Página 1
Quinta-feira, 2 de junho de 2022 I Série — Número 19
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
REUNIÃOPLENÁRIADE1DEJUNHODE 2022
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretários: Ex.mos Srs. Palmira Maciel Fernandes da Costa Lina Maria Cardoso Lopes Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues Helga Alexandra Freire Correia
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 5
minutos. Foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência
e Estatuto dos Deputados relativo à substituição de uma Deputada do PSD.
Deu-se conta da retirada, pelo L, do Projeto de Resolução
n.º 5/XV/1.ª e, pelo IL, do Projeto de Lei n.º 29/XV/1.ª e da entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º 100/XV/1.ª, das Propostas de Lei n.os 9, 11, 12 e 14/XV/1.ª, dos Projetos de Regimento n.os 5 e 6/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 66 a 70/XV/1.ª
Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um
Página 2
I SÉRIE — NÚMERO 19
2
debate de urgência, requerido pelo CH, sobre o tema «A garantia dos direitos e liberdades no acolhimento e integração dos refugiados ucranianos». Após o Deputado André Ventura (CH) ter aberto o debate, intervieram, a diverso título, além da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes), os Deputados Bernardo Blanco (IL), Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Filipe Soares (BE), Alma Rivera (PCP), Rui Tavares (L), Nuno Carvalho (PSD), Pedro Delgado Alves (PS) e Catarina Rocha Ferreira (PSD).
Foi debatido o Inquérito Parlamentar n.º 1/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado português no estabelecimento de parcerias com associações de cidadãos russos no acolhimento e integração dos cidadãos ucranianos em Portugal. Usaram da palavra, a diverso título, além da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações (Isabel Almeida Rodrigues), os Deputados Bruno Nunes (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Rodrigo Saraiva (IL), Rui Tavares (L), Pedro Filipe Soares (BE), Alma Rivera (PCP), André Coelho Lima (PSD), Alexandra Leitão (PS) e Pedro Pinto (CH).
Foi discutida, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 6/XV/1.ª (GOV) — Aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas e transpõe a Diretiva (UE) 2018/1972, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, juntamente com o Projeto de Lei n.º 89/XV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos dos utilizadores finais de serviços de comunicações eletrónicas. Usaram da palavra, além do Secretário de Estado das Infraestruturas (Hugo Santos Mendes), os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Rui Afonso (CH), Carlos Guimarães Pinto (IL), Rui Tavares (L), Márcia Passos (PSD), Mariana Mortágua (BE), Pedro Anastácio (PS) e Paula Santos (PCP).
Deu-se conta da entrada na Mesa do Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª
Procedeu-se à discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 3/XV/1.ª (GOV) — Altera o Código de Processo Penal e a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, juntamente com os Projetos de Lei n.os 86/XV/1.ª (PAN) — Corrige a legislação
que concretiza a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 e aprofunda as garantias de proteção dos denunciantes, e 94/XV/1.ª (CH) — Criação do estatuto do arguido colaborador e agravamento das penas aplicáveis aos crimes de corrupção previstos no Código Penal. Proferiram intervenções, além da Ministra da Justiça (Catarina Sarmento e Castro), os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), André Ventura (CH), Patrícia Gilvaz (IL), Mónica Quintela (PSD), Alma Rivera (PCP), Francisco Pereira de Oliveira (PS), Rui Tavares (L) e Pedro Filipe Soares (BE).
Foi apreciada a Petição n.º 18/XIV/1.ª (Ana Sofia Loureiro Marques) — Legalização da prostituição em Portugal e/ou despenalização de lenocínio, desde que este não seja por coação. Intervieram no debate os Deputados Lina Lopes (PSD), Joana Sá Pereira (PS), Inês de Sousa Real (PAN), Joana Mortágua (BE), Rita Matias (CH), Paula Santos (PCP), Rui Tavares (L) e Patrícia Gilvaz (IL).
Foi debatida a Petição n.º 179/XIV/2.ª (Movimento 8%) — Por um investimento urgente em ciência em Portugal, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª (L) — Consagra o dever de as instituições procederem à abertura de procedimento concursal para as funções desempenhadas pelos doutorados, quando se verifique o termo do contrato, e o Projeto de Resolução n.º 53/XV/1.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas para a dinamização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, combatendo a precariedade e o subfinanciamento. Proferiram intervenções os Deputados Rui Tavares (L), Diana Ferreira (PCP), Carla Castro (IL), Rosa Venâncio (PS), Joana Mortágua (BE), Gabriel Mithá Ribeiro (CH), António Topa Gomes (PSD), Inês de Sousa Real (PAN) e Eunice Pratas (PS).
Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Resolução n.os 71 e 73/XV/1.ª e do Projeto de Deliberação n.º 4/XV/1.ª, bem como dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
O Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 17 minutos.
Página 3
2 DE JUNHO DE 2022
3
O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Temos quórum, estando presentes todos os grupos parlamentares, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade que abram as galerias ao público.
Antes de dar a palavra à Sr.ª Secretária da Mesa Palmira Maciel para ler o expediente, chamo a atenção das
Sr.as e dos Srs. Deputados para que temos de votar um parecer sobre a substituição de uma Sr.ª Deputada.
Faça favor, Sr.ª Deputada Palmira Maciel.
A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados emitiu o seguinte parecer: «A suspensão do mandato da Deputada Patrícia Dantas
(PSD) cumpre os requisitos legais, sendo substituída por João Dinis Santos Ramos, com efeitos no dia 6 de
junho, limitando-se ao dia indicado, cessando no final do mesmo dia.»
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PAN.
Sr.ª Deputada Palmira Maciel, faça o favor de continuar.
A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, começo por referir a retirada do Projeto de Resolução n.º 5/XV/1.ª (L) e do Projeto de Lei n.º 29/XV/1.ª (IL) pelos respetivos proponentes.
Passo agora a anunciar várias iniciativas legislativas que deram entrada na Mesa e foram admitidas pelo Sr.
Presidente.
Em primeiro lugar, refiro o Projeto de Lei n.º 100/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão.
Deram também entrada na Mesa as Propostas de Lei n.os 9/XV/1.ª (ALRAM), que baixa à 6.ª Comissão, e
11/XV/1.ª (GOV), 12/XV/1.ª (GOV) e 14/XV/1.ª (ALRAM), que baixam à 1.ª Comissão.
Deram igualmente entrada na Mesa os Projetos de Regimento n.os 5/XV/1.ª (IL) e 6/XV/1.ª (CH), que baixam
à 1.ª Comissão.
Por último, refiro os Projetos de Resolução n.os 66/XV/1.ª (CH), que baixa à 9.ª Comissão, 67/XV/1.ª (PCP),
que baixa à 13.ª Comissão, em conexão com a 1.ª Comissão, e 68/XV/1.ª (CH), 69/XV/1.ª (BE) e 70/XV/1.ª (BE),
que baixam à 6.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada. Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início à nossa ordem do dia, de cujo primeiro ponto consta o debate de
urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do Chega, com o tema «A garantia dos direitos e liberdades no
acolhimento e integração dos refugiados ucranianos».
Para proceder à abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra e demais membros do Governo: O que nos traz aqui, hoje, é algo que já deveria ter ocorrido, mas não ocorreu,
porque a Assembleia assim o decidiu.
Este evento ocorre ainda com a presença de um outro facto significativo: a ausência do Sr. Primeiro-Ministro
deste debate. A ausência do Sr. Primeiro-Ministro há dois meses, a ausência do Sr. Primeiro-Ministro há um
mês e a ausência do Sr. Primeiro-Ministro esta tarde, nesta Câmara.
A ausência do Sr. Primeiro-Ministro quando foi chamado à comissão para prestar esclarecimentos, a
ausência do Sr. Primeiro-Ministro com a desculpa de que não podia ser ouvido em comissão e a ausência do
Sr. Primeiro-Ministro hoje, não numa comissão, mas no Plenário da Assembleia da República.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
Página 4
I SÉRIE — NÚMERO 19
4
O Sr. André Ventura (CH): — Desde o início desta questão, ou estava na Europa, ou fora da Europa, ou fora do Governo, ou dentro do Governo, ou fora de São Bento, ou dentro de São Bento. O Primeiro-Ministro
recusou sistematicamente responder às questões que implicavam diretamente este Governo na temática do
acolhimento dos refugiados ucranianos em Portugal.
Desde o início que António Costa procurou escudar-se no Presidente da República, nesta Assembleia da
República, nos serviços secretos, na câmara municipal ou em qualquer outra entidade para fugir ao óbvio: a
responsabilidade do Governo nesta matéria.
Foram ouvidas associações e foram ouvidos grupos de interesse. Todos foram consensuais quanto a um
dado: há mais de 10 anos que as associações ucranianas denunciavam que, em Portugal, estes refugiados
estariam a ser acolhidos por pró-russos e há uns anos que estas associações eram maquilhagem de propaganda
russa, em Portugal.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
O Sr. André Ventura (CH): — Financiámos estas associações com dinheiro público, e muitas delas diretamente ligadas ao regime russo têm financiamento direto do Estado português.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
A Associação dos Imigrantes de Leste e o Centro de Apoio à População Emigrante de Leste Europeu e
Amigos são exemplos, que não queria deixar de dar, de caras de apoio aos ucranianos que são braços de
Vladimir Putin e do regime russo, em Portugal.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
Protestos do Deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro.
O Sr. André Ventura (CH): — Tudo possível de ser dito, se não fosse tão grave que o Estado português o tivesse financiado, que câmaras municipais o tivessem financiado, com dinheiro que é dos contribuintes, sem
qualquer escrutínio.
Este Parlamento ouviu os serviços secretos após esta polémica, e a informação circulou — e uso a palavra
«circulou» por uma razão, por uma expressão que vou citar. Foi-nos dito isto: «A informação que tinha de circular
circulou para quem de direito. Quem de direito tinha esta informação.» Todos sabemos quem é «quem de
direito»: é o homem que falta aqui, hoje, na bancada debaixo desta tribuna, é o Sr. Primeiro-Ministro de Portugal.
É ele que sabe e que deve dar explicações sobre o caso em apreço. Mas não!
Aplausos do CH.
O que sabia António Costa sobre esta atividade russa em Portugal? O que sabia António Costa sobre a
presença destas associações, financiadas com o dinheiro público, em Portugal? O que sabia o Governo sobre
estas associações e a sua atividade?
O Partido Socialista vetou a vinda do Presidente da Câmara de Setúbal ao Parlamento, e vetou-a por uma
razão: quando se trata de autarquias, há órgãos próprios para a sua fiscalização. É curioso que o mesmo Partido
Socialista tenha aceitado chamar Fernando Medina ao Parlamento para falar sobre a partilha de dados com a
Rússia, quando se tratou das manifestações em frente à embaixada. É um critério para uma coisa, outro critério
para outra.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
Página 5
2 DE JUNHO DE 2022
5
O Sr. André Ventura (CH): — Meus amigos, só há aqui uma dúvida: até que ponto é que o Primeiro-Ministro António Costa está envolvido nesta questão e sabia do que se passava com estas associações em Portugal?
Esta é a única dúvida que resta.
Aplausos do CH.
Sr. Presidente, no tempo que me resta para a apresentação deste debate, permita-me que refira dois
importantes elementos que uma Câmara como esta não deve desconhecer: a atribuição de 90 000 € em
subsídios a associações claramente ligadas ao regime russo e que foram por nós indicadas e o facto de as
associações terem referido que, desde 2011, o Governo recebeu denúncias sobre o que se passava, pelo que
sabia o que se passava.
O que estiveram a fazer os serviços secretos e o que esteve a fazer o Governo com a informação que lhe foi
dada pelos serviços secretos? É a isto que o Governo tem de responder. Este debate de urgência foi marcado
por uma razão, a razão pela qual o PS tentou fugir ao escrutínio durante meses e meses após a polémica ter
estalado. Notamos, até com alguma ironia, que partidos que queriam tanto escrutínio agora se vão abster ou
votar contra este mesmo escrutínio.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — A denúncia é clara: dizem as associações ucranianas que há atividade de espionagem russa em Portugal, maquilhada de associações multiculturais que estão a ser pagas também com
os nossos impostos. Em período de guerra na Europa, como é que um Primeiro-Ministro socialista pode evitar
a investigação desta matéria até às últimas consequências?
Sr. Presidente, vou terminar esta primeira intervenção dizendo o seguinte: o Chega traz hoje, no ponto
seguinte da ordem de trabalhos, uma proposta para a criação de uma comissão de inquérito a este caso, uma
comissão de inquérito para que o Parlamento faça o seu papel, não para que se substitua ao Ministério Público
ou à Polícia Judiciária, uma comissão de inquérito para que se investigue o que é que o Governo sabia, o que
é que não disse a esta Câmara e o que é que podia ter dito,…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Esse é o ponto seguinte! É para discutir depois!
O Sr. André Ventura (CH): — … uma ideia que, inicialmente, nem foi nossa, mas do novo Presidente eleito do Partido Social Democrata.
É muito curioso ver como se muda de posições a cada momento em que se fala.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Hoje ouvimos que PS e PSD vão inviabilizar, votando contra e abstendo-se, uma comissão de inquérito que, há um mês, o candidato vencedor do PSD tinha dito que ia aprovar aqui, no
Parlamento.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente, deixando isto à consciência do Parlamento: mesmo que hoje recusem debater e investigar esta questão, o Chega não se vai deixar ficar e vai propor, já no
próximo dia, a criação de uma comissão de inquérito a este caso através do exercício de um direito potestativo,
para que PS e PSD não possam fugir a esta questão.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Página 6
I SÉRIE — NÚMERO 19
6
O Sr. André Ventura (CH): — Os portugueses querem investigar isto, o País quer investigar isto, o Parlamento tem o dever de investigar isto.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — A Mesa regista as inscrições de dois Srs. Deputados para formularem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado André Ventura, que poderá usar tempo do debate para, querendo, lhes
responder.
O primeiro pedido de esclarecimento é do Sr. Deputado Bernardo Blanco, do Iniciativa Liberal.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Ventura, antes do debate que faremos a seguir, relativamente ao qual partilhamos várias das preocupações que mencionou da tribuna, tenho de lhe fazer
um pedido de esclarecimento sobre que partido vem aqui, hoje, falar sobre a situação na Ucrânia: é o Chega
que, na Assembleia, por vezes defende os ucranianos e está ao lado deles ou é o Chega que, nas redes sociais
e nas assembleias municipais do País, tem estado constantemente ao lado do regime russo?
Risos do PS.
O Sr. André Ventura (CH): — O quê?!
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — O Sr. Deputado denunciou, e bem, há algumas semanas, que há partidos que, e cito, «são incapazes de condenar esta bárbara invasão territorial da Rússia e continuam a dizer que
devíamos abandonar a NATO» (North Atlantic Treaty Organization). Disse, depois: «Seria muito bonito
defendermo-nos com poemas, com palavras e com rosas na mão, mas não é assim que o regime de Vladimir
Putin entende.»
Nós concordamos consigo, Sr. Deputado. Quanto a isto, nada temos a discordar. E, exatamente por
concordarmos, gostaria de lhe perguntar o que acha das palavras do conselheiro nacional n.º 1 do Chega,
quando disse: «Se eu conseguisse falar com o Presidente da Ucrânia, pedir-lhe-ia que se reunisse com Putin e
percebesse o que ele quer»; Zelenskyy «está a prolongar a agonia do seu povo» e «tem a obrigação moral e
histórica de parar de lutar».
Sr. Deputado, isto a mim parecem-me as tais rosas e poemas de que falava e parece-me um discurso
bastante pró-russo e contrário àquele que o Sr. Deputado, e bem, tem feito.
Em segundo lugar, um dos vice-presidentes do Chega, num texto partilhado, culpa Zelenskyy pelas
«decisões irrefletidas, idiotas e perigosas que levaram à guerra» e acrescenta ainda que Putin «entendeu agora
tentar reverter a situação ou, pelo menos, evitar que se agrave».
Sr. Deputado, isto parece-me um Deputado do PCP a falar — é o discurso que aqui têm feito — e parece-
me um bastante discurso pró-russo, contrário ao que o Sr. Deputado, e bem, tem feito.
Em terceiro lugar, vários deputados municipais seus têm-se mostrado contra o acolhimento de refugiados…
Protestos do CH.
Posso continuar?
Dizia eu que vários deputados municipais seus se têm mostrado contra o acolhimento de refugiados, tendo
uma das suas deputadas municipais classificado a guerra como o «conflito armado que foi provocado e
alimentado pela NATO e pela União Europeia» — e gostava que o Sr. Deputado me dissesse se esta é a posição
do Chega —, referindo ainda, depois, «o fantoche Zelenski e o governo genocida a que ele preside» e que
«Putin está apenas a fazer o que é certo e o que é preciso fazer».
Sr. Deputado, isto a mim parece-me um discurso bastante pró-russo, do qual discordamos totalmente,
contrário àquilo que o Sr. Deputado tem dito aqui e, por isso, antes de iniciarmos o debate, precisava de saber
qual é a posição oficial do partido Chega, se é a sua ou se é aquela que o partido, através dos outros dirigentes,
tem demonstrado.
Página 7
2 DE JUNHO DE 2022
7
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo aqui presentes, Sr. Deputado André Ventura, achamos que este é um debate da maior seriedade e que carece de
aprofundamento por parte desta Assembleia no que diz respeito à integração de todos os refugiados e não
apenas dos refugiados ucranianos.
É por isso que, de alguma forma, não podemos deixar de nos espantar com um debate que, no nosso
entender, parece pouco sério. Recordo que, no seu programa eleitoral, o Sr. Deputado defende algo como
«travar o perigo da substituição demográfica dos portugueses» por força da vinda de imigrantes estrangeiros
para o nosso País e o seu partido defende que não se devem receber, por exemplo, cidadãos do Nepal ou do
Bangladeche. Mais: temos também um drama terrível e uma crise humanitária, que até culmina na morte de
pessoas e crianças, no mar Mediterrâneo.
Nesse sentido, gostaríamos de saber a resposta à pergunta que foi feita também pelo Sr. Deputado do
Iniciativa Liberal, ou seja, com que Chega é que estamos aqui a falar hoje, mas, acima de tudo, o debate ao
nível da integração de refugiados não pode ser feito em detrimento de direitos de uns em prol de outros, deve
ser feito, de facto, para todos os refugiados. Assim, pergunto se os Srs. Deputados vão defender que a
integração que Portugal está agora a fazer deve ou não ser alargada aos milhares de refugiados como, por
exemplo, os que estão nos campos de Moria, na Grécia, ou às crianças que estão neste momento a morrer às
mãos da guerra noutros contextos pelo globo, ou se vamos, de facto, continuar a ter uma política discriminatória
por parte do Chega em relação a todos os refugiados.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, queria agradecer os pedidos de esclarecimento, sobretudo os que PSD e PS levaram a cabo neste debate, que foram muito interessantes, no tal acordo que fizeram para que
o Chega não pudesse falar.
Risos do Deputado do CH Pedro Pinto.
Agradecemos esse acordo e, aliás, o PS também vos agradece o caminho que têm feito de aproximação ao
Partido Socialista e que noticiaram.
Aplausos do CH.
Meus amigos, estão a traçar o vosso próprio caminho. Depois não digam que é desagregação da direita e
da esquerda, culpem-se a vocês próprios por se porem ao lado do Partido Socialista.
Sr. Deputado Bernardo Blanco, o Chega nunca teve dúvidas sobre o caminho que aqui seguiu. O Sr.
Deputado ainda não estava cá, mas desde o primeiro dia em que esta Assembleia reuniu que o Chega foi muito
claro na defesa do que era a Ucrânia, na defesa do nacionalismo e da identidade que os senhores tantas vezes
destroem, porque são globalistas à volta de um globo que querem destruir, e nós sempre estivemos do lado da
identidade nacional.
Aplausos do CH.
Não tenha dúvidas, Sr. Deputado! E também nunca duvidou na NATO. É que, ao contrário do seu candidato
a primeiro-ministro, que esteve em silêncio sobre isso durante as eleições legislativas, eu confrontei PCP e Bloco
de Esquerda sobre o programa que tinham, no qual queriam sair da NATO. Mas eu compreendo, Sr. Deputado,
Página 8
I SÉRIE — NÚMERO 19
8
que traga aqui posições de autarcas do Chega, porque vocês, de facto, têm tão poucos autarcas que
compreendo que olhem e digam assim: «De facto, o IL só tem dois autarcas!»
Aplausos do CH.
Portanto, compreendo, Sr. Deputado!
É que, Sr. Deputado, o Chega tem centenas de autarcas e, portanto, compreendo que o Sr. Deputado vá
buscar um caso ou outro de alguém que pensa diferente. Não somos como o Iniciativa Liberal, que tem quatro
ou cinco autarcas, temos centenas no País todo.
Depois, o Sr. Deputado foi buscar exemplos de vários militantes. Deixe-me dizer-lhe isto também: sabemos
que o Iniciativa Liberal tem 1000 ou 2000 militantes, o que não é o mesmo que os 40 000 do Chega, Sr.
Deputado.
Aplausos do CH.
Portanto, há várias opiniões e posições sobre isso — peça desculpa sobre essa situação. Por alguma razão
vocês são o quarto e não o terceiro maior partido do País. O terceiro é o Chega.
Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, de facto, temos muitos pontos em comum sobre uma coisa: a defesa da
Ucrânia é fundamental, é fundamental para o futuro da Europa, e desde o primeiro momento que o Chega
assumiu essa prerrogativa: defender a liberdade, neste momento, é defender a Ucrânia.
Agora, a Sr.ª Deputada presta um serviço muito mau à Ucrânia e presta um serviço muito mau à Europa se
comparar os refugiados ucranianos com o que temos visto no resto do mundo.
Aplausos do CH.
É que, Sr.ª Deputada, se nos perguntar se estamos de acordo em que a população da Europa seja substituída
por uma população que vem do Magrebe ou do Médio Oriente, direi que não, não estamos. E a Sr.ª Deputada
também não o devia querer, porque eles querem que a Sr.ª Deputada venha para este Parlamento de burca e
sem poder falar. É o contrário do que nós queremos!
Aplausos do CH.
Essa é que é a diferença! Essa é que é a diferença, Sr.ª Deputada, e, portanto, não, não queremos aqui
imigrantes que queiram que as mulheres sejam objetos, que queiram que as mulheres tenham de vir de burca
para o Parlamento e que achem que os nossos valores ocidentais são valores para pôr no lixo, valores que
demoraram muito a conquistar e se for preciso lutar por eles, lutaremos. Sei que a Sr.ª Deputada não se
enquadra bem no que é o ocidente, mas nós cá estamos para o defender.
Aplausos do CH.
Protestos do PAN.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco, do Iniciativa Liberal.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, já sabemos que o Sr. Deputado André Ventura tem aqui um complexo com a fita métrica, mas isso fica para si.
Protestos do CH.
Risos de Deputados do PS.
Página 9
2 DE JUNHO DE 2022
9
Queria só dizer, quanto aos autarcas, que sim, que também temos praticamente uma centena, e que o Sr.
Deputado clarificou que quer um dos seus vice-presidentes, quer o conselheiro nacional n.º 1 são simples
militantes.
O Sr. André Ventura (CH): — Todos somos!
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Certamente, depois terá de falar com eles, mas tudo bem. Pelos vistos, não há responsabilidades de dirigentes.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É um grande líder!
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Hoje, pelos vistos, a discussão será com o Chega que apoia a Ucrânia; depois, quando o Plenário acabar, já será com o Chega que apoia a Rússia.
Sobre a questão do debate, é obviamente verdade que não podemos, em Portugal, estar a pedir e a divulgar
informação que põe em causa a segurança de pessoas que estão na Ucrânia a combater o regime russo. É
verdade que houve falhas muito graves em Portugal e o Iniciativa Liberal denunciou logo isso. Eu fui a primeira
pessoa, neste Parlamento, a perguntar isso ao Sr. Primeiro-Ministro, que não respondeu, e só passados dois
dias é que os casos começaram a aparecer na imprensa, ganharam dimensão mediática e depois parlamentar.
Por isso, a primeira falha, como já foi aqui dito, é também do Sr. Primeiro-Ministro, a primeira
responsabilidade é dele e o primeiro passo para corrigirmos isto é agora excluirmos dos apoios públicos todas
as entidades sancionadas, todas as associações ligadas ao regime russo.
O primeiro passo para isso é, depois de aprovada a proposta do Iniciativa Liberal, na semana passada, no
Orçamento, fazer a tal lista que identifica associações ligadas ao regime russo. Essa lista tem de ser publicada.
Assim, a primeira pergunta que faço ao Governo é, então, quando será publicada. Obviamente que não será um
trabalho de semanas, mas gostaria de ter um certo prazo. Depois, obviamente, há que cortar e suspender todos
os apoios públicos, sejam materiais ou financeiros, a essas associações.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Vou concluir muito rápido, Sr. Presidente. Acabo com duas perguntas ao Governo: neste dia, que até é especial, gostaríamos de saber quantos
refugiados são crianças e quantos refugiados já têm contrato de trabalho, ao dia de hoje. Os últimos dados que
temos já são de há quase um mês, no Orçamento do Estado, e gostaríamos de ter os dados atualizados.
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Está agora inscrito o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, que tem a palavra para uma intervenção.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O que aconteceu no acolhimento dos refugiados ucranianos não deveria ter acontecido.
Haver ucranianos e ucranianas que chegam ao nosso País, fugidos de uma guerra, e são recebidos por
alguém que tem ligação ao agressor que os expulsou do seu país, com armas, mísseis e ameaçados de morte,
não deveria acontecer. E, se aconteceu, tem de haver uma explicação. A explicação pode ser da
responsabilidade da Câmara de Setúbal, pode ser da responsabilidade de alguma entidade do Estado, mas é
uma responsabilidade do Governo português, que é quem, em nome do Estado português, dá garantias
internacionais pelo cumprimento da lei, pela defesa dos direitos humanos e pela salvaguarda dos direitos dos
refugiados.
Desse ponto de vista, falta que a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, o Governo, nos
responda sobre o que correu mal. Já tivemos audições na 1.ª Comissão mas essa resposta inequívoca ainda
não aconteceu.
Página 10
I SÉRIE — NÚMERO 19
10
É certo que foi o Partido Socialista que impediu a vinda do Sr. Presidente da Câmara de Setúbal a este
Parlamento. É certo que o fez não por um motivo de grande dignidade e ética mas, sim, mudando a sua bitola,
mudando a forma como, para uma mesma situação, toma uma decisão. E quando há um ano tomava a decisão
de que, sim, o Parlamento devia ter acesso a todas as respostas, agora — não se sabe porquê, a não ser com
algumas desculpas esfarrapadas — «escondeu» o Sr. Presidente da Câmara de Setúbal do escrutínio deste
Parlamento, quando, com ele, com liberdade democrática, teríamos a possibilidade de lhe perguntar diretamente
o que é que aconteceu.
Mas sabemos uma segunda coisa: é que o Sr. Primeiro-Ministro, aparentemente, terá sido informado sobre
ações de elementos ligados ao regime russo no território nacional que, aparentemente, estavam relacionados
com as tais associações que faziam parte do acolhimento aos cidadãos e cidadãs ucranianos, e o Sr. Primeiro-
Ministro não agiu. Mas, lá está, não podemos perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro porque ele se esconde, ou se
esconde atrás do Regimento ou se esconde atrás do segredo de Estado, e sobre isso não podemos fazer grande
coisa. É que o segredo de Estado tem costas largas e, de facto, dá para esconder muito, mas há respostas
políticas que não deixam de ser pertinentes mesmo que o Primeiro-Ministro não lhes responda, mesmo que ele
diga que são segredo de Estado.
Agora, tem sorte a Sr.ª Ministra, tem uma grande sorte, porque foi cá chamada pelo Chega e nem sequer
uma pergunta lhe colocam. A única coisa que dizem é: «não gostamos de si, queríamos era o Primeiro-Ministro»,
mas também nem uma pergunta colocaram ao Primeiro-Ministro. Afinal, convidaram o Governo para tomar café,
porque a seguir dizem: «Não, mas o importante não é este debate, é o debate seguinte sobre a comissão de
inquérito». Não, não é bem, sequer, o debate seguinte, é o debate que ainda vamos marcar sobre uma outra
comissão de inquérito, porque no que toca a conhecer o caso concreto, que é gravíssimo, o Chega não quer
saber de nada e nós sabemos porquê.
O Sr. Deputado Bernardo Blanco esqueceu-se de fazer a pergunta que creio que é ainda mais fundamental.
É que perguntar sobre dirigentes do Chega, já se sabe, a resposta é sempre a mesma: aquilo é o partido de
uma pessoa só, que põe e dispõe, é o presidente que manda, tudo vai atrás.
O Sr. André Ventura (CH): — Aqui são 12 e vocês são 5!
Vozes do CH: — Doze!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Mas, Sr. Deputado, lembrar-se-á das fotografias de André Ventura aos abraços e beijinhos com Marine Le Pen ou aos abraços com Matteo Salvini, e lembrar-se-á também de que
esses dois, Le Pen e Salvini, são exatamente os mesmos que davam a mão a Putin quando ele tinha no seu
plano usar a extrema-direita para desestruturar os países europeus.
É por isso que no Chega a incoerência não vem de baixo, não vem do médio, não é sequer da direção, é do
próprio presidente do partido, que agora diz que é contra Putin e todos os seus aliados, mas daqui a minutos,
ou, se calhar, daqui a dias, vai andar abraçado exatamente aos aliados de Putin, e é exatamente isso que temos
de desmascarar.
Aplausos do BE.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Fantástico!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera(PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado: A separação de águas entre quem promove e convive com a xenofobia e o racismo e quem os combate não se
faz com afirmações proclamatórias mais ou menos humanistas.
Protestos do CH.
Página 11
2 DE JUNHO DE 2022
11
Faz-se no compromisso com soluções para os problemas que atingem os imigrantes e os refugiados que
procuram no nosso País condições para recompor as suas vidas.
O Sr. André Ventura (CH): — Viu-se quando o Zelenskyy falou no Parlamento! Não estavam cá!
A Sr.ª Alma Rivera(PCP): — Essa separação de águas faz-se no compromisso com medidas de acolhimento adequadas, simplificação de procedimentos para regularização da situação administrativa e o acesso a serviços
públicos, medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração laboral ou sexual, medidas de
integração social e também de defesa dos direitos cívicos e políticos de refugiados e imigrantes, de todos os
refugiados e imigrantes, sem distinção de etnia, de religião, de proveniência geográfica ou qualquer outro critério
discriminatório.
Protestos do CH.
Essa separação de águas, tão necessária nos dias de hoje, faz-se com a assunção de responsabilidades
pelo Estado, a começar pelo Governo e as entidades sob a sua tutela. Por isso, a primeira questão que importa
esclarecer é se o Governo vai assumir algum compromisso ou se vai continuar a transferir as suas
responsabilidades para outros, nomeadamente autarquias, se vai juntar-se a outros espetáculos degradantes
como aqueles a que temos assistido, não hesitando em mentir para sacudir a ligeireza e a incompetência com
que tratou das situações, ou se vai continuar a colocar as decisões e as responsabilidades do Estado português
nas mãos de Estados estrangeiros.
O acolhimento de refugiados é, de facto, um dever humanitário e Portugal deve assumi-lo como tal em todo
o seu alcance. Essa disponibilidade para acolher, que faz parte dos nossos valores e do espírito de Abril,
fundador do regime democrático, não dispensa, antes reforça, a responsabilidade de olhar criticamente para as
condições desse acolhimento.
Desde logo, é incontornável reconhecer que as condições legais que foram criadas para o acolhimento dos
refugiados e imigrantes ucranianos têm de ser comuns a outros refugiados e imigrantes, e o bom que se fez não
apaga responsabilidades dos governos e de instituições europeias quanto a outros momentos e refugiados que
encontraram mares de indiferença, sacrificando-se tantas vidas, mas devem ser tornadas definitivas para que,
no futuro, sirvam para todos os refugiados e imigrantes.
Por outro lado, é preciso, de facto, que o Governo assuma as suas responsabilidades e não as empurre para
outros, recorrendo, às vezes, até à mentira. Estão em causa questões como a homogeneização de processos
ou coordenação de acolhimentos voluntários, a identificação e intervenção relativamente ao acolhimento de
emergência com vista a soluções estáveis, uma falha que já tem os seus reflexos quando sabemos dos cidadãos
ucranianos que ficaram sem alojamento no Algarve ou na Guarda sem que estivesse acautelada solução
alternativa.
Está em causa a insuficiente articulação entre as estruturas do Estado e a articulação do Estado com
entidades como as associações de imigrantes. Neste âmbito, e depois de toda a campanha de xenofobia lançada
com mentiras, com calúnias, a propósito do acolhimento em Setúbal, a medida mais relevante tomada pelo
Estado português, e pelos piores motivos, foi a de entregar a uma embaixada estrangeira uma decisão que só
pode caber ao Estado português, relativamente às entidades com quem se relaciona para assegurar esse
acolhimento. As consequências dessa decisão são óbvias. Assumidas indiretamente pelo Governo, poderão
ser, de facto, consequências dramáticas. Basta pensar na situação em que ficam os cidadãos que fugiram da
Ucrânia por serem perseguidos, por motivos políticos, étnicos ou por outros, para se compreender isso.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Finalmente condenam alguma coisa!
A Sr.ª Alma Rivera(PCP): — Relativamente à prevenção da exploração laboral, sexual e do tráfico de seres humanos, a situação não é menos preocupante. Apesar da ligeireza com que a Sr.ª Ministra afirmou que não há
nenhum caso de tráfico de seres humanos, também em Portugal a ponta do icebergue começou a aparecer,
com casos noticiados de tráfico de mulheres ucranianas.
Página 12
I SÉRIE — NÚMERO 19
12
Preocupa-nos também o aproveitamento desta vaga de refugiados e migrantes como mão de obra barata e
a falta de meios da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho).
Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados, são muitos e sérios os problemas nestas matérias e, por isso, o PCP
insistiu na sua discussão há quase dois meses. Não desistiremos deste combate contra a xenofobia e lutaremos
pelo compromisso político com as soluções necessárias e com a vida daqueles que procuraram o nosso País
para conseguirem construir um projeto de vida melhor.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Caras e Caros Colegas: Confesso o meu espanto por assistir a um debate — de urgência, veja-se lá! — sobre acolhimento e integração
de refugiados em que não há uma única menção à Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos
Refugiados. Compreendo que, da parte do requerente do debate, não haja, porque proteção de pessoas
refugiadas em geral não é um tema que lhe interesse.
Protestos do CH.
No entanto, essa é a base legal que protege as pessoas que acolhemos em Portugal. Esse é o compromisso
internacional a que Portugal e o seu Governo estão obrigados. Portanto, esse é também o compromisso
internacional e constitucional a que esta Câmara se obriga, vigiando e fazendo-os respeitar.
O que vemos neste debate é uma espécie de coreografia para fugir propositadamente ao alvo, e, quando se
foge propositadamente ao alvo, o que parece é que, afinal, o alvo não é aquele que devia ser.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Fale de Setúbal! Não falou de nada!
O Sr. Rui Tavares (L): — Porque, se este for um tema de espionagem, vem o SIS (Serviço de Informações de Segurança) e diz que não nos pode dizer mais do que aquilo que disse. Se for um tema de transferência de
dados para uma embaixada estrangeira, é crime — fale-se com o Ministério Público e com a Polícia Judiciária.
Se for um tema de poder local, será com o Sr. Presidente da Câmara de Setúbal, que não veio cá. Se for um
tema de proteção de dados, é com a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Rui Tavares (L): — Para concluir, este tema é de integração e acolhimento de refugiados e a pergunta é muito simples: esteve Portugal à altura das suas obrigações internacionais? E a resposta é simples também:
temos de fazer muito melhor, não estivemos suficientemente à altura, e é isso que estamos aqui a debater hoje,
mas que o proponente, estranhamente, não quer debater.
Protestos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Carvalho, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: O que hoje ouvimos foi um conjunto de afirmações e de considerações e todas elas tiveram algo de
impressionante — desviaram-se do problema. Ou seja, não conseguiram colocar aqui, até agora, a questão
fundamental, que é uma pergunta simples. Por exemplo, quanto aos refugiados de Setúbal — aquela que é a
minha cidade, a minha terra, que acolhe bem e que, naturalmente, se esforçou para acolher bem os refugiados
—, esse problema já foi resolvido? Algum membro do Governo já lá foi, já interveio?
Página 13
2 DE JUNHO DE 2022
13
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Sim ou não? O que vimos aqui foi um conjunto de afirmações que levaram a considerações sobre outros partidos, como
o PSD ou como o Iniciativa Liberal, levaram a considerações sobre várias outras coisas quando, na prática —
repito, na prática —, não querem é resolver o problema.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — É mesmo isso!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados: Acho que há aqui partidos que têm de fazer jus ao nome. Já chega! Já chega, porque isto não é um circo!
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Isso mesmo!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Já chega porque o Partido Social Democrata está cá para abordar o problema diretamente.
Aplausos do PSD.
O Partido Social Democrata está cá para tratar da dimensão humana deste problema. Srs. Deputados, há
partidos que querem que defendamos uma política que diz: «Vamos distinguir em função do sítio onde as
pessoas nascem.» Foi isto que ouvimos!
Sr.as e Srs. Deputados, façam jus ao vosso nome: já chega!
Aplausos do PSD.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Grande moral!
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao olhar para o agendamento desta tarde vemos, na ordem do dia, dois tópicos relativos a matérias que são aparentadas. Mas o facto de
serem aparentadas não nos obriga a confundi-las e a tentar fazer o mesmo debate, em simultâneo, de duas
coisas distintas.
Aquilo que o Sr. Deputado André Ventura não fez na intervenção inicial, ao não conseguir separar os temas,
os restantes Srs. Deputados que usaram da palavra até ao momento têm-se esforçado por fazer, com seriedade,
neste debate.
Protestos do CH.
Chegaremos à discussão sobre o inquérito parlamentar, mas, de facto, o que estávamos à espera de
encontrar neste ponto da discussão era saber como está a decorrer o acolhimento de refugiados em Portugal,
em todo o território nacional, como é que podemos solicitar elementos adicionais ao Governo sobre esta matéria,
uma vez que temos tido a oportunidade — seja na audição regimental do Orçamento, seja nas vindas à 1.ª
Comissão — de ouvir a Sr.ª Ministra e a Sr.ª Secretária de Estado a fazer um ponto de situação sobre o que se
tem sucedido.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — O Governo não respondeu!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — O que, de facto, vemos é uma intenção clara de confundir dois temas e também de simplificar o que é especialmente complexo. E dou exemplos sobre isso.
Página 14
I SÉRIE — NÚMERO 19
14
Olha-se para a realidade da comunidade ucraniana em Portugal — também ela complexa, diversificada e
heterogénea —, que há muitos anos aqui se encontra radicada e tem associações de várias proveniências
(algumas serão russófonas e russófilas, outras serão falantes de ucraniano), com posições diferentes que
espelham também a diversidade desses países, e espera-se que 10, 5, 7 anos depois a República Portuguesa
faça juízos sobre factos que não podia conhecer ou faça juízos sobre o passado, sobre factos que ocorreram
há dois meses. Isso é inaceitável, também, na forma como se posiciona o debate.
Quando se fala de aspetos como, por exemplo, o apoio que certas associações de migrantes tiveram, em
Portugal, nos últimos 10 anos, espera-se fazer um debate sobre o que aconteceu há 10 anos com factos a que
temos acesso há 2 ou 3 anos? Espera-se julgar factos de há 10 anos com base em comportamentos que
ocorreram há 3 ou 4 meses?
Protestos do CH.
O que é facto é que houve, transversalmente às várias forças políticas que desde 2011 asseguram a
governação — quer quando foi a coligação do PSD com o CDS, quer quando foi o Partido Socialista a governar,
e ainda governa —, apoios a várias organizações que preenchiam os requisitos constantes da lei! A composição
do Conselho Consultivo do ACM (Alto Comissariado para as Migrações), também ela, tem regras estipuladas e
firmadas na lei e há que respeitar aquilo que ainda somos, felizmente: um Estado de direito que não discrimina
nem os cidadãos portugueses nem os cidadãos ucranianos que entre nós residem e que, por isso mesmo,
nesses momentos, foram beneficiários dos apoios desde que preenchessem os requisitos e, evidentemente,
cumprissem e respeitassem a ordem jurídica portuguesa.
Ora, nos elementos que, até ao momento, temos tido capacidade de obter, com as audições parlamentares,
com a discussão que temos feito nesta sede, há uma ausência de elementos que demonstrem o inverso.
Há uma situação que queremos discutir, que é o acolhimento de refugiados. Portanto, o que seria de esperar
era termos, neste debate, uma lista de problemas sobre este acolhimento de refugiados. Foi isto que ouvimos?
Foi isto que ouvimos por parte do proponente deste debate sobre como está a correr, até aqui, o acolhimento
de refugiados em Portugal? Não, isso foi o que ouvimos de todos os outros partidos, aproveitando o debate para
colocar questões à Sr.ª Ministra e à Sr.ª Secretária de Estado, para que este debate tenha alguma utilidade. Não
que a utilidade seja trazida pelo proponente do mesmo — isso é que é estrondoso! —, são os restantes partidos
que estão a dar algum uso útil a este debate, fazendo questões sobre aquilo que interessa.
Aplausos do PS.
E, já agora, naturalmente, podemos e devemos aprofundar a informação a que temos acesso, mas, graças
às várias audições parlamentares, ordinárias e aquelas requeridas adicionalmente, sabemos várias coisas:
sabemos o número de pessoas que foram beneficiárias de proteção temporária — mais de 40 000; sabemos o
número de crianças (e a Sr.ª Ministra, seguramente, dará informação mais detalhada do que aquela que
tínhamos há umas semanas, mas é um número significativo, são quase 12 000, de acordo com os dados
apresentados quando a audiência parlamentar teve lugar); sabemos que temos sete vezes mais refugiados a
ser acolhidos em 2022 do que nos anos anteriores e que, neste contexto, é insuperável a resposta que a
República Portuguesa tem dado face à escala do desafio e face ao facto de sermos um País especialmente
procurado pela comunidade migrante ucraniana, porque sabe que aqui tem raízes, tem uma rede de associações
e aqui estão muitos dos seus familiares. Portanto, a resposta de portugueses e de ucranianos neste País tem
sido, a esse nível, exemplar.
Sabemos que foram adaptadas e introduzidas várias medidas legislativas e de regulamentação que
asseguram acesso à escola, à proteção social, ao emprego, a números de identificação. Tudo isto sabemos
porque, de facto, o Parlamento tem funcionado, e tem funcionado dentro da normalidade, escrutinando, também,
a atividade do Governo, seguramente com partidos que discordam mais do que outros das soluções que o
Governo apresenta. Aliás, este é dos que discordará menos, tende a não discordar, faz um esforço por isso e
espera um esforço simultâneo do outro lado.
Mas é este o debate que devíamos estar a fazer. E se algum tema pudesse ser relevante a partir da questão
de Setúbal, que foi o pretexto e o único caso que, até ao momento permitiu identificar dificuldades, era saber,
Página 15
2 DE JUNHO DE 2022
15
na articulação com as autarquias (e esta é a pergunta que deixo à Sr.ª Ministra), como é que podemos fazer
este trabalho.
Sr.ª Deputada Alma Rivera, permita-me discordar mas não é uma questão de desresponsabilização.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Mas foi isso que a Sr.ª Ministra fez!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — A administração central exerce as suas competências e, quando os municípios querem, estabelecem um protocolo com a administração central, que tem regras para ser feito, e os
municípios que o fizeram são monitorizados. Há uma carta ética anexa ao protocolo que assinam com os
municípios e com o ACM e, portanto, é perfeitamente possível fazer esse acompanhamento. Aquilo que,
infelizmente, tivemos no caso de Setúbal foi a ausência de protocolo e a ausência desta possibilidade de ter
apoio adicional e regras que assegurariam e cumpririam este funcionamento.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.as e Srs. Deputados, o Partido Socialista não tem receio de reconhecer
quando erra. Errámos, de facto, quando achámos que o local próprio para um presidente da câmara prestar
esclarecimentos era este. Aliás, fizemo-lo, até, em relação a um autarca do Partido Socialista, portanto, o PS
não se escudou e não arranjou um pretexto para não trazer aqui um autarca do seu partido, mas hoje reconhece
que não o fez corretamente e que o local próprio é a assembleia municipal, e, curiosamente, em relação a um
autarca que nem é do Partido Socialista. Portanto, quanto a isso, acho que é eticamente correto reconhecer
quando erramos e não repetir o erro.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Rocha Ferreira, do PSD.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal mobilizou-se para receber mais de 39 000 refugiados ucranianos até agora. Trata-se do maior fluxo de refugiados desde a II
Grande Guerra. Foi um esforço solidário dos portugueses, que, uma vez mais, demonstraram a sua dimensão
humana face ao drama que se vive na Ucrânia, e peço redobrada atenção para este facto: cerca de um terço
são menores.
Perante esta realidade, Sr.as e Srs. Deputados, acham que este tema é só político? Perante esta realidade,
Sr.as e Srs. Deputados, não acham que este tema tem uma dimensão humana?
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Sim, tem! Tem uma dimensão humana à qual Portugal deu resposta através do poder local, com juntas de freguesia e câmaras municipais a mobilizarem-se, ordens
profissionais a disponibilizarem-se para ajudar, associativismo e empresários, milhares de pessoas anónimas,
e a lista continua.
E ficaria mal, aliás, fica muito mal a este Parlamento não começar este debate precisamente por agradecer
a todos aqueles que ajudaram a que Portugal fosse reconhecido lá fora.
Aplausos do PSD.
Como disse a Sr.ª Ministra dos Assuntos Parlamentares, referindo-se ao caso de Setúbal, uma andorinha
não faz a primavera. Mas a verdade é que, acima de tudo, temos é de reconhecer que a mobilização foi do País,
foi de Portugal, foi dos portugueses. E, sim, esse é o agradecimento que deve ser feito e sobre isso o Governo
deve conter-se e não tentar roubar os louros da dimensão humana que o País demonstrou,…
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Muito bem!
Página 16
I SÉRIE — NÚMERO 19
16
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — … uma verdadeira onda de solidariedade. Mas esta onda de solidariedade do povo português não retira a responsabilidade do Governo, da Sr.ª Ministra nem do Alto
Comissariado para as Migrações.
Não é apenas grave não termos ouvido uma palavra de agradecimento de forma tão expressiva como a do
Grupo Parlamentar do PSD, que está aqui, hoje, a agradecer ao País, nem da parte da Sr.ª Ministra nem da
parte do Alto Comissariado para as Migrações, é, antes, muito grave vermos o Governo evitar responsabilidades
sobre o acolhimento de refugiados em Portugal quando a responsabilidade por todos — sublinho, por todos e
por cada um dos refugiados que Portugal acolhe — é do Governo do País.
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Essa é que é essa!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Por isso mesmo o País, particularmente a grande parte dele que se envolveu nesta onda de solidariedade, não pôde deixar de ficar espantado — diria até indignado — quando
ouviu, há dias, a Alta-Comissária para as Migrações dizer que só soube do caso de Setúbal pela comunicação
social.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Com estas afirmações, o País só se pode interrogar: afinal, o Governo não sabe quem está a acolher refugiados? Afinal, o Governo não sabe quem o está a substituir no seu
papel?
Aplausos do PSD.
Afinal, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra dos Assuntos Parlamentares, qual é o papel do Governo? É
assobiar para o lado?!
É confrangedor ver os principais responsáveis políticos, os decisores nesta área tão sensível e com a
dimensão humana que tem, com mais dúvidas que certezas. Com este cenário parece haver só uma certeza: é
que o Governo, até agora, é o único que não corresponde.
E há mais um exemplo recente: o Governo e o Alto Comissariado para as Migrações lançam uma linha de
apoio aos ucranianos, SOS Ucrânia. Até aqui, tudo normal. O que é absolutamente incompreensível é que as
três opções de atendimento da linha, pelo menos até há poucos dias atrás, eram: tecla 1, português; tecla 2,
inglês; tecla 3 — pasmem, Sr.as e Srs. Deputados! —, não era ucraniano, era mesmo russo.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Nada contra a língua russa, mas onde anda o Governo? E, pior, o que anda a fazer o Alto Comissariado para as Migrações?
Quando a Rússia invade a Ucrânia, com toda a tragédia que isso acarreta, tal implica os ucranianos deixarem
tudo o que tinham para trás e muitos perderam familiares. Chegam a Portugal para recomeçar a vida e a linha
de apoio que o Governo cria atende-os em russo. Isto é ilegal?! É óbvio que não, mas choca.
Vozes do PSD: — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — É óbvio que sim, que choca qualquer pessoa, ou, pelo menos, devia chocar a Sr.ª Ministra e o Governo.
Aplausos do PSD.
Aqui, em Portugal, pelo menos, face à onda de solidariedade pela Ucrânia, da qual fazem parte quase todos
os partidos, deveria chocar.
Página 17
2 DE JUNHO DE 2022
17
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — A Mesa pergunta se há mais pedidos de palavra ou se podemos passar para o segundo ponto da nossa ordem de trabalhos.
Pausa.
Pela ordem de inscrição, há dois pedidos de palavra: do Sr. Deputado André Ventura e da Sr.ª Ministra
Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Deputado André Ventura dá, com todo o gosto, a precedência, pelo que tem a palavra, para uma
intervenção, a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (Ana Catarina Mendes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Julgo que a utilidade deste debate — e quero agradecer ao Chega por tê-lo proposto — é
mesmo a de percebermos que, mais do que falarmos para os jornais ou as redes sociais, devemos falar de
factos e da política de acolhimento que tem sido merecedora do reconhecimento internacional e que Portugal
faz todos os dias.
Aplausos do PS.
O segundo aspeto a sublinhar é este: não se trata apenas do reconhecimento aos refugiados ucranianos que
aqui chegam; trata-se de todos os refugiados e de todos os imigrantes que chegam a Portugal, que merecem o
mesmo tratamento de dignidade e de respeito pelo seus direitos, liberdades e garantias.
Aplausos do PS.
Sr.as e Srs. Deputados, se dúvidas houvesse sobre o proponente deste debate, nem uma palavra, repito,
nem uma palavra disseram sobre a vulnerabilidade das mais de 39 000 pessoas que chegaram a Portugal e dos
mais de 6 milhões e meio de deslocados da Ucrânia que estão, neste momento, a espalhar-se pelo mundo.
Aplausos do PS.
Aquilo que é verdadeiramente essencial para o Governo é que haja uma plena integração de todos os que
aqui chegam.
Sr.as e Srs. Deputados, há 15 dias, Portugal foi distinguido nas Nações Unidas por ser um dos melhores
países quanto às políticas públicas de acolhimento e integração dos imigrantes.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Agradeça aos portugueses!
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Sr.as e Srs. Deputados, se não me quiserem ouvir a mim, ouçam o Presidente Zelenskyy a agradecer a Portugal e ao Primeiro-Ministro o acolhimento dos
deslocados da Ucrânia em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Agradeça aos portugueses!
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Se não me quiserem ouvir a mim, Sr.as e Srs. Deputados, ouçam o Chanceler alemão, que, anteontem, reconheceu Portugal como exemplar na política de
acolhimento aos refugiados e nesta crise.
Sr.as e Srs. Deputados, há muita coisa que foi feita ao longo dos anos e eu gostaria — porque vale a pena
olhar para números — de dizer que, nos finais de 2015, Portugal passou a ser parte de todos os mecanismos
Página 18
I SÉRIE — NÚMERO 19
18
de acolhimento internacionais. Portugal tem vindo a participar nas respostas de emergência humanitária,
criando, em 2017, o Núcleo de Apoio à Integração de Refugiados, no ACM, e podia falar de várias das políticas
que fizemos.
Sobre os refugiados, as pessoas que vêm da Ucrânia, é importante que a Câmara tenha consciência de que,
em primeiro lugar, Portugal foi o primeiro país da União Europeia a conceder proteção temporária a estas
pessoas e a dizer que aqui acolhia todos os aqui quisessem chegar.
Aplausos do PS.
Estamos a falar de mais de 39 000 pessoas cujos processos de agilização para número de contribuinte,
número de utente de saúde ou número de segurança social estão, hoje, acima dos níveis que eram expectáveis
pelas bancadas da oposição.
Temos, hoje, das 12 500 crianças, 4600 crianças já integradas no sistema educativo português e cerca de
3000 contratos de trabalho já celebrados com as pessoas que aqui chegam, e mais contratos de trabalhos serão
celebrados nos próximos tempos.
Há muito que podemos fazer?! Sim, seguramente, podemos todos os dias melhorar, mas melhorar é, quando
se percebe que a tecla 1 é em português, a tecla 2 em inglês e a tecla 3 em russo, no imediato, fazer com que,
como foi feito, seja em ucraniano, porque é essa a obrigação do Estado português. Foi isso que fizemos e é isso
que está, neste momento, a ser feito.
Protestos da Deputada do PSD Catarina Rocha Ferreira.
Experimente, Sr.ª Deputada!
É também preciso dizer, quando as coisas correm mal — e volto a referi-lo —, que neste caso concreto a
andorinha, felizmente, não fez a primavera, ou seja, felizmente, a ligeireza com que Setúbal fez o acolhimento
dos refugiados não é exemplo no País.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Mentiu na Assembleia!
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Não é exemplo no País e por isso é que não podemos dizer, como a Sr.ª Deputada disse, que 150 pessoas deslocadas da Ucrânia estavam na iminência de
ficar sem alojamento esta semana — aliás, no dia de hoje. Neste momento, elas estão todas com resposta de
habitação em Portugal.
Aplausos do PS.
Mais: das 39 000 pessoas, 10 000 pessoas pediram alojamento e estão todas integradas e com resposta de
alojamento.
Há um esforço que será melhorado, nos próximos tempos, com todas as autarquias que queiram,…
Protestos do PCP.
… repito, com todas as autarquias que queiram celebrar protocolos com o Alto Comissariado para as
Migrações, para responder às necessidades de alojamento que as pessoas têm neste momento.
Por isso, Sr.as e Srs. Deputados, percebo a tentativa da «espuma dos dias», mas para o Governo há uma
coisa que é certa: o respeito pelos direitos humanos de todos os que aqui chegam é para ser cumprido com
políticas públicas a sério de integração para estas pessoas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, agora, o Sr. Deputado André Ventura, do Chega, para uma intervenção.
Página 19
2 DE JUNHO DE 2022
19
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No encerramento deste debate, fica clara uma coisa. Fica claro que o Governo não quer responder ao motivo pelo qual foi chamado.
Sei que todas as bancadas têm o interesse de transformar este debate num exercício geral do acolhimento
aos refugiados em Portugal. Acontece que não foi para isso que foi aqui chamada, Sr.ª Ministra. Foi chamada
para dizer se o Governo tinha, ou não, informações que comprometiam a segurança dos ucranianos, e o
Governo não quer responder a isso. Mais grave do que isso, não quer responder com o apoio de todas as
bancadas! Isso é que é grave, num debate como este.
Aplausos do CH.
Sr. Presidente, ouvir o PCP preocupado com os refugiados ucranianos…
Risos do CH.
Protestos do PCP.
… não seria um exercício trágico mas é mais próximo de uma comédia, vindo do partido que se recusou a
assistir a uma conferência do Presidente Zelenskyy no Parlamento.
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, não sei se este é um partido de um homem só. Olho para trás e vejo 12
Deputados; olho para aí e só vejo cinco. Por isso, não sei o que é um partido de um homem só, Sr. Deputado!
Aplausos do CH.
Mas também acho graça a isto, Sr. Deputado: é que foi o seu grupo parlamentar que, na Europa, votou contra
a resolução do Parlamento Europeu sobre a agressão da Rússia à Ucrânia!
Protestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares.
Sim, Sr. Deputado! Eu digo-lhe! Já que não sabe, vá estudar!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Estude você! Não seja mentiroso!
O Sr. André Ventura (CH): — Foram os pontos n.os 21, 22, 25 e 27. Por isso, quando o grupo europeu do Bloco de Esquerda vota contra as sanções à Rússia, o Sr. Deputado
não tem grande moral para falar disso.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Não seja mentiroso!
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Deputado, se são abraços e beijinhos, vou dizer-lhe uma coisa: nunca estive na mesma casa que o Pablo Iglesias, que ainda ontem defendeu que não devia haver mais sanções à
Rússia. Fica para preocupação do Bloco de Esquerda.
Sr. Deputado Nuno Carvalho, de facto, já chega. Já chega de ver o PSD sempre a dar a mão ao Partido
Socialista.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Espero que, com uma nova liderança, por amor de Deus, ultrapassem esta fase negra da vossa história, estando sempre ao lado do Partido Socialista. Já chega! Aí, Sr. Deputado, estamos
em acordo absoluto.
Aplausos do CH.
Página 20
I SÉRIE — NÚMERO 19
20
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr. Presidente. Peço-lhe só uma tolerância para concluir.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não pode, por sistema, infringir a regra regimental.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir. Peço-lhe só esta tolerância, Sr. Presidente, para responder ao seguinte: Sr. Deputado Pedro Delgado Alves e Sr.ª Ministra Ana Catarina Mendes, o que está aqui em causa
não é o acolhimento. Sei que o que o Sr. Deputado queria era transformar isto num debate do género: «Ah, o
que é que podemos fazer melhor agora, Sr.ª Ministra?» E a Sr.ª Ministra: «Olhe, podemos fazer mais isto e mais
aquilo». Não estamos a falar disso! Estamos a questionar se o Governo de António Costa sabia, ou não, que
eram russos que estavam a receber ucranianos…
Vozes do CH: — Exatamente!
O Sr. André Ventura (CH): — … e se os serviços secretos informaram, ou não, o Governo português de que havia espionagem russa em Portugal, nestas associações.
A isso, nem a Ministra nem o Sr. Deputado foram capazes de responder. A isso, só uma comissão de inquérito
poderá responder, porque quanto ao Governo já vimos que não quer responder.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Não, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, não foi um exercício de ética…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem mesmo de terminar.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar mesmo, Sr. Presidente. Como estava a dizer, não foi um exercício de ética que impediu o Presidente da Câmara de Setúbal de vir
aqui. Não é a vossa catarse histórica de dizer que se enganaram. Têm é medo do que o Sr. Presidente da
Câmara de Setúbal pode vir dizer a este Parlamento.
Aplausos do CH.
Essa é que é a verdade e é por isso que não querem responsabilidades.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nuno Carvalho.
O Sr. André Ventura (CH): — Não pode ser! Já foi o encerramento, já não pode ter a palavra!
O Sr. Presidente: — Não, Sr. Deputado André Ventura. O debate de urgência organiza-se com uma abertura, que cabe ao partido proponente, e, depois, pela ordem de inscrição, intervêm todos os grupos parlamentares ou
Deputados únicos que assim o entenderem, na medida do tempo de que dispõem.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, faça favor.
O Sr. André Ventura (CH): — Peço desculpa, Sr. Presidente, não temos nada contra que o Sr. Deputado Nuno Carvalho use da palavra, mas, quando a Mesa foi contactada, foi-o especificamente para indicar que o
tempo seria usado no encerramento deste debate.
Página 21
2 DE JUNHO DE 2022
21
Vamos lá ver: o Regimento não é só para quando nos convém! Não é o proponente que encerra o debate e,
depois, têm a palavra os outros todos! Não cabe na cabeça de ninguém, porque…
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É, é!
O Sr. André Ventura (CH): — Não, não! O Chega contactou a Mesa especificamente para o encerramento do debate. Por isso, Sr. Presidente, não foi falha do Chega, foi falha da Mesa. Contactámos a Mesa para encerrar
o debate, que é o costume neste tipo de agendamentos.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Para fazer uma interpelação telegráfica à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, telegraficamente, é só para dar nota de que, no modelo de debate que estamos a fazer, que é da escolha do proponente e é um debate de urgência, há um tempo
específico para abertura mas não há tempo para encerramento.
O Sr. André Ventura (CH): — Não é isso!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Haverá, aliás, no debate que se segue, o qual, sim, tem um tempo específico para o encerramento, em que o proponente tem a prerrogativa de usar da palavra.
Podia o proponente ter escolhido outro modelo, mas escolheu este.
Aplausos do PS.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado André Ventura, pede a palavra para que efeito?
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, é para dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves sobre isto.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, interpele a Mesa sobre a condução dos trabalhos. Faça favor.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, em resposta ao que disse o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, peço-lhe que vá a um site que deve conhecer, que é www.parlamento.pt. Em www.parlamento.pt, está a
ordem do dia. Vamos lá ver se nos entendemos todos!
No fim da ordem do dia, neste ponto — vou ler, para que não haja confusões —, diz-se: «Se tiver tempo, o
grupo parlamentar que requer o debate de urgência é o último a intervir».
Aplausos do CH.
Vamos lá ver se nos entendemos! É o que está na ordem do dia!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Não é!
O Sr. André Ventura (CH): — O Grupo Parlamentar do Chega…
Página 22
I SÉRIE — NÚMERO 19
22
Protestos do PS.
Falem baixo!
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peço condições. Mantenhamo-nos cordiais. Sr. Deputado André Ventura, faça o favor de concluir a sua interpelação.
O Sr. André Ventura (CH): — Muito sucintamente, Sr. Presidente, assumindo um direito que o próprio Regimento e a ordem do dia estabelecem, o Chega contactou a Mesa para ser o último grupo parlamentar a
intervir e tinha 1 minuto e 47 segundos. Foi isso que foi pedido.
Não faz sentido outro grupo parlamentar vir falar a seguir ao encerramento. É completamente contrário ao
que está na ordem do dia.
Sr. Deputado, é www.parlamento.pt, «ordem do dia». Veja lá, é o que lá está.
O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, a figura regimental do debate de urgência organiza-se da forma como descrevi: há um período de abertura, o partido proponente tem 6 minutos para apresentar o tema e, depois,
segue-se um período de debate. Esse período de debate não termina com um encerramento do debate. É um
período que se organiza de acordo com os tempos regimentais atribuídos a cada grupo parlamentar e segundo
a grelha que foi tempestivamente aprovada em Conferência de Líderes. Nesses termos, a inscrição faz-se pela
ordem com que é pedida.
Se houve entre o Grupo Parlamentar do Chega e a Mesa alguma comunicação que possa ter induzido o
Chega em erro, como Presidente da Assembleia, peço desculpa ao Chega por isso, mas o que a ordem do dia
determina não é que esteja previsto um encerramento. Tenho à minha frente a ordem do dia, que, por acaso, é
rubricada por mim, portanto, é válida.
Portanto, o Sr. Deputado usou o seu tempo quando entendeu e, agora, há um grupo parlamentar que dispõe
ainda de tempo e que o quer usar. É um direito desse grupo parlamentar e, portanto, vou dar a palavra ao Sr.
Deputado Nuno Carvalho.
Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Vou ser muito, muito breve. Para um partido que está assim tão mal, de facto, se calhar, usar 6 segundos podia preocupar muito o Chega.
Protestos do CH.
Não vou perder mais tempo com o Chega, vou apenas fazer uma referência muito importante, para recordar
a Sr.ª Ministra, que também ainda dispõe de tempo, de que era importante que se lembrasse que deve agradecer
aos portugueses, a todos os que se mobilizaram para que Portugal constasse, efetivamente, desses rankings e
recebesse esses prémios.
Quando o Primeiro-Ministro, em nome de Portugal, recebe esses prémios é em nome de todos os
portugueses que se esforçaram.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Mas a Sr.ª Ministra voltou a não lhes agradecer, ao contrário do que fez o Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Ministra voltou a referir Setúbal, mas não é Setúbal, é a Câmara Municipal de Setúbal, porque muitos
setubalenses envolveram-se com projetos portugueses para receber os refugiados.
Sr.ª Ministra, ainda tem tempo. Por favor, agradeça!
Aplausos do PSD.
Página 23
2 DE JUNHO DE 2022
23
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para intervir o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves.
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito telegraficamente, quero dizer ao Sr. Deputado André Ventura que o Partido Socialista não tem medo de qualquer intervenção que o Sr.
Presidente da Câmara Municipal de Setúbal possa fazer. Portugal é um país livre, ele falará onde entender e
isso será disseminado pelos meios de comunicação social.
Portanto, tudo o que ele quiser dizer poderá dizer.
O Sr. André Ventura (CH): — Menos a verdade!
O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Aquilo que não fazemos é retirar à Assembleia Municipal e à Câmara Municipal de Setúbal o seu direito de fiscalizar o órgão para o qual foram eleitos. Isso é que achamos que não
devemos fazer.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra para uma intervenção a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares.
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de voltar a dizer o seguinte: para o Governo, o que está em causa não é marcar pontos para redes sociais. O
que está em causa, verdadeiramente, é tratar dos mais vulneráveis,…
O Sr. André Ventura (CH): — São os portugueses!
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — … que estão a chegar a Portugal neste momento e precisam de ser acolhidos, bem tratados e integrados.
É nisso que estaremos sempre concentrados. Para tudo o que estiver fora desta esfera, não contarão com o
Governo do PS.
Mais, Sr. Deputado: a melhor demonstração de que agradecemos todo o esforço é que, neste momento,
perante o voluntarismo e a solidariedade que se gerou em Portugal, estamos a tentar responder àqueles que,
voluntariosamente e com muita solidariedade, trouxeram as pessoas e para as quais não têm resposta, como
aconteceu e está a acontecer no Algarve.
É para isto que trabalharemos, para acolher todos com dignidade e respeito pelos seus direitos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Passamos ao segundo ponto da ordem do dia, que consta da apreciação do Inquérito Parlamentar n.º 1/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar à atuação do Estado português
no estabelecimento de parcerias com associações de cidadãos russos no acolhimento e integração dos
cidadãos ucranianos em Portugal.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, na sua pessoa, cumprimento todos os presentes. Grande parte do debate já foi feito e já percebemos que o Chega considera que deve existir uma comissão
de inquérito e que devemos esclarecer os assuntos. Toda a gente fala muito lá para casa, acusam o Chega de
ir para as redes sociais, mas, depois, vemos que o vereador do PS disse que o Presidente da Câmara de Setúbal
tinha conhecimento da ligação ao Kremlin e, aqui, o PS tenta escondê-lo.
Depois, o Sr. Deputado Nuno Carvalho gosta de fazer estes filmes acerca do Chega… «Já chega, já
chega!»…
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Chega, chega!
Página 24
I SÉRIE — NÚMERO 19
24
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Já chega, mas o senhor continua a gritar na Assembleia Municipal, dizendo que a Câmara deve cair e que o PSD vai apresentar moções de censura, sabendo que, em assembleia municipal,
as moções de censura nem sequer têm validade jurídica! Faz o filme todo lá e, depois, vem para aqui dizer que
defende tudo e mais alguma coisa e que os 6 segundos… Já chega!
Já chega disso, porque, em Setúbal, já ninguém acredita em si.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Chega para lá!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — «Chega para lá», diz o senhor. Espero que chegue para cá Montenegro, que, pelo visto, é o único que tem tido o posicionamento de perceber que esta comissão de inquérito tem de ser
feita,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora aí está! Ora bem!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — E os refugiados?!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … em conjunto com Jerónimo de Sousa, que diz que não há problema nenhum em vir falar da situação da comissão de inquérito.
Aplausos do CH.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — E os refugiados?!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Pelo meio, temos uns filmes acerca do que vai acontecendo, em que o Iniciativa Liberal se junta às vossas divergências — aliás, ainda não percebi se o Sr. Deputado Bernardo Blanco pertence
à fação Cotrim ou à fação Pinto — e vão tendo estas guerras, a tentar sobressair, com algumas brincadeiras
pelo meio.
Aplausos do CH.
Sabe que não adianta serem liberais na economia e, depois, nos costumes, estarem encostados àquele
lado… Não basta abrir dois botões da camisa para dizer que se é liberal. É muito mais do que isso!
Risos e aplausos do CH.
Quem está lá em casa ou nos acompanha aqui dirá: mas, afinal, o que é que aconteceu em Setúbal?
As perguntas foram feitas à Sr.ª Ministra, em sede de comissão, mas todas as perguntas que foram feitas
por nós tiveram de resposta, como diria o outro, «bola»!
Quanto ao que o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves dizia sobre se vamos agora averiguar as relações de
há 10 anos para cá, a questão é que, há 10 anos, os senhores diziam que não conheciam uma instituição a
quem deram 130 000 €.
Protestos do PS.
Portanto, vamos parar com isto.
O vosso único problema é que a comissão de inquérito é pedida pelo Chega e subscrita por André Ventura.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É verdade!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — O resto é conversa!
Página 25
2 DE JUNHO DE 2022
25
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. Sr.ª Deputada, peço-lhe que se atenha aos tempos, visto que estamos numa discussão que já teve
prolegómenos no ponto anterior.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito obrigada, Sr. Presidente, com o nosso minuto, certamente, não poderemos fazer grandes milagres.
Sr.as e Srs. Deputados, dirijo-me, em particular, ao Chega, que trouxe a proposta para a criação de uma
comissão eventual de inquérito, para dizer que o PAN irá acompanhar esta iniciativa. Entendemos que, apesar
dos esclarecimentos prestados no âmbito da comissão, os mesmos não foram cabais para esclarecer o episódio
que ocorreu, além de que não deixa de ter igual gravidade o que foi mencionado sobre o apoio técnico aos
cidadãos ucranianos, através de linhas telefónicas, estar a ser feito em russo. Em nossa opinião, não é esse o
acolhimento que nos devem merecer.
Entendemos que todos os esclarecimentos devem ser prestados, mesmo os que não foram, nomeadamente
os do Presidente da Câmara, que deveria ter vindo aqui, a convite da Assembleia da República — até porque
já existia esse precedente —, porque estamos a falar do direito ao refúgio, um dos direitos basilares, até do
ponto de vista internacional.
Iremos, por isso, acompanhar esta proposta, até porque estão também em causa questões de segurança
interna e da transmissão de dados cujo alcance desconhecemos.
Para concluir, em relação ao que foi afirmado no debate anterior, quanto à questão das mulheres, não posso
deixar de referir que não é apenas uma burca que torna as mulheres invisíveis. Há muitas outras formas de o
fazer, nomeadamente a de um aspeto conservador do vosso partido, que acha que as mulheres são inaptas
para estar na vida política.
Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção em nome do Iniciativa Liberal, o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate e a possibilidade de constituição de uma comissão de inquérito sobre os acontecimentos de Setúbal só ocorrem porque o Partido
Socialista bloqueou o papel fiscalizador do Parlamento.
Desde que foram conhecidos os infelizes acontecimentos — pelo menos em Setúbal! — no acolhimento a
refugiados ucranianos que o Iniciativa Liberal procurou esclarecimentos na Casa da democracia. Era uma
necessidade que a sociedade, como um todo, demonstrava.
Sr.ª Ministra, muito correu bem, é certo, mas nem tudo correu bem e, por isso, seriam precisos
esclarecimentos.
Em sede de comissão, fórum parlamentar adequado, ouvimos associações de ucranianos, a Alta-Comissária
para as Migrações, dois ministros, o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e o Conselho de
Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), este à porta fechada. Mas ficaram
muitos de fora!
Ficaram de fora o Diretor Nacional do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), a Secretária-Geral do
Sistema de Informações da República Portuguesa — apesar da nossa sugestão para que a ouvíssemos à porta
fechada —, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Setúbal e a Sr.ª Embaixadora da Ucrânia em Portugal.
Ficou também de fora o Sr. Primeiro-Ministro, num requerimento apresentado pelo Iniciativa Liberal, depois de,
uma vez mais, o PS ter chumbado a audição da Sr.ª Secretária-Geral do Sistema de Informações, mesmo que
à porta fechada.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
Página 26
I SÉRIE — NÚMERO 19
26
A Assembleia da República possuía várias razões com legitimidade suficiente para inquirir, convocando ou
convidando todas estas entidades para esclarecimento, mas o PS, refugiando-se em formalismos e em
pareceres datados, fugiu, mais uma vez, aos esclarecimentos e à transparência e evitou, mais uma vez, o
contraditório.
Cito alguém que, em 2019, nesta Casa, dizia: «Com o PS não há escrutínio, porque, simplesmente, não lhes
apetece.»
Ao ser rejeitado um processo de audições e de fiscalização, este Parlamento falhou aos portugueses e falhou
também aos refugiados, que foram colocados em situações de enorme desconforto e insegurança.
Era responsabilidade deste Parlamento fiscalizar, sem reservas, não só o caso de Setúbal como todas as
suspeitas que existiam.
Sabemos que houve graves falhas na comunicação entre diversas entidades públicas responsáveis e no
acolhimento dos refugiados. Todos merecíamos um esclarecimento transparente, mas, não, graças ao PS, à
data de hoje e mesmo com o debate anterior, continuamos sem saber o que se passou em concreto.
O PS decidiu construir uma narrativa de que só em Setúbal haveria problemas e de que as culpas eram
exclusivas da Câmara de Setúbal, mas continuam as dúvidas sobre isto. Só com a cronologia deste mês, fica
claro que o PS nada vai esclarecer e nada quer esclarecer. É mais uma chaga no cadastro de inimputabilidade
que o PS cultiva.
Não é de admirar, pois, que na próxima edição anual do Índice da Democracia, Portugal volte a cair posições,
sendo já classificado como «uma democracia com falhas».
Aqui chegados, a escolha é entre dois males: ceder a este PS embriagado pela maioria absoluta e sem
escrutínio ou aprovar uma comissão de inquérito que não se adequa ao apuramento de responsabilidades
políticas neste caso. É triste que assim seja.
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações.
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações (Isabel Almeida Rodrigues): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Relativamente a este pedido para a realização de um inquérito parlamentar, gostaria de
começar por lembrar algo que, creio, já todos percebemos, porque o autor desta iniciativa é, precisamente, o
mesmo da iniciativa que esta Câmara discutiu anteriormente.
Aquilo que percebemos é que a última coisa que interessa ao autor da iniciativa é o estado em que se
encontra o acolhimento em Portugal. Tanto uma iniciativa como outra servem outros objetivos que não o de
cuidar do interesse daqueles que imigram por variadas razões ou se veem forçados a deslocar-se dos seus
países de origem para fugirem aos conflitos que neles se enfrentam.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — É Secretária de Estado ou é Deputada?!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Feito este ponto de situação, vamos, então, tentar perceber em que é que uma comissão de inquérito pode ser mais útil ao apuramento da verdade, ao
esclarecimento das portuguesas e dos portugueses, do que as diligências que já estão em curso.
Sabemos que, por iniciativa do Governo, foram dadas orientações à Comissão Nacional de Proteção de
Dados, que é a entidade com competência para fiscalizar o cumprimento do Regulamento Geral de Proteção de
Dados, e à IGF (Inspeção-Geral de Finanças), porque há uma tutela da legalidade relativamente às autarquias
locais, para que aferisse esse cumprimento da legalidade. No dia 10 de maio, o próprio Ministério Público tornou
público um comunicado, dizendo que tinha sido instruído um inquérito no dia 2 de maio e que, no âmbito desse
inquérito, nesse dia 10, estava a ser realizado um conjunto de diligências pelo DIAP (Departamento de
Investigação e Ação Penal) de Setúbal, com os apoios do Departamento de Investigação Criminal e da Polícia
Judiciária de Setúbal.
A lei das comissões parlamentares de inquérito diz que estas comissões gozam dos poderes de investigação
das autoridades judiciais que a esta não estejam constitucionalmente reservados. Acontece que as diligências
Página 27
2 DE JUNHO DE 2022
27
que o Ministério Público desencadeou no dia 10 de maio, com vista a apurar a existência ou não de matéria
criminal, se enquadram no âmbito das diligências que estão, precisamente, subtraídas à competência desta
Assembleia.
Aplausos do PS.
Então, a questão que coloco é a seguinte: estando em curso estas três investigações, estando já em curso
uma investigação por uma entidade que tem um conjunto de competências de investigação e de diligências que
as Sr.as e os Srs. Deputados não têm, qual é a vantagem que esta comissão trará?
Da parte do Governo, estaremos sempre disponíveis para esclarecer tudo aquilo que as Sr.as e os Srs.
Deputados entenderem. Neste caso, consideramos que há, claramente, uma duplicação do trabalho que está a
ser feito, com uma evidente desvantagem, atendendo à diferença de competências que existe entre Ministério
Público e Assembleia da República.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com um debate de urgência e um debate sobre a comissão de inquérito, o requerente teve duas oportunidades para explicar o que quer ver esclarecido e o que
retira dos esclarecimentos que já tivemos, mas falhou a dar resposta a ambas as perguntas.
Fomos esclarecidos acerca de bastantes coisas.
Foi enviada, pelo Governo, uma circular às autarquias com os cuidados a ter no acolhimento de refugiados
ucranianos?! Sabemos que não foi enviada essa circular, mas o requerente nunca quis saber da importância
disso.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Isso faz-se na comissão.
O Sr. Rui Tavares (L): — Havia troca de informações entre serviços de informação e o Alto Comissariado para as Migrações?! Sabemos que não, e o requerente não se interessa por isso.
O requerente só se interessa por aquilo que pode ter sumo político numa área que não tenha nada que ver
com o acolhimento de refugiados.
Percebo que não queiram ler as Convenções de Genebra,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isto é Setúbal!
O Sr. Rui Tavares (L): — … porque têm 18 páginas, o que, pasme-se, é o dobro…
Protestos do CH.
Tenham calma, Srs. Deputados, tenham calma.
Como dizia, sabemos que 18 páginas são o dobro das páginas do programa eleitoral do vosso partido às
últimas eleições.
Risos e protestos do CH.
Nas Convenções de Genebra encontrariam que o direito de não-discriminação e o direito de unidade familiar
dos refugiados são as obrigações perante as quais o Estado português se compromete, à altura das quais
podemos não ter estado.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
Página 28
I SÉRIE — NÚMERO 19
28
O Sr. Rui Tavares (L): — Concluo, Sr. Presidente. A pergunta final é muito simples: a comissão de inquérito serve para melhorarmos o acolhimento de
refugiados — e assim teria uma utilidade — ou para utilizarmos os refugiados nos vossos jogos político-
partidários? Se for a segunda hipótese, para esse peditório, meus caros, já demos.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: À questão sobre se há perguntas por responder no que toca ao acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal,
a resposta muito direta é esta: há.
As perguntas foram feitas? Foram, mas o Governo não respondeu.
Elas poderiam ter sido respondidas? Poderiam, mas o Governo não quis responder.
O Sr. Presidente da Câmara de Setúbal deveria ter vindo a este Parlamento responder a algumas delas,
mesmo respeitando a independência do poder local? Poderia e deveria, o PS é que não quis.
A qualquer das perguntas que gostaríamos de ver respondida, o Sr. Primeiro-Ministro dirá, provavelmente e
em qualquer momento, «é segredo de Estado e, por isso, não responderei»? Dirá.
Está também em curso uma investigação judicial? Está.
Ora, todo este conjunto de perguntas e respostas mostra como há, ainda, verdade por apurar, importante
para conhecimento político do País. Mostra, também, uma grande ineficácia da proposta de criação de uma
comissão de inquérito, porque, para a maior parte das perguntas que poderemos fazer neste contexto, haverá
uma destas respostas: «não posso responder, porque está uma investigação judicial em curso» ou «não posso
responder, porque é segredo de Estado». E, provavelmente, isso é a capa que esconderá uma outra resposta,
mais verdadeira — mas essa não a ouviremos —, que é a seguinte: «Não vou responder porque não me
apetece.»
Essa resposta não temos capacidade de averiguar com uma comissão de inquérito.
Pergunto: esta proposta de comissão de inquérito radica numa verdadeira vontade de conhecer a verdade?
Não parece, porque nenhuma das perguntas concretas que deveria ter sido feita o foi, nem nos debates de hoje,
nem na Comissão, por parte do Chega.
Mais, consigo até perceber qual foi o momento em que nasceu a vontade da constituição da comissão de
inquérito na mente do Chega. Foi quando, no debate interno do PSD, Luís Montenegro — agora líder, mas então
candidato — afirmou: «Se calhar era importante haver uma comissão de inquérito.» Vai daí, André Ventura
disse: «Antes que o PSD o proponha, ou antes que o Iniciativa Liberal entregue a proposta, vamos nós fazê-lo».
Porquê?! Como?! Isso logo se vê.
Bem, mas esse «logo se vê» mostra a ineficácia quase total da proposta, e esse é que é o grande problema.
O Sr. André Ventura (CH): — Mas como é que vão votar?!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso, concluindo: há perguntas por responder e não seremos obstáculo à criação da comissão de inquérito,…
O Sr. André Ventura (CH): — Ah!…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … mas não temos expectativas reais de qualquer consequência da comissão de inquérito, exatamente pelo que já disse: porque, em vários momentos, existirá uma investigação
judicial que será a resposta para as perguntas que queremos fazer e, em outros momentos, haverá um segredo
de Estado para as perguntas que queremos fazer.
Mas, Sr.ª Ministra, nenhuma destas vertentes de resposta retira uma outra realidade: a de que o Governo
deve respostas ao País e sobre elas ainda não esclareceu o que deveria ter esclarecido.
Aplausos do BE.
Página 29
2 DE JUNHO DE 2022
29
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para intervir o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, algumas das interpelações foram sobre quais são, afinal, as perguntas do Chega, mas é por isso que queremos uma comissão de inquérito, para fazer as perguntas, porque
se fosse para discutir isso seria um debate e não a criação de uma comissão de inquérito.
Portanto, ficou bem claro, à data, que as perguntas que fizemos em comissão não foram respondidas. Aliás,
está registado em vídeo que não existiu resposta.
O que queremos saber agora, aqui — e podemos poupar uma série de trabalho —, é o vosso sentido de
voto, porque quem votar contra está a ser conivente com tudo isto. Ponto final, parágrafo.
Aplausos do CH.
É claro que a história está mal explicada. É claro que existem questões que não foram respondidas. Aliás,
chegámos ao ridículo de o Partido Comunista dizer «sim senhora, o Sr. Presidente da Câmara vem cá» e de
ninguém querer perguntar nada a ninguém, a ver se isto passa.
O Sr. André Ventura (CH): — É o medo!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — E é o Chega a ser populista. Meus senhores, vamos ter topete.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há, de facto, esclarecimentos e apuramentos que é preciso fazer. Aliás, antes de alguns terem visto na questão dos
refugiados matéria para retirarem proveitos político-partidários, já o PCP…
O Sr. André Ventura (CH): — Já o PCP tinha visto!?
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — … tinha colocado em cima da mesa a possibilidade de uma audição para ouvirmos a Sr.ª Ministra, exatamente sobre essa questão e sobre as preocupações que, já então, tínhamos com
o processo de acolhimento de refugiados.
Para apurar questões de utilidade que melhorem o acolhimento que fazemos, é preciso que o Governo
responda, mas o Governo não respondeu na audição que fizemos nem respondeu à pergunta escrita! Aliás, não
respondeu a mais de uma pergunta escrita que o Grupo Parlamentar do PCP fez. E, pela postura neste Plenário,
parece que não quer responder.
Só que há coisas a que é mesmo muito, muito importante responder.
É importante perceber que protocolos se devem seguir e se há uma homogeneização desses protocolos ou
se vamos continuar a assistir às entidades responsáveis a dizerem que não têm nada que ver com os
procedimentos que são seguidos.
É importante perceber se vamos ver essa homogeneização, se vamos ver mais facilidade e celeridade em
matéria de estatuto legal e de documentação, por exemplo, sabendo nós o historial que temos com a questão
da atribuição de documentos.
O que é que vamos fazer relativamente à questão da habitação? Os problemas não são só aqueles que já
se revelaram, os problemas são de todos os refugiados que, neste momento, estão em acolhimento de urgência,
que é um acolhimento voluntário por parte de famílias. Essa não é uma situação de estabilidade aceitável para
que o Governo a possa aceitar como última solução.
Página 30
I SÉRIE — NÚMERO 19
30
Que medidas, por exemplo, está o Governo a tomar do ponto de vista da prevenção da exploração laboral,
quando já vimos tanta gente a esfregar as mãos de contente porque vem aí um conjunto de pessoas que pode
ser facilmente aproveitado, pela sua vulnerabilidade?
E relativamente à exploração sexual e ao tráfico de seres humanos?! Em Espanha, já foram detetadas
situações dessas e em Portugal já foram detetadas situações.
A Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares: — Não é verdade!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — É óbvio que isso vai acontecer numa situação em que não houve monitorização da entrada de pessoas no nosso País e em que há muitas mulheres e crianças não acompanhadas. Isso é,
objetivamente, uma consequência dos movimentos migratórios e nós, como não somos caso à parte, temos de
a prevenir e combater.
Procurar diminuir esta questão é de uma irresponsabilidade enorme que põe em causa a vida de mulheres e
crianças que estão no nosso País, e essa deveria ser a preocupação predominante.
Portanto, a resposta a estas questões e as medidas necessárias — porque isto é uma questão de medidas,
é uma questão de ação, não é uma questão de retórica! — são, de facto, urgentes. Mas será que estas questões
dependem de uma comissão de inquérito?
O Sr. André Ventura (CH): — Serve para qualquer coisa!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Será numa comissão de inquérito que se conseguirá chegar a estes apuramentos e, sobretudo, avançar nas melhorias que são necessárias?
Cremos que não, cremos que não é este o instrumento adequado.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Ah, vão votar contra?!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — São precisas respostas, sim, mas, sobretudo, medidas e ações para quem realmente está interessado numa política mais humanista e num acolhimento muito melhor para quem procura
o nosso País.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado André Coelho Lima, do PSD, para uma intervenção.
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Embora não nos competindo fazer qualificações das intervenções, sobretudo do partido que apresenta este
requerimento, não posso deixar de dizer que é confrangedor assistir à motivação para esta comissão
parlamentar de inquérito.
Uma comissão parlamentar de inquérito é uma coisa séria, regimentalmente prevista e os senhores tiveram
oportunidade para a fundamentar, mas perderam-se em tergiversações, perderam-se nas plasticidades levianas
habituais, sem conseguirem fundamentar a este Parlamento o que motiva esta comissão parlamentar de
inquérito.
Aplausos do PSD.
Dito isto, e porque é preciso pôr as coisas no seu devido lugar, importa dizer que há muito por esclarecer no
que respeita a Setúbal, à Câmara Municipal de Setúbal e aos refugiados ucranianos que ali foram acolhidos.
O Sr. André Ventura (CH): — Então votem a favor!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — É ainda preciso dizer que é uma matéria da maior importância. Está em causa a imagem internacional de Portugal, está em causa a confiabilidade das nossas instituições perante
Página 31
2 DE JUNHO DE 2022
31
países terceiros, aos olhos do mundo, e está em causa, devo dizer, a nossa confiança na capacidade e
competência das nossas próprias instituições.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Este é um esclarecimento que é mais do que necessário, é o esclarecimento que se impõe e que é obrigatório.
Por isso mesmo, em devido tempo, o PSD, apresentou vários requerimentos para que fossem ouvidas em
audição, na 1.ª Comissão — e quase todas essas audições ocorreram —, as organizações e personalidades
que achávamos necessárias para esclarecer esta matéria.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quem fala pelo PSD, até ver, ainda somos nós, os que aqui estamos.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — E o PSD não é contra a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. De tal forma não o é que não descarta a possibilidade de a poder requerer.
Risos do CH.
Os senhores acalmem-se! Os senhores são muito nervosos. Isso faz parte daquilo que querem passar lá
para fora, mas a mim não me afeta.
Deixem-me continuar: o Chega apresentou este requerimento para constituição da comissão parlamentar de
inquérito antes de as audições terem ocorrido. Devo até dizer que, nessa altura, a comissão parlamentar de
inquérito poderia fazer algum sentido, reconheço.
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Muito bem!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Faria sentido, com certeza. No entanto, as audições vieram a esclarecer, de modo que consideramos suficiente, aquilo que pretendíamos
saber.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não é verdade o que está a dizer!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Ouçam com atenção, para ver se aprendem alguma coisa! O que é que as audições esclareceram?
Ponto um, que os serviços de informações tinham devidamente monitorizada a atividade destas organizações
e destes cidadãos. Isso já tinha sido veiculado na imprensa, mas faltava confirmar e foi ali confirmado.
Ponto dois — este é o mais importante —, que o conteúdo dos relatórios dos serviços de informações chegou
ao gabinete do Sr. Primeiro-Ministro. Esta é que era a conclusão que queríamos retirar das audições, e
retirámos.
Portanto, a partir daqui, tendo ficado claro o que queríamos saber — que é que o Primeiro-Ministro teve
conhecimento dos relatórios —, só falta fazer esta pergunta: o que é que o Primeiro-Ministro fez com essas
informações?
Aplausos do PSD.
Protestos do CH.
Por isso, Srs. Deputados do Chega, o que falta é ouvir o Primeiro-Ministro sobre esta matéria, mas no local
próprio, neste Plenário da Assembleia da República, perante o escrutínio público dos portugueses, permitindo
esse mesmo escrutínio e não — como permitiria a comissão parlamentar de inquérito que os senhores querem
Página 32
I SÉRIE — NÚMERO 19
32
— que o Sr. Primeiro-Ministro, usando da prerrogativa do n.º 3 do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Inquéritos
Parlamentares, responda por escrito.
O Sr. André Ventura (CH): — Ah! E aqui vai responder?! Vai, vai!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Aqui, perante o olhar dos portugueses, vai responder ao que o Parlamento português tem que lhe perguntar. É assim que funciona a democracia.
Vozes doPSD: — Muito bem!
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Por isso, em conclusão, Sr. Presidente, queria dizer o seguinte: antes das audições ocorridas no âmbito da 1.ª Comissão, poderia, de facto, fazer sentido convocar e requerer a
comissão parlamentar de inquérito.
Depois das informações que obtivemos na decorrência dessas audições, é preciso questionar o que é que o
Primeiro-Ministro fez com essas audições. Então sim, depois de ouvirmos o Primeiro-Ministro e em função
daquilo que ele disser, veremos se é ou não relevante requerer uma comissão parlamentar de inquérito, sendo
que o próprio PSD pondera fazê-lo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Chega.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado André Coelho Lima, o que é que o Chega pretende com isto? Olhe, pretende ser mais eficaz do que o Sr. Deputado que está sentado ao seu lado foi ao apresentar
moções de censura na Câmara de Setúbal, que não servem para nada e sabia que iam chumbar.
O Sr. André Ventura (CH): — É verdade!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Portanto, poderiam ter pedido antes da 1.ª Comissão, mas nós ainda demos a benesse para que a Sr.ª Ministra pudesse responder na Comissão e ela não respondeu a nada. Os senhores
estavam lá e sabem que não tiveram resposta.
Aliás, os senhores assistiram ao número que o PS fez ao trazer algumas associações de Braga para falarem
do que se estava a passar em Setúbal. Parecia o apanhado do Herman José, quando diz «eu, é mais bolos»,
porque o senhor não sabia o que lá estava a fazer! E os senhores continuam a achar que isto é perfeitamente
normal.
Quem fala pelo PSD são, de facto, os senhores, mas, felizmente, há alguém — que também já está fora
dessa bancada e que agora vos lidera — que tem sido claro no seu posicionamento e acha que esta comissão
de inquérito deve existir.
Protestos dos Deputados do PSD Nuno Carvalho e Sofia Matos.
Mas como vocês continuam sempre partidos, pode ser que, entretanto, continuem a ter uma decisão cá
dentro e outra lá fora. Mas vá a Setúbal justificar que afinal está tudo bem, Sr. Deputado.
O vosso Deputado municipal que vá a Setúbal juntar-se com o vereador do PS e com o vosso vereador daqui
e justificar aquilo que andam aqui a defender, enquanto lá andam a dizer outra coisa.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — E os refugiados?
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sabe, Sr. Deputado, Setúbal não serve só para ir lá nas eleições, comer choco frito e bater no peito a dizer: «É a minha terra.»
Aplausos do CH.
Página 33
2 DE JUNHO DE 2022
33
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — E os refugiados?
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, do Grupo Parlamentar do PS, para uma intervenção.
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Caras Deputadas e Caros Deputados: Num Estado de direito democrático existe escrutínio e, neste caso, houve — e está a haver —
escrutínio, só que, num Estado de direito democrático, o escrutínio tem regras, porque é assim que se evita que,
sob a capa do escrutínio, se faça, na verdade, um aproveitamento político inqualificável de uma situação que
não é para aproveitamento político.
E querem saber como houve escrutínio? Houve escrutínio, porque na Comissão foram ouvidos os ministros,
a Presidente do ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas), o Secretário-Geral do Sistema
de Segurança Interna, a Comissão de Fiscalização do SIRP, associações de ucranianos. Podem ter respondido
a mais ou a menos, mas todos eles concluíram que não havia um problema sistémico no acolhimento de
refugiados ucranianos em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Alguns não têm nada que ver com aquilo!
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — É uma questão localizada. Ora, aquilo que me está a querer parecer, francamente, ouvindo o Sr. Deputado Bruno Nunes, é que querem
discutir política de Setúbal na Assembleia da República. Não é a sede própria, lamento dizer-lhe.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — É verdade!
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — A Assembleia da República não é a sede própria para discutir política de Setúbal.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Não sabem!
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Para isso já está a ocorrer — tanto quanto sabemos — uma comissão de inquérito, uma fiscalização, em sede própria, cumprindo e respeitando o princípio da autonomia local.
Aplausos do PS.
Já agora, os serviços e as entidades competentes do tal Estado de direito democrático que todos nós
prezamos — uns mais do que outros! —…
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É verdade, é verdade, uns mais do que outros!
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — … já estão a atuar. Estão a atuar a Inspeção-Geral de Finanças, a Comissão Nacional de Proteção de Dados e o próprio
Ministério Público e são eles que, em sede própria, devem atuar, porque são eles que têm competência para o
fazer.
Esta Casa já escrutinou onde e como devia e não vamos dar azo a aproveitamentos políticos inqualificáveis
de situações que merecem ser tratadas com seriedade.
Aplausos do PS.
Página 34
I SÉRIE — NÚMERO 19
34
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para intervir a Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Rodrigues.
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, vou «roubar» à Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, uma palavra importantíssima que referiu, mais do que uma vez, na
sua intervenção: seriedade.
Por exemplo, Sr.ª Deputada Alma Rivera, não é sério dar entrada de uma pergunta no dia 25 de maio e, no
dia 1 de junho, acusar o Governo de não ter respondido.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não! Nas audições!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Não é sério, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — O que não é sério é dizer isso! Isso é que não é sério!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Como também não é sério tentar criar a tese de que o Governo está empenhado em esconder informações. Aliás, como ficou demonstrado à saciedade pela
Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, estivemos aqui sempre que a isso fomos instados e fizemo-lo com gosto, mas
também no estrito cumprimento do nosso dever.
Relativamente à questão, que muito nos preocupa — compreendo e partilho a sua preocupação, Sr.ª
Deputada Alma Rivera —, do tráfico de seres humanos, julgo que seria útil para todos, e, eventualmente, o
Governo também deverá fazer um esforço nessa matéria, conhecermos com maior profundidade o trabalho que
está a ser desenvolvido pela CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género) e pelo Relator Nacional
de Tráfico de Seres Humanos.
Neste momento, em mais de 20 situações suspeitas, apenas uma foi encaminhada pelas autoridades
competentes para investigação criminal. Queria dizer-vos que as forças de segurança têm feito um trabalho…
Protestos dos Deputados do PCP Alma Rivera e Bruno Dias.
É um, é verdade, mas sinalizámo-lo, detetámo-lo, está a ser investigado, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Ótimo!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Está a ser feito um trabalho extraordinário pelas forças de segurança em controlos fronteiriços.
Foram divulgados, também em língua ucraniana, folhetos alertando os deslocados e os migrantes para todas
as situações relativamente às quais devem estar alerta e que respeitam não apenas ao tráfico de seres
humanos, mas também, por exemplo, às situações de exploração laboral.
Isto para dizer, Sr.ª Deputada, que o mundo e as instituições são feitos por seres humanos e nunca vamos
poder garantir-lhe que conseguiremos sempre antecipar-nos a todas as situações.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Não é um problema humano!
A Sr.ª Secretária de Estado da Igualdade e Migrações: — Mas faço questão de reiterar o compromisso que já fiz antes, de que faremos tudo para detetar estas situações, para que sejam levadas às instâncias
competentes e tenham a resposta que devem ter, porque Portugal é, de facto, um Estado de direito.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Mas isso deveria valer para tudo!
Página 35
2 DE JUNHO DE 2022
35
O Sr. Presidente: — Ainda no período de debate, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Chega.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, prometo ser muito rápido. A Sr.ª Deputada Alexandra Leitão disse que o que o Chega quer é discutir Setúbal. O Chega quer discutir
Setúbal, Portimão, Leiria, o Chega quer discutir Portugal…
Aplausos do CH.
… e o que se passou em Setúbal foi um problema de segurança nacional.
Os senhores acham que é um caso isolado, que não se passa absolutamente nada, que já está a ser
investigado, que os meios já estão a decorrer: Mas isso também já os senhores tinham dito em relação ao Novo
Banco, ao BPP (Banco Privado Português)… Nós não confiamos nessa conversa.
Portanto, nós requeremos a comissão de inquérito, os senhores agora pronunciam-se e lá fora serão julgados
por isso.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Alexandra Leitão tem a palavra para intervir.
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, não percebo o que disse, porque, relativamente a esses tais casos a que se referiu, foi dito — não aqui, mas em comissão — que não aconteceu
lá nada que merecesse esse escrutínio ou essa análise.
Na realidade, só existe um caso concreto e foi isso que foi assinalado a todos os que estivemos nessa
Comissão. Não vale a pena vir dizer que se passou uma coisa diferente na Comissão do que aquilo que se
passou, porque todos os que lá estiveram disseram que foi um caso isolado e que o acolhimento de refugiados
ucranianos — e de outras nacionalidades, importa dizê-lo, porque não são apenas os cidadãos ucranianos que
devem preocupar a Assembleia e o Governo —…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Porque é que apresentou a moção de censura?!
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Ao contrário do Sr. Deputado, não estou a usar isto para discutir política de Setúbal!
Protestos do Deputado do CH Bruno Nunes.
O que lhe estou a dizer é que ficou claro nas audições feitas nesta Casa, em Comissão, que era uma
circunstância pontual. Portanto, ao contrário do que o senhor disse, não estamos a falar de outras autarquias
ou de outros locais, que ninguém trouxe à colação. Não é verdade.
Aplausos do PS.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não respondeu!
Protestos dos Deputados do PSD Nuno Carvalho e Sofia Matos e contraprotestos do Deputado do CH Bruno
Nunes.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos passar à fase do encerramento do debate. Tem a palavra, por 2 minutos, em nome do partido proponente, o Sr. Deputado Pedro Pinto.
Pausa.
Página 36
I SÉRIE — NÚMERO 19
36
Agradeço aos Srs. Deputados das bancadas do PSD e do CH que criem condições para ouvirmos o orador,
que é do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Percebemos neste Plenário que a comissão de inquérito requerida pelo Chega será chumbada.
Teima o Partido Socialista em manter a sua atitude de prepotência e de serem os donos disto tudo. Não
querem que se investigue! Estamos habituados. Não querem que se vá ao fundo da questão do que se passou
em Setúbal nem que se saiba se a situação se repete, ou não, noutras zonas do País.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — O PS mete a ideologia à frente dos interesses dos portugueses. Não se preocupa com quem está em casa e quer saber o que realmente se passou, não se preocupa com os refugiados
ucranianos, nem se preocupa se lhes dão casas e depois lhas retiram, porque vêm aí as férias.
O PS só tem uma preocupação: fazer um cerco sanitário ao Chega, sendo hoje acompanhado pelo PSD e
pelo Iniciativa Liberal. Fantástico! Aqueles que dizem defender a direita — PSD e Iniciativa Liberal — juntam-se
ao Partido Socialista.
Aplausos do CH.
Do Bloco de Esquerda e do PCP não vale a pena falar, quem está lá em casa já percebeu.
Não interessa ao PS saber o que passou em Setúbal e até a proposta dos socialistas na Assembleia
Municipal de Setúbal não passou de show off. Na Assembleia Municipal dizem uma coisa, na Assembleia da
República dizem e fazem outra.
Percebemos hoje porque não existe interesse em averiguar o que se passou: o Governo e o Partido Socialista
não querem enfrentar a Rússia, pois, ao mesmo tempo que condenam a guerra, são amigos dos russos, ou não
tivessem Fernando Medina como o Ministro das Finanças que passou os dados de ativistas russos ao Governo
de Vladimir Putin.
Aos socialistas, não importa que os refugiados ucranianos sejam recebidos por russos, chechenos ou
bielorussos, interessa é que estamos cá para dar tudo: trabalho, dinheiro, cama, mesa e roupa lavada.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Interessa é sermos reconhecidos internacionalmente como um país que acolhe refugiados.
Foi bonito ouvir a Sr.ª Ministra dizer que é rápido os cidadãos ucranianos terem número de contribuinte,
morada e número de segurança social, mas seria bom que as nossas embaixadas e consulados trabalhassem
assim e possibilitassem o mesmo aos emigrantes portugueses.
Aplausos do CH.
Não sei se tenho de consultar — e com isto termino, Sr. Presidente — o dicionário socialista da Assembleia
da República, mas para chumbarem esta comissão de inquérito, para não quererem investigação nem clareza,
só existe uma palavra: vergonha!
Aplausos do CH.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não conhece mais nenhuma! Só conhece essa!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — É com muito orgulho que continuamos sozinhos na nossa bancada, no nosso caminho, pelos portugueses. Diz a sapiência do povo: «Mais vale só do que mal acompanhado.»
Página 37
2 DE JUNHO DE 2022
37
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Passamos ao ponto três da ordem do dia, que consiste na apreciação, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 6/XV/1.ª (GOV) — Aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas e transpõe a Diretiva (UE)
2018/1972, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, juntamente com o Projeto de Lei
n.º 89/XV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos dos utilizadores finais de serviços de comunicações eletrónicas.
Para apresentar a proposta de lei, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas.
O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas (Hugo Santos Mendes). — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: Há pouco mais de um ano, o executivo anterior, o XXII Governo Constitucional, trouxe à Assembleia
da República uma proposta de lei que transpunha o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas para o
ordenamento jurídico nacional.
Na altura, foi referido que a opção do Governo para transpor esta diretiva foi a de verter o Código Europeu
numa nova versão da Lei das Comunicações Eletrónicas, que é, desde 2004, o normativo estruturante deste
setor e que correspondia já a uma codificação da transposição das diretivas do setor das comunicações
eletrónicas.
Esta nova lei faz da conectividade a base fundamental da transformação digital da sociedade. Representa
um enquadramento normativo de grande amplitude que visa, no fundo, obter um equilíbrio entre a promoção do
investimento e da implantação de redes de muito alta capacidade, o reforço da concorrência entre empresas do
setor e a proteção dos consumidores.
Entre os efeitos mais poderosos que a pandemia da COVID-19 trouxe estão, por um lado, o reconhecimento
da inequívoca centralidade das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas nas relações sociais e
económicas e, por outro, o acelerar da dinâmica de digitalização generalizada da sociedade e da economia.
Porém, nenhum processo de digitalização pode ser acelerado sem a promoção de redes de capacidade
muito elevada, sem a complementaridade entre investimento público e privado, sem uma gestão inteligente do
espectro, sem uma regulação eficiente que impeça comportamentos predatórios e assegure concorrência
saudável ou sem que o Estado garanta a experiência efetiva de direitos dos consumidores que funcionem como
base de uma cidadania digital. E nada disto é possível sem um quadro normativo coerente, transparente e
construído de forma participada. É este enquadramento que a nova Lei das Comunicações Eletrónicas visa
garantir.
Nesta intervenção, queria reforçar o sentido do que se pretende dizer com «construído de forma participada».
Há pouco mais de um ano, sublinhei que foi intenção inicial do Governo transpor a diretiva através de um
processo que envolvesse todas as entidades relevantes do setor. Para tal, solicitou à entidade reguladora, a
ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações), a elaboração de um anteprojeto de transposição, que
submeteu a um grupo de trabalho criado para o efeito — que integrava os operadores dos consumidores, o
próprio regulador e o Governo — com o objetivo de propor uma proposta consensualizada do diploma.
No entanto, após vicissitudes várias, em particular o impacto da pandemia nos trabalhos ao longo do ano de
2020, não foi possível concluir atempadamente a proposta.
De forma a não atrasar mais a transposição, o Governo optou por enviar para a Assembleia da República
esta proposta de lei, na qual inscrevia apenas as normas de transposição obrigatória, apelando para que a
posição das várias entidades pudesse ser defendida, não num grupo fechado organizado pelo Governo, mas
num debate parlamentar aberto, público.
Essa discussão veio, efetivamente, a ter lugar no Grupo de Trabalho das Comunicações Eletrónicas, criado
no âmbito da Comissão de Economia e Obras Públicas, Planeamento e Habitação, da XIV Legislatura, com a
realização de audições das entidades relevantes do setor, entre junho e outubro do ano passado.
Infelizmente, com a dissolução da Assembleia da República, no fim de 2021, a proposta de lei não teve
oportunidade de ser aprovada.
Chegados aqui, teria sido mais fácil ao XXIII Governo Constitucional, ainda por cima com uma configuração
de forças parlamentares que lhe é mais favorável do que na anterior Legislatura, ter alterado a sua estratégia e
apresentado uma proposta de lei mais completa, fazendo opções legislativas em algumas matérias
controversas.
Página 38
I SÉRIE — NÚMERO 19
38
Porém, o Governo não o fez. E não o fez porque nos pareceu que o Parlamento deveria poder, no mesmo
espírito, levar até ao fim o processo a que esta Câmara deu início há um ano. Um processo que, aberto à
participação de um conjunto amplo de entidades do setor, se apoiasse num grande debate público sobre uma
lei tão importante para o mesmo.
Existe, porém, uma diferença assinalável entre o momento da Legislatura anterior e o atual, dado que o
atraso na transposição da diretiva levou a que a Comissão Europeia tenha anunciado, formalmente, a remessa
do processo de incumprimento ao Tribunal de Justiça da União Europeia, dando assim início a uma fase
contenciosa, o que poderá culminar com a aplicação de sanções a Portugal.
O Governo exorta, por isso, a que esta Assembleia, dispondo de todos os contributos já prestados no âmbito
do Grupo de Trabalho das Comunicações Eletrónicas, na Legislatura anterior, possa fazer o seu trabalho de
reflexão, debate e deliberação com a brevidade possível, para que esta lei, robusta e equilibrada, possa ser
aprovada quanto antes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra a Sr. Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Todos nós conhecemos as múltiplas situações de discriminação aos consumidores que existem no âmbito das
comunicações eletrónicas. Quem não conhece pessoas que tenham visto a sua operadora cobrar pacotes
adicionais de dados móveis sem que tenham dado qualquer tipo de consentimento para o efeito ou, até mesmo,
pessoas surdas que não têm como comunicar com as linhas de apoio ao cliente porque a sua operadora não
disponibiliza o atendimento através de intérprete língua gestual?
Mais: pessoas que, perdendo o seu emprego, continuam a ter de pagar para pôr termo ao contrato antes do
fim do período de fidelização.
Estas situações deixam os consumidores desprotegidos e foi para lhes pôr fim que o PAN apresentou esta
iniciativa. Queremos que, tal como determina o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, as operadoras
passem a ter de informar os clientes quando o plafond de dados se aproxima do final, para que não se possam
subscrever pacotes adicionais sem o consumidor dar consentimento, de forma a assegurar mais igualdade, mas
também mais inclusão, porque também é disso que falamos.
Queremos, por isso, estender a todas as operadoras uma boa prática de disponibilização de contratos em
braile e de linhas de apoio a clientes com intérpretes de língua gestual portuguesa. Algumas operadoras já o
praticam, mas nem todas o fazem.
Queremos que, tal como recomenda a ANACOM, um consumidor que fique no desemprego ou tenha de
emigrar não tenha de pagar pelos encargos inerentes à rescisão do contrato antes do final da fidelização.
Por fim, propomos duas medidas adicionais: tal como recomenda a ANACOM e já existe nos contratos de
energia, queremos que, quando o serviço de comunicações eletrónicas seja suspenso, por facto não imputável
ao cliente, este tenha o direito de ver creditado na fatura o valor referente ao período em que esse serviço esteve
suspenso; e, tal como recomenda a DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), queremos
que as faturas passem também a identificar, obrigatoriamente, o período que falta para o fim da fidelização.
Todas estas propostas têm o sentido de reforçar os direitos do consumidor. Pretendemos que sejam
ponderadas no âmbito da discussão mais ampla sobre a nova lei das comunicações eletrónicas, estando
inteiramente disponíveis para que, em especialidade, se possa chegar a uma solução mais justa e, sobretudo,
mais inclusiva para todos os consumidores, sem exceção.
O Sr. Presidente: — A intervenção do Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas suscitou uma inscrição para pedidos de esclarecimento.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Afonso, do Chega.
Página 39
2 DE JUNHO DE 2022
39
O Sr. Rui Afonso (CH): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta de lei do Governo aprova a Lei das Comunicações Eletrónicas e transpõe a Diretiva (UE) 2018/1972, que
estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.
Na transposição desta diretiva, podemos desde já afirmar que o Governo poderia e deveria ter ido mais longe.
Sabemos que, hoje em dia, os serviços de comunicação têm um papel fundamental na vida dos cidadãos e a
pandemia deixou essa circunstância ainda mais evidente, com a necessidade de implementar o teletrabalho ou
as aulas em casa.
Enaltecemos também as fragilidades da cobertura de rede, em especial nas zonas mais interiores do País,
nomeadamente no Alentejo, onde a cobertura de rede é substancialmente inferior à de outras zonas do País.
Neste ponto, importa mencionar que a falta de cobertura de rede em determinados locais, especialmente nos
que já se debatem com a problemática do despovoamento, limita mais as suas oportunidades. Ou seja, uma
família que, tendo a possibilidade de estar em regime de teletrabalho, pretenda mudar-se para uma zona mais
interior, primeiro, terá de verificar se consegue, ou não, manter o trabalho à distância.
A ANACOM estima que a ineficácia do sinal, ou mesmo a sua inexistência, atinja um universo total de quase
300 000 alojamentos familiares de residência habitual, estando este número subvalorizado, na medida em que
diz respeito a zonas que já enfrentam os desafios do despovoamento, sendo que a ausência de cobertura agrava
ainda mais a situação.
A proposta de lei do Governo, no seu artigo 32.º, prevê que seja assegurada a cobertura de banda larga sem
fios de elevada qualidade e velocidade em todo o território nacional. A ANACOM está, atualmente, a promover
uma consulta pública com o objetivo final de garantir o acesso de toda a população a redes de capacidade muito
elevada, até 2030.
No entanto, importa esclarecer o que será feito a curto prazo para assegurar a todas as famílias a cobertura
de rede, independentemente da zona do território nacional em que se encontrem. Adicionalmente, questionamos
quais os planos existentes para as zonas do País onde essa rede é fraca ou inexistente, atendendo à
circunstância de que ainda faltam oito anos para o cumprimento do objetivo.
Outro ponto importante a mencionar diz respeito aos períodos de fidelização. Note-se que tanto a DECO
como a Autoridade da Concorrência (AdC) já se pronunciaram quanto a esta matéria. Aliás, a DECO afirma,
especificamente, que a nova lei das telecomunicações deixa muitos problemas por resolver.
Desde logo, importa esclarecer a razão pela qual, das oito recomendações da Autoridade da Concorrência,
apenas três foram inseridas na proposta de lei. As recomendações desconsideradas pelo Governo estavam
relacionadas com a forma arbitrária como as operadoras de telecomunicações impõem as fidelizações aos
consumidores.
O Governo, tendo a oportunidade de combater esta situação, optou por não o fazer. A título de exemplo, a
Autoridade da Concorrência recomendou, especificamente, no sentido de ser previsto que as únicas exceções
à regra de impossibilidade de ser definido um novo período de fidelização sejam em situações em que ocorra a
disponibilização subsidiada de novos equipamentos terminais ou a instalação de novos serviços. No entanto, o
Governo optou por não incluir esta referência na sua proposta.
Neste ponto, importa também esclarecer por que razão o Governo optou por deixar cair a obrigatoriedade de
disponibilização de tarifários com prazos de fidelização mais curtos. Ou seja, atualmente, as operadoras têm de
oferecer tarifários para períodos de fidelização de 6, 12 e 24 meses, mas com as alterações agora propostas
apenas terão de assegurar os 24 meses, na medida em que apenas lhes é imposto esse limite máximo.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Não foram pedidos de esclarecimento!
O Sr. Presidente: — Formalmente, a intervenção do Sr. Deputado do Chega foi apresentada como pedidos de esclarecimento. Portanto, o Governo tem a faculdade de responder, querendo. Não é obrigado a fazê-lo.
Sr. Secretário de Estado, tem a palavra.
Página 40
I SÉRIE — NÚMERO 19
40
O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Sr. Presidente, o Sr. Deputado do Chega Rui Afonso colocou uma panóplia grande de questões e vou tentar responder à maioria delas.
Na minha intervenção inicial, tentei explicar — antecipando a questão que, provavelmente, vai ser transversal
a outros grupos parlamentares — porque é que o Governo não foi mais longe nesta proposta. O Governo não
foi mais longe nesta proposta, porque damos este trabalho, entre o Governo e a Assembleia, como inacabado.
Começou em maio/junho do ano passado e todos esperávamos que pudesse ser cumprido ainda na Legislatura
anterior, que foi interrompida de forma prematura.
Na verdade, enviámos à Assembleia a mesma proposta de lei que tínhamos submetido em maio de 2021,
com esse mesmo propósito, para que o debate pudesse continuar, sendo agora feitas as audições que forem
obrigatórias, porque este processo tê-las-á. Mas houve um trabalho de muitas audições, muitas horas de
discussão com um conjunto muito relevante de entidades do setor, entre junho e outubro do ano passado, o que
me parece ser um repositório que deve ser utilizado no trabalho na especialidade, que se vai seguir.
Portanto, o Governo poderia ter alterado a proposta de lei. Poderia tê-lo feito, de facto, mas, se quiserem,
por uma questão de coerência, quisemos que o processo chegasse ao seu fim tal como começou, há mais de
um ano.
Relativamente às questões da ausência de cobertura que preocupam o Governo, a ANACOM e, certamente,
todos os grupos parlamentares, há dois níveis de intervenção. Um prende-se com as regras do leilão 5G, sendo
que, até 2025, as empresas que adquiriram espectro têm obrigações crescentes, metas intermédias em 2003…
O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tem de concluir.
O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Portanto, a questão da cobertura vai ser abordada no cumprimento das metas do leilão 5G e, depois — posso responder às outras questões, utilizando o tempo de
resposta aos outros grupos parlamentares —, há um segundo nível que se prende com o concurso que a
ANACOM vai lançar até ao final deste ano.
Referiu que a consulta pública ainda estava em curso, mas ela já terminou em fevereiro e, portanto, até ao
final do ano, o procedimento será lançado para fazer chegar redes de cobertura muito elevada a todas as regiões
e zonas do País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto, do Iniciativa Liberal.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer uma coisa não relacionada com este tema. Tenho muito orgulho em fazer parte de um partido que já teve três presidentes,
todos eles capazes de manter a essência daquilo que é o partido, e de pertencer a um grupo que não tem duas
fações, mas, sim, oito fações: oito pessoas que pensam pela sua cabeça, porque é essa a diferença entre um
partido de pessoas livres e seitas unipessoais.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Em relação ao tema em específico, o atual projeto levanta, efetivamente, algumas preocupações suscitadas em alguns dos pareceres.
Além de podermos discutir o que está, efetivamente, transposto, o que nos preocupa é aquilo que não foi
transposto da diretiva. O artigo 7.º da diretiva refere que o presidente da autoridade reguladora nacional é
nomeado de entre personalidades de reconhecida competência e experiência profissionais, com base no mérito,
competências, conhecimento e experiência, na sequência de um processo de seleção aberto e transparente.
Este artigo 7.º vai ao encontro do projeto que submetemos sobre a alteração ao processo de recrutamento
para as entidades reguladoras. Achamos que, para conseguirmos ter bons reguladores, precisamos de ter
muitas boas pessoas disponíveis para dirigi-los, e para termos muitas pessoas é importante abrir ao máximo o
Página 41
2 DE JUNHO DE 2022
41
leque de candidatos, e não é necessariamente isso que acontece hoje em dia, em que temos um processo
excessivamente politizado, que dá excessivo poder ao Governo na seleção dos candidatos.
Sendo este o princípio que consta do artigo 7.º da diretiva, artigo esse que, ao que nos parece — e poderá
confirmar —, não foi transposto, o que gostaria de perguntar é se confirma que esta parte da diretiva não foi,
efetivamente, transposta e, se assim for, qual o motivo para o não ter sido. Pergunto ainda se estão alinhados
na necessidade de termos um processo de recrutamento mais aberto, despolitizado e mais transparente do que
aquele que existe hoje.
Em relação ao projeto de lei do PAN, acompanhamos muitas das inquietações que deram origem a essa
proposta, mas temos algumas preocupações mais técnicas na parte em que falam das tarifas zero-rating, que
permitem aos consumidores aceder a certos serviços sem usar o pacote de dados.
Acho que defender net neutrality é algo nobre, desde que não se leve essa defesa a certos limites que
acabam, depois, por prejudicar os próprios consumidores. E há questões técnicas para isso não ser possível,
uma vez que, em termos de custos, é diferente para um operador ter um cliente que gasta 500 MB de forma
dispersa ao longo do dia, em redes sociais, Messenger e por aí fora, ou ter alguém que usa os mesmos 500 MB
ao longo de meio minuto. Isso faz com que os custos para a capacidade e largura de banda dos operadores
sejam diferentes para consumidores deste tipo, o que leva a que utilizem estes tarifários zero-rating.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — O problema não é esse!
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Ao excluirmos os tarifários zero-rating, estamos, por um lado, a exigir mais investimento em capacidade por parte dos operadores, e, por outro, arriscamo-nos a que todos os
consumidores tenham um preçário em linha com a utilização mais intensiva.
Isto é um assunto técnico que acho que vale a pena discutir, depois, em detalhe.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de fazer o favor de concluir.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Vou já terminar, Sr. Presidente. Portanto, é uma preocupação, quanto a nós, legítima, mas estou perfeitamente disponível para, depois,
discutir e trocar informações sobre este tema. As preocupações, as inquietações nós partilhamo-las. Quanto às
questões técnicas, acho que podemos discuti-las um pouco melhor.
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, às vezes, há aqui pedidos de esclarecimento que, sendo formalmente pedidos de esclarecimento, são, na verdade, intervenções. Neste caso
é ao contrário: tendo eu sido informado de que o Governo terá 2 minutos finais e que, se assim entender, os
pode usar para prestar esclarecimentos, esta é uma intervenção que é um pedido de esclarecimento.
Houve várias críticas a esta proposta de lei que transpõe a diretiva europeia, nomeadamente da Comissão
Nacional de Proteção de Dados, de organizações de defesa do consumidor e até de estruturas regulatórias e
de monitorização da implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Essas críticas vão no sentido de dizer que não há prazos estipulados, nem sequer indicativos, para
a concretização dos objetivos fixados pela lei, ou que as metas programáticas para a defesa das pessoas com
deficiência recorrem a conceitos indeterminados e, portanto, não serão, na verdade, aplicadas.
Uma vez que estas críticas já foram feitas em 2021, e são repetidas agora, gostaria de saber como é que o
Governo lhes responde e porque é que não fez, no decurso deste processo, um esforço maior para acompanhar
e responder a estas críticas, na prática, alterando a proposta de lei.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do Grupo Parlamentar do PSD.
Página 42
I SÉRIE — NÚMERO 19
42
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei das comunicações eletrónicas regressa hoje à nossa discussão, mas este regresso não traz,
infelizmente, boas notícias.
Apesar da explicação do Sr. Secretário de Estado, aquilo que podemos constatar é que mediou um ano entre
a apresentação da anterior proposta de lei e a atual, aquela que estamos a discutir hoje, e durante este ano —
desculpe a expressão, Sr. Secretário de Estado, com todo o respeito —, o Governo parece que não aprendeu
nada.
Não aprendeu nada, porque a proposta de lei traz, exatamente, as mesmas fragilidades. Uma delas tem que
ver com a privacidade nas comunicações eletrónicas, bem como com a mercantilização dos dados pessoais,
algo que, como muito bem refere a Comissão Nacional de Proteção de Dados, nunca foi reconhecido na ordem
jurídica portuguesa e na União Europeia.
Esta mercantilização contraria a Constituição da República Portuguesa e a Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia. Nestes diplomas, necessariamente orientadores de todos os processos legislativos,
promove-se a igualdade da pessoa humana e a proteção dos dados pessoais. A proposta de lei do Governo —
pasme-se! — ignora estes valores fundamentais, o que, obviamente, o PSD nunca aceitará.
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Por outro lado, constatamos que a proposta de lei não assegura os direitos do consumidor, por exemplo, em caso de denúncia do contrato pelos próprios consumidores.
Apesar dos alertas feitos pela DECO e pela própria ANACOM, o Governo apresenta-nos normas que, em
vez de protegerem o consumidor, o tornam mais vulnerável ao poder do mercado e refém das fidelizações. Este
foi um tema amplamente debatido nas audições que tiveram lugar na anterior Legislatura. São várias, Sr.
Secretário de Estado, as situações em que isto se verifica nesta proposta de lei, o que, no entender do PSD, é
altamente preocupante.
Na proposta de lei não existe, por exemplo, a figura da compensação automática a favor do consumidor por
incumprimento das regras da portabilidade. Outro exemplo respeita à falta de um registo adequado das
reclamações e também à falta de disponibilização de um livro de reclamações eletrónico.
Mas, mais do que citar exemplos, Sr.as e Srs. Deputados — e poderia citar inúmeros exemplos daquilo que
o Governo não fez bem, não assegurou, e devia ser assegurado —, cumpre dizer que, na nossa perceção, o
mais grave é que o Governo ignorou todos os pareceres apresentados na anterior Legislatura a propósito da
Proposta de Lei n.º 83/XIV/2.ª, ignorando, assim, os entendimentos, por exemplo, da AdC, da ANACOM, da
ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias), da APRITEL (Associação dos Operadores de Comunicações
Eletrónicas), da CNPD, da DECO, entre outras entidades, bem como os contributos que várias entidades — vou
citar algumas: a ANACOM, a CIP (Confederação Empresarial de Portugal), a AdC, a DECO, a CNPD, a APDC
(Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações) — nos trouxeram em diferentes audições.
Fala o Governo de uma construção participada, quando desconsidera todos os contributos que foram dados
na anterior Legislatura. E teve tanto tempo para apresentar uma proposta de lei diferente, considerando todos
esses valiosos contributos.
Sr. Secretário de Estado, são horas e horas de trabalho feito nesta Casa, são contributos valiosos que o
Governo não considerou e, se o tivesse feito, teríamos hoje uma proposta de lei muito mais equilibrada.
Na verdade, Sr.as e Srs. Deputados, não pode o Governo escudar-se na sua maioria absoluta e ignorar o
trabalho desenvolvido pelos Deputados dos vários grupos parlamentares e não considerar, se não todos — o
que até compreendemos, por opções políticas, naturalmente —, pelo menos alguns dos contributos das diversas
entidades e o extenso trabalho que foi aqui produzido.
O PSD está, naturalmente, disponível para trabalhar o diploma na especialidade, mas não pode deixar de
lamentar a atitude deste Governo, que, ao contrário do que anuncia, vai evidenciando alguns sinais de poder
absoluto. No entanto, Sr.as e Srs. Deputados, poder absoluto é algo que não existe, não pode e não deve existir
em democracia.
Aplausos do PSD.
Página 43
2 DE JUNHO DE 2022
43
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Temos a especialidade!
O Sr. Presidente: — Está agora inscrita a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, do Grupo Parlamentar do BE. Faça favor.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O debate que fazemos hoje é um bom exemplo das promessas falhadas dos vários processos de liberalização em
vários setores tão importantes da economia portuguesa.
Apesar do esforço de liberalização, o mercado das telecomunicações é repartido entre três empresas, que
fazem o que bem entendem, que enredam os clientes em pacotes que são impossíveis de comparar, que
prendem esses clientes a programas de fidelização dos quais é impossível sair, que não garantem a cobertura
a todo o território, como aqui foi dito, que excluem pessoas com deficiência, como aqui foi dito também, que não
protegem os dados dos seus clientes.
Tudo isto é fruto da maravilha do processo de liberalização, que iria proteger os direitos dos consumidores,
baixar os preços das telecomunicações, garantir uma melhor oferta, mais qualidade na oferta. Nada disso
aconteceu. É isso que constatamos, é isso que as Sr.as e os Srs. Deputados dizem, é isso que diz a DECO, é
isso que diz a ANACOM.
Ambas as entidades referem gravíssimos obstáculos à mobilidade entre operadores, fixação de
compensações leoninas para os clientes se libertarem dos contratos, indícios de práticas concertadas no
mercado e — veja-se só! — um aumento do preço de 6,5% em 10 anos, em Portugal, quando na Europa, em
média, o preço das telecomunicações desceu.
Não compreendemos, Sr. Secretário de Estado, a desculpa do Governo. O Governo entregou uma má
proposta de lei à Assembleia da República no passado. A Assembleia da República fez o seu trabalho. O
Governo conhece as críticas da DECO, da ANACOM e dos vários grupos parlamentares, teve tempo para
melhorar a proposta de lei, não quis melhorá-la e entregou uma proposta de lei à Assembleia da República com
os mesmos problemas, dizendo que quer que a Assembleia da República faça o seu trabalho, mas, ao mesmo
tempo, diz «por favor, despachem-se, porque a Comissão Europeia ‘está à perna’ e vamos ser multados».
Sr. Secretário de Estado, diga-nos o que é que pretende, porque se havia pressa, fizesse o trabalho de casa
e entregasse à Assembleia da República uma proposta que resolvesse os problemas. Se, afinal, não há pressa,
então, estou certa de que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai acolher as propostas da ANACOM e da
DECO para mitigar os vários problemas que aqui foram encontrados.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — E vai!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — O que não podemos aceitar é que se mantenha uma proposta em que, e cito a DECO, se tenha «‘apagado’ parte das medidas preconizadas pela ANACOM, exatamente em matéria de
proteção dos direitos dos utilizadores, em benefício exclusivo das operadoras de comunicações». É o que
escreve a DECO. Não podemos permitir que uma proposta com este parecer e que não foi alterada, tendo o
Governo tido oportunidade para isso, possa passar pela Assembleia da República sem as devidas alterações.
Esperamos que o Partido Socialista esteja disponível para as aceitar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Anastácio, do Partido Socialista.
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: Como vimos, estamos aqui a discutir a proposta que transpõe para o ordenamento jurídico nacional
o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.
Este debate teve várias bondades: primeiro, disse-nos o Bloco de Esquerda que o problema é com a
liberalização, não dizendo, no entanto, se é a não liberalização que responde ao problema; depois, tivemos uma
particularidade ainda mais interessante que foi esta construção que o PSD fez.
Página 44
I SÉRIE — NÚMERO 19
44
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Belo raciocínio!
O Sr. Pedro Anastácio (PS): — Ora, o Governo opta por uma transposição minimalista, para dar mais oportunidade a todos os parlamentares desta Casa de adicionarem sugestões a esta proposta, e diz-se
disponível para acolher vários dos contributos que foram pedidos e entregues pelas diferentes entidades, sejam
elas a CNPD, a ANACOM, a Autoridade da Concorrência, e diz ainda que quer trabalhar este processo com
todos os Deputados e grupos parlamentares.
Os grupos parlamentares — alguns deles são os mesmos, outros encolheram, mas já estavam cá —
conhecem esse trabalho, daí a pressa. Estamos confiantes de que os senhores ainda sabem o que se fez aqui,
na última Legislatura.
É engraçado ver que, quando se dá margem para os parlamentares acrescentarem propostas, a Sr.ª
Deputada Márcia Passos e o PSD devolvem com o poder absoluto do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
Estamos conversados sobre a hipocrisia dessa frase e do que é o atestar recorrente do soundbyte para as
televisões portuguesas e não um contributo para a melhoria da lei das comunicações eletrónicas, que é isso que
o Partido Socialista faz e foi essa a opção que o Governo tomou ao trazer este debate e ao fazê-lo assim.
Quero também referir-me ao atraso, porque é verdade que ele existe — e é melhor não negarmos quando
existem atrasos —, para percebermos que o que existe não é qualquer excecionalidade portuguesa. Permitam-
me por isso dizer que o atraso tem que ver, necessariamente, com a especial complexidade técnica e jurídica
do tema, que é bem demonstrada pelo facto de existirem hoje processos da União Europeia aos Estados de
Espanha, Croácia, Letónia, Lituânia, Irlanda, Polónia, Roménia, Eslovénia e Suécia.
Isto demonstra bem que não existe qualquer excecionalidade portuguesa na matéria. Existiu, sim, uma crise
— é verdade que já existia uma, no Estado português —, a que se somou uma crise política que veio criar uma
barreira e um obstáculo adicionais à transposição atempada.
Mas isto não deve obstar a que se faça o debate sobre este novo enquadramento jurídico das comunicações
eletrónicas e que se retome esse trabalho, que já foi feito na anterior Legislatura. Porque as telecomunicações
são um instrumento fundamental, o principal objetivo deve ser a concretização da estratégia para o mercado
único digital na Europa e é isso que aqui fazemos.
Por isso, é de frisar que o Governo nunca pretendeu encerrar a discussão ou colocar um ponto final nas
questões sensíveis que motivam os debates mais acalorados sobre a temática das comunicações eletrónicas,
seja no respeitante aos períodos de fidelização, à prestação de informação pelos operadores aos consumidores,
aos pacotes de serviços ou até à densificação de conceitos necessários para a correta aplicação da lei.
Esta opção pretende reforçar a capacidade e o esforço da conformação legal do legislador nacional, do modo
mais amplo possível e é isso que aqui fazemos.
Por fim, Srs. Deputados, se o Governo seguisse a opção distinta, o que faria era uma coisa diferente: em vez
de dar ao Parlamento um poder real de conformação, remetia esta Casa a um poder de validação da proposta
apresentada e não a um poder de acrescentar contributos. Por isso, contamos com todos os Srs. Deputados,
sejam os únicos representantes de partidos ou dos diferentes grupos parlamentares, para construirmos e
densificarmos este quadro das comunicações eletrónicas.
Por fim, o Partido Socialista gostaria que esta proposta de lei pudesse baixar à comissão, sem votação, para
ser aprofundada na especialidade. É o mesmo que propomos em relação à iniciativa do PAN, uma vez que tem
várias soluções que estão alinhadas com a proposta do Governo e que beneficiariam de um trabalho em
especialidade.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra à Sr.ª Deputada Paula Santos, peço à Sr.ª Secretária da Mesa que comunique a admissão de um projeto de lei, que irá ser apreciado, por arrastamento, nesta ordem do dia.
Faça favor, Sr.ª Secretária.
Página 45
2 DE JUNHO DE 2022
45
A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª (L) — Consagra o dever de as instituições procederem à abertura de procedimento
concursal para as funções desempenhadas pelos doutorados, quando se verifique o termo do contrato.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Discutimos hoje uma proposta que já foi discutida na Assembleia da República, na generalidade, na anterior Legislatura,
sendo que o debate não ficou concluído porque a Legislatura cessou ou porque o PS quis que a Legislatura
cessasse, melhor dizendo.
Protestos do PS.
Mas a questão que gostaria de apresentar, relativamente a este debate, prende-se com o seguinte: tendo já
sido iniciado, na anterior Legislatura, um conjunto de audições e, inclusivamente, recebido um conjunto de
pareceres, suscitando um conjunto de dúvidas e de críticas, porque é que o Governo não aproveitou esse
trabalho e não o incluiu na proposta que agora traz à Assembleia da República?
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Óbvio!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A questão é que traz a mesmíssima proposta, ignorando todo o trabalho já realizado pela Assembleia da República.
Pode muito bem o Sr. Deputado vir aqui dizer que quer fazer um amplo debate na especialidade,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Já fez!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … mas porque é que ignorou aquilo que já foi feito? Porque é que isso foi ignorado?
Esse, de facto, é um problema, porque esta proposta não dá resposta aos problemas do nosso País. É uma
proposta que está mais preocupada em ir ao encontro das imposições da União Europeia, em vez de responder
às necessidades dos cidadãos do nosso País, que, em várias regiões, continuam a não ter um serviço de
qualidade no setor das telecomunicações.
É uma proposta que transpõe uma diretiva, como é aqui dito, e que constitui mais uma peça para avançar
com o objetivo de criar o grande e liberalizado mercado europeu de telecomunicações, cujos prejuízos da
privatização e da liberalização estão à vista: em primeiro lugar, para os cidadãos, que têm um serviço muitíssimo
mais caro e com menor qualidade, mas também, em segundo lugar, não garante o interesse nacional nem o
interesse público.
A privatização e a liberalização só beneficiam as multinacionais do setor.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — É verdade!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — A realidade, relativamente a este setor, é a seguinte: temos operadores privados que exploram um bem público, um regulador público sem responsabilização política, um Estado refém
dos operadores privados e, para os cidadãos, temos custos mais elevados, regiões sem cobertura de qualidade
na área das telecomunicações.
O Governo traz uma proposta que, como já aqui referi, não tem em conta essa realidade. Para o Governo, é
mais importante — e vou abrir aspas, se é possível, aqui, na oralidade — «o direito à concorrência do que
responder às necessidades das populações». Até reconhecem, na própria proposta, que pode haver as tais
«falhas de mercado», mas depois, perante esse reconhecimento, não adotam as medidas necessárias para
assegurar um serviço público de qualidade em todo o território.
Página 46
I SÉRIE — NÚMERO 19
46
Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, além das questões que já suscitámos, as preocupações relativas aos dados
pessoais, que também foram suscitadas e continuam a não ser resolvidas e que permanecem numa lógica de
mercantilização, de facto, são preocupações maiores.
Relativamente a estas questões, Sr. Presidente, para terminar, fica claro que esta proposta não dá resposta
e que a solução não pode ser o aprofundamento deste caminho, mas, sim, a rutura com este modelo. A solução
passa por um serviço público universal e não por um mecanismo, como aqui é dito, para suprir falhas. A solução
tem de passar, de facto, por um operador público, que permita assegurar as infraestruturas e que permita
assegurar o acesso às telecomunicações a todos os cidadãos, em todo o território, com qualidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, que dispõe de 2 minutos para o efeito.
O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Muito obrigado, Sr. Presidente, desta vez, vou tentar gerir melhor o tempo.
Sr.ª Deputada do PSD Márcia Passos, é um pouco estranho sermos acusados de poder absoluto quando
entregámos a mesma proposta de lei que tínhamos apresentado quando não tínhamos maioria absoluta.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Mas agora têm!
O Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas: — Há uma coerência do nosso lado. Podem discordar, percebo que possa haver uma discordância generalizada das várias bancadas relativamente à estratégia do
Governo, mas a estratégia do Governo pretendeu ser coerente. Do que não nos podem acusar é de tentar
exercer o poder absoluto quando entregámos a mesma proposta de lei de quando não tínhamos maioria
absoluta.
Aplausos do PS.
Em segundo lugar, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, não há, do nosso ponto de vista, nenhuma
incompatibilidade entre fazer um bom processo em especialidade e não arrastar excessivamente este processo.
Creio que a maior parte das audições já foi feita no ano passado, durante três ou quatro meses. Claro que o
Parlamento é livre de ouvir mais, mas creio que já se chegou a um nível grande de redundância das questões
abordadas, das questões que falta resolver e nós concordamos que falta resolver.
Por algum motivo, há um ano, exortámos a abertura deste grupo de trabalho, pois o Governo não se quer
esconder atrás de nada. Exortámos que o grupo de trabalho fosse criado, precisamente para que as entidades
que foram ouvidas antes viessem, à luz do debate parlamentar, apresentar as suas propostas. Algumas o
Governo vai acolher, outras não, mas isso é da essência da democracia.
A nossa relação com os grupos parlamentares e, em particular com o Grupo parlamentar do Partido
Socialista, será de inteira disponibilidade para rever algumas questões, sobretudo de direitos dos consumidores,
em particular a questão, bastante levantada, sobre a CNPD e da remuneração dos dados, que me parece ser a
matéria mais sensível e alvo de maior intervenção por parte dos grupos parlamentares.
Estamos inteiramente disponíveis para rever essa disposição ou, eventualmente, para a eliminar mostrando
a nossa inteira abertura para negociar e para melhorar este diploma. Este diploma veio como veio, precisamente
para ser melhorado.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.
A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada, Sr. Secretário de Estado. Aproveito para cumprimentar a Sr.ª Ministra, os Srs. Secretários, as Sr.as e Srs. Deputados.
Página 47
2 DE JUNHO DE 2022
47
Vamos passar ao ponto 4 da nossa ordem de trabalhos, que consiste na apreciação, na generalidade, da
Proposta de Lei n.º 3/XV/1.ª (GOV) — Altera o Código de Processo Penal e a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro,
juntamente com o Projeto de Lei n.º 86/XV/1.ª (PAN) — Corrige a legislação que concretiza a Estratégia Nacional
Anticorrupção 2020-2024 e aprofunda as garantias de proteção dos denunciantes e do Projeto de Lei n.º
94/XV/1.ª (CH) — Criação do estatuto do arguido colaborador e agravamento das penas aplicáveis aos crimes
de corrupção previstos no Código Penal.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que também
aproveito para cumprimentar.
Faça favor, Sr.ª Ministra.
A Sr.ª Ministra da Justiça (Catarina Sarmento e Castro): — Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Na sequência da aprovação da Estratégia Nacional Anticorrupção, o Governo
apresentou à Assembleia da República uma proposta de lei com o objetivo de concretizar algumas das medidas
formuladas naquele documento estratégico e visando assegurar uma aplicação célere, efetiva, adequada, mas
também uniforme, das soluções legais em matéria de supressão da corrupção.
Neste contexto, foi aprovada a Lei n.º 94/2021. Sucede que ainda antes da entrada em vigor da mesma lei,
diferentes atores judiciários alertaram a opinião pública e os responsáveis políticos para as consequências
práticas de algumas das disposições desta lei, visivelmente causadoras de disfuncionalidades no regular
funcionamento dos tribunais.
A proposta que agora se apresenta pretende mitigar as consequências para o sistema judicial, a que algumas
das alterações introduzidas pela lei de 2021 conduziram, obstando a bloqueios, entorpecimentos e
constrangimentos para a organização e funcionamento da justiça penal.
Uma dessas situações resulta da nova redação do artigo 40.º do Código de Processo Penal, dado que o
regime de impedimentos aprovado afunilou as possibilidades de intervenção processual posterior do juiz que
tivesse intervenção no processo penal, em momento anterior.
A solução constante da Lei n.º 94/2021 pretendeu ser deveras garantística, assegurando o princípio da
imparcialidade do juiz, mas, ao desejar que este intervenha processualmente livre de quaisquer contenções ou
quaisquer juízos prévios sobre o arguido e/ou sobre o objeto do processo, ampliou mais e além de tal forma os
impedimentos previstos que esta nova redação poderia, na prática e no limite, paralisar ou, pelo menos, dificultar
em muito o funcionamento dos tribunais.
Com o aumento das situações de impedimento dos juízes, a probabilidade, por exemplo, de um juiz de
instrução interveniente em sede de inquérito, ficar definitivamente impedido de ter intervenção processual nas
fases posteriores, aumentaria de modo significativo, o que pode desorganizar o sistema de justiça, dada a
multiplicação exponencial de substituição de juízes, com o previsível adiamento de diligências, gerando ainda
incerteza sobre quem deveria ser o juiz nos processos pendentes.
O cenário seria prospetivamente mais gravoso nas comarcas de menor dimensão, onde o número de juízes
colocados é, naturalmente, menor e em que, por isso mesmo, a indicação de juiz não impedido se revelaria mais
difícil.
Na solução em vigor, mesmo em intervenções dogmática e processualmente percebidas como inócuas, em
que não se põem necessariamente em causa os direitos, liberdades e garantias do arguido, gerariam
impedimento. Mais além, seria possível que, em certos atos unilaterais dos sujeitos processuais, suscitassem,
a montante, a intervenção do juiz, nos termos do artigo 40.º, clamando-se, por isso, a jusante, no processo, pelo
impedimento respetivo.
Neste contexto, impunha-se resolver, de forma cirúrgica e com grande brevidade, as dificuldades suscitadas.
E foi precisamente isso que o Governo veio fazer, por meio da presente proposta de lei.
Assim, em função das questões suscitadas, mantendo por candeia o princípio da imparcialidade, enquanto
emanação da estrutura acusatória do processo penal, que se retira do artigo 32.º da Constituição, e em
observância do princípio do juiz natural, vem o Governo recuperar aquela que foi a sua proposta para o artigo
40.º, em matéria de impedimentos processuais, obstando à intervenção do juiz que tenha formulado uma pré-
compreensão, em relação à responsabilidade penal do arguido, por ter de verificar a existência de fortes indícios
da prática de crime, por força da aplicação de medida de coação dos artigos 200.º a 202.º do Código de Processo
Penal ou por ter presidido a debate instrutório. Mantém-se também o mesmo n.º 3 do artigo 40.º
Página 48
I SÉRIE — NÚMERO 19
48
Com a presente proposta de lei, propõe-se a repristinação dos n.os 1 e 2 do artigo 419.º na redação anterior
à Lei n.º 48/2007, passando a fazer parte da conferência dois juízes adjuntos. Com esta alteração da composição
do tribunal de recurso, assegura-se, por um lado, a colegialidade reforçada e evita-se, por outro, que o presidente
da secção passe a integrar todos os coletivos nos recursos dos tribunais superiores com as inevitáveis
consequências que tal solução acarretaria para o funcionamento das secções.
Em suma, a presente proposta de lei, que, logo no início de abril de 2022, com a entrada em funções do novo
Governo, foi apresentada ao Parlamento como medida reparadora e urgente, pretende superar as dificuldades
de aplicação prática da redação do artigo 40.º do Código de Processo Penal em vigor e as dúvidas interpretativas
do artigo 419.º do Código de Processo Penal, e toma ainda outros contributos, sendo embora alguns de detalhe
clarificador ou harmonizador.
As soluções da proposta de lei apresentada pelo Governo foram já saudadas nos pareceres remetidos ao
Parlamento pelo Conselho Superior da Magistratura e pela Ordem dos Advogados, pareceres que se encontram
publicamente disponíveis.
Com as soluções propostas, pretende o Governo evitar constrangimentos a um funcionamento célere e eficaz
da justiça. É o que se vem propor.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de lei do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com esta alteração legislativa, o PAN pretende corrigir alguns dos erros que foram, em nosso entender,
cometidos na recente alteração legislativa, a qual visa um bem essencial — combater a corrupção, que é um
flagelo no nosso País e que, como bem sabemos, custa muitos milhares de milhões de euros anualmente,
custando a cada minuto, 34 000 €.
Para que as medidas de combate à corrupção sejam eficazes, é necessário que se façam com o máximo
rigor algumas alterações. Infelizmente, no ano passado, o pacote anticorrupção que aqui aprovámos não só não
o assegurou como até teve resultados contraproducentes, sendo um dos mais óbvios o regime dos
impedimentos que, nos termos em que está desenhado, permite contornar o princípio do juiz natural.
Por isso mesmo, com esta iniciativa, o PAN pretende corrigir estes erros nos exatos termos das
recomendações das associações representativas das magistraturas, da Ordem dos Advogados e do Conselho
Superior da Magistratura.
Mas é preciso ir mais longe e, em nosso entender, podemos aproveitar esta oportunidade para corrigir o
regime de proteção do denunciante. Não é concebível que se adote o estreito conceito de violação de legislação
europeia deixando de fora a grande maioria da legislação nacional de fonte não comunitária.
Assim, com esta iniciativa, queremos assegurar um conceito amplo de denúncia que inclua qualquer violação
da lei, tenha ela fonte comunitária ou não. É que uma coisa é certa: ocorrendo um crime, certamente que não
lembrará nem ao denunciante nem ao infrator saber se estão ou não perante direito comunitário ou não
comunitário.
Esta é uma solução que acompanha o que foi proposto pelo Conselho Superior do Ministério Público e que
aproxima a legislação adotada na transposição da diretiva feita por países como a Dinamarca, a Letónia, a
Lituânia, Malta e a Suécia.
Não é concebível que denunciantes sem vínculo laboral ou de fora da organização não sejam protegidos
pela legislação, evitando os chamados processos «SLAPP», strategic lawsuit against public participation, ou
seja, existindo uma coação para a desistência das denúncias, nomeadamente através de ações em tribunal,
como é o caso paradigmático de Arlindo Marques, o «guardião do Tejo», que, infelizmente, já viu arquivados os
processos que contra si foram interpostos.
Finalmente, queremos que, como possibilita a diretiva e recomenda a OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico), se protejam também os denunciantes, nomeadamente os ativistas,
contra este tipo de ações e que estas alterações ao regime de proteção do denunciante deem garantias e
eficácia ao objetivo que ditou a criação desta própria lei, para que tenha uma maior adesão à realidade.
Página 49
2 DE JUNHO DE 2022
49
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o projeto de lei do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra da Justiça, começo por saudá-la e por lhe dizer que, ao mesmo tempo que apresentarei o projeto de lei do Chega, irei colocar algumas questões.
É sabido que, desde a entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal, foram várias as
associações civis e de juízes, além da Ordem dos Advogados, a apontar críticas ao que tinha sido aprovado.
O Governo tinha prometido, no ano passado, uma estratégia de avanço no âmbito da colaboração premiada,
mas não é isso que encontramos na proposta de lei. Encontramos uma forma de contornar o juiz natural, que
tem trazido problemas enormes à justiça e que até parece que foi feita para que não sejam atribuídos alguns
processos a determinados juízes, como sabemos.
O estatuto do arguido colaborador é, simultaneamente, ou deve ser, uma garantia para quem colabora e uma
eficácia para a justiça, porque garante que quem colabora na deteção, no auxílio da investigação a crimes tão
graves tem o estatuto efetivamente garantido e protegido.
Uma das questões que se deve colocar é a de quando é que se formaliza essa colaboração premida. No
nosso entender, deve ser na fase de inquérito, através de homologação da autoridade judiciária, como é feito
em muito bons exemplos pelo mundo inteiro, nos Estados Unidos, em Inglaterra, no Japão e até no Brasil.
Sr.ª Ministra, permita-me que a questione sobre alguns aspetos em concreto desta reforma e que penso que
merecem reflexão. Aquilo que se fez, em termos de impedimento dos juízes, só trouxe mais confusão aos
tribunais, o que, conforme a Sr.ª Ministra reconheceu, é algo que é urgente alterar. Ao mantermos em vigor,
quer na iniciativa do PAN, quer na do Governo, o n.º 3 do artigo 40.º, pergunto: será que mandar extrair uma
certidão coloca em causa o princípio da imparcialidade do juiz? É isso que neste momento está em causa.
Ao dizermos que se põe em causa a imparcialidade, dizemos que, quando se extrai uma certidão, já está
afetado o nosso juízo ou, como disse a Sr.ª Ministra, a pré-compreensão do processo. Isto não tem nada que
ver com neutralidade, trouxe mais caos e mais desorganização aos tribunais.
Propomos que normas como a do n.º 2 do artigo 419.º, relativamente à composição do tribunal, a do artigo
432.º, que limita o processo de recurso, e mesmo a do n.º 3 do artigo 40.º sejam revogadas. O n.º 3 do artigo
40.º mantém-se quer no projeto do PAN quer na proposta do Governo e, de todos os operadores judiciários, é
unânime a crítica de que só tem gerado mais confusão e uma suspeita infundada sobre os magistrados que não
se justifica e que este Governo tem procurado aprofundar.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra e restantes membros do Governo: A proposta de lei que discutimos hoje surge de uma necessidade de corrigir os erros resultantes das
alterações à Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, que concretizou propostas formuladas na Estratégia Nacional
Anticorrupção 2020-2024.
Aquando da aprovação dessas alterações, como bem se recordarão, e já foi aqui referido, as associações
representativas das magistraturas, a Ordem dos Advogados e o conselho superior alertaram para as
consequências que as alterações ao artigo 40.º do Código de Processo Penal trariam, nomeadamente no que
respeita à criação de sucessivos impedimentos de juízes de instrução, levando a processos paralisados e a um
aumento dos riscos de prescrição dos processos.
Por isso, muito nos apraz ver que o Governo, pelo menos neste tema, esteve aberto a ouvir as entidades
externas que apontaram as falhas e as consequências de legislar à pressa e tomou as devidas diligências para
corrigir o erro em tempo útil.
Ora, o Iniciativa Liberal defende uma justiça mais célere, mais acessível, mais independente e mais focada,
entre muitos outros, no combate à corrupção.
Estes valores têm ainda maior relevância quando a justiça em Portugal atravessa uma fase de
descredibilização, ao mesmo tempo que na nossa sociedade começa a reinar um sentimento de impunidade, o
Página 50
I SÉRIE — NÚMERO 19
50
que afeta, indiscutivelmente, a confiança dos cidadãos no Estado e na justiça, enfraquecendo,
consequentemente, a nossa democracia.
O PS e este Governo defendem um Estado forte e interventivo, quase omnipresente na vida de todos nós.
Contudo, nessa batalha pela omnipresença, acabam por perder o foco e não assegurar o que é verdadeiramente
exigido, a salvaguarda de uma justiça célere, previsível, transparente e eficaz.
Nós, no Iniciativa Liberal, defendemos um Estado mínimo, mas mais eficiente e concentrado nas suas
funções essenciais.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Este debate, para poder ter lugar, pressupõe o conhecimento prévio das normas e dos diplomas legais a que
pertencem.
Posto isto, a Lei n.º 94/2021 resultou de um texto de substituição, apresentado pelo PS e pelo PSD, que
visou a alteração de vários diplomas legais no âmbito da prossecução da Estratégia Nacional Anticorrupção.
Foram introduzidas alterações significativas no sistema de justiça.
Cumpre dizer, e é muito importante, que o texto de substituição resultou do debate e comunicação constantes
entre o Ministério da Justiça, com, à data, a Sr.ª Ministra Van Dunem, o PS e o PSD relativamente a todas e a
cada uma das normas aprovadas, sendo o texto final o consensualizado entre os três intervenientes. É por isso
falso que a anterior Ministra da Justiça não tenha aprovado todas as normas do diploma legal que
consubstanciou a Lei n.º 94/2021.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Na sequência das reivindicações apresentadas por representantes das corporações profissionais, designadamente no que concerne a normas dos impedimentos dos juízes — e a Sr.ª
Ministra, como referiu, foi saudada por muitas dessas representações, o que não admira porque a proposta do
Governo é a proposta do Conselho Superior da Magistratura —, o Governo, visando alterar essas normas e
merecendo agora aqui apreciação as normas de que a Sr.ª Ministra falou, os artigos 40.º e 419.º do Código de
Processo Penal, há que dizer que é com satisfação e surpresa que vemos a alteração proposta ao artigo 419.º,
elevando de um para dois o número de juízes adjuntos que intervêm na conferência, repristinando a redação
anterior à Lei n.º 48/2007, e foi pena que anteriormente não tenham concordado com isto.
Vemos, com satisfação, o reconhecimento da necessidade de reforçar a colegialidade na composição dos
tribunais coletivos de recurso em processos criminais, como acontece, de resto, nos processos cíveis. Vemos,
com surpresa, apesar das queixas apresentadas constantemente da falta de juízes não se antever a
possibilidade de aumento do número desses juízes no julgamento de recursos. Pelos vistos, afinal, já não há
falta de juízes.
Por isso, a ratio do atual artigo 419.º, que está em vigor, teve por base a obrigatoriedade de o juiz presidente
da secção ter de dirigir e intervir quando os recursos são julgados, quer em conferência, quer em audiência —
é preciso saber a diferença! —, votando apenas em casos de desempate. No atual artigo 419.º a única diferença
é a de que o presidente passa a votar sempre, garantindo-se assim a colegialidade sem necessidade de fazer
intervir outros juízes.
Não obstante, o PSD concorda que o reforço da colegialidade seja feito com a introdução de mais um juiz
adjunto, e saudamos que haja esse número de juízes. Coisa diferente já não se pode dizer relativamente à
repristinação tout court do anterior artigo 40.º do Código de Processo Penal, que consagra os impedimentos dos
juízes.
Sr.ª Ministra, o juiz tem de ser imparcial. Se, em fase anterior ao julgamento ou a decidir qualquer recurso ou
um pedido de revisão, o juiz teve intervenções no processo que impliquem contacto com os factos nele
constantes ou com as provas produzidas não mais conseguirá ultrapassar e deixar de ter presente o juízo que
Página 51
2 DE JUNHO DE 2022
51
necessariamente teve de fazer. É uma marca de água inexorável que compromete irremediavelmente a sua
imparcialidade.
O julgamento, Sr.ª Ministra, é a fase central do processo penal e tem de ser feito perante um juiz diferente
daquele que conheceu as fases de investigação e as fases de instrução. É isso que garante que o juiz não está
contaminado…
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — … por toda a informação recolhida durante a investigação e que assegura a sua imparcialidade e isenção.
Toda a prova tem de ser produzida em audiência de discussão e julgamento e com observância do princípio
do contraditório perante um julgador imparcial. Todos nós temos direito a isso. E não pode colher o argumento
de que os impedimentos dos juízes irão desorganizar os tribunais, Sr.ª Ministra, desde logo, porque um sistema
de justiça, num verdadeiro Estado de direito democrático, não pode ter receio de se desorganizar, nas palavras
do Governo, quando a causa é a necessidade da exigência de juízes imparciais.
Concorda-se que a redação do artigo 40.º necessita de correções de molde a impedir as interpretações
enviesadas e destorcidas que foram feitas por muitos dos atores profissionais, e está a ser interpretado no
sentido de que, qualquer ato do juiz, ainda que ignoto e de mero expediente, possa causar o seu impedimento
futuro, e não era isso que o legislador pretendia. Não foi esse o espírito do legislador, mas, sim, o de garantir a
total imparcialidade do juiz.
Por fim, o Governo refere ainda que a eliminação do limite do número de testemunhas foi um lapso de
redação e que urge corrigir o atual artigo 311.º-B do Código de Processo Penal. Não foi, Sr.ª Ministra! Não é
verdade! Não foi um lapso de redação. A eliminação do limite de 20 testemunhas resultou de uma proposta
concreta do PS…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — … com a qual o PSD discordou, mas que foi aprovada. Há que dizer a verdade!
Termino dizendo que o PSD está disponível para retificar e esclarecer o que for necessário, respeitando o
espírito unânime que presidiu ao legislador que aprovou a Lei n.º 94/2002.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: Quando, na 25.ª hora da passada Legislatura, o PS e o PSD acordaram um texto de substituição dos respetivos projetos de alteração
ao Código de Processo Penal, no âmbito do combate à corrupção, alertámos para o perigo de cometer erros
que são frequentes em textos legislativos elaborados em contrarrelógio.
Como é evidente, iniciativas legislativas com tais implicações não são, em regra, aprovadas sem que haja
um conjunto de audições, designadamente dos conselhos superiores e dos sindicatos das magistraturas, da
Ordem dos Advogados, além de outros especialistas. Relativamente às alterações ao Código de Processo
Penal, isso não aconteceu.
Com a dissolução da Assembleia da República, o PS e o PSD acordaram uma redação para que esta fosse
votada antes do fim da Legislatura. Esse trabalho foi meritório e não criticamos que tenha sido feito. Aliás, foi na
sequência disso que foi possível eliminar algumas propostas constantes da proposta do Governo das quais
discordávamos frontalmente, como as aproximações em matéria de direito premial a institutos, como a chamada
delação premiada, cuja perversidade está mundialmente demonstrada.
Contudo, apesar de o PCP ter acompanhado o texto aprovado, não deixou de alertar para os perigos da
última hora. E fizemos votos para que não acontecesse o que efetivamente veio a acontecer. Poucos dias após
Página 52
I SÉRIE — NÚMERO 19
52
a publicação da Lei n.º 94/2021, já o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses alertava, no
jornal Público, para a situação caótica que o aumento das situações de impedimento dos juízes para participarem
na instrução e no julgamento dos processos criminais iria criar nos tribunais, pois, nos termos da lei aprovada,
qualquer intervenção de um juiz numa fase de inquérito, por mais inócua que fosse, impediria a sua participação
em fases posteriores, designadamente no julgamento.
A separação entre o juiz de instrução e o juiz de julgamento deve, sim, ser preservada. É um princípio basilar
do nosso direito processual penal, mas o exagero na definição dos atos geradores de impedimento revelou-se
contraproducente e levou o Governo a apresentar a proposta de lei hoje em discussão. E fez bem, mas, em
nome de uma prática conhecida como «já agora», aproveitou para propor outras correções pontuais ao Código
de Processo Penal, tornando esta proposta numa espécie de coletânea de erratas de asneiras cometidas em
sete sucessivas alterações da legislação processual penal.
Acompanharemos na generalidade a proposta de lei, mas deixamos de novo o alerta. Façamos as audições
necessárias para que não venha a ser aprovada uma emenda pior do que o soneto. Já os demais projetos hoje
em discussão aproveitam o arrastamento para introduzir, à boleia desta discussão, outros aspetos que nos
parecem deslocados face ao objeto do agendamento e que contêm soluções que não acompanhamos,
nomeadamente em matéria de direito premial.
Por fim, gostaria de dizer que o PCP não rejeita soluções de direito premial cuidadosas, como as que a lei
portuguesa hoje já consagra, mas não acompanha derivas que conduzam à anulação prática do princípio da
legalidade da ação penal e que tornam o exercício da ação penal numa espécie de negócio em que alguns
criminosos veem os seus crimes ficarem impunes a troco de incriminações negociadas com a autoridade que,
porventura, possa estar mais interessada em acusar sem ter de obter provas do que em aplicar a justiça.
As preocupações com a eficiência da investigação criminal são justas, mas não podem justificar tudo,
sobretudo quando se pretende enveredar por caminhos que conduzam à negação da própria ideia de justiça.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Pereira de Oliveira, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, um pequeno esclarecimento relativamente à intervenção do Sr. Deputado André Ventura acerca das certidões. Se
ler bem o artigo 40.º, Sr. Deputado, o número que refere diz respeito a certidões relativas só a dois artigos, 359.º
e 360.º, e, portanto, não a todas as situações que constam no Código Penal ou no Código de Processo Penal.
Mas, relativamente a esta situação, as três iniciativas que temos a debate relacionam-se com o combate à
corrupção, algo que também é muito caro a todos nós, nesta Assembleia, e, em particular, ao Chega. É um
assunto cuja relevância político-criminal todos, como digo, reconhecemos.
O projeto de lei do PAN tem uma primeira parte semelhante à proposta de lei do Governo que foi apresentada
mais de um mês antes, mas acrescenta-lhe algumas soluções relacionadas com o estatuto dos denunciantes.
A ideia central é evitar que o denunciante possa ser depois alvo de processos judiciais, nomeadamente por
difamação, mas a iniciativa tem uma dificuldade de monta: parece assentar na presunção de que quem denuncia
diz a verdade e quem é denunciado praticou sempre um crime. Temos dúvidas de que se trate de uma solução
razoável e não compreendemos como se relacionaria este regime com o crime de denúncia caluniosa previsto
no Código Penal.
O projeto de lei do Chega pretende criar um regime de delação premiada com inspiração no modelo brasileiro
— acordos de colaboração na fase de inquérito — e quer agravar as penas da corrupção. Nada de novo,
portanto, face ao que já foi defendido na Legislatura anterior. Este projeto desconsidera, além disso, as
novidades trazidas pelo pacote anticorrupção de dezembro passado e as soluções propostas parecem
contraditórias com as que já existem e muito menos eficientes.
Resta-nos olhar para a proposta de lei apresentada pelo Governo, que pretende alterar algumas das soluções
processuais penais aprovadas em novembro passado, e, registo, por unanimidade. A mais significativa prende-
se com o emagrecimento dos impedimentos dos juízes, no artigo 40.º do Código de Processo Penal.
Página 53
2 DE JUNHO DE 2022
53
Penso que todos reconhecemos a importância da existência de impedimentos. Eles servem para garantir a
imparcialidade do juiz que decide e essa imparcialidade é favorecida sempre que o juiz do julgamento não
interveio de modo relevante em fases anteriores do processo. O ideal é que o juiz que decide seja uma página
em branco que se vai preenchendo apenas com a prova produzida na audiência de julgamento. Mas também é
compreensível que um novo Executivo faça as suas próprias opções em matérias que pressupõem uma
avaliação dos recursos disponíveis, nomeadamente, o número de magistrados de que dispomos e a capacidade
formativa do CEJ (Centro de Estudos Judiciários).
Além desta alteração, esclarece-se — e bem — a regra da colegialidade das decisões dos tribunais da
relação, fazem-se opções sobre quem representa a pessoa coletiva no processo e parificam-se regras sobre
prova testemunhal para a acusação e a defesa.
Há um aspeto que deve ser sublinhado e que talvez possa ser compreendido tanto pelos catastrofistas
ingénuos como pelos catastrofistas oportunistas, desde que estejam disponíveis para olhar com mais atenção
para o pacote anticorrupção aprovado em novembro passado. Aquilo que aprovámos por unanimidade dos
presentes, reafirmo, tem uma dimensão porventura ainda pouco estudada. Alterámos muitas dezenas de artigos
espalhados por leis tão vitais como o Código Penal, o Código de Processo Penal ou o Código das Sociedades
Comerciais, e por causa disso — porque escolhemos fazer o que devíamos quando a Legislatura foi interrompida
e era tão fácil arranjar desculpas para não fazer nada —, passámos a estar munidos de respostas que há um
ano não tínhamos.
Exemplos do que hoje temos e antes não tínhamos: políticos condenados por corrupção podem ficar
impedidos de serem eleitos ou nomeados para funções públicas por um período até 10 anos; uma empresa que
seja arguida num processo por corrupção passou a poder ser sujeita a uma medida de coação que a impede de
participar em concursos públicos ou de receber subsídios; alguém que pratique um crime de corrupção e que o
denuncie mais de 30 dias depois pode ser dispensado de pena por decisão judicial, mas apenas se o ato ilícito
mercadejado não tiver já sido praticado; e os administradores e gerentes das sociedades comerciais que
incumprirem certos deveres passam a poder ser condenados a penas de prisão suficientemente dissuasoras.
No final da Legislatura passada escolhemos não baixar os braços no combate à corrupção e é por isso que
todas estas novas respostas existem — e muitas outras que não tenho tempo agora para referir.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!
O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Não usamos o discurso do flagelo da corrupção para atingir a democracia e o Estado de direito. Queremos mesmo combater a corrupção e, com esse propósito,
continuaremos a melhorar os instrumentos de que dispomos e que, ao longo das últimas décadas, foram
maioritariamente propostos, reafirmo, pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: O Livre, evidentemente, acolhe todas as propostas que forem no sentido de tornar a nossa justiça mais célere, não só no interesse de
quem precisa de respostas do sistema de justiça, mas também no interesse do País como um todo,
nomeadamente a área da economia que precisa de uma justiça mais célere que nos permita atingir níveis mais
altos de produtividade e que a qualifique.
Mas as razões da minha intervenção prendem-se, sobretudo, com um saudar da iniciativa do PAN, porque
nos vem ajudar a clarificar algo que muitas vezes se perde, seja nos processos de transposição de direito
europeu para direito nacional, seja em iniciativas de alargamento dos direitos de que usufruímos enquanto
cidadãos europeus e que, muitas vezes, pensamos que temos e acabamos por não ter no nível da ordem interna
dos Estados-Membros.
Assim se passa com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que tem 50 artigos maravilhosos
que são esvaziados pelo artigo 51.º, que nos diz que aqueles artigos não se aplicam na ordem interna dos
Página 54
I SÉRIE — NÚMERO 19
54
Estados-Membros. Assim se passa também com a legislação que diz respeito aos denunciantes, na qual os
denunciantes estão protegidos quando fazem denúncias de crimes cometidos à luz do direito europeu, mas que
não são obrigados a saber se aquele crime também viola, não viola ou deixa de violar direito nacional.
Saudamos a clarificação que o texto do PAN vem introduzir e acompanharemos com gosto o trabalho em
comissão desse texto, bem como o das outras iniciativas, porque achamos que vêm colmatar uma lacuna
importante no nosso direito.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as Ministras, Sr.as e Srs. Deputados: Normalmente, quando se chega a uma casa, a primeira obrigação é arrumá-la e pô-la a gosto para podermos trabalhar.
De certa forma, é o que acontece com esta iniciativa legislativa, porque esta não é bem uma proposta de lei,
é o arrumar da lei que não ficou bem arrumada no final da Legislatura passada. Por isso, percebemos que
nenhuma das intervenções versava sobre o conteúdo a sério do projeto. Todas discutiam mais o que já
discutimos em novembro passado do que o conteúdo em causa da proposta de lei que a Sr.ª Ministra aqui
trouxe.
Vou rematar isso rapidamente: as propostas que traz de alteração legal são mais ou menos óbvias, já que
houve uma contestação por parte dos agentes judiciais, em particular dos juízes, que demonstravam que
algumas delas eram absolutamente impraticáveis. Agarravam-se a valores de forma tão draconiana, tão
draconiana, que negavam o valor mais fundamental, que é o direito de acesso à justiça, porque tornavam
impraticável a justiça no nosso País.
Desse ponto de vista, acompanhamos essa pretensão, não temos nenhum reparo maior a fazer que não o
de que, de facto, a lei necessitava de ser corrigida. Rapidamente esperemos que isso aconteça.
Mas há mais do que isto e, no que toca a arrumar a casa, há algumas notas que devemos deixar e eu creio
que elas se refletem também na forma como houve reações a esta legislação e como o Governo tão rapidamente
teve de reagir com uma iniciativa legislativa. É que, de facto, faltam pessoas na justiça. Faltam juízes, faltam
juízas, faltam os magistrados para poder dar rapidez, celeridade e justiça à justiça do nosso País.
Nessa perspetiva, esta proposta de lei corrige os problemas legais dos impedimentos que foram já elencados,
mas não reforça essa parte da componente humana da justiça portuguesa. Discutimos, ainda há semanas, o
Orçamento do Estado para 2022 e ele também não dava resposta a essa matéria da forma que o País precisa.
Por isso, termino a minha intervenção com este repto, Sr.ª Ministra: ao arrumar a casa, e ao fazê-lo agora
numa Legislatura que será das mais longas da nossa democracia, a obrigação do Governo e da Sr.ª Ministra é
deixar a justiça melhor do que a encontrou, deixar a casa mais arrumada do que a encontrou. Não será muito
difícil no que toca à garantia da efetividade da justiça, porque, de facto, se há coisa que os portugueses sentem
neste momento é que têm uma justiça demasiado afastada, demasiado cara e demasiado lenta. E qualquer um
destes «demasiados» torna a justiça demasiado injusta. Creio que há aqui muito por onde a Sr.ª Ministra pode
começar a arrumar a casa, em particular pelo reforço dos seus meios humanos.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente: Eu queria responder ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista e também à Sr.ª Ministra.
Ó Sr. Deputado, não foi o Chega nem o PAN que trouxeram esta proposta de alteração. Foi o Governo!
Portanto, quando o Sr. Deputado diz que «ainda estão pouco estudadas as alterações que fizemos à
legislação recente», dá a ideia de que foram os outros grupos parlamentares que quiseram discutir isto, mas foi
o PS e o Governo que quiseram discutir este assunto, reconhecendo os erros que cometeram.
E, Sr. Deputado, queria dizer-lhe isto: não sei se a delação premiada é demagogia ou oportunismo, mas
posso dizer-lhe que, em vários países, tudo tem funcionado muito melhor do que aqui. E também lhe posso dizer
Página 55
2 DE JUNHO DE 2022
55
outra coisa: provavelmente não há nenhum país onde haja delação premiada, exceto num país que é muito caro
aos socialistas, que é o Brasil, e provavelmente em nenhum outro temos um Primeiro-Ministro há oito anos à
espera de ser julgado por corrupção contra Portugal. Isso é que não existe em nenhum outro país onde haja
delação premiada!
Aplausos do CH.
Por isso, Sr. Deputado, vir ao Parlamento dar-nos a todos uma lição de moral, ao dizer «nós, o PS, somos
os campeões da luta contra a corrupção!», se não for para rir, é para chorar! Se isto não for para rir é qualquer
coisa para chorar. Sr. Deputado, desculpe lá, mas é um antigo Primeiro-Ministro seu que nos envergonha a
todos, inclusive aqui, nesta Casa e nesta democracia.
O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Mas o que é que isso tem a ver com legislação?!
O Sr. André Ventura (CH): — Portanto, deixe-me dizer-lhe isto, Sr. Deputado: temos de ter uma estratégia e o que temos visto até agora é que isto não tem funcionado! O Governo prometeu uma estratégia de delação
premiada, de combate premial, e agora escuda-se, dizendo que já há resquícios disto no Código Penal.
Nenhum país combate tão bem a corrupção como a Inglaterra e os Estados Unidos e, nestes dois casos,
temos dois bons exemplos de colaboração premiada. E, sim, Sr. Deputado, temos exemplos de colaboração
premiada que funcionam. Em Itália, grande parte da corrupção eliminada foi através da delação premiada — a
máfia foi derrubada por delação premiada. Mas o que os senhores querem é manter este sistema de nada, de
«nim», de uma grande confusão que, quando chega ao fim, absolve toda a gente e deixa toda a gente cá fora,
quando cometeram crimes contra Portugal.
Aplausos do CH.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Os Estados Unidos não são Portugal!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos passar à fase de encerramento do debate e, para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Sr.ª Vice-Presidente, a alteração ao Código de Processo Penal, que foi aprovada nesta Casa em dezembro de 2021, foi uma alteração de grande importância e um trabalho feito de
forma séria. Através disso, foi possível melhorar o nosso sistema jurídico.
Ainda assim, foram detetadas algumas imperfeições — algumas delas de fundo — que foi necessário corrigir.
Foi isso que se pretendeu fazer com esta proposta de lei.
Aquilo que nos foi pedido foi uma solução, uma intervenção urgente, e aquilo que fizemos foi, de forma
urgente, consagrar medidas reparadoras e que propiciassem um funcionamento, que se pretende célere e
eficaz, da justiça. Foi isso que o Governo fez e é isto que se pretende com esta proposta de lei.
Portanto, ouvindo — como ouvimos sempre e continuaremos a ouvir — os diversos atores do sistema, o
Governo, com rapidez, apresentou à Assembleia da República as medidas que considerou necessárias para
reparar algumas destas imperfeições, algumas destas questões que, de facto, prejudicavam um funcionamento
regular da justiça.
Foi isto que o Governo veio trazer à Assembleia da República, este conjunto de medidas que se pretendem
pôr em prática de forma urgente e ouvindo, naturalmente, todas as observações que aqui foram feitas, assim
como as que foram feitas pelos atores, lá fora. Essa é uma marca deste Governo, essa continuará a ser uma
marca deste Governo.
Vamos continuar a investir na justiça e vamos reforçar a atenção a dar à justiça. A prova disso é que estamos
hoje, aqui, a tratar destas questões a que demos celeridade máxima.
Viemos aqui oferecer soluções, não discutir os problemas ou o que esteve na origem daquilo que nos faz
estar aqui. Aquilo que nos moveu e que nos fez estar aqui hoje foi trazer soluções.
Página 56
I SÉRIE — NÚMERO 19
56
Portanto, o Governo traz à Assembleia da República as soluções para conseguirmos progredir no combate
à corrupção e na prevenção da corrupção. Foi, sobretudo, esta a medida que esteve por detrás da proposta de
lei que foi já aprovada em dezembro.
Assim, temos perante nós e perante a Assembleia da República, neste momento, à consideração dos Srs.
Deputados, uma proposta de lei que pretendeu, de forma rápida e expedita, trazer à justiça aquilo de que ela
precisa: uma resposta célere, eficaz e adequada.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Despeço-me das Sr.as Ministras e passamos ao ponto cinco, à apreciação da Petição n.º 18/XIV/1.ª (Ana Sofia Loureiro Marques) — Legalização da prostituição em Portugal
e/ou despenalização de lenocínio, desde que este não seja por coação.
Aproveito para informar que estão a assistir, nas galerias da Sala das Sessões, não só representantes dos
subscritores desta petição, mas também da Petição n.º 179/XIV/2.ª (Movimento 8%) — Por um investimento
urgente em ciência em Portugal, que consta do ponto seguinte e da qual são subscritores Luísa Lopes e
Armando Miguel Remondes.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lina Lopes, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir a petição, com 4004 assinaturas, da iniciativa de Ana Sofia Loureiro Marques, primeira subscritora, que cumprimento.
Quero começar por salientar a coragem de trazer esta petição à Casa da democracia, pois falar em
prostituição é falar de um assunto com complexidade elevada, que tem, inclusivamente, sido estudado pela
academia, na procura de formas de abordar, descrever e compreender este tópico tão complexo.
A palavra «prostituição» é do género feminino, mas a prostituição não afeta só as mulheres, ela também
afeta crianças, jovens e homens.
A prostituição, por estar relacionada com questões sexuais, origina polémicas e reações adversas, e os
dados factuais são frequentemente distorcidos, em consequência de preconceitos, ou incompreendidos, fruto
de convicções pessoais ou morais. Cabe-nos a nós, nesta Câmara, discutir este assunto de uma forma séria e
objetiva.
A prostituição pode caracterizar-se, de forma algo simplista, como o ato ou a atividade de oferecer serviços
sexuais a troco de pagamento. Se considerarmos os vários estudos sobre a prostituição, podemos dizer que
existem dois sistemas distintos na abordagem do problema: o sistema abolicionista, implementado em vários
países da Europa, no qual a prostituição, ou parte dela, é criminalizada, seja na ótica de quem a utiliza, de quem
a pratica ou de quem a fomenta, e o sistema regulacionista, no qual a prostituição não é criminalizada, mas
regulamentada como atividade económica, sistema vulgarmente conhecido como de legalização ou liberalização
da prostituição, quer na ótica do utilizador, quer na do praticante.
Em 1999, surgiu, na Suécia, aquele que ficou conhecido como o «modelo nórdico» — que altera parcialmente
o modelo abolicionista —, no qual a venda de serviços sexuais é permitida, mas a sua compra é punida, tanto a
nível criminal como contraordenacional.
Na Europa, as soluções encontram-se muito divididas: de 41 países analisados, apenas em 8 países a
prostituição é legalizada e está devidamente regulamentada. É o caso, por exemplo, da Alemanha, da Áustria e
da Holanda. Noutros países existe um total vazio legal e a prostituição não é punida nem está regulamentada.
É o que sucede, por exemplo, em Espanha, Itália e República Checa. Por outro lado, existem países que proíbem
a prostituição, como a Croácia, a Moldávia ou a Ucrânia.
O modelo nórdico, iniciado na Suécia em 1999, tem vindo a ganhar terreno e já é aplicado em países como
a França, a Islândia ou a Noruega.
Em Portugal, no quadro do Código Penal, o artigo 169.º, relativo ao lenocínio, estipula uma pena de prisão
para «quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra
pessoa de prostituição». O artigo 165.º do mesmo Código penaliza o lenocínio de menores com uma pena de
prisão.
Gostaria também de referir que, na anterior Legislatura, deram entrada na Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, além desta petição para a legalização da prostituição, um
Página 57
2 DE JUNHO DE 2022
57
projeto de lei que advoga a implementação de um modelo de reforço da proteção de pessoas na prostituição e
dois projetos de resolução que visam a proteção da dignidade e a garantia dos direitos fundamentais de todas
as pessoas que praticam prostituição, juntamente com medidas de prevenção e de combate à sua exploração.
Sr.as e Srs. Deputados: O fenómeno da prostituição sempre existiu, e não vai desaparecer, mas tem sido
objeto de um tratamento jurídico uniforme e consequente.
Falar em prostituição é falar de um tema com complexidade elevada, de um tema de direitos humanos que
afeta, sobretudo, as mulheres, mas que também afeta crianças, jovens e homens.
É fundamental não esquecer a oportunidade que deve ser dada a quem se prostitui de poder sair e abandonar
essa atividade. Os dados indicam que 9 em cada 10 pessoas, se pudessem, saíam da prostituição. Por isso,
qualquer medida deveria incluir e contemplar programas que permitam e ajudem a sair, de forma digna, quem
quer sair da prostituição.
Os dados também nos dizem que cerca de 90% da prostituição em Portugal é exercida por pessoas
estrangeiras em situação ilegal. Também aqui há um grande trabalho a fazer, por parte das autoridades
competentes, sobretudo na prevenção do tráfico de seres humanos.
Sr.as e Srs. Deputados, este é um assunto que a todas e a todos diz respeito e que deverá ser discutido de
forma séria, pois trata-se de um assunto de direitos humanos e não podemos esquecer que teremos sempre de
criar condições para os que querem sair e de ajudar os que pretendem continuar a exercer a atividade, dando-
lhes ferramentas para que entendam que a sua dignidade pessoal pode estar ameaçada.
O PSD está disponível para estudar alterações legislativas no reforço de meios que permitam o combate à
prostituição forçada. Estamos abertos a trabalhar de forma a criar medidas adicionais de proteção e de
salvaguarda da saúde e da segurança a quem se dedica à prostituição.
O PSD manifesta, no entanto, reservas quanto à despenalização do lenocínio, se este levar à normalização
do enriquecimento ou à profissionalização de quem vive à custa da prostituição alheia.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Sá Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta petição recupera o tema da descriminalização do lenocínio em que não há coação da pessoa que se prostitui e da necessidade de
regulamentação da prostituição. É um assunto complexo e é uma questão que não tem respostas simples,
porque nos faz olhar para os outros lados da lua, para vidas difíceis e para debates sobre o que é a liberdade e
a falta dela.
O exercício da prostituição não é considerado crime em Portugal. O artigo 169.º do Código Penal apenas
incrimina quem «profissionalmente, ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por
outra pessoa de prostituição».
Como escreve Inês Ferreira Leite, «desde 1962 que o exercício da prostituição vive na clandestinidade em
Portugal, embora, em 1982, se tenha descriminalizado a conduta da prostituta e do cliente. A prostituta não é
punida, mas qualquer pessoa que contribua para o exercício da prostituição — mal ou bem, com boas ou más
intenções —, organizando o trabalho, fornecendo um local, angariando ou controlando clientes, fica sujeita à
pena». Mas é esta linha ténue entre a liberdade e a autonomia da vontade de quem se prostitui que tem trazido
complexidade a este debate.
Há, por isso, nesta petição, aspetos que nos merecem a maior discordância, designadamente a exigência da
idade mínima de 21 anos para o exercício da atividade e a criminalização do recurso aos serviços de prostituição
abaixo desta idade, que atiraria para uma marginalidade e risco incompreensíveis estas pessoas; mas também
a exigência de um certificado para a profissão a quem presta serviços sexuais, sem exigir, por exemplo, a
realização de exames médicos a quem recorre a tais serviços.
Reforçamos o nosso combate determinado à prostituição das pessoas forçadas a essa prática. Reforçamos
o nosso combate aos fenómenos do tráfico e da exploração sexual. Mas encaramos como igualmente importante
o combate às causas da prostituição, permitindo identificar os fatores de pobreza e exclusão social que, apesar
Página 58
I SÉRIE — NÚMERO 19
58
da opção aparentemente livre, revelam uma situação de dependência ou mesmo de desespero económico que
empurram para esta via.
Há, por isso, neste tema, pelo menos três visões possíveis que se têm consolidado entre nós. Em primeiro
lugar, aqueles que defendem mais incriminação, alargando-a a quem recorre a estas práticas, o que rejeitamos
categoricamente; em segundo lugar, aqueles que defendem a descriminalização do lenocínio sem coação; e,
em terceiro lugar, aqueles que defendem a efetiva regulamentação da atividade.
Há, para nós, dois pontos essenciais: não podemos aceitar que se olhe para as mulheres e homens que se
dedicam a esta atividade como praticando comportamentos sexuais desviantes e temos de ponderar a melhor
forma de responder às questões de saúde pública e de proteção social de quem se prostitui.
Reconhecemos que, aqui, a regulamentação da atividade poderia dar uma resposta satisfatória: serviria
como uma forma de promover a saúde de quem se prostitui e de incentivar práticas seguras na realização da
atividade sexual, mas asseguraria também a adequada proteção social a quem se dedica à atividade, permitindo
a sua integração nos sistemas públicos de segurança social e de saúde.
Ao incriminarmos as condutas relacionadas com o aproveitamento de terceiros, a verdade é que se está
também a qualificar a atividade destes profissionais como algo de indesejável e que deve ser eliminado da
sociedade. Como já foi dito, e socorrendo-me, novamente, da pena de Inês Ferreira Leite, ao envolver o exercício
da prostituição numa redoma de clandestinidade, incriminando todas as esferas de contacto com a mesma, o
direito promove um efeito de contaminação de ilicitude, que, embora aparente deixar de fora a própria pessoa
que se prostitui, acaba por se estender a esta, marcando-a com os seus efeitos de exclusão da sociedade.
É conhecida, também, a evolução da posição do Tribunal Constitucional sobre esta matéria. O Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 134/2020, que se pronunciou pela inconstitucionalidade da criminalização do
lenocínio simples, afirma muito claramente que «a vigente norma incriminatória restringe um direito (à liberdade)
em nome de um outro (à liberdade sexual) que pode plausivelmente não ter sido colocado em perigo concreto
e até ter sido livremente exercido pelo seu titular, circunstância em que não há, portanto, carência de tutela
penal».
Julgo que há um ponto em que todas estas diferentes visões se podem encontrar: o de termos um novo
paradigma, centrado na proteção das pessoas que exercem esta atividade. É que, neste caso, estão mesmo
em causa direitos humanos.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar não só os peticionários, mas também as representantes das várias associações de direitos das mulheres, que nos
acompanham hoje, e saudá-las pelo trabalho que têm feito na defesa intransigente dos seus direitos.
A petição que nos é trazida convoca-nos para um tema complexo de direitos humanos, de dignidade humana,
sobretudo na dimensão estruturante da prostituição, quando falamos da maioria destas mulheres, que se
encontram em condição de vulnerabilidade social, nomeadamente em situação de pobreza.
Bem sabemos que existem pessoas que estão na prostituição por vontade própria, mas também não
podemos ignorar aquilo que nos dizem, de forma gritante, os números e o retrato da prostituição e da pobreza
no nosso País, que continua a ter um rosto maioritariamente feminino, um rosto de pobreza, com dependentes
familiares a seu cargo.
É por isso mesmo que as respostas que o nosso ordenamento jurídico deve dar não podem ser respostas
precipitadas, que fiquem num caminho entre o tudo e o nada, entre a regulamentação e o abolicionismo, quando,
entre estes dois caminhos, existe um meio caminho de consenso, que pode e deve ser feito, nomeadamente
com os programas de proteção social, quer do ponto de vista do acesso à habitação e à saúde, quer do ponto
de vista dos programas EXIT, que o PAN já apresentou, em sede de Orçamento do Estado, e nesta Assembleia
da República.
Estamos a falar de uma dimensão do valor da vida e por isso não podemos acompanhar, de forma alguma,
a despenalização do lenocínio, porque jamais poderemos concordar que alguém lucre à conta do corpo e do
Página 59
2 DE JUNHO DE 2022
59
sexo de outrem, para mais quando sabemos que o tráfico sexual é uma realidade não só do nosso País, que
afeta mais de 42 milhões de mulheres e meninas que estão na prostituição.
Como já foi também referenciado, marginalizar ou atirar para a vulnerabilidade mais mulheres ou meninas
por força da faixa etária…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Estou mesmo a concluir, Sr.ª Presidente. A estabilização de uma faixa etária seria dar um passo atrás muito preocupante nos direitos das meninas e
das mulheres. Para esse caminho, certamente, não deverá ser a Assembleia da República a contribuir.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda não apresenta uma proposta legislativa no âmbito da discussão desta petição. Não estamos, aliás, de acordo com os termos
com que esta petição aborda o debate da regulamentação da prostituição, o que não quer dizer que nos
demitamos desse debate ou que esse debate não seja necessário na sociedade.
A prostituição é um fenómeno que não é exclusivamente feminino e heterossexual, mas onde prevalece a
venda de serviços sexuais de mulheres ou homens. Sabemos que é a estrutura social patriarcal, capitalista e
racista que determina em grande medida quem faz trabalho sexual e em que condições o faz. Sabemos,
também, que é o mesmo sistema de exploração e opressão que determina quem tem o poder de o comprar. Na
economia e na sociedade, não há situações vazias de relações de poderes.
Quero começar por expor as razões que nos afastam do conteúdo desta petição, desde logo, o seu título:
«Legalização da Prostituição em Portugal e/ou Despenalização de Lenocínio, desde que este não seja por
coação». São coisas diferentes. Em Portugal, a prostituição não é uma atividade ilegal, de acordo com o Código
Penal, o que não é permitido, no entanto, é a um terceiro lucrar com ela. Deste modo, é proibida a prostituição
organizada, através do conhecido crime de lenocínio.
O tipo criminal em questão envolve a conduta de, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar,
favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição. É punido com pena de 6 meses até 5 anos e,
depois, agravado, em condições de particular violência ou se houver uma vulnerabilidade ou uma relação de
dependência da vítima em relação ao seu explorador.
O fim do lenocínio por si só tornaria legal a existência de um patronato de serviços sexuais, o que coloca em
causa a autonomia das pessoas, sobretudo das mulheres, que se dedicam à prestação de serviços sexuais.
Poder aceitar ou recusar clientes, definir quais são os serviços, escolher, interromper ou cancelar um serviço,
tem de depender única e exclusivamente da decisão de quem presta o serviço sexual.
Podendo até admitir a revisão do conceito de lenocínio, no âmbito de uma futura regulamentação da
prostituição, o objetivo deste conceito é o de proteger a liberdade sexual de todas as pessoas, pelo que essa
revisão terá de ter em conta as situações em que a liberdade sexual não é posta em causa.
Aquilo com que não concordaremos, em qualquer circunstância, é que uma atividade que deve ser da
exclusiva decisão pessoal de cada pessoa se transforme num mercado de exploração sexual, tendo como
objetivo o lucro, e é para aí que esta petição acaba por caminhar.
O que queria deixar claro é a posição do Bloco de Esquerda sobre o debate que agora começamos: é que,
tal como não acreditamos em modelos proibicionistas, que aumentam os riscos para as trabalhadoras do sexo,
que as atiram para a clandestinidade, que lhes impõem o fardo do julgamento moral pela sua atividade, tornando-
a cada vez mais perigosa, também não aceitamos modelos de regulamentação feitos à medida de nenhum
patronato que explore o trabalho sexual alheio.
Por isso, qualquer regulamentação sobre a prostituição tem de ser feita no interesse das trabalhadoras e dos
trabalhadores do sexo e tem de ter como centro o respeito pela sua autodeterminação sexual e pela sua proteção
social.
Por último, queria saudar a peticionária, porque este é o início de um debate e foi graças a esta petição que
aqui o começámos.
Página 60
I SÉRIE — NÚMERO 19
60
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Rita Matias, do Grupo Parlamentar do Chega.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionários, por trazerem este tema a debate.
Como já foi tantas vezes dito, de facto, não estamos a discutir um tema fácil. Trata-se de um tema sensível,
porque, quando falamos de prostituição, estamos a falar de vidas de pessoas concretas, estamos a falar de
histórias humanas e de trajetos pessoais.
Por isso, a primeira afirmação que deve ser feita é a de que a vida humana é sempre um bem. E nunca foi
tão necessário afirmar aqui, nesta Casa, que toda a vida humana é digna e que o respeito pela dignidade da
vida humana jamais pode ser violado em nenhuma fase, instante ou circunstância da existência de uma pessoa,
desde a sua conceção até à morte natural.
Aplausos do CH.
Sobre a matéria em debate, diz-nos o Parlamento Europeu que descriminalizar a indústria do sexo e o
lenocínio não acaba com a situação de vulnerabilidade de quem se prostitui. Pelo contrário, olhando para países
que avançaram neste sentido, verificou-se o crescimento do mercado, o aumento da procura, o aumento do
número de mulheres e crianças vítimas de abuso e o aumento do tráfico humano.
O Parlamento Europeu afirma, também, na sua resolução, que a prostituição atenta contra a dignidade
humana, porque reduz a intimidade a um valor monetário, como se a pessoa humana pudesse ser reduzida ao
nível de um objeto ou de uma mercadoria.
Vozes do CH: — Muito bem!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Srs. Deputados, a questão que hoje debatemos aqui não deixa de fora crianças, homens e jovens, mas afeta principalmente as mulheres.
Dizem-nos os dados que as pessoas envolvidas no sistema de prostituição são, maioritariamente, pessoas
que, ao longo da sua vida, encontraram dificuldades na sua formação escolar e no seu percurso profissional.
São pessoas que foram expostas, no seu passado, a situações de violência e que, muitas vezes, continuam a
sê-lo, no âmbito da sua ação. São pessoas que entram ou se mantêm no sistema de prostituição devido a
situações de pobreza e de falta de condições financeiras.
Aqui ao lado, em Espanha, dizem os estudos que 95% das mulheres que se prostituem escolheriam outra
alternativa. Repito, 95% das pessoas que estão dentro deste sistema sairiam do mesmo, caso tivessem outra
alternativa.
Por isso, o que tem de ser dito nesta hora é que o Estado falhou a cada mulher que não conseguiu concluir
os seus estudos, a cada mulher que, ao longo da sua vida, foi exposta a situações de violência.
O Estado falhou a cada mulher que não se conseguiu integrar no mercado profissional.
O Estado falhou a cada mulher que encontra neste caminho a única opção viável e rentável para sustentar
a sua família.
Aplausos do CH.
Este Estado continua a falhar a cada jovem que entra neste sistema, porque precisa de pagar as propinas
da faculdade e porque ambiciona encontrar melhores condições de vida.
Vozes do CH: — Exatamente! Muito bem!
Página 61
2 DE JUNHO DE 2022
61
A Sr.ª Rita Matias (CH): — E, porque hoje é Dia da Criança, não podia deixar de sublinhar que este Estado falha a cada criança ou jovem que vê a sua inocência roubada. Sim, falo de crianças, porque a idade média de
entrada na prostituição é aos 14 anos, repito, 14 anos!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Uma vergonha!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Perante tudo isto, não podia deixar de sublinhar a incoerência de algumas pessoas nesta Câmara, que dizem combater a objetificação da mulher, mas fecham agora os olhos a um sistema
onde as mulheres são categorizadas e mais ou menos valorizadas mediante a sua idade, a sua raça, a sua
aparência e as suas características físicas.
Aplausos do CH.
Que fique bem claro que o dedo que apontamos é a esta classe política incoerente e, sobretudo, àquela
classe que o melhor que soube fazer, ao longo das últimas décadas, foi distribuir misérias.
Portugal é um país com 2 milhões de pobres. É este o socialismo que temos,…
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vergonha!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — … aquele que nos nivela por baixo e que empurra o cidadão para situações das quais quer sair.
Aplausos do CH.
Por isso, as questões que deixo são as seguintes: vai o Estado de direito, este Estado tão assistencialista
em tantas matérias, continuar a demitir-se das suas funções e limitar-se a taxar esta atividade bastante lucrativa,
quem sabe, a 23%, para continuar a alimentar as gorduras deste Estado socialista?! Vai haver um compromisso
sincero para combater o tráfico humano e as redes de escravatura sexual? É que os dados dizem-nos que
estamos a caminhar exatamente no sentido oposto.
Para concluir, digo que, se os dados nos indicam que a maioria das pessoas abandonaria a prostituição
mediante alternativas, o que deveríamos estar a discutir aqui, hoje, eram os esforços para a construção dessas
alternativas.
O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — E quais são?!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — O que deveríamos fazer aqui, hoje, era reconhecer que o Estado tem feito pouco por estas pessoas e que a maioria das respostas que encontram, infelizmente, são apenas da sociedade civil.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. Portanto, hoje, devíamos dizer aqui que estas organizações necessitam de mais meios de atuação, porque
os nossos esforços devem estar na construção de programas de saída, na reintegração destas jovens e
mulheres na sociedade e na construção de novos caminhos, não na condenação de caminhos exclusivos.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP defende o fim de todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a exploração na prostituição. A exploração na prostituição tem
Página 62
I SÉRIE — NÚMERO 19
62
de ser inteiramente reconhecida como uma violação de direitos fundamentais, porque é uma forma de extrema
violência e opressão sobre as mulheres prostituídas, que atenta contra a dignidade e os direitos de todas as
mulheres. A exploração na prostituição constitui uma forma de escravatura que impõe uma espiral sem saída,
negando a liberdade, a autonomia e a dignidade às mulheres.
A legislação do nosso País não criminaliza as pessoas prostituídas, por isso, o que está por trás desta
discussão é a legalização do lenocínio, é a transformação do proxenetismo, hoje punido por lei, num negócio
legal, é deixar de punir quem explora e obtém milhares de euros de lucros com a exploração da prostituição, um
crime que anda de mãos dadas com o tráfico de seres humanos e a que urge dar combate.
Não é a legalização do lenocínio que confere maior proteção às pessoas prostituídas, muito pelo contrário a
sua legalização só legitimaria o abominável negócio de que as mulheres prostituídas são objeto, contribuiria
para o aumento do tráfico de seres humanos e para o branqueamento de capitais. É isso que as experiências
de outros países comprovam.
A exploração na prostituição não é uma opção para as mulheres prostituídas. Esta está associada às
dificuldades económicas e sociais, à exclusão social e à pobreza. Na sua esmagadora maioria, as pessoas
prostituídas são mulheres e meninas de meios desfavorecidos.
Fica demonstrado que a legalização do lenocínio não é solução e só contribui para o aumento da violência e
da exploração sobre as mulheres e as meninas.
As mulheres prostituídas não devem ser criminalizadas nem alvo de perseguição ou estigmatização. O
caminho passa pela adoção de medidas de apoio às mulheres, que permitam a saída da prostituição e a
construção de uma vida com condições dignas.
A proteção das mulheres e das crianças exige um firme combate à prostituição e ao tráfico de seres humanos,
exige a implementação do Plano de Combate à Exploração na Prostituição, aprovado na Assembleia da
República, em 2013, que garanta o acesso imediato das pessoas prostituídas a um conjunto de apoios que lhes
permitam a reinserção social e profissional, designadamente através do acesso privilegiado a mecanismos de
proteção social, no apoio à habitação, à saúde, à elevação da sua escolarização e acesso à formação
profissional, bem como à garantia de acesso privilegiado dos seus filhos aos equipamentos sociais.
Esta resolução resultou de uma iniciativa legislativa proposta pelo PCP e que, nove anos depois, continua
por concretizar, assim como continuam na gaveta medidas aprovadas no Orçamento do Estado.
A maioria das mulheres gostaria de abandonar a prostituição.
É preciso, por isso, a adoção de programas de saída para que as mulheres que assim o entendam tenham
a confiança e o apoio do Estado para iniciar um projeto de vida liberto de violências. Tal como é preciso, desde
já, que, em situações de desespero, se impeça que mais mulheres caiam na malha da prostituição.
É preciso intervir, com coragem, para pôr fim à exploração da prostituição, para enfrentar os interesses que
estão por detrás da prostituição e de quem dela beneficia, e a coragem passa pelo avanço na emancipação das
mulheres, garantindo-lhes a liberdade de decidirem sobre si e sobre a sua vida.
Por isso, daqui saudamos todas as mulheres que lutam contra as formas de exploração e de violência, que
lutam pela igualdade e pela dignidade e saudamos uma delegação destas mulheres aqui presente, na
Assembleia da República. Contam connosco na luta pela igualdade no trabalho e na vida.
Aplausos do PCP.
Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Augusto Santos Silva.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria saudar todas as Sr.as Deputadas que intervieram até agora, dando-nos um debate esclarecido, complexo, informado, mas, não por acaso, até agora,
só protagonizado por mulheres Deputadas. Não por acaso e um acaso que nos deveria fazer pensar, porque,
se é verdade que a prostituição não é apenas um assunto de mulheres, a verdade é que a procura de prostituição
é maioritária ou quase exclusivamente feita por homens.
Isso é um reflexo de uma cultura, de um sistema antigo de diferenças entre os sexos, de prolongamento de
uma cultura patriarcal, que também se reflete na prostituição, e que nos deveria levar a pensar, inclusive, em
Página 63
2 DE JUNHO DE 2022
63
algo que falta nesta petição, ou seja, na prevenção da procura de prostituição como um elemento central de
qualquer política sobre este tema.
No Livre, há muito que nos distancia desta petição. No entanto, consideramos que não só é possível como
também é necessário fazer, ao mesmo tempo, o combate a um sistema exploratório, que é o sistema
prostitucional, e a defesa e proteção dos direitos e da dignidade humana de quem se prostitui, é necessário
fazer, ao mesmo tempo, evidentemente, o trabalho de prevenção da procura de prostituição e o trabalho de
promoção de alternativas à prostituição.
Calha a um Deputado ser dos últimos a falar neste debate, mas, certamente, não o encerrando, procurando
prolongá-lo e contribuir para ele, pelo menos com tanta complexidade como a que revelaram as Sr.as Deputadas
que falaram até agora.
E se, como já disse, muito nos distancia da petição, ninguém pode ficar indiferente ao texto das autoras
peticionárias, quando nos dizem: «somos humanas, temos dignidade e direitos, queremos ser ouvidas».
Esperemos que esta Câmara faça jus a esse pedido.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caras Peticionárias e Peticionários: A petição que hoje analisamos leva-nos a refletir sobre um tema que muitos preferem evitar.
Ao abrigo de um princípio de primazia da liberdade individual, qualquer pessoa deve poder escolher a sua
profissão, não cabendo ao Estado proibir essa escolha com base nos seus conceitos morais.
A posição atual do legislador português é de não punição nem regulamentação da prostituição. Como
consequência, as pessoas envolvidas na prostituição não gozam das iguais proteções garantidas a outros
profissionais, ficam desprotegidas contra todo o tipo de abusos e expostas a um submundo criminoso.
Esta lacuna legislativa é uma demissão grosseira do dever de proteção dos direitos destas mulheres e destes
homens.
Entendamos que existem realidades bem distintas neste contexto. A primeira inclui os casos em que existe
uma livre e consciente escolha de enveredar pelo trabalho sexual. É neste sentido que somos favoráveis à
regulamentação da prostituição.
A petição teve o mérito de trazer para a agenda do debate político a necessidade de regulamentação desta
atividade e dos seus aspetos mais relevantes, tais como os direitos e os deveres que trazem segurança a estes
trabalhadores.
Quando falamos de regulamentação da prostituição, é isto que está em causa: liberdade profissional; direitos
e deveres; atividade regulamentada; e, no geral, garantias de saúde e segurança para estes homens e estas
mulheres.
Contudo, existe uma outra realidade, bem distinta, que não podemos tolerar: a prostituição, enquanto livre
escolha profissional, não se pode confundir com o tráfico e a exploração sexual.
Tenhamos consciência de que existem pessoas altamente desprotegidas, que estão sujeitas e são vítimas
de situações de tráfico, violência e exploração sexual.
Particularmente vulneráveis são os menores, cuja exploração sexual será sempre um crime chocante. É um
crime contra todos nós, contra o futuro da nossa comunidade, que é inaceitável.
É também para combater estes crimes e proteger as suas vítimas que é fundamental traçar linhas vermelhas
bem claras entre o que é um trabalho legítimo e o que são crimes horrendos.
Estes crimes têm de ser combatidos, pois só assim conseguiremos proteger vítimas e populações vulneráveis
e avançar para uma regulação responsável da prostituição.
A concretização da regulamentação da prostituição deve passar por um debate participado, sério e
esclarecido, bebendo de várias áreas, como a sociologia, a psicologia, a medicina, o direito constitucional, os
direitos humanos, o direito penal, o direito civil, o direito laboral e a segurança social.
O Iniciativa Liberal defende uma regulamentação responsável da prostituição, mas não podemos
acompanhar a despenalização do lenocínio.
Apelamos a todos os partidos para encontrarmos conjuntamente um consenso que permita acabar com a
clandestinidade e os efeitos nefastos a que estas pessoas ficam condenadas.
Página 64
I SÉRIE — NÚMERO 19
64
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, encerramos assim o quinto ponto da nossa ordem do dia e passamos ao último ponto, com a apreciação da Petição n.º 179/XIV/2.ª (Movimento 8%) — Por um investimento urgente
em ciência em Portugal, juntamente com, na generalidade, o Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª (L) — Consagra o
dever de as instituições procederem à abertura de procedimento concursal para as funções desempenhadas
pelos doutorados, quando se verifique o termo do contrato, e o Projeto de Resolução n.º 53/XV/1.ª (PCP) —
Recomenda a adoção de medidas para a dinamização do Sistema Científico e Tecnológico Nacional,
combatendo a precariedade e o subfinanciamento.
Saúdo, antes de mais, os peticionários e informo que está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui
Tavares, do Livre, a quem dou, de imediato, a palavra.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caros Peticionários, gostaria de vos saudar e agradecer pela oportunidade desta petição. É certo que ela não é recente, porque os problemas da
precariedade e os problemas da falta de investimento em ciência, no nosso País — ao nível do que se faz nos
países parceiros europeus —, não são de hoje. Mas estes problemas têm de ser resolvidos e têm de ser
resolvidos a breve trecho, porque, se queremos que o nosso País dê um salto no seu patamar de
desenvolvimento, é essencial que o investimento em ciência se faça ao nível do que é feito no resto da Europa,
dos objetivos que temos de chegar aos 3%, e que a precariedade no sistema científico e no ensino superior seja
combatida.
O projeto de lei do Livre vai precisamente no sentido de que todos aqueles que, neste momento, estão com
apoios ao emprego científico — que a FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) dá às universidades, ao
ensino superior, aos centros de investigação, aos institutos — e que durante um período de seis anos fazem
investigação e, por vezes, docência nessas instituições de ensino superior, tenham, ao menos, acesso a um
procedimento concursal, no final desse período, para que possam ser contratados pelas universidades.
Importa que as universidades e outros institutos de ensino superior, quando aceitam e, ao mesmo tempo,
participam nas candidaturas dos seus investigadores, tenham a noção da responsabilidade que isso significa e
que, no fim do período dos apoios ao emprego científico, tenham de abrir procedimentos concursais de forma
obrigatória e não apenas segundo a conveniência da instituição de ensino superior, como até agora se passa.
É também importante que haja uma exigência acrescida em relação à FCT, para que, no âmbito dos
programas-quadro que negoceia com as instituições de ensino superior ou dos apoios que, de outra forma, dá
aos laboratórios associados e do Estado, pense que, depois desse período de seis anos e em nome de
rejuvenescer, de abrir, de internacionalizar, de aumentar a exigência do nosso sistema científico, é preciso
contratar de forma permanente esses investigadores, quando a qualidade do seu trabalho e das suas
candidaturas assim o justifique.
Ao mesmo tempo, e, assim, termino, acompanhamos grande parte das medidas que o PCP propõe, no seu
projeto de resolução, em particular a ideia, que pretendemos discutir mais à frente, de ter um novo modelo de
financiamento, em boa parte baseado na dinâmica da nossa economia, que também beneficia com a qualificação
da força de trabalho e com a investigação científica que estes trabalhadores fazem.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria, desde já, de começar por cumprimentar os mais de 8000 peticionários que, nesta petição, defendem a necessidade de um reforço de
investimento na ciência, mas também de estabilidade para os profissionais do setor.
A ciência e a tecnologia são dimensões estruturais para o desenvolvimento integrado e harmonioso, pelo
que é urgente uma política de promoção do potencial de investigação, de desenvolvimento e inovação para
elevar as capacidades do País e defender a soberania nacional.
O sistema científico e tecnológico nacional é um elemento estruturante para uma estratégia de
desenvolvimento nacional, assente numa evolução tecnológica ao serviço do País e das suas necessidades, tal
Página 65
2 DE JUNHO DE 2022
65
como é um elemento essencial para a modernização do aparelho produtivo, para fomentar a produção nacional
e também para o progresso do País.
Opções políticas dos sucessivos Governos e o subfinanciamento crónico para a ciência que essas opções
traduziram condenaram o nosso sistema científico à ausência de um quadro consistente, estável e permanente
de prioridades temáticas e de financiamento, com consequências tremendamente negativas enquanto serviço
público de interesse estratégico.
Paralelamente, é perpetuada e normalizada a precariedade que atinge milhares de investigadores, milhares
de trabalhadores da ciência: saltam de bolsa em bolsa, de projeto em projeto, ou arrastam-se, há anos, com
falsos recibos verdes. Uma precariedade que, em muitas situações, marca décadas de vida dos investigadores
no nosso País. Produzem conhecimento, desenvolvem investigação científica e fazem-no em situação de
instabilidade laboral e baixos salários. Uma precariedade que, prejudicando os trabalhadores, as suas famílias
e os seus projetos de vida, prejudica também a estabilidade e o desenvolvimento científico e tecnológico do País
e empurra muitos para fora do País, porque cá não são devidamente valorizados.
Mas não estamos condenados a esse caminho e, defendendo um caminho de valorização da investigação
científica e dos seus trabalhadores, o PCP apresenta um conjunto de medidas para responder aos problemas
sentidos.
Assim, propomos que se substituam as bolsas de investigação por contratos de trabalho que garantam um
vínculo efetivo entre o investigador e a instituição onde exerce funções; que se valorize a carreira de investigação
científica que existe, promovendo a sua abertura e a integração dos trabalhadores na mesma; que se reforce o
investimento público em ciência, assumindo o Estado as suas responsabilidades nesta matéria, incluindo através
do Orçamento do Estado; que se elabore um plano para os laboratórios de Estado que colmate necessidades,
que atualize as condições de funcionamento e também do financiamento, um financiamento plurianual e estável
que garanta uma efetiva autonomia da gestão das dotações orçamentais estabelecidas; que se promova uma
discussão sobre o funcionamento e os objetivos da FCT; que se crie um fundo para a inovação tecnológica
empresarial, no qual exista uma cogestão e um cofinanciamento públicos; e que se crie também um programa
nacional de parcerias para atividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos, a
executar por MPME (micro, pequenas e médias empresas), com protocolos estabelecidos entre as empresas e
instituições públicas de I&D (investigação e desenvolvimento), com metas e prazos definidos e financiamento
público a fundo perdido.
Só com uma política para a ciência e tecnologia que parta das capacidades e do potencial científico e técnico
existentes, articulando-as com reais necessidades do País, será possível abrir caminho a um verdadeiro
desenvolvimento integrado, assente no conhecimento e tendo como objetivo central a melhoria das condições
de trabalho e de vida do povo português.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Carla Castro, do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por cumprimentar, em especial, os peticionários do Movimento 8%, que nos vêm alertar — ou, melhor, confirmar — para as sérias dificuldades que
enfrenta a comunidade científica do nosso País. Só foi possível debater agora esta petição, passados alguns
meses, mas os problemas continuam atuais.
Os pontos fulcrais desta petição levantam também outros temas, como os da subvalorização da ciência em
Portugal, da falta de condições da comunidade de investigação e da inadequada gestão da Fundação para a
Ciência e Tecnologia.
Um tema que deveria fazer refletir todos os envolvidos é o da clara evidência de redução do número de
candidaturas ao Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual. Repare-se que, este ano, na 5.ª edição
deste concurso, o prazo das candidaturas acabou em março deste ano e verificaram-se apenas 2910
candidaturas. Para que tenhamos uma comparação, estamos a falar de entre menos 16% a 28% de todas as
outras edições. Isto é também paradigmático da pouca atratividade destes concursos.
Página 66
I SÉRIE — NÚMERO 19
66
Em 2020, o investimento em ciência representou 1,6% do PIB (produto interno bruto) e, apesar de se verificar
um aumento face a anos anteriores, Portugal está ainda muito aquém do esperado. E se está longe, também,
da média da União Europeia em investigação, ainda mais longe está do objetivo de 3%, a atingir em 2030.
Muitas vezes os discursos e debates sobre este tema são centrados nos recursos da FCT, mas é preciso
muito mais. É preciso reformar e simplificar todos os processos associados. É preciso ir mais longe na reforma
da ciência em sentido lato.
E, com mérito pelas preocupações trazidas, as alterações presentes nestas iniciativas legislativas não
preveem, por exemplo, a autonomia e flexibilidade para a abertura dos procedimentos concursais, não têm uma
identificação clara, da parte das instituições do ensino superior, sobre a necessidade da continuidade dos
projetos de investigação associados.
Impera, efetivamente, a necessidade de discussão para a revisão do sistema atual do emprego científico, tal
como interessa fomentar a investigação no tecido empresarial português. Mas, para isso, é também necessário
que haja condições de atração de investimento direto estrangeiro, que haja condições de investimento, que haja
capacidade de as empresas gerarem valor acrescentado, que haja políticas que ajudem a reduzir os custos de
contexto, que são muito elevados, e políticas efetivamente vocacionadas para a competitividade empresarial,
políticas que potenciem a produtividade e políticas para um mercado laboral efetivamente funcional.
Tornar o País competitivo é um ponto fulcral para o Iniciativa Liberal e não podemos dissociar estas
discussões.
Para além disto, é também importante, sim, que haja o aumento de doutoramentos e investigação feitos em
colaboração com as empresas e com o meio empresarial, é necessário modificar os modelos de financiamento
e é preciso trilhar, efetivamente, o caminho da simplificação, evitando os constrangimentos e atrasos nestas
áreas.
A necessidade da procura de soluções para atrair investimento privado para a ciência é também fundamental.
Não nos podemos esquecer de que tem havido, sim, um aumento do número de doutorados e pós-doutorados,
mas é preciso que este talento não seja desperdiçado.
Aplausos do IL.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Rosa Venâncio, do Partido Socialista.
A Sr.ª Rosa Venâncio (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me que saúde os mais de 8000 peticionários e, em particular, o Movimento 8%, aqui presente.
A matéria da petição que hoje discutimos, devido à sua relevância, tem constituído, nos últimos anos, uma
das prioridades da nossa ação política.
Esta constatação é comprovada por uma aposta clara na implementação de políticas para a ciência e
tecnologia, assentes na qualificação, na valorização dos recursos humanos, no reforço das instituições
académicas e científicas e na crescente densificação e diversidade das estruturas de I&D, designadamente dos
Laboratórios Associados, dos Laboratórios de Estado, dos Centros de Tecnologia e Inovação, para além da rede
dos Laboratórios Colaborativos, em todo o País.
Estas prioridades políticas são bem evidenciadas nos anos de crescimento sustentado de investimento
público e privado em investigação e desenvolvimento, que nos permitiu, em 2020, atingir 1,6% do PIB,…
O Sr. Miguel Matos (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Rosa Venâncio (PS): — … verificando-se, apesar de todos os constrangimentos trazidos pela pandemia, uma tendência positiva para o seu crescimento.
Por isso, continuamos a perseguir a meta de alcançar, em 2030, um investimento público e privado de 3%
do PIB em ciência, assim como de assegurar a regularidade do financiamento, como também defendem os
peticionários.
Página 67
2 DE JUNHO DE 2022
67
Por outro lado, nas medidas de estímulo à contratação de doutorados, com linhas de apoio diversificado, os
dados relativos ao emprego científico comprovam também uma evolução positiva em todas as áreas do
conhecimento.
Entre 2017 e 2020, foram efetuados cerca de 7400 novos contratos e o número de investigadores no setor
empresarial cresceu 81%.
Assim, temos agora de firmar esta política, por forma a dotar o País de uma maior capacidade para enfrentar
os desafios de uma sociedade e de uma economia cada vez mais baseadas no conhecimento e na inovação.
É, por isso, importante garantir uma discussão alargada e permanente, particularmente com a comunidade
científica, para o fortalecimento das instituições científicas e académicas e da sua relação com o setor social e
económico.
É este o caminho de crescimento que devemos prosseguir e consolidar, conscientes dos desafios e das
dificuldades, mas convictos dos resultados.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar, saudar os peticionários e as peticionárias.
O investimento na ciência, em Portugal, continua a ser curto, baseado na precariedade e em ilusões.
O investimento em ciência ronda 1,5% do PIB, muito longe da média europeia de 2,2% do PIB.
Os objetivos traçados pela atual Ministra também não são animadores. Nos seus cálculos, Portugal deverá
alcançar a meta de 3% do PIB em ciência, mas dois terços desse valor dependem de investimento privado e,
portanto, também incerto.
Acresce que uma boa parte do investimento em ciência é perdida quando se aposta numa interminável
rotatividade de investigadores precários, repito, uma interminável rotatividade dos investigadores precários.
As taxas de aprovação nos concursos de financiamento são miseráveis, como alertam os peticionários, a
quem saúdo, aliás, pela sua dedicação à ciência e pela intervenção cívica para defender o progresso do País
nesta área. E 8% ou 5% de aprovação devem envergonhar o País.
Há investigadores qualificados, há bons projetos, mas muitos ficam pelo caminho. Há investigadores de topo
que são precários há mais de 10 anos; há investigadores que captam financiamento internacional para as nossas
universidades e para os centros de investigação, mas que vão ficando para trás. Estes investigadores e as suas
equipas contam para o ranking das universidades, mas não contam para fazer parte da carreira. Há
investigadores com mais de 50 anos de idade e 20 anos de trabalho que continuam a ser contratados a prazo.
O País investe na formação, financia projetos, qualifica investigadores e, depois, faz tudo para que
abandonem o País, com a persistência da precariedade.
O PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública)
foi uma desilusão, o Decreto-Lei n.º 57/2016, que substituiu bolsas por contratos de trabalho, foi, em si, um
avanço, mas criou contratos de trabalho a termo, numa carreira paralela, desvalorizada em relação à carreira
dos investigadores.
A perspetiva de contratos de seis anos, com a renovação de três mais três, está a sair gorada. E, olhando
para o orçamento da FCT, percebemos rapidamente que não é sequer vontade do Governo pressionar as
instituições de ensino superior a manterem os investigadores ao abrigo dessa norma.
No Orçamento para 2022, o Bloco de Esquerda propôs um reforço da FCT para contratação de
investigadores. O objetivo era abrir um concurso de estímulo ao emprego científico, que assegurasse o ingresso
nas carreiras especiais de ciência e ensino superior. Infelizmente, esta proposta foi rejeitada, com os votos
contra do PS e a abstenção dos partidos da direita.
O Governo pretende substituir o investimento na ciência por propaganda. Diz que as empresas devem
contratar doutorados, que isso vai qualificar o tecido produtivo do País, e tem razão. O problema é que não dá
o exemplo nem cria condições para que as próprias instituições de ensino superior e de investigação contratem,
Página 68
I SÉRIE — NÚMERO 19
68
com direitos, estes doutorados, desperdiçando, assim, a geração mais qualificada deste País, por falta de
investimento no ensino superior e na ciência.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Chega vai abster-se na votação da petição do Movimento 8%, que saúdo, do projeto de lei do Livre e do projeto de resolução do PCP.
Nós não abandonamos a ciência e a investigação, mas esta área tem de ter uma profunda renovação, isto
é, há princípios que têm de ser respeitados.
O primeiro princípio é o princípio da responsabilidade social do Estado no apoio à ciência e à investigação,
que tem de ser inequívoca.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — O Estado tem de exigir respostas claras e sistemáticas a questões como: qual o valor e significado dos conhecimentos académicos? Quais os riscos imponderáveis e efeitos
secundários da aplicação de saberes académicos? E esses efeitos existem!
Compete às universidades separarem, claramente, conhecimentos socialmente vantajosos de
conhecimentos socialmente prejudiciais. Essas garantias não são, habitualmente, discutidas nem asseguradas.
E este é mais um caso.
Segundo princípio: o ensino superior tem de estar, obrigatoriamente, no topo das instituições com a
autoconsciência do erro. E isso é indissociável da crítica interna forte e sistemática. Refiro-me à crítica entre
pares académicos.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — O problema é que isso foi banido de muitos departamentos universitários, justamente por causa dos financiamentos públicos.
Aplausos do CH.
O resultado é a viciação do conhecimento, da investigação e da ciência.
Órgãos de soberania que fingem que isso não existe nos meios universitários financiam a irresponsabilidade
intelectual.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Terceiro princípio: o Estado só tem legitimidade para apoiar o conhecimento, a ciência e a investigação quando existem garantias inequívocas da autonomia entre instituições,
autonomia entre as instituições políticas e as instituições do ensino superior.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
Aplausos do CH.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Das três iniciativas em discussão, um projeto é do Livre e o outro é do PCP, todos da ala esquerda deste Parlamento. É sintomático.
A politização é um vício a céu aberto…
Página 69
2 DE JUNHO DE 2022
69
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … que mata as universidades.
O Sr. Miguel Matos (PS): — Isso é a vossa elegia!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Cito exemplos: o ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) é um feudo do PS;…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra é um feudo do Bloco de Esquerda; a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, é ultracontrolada pela
esquerda.
Sr.as e Srs. Deputados, desde o século XVIII que não toleramos a sobreposição entre a fé e a ciência.
Protestos do PS.
Ouçam, porque têm de ouvir, e muito bem!
Muitíssimo menos podemos tolerar, no século XXI, a promiscuidade entre a política e a ciência, entre o poder
e a razão, entre os partidos políticos e as universidades.
Aplausos do CH.
A questão é demasiado séria! Habituem-se, porque o Chega não vai largar esta perspetiva pela dignidade
do conhecimento e da ciência!
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado António Topa Gomes, do PSD.
O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cumprimento também os peticionários do Movimento 8%, por um investimento urgente na ciência em Portugal, sendo que também
estamos aqui a discutir um projeto de lei do Livre e um projeto de resolução do PCP.
Conhecimento sempre foi a chave do sucesso dos povos, mas hoje julgo que é também a chave do sucesso
económico de países, particularmente com o seu sistema de ensino superior e com a colaboração entre ciência
e inovação e empresas.
Este será, porventura, o aspeto onde estamos pior. De facto, temos já um elevado número de doutorados,
mas apenas 3% deles conseguem encaixar-se nas empresas e há aqui um grande caminho a percorrer.
Na Legislatura anterior, o PSD apresentou um projeto de resolução, que esteve, até, na origem de uma
recomendação à Assembleia da República, tendo obtido uma aprovação generalizada, que, de alguma forma,
define aquilo que o PSD faria melhor no que diz respeito à ciência.
O primeiro ponto seria o reforço da verba atribuída às novas edições do concurso Estímulo ao Emprego
Científico Individual.
Teríamos também um contributo para a estabilidade da ciência, aplicando uma percentagem mínima de 15%
nas aprovações do concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual e dos Projetos de Investigação Científica
e Desenvolvimento Tecnológico.
Propúnhamos também uma distribuição equilibrada entre áreas científicas e regiões previamente
conhecidas, mais concursos de financiamento dos projetos de investigação em todos os domínios científicos,
com abertura de edições anuais (este é um aspeto muito relevante) e com datas bem definidas, a definição de
uma estratégia para a ciência — sendo que aqui teríamos o Horizonte 2030 e o célebre investimento em ciência
Página 70
I SÉRIE — NÚMERO 19
70
e tecnologia de 3% do PIB — e a promoção de concursos de apoio à aquisição de equipamentos e infraestruturas
de investigação para as unidades de investigação.
Nesse sentido, acompanhamos, na sua grande maioria, as preocupações expressas pelos peticionários.
Na prática, o que temos é que o crónico subfinanciamento do sistema de ensino superior conduz a um
reduzido número de novas contratações, insuficientes para assegurar a renovação de professores doutorados
a tempo inteiro e, naturalmente, investigadores.
Nos últimos tempos, tem sido citado nesta Câmara, com frequência, o chamado Pacto para a Ciência e
Inovação 2020-2030 e, nesse documento, é identificada como primeira prioridade a plurianualidade, a
previsibilidade e a eficiência nos processos de avaliação da resposta.
A título de exemplo, no concurso de projetos 2020 foram financiados 5,3% dos projetos; de modo simples,
em 20 projetos submetidos a concurso, apenas um foi financiado ou, se quisermos pela negativa, 19 são
reprovados.
Ora, isto significa que é impossível manter equipas, com esta taxa de sucesso. E diria até mais: o tempo
gasto pelos vários investigadores a prepararem propostas sérias de projetos de investigação é provavelmente
mais, se alocarmos a esse tempo um custo, do que o financiamento total atribuído. Isto é totalmente inútil e
resulta da falta de previsibilidade no Orçamento do Estado.
Sim, a eficácia de todo o processo é fundamental para o sucesso do sistema científico e não será por acaso
que o próprio Orçamento do Estado reconhecia a burocracia, o mau funcionamento, como um dos pontos onde
o Governo tinha de atuar para melhorar o sistema. Não é apenas uma questão de dinheiro aqui, é claramente
uma questão em que o nosso sistema, o Governo, todo o sistema científico, tem de melhorar.
Outro exemplo é o programa Estímulo ao Emprego Científico Individual e o relatório da avaliação da
implementação do programa, da autoria de quatro ex-reitores de universidades portuguesas, que dizia, a
determinada altura, que o relatório foi feito em maio de 2020 mas ainda se aguardavam os resultados da seriação
final do concurso de 2018. Como é possível que pessoas que tenham a sua vida por definir concorram, em 2018,
e, em 2020, ainda estejam à espera disso?!
Por falar em previsibilidade, voltamos a referir a questão do objetivo dos 3% do PIB em ciência, sendo que
há uma parcela muito importante de 1% que deveria ser investimento público. Ora, temos cerca de 0,6%, neste
momento, pelo que temos oito anos para chegar lá e, portanto, devíamos estar a crescer cerca de 0,05% ao
ano. Era isto que a Assembleia e o Governo deviam definir de imediato e era esse aumento que poderia dar
resposta a esses seis pontos que elenquei.
Por parte do PSD, esse é o comprometimento que temos, e demonstramo-lo, com o sistema científico, com
os bolseiros, com os investigadores e com as instituições.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo também por cumprimentar os mais de 8000 peticionários que trouxeram este tema à Assembleia da República.
O subinvestimento que tem marcado a área da investigação, mas também do ensino superior,
nomeadamente nos bolseiros, em particular em doutoramentos ou pós-doutoramentos, tem sido, de facto,
crónico e um problema que se tem arrastado ao longo de vários anos no nosso País.
É fundamental que se criem mecanismos que possam valorizar e combater a precariedade que tem marcado
estes setores, o que passa não só pelo investimento, mas, acima de tudo, por aquela que é a valorização destes
profissionais e das próprias bolsas de investigação que são conferidas.
Mas, de alguma forma, há também matérias que não podemos deixar para trás, em particular medidas que
possam incentivar à inovação e ao desenvolvimento de nova tecnologia.
Apesar de muito ter sido rejeitado, quer no âmbito do Orçamento do Estado, quer nas iniciativas legislativas
que trazemos à Assembleia da República, não podemos deixar de destacar que, nesta matéria, conseguimos
um avanço de 4 milhões de euros para os métodos de investigação alternativos ao uso de animais na
experimentação animal. Este é, evidentemente, um caminho paralelo àquele que é um problema mais estrutural
deste setor, mas não deixa já de ser um avanço, esperando que consigamos nos próximos anos dar passos
Página 71
2 DE JUNHO DE 2022
71
mais firmes naquela que é que a pretensão dos peticionários, aqui, na Assembleia da República, e, acima de
tudo, no Governo, a quem compete também este investimento.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Eunice Pratas, do Partido Socialista. Faça favor.
A Sr.ª Eunice Pratas (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, aqui, no Plenário, um projeto de lei do Livre e um projeto de resolução do PCP, sendo a iniciativa do Livre mais dirigida ao emprego
científico e a do PCP sobre investimento público em ciência.
O Partido Socialista tem promovido uma política de emprego científico que alterou nos últimos anos,
notoriamente, o sistema científico e tecnologia nacional. Temos hoje mais investigadores, mais investigadores
em diferentes instituições, mais investigadores no tecido económico e social.
Desde 2016, têm sido efetuados esforços nesse sentido, designadamente o contrato de trabalho com
modalidade de contratação em ciência, a separação entre contexto laboral e contexto formativo, uma opção que
assumimos, ou o incentivo à contratação de doutorados por parte das empresas.
Medidas pontuais podem merecer discussão, mas se não articuladas numa visão global que garanta o
crescimento sustentado do sistema científico e tecnológico podem não fazer sentido. Claro que a aposta no
investimento público na ciência e tecnologia é uma aposta no reforço do investimento público e tem também
criado condições para um verdadeiro ecossistema de ciência e inovação que tem potenciado o investimento
privado nestas áreas.
Vozes do PS: — Muito bem!
A Sr.ª Eunice Pratas (PS): — A nossa ação política assenta neste entendimento e é sempre neste pressuposto que fazemos esta discussão. O número de investigadores na população ativa cresce para um marco
histórico de 10,3 investigadores por 1000 ativos, em 2020. Devemos evitar, por isso, medidas que reduzam
significativamente a disponibilidade das instituições em conferir oportunidades de estudo e investigação aos
jovens cientistas, medidas que não garantam sustentabilidade ao sistema, medidas que apenas garantam
oportunidades de ingresso em carreira aos que hoje já estão nas instituições. O Partido Socialista mantém o
compromisso de continuar as políticas de reforço do investimento em investigação e desenvolvimento, ciente
dos desafios dos próximos anos.
É por isso que estamos aqui, para continuar o caminho das últimas duas legislaturas, para um País do futuro
e do conhecimento.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira, do PCP.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, não é possível valorizar a investigação científica sem valorizar os seus trabalhadores, todos os seus trabalhadores.
Srs. Deputados, temos, no nosso País, um investigador de astrofísica que há cerca de um ano passou a ter
um asteroide com o seu nome, por decisão da União Astronómica Internacional. Conseguiu ter um asteroide
com o seu nome, mas não consegue ter um vínculo efetivo, está com um vínculo precário desde 1998, e isto é
profundamente revelador da desvalorização dos trabalhadores em investigação científica no nosso País, que
sucessivos governos têm tomado como opção para a ciência.
Não estamos, efetivamente, condenados a este caminho. A valorização da ciência exige o reforço do
investimento público e exige também que se assuma o fim da precariedade na ciência, o fim da precariedade
que ainda persiste para milhares de trabalhadores na área da investigação científica. Ora, importava que o PS
quisesse, efetivamente, assumir o fim da precariedade, mas vimos já por várias declarações, tanto dos Srs.
Deputados como de membros do Governo, que essa não é uma realidade que queiram concretizar. Da parte do
PCP, as propostas que aqui apresentamos são efetivamente para acabar com a precariedade no setor e também
para reforçar o investimento público na ciência.
Página 72
I SÉRIE — NÚMERO 19
72
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate e da nossa ordem do dia de hoje. Dou a palavra à Sr.ª Secretária Palmira Maciel para a leitura de expediente, assim como para anunciar os
colegas que participaram nesta reunião por via remota.
Faça favor, Sr.ª Deputada Palmira Maciel.
A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente, cumpre-me anunciar que deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Resolução n.os 71/XV/1.ª (PAN), que baixa à 12.ª Comissão, e 73/XV/1.ª (PAR)
e o Projeto de Deliberação n.º 4/XV/1.ª (PAR).
Vou agora dar conta dos Srs. Deputados que estiveram presentes por videoconferência: Clarisse Campos,
Cláudia Santos, Francisco Dinis, Hugo Costa, Maria da Luz Rosinha, Rui Lage, Sofia Andrade e Susana Amador,
do PS, Duarte Pacheco, Germana Rocha e Isaura Morais, do PSD.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária. A ordem do dia da próxima sessão, que terá lugar amanhã, quinta-feira, inclui declarações políticas e a
apreciação das Propostas de Lei n.os 8/XV/1.ª (GOV) — Transpõe a Diretiva (UE) 2019/1, que visa atribuir às
autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e
garantir o bom funcionamento do mercado interno, e 106/XIV/2.ª (ALRAA) — Primeira alteração ao Decreto-Lei
n.º 70/2020, de 16 de setembro, que atualiza a idade de acesso às pensões e elimina o fator de sustentabilidade
nos regimes de antecipação da idade de pensão de velhice do regime geral de segurança social.
Muito boa tarde a todos e até amanhã.
Eram 19 horas e 17 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.