tem de ser pessoa de bem, a começar pela coerência nos argumentos de que usa e abusa para
cobrar dinheiro às pessoas.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate de hoje, contrariamente ao que uma certa visão simplista possa querer passar, não é sobre taxar mais as
pessoas, é sobre justiça fiscal, sobre exigir solidariedade aos setores que mais têm e mais podem,
especialmente no contexto de uma crise como a que estamos a viver.
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Esta proposta quer assegurar que diversas contribuições especiais continuem a vigorar no próximo ano, algo
que, sem esta proposta, não acontecerá, devido ao chumbo do Orçamento do Estado. Ou seja, se se chumbar
esta proposta, no próximo ano deixará de vigorar o adicional de solidariedade sobre o setor bancário, que aqui
aprovámos no Orçamento Suplementar de 2020 e que está a vigorar durante este ano. Estamos a falar de uma
contribuição que serve para assegurar a sustentabilidade da segurança social por via do financiamento do Fundo
de Estabilização Financeira da Segurança Social e que, em 2020, gerou uma receita de 34 milhões de euros.
Será que faz sentido que um setor que, só entre 2008 e 2018, gerou despesas públicas totais de mais de 25
mil milhões de euros seja poupado pelo chumbo do Orçamento do Estado?!
Será que podemos mesmo abdicar desta receita, quando é sabido que este Fundo estará esgotado no início
da década de 50 e que o saldo da segurança social ficará deficitário já em 2030?!
Questão diferente é a de saber se devemos ir pelo caminho fácil de, ano após ano, prorrogar a vigência de
legislação aprovada há 10, 6 ou 7 anos ou se lhe devemos introduzir melhorias. Nós entendemos que há
mudanças necessárias e vamos propô-las em sede de especialidade.
Um dos casos em que essas mudanças são necessárias é o da contribuição extraordinária sobre os
fornecedores da indústria de dispositivos médicos do SNS, visto que, nos termos em que se encontra
desenhada, está a fazer com que não haja inovação no nosso mercado e haja até a descontinuação de alguns
produtos fundamentais à prestação de cuidados de saúde.
Por um lado, parece-nos que esta contribuição deve ser aplicada em concursos, contratos e acordos
celebrados ou apresentados após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado, algo que salvaguarda as
situações anteriormente estabelecidas e não frustra as expectativas das empresas na negociação e celebração
de contratos e acordos com instituições do SNS.
Também é necessário assegurar que, ao mesmo tempo que exige o pagamento de contribuições a estes
fornecedores, o Estado, em contrapartida, faz um esforço para reduzir os pagamentos em atraso, algo que não
existe no atual enquadramento.
Por fim, desde 2020 que assistimos a um esforço por parte das empresas que investiram em inovação, por
exemplo, para o desenvolvimento de testes de diagnóstico para a COVID-19. Este esforço tem de ser
reconhecido e o mínimo que este Parlamento pode fazer, nesse sentido, é assegurar a isenção de pagamento
da taxa no valor das vendas de testes de diagnóstico de SARS-CoV-2, uma medida da mais elementar justiça.
Posto isto, o PAN vai votar a favor desta proposta, contando que haja abertura para, em sede de
especialidade, acautelar as preocupações que aqui assinalamos.
O Sr. Presidente (Fernando Negrão): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves, do PCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Propõe o Governo que se prolonguem para 2022 as contribuições extraordinárias, nomeadamente sobre o setor da banca,
sobre o setor energético, sobre a indústria farmacêutica e, ainda, a contribuição criada com o objetivo de reduzir
os encargos públicos com a aquisição de dispositivos médicos para o SNS.
De caráter diferente destas, propõe, ainda, garantir a aplicação do adicional do IUC para os veículos a
gasóleo.
O sentido de voto do PCP, face a esta iniciativa do Governo, será a favor. No entanto, não deixamos de
evidenciar que, mesmo com estas contribuições, mantém-se um cenário de forte injustiça fiscal, em que os
grandes grupos económicos destes setores, e de outros setores, continuam a ter ao seu dispor vários
«alçapões» que fazem com que a tributação efetiva sobre estas multinacionais seja muito inferior à que é
suportada pela generalidade dos trabalhadores e das micro, pequenas e médias empresas.
Falamos do recurso aos offshore, para esconder rendimentos de origem duvidosa e para fugir aos impostos.
Falamos de países com regimes fiscais claramente mais favoráveis, onde se incluem países da União
Europeia, como Malta, Irlanda, Holanda ou Luxemburgo, para onde fogem as sedes das holdings, a fim de evitar
o pagamento de impostos em Portugal.
Falamos das isenções previstas no Código do IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) e no
Estatuto dos Benefícios Fiscais, que permitem que lucros realizados em Portugal não sejam tributados no País.
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Falamos de um largo conjunto de benefícios fiscais a que o Governo e o PS queriam acrescentar uma
reedição do crédito fiscal ao investimento, previsto no Orçamento Suplementar para 2020, que contou com o
voto contra do PCP e que só serviu para dar borlas fiscais às grandes empresas.
Falamos de situações como o escândalo da venda das concessões sobre as barragens da Terra de Miranda,
um negócio entre a EDP (Energias de Portugal) e a ENGIE, de 2200 milhões de euros, que, com a complacência
e apoio do Governo, continua a não pagar o imposto devido, além de contribuir para a segmentação da rede
fundamental electroprodutora.
Falamos mesmo em relação à contribuição extraordinária sobre a banca, criada com o propósito de garantir
um contributo deste setor, no momento em que todos os portugueses enfrentavam enormes sacrifícios, e que,
hoje, serve para dar à banca um privilégio que mais nenhum outro setor tem: um imposto diretamente
consignado à resolução do próprio setor.
Falamos, ainda, das taxas liberatórias, da não aplicação do englobamento obrigatório a partir de determinado
nível de rendimento, o que faz com que rendimentos do trabalho sejam tributados a taxas médias muito
superiores às dos rendimentos de capital, problemas a que o Governo não quis dar uma solução que fosse para
além do simbólico.
Este é o cenário do regime fiscal de privilégio de que os grandes grupos económicos continuam a beneficiar,
ao passo que os trabalhadores, os pensionistas e as pequenas empresas continuam a suportar elevados
encargos fiscais, não só no IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), agravado para os
rendimentos mais baixos, por via da rejeição, ao longo dos anos, das propostas do PCP para aumentar o mínimo
de existência e a dedução específica, mas também no IVA (imposto sobre o valor acrescentado), em que bens
essenciais como a energia elétrica e o gás continuam a ser taxados a 23%, em vez de 6%, ou ainda nos
combustíveis, sem que haja medidas de alívio fiscal conjugadas com a fixação de um regime de preços máximos.
A proposta de lei, prolongando algumas contribuições, não altera este quadro de uma política fiscal forte com
os fracos e fraca com os fortes.
Aplausos do PCP e do PEV.
Entretanto, assumiu a presidência o Presidente, Eduardo Ferro Rodrigues.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PSD, o Sr. Deputado Duarte Pacheco.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A apresentação desta proposta de lei prova, à saciedade, a complexidade do sistema fiscal português. Se
tivéssemos um sistema fiscal simples, com impostos e as suas taxas, todos sabíamos o que tínhamos de pagar,
um investidor sabia o que tinha de pagar, de uma forma clara e transparente.
Não tem sido essa a prática do legislador português: contribuições extraordinárias que, depois, passam a
permanentes; adicionais sobre a contribuição extraordinária; adicionais aos impostos; contribuições especiais…
E, Sr. Secretário de Estado, se precisar, a língua portuguesa é rica e pode encontrar ainda outros adjetivos para
criar mais impostos para as pessoas e as empresas pagarem.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Muito bem!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Infelizmente, não há coragem para dizer «nós precisamos de dinheiro, nós queremos dinheiro, queremos cobrar mais e por isso mesmo é que precisamos de manter ad aeternum taxas,
contribuições, adicionais», que foram criados, muitas vezes, para serem pontuais. E por isso mesmo é que
atingimos a mais alta carga fiscal de sempre em Portugal.
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade!
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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Ora bem, chegados aqui, o Governo confrontou-se com a realidade de que estas contribuições caducavam e daí a necessidade de clarificar e prolongar no tempo a sua existência. E,
rapidamente, porque não pode abdicar desta receita, traz uma proposta de lei ao Parlamento.
Paradoxalmente, só se preocupou em querer «clarificar», nas palavras do Sr. Secretário de Estado, ou
prolongar no tempo as contribuições em relação às quais podíamos correr o risco de se entender que caducavam
a partir do dia 1 de janeiro — «aquilo que for para sacar ao contribuinte, à empresa ou à família, vamos já
apresentar, não vá o diabo tecê-las».
Por outro lado, quanto a outras medidas que são a favor das famílias ou das empresas, e em relação às
quais também podem existir dúvidas sobre se se prolongam ou não no tempo, já essa preocupação não esteve
na mente do Governo ao apresentar esta proposta de lei. Quer que dê um exemplo? O não aumento das custas
processuais. Se isto não estiver previsto na proposta de lei, são automaticamente aumentadas no dia 1 de
janeiro.
O Sr. Afonso Oliveira (PSD): — Bem lembrado!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Isto prova como o Governo tem dois pesos e duas medidas: «O que for para arrecadar, vamos já fazer; o que for a favor das famílias ou das empresas, logo se vê, e se não for feito
melhor, porque as pessoas até pagam mais».
Aplausos do PSD.
E é por isso, Sr. Secretário de Estado, que dizemos que nada do que venha de propostas do Governo é
neutro. Temos de ter sempre todos os sentidos em alerta, ler nas linhas e nas entrelinhas, porque estamos
habituados à vossa posição, que é muito clara: sacar o máximo, ter a carga fiscal no máximo.
Aplausosdo PSD.
OSr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Cecília Meireles, do Grupo Parlamentar do CDS-PP.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que a primeira coisa que é importante esclarecer relativamente a esta proposta é o facto óbvio de o
Orçamento do Estado para 2022 não ter passado.
Portanto, o que estamos a discutir é uma espécie de micro Orçamento do Estado para 2022, aliás, é como
se o PS dissesse «bom, em relação ao Orçamento na sua generalidade não nos conseguimos pôr de acordo,
mas em relação a isto deve haver acordo da geringonça e, vai daí, vamos propor um Orçamento apenas do
ponto de vista das receitas».
Ora, Sr.as e Srs. Deputados, se um Orçamento tem receitas e tem despesas não é por acaso. Só faz sentido
o Estado cobrar receitas, cobrar impostos se for para, depois, ter despesas, podendo o Parlamento avaliar para
onde vai esse dinheiro. O que o Governo vem pedir é uma prorrogação e um cheque em branco, dizendo «para
cobrar, conseguimos entender-nos, depois, não havendo acordo quanto à forma como vamos gastar o dinheiro,
logo decidiremos durante a campanha eleitoral». Peço muita desculpa, mas cheques em branco não me
parecem muito sensatos.
Na altura em que o Orçamento não foi aprovado, tudo o que se ouvia dizer era: «Não sabemos como vamos
executar fundos europeus. Atenção que está aí o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e, sem Orçamento,
não se sabe como se vai executar fundos europeus». Curiosamente, o que aparece aqui de urgente não é nada
relativamente à execução de fundos europeus, mas, sim, a cobrança de impostos e contribuições
extraordinárias. Não deixa de ser muito relevante quais são as prioridades que aparecem nesta proposta.
Outra coisa que importa dizer é o seguinte: o que estamos a discutir são contributos de natureza
completamente diferente. O primeiro é de 2010 e os últimos são de 2020, portanto há um intervalo de 10 anos
entre eles. Alguns têm justificação porque o País atravessava uma situação muito difícil — parece-me que agora
não atravessa —, outros têm justificação porque serviam para determinados fundos e outros têm justificação
ambiental. São casos muito diferentes.
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O que o Governo vem propor não é que estes contributos sejam analisados e se decida o que é para ser
ordinário, o que é para ser para sempre e o que é para ser excecional, de modo a que, quando desapareça a
situação excecional que os justificam, sejam retirados do ordenamento jurídico. O que o Governo vem propor é:
«Vamos prorrogar isto mais um ano e, depois, logo se vê e vemos como é que fica». Isso é um cheque em
branco e cheques em branco não podemos passar.
Aplausosdo CDS-PP.
OSr. Presidente:— Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Vera Braz, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Vera Braz (PS): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, começa esta intervenção com um valor: 400 milhões de euros. É este o valor que está em causa com a proposta apresentada
pelo Governo.
Sr. Deputado Duarte Pacheco, não é o Governo que não abdica desta receita, são os portugueses que não
abdicam desta receita extraordinária de 400 milhões de euros, os quais contribuem para a sustentabilidade de
áreas tão importantes como o setor energético, como a segurança social ou como o Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Vera Braz (PS): — Aproveito para questionar o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, que certamente terá oportunidade de responder mais tarde, em qual destas áreas é que cortaria se não tivéssemos
estas contribuições extraordinárias.
Quanto ao Serviço Nacional de Saúde, gostava de referir a relevância do financiamento do fundo para
medicamentos inovadores, um verdadeiro contributo de desbloqueio à investigação e à inovação terapêutica
para medicamentos tendencialmente caros e que melhoram a qualidade de vida dos doentes. Todos nos
recordamos, certamente, do caso da bebé Matilde, que necessitava do medicamento mais caro do mundo e que
mobilizou o País, tendo conseguido uma comparticipação a 100% pelo Estado português.
O Sr. João Paulo Correia (PS): — Bem lembrado!
A Sr.ª Vera Braz (PS): — É disto que se trata: permitir a continuidade da cobrança de valores que possibilitam manter a adoção de políticas que beneficiem as pessoas.
Esta proposta e consequente discussão sobre as contribuições — algumas remontam a 2010, outras a 2014,
estas últimas criadas por um Governo PSD/CDS, e têm vindo a ser prorrogadas em todos os Orçamentos, tendo
apenas duas sido criadas no ano passado — só existe porque nos encontramos num vazio provocado pela não
aprovação do Orçamento do Estado para 2002, à qual o PS é alheio e cujo risco de não continuidade de medidas
e políticas essenciais para melhorar a qualidade de vida dos portugueses será imputado àqueles que votaram
contra este Orçamento.
Este Governo não se demite das suas responsabilidades. Consciente da exigência da sustentabilidade dos
compromissos assumidos em áreas tão importantes, o Governo apresenta esta proposta para garantir uma
segurança jurídica quanto à manutenção das contribuições exigidas e para não colocar em causa a realização
desta despesa, em que, reforço, os prejudicados pela sua não realização seriam os portugueses, o seu bem-
estar e a sua qualidade de vida.
Aplausosdo PS.
OSr. Presidente:— Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda não se opõe a estas contribuições, pois elas são importantes. Penso que estejam
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relativamente consolidadas no sistema, embora sob a forma de contribuição extraordinária. E são anualmente
renovadas no Orçamento do Estado.
Três destas contribuições foram criadas pelo Governo PSD/CDS, portanto penso que a direita concordará
com elas, até porque as criou. Apesar de as restantes terem sido criadas posteriormente, pelo menos o caso da
contribuição da banca, julgo que o Governo PSD/CDS conviveu bem com elas ao longo do seu mandato.
Estas contribuições estão relativamente estabilizadas no sistema fiscal, em sentido lato, e as suas verbas
têm um destino. Não se trata de nenhum cheque em branco, trata-se de contribuições estabelecidas que têm
uma fonte de receita e um destino associado.
Estas contribuições financiam o Estado e permitem uma distribuição do esforço fiscal de forma mais justa.
Ao contrário do que foi dito, em que afirmaram que estas contribuições servem para tirar dinheiro às pessoas ou
para aumentar a carga fiscal sobre as pessoas, recordo que estamos a falar não de pessoas mas do setor
bancário, do setor farmacêutico, da indústria de dispositivos médicos e da CESE (contribuição extraordinária
sobre o setor energético), ou seja, das grandes produtoras elétricas. É destas «pessoas» que a direita está a
falar, pretendendo impedir que se cobre tais contribuições.
Gostaria, ainda, de referir uma questão sobre a banca e a tal contribuição que servia para financiar o Fundo
de Resolução. Depois de tantas discussões que o Governo teve, dizendo que era a banca que financiava o
Fundo de Resolução, que não era dinheiro do Estado que financiava o Fundo de Resolução, afinal, o Governo
vem pedir à Assembleia da República para renovar um imposto que é receita do Estado e esta, depois, vai ser
enviada para o Fundo de Resolução a título de pagamento da dívida que a banca tem ao Fundo de Resolução.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Pois claro!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Secretário de Estado, é necessário esclarecer este ponto. De duas, uma: ou é a banca que paga ao Fundo de Resolução ou, então, é um imposto que o Estado cobra à banca — o
qual, aliás, foi criado antes do Fundo de Resolução ter sido criado — e depois é enviado para o Fundo de
Resolução a título de pagamento da dívida.
Além desta pequena questão, termino dizendo que estas medidas são justas. Uma vez que o Governo pede
e entende que precisa de segurança jurídica para poder proteger o Estado na sua cobrança, que também é
justa, consideramos que não há razão para não conceder essa segurança jurídica ao Governo.
Aplausosdo BE.
OSr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo.
Em primeiro lugar, o adicional de ISP trata-se de um adicional criado em 2004 e que está incorporado nas
taxas unitárias deste imposto. Significa isso que, todos os anos, o que é proposto no Orçamento de Estado é
uma norma de consignação até a um limite de 30 milhões de euros deste adicional de ISP ao Fundo Florestal
Permanente. Portanto, não há outra razão por parte do Governo que não seja a da desnecessidade de assegurar
essa receita, porque já está incorporada nas taxas unitárias de ISP.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, sim, esta é uma proposta de lei que confere segurança jurídica e não coloca
em causa os litígios do Estado, antes pelo contrário. A segurança jurídica que está em causa é no sentido da
previsibilidade para os destinatários destas contribuições, porque, se acaso esta norma não tivesse sido
expressamente chumbada, nós não teríamos necessidade de vir ao Parlamento apresentá-la, como, aliás,
aconteceu no Orçamento de Estado para 2020, que foi apresentado antes de 31 de dezembro mas foi apenas
aprovado em momento posterior.
O que está em causa é o facto de o Parlamento, legitimamente, ter decidido chumbar o Orçamento do Estado.
Juntamente com o chumbo do Orçamento do Estado, estas contribuições também foram chumbadas, o que
poderia dar azo, junto dos destinatários das contribuições, à ideia de que o legislador pretendia eliminar estas
contribuições. Foi para desfazer este grau de incerteza que apresentámos esta proposta ao Parlamento.
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O Sr. Deputado Nelson Silva levantou algumas questões que importa esclarecer. Sr. Deputado, no que diz
respeito à contribuição sobre os dispositivos médicos, está prevista, expressamente, a dedução dos custos com
a inovação. Por isso, a preocupação do Sr. Deputado já se encontra na lei. Por outro lado, também está prevista
na lei a não incidência subjetiva desta contribuição para todos aqueles que façam acordos de preços com o
Serviço Nacional de Saúde. Portanto, chegando a acordo de preços com o SNS, ficam dispensados de fazer o
pagamento desta contribuição, tal como acontece com a contribuição sobre a indústria farmacêutica. Penso que
o Sr. Deputado fica, assim, com as suas questões esclarecidas.
Depois, houve um conjunto de questões colocadas, em particular pelas bancadas da direita, que me deixaram
extremamente espantado.
O Sr. Deputado Duarte Pacheco usou a expressão «sacar ao contribuinte». Queria perguntar ao Sr. Deputado
se também usou essa expressão quando o seu Governo — repito, o seu Governo — criou a contribuição sobre
o setor da indústria farmacêutica, a contribuição sobre o setor elétrico e o adicional do IUC. Foi o PSD que criou
estas contribuições, Sr. Deputado!
Aplausosdo PS.
A seriedade política manda que o Sr. Deputado diga aqui se acha que, quando o Sr. Secretário de Estado
Paulo Núncio veio ao Parlamento (penso que o Sr. Deputado já era Deputado nessa altura) propor a introdução
de um adicional do IUC sobre as viaturas ligeiras com motor diesel que utilizassem gasóleo — e referiu que
seria para compensar a diferença de tributação de gasóleo face à gasolina em sede de ISP, uma vez que, como
também referiu, a gasolina é fortemente tributada, e, assim, com este aumento do IUC, estaria prevista a
compensação parcial dessa diferença, ou seja, tudo aquilo que agora os Srs. Deputados dizem estar contra —,
estavam ou não estavam a «sacar aos contribuintes» ou se, pelo contrário, aprovaram apenas aquilo que o
governante do seu Governo pediu ao Parlamento.
Sr.ª Deputada Cecília Meireles, não há cheques em branco. Em democracia, não há cheques em branco.
O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Há, há!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais: — A Sr.ª Deputada está no seu direito de querer chumbar a contribuição sobre o setor elétrico e a contribuição sobre o setor bancário. Está no seu direito!
Só não pode dizer é que não sabe para onde esse dinheiro vai.
Nos últimos quatro anos, 500 milhões de euros da CESE foram para a diminuição do défice tarifário. Repito:
500 milhões de euros, Sr.ª Deputada.
Relativamente a todo o dinheiro sobre a contribuição do setor bancário — Sr.ª Deputada Mariana Mortágua,
não precisamos de estar sempre em desacordo, não tenha vergonha disso —, tal é uma receita consignada ao
Fundo de Resolução.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Exato!
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais: — Sr.ª Deputada Cecília Meireles, não há cheques em branco. É para o Fundo de Resolução fazer face a situações sistémicas do próprio setor bancário.
Sr.as e Srs. Deputados, nós não vimos ao Parlamento pedir a aprovação de normas relativamente à receita
e esquecer-nos de outras normas que sejam mais favoráveis aos contribuintes. Não, Srs. Deputados. O que
estamos aqui a fazer é um exercício de grande responsabilidade, porque o Governo está em funções — e está
em plenitude de funções.
Em função da irresponsabilidade do chumbo do Orçamento do Estado, viemos aqui para: renovar aquilo que
são contribuições que se destinam a aliviar os encargos do SNS, seja com medicamentos seja com dispositivos
médicos; aliviar os encargos das famílias e das empresas com a eletricidade e com a energia, canalizando, por
isso, o dinheiro destas contribuições para a energia; aliviar a segurança social, depois da crise pandémica, com
o adicional sobre o setor bancário; e continuar a ter condições para fazer aquilo que a direita não tinha feito e
que nós conseguimos fazer nestes seis anos, que foi a estabilização do sistema financeiro, e daí essa
contribuição do setor bancário.
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18 DE NOVEMBRO DE 2021
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Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, com a mesma responsabilidade de sempre, com o mesmo equilíbrio de
sempre, aqui está o Governo do PS a responder perante o País, que é isso que se nos exige, e não a responder
perante a demagogia da direita, que agora se esquece de tudo aquilo que fez quando estava no Governo e que
apenas pensa em eleições, sejam elas quais forem.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Duarte Pacheco pediu a palavra, mas não tem tempo para o efeito.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Não tem, não!
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Duarte Pacheco (PSD): — Sr. Presidente, tem razão, não tenho tempo, mas o que eu queria era que a Mesa pudesse explicar ao Sr. Secretário de Estado que, de acordo com as nossas regras, após a intervenção
de encerramento, não lhe posso responder por que razão criticámos que tenha passado a definitivo aquilo que
era temporário.
Aplausos de Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: — Isto foi claramente uma interpelação sobre a condução dos trabalhos, Sr. Deputado. Não havendo mais inscrições, vamos passar às votações que constam do guião. Estão inscritos 214 Srs.
Deputados, pelo que temos um quórum de deliberação bastante forte.
Vamos começar por votar, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 1014/XIV/3.ª (PCP) — Regime extraordinário
de proteção e apoio aos inquilinos.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP e do IL, votos a favor do
BE, do PCP, do PAN, do PEV e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e a abstenção da Deputada
não inscrita Cristina Rodrigues.
Passamos à votação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 119/XIV/3.ª (GOV) — Procede à regulação da
aplicação de contribuições especiais para o ano de 2022.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do BE, do PCP, do PAN, do PEV e das
Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira, votos contra do CDS-PP e do IL e a
abstenção do PSD.
Este diploma baixa à 5.ª Comissão.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, quero colocar-lhe uma questão objetiva, que é a de saber como é que o Sr. Presidente registou os votos do Chega nestas duas votações.
O Sr. Presidente: — Não registei, porque o Sr. Deputado do Chega não está presente.
O Sr. João Oliveira (PCP): — É que, no quadro eletrónico, na verificação do quórum, consta o Sr. Deputado André Ventura como estando presente. Mas eu não o vi votar em iniciativa alguma.
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I SÉRIE — NÚMERO 24
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O Sr. Presidente: — Sabe que esta «eletrónica» tem muito que se lhe diga. É muito estranho. Mas eu disse claramente que o Sr. Deputado do Chega não se encontrava na Sala. Aliás, como todos
percebem, faria uma grande diferença no resultado final da votação!…
A Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha vai, agora, fazer um anúncio. Tem a palavra.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, é apenas para informar a Câmara de que a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP, esteve presente na sessão plenária através de
videoconferência, em virtude de se encontrar em isolamento profilático.
O Sr. Presidente: — Concluídos os nossos trabalhos por hoje, resta-me anunciar que a próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, e que a ordem do dia, fixada pelo Bloco de Esquerda, constará da
apreciação do Decreto-Lei n.º 30/2021, de 7 de maio, que procede à regulamentação da Lei n.º 54/2015, de 22
de junho, no que respeita aos depósitos minerais [Apreciações Parlamentares n.os 48/XIV/2.ª (BE), 49/XIV/2.ª
(PCP e PEV) e 50/XIV/2.ª (PSD)].
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.