Página 1
Sexta-feira, 4 de março de 2022 I Série — Número 35
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
COMISSÃO PERMANENTE
REUNIÃODE3DEMARÇODE 2022
Presidente: Ex.mo Sr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a reunião às 15 horas e 1
minuto. Foi anunciado o cancelamento da deslocação do
Presidente da República ao Dubai. Ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 224.º do
Regimento, procedeu-se a um debate, com a participação da Ministra da Agricultura e do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, sobre a situação de seca em Portugal, tendo usado da palavra, além do Ministro (João Pedro Matos Fernandes)
e da Ministra (Maria do Céu Antunes), os Deputados Catarina Rocha Ferreira e Luís Leite Ramos (PSD), Pedro Filipe Soares (BE), Alma Rivera e João Dias (PCP), Cecília Meireles (CDS-PP), Inês de Sousa Real (PAN), Mariana Silva (PEV), André Ventura (CH), João Cotrim de Figueiredo (IL) e Hugo Pires e Pedro do Carmo (PS).
O Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 1 minuto.
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 35
2
O Sr. Presidente: — Boa tarde, Srs. Membros da Comissão Permanente da Assembleia da República. Vamos começar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 1 minuto.
Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para dar uma informação à Câmara.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde, a todas e a todos. Passo a informar que a deslocação de Sua Excelência o Sr. Presidente da República ao Dubai foi cancelada.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, que consta do debate, com a participação da Ministra da Agricultura e do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, sobre a situação de seca
em Portugal.
Aproveito para cumprimentar a Sr.ª Ministra, o Sr. Ministro e os Srs. Secretários de Estado aqui presentes.
Neste período de abertura do debate, que é de 10 minutos, os Srs. Ministros irão intervir dividindo o tempo
entre ambos e, depois, os grupos parlamentares poderão dirigir as suas perguntas a um ou a outro, ou a ambos,
conforme entenderem.
Para não perdermos mais tempo, passamos já à intervenção do Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática (João Pedro Matos Fernandes): — Ex.mo Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A seca em Portugal não é conjuntural, é estrutural. O vale do Tejo traça uma linha a
meio do nosso País que determina a distribuição de água: a sul, a escassez e a intermitência; a norte, maior
disponibilidade, mas cada vez mais rarefeita. É mesmo esta a nossa condição e os estudos não nos deixam
dúvidas. Nos últimos 20 anos, a precipitação em Portugal e Espanha diminuiu cerca de 15%, prevendo-se que
diminua entre 10% e 25% até ao final do século, e há até cenários piores do que este.
A adaptação, uma das palavras-chave do Acordo de Paris, significa a necessidade de nos aclimatarmos.
Temos de nos adaptar às novas condições provocadas pelas alterações climáticas, não é o território que tem
de se adaptar a nós. Isto significa vivermos com menos chuva, menos água nas barragens, menor
disponibilidade nos aquíferos e mais incerteza na distribuição da chuva ao longo do ano, das estações e até dos
dias.
Temos, assim, de ser cada vez mais parcimoniosos no uso da água. Temos de a poupar em casa, temos de
a preservar nas suas fontes, temos de a usar regradamente na agricultura, temos de a devolver em bom estado
aos cursos dos rios depois de usada, temos de a saber reutilizar para finalidades que não exijam a sua
potabilidade. São estes os princípios que têm guiado a nossa ação.
Para que água de elevada qualidade chegue à nossa casa em segurança foram investidos, em 25 anos, ao
longo de vários Governos, mais de 13 000 milhões de euros, uma média de cerca de 500 milhões de euros
anuais. No âmbito do PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos),
para reforçar o abastecimento, diminuir as perdas e tratar os efluentes foram mobilizados 560 milhões de euros
de fundos europeus que garantiram o financiamento a 940 operações no continente português.
Estes investimentos permitiram construir ou remodelar mais de 3300 km de rede de drenagem, 317 ETAR
(estações de tratamento de águas residuais), melhorando o serviço de abastecimento e de saneamento a mais
de 4,6 milhões de portugueses, quase metade da população nacional.
Entre 2015 e 2020, foram reabilitados cerca de 1400 km de rios e ribeiras e foram investidos — ainda o estão
a ser — 160 milhões de euros na rede hidrográfica. As principais intervenções tiveram como objetivo a proteção
e valorização dos recursos hídricos, tendo por base medidas que garantissem o escoamento das linhas de água,
a minimização da erosão, das cheias e das inundações e, também, o uso balnear. Este extraordinário esforço
permitiu-nos aumentar a resiliência dos sistemas de abastecimento às mudanças rápidas a que assistimos.
Podemos também relembrar outras medidas que tomámos com o mesmo propósito: a revisão das licenças
de emissão no meio hídrico, para adaptar a atividade industrial às disponibilidades hídricas sazonais; a limpeza
do leito do rio Tejo em Vila Velha de Ródão; os investimentos no reforço do sistema de diques do Baixo Mondego;
Página 3
4 DE MARÇO DE 2022
3
o reforço das interligações do Alentejo, levando a água do Alqueva a mais locais e reforçando a segurança do
abastecimento na zona mais afetada pela seca.
E no futuro? Os investimentos em abastecimento e saneamento passarão de 875 milhões de euros, no atual
quadro, para mais de 1000 milhões de euros no próximo quadro comunitário de apoio. Teremos 14 vezes mais
fundos — passando de 4 para 57 milhões de euros — para apoiar a reutilização de águas residuais, dando um
impulso decisivo a esses projetos.
Sr.as e Srs. Deputados, a água é circular, por natureza. Transforma-se uma e outra vez, regenerando-se
continuadamente de diferentes formas. No entanto, a sua sobreutilização e degradação impõem-nos um teto
ecológico e a necessidade imperativa de usar a água de forma integrada, desde a sua gestão territorial e
valorização até à sua utilização na indústria e em casa. Por isso, uma parte substancial dos 200 milhões de
euros de eficiência hídrica do Algarve — a zona do País mais afetada pela escassez hídrica — é dedicada à
reutilização de água e à diminuição de perdas. O ponto de situação é o seguinte: já foi lançado o primeiro aviso
para a redução de perdas no setor urbano, com a dotação de 14 milhões de euros, e todos os outros projetos
estão em curso.
Sr.as e Srs. Deputados, para concluir, é conhecida a hierarquia de usos que estabelecemos para a água num
quadro de escassez deste recurso. Primeiro, e antes de todos os outros, está o consumo humano e por isso
estabelecemos quotas mínimas nas albufeiras, limitando outros usos naquelas que se aproximam deste limiar
de segurança.
A situação tem sido acompanhada, dia a dia, pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e nessas
barragens o volume de água está a recuperar — lentamente, mas está a recuperar. Aconselham-nos a prudência
e a defesa do bem público que estas limitações se mantenham enquanto a situação nestas barragens não se
alterar. Dependendo das chuvas desta primavera, e neste momento a perspetiva é mais otimista do que há duas
ou três semanas, poderemos modificar essas medidas, seja no sentido do seu reforço, seja no sentido do seu
aligeiramento, conforme a evolução da situação. Mas uma coisa é certa, o uso principal e mais nobre, o do
consumo humano, está assegurado por dois anos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Ainda no uso do tempo inicial atribuído ao Governo, tem a palavra para uma intervenção a Sr.ª Ministra da Agricultura.
Faça favor, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura (Maria do Céu Antunes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, boa tarde, a todas e a todos.
Atravessamos um contexto difícil, ainda marcado pela recuperação dos efeitos da pandemia e pelo aumento
dos custos de produção, e a seca que assola Portugal e Espanha veio agravar a instabilidade dos tempos. Por
isso, o Governo monitoriza a situação a todo o tempo.
No que diz respeito às albufeiras hidroagrícolas, importa clarificar e esclarecer que, das 44 existentes, a
maioria tem a campanha de rega assegurada desde que seja garantido o uso eficiente e sustentável da água.
Apenas três albufeiras representam situações críticas: Bravura, Campilhas e Monte da Rocha. Graças à ligação
ao Alqueva, Vigia, Odivelas, Roxo e Fonte Serne não estão em situação de risco. Aliás, quero dizer que, pela
primeira vez, Fonte Serne recebe água a partir do Alqueva — um reforço que foi feito através do Programa
Nacional de Regadios. Todas estas situações são acompanhadas em permanência.
No seguimento das reuniões das subcomissões regionais e de gestão das albufeiras, definiram-se diversas
medidas, algumas das quais quero destacar. Relativamente a Bravura, foi decretada a suspensão de todos os
usos, exceto o do abastecimento público, até ao final de março, a realização, com urgência, do levantamento
topobatimétrico da área inundada para se conhecer melhor a área hídrica reservada ao chamado «volume
morto» e a impermeabilização do canal do perímetro de rega do Alvor, para a redução de perdas.
No que se refere a Campilhas, foi decretada a ativação de um plano de contingência para a situação de seca,
assegurando o abastecimento público para dois anos e a rega das culturas permanentes. E, em relação a Monte
da Rocha, foi decretado o reforço das disponibilidades hídricas a partir de Alqueva por parte do bloco de rega,
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 35
4
mas também a ligação de Alqueva a esta albufeira através do projeto do circuito hidráulico de Messejana previsto
no Programa Nacional de Regadios, no terceiro aviso em concurso.
Neste contexto, assinei ontem mesmo o despacho através do qual reconhecemos a existência de uma
situação de seca severa e extrema e que vai permitir operacionalizar medidas mitigadoras do efeito da seca,
bem como acionar um conjunto de derrogações aos compromissos assumidos pelos agricultores no âmbito das
ajudas diretas e de superfície. Além disso, estão já a ser implementadas diversas medidas para mitigar os efeitos
negativos da seca na atividade agrícola.
A situação do Algarve é a que mais nos preocupa, pelo que já está a ser implementado o Plano de Eficiência
Hídrica naquela região. No que toca à agricultura, estão a ser investidos cerca de 17 milhões de euros no âmbito
do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), aos quais acresce cerca de 1 milhão de euros do Programa de
Desenvolvimento Rural, e quero destacar a recuperação do furo em Luz de Tavira, a reparação da descarga de
fundo da barragem da Bravura, a modernização da rede de distribuição do aproveitamento hidroagrícola do
Alvor e a construção da ligação do adutor do Funcho ao aproveitamento hidroagrícola de Silves, Lagoa e
Portimão.
Simultaneamente, e em conjunto com Espanha, apresentámos à Comissão Europeia um pacote de
intervenções de apoio aos agricultores ibéricos, de entre as quais quero destacar o reforço da percentagem dos
adiantamentos relativos aos pagamentos a realizar em outubro, no âmbito das ajudas diretas e das medidas de
superfície no desenvolvimento rural, para permitir uma nova medida, temporária e excecional, com recurso aos
fundos do desenvolvimento rural, de apoio ao rendimento dos agricultores e produtores pecuários afetados.
Contudo, e porque as alterações climáticas são fenómenos extremos cada vez mais recorrentes, é
necessário apostar em políticas estruturais enquadradas numa estratégia global. Por isso, foi e é tão importante
o Programa Nacional de Regadios, que, com um investimento de cerca de 560 milhões de euros, quer criar mais
resiliência aos efeitos das alterações climáticas modernizando os sistemas existentes.
A par do reforço do regadio público coletivo, eficiente e sustentável, lançámos apoios direcionados à
construção de charcas privadas, permitindo aos agricultores que aumentassem a capacidade de
armazenamento de água, e, com vista a definir a próxima etapa de um programa nacional de regadios,
encomendámos um estudo para suportar o levantamento do potencial do regadio de iniciativa pública, com o
horizonte de uma década. Neste contexto, são previstos investimentos em cerca de 750 milhões de euros,
metade para continuarmos a modernizar sistemas existentes e outro tanto para podermos construir novos
sistemas sempre que isso se justifique.
Convictos de que importa garantir uma transição justa e inclusiva, sem efeitos disruptivos, fechámos o acordo
da PAC (política agrícola comum), um dos mais ambiciosos das últimas décadas. A proposta do Plano
Estratégico Nacional apresentada à Comissão materializa esta ambição de compromisso com os portugueses,
com os agricultores, designadamente através da criação de regimes ecológicos e medidas agroambientais que
querem promover a melhoria dos solos, o uso sustentável dos recursos — entre os quais a água, um dos nossos
maiores ativos —, o apoio ao investimento verde, à tecnologia de precisão dos sistemas de rega, ao regadio
coletivo e também ao novo instrumento, o Fundo de Emergência Rural.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Vou concluir, Sr. Presidente. Queremos continuar a apostar no conhecimento, na tecnologia, e foi por isso que, no âmbito do PRR, já
abrimos avisos que mobilizam 400 empresas no sentido de darem respostas efetivas à adaptação às alterações
climáticas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para iniciar o debate e fazer perguntas pelo Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Ex.mo Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.as e Srs. Deputados, o tema que traz os Srs. Ministros a esta Assembleia, a seca, além de ser muito grave, pode ter consequências ainda
Página 5
4 DE MARÇO DE 2022
5
mais profundas e devastadoras do que no passado, em outras secas meteorológicas. Desde logo, porque, de
acordo com dados da meteorologia, há já zonas do País, em especial no sul, onde se atingiu o ponto de
emurchecimento permanente. Aliás, analisando o passado mês de fevereiro, foi visível a falta de água no campo,
nas barragens e no desenvolvimento vegetativo das plantas.
Não espanta, por isso, que o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) tenha anunciado que 91%
do território estava em seca severa e extrema, registando um valor médio mensal de apenas 7% do valor médio
de precipitação ocorrido entre 1971 e 2000. Mais, nos vários modelos numéricos prevê-se um agravamento da
seca, nos próximos meses, em todo o País, incluindo nas regiões mais a norte. Perspetiva-se, portanto, um
desafio inédito em termos agrícolas e não só, porque, neste momento, a gravidade da seca tem a agravante de
coincidir com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, dois dos principais países produtores de cereais, com e sem
grão, fornecedores da União Europeia.
Assim, diria que estamos perante uma tempestade quase perfeita. A falta de matérias-primas, tais como
cereais e carnes, provenientes destes países devido a bloqueios e sanções económicas, a escalada dos preços
dos fatores de produção e a redução da produção agrícola devido à falta de água conduzirão a uma pressão
muito forte nos preços agrícolas e, quem sabe, a uma escassez como há muito não se via na Europa.
Srs. Deputados, Srs. Ministros, o PSD não tem, tal como nunca teve, uma postura de culpabilização.
Contudo, não pode deixar de expressar a enorme preocupação com as respostas de política pública anunciadas
e assumidas até ao momento pelo Governo para o gigante problema da seca.
Sobre as medidas já anunciadas, tenho três perguntas muito concretas. Qual o montante global disponível
para as medidas já anunciadas pela Sr.ª Ministra da Agricultura? Quem são os principais agentes elegíveis para
os apoios definidos? E quando entram em vigor esses apoios, ou seja, quando estarão eles disponíveis para os
agricultores, especialmente para os mais penalizados, como é o caso dramático de quem tem animais?
Sr.ª Ministra, o PSD entende que o problema na agricultura está a assumir proporções de catástrofe e, como
tal, é urgente a atuação imediata da política pública com compensações e apoios financeiros.
Contrariamente ao que o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos afirmou há poucos dias, a situação não é
meramente conjuntural e assume perigos reais para a população em geral. Não se pode, por isso, esperar por
decisões administrativas ou formais. É necessário que o atual Executivo encontre medidas e que as implemente
com a maior urgência.
Queria ainda aproveitar a oportunidade para questionar a Sr.ª Ministra da Agricultura sobre as medidas de
apoio que serão delineadas para empresas exportadoras para a Rússia, cujo mercado se encontra encerrado.
Por fim, tenho de lamentar o facto de, durante os últimos seis anos de governação socialista, o Ministério da
Agricultura não ter planeado uma gestão da água em Portugal. Esperemos que surja agora, no novo Governo,
a vontade política — que até agora não existiu! — de se assumir este desafio, valorizando a agricultura na
própria valorização do interior.
Esperemos que o PRR e os próximos fundos comunitários sejam uma oportunidade para se desenhar uma
verdadeira política da água em Portugal, construindo, por exemplo, uma autoestrada da água que permita a sua
transferência de norte para sul e para o interior.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço as suas questões e gostaria de começar por dizer que a juntar a uma pandemia — que ainda não nos deixou — veio uma seca e, agora, uma
crise como a que estamos a viver na Europa.
De facto, a política agrícola comum foi criada há muitos anos, precisamente para a Europa fazer face a um
pós-guerra em que não tinha a capacidade de alimentar os seus cidadãos. Este foi um dos primeiros projetos,
se é que não foi mesmo o primeiro, que nos uniu a todos em torno da necessidade de alimentar uma população
que precisava de sair de um pós-guerra. Tal como o fizemos no passado, também o vamos continuar a fazer,
agora e no futuro.
Ontem mesmo, tivemos reunião do Conselho de Ministros da Agricultura dos Estados-Membros e pedimos à
Comissão que acelerasse todas as medidas que ficou de apresentar até segunda-feira, acionando o que está
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 35
6
previsto em termos regulamentares na Organização Comum de Mercados, e que deixasse cada um dos
Estados-Membros acionar medidas excecionais e temporárias para fazer face aos impactos, não só da seca —
tal como já tínhamos pedido no último Conselho de Ministros — como também da situação em que agora nos
encontramos.
Portanto, queremos chegar junto dos agricultores com medidas concretas, com valores concretos, e sabemos
bem a quem queremos chegar. Sabemos que quem mais está a ser afetado com esta seca é o setor pecuário,
porque as culturas de outono/inverno ainda se fizeram, mas não se desenvolveram, os prados pouco cresceram
e a pastorícia faz-se com mais dificuldade, o que leva a que os animais tenham de ser alimentados com ração.
No último ano, o preço das rações aumentou 53% e o dos adubos 166%, pelo que temos de ter respostas.
Mas isso não foi só em Portugal, foi em toda a Europa. Portanto, precisamos de uma resposta coletiva da União
Europeia para podermos ajudar a criar condições que garantam a soberania alimentar, o abastecimento
alimentar de toda a Europa. É neste sentido que estamos a trabalhar e contamos, a todo o tempo, como sempre
fizemos, dizer «como», «quanto» e «para quem», sendo certo que faremos sempre este acompanhamento em
conjunto com os nossos parceiros na Europa e com as melhores respostas de acompanhamento ao setor.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Ainda para formular perguntas pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Leite Ramos.
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Agricultura, perante perguntas tão concretas e tão objetivas sobre para quem e para quando os
apoios que o seu Ministério e o Governo se comprometeram a atribuir, a Sr.ª Ministra simplesmente ignorou
todas as perguntas,…
O Sr. Adão Silva (PSD): — É verdade! Não se percebe…
O Sr. Luís Leite Ramos (PSD): — … ignorou o esclarecimento cabal das perguntas que lhe foram feitas pelo Grupo Parlamentar do PSD. Fica registado.
Naturalmente, o Governo não tem a intenção de esclarecer estas dúvidas nem de esclarecer o País, mas
continuamos a aguardar e a Sr.ª Ministra ainda tem tempo para o fazer. Portanto, se o quisesse fazer a seguir,
seria um bom serviço que prestava ao Parlamento e ao País.
Sr. Ministro do Ambiente, não posso deixar de o acompanhar quando diz, de forma singela e simples, que a
seca veio para ficar. É previsível! Por aquilo que sabemos das alterações climáticas e das transformações que
estão a acontecer, no País e no planeta, relativamente à ocorrência de eventos climáticos extremos e, sobretudo,
de um aumento substancial do impacto da seca, isso é mais do que previsível. Aliás, como já foi reiterado, esta
situação de termos quase 90% do País em seca severa ou extrema é um fenómeno perfeitamente previsível e
esperado.
Sr. Ministro, em face desta previsibilidade, o que nos espanta é que o Governo tenha lidado com esta crise
de uma forma muito lenta. Enfim, sabemos que o País está perante esta crise desde finais de novembro, que
as medidas são ad hoc e, sobretudo, que há um conjunto de disposições que refletem um navegar à vista, um
improviso, uma capacidade de ir compondo e remediando a situação, mas ao mesmo tempo uma falta estrutural
de planeamento.
As perguntas que gostaria de lhe fazer são muito simples. Perante esta sensação que o País tem de que
estamos a navegar à vista, a improvisar e, de alguma forma, a reagir, porque não fizemos no tempo certo aquilo
que tínhamos de fazer, pergunto-lhe, Sr. Ministro, qual tem sido o papel da Comissão Permanente de Prevenção,
Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca na gestão desta crise.
Sabemos que a Comissão reuniu em fevereiro, mas o último registo de reunião que existia, até há pouco
tempo, no site da APA era de 2019. Pergunto: de 2019 para cá esta Comissão não reuniu, não trabalhou, não
preparou?
Página 7
4 DE MARÇO DE 2022
7
Outra questão, Sr. Ministro, diz respeito ao Plano de Prevenção, Monitorização e Contingência para
Situações de Seca. Este Plano está atualizado à data de hoje ou do final do ano passado? Está operacional? O
Governo tem-se servido dele para tomar decisões, para implementar medidas? Se sim, quais e com que base?
A terceira questão tem que ver com a eficiência. O Sr. Ministro tem repetido — e não podemos estar mais de
acordo com a sua preocupação! — que grande parte das medidas e das estratégias para combater o problema
passa por uma utilização mais eficiente deste recurso, mas quando olhamos para o Programa Nacional para o
Uso Eficiente da Água (PNUEA) de 2020 verificamos que ele não foi revisto. É verdade, Sr. Ministro? É verdade
que o plano não está revisto?! Quando olhamos para os investimentos do PRR, vemos que só o Algarve é que
tem um plano regional de eficiência hídrica. E o resto do País? Quando é que vamos ter planos de eficiência
hídrica para as outras regiões? Ou a seca só atinge o Algarve?! Por que razão é que, no âmbito do PRR ou de
outros fundos, o Governo não decidiu implementar e mandar elaborar planos da mesma natureza? Será que
vamos ter planos similares nas outras regiões do País?
Para terminar as perguntas sobre os apoios, o Sr. Ministro anunciou que iria disponibilizar 5 milhões de euros
do Fundo Ambiental para campanhas de sensibilização e para soluções de contingência que possam ser
necessárias. A nossa dúvida, Sr. Ministro — gostava que me respondesse e que não fizesse como a Sr.ª Ministra
da Agricultura —, é a seguinte: em termos concretos, isto vai traduzir-se exatamente em quê? Quais são estas
soluções? Quais são os beneficiários? São mesmo para aplicar?
Relembro ao Sr. Ministro que, em 2018, o seu Ministério aprovou um pacote de ações de curto prazo, e cito,
«visando reforçar o armazenamento da água em 10 albufeiras», tendo disponibilizado 3,5 milhões de euros para
esta medida. Porém, segundo as informações que temos de 2019, nada foi feito. Alguma coisa foi feita neste
domínio, Sr. Ministro? O Governo tem preparado e, de alguma forma, procurado implementar as medidas
necessárias para poder combater esta crise da seca?
Mesmo para concluir, Sr. Ministro, nós sabemos que a seca veio para ficar e que o País tem de estar
preparado para enfrentar estas situações cada vez mais críticas, mas não vamos lá com anúncios e com
promessas. É preciso antecipar, é preciso planear, é preciso preparar o País, com tempo, para enfrentar a seca
porque, naturalmente, de outra forma a economia e os portugueses terão pela frente dias muito difíceis para
vencer.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Leite Ramos, começo pelo final da sua intervenção, para que não fique para o fim a pergunta que considerou que exige
respostas mais concretas.
Sr. Deputado, quando, há cerca de três anos, decidimos concentrar um conjunto de verbas do Fundo
Ambiental no apoio a soluções de emergência, as únicas que não foram concretizadas tiveram que ver com a
limpeza dos fundos das albufeiras, e por uma razão muito simples: quando começámos essa tarefa choveu
muito e não houve necessidade. Financiados por essas mesmas verbas, recordo-me, por exemplo, do
alteamento da barragem de Pretarouca, que passou a ter mais água, e do apoio aos camiões-cisterna, sobretudo
no Alentejo e, de uma maneira geral, na raia, em que houve necessidade de levar água a sítios onde os sistemas,
sendo isolados, não tinham redundâncias.
Estes 5 milhões de euros vão ser geridos pela APA. Não lhe sei dizer, com rigor, exatamente onde vão ser
aplicados, mas sei que vão ser para campanhas de sensibilização e para procurar origens alternativas,
mormente, indo buscar antigas origens públicas. Dou-lhe o exemplo concreto do Barlavento Algarvio e da
barragem da Bravura, que está exclusivamente reservada para o consumo humano e que tem água para dois
anos. Portanto, são atividades deste tipo que virão a ser financiadas por estes 5 milhões de euros.
Sr. Deputado, a Comissão Permanente da Seca tem reunido regularmente, sendo que, em mais de seis anos
que levo de Ministro, só houve um ano em que não houve seca, o ano de 2021. De facto, ao longo do ano
passado — e quando digo «ano» refiro-me, como bem sabe, ao período entre outubro de 2020 e outubro de
2021, pois é assim que se conta o ano hidrológico —, não tendo havido seca, não houve necessidade de agir
sobre ela.
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 35
8
Sr. Deputado, não consigo negar que muita da gestão é feita ano a ano e com a informação que nos chega.
São muitas as medidas de fundo? São! Já dei conta delas. Mas, de facto, há coisas que só são mesmo decididas
ano a ano, e é possível decidir ano a ano porque temos hoje muito mais informação e conhecimento do que
tínhamos.
Agir por antecipação, em algumas coisas, é inibir usos que afinal podem ser feitos. Para nós é muito claro
que o mais relevante é assegurar o consumo humano. Independentemente de qual seja a albufeira — e as
albufeiras abastecem cerca de 80% do consumo humano em Portugal —, ter uma reserva para dois anos sem
uma pinga de chuva é, mesmo, prevenir, planear e decidir com antecedência. De facto, há usos com que não
vale a pena acabar na segunda-feira, pelo simples prazer de ter a albufeira um bocadinho mais cheia, se eles
se podem prolongar até ao sábado seguinte, desde que esteja garantida — e está! — essa mesma reserva de
água.
O Algarve foi a primeira região do País a ter um plano de eficiência hídrica. Está feito! O do Alentejo está
quase feito.
No Alentejo já estava desenhado na altura, e com possibilidade de ser financiado — e a minha colega da
agricultura já falou disso —, um conjunto de ligações a partir do Alqueva e era, de facto, necessário para o
Algarve fazer esta maior concentração de verbas na perspetiva da defesa daquele mesmo território em face da
seca. Mas sempre com o propósito, e agora sou eu a citá-lo, citando-me, se me permite fazê-lo desta forma, de
assegurar que não vai haver menos água, porque é absolutamente ilusório pensarmos que vamos ter mais água.
Porque a chuva é menos no Algarve o que é que nós temos de fazer? Em primeiro lugar, e sobretudo,
aumentar a eficiência. Dei até o exemplo de 14 milhões de euros já para as redes domiciliárias e um valor
superior a esse — poderei dar-lho, se quiser! — para a agricultura e para a captação mais profunda de água na
albufeira de Odeleite e uma nova captação no Pomarão, dois grandes investimentos. Para quê? Para colocar
água no sistema de Odeleite/Beliche, porque não fazem falta barragens para estarem vazias, faz-me falta água
nas barragens que existem, a mim e penso eu que a todos.
Por isso mesmo, é essencial ter esta nova captação que tem uma vantagem muito grande: pode não ser
usada, não obriga a uma continuidade no seu uso. Pode ser usada apenas, por exemplo, de novembro até abril,
quando comummente existe uma maior disponibilidade hídrica, tendo, assim, de facto, esta grande vantagem.
A outra opção é a dessalinizadora cujo estudo de impacto ambiental agora está a iniciar-se.
Ó Sr. Deputado, nós, a cada ano, temos mesmo mais conhecimento, mas há coisas que fazemos todos os
anos. Por exemplo, em outubro procedemos, de facto, ao baixar intencional do nível de água nas barragens.
Olhe, se não o tivéssemos feito há dois anos na Aguieira e na Raiva o que teria acontecido no Baixo Mondego?
Precisamos dessa capacidade de encaixe e, precisamente, porque precisamos dessa capacidade de encaixe e
porque o passado mês de outubro foi tão chuvoso como é costume fizemos aquilo que era comum fazer-se.
Fomos logo surpreendidos em novembro, mas isto é absolutamente imprevisível. De facto, em novembro
praticamente não choveu em Portugal, em dezembro, choveu um bocadinho mais e, em janeiro, tivemos outra
vez números próximos do zero.
No entanto, sim, temos, cada vez mais, soluções de fundo que passam pelo conhecimento, não negando,
não o posso negar, que é a cada ano e a cada ciclo hidrológico que tomamos as medidas certas, de outra forma
é «morrer de véspera». E «morrer de véspera» significa inibir usos que passam por trás muito naturalmente das
perguntas que a sua colega de bancada fez.
Ora, é por isso mesmo que temos o plano certo sabendo que vamos ter cada vez menos água e que não
podemos ter a ilusão de multiplicar usos que possam necessitar dessa mesma água que não iremos ter no
futuro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para intervir e fazer perguntas, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.ª Ministra, Sr.ª e Srs. Secretários do Estado, Sr.as e Srs. Deputados, dividirei a minha intervenção em duas partes, em dois momentos diferentes,
apresentando uma pergunta ao Sr. Ministro e, a seguir, outra pergunta à Sr.ª Ministra.
Página 9
4 DE MARÇO DE 2022
9
Em relação àquilo que o Sr. Ministro acabou de dizer, que temos de estar preparados para haver menos
água no futuro, creio que essa verdade é inatacável. Ela decorre dos factos, de todos os dados científicos
disponíveis, decorre do painel das alterações climáticas, pois os cientistas já há anos têm apresentado nos seus
relatórios essa indicação, e decorre, também na mesma linha de raciocínio, de uma análise óbvia: na Europa, é
na bacia mediterrânica e particularmente em Portugal e em Espanha que os efeitos das secas se sentirão mais
no futuro.
Tudo isto que eu disse e que o Sr. Ministro acabou de dizer não é novidade hoje, não era novidade ontem,
não era novidade anteontem, não era novidade no ano passado, não era novidade, sequer, quando o Sr. Ministro
chegou ao Governo.
Portugal tem de estar preparado para viver com menos água, porque é a isso que o futuro nos vai condenar.
E, desse ponto de vista, é curioso perceber que há um conjunto de investimentos estratégicos e um conjunto de
escolhas estratégicas que foram protelados. E isso, sim, é responsabilidade de uma governação que não foi
previdente nesta matéria.
Vamos a exemplos concretos: temos, no Algarve, um conjunto alargado de campos de golfe, exatamente no
mesmo sítio onde o País enfrenta as piores dificuldades de seca. Dessa quantidade de campos de golfe, 40,
apenas dois utilizam habitualmente água reciclada, isto é, a água que resulta do tratamento das águas residuais.
A minha pergunta é: como é que, seis anos depois de o Sr. Ministro estar no Governo, tantos anos depois
de sabermos que Portugal tinha de viver com menos água, esta matéria simples, óbvia a quem quer que se
debruce sobre este tema, não foi devidamente acautelada? E, agora, a resposta que nos é dada é que será para
o futuro, será até 2025. Sabe-se lá se não será para depois disso.
Esta é a pergunta chave: o que é que o Sr. Ministro andou a fazer durante os seis anos que teve para lidar
com esta matéria fundamental, um dos pilares fundamentais para a resposta à seca no Algarve?
Segundo, sabemos, há notícias sobre essa matéria, que, por exemplo, uma junta de freguesia, em Lisboa,
vai utilizar também águas residuais para regar jardins, para limpeza de vias públicas.
Faço, mais uma vez, a pergunta: como é que um País, que está no «olho do furacão» das alterações
climáticas na Europa e que tem uma previsão de redução de água, que não é de agora, já vem do passado, só
agora, de forma esporádica, até quase como caso de estudo, é que faz estas novas utilizações da água? Como
é que não nos preparámos antes? Creio que essa é a pergunta em que o Sr. Ministro chumba o teste e é a
pergunta fundamental que eu lhe queria fazer.
Há uma segunda pergunta que decorre do relacionamento com Espanha. Sabemos que parte dos nossos
recursos hídricos transpõem a fronteira, visto que vêm do espaço espanhol. Em particular, o rio Tejo tem,
historicamente, nos últimos anos, um problema de falta de água, porque a Espanha, como é reconhecido, retira,
desvia água do leito do Tejo.
Pergunto-lhe, diretamente, se o Governo tem acompanhado esta realidade, que é ainda mais difícil de
enfrentar nos períodos de seca, se Espanha tem ou não cumprido os caudais ecológicos, se garante que a
Espanha está a cumprir os acordos com Portugal, e se não considera que esses acordos estão a ser também
manifestamente lesivos dos interesses do Estado português.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, tem toda a razão: Espanha usa a água. É normal. O rio nasce em Espanha e Espanha usa a água desse mesmo rio, tendo
Espanha muito maior stress hídrico do que Portugal tem.
Espanha cumpre rigorosamente a Convenção de Albufeira e vai além disso, porque, por exemplo, e isso vem
desde a origem da convenção e é uma evidência, há um mecanismo de exceção para quando o ano se afasta
muito daquilo que é a quantidade média de pluviosidade. No entanto, nestes seis anos nunca Espanha utilizou
esse mecanismo de exceção, isto é, ainda que o pudesse fazer, transferiu para Portugal sempre a água que era
obrigado a transferir.
Sr. Deputado, sim, de facto, temos menos água e isso não é consequência, em todo o lado, das alterações
climáticas. Aprendemos com uma sua colega de bancada, e relembramos, a expressão «evapotranspiração» e,
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 35
10
na verdade, havendo um aumento da temperatura há mais evapotranspiração. Isso acontece no mundo e até
chove mais. Porém, na bacia mediterrânica isso não acontece.
Sr. Deputado, sobre os campos de golfe do Algarve, devo dizer que, até ao final deste ano, com uma obra
que faltava fazer — mais concretamente uma estação elevatória à saída, se assim posso dizer, de uma das
ETAR de Vila Real de Santo António —, mais dois campos de golfe passarão a ser regados com águas residuais,
pelo que existem condições técnicas para que quase todos venham a ser regados por águas residuais. Há não
sei se dois se três em que a cota a que estão obriga a uma quantidade de energia tão grande que era «pior a
emenda que o soneto».
Sobre a reutilização, Sr. Deputado, é de há muito pouco tempo a diretiva que permite a reutilização das águas
residuais. E, aliás, é até — de todos os diplomas em que cuja aprovação me recordo de ter participado, à escala
da União Europeia — o único em que existe uma condição de alguns dos países não fazerem a transposição
dessa regra. Isto é, há uma profunda reação errada — concordo inteiramente consigo — relativamente à
reutilização das águas residuais, na Europa. Os países do norte da Europa não sentem esta dificuldade e acham
que há aqui riscos para a saúde pública. Não há. Se tudo for feito com regra, não há.
De facto, esta é uma realidade recente em Portugal. Lembro-me bem do caso da ETAR de Beja, em que a
água foi preparada para poder regar os campos ali à volta, e em que nos vimos aflitos — aflitos, é assim que se
diz — para encontrar um proprietário agrícola que quisesse fazer a experiência connosco. Encontrámo-lo e
correu tão bem a experiência que, neste momento, temos mais procura do que oferta.
Repito, o quadro comunitário de apoio que herdámos — e isto não é sequer uma crítica para ninguém — não
estava preparado para tal, porque, embora, pelos vistos, há seis anos, para si — V. Ex.ª será um iluminado! —,
isto fosse claro, não o era para a generalidade dos portugueses. Não era, mesmo!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Oh!
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Não era mesmo e não havia verbas no PO SEUR que lhe pudessem ser destinadas. Repito: isto não é uma crítica para ninguém, é um facto.
Conseguimos que quatro milhões de euros desse mesmo PO SEUR fossem utilizados para esses projetos e
que no próximo quadro comunitário de apoio, já disse o número e repito, sejam utilizados 57 milhões de euros.
Desses 4 milhões de euros estão executados cerca de 1 milhão. Porquê? Porque esta, de facto, ainda é uma
realidade recente.
Aquilo que temos de ter, muito mais do que afinar o tratamento, é sempre uma perspetiva de fit for purpose,
isto é, de sabermos sempre para que é que queremos usar essa mesma água de forma a calibrar o tratamento
dessas ETAR.
Sim, Sr. Deputado, a única verdadeira fábrica de água que poderemos ter é mesmo a dos efluentes tratados.
Essa é uma grande aposta que temos de fazer para podermos ter princípios de economia circular naquele que
é, de facto, o mais circular dos bens que temos, que é, de acordo com a natureza, a própria água.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, tenho todo o respeito pelo conhecimento que o Sr. Ministro tem das alterações climáticas e, por isso, sei que o Sr. Ministro não estava a falar a sério quando
dizia que há seis anos ninguém sabia que Portugal ia ter um problema de seca.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Não foi isso que eu disse!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sabia-se! Era uma consciência que existia até para lá dos meios políticos, dos meios académicos e da consciência social.
Desse ponto de vista, a única coisa que eu registo é que desviou a resposta do uso das águas residuais
tratadas para usos de agricultura — e até admito que é uma das possibilidades! —, mas não era disso que eu
Página 11
4 DE MARÇO DE 2022
11
estava a falar. Falei do exemplo dos campos de golfe que há muito tempo deviam ter essa obrigação, como têm
noutros países, mas aqui não têm, e falei-lhe, por exemplo, da limpeza de ruas, da limpeza urbana, coisas que
advêm também de práticas que o Ministério do Ambiente poderia, e deveria, zelar para que acontecessem e
não o fez.
Ora, creio que há aqui uma crítica e o Sr. Ministro deveria ter a seriedade de reconhecer que o Governo não
geriu, como deveria ter gerido, um dos pontos fundamentais que é tornar a água circular também no que é o uso
humano.
Sr.ª Ministra da Agricultura, gostava de utilizar os segundos que me faltam para lhe fazer um conjunto de
perguntas.
Registei que a Sr.ª Ministra deu uma resposta ao PSD dizendo que um dos problemas mais reais da seca
nestes dias se prende com a alimentação animal. No entanto, na sua primeira intervenção, não teve uma única
palavra sobre a matéria, sendo curioso como foi na resposta a um grupo parlamentar que o identificou.
Ora, sobre isso gostava de lhe colocar várias perguntas porque elas ficaram sem resposta. Primeiro, que
apoios é que podem existir para essa alimentação animal, como é que vão ser distribuídos e, acima de tudo, e
este ponto é fundamental em todas as políticas do Ministério da Agricultura, que garantias de equidade existem
na sua distribuição?
Eu disse que este ponto é fundamental, porque olhamos para vários dos exemplos que deu aqui de resposta
às questões da seca, por exemplo, o uso de sistemas de rega mais eficientes e percebemos que ele é logo
direcionado para os setores que atualmente já são os mais produtivos e os mais rentáveis da agricultura nacional
e não para ajudar a uma transformação da nossa agricultura, nomeadamente àqueles que têm ficado para trás
porque não são tão rentáveis, porque não são tão produtivos.
Dito de outra forma: são as atividades intensivas, sempre, repito, sempre, preferidas pelo Governo que, mais
uma vez, vão ser beneficiadas com este apoio e creio que isso não é sustentável.
Quando falamos de seca temos de falar do uso da água, mas também da função dos solos e, desse ponto
de vista, tornar os solos, apenas e só, rentáveis para as tais culturas intensivas não é uma perspetiva de futuro,
de reposta a alterações climáticas, de resposta a períodos de seca.
Mais, refiro o exemplo concreto que não referi ao Sr. Ministro do Ambiente, mas poderia tê-lo feito: no Algarve,
qual é a racionalidade ambiental e agrícola — a económica percebo! — de estar a haver um aumento da
expansão da área para produção de abacate exatamente no sítio do País que menos água tem disponível quer
para consumo humano quer para a agricultura? Não faz sentido, mas porque é que está a acontecer? Porque
não há um pensamento estruturado sobre esta matéria.
Para terminar, a Sr.ª Ministra diz: «Bem, mas, face à guerra que ninguém desejava, mas que está a
acontecer, face à conjuntura mundial em que há escassez de bens, temos uma resposta pela soberania
alimentar nacional e europeia.» Mas nós vemos que na cultura intensiva…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem de concluir.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Vou concluir com esta frase, Sr. Presidente: na cultura intensiva, à qual o Governo tem dado primazia, é exatamente na parte da soberania, nessa pluralidade de alimentação que
podemos ter, que o Governo falha já que é sempre aos mesmos, olival e amendoal, e por vezes também ao
abacate, que sai o brinde.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Muito obrigada, Sr. Presidente. Muito obrigada, Sr. Deputado, pelas questões que me colocou.
Gostava de começar por dizer que esta crise em que nos encontramos, provocada pela seca e aumentada
pelos custos de produção, tem de ter, de facto, uma resposta imediata. Por isso mesmo, o Governo criou um
conjunto de medidas imediatas para dar resposta a esta situação.
Dir-me-á o Sr. Deputado que as medidas ainda são poucas. Está, neste momento, em processo legislativo a
criação de uma linha de crédito de médio e longo prazo, de três anos com um ano de carência; já há uma de
curto prazo, com uma grande bonificação para o Estatuto de Agricultura Familiar. Mas, a partir de ontem, desde
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 35
12
que houve um despacho que reconhece que todo o País, exceto alguns concelhos do distrito de Braga e de
Viana do Castelo, está em seca severa ou extrema, praticamente todo o País vai poder usufruir de um conjunto
de condições que, não sendo financeiras, vão ajudar os nossos agricultores que têm determinadas obrigações,
às quais, neste momento, têm de fazer face, mas, por estarmos em situação de seca severa, que podem vir a
deixar de cumprir.
Posso dar alguns exemplos, nos apoios zonais, refiro a despenalização da redução das áreas de
compromisso, assim como o estudo que estamos a realizar com a Comissão Europeia para levantar as áreas
que estão em pousio, para que os nossos pastores as possam utilizar para a pastorícia — são coisas que
estamos ainda a estudar.
Mas é claro que não nos ficamos por aqui. Já tivemos aberto um aviso de 15 milhões de euros para as zonas
vulneráveis aos fogos rurais, que é uma zona muito larga do nosso território, terem a oportunidade de se
adaptarem, também com a construção de charcas, com a construção de cisternas, com o transporte de água
para abeberamento dos animais. Agora vamos abrir outro, para o restante território, com mais 3 milhões.
Abrimos um aviso específico de 12 milhões de euros para os agricultores criarem charcas, para aumentarem
a sua dotação, a sua capacidade para a rega.
Também neste momento, e a partir de ontem, tanto para a produção integrada como para a produção
biológica, já é possível criar fontes alternativas para a alimentação animal.
Prorrogámos o VITIS (Regime de Apoio à Reestruturação e Reconversão da Vinha) por mais um ano, para
permitir também que os investimentos sejam feitos.
Ou seja, tudo o que estava ao nosso alcance imediato, nós fizemo-lo, estamos a fazê-lo, criando as melhores
condições seja de tesouraria, seja de apoio aos agricultores, nomeadamente com o apoio ao rendimento.
Repito: a função da política agrícola comum, de criar uma estabilidade no rendimento ao agricultor, serve
para garantir que nós, enquanto Estados-Membros, somos capazes de produzir como um todo, para sermos
soberanos também do ponto de vista alimentar.
Estas duas crises e a terceira que estamos a viver agora vêm claramente demonstrar esta necessidade.
Portanto, todos os instrumentos da política agrícola comum têm de ser convocados para dar resposta.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Ministra, tem de concluir.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Concluo, Sr. Presidente, dizendo que é disto que estamos à espera e que a Comissão ontem, em Conselho de Ministros extraordinário sobre estes efeitos que estão a ser sentidos na
agricultura europeia, comprometeu-se, até terça-feira da próxima semana, a apresentar medidas financeiras,
medidas técnicas, que ajudem os agricultores a terem uma resposta cabal para resolver os problemas na
Europa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — É a vez do Grupo Parlamentar do PCP. Em primeiro lugar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera para formular perguntas.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Portugal está a atravessar uma gravíssima seca, com as consequências que todos conhecemos. Foi por esse motivo que
o PCP quis um debate sobre este tema tão urgente. Isto porque, para que não falte água, nem nas torneiras
nem nos campos, é preciso tomar medidas.
Sabemos que, com as alterações climáticas, a tendência é de intensificação destes períodos de seca.
Contudo, ao contrário do que tem sido moda, não podemos esperar que chova, é preciso enfrentar o problema
com medidas adequadas.
Governo atrás de Governo, têm sido adiados investimentos indispensáveis à captação e armazenamento de
águas. Temos barragens, albufeiras, obras hidroagrícolas sucessivamente anunciadas, como foram hoje, e
sucessivamente não concretizadas.
Por todo o País faltam pequenas infraestruturas de aproveitamento, das quais se fala muito, mas que nunca
se fazem. As grandes barragens, graças também à ação deste Governo, deixaram de estar sob controlo público,
Página 13
4 DE MARÇO DE 2022
13
pelo que não estão a garantir a segurança no abastecimento e regularização dos caudais. As hidroelétricas
abrem e fecham comportas, consoante a energia produzida seja mais rentável,…
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Também pode falar a verdade!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … mesmo que isso ponha em causa a segurança hídrica ou os caudais ecológicos.
Por outro lado, os serviços de estudo, de planeamento e de monitorização da água, como o Instituto da Água,
foram desmantelados. Sem dúvida que estas opções não ajudam nada à seca.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, o PCP propôs um plano nacional para a prevenção estrutural
dos efeitos da seca, que o PS, o PSD e o Iniciativa Liberal chumbaram.
Hoje, com a seca extrema e severa em mais de 90% do País, há outra disponibilidade para adotar as medidas
necessárias?
O País precisa de uma gestão e administração dos recursos hídricos exercidas pelo Estado que impeça a
mercantilização da água que sempre aparece nestas alturas, mas também o aumento dos custos para as
populações. Há um compromisso ou não, nesse sentido?
O País precisa de uma gestão responsável, assente na hierarquização dos usos em períodos de escassez,
para que esteja definido onde se poupa e onde não pode faltar, priorizando o uso humano, a saúde pública, a
agricultura e a indústria adaptadas às condições climáticas, os serviços de ecossistemas. Há hoje vontade para
agir neste sentido?
É que é preciso ir além das medidas de circunstância e de minimização dos impactos. É preciso planear os
investimentos necessários, com prazos concretos.
Temos um Governo comprometido com prazos para executar os tantos investimentos que ainda estão por
fazer no Mira, no Alvor, no Mondego?
Em cada ano que passa sem medidas de fundo, as consequências vão sendo mais severas. Do que o País
precisa não é de adiar, é de se preparar e precaver — e já! — para que as consequências não sejam mais
dramáticas.
Aplausos do PCP e do PEV.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, porque o PCP ainda dispõe de tempo, não resisto em perguntar à Sr.ª Deputada qual foi a barragem que saiu da gestão pública durante estes seis
anos em que fomos Governo. Gostava que desse, pelo menos, um exemplo. Há de ter vários,…
Protestos da Deputada do PCP Alma Rivera.
… pela forma como colocou a questão! Há de ter vários!
Sr.ª Deputada, não consigo dizer-lhe de outra forma: tenho, de facto, para o setor, a visão diametralmente
oposta à sua. V. Ex.ª diz que faltam barragens. Para quê? Para não terem água?! São essas as barragens que
lhe faltam?!
Olhe, Sr.ª Deputada, não tenho a mais pequena dúvida — e sem nenhum preconceito relativamente a obra
alguma — de que há charcas agrícolas que poderão vir a ser necessárias e que elas até são muito importantes
para promover a descontinuidade da paisagem e para aumentar a biodiversidade.
Porém, a única barragem de que Portugal precisa, se for essa a solução encontrada tecnicamente, é mesmo
para garantir a regularidade do caudal no rio Tejo, uma vez que temos um troço no rio Tejo de cerca de 70 a 80
km, entre Belver e Constância, isto é, na foz do Zêzere, onde, de facto, muitas vezes, há pouca água. E não
seria no rio Tejo — repito: não no rio Tejo! —, mas no Ocreza, que é a primeira sub-bacia hidrográfica
completamente portuguesa, se assim posso dizer. Precisamente para estarmos menos dependentes,
independentemente do cumprimento da Convenção de Albufeira por Espanha, precisamos de ter um
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 35
14
reservatório de água, que, além de poder ter outros usos, tenha sobretudo o uso mais relevante de colocar água
no rio Tejo.
Sr.ª Deputada, de facto, temos mesmo que saber viver com a natureza e a proposta que o PCP nos faz é a
oposta: é de artificializar tudo; é de achar que a água é de uma só espécie — que é a sua, e, já agora, também
a minha —; é de assegurar que conseguimos gerir a água como uma qualquer outra mercadoria que esteja fora
dos ecossistemas. Essa é a proposta da Sr.ª Deputada. Essa não é mesmo a minha proposta.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Grupo Parlamentar do PCP, através do Sr. Deputado João Dias.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr.ª Ministra da Agricultura, veio aqui anunciar-nos que ontem mesmo assinou um despacho. Em boa hora o PCP agendou este
debate; mais depressa o tivéssemos agendado, mais depressa teriam anunciado medidas!
Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.
Sr.ª Ministra, a sua intervenção foi clara e deixou explícito o papel que o ministério tem tido neste problema,
que é difícil, que é até insuportável e insustentável para os nossos agricultores e produtores pecuários. É que,
de facto, o ministério tem-se comportado com atrasos nas medidas, que são muito tímidas para o que os
agricultores e os produtores precisam. As medidas deveriam ser de ajudas diretas, mas as ajudas diretas que o
Governo aqui anuncia são de antecipação.
Sr.ª Ministra, pergunto-lhe: nos últimos 10 anos, diga-me um ano em que não tenha havido antecipação das
ajudas? Elas deviam ser pagas em dezembro, mas habitualmente são todas pagas em outubro. Por pressão do
PCP, em 2020, foram pagas em agosto!
Diga-me, Sr.ª Ministra, se o PCP tem ou não razão, quando diz que essas ajudas deviam ser direcionadas
aos apoios aos agricultores. As ajudas que mais adiante lhes farão falta, não deverão ser usadas agora.
O que também lhe queremos dizer é que a Sr.ª Ministra aqui anunciou que a solução é mais endividamento.
São setores que já estão altamente endividados e qual é a solução que a Sr.ª Ministra aqui traz? Façam mais
endividamento, para fazer face às dificuldades com que estão confrontados.
O que nós precisamos, Sr.ª Ministra, não é daquilo que o Sr. Ministro do Ambiente aqui veio dizer, ou seja,
que tem medidas certas. O principal erro para não fazer o que é preciso é achar que se está no caminho certo
e que se estão a tomar as medidas certas! A cada ano de seca, aquilo com que os agricultores e os produtores
se confrontam é com dificuldades, é com uma situação insustentável. Essa é a prova de que não são as medidas
certas. Nós precisamos de medidas imediatas, de medidas a médio prazo e de medidas do ponto de vista
estrutural.
Por isso, Sr.ª Ministra, não pode sair daqui sem esclarecer a situação dos produtores de animais, dos
produtores pecuários, que se confrontam com uma dificuldade. Já é conhecido o aumento dos preços dos fatores
de produção, é previsível o aumento do custo dos cereais: que resposta tem a Sr.ª Ministra para dar aos
produtores pecuários que são confrontados com a situação insustentável relativamente à alimentação dos
animais?
Mais, o Sr. Ministro, numa entrevista, deixou clara a opinião do Governo de que a agricultura usa demasiada
água e de que paga um preço baixo. Aquilo que o Sr. Ministro também disse hoje é que a agricultura deve fazer
um uso moderado da água.
Sr.ª Ministra, esclareça-nos se vão ou não aumentar o custo da água, se o preço da água se vai refletir no
que pagam os agricultores e produtores. Esclareça-nos se é intenção do Governo esse aumento para os
pequenos e médios agricultores e, em fim de cadeia, para os consumidores. Diga-nos se vão assumir, aqui e
agora, que vão aumentar o custo da água para a agricultura.
Aplausos do PCP e do PEV.
Página 15
4 DE MARÇO DE 2022
15
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, gostava de começar por dizer o seguinte: o despacho saiu ontem porque tivemos de esperar dois meses,…
O Sr. João Dias (PCP): — E até lá?
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … para, de acordo com os dados do IPMA, verificar as condições de seca severa, praticamente em todo o País. Tivemos de esperar estes dois meses para o podermos fazer efetivamente.
Mas também lhe quero dizer que foi preciso virmos cá para estar a chover, e ainda bem que viemos.
Estaremos cá amanhã também e sábado e domingo, todos os dias que forem necessários se for para continuar
a chover.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Mas gostava de dizer, agora já sem brincadeira, que as antecipações, Sr. Deputado, são, de facto, apenas
antecipações, e se as fizermos em outubro e se, nos pagamentos diretos, em vez de os nossos agricultores
receberem 50% receberem 70%, ou se, no desenvolvimento rural, em vez dos 70%, receberem 85%…
O Sr. João Dias (PCP): — Isso é só para poupar dinheiro!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … e se receberem as agroambientais e as MZD (Manutenção de Atividade Agrícola em Zonas Desfavorecidas) em agosto, vão ter condições de previsibilidade e tesouraria, para melhor
gerirem as suas explorações. Esta é uma medida que não se quantifica, mas que também é importante para as
nossas empresas agrícolas.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, dizer que o atual e o anterior Governo não se preocuparam com as questões
do regadio e do uso eficiente da água, quando foi o anterior Governo que desenvolveu o Programa Nacional de
Regadios com 560 milhões de euros, que está a ser concluído e que abastece, pela primeira vez, a barragem
de Fonte Serne, que, como acabei de dizer, deixa, neste momento, de estar em situação extrema para passar
a estar em normalidade com o uso eficiente da água!?
Dizer isso, quando este Governo, além de concluir as obras que vinham de trás, lançou os avisos necessários
para a conclusão, em tempo útil, de todas as obras necessárias não só para a modernização, mas também para
a construção de novos sistemas!? Dizer isso, quando este Governo lançou um aviso para os privados poderem
construir as suas próprias charcas e criou condições para, através do PRR, construir a barragem do Pisão e a
rede de rega, no Alto Alentejo, e o Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve!?
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. João Dias (PCP): — Responda à pergunta! E o preço da água?!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Além disso, também pedimos um estudo a nível nacional que aproveite todas as oportunidades que temos para desenvolver a agricultura em Portugal, olhando à qualidade do solo e à
disponibilidade da água. É que a água é pouca, que é, o solo é bom, que é, pelo que há que preservar e usar o
melhor possível os nossos recursos naturais.
É isso que queremos fazer: modernizar os sistemas existentes e criar novos, se necessário e possível, para,
com isso, impedirmos a desertificação humana e territorial do nosso País.
Além disso, criámos, pela primeira vez, a Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030, que também
está vertida não somente no PRR, através de avisos dedicados para a inovação e desenvolvimento tecnológico,
para mitigar e promover a adaptação às alterações climáticas, como, por exemplo, para melhorar a qualidade
do solo com o uso de fertilizantes orgânicos em detrimento dos fertilizantes de síntese, fazendo a sementeira
nas entrelinhas ou promovendo a utilização das variedades regionais mais bem adaptadas ou as nossas raças
autóctones onde as valorizamos…
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 35
16
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … ou porque queremos que o nosso solo seja capaz de captar mais azoto e mais carbono.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Queremos também chegar aos nossos agricultores, independentemente da sua dimensão. Isto porque os grandes agricultores vão às grandes empresas que desenvolvem tecnologia
buscar essa tecnologia para a aplicar no uso eficiente da água — porque essa é também uma forma de poupar
água e de poupar custos e de produzir mais e melhor. Mas queremos chegar também aos pequenos e médios
agricultores, com uma agricultura de precisão, porque não queremos que ninguém fique para trás.
É que nesta disrupção que é provocada por esta adaptação às alterações climáticas, a digitalização da
agricultura também é fundamental.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Meireles para formular perguntas.
A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, estava em crer que já teria terminado a minha vida parlamentar e já teria feito a minha última
intervenção, mas, afinal, face aos acontecimentos que todos conhecemos, isso ainda não tinha acontecido.
Portanto, encontramo-nos, hoje, aqui numa situação algo excecional, porque o Governo está ainda em
funções, mas aguarda a tomada de posse de um novo Parlamento; porque este Parlamento que aqui está hoje
já não tem a configuração que resulta das eleições, mas uma configuração diferente; e porque a minha situação
em particular é excecional dentro da situação já de si excecional.
Ora, como sempre defendi que se devem cumprir os mandatos e os deveres até ao fim, assim o farei, pelo
que deixarei aqui algumas perguntas, dirigidas, sobretudo, à Sr.ª Ministra da Agricultura, aliás, no seguimento
de muitas outras que fiz ao longo deste mandato — e aproveito também para a cumprimentar uma última vez.
Tivemos, muitas vezes, discordâncias em muitos debates, mas isso não implica, nem nunca implicou, falta de
respeito mútuo.
Em primeiro lugar, Sr.ª Ministra, já se falou aqui muito da situação que se vive na agricultura, mas é bom
ponderarmos sobre o que está a acontecer. Tivemos uma situação de pandemia, que muitos imaginam que não
afetou o setor agrícola, mas afetou, e muito, até pela absoluta disrupção dos canais por que costumavam escoar
os seus produtos, e nós acompanhámos isso. Mas, quando agora se esperava alguma estabilização, estamos
a ter um aumento dos custos de produção que é muito significativo, quer pelo aumento dos custos da energia
quer, como a Sr.ª Ministra já aqui referiu, pelo aumento do preço dos adubos, das rações, dos fertilizantes, etc.,
aumentos estes que não estão nada em linha com o que é habitual.
Portanto, a primeira pergunta que lhe deixava era para saber o que está o Governo a fazer para auxiliar as
empresas nesta situação ou, em alternativa, que aumento de preços é que esperamos nos bens alimentares. É
que, em algum momento, este aumento de custos vai ter de aparecer, porque, de duas, uma: ou as empresas
fecham, porque não conseguem escoar os seus produtos a um preço rentável, ou vai haver um aumento do
preço da comida, digamos, para simplificar as coisas.
Em cima disto, temos agora a situação de guerra que conhecemos. Sendo a Ucrânia produtora de cereais e
a Rússia produtora de fertilizantes, isso leva a crer que se vai agravar, ainda mais, o aumento de preços.
Portanto, volto a perguntar, e peço-lhe que seja concreta nisto, se há medidas preparadas. De entre todos
os setores — e há uns mais afetados e outros menos afetados —, gostava de lhe fazer uma pergunta concreta
sobre o setor do leite. Muitas vezes, o leite é vendido, pela maior parte dos produtores, pequenos produtores,
em cru às cooperativas, pelo que o controlo dos produtores sobre o preço é praticamente inexistente e têm
Página 17
4 DE MARÇO DE 2022
17
dificuldade em sobreviver, porque não conseguem aumentar o preço do bem que vendem para responder ao
aumento dos seus custos de produção.
Em relação, mais concretamente, à área da água, gostava que a Sr.ª Ministra fizesse um balanço do que já
foi feito, relativamente à gestão da água, nos últimos cinco anos. Dizia o Sr. Ministro — e é uma realidade —
que temos de ser realistas, porque não vamos ter mais água. É verdade, não vamos, mas podemos aproveitar
melhor aquela que temos.
Portanto, gostava de saber, designadamente, no que toca ao incentivo a melhores práticas de rega e à
modernização das infraestruturas de regadio existentes, apostando, por exemplo, em equipamento de rega de
precisão e em tecnologia e inovação na agricultura, o que é que o Governo está a fazer nesta matéria.
Por último — e com isto termino —, a Sr.ª Ministra disse aqui que tem de haver uma resposta coletiva da
União Europeia. De facto, a política agrícola é comum, nós não estamos isolados, pelo que é evidente que a
situação do aumento dos preços quer da energia, quer dos adubos, quer dos fertilizantes — enfim, de tudo o
que deriva da guerra — não nos afeta só a nós, mas a toda a Europa. A Sr.ª Ministra disse que estavam a
trabalhar nesse sentido e que ia dizer como, quanto e para quem.
Assim sendo, termino, perguntando se é possível dizer como, como é que vão ser estas ajudas e quais são
as alterações, quanto é o pacote europeu, quanto é para Portugal e a quem é dirigido.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Meireles, é um gosto voltar a vê-la aqui, é com grande satisfação que a encontramos. Vamos sentir a sua falta no Parlamento.
Gostava de começar por lhe dizer que aquilo que nos preparamos para fazer é ter uma medida nacional,
utilizando os fundos do desenvolvimento rural, à semelhança do que fizemos na pandemia da COVID-19, ou
seja, vamos pegar numa fatia de 1% ou 2% — vai depender daquilo a que formos autorizados pela Comissão
Europeia — que vai ficar disponível para os setores mais afetados, tal qual fizemos durante a medida COVID.
Durante a medida COVID, identificámos os setores através, nomeadamente, dos meses afetados e em
relação aos mercados agrícolas e agora também já estamos a fazê-lo. Sabemos claramente o setor mais afetado
é o setor pecuário, a pecuária extensiva e também alguma pecuária mais intensiva, nomeadamente a produção
do leite, por causa dos preços das rações.
Portanto, estamos a acompanhar semanalmente os mercados agrícolas através do gabinete do planeamento
e, através da PARCA (Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar), estamos
também a acompanhar todos os mercados agrícolas, mas, mais concretamente, o setor leiteiro que, por se
encontrar em situação de crise, tem agora aqui um maior enfoque.
Gostava também de dizer que nós próprios constituímos um grupo de trabalho específico para acompanhar
o setor de produção de carne de porco, porque é um dos setores mais afetados, até porque os mercados em
países terceiros estão diferentes, estão mais fechados, nomeadamente o mercado da China, havendo com isto
há alterações.
Também levámos esta questão à Comissão Europeia — e, à semelhança do nosso, outros países também
o fizeram — e esperamos ter a capacidade para desenhar nacionalmente uma medida que sirva todos os setores
que estejam a ser afetados nesta justa medida, juntando a seca, juntando os efeitos da seca a estes que agora
também já estamos a sentir, com o aumento dos custos de produção e com os efeitos que se fazem sentir desta
guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Portanto, é neste sentido que verdadeiramente estamos a trabalhar.
Como tive, há pouco, oportunidade de dizer, gostava de já ter trazido hoje mais medidas concretas. Ontem,
ainda conseguimos fechar o tal despacho que permite ter já na rua um conjunto de medidas bastante
significativas, mas não consegui ainda trazer a autorização de Bruxelas, da Comissão, que gostaria de ter
trazido, porquanto o Comissário tem também reunido o seu conjunto de peritos — a sua «PARCA», diria eu —
para, na segunda-feira, apresentar aquilo que é possível fazer.
Repito, aquilo que devemos ter em consideração é que os fundos da política agrícola comum são recursos
de todos nós. Portanto, são esses recursos que temos de analisar em primeiro lugar para fazer face a isto.
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 35
18
Portanto, já temos um conjunto de medidas de apoio à tesouraria, ao rendimento e a questões técnicas
ligadas a obrigações que os próprios agricultores têm e que podem ser levantadas neste momento. E um apoio
que esperamos dar, um apoio forfetário, cheque na mão — permita-me dizê-lo deste modo —, será dado logo
que possível. Temos a medida desenhada, mas esperamos autorização da Comissão Europeia para esse efeito.
Quanto à outra questão que me põe, estamos empenhadíssimos em ter respostas para um uso eficiente da
água, para uma produção sustentável, para um uso do solo que seja consentâneo com isso mesmo. Sabemos
que, para termos uma ocupação viável do território, precisamos de ter uma agricultura que seja competitiva,
onde haja a combinação destes fatores.
Por isso, a Agenda de Inovação para a Agricultura 2020-2030, o Plano de Recuperação e Resiliência e o
Plano Estratégico da PAC têm os instrumentos necessários e suficientes para dotar os agricultores,
independentemente da sua dimensão, dos instrumentos de política pública para fazer face ao uso de tecnologia,
de tecnologia de precisão, para estas matérias poderem ser utilizadas por todos e não serem fator de exclusão.
Antes pelo contrário, não queremos que ninguém fique para trás.
Há pouco, na minha intervenção inicial, queria ter ido um pouco mais longe, mas não tive oportunidade de o
fazer. Quero, por isso, dizer agora que, relativamente aos dois avisos que abrimos, com cerca de 4 milhões de
euros cada um deles, para a adaptação e a mitigação dos efeitos das alterações climáticas, foram mais de 400
as empresas que se mobilizaram com centros de conhecimento e de produção de tecnologia para dar respostas.
É isto que nos interessa para, depois, podermos replicar ao serviço dos agricultores portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PAN, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para formular preguntas.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, em 18 de fevereiro, o PAN propôs um debate sobre a seca, mas, infelizmente, esse debate foi rejeitado pela
Conferência de Líderes. No entanto, trata-se de um tema premente, cujo debate é urgente e não deve, aliás,
cingir-se aos dias de hoje, tendo em conta que a seca é um fenómeno que já atinge o nosso País há várias
décadas.
Não podemos esquecer-nos de que, em 2003, a seca causou prejuízos que ascenderam a mais de 8,7 mil
milhões de euros para os produtores nacionais. Nesse sentido, estarmos apenas a projetar para aquilo que
possa ser a decisão da União Europeia é, a nosso ver, e uma vez mais, estarmos a «empurrar com a barriga»
o problema, até porque as alterações climáticas são uma realidade do presente, já estão a bater-nos à porta e
vão atingir-nos de forma ainda mais severa.
Ouvimos recentemente um ministro a relativizar as alterações climáticas, normalizando a seca, e tivemos
uma ministra que rezava para que chovesse. E agora, Sr. Ministro, ouvimo-lo dizer, como se isso nos
tranquilizasse, que vamos ter água para os próximos dois anos. Porém, nada disso nos permite dormir
descansados, porque sabemos que dois anos não basta, temos de pensar este problema de forma estrutural e
transversal aos vários ministérios, precisamente para que tenhamos água — no futuro, numa década ou mais!
— para garantir não só o abeberamento humano, mas também um território preparado.
Nesse sentido, houve algumas questões que não foram abordadas. Não se falou da poluição dos nossos
recursos hídricos, nomeadamente nos rios e ribeiras, por exemplo, em Leiria, por força da atividade pecuária.
Não se falou da barragem de Castelo do Bode, que serve a Área Metropolitana de Lisboa e cujos níveis,
sabemos, estão muito abaixo daquilo que é necessário.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Necessário para quê?!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mais: 7 em cada 100 l de água servem para regar algo tão supérfluo como campos de golfe e, no entanto, permite-se a sua construção na costa de Melides, na Herdade do
Pinheirinho. Aliás, embora ainda não exista ocupação por habitação, os campos de golfe já estão a ser regados.
Também não se pode continuar a normalizar as culturas intensivas ou massivas, como é o caso da produção
de abacate, em que para cada quilo de produção temos de gastar 72 l de água.
Página 19
4 DE MARÇO DE 2022
19
Temos ainda municípios — e não ouvimos uma palavra quanto a isto — em que fica mais caro gastar zero
de água do que gastar 1 m3 de água, por exemplo, por cada particular.
Para isso tudo, precisamos de ter um Plano Nacional da Água que seja adaptado às alterações climáticas, à
escassez e ao uso eficiente da água.
Já aqui foi referida a Convenção de Albufeira, mas há uma questão que fica sempre de fora deste léxico, que
é a sua renegociação. Não podemos dar graças só por termos uma Convenção que vem, de alguma forma,
regularizar a utilização e os caudais da água, até porque Espanha fecha as torneiras sempre em benefício
próprio, deixando Portugal prejudicado. Assim, perguntamos-lhe, Sr. Ministro, quanto tempo é que vai levar a
cumprir a decisão desta Assembleia da República de revisão da Convenção de Albufeira.
Quanto ao chamado «Projeto Tejo», é fundamental sabermos, tendo em conta o consumo da água, se vai
ou não ouvir as organizações não governamentais do ambiente, pois este projeto vai criar novos açudes e
barragens que vão fragmentar os últimos quilómetros do Tejo livre, que tem uma dinâmica fluvial; vai destruir
paisagem e biodiversidade; e vai constituir uma clara contradição com os objetivos fixados nas diretivas do
quadro da água, aves e habitat e na Estratégia de Biodiversidade para 2030 da União Europeia. Portanto,
queremos saber, Sr. Ministro, em relação a este Projeto Tejo, o que vai fazer efetivamente para garantir a
existência de rios livres, pois já deveria estar a ocorrer a este tempo.
Sr. Ministro, quando nos vai disponibilizar o relatório do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água?
O PAN já o requereu por escrito e ainda não obteve resposta.
Sr.ª Ministra da Agricultura, para concluir, porque não quero ultrapassar o meu tempo, ainda em relação aos
animais, ao abeberamento e à alimentação, ouvimos falar, de facto, no apoio aos produtores. É fundamental
saber quando vai haver esse apoio, não apenas para alimentação, mas, acima de tudo, para a transição destas
atividades.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr. Presidente. É manifestamente insustentável continuarmos a ter as explorações pecuárias com o nível de produção que
estão a ter, é insustentável com o uso dos solos. Assim, gostaríamos de saber qual é a visão deste Governo
para a transição que tem necessariamente de ocorrer nesta matéria, porque não nos podemos esquecer de que
1 kg de carne bovina implica um consumo de mais de 15 000 l de água.
O Sr. João Dias (PCP): — Vamos passar a ter vacas elétricas!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Se as questões do bem-estar animal não estão em cima da mesa, que ao menos estejam as questões da nossa própria sobrevivência.
O Sr. Presidente: — Para iniciar a resposta, tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, a que se seguirá na resposta, havendo tempo, a Sr.ª Ministra da Agricultura,
Maria do Céu Antunes.
Tem a palavra o Sr. Ministro do Ambiente.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, de facto, esta é uma vinda à Assembleia da República já extemporânea relativamente àquilo que eu próprio pensava e, nesse sentido,
junto-me às palavras da Sr.ª Deputada Cecília Meireles. Mas daí a Sr.ª Deputada dizer que relativizei o tema
das alterações climáticas, enfim, não consigo mesmo imaginar onde é que V. Ex.ª foi buscar essa ideia.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Não estava a falar disso!
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Bom, já aqui ouvi o PAN dizer, por exemplo, que a refinaria de Leça da Palmeira não tinha emissões. Isso não é relativizar as alterações climáticas, é muito pior!
Pela parte que me toca, certamente nunca ouviu tal coisa.
Página 20
I SÉRIE — NÚMERO 35
20
Sr.ª Deputada, quando diz que os níveis da barragem de Castelo do Bode estão muito abaixo do que é
necessário, pergunto-lhe: para quê? Do que é necessário para quê? É que temos água para consumo humano
para dois anos em Castelo do Bode, sendo captados por dia — por dia! — 350 000 m3 para que todos quantos
são clientes da EPAL (Empresa Portuguesa das Águas Livres) possam beber água e ter água em casa. Mais:
também há um caudal ecológico — penso que não estará contra — de 300 000 m3 por dia para garantir que o
rio Zêzere não é só nosso, da espécie humana, mas de todo o ecossistema que precisa dele. E, mesmo assim,
conseguimos recuperar, em cerca de um mês, 64 cm do caudal da albufeira. Portanto, a isto chama-se mesmo
gerir bem.
Quanto ao plano nacional da água, ele existe e um novo vai entrar agora em consulta pública, visando o
abastecimento de águas residuais e, pela primeira vez, de águas pluviais, porque em sede de alterações
climáticas é essencial que assim seja. É uma questão que começa agora a ser discutida no início do novo
Quadro Comunitário de Apoio.
Sr.ª Deputada, peço muita desculpa por contrariar uma indicação desta Assembleia, mas não consigo ir
contra a minha convicção. Não vou mesmo renegociar a Convenção de Albufeira, porque isso seria um péssimo
serviço que faria aos portugueses.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para completar a resposta do Governo, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Agricultura.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, muito obrigada pelas questões. Sr.ª Deputada, não há um Projeto Tejo, está a ser feito um estudo que levanta questões muito prementes,
como a cunha salina, os rombos dos mouchões ou outras questões, nomeadamente a regulação do caudal, tão
importante para ajudar a preservar a biodiversidade e a utilização dos fins deste que é o maior ativo que temos
no País. Ainda está a ser feito esse estudo para levantar estas questões.
Depois, quanto à pecuária e aos efluentes pecuários, existe uma estratégia nacional para os efluentes
pecuários e agroindustriais, a qual foi recentemente publicada e vai ser implementada. Esta estratégia diz
claramente que, em relação aos efluentes pecuários, a primeira prioridade é a valorização agrícola, a segunda
a valorização orgânica e a terceira a valorização energética. E é nesse sentido que o Ministério da Agricultura e
o Ministério do Ambiente trabalham juntos, com os agricultores, para termos as melhores respostas e as massas
de águas poderem, efetivamente, ter a melhor qualidade possível.
O Plano Estratégico da PAC tem previsto regimes ecológicos e medidas agroambientais que podem não só
melhorar o bem-estar animal como os processos digestivos e permite aos nossos agricultores que continuem a
produzir as suas raças autóctones, a ter as suas raças de carne barrosã, a ter as suas ovelhas bordaleiras, ou
outras dispersas pelo País, tão essenciais que são para manter a atividade económica e social.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Por isso mesmo, vamos trabalhar lado a lado para encontrar medidas e formas de equilibrar os gases com efeito de estufa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — E a transição?!
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular perguntas, a Sr.ª Deputada Mariana Silva, de Os Verdes.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, para debater a situação da seca no nosso País, o Governo apresenta-se autoconvencido e autossatisfeito. Há água
para dois anos — diz o Sr. Ministro do Ambiente. Há medidas a serem estudadas — diz a Sr.ª Ministra da
Agricultura. Ou seja, é tudo normal, não há razões para preocupações, está tudo controlado.
Página 21
4 DE MARÇO DE 2022
21
Estão errados, certamente, os agricultores que não têm pastos para alimentar o gado, ou confundidas as
populações que veem as barragens vazias, ou baralhadas as populações que são abastecidas através de
cisternas. Talvez não percebam nada disto os especialistas do IPMA que dizem que 90% do território está em
seca severa ou extrema.
As alterações climáticas são um dos maiores desafios para a humanidade, pois todas as atividades humanas
dependem de funções de ecossistemas que se encontram gravemente ameaçados pelo aumento da
temperatura e pela alteração dos padrões de clima que já se fazem sentir. É urgente mitigar os seus efeitos.
A água é um recurso natural essencial, um elemento fundamental ao equilíbrio existente nos sistemas
terrestres, com valor na dimensão ambiental, social e de desenvolvimento. A água é um direito de toda a
humanidade, e, por isso, reforçamos a ideia de que é inconcebível que a gestão do seu aproveitamento, do
abastecimento público e do saneamento seja feita em função de lógicas de obtenção de lucro. Assim, somos
frontalmente contra a privatização do setor da água ou da concessão e gestão a privados. Estes dias
encarregam-se de nos dar razão.
Tal como consideramos grave que, ao invés da prometida viabilidade de uma agricultura sustentável, se
tenha favorecido e continue a favorecer a implantação de monoculturas de eucalipto e o aumento da promoção
das culturas superintensivas como o olival, o amendoal ou a pera-abacate, com consumos escandalosos de
água em zonas onde a sua escassez é óbvia e o risco de empobrecimento dos solos é considerável.
Para responder aos problemas de hoje, Os Verdes relembram que é necessário garantir o caudal ecológico
dos nossos rios, promovendo a sua recuperação e a restauração ecológica dos ecossistemas ribeirinhos.
É premente a renovação e a manutenção de condutas para abastecimento de água para que se controle
situações de perdas no transporte.
É urgente a cobertura de todo o território por uma rede pública de saneamento, com tratamento adequado
das águas residuais, de forma a evitar a contaminação dos recursos hídricos, os impactos na saúde pública e a
degradação dos ecossistemas.
Falam-nos de planos e de concretizações. Todos os planos, estratégias, medidas, projetos e boas intenções
cabem no papel, a questão é se serão colocados em prática. Mais: a questão, Sr. Ministro do Ambiente, é se as
opções políticas para o futuro, como os projetos mineiros de exploração de lítio e minerais associados, perto da
barragem do Alto Rabagão, são opções viáveis relativamente à gestão da água.
Desta barragem, que está quase vazia, sairão 200 m3 de água potável por dia para abastecer a mina e irão
sair mais 5000 m3 de água bruta por dia, caso as ribeiras não tenham água. Esta água é imprescindível para o
funcionamento do complexo mineiro.
Perguntamos: são projetos como este, que irão agravar o problema do acesso à água — e permita-me que
o cite, Sr. Ministro, «porque é mesmo ilusório que vamos ter mais água no futuro» —, que o Governo irá manter?
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática. Se entender, poderá deixar tempo de resposta para a Sr.ª Ministra da Agricultura. O Governo gere o tempo como
entender.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, a solução que apresentou aqui é uma solução que desconheço. Imagino que seja aquela que está no estudo de impacto
ambiental da mina, que estará a ser avaliada pela Agência Portuguesa do Ambiente e que, certamente, de forma
rigorosa, dirá o que pensa sobre este processo.
Sr.ª Deputada, concordo inteiramente consigo. Sou completamente contra a privatização dos serviços de
água, sendo que, como sabe, a responsabilidade por levar a água à torneira das famílias e até das empresas é
das autarquias. E, de facto, o poder local é mesmo uma das grandes conquistas de Abril e as autarquias têm
todo o direito a pensar de forma diferente daquela que eu penso. Penso desta maneira, ou seja, sou contra a
privatização dos serviços de água.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Página 22
I SÉRIE — NÚMERO 35
22
Durante estes seis anos — penso dizer com rigor —, nenhuma autarquia privatizou, ou melhor, concessionou
sequer a utilização dos serviços de água a privados, mas, se o tivesse feito, teria sido mesmo uma opção local
e mal fora se houvesse uma tutela de mérito ou uma tutela política sobre as autarquias.
Sr.ª Deputada, obrigado por ter dito, ao contrário de outras bancadas, que de planos já está cansada e,
portanto, importa é fazer coisas. Muito bem!
Há 25 anos, muito antes de este Governo ser Governo, só 50% da água que vinha das torneiras é que era
de boa qualidade; hoje, 99% é de boa qualidade. Há 25 anos, havia 65 praias com bandeira azul em Portugal;
hoje, há 362. Ou seja, muito foi feito, mesmo muito foi feito.
É preciso fazer mais do lado da eficiência e da boa gestão? É! Por isso, contra a vontade da CDU (Coligação
Democrática Unitária), promovemos as agregações que têm excelentes resultados do ponto de vista da gestão
dessa mesma água na redução das perdas. Já agora, Sr.ª Deputada, não existe a perda zero.
A Sr.ª Mariana Silva (PEV): — Mas existe de 30%!
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Se temos, e é grave, um nível de perdas na ordem dos 30%, aquilo que é o benchmark do mundo inteiro andará entre os 15% e os 20%, o que não quer dizer que
não haja um enorme trabalho para fazer. Sim, há um enorme trabalho para fazer.
Sr.ª Deputada, estes 800 milhões de euros de investimento vão tornar-se em 1000 milhões de euros no
próximo Quadro Comunitário de Apoio, com rubricas que não são completamente novas. Enfim, algumas
surgirão, certamente, como novas ao longo do tempo, como seja, por exemplo — e acho que este é um bom
exemplo, de facto —, a da reutilização das águas residuais tratadas. É absolutamente essencial que isso venha
a acontecer num cenário em que temos cada vez menos água.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, temos mais de 90% do território em seca severa. Por isso, é um pouco caricatural que a Sr.ª Ministra diga
«gostava hoje de trazer aqui a este Parlamento medidas concretas, mas não tenho». Parece uma brincadeira
uma governante vir ao Parlamento dizer que tem muita pena mas não tem nada de concreto para apresentar.
Portanto, viemos aqui passar uma boa tarde todos, está tudo muito agradável, mas agora vamos embora. E
ficámos na mesma. Não é forma de uma governante se dirigir a este Parlamento.
Também é um pouco estranho, Sr. Ministro, que venha aqui dizer «não se preocupem, o plano hídrico para
o Alentejo está quase feito» — «quase feito»! Estamos a falar da região que tem sido a mais afetada pela seca
severa do País e temos um Ministro do Ambiente que vem aqui dizer que «está quase feito». Não se preocupem,
eles só estão no Governo há sete anos, está quase feito, mais 10 anos e temos certamente a coisa planeada!
Não deixa de ser uma caricatura de Governo, que deixou a agricultura e os agricultores sozinhos e sem
quaisquer apoios, ouvir o PCP, o Bloco de Esquerda e Os Verdes, como se não tivessem nenhuma
responsabilidade na governação do Partido Socialista ao longo dos últimos anos.
Por isso, Sr. Ministro, gostaria de fazer duas questões concretas, muito específicas.
Primeiro, os agricultores querem apoios e não sabem nem quando nem como os vão ter. Aliás, nem sabem
sequer o valor dos apoios decididos neste momento para a agricultura. Vamos, ou não, antecipar as ajudas
europeias da PAC? Isso é o que os agricultores querem saber neste momento. Podemos, ou não, pegar numa
fatia do valor que vai ser atribuído pela PAC e ser o Governo português a apoiar a agricultura?
Segundo, estamos com uma guerra no leste europeu que já fez aumentar em 35% os custos da energia.
Neste momento, há muitos agricultores, produtores e empresas nos vários setores da agricultura e pecuária que
não têm forma de sustentar a energia.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Página 23
4 DE MARÇO DE 2022
23
Essas pessoas pediram contratos sazonais de energia ao Governo, pediram ajuda com os custos da
eletricidade. O que é que o Governo tem para lhes oferecer, além de uma Sr.ª Ministra que vem ao Parlamento
dizer que tem muita pena mas não tem nada de concreto para nos dizer?
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Isso é que é vergonhoso e deveria merecer, da parte dos portugueses, a mais veemente repulsa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, gostava de agradecer as suas questões, mas não agradeço porque as tirou completamente do contexto.
Aquilo que trouxe aqui foi um conjunto de ações que os próprios agricultores conhecem e que já sentem
diariamente na sua atividade. Mais: foram aprovadas por nós, em agosto, as antecipações dos pagamentos das
medidas agroambientais e das medidas de apoio às zonas desfavorecidas.
O Sr. André Ventura (CH): — Mas quanto?
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Os agricultores sabem-no. Sr. Deputado, em outubro, os agricultores também sabem que podem contar com 50% de aumento nos
pagamentos diretos e com 70% nos pagamentos de desenvolvimento rural.
O Sr. João Dias (PCP): — Isso é assim todos os anos!
Protestos do Deputado do PS Pedro do Carmo.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Aquilo que pedimos a Bruxelas foi um aumento de 50% para 70% e de 70% para 85%. E, sim, Sr. Deputado, o que gostava de ter trazido hoje a esta Casa era um apoio pecuniário,
cheque na mão, aos agricultores mais afetados por esta crise. Estou à espera de ter condições para o poder
anunciar na segunda-feira.
O Sr. André Ventura (CH): — Falamos para a semana então!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Gostaria de o ter feito hoje, mas depende da Comissão Europeia. Já o disse hoje aqui, diante dos Srs. Deputados, e reitero, que apresentámos essa medida à Comissão Europeia na
semana passada, voltámos a falar sobre ela ontem em Conselho de Ministros e esperamos que seja aprovada
até terça-feira da próxima semana.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Deixe-me só concluir, Sr. Presidente. Sr.ª Deputada Mariana Silva, gostaria de dizer que não estou satisfeita, de todo, com aquilo que estou a
fazer,…
O Sr. João Dias (PCP): — Imagine os agricultores!
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … porque, senão, não fazia política. Todos os dias, temos de fazer diferente para dar resposta à vida dos portugueses e das portuguesas.
Página 24
I SÉRIE — NÚMERO 35
24
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular perguntas, o Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Iniciativa Liberal.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, este debate sobre a seca tem, de facto, impactos fortes em áreas que estão sob a tutela
de cada um dos Srs. Ministros e ainda bem que teve lugar, porque, ao fim da sétima ou oitava ronda, começámos
a perceber algumas coisas.
Tinha preparado perguntas sobre se o que se passou no Conselho de Ministros de Agricultura na semana
passada foi a efetiva declaração de situação catastrófica e se tal permitia a derrogação de uma série de coisas.
Ficámos a saber que sim, mas que só na segunda-feira é que se sabe se foram aceites. Também ficámos a
saber que demoraram dois meses a fazer essa declaração e esse pedido, porque o IPMA só reuniu dados que
permitiram fazer isso há uns dias.
Sr.ª Ministra, o que disse não faz sentido absolutamente nenhum, porque desde outubro ou novembro que
temos noção da gravidade da situação.
Relativamente à antecipação dos pagamentos de ajudas diretas, já houve quatro ou cinco perguntas sobre
o tema e percebemos agora que vai haver exatamente as mesmas ajudas que havia quando a situação não era
tão trágica quanto é agora.
Quanto às derrogações de algumas regras que não dependem da União Europeia, que são nacionais e só
atrapalham, relativas à diversificação de culturas, ou ao pousio, ou ao calendário da plantação, ou às áreas de
compromisso, continuei sem perceber se essas também dependem de segunda-feira, se ficaram no despacho
de ontem ou se ainda falta outro despacho qualquer. Também fiquei sem saber como é que o plano de
desenvolvimento regional 2020 está a ser adaptado, não só para a pecuária, mas para todas as áreas que dele
podiam precisar e, essas sim, beneficiar de apoios diretos já.
Sr. Ministro do Ambiente, gostaria de saber se vai concordar com a sua colega, a Sr.ª Ministra da Agricultura,
se ela pedir a mobilização do Fundo Ambiental, que tem dinheiro — quase 600 milhões de euros — de todos
contribuintes, para ser utilizado para apoio de emergência a algumas atividades agrícolas, que tanto dele vão
precisar. E estou só a falar das preocupações de curto prazo.
Ainda em relação à energia, pergunto, Sr. Ministro, se está preparado para, perante aquilo que se estima ser
um aumento galopante dos preços dos combustíveis, finalmente rever a carga fiscal sobre os combustíveis. Não
falo só de agricultura, falo em geral, pois vem aí um problema dos sérios.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Ministro, já agora, ponderou utilizar a reserva estratégica nacional de combustíveis em algum momento desta crise? Como é que está a pensar olhar para esta questão?
É uma pergunta honesta, porque julgo que é nestas alturas que as reservas estratégicas nacionais podem servir
para alguma coisa.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Tinha pensado fazer mais algumas perguntas, mas, por enquanto, ainda só disponho de 1,5 minutos!…
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, indo ao encontro, com muita brevidade, da última pergunta que colocou, respondo-lhe que Portugal tem, de facto, reservas de
combustíveis para 90 dias — estou a falar de combustíveis como gasolina, gasóleo e crude — e estão
parqueados quase na totalidade em Portugal. No momento em que houver necessidade de utilizar essas
reservas, posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que a logística está desenhada.
Página 25
4 DE MARÇO DE 2022
25
Relativamente ao gás natural, há três ou quatro dias tínhamos reservas na ordem dos 79%. Descarregaram,
entretanto, três navios. Não tenho o número do último navio, mas antes deste tínhamos 85% das reservas de
gás natural.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, também para responder, a Sr.ª Ministra da Agricultura.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, agradeço as suas questões. Gostava de começar por dizer que o plano para situações de seca define, claramente, que para podermos
definir uma situação como classe de seca severa ou extrema precisamos de ter dois meses de seca efetiva…
O Sr. João Dias (PCP): — Já vamos nos seis meses!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … e só no final de fevereiro é que tivemos essa declaração. É que em dezembro, como bem está recordado, choveu, portanto só no mês de janeiro e de fevereiro é que não tivemos
pluviosidade.
O Sr. João Dias (PCP): — Tivemos azar, choveu!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Deputado, como tenho dito desde o início da minha intervenção, há várias medidas, mas umas dependem de nós e estão a ser aplicadas — por exemplo, os modos de produção
biológica ou em produção integrada para alimentação animal já podem, a partir do despacho que exarei ontem,
ser feitas com formas alternativas — e outras, como a questão das áreas em pousio, não sendo uma
competência nossa, esperam autorização da Comissão.
Efetivamente, apresentámos essas medidas na semana passada e também nós esperávamos ter tido ontem
uma resposta no Conselho extraordinário, mas não nos foi dada essa resposta e disseram que só a
apresentariam na segunda-feira.
Aconteceram muitas coisas de repente e todas as instituições estão a preparar-se para ter as melhores
respostas e as mais céleres. Foi reconhecido por todos, pelo próprio Comissário e pelos colegas dos outros
Estados-Membros, que temos de ter respostas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra, para formular as suas perguntas, o Sr. Deputado Hugo Pires.
O Sr. Hugo Pires (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Sr.ª Ministra da Agricultura, Srs. Secretários de Estado, felizmente, no dia em que debatemos nesta Câmara o problema da
seca, já chuviscou e julgo que, nos próximos dias, está previsto chover com mais intensidade.
Apesar de serem boas notícias, o problema da seca em Portugal não é conjuntural, o problema da seca em
Portugal é, sim, um problema estrutural, nomeadamente a sul do Tejo. Este fenómeno é uma consequência das
alterações climáticas que estão a acontecer um pouco por toda a parte e, sobretudo, nesta zona do globo, na
bacia do Mediterrâneo, a tendência é mesmo no sentido de caminharmos para períodos cada vez mais longos
sem pluviosidade.
O desafio que temos hoje pela frente não é o de termos mais água do que há 15 ou 20 anos, o desafio é o
de garantirmos que não teremos menos água no futuro do que aquela que temos agora. Para isso acontecer,
temos de gerir muito melhor este recurso indispensável à nossa sobrevivência, quer do lado da procura, quer
do lado de quem presta o serviço, ou seja, do lado dos sistemas de abastecimento de água.
É fundamental aprofundarmos a adoção de hábitos de poupança no consumo doméstico. É necessário haver
uma mudança de hábitos de consumo de água para fins industriais e para atividade agrícola e é também
necessária uma mudança de hábitos de consumo por parte das autarquias, quando usam água da companhia
para a rega de jardins ou a limpeza das ruas.
Página 26
I SÉRIE — NÚMERO 35
26
Estas mudanças vão exigir aos decisores políticos dos vários níveis de governação, do nacional até ao das
freguesias, medidas efetivas para que se caminhe para um uso mais sustentável da água. Temos de gerir melhor
os nossos sistemas de abastecimento de água. É isso que o Governo tem vindo a fazer ao incentivar a
agregação de vários sistemas, tornando-os mais eficientes e mais sustentáveis.
Temos de encontrar novas origens de água, como a dessalinização, por exemplo no Algarve, ou o tratamento
de águas residuais, tão essencial para o uso eficiente de água, nomeadamente nos territórios a sul do País,
como o Alentejo e o Algarve.
Sr. Ministro, a pergunta que lhe quero fazer tem que ver com investimento. No atual Quadro Comunitário, o
PT 2020, que está já na sua fase final, julgo que não existe nenhuma rubrica de investimento para o tratamento
de águas residuais. O que gostaria de saber é se no próximo Quadro Comunitário de Apoio, que já foi negociado
pelo Governo do Partido Socialista, está previsto algum investimento para o tratamento de águas residuais.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática.
O Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Hugo Pires, é mesmo como diz. Sinto que temos, de facto, a obrigação política de que se faça a adaptação no
sentido de garantir que não vamos ter menos água, porque há um hábito centenário da utilização, para diversos
fins, dessa mesma água. Mas, ao fazer esta afirmação, não tenho ilusões face à pouca pluviosidade prevista,
porque a água tem sempre nela origem, mesmo que esteja nos nossos aquíferos.
Por isso, Sr. Deputado, teremos essencialmente de agir do lado da procura. É mesmo agindo do lado da
procura que temos de concentrar a nossa ação, isto é, reduzindo, comprimindo, permitindo, pelo menos, que
ela não aumente. E essa é uma ação que extravasa muito, se quiser, a ação política do Ministério do Ambiente
e até extravasa muito a ação política de quem concretamente — as autarquias — faz a gestão do dia-a-dia dos
seus sistemas. Vai muito para além disso e, quando assim é, torna-se necessário um compromisso grande,
mas, por muito grande que esse compromisso seja, tudo é mais prolongado no tempo, tudo é mais complexo,
porque são muitas as tensões que aqui se gerem. É mesmo essa gestão que temos vindo a fazer.
Indo ao encontro da sua pergunta em concreto, gostaria de dizer que, sendo a verdade, por ser novidade e
porque em momento algum eu disse que a água residual tratada deveria ser utilizada apenas para a rega da
agricultura, como disse o Sr. Deputado do Bloco de Esquerda — dei apenas o exemplo da ETA (Estação de
Tratamento de Água) da Magra —, é evidente que a água residual tratada, como já referi, tem como usos todos
aqueles que são possíveis, mesmo até para uso humano, exceto para beber. Não quer dizer que, em alguns
casos, isso até não possa acontecer, mas temos de reconhecer que não é por aí que devemos começar. E, por
isso, para tudo o que sejam lavagens, limpeza de ruas, funcionamento de chafarizes, rega de jardins ou de
outros prados urbanos, de preferência com cada vez menor intensidade hídrica, devem mesmo ser utilizadas
essas águas residuais. Temos experiências!
Como esta matéria é mesmo recente — e eu nunca disse que há seis anos não era de esperar que viesse a
seca, disse, sim, que há seis anos falar de utilização de águas residuais tratadas era mesmo, apenas e tão-só,
um tema académico —, recordo que a diretiva só foi aprovada depois, aliás, logo no mês a seguir a eu ter
chegado, e que só depois disso é que houve lei e projetos em Portugal e só depois disso é que houve
investimento, apesar de termos conseguido 4 milhões de euros que não estavam previstos neste Quadro
Comunitário de Apoio. E, repito, não se trata de crítica nenhuma a ninguém. Tenho a certeza de que, ao longo
do próximo Quadro Comunitário de Apoio, irão certamente surgir necessidades de investimento que hoje não
imaginamos e, por isso, será necessário corrigi-lo. Foi isso que eu disse e não o que disseram que disse, ou
seja, que as águas residuais eram só para regar culturas permanentes.
O próximo Quadro Comunitário de Apoio vai aumentar o investimento no setor da água e no ciclo urbano da
água de 800 para 1000 milhões de euros no mesmo período de tempo. E deixe-me que lhe diga, Sr. Deputado,
que, no que diz respeito ao ciclo urbano da água, se calhar esta é a nossa última oportunidade para completar
os investimentos que temos para fazer.
Já veio muito dinheiro para Portugal e foi, todo ele, bem investido, porque, de facto, o nosso atraso era muito
grande. Mas somos mesmo um caso de sucesso na Europa e mundo fora, no que diz respeito à recuperação
Página 27
4 DE MARÇO DE 2022
27
dos indicadores de qualidade da água para os humanos e também na rejeição dos efluentes. Já dei esse número
e repito-o: em 20 anos, passámos de 65 bandeiras azuis para 262. Como imagina, não foi a água do mar que
melhorou, foi mesmo o tratamento dos esgotos que permitiu a melhoria das águas balneares.
A nossa previsão é a de que seja de 57 milhões de euros o investimento que virá a ser financiado durante o
próximo Quadro Comunitário de Apoio, o que significa multiplicar por 14 vezes a verba que depressa
conseguimos encontrar. A estes 57 milhões de euros ainda podem acrescentar-se, como adquiridos, os 23
milhões de euros para o Algarve, para a melhoria das condições de tratamento de 6 a 7 ha, que vão permitir
depois a sua utilização direta, entre outras coisas, para regar campos de golfe.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular perguntas, tem a palavra, ainda pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Pedro do Carmo.
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, ao chegar ao final deste debate, é preciso dizer — nunca é demais — que vivemos um momento difícil.
Vivemos um período de seca extrema, embora as secas em Portugal sejam uma constante registada nas
últimas décadas. A verdade é que se sentem cada vez com maior frequência, com maior intensidade e com
maior longevidade. Senão vejamos: ao nível da temperatura, dos 10 anos mais quentes, 7 ocorreram desde
1990; ao nível da precipitação, 5 dos 10 anos mais secos ocorreram depois de 2000. É, portanto, evidente o
agravamento desta situação.
No nosso País, a precipitação sazonal apresenta grande variabilidade, com diminuição na primavera, no
verão e no inverno e um aumento no outono, o que representa uma redução do período de inverno e a
antecipação da primavera, provocando, assim, uma influência direta nas culturas de inverno no nosso clima
mediterrânico.
Fica evidente que as alterações climáticas estão a fazer-se sentir e a ter como consequência um
agravamento da seca e da desertificação, maioritariamente no interior do País, nomeadamente no território
alentejano. Estes são os factos.
Mas o que é que devemos fazer para superar esta adversidade? Qual deverá ser a nossa atuação no futuro,
especificamente nos territórios mais afetados? Primeiro, reconhecer e replicar os bons exemplos. Sim, falo do
Alqueva. O Alqueva é um bom exemplo de como fazer frente à desertificação e permitir uma agricultura
altamente produtiva.
Não posso deixar de recordar alguns comentários desfavoráveis aquando da construção da barragem, em
que muitos referiam, entre outros problemas, o impacto climático que esta iria provocar na região, que seria
altamente prejudicial para as culturas. Nada, nada de mais errado! Vinte anos depois, podemos afirmar, com
toda a certeza, que o Alqueva transformou a região do Alentejo e evitou uma maior desertificação há muito
anunciada.
A grande barragem do Alqueva produz energia e disponibiliza água para a agricultura e o consumo humano.
Conclusão: devemos replicar este modelo noutras regiões do País, complementando, assim, o Programa
Nacional de Regadios, e temos o exemplo da barragem do Pisão.
O Sr. João Dias (PCP): — Grande coisa! 10%!
O Sr. Pedro do Carmo (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, a pouca água que chove não pode ser desperdiçada e só existe uma forma de a aproveitar, que é retê-la em charcas e barragens.
O caminho não é culpar a agricultura. A agricultura é alimentação, a agricultura é sustentabilidade, a
agricultura é vida, é ecologia, é fixação de pessoas no território. Só podemos evitar, de forma eficaz, a seca com
uma agricultura sustentável e com agricultores motivados, porque não é solução deixar de produzir para justificar
a redução dos consumos de água, para, em seguida, importar esses mesmos produtos de outra região do
mundo, criando a ilusão de que o problema deixou de existir. Não, não deixa de existir só porque não é à nossa
porta, Srs. Deputados.
Página 28
I SÉRIE — NÚMERO 35
28
A agricultura tem sabido evoluir no uso eficiente da água. Temos um cada vez maior índice tecnológico, com
instrumentos de precisão inovadores, implementando novas variedades, demonstrando que estamos a utilizar
mais eficazmente a água disponível, diminuindo muito as suas perdas.
Em suma, para superar a seca, temos de aumentar a nossa capacidade de armazenamento, aproveitando
toda a água da chuva, quando esta ocorre, para a disponibilizarmos nos períodos de seca, como este que
vivemos, e continuar a avançar num cada vez maior uso eficiente da água.
No entanto, este é um momento de emergência, Sr.a Ministra, pois grande parte das culturas de inverno estão
perdidas. Não há pastagens para alimentar os animais. É necessário promover e garantir o abeberamento dos
animais.
Repito, este é mesmo um período de emergência, pois acresce a esta grave situação de seca a crise que já
se fazia sentir com o aumento dos fatores de produção — como hoje já aqui foi amplamente referido, por exemplo
em relação aos fertilizantes — e, agora, Sr. Deputado, pior com esta estúpida e criminosa guerra na Ucrânia,
que vem agravar a situação e que não tem nenhuma justificação.
É urgente uma resposta da Europa aos países do sul, nomeadamente a toda a Península Ibérica, onde estes
efeitos se fazem sentir com maior incidência.
Não, não é um problema só nosso, é um problema de todos, é um problema de toda a União Europeia. Por
isso, Sr.a Ministra, além das medidas urgentes que já aqui referiu que vai tomar, pergunto-lhe: para mitigar os
efeitos nefastos desta seca, que medidas vai propor em Bruxelas para ajudar a nossa agricultura e os nossos
agricultores?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para concluir este debate, tem a palavra a Sr.a Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Sr. Presidente, Sr. Deputado, muito obrigada pelas questões aqui levantadas.
Gostava de começar por lhe dizer o seguinte: entregámos, juntamente com Espanha, ao Sr. Comissário da
Agricultura um conjunto de quatro propostas em concreto.
Por um lado, o aumento das percentagens de adiantamento dos fundos que os agricultores receberiam em
dezembro e que, por antecipação, nos últimos anos, recebem em outubro, à razão de 50% nos pagamentos
diretos, que pedimos para passarem a receber a 70%; e, no desenvolvimento rural, pedimos para passar de
70%, que receberiam por norma, para 85%.
O Sr. João Dias (PCP): — Já disse isso três vezes!
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — Por outro lado, pedimos à Comissão Europeia para que as áreas que estão em pousio possam ser utilizadas para o pastoreio; pedimos para derrogar a prática de diversificação de
culturas; e, por último, pedimos o apoio direto aos agricultores afetados por esta crise.
Lembro que — há pouco não mencionei estes números —, aquando da COVID, fizemos uma medida
semelhante, tendo a Comissão dito que podíamos utilizar 2% do pacote do desenvolvimento rural para este
efeito. Foram 71 milhões de euros destinados forfetariamente aos agricultores afetados pela pandemia. Agora,
esperamos também indicação da Comissão sobre a forma como podemos ajudar os agricultores portugueses a
fazer face aos impactos da seca.
Tal como tive oportunidade de dizer, Sr. Deputado, o gabinete de planeamento está a estudar com os setores
e a acompanhar os mercados agrícolas, para podermos saber efetivamente e de forma justa a quem é que estes
valores têm de ser atribuídos. Para já, a resposta que lhe posso dar é a de que será para o setor pecuário, para
fazer face ao aumento do preço das rações. Também já hoje aqui mencionei que de 2020 para 2021 aumentaram
53%. Portanto, temos de estar, efetivamente, atentos a este fator.
Também queria dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: ontem, na reunião do Conselho de Ministros, que foi
convocada extraordinariamente para discutir os impactos que a situação entre a Ucrânia e a Rússia já estão a
acartar também para a agricultura europeia, foi decidido, em primeiro lugar, que temos de fazer tudo para garantir
Página 29
4 DE MARÇO DE 2022
29
a segurança no abastecimento alimentar, primeiro na Ucrânia e depois em todos os Estados-Membros da União
Europeia.
Isso vai implicar um conjunto de derrogações que aumentem, nesta altura, as áreas destinadas à produção,
nomeadamente a utilização das terras que estejam em paragem, que estejam em pousio, atendendo a que, na
primavera, não vamos poder contar com a Ucrânia, que é um dos nossos países fornecedores de cereais e
oleaginosas. Portanto, vão encarecer ainda mais a alimentação e as rações para os animais e, por isso, pedimos
essas derrogações.
Pedimos também o acionamento do regulamento da Organização Comum dos Mercados — que é para isso
que existe, ou seja, para fazer face a momentos como este —, no sentido de criarmos condições para garantir
a nossa autonomia estratégica e, de alguma maneira, conseguirmos a estabilização dos preços, de modo a que
possamos evitar que os aumentos venham a refletir-se no consumidor final. É isto que nos move todos os dias.
O Sr. Deputado fez uma intervenção, que subscrevo, nomeadamente sobre se estas são medidas de
imediato, imediatistas, emergentes, para avançar com respostas que têm de ser dadas em virtude da situação
que estamos a viver. Mas outra situação é quando olhamos para a seca, que não é, como dizia o meu Colega
no início da nossa intervenção, conjuntural, é estrutural, arrasta-se há muitos anos, e o clima mediterrânico vai
ter, cada vez mais, consequências agravadas pelas alterações climáticas.
Precisamos de mudar o paradigma, todos nós, enquanto cidadãos, mas também do ponto de vista agrícola.
Precisamos de ter uma agricultura mais preparada para usar a tecnologia, para usar fontes alternativas, por
exemplo as águas residuais. Se nalguns aglomerados urbanos que têm explorações agrícolas perto será fácil
fazê-lo, noutros sítios será impossível de se fazer essa utilização, mas estamos a fazer os trabalhos necessários
para poder adaptar.
Há todo um trabalho que pode e tem de ser feito: a utilização de fertilizantes orgânicos em substituição dos
de síntese, para melhor reter a água; a produção de energia limpa, para evitar o consumo de energia elétrica; a
instalação de painéis fotovoltaicos, cuja instalação temos vindo a fomentar, com mais de 50 milhões de euros
que já destinámos aos nossos agricultores;…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Agricultura: — … a substituição de equipamentos obsoletos e, com isso, querendo uma agricultura que tem de estar preparada para o futuro, em que as alterações climáticas, em que a menor
quantidade de água disponível, o uso mais racional e o solo são os principais ativos que temos de valorizar.
A agricultura é capaz de gerar riqueza, fixar pessoas e alimentar um território e um continente, e é para isso
que a política agrícola comum foi criada e é para isso que continua a ser desenvolvida.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, concluímos esta reunião. Resta-me anunciar que está prevista a Conferência de Líderes para o dia 8, terça-feira, às 16 horas.
Muito obrigado e um resto de boa tarde.
Está encerrada a reunião.
Eram 17 horas e 1 minuto.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.