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Quinta-feira, 9 de junho de 2022 I Série — Número 22
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
REUNIÃOPLENÁRIADE8DEJUNHODE 2022
Presidente: Ex.ma Sr.ª Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Palmira Maciel Fernandes da Costa Lina Maria Cardoso Lopes
S U M Á R I O
A Presidente (Edite Estrela) declarou aberta a sessão às
15 horas e 5 minutos. Deu-se conta da retirada, pelo CH, do Projeto de Lei n.º
95/XV/1.ª e da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 99/XV/1.ª e 102 a 112/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 65/XV/1.ª, 75/XV/1.ª, 77 a 84/XV/1.ª e 86/XV/1.ª
Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 53/XV/1.ª (PSD) — Cria o tribunal central administrativo centro, procedendo à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado em anexo à Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, à décima primeira alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário,
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aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respetivo Estatuto e 87/XV/1.ª (PAN) — Adota medidas de otimização do desempenho dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Usaram da palavra os Deputados Mónica Quintela (PSD) — que iniciou e encerrou o debate — , Inês de Sousa Real (PAN), Patrícia Gilvaz (IL), Rui Paulo Sousa (CH), Alexandra Leitão (PS), Alma Rivera (PCP), Pedro Filipe Soares (BE) e Rui Tavares (L).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 7/XV/1.ª (CH) — Aumenta o valor relativo ao complemento especial de pensão dos antigos combatentes, 52/XV/1.ª (PCP) — Consagra o complemento vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade para os antigos combatentes e 91/XV/1.ª (BE) — Estabelece o complemento vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade aos antigos combatentes. Intervieram, a diverso título, os Deputados André Ventura (CH) — que iniciou e encerrou o debate —, João Dias (PCP), Joana Mortágua (BE), Patrícia Gilvaz (IL), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Vilar (PSD), Manuel dos Santos Afonso (PS) e Rui Tavares (L).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 76/XV/1.ª (IL) — Consagração expressa do crime de exposição de menor a violência doméstica (56.ª alteração ao Código Penal), 82/XV/1.ª (PAN) — Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público, 85/XV/1.ª (L) — Inclui expressamente a exposição, nos exemplos do que constituem maus tratos psíquicos, no âmbito do crime de violência doméstica; define a exposição, no caso de crianças e jovens, como suficiente para a sua caracterização como vítimas e consagra a frequência de programas específicos de educação parental na lista de penas acessórias, 92/XV/1.ª (BE) — Criação do crime de exposição de menor a violência doméstica (55.ª alteração ao Código Penal), 96/XV/1.ª (IL) — Dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nos casos de
condenação por crime de violência doméstica (Alteração ao Código Civil e ao Código do Processo Civil) e 97/XV/1.ª (IL) — Assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente vulneráveis (Alteração ao Estatuto da Vítima e à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais). Usaram da palavra os Deputados Patrícia Gilvaz (IL) — que iniciou e encerrou o debate —, Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Joana Mortágua (BE), Bruno Nunes (CH), Ofélia Ramos (PSD), Cláudia Santos (PS), Alma Rivera (PCP) e Gabriel Mithá Ribeiro (CH).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 48/XV/1.ª (PCP) — Vinculação extraordinária de todos os docentes com três ou mais anos de serviço até 2023, 81/XV/1.ª (PAN) — Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e 93/XV/1.ª (BE) — Programa extraordinário de vinculação dos docentes. Intervieram os Deputados Diana Ferreira (PCP) — que iniciou e encerrou o debate —, Inês de Sousa Real (PAN), Joana Mortágua (BE), Gabriel Mithá Ribeiro (CH), Rui Tavares (L), Cláudia André (PSD), Carla Castro (IL), Porfírio Silva e Lúcia Araújo da Silva (PS) e Carla Madureira (PSD).
Procedeu-se ao debate, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 71/XV/1.ª (BE) — Altera as atividades específicas associadas a compensação em unidades de saúde familiar, de forma a eliminar discriminações de género na prática clínica e 88/XV/1.ª (PAN) — Elimina a discriminação de género nos critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos. Usaram da palavra os Deputados Catarina Martins (BE) — que iniciou e encerrou o debate —, Inês de Sousa Real (PAN), Joana Cordeiro (IL), Pedro dos Santos Frazão (CH), Rui Tavares (L), Berta Nunes (PS), Fernanda Velez (PSD) e João Dias (PCP).
Deu-se conta dos Deputados que estiveram presentes, por videoconferência, na reunião plenária.
A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas e 6 minutos.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito boa tarde a todas e a todos. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 5 minutos.
Cumprimento as Sr.as e os Srs. Deputados, as Sr.as e os Srs. Funcionários, as Sr.as e os Srs. Jornalistas e as
Sr.as e os Srs. Agentes das forças de segurança, a quem peço que abram as galerias ao público.
Peço às Sr.as e aos Srs. Deputados que se faça silêncio para que possamos dar início aos nossos trabalhos.
Como habitualmente, a Sr.ª Secretária da Mesa irá fazer alguns anúncios à Câmara.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde a todas e a todos.
Começo por anunciar a retirada do Projeto de Lei n.º 95/XV/1.ª (CH).
Informo ainda que deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os Projetos de Lei n.os 99/XV/1.ª (PSD), que
baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão, 102/XV/1.ª (IL), que baixa à 1.ª Comissão, 103/XV/1.ª
(IL), que baixa à 6.ª Comissão, 104/XV/1.ª (PAN), que baixa à 8.ª Comissão, 105/XV/1.ª (PAN), que baixa à 11.ª
Comissão, 106/XV/1.ª (CH), que baixa à 8.ª Comissão, 107/XV/1.ª (BE), que baixa à 6.ª Comissão, 108/XV/1.ª
(PS), que baixa à 10.ª Comissão, 109/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 6.ª Comissão,
110/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 111/XV/1.ª (IL) e 112/XV/1.ª (CH), que baixa à 6.ª Comissão.
Deram ainda entrada na Mesa os Projetos de Resolução n.os 65/XV/1.ª (BE), que baixa à 7.ª Comissão,
75/XV/1.ª (PAN), 77/XV/1.ª (PS), 78/XV/1.ª (PSD), 79/XV/1.ª (PAN), 80/XV/1.ª (BE), 81/XV/1.ª (PSD), 82/XV/1.ª
(PAN), 83/XV/1.ª (PAN), 84/XV/1.ª (PSD) e 86/XV/1.ª (PSD).
É tudo, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr.ª Deputada. Sr.as e Srs. Deputados, vamos, então, dar início à nossa ordem do dia, de cujo primeiro ponto consta a
discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 53/XV/1.ª (PSD) — Cria o tribunal central
administrativo centro, procedendo à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais, aprovado em anexo à Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, à décima primeira alteração à Lei da
Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e à quarta alteração ao
Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos
tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respetivo Estatuto e 87/XV/1.ª (PAN) — Adota medidas de
otimização do desempenho dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Para apresentar o Projeto de Lei n.º 53/XV/1.ª (PSD), tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica Quintela.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Um bom sistema de justiça é um indicador poderoso do grau de maturidade democrática e do desenvolvimento económico de um país que se
quer estruturado no respeito pela dignidade da pessoa humana, que defende os direitos, liberdades e garantias,
que assegura a paz social, que fomenta o investimento nacional e estrangeiro, criando riqueza e bem-estar
social.
Um bom sistema de justiça concretiza o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da
nossa Lei Fundamental, que dispõe expressamente que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, (…) de modo a obter tutela efetiva e
em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos».
Nunca é demais recordar os princípios basilares do Estado de direito democrático e que os tribunais são os
órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
A jurisdição administrativa e fiscal está nos antípodas do que acabei de referir. A jurisdição administrativa e
fiscal é o cancro da justiça portuguesa.
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Os processos arrastam-se durante demasiados anos e esta anormalidade é o normal nesta jurisdição. Que
um processo demore 15, 18, 20 ou mais anos até transitar em julgado é normal — veja-se a anormalidade e a
aberração que isto é!
A situação de paralisia em que a jurisdição administrativa e fiscal se encontra mina a confiança do cidadão
no sistema judicial, consubstanciando mesmo uma autêntica denegação de justiça, pondo em crise o Estado de
direito e a própria dignidade e prestígio que o Estado deve ter.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Consciente deste flagelo, o PSD propõe, na presente iniciativa legislativa, a criação de um novo tribunal central administrativo (TCA) que permita descongestionar os Tribunais Centrais
Administrativos existentes, a saber, o Norte e o Sul.
Os dois Tribunais Centrais Administrativos são as instâncias de recurso da 1.ª instância. É certo que a criação
de juízos de competência especializada na primeira instância melhorou ligeiramente o andamento dos
processos, não obstante a morosidade continuar a atingir proporções alarmantes, mas, nas instâncias de
recurso, a situação é ainda muito mais grave. Além disso, os Tribunais Centrais Administrativos também
funcionam, em determinadas situações, em determinados processos, como 1.ª instância.
A isto acresce que qualquer medida de descongestionamento que seja introduzida na 1.ª instância perde
toda a eficácia no autêntico garrote que são os dois Tribunais Centrais Administrativos, completamente
entupidos e incapazes de dar resposta ao aumento contínuo das pendências processuais, com toda a amplitude
e complexidade das matérias que integram o ordenamento administrativo e tributário.
É neste quadro que o PSD propõe a criação de um novo tribunal central administrativo, com competências
especializadas, à semelhança dos tribunais administrativos e fiscais, de molde a otimizar a aquisição de
conhecimentos dos magistrados especializados já em determinadas matérias, com benefício para a qualidade
das decisões e a celeridade e eficácia processual, propondo-se também, e em consequência, que possam ser
criadas, nos Tribunais Centrais Administrativos, subsecções especializadas em razão da matéria e até com
competência nacional, de molde a dar um rápido andamento a estas matérias.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, desculpe por interromper, mas peço à Câmara que guarde silêncio para que se possa ouvir a oradora.
Pausa.
Muito obrigada.
Pode continuar, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente. Muito agradeço. Propomos ainda que este novo tribunal central administrativo esteja sediado na zona Centro, para
descomprimir os Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul, e disponha de um quadro de magistrados
próprio, com o aumento do número de magistrados a ingressar nesta jurisdição — o que significa que não se
pretende que sejam retirados magistrados aos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul, porque senão
aumentar-se-ia o problema em si, em vez de o resolver — a ser suficiente para atingir o escopo de fluidez da
tramitação processual e de diminuição acentuada da morosidade da jurisdição administrativa e fiscal.
Esta medida é reclamada há muito pelos profissionais desta jurisdição e pelos cidadãos, seus destinatários.
Não podemos continuar a permitir que os cidadãos desistam de lutar pela defesa dos seus interesses legítimos
porque soçobram perante o estado calamitoso da jurisdição administrativa e fiscal e preferem ficar com o
prejuízo a enfrentar aquilo que anteveem como um prejuízo ainda maior, que é o recurso à via judicial nesta
jurisdição. E isto, Sr.as e Srs. Deputados, é denegação de justiça. Isto é proibido pela nossa Constituição.
Este é o foro privativo que o Estado tem para litigar com os cidadãos, numa imensa desproporção de forças.
Imaginem o que é, por exemplo, ter de prestar caução para impugnar uma cobrança indevida do fisco e não a
poder levantar durante anos intermináveis. Imaginem o que isto faz à economia familiar.
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Imaginem também, por exemplo, ter um processo de responsabilidade extracontratual, como negligência
médica ou um acidente de viação, e estar com a vida suspensa durante 15, 20 ou mais anos, a reviver os
acontecimentos, à espera de um desfecho, de uma decisão, que será sempre, necessariamente, extemporânea
por não ter sido proferida em tempo útil. E a justiça que não é feita em tempo útil nunca será justiça.
A medida que propomos não irá, por si só, resolver o gravíssimo problema dos tribunais administrativos e
fiscais, mas vai ser um contributo valioso e muito importante para combater a morosidade processual.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Muito obrigada, Sr.ª Presidente. Irei concluir. Este propósito é suprapartidário e visa a realização da justiça e da inerente resolução de um problema real
e grave dos cidadãos, pelo que entendemos que estão reunidas as condições para que a Casa da democracia,
em conjugação de esforços,…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — … acompanhe o PSD na criação de um novo tribunal central administrativo, em prol da realização da justiça.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª (PAN), tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O famoso abolicionista brasileiro Rui Barbosa afirmou, um dia, que «justiça tardia nada mais é que injustiça institucionalizada», e injustiça
institucionalizada é o que vemos na justiça administrativa. Na verdade, somos o quarto país com mais casos
pendentes nos tribunais administrativos e, na União Europeia, nenhum país demora mais do que nós a resolver
um caso em 1.ª instância.
Esta injustiça institucionalizada prejudica os cidadãos, que, perante abusos do poder público, veem o seu
direito à tutela jurisdicional efetiva como letra morta. Além disso, penaliza a competitividade da economia
portuguesa, porque traz custos acrescidos para as empresas.
Hoje, o PAN traz duas propostas que visam contribuir para melhorar, otimizar e acelerar o funcionamento
dos tribunais superiores e que, de resto, foram recomendadas pelo Grupo de Trabalho para a Justiça
Administrativa e Fiscal no início deste ano.
A primeira proposta vai no sentido de passarem a existir subsecções especializadas nos Tribunais Centrais
Administrativos, na medida em que o caminho da especialização se tem revelado uma forma eficaz de
descongestionar os tribunais noutros países da União Europeia e nos tribunais administrativos de 1.ª instância
em Portugal.
Além do mais, isto permitiria dar uma resposta mais estruturada e preparada aos novos desafios que o direito
administrativo enfrenta em áreas como a do direito do ambiente. Por exemplo, ter juízes mais especializados e
enquadrados com a legislação ambiental seria sinónimo de uma justiça mais sensível às questões ambientais.
Por outro lado, e numa segunda proposta, queremos que o prazo de validade dos concursos de acesso à
carreira de juiz do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos passe a ser de dois
anos. Este processo é demasiado complexo e o atual prazo de um ano nem sequer chega para concluir o
processo de avaliação curricular dos candidatos.
Estas duas propostas são muito concretas e, apesar de parecerem simples, podem trazer importantes
mudanças, acima de tudo aceleração processual e desburocratização. A bem da justiça administrativa,
esperamos que, em sede de especialidade, possamos pôr de parte as diferenças políticas e avançar com estas
propostas, porque, como referi inicialmente, uma justiça lenta não é justiça, é injustiça institucionalizada, que
tarda e falha para com os nossos concidadãos.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a proposta que o PSD traz hoje a debate divide-se em dois pontos essenciais: o primeiro prende-se com a criação de um novo tribunal central
administrativo, na região Centro, escolhendo para tal a cidade de Coimbra, e o segundo prende-se com a
possibilidade de serem criadas subsecções especializadas junto deste tribunal de recurso, à imagem do que já
acontece na 1.ª instância nos tribunais administrativos e fiscais.
O Iniciativa Liberal reconhece que a jurisdição administrativa e fiscal padece de problemas, tais como o défice
de recursos humanos e financeiros — como a Sr.ª Deputada referiu —, numa carreira que se revela menos
atrativa, especialmente por causa do avultado investimento inicial, que obriga os candidatos a deslocarem-se
para Lisboa de forma a conseguirem frequentar o curso do CEJ (Centro de Estudos Judiciários), sem que exista
outra alternativa no restante território português, mas também devido ao facto de não terem quaisquer certezas
quanto ao tratamento fiscal que será dado às bolsas de formação.
Ora, mesmo que o Iniciativa Liberal até reconheça a necessidade de ser criado um novo TCA, o problema
dos recursos humanos subsiste. É necessário formar mais juízes para lidar com o atual nível de pendências,
pois, no nosso entendimento, não é suficiente criarem-se tribunais se não tivermos juízes que os ocupem.
Chegados aqui, e reconhecido por todos que existem estes problemas de base, questionamo-nos sobre se
será razoável criarmos um novo TCA na zona Centro, dado que é um facto adquirido que existe um défice de
recursos humanos não só na jurisdição administrativa como em todo o setor da justiça.
Por outro lado, questionamo-nos sobre a escolha do PSD da cidade de Coimbra. Porque não Viseu, Guarda,
Castelo Branco ou qualquer outra cidade do interior do País? Qual foi o racional que esteve por trás desta
escolha?
Quanto ao segundo ponto da proposta do PSD, também é semelhante à proposta que o PAN apresentou. A
verdade é que ainda não dispomos de dados fiáveis que possam confirmar as vantagens de criarmos
subsecções especializadas para o descongestionamento, a eficiência e a celeridade nos tribunais ao nível da
1.ª instância. Na prática, entendemos que estaríamos a dividir os juízos em grupos, impedindo que uma
subsecção com menos processos possa colaborar com aqueles que tiverem mais pendências.
Além disto, acreditamos também que estas mudanças no quadro judiciário devem ser efetuadas em sede de
uma revisão mais alargada, que possibilite um estudo sério do impacto das diversas propostas, evitando-se
assim o recurso a medidas avulsas cujas consequências não foram devidamente pensadas.
Isto porque a instabilidade legislativa, principalmente na vertente fiscal, é simultaneamente um dos grandes
problemas da nossa jurisdição e do País. Acreditamos que um ordenamento jurídico mais estável e previsível
possibilitará a existência de uma jurisprudência e doutrina consolidadas e de fácil apreensão pelos cidadãos,
que pode ser a alternativa de que o sector judicial necessita.
O Iniciativa Liberal estará, por isso, disponível para refletir e contribuir para este desígnio.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo Sousa, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A atual situação da jurisdição administrativa e fiscal em geral e, em particular, dos tribunais centrais administrativos que compõem a 2.ª
instância é escandalosa.
O tempo de resolução processual nesses tribunais, bem como o número de processos pendentes, tem vindo
a aumentar exponencialmente, sem que se tome de imediato a devida ação.
Recentemente, no contencioso tributário, com as alterações resultantes da Lei n.º 118/2019, a situação
tornou-se ainda mais gravosa, porque implicou um aumento das competências das secções de contencioso
tributário dos tribunais centrais administrativos, o que origina um aumento de entradas de processos naquelas
secções.
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Entre 2004 e 2020 o número de processos entrados nestes tribunais mais do que duplicou. Porém, não houve
o correspondente aumento dos meios humanos, o que conduziu às elevadas pendências atuais.
Nestas circunstâncias, é inacreditável a propaganda que o Governo e a Sr.ª Ministra da Justiça fazem ao
incremento das novas tecnologias e à implementação da inteligência artificial, como se fossem a solução mágica
para as pendências processuais.
Não negamos a importância da introdução e desenvolvimento das novas tecnologias, sobretudo no que diz
respeito à proximidade das partes com os processos através do acesso virtual, mas a verdade é que a
experiência do passado deve servir de exemplo para o futuro e a solução para a morosidade nas decisões e
elevadas pendências na 2.ª instância não passará certamente pela implementação de nova tecnologia.
Relembro que, aquando da reforma administrativa implementada em 2004, a jurisdição administrativa e fiscal
foi pioneira no nosso País e na maior parte da Europa a adotar um Sistema Informático de Suporte à Atividade
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o denominado SITAF, e nem por isso essa plataforma informática
resolveu ou sequer contribuiu para uma diminuição das pendências processuais. Bem pelo contrário, o SITAF
sempre se revelou um instrumento de trabalho ineficiente, ao tornar mais lenta a prática de atos dos juízes. Isso
para não mencionar os sucessivos problemas técnicos que conduzem à frequente inoperacionalidade do
sistema.
Entendemos que a resolução da elevada pendência processual passa, sobretudo, e em primeira linha, pela
dotação de mais meios humanos e não por mais tecnologia. Por isso, a linha de orientação do Governo nesta
matéria tem tanto de desadequada como de ineficiente para alcançar o objetivo pretendido, que é o da
eliminação das pendências processuais.
Há muito que se impõe um alargamento dos quadros máximos previstos na Portaria n.º 290/2017, que fixa
os quadros dos magistrados dos tribunais centrais administrativos.
Entendemos que os quadros máximos de juízes não se revelam adequados do ponto de vista das
pendências, a par das taxas de resolução processual.
Cabia ao Governo agir para adequar o número de processos entrados e pendentes ao respetivo quadro de
juízes. Esta seria a solução mais eficiente para a resolução imediata do problema da segunda instância, porque,
na verdade, meus senhores, não será certamente um qualquer programa informático que irá proferir decisões
nos milhares de processos pendentes.
A proposta do PSD segue, no essencial, o relatório intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça
Administrativa e Fiscal, propondo-se a criação de um novo tribunal central administrativo, bem como a
possibilidade de o Conselho Superior dos Tribunais Administrativo e Fiscais criar subsecções especializadas
em razão da matéria.
Entendemos que esta proposta vai ao encontro das conclusões do Relatório Justiça Administrativa e Fiscal
— Qualidade e Celeridade: Impasses e Soluções, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que,
para além do mais, identifica claramente os problemas na 2.ª instância e propõe soluções que não devem ser
ignoradas por este Parlamento.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Nesse Relatório concluiu-se pela necessidade de especialização em razão da matéria no contencioso administrativo e pela criação de um novo tribunal central administrativo sediado na
zona Centro, sendo que essa criação deve agregar os recursos vindos dos TAF (tribunais administrativos e
fiscais) da mesma zona.
Neste contexto, e considerando que o projeto de lei do PSD, ao criar um tribunal central administrativo no
Centro do País, conduzirá necessariamente a um aumento efetivo do número de juízes na 2.ª instância,
entendemos que constitui uma medida eficaz na luta contra pendências processuais e, por conseguinte, não
será o Chega, neste Parlamento, a opor-se à sua aprovação.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
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Meus senhores, o Chega pretende fazer parte da solução dos problemas imediatos e reais da justiça
administrativa e fiscal que afeta todos os cidadãos e empresas e não de um qualquer filme de ficção científica
em que a inteligência artificial se substitui a juízes na prolação de decisões judiciais.
À justiça o que é da justiça!
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A necessidade de introduzir melhorias em diferentes aspetos da jurisdição administrativa, seja do ponto de vista orgânico, formal ou
processual, é matéria que merece amplo consenso.
O relatório intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça Administrativa e Fiscal, publicitado em 1 de
setembro de 2021, aponta várias medidas que incluem a criação de secções especializadas e outras medidas,
entre elas a criação de novos tribunais de 2.ª instância.
Na verdade, porém, estas medidas têm de ser enquadradas numa reforma global e devidamente integradas
numa visão de uma dimensão global da justiça administrativa, como, aliás, é referido no parecer do Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais relativo aos projetos de lei que estamos a analisar.
É necessário estudar e perceber, designadamente em termos estatísticos, qual o volume de processos que
um novo tribunal central administrativo no Centro teria e dimensioná-lo em diversos aspetos, incluindo no quadro
de pessoal, em função desse volume.
Assim, os projetos de lei ora em debate são, nesta fase, prematuros, mas faz sentido que sejam analisados
com vista a enquadrá-los numa visão global e integrada da necessária revisão e reforma que é precisa para a
justiça administrativa.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projeto de lei apresentado pelo PSD propõe a criação de um tribunal central administrativo do Centro, uma proposta que pode contribuir para
contrariar a situação de afogamento da jurisdição administrativa e fiscal que se vive e que tem implicações na
realização da justiça.
No entanto, isso não ocorrerá por mera concretização da proposta, havendo aspetos que serão decisivos
para que possa efetivamente ser assim, nomeadamente em relação ao quadro de magistrados, mas também de
funcionários e assessores, que ficarão afetos ao serviço desse tribunal, aspeto que o PSD não define
concretamente e que assim, de certa forma, é deixado em aberto.
Já aqui foi dito várias vezes, inclusivamente pela Sr.ª Ministra da Justiça, que «paredes não resolvem
processos, as pessoas resolvem processos». Acrescento também que as pessoas, com as suas carreiras
valorizadas e com condições para desempenharem as suas funções, resolvem mais e melhor os processos.
Por outro lado, não estando clarificada e resolvida no tribunal que assim se pretende criar e naqueles que já
existem a questão do número de magistrados e também de funcionários, considerando sobretudo a gritante falta
de magistrados, é difícil acreditar que a possibilidade de criação de subsecções especializadas ao nível dos
tribunais centrais administrativos venha a traduzir-se em ganhos efetivos na realização da justiça, sobretudo em
termos de celeridade e eficácia.
Face à falta de magistrados, a solução de avançar com a criação de subsecções especializadas adensa o
risco de afunilamento, pouco desejável, na prática judiciária.
Já o projeto de lei apresentado pelo PAN, na parte em que trata do prolongamento da validade dos concursos
dos juízes, não nos suscita qualquer objeção. No entanto, na parte em que trata de propor a especialização,
merece a mesma apreciação feita relativamente ao projeto de lei do PSD.
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Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD traz a debate uma iniciativa para propor a criação de um novo tribunal central administrativo no Centro.
O diploma versa sobre um problema estrutural da justiça portuguesa, que é o da demora na aplicação, em
particular, da justiça administrativa e fiscal. Isso é um problema. A justiça, em geral, demora muito, em Portugal,
e a justiça administrativa e fiscal demora ainda mais, o que, em si, é uma forma de negar o acesso à justiça.
Não é o único, sabemos, pois o custo da justiça é um entrave, mas a demora na justiça é uma forma de negar
o acesso à justiça. Por isso, as medidas que vierem com esse intuito vêm por bem e nós analisámo-las com
essa boa vontade de tentar somar soluções num campo em que há, de facto, muitos problemas.
Não obstamos, por princípio e teoricamente, à ideia de criar um novo tribunal administrativo central. Podemos
discutir o local, não creio que seja uma coisa determinante e intransponível, mas não nos parece que, em si,
teoricamente não faça sentido a proposta. Ela faz sentido, faz sentido porque ajudaria a ter uma nova fonte de
saída de processos, levaria a um maior número de profissionais adstritos à resolução de processos e, por isso,
normalmente, a uma redução no número de pendências.
No entanto, este desdobrar teórico da proposta tem alguns entraves práticos. Faltam juízes, faltam
magistrados, faltam oficiais de justiça, no fundo, faltam recursos humanos. Desse ponto de vista, a proposta não
acautela este problema em particular.
Poderá o PSD dizer «bem, mas isso é resolvido noutra instância. É outro dossier, é outro debate». Será!
Contudo, não esquecemos o papel que o PSD teve na desvalorização das carreiras da justiça e na falta de apoio
a várias propostas que o Bloco de Esquerda trouxe a esta Casa para valorizar as carreiras da justiça, seja dos
juízes, seja dos oficiais de justiça. Desse ponto de vista, não esquecemos que, quando muitas vezes
propusemos soluções, o PSD não esteve ao lado dessas soluções.
Por isso, convém responder, na prática, como é que o PSD prevê valorizar carreiras para tornar mais atrativa
a função de juiz ou de juíza porque falta atratividade nessas carreiras. Como é que garante uma maior
atratividade às carreiras de oficiais de justiça, porque falta atratividade a essas carreiras, no fundo, como é que
dota essas paredes, que é um tribunal, dos recursos humanos que fazem com que elas sirvam para alguma
coisa, senão, quando muito, servirão para que os processos ganhem pó, o que também não é uma forma de
garantir justiça.
Termino dizendo que, da parte do Bloco de Esquerda, acompanharemos esta iniciativa, considerando que
ela tem de ser muito mais ambiciosa para, de facto, ser um pilar na resposta aos problemas da justiça que
atualmente o País tem.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Caros e Caras Colegas: Sim, uma justiça lenta é denegação de justiça, é uma entorse ao Estado de direito e agrava a descrença e a desconfiança dos cidadãos na República
como um todo. Uma das maneiras de tentar diminuir estes problemas é, sim, através da criação de novas
instituições, infraestrutura física, edifícios, infraestrutura humana, capital de juízes e de funcionários, e, sim, faz
sentido que no Centro do País exista um tribunal administrativo e fiscal.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, há 20 anos, previa a criação de apenas um tribunal em
Lisboa; há 19 anos criou-se também um tribunal no Porto, 19 anos depois a litigância não aumentou e uma das
maneiras de poder diminuir o número de pendências é através da criação de novos tribunais. Portanto, o Livre
apoiará esta medida.
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Precisamos de ter, no entanto, algum cuidado com a prolixidade legislativa da nossa instituição e com
prometer a mais e cumprir a menos. E aqui refiro-me também a algo que é muito comum em propostas nesta
área, que é dizer-se: «Vamos resolver os problemas dos atrasos na justiça, eles são gravíssimos. Portugal é,
no painel de avaliação da justiça da União Europeia, o País sistematicamente mais mal colocado em processos
cíveis.»
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L): — Concluirei, Sr.ª Presidente. E, por exemplo, aumentar os prazos dos concursos para juízes não vai resolver esse problema e, assim, de
certa forma, temos nós também de nos precavermos relativamente ao excesso de voluntarismo nas promessas
com deficiência na apresentação de resultados.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para encerrar o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mónica Quintela, do Grupo Parlamentar do PSD.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr.ª Presidente: Agradeço todas as intervenções e contributos das Sr.as e dos Srs. Deputados, que enriqueceram muito este debate.
Obviamente, o PSD está aberto a que, em sede de especialidade, todas as matérias sejam trabalhadas. Vou
responder de forma transversal às questões que aqui colocaram e que são mais ou menos comuns, desde logo
a questão da sede.
Bom, quem se lembrou de Coimbra pela primeira vez penso que foi o Prof. Sérvulo Correia, em 2005, que,
num célebre estudo, refere que era fundamental que fosse criado um novo tribunal central administrativo em
Coimbra.
Mas ser em Coimbra ou noutra cidade, para o PSD, agora, não importa, o que importa é que efetivamente
seja criado um novo tribunal central administrativo para descongestionar e para ser uma nova via de resolução
dos litígios, quer quando funciona em 1.ª instância, quer quando funciona como em sede de recurso. Portanto,
estamos absolutamente disponíveis para trabalhar a localização geográfica.
Foi também aqui falado pelos Srs. Deputados se vamos ter paredes e não vamos ter pessoas. Não, é
evidente que não é isso que propomos e o nosso projeto de lei é absolutamente claro; o que se propõe é que
seja criado um quadro próprio de magistrados e também de funcionários, porque é evidente que não faria sentido
que se estivessem a esvaziar os Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul e a retirar de lá os mesmíssimos
juízes que ficariam depois a trabalhar no novo tribunal.
Portanto, não é isso o que se propõe, propõe-se, sim, um aumento do quadro de juízes através do ingresso
no CEJ e da abertura de novos cursos na área administrativa e fiscal.
O PSD tem consciência que, para resolver efetivamente o problema desta jurisdição, é necessária uma
reforma global e tem-na proposto, tendo todas as matérias já gizadas.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Vou concluir, Sr.ª Presidente. No entanto, «Roma e Pavia não se fizeram num dia» e esta medida, não sendo uma medida avulsa —
portanto, não concordo com o que disse a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz —, é uma medida concreta porque,
efetivamente, impõe-se que seja criado um novo tribunal central administrativo para descongestionar os tribunais
de 1.ª instância.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, passamos ao ponto 2 da ordem do dia, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 7/XV/1.ª (CH) — Aumenta o valor relativo ao
complemento especial de pensão dos antigos combatentes, 52/XV/1.ª (PCP) — Consagra o complemento
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vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade para os antigos combatentes e 91/XV/1.ª (BE) — Estabelece
o complemento vitalício de pensão e a pensão mínima de dignidade aos antigos combatentes.
Para apresentar o Projeto de Lei n.º 7/XV/1.ª, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.
Faça favor.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Chega traz hoje a esta Câmara um projeto que visa repor a justiça histórica, que foi negada aos nossos antigos combatentes.
Muitos dos nossos antigos combatentes perderam a sua juventude — alguns mesmo a vida —, o seu tempo,
com a dedicação que tiveram a este País e vivem hoje debaixo de pontes como sem-abrigo ou com miseráveis
pensões para se sustentar a si e às suas famílias.
O projeto que o Chega aqui traz hoje visa corrigir essa desigualdade histórica e propor uma pensão mínima
de 300 € mensais, independentemente do tempo de serviço, a todos os nossos antigos combatentes durante a
Guerra Colonial.
Aplausos do CH.
Esta é uma promessa feita em campanha eleitoral, mas é sobretudo um desígnio histórico que temos de
assumir. Os nossos antigos combatentes merecem o trabalho e o esforço que aqui temos para lhes dar a
dignidade que lhes foi roubada.
Quando foi aprovado o Estatuto do Antigo Combatente, a esquerda e o Governo do PS mais não fizeram do
que dar aos ex-combatentes um cartão inócuo e estes continuam a penar pela sua saúde, continuam a penar
pelos seus rendimentos, continuam a penar pela sua vida. Devíamos olhar para exemplos que temos nos
Estados Unidos, na Inglaterra e em França, onde, por exemplo, é paga uma pensão de 754 € isenta de impostos
aos ex-combatentes, de forma semestral.
O que aqui propomos é corrigir aquilo que deve ser corrigido. Há cerca de 400 000 ex-combatentes em
Portugal, muitos deles são nossos pais e avós, que andaram a lutar por uma terra e uma ideia de Portugal.
Aqueles que deram a sua vida ao serviço da Pátria para que Portugal fosse o que é hoje, quando foram
chamados, não olharam para trás nem fugiram como outros, que se escondiam noutros países, supostamente,
ao abrigo da situação de ditadura.
Aplausos do CH.
Sim, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, é que alguns que foram líderes dos partidos, primeiros-ministros e
presidentes fugiram quando chamados a cumprir o serviço militar e outros deram a vida pela liberdade e pelo
seu País, deram o seu tempo e a sua juventude, e o que lhes demos foi olhar para o lado e esquecer aquilo que
fizeram. Sim, alguns líderes de partidos aqui sentados na Assembleia da República, em vez de lutarem por
Portugal, fugiram para outros países no momento em que se estava a lutar por este País.
Aplausos do CH.
O que fazemos aqui é recuperar essa honra e essa memória dos nossos antigos combatentes, dos nossos
eternos combatentes, do nosso eterno País. Por eles tudo, para eles tudo e por eles lutaremos até ao fim.
Aplausos do CH, de pé.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 52/XV/1.ª, do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: São muitas as manifestações de descontentamento que nos chegam diariamente. São, de facto, muitas as queixas provenientes de diversas
associações de antigos combatentes que nos dão conta de que é geral o sentimento de que os antigos
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combatentes foram ludibriados pelo resultado da aprovação do Estatuto do Antigo Combatente, porque as
legítimas e justas expectativas que os antigos combatentes tinham de verem as suas pensões com um
acréscimo significativo não se verificou, e daqui saudamos todas essas associações que têm lutado pela
dignificação do Estatuto do Antigo Combatente.
Os antigos combatentes, Srs. Deputados, que foram sacrificados numa guerra injusta, deveriam ser
merecedores de um reconhecimento público, não apenas em palavras e gestos simbólicos, mas, sobretudo, em
apoios concretos capazes de melhorar as suas condições de vida.
Diz o PS que se trata de medidas avulsas. Não, na verdade, é preciso responder a um problema que subsiste
desde a «lei Portas», de 2002.
Previa-se, nessa altura, um acréscimo de pensão vitalícia para os antigos combatentes, mas nunca foi
cumprido, Srs. Deputados; pelo contrário, optou-se por arranjar pretextos e justificações para nunca concretizar
uma medida que depois foi sucessivamente alterada e assim nunca se foi a lado nenhum.
Srs. Deputados, a proposta agora apresentada pelo PCP responde a questões essenciais. Medidas avulsas
são as que têm sido aprovadas e que se traduzem num sentimento de traição quando são criadas expectativas
aos antigos combatentes, como promessas eleitorais, mas que no dia seguinte às eleições são de imediato
esquecidas.
Por isso, o PCP assume, assim, na sua proposta duas reivindicações centrais: uma quanto à atribuição de
um complemento vitalício de pensão no montante de 50 € mensais — e assim, desta forma, acompanhamos a
proposta da Liga dos Antigos Combatentes, que vai nesse sentido —, e outra quanto à criação da pensão mínima
de dignidade, no sentido de garantir, faseadamente, que três anos após a entrada em vigor da lei a pensão
corresponda, no mínimo, ao salário mínimo nacional.
É uma questão de dignidade, Srs. Deputados, que não haja antigos combatentes a auferir menos do que o
salário mínimo nacional. Temos a certeza de que é uma reivindicação muito insistente por parte dos antigos
combatentes e que pensamos que é justa.
Srs. Deputados, valorizamos os avanços, ainda que limitados, consagrados no Estatuto do Antigo
Combatente e lamentamos que não se tenha ido mais longe, como era possível e justo, mas estamos muito a
tempo de corrigir essa injustiça.
O PS, ao anunciar o seu voto contra o projeto do PCP, está assim a confirmar a traição para com os antigos
combatentes. É mais uma oportunidade perdida, Srs. Deputados, e, à boa maneira de quem quer continuar a
enganar os antigos combatentes, diz o PS que irá introduzir melhorias no Estatuto do Antigo Combatente até
final da atual Legislatura. É caso para dizer, Srs. Deputados: façam lá outra promessa que essa já não engana
ninguém.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 90/XV/1.ª, do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal está ainda marcado por uma guerra colonial. Uma guerra injusta que causou — e causa — sofrimento a muitas famílias em Portugal e
nas antigas colónias, muitos milhares de mortos, de mutilados, de feridos, vítimas de tanto sofrimento e de tantas
marcas psicológicas que têm consequências até aos dias de hoje. Uma geração inteira, hoje com mais de 60/70
anos, tem as marcas dessa guerra.
Durante os anos 60 e início dos anos 70, muitos homens foram arrancados às suas famílias e às suas terras
pelo regime fascista que os enviou para uma guerra injusta. Muitos desses cidadãos ex-combatentes
regressaram com sequelas da guerra e nunca se lhes fez justiça e muitos sobrevivem hoje com uma pensão de
reforma miserável. Mas não são os únicos, também as suas famílias sofreram, sofreram na altura com a
incerteza e com a preocupação, sofrem, até hoje, marcas físicas e psicológicas, muitas ainda marcadas pelo
stress pós-traumático e pelas mazelas trazidas pela guerra.
A oposição à guerra contribuiu para a democracia. A democracia trouxe a paz e o País democrático tem uma
dívida para com estes cidadãos, tem uma dívida para com todos aqueles que o regime fascista enviou para uma
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guerra injusta e assassina. O Estado e a sociedade devem, por isso, fazer justiça aos ex-combatentes,
garantindo o devido reconhecimento e toda a solidariedade. Mas não só: devem materializar essa dignidade em
meios suficientes de subsistência e de condições de vida.
É para isso que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresenta este projeto de lei, para esse
reconhecimento e para as devidas condições de vida. Propomos a criação de uma pensão mínima de dignidade,
com valor igual ao salário mínimo nacional, para que nenhum ex-combatente tenha uma pensão abaixo desse
valor, e propomos, ainda, um complemento vitalício de pensão de 50 € aos ex-combatentes, a acrescer à sua
reforma.
Não posso deixar de aproveitar este momento em que discutimos a questão das pensões dos ex-
combatentes para apelar ao Governo que, finalmente, implemente o cartão de antigo combatente e outras
medidas que estavam previstas no Estatuto do Antigo Combatente.
Esse cartão, em particular, é um documento de dignificação que atribui direitos concretos, nomeadamente a
gratuidade em transportes públicos, a isenção de taxas moderadoras e entradas livres em museus e
monumentos nacionais. Não é aceitável que, passados dois anos da publicação do Estatuto do Antigo
Combatente, o mesmo ainda não seja implementado, nomeadamente na emissão de Cartões do Antigo
Combatente.
O País tem uma dívida para com quem combateu esta guerra errada. É tempo de a paz lhes fazer justiça e
de a democracia lhes garantir condições de vida.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, a Mesa registou a inscrição de um Sr. Deputado para um pedido de esclarecimento. Para formular esse pedido, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do
Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, ouvimos com algum interesse a comoção do Bloco de Esquerda pelos antigos combatentes.
Pergunto-lhes se continua a considerar — trata-se de uma pergunta muito direta — que esta foi uma guerra
fascista, que os que nela participaram ou a decidiram foram fascistas e se esta decisão tornou Portugal todo e
as suas gerações, naquela altura, numa geração de fascistas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sim, sim!
O Sr. André Ventura (CH): — Mas quero também perguntar-lhe se continua a defender a desclassificação dos documentos militares de entre 1961 e 1974, se quer abrir feridas, com os homens desta geração ainda
vivos, e se quer fazer qualquer tipo de investigação àquilo que foi a Guerra Colonial portuguesa, quando, como
disse, e bem, estes homens não escolheram ir para lá, mas foram, ao serviço do País, que, na altura, lhes pediu
para irem.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Já agora, gostava de saber a sua opinião, Sr.ª Deputada, sobre os líderes de vários dos vossos partidos que fugiram para França, para a Suíça e para Itália para não cumprirem o serviço
militar durante a Guerra Colonial.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado, não me reconheço nas frases que referiu, não fui eu que as escrevi. No entanto, o Bloco de Esquerda considera, sim, que esta guerra foi uma guerra
injusta contra povos que lutavam pela sua libertação e pelo seu direito à autodeterminação.
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Essa guerra teria sido escusada, se o País não estivesse sob o jugo do fascismo e se tivesse acompanhado
os processos democráticos de descolonização que, na altura, aliás, a ONU (Organização das Nações Unidas)
já pedia e instava o País a fazer. Portanto, sim, foi uma guerra que resultou do fascismo. Sim, foi uma guerra
injusta.
O Sr. André Ventura (CH): — Vergonha!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sim, reconheço a coragem a todos aqueles que, em sua consciência, sob risco de perderem a vida ou de serem presos, não quiseram participar nessa guerra. Sim, reconhecemos essa
coragem e, sim, reconhecemos o direito do País à verdade sobre essa guerra, porque foi uma guerra da qual
muitos e muitas foram vítimas, não só portugueses mas também dos países que tiveram de lutar pela sua
libertação.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Não é só o povo português, são todos os povos que foram subjugados por esta guerra que têm direito à verdade histórica sobre o que aconteceu e, portanto, sim, continuamos a pretender
a desclassificação desses documentos,…
O Sr. André Ventura (CH): — Vergonha!
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … da mesma maneira que continuamos a pedir justiça para com os ex-combatentes que foram obrigados, pelo fascismo, a combater nesta guerra injusta.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 14 de fevereiro de 2020, esta Assembleia discutiu o Estatuto do Antigo Combatente, que culminou na conquista deste Estatuto, que o Iniciativa
Liberal votou favoravelmente, com a publicação da Lei n.º 46/2020, de 20 de agosto.
Hoje, os projetos de lei que o Chega, o Bloco de Esquerda e o PCP trazem a debate visam, no fundo,
concretizar e adensar direitos que estão previstos neste Estatuto. O Iniciativa Liberal considera que esta temática
merece a atenção de todos nós e que todas as questões relacionadas com aqueles que lutaram pela Pátria são
relevantes e devem ser objeto de uma reflexão mais profunda.
O reconhecimento a todos aqueles que serviram Portugal, através das Forças Armadas, é inquestionável.
Temos agora a oportunidade de discutirmos os moldes em que estes direitos são efetivados e devemos fazê-lo
sem qualquer hesitação. Porém, é primordial que esta discussão seja séria e focada no que realmente importa:
responder às solicitações feitas e concretizar os direitos que estão previstos na lei, pondo de lado tudo aquilo
que é acessório, nomeadamente intenções eleitoralistas.
O Iniciativa Liberal está disponível para contribuir para a discussão e para a resolução desta temática e,
neste sentido, caso estas iniciativas sejam aprovadas, estaremos naturalmente disponíveis para apresentar
sugestões que complementem medidas estruturais. Isto porque somos da opinião de que o sistemático recurso
a remendos pontuais só tem contribuído para aumentar estes problemas.
Através de uma posição clara, transparente e inequívoca, para além de um óbvio reconhecimento da
dignidade que lhes é merecida, estaremos a proporcionar tranquilidade a estes homens e a estas mulheres. É
preciso dar aos ex-combatentes uma resposta digna, responsável e duradoura. Estejamos à altura de
ultrapassar as barreiras e dignifiquemos todos aqueles que, independentemente do cargo ou função que
assumiram, lutaram pelo nosso País. Os antigos combatentes merecem todo o nosso respeito e gratidão.
Aplausos do IL.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais, queria dar as boas-vindas ao Chega e ao Sr. Deputado André Ventura a esta temática, uma vez que desde a Legislatura
passada esta Assembleia já fez várias iniciativas e, na Legislatura passada, não nos acompanhou em nenhuma,
nem, pelo menos, apresentou alguma iniciativa nessa matéria. Portanto, bem-vindo a este combate pela
dignidade dos antigos combatentes, que é uma matéria mais do que justa, apesar de ter tardado na sua
temporalidade.
Importa lembrar o caminho que esta Assembleia tem feito, seja no Estatuto do Antigo Combatente, que
importa concretizar — não posso deixar de apelar ao Partido Socialista para que efetivamente concretize toda
a dimensão que está prevista no Estatuto do Antigo Combatente —, seja no âmbito daquilo que é não apenas o
acesso aos museus de forma gratuita, mas naquilo que, no quotidiano, possa dar mais dignidade a estas
pessoas que lutaram numa guerra que ninguém queria, lutaram pelo seu País e que, efetivamente, sofreram
não só sequelas e consequências bastante graves, inclusivamente, naquela que é, hoje, a sua vida. Como
também já aqui foi referido, temos antigos combatentes em situação de sem abrigo.
Não podemos esquecer que, para além da emissão do cartão do antigo combatente, é fundamental garantir
a elaboração do relatório anual prevista no Estatuto do Antigo Combatente para percebermos as várias esferas
de intervenção junto destas pessoas.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mesmo para concluir, Sr.ª Presidente, acima de tudo, iremos acompanhar estas várias iniciativas, que são da mais elementar justiça, mas esperamos que o caminho não
fique por aqui e que o PS, que já anunciou o seu voto contra, esteja disponível para repensar a sua posição,
pois esta é uma matéria que esperamos que não se venha a resolver apenas pelo salto geracional, mas, sim,
enquanto temos os ex-combatentes entre nós.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vilar, do Grupo Parlamentar do PSD.
O Sr. Rui Vilar (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 2019, quando se discutia o Estatuto do Antigo Combatente, o PSD esteve sempre disponível para trabalhar de forma construtiva com todas as forças
políticas para aprovar um estatuto que fosse ao encontro das aspirações e das necessidades dos antigos
combatentes.
Na proposta de diploma que apresentou, o PSD entendeu ser necessário estender o complemento especial
de pensão e o suplemento especial de pensão às viúvas de antigos combatentes, porque a família militar não
podia ser apenas um conceito para preencher o preâmbulo daquele diploma.
Procuramos materializar o reconhecimento justo e fundamental que é devido a estas pessoas com medidas
concretas que representassem mudanças reais nas suas vidas. Para o PSD, Portugal tem uma dívida de
gratidão para com os antigos combatentes que estiveram ao serviço do País e a quem se impôs o sacrifício da
própria vida sem nada dar em troca. Foi por essa razão que fizemos questão de assinalar, em 2020, que a
aprovação do Estatuto do Antigo Combatente não representava o fim deste trabalho mas, sim, o seu início.
Hoje, o PSD continua disposto a prosseguir esse caminho. Neste sentido, não podemos discordar do princípio
que norteia as propostas que, hoje, aqui são debatidas. A valorização das condições de vida destas pessoas
deve constituir um objetivo transversal a todos os partidos, independentemente do seu quadrante político.
A proposta que o partido Chega apresenta, contudo, atenta contra os parâmetros para a atribuição do próprio
complemento especial de pensão, ao procurar garantir o mesmo valor independentemente do tempo de serviço
prestado.
Quanto às propostas do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, o PSD não as irá obstaculizar, uma vez
que existem assuntos que entendemos que não devem ser politizados. Veja-se, por exemplo: onde estava o
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PCP quando, na discussão deste Orçamento do Estado, o PSD apresentou uma proposta para a revisão da
tabela remuneratória aplicável aos militares das Forças Armadas? Votou contra! Ou em relação à proposta do
PSD para a criação de um quadro permanente de praças no Exército e na Força Aérea? Absteve-se e votou ao
lado do Governo.
O PSD não vai fazer o mesmo em relação a estas propostas apresentadas pelo Bloco de Esquerda e pelo
Partido Comunista, porque, como já referimos, entendemos que existem assuntos que não devem ser
politizados. O compromisso que o PSD tem para com os antigos combatentes é inequívoco.
Sabemos, contudo, que a maioria socialista deverá chumbar estas propostas, da mesma forma que o fez,
em sede de especialidade, no Orçamento do Estado. É por esta razão que a pergunta mais importante deve ser
dirigida ao Governo e à sua maioria e não tanto aos autores destas propostas.
Sr.as e Srs. Deputados, está, ou não, o Governo disponível para fazer mais pelos antigos combatentes, o
Governo que, num contexto de pandemia e de regresso da guerra convencional ao continente europeu, aplicou
um corte nas verbas para a defesa nacional, que justificou com a extinção de uma secretaria de Estado
destinada, precisamente, aos antigos combatentes, o Governo que rejeitou, em sede de debate na especialidade
do Orçamento do Estado, todas as propostas apresentadas pelos partidos em matéria de defesa nacional?!
Uma vez que não apresenta qualquer alternativa ou abertura para discutir, só nos resta assumir que os
antigos combatentes não são uma prioridade para este Governo.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Afonso, do Grupo Parlamentar do PS.
O Sr. Manuel dos Santos Afonso (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Sou Deputado mas também sou antigo combatente e vivi na pele o horror da guerra em Moçambique, como operacional de uma
companhia de comandos.
Faço parte da longa e sacrificada geração de portugueses que, entre 1961 e 1974, combateu em Angola, na
Guiné ou em Moçambique. Justamente por isso, tudo o que nesta Casa se debate que diga respeito aos antigos
combatentes é, para mim, motivo de particular atenção e de redobrada preocupação. Assim foi quando, num
sinal claro, inequívoco de mudança, em relação à política de apoio aos antigos combatentes, se aprovou com
amplo consenso, nesta Câmara, o Estatuto do Antigo Combatente,…
Aplausos do PS.
… um marco histórico e um instrumento que, além de materializar o reconhecimento do Estado português
aos militares que combateram ao serviço de Portugal, contribuiu marcadamente para a dignificação das suas
vidas e de seus familiares.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, debatemos, neste ponto da ordem do dia, três projetos de lei relacionados,
justamente, com os antigos combatentes: uma iniciativa do Chega, que pretende que se atribua um
complemento especial de pensão no valor de 300 € por mês, independentemente do tempo de serviço prestado,
e outras, do Bloco de Esquerda e do PCP, que visam estabelecer um complemento vitalício de pensão e uma
pensão mínima de dignidade aos antigos combatentes.
Ora, não será demais relembrar os Srs. Deputados, sobretudo os do Chega, que esse complemento especial
de pensão foi atualizado em janeiro de 2021, com a entrada em vigor do Estatuto do Antigo Combatente,
crescendo de 3,5% para 7%. Ou seja, o complemento especial de pensão duplicou no ano passado.
Srs. Deputados, não se trata de uma atualização extraordinária que tem apenas efeitos em 2021. Ela tem
também efeitos em 2022 e terá efeitos nos anos subsequentes. Esta é uma atualização que beneficia, sobretudo,
aqueles que mais precisam, aumentando o valor da prestação social aos antigos combatentes com pensões
mais baixas, num claro sentido de solidariedade para os que menos têm.
Além disso, o que o Chega pretende, no fundo, é converter o complemento especial de pensão, que é pago
anualmente, numa prestação mensal.
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Quanto ao complemento vitalício da pensão e à pensão mínima de dignidade, propostos pelo Bloco de
Esquerda e pelo PCP, não vamos, com certeza, desvalorizar a bondade dessas medidas, mas temos de estar
conscientes do seu peso orçamental e do acréscimo financeiro que representam. Tal como também não
podemos ignorar que essas medidas poderão não beneficiar, necessariamente, aqueles que mais precisam,
podendo mesmo provocar situações de iniquidade.
Sr.as e Srs. Deputados, o que o Bloco de Esquerda e o PCP propõem, com a criação de novas prestações
sociais a par das já existentes, promove uma inversão total da lógica contributiva do nosso sistema de pensões,
fomentando injustiças no sistema, as quais o Partido Socialista não pode aceitar. Isto para não falar,
naturalmente, do impacto financeiro, na ordem de centenas de milhões de euros anuais, que coloca em causa
a sustentabilidade deste regime e as próprias finanças.
Para concluir, Sr.as e Srs. Deputados, convém relembrar que a generalidade das medidas previstas no
Estatuto do Antigo Combatente — que, sublinho, foi objeto de um amplo consenso nesta Casa — encontram-se
em implementação e em execução, como é o caso do cartão de antigo combatente, da gratuitidade nos
transportes públicos nas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, da isenção das taxas
moderadoras, da gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais, da insígnia nacional do antigo
combatente, da unidade técnica para os antigos combatentes.
Isto chega e devemos ficar por aqui?! Naturalmente que não. Temos de continuar a fazer mais e melhor ao
longo dos próximos quatro anos desta Legislatura, que ainda agora começou.
Foi precisamente nesta lógica de procurar as melhores soluções que a Comissão de Defesa Nacional
deliberou — e bem! — no sentido de criar um grupo de trabalho para o acompanhamento das questões relativas
aos antigos combatentes e deficientes das Forças Armadas.
Termino, Sr.ª Presidente, dizendo que, nos últimos anos, o Partido Socialista, em conjunto com o Governo,
tem contribuído, determinantemente, para que os antigos combatentes sejam honrados e valorizados, bem como
para a melhoria da sua proteção social, ao mesmo tempo que tem garantido aumentos regulares das pensões
e aumentos extraordinários das pensões mais baixas a todos os portugueses, incluindo os que são antigos
combatentes.
É este o caminho que queremos e devemos continuar a trilhar, melhorando o valor das pensões e o
pagamento de forma sustentada, sem colocar em causa a sustentabilidade da segurança social nem — muito
menos! — alinhar em populismos que propõem o impossível para culpar e criticar quem se vê obrigado a não
acompanhar propostas que são financeiramente insustentáveis e socialmente injustas.
Aplausos do PS.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Falta de vergonha!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Mesa regista a inscrição do Chega para pedir esclarecimentos, mas o PS já não dispõe de tempo para responder.
Portanto, o Sr. Deputado André Ventura tem a palavra para formular um pedido de esclarecimentos, mas já
sabe que não vai ter resposta, porque o Grupo Parlamentar do PS já não dispõe de tempo.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, já estou habituado a não ter resposta do PS. Mesmo quando têm tempo, é exatamente a mesma coisa, por isso não há grande diferença.
Risos de Deputados do CH.
Sr. Deputado, ouvi-o dizer, como ex-combatente — que saúdo! —, que esta proposta é socialmente injusta.
Honestamente, não consigo compreender como é que alguém que é ex-combatente pode dizer que é
socialmente injusto atribuir 300 €,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Como é que possível?!
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O Sr. André Ventura (CH): — … como complemento mínimo de pensão, a alguns dos homens que vivem na rua, hoje. Homens que lutaram por Portugal e que vivem na rua!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Causa-me alguma estupefação como pode dizer que é socialmente injusto. Depois, o Sr. Deputado diz que esta medida colocaria as finanças públicas em crise. Onde é que já ouvimos
esse argumento? Eu vou fazer-lhe as contas, Sr. Deputado: o dinheiro que gastaríamos a dar um complemento
mínimo de pensão a todos os ex-combatentes vivos era menos do que aquele que gastamos em desperdício,
no Ministério da Saúde, todos os anos.
Aplausos do CH.
Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.
Era menos, Sr. Deputado!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Portanto, se o Sr. Deputado, como ex-combatente, acha bem que se dê um cartão que permite fazer viagens
gratuitas de autocarro, mas que não dá nenhum benefício na saúde, não dá dignidade em casa nem permite a
aquisição dos bens necessários no dia a dia, um cartão que dá benefícios inócuos a homens que lutaram por
este País, eu só queria que o Governo estivesse aqui para lhe dar os cinco minutos de que precisaria para poder
justificar àqueles homens porque é que é injusto pagar-lhes uma pensão mínima de 300 € por mês.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L) — Sr.ª Presidente: Há muito quem faça discursos inflamados acerca dos antigos combatentes e das injustiças que eles sofrem, sem jamais lembrar que a primeira das injustiças — a injustiça
que gerou todas as outras injustiças — foi a de terem sido enviados para uma guerra iníqua por um regime
ultrapassado e autoritário.
Sem reconhecermos essa primeira injustiça é impossível entendermos o tamanho da responsabilidade que
temos. Essa primeira injustiça faz-nos dever ainda mais àqueles que a sofreram, para corrigirmos as injustiças
que agora sofrem.
Por isso, o Livre apoia e apoiará sempre medidas que tenham estes princípios bem claros em mente: que
nenhum ex-combatente tenha uma pensão abaixo do salário mínimo nacional, como dizem o PCP e o Bloco de
Esquerda; que nenhum ex-combatente viva abaixo do limiar de dignidade neste País; que todos os ex-
combatentes tenham acesso a cuidados de saúde e ao acompanhamento de que precisam.
Acho extraordinário que haja quem diga «é só acabar com o desperdício no setor da saúde», quando ele
está cronicamente subfinanciado neste País.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Não há desperdício?!
O Sr. Rui Tavares (L): — Como quem diz que é só tirar do orçamento da saúde, um orçamento que está sempre abaixo das necessidades do setor, mas não vale a pena entrar muito por aí.
Protestos do CH.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Tavares (L) — Concluo, Sr.ª Presidente. Conhecemos muito bem algumas das injustiças que sofrem os antigos combatentes e sabemos que não
nascem só na ditadura, mas também na democracia, de um facto muito simples: o de haver política e políticos
que, em vez de servirem os antigos combatentes, se servem dos antigos combatentes.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — São vocês!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — É a bancada do PS!
O Sr. Rui Tavares (L) — É para acabar com isso que devemos acompanhar as medidas que apoiam verdadeiramente os antigos combatentes, mas que não se servem deles.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Façam uma coligação!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado Rui Tavares, ultrapassou muito o seu tempo. Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, queria só dizer que não houve nenhum grupo parlamentar, nesta Casa e nesta tarde, que não tivesse referido que Portugal tem uma dívida para com os antigos combatentes.
O Sr. Deputado Manuel Afonso reconheceu, até, que foi feito pouco, que ainda é insuficiente aquilo que foi
conseguido e que se poderia ter ido mais longe. Mas depois, no momento em que podem aprovar propostas
que, de facto, alterariam a qualidade de vida dos antigos combatentes, assistimos a que não as aprovam, antes
pelo contrário, rejeitam-nas.
Vêm com o argumento de que 7% sobre a pensão social mínima é justo, mas seria mais justo se fosse sobre
as pensões efetivas dos antigos combatentes e para isso o PS não está disponível.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, agradecendo a tolerância, queria só dizer que reafirmamos que é uma oportunidade perdida não aprovar a proposta do PCP.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Terminado o debate, vamos passar à fase de encerramento. Assim, para encerrar este debate, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura, do Grupo Parlamentar do
Chega, que dispõe de dois minutos.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por saudar os combatentes, que se encontram também neste Parlamento, nas galerias,…
Aplausos do CH.
… e deixar uma nota de agradecimento profundo a quem lutou pelo nosso País.
É curioso ver partidos a pedirem dignidade para os ex-combatentes, quando estão nesta Casa desde 1975
ou 1976 e o máximo que propõem hoje para eles é um aumento de 50 €. Afinal, ao longo de tantas décadas
nesta Casa, nunca se preocuparam com a verdadeira dignidade dos combatentes, mas preocuparam-se, sim,
em lançar sobre eles a lama e a ignomínia, dizendo que pertenciam a uma guerra de fascismo, que eram
fascistas e que alguns deles eram criminosos e deveriam ser condenados.
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É a isso que nos oporemos sempre. Estes homens estão vivos, estão entre nós, são parte da nossa
comunidade e merecem o nosso apoio.
Aplausos do CH.
Srs. Deputados, se queremos garantir dignidade a estes homens, não é dando-lhes 50 € ou uma esmola,
mas, sim, atribuindo-lhes uma pensão digna — como queremos fazer — de 300 € por mês, pelo menos.
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, deixe-me dizer-lhe muito claramente, cara a cara, na presença destes
homens: fugir de uma guerra nunca é coragem. Quem foge do seu país trai o seu país, trai a sua pátria e nunca
é herói nenhum.
Aplausos do CH, com Deputados de pé.
Alguns dos ex-combatentes deram a vida, deram a sua liberdade e o seu corpo para lutarem pelo País que
temos hoje, não fugiram para os bairros de luxo de França nem andaram a estudar nas melhores universidades.
É essa a diferença do Chega em relação aos outros partidos que aqui estão.
Aplausos do CH.
Protestos do PS.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Chega não quer fazer nenhum revisionismo histórico do que aconteceu
na Guerra Colonial, quer, isso sim, dar dignidade a esta comunidade, tanto a estes homens como às viúvas
daqueles que não estão entre nós.
Queremos dizer-lhes que estamos com eles e que não lançamos sobre eles um manto de ignomínia ou de
criminalidade histórica.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Estamos ao seu lado. O papel que tiveram na história ninguém substituirá e por isso, sim, independentemente
do seu tempo de serviço, queremos uma pensão para todos. Por todos e para todos, porque eles são Portugal
e nós amamos Portugal.
Aplausos do CH, de pé.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Passamos ao terceiro ponto da ordem do dia, que consta da discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 76/XV/1.ª (IL) — Consagração expressa do crime de exposição de
menor a violência doméstica (56.ª alteração ao Código Penal), 82/XV/1.ª (PAN) — Torna obrigatória a tomada
de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público, 85/XV/1.ª (L) — Inclui
expressamente a exposição, nos exemplos do que constituem maus tratos psíquicos, no âmbito do crime de
violência doméstica; define a exposição, no caso de crianças e jovens, como suficiente para a sua caracterização
como vítimas e consagra a frequência de programas específicos de educação parental na lista de penas
acessórias, 92/XV/1.ª (BE) — Criação do crime de exposição de menor a violência doméstica (55.ª alteração ao
Código Penal), 96/XV/1.ª (IL) — Dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem
consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por crime de violência doméstica (Alteração ao
Código Civil e ao Código do Processo Civil) e 97/XV/1.ª (IL) — Assegura a nomeação de patrono às vítimas
especialmente vulneráveis (Alteração ao Estatuto da Vítima e à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o
regime de acesso ao direito e aos tribunais).
Para intervir e apresentar os Projetos de Lei n.os 76/XV/1.ª, 96/XV/1.ª e 97/XV/1.ª, do Iniciativa Liberal, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz.
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A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Infelizmente, os dados relativos à violência doméstica não deixam de ser preocupantes e de merecer a nossa atenção, pelo que achamos que
podemos e devemos ir mais longe naquilo que, enquanto agentes políticos, podemos fazer nesta matéria.
É necessário dar mais voz às vítimas e proteger, em particular, as crianças. Por isso, os projetos de lei que
apresentamos visam propor soluções para alterar uma realidade que nos choca a todos.
Trazemos a debate três projetos de lei. Primeiro, o Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª, que visa consagrar
expressamente o crime de exposição de menor a violência doméstica, pois consideramos que esta situação
merece tutela penal autónoma e que a redação atual do artigo 152.º do Código Penal não tem sido interpretada
de forma a acautelar devidamente esta matéria.
Apresentamos também o Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª, com o qual procuramos assegurar a possibilidade de
dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem consentimento quando tenha havido
condenação por crime de violência doméstica. Entendemos que esta é uma diligência desnecessária, tanto para
a vítima como para os tribunais.
É desnecessária para a vítima, porque já existiu um processo com trânsito em julgado em que o agressor foi
condenado, pelo que o único efeito que este mecanismo de tentativa de conciliação tem é o de fazer recordar e
vivenciar novamente todo um processo que já deveria estar encerrado. E é desnecessária para os tribunais,
que, com a aprovação deste projeto, iriam beneficiar em termos de economia e celeridade processual.
Por último, apresentamos o Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª, que visa assegurar a nomeação de patrono às
vítimas especialmente vulneráveis.
O Iniciativa Liberal considera que estes projetos são um passo importante para pormos fim a um ciclo de
violência.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Grupo Parlamentar do Chega.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados:…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço desculpa. Como estavam a dar-me uma informação da sua inscrição, esqueci-me de que ainda não foram apresentados os outros projetos de lei. Peço desculpa,
mas têm prioridade.
Assim, para apresentar o Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª, do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ouvimos aqui, muitas vezes — e bem! —, discursos inflamados contra a violência ou contra injustiças sociais que devem merecer a nossa
maior indignação. Mas, enquanto estamos a falar, por esse País fora, inúmeras mulheres estão a ser vítimas do
crime de violência doméstica. O mesmo se passa em relação aos seus filhos, muitas vezes vítimas
particularmente vulneráveis e indefesas, sem que o direito tenha dado resposta suficiente para acautelar as suas
necessidades.
Ainda não chegámos, sequer, a meio do ano de 2022 e já 13 mulheres morreram às mãos da violência
doméstica. Se olharmos para o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021, vemos que tivemos, pelo menos,
26 000 ocorrências, ou seja, 26 000 participações desta barbaridade. Estamos em guerra, Sr.as e Srs.
Deputados, mas não é apenas por força da invasão da Rússia à Ucrânia. No nosso País há vítimas, mulheres
e crianças, que vivem, quotidianamente, em terror. Vivem em guerra, pelo crime de violência doméstica, e o
legislador tem a obrigação de dar todos os passos e de tomar todas as medidas para acautelar a sua proteção.
Existindo um problema sério de recolha da prova, cabe-nos acelerar mecanismos que permitam
salvaguardar, para memória futura, o depoimento das vítimas. Desde logo, para que a recolha seja mais célere,
mais fidedigna e mais pormenorizada, essencialmente para garantir que não se percam dados fundamentais ao
longo do processo, mas, acima de tudo, para evitar a revitimização das próprias vítimas. Esse depoimento deve
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ser tido em conta, como nos refere a própria Procuradoria-Geral da República, e deve ser acautelada a sua
genuinidade em tempo útil, pois, como bem sabemos, estes crimes são de investigação complexa e demorada.
É nesse sentido que o PAN apresenta esta iniciativa legislativa, que visa garantir que não existe repetição
da prova e que há, de facto, a obrigatoriedade de tomada destas declarações em vez do poder discricionário de
fazê-lo ou não, em que muitas vezes o pedido é negado aos próprios mandatários das partes — em particular
quando afeta também crianças — para que possam depor com efeitos para memória futura. Este é um elemento
fundamental do processo, acima de tudo para proteger as vítimas.
Sr.as e Srs. Deputados, todos os dias perdemos meninas e mulheres às mãos da violência doméstica, tal
como também perdemos homens para este crime horrendo que continua a ocorrer no nosso País.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vou mesmo concluir, Sr.ª Presidente. Temos o dever de lembrar e de legislar no sentido de proteger e combater este flagelo da violência doméstica
no nosso País.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª, do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Dois princípios guiaram o Livre na iniciativa legislativa que apresentou sobre esta matéria. Por um lado — e creio que isto é comum a todos os grupos
parlamentares e a todos os partidos nesta Casa —, o princípio do combate a um crime que, infelizmente, é
muitíssimo comum no nosso País. Quantas vezes há discursos acerca de insegurança e de criminalidade no
nosso País, quando com frequência nos esquecemos de que, distrito após distrito, o crime, infelizmente, mais
comum é o da violência doméstica?!
Por outro lado, o princípio que nos deve guiar enquanto legisladores de ter parcimónia legislativa e de
procurar não criminalizar algo que depois seja difícil de provar. Nesse sentido, consideramos que a exposição
de menores a violência doméstica já está na lei e — embora compreendendo os bons objetivos dos projetos de
lei do Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda — não cremos que seja necessário obrigar à produção de prova
adicional em tribunal, seja em relação a premeditação, a intenção ou a objetivos do criminoso, que, depois,
possa gerar o problema de haver impunidade, que é o que nos deve, principalmente, preocupar.
Foi por isso que o Livre optou por uma estratégia diferente. Evidentemente, entendemos que o crime recai
sobre duas pessoas, a vítima direta e a criança que a ele assiste, devendo ser agravado no primeiro caso, além
de que deve ser tipificado e bem descrito no artigo 152.º do Código Penal para que não haja dúvidas de que, no
segundo caso, a criança que assiste também foi vítima de um crime.
No entanto, consideramos que o lugar certo para continuar este debate é em sede de especialidade. Aí, tanto
trabalharemos com o Iniciativa Liberal como com o Bloco de Esquerda e com todos os partidos que tiverem
iniciativas neste domínio, para que o primeiro princípio — que é o do combate a um flagelo que a todos nos deve
mover e que, infelizmente, todos os dias gera vítimas e destrói as vidas de crianças traumatizadas, filhos e filhas
dessas vítimas — nos leve a fazer o nosso trabalho, mais e melhor.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª, do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta semana, o JN (Jornal de Notícias) noticiou que Sílvia Mendes, a mulher abatida a tiro, na segunda-feira de manhã, em Felgueiras, foi a
13.ª vítima mortal de violência conjugal neste ano. Dois dias antes, disse o JN, foi Celestina Ferreira que, em
Arouca, morreu às mãos de um marido ciumento.
O número de mulheres mortas nos primeiros seis meses do ano aproxima-se perigosamente do número total
de mulheres mortas no ano passado. Os números confirmam, portanto, a realidade do crime que mais mata em
Portugal — eufemisticamente chamado de «violência conjugal» —, que é o crime de violência doméstica,
concretamente o de violência contra as mulheres.
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Há, pelo menos, 20 anos, desde que a violência doméstica passou a ser crime público, que andamos a
divulgar o fenómeno e as suas causas estruturais. Muito foi feito desde então, mas nesta luta, como noutras,
não basta não dar passos atrás, pois parar também é perigoso.
As organizações que acompanham os feminicídios em Portugal têm chamado a atenção para algumas
características deste crime e a mais perturbadora é a de que, na maioria das vezes, ele poderia ser evitado.
É preciso identificar e corrigir o que está a falhar na proteção às vítimas — e faço um parêntesis para chamar
a atenção para a proposta de lei das comunicações, que não impede a divulgação, na fatura detalhada, de
chamadas feitas para as linhas de apoio — e, também, apelar a uma reflexão sobre o sistema de justiça. O
combate à violência doméstica não é compatível com a lentidão, o conservadorismo, a desvalorização ou o
desinvestimento no sistema de justiça.
Queria fazer esta introdução para contextualizar o projeto que o Bloco traz relativamente à criação do crime
de exposição de menor a violência doméstica, para que as crianças sejam, efetiva e automaticamente,
consideradas vítimas autónomas nos casos de violência doméstica, não apenas quando são alvos diretos dessa
violência, mas quando são sujeitas a testemunhar a existência dessa violência, como, aliás, determina a
Convenção de Istambul.
Quero lembrar que esse foi o entendimento do parecer do Conselho Superior do Ministério Público
relativamente à proposta do Governo, que deu origem à atual redação da lei contra a violência doméstica. Nessa
altura, o Conselho Superior do Ministério Público pronunciou-se pelo reconhecimento e consagração da criança
como vítima autónoma, diferenciada, titular de direitos pessoais próprios e merecedores de idêntica tutela
jurídico-penal, em vez de ser um mero fator agravante do crime-base.
O Conselho Superior do Ministério Público pronunciou-se pela alteração no Código Penal, para a integração
de um novo tipo objetivo de crime de violência doméstica, o das condutas que impliquem as crianças que
vivenciam ou testemunham o contexto de violência doméstica.
Reconhecemos que na Legislatura anterior houve avanços, embora tímidos. No entanto, esses avanços não
cumprem o propósito do parecer do Conselho Superior da Magistratura nem cumprem a Convenção de Istambul,
que é o que o Bloco de Esquerda pretende fazer com a introdução de uma nova alínea no artigo 152.º do Código
Penal.
Não vou aprofundar os argumentos para esta alteração. Gostaria que este debate fosse consensual, mas
parece-nos evidente que, de acordo com a Constituição, com a Declaração dos Direitos da Criança e, também,
com a Convenção de Istambul, há um dever especial de proteção das crianças no contexto de violência
doméstica que impõe esta alteração do Código Penal, porque ela não é efetivamente conseguida. Ou seja, o
reconhecimento da criança como vítima autónoma da violência doméstica não está a ser conseguido sem essa
alteração ao Código Penal.
Mas é preciso, também, que o sistema de justiça seja eficaz.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino, Sr.ª Presidente, lembrando que as secções especializadas integradas de violência doméstica — que têm, precisamente, a função de juntar as equipas do Ministério Público
e os órgãos de polícia criminal com a Jurisdição da Família e das Crianças —, equipas que foram criadas em
projeto-piloto, não têm os recursos necessários para funcionar e, portanto, as alterações à lei, que são
importantes, precisam de investimento no sistema de justiça.
Sr.as e Srs. Deputados — e termino, Sr.ª Presidente —, não temos dúvidas de que o caminho é este: nem
um passo atrás!…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino já, Sr.ª Presidente. Mas, de cada vez que pararmos, pesa sobre nós a responsabilidade de um sofrimento que poderia ter sido
evitado.
Aplausos do BE.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Agora sim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Hoje, já ouvimos, nesta Casa, falar sobre quem se aproveita de uns para tentar beneficiar através deles. Ouvimos algumas destas frases soltas e estamos
de acordo com quase todas, que são do senso comum, mas basta recuar ao ano de 2021 para ver que a Lei n.º
57/2021, aprovada por esta Câmara, é clara quando, em relação aos crimes de violência doméstica, classifica
as crianças do agregado familiar, pune a violência sobre as crianças e torna este crime autónomo.
Não percebemos, portanto, onde é que o Iniciativa Liberal quer chegar para legislar sobre um assunto que,
no nosso entendimento, já está legislado, inclusive, no artigo 152.º do Código Penal, agora mencionado pela
Sr.ª Deputada Joana Mortágua, que diz, e passo a citar, «incluindo as crianças e jovens até aos 18 anos que
sofreram maus-tratos relacionados com exposição e contextos de violência doméstica».
Não vamos continuar a banalizar este assunto.
Sr.ª Deputada do PAN, não vamos continuar a fazer parangonas e a fazer de tudo para ser notícia,
explorando esta imagem,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … porque existem mulheres a serem mortas lá fora. E não só! Existem homens que também são vítimas de violência doméstica,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! Óbvio!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … existem crianças a sofrer com esta situação. Os senhores continuam a tentar empolar esta situação porque nos últimos dias apareceram mais vítimas,
mas só se aproveita das vítimas quem é abutre. É lamentável que o façam, porque este assunto é demasiado
sério.
Protestos do PAN.
A violência doméstica já é um crime de natureza pública e a Sr.ª Deputada do PAN apresenta-nos um projeto
que diz que a vítima deve prestar declarações. Não conhecemos nenhuma associação das que estão no terreno
que possa considerar isto exequível: V. Ex.ª considera que, depois de maus-tratos físicos e psicológicos, uma
mulher — a vítima! — ainda deve ter de prestar declarações.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Vá-se informar! Vá estudar o assunto!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sabe, Sr.ª Deputada, o pedido de declarações para memória futura apenas pode condicionar o juiz quando requerido pela própria vítima.
Os senhores colocam isto num estado em que quem nos vê lá em casa e sofre violência doméstica só pode
considerar que, aqui, se está a brincar.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não conseguimos entender onde querem chegar e a senhora, certamente, terá muita dificuldade em explicar tudo isto.
Quanto ao projeto do Iniciativa Liberal sobre a obrigatoriedade de conciliação nos casos de divórcio em que
um dos membros do casal tenha sido vítima de violência doméstica, estamos de acordo. No entanto, essa foi
uma proposta apresentada pelo Chega, com o n.º 10. Foi agora apresentada por vós, com o n.º 97, e, por isso,
fizeram um bom copy-paste, mas estragaram-no, a determinada altura, quando acrescentaram que a vítima tem
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direito ao patrono, imediatamente, se essa for a sua intenção. Ora, nunca deveria ser a vítima a ter necessidade
de tomar essa decisão.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ofélia Ramos, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje um conjunto de iniciativas legislativas, todas elas, com o objetivo de combater a violência doméstica, que, como todos sabemos, é um
flagelo nacional, uma chaga social que importar erradicar.
Nesta semana, fomos assolados com a triste notícia de que já foram 13 as mulheres assassinadas em
contexto de violência doméstica. Ou seja, em seis meses, já foram assassinadas quase tantas mulheres como
no ano 2021. Em 2020, foram efetuadas cerca de 27 000 participações pelo crime de violência doméstica e, em
2021, 26 520 mulheres, homens e crianças foram vítimas deste crime, que merece a reprovação e a comoção
de toda a nossa sociedade.
Neste sentido, quero saudar os proponentes das iniciativas por, mais uma vez, trazerem este tema a debate.
Porém, apesar de partilharmos esta preocupação, não podemos deixar de dizer que discordamos dos caminhos
escolhidos e que, aliás, já foram sobejamente debatidos nesta Câmara.
Quanto à iniciativa para criminalizar autonomamente a exposição de menores a violência doméstica,
divergimos dela por duas simples razões. Por um lado, porque a exposição de menores a violência doméstica
já se encontra criminalizada no artigo 152.º do Código Penal, não de forma autónoma, é certo, mas como
agravante ao crime de violência doméstica.
O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Por outro lado, porque a lei passou, expressamente, a considerar como vítimas do crime de violência doméstica as crianças e os jovens que sofreram maus-tratos relacionados com a
exposição a violência doméstica.
Por isso, escudadas num falso pretexto de proteção das crianças e dos jovens, estas iniciativas apenas
pretendem consagrar penas mais pesadas, através de mais uma alteração ao Código Penal. Isto, com a
agravante de que o agressor seria punido por um concurso de crimes, que seriam tantos quantas as crianças
expostas a situações de violência doméstica, o que não nos parece de todo razoável e levaria, decerto, a
situações perversas e iníquas.
Quanto à iniciativa de tornar obrigatória a tomada de declarações para memória futura, apesar de ser bem-
intencionada, temos sérias reservas quanto à sua bondade, visto que a lei já prevê a tomada de declarações
para memória futura a requerimento da vítima, a requerimento do Ministério Público — que, aliás, está obrigado
a fazê-lo, de acordo com uma diretiva de 2019.
Dito isto, a obrigatoriedade pretendida não garante mais direitos à vítima, antes pelo contrário, retira-lhe um
direito que lhe assiste, de acordo com o artigo 134.º do Código de Processo Penal, que é o de se recusar a
prestar depoimento.
A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Verdade!
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Quanto à dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio em caso de condenação por violência doméstica, também não vislumbramos qualquer proteção à vítima, antes pelo
contrário. É uma iniciativa que revela um grave desconhecimento da praxis processual, sendo prejudicial aos
interesses das vítimas de violência doméstica. De facto, nestas situações, não faz qualquer sentido promover a
conciliação dos cônjuges.
Srs. Deputados, a tentativa de conciliação é uma diligência meramente processual que raramente, ou nunca,
promove a conciliação dos cônjuges, mas quase sempre promove o acordo das partes para o divórcio por mútuo
consentimento, quando verificados os pressupostos necessários.
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O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Claro!
A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Dispensar esta diligência, conforme se pretende, é obrigar a vítima a prosseguir uma ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge. Ou seja, é sujeitar a vítima a um litígio
interminável, penoso, mas também à perpetuação do vínculo conjugal, porque todos sabemos o quão morosos
são estes processos.
Srs. Deputados, é evidente que nesta Câmara há um largo consenso relativamente a esta problemática,
muito particularmente quanto à necessidade de se resolver este problema e de atuarmos de forma firme e
decidida.
Por isso, vamos deixar de lado as políticas demagógicas e tratar este cancro social com a seriedade que o
assunto merece. Vamos, então, fazer mais e melhor, porque essa é a nossa responsabilidade, esse é o nosso
dever.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Santos, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Temos em debate vários projetos de lei relacionados com a violência doméstica, os quais vou agrupar em três blocos. Há dois projetos novos, do
Iniciativa Liberal — os outros são requentados! —, sobre a nomeação de patrono às vítimas e sobre a dispensa
da tentativa de conciliação em divórcios sem consentimento quando o outro cônjuge tiver sido condenado por
violência doméstica, que merecem alguma atenção.
Vemos algum mérito no abandono do conceito de tentativa de conciliação, porque não se deve tentar conciliar
o inconciliável, apesar de admitirmos que possa ser útil que exista no processo um momento para solução de
questões atinentes às responsabilidades parentais ou à casa de morada da família, e, por isso, esta solução
terá de ser analisada com muitíssimo rigor na especialidade.
Depois, temos outros projetos de lei que querem esclarecer que a exposição de crianças a contextos de
violência doméstica é crime de violência doméstica. Tratar este assunto, Sr.as e Srs. Deputados, impõe-nos que
olhemos para o sofrimento mais profundo das crianças que adormecem na escola porque não conseguem dormir
em casa, dos meninos que têm marcas no corpo porque se puseram à frente do pai quando ele ia bater na mãe
ou dos adolescentes que se cortam com lâminas de barbear, nos braços e nas pernas, porque precisam de um
sofrimento rápido que os distraia por instantes de sofrimentos muito maiores.
Este é um horror que não podemos nem queremos ignorar, mas não o enfrentaremos criminalizando aquilo
que já é crime, e a lei que aprovámos para esclarecer essa questão tem menos de um ano. Refiro-me à Lei n.º
57/2021, de 16 de agosto, que não permite dúvidas quanto à possibilidade de as crianças expostas a contextos
de violência doméstica serem vítimas de um crime autónomo — sublinho: um crime autónomo! — de violência
doméstica.
Passemos às declarações para memória futura e à pretensão de as tornar obrigatórias quanto a vítimas
adultas de violência doméstica. Primeiro, as declarações para memória futura já são possíveis nos processos
por violência doméstica.
Segundo, o Ministério Público já está obrigado a promovê-las.
Terceiro, em legislaturas passadas houve, neste Parlamento, quem quisesse obrigar as vítimas de violência
doméstica a testemunharem contra os seus agressores, mas essa ideia não passou. Agora insiste-se por esta
via, querendo fazer entrar pela janela o que não entrou pela porta, eventualmente, para pôr em causa o direito
à recusa de depoimento contra cônjuges ou ex-cônjuges, previsto no artigo 134.º do Código de Processo Penal.
Nós, pelo contrário, achamos que a autonomia das vítimas adultas de violência doméstica deve ser reforçada.
No combate à violência doméstica, não queremos bastar-nos com as respostas fáceis e que não custam
dinheiro, que são as meras alterações constantes da lei penal. Não estamos à procura de respostas de faz-de-
conta.
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Precisamos de enfrentar este horror e precisamos de o fazer em dois planos, sendo sobre eles que queremos
conversar. O primeiro plano é o da prevenção e a violência doméstica previne-se promovendo a autonomia,
porque cada mulher só é verdadeiramente livre para fazer as suas escolhas e deixar o seu marido quando puder
sustentar-se a si própria e aos seus filhos. Por isso, todas as medidas orientadas para a igualdade na educação,
no acesso ao trabalho, na remuneração igual do trabalho, na conciliação da vida pessoal com a profissional e
todas as medidas de acesso à habitação ou de gratuitidade das creches, por contribuírem para a verdadeira
autonomia, previnem a violência doméstica.
Mulheres com mais formação, mais rendimentos e mais apoios do Estado social são mulheres mais
autónomas e, por isso, menos vulneráveis. Queremos aprofundar esse caminho, que é o caminho do Estado
social.
O segundo plano é o da reação a crimes de violência doméstica que já tenham sido cometidos e, neste
âmbito, precisamos de respostas integradas, de respostas terapêuticas orientadas para a cura e de respostas
da justiça penal orientadas para a proteção da vítima e para o afastamento do agressor. Precisamos de mais
pulseiras eletrónicas para garantir o afastamento dos agressores, de mais e melhores casas-abrigo, de
respostas mais eficientes das polícias e dos tribunais, de apoios efetivos na promoção de novos projetos de
vida.
Neste mesmo ano de 2022, muitas destas respostas já estão a ser dadas ou em construção. Dou apenas um
exemplo daquele que é o rumo certo: até ao final de 2022, deverão ficar construídas três estruturas residenciais
para mulheres idosas vítimas de violência, com 120 vagas, no Centro, Norte e Alentejo.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Concluo, Sr.ª Presidente, dizendo que, nos últimos dias, foram mortas duas mulheres nas circunstâncias trágicas que todos conhecemos. Só honraremos as suas memórias se
encontrarmos melhores e mais eficientes respostas para todas as outras vítimas de violência doméstica.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostaríamos de abordar alguns aspetos, começando por dizer que esta discussão é mais do que justificada, tendo em conta a incidência do crime de que
estamos a falar.
O novo Relatório Anual de Segurança Interna refere que, apesar de haver um ligeiro decréscimo, a violência
doméstica participada contra cônjuge ou análogo continua a ser a tipologia criminal mais abundante. Portanto,
é óbvio que há necessidade de um combate mais eficaz, e sobre isso estamos de acordo.
Só não estamos sempre de acordo em relação às soluções. Achamos que existe uma tendência para afunilar
a discussão nas alterações legislativas, quando precisamos de compreender que este crime tem uma dimensão
de profundo problema social que é urgente perceber, para lá da lei, que não se está a ser capaz de prevenir.
Muitas vezes, a alteração legislativa é mais fácil, mas é menos eficaz e tem menos resultados práticos.
Não negamos que é sempre possível haver alterações e aspetos a melhorar. Aliás, nem absolutizamos a
ideia de que tudo se faz pela lei nem a de que nada se faz pela lei. Até nós próprios, no PCP, contribuímos em
diversos momentos para que houvesse alterações de sentido positivo para as vítimas.
Gostávamos de dizer que, do ponto de vista das normas que existem hoje, a questão da proteção das
crianças está assegurada na atual formulação. Não é a autonomização do crime que lhe dá mais ou menos
proteção ou que nos descansa por ter mais ou menos dignidade penal.
Relativamente às questões da educação parental, elas são importantes, mas são também precisos técnicos
e psicólogos, nomeadamente para a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e essa proposta
concreta, por exemplo, foi chumbada no Orçamento do Estado.
Refiro uma última questão, que tem que ver com o facto de não haver vítimas se não existirem agressores.
Essa é uma questão importante, sobre a qual é preciso atuar, e daí a importância da reinserção social num crime
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com uma incidência altíssima, que é um dos principais problemas com que nos confrontamos. Se sabemos quais
são os fatores de risco — questões de saúde, problemas que têm solução, que têm terapêutica e que podem
ser combatidos —, temos de atuar por aí, e não continuar a permitir a perpetuação de ciclos de violência e de
repetição de comportamentos deste tipo, de geração em geração.
Concretamente sobre a autonomização do crime de exposição a menores, não acompanhamos as iniciativas
porque achamos que não é a ausência do crime autónomo que tem faltado às crianças, visto que a exposição
está expressamente prevista, de qualquer forma. Recentemente, no caso das crianças menores e dos jovens,
até foi introduzida uma clarificação no que toca à atribuição do estatuto de vítima, por exemplo.
Poderemos falar de outras faltas e insuficiências, mas não é esta a questão que vai fazer a diferença, cremos
nós.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Termino, Sr.ª Presidente. Relativamente à questão dos programas de aconselhamento parental, achamos que isso é justificável, mas
pensamos que a outra parte, que incide, novamente, na questão de uma alteração da redação, é desnecessária.
Sobre a obrigatoriedade de as vítimas prestarem declarações para memória futura, tal não nos parece
adequado e pode ter efeitos perversos.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Vou já terminar, Sr.ª Presidente. Sobre a dispensa de conciliação, alguém que é vítima de violência doméstica e cujo cônjuge, de quem se
pretende divorciar, já foi condenado por isso mesmo, não tem de voltar a confrontar-se com o agressor.
Por fim, toda a informação e todo o conhecimento sobre as diferentes fases do processo devem ser
estimulados e daí acompanharmos a nomeação de patrono.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A violência doméstica na intimidade do lar é, há décadas, alimentada pela violência contra as professoras na intimidade da sala de aula.
O regime ataca sempre as consequências e ignora as causas. Quem transformou as escolas em centros de
socialização da má-educação, da indisciplina e da violência foi a esquerda.
Aplausos do CH.
Se não resolvermos o que se passa na intimidade da sala de aula vamos andar à volta com este problema e
não o vamos resolver. Portanto, a questão de combater o que se passa na intimidade da sala de aula é
absolutamente decisiva.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para proceder ao encerramento do debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz, do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Este debate sobre a criminalização autónoma da exposição de menor a violência doméstica está a dar-nos razão. Há Deputados a dizer que é um crime
autónomo e Deputados a dizer que é uma agravante e que não se pode autonomizar. Ora, é absolutamente
necessário fazer esta clarificação e deixar expressa na lei esta autonomização.
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Mais: os Srs. Deputados terão tido acesso, como eu tive, ao parecer da Ordem dos Advogados relativo ao
Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª, em que dizem assim, no ponto 2: «Concorda-se com a alteração proposta, aderindo-
se aos motivos expostos no preâmbulo do projeto. Efetivamente, parece-nos que não se justifica manter a
exigência de o cônjuge, vítima de violência doméstica e requerente de ação de divórcio sem consentimento do
outro cônjuge, participar numa tentativa de conciliação. O cônjuge que é vítima deve poder evitar o confronto
com o cônjuge agressor quando claramente não pretende a conciliação.»
Por isso, relativamente à nossa proposta de tentativa de conciliação, gostaria de questionar o PSD sobre se
a Ordem dos Advogados é demagoga, porque, sinceramente, eles concordam com a nossa medida e, portanto,
ela é uma boa medida.
Como bem saberão, a violência doméstica é um crime que mata milhares de pessoas em Portugal e não
escolhe condições socioeconómicas ou idades. O Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica
referente ao ano de 2020 indica que, em 31,7% dos casos registados de violência doméstica, existe exposição
de menores a tais atos.
Por outro lado, também é pertinente referir que, em 2020, a violência doméstica causou vítimas com
ferimentos ligeiros na ordem dos 35%.
Como bem saberão, a violência doméstica assume várias dimensões. Concretizando a violência em
números, a psicológica esteve presente em 82% das situações, a física em 68%, a social em 15%, a económica
em 8% e a sexual em 3%.
Infelizmente, os números mostram apenas uma parte deste flagelo que não podemos ignorar. Nas últimas
décadas, este Parlamento tem feito um reconhecido esforço para aprovar legislação que combata a realidade
da violência doméstica, que, ainda assim, continua a existir na nossa sociedade. Temos procurado garantir que
todas as vítimas deste crime são devidamente reconhecidas e protegidas e acreditamos que os três diplomas
que o Iniciativa Liberal apresenta são mais um passo neste caminho, que ainda é longo.
Estamos convictos de que a aprovação destes projetos é fundamental: para efetivar a proteção das crianças
que estão expostas a violência doméstica e que demasiadas vezes são esquecidas; para proteger as vítimas
deste crime de, em mais uma fase de um processo tantas vezes longo, terem de reviver memórias que lhes
deixarão marcas para o resto da vida.
O cônjuge que é vítima deve poder evitar o confronto com o cônjuge agressor quando, claramente, não
pretenda a conciliação, pelo que temos de munir as vítimas de violência doméstica da faculdade de, se assim o
entenderem, serem dispensadas da tentativa de conciliação.
Por isso, gostaríamos de colocar no PS a tónica de aprovar esta iniciativa, discutindo-se os trâmites do
procedimento em sede de especialidade.
Por último, é fundamental assegurar que estas vítimas — quando reconhecidas enquanto vítimas
especialmente vulneráveis — têm a faculdade de exercer um direito que já está geralmente previsto na Lei de
Acesso ao Direito e na Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, mas que, muitas vezes, não se concretiza em
tempo útil para que se possa exercer.
Parece-nos evidente e premente a necessidade de esta Câmara aprovar, sem hesitações, estes diplomas e
insistimos em que todos os partidos devem votá-los favoravelmente.
Combater a violência doméstica é uma responsabilidade de todos nós.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos, assim, o debate relativo ao terceiro ponto da ordem do dia. Passamos ao quarto ponto da agenda, que consta da apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os
48/XV/1.ª (PCP) — Vinculação extraordinária de todos os docentes com três ou mais anos de serviço até 2023,
81/XV/1.ª (PAN) — Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos
Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e 93/XV/1.ª (BE) — Programa
extraordinário de vinculação dos docentes.
Para apresentar o Projeto de Lei n.º 48/XV/1.ª, do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A escola pública, gratuita, de qualidade e para todos é inseparável da existência de profissionais valorizados e em número adequado que
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respondam, efetivamente, às necessidades existentes, incluindo a de professores que tenham a sua situação
estabilizada, carreiras valorizadas, salários aumentados e com condições de trabalho que assegurem o
cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.
A precariedade laboral é uma realidade transversal a vários setores de atividade no nosso País, atingindo
centenas de milhares de trabalhadores, e atinge uma parte significativa dos professores das nossas escolas,
com profundas consequências para estes trabalhadores, para as suas famílias, para os alunos e para a própria
escola pública.
Anos a fio de casa às costas e de família que fica para trás, anos a fio de baixos salários e de quase pagar
para trabalhar, anos a fio de horários incompletos, anos a fio de incerteza de colocação no ano letivo seguinte,
de salário ou proteção social. Esta é a realidade de milhares e milhares de professores, que passam 5, 10, 15,
20 anos em situação de precariedade, sem ingressar na carreira e sem ter os direitos associados à carreira
docente.
O direito ao trabalho e à segurança no emprego, previsto na Constituição, assegurando que a um posto de
trabalho permanente corresponde um vínculo de trabalho efetivo, tem de ser cabalmente cumprido.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — É urgente erradicar todas as formas de precariedade, também para os professores.
Perante a evidente e cada vez mais profunda carência de professores nas escolas, algo para o qual o PCP
vem, aliás, alertando há vários anos, e perante uma precariedade que persiste e se aprofunda, incluindo pelo
não cumprimento de leis aprovadas na Assembleia da República — como no caso dos docentes de técnicas
especiais do Ensino Artístico Especializado contratados, que estiveram em luta recentemente na Escola António
Arroio e na Escola Soares dos Reis, no Porto —, impõem-se medidas que travem esta situação, que assegurem
que todos os alunos terão os professores necessários em todas as disciplinas e que garantam a, mais do que
justa, estabilidade laboral aos professores.
Num contexto em que, até ao final da década, se prevê que saiam das escolas, por aposentação, mais de
metade dos atuais professores, cada ano que passa sem medidas que resolvam a situação de um ponto de
vista estrutural é um ano perdido no que respeita à necessária e urgente implementação de políticas de
recrutamento e de valorização da carreira docente, de políticas que contribuam para o rejuvenescimento da
profissão e para o combate ao problema da falta de professores.
Por isso trazemos esta iniciativa a discussão, propondo medidas de efetivo combate à precariedade docente,
prevendo a abertura de todos os procedimentos concursais para uma vinculação extraordinária de todos os
docentes com três ou mais anos de serviço, sem prejudicar as vinculações que surjam pelo mecanismo da
designada «norma-travão», no âmbito do concurso externo ordinário.
A vinculação é fundamental para a estabilização do corpo docente e para a dignificação do trabalho docente.
O PCP sempre defendeu que a cada posto de trabalho permanente deve corresponder um vínculo efetivo.
Os professores são precisos, todos os dias, nas escolas e são parte fundamental para que a escola pública
tenha as suas portas abertas para receber todas as crianças e jovens e, assim, cumprir o seu direito
constitucional à educação. Se eles são precisos todos os dias, o seu vínculo tem de ser efetivo.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 81/XV/1.ª, do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A educação é um pilar fundamental da nossa sociedade e, como bem sabemos, os professores são o cimento que segura esse mesmo
pilar. Apesar de serem profissionais cruciais para o nosso presente e para o nosso futuro enquanto sociedade,
os professores têm sido sucessivamente destratados pelos Governos, em particular pelo Governo do Partido
Socialista, com ou sem maioria absoluta.
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Nos últimos anos, o fado dos professores tem sido o do congelamento de carreiras, da pouca atratividade da
carreira e de uma espera de anos para a integração na mesma, de colocações a muitos quilómetros de distância
de casa, sem qualquer apoio, e de escolas sem condições minimamente aceitáveis.
Hoje, o PAN propõe que se ponha fim a uma injustiça que surgiu em 2008, durante a última maioria absoluta
do PS, sendo certo que, até 2008 e desde os anos 90, se entendia que os docentes com mestrado ou
doutoramento deveriam ser bonificados na sua integração, independentemente de tal formação ter sido tirada
antes ou depois da entrada na carreira. Premiava-se o esforço de realização de formação, independentemente
do momento em que esse esforço surgia.
Porém, em 2008, por portaria do Governo, determinou-se que esta bonificação só era atribuída aos docentes
que tivessem obtido o mestrado ou o doutoramento após a integração na carreira, deixando-se de fora aqueles
que tivessem obtido essa formação no período em que tinham contrato a termo resolutivo. Ou seja, sem qualquer
fundamento racional, discriminam-se situações iguais e, pior, diz-se aos docentes que o seu esforço de formação
ao longo da vida não tem qualquer reconhecimento por parte do Estado, não porque não seja útil, mas porque
foi tirado no momento errado.
Assim, um fator que, obviamente, nos dá docentes melhores e mais preparados é, pura e simplesmente,
desvalorizado.
Em nosso entender, esta discriminação afronta também o princípio da igualdade e dificilmente se poderá
considerar constitucional. Por isso, o PAN apresenta esta iniciativa, que permite corrigir tal discriminação de
duvidosa constitucionalidade e demonstra que, apesar de termos um Partido Socialista com maioria absoluta,
ele terá nas suas mãos a oportunidade para dignificar e respeitar todos os professores. Basta acompanhar-nos
nesta iniciativa.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 93/XV/1.ª, do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida de que o sistema de educação da escola pública em Portugal está, hoje, assente na reprodução de contratos precários e na
precariedade. Isto significa que há professores com 10, 15 ou 20 anos de serviço que nunca se conseguiram
vincular ao sistema de educação, quanto mais à escola onde estão a dar aulas.
Isto decorre de uma iniquidade, de uma injustiça no sistema de vinculação de professores que, a partir de
um determinado momento, adotou uma norma-travão que, na altura, se disse que serviria para vincular as
necessidades permanentes do sistema, mas, na verdade, ao definir essas necessidades, deixando de fora
milhares e milhares de professores que, todos os anos, eram contratados pelas escolas, acabou por ser um
travão à vinculação e uma garantia de que, todos os anos, haveria milhares de professores contratados.
Isto gerou dois problemas. Um deles é o da instabilidade do corpo docente nas escolas. Quando os
professores são colocados após o início do primeiro período ou quando não têm horário completo ou,
antigamente, quando pertenciam a mais do que um grupo de recrutamento — coisa que, entretanto, o Bloco de
Esquerda conseguiu negociar com o Governo, no período entre 2015 e 2019 — não são considerados para a
norma-travão, portanto, não são vinculados, o que cria, obviamente, uma instabilidade do corpo docente nas
escolas que não é boa para a qualidade educativa.
O segundo problema é o de que professores precários são professores sem direito à carreira. Professores
sem direito à carreira são professores que não ganham para trabalhar. Professores precários são aqueles a
quem pedimos para se deslocarem e aos quais não se contam os anos que trabalharam enquanto precários —
a não ser que vinculem, esses anos não contam para o seu salário.
Portanto, um professor precário que trabalhe 10, 15 anos, ao 15.º ano, está a ganhar a mesma coisa que um
professor que acabou de sair da faculdade e de entrar numa escola.
Um sistema que funciona desta maneira e que depende de milhares de precários nestas circunstâncias é um
sistema que não está preparado para enfrentar o futuro. Prova disso é que, em 2025, um terço dos alunos do
7.º ao 12.º ano não terão professores a, pelo menos, uma disciplina, porque o sistema não foi capaz de os atrair,
nem foi capaz de vincular os professores de que precisa, em muitas circunstâncias, em condições injustas.
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Vou dar o exemplo de um professor de Música. Sabendo que Música é uma disciplina com pouca carga
horária, um professor de Música, numa pequena escola do interior do País, nunca terá um horário letivo
completo. Nunca! Isto significa que este professor nunca será vinculado à escola pública pela norma-travão.
Este tipo de iniquidades vai-se reproduzindo, vai-se multiplicando e isto à medida que pensamos: «Porque é
que professores que são sistemática e consistentemente colocados nas escolas, ano após ano, durante 10, 15
anos, são considerados necessidades temporárias do sistema e não são considerados necessidades
permanentes?!»
O problema é que continuamos a contratar precariamente aqueles que são permanentemente necessários
ao sistema e é isso que o Bloco de Esquerda pretende corrigir. É preciso corrigir as vinculações para o futuro, é
preciso corrigir a forma de contratação, mas não podemos esquecer as injustiças que foram cometidas contra
quem está há anos a ser contratado — e são milhares de professores! — de forma precária.
É isso que este projeto pretende fazer: uma vinculação extraordinária. O Governo sabe fazê-la, o Partido
Socialista sabe como se faz. Já negociámos uma no passado e foi bem-sucedida, originou a vinculação de
milhares de professores e não criou nenhum caos nas escolas, pelo contrário.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Conseguiu-se começar a inverter um caminho de precariedade da escola pública. Porque é que esse
caminho foi interrompido? Porque é que não podemos continuá-lo agora?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em mais de 40 anos, o PSD não foi capaz sequer de mitigar a indisciplina e a burocracia nas escolas. Bastava ter sido de direita, bastava o
PSD ser uma oposição responsável.
O Iniciativa Liberal não vai ter direito a uma segunda inocência. Não há mercado do conhecimento que nos
valha, se não começarmos por restaurar a dignidade e a qualidade da escola pública.
Aplausos do CH.
A liberdade de escolha entre o ensino público e o ensino privado é um princípio programático do Chega, mas
não pode ser alimentado pela miséria escolar dos mais carenciados e das classes médias, dos que nunca
poderão pagar um ensino privado.
Não vale a pena inventar a roda. Um ensino público de qualidade, financeiramente sustentável e com
educadores e professores bem pagos, só pode acontecer com a redução prévia de currículos e de horários
escolares.
O PCP e o Bloco de Esquerda resistem ao óbvio. Apresentam projetos de lei para a vinculação administrativa
sem critério de professores a quadros efetivos de escolas e a agrupamentos de escolas.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Vá estudar!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Essa atitude explica os currículos e os horários que temos: maus e extremamente caros. Pior do que isso, é psicologicamente violento coagir os professores a um patológico
sentimento de culpa, castigando-os com apoios e mais apoios, planos e mais planos, formações e mais
formações,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
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O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … relatórios e mais relatórios, projetos e mais projetos de recuperação das aprendizagens para alunos que não estudam.
Aplausos do CH.
Protestos do PCP.
O Chega não poupará este regime pelo falhanço clamoroso da atual ideia de escola. O PS, o PCP e o Bloco
de Esquerda jamais se libertarão da incapacidade de lidar com a ordem natural dos factos. São incapazes de
enfrentar a causa dos problemas, limitando-se a despejar dinheiro e mais dinheiro para cima das
consequências,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sobre o que importa não tem nada a dizer!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — … justamente porque a esquerda é, ela mesma, a causa dos problemas graves do ensino.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Lutamos pelas condições de trabalho, pelas carreiras!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Acrescento que a austeridade socialista se mantém desde o tempo de José Sócrates, disfarçada numa suposta avaliação dos professores. A observação das aulas é feita entre pares
profissionais que não têm entre si uma hierarquia académica clara.
As avaliações de mérito, «muito bom» ou «excelente», não correspondem às expectativas de progressão na
carreira.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — As quotas de acesso ao 5.º e 7.º escalões estão a matar a natureza e a identidade colegial da instituição. Os socialistas abriram a autoestrada do compadrio nas escolas, o que
envenena a sanidade mental de educadores e professores.
Aplausos do CH.
Dentro e fora das escolas, educadores e professores têm de se libertar por eles mesmos da repressão mental
que lhes é imposta, há décadas, por Governos, por este Parlamento e por sindicatos.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No dia em que perdemos um dos maiores talentos, uma das maiores vocações do nosso País, Paula Rego, talvez não seja desajustado lembrar que ser
professor ou professora é uma profissão e é uma vocação. É uma questão de técnica, que se aprende, é uma
questão de talento, que se estimula e incentiva.
Portanto, é uma área na qual a estabilidade dos vínculos laborais, a autonomização e a responsabilização
da criatividade dos próprios professores têm de andar a par, se queremos um sistema de ensino que responda
às necessidades do País e seja, acima de tudo, centrado nos seus estudantes.
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Há dois ângulos principais nesta matéria: em primeiro lugar, a pirâmide etária do nosso corpo docente está
extremamente envelhecida; em segundo lugar, a precariedade é um flagelo.
É essencial que escolas que precisam dos mesmos professores ano após ano possam dar um vínculo certo
a esses professores e professoras. Desse ponto de vista, não é preciso multiplicar as iniciativas. Tanto a do
Bloco de Esquerda como a do PCP são positivas e acompanhá-las-emos, tal como acompanharemos a iniciativa
do PAN, porque professores que decidem fazer o mestrado e o doutoramento devem ser estimulados a fazê-lo,
devem ser incentivados nessa qualificação, não devendo ser punidos por isso.
Mas, além disso, além de aprovarmos estas iniciativas, temos de fazer, também, uma reflexão conjunta
acerca da necessidade de valorizar a carreira de professor. Se, em 10 anos, carreiras muito diferentes, como a
de chefe de cozinha, passaram a ter um prestígio social enorme, porque é que hoje, quando tanta gente deseja
ser professor, o mesmo prestígio não recai sobre essa carreira?!
Isso também nos deve levar a refletir e a legislar bem legislado, para que possamos combater o flagelo da
falta de professores de que tantos alunos padecem nas nossas escolas.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia André, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PCP, o PAN e o Bloco de Esquerda apresentam propostas sobre a carreira dos professores, mas o que sabemos mesmo é que estamos a assistir
ao típico teatro da extrema-esquerda que faz de conta que se preocupa com os professores.
A esquerda aprovou seis Orçamentos, de 2016 a 2021. A esquerda da geringonça, que hoje apresenta
propostas sobre os contratados, amanhã sobre os escalões, outra vez sobre os psicólogos ou sobre outro
assunto qualquer, é a mesma esquerda que, durante seis anos, teve a faca e o queijo na mão para impor estas
e outras medidas, e não o fez.
De 2016 a 2021, o Ministro da Educação nada fez para prevenir os problemas atuais. É para isso que os
eleitores elegem os governantes, mas nem os sindicatos apadrinhados pela esquerda ele recebeu.
O que fizeram o PCP e o Bloco de Esquerda?! Viabilizaram os Orçamentos. O que fizeram o PCP e o Bloco
de Esquerda para vincular os contratados que fazem falta nas escolas?! Aprovaram os Orçamentos. O que
fizeram o PCP e o Bloco de Esquerda na mobilidade interna dos QZP (quadros de zona pedagógica)? Aprovaram
os Orçamentos. O que fizeram quando o Ministro da Educação não reviu a avaliação dos professores?!
Aprovaram Orçamentos.
Agora, apresentam projetos de lei e dizem que a culpa é de outros Governos. Srs. Deputados, só se diz que
a culpa está nos outros quando não se tem trabalho para apresentar.
Aplausos do PSD.
Quem assinou o contrato com o Governo foi o Bloco de Esquerda e o PCP. A nós, PSD, preocupa-nos que,
ao dia de hoje, não se saiba como serão asseguradas as aulas para todos os alunos.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Não preocupa nada! Querem lá saber!
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — A nós, PSD, preocupa-nos o facto de faltarem 7000 professores e ainda só ouvirmos anúncios.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Se se preocupassem mesmo, votavam a favor do projeto de lei do PCP!
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — A nós, PSD, preocupa-nos o facto de existir um concurso externo de professores a decorrer e estarem anunciados resultados diferentes, apesar de este concurso externo ter
exatamente as mesmas regras que outros.
O PSD anseia por um sistema de ensino com professores motivados, alunos felizes e concretizados em
escolas inclusivas, onde todos aprendam o necessário para ter sucesso na vida, independentemente da sua
condição financeira.
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Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias.
A nós, PSD, cabe-nos questionar, fiscalizar e legislar para que o Governo cumpra a sua obrigação. Ao
Governo, cabe governar.
Professores, alunos e não docentes poderão contar com o PSD para escrutinar a ação do Governo. Não
estamos disponíveis para fazer de conta ou para enganar ninguém. Os sacrifícios de todos merecem o nosso
respeito, não um aproveitamento político.
As presentes iniciativas não representam formas estruturantes de resolver os problemas, nem mesmo para
os visados, por isso, consideramo-las pura propaganda política.
Aplausos do PSD.
Protestos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Castro, do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estas propostas têm, efetivamente, algo de comum. São de partidos que fizeram parte da geringonça ou que deram suporte a esta governação e, por isso,
são, sim, coniventes com o estado a que chegámos.
Temos um Governo e parceiros do Governo que não foram reformistas e temas que não são surpresa. O
envelhecimento da classe docente, a dificuldade de retenção de professores, o excesso de burocracia: todos
estes problemas são estruturais e não aparecem do dia para a noite. Vão acontecendo, eram antecipáveis e
representam uma falta de visão e de governação. Chegámos, por isso, a esta situação.
Com uma classe fustigada, um sistema de políticos que falha a crianças e professores, estamos perante um
conjunto de iniciativas sobre as quais, obviamente, se não aprovarmos algumas, estarão prontos para bramar
que não as aprovámos. Aquilo que não dizem é que são medidas avulso.
Protestos da Deputada do PCP Paula Santos.
Aquilo que não dizem é que se chega a afirmar, na nota de admissibilidade, que são medidas de natureza
administrativa, que, pelas normas em causa, parecem interferir com o exercício da competência administrativa
do Governo.
É esta a qualidade, ou a falta dela, que daqui advém…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É combater a precariedade dos professores!
A Sr.ª Carla Castro (IL): — Escusa de interromper, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Os apartes são regimentais!
A Sr.ª Carla Castro (IL): — As pessoas que nos estão a ouvir, neste momento, não ouvem os apartes, mas a vossa indignação e incómodo são simplesmente sinais daquilo que não fizeram e da situação pela qual são
corresponsáveis.
A educação está neste estado lastimável por causa desta governação e dos partidos que a apoiaram. Podem
bramar, podem fazer apartes, mas a situação das crianças e dos professores é a que existe.
O Iniciativa Liberal, pelo contrário, apela a um modelo efetivamente reformista de educação não das coisas
de que o partido Chega fala, cujas críticas não se aplicam no nosso caso.
É preciso, sim, concursos, termos de vinculação, de progressão, de avaliação. É preciso uma reforma que
passa pela participação das escolas e por uma efetiva autonomia.
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Os conselhos pedagógicos e as escolas têm de ter voz, o sistema de avaliação dos docentes, de que se tem
falado, nomeadamente as quotas, deveria, sim, ser redesenhado, por forma também — sublinho, também —, e
não unicamente, a espelhar o impacto do trabalho dos docentes nas aprendizagens dos alunos.
A própria habilitação para a docência tem de mudar. Tem de mudar a licenciatura de educação básica que
precisa do grau de mestre para se poder dar aulas assim como professores ou potenciais professores com
competências pedagógicas que não podem entrar na docência.
É este sistema desestruturado que temos hoje em dia. Mas para renovar toda esta vaga de professores,
precisamos, quer como sociedade quer como políticos, de estar aqui prontos para isso, mas não com
demagogias políticas.
Portanto, precisamos, efetivamente, de reformas num sistema não centralizado, que, por mais remédios que
tome, não está a encontrar cura, num sistema que está cansado, que tem excesso de burocracia e falta de
concorrência entre as escolas, concorrência essa que também é precisa.
É importante apelar, sim, ao sentido reformista: atração, retenção, flexibilidade, liberdade e concorrência nas
instituições de ensino.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Porfírio Silva.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Carla Castro, só uma pergunta: se a escola pública é uma desgraça tão grande, quem é que fez a geração mais qualificada de sempre?
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada Carla Castro não tem tempo para responder e, portanto, fica a pergunta.
A Sr.ª Carla Castro (IL): — O PS pode dar-me tempo! Se quiser que eu responda, só tem de me dar tempo.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo da Silva, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projetos em discussão têm como objeto o programa extraordinário de vinculação dos docentes com três ou mais anos de serviço, o regime
de recrutamento e mobilidade do pessoal docente e as medidas de combate à carência de professores do ensino
básico e secundário.
As iniciativas preveem a abertura de um procedimento concursal, revestem-se de um ato administrativo que
parece colidir com o exercício de competência administrativa do Governo, se interpretarmos bem a
jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Srs. Deputados, nos últimos anos, através da implementação de políticas educativas dos Governos do
Partido Socialista, assistimos a profundas alterações na escola pública, uma escola onde todos os alunos
contam. Trata-se de uma escola que apresenta estratégias que permitem as aprendizagens a todos os alunos,
e não apenas a alguns, facto traduzido pelos resultados quantificáveis, como, por exemplo, nos níveis de
abandono escolar precoce, onde Portugal superou a média europeia, na melhoria notável dos resultados
escolares, com uma redução de mais de 70% nas taxas de retenção e de desistência do ensino básico, ou no
aumento da conclusão do ensino secundário em três anos. Estes resultados permitem que tenhamos mais
alunos a frequentar o ensino superior.
Os resultados alcançados não se conseguem por si só, mas, sim, através de um conjunto de medidas
públicas para a educação e da sua aplicação, onde — é claro! — é especialmente relevante e determinante a
ação dos docentes.
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Sr.as e Srs. Deputados, os proponentes das iniciativas hoje em debate aludem a que a falta de professores
acontece por um conjunto de causas identificadas, que passa pelo envelhecimento dos docentes e pela
precariedade e desvalorização da carreira docente.
Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a perceção da realidade faz-se, certamente, por lentes diferentes, uma vez que
a constante narrativa de dizer que tudo está mal, que nada se fez, e o facto de durante muito tempo terem
surgido notícias, atrás de notícias sobre professores desempregados contribuiu para criar a ideia de a carreira
docente ser pouco atrativa, e isso afastou jovens desta profissão.
É inquestionável que os Governos do Partido Socialista, nos últimos seis anos, têm colocado a educação e
a valorização dos seus profissionais nas suas políticas prioritárias. Fê-lo através de um conjunto de medidas
plasmadas na abertura de vagas anuais que garantiram a entrada de mais docentes nos quadros, da abordagem
mais abrangente da chamada norma-travão, do descongelamento de carreiras, do voltar às progressões e do
investimento na formação contínua, que são medidas que procuram a valorização da carreira docente.
O mais recente concurso externo vai permitir o preenchimento de mais 3000 vagas, de modo a possibilitar a
vinculação de docentes que completarão três contratos ou duas renovações a 31 de agosto de 2022 em horário
completo, com vista ao cumprimento da norma-travão.
Sendo que todo o processo de satisfação de necessidades permanentes e temporárias de docentes para o
próximo ano escolar já está iniciado, seria manifestamente contraproducente introduzir qualquer alteração, tendo
em conta toda a complexidade desses mecanismos. Ou seja, qualquer mecanismo extraordinário que fosse
introduzido, neste momento, colocaria em causa a abertura do próximo ano letivo.
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Ah!
A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, o Ministério da Educação está atento e empenhado em encontrar as melhores soluções para a carência de docentes, situação que só se resolverá com
soluções que permitam maior agilidade na gestão de novos recursos humanos, que deverão ser inscritos no
novo quadro legal a negociar com os sindicatos.
É também intenção do Ministério da Educação proceder à revisão dos modelos de formação inicial de
professores, retomando a remuneração dos estágios profissionais e a atualização científico-pedagógica de
professores que pretendam regressar à carreira, sendo esta uma medida estrutural que permitirá resolver a atual
escassez de recursos.
A título transitório, estão a ser implementadas medidas que permitirão atenuar a escassez de recursos
docentes, tal como o levante de penalidades, por recusa de horários, e a autorização para complemento de
horários para aulas de apoio e de compensação, nomeadamente nas regiões mais afetadas por falta de
professores.
Sr.as e Srs. Deputados, se muito há ainda para fazer, certo é que muito já foi feito em prol da valorização dos
docentes da escola pública. Assim, tal como consta no Programa do XXIII Governo, está prevista a revisão do
modelo de recrutamento dos docentes, já transmitido às estruturas sindicais dos setores, e, sendo esta uma
reforma estrutural, a mesma não pode ser feita a retalhos, terá de ser feita de uma forma integrada para garantir
um modelo de acesso equilibrado e duradouro à profissão docente.
Não podemos repetir os erros do passado, quando se foram fazendo revisões ao modelo de recrutamento,
por respeito, para a valorização dos próprios docentes, para benefício dos alunos e para garantia de uma melhor
educação.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Madureira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acabámos de ouvir a intervenção do Partido Socialista e parece que a educação vive num mundo cor-de-rosa.
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No entanto, vamos a factos: até 2030, vão aposentar-se cerca de 34 500 professores; em maio de 2022, o
Ministro da Educação, que se comporta como se tivesse chegado agora ao Ministério, mas que está em funções
há quase sete anos, afirmou que vai, agora, tomar medidas para lidar com um problema tão grave.
A falta de professores não constitui um problema novo, é um problema persistente, que se agravou nos
últimos anos e que o Ministério da Educação tem empurrado com a barriga.
O discurso da dignificação dos professores é um discurso ilusório. Bem sabemos que o vosso mantra é: «foi
o Governo do PSD que congelou a carreira dos professores, que impôs a austeridade, etc.»
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É verdade!
A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Mas convém contar a história como ela é. Foi o Partido Socialista que congelou, descongelou e voltou a congelar o tempo de serviço, mas, espera-se, porque tem a faca e o queijo
na mão, que resolva as matérias que hoje foram aqui trazidas e que são da competência do Governo.
Ora, se o Governo é tão cioso das suas competências e daquilo que clama ser da sua esfera decisional,
ficamos à espera — «a César o que é de César!». Acabemos com o folclore pedagógico e resolvamos os
problemas reais e verdadeiros dos alunos e dos professores.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para proceder ao encerramento deste ponto 4 da nossa ordem do dia, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: O debate que se faz hoje, em torno das propostas apresentadas, nomeadamente da proposta do PCP, diz respeito à extrema necessidade de se garantir
estabilidade aos docentes das nossas escolas que, há largos anos, estão numa situação de precariedade,
precariedade essa que, aliás, tem responsabilidades repartidas entre Governos do PSD e do PS — lembramos
o Governo do PS, de má memória, e o ataque que foi feito aos professores pela Ministra Maria de Lurdes
Rodrigues.
Mas, Sr.ª Deputada Cláudia André, lembramos aqui mais: lembramos a responsabilidade direta do PSD na
cambalhota que deu, na 25.ª hora, e que retirou tempo de serviço aos professores. Seis anos e cinco meses de
tempo de serviço…
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Está recordada?
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP). — … de que os senhores são responsáveis por não ter sido contabilizado. Deram a mão ao PS, nessa altura, como deram a mão ao PS em outros momentos,…
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Mas foi o PCP que aprovou os Orçamentos do Estado.
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — … quando rejeitaram propostas do PCP que resolviam estruturalmente os problemas com os quais os professores se confrontam.
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Mas foram vocês que aprovaram os Orçamentos do Estado!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr.ª Deputada, assuma as suas responsabilidades e as responsabilidades do PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!
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A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Assuma as responsabilidades dos cortes nos salários, dos cortes no subsídio de Natal, no subsídio de férias que atingiram milhares de professores…
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Mas foram vocês que aprovaram os Orçamentos do Estado!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Foram seis orçamentos!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Assuma as palavras da Deputada Mónica Quintela, do PSD, que disse, há poucas semanas, que era deixar de pagar salários à função pública e era uma pressinha!
Aplausos do PCP.
Os professores são trabalhadores da função pública.
O que fica claro das intervenções dos Srs. Deputados, nomeadamente da Sr.ª Deputada, é que a Sr.ª
Deputada não está preocupada com os professores…
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Estamos, estamos!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — O que fica claro é que os professores não podem contar com o PSD.
A Sr.ª Cláudia André (PSD): — Podem, podem!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Como não podem contar com o Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Carla Castro (IL): — Não fomos nós que estivemos no Governo!
A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Como não podem contar com o Chega para resolver o seu problema da precariedade.
Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.
A questão central que se levanta aqui é se os professores podem ou não contar com o Partido Socialista e
que uso é que o Partido Socialista vai dar à maioria absoluta que tem.
Srs. Deputados, se rejeitarem esta proposta do PCP, relativamente à resolução da precariedade dos
professores, a mensagem que passa é a de que estão a impor aos professores uma realidade na qual não têm
vínculo, não têm salário, não têm direitos. Estão, efetivamente, a negar a valorização da profissão docente, que
é absolutamente determinante. Isto com toda a responsabilidade histórica que os Srs. Deputados têm de
desvalorizar a profissão docente e de colocar em causa a escola pública e a sua qualidade.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, passamos agora ao ponto 5 da nossa ordem do dia, que consiste na discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 71/XV/1.ª (BE) — Altera as atividades específicas
associadas a compensação em unidades de saúde familiar, de forma a eliminar discriminações de género na
prática clínica e 88/XV/1.ª (PAN) — Elimina a discriminação de género nos critérios de compensação associada
às atividades específicas dos médicos.
Para apresentar o projeto de lei do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estarão lembrados, seguramente, do debate que tivemos não há muito tempo, porque estava proposto um indicador de incentivos aos médicos de
família associado à interrupção voluntária da gravidez que tinha um duplo problema: fazia um julgamento moral
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sobre as mulheres que decidem fazer a interrupção voluntária da gravidez e penalizava os médicos como se tal
fosse um falhanço do seu trabalho no planeamento familiar.
Bem, o próprio grupo de trabalho percebeu que esse indicador não podia ser aplicado, abandonou-o, mas
há um dado desse debate com a Ministra da Saúde que é importante e que propomos corrigir.
Dizia a Ministra da Saúde, quando ainda tentava defender o indefensável, que, na verdade, o decreto-lei de
2007, que enquadra os incentivos aos médicos nas USF (unidades de saúde familiar), refere o planeamento
familiar para mulheres em idade fértil e para mais ninguém, o que distorcia e fazia com que tudo — a saúde
reprodutiva, a saúde sexual, de uma forma geral, o controlo das infeções sexualmente transmissíveis — recaísse
sobre mulheres em idade fértil.
É uma espécie de julgamento moral sobre o comportamento sexual das mulheres, muito mais do que uma
política de saúde pública e o que nós propomos é acabar com o preconceito, até porque o preconceito faz mal
à saúde. Queria, então, partilhar algumas preocupações.
Em primeiro lugar, como todos sabemos, a reprodução não é só um assunto de mulheres. É um assunto de
mulheres, é um assunto de homens, é um assunto de todas as pessoas em idade fértil.
Depois, as infeções sexualmente transmissíveis não são seguramente também um assunto só de mulheres.
É um assunto de mulheres, é um assunto de homens e é um assunto de todas as pessoas sexualmente ativas,
porque, para lá da idade fértil, há direito a uma vida sexual saudável.
Portanto, há aqui muitos preconceitos misturados: um preconceito patriarcal, de julgamento do corpo da
mulher, um preconceito heteronormativo e um preconceito também de idade, tornando invisível a sexualidade
das pessoas para lá da idade fértil.
Isto cria problemas de saúde. Vamos aos números: o último estudo que foi feito sobre os jovens é
preocupante, pois diz que se usa menos o preservativo do que já se utilizou. Diz mesmo que os jovens sabem
menos do que as gerações de há 10 anos sobre doenças e infeções sexualmente transmissíveis. Já sabemos
— esse é outro debate — que na escola não se fala de sexo, não há educação sexual e, portanto, esse é mais
um problema.
Esse estudo também diz que os rapazes são os que menos sabem e também os que menos perguntam, por
causa de um preconceito patriarcal que faz com que os homens não façam perguntas sobre a sua própria
sexualidade.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O quê?!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Portanto, aos rapazes isso é negado na escola, é negado pelo preconceito e é negado no acesso à saúde. Bem sei que podem existir em teoria, mas não é incentivado que existam,
consultas sobre saúde sexual e reprodutiva, nas unidades de saúde familiar.
Quando olhamos para as infeções sexualmente transmissíveis também vemos como o preconceito faz mal
à saúde. Chamava só a atenção para os números do VIH/SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida).
Infelizmente, Portugal tem diagnósticos tardios, é um dos países da União Europeia com mais diagnósticos —
não devemos estar, portanto, contentes! — e 90% desses diagnósticos são sobre homens e não sobre mulheres.
Bem sei que os homens que fazem sexo com outros homens têm algumas consultas e alguns programas
específicos sobre esta matéria, mas, como sabemos, a maioria das infeções têm que ver com relações
heterossexuais, logo, essas ficam todas fora do radar. Mais: 11% das mulheres infetadas com VIH/SIDA têm
mais de 60 anos e, portanto, também ficam fora do radar, porque já não estão em idade fértil.
Qual é a proposta do Bloco? Acabemos com preconceitos e ponhamos os incentivos onde eles devem estar:
consultas de saúde sexual e reprodutiva para todas as pessoas sexualmente ativas — incluindo pessoas trans,
que também têm sentido dificuldades óbvias no acesso à saúde.
Faz bem à saúde acabar com a hipocrisia.
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª (PAN) — Elimina a discriminação de género nos critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos, tem a
palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real.
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Falamos de planeamento familiar quando poderíamos, e deveríamos, estar a falar de saúde sexual ou reprodutiva, longe de preconceitos
sociais ou até mesmo morais, que têm, muitas vezes, pautado estas temáticas.
Retomo o debate que, de alguma forma, já aqui tivemos, em que a Sr.ª Ministra da Saúde defendeu
acerrimamente que a proposta de alteração dos critérios associados às atividades médicas nas unidades de
saúde familiar não eram um ataque aos direitos reprodutivos das mulheres, neste caso, aos direitos sexuais,
mas que a sociedade civil — e bem — entendeu que assim não era, deixando claro que, de facto, o direito à
interrupção voluntária da gravidez (IVG) não pode estar dependente de avaliação médica e não pode afastar-se
de um debate importante que tem de ter por base a igualdade.
Para tal deve ser garantido o acesso à educação sexual, à contraceção, à contraceção de emergência, aos
exames de rastreio e, se for necessário, à interrupção voluntária da gravidez.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É aborto!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Temos, de facto, de ter presente, neste debate, que qualquer limitação de acesso a este direito não impede o procedimento. Não empurra ninguém para o procedimento, mas também
não o impede — temos de ter a honestidade de o reconhecer — apenas impede que o mesmo seja feito sem as
condições de segurança que qualquer mulher deve ter para realizar esta prática.
É um facto que a DGS (Direção-Geral da Saúde) e o Ministério da Saúde podem vir dizer que já se fez cair
esta proposta, mas enquanto não alterarmos a própria legislação, a verdade é que há um ónus que impende
sobre as mulheres que não impende sobre os homens.
Por isso apresentamos uma proposta legislativa para que se retire o ónus do planeamento familiar única e
exclusivamente da mulher, passando a constar a palavra «pessoas» e não apenas «mulher», porque não
podemos continuar a defender a retórica do boys will be boys nem que esta prevenção continue apenas na
esfera do feminino.
Mas acho que devemos também promover um debate mais alargado. Apesar de estas alterações legislativas
que hoje debatemos incidirem única e exclusivamente sobre esta matéria, devemos começar a falar não apenas
sobre uma perspetiva de planeamento familiar, mas também de saúde sexual e reprodutiva, porque não é
apenas no contexto familiar que esta informação deve ocorrer.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Cordeiro, do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Joana Cordeiro (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda e o PAN apresentam aqui dois projetos de lei que, através da alteração das atividades associadas a compensação nas
USF-B, visam a eliminação das discriminações de género na prática clínica.
Em concreto, pretendem estas duas iniciativas fazer uma alteração à redação atual da alínea a) do n.º 1 do
artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto. Ambas as iniciativas são semelhantes, ainda que
tenham alcances que nos parecem diferentes.
Para enquadrar, a atual legislação refere, no seu artigo 29.º, a vigilância anual, em planeamento familiar, de
uma mulher em idade fértil.
O Bloco de Esquerda propõe que deixe de se fazer referência a «planeamento familiar», passando a
vigilância anual a ser feita no âmbito, mais alargado, da «saúde sexual e reprodutiva» não só da mulher em
idade fértil, mas de uma «pessoa em idade fértil ou sexualmente ativa».
Já o PAN mantém o âmbito do planeamento familiar, alterando apenas a referência «mulher» para «pessoas»
em idade fértil.
Percebemos a intenção dos proponentes e concordamos que, quer seja no âmbito do planeamento familiar,
quer seja num âmbito mais alargado, todas as pessoas em idade fértil e/ou com vida sexual ativa devem ter
vigilância nos cuidados de saúde primários, vigilância essa não só na saúde reprodutiva, mas também na saúde
sexual, para prevenção, deteção e acompanhamento de doenças ou infeções sexualmente transmissíveis.
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Assim, estamos de acordo com uma vigilância de âmbito mais abrangente e que seja ponderada nos critérios
de avaliação das unidades.
No entanto, parece-nos que, para cumprir integralmente o seu objetivo, estes dois projetos deveriam,
também, alterar o n.º 3 do artigo 38.º do mesmo decreto-lei, sob pena de que estas alterações propostas ao
artigo 29.º possam não fazer sentido.
É que, Srs. Deputados, o n.º 3 do artigo 38.º — que é relativo às modalidades de incentivos — remete para
o artigo 29.º, que os senhores alteram, mas, se aquele não for também alterado, continuará a fazer referência
— e cito — à «vigilância de mulheres em planeamento familiar», para a atribuição de incentivos financeiros
mensais.
Assim, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Iniciativa Liberal reitera que acompanha a preocupação dos
proponentes destes dois projetos de lei nos seus dois pontos essenciais, a eliminação da discriminação de
género e a amplitude da abrangência da vigilância que deverá ser não só no âmbito do planeamento familiar e
da saúde reprodutiva, mas também em toda a saúde sexual para a prevenção, deteção e acompanhamento de
doenças ou infeções sexualmente transmissíveis.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — São o Bloco de Esquerda com cartão de crédito!
A Sr.ª Joana Cordeiro (IL): — É, de facto, uma matéria relevante, que deve merecer toda a atenção dos profissionais de saúde e que deve ser acautelada e ponderada nos critérios de incentivos e de compensação
das USF-B.
Neste sentido, o Iniciativa Liberal não inviabilizará estes projetos de lei, ainda que tenhamos reservas quanto
à forma como estão redigidos, uma vez que, como referi, poderão não cumprir o seu objetivo com as redações
propostas.
Acrescento que estamos inteiramente disponíveis para contribuir para que estes projetos de lei possam ser
trabalhados e melhorados em sede de especialidade.
Aplausos do IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Frazão, do Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr.ª Presidente em exercício, Sr.as e Srs. Deputados: Estes projetos de lei não são mais do que a prova de que existe uma completa inversão de valores na política tanto do Bloco
de Esquerda como do PAN.
Temos, neste momento, um Serviço Nacional de Saúde completamente exaurido, temos notícias sobre um
excesso de mortalidade brutal todas as semanas, temos filas de espera no acesso à saúde, temos mais de 1
milhão e 300 mil portugueses sem médico de família e a vossa prioridade é vir para aqui reescrever a legislação
portuguesa para que vá ao encontro dos vossos devaneios ideológicos.
Vozes doCH: — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Isto não é mais do que uma disparatada tentativa de engenharia social. Querem tentar mudar a realidade biológica com uma linguagem dissociada da biologia humana.
Ao aborto querem chamar interrupção voluntária da gravidez e agora até já só dizem IVG — não há nada
mais inócuo do que uma bela sigla!
À eutanásia, por ser também uma dura realidade, querem «dourar a pílula», no verdadeiro sentido da palavra,
e chamam-lhe morte adiada, morte assistida ou morte antecipada.
Aplausos do CH.
E, nestas propostas, digam lá qual é a razão científica ou médica para mudar «mulher em idade fértil» para
«pessoa em idade fértil»?
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Quando falamos em consultas de planeamento de gravidez ou de saúde em ginecologia, úteros, ovários e
trompas de Falópio são órgãos femininos, Srs. Deputados.
Aplausos do CH.
E se têm dúvidas, devem voltar para o 6.º ano de escolaridade.
A seguir vão querer meter os homens em consultas de ginecologia? Ou as mulheres em consultas de
urologia? Tenham juízo, Srs. Deputados, deixem a medicina trabalhar em paz.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Querem à força que os homens engravidem? Ou querem à força que os homens abortem?
Não, não podem vir aqui propor consultas de planeamento familiar da mulher para que passem a ser de
«pessoas em idade fértil». Isto é completamente anticientífico.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro! Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E temos aqui, Srs. Deputados, um conflito entre a ciência médica e a vossa ideologia dos unicórnios.
Vou dar-vos uma aula de Biologia I: o sexo é um fator biológico e a espécie humana é sexuada. Há dois
sexos na espécie humana.
Em Semiologia Médica podemos aprender que o sexo é um parâmetro basilar e determinante da avaliação
do paciente na anamnese, no exame físico e em todo o maneio clínico do paciente.
Esta, Srs. Deputados, é uma linha vermelha que os senhores não vão passar.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sabem, Srs. Deputados, nos boletins de nascimento, só há nascituros meninos e meninas. E, por exemplo, com a pandemia da COVID-19, quando olhamos para os boletins
epidemiológicos, também só vemos, na mortalidade, homens e mulheres.
Por isso, a verdade biológica do ser humano não é alterável, nem sequer por decreto.
Aplausos do CH.
No Chega, nesta bancada, repudiamos — e repito, repudiamos — esta agenda anticientífica, anticultural e
da destruição da família natural.
As vossas bancadas fazem um ataque permanente às nossas raízes, a tudo aquilo que nos caracteriza
enquanto mulheres e homens, com uma identidade humana pessoal. Para o Bloco de Esquerda e para o PAN,
quando a ideologia esbarra na realidade não há problema, muda-se a realidade; subverte-se, por completo, e
por decreto até, a realidade biológica e antropológica do ser humano.
Depois, este projeto do Bloco de Esquerda assume até, no seu título — vejam bem — que quer «eliminar a
discriminação de género no critério de compensação associada às atividades específicas dos médicos» — citei.
Ora, assume que existe uma discriminação, mas, Srs. Deputados, em todo o regime da carreira médica, dos
suplementos, dos incentivos e das remunerações, tudo isso é completamente cego quanto ao sexo dos médicos.
As tabelas remuneratórias não discriminam entre os sexos dos médicos, nem tão-pouco o fazem os critérios
analíticos na prática clínica.
Protestos do BE.
É verdade! Por tudo isto, estes projetos terão finalmente, no Chega, um partido e uma força política que é
uma muralha de aço contra as vossas tentativas de destruição da nossa civilização.
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Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Srs. Deputados, não passarão!
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, a Mesa regista a inscrição da Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real para formular um pedido de esclarecimento, a que o Sr. Deputado não vai poder responder, porque
esgotou o seu tempo.
Ainda assim, tem a palavra, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, vou deixar a pergunta ao Sr. Deputado Pedro dos Santos Frazão, porque me parece claro que a Sr.ª Deputada e os Srs. Deputados do Chega não sabem a
distinção entre identidade de género e questões relacionadas com a biologia.
Protestos do CH.
Não era disso que estávamos a falar!
O Sr. Deputado pergunta porque é que incluímos a expressão «pessoas em idade fértil». Pois bem, não
estamos a discutir apenas questões de identidade de género, poderíamos estar a fazê-lo, mas não é o caso!
Que eu saiba, Sr. Deputado, um filho não se faz sozinho e o ónus da prevenção não deve caber apenas à
mulher. Essa é a visão machista e patriarcal que tem imperado, mas fique sabendo que podem tentar erguer
muralhas de aço no nosso País que não passarão, porque somos uma sociedade democrática, inclusiva e que
respeita os direitos humanos de homens, de mulheres e também de pessoas trans.
Protestos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa do Bloco de Esquerda é boa e merece ser apoiada.
Identifica uma discriminação que estava na lei e que tinha consequências práticas, corrige-a e, portanto, faz
aquilo que se deve fazer em sede de legislação.
Como toda a gente nesta Casa sabe, mas fora desta Casa muita gente não sabe, os Deputados únicos não
têm os mesmos privilégios de agendamento de iniciativas e, portanto, as suas iniciativas devem ser arrastadas.
Quando vimos a iniciativa do Bloco, procurámos ver se havia alguma necessidade de acrescentar ou diminuir o
que nela constava, mas não havia, assim como não havia necessidade de procurar sinónimos ou de acrescentar
ou diminuir vírgulas.
Ou seja, o debate que começou com a métrica dos médicos não deve ser confundido com as métricas dos
Deputados. É com todo o gosto que votaremos a favor desta iniciativa.
Vemos com algum espanto que um partido que tinha no programa que a família era a unidade criada por um
homem e uma mulher, aliás, era a única vez que a palavra mulher aparecia nesse programa, agora ache que,
em consultas de planeamento familiar, não devem caber os homens.
Não sei se vão ainda a tempo de corrigir o vosso programa, mas certamente vale a pena consultarem-no
para não entrarem em contradições flagrantes quando a seguir tentam fazer…
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — O senhor tem um problema de audição! Não foi isso que foi dito!
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, não entrem em diálogo. Peço ao Sr. Deputado Rui Tavares que conclua.
O Sr. Rui Tavares (L): — Uma coisa é a hipérbole de tentarem fazer de uma alteração legislativa a queda da civilização ocidental, mas já agora tentem não o fazer entrando em contradição flagrante com o vosso próprio
programa que apresentaram ainda há quatro meses.
Protestos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Berta Nunes, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não obstante a criação do grupo técnico de apoio à revisão do modelo da organização e funcionamento das unidades de saúde familiar, cujo relatório
prevemos conhecer até ao final deste mês, tal não prejudica a nossa participação na discussão das iniciativas
em presença.
Acompanhamos estas propostas na generalidade, tanto mais quanto estes temas da saúde sexual e
reprodutiva e da igualdade de género são centrais nas políticas do Governo e do Partido Socialista.
Pretendemos, em sede de especialidade, contribuir para o aperfeiçoamento dos critérios das atividades
específicas associadas à compensação das USF tipo B, nomeadamente o critério atual de vigilância em
planeamento familiar da mulher em idade fértil, alargando o seu âmbito para acompanhamento em saúde sexual
e reprodutiva de uma pessoa em idade fértil ou sexualmente ativa.
Tal eliminará a discriminação de género que atribui à mulher a responsabilidade pelo planeamento familiar e
inclui o homem como um elemento ativo e responsável, no planeamento familiar e na saúde sexual,
nomeadamente na prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, o que implica o uso do preservativo,
sendo esta utilização da responsabilidade do homem e da mulher.
Pretende-se também, neste acompanhamento da pessoa em idade fértil ou sexualmente ativa, incluir a saúde
sexual não ligando a sexualidade unicamente à reprodução, mas também ao bem-estar, na definição da
Organização Mundial da Saúde, a saúde como um estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas à
ausência de doença.
Pode ainda — e na nossa opinião deve — substituir-se a palavra «vigilância», nos critérios das atividades
específicas, pela palavra «acompanhamento», incluindo a pessoa como parte ativa e informada na manutenção
da sua saúde ou na prevenção das complicações das doenças crónicas incluídas nos critérios como, no caso
em apreço, a hipertensão e a diabetes.
Estas iniciativas para génese de uma lei que evite discriminações de género e não ligue a sexualidade apenas
à reprodução merecem a nossa concordância. Pretendemos contribuir, na especialidade, para o
aperfeiçoamento do âmbito dos projetos de lei agora apresentados, tendo por base os valores da igualdade de
género e o respeito pela autonomia e autodeterminação das pessoas.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Fernanda Velez, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O grupo técnico de apoio à revisão do modelo de organização e funcionamento das unidades de saúde familiar propôs que entrassem na avaliação
dos clínicos das USF modelo B os indicadores associados à interrupção voluntária da gravidez e às doenças
sexualmente transmissíveis, tendo impacto na remuneração dos profissionais de saúde.
No caso concreto da proposta apresentada, determinava-se que quanto menor o número de interrupções
voluntárias da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis em mulheres, entre outros indicadores, melhor
seria a avaliação das equipas.
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Os indicadores ausência de IVG e ausência de ITS (infeção transmitida sexualmente) visavam alegadamente
promover uma mais eficaz intervenção dos médicos de família nas atividades de educação sexual e
planeamento familiar.
O grupo técnico considerou que não tinha intenção de beliscar o direito à interrupção voluntária da gravidez,
nomeadamente a liberdade e o direito de escolha das mulheres, mas foi exatamente isso que acabou por fazer.
O Grupo Parlamentar do PSD considera hoje, e desde o primeiro minuto, que se trata de uma proposta
desrespeitadora dos direitos das mulheres e altamente penalizadora para os profissionais de saúde.
Perante a indignação da bancada do PSD, a Sr.ª Ministra da Saúde, na audição realizada no âmbito da
apreciação, na especialidade, do Orçamento do Estado para 2022, defendeu que o facto de a interrupção
voluntária da gravidez entrar na avaliação dos médicos de família, e cito, «obviamente, não penaliza nem os
utentes nem o médico».
Com esta afirmação, a Sr.ª Ministra não demonstrou qualquer flexibilidade em relação a segundos
entendimentos e até manifestou a sua indignação com a posição do PSD em defesa dos direitos das mulheres
e dos médicos de família. Não nos surpreende esta atitude porque a falta de humildade da tutela tem sido
reiteradamente demonstrada.
A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Muito bem!
A Sr.ª Fernanda Velez (PSD): — Felizmente, o grupo técnico autor da proposta teve outra sensibilidade, acolheu os diversos feedbacks e decidiu bem ao retirar a proposta 24 horas depois.
De facto, no dia seguinte à apresentação, o grupo técnico entendeu proceder à retirada dos indicadores,
ausência de IVG e ausência de ITS, da proposta de revisão dos critérios para atribuição de unidades ponderadas
às atividades específicas dos profissionais inseridos em USF modelo B por reconhecer, e cito, que «os
indicadores em causa são suscetíveis de leituras indesejáveis».
Já nas palavras do coordenador do grupo para a reforma dos cuidados de saúde primários, João Rodrigues,
e cito também, «há indicadores tecnicamente bons, mas socialmente maus, e estes eram casos desses».
O Grupo Parlamentar do PSD congratula-se com este retrocesso e com o pedido de desculpa que o grupo
técnico dirigiu, e passo a citar, «a todas as mulheres que se sentiram ofendidas com esta proposta».
Gostávamos de ter visto uma atitude semelhante por parte da Sr.ª Ministra da Saúde que, após uma acérrima
defesa dos indicadores, não voltou a referir o tema depois da revisão da proposta.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do PSD concorda com a necessidade de
defender medidas que incentivem o planeamento familiar e assegurem o acesso à informação e a métodos de
contraceção eficazes para mulheres e homens, mas terão de ser encontrados outros indicadores que não
colidam com direitos fundamentais adquiridos nem resultem na penalização dos profissionais de saúde.
Reiteramos que o caminho a desenvolver passa sobretudo pela promoção da atratividade do SNS para os
profissionais de saúde. Atrair médicos e fidelizá-los só é possível com condições dignas de trabalho, incentivos
e, acima de tudo, respeito pela profissão e pelos profissionais.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não há reforma dos cuidados de saúde primários, sem médicos. De
nada servirá reformular grelhas de avaliação se não existirem profissionais para avaliar, sendo esse, hoje em
dia, o grande problema do SNS, um problema que urge resolver a fim de assegurar o acesso universal dos
portugueses à saúde, cumprir a meta tão reiteradamente adiada de atribuir um médico de família por cada utente
e garantir a qualidade de resposta assistencial nos cuidados de saúde de proximidade.
Que seja este o principal foco das reformas em vista para os cuidados de saúde primários porque, sim, para
o Grupo Parlamentar do PSD, esse deve ser um desiderato nacional.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os dois projetos de lei que hoje aqui apreciamos preveem alterações associadas à compensação das atividades específicas dos médicos das USF.
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Numa primeira observação, o PCP manifesta uma preocupação muito grande relativamente a estes modelos
de prestação de cuidados assentes em pagamentos de incentivos à produtividade. É que, Srs. Deputados, a
prestação de cuidados assente em modelos que pressupõem a produtividade esquece aquelas que são as reais
necessidades dos utentes, pois não vê o utente em função da necessidade da promoção da saúde e da
prevenção da doença, mas, sim, como mais um número para preencher as folhas de Excel para obter
indicadores no final do mês e no final do ano.
Esta é uma preocupação, até porque os utentes devem ser vistos em função dos resultados centrados no
utente e não em processos ou, nomeadamente, em atos. O que conta, nestes modelos, são os atos e não, em
si, os resultados dos benefícios dos ganhos em saúde para a população.
Nesse sentido, importa também salientar que este modelo indica o caminho da privatização dos cuidados de
saúde primários, nomeadamente das USF modelo C, o que é muito perigoso. Faz outra coisa profundamente
injusta que é criar discriminações, principalmente desigualdades de condições remuneratórias, em função
daquilo que é uma unidade funcional, a USF, por oposição a outras unidades funcionais, como se outras
unidades funcionais, nomeadamente as USP (unidades de saúde pública), ou até mesmo as UCC (unidade de
cuidados na comunidade) ou as URAP (unidades de recursos assistenciais partilhados), não prestassem os
mesmíssimos cuidados.
Em todas elas o PCP tem defendido que não existam discriminações, desigualdades em termos
remuneratórios.
Voltando à discussão do planeamento familiar, que é uma componente fundamental na prestação e no
acesso aos cuidados de saúde, este representa uma conquista em termos de direitos à saúde sexual e
reprodutiva do homem e da mulher, mas, Srs. Deputados, sobretudo, da mulher.
Srs. Deputados, são elas que suportam as gravidezes não planeadas ou indesejadas, são elas que suportam
as culpabilizações que lhes são atribuídas por falha de métodos contracetivos, sendo que muitas até têm que
ver com o homem, são também elas que sofrem os prejuízos para a sua carreira profissional. O que quero dizer
com isto é que compreendemos e acompanhamos a preocupação de haver necessidade de alargar aos homens
este envolvimento no planeamento familiar.
É necessário fazer isso, mas o desafio que se nos coloca, e considerando a posição que o PS aqui assumiu
de levar para a especialidade o trabalho deste projeto, é como é que vamos conseguir não perder os ganhos
que se tiveram relativamente à mulher em termos de planeamento familiar e conseguir ganhar…
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. João Dias (PCP): — Termino já, Sr.ª Presidente. Como dizia, acima de tudo, o desafio está em garantir que estas alterações à lei não signifiquem desvalorizar
o planeamento familiar que se conseguiu para a mulher, mas que permitam ganhar e alargar o envolvimento do
homem nesse mesmo planeamento familiar.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, chegámos ao fim do debate. Para proceder ao encerramento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do
Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, registo que, com a exceção de um único grupo parlamentar, estamos todos de acordo que é necessário que as questões de saúde sexual e reprodutiva
abranjam todas as pessoas, homens e mulheres, sem discriminar.
Houve apenas aqui uma intervenção um pouco estranha que foi a intervenção do Chega e, se bem percebi
a intervenção do Sr. Deputado do Chega, nem lhe passa pela cabeça que um homem seja chamado a conversar
com um médico sobre o planeamento familiar ou sobre saúde sexual e infeções sexualmente transmissíveis, o
que é extraordinário.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Isso já acontece!
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A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Deputado, estava a ouvir a sua intervenção e a pensar o seguinte: será que o Sr. Deputado do Chega não sabe que os homens também se reproduzem, que também fazem parte da
reprodução? Será que o Sr. Deputado do Chega não sabe que os homens podem ter infeções sexualmente
transmissíveis?
Na verdade, há um estudo que nos diz que 60% dos rapazes em Portugal têm muitas dúvidas, mas eu julgo
que a percentagem é maior naquela bancada…
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — É por isso que o acesso a consultas de saúde sexual e reprodutiva para homens e mulheres neste País é tão importante para a saúde de todas e de todos, mesmo para quem é incapaz
de conceber estas matérias como sendo centrais.
Aplausos do BE.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Santa ignorância!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Queria ainda, brevemente, dizer o seguinte: claro que, na especialidade, este projeto deve ser melhorado, achamos que sim, foi detetado um problema e estamos a tentar corrigi-lo.
Na verdade, estamos a tentar corrigir um dos muitos problemas que temos nesta matéria e mesmo, nesta
legislação, haverá mais questões. Compreendemos a necessidade de aumentar a abrangência sem diminuir os
direitos das mulheres e essa é também uma das nossas preocupações, mas achamos que as mulheres também
estão mais defendidas quanto mais os homens forem chamados às questões da saúde sexual e reprodutiva,
naturalmente.
Dito isto, ainda bem que o Partido Socialista também está de acordo agora, mas bom seria também que
estivéssemos de acordo em garantir médico de família a toda a gente para que estas consultas fossem uma
realidade.
Aplausos do BE.
Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Chegámos ao fim da nossa ordem do dia, mas não ao fim da sessão. E, portanto, passo a palavra...
Protestos do CH e contraprotestos do BE.
Srs. Deputados, não há diálogo.
Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.
Sr. Deputado do Chega, se faz favor. Não há diálogo, pois estamos noutra fase da sessão.
Tem a palavra a Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha para nos dar conta das informações habituais.
Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, passo a informar o Hemiciclo de que os Srs. Deputados Pedro Cegonho, do Partido Socialista, Emília Cerqueira, do Partido Social Democrata,
Luís Capoulas Santos, do Partido Socialista, Ana Isabel Santos, do Partido Socialista, e João Torres, do Partido
Socialista, assistiram aos trabalhos por videoconferência, em virtude de se encontrarem em isolamento
profilático.
É tudo, Sr.ª Presidente.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.as e Srs. Deputados, o Plenário reúne-se, novamente, amanhã, quinta-feira, às 15 horas.
O primeiro ponto da ordem do dia, cuja fixação foi requerida pelo PS, consiste na discussão conjunta dos
Projetos de Lei n.os 74/XV/1.ª (PS) — Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível,
e altera o Código Penal, 5/XV/1.ª (BE) — Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é
punível e altera o Código Penal, 83/XV/1.ª (PAN) — Regula as condições em que a morte medicamente assistida
não é punível e procede à alteração do Código Penal, 111/XV/1.ª (IL) — Regula as condições em que a morte
medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, na generalidade, e do Projeto de Resolução n.º
62/XV/1.ª (CH) — Realização de um referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida.
No segundo ponto da ordem de trabalhos teremos votações regimentais.
Chegámos, agora sim, ao fim da nossa sessão. Desejo a todos uma boa tarde e até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 6 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.