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Quinta-feira, 30 de junho de 2022 I Série — Número 29

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE29DEJUNHODE 2022

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 10

minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei

n.º 19/XV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 184, 185 e 187 a 197/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 133 a 140/XV/1.ª

Procedeu-se a um debate, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e

Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, sobre as prioridades da Presidência checa. Proferiram intervenções, além do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Tiago Antunes) — que abriu e encerrou o debate —, os Deputados Luís Capoulas Santos e Natália Oliveira (PS), Sérgio Marques (PSD), André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim (CH),

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Bernardo Blanco (IL), Diana Ferreira (PCP), Mariana Mortágua (BE), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).

Procedeu-se a um debate, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, sobre os instrumentos da governação económica da União Europeia. Proferiram intervenções, além do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus — que abriu e encerrou o debate —, os Deputados Carlos Brás e Miguel Matos (PS), Paulo Moniz (PSD), Bruno Nunes e Filipe Melo (CH), Bernardo Blanco (IL), Diana Ferreira (PCP), Mariana Mortágua (BE), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).

Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 108/XV/1.ª (PS) — Reforça a salvaguarda do interesse público, a autonomia e a independência da regulação e promoção do acesso a atividades profissionais, alterando a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, 9/XV/1.ª (PAN) — Estabelece a remuneração obrigatória dos estágios profissionais para o acesso ao exercício da profissão, procedendo à primeira alteração da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e dos estatutos de diversas associações públicas profissionais, 177/XV/1.ª (CH) — Elimina restrições injustificadas no acesso a profissões reguladas e estabelece limites à duração e organização dos estágios e 178/XV/1.ª (IL) — Reforma regulatória das associações públicas profissionais, combate ao corporativismo e democratização do acesso às profissões (primeira alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro). Usaram da palavra os Deputados Joana Sá Pereira (PS) — que abriu

o debate —, Inês de Sousa Real (PAN), André Ventura (CH), Rui Rocha (IL), Paula Cardoso (PSD), Pedro Delgado Alves (PS), José Moura Soeiro (BE), Rui Tavares (L), Diana Ferreira (PCP), Alexandra Leitão (PS), Emília Cerqueira (PSD), Miguel Matos (PS), Pedro Pinto (CH), Rodrigo Saraiva (IL) e Eurico Brilhante Dias (PS), que encerrou o debate.

Foram discutidos, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 141/XV/1.ª (CH) — Altera a Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital no sentido de garantir o cumprimento do direito à liberdade de expressão, 179/XV/1.ª (IL) — Protege a liberdade de expressão online e 180/XV/1.ª (PS) — Simplifica o regime de proteção contra a desinformação, assegurando a sua articulação com o Plano Europeu de Ação Contra a Desinformação, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Intervieram os Deputados Bruno Nunes (CH), que abriu o debate, João Cotrim Figueiredo (IL), Bruno Aragão (PS), Alma Rivera (PCP), Sara Madruga da Costa (PSD), Rui Tavares (L), Pedro Filipe Soares (BE) e Rita Matias (CH), que encerrou o debate.

Foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados relativo à renúncia ao mandato de uma Deputada do PS, à assunção do mandato correspondente e à respetiva substituição.

Deu-se conta da Deputada que esteve presente, por videoconferência, na reunião plenária.

Deu-se, ainda, conta da não admissão do Projeto de Lei n.º 198/XV/1.ª

O Presidente (Adão Silva) encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, muito boa tarde. Estamos em condições de iniciar a sessão, visto que temos quórum e estão já presentes representantes de

todas as bancadas parlamentares.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Peço aos Srs. Agentes da autoridade que abram as galerias ao público.

Peço à Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Palmira Maciel o favor de proceder à leitura do expediente.

Faça favor, Sr.ª Secretária.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, várias iniciativas legislativas.

Refiro, em primeiro lugar, a Proposta de Lei n.º 19/XV/1.ª (GOV), que baixa à 1.ª Comissão.

Deram, também, entrada na Mesa os Projetos de Lei n.os 184/XV/1.ª (CH), que baixa à 2.ª Comissão, em

conexão com a 8.ª Comissão, 185/XV/1.ª (PSD), que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão,

187/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 188/XV/1.ª (PSD), que baixa à 13.ª Comissão, 189/XV/1.ª (CH),

que baixa à 14.ª Comissão, 190/XV/1.ª (CH), que baixa à 6.ª Comissão, 191/XV/1.ª (L), 192/XV/1.ª (BE),

193/XV/1.ª (BE), 194/XV/1.ª (PAN), que baixa à 5.ª Comissão, em conexão com a 9.ª Comissão, 195/XV/1.ª

(PAN), que baixa à 13.ª Comissão, em conexão com a 10.ª Comissão, 196/XV/1.ª (PAN), que baixa à 13.ª

Comissão, em conexão com a 9.ª e a 10.ª Comissões, e 197/XV/1.ª (PAN), que baixa à 13.ª Comissão, em

conexão com a 9.ª e a 10.ª Comissões.

Deram, ainda, entrada na Mesa os Projetos de Resolução n.os 133/XV/1.ª (CH), 134/XV/1.ª (PCP), 135/XV/1.ª

(L), que baixa à 4.ª Comissão, 136/XV/1.ª (PCP), que baixa à 9.ª Comissão, 137/XV/1.ª (PCP), que baixa à 2.ª

Comissão, 138/XV/1.ª (L), 139/XV/1.ª (L) e 140/XV/1.ª (PSD), que baixa à 6.ª Comissão, em conexão com a 7.ª

e a 11.ª Comissões.

O Sr. Presidente: — Vamos, então, entrar na ordem do dia, cujo primeiro ponto é o debate, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da

República, no âmbito do Processo de Construção da União Europeia, sobre as prioridades da Presidência checa.

Para a intervenção de abertura do debate, em nome do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado

dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes.

Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Tiago Antunes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Presidência checa do Conselho da União Europeia está prestes a começar e a sensibilidade do

momento em que o fará exige de todos nós a disponibilidade e o espírito de colaboração necessários neste

momento.

Inserida no trio de presidências que foi inaugurado por França no início deste ano, a Presidência checa

assumirá funções com uma realidade bem diferente daquilo que se perspetivou no programa do trio.

Naturalmente, tendo sido apresentado no fim de 2021, este programa focava‐se maioritariamente na

recuperação económica e social dos Estados‐Membros, após os impactos e consequências gerados pela

pandemia. Mas o dia 24 de fevereiro de 2022 — mais concretamente, a madrugada do dia 24 de fevereiro —

veio alterar não só a vida de um país, que se viu súbita e injustificadamente invadido por outro, mas também de

todo o projeto europeu e das suas prioridades.

A União Europeia uniu‐se em torno do apoio inequívoco à Ucrânia, nos planos político, humanitário, financeiro

e militar, e decidiu, como é sabido, no último Conselho Europeu, atribuir‐lhe o estatuto de país candidato à

adesão à União Europeia. Simultaneamente, aplicou já seis pacotes de sanções à Rússia e aos seus aliados.

Tudo isto por unanimidade, numa frente unida, solidária e firme. Uma Europa que não vacila, que se reinventa

para encontrar as soluções necessárias e que sabe, sem receios, de que lado tem de estar. Uma União Europeia

que não ignora as consequências sociais e económicas que uma guerra à sua porta provoca no nosso dia a dia.

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E por isso, compreensivelmente, a gestão dos impactos da guerra na Ucrânia será uma preocupação central

da presidência da Chéquia, que já definiu cinco prioridades concretas para os próximos seis meses, a saber: a

gestão da crise de refugiados e a recuperação da Ucrânia no pós‐guerra; a segurança energética; o reforço das

capacidades de defesa e da cibersegurança da Europa; a resiliência estratégica da economia europeia; e a

resiliência das suas instituições democráticas. Uma concretização multidimensional da mensagem que o próprio

lema da Presidência checa encerra, citando, aliás, um grande europeu, Václav Havel: «Europe as a task: rethink,

rebuild, repower».

Sobre a primeira destas prioridades, a gestão da crise dos refugiados e a recuperação da Ucrânia no pós‐

guerra, a presidência da Chéquia irá concentrar esforços em manter a União Europeia como um ator relevante

no apoio ao povo ucraniano e na condenação da Rússia, quer através da prossecução do envio de ajuda militar,

humanitária e financeira, quer na aplicação das sanções à Rússia e aos seus aliados.

A União Europeia enfrenta a maior vaga de refugiados desde o fim da II Guerra Mundial e a Presidência

checa propõe‐se mobilizar e coordenar todos os recursos necessários para a sua integração e acolhimento no

solo europeu. Fá‐lo‐á, prestando especial atenção às crianças refugiadas, que necessitarão de todo o apoio

para a integração nas escolas e para o acesso a uma educação digna.

Nesta primeira prioridade, está também presente a preocupação de dotar a Ucrânia de todos os recursos

necessários para a sua recuperação e para a reconstrução no período pós‐guerra, que esperemos possa iniciar‐

se o mais brevemente possível.

Quanto à segurança energética, a segunda prioridade da Presidência checa, importa referir o caminho difícil

mas célere que a União Europeia já percorreu neste curto espaço de tempo, designadamente em torno do plano

REPowerEU.

A guerra na Ucrânia veio demonstrar que a União Europeia não pode depender da Rússia para o

fornecimento de energia e a missão da Presidência checa passará agora por assegurar uma progressiva e

rápida autonomização e modernização da União Europeia no setor energético. E, como não existe segurança

energética sem transição energética, é importante que as metas e objetivos do pacote «Fit for 55» sejam

observados em todos os passos deste processo. Ainda ontem, dia 28 de junho, no Conselho (Ambiente), tivemos

uma concretização deste pacote, muito importante para atingir os objetivos do Pacto Ecológico Europeu. E

Portugal tem todas as condições para ser um ator central nesta transição.

Em terceiro lugar, a Presidência checa procurará reforçar a capacidade de defesa da União Europeia,

nomeadamente através da parceria com a NATO (North Atlantic Treaty Organization). É fundamental solidificar

e modernizar a União Europeia e a sua indústria no campo da defesa.

Este reforço não pode deixar de olhar para as novas formas de defender os territórios, com particular

incidência na cibersegurança, como um recurso cada vez mais essencial para detetar ameaças ou prevenir

ataques.

Em quarto lugar, a Presidência checa irá ter como prioridade a resiliência económica. Primeiro, com a

pandemia e, depois, com a guerra na Ucrânia, a União Europeia viu expostas as suas vulnerabilidades e a sua

dependência de cadeias de abastecimento globais instáveis, volúveis, e que não controlamos. Acresce que os

mercados e as economias europeias atravessam uma fase de grande incerteza quanto ao futuro e a inflação é

já uma realidade preocupante em todos os Estados‐Membros.

Por isso, a Chéquia irá ter como um dos eixos orientadores da sua presidência a reindustrialização e

modernização industrial da União Europeia, mas também a criação das condições e ferramentas necessárias

para fazer face aos riscos de crise económica decorrentes da atual situação geopolítica.

Neste âmbito, a Presidência checa pretende ainda dar um fôlego renovado à negociação e conclusão de

importantes acordos comerciais com outros países e regiões do globo.

A quinta prioridade da Presidência checa, a resiliência das instituições democráticas da União, talvez seja a

que está menos diretamente relacionada com a guerra na Ucrânia, mas será certamente um dos temas mais

recorrentes no debate europeu dos próximos tempos.

A Chéquia irá, desde logo, dar seguimento ao caminho iniciado pela Conferência sobre o Futuro da Europa

e colocar em discussão algumas das ideias propostas pelos cidadãos europeus nessa sede.

As prioridades da Presidência checa do Conselho serão, no fundo, também, prioridades do Governo

português nos próximos seis meses. Esperamos contar com Assembleia da República, com todos vós, neste

caminho.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos iniciar a fase do debate. Pelo Partido Socialista, tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos hoje, aqui, a discutir o programa da segunda Presidência checa do Conselho da

União Europeia, o qual procura enquadrar, à luz do contexto presente, o programa do trio de presidências —

França, Chéquia e Suécia —, de dezembro de 2021, que, por sua vez, pretende dar execução à Agenda

Estratégica da União Europeia para 2019-2024.

Longe estávamos de poder, sequer, imaginar que a Presidência checa se iria iniciar no segundo semestre

de 2022, ao 129.º dia de uma guerra inadmissível e injustificável na Europa, que representa a maior violação da

Carta da ONU (Organização das Nações Unidas) e o eventual colapso da ordem internacional, que garantiu ao

continente europeu o maior período de paz que toda a sua história conheceu.

Esta guerra injusta e criminosa, que há mais de quatro meses ceifa vítimas inocentes, civis e militares, e que

destrói metódica e cirurgicamente toda a infraestrutura de um país inteiro, cujo único desejo é viver fora da órbita

de Moscovo, que no seu território já cometeu os maiores crimes, de que o Holodomor, que em ucraniano significa

«deixar morrer de fome», é dos mais odiosos: mais de 3 milhões de ucranianos morreram, nos anos de 1932 e

1933, ironicamente, no celeiro da Europa, porque os russos, literalmente, lhes roubaram as colheitas.

A aproximação dos rigores do inverno das latitudes do centro da Europa deixa antever uma catástrofe

humanitária de grandes proporções, para além da que começa a instalar-se nos países mais carenciados, devido

à escalada do preço dos alimentos e, em particular, dos cereais.

Assistimos, assim, ao avolumar das nuvens que podem conduzir à tempestade perfeita, tendo em conta que

não se vislumbram condições para a paz a curto prazo. Ainda ontem, a parte russa reafirmou que a sua única

condição para tal é a capitulação incondicional da Ucrânia.

Não admira, assim, que as prioridades da Presidência checa do Conselho se concentrem, no essencial, na

tentativa de resposta à crise provocada pela Rússia e pela COVID-19, de que já quase nos esquecemos.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode, nestes termos, deixar de concordar com as prioridades

da presidência, sem prejuízo do debate aprofundado que iremos realizar, em sede de comissão, no próximo dia

12 de julho, com o embaixador da Chéquia.

Assim, sem deixar de felicitar o Governo pela postura solidária, construtiva e responsável que tem assumido

ao longo desta crise e, tendo em conta o atual contexto e também à luz das conclusões do último Conselho

Europeu, que concedeu o estatuto de país candidato, na prática, a três novos Estados, elevando, assim, a curto

prazo, para sete ou oito o número de países nesta condição — o que implicará, inevitavelmente, como aqui foi

dito recentemente pelo Sr. Primeiro-Ministro, alterações significativas na arquitetura orçamental e institucional

da União Europeia —, gostaria, Sr. Secretário de Estado, de lhe perguntar se o Governo português antevê que

um país do Leste na presidência do Conselho, neste momento, possa ter influência para a abertura de um

processo de revisão dos tratados.

Recordo que os atuais países candidatos, e os que provavelmente o serão a curto prazo, representam uma

população de quase 150 milhões de pessoas e que, entre 2004 e 2007, integrámos 12 novos Estados-Membros,

a que corresponderam outros cerca de 100 milhões. Todos estes países são e serão beneficiários líquidos do

orçamento da União Europeia.

Sr. Secretário de Estado, sobreviverá a União Europeia a tal impacto?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Natália Oliveira, do Grupo Parlamentar do PS.

A Sr.ª Natália Oliveira (PS): — Sr. Presidente, Caras e Caros Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A Europa representa, para cada europeu, a esperança e a segurança de um espaço comum de paz,

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democracia, liberdade, justiça social, Estado de direito e responsabilidade ambiental. Essa é a experiência do

projeto europeu que Portugal tem tido nos últimos 36 anos, que a República Checa tem tido nos últimos 18 anos

e é ainda a aspiração de países candidatos à União Europeia, entre eles a Ucrânia, sobretudo no momento em

que vivemos, onde estes valores são ameaçados pela Federação Russa.

A guerra está de volta e a história trágica que ela implica tem-nos sensibilizado e mobilizado, a todos nós,

europeus. As consequências humanitárias e económicas estão já a ser sofridas e sentidas por toda a Europa,

sobretudo pelos nossos parceiros no leste europeu, como a Chéquia, que agora assume a presidência do

Conselho da União Europeia.

É, por isso, natural que a Presidência checa venha conduzir a União Europeia a centrar-se nos problemas

que decorrem da invasão da Ucrânia, mas também da urgente resposta necessária para garantir a segurança e

resiliência da Europa perante esta crise complexa.

O Primeiro-Ministro da República Checa comprometeu-se, nesta presidência do Conselho da União

Europeia, a ajudar a Ucrânia de todas as maneiras possíveis, a cortar a dependência europeia da energia russa

e a reduzir a inflação elevada, enquanto consequência direta da guerra de Putin contra o mundo ocidental.

O Governo português e os portugueses têm manifestado uma solidariedade exemplar em ajudar a Ucrânia

de todas as maneiras, nomeadamente na gestão desta crise humanitária e no acolhimento dos refugiados em

Portugal. Portugal conta, neste último mês, com mais de 37 000 refugiados, entre eles 4000 crianças em escolas

portuguesas.

Para além desta ajuda imediata, sabemos que Portugal tem condições de contribuir para apoiar a Europa

neste processo necessário de cortar a nossa dependência da energia russa. Isto passa por um processo de

reforço da resiliência económica e da soberania energética partilhada entre Estados-Membros. Este processo

passa obrigatoriamente pela aceleração da descarbonização e do investimento em energias renováveis.

Em janeiro e março, os portugueses elegeram, de forma expressiva, o Partido Socialista e este Governo,

com um programa cujo primeiro desafio estratégico era precisamente o de dar resposta às alterações climáticas

de forma ambiciosa. As metas que estabelecemos e antecipámos para o aumento das energias renováveis na

produção de eletricidade e de energia são um compromisso nacional que permite a Portugal colocar-se numa

posição competitiva para contribuir para a redução da dependência externa da União Europeia dos combustíveis

fósseis e, em especial, das importações da Federação Russa.

Portugal esteve sempre à altura dos desafios de aprofundar e reforçar o projeto europeu e, neste momento

de guerra, de reconfiguração do nosso mercado único, queremos também reforçar o nosso papel de coautores

da nova União Europeia, que precisamos de melhor edificar, em resposta a este contexto singular.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir, por favor.

A Sr.ª Natália Oliveira (PS): — Sr. Secretário de Estado Tiago Antunes, o nosso Primeiro-Ministro, nos primeiros meses de guerra, tocou-nos e representou-nos quando disse que cada dia de guerra era mais um dia

de dor para Portugal e para a Europa.

Dadas estas prioridades e o compromisso que temos pela paz e pelo apoio à recuperação no pós-guerra,

que papel ativo deve Portugal ter no seio desta nova Presidência checa da União Europeia?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Marques.

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Saudamos a presidência da República Checa e confiamos que seja bem-sucedida.

Os tempos tremendamente exigentes que atravessamos, e que mudaram a Europa e o mundo, serão com

certeza um forte estímulo para uma liderança decidida e esclarecida da União Europeia, por parte da nova

presidência.

Num tempo em que os valores europeus foram brutalmente postos em causa pela Rússia, a presidência do

Conselho da União Europeia não podia estar em melhores mãos. O povo checo sentiu também na carne uma

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invasão imperialista do seu território, quando os tanques soviéticos tomaram Praga, em 1968, para pôr fim a

qualquer veleidade democrática que então germinava na Checoslováquia.

É inspirador que seja Václav Havel a dar o lema para o programa da presidência, ele que foi um dos grandes

obreiros da Revolução de Veludo, que garantiu, pela via pacífica, a transição para a democracia na

Checoslováquia, em 1989.

Hoje, como então, vivemos tempos históricos com profundíssimo impacto geopolítico. Então, acontecimentos

auspiciosos e exaltantes, como a queda do Muro de Berlim, o fim do império soviético e o alastrar da democracia

ao leste europeu, levaram, anos mais tarde, em 2004, ao grande alargamento e à unificação europeia. Uma

Europa que, nas palavras sábias do Papa João Paulo II, finalmente «respirava com dois pulmões».

Hoje, acontecimentos de terror, barbárie e sofrimento humano inaudito, com a guerra de novo na Europa,

não podiam ter outra consequência que não fosse a perspetiva de um novo alargamento, com a Ucrânia no topo

da lista.

Hoje, como então, exige-se visão, liderança e a perceção do momento histórico que vivemos.

Hoje, como então, com o Tratado de Maastricht, será inevitável um novo momento de refundação do projeto

europeu ou, usando os termos inscritos no documento que apresenta as prioridades da presidência da República

Checa, de repensar e reconstruir a Europa.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Regozijamo-nos com a atribuição do estatuto de candidato à Ucrânia

e com a postura esclarecida da Presidente da Comissão Europeia, que, desde o primeiro momento, nunca

deixou de lutar por tal estatuto. O mesmo se diga do Governo da República Checa, que, coerentemente,

inscreveu tal objetivo no programa da sua presidência.

Já quanto ao Governo português, não podemos deixar de manifestar a nossa total incompreensão pela

postura oposta que assumiu, de reticência e relutância,…

Aplausos do PSD.

… de quase oposição à concessão do estatuto de candidato à Ucrânia, infletindo a sua posição apenas à

última hora, para não ficar a falar sozinho.

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Qual o impedimento para deixar do lado da Ucrânia a iniciativa de encetar o complexo processo reformista que a conduzirá à adesão?! Diga-se, aliás, que, se a vontade da Ucrânia, de

realizar as profundas transformações necessárias para cumprir os critérios de adesão, for idêntica àquela que

tem demonstrado a combater o invasor, creio que não serão necessários assim tantos anos para que a porta de

entrada na União lhe seja aberta.

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Como ser-se reticente, quando a Ucrânia paga com muito sangue derramado a sua opção pela Europa?!

Como ter-se dúvidas, quando o heroico povo ucraniano luta com tudo o que tem para não ficar sujeito ao

poder totalitário de Putin?!

Como ser-se relutante, quando a atribuição do estatuto de candidato constitui um fortíssimo sinal de

solidariedade para com a Ucrânia e um fator poderoso de moralização e ânimo para os seus corajosos

combatentes que lutam pela liberdade do povo ucraniano, mas também pela nossa liberdade?!

Dizia o Primeiro-Ministro que não podíamos frustrar as expetativas da Ucrânia com um processo de adesão

que se poderia eternizar.

O Sr. Miguel Matos (PS): — E bem!

O Sr. Sérgio Marques (PSD): — Mas a frustração maior não seria fechar-lhes agora a porta, negando-lhes aquilo por que mais lutam?!

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O Governo e, em particular, o Primeiro-Ministro, António Costa, parecem não ter ainda percebido quão

profundamente mudou a ordem europeia e global e a necessidade de a União Europeia se assumir cada vez

mais como entidade geopolítica.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os meses da presidência da República Checa serão duros e

desafiantes. Os caminhos e as prioridades que nos propõe são incontornáveis. Minar a unidade europeia

continuará a ser o grande propósito de Putin. Fazer esmorecer o apoio da opinião pública ocidental à causa

ucraniana é central na estratégia russa.

Não descuremos, por isso, o apoio aos mais vulneráveis, fustigados pela galopante inflação, tributados

duramente por este injusto imposto escondido. E, aqui, o Governo pode fazer bem mais, não deitando mão a

políticas de austeridade encapotadas.

Os resultados das últimas cimeiras — Conselho Europeu, G7 (Grupo dos Sete) e NATO — vão no sentido

certo: demonstram força e determinação para conter a ameaça russa e dão-nos razões para estarmos

confiantes.

Perseverança e resiliência esperam-se de todos nós.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, acabo de saber que não admitiu à discussão mais um projeto de lei do Chega, o que é um mau sinal para si e, no seguimento do que fez o seu antecessor, acho que é uma

má prática política, que não dignifica a Assembleia da República.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Ministra, Srs. Deputados: Este debate é marcado pela incapacidade do Partido Socialista de se definir sobre o que quer para a Ucrânia, o que não é estranho,

visto que, há poucos meses, ouvimos o líder da Juventude Socialista, o Sr. Deputado Miguel Matos, dizer que,

se tivesse de escolher entre o presidente eleito norte-americano e o ditador chinês, preferia o ditador chinês.

Risos do CH.

Portanto, compreendemos a hesitação do Partido Socialista entre estar do lado das democracias ou do lado

das tiranias.

Aplausos do CH.

É verdade!

Mas, Sr. Secretário de Estado, acho que, pelo menos, a bem da democracia e da clareza, o Partido Socialista

tem de se entender.

Tivemos António Costa, Primeiro-Ministro, a dizer que a adesão da Ucrânia à União Europeia não é a melhor

opção. O Primeiro-Ministro de Portugal!

Temos o Sr. Secretário-Geral Adjunto do Partido Socialista, Deputado Tiago Antunes, a dizer que «é preciso

é ação, com realismo e rápido!»

Protestos do PS.

Peço desculpa, é o Deputado João Torres. Não é nenhuma desconsideração, é mesmo lapso.

Temos outros Deputados do Partido Socialista a dizer que são a favor da adesão da Ucrânia à União Europeia

e, agora, tivemos o Sr. Deputado Capoulas Santos a perguntar se a União Europeia vai sobreviver a esta

adesão.

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Ó Srs. Deputados, o PS pode ter a posição que entender, mas convém que tenha uma só posição e não

uma, num dia, outra, noutro, outra, noutro, e outra, noutro! Convém!

Aplausos do CH.

Convém que o Sr. Primeiro-Ministro — que deveria estar aqui hoje, mas não está —, porque é ele o titular

desta pasta, e não o Sr. Secretário de Estado, diga o que Portugal vai fazer sobre esta matéria, para não

andarmos a passar vergonha atrás de vergonha, na União Europeia, com o Primeiro-Ministro a dizer uma coisa,

o Sr. Secretário de Estado a dizer outra e o Parlamento a ouvir o Sr. Zelenskyy e a dizer «sim, senhor, estamos

todos de acordo!» Estamos todos de acordo, o tanas! Ninguém está de acordo, porque o Governo não está de

acordo!

Por isso, é hora de o Partido Socialista se definir sobre esta matéria e, portanto, Sr. Secretário de Estado,

perdoe-me que me dirija a si nestes termos, mas não pode sair deste Parlamento hoje — salvo seja! — sem

esclarecer a esta Câmara qual é a posição do Governo sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia. É simples:

qual é a posição do Governo sobre esta matéria?

Aplausos do CH.

Queria dizer-lhe também, Sr. Secretário de Estado, já agora, e depois deste circo enorme que tivemos em

torno de a Turquia vetar a adesão da Suécia e da Finlândia à NATO, que é bom que o Governo assuma, de uma

vez por todas, qual é a sua posição sobre a adesão da Turquia à União Europeia. É que, em 2018, ficou claro,

através do Conselho dos Assuntos Gerais da União Europeia, que a Turquia se afastou dos valores europeus e

o Sr. Primeiro-Ministro parece não querer dar sinais nem respostas nesta matéria. Por isso, pergunto-lhe: qual

é a posição do Governo sobre a adesão da Turquia à União Europeia?

Finalmente, Sr. Secretário de Estado, outro assunto que já é um pouco melindroso trazer aqui todos os dias,

que é o facto de todos os países da União Europeia estarem a baixar o IVA (imposto sobre o valor acrescentado)

sobre os combustíveis e a eletricidade e o Governo dizer que não pode fazer o mesmo, por causa da Comissão

Europeia e da União Europeia. Já começamos a parecer um pouco os tolos da Europa! Espanha acaba de

descer o IVA, novamente, para a taxa mínima e nós andamos a pagá-lo na bomba, que é do que os socialistas

gostam! Nós a pagar e eles a viverem à conta disto! Já custa um bocado! Já custa um bocadinho!

Aplausos do CH.

Por isso, Sr. Secretário de Estado, pergunto-lhe diretamente: quando é que vamos acabar com esta rábula,

de que a União Europeia não permite, e, finalmente, ter a coragem de baixar os impostos para os portugueses,

porque eles merecem-no e o Governo deveria fazê-lo?!

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, já que se referiu ao meu despacho de não admissão do projeto de lei apresentado pelo Chega, confirmo a sua não admissão. Tratava-se de um projeto de lei que procurava

restabelecer a pena de prisão perpétua em Portugal, violando, flagrantemente, o artigo 30.º da Constituição, e,

portanto, não o admiti, como não admitirei, em nenhuma circunstância, projetos de lei que violem tão

flagrantemente a Constituição da República Portuguesa.

Aplausos do PS.

Tem a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado Diogo

Pacheco de Amorim.

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Inicia a República Checa a sua Presidência da União Europeia num dos períodos mais conturbados da Europa, desde o fim da II Guerra

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Mundial. Por um lado, um conflito em larga escala, e em pleno coração do seu território, confronta, hoje, os

povos europeus com um dos momentos mais desafiantes da sua história recente.

Por outro lado, um processo inflacionário em risco de descontrolo, uma escassez alimentar e de matérias-

primas preocupante e o custo insustentável, a curto prazo, dos combustíveis e de outras fontes de energia fazem

temer o pior para a economia europeia.

Tendo presente este quadro sombrio, os desafios para a Presidência checa são grandes, tanto mais que ela

irá decorrer durante o período mais crítico da guerra, em que se agudizará a oscilação entre uma possível

resolução ou uma inevitável escalada. É um período igualmente crucial para definir medidas, prioridades e ações

que visem encontrar um caminho seguro que permita à União Europeia ultrapassar este momento de especial

tensão e incerteza não só económica, mas, sobretudo, geoestratégica.

O lema para esta presidência — «a Europa como uma tarefa: repensar, reconstruir, repotenciar» —, inspirado

em Václav Havel, aponta para uma tarefa dura, mas necessária e dificilmente adiável. Que o caminho

encontrado para a cumprir seja sólido, prudente e seguro, para o bem maior da Europa, mas, sobretudo, para o

bem maior de todos os povos europeus.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha primeira pergunta é simples: onde é que está o Sr. Primeiro-Ministro? Mais uma vez, estamos a discutir assuntos europeus — a sua pasta — e o

Sr. Primeiro-Ministro não está cá. Não é uma pasta a que o tenhamos obrigado, foi o Sr. Primeiro-Ministro que

quis ficar com ela, mas sempre que debatemos aqui assuntos europeus o Sr. Primeiro-Ministro não está cá. E,

se já tinha outros compromissos, lamento, mas, então, este debate não poderia ter sido marcado para hoje.

O Sr. Primeiro-Ministro esteve cá, na semana passada, no Plenário, mas das cinco perguntas que fiz, sobre

assuntos europeus, nem a uma respondeu.

Até agora, à Comissão de Assuntos Europeus, que é uma pasta sua — e, infelizmente, tenho batido muito

nisto —, veio zero vezes. Trata-se de uma comissão sem ministro, algo que incumpre o Regimento e que é

ainda mais grave no momento em que estamos, que é um dos mais importantes da história europeia recente.

Por isso, pergunto: onde é que está o Sr. Primeiro-Ministro? É que, quando é para viajar pela Europa e colher

os louros do estatuto de candidato em frente às televisões, temos o Sr. Primeiro-Ministro; quando é para vir ao

Parlamento, dar esclarecimentos aos Deputados e responder às questões, vem sempre o Sr. Secretário de

Estado.

Aplausos do IL.

Quanto às prioridades da presidência, que, repito, nunca foram discutidas sem o ministro da pasta — antes,

estava cá o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros —, gostaria de dizer que, obviamente, o Iniciativa Liberal

está totalmente de acordo com a primeira prioridade, relativa à Ucrânia.

Refiro, particularmente, a quinta prioridade, que nos parece mais importante, relativa às instituições

democráticas e aos valores europeus.

No documento vêm expressos, e bem, não só os direitos no mundo físico, mas também no mundo digital, e

é por aqui que começo. Há uma proposta da Comissão Europeia sobre os abusos sexuais de menores online,

que é um tema, obviamente, preocupante, mas, na prática, aquilo que propõe é tornar as empresas de redes

sociais numa espécie de espiões policiais dos Estados, encarregadas de monitorizar, colher e fazer uma

coletânea de informações, de mensagens, chats e e-mails e enviar tudo isso para a Europol e para os Estados-

Membros, para não serem multadas. Obviamente, estamos contra esta proposta. Trata-se de uma grave

violação do direito à privacidade, que condiciona a liberdade de expressão e viola o direito à correspondência,

e várias associações e partidos europeus já se manifestaram contra a mesma.

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Assim, o nosso primeiro pedido vai no sentido de que o Governo, em todas as instâncias europeias, se

informe sobre esta matéria e se manifeste contra, depois de ter estudado o assunto, porque os direitos já não

existem só no mundo físico, mas também no mundo digital, como bem refere o documento da Presidência checa.

Quanto à terceira prioridade, relativa à defesa, gostaria de dizer que concordamos, também, com as palavras

manifestadas pelo Sr. Secretário de Estado. Obviamente, temos de colaborar com a NATO para assegurar a

defesa europeia, mas também não podemos estar dependentes de países que constituem um grande risco

geopolítico, como definido, e bem, no Strategic Compass da União Europeia. Não podemos estar dependentes,

sobretudo nas cadeias de abastecimento de tecnologia, de países como a China e a Rússia, que são países

autoritários.

Ao longo dos últimos dois anos, isso tem sido muito debatido em Plenário. O Sr. Primeiro-Ministro, muitas

vezes, tem fugido, e hoje também não lhe posso fazer esta pergunta, mas gostaria de saber a posição do

Governo relativamente a esta temática da autonomia europeia.

Acabo, muito rapidamente, quanto à segunda prioridade, que é a energética, fazendo uma pergunta ao Sr.

Secretário de Estado. Relativamente à Diretiva das Energias Renováveis, estamos há um ano e pouco sem a

RED (Renewable Energy Directive) II, que ainda não foi transposta; na Europa, já se está a discutir a RED III e,

em Portugal, ainda nem sequer foi transposta a RED II. Por isso, pergunto o que anda o Governo a fazer nesta

matéria e porque é que ainda não está concluído este processo.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No âmbito das prioridades da Presidência checa da União Europeia, deixamos alguns sublinhados, até considerando as

intervenções que já foram feitas.

Os objetivos que são assumidos nesta presidência em matéria de energia ou de segurança energética são

profundamente reveladores da defesa de interesses do grande capital, sem qualquer problema em substituir

dependências energéticas existentes no momento por outras, nomeadamente dos Estados Unidos.

São, aliás, secundarizadas medidas para a transição energética, o que é revelador de que não há pretensão

de resolver, efetivamente, problemas de dependência energética dos Estados-Membros da União Europeia.

O redirecionamento da dependência energética de diversos países na União Europeia — nomeadamente

para os Estados Unidos —, especialmente no que toca a combustíveis fósseis ou ao gás, com soluções mais

caras e de maior impacto ambiental, desmascaram bem, também, as propaladas preocupações ambientais da

União Europeia, que, na prática, não existem.

A grande maioria do gás oriundo dos Estados Unidos da América é extraído através de fracking, uma técnica

de extração de hidrocarbonetos polémica, pelo seu impacto ambiental muito negativo, que, aliás, foi proibida em

vários países da Europa, como no Reino Unido e mesmo em Espanha. Com o recurso a esta técnica, prevê-se

que os Estados Unidos sejam o maior exportador de gás em 2022.

Para o PCP, os problemas de dependência energética que temos, também no nosso País, não se resolvem

transferindo esta dependência para outros pontos do globo, exigem, sim, medidas e compromissos claros de

promoção da produção nacional, de reindustrialização e, naturalmente, do controlo público de setores

estratégicos, como é também o setor das energias.

Mas mais um sublinhado em relação a esta presidência, nomeadamente perante o acentuado aumento do

custo de vida e da falta de resposta aos problemas com que os trabalhadores e os povos se confrontam. A

resolução destes problemas não é, de todo, uma prioridade desta presidência, canalizando, sim, recursos para

um maior investimento na capacidade militar, enquanto a perda do poder de compra e o empobrecimento

alastram nos Estados-Membros da União Europeia.

Assinalamos, também, que o caminho assumido, de aprofundamento do livre comércio e das relações

transatlânticas com os Estados Unidos, a criação de maiores dependências como este país, a nível de cadeias

de abastecimento, a recuperação de acordos, até agora bloqueados, como o Mercosul (Mercado Comum do

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Sul), terão impactos devastadores para os trabalhadores, para as famílias e para as micro, pequenas e médias

empresas, nomeadamente no nosso País.

O aprofundamento do mercado único, nas suas várias vertentes, nomeadamente nos serviços digitais, é uma

opção contrária aos interesses dos povos e coloca em causa soberanias. Nesta senda, a abordagem

mercantilista dos dados, em que se visa criar um mercado supostamente justo, mais não visa do que entregá-

los às multinacionais para que com eles possam fazer negócio e obter lucros.

Aliás, o acordo recentemente anunciado entre a União Europeia e os Estados Unidos sobre o acesso a dados

de cidadãos para vigilância e comércio é disso elucidativo. Com menos garantias de proteção de dados, com a

mercantilização dos dados, que é assumida de forma clara, este acordo mais não visa do que fornecer dados

dos cidadãos aos Estados Unidos para a sua utilização para fins comerciais.

As prioridades desta presidência estão na senda das prioridades da presidência francesa, no âmbito do trio

de presidências que inclui também a Suécia. Trata-se do aprofundamento do neoliberalismo, do militarismo e

do federalismo, do maior investimento na militarização e na cooperação com a NATO, mas nem uma referência,

com exceção dos preços da energia, aos problemas com que os trabalhadores e os povos se confrontam. Há

referências à inflação, mas nenhuma ao seu impacto nas condições de vida, nenhum caminho apontado para

os preços da energia, para os preços dos bens alimentares e de primeira necessidade ou mesmo para a

habitação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: É natural que a Presidência checa se centre em torno da recuperação da Ucrânia. Conhecemos a proposta de

uma nova ajuda de 9000 milhões de euros e conhecemos os vários discursos inflamados de apoio a um povo

que resiste. Recordo, no entanto, que a Ucrânia tem uma dívida externa pública de 54 000 milhões de euros,

uma boa parte dela ao FMI (Fundo Monetário Internacional), ao Banco Mundial e à Comissão Europeia, uma

parte dela já atribuída depois da invasão da Crimeia, e nem por isso a Comissão Europeia deixou de exigir

austeridade, privatizações, cortes de pensões e de apoios sociais.

Por isso, aquilo que lhe pergunto, Sr. Secretário de Estado, é se é desta que vamos ver Portugal a defender

o cancelamento da dívida da Ucrânia, uma medida que, sim, poderia promover a sua recuperação.

Uma segunda questão, Sr. Secretário de Estado, vai marcar a nova presidência europeia: é essencial que

se flexibilize e aceite a entrada de refugiados ucranianos na União Europeia, mas há duas evidências que não

podem ser ignoradas. A primeira é a da absoluta hipocrisia dos duplos standards no acolhimento de refugiados

de guerra: os ucranianos são aceites, e bem, enquanto os sírios, iraquianos e afegãos continuam a morrer

afogados, à fome e ao frio, em campos de concentração promovidos pela União Europeia.

A segunda é a da reabilitação de países que não respeitam o Estado de direito, que têm políticas

protofascistas, xenófobas e racistas ao serviço da política de contenção de refugiados da União Europeia. A

Polónia, afinal, vai ter o PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) aprovado. O Parlamento Europeu não queria,

a Polónia não respeita o Estado democrático, não respeita a separação de poderes, mas vai ter o PRR aprovado.

A Hungria ganhou um novo estatuto de aceitação, juntamente com a Polónia, pelo papel que desempenha,

agora, na política de acolhimento aos refugiados ucranianos. A Turquia ganhou carta branca para perseguir e

matar curdos, com o aval da NATO, para além dos pagamentos que recebe para conter refugiados. A Líbia é

paga para conter refugiados em campos de concentração.

Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe perguntar, também, se viu o que se passou em Marrocos, se viu o

que se passou em Melilha, se viu dezenas de imigrantes, seres humanos, dezenas de pessoas a serem

espancadas, a serem deixadas a morrer ao sol por forças policiais, sem auxílio.

Gostaria de lhe perguntar, Sr. Secretário de Estado, se esta imagem lhe diz alguma coisa.

A oradora exibiu uma folha com uma fotografia.

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Gostaria de lhe perguntar se esta imagem de corpos amontoados na fronteira, dentro da União Europeia,

depois de espancados e violentados por forças policiais, marroquinas e espanholas, lhe diz alguma coisa.

Quando o Sr. Secretário de Estado fala, na tribuna, de uma Europa solidária, que não vacila, gostaria de lhe

perguntar qual o valor de uma vida humana e se me pode dizer que há vidas humanas que valem mais do que

outras, porque assim parece ser na União Europeia de hoje em dia.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo aqui presentes: Antes de mais, queria juntar-me e solidarizar-me com as palavras da Sr.ª Deputada Mariana

Mortágua. De facto, a União Europeia não pode olhar para os refugiados como refugiados de primeira e

refugiados de segunda. Toda a vida humana vale e tem a mesma dignidade.

Naquilo que nos traz aqui hoje, que são as prioridades da Presidência checa, gostaríamos de colocar duas

questões muito concretas, porque o facto de termos agora uma guerra e de, efetivamente, termos uma

dependência energética da Rússia não pode levar a que existam retrocessos do ponto de vista ambiental. E, Sr.

Secretário de Estado, uma das questões que nos preocupa é a forma como as prioridades da Presidência checa

procuram alcançar esta transição ou esta autonomia. Por um lado, querem consegui-lo por via da energia

nuclear, porque dizem que podem atingir as metas climáticas da União Europeia, mas desconsideram o impacto

que este modelo tem, por exemplo, a nível dos resíduos, e não podemos chegar a uma situação em que a

solução do presente seja o problema do amanhã.

Por outro lado, verificamos uma visão que continua a apostar no gás natural e assistimos a uma crítica clara

aos retrocessos que se estão a verificar, ao invés de acelerarmos a transição energética, já que temos uma

União Europeia que vai investir mais de 12 000 milhões de euros em gasodutos e instalações para importação

de gás natural, e que também aposta em acordos sobre gás natural, mas, depois, fica impávida quanto aos

Países Baixos, que voltaram a produzir eletricidade com base no carvão.

Ainda ontem, John Kerry disse, no Conselho de Estado, que as necessidades de curto prazo não nos devem

fazer aceitar retrocessos e, por isso, pergunto: qual é, de facto, o compromisso que a União Europeia está

disponível para assumir, para que haja uma transição mais limpa, segura e, efetivamente, eficaz quanto aos

compromissos da descarbonização?

O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas, Sr. Secretário de Estado: Disse-nos, ainda há pouco, que a quinta prioridade da Presidência checa — assegurar a resiliência das instituições democráticas

europeias — é a que menos está relacionada com a guerra e, basicamente, dedicou-lhe o remate do seu

discurso, não acrescentando grande conteúdo acerca de quais são as posições portuguesas em relação a esse

tema.

Creio que isso é bastante desapontante, porque não, a prioridade do Estado de direito, da democracia, dos

direitos fundamentais não está desligada da guerra. Desde logo, porque a Europa, se se quer apresentar como

paladina da democracia contra as ditaduras autoritárias, então, tem de cuidar da democracia em casa, tem de

cuidar da democracia a nível da União Europeia e a nível dos Estados-Membros. Depois, porque estamos a

viver, neste momento, um desafio muito grande no que diz respeito ao Estado de direito na União Europeia.

No passado dia 27 de abril, a Comissão Europeia, finalmente, decidiu iniciar um procedimento em relação

ao Governo da Hungria, relativo ao seu PRR, por incumprimento dos valores da União Europeia. O Governo

húngaro respondeu ontem, e não lhe vou perguntar se já leu a resposta e qual é a sua opinião sobre ela, mas

se está disposto a vir aqui, à comissão, para discutir a resposta do Governo húngaro e, acima de tudo, se,

quando a Comissão Europeia decidir qual é a penalização da Hungria, e de acordo com o que disse o Sr.

Primeiro-Ministro — que não se pode pôr um preço ao cumprimento do Estado de direito —, concorda que a

suspensão deva ser de 100% dos fundos do PRR. Não é uma multa, é uma suspensão, o dinheiro estará lá

quando os valores da União Europeia forem cumpridos.

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Ainda sobre o PRR, a presidência francesa disse que todos os fundos do PRR iriam estar numa base de

acesso livre. O serviço jurídico do Conselho diz agora que não há base legal para o fazer e a Alemanha também

não é a favor de disponibilizar esses dados.

Será possível que haja países que vão disponibilizar esses dados e outros países que, mais uma vez, como

a Hungria e outros, não nos vão dizer para onde é que vão os fundos dos cidadãos europeus?!

Finalmente, é verdade que temos uma crise de refugiados atual, que se soma a uma série de erros — não

crises de refugiados, mas erros — na gestão dos refugiados na União Europeia. Irá agora o Governo português,

já que isso é uma prioridade da Presidência checa, apoiar o estabelecimento de um programa conjunto de

reinstalação de refugiados na União Europeia? Está escrito, desde 2011, no Parlamento Europeu, é só

implementar.

Protestos do Deputado do CH André Ventura.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, agradeço as várias intervenções.

De facto, como aqui foi sinalizado — creio que, praticamente, por todas as bancadas —, as prioridades da

Presidência checa estão indissociavelmente ligadas à situação que vivemos na Ucrânia, à guerra na Ucrânia,

nas suas várias dimensões.

Sobre a Ucrânia, foi aqui referido o tema do estatuto de candidato, que foi atribuído à Ucrânia no passado

Conselho Europeu, e perguntaram-me qual a posição do Governo português sobre a matéria. Uma vez que se

trata de uma decisão tomada por unanimidade, a posição do Governo português não podia ter sido mais clara:

obviamente, foi a favor.

O Sr. André Ventura (CH): — Não foi isso que disse o Primeiro-Ministro!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — O Governo português, no Conselho Europeu, apoiou a atribuição do estatuto de candidato à Ucrânia, bem como à Moldova. No entanto, o que o Governo não

fez foi «pôr o carro à frente dos bois».

Ouvi muita gente pronunciar-se sobre este tema antes, sequer, de a Comissão Europeia apresentar o seu

parecer.

Ora, as regras quanto ao alargamento são claras, há procedimentos que, aliás, devem ser observados, que

são estritos, que são complexos, que são morosos — é certo —, mas que são rigorosos, e devem sê-lo, e

baseados numa verificação rigorosa do cumprimento dos critérios de Copenhaga.

Isso passa, desde logo, em primeiro lugar, por uma pronúncia da Comissão Europeia que formula uma

recomendação. Até ser conhecida essa recomendação, qualquer pronunciamento sobre esta matéria era

prematuro. Quando essa recomendação foi conhecida, o Primeiro-Ministro teve de receber — aliás, eu próprio

lá estava — representantes de todos os grupos parlamentares com assento nesta Assembleia da República,

para conhecer a posição deste Parlamento, e, no final, anunciou a posição de Portugal, que foi novamente

expressa no Conselho Europeu.

Além disso, eu próprio recebi um enviado especial do Presidente Zelenskyy para iniciar um trabalho conjunto,

que temos vindo a fazer, de assistência técnica à Ucrânia, quanto ao seu processo de adesão, partilhando o

know-how e o conhecimento que temos sobre a matéria.

O que temos dito é que um processo de alargamento deve ser encarado de forma séria e deve ser levado a

sério, porque sabemos que, infelizmente, há muitos países cujas expectativas foram alimentadas, aos quais foi

atribuído um estatuto de candidato, em alguns casos, noutros não, foram abertas negociações que se arrastam

há anos e isso alimenta um sentimento de frustração, um sentimento de ressentimento, que não é bom e pode

mesmo ser contraproducente para o projeto europeu.

Portanto, o processo de alargamento tem de ser cumprido com base nas suas regras, no procedimento que

está estabilizado, tem de observar os critérios, tem de evitar a criação de sentimentos de frustração e, sobretudo,

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tem de ser acompanhado não só de uma verificação do cumprimento das reformas necessárias nos países

candidatos para poderem integrar a União Europeia, mas também das reformas que a própria União Europeia

vai ter de fazer para se preparar para absorver estes novos países.

A União Europeia, no seu enquadramento institucional e financeiro atual, não está preparada para um

alargamento desta magnitude. Portanto, se queremos ser sérios — e queremos ser sérios quanto a esta matéria

—, então, temos mesmo de iniciar um debate, quanto antes, sobre o ajustamento que é necessário adotar na

União Europeia, para podermos receber estes novos Estados-Membros.

Quanto ao IVA, Sr. Deputado André Ventura, creio que fez aí uma confusão entre a eletricidade e os

combustíveis. Nós já baixámos o IVA da eletricidade…

O Sr. André Ventura (CH): — Outra vez a mesma coisa?!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … quer quanto ao termo fixo, quer quanto aos consumos. O IVA dos combustíveis é que não pode ser reduzido, por força de uma diretiva europeia, e, por isso

mesmo, encontrámos uma forma alternativa de atingir o mesmo efeito, através da redução do ISP (imposto

sobre os produtos petrolíferos e energéticos).

O Sr. André Ventura (CH): — Está a resultar bem!…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Quanto à migração, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, não posso estar mais chocado do que a Sr.ª Deputada com essas imagens que mostra, e creio que

não terá dúvidas quanto à posição do Governo português, em matéria de migração, no plano europeu. É um

tema muito difícil no plano europeu, em que há Estados-Membros, enfim, com diferentes sensibilidades, com

diferentes posições.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Xenófobos!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Houve, de facto, uma evolução em relação ao acolhimento de refugiados ucranianos, que, infelizmente, não foi acompanhada por vários Estados-Membros no

que diz respeito a refugiados de outras proveniências, mas essa não é, de todo, manifestamente, a posição do

Estado português. O Estado português tem tido uma postura solidária, de acolhimento de refugiados afegãos,

de refugiados sírios, de todas as proveniências.

Aplausos do PS.

Não, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, não há refugiados de primeira e de segunda! Para o Governo português,

para o Estado português e para esta Assembleia — creio que posso dizê-lo —, não há refugiados de primeira e

de segunda.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — E o que é que vai dizer aos espanhóis?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Por isso, no plano europeu, temos apoiado aqueles Estados-Membros…

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — França?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … que têm uma postura a favor das migrações, do acolhimento responsável e solidário de refugiados, temos estado sempre do lado do avanço no novo pacto

europeu para as migrações, que é um dossiê muito complicado que tem vindo a ser bloqueado por alguns

Estados-Membros, posição que lamentamos e repudiamos. Mas a nossa posição em matéria de migrações é

absolutamente indiscutível…

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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Vai condenar?!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … e é no sentido de termos uma postura solidária e aberta ao acolhimento de qualquer refugiado que fuja de um local em conflito ou de um local onde corra perigo,

independentemente de qual seja esse local.

Quanto à transição ecológica, Sr.ª Deputada Inês Sousa Real, ainda ontem tivemos um avanço muito

significativo, a nível do Conselho, com a aprovação da orientação geral do Conselho quanto ao pacote Fit for

55, um pacote muitíssimo abrangente que prevê uma redução de emissões de gases com efeito de estufa até

2030 em todos os setores, para atingir o objetivo de redução de 55% e para ficarmos preparados para atingir o

objetivo da neutralidade carbónica em 2050.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Portanto, houve avanços muito significativos nessa matéria, ainda ontem, e será precisamente uma das incumbências da Presidência checa, agora, levar este tema

para a discussão em trílogos com o Parlamento Europeu, para se procurar fechar este dossiê muitíssimo

relevante para assegurar a transição energética e o cumprimento dos objetivos do Pacto Ecológico Europeu.

Esta é uma matéria de Estado de direito, é um tema sobre o qual, infelizmente, também há diferentes

posições na União Europeia e Portugal está, aliás, tem estado sempre na linha da frente da defesa dos valores

do Estado de direito, da democracia e do respeito pelos direitos fundamentais, nas várias dimensões e nas

várias frentes em que esta matéria se espraia. Temos tido diálogos horizontais, diálogos Estado a Estado, no

Conselho, analisando a situação de cada Estado, em função do relatório sobre o Estado de direito que a

Comissão Europeia apresenta — apresentará, aliás, muito em breve, o relatório deste ano com recomendações

específicas, que esperamos que sejam observadas —, há um procedimento de condicionalidade que foi iniciado

em relação à Hungria, que acompanhamos, há, como é sabido, o procedimento do artigo 7.º, há diferentes

mecanismos.

Quanto ao PRR da Polónia, é verdade que a União Europeia, entretanto, o aprovou, mas, como é sabido,

qualquer desembolso previsto no PRR está sujeito ao cumprimento de metas e marcos e muitas das metas e

marcos que se encontram no PRR da Polónia têm a ver, justamente, com o cumprimento de exigências de

Estado de direito e de independência do poder judiciário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Concluímos o primeiro ponto da nossa ordem do dia, pelo que passamos ao debate sobre os instrumentos da governação económica da União Europeia, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo

4.º da Lei de Acompanhamento, Apreciação e Pronúncia pela Assembleia da República, no âmbito do Processo

de Construção da União Europeia, sobre os instrumentos da governação económica da União Europeia.

Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste segundo debate, olhamos para os instrumentos de governação económica da União Europeia, particularmente

o exercício do Semestre Europeu de 2022 e as recomendações específicas, por país, que a Comissão Europeia

dirigiu a Portugal.

Como sabem, os principais objetivos do Semestre Europeu prendem‐se com garantir finanças públicas

saudáveis, prevenir desequilíbrios macroeconómicos excessivos e promover o investimento e reformas que

incentivem a criação de emprego, a proteção social e o crescimento económico sustentável.

Os tempos mais recentes, contudo, têm obrigado a reconsiderar parte deste quadro geral de governação

económica, para atender aos desafios globais com que a Europa e o mundo têm sido confrontados.

Em 2020 e 2021, por força da pandemia, houve alterações temporárias deste mesmo quadro, sobretudo no

contexto da aprovação do inédito programa NextGenerationEU e do início da implementação do Mecanismo de

Recuperação e Resiliência.

Quando nos preparávamos para a recuperação, surgiu uma guerra nas fronteiras da União Europeia.

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De crise em crise ou de resposta emergencial em resposta emergencial, temos sido chamados a tomar

decisões, com a incerteza como pano de fundo. As circunstâncias — maioritariamente exógenas, é verdade —

a isso nos obrigaram.

Não sabemos ainda com detalhe de que modo e por quanto tempo é que os impactos da guerra na Ucrânia

irão motivar a necessidade de mais adaptações, mas há algo que já sabemos: o Semestre Europeu continuará

a ter em consideração a importante implementação dos Planos de Recuperação e Resiliência dos Estados‐

Membros nos próximos anos e não irá ignorar as consequências da invasão ilegal e não provocada da Ucrânia

por parte da Rússia.

É neste quadro que devemos ler e entender o debate sobre o Semestre Europeu, desde logo no que diz

respeito especificamente ao nosso País.

Sr.as e Srs. Deputados: A publicação, pela Comissão Europeia, da Análise Anual do Crescimento Sustentável,

em novembro de 2021, marcou o início do exercício do Semestre Europeu de 2022. Este documento identifica

as prioridades políticas para o ano seguinte, fornece os princípios orientadores para a sua implementação no

próximo ciclo do Semestre Europeu e define, igualmente, a forma como o Mecanismo de Recuperação e

Resiliência será integrado neste exercício.

Além deste importante documento orientador, devemos ter em conta todas as mudanças que ocorreram

desde então, sobretudo desde a madrugada de 24 de fevereiro.

Nesse sentido, os relatórios por país, publicados em maio deste ano, ganham redobrada importância, por

terem precisamente em conta a evolução dos acontecimentos desde o início do ano e os seus impactos,

económicos e não só.

Juntamente com os relatórios por país, a Comissão Europeia propôs ao Conselho a adoção das

recomendações específicas por país, que já têm em conta as circunstâncias excecionais provocadas pela

invasão da Ucrânia por parte da Rússia.

Exemplo disso é a recomendação que foi dirigida a todos os Estados‐Membros relacionada com a energia,

oferecendo orientações específicas para cada Estado-Membro sobre a redução da dependência dos

combustíveis fósseis e o acelerar da transição energética, em conformidade, aliás, com os objetivos do programa

REPowerEU.

No caso das recomendações específicas para Portugal, existem quatro recomendações relativas às

seguintes áreas: política orçamental; implementação do Plano de Recuperação e Resiliência e finalização das

negociações quanto à programação dos fundos estruturais do PT2030 (Portugal 2030) — sendo que, como é

sabido, a aprovação do acordo de parceria está para muito breve —; política de transição climática e política de

transição energética.

Salientaria, sobretudo, duas destas recomendações, a que diz respeito à política orçamental e a relativa à

política de transição energética.

Quanto à primeira, a Comissão Europeia recomenda uma política orçamental prudente, afirmando também

a necessidade de continuarmos a apoiar as famílias e as empresas mais vulneráveis aos aumentos dos preços

da energia, bem como a premência de aumentar o investimento público relativamente às transições climática e

digital e para a segurança energética, o que está, justamente, em linha com o que tem sido a atuação do Governo

de garantir uma política orçamental responsável, de contas certas, sem deixar de ajudar as famílias e os setores

económicos mais afetados pela inflação, designadamente nos preços dos combustíveis e no cabaz alimentar.

Já sobre a recomendação relativa à transição energética, a Comissão recomenda a redução da dependência

geral de combustíveis fósseis, a aposta na implantação de energias renováveis, nomeadamente na eletricidade

eólica e solar e na produção de hidrogénio renovável.

Neste âmbito, recomenda igualmente o reforço do quadro de incentivos aos investimentos em eficiência

energética nos edifícios, bem como o aumento das interconexões de energia.

Esta quarta e última recomendação foi amplamente discutida com a Comissão Europeia e com os restantes

Estados‐Membros, tendo sido possível persuadi‐los quanto à importância estratégica de Portugal, em concreto

do porto de Sines, como porta de entrada de gás natural liquefeito na Europa, e futuramente como polo de

produção de gases renováveis que possam abastecer toda a Europa, garantindo assim uma diversificação de

rotas e de fornecedores que ajuda a diminuir a dependência da Europa face às matérias‐primas energéticas

provenientes da Rússia, permitindo ao nosso País, portanto, investir em interconexões não só de eletricidade

mas de gás, já preparadas para o hidrogénio verde, entre Portugal, Espanha e o resto da União Europeia.

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Uma vitória importante da diplomacia portuguesa, para nós, portugueses, para nós, europeus.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brás.

O Sr. Carlos Brás (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal tem hoje um posicionamento na União Europeia muito diferente do que tinha há poucos anos e

sobretudo nas governações do PSD com o CDS-PP.

Somos hoje um Estado-Membro respeitado, ouvido e frequentemente elogiado. Participamos ativamente no

desempenho e na implementação de políticas de aprofundamento da integração europeia, políticas inovadoras,

reformistas, sustentáveis e estruturais.

Bom exemplo disto são mesmo as respostas conjuntas, quer no âmbito da crise COVID-19, quer no âmbito

da resposta à crise provocada pela invasão da Rússia à Ucrânia, respostas concretizadas em compras

conjuntas, por exemplo, respostas concretizadas também na emissão de dívida soberana conjunta ou, ainda,

respostas conjuntas no âmbito ambiental e energético.

Já ultrapassámos, felizmente e graças aos governos socialistas, a fase do bom aluno, quando as

recomendações eram recessivas, de austeridade e do empobrecimento de tão má memória.

Não, Sr.as e Srs. Deputados, já não somos o País de levar ralhetes e baixar a face, como o PSD nos estava

a habituar.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Com os Governos PS, o País recuperou dignidade no palco europeu, passou a ser visto como um exemplo em muitas matérias e começámos a habituar-nos a sermos elogiados pelas mais

altas figuras do panorama europeu, como foi o caso da Chanceler Merkel, da Presidente da Comissão Europeia

ou da Presidente do Banco Central Europeu.

O País tem vindo a prosseguir políticas reconhecidas por toda a Europa, tem um Governo apreciado e tem

um Primeiro-Ministro prestigiado e ouvido em toda a Europa.

Outra evidência disto mesmo é que as REP (recomendações especificas por país) inseridas no Semestre

Europeu são participadas e discutidas ativamente por Portugal, como é exemplo disso o reforço do quadro de

incentivos aos investimentos em eficiência energética, bem como o aumento das interconexões de energia. As

opções estratégicas espelhadas no Orçamento do Estado vão em linha com as melhores práticas e

recomendações, como é o caso também do objetivo da redução da dívida soberana da República.

Há, de facto, uma mudança de paradigma na relação de Portugal com a União Europeia e uma mudança de

paradigma na forma como a União Europeia olha para Portugal.

Vozes doPS: — Muito bem!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Por fim, Sr. Presidente, permita-me que dê os parabéns e congratule, em nome da bancada do PS, a Croácia, pela conclusão com êxito das etapas necessárias à adesão ao euro, reforçando

o seu processo de integração na União Europeia.

Consideramos que a adoção do euro por mais um Estado-Membro reforça a confiança no projeto europeu e

aumenta a credibilidade financeira da União Europeia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Continuando no uso do tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do PS, tem agora a palavra o Sr. Deputado Miguel Costa Matos.

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O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, este debate pode passar despercebido, mas é um debate fundamental para a nossa sociedade.

Entre janeiro e junho, a diferença entre a taxa de juro da dívida soberana da Alemanha e de Portugal, a 10

anos, duplicou, de meio ponto percentual para um ponto percentual. E outros países viram esse spread crescer

ainda mais, aumentando o seu custo de financiamento.

Ora, esta fragmentação dos mercados financeiros recorda-nos outros tempos, de má memória. Se, na altura,

o Sr. Draghi demorou muito a dizer que faria o que fosse preciso para salvar o euro, hoje, a escassos quilómetros

daqui, em Sintra, o BCE (Banco Central Europeu) discute o desenvolvimento de uma nova ferramenta contra a

fragmentação. Bem, Sr.ª Lagarde, muito bem! E resta saber se conseguirá concretizar esta ferramenta a tempo.

Mas a faca e o queijo não estão apenas nas mãos do BCE. Restará também saber se a Europa estará à

altura do seu tempo ou se vai repetir os erros do passado, pois a inflação, neste momento, persiste, a confiança

dos consumidores e dos investidores arrefece, o espetro de uma recessão aproxima-se e, como se não

bastasse, o contexto em que vivemos diz-nos que temos de acelerar os investimentos na transição climática,

digital, nos direitos sociais e na defesa nacional.

São desafios que exigem uma política orçamental prudente, sim, como o Governo tem feito, mas ativa, que

alivie a dor da inflação, que alimente uma recuperação económica sustentada e que nos prepare para o futuro.

Sr. Presidente, não podemos somar a estas crises a austeridade. Não podemos voltar a infligir o erro da

austeridade aos nossos empresários, aos nossos trabalhadores, aos reformados e aos jovens. Não podemos

voltar a cometer o erro da austeridade que nem por uma única vez cumpriu uma meta orçamental e que se

revelou sempre a maior inimiga das contas certas.

É, por isso, muito relevante que se tenha conseguido suspender, por mais um ano, as regras orçamentais e

que se tenha vindo a integrar no Semestre Europeu os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Pilar

Europeu dos Direitos Sociais, valores que são identitários do projeto europeu, que não se podem secundarizar

perante uma qualquer obsessão com o défice.

Essas evoluções, na flexibilidade e no âmbito da governança económica europeia, são armas indispensáveis

para enfrentarmos os desafios do presente e as dúvidas do mercado.

As regras orçamentais não podem ser um colete de forças, têm de ser, sim, um colete à prova de balas, e

isso exige, claro, um uso responsável por parte de todos os países, mas não poderá ser um colete de tamanho

único.

Se regras douradas que excecionem investimento verde, social ou digital são seguramente bem-vindas, o

mercado comum exige que não andemos a várias velocidades, consoante o espaço orçamental que cada país

tem para poder aproveitar essa regra dourada.

Devemos, antes, apoiar-nos nas lições da pandemia, do SURE (Support to mitigate Unemployment Risks in

an Emergency), do NextGenerationEU, para aprofundar a partilha de risco com instrumentos permanentes de

financiamento, que, em desafios e objetivos comuns, suplementem as políticas orçamentais dos estados.

Este debate está aí e enquanto anteriores governos quiseram ir além da troica, quiseram fazer mais

austeridade do que lhes era pedido, o Governo de António Costa lidera-o a nível europeu, com a credibilidade

de quem tem a casa arrumada, de quem tem contas certas cá em Portugal,…

Risos do IL.

… e com a consciência de qual é o caminho certo.

Vozes doPS: — Muito bem!

O Sr. Miguel Matos (PS): — Ao invés da austeridade, a solidariedade; ao invés da competição, a cooperação; ao invés da fragmentação, a união.

Se falharmos, será uma fatura que os mais vulneráveis, os mais jovens e o planeta simplesmente não

conseguirão pagar.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Contrariamente a esta visão idílica, e quase do tempo dos fenícios, comparativamente, que o Partido Socialista

nos trouxe, gostaria de centrar a minha intervenção em coisas concretas, que dizem respeito ao dia a dia dos

portugueses e ao nosso futuro coletivo.

Começava por um aspeto essencial, que foi o falhanço da tributação em 15% dos lucros das grandes

empresas na União Europeia, que era, aliás, um objetivo da presidência francesa e que saiu gorado, não se

conseguirá concretizar.

E é evidente que num país que chega a ter um IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas) de

30% a pergunta que se impõe é: agora que não temos este instrumento que permitiria, eventualmente, aliviar a

carga fiscal às empresas, qual é a estratégia do Governo para preservar ou melhorar a nossa competitividade

fiscal, atrair investimento e pôr a economia real a funcionar e não a economia idílica que o Partido Socialista há

pouco tanto propalou?

Portanto, a questão que se impõe é: o que é que tem sido feito junto da União Europeia, em particular em

matéria fiscal, para substituir a falha deste atingimento de 15% de tributação do lucro, permitindo baixar a todas

as empresas essa carga fiscal e, porque não, contemplar as PME (pequenas e médias empresas) que estão

afogadas em impostos da sua atividade e que, por isso, não investem e não se consolidam?

Há um segundo aspeto importante, que é a execução do PRR.

O PRR, à data da semana passada, no seu acompanhamento oficial, tem um pagamento inferior a 4% —

inferior a 4%! — da totalidade dos mais de 16 000 milhões de subvenção e de empréstimos.

O Sr. Presidente da Caixa Geral de Depósitos disse, na segunda-feira, que isto é tudo bonito — monitorizar,

fazer estes relatórios e mostrar estas intervenções — mas que às empresas não chega o dinheiro. É um alerta

de quem está na banca. E o que ele diz é que a economia real, lá fora, não se fica por essas proclamações, por

esses mapas, por essas intenções, e, na verdade, o dinheiro do PRR não ajuda a economia, não ajuda o País

a superar uma crise, não cria riqueza.

Vozes doPSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Não posso deixar de falar na inflação. Dissemos, aquando da discussão do Orçamento deste ano, que a inflação não era conjuntural, mas tinha

vindo para ficar. E mesmo que a partir de agora, até ao fim do ano, a inflação desacelerasse, já tínhamos um

aumento de índice de preços ao consumidor superior a 7%.

Significa isso que aquilo que contabilizaram no Orçamento é irrealista. Ainda hoje estão convencidos de que

vamos ter um aumento de somente 3,7%. E a pergunta que se faz é: o que é que na União Europeia, face a

esta calamidade que é já constatável e sentida por todos os portugueses no supermercado, têm feito no âmbito

da ajuda ao País, para além da intervenção do Banco Central Europeu, que, aliás, segunda-feira, alertou,

possivelmente, para uma recessão económica no final do ano, ao contrário daquilo que os senhores fingem não

reconhecer?

Há ainda um outro aspeto que me parece relevante. Este debate sobre a orientação dos instrumentos de

política junto da União Europeia tem de responder aos desafios da própria União Europeia.

No decurso da reunião do ECOFIN, do dia 17 de junho, foi perguntado aos Estados qual era o destino que

gostariam de dar — ou como julgam que podem enquadrar — às novas tributações, nomeadamente sobre as

emissões de gases poluentes. E esta pergunta foi feita porque, se há que antecipar para 2030 pelo menos um

corte de 55%, há uma tributação adicional.

Além de querermos conhecer quais são as propostas do Governo português em resposta a esta solicitação

do ECOFIN, obviamente, queremos alertar para todo um conjunto de pequenas e médias empresas que laboram

na área dos combustíveis fósseis, nomeadamente postos de abastecimento, ao longo do País todo, que durante

dezenas de anos responderam à economia, apoiaram os portugueses e podem ver a sua atividade fortemente

prejudicada no decurso desta transformação ecológica e deste pacto ecológico.

E aquilo que é legítimo perguntar é: o que é que está pensado pelo Governo português para apoiar estas

empresas que vão necessariamente ver a sua atividade decrescer? Sim, porque a verdade é que a mudança e

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o pacto ecológico têm também como consequência a diminuição de receita nestas empresas. O que se espera

é que o nosso Governo junto, e respondendo ao desafio que o ECOFIN (Conselho dos Assuntos Económicos e

Financeiros) lançou a 17 de junho, diga qual é o pacote de apoio e o que é que pensa fazer para mitigar estas

dificuldades num setor que por vezes é desprezado, mas que é, e foi, importante ao longo de muitos anos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, na sua pessoa, cumprimento todos os presentes. Sr. Secretário de Estado, como, lamentavelmente, não está cá o Sr. Primeiro-Ministro, temos de falar consigo.

O senhor tem sempre um discurso que é: «ainda ontem falámos disto», «ainda ontem pensei nisto». Parece

aquelas alturas em que nos esquecemos de ligar aos amigos e em que depois dizemos: «estava agora mesmo

a pensar em ti». Parece que é sempre tudo muito oportuno. São sempre aquelas questões das recomendações,

«ainda ontem falámos disso», «ainda na semana passada estivemos a tratar do assunto».

O que achei interessante no seu discurso inicial foi que tudo o que são recomendações do Conselho são

coisas muito importantes e a ter em conta; quando são recomendações por parte do partido Chega,

nomeadamente em relação ao IVA, é meter o carro à frente dos bois. Poderíamos ficar aqui a tarde toda a falar

de bois e de carros, mas vamos então meter os bois atrás do carro para poder andar com isto para a frente.

Risos de Deputados do PS.

A Sr. Mariana Mortágua (BE): — É ao contrário!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Secretário de Estado, obviamente poderemos continuar a falar da guerra e a justificar toda a envolvência que se passa na União Europeia com a guerra.

Não sabemos se a Ucrânia vai sobreviver e, se sobreviver, não será de certeza com os M-113 que estamos

a enviar para lá, porque parece que não há dinheiro para os enviar, mas o que gostávamos mesmo de saber

era o que é que o Governo — porque disse há pouco que tinha uma grande vitória diplomática de Portugal —

defende em relação à estratégia económica para defender, nomeadamente, questões como a plataforma

continental, que faz fronteira com os Estados Unidos, e perceber exatamente o que é que poderemos beneficiar

com tudo isto.

Falamos também numa fase em que estamos a chegar a uma Presidência da República Checa e acho que

é importante percebermos, por causa da transição energética — em relação à defesa do embargo do gás que a

República Checa defende —, qual é o nosso posicionamento, precisamos de falar de uma vez por todas, e não

só ontem, sobre a questão de Sines.

Uma última pergunta: queríamos perceber, em relação à energia nuclear, qual é o posicionamento que o

Governo português tem, porque a República Checa defende a continuação do programa nuclear e a Alemanha

já defendeu a sua extinção.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para intervir, ainda dentro do tempo do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ouvimos, por parte da bancada socialista, um retrato fiel do que sempre se passou em governos socialistas com a União

Europeia. Somos o aluno mais aplicado, mais dedicado, mas esquecemo-nos de que, para sermos assim e

ficarmos tão bem na fotografia, são os portugueses que pagam a fatura.

Vozes do CH: — Muito bem!

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O Sr. Filipe Melo (CH): — Vejamos o porquê. Sr. Secretário de Estado, fixe este número: dos 27 países que constituem a União, Portugal tem o segundo

gás natural mais caro de todos — o segundo! A acrescer a isto, tivemos um aumento de 3% no gás natural, face

ao período homólogo.

Em relação à eletricidade, nos mesmos 27 países, somos o sexto país com a eletricidade mais cara, e

também com um aumento de 3%. Recordo-lhe que, na fatura da eletricidade, metade é consumo e a outra

metade são impostos. Estamos a falar de IVA, do imposto especial sobre o consumo e de taxas de cariz político-

energético.

Nos cereais, temos registado um aumento de quase 15% à data de fevereiro deste ano. São 14,8%, para ser

mais preciso, 14,8%, em fevereiro, na altura em que não tinha começado a guerra. Naturalmente que agora,

com a guerra na Ucrânia, os preços vão disparar ainda mais. Estamos a dizer que o quilo de farinha passou de

25 para 49 cêntimos. Estamos a pôr em causa o pão que é posto na mesa dos portugueses.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — O Sr. Secretário de Estado referiu-se, há instantes, ao Deputado André Ventura dizendo que, relativamente aos combustíveis, era falsa a afirmação de que temos os impostos mais altos. Então

devo recordar-lhe, Sr. Secretário de Estado, que Portugal paga 54% de impostos — 54%! — sobre a gasolina.

Em Espanha, paga-se 47%.

Mas quer ir mais longe? Dou-lhe o exemplo do GPL (gás de petróleo liquefeito). Em Portugal, os impostos

são de 38% e em Espanha — espante-se! — 21%.

São estas as contas certas que o Governo tem para si, mas que, cada vez mais, são contas erradas para os

bolsos dos portugueses.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do IL, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco.

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, vai desculpar-me mas tenho de começar por dizer que, na sua intervenção anterior, o Sr. Secretário de Estado, já tendo aprendido com o Sr. Primeiro-Ministro, não

respondeu a nenhuma pergunta que fiz, nem relativamente à proposta da Comissão Europeia, nem

relativamente à diretiva, nem relativamente à posição da autonomia económica europeia face à China. Fiz três

perguntas, não respondeu a nenhuma. Se quiser, tem agora uma nova oportunidade.

Relativamente às recomendações no âmbito do Semestre Europeu, quer da Comissão, quer do parecer do

Conselho, dou alguns dados que me parece importante referir.

Segundo a Comissão, temos um sistema fiscal burocrático e complexo, com mais de 500 benefícios fiscais

em mais de 60 diplomas legais, o que, obviamente, afasta muitas empresas. A agravar isto, como já foi aqui

referido, temos um IRC que, com as sobretaxas municipais e estatais, é dos mais elevados da Europa; as

retenções na fonte de IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) são demasiado elevadas; os

custos recorrentes da cobrança de impostos são elevados, 20% acima da média da UE; o investimento

informático na administração fiscal é baixo, cerca de metade da média europeia; e acaba dizendo algo que

também já tinha referido ao Sr. Primeiro-Ministro e a que ele resolveu não responder, que é que temos um

sistema de proteção social demasiado burocrático, o que o torna ineficiente, sendo que, a comparar com a média

europeia, tira muito poucas pessoas da pobreza face ao que devia tirar com a quantidade de recursos de

impostos que tem.

Por isso, o que a Comissão diz é que temos de simplificar urgentemente estes dois sistemas, a começar pelo

fiscal, e pergunto o que é que o Governo vai começar a fazer nessa matéria.

Mas a crítica mais importante, muito relacionada com estas duas — e que faço aqui outra vez, já depois de

ter perguntado na semana passada —, é a seguinte: relativamente à máquina do Estado, uma das condições

do PRR é um pacote legislativo para a reorganização da administração pública. Em que ponto é que está esse

trabalho?

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Temos hoje 740 000 funcionários públicos — número recorde da década e igual ao do Eng.º José Sócrates

—, temos já gastos públicos, neste setor, de 12% do PIB (produto interno bruto), acima da média da União

Europeia. Temos cerca de 180 000 pessoas a trabalhar em burocracia e na administração central. É preciso,

obviamente, digitalizar. Temos 5000 informáticos, o mesmo número de 2015, para 740 000 funcionários

públicos, o que dá 1 para 150, ao que a Comissão diz, e muito bem, que esse número é muito baixo, sobretudo

face à média europeia. Por isso, a pergunta, muito simples, é a seguinte: quando é que começa a aparecer este

pacote legislativo de reforma da administração pública?

O Sr. Miguel Matos (PS): — A sua reforma é privatizar!

O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Em segundo lugar, menciono também, relativamente à economia circular, que Portugal se gaba muito da sua agenda climática. O que é que diz a Comissão? Que temos graves

problemas, todos os indicadores muito abaixo da média europeia no que toca à gestão de resíduos. A nossa

taxa global de reciclagem é quase metade da União Europeia. Por isso, podemos colocar todos os cartazes

verdes que quisermos do Partido Socialista na rua, mas, enquanto não houver medidas para inverter esta

tendência negativa da economia circular em Portugal, nada vai mudar. Mais uma vez, qual é que será a

estratégia do Governo para responder a esta recomendação?

Por último, como já imaginava que o Sr. Secretário de Estado não ia responder, volto a perguntar: a diretiva

RED II (Diretiva das Energias Renováveis) ainda não foi transposta e já se discute a RED III. O decreto-lei já

caducou, por isso estamos há meio ano sem nada. Não se sabe sequer qual é o nível de incorporação de

biocombustíveis, porque a diretiva não foi transposta. Por isso, o que é que falta para que tal aconteça?

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Diana Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A chamada governação europeia, na sua configuração atual, corresponde a uma densa e complexa teia de regras

draconianas, castradoras da ação dos Estados, da sua soberania e da própria democracia. Regras que não são

neutras, de um ponto de vista político e ideológico, e que visam impor as políticas e orientações neoliberais

associadas à moeda única, um aperto orçamental, a míngua de investimento público, o subfinanciamento das

funções sociais do Estado, a contenção salarial, ou seja, a redução do peso dos salários no rendimento nacional.

Criada em plena crise do euro, por imposição das principais potências, como é o caso da Alemanha — aliás,

à cabeça —, tal como o tratado orçamental, de que é contemporânea, a governação europeia visa garantir que,

mesmo que mudem os governos, nunca mudem as políticas.

Foi para isso que foi tecida a teia da governação europeia. Com os vistos e a censura prévios aos orçamentos

nacionais, com programas de estabilidade e programas nacionais de reformas concebidos e vigiados pela

Comissão Europeia, com mecanismos automáticos de correção, com sanções e ameaças de sanções já não

apenas corretivas, mas também preventivas, é uma interferência constante em esferas fundamentais da vida

nacional.

Do ponto de vista estrutural, há uma continuidade de políticas que determina uma continuidade e

agravamento de problemas: a escassez de investimento público e, por arrasto, de investimento em geral, a

insuficiência de crescimento, a debilitação do aparelho produtivo nacional, desaproveitando-se potencialidades

e recursos do nosso País, a dependência externa, o desinvestimento e a degradação de serviços públicos, a

desigual e injusta distribuição do rendimento nacional.

Do ponto de vista estrutural, nunca o PS quis encontrar soluções para estes problemas, submetendo-se aos

ditames da governação económica da zona euro e às imposições da União Europeia que lhe estão associadas.

A discussão sobre o futuro pacto de estabilidade — e, aliás, seria importante perceber que posição tem o

Governo assumido na mesma — não pode ser isolada da evolução do quadro de governação mais geral da

zona euro. Se não, repare-se: ativada que está a cláusula de exceção do PEC (Pacto de Estabilidade e

Crescimento), qual é o efeito prático nas políticas orçamentais dos países da zona euro?

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Bastaria olharmos para o Orçamento do Estado para 2022 — que, aliás, deixa sem resposta problemas

estruturais e candentes do País — para percebermos que os condicionamentos nunca desapareceram. Bastará

também olharmos para as recentes recomendações por país aprovadas no último Conselho Europeu para

constatar que se reforçam pressões orçamentais para 2022 e 2023, no sentido da redução dos salários reais e

do desinvestimento nos serviços públicos.

Estas orientações a que o Governo PS se tem vindo a submeter, a serem concretizadas, determinarão uma

mais acentuada degradação dos serviços públicos, com consequências particularmente negativas no Serviço

Nacional de Saúde e na escola pública, e agravarão a perda de poder de compra de um número significativo de

trabalhadores. Determinarão restrições ao investimento nacional enquanto desviam fundos europeus para

prioridades definidas pela própria União Europeia.

Tudo isto num contexto marcado por um padrão de instabilidade nas taxas de juro, com novos ataques

especulativos dos mercados e das agências de notação — e alguns já são visíveis — aos países da periferia do

euro.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem de concluir.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente. Em tempos, o atual Primeiro-Ministro afirmou que a zona euro é um bónus para a Alemanha, um bónus pago

com a periferia da zona euro. A governação económica existe também para assegurar a continuidade desse

bónus. Por isso cabe perguntar, Sr. Secretário de Estado, porque nada mudou desde que esta afirmação foi

proferida, até quando é que vamos continuar a suportar este bónus e quais os custos dessa opção também para

o País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do BE, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Mortágua.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Há uma ligeira contradição porque, ainda retomando o debate anterior, o Sr. Secretário de Estado subiu àquela tribuna para dizer que «a

União Europeia não vacila, a União Europeia está à altura das suas responsabilidades, a União Europeia é

solidária e é um bastião na defesa dos direitos humanos». Mas, depois, perguntamos sobre o acolhimento dos

refugiados de guerra e diz: «Ah, é complicado, diferentes posições, não é possível». Depois, é perguntado sobre

o Estado de direito, dentro da União Europeia, e a resposta é: «É complicado, há diferentes posições, a

Realpolitik é o que é».

Portanto, de duas, uma: ou a União Europeia vacila e não é um bastião de defesa de direitos humanos,

tratando de forma diferenciada diferentes refugiados, porque é isso que acontece, ou, então, nada do que

estamos a ver tem uma razão de existir e estamos todos a ver mal o qual é a Realpolitik da União Europeia. O

que o Governo português não pode é dizer uma coisa e defender o seu contrário, porque o que lhe pergunto

não é só sobre a posição do Governo português, é sobre a posição da União Europeia, e ela ou é uma coisa ou

não é.

E é bom que o Governo português tenha uma posição realista sobre o espaço em que está integrado, que

certamente não é um espaço que trata todos os refugiados da mesma forma, que respeita todos os Estados de

direito da mesma forma ou que respeita todos os direitos humanos da mesma forma.

Seria útil, já na parte das responsabilidades do Estado português, que pudéssemos ouvir do Governo uma

condenação do Estado espanhol, porque estas mortes que aconteceram na fronteira da União Europeia, estas

imagens de imigrantes mortos ou deixados a morrer, espancados por forças policiais, aconteceram num país

vizinho de Portugal, no Estado espanhol.

Era também importante saber qual é a opinião do Estado português sobre a Turquia, isto é, se acha que a

Turquia tem condições para receber centenas de milhões de euros da União Europeia para manter campos de

refugiados, se acha que é legítimo que a Turquia ofereça o seu apoio à NATO em troca da perseguição e morte

de curdos. Acha que os curdos são terroristas e isso é compatível com uma política de defesa da

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autodeterminação e de direitos humanos? É que a autodeterminação e direitos humanos são valores

independentes e deveriam aplicar-se a todos os povos e em todas as circunstâncias.

Ora, seria bom ter uma posição do Estado português que fosse no mínimo coerente perante este mar de

hipocrisia em que se tornou a política europeia no que diz respeito a direitos humanos, a refugiados, a

autodeterminação e por aí adiante.

Sr. Secretário de Estado, sobre as questões económicas, a recessão económica pode, ou não, acontecer,

tudo depende daquilo que a União Europeia resolver fazer. Há um elefante no meio da sala que são os países

mais endividados e o aumento das dívidas públicas, que está diretamente relacionado com a recessão anterior

e com a austeridade anterior, que encolheu as economias, aumentando as dívidas públicas, que foram depois

pressionadas pela COVID e por uma guerra. Ora, nós precisamos de saber que mecanismos é que o Banco

Central Europeu vai criar para proteger os países do aumento das taxas de juro, porque é isso que determina

se vai haver uma crise de dívidas soberanas ou não. Não é a «politicazinha» orçamental de Portugal que vai

impedir um ataque especulativo, o que vai impedir um ataque especulativo à dívida soberana portuguesa, ou a

qualquer outra periférica, é a atuação do Banco Central Europeu.

A Sr.ª Lagarde foi aqui parabenizada pelo Deputado Miguel Costa Matos pela sua grande resposta, dizendo

que vai haver mecanismos para defender as dívidas soberanas. Espero que haja. Acontece que também ouvi a

Sr.ª Lagarde, juntamente com Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal, a dizer que é preciso restringir

salários, que os salários não podem aumentar, que os salários não podem crescer com a inflação, ou seja, um

corte real salarial.

Assim, nasce aqui uma contradição entre as palavras do Sr. Deputado Miguel Costa Matos, que diz não

querer um regresso ao passado, nunca mais um regresso ao passado, ao mesmo tempo que a Sr.ª Lagarde e

o Governador Centeno pedem uma restrição salarial. É que isto soa um bocadinho a passado, ou seja, cortes

salariais soam um bocadinho passado.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente, perguntando apenas o que é que podemos esperar das regras orçamentais que tanto têm restringido a capacidade de Portugal para responder à crise e à

recessão que aí vem.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo aqui presentes, Sr. Secretário do Estado: Ouvimo-lo há pouco referir a questão da crise climática e a importância dos compromissos da União

Europeia e ouvimos também, por parte do grupo Parlamentar do PS, dizer que há uma dívida que não pode ser

passada para as futuras gerações.

É verdade que, na generalidade, concordamos com estas afirmações, mas depois a forma como as mesmas

se concretizam conduz-nos à questão muito concreta que gostaria de lhe deixar.

Um dos programas de financiamento que a União Europeia é precisamente os green bonds e estamos a falar

de um programa que foi criado para financiar o NextGenerationEU. Este programa pode vir a fazer da União

Europeia um dos maiores emissores de green bonds do mundo. No entanto, neste momento, está em discussão

no Parlamento alemão um relatório que nos diz que estes green bonds utilizam um sistema de classificação que

tem critérios menos transparentes e menos ambiciosos no que diz respeito aos objetivos de proteção do

ambiente, nomeadamente criando uma disparidade entre aqueles que são os objetivos das entidades privadas

e das entidades públicas, nomeadamente naqueles produtos que possam ser disponibilizados no mercado.

Neste relatório vai-se mesmo ao ponto de dizer que estamos a exigir mais aos privados do que, neste caso,

aos baixos padrões que a Comissão Europeia pode determinar e que isto pode constituir uma operação de

greenwashing e, de alguma forma, pôr também em causa, de forma irreversível, a confiança dos investidores

nas ditas soluções verdes.

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Por isso, aquilo que lhe pergunto é se o Governo está disponível para, de facto, colocar esta questão no

âmbito do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, se esta operação vai realmente defender aqui um

aumento dos padrões de exigência de transparência do sistema de classificação na União Europeia. É que os

green bonds são importantes — e o PAN concorda com a existência dos mesmos — mas devemos garantir que

eles têm um critério de transparência mais eficaz, sob pena do descrédito deste mesmo programa.

O Sr. Presidente: — Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, o PRR foi considerado uma medida extraordinária, mas a ser utilizada apenas uma vez, segundo alguns Estados-Membros, perante uma crise

inédita que precisava de uma resposta imediata.

Só que a crise pandémica não é menor do que a crise de uma guerra em pleno continente europeu, que não

é menor do que o regresso da inflação, que não é menor do que uma recessão ao virar da esquina, para 2023,

que é cada vez mais provável, que, por sua vez, não é menor do que um Plano Marshall para a Ucrânia, nem

menor do que um alargamento da União Europeia na próxima década. O que isto quer dizer é que precisamos

de um PRR permanente e isso é uma evidência cada vez maior no debate europeu.

A pergunta é se o Governo português está a tomar a dianteira nesta agenda, com quem já falou, quais são

as estratégias, qual é o plano para que as discussões em torno de um instrumento de dívida federal permanente

europeia, que é basicamente o que temos — deixemo-nos de conversa, há quem não goste nada de federalismo

para umas coisas mas gostam para o PRR —, e um instrumento redistributivo dessa dívida ao nível da União

Europeia permanente sejam ou não desejáveis por parte do Governo português.

No G7 discutiu-se controlo de preços, e bem, porque a inflação que tem origem na guerra é diferente da

inflação fora de períodos de guerra, e em períodos de guerra, historicamente, combateu-se a inflação com

controlo de preços. O que é que o Governo português acha? Vai juntar-se ao governo dos Estados Unidos, que

propõe um controlo de preços do combustível russo, e ao governo francês, que propõe um controlo de preços

dos combustíveis, ponto?!

Para terminar, uma pergunta sobre a representação de portugueses nas instituições europeias. Tivemos hoje

uma boa notícia: o português Vasco Cordeiro, dos Açores, acabou de ser nomeado Presidente do Comité das

Regiões. O Livre propôs a criação de um instituto europeu como laboratório associado ao do Estado, essa

resolução foi aqui aprovada, na Assembleia da República, pelo que pergunto o que é que o Sr. Secretário de

Estado pensa fazer.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, e pedindo que não ignore as questões colocadas pelo Iniciativa Liberal, entre outros grupos parlamentares, dou a palavra ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus.

Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, seguramente não ignorarei. Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Brás, a posição de Portugal, hoje em dia, no plano europeu e

mesmo no plano internacional, é muito diferente daquela que foi no passado, atendendo à gestão responsável

que temos tido das finanças públicas, sem deixar de ter tido uma política de recuperação de rendimentos e

efeitos visíveis e palpáveis ao nível da convergência com a União Europeia, e, sim, nos últimos anos, tirando os

anos da pandemia, Portugal convergiu com a União Europeia, mantendo as finanças publicas sãs.

Ora, isso permitiu a Portugal ter uma posição de credibilidade, de respeito, que, aliás, na recente instabilidade

que houve ao nível das taxas de juro das dívidas soberanas, já aqui mencionada por vários Srs. Deputados, foi

já possível verificar como não foi Portugal que esteve na primeira linha desse efeito; Portugal, em grande medida,

ficou à margem desse efeito ou só o sofreu marginalmente. E porquê? Justamente porque tem, neste momento,

finanças públicas sólidas, tem uma posição respeitada internacionalmente perante os seus parceiros, fruto do

currículo que tem para mostrar e da credibilidade que ganhou nesta matéria, com uma política de contas certas

que iremos manter e que é fundamental para podermos evitar a termos de nos sujeitar novamente, no futuro,

aos desmandos e aos sacríficos da austeridade que, infelizmente, sofremos em Portugal durante vários anos.

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Isto está ligado também com o tema da reforma da governação económica, que foi mencionada por vários

Srs. Deputados, nomeadamente pelo Bloco de Esquerda. Quanto a isso aguardamos as propostas que a

Comissão Europeia apresentará após o verão.

É muito importante que para 2023 já tenha sido tomada a decisão de manter suspensos os efeitos do Pacto

de Estabilidade e Crescimento, ou seja, a ativação da cláusula de salvaguarda, mas é preciso rever estas regras

e a posição nacional sobre essa matéria. É que, nessa revisão, devemos aprender com as lições das crises

passadas, …

O Sr. Miguel Matos (PS): — Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … com as lições boas e com as lições más, com aquilo que correu mal e que redundou nas políticas de austeridade que sofremos, com efeitos perniciosos e

contraproducentes, e com as lições boas, como foi a resposta que a União Europeia soube dar à pandemia,

com a criação de um novo instrumento, o NextGenerationEU, e o programa SURE, e são esses instrumentos

que queremos ver em cima da mesa.

Portanto, o que o Primeiro-Ministro tem dito é que é preciso aprender com as lições boas e reequacionar o

aproveitamento de alguns instrumentos que, sim, foram excecionais para a resposta à pandemia, mas que

devem ser equacionados no contexto da governação da zona euro e da governação económica da União

Europeia como um todo.

Felicitamos também a Croácia pela decisão tomada no Conselho Europeu, que será reafirmada no próximo

Ecofin e Eurogrupo, de admitir a Croácia dentro da zona euro a partir de 1 de janeiro.

Sr. Deputado Paulo Moniz, lamentamos que não tenha sido possível aprovar durante a Presidência francesa

o diploma relativo à tributação mínima das empresas, primeiro por um bloqueio da Polónia, agora por um

bloqueio da Hungria. É seguramente um dossier que passará para a Presidência checa e esperamos que esta

consiga encontrar uma forma de ultrapassar esse bloqueio e permitir aprovar este dossier.

O Sr. Deputado perguntou ainda o que é que tem sido feito quanto à inflação. O Sr. Deputado sabe-o bem

porque essa matéria tem sido aqui discutida amiúde, no debate do Programa do Governo, no debate do

Orçamento do Estado, no debate recente com o Primeiro-Ministro, em inúmeros debates com o Ministro das

Finanças, em inúmeros fóruns. Portanto, sabe as medidas que adotámos para a redução do preço dos

combustíveis, no apoio às empresas electro intensivas e dependentes do gás e no transporte de mercadorias,

conhece os apoios muito significativos que têm sido dados ao setor da agricultura, os apoios ao cabaz alimentar

para as famílias com menos recursos, enfim, conhece bem, repito, as medidas que temos vindo a adotar, não

temos hesitado nessa matéria.

Quanto a tributação decorrente da transição ecológica, Sr. Deputado, certamente, nessa parte, creio que

está distraído, porque já temos taxas de carbono em matéria de transporte rodoviário. Aliás, no pacote que

ontem foi aprovado no Conselho do Ambiente o que ficou previsto foi justamente uma salvaguarda relativamente

aos países que já têm taxas de carbono e que, por essa via, manterão as suas taxas de carbono e não sofrerão

os efeitos desses novos diplomas que foram aprovados, justamente porque já têm mecanismos em vigor, como

é o caso de Portugal.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Não foi essa a pergunta!

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Deputado Bruno Nunes, do Chega, o senhor diz que eu respondo sempre que está tudo a ser tratado. Bom, seguramente porque o Sr. Deputado faz

perguntas muito oportunas. Portanto, vejo isso como um elogio à atualidade das perguntas que são feitas pelo

Chega.

Quanto à nossa posição sobre o nuclear, somos contra, Sr. Deputado, e isso tem sido bastante claro.

Sr. Deputado Bernardo Blanco, quanto à diretiva da energia renovável, a indicação que tenho é que está

transposta; haverá, eventualmente, questões de pormenor, de afinamento da forma como transpusemos

algumas normas, mas a diretiva está transposta.

Quando à questão da autonomia estratégica face à China, este tema é de primeiríssima água, hoje em dia,

no plano europeu. Está, aliás, inscrita, de forma muito clara, nas conclusões da Cimeira Europeia de Versalhes

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a aposta que a Europa tem de fazer e que resulta, designadamente, do que detetámos durante a pandemia, ou

seja, a nossa dependência, a nossa fragilidade por força da dependência de cadeias globais de abastecimento

que não controlamos. Portanto, a necessidade de nos reindustrializarmos, de termos uma maior autonomia

industrial, energética e também na defesa, uma autonomia aberta ao mundo e não fechada, é uma prioridade

absoluta na agenda europeia, hoje em dia.

Quanto às sugestões e recomendações específicas por país em matéria de sistema fiscal e de sistema de

segurança social, elas existem, e é justamente para responder a esses desafios que o PRR prevê, por um lado,

investimentos muito significativos na digitalização da administração tributária e da segurança social e, por outro,

reformas de simplificação nesses domínios. Portanto, se consultar o PRR encontrará lá muitas das respostas

para os desafios e para as recomendações que a Comissão agora formula nas recomendações específicas por

país relativamente a Portugal.

Em matéria de organização e digitalização da Administração Pública, essa reforma também está em marcha

e, como reconheceu, está prevista no PRR.

Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, não sei se reparou, mas a União Europeia é composta por 27 Estados-

Membros. Nem todos pensam da mesma maneira e nem todos têm as mesmas atitudes!

Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.

O que eu disse foi que, em matéria de resposta à guerra, à invasão russa da Ucrânia, a União Europeia tem

conseguido ter uma resposta unida e não vacilou na resposta face à Rússia. Portanto, peço-lhe que não deturpe

as minhas palavras, não generalize aquilo que eu disse. Estava a referir-me à resposta da União Europeia face

à invasão da Rússia, que tem sido unida, tem sido firme e a União Europeia não tem vacilado nessa matéria.

Agora, sobre vários outros domínios, lamentavelmente, a União Europeia não tem uma resposta unida, como

é óbvio. Em matéria de migrações não tem, e nós lamentamos que não tenha sido possível ir mais longe numa

resposta humanista e solidária ao tema das migrações, como Portugal tem e está muito bem espelhado na

recente aprovação do pacote sobre a mobilidade laboral dos trabalhadores, no acolhimento que temos às

migrações económicas e no acolhimento que temos de refugiados de diferentes proveniências e diferentes

origens, independentemente da sua cor da pele e do seu credo. Creio que isso não está em discussão e que

ninguém tem dúvidas quanto à posição do Governo nessa matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tem de concluir.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Termino já, Sr. Presidente. Para não deixar ninguém sem resposta, queria só dizer, em matéria de green bonds, que creio que é um

instrumento muito interessante. Não conheço o relatório que a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Realreferiu, mas,

naturalmente, não pode ser uma forma de greenwashing. Os critérios adotados têm de ser sólidos e não podem

permitir investimentos menos sustentáveis.

Queria felicitar também o Dr. Vasco Cordeiro pela sua eleição, esta tarde, como Presidente do Comité das

Regiões, uma eleição que muito prestigia Portugal. É um momento alto para Portugal presidir a esta instituição.

Também acompanhamos, como o Sr. Deputado sabe, o dossier da promoção dos funcionários portugueses nas

instituições europeias, como acompanhamos um conjunto de medidas estruturadas…

O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tem de terminar.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Termino, Sr. Presidente. … que podem passar por sugestões como a que o Sr. Deputado fez, para conseguir reforçar a nossa

presença nas instituições europeias.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Assim concluímos o ponto 2 da nossa ordem do dia. Passamos ao ponto 3, com a apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 108/XV/1.ª (PS) —

Reforça a salvaguarda do interesse público, a autonomia e a independência da regulação e promoção do acesso

a atividades profissionais, alterando a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho,

9/XV/1.ª (PAN) — Estabelece a remuneração obrigatória dos estágios profissionais para o acesso ao exercício

da profissão, procedendo à primeira alteração da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, e dos estatutos de diversas

associações públicas profissionais, 177/XV/1.ª (CH) — Elimina restrições injustificadas no acesso a profissões

reguladas e estabelece limites à duração e organização dos estágios e 178/XV/1.ª (IL) — Reforma regulatória

das associações públicas profissionais, combate ao corporativismo e democratização do acesso às profissões

(primeira alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro).

Para apresentar o projeto de lei do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Sá Pereira.

A Sr.ª Joana Sá Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A liberdade de escolha e acesso à profissão é um direito fundamental constitucionalmente consagrado e o Estado tem obrigação de o garantir,

eliminando todas as limitações injustas que impeçam o seu exercício.

Por isso, o PS volta a apresentar neste Parlamento um projeto de lei que visa reforçar o interesse público, a

autonomia e a independência da regulação e a promoção do acesso a atividades profissionais. Mas este projeto

é mais do que isso, é um projeto a pensar nos cidadãos que procuram os serviços prestados por estes

profissionais, cujo interesse devemos centrar, salvaguardar e aprofundar.

O modelo de auto-organização tem perdido a oportunidade de se transformar e de se modernizar e,

sobretudo, de impulsionar a capacidade de cada um dos setores de atividade, ignorando os alertas que várias

instituições internacionais vêm fazendo, na última década.

Temos agora a oportunidade de dar esse passo em frente. O nosso projeto de lei responde a três pontos

absolutamente essenciais para o aprofundamento do interesse público a que as ordens estão vinculadas a

prosseguir.

O primeiro é a clarificação das atribuições das ordens profissionais em dois eixos. O primeiro que tem que

ver com o reforço dos poderes de fiscalização sobre a atuação dos seus membros, com vista ao exercício de

uma das suas principais funções, que é a função disciplinar. O segundo eixo diz respeito à separação da função

regulatória da função de representação.

A defesa de interesses de uma classe profissional é absolutamente essencial e vital em qualquer país, mas

essa é uma função das associações sindicais. As ordens profissionais não existem para representar interesses

profissionais. Existem, sim, para defender os direitos fundamentais dos cidadãos e salvaguardar o interesse

público.

O segundo ponto é a garantia da independência na função de regulação das ordens. Aqui propomos reforçar

as competências regulatórias do órgão de supervisão, que já existe, e garantir maior independência e isenção,

com uma maioria de membros externos às profissões em causa, mas todos eles eleitos por profissionais que

integram a ordem. Repito, todos eles eleitos por profissionais que integram a ordem.

O objetivo não é, pois, como alguns ensaiaram, controlar as ordens ou restringir os seus poderes, é, sim,

que as ordens tenham condições para exercer com isenção e independência o seu poder e dever de regulação

deontológica e disciplinar.

Definimos ainda como obrigatório o provedor do destinatário dos serviços, com competências reforçadas,

garantindo, assim, a proteção dos interesses dos cidadãos que procuram estes serviços e que têm o direito a

serem protegidos e defendidos.

O último ponto tem que ver com a democratização do acesso às profissões autorreguladas, e este é um dos

pontos fundamentais do nosso diploma. Faz algum sentido que as ordens promovam estágios e avaliações que

repetem conteúdos formativos já lecionados no ensino superior? Não.

Faz algum sentido que as ordens exijam taxas absolutamente injustificadas, em algumas delas o equivalente

ao custo da obtenção do grau de mestre, excluindo logo à partida aqueles que menos têm? Não.

Faz algum sentido que as ordens promovam estágios quando já fazem parte integrante da necessária

formação académica? Não.

Faz algum sentido que as ordens teimem em ter duração de estágios de quase dois anos, após a formação

académica? Não.

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Faz algum sentido que os mais jovens se sujeitem a estágios não remunerados, com trabalho efetivo, para

poderem aceder a uma profissão? Não.

Sr.as e Srs. Deputados, é inaceitável que um jovem profissional, depois de todo o investimento na sua

formação universitária, tenha ainda de pagar mais de 1700 €, durante quase dois anos, para repetir

aprendizagens do currículo universitário, ao mesmo tempo que tem de trabalhar enquanto estagiário, em alguns

casos sem receber qualquer tipo de remuneração. É a estes jovens que nosso o diploma dá resposta.

Aplausos do PS.

Mas mais. Não se compreende como é que algumas ordens podem, por um lado, protestar pela falta de

profissionais no seu setor e, ao mesmo tempo, criar critérios para limitar o exercício da profissão ou serem os

primeiros a contestar a abertura de novas vagas para a formação académica. Ninguém, nem este Parlamento,

compreende.

Aplausos do PS.

Remover estes bloqueios e promover a entrada dos jovens no mercado de trabalho, combatendo a captura

de determinadas profissões por quem já as exerce, fomentando divisionismos geracionais intoleráveis, é um

imperativo patriótico que esta Assembleia pode agora, com coragem, exercer. E esperamos encontrar neste

Parlamento, como temos encontrado em várias ordens profissionais, parceiros para fazermos o caminho de um

País moderno, em linha com a realidade do resto da Europa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 9/XV/1.ª, do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Com a interrupção da passada Legislatura, interrompemos também um importante processo legislativo que visava, precisamente, resolver o

que hoje debatemos. E o debate de hoje é um debate de escolhas entre um caminho de respeito pelos jovens

ou de manutenção de um status quo que serve apenas para alimentar a precariedade e perpetuar um certo

corporativismo.

Neste debate, o PAN está, como sempre estará, ao lado dos jovens e do combate à precariedade, propondo,

sem floreados ou alçapões, o fim dos estágios profissionais não remunerados para acesso à profissão.

Entendemos que este é o único caminho para que se possa dignificar e garantir a autonomização dos jovens.

Não aceitamos que um estudante de direito, psicologia, contabilidade ou enfermagem, depois de 3, 4 ou 5 anos

de estudo, tenha de fazer um estágio profissional não remunerado para exercer a profissão para a qual estudou.

Não podemos ser um País em que «para ser escravo é preciso estudar».

Mais, a geração mais qualificada de sempre merece bem mais do que um estágio não remunerado. Para

nós, uma pessoa que presta os seus serviços tem de ter direito a um salário, a subsídio de refeição e a seguros

de responsabilidade civil e de acidentes. Este é o patamar mínimo de dignidade laboral e é por isso mesmo que

propomos, aqui, esta alteração legislativa.

Mas queremos, ainda, elevar a sensibilidade social para as ordens profissionais por via do reconhecimento

do direito de isenção ou de redução das taxas de inscrição a todos aqueles que tenham beneficiado de bolsas

durante a sua licenciatura. Não faz qualquer tipo de sentido, como aqui já foi referido, que se cobrem elevados

valores de taxas de inscrição a pessoas que não têm, muitas das vezes, qualquer rendimento ou cuja condição

social as impede de aceder ao tão basilar e fundamental — aliás, constitucionalmente consagrado — direito à

profissão.

Queremos, assim, evitar que alguns dos jovens tenham de desistir dos seus sonhos por falta de recursos ou

de impedir casos em que são obrigados a ter um segundo emprego para financiar os custos da taxa de inscrição

nas ordens profissionais.

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Dignidade para os jovens é o que queremos e defendemos aqui hoje, e esperamos que as demais forças

políticas que estiveram ao nosso lado nesta luta no ano passado mantenham a sua posição e aprovem estas

propostas do PAN, estando cientes de que, em especialidade, temos e teremos trabalho a fazer para que exista

a conciliação das diferentes propostas hoje apresentadas.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 177/XV/1.ª, do CH, dou a palavra ao Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta que o Chega traz a esta Câmara é, de longe, a mais equilibrada e a mais sensata face às propostas que aqui são apresentadas.

Temos, basicamente, dois modelos em análise. Os liberais querem, no fundo, extinguir as ordens no

panorama jurídico português e tornar o mercado português numa espécie de «selvajaria liberal» onde cada um

faz o que quer, da forma que quer e sem qualquer controlo. O Partido Socialista, por sua vez, tem a estratégia

de sempre. Fingir que cumpre tudo, com normas jurídicas complexas, com um único objetivo: controlar e

submeter as ordens que lhe fizeram frente nos últimos anos.

Aplausos do CH.

Por isso, qualquer discurso bonito que seja feito aqui hoje, como aqui assistimos, doce e delicado, não tem

outro objetivo senão este: dominar e submeter as ordens que fizeram frente ao PS ao longo dos últimos anos.

O PS já tinha dito que «quem se mete com o PS, leva». Agora, chegou a punição para a Ordem dos

Advogados, para a Ordem dos Engenheiros, para a Ordem dos Economistas e para todas as que fizeram frente

ao Partido Socialista nos últimos anos. É a maioria absoluta a tornar-se em prepotência absoluta, é o que temos

neste diploma do Partido Socialista.

Aplausos do CH.

O Iniciativa Liberal traz-nos uma proposta de extinção de ordens profissionais. Convidava o Iniciativa Liberal

a ver o trabalho fundamental que ordens como a dos médicos veterinários, dos economistas ou dos contabilistas

certificados fizeram neste País, ao longo dos últimos anos. Convidava-vos a ver o trabalho no terreno, o trabalho

fundamental de defesa da saúde pública, no caso dos veterinários, e de defesa da economia, no caso da ordem

dos economistas.

Mas é engraçado que o Iniciativa Liberal queira também evitar e que revogue a norma que permitia apenas

uma ordem por cada profissão. São tão liberais que até querem várias ordens ao mesmo tempo, como se o

mercado pudesse ser regulado para norte e para sul ao mesmo tempo! Não, Srs. Deputados do Iniciativa Liberal,

há momentos em que temos todos de caminhar para o mesmo lado, seja qual for o caminho. É o caminho que

deve ser feito que devemos continuar.

Aplausos do CH.

Mas a norma mais preocupante é a do Partido Socialista, porque, tal como disse, no meio das palavras

delicodoces traz-nos o que nos meandros traz sempre: a tentativa de nomear pessoas externas às profissões

para os órgãos disciplinares e de supervisão.

Se isso passa à maioria da oposição, não passa ao Chega. É preciso que o País saiba isto: o PS quer que

não-médicos possam exercer poder disciplinar sobre médicos, que não-advogados possam exercer poder

disciplinar sobre advogados, que não-engenheiros possam exercer poder disciplinar sobre engenheiros.

Já estamos todos a ver quem vão ser estas personalidades de mérito do Partido Socialista!

Risos do CH.

Já imagino José Sócrates, na Ordem dos Engenheiros, nomeado pelo Partido Socialista.

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Aplausos do CH.

Ou, então, afastado o fantasma de José Sócrates, já vejo Manuel Pinho, com grande dignidade, à frente da

Ordem dos Economistas, nomeado pelo Partido Socialista.

Meus caros, isto não é uma brincadeira. A instituição das ordens profissionais tem uma razão histórica,

jurídica e constitucional, que é a de preservar a autonomia e a independência das profissões. O PS quer o seu

contrário, quer vergá-las, quer dominá-las, porque é a única instituição em Portugal que ainda não controla

verdadeiramente.

Mas nós não nos deixaremos intimidar. A proposta do Chega é sensata e vai no bom caminho, o de reduzir

o tempo máximo dos estágios para 12 meses e evitar este exército de precários que se alargam pelo País, às

mãos da lei socialista, com o apoio de outras forças nesta Assembleia, que leva a que milhares e milhares de

jovens, depois de cinco anos de trabalho académico, tenham de entrar para as suas profissões sem receberem

1 cêntimo.

Aplausos do CH.

É o legado do Partido Socialista que queremos combater.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 178/XV/1.ª (IL) — Reforma regulatória das associações públicas profissionais, combate ao corporativismo e democratização do acesso às profissões

(primeira alteração à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro), tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projeto de regulação das profissões reguladas e das ordens que o Iniciativa Liberal apresenta parte de dois princípios fundamentais que, depois de algumas

intervenções que ouvimos, é necessário recordar. O primeiro princípio é o da excecionalidade, ou seja, não há

um direito à ordem, há um direito à não-ordem. Há um direito à livre prestação de serviços, e esse é o princípio

fundamental.

Aplausos do IL.

Isto é assim porque a existência das ordens deve, como digo, ter natureza excecional. E porquê? Porque,

quando estamos a falar de ordens, estão em causa possibilidades de exercício de monopólios, de rendas, de

extração de rendas e de barreiras à entrada.

Isso é tanto mais grave quanto é certo que as barreiras à entrada se dirigem, normalmente, a dois grupos

muito claros: os mais jovens, muitas vezes sujeitos a essas barreiras quando os mais antigos nas profissões

não tiveram de as superar; e os estrangeiros, violando-se, assim, gravemente os princípios da liberdade de

circulação, da prestação de serviços e de estabelecimento previstos, nomeadamente, na legislação europeia.

O Iniciativa Liberal admite, de facto, a existência de algumas ordens, de acordo com critérios bem definidos

e sempre numa perspetiva de excecionalidade. Estamos a falar de critérios que têm que ver com a saúde

humana, com a intervenção em áreas de direitos fundamentais e com a segurança, nomeadamente com a

segurança física, a propósito de edifícios e de outro tipo de obras.

O segundo princípio fundamental em que se organiza a proposta do Iniciativa Liberal é o da concorrência e,

neste âmbito, há um desafio que queria fazer. A existência de ordens nas áreas em que tal se admite tem que

ver, nomeadamente, com a defesa dos interesses dos utentes, com a regulação e com o poder disciplinar, pelo

que pergunto: em que é que qualquer destes interesses fica prejudicado quando há a possibilidade de

concorrência entre ordens?

Não fica prejudicado, fica favorecido. É assim que deve ser e é isso que promove a satisfação de qualquer

destes interesses e combate interesses corporativos.

Aplausos do IL.

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Srs. Deputados, esta é a proposta de um partido livre de interesses e que não cede a interesses corporativos.

É uma proposta que, provavelmente, não poderia ser apresentada por mais nenhum partido nesta Assembleia

e é uma proposta que vai no caminho certo.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente: — Feitas as apresentações dos projetos de lei em apreciação, passamos à fase do debate propriamente dito.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Cardoso, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os projetos de lei em discussão, do PS, do Chega, do Iniciativa Liberal e do PAN, têm subjacente as necessidades de: eliminar as entradas no

acesso às profissões reguladas; assegurar que as regras impostas pelas organizações profissionais não sejam

um obstáculo injustificado e desproporcionado ao exercício do direito fundamental à livre escolha de uma

atividade profissional; separar a função reguladora da função representativa; dotar as organizações de uma

supervisão independente; abrir o acesso a parcerias, à propriedade e gestão de empresas profissionais, a

indivíduos de outras profissões; permitir empresas multidisciplinares com a presença de vários setores

profissionais; melhorar a defesa dos destinatários dos serviços — na opinião destes projetos, principalmente no

do Partido Socialista —, criando o provedor do cliente; e potenciar novos modelos de negócio, mais em linha

com as exigências dos consumidores e muito mais inovadores.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — O projeto do PS conclui, mesmo, que com estas alterações irá criar mais emprego e potenciar o crescimento económico.

Mas então, sendo este o cenário que nos vendem, porque será que as mais diversas ordens profissionais

levantam inúmeras suspeitas à vontade destas leis, acusando mesmo que estamos perante uma ingerência

política e uma tentativa de governamentalização, com perda de autonomia, esvaziamento das ordens e, em

alguns casos, com um frontal ataque à dignidade da profissão?

Ouvidos os proponentes, parece que estas alterações são mesmo aquelas de que as ordens precisam e que

querem. Ouvindo as ordens, encontramos uma série de críticas e percebemos que estas não são as alterações

que as ordens querem.

O Sr. Hugo Martins de Carvalho (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Para o PSD, há princípios que são orientadores e nos quais assentará a nossa decisão.

Não pode haver discriminação no acesso dos novos licenciados às profissões reguladas,…

Aplausos do PSD.

… bem como injustificados ou desproporcionados entraves.

As ordens profissionais devem ser independentes e deve haver garantia dos direitos e dos interesses dos

destinatários dos serviços.

Responderão estes projetos a estas questões?

Começando pelo princípio, estes projetos metem no mesmo saco profissões diversas e com múltiplas

especificidades particulares. Vejamos: umas praticam atos de autoridade pública; outras prestam mesmo um

serviço público; algumas são de cariz completamente privado; outras são de elevada complexidade técnico-

científica. Enfim, estarão debaixo do mesmo regime jurídico realidades díspares e, em alguns casos, até

conflituantes.

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O PSD não é um partido de ideologia corporativista, mas não defende a ingerência do Estado e o

esvaziamento das competências das ordens profissionais. O PSD entende e reconhece que este regime jurídico

pode ser melhorado, tal como reconhece a necessidade de se estabelecerem limites e de se regular o acesso

dos jovens licenciados às profissões reguladas.

Mas, Sr.as e Srs. Deputados, a primeira missão das ordens profissionais é a defesa do interesse público, em

particular, assegurando ao cidadão comum a necessária confiança nas profissões reguladas. Ou seja, o principal

interesse das ordens é o de garantir que o cidadão, quando recorre a um médico, a um engenheiro, a um

advogado ou a alguém com outra qualquer profissão tem a certeza de que está perante um profissional

competente, acreditado e habilitado para o exercício daquela atividade, e são as ordens, por delegação do

Estado, o garante desta segurança para o cidadão.

Sabe o PSD que esta lei está condenada a ser aprovada, por força da maioria do Partido Socialista. Sabendo

isto, fica aqui o compromisso do PSD para, em sede de especialidade, trabalhar no sentido de melhorar esta lei,

nomeadamente em questões em que persistem dúvidas e em que a lei é pouco ou nada clara.

Por exemplo, a norma revogatória do artigo 5.º da proposta do PS poderá conduzir a que os notários privados

deixem de existir. Pergunta-se: é esta a intenção do PS, em linha com a proposta do Iniciativa Liberal? A intenção

é de extinguir metade das ordens profissionais?

As empresas multidisciplinares, da forma como estão reguladas, na realidade, estão desreguladas.

Imaginemos: um investidor russo, um fundo ou um detentor de capital implementa uma empresa em que

oferece desde acompanhamento psicológico a médico, jurídico, financeiro, contabilístico, babysitting e até

cuidados veterinários para os animais de estimação dos clientes. Em dada altura, o contabilista depara-se com

a situação de um cliente e, por força das suas obrigações éticas e profissionais, tem de a reportar, sob pena de

não o fazendo, praticar um crime. Por sua vez, o seu sócio, advogado, perante a mesma situação, está obrigado

ao sigilo profissional. Como dirimir este conflito? O que está previsto na lei ora proposta que responda a esta

questão.

O provedor do cliente, por exemplo, também nos levanta várias dúvidas. Desde logo, como é que as ordens

que vivem das quotizações dos seus membros — algumas com poucas receitas — vão suportar o pagamento

desta figura? E como posicionar este provedor em relação ao Provedor de Justiça e até em relação a alguns

ministérios?

Veja-se, por exemplo, o caso dos notários, sujeitos a concurso público. A sua posse, o seu procedimento

disciplinar, a sua destituição, quando seja caso disso, são da responsabilidade da Ministra da Justiça. Então,

como vão funcionar os órgãos entre si? Quem está acima de quem? E o órgão de supervisão terá competência

para se pronunciar nas consultas públicas, conforme diz a lei?

Importa esclarecer, pelo menos pela bancada do PS: será que isto significa que um qualquer bastonário que

se queira pronunciar sobre assuntos da sua alçada é silenciado?

O PSD, conforme já disse, irá abster-se na generalidade, mas é uma abstenção crítica — muito crítica! —,

empenhando-se, na sede de especialidade, em contribuir para as alterações que entende serem absolutamente

indispensáveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, do PS, para pedir esclarecimentos.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Paula Cardoso, agradeço a sua intervenção, que, de facto, permite várias pistas para um debate construtivo.

No entanto, queria deixar-lhe uma questão que nos parece relevante quanto aos princípios que subjazem a

esta iniciativa. Ela tem por base recomendações da União Europeia e da OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico).

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Não, não!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Olhe que não!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Olhe que sim!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Portanto, quanto a esta ideia conspirativa, que ouvimos no ar, de que há uma vontade de controlar as ordens profissionais, na verdade, o que há é uma vontade de as aproximar aos

regimes de outros Estados-Membros, com vista a garantir que não há restrição excessiva no acesso às

profissões.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Não, não!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É um princípio equilibrado e, portanto, é um bom princípio para começarmos a auscultar o que a OCDE e a União Europeia nos dizem.

Mas a Sr.ª Deputada usou uma palavra que me parece perigosa, porque, de facto, não corresponde à

realidade das ordens profissionais. Elas não devem ser independentes, elas devem, sim, ser autónomas, e há

uma diferença substancial entre uma coisa e outra. É o que distingue, designadamente, os magistrados judiciais

— esses, sim, independentes —, dos magistrados do Ministério Público, que apenas dispõem de um estatuto

de autonomia.

Era, precisamente, a este ponto que eu queria chegar. Em vários aspetos que referiu — a propósito do

provedor, do conselho geral, do conselho disciplinar —, é importante sublinhar que todos estes órgãos das

ordens serão eleitos pelos associados, ou seja, pelos membros daquela categoria profissional. Não lhes será

imposta coisa rigorosamente nenhuma. Não será nenhum partido nesta Câmara, nenhum Governo, nenhuma

outra instância do Estado que os vão designar.

Aplausos do PS.

Serão os eleitores dessa ordem que irão designar e selecionar essas personalidades.

Portanto, pergunto: não concorda o PSD com este princípio de abertura a independentes, por exemplo, nos

conselhos gerais das universidades? Não é o PSD um partido que tem concordado — e até na sua liderança

atual o tem sublinhado — com a importância de que nos conselhos superiores da magistratura ou do Ministério

Público haja elementos externos que garantam diversidade e pluralismo?

Ora, o ponto é precisamente este, a garantia de que esta presença de elementos externos abra à sociedade

a forma como as ordens atuam e como são acompanhadas, num contexto em que elas não perdem as suas

características fundamentais de serem eleitas e selecionadas pelos seus membros.

Protestos do Deputado do PSD Hugo Martins de Carvalho.

Por fim, muito brevemente, deixo duas notas. Primeiro, a lei prevê que as sociedades multidisciplinares,

matéria muito complexa, tenham tratamento autónomo — não nesta sede —, que terá de ser densificado, e

agradecemos a disponibilidade que manifesta.

Depois, quanto aos provedores — e para terminar —, é também matéria em relação à qual não há muitas

dúvidas na nossa ordem jurídica. O Provedor de Justiça não decide.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mas vota!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — O Provedor de Justiça tem uma função de recomendação que não se substitui às funções que toda a restante Administração Pública terá e,…

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vota!

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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … nesse sentido, essa função de garantir a posição e a tutela dos destinatários dos serviços parece particularmente positiva, dando margem para que, com as suas

recomendações, nas ordens, quem tenha de decidir continue a fazê-lo, mas com esta componente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Cardoso.

A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, é só para dizer que, evidentemente, o PSD está disponível para, em sede de especialidade, dirimir essas questões, principalmente quanto às sociedades

multidisciplinares, matéria em que penso que há muito trabalho a fazer.

Há uma diretiva europeia, que recomendo que leia, que exceciona uma série de situações — no artigo 25.º

—, pelo que não é exatamente como está a dizer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura Soeiro, do Bloco de Esquerda.

O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, já muito foi dito. Na verdade, estamos a retomar um debate que este Parlamento já fez numa ocasião passada.

O Bloco de Esquerda é, obviamente, a favor de regras claras, que protejam as pessoas na escolha da sua

profissão e que protejam os trabalhadores, designadamente os estagiários, no exercício do seu trabalho.

Este debate sobre os estágios, neste aspeto em particular, é bastante antigo. Lembro-me de que, em 2010,

neste Parlamento, quando o então Governo do Partido Socialista apresentou uma proposta para que passasse

a haver a obrigatoriedade de remuneração dos estágios, foi o próprio Grupo Parlamentar do Partido Socialista

que alterou a proposta do Governo para libertar escritórios de advogados e ateliês de arquitetos da obrigação

de pagarem aos seus estagiários. Nessa altura, o lóbi dos escritórios de advogados passeou-se nestes

corredores e levou a melhor.

O que temos hoje, nomeadamente nestes setores, é o seguinte: estágios profissionais não remunerados;

taxas de inscrição que constituem um roubo, particularmente para jovens de famílias que não sejam ricas;

estágios longos demais; a obrigação imposta pelas ordens profissionais, nomeadamente pela dos advogados,

de repetir a avaliação de conteúdos que as pessoas já tiveram aquando da sua formação e em relação aos

quais já foram avaliadas; esta situação de os jovens que vão para o mundo do trabalho terem de pagar para

trabalhar; a profusão de falsos recibos verdes, nomeadamente entre arquitetos e advogados, com o «biombo»

de que estas profissões são liberais quando, objetivamente, elas sofreram processos de assalariamento que

fazem com que muitos destes prestadores de serviços sejam, na verdade, trabalhadores por conta de outrem.

O que temos tido é, em suma, um abuso sobre o trabalho precário dos estagiários com a conivência ativa de

algumas ordens.

Nós não defendemos um mercado sem regras.

É preciso que haja profissões reguladas?! Sim, é preciso que haja profissões reguladas. É preciso que haja

instâncias de aferição do compromisso deontológico no exercício das profissões?! Claro que sim, e as ordens

têm aí um papel a desempenhar. É preciso que haja regulação das condições laborais?! Absolutamente, mas

isso é diferente de permitir a confusão e usurpação de funções e competências.

Para a representação laboral existem sindicatos. São eles que negoceiam as condições de trabalho e

celebram convenções coletivas e é neles que os trabalhadores se inscrevem, livremente. Não há inscrições

obrigatórias nos sindicatos.

São os sindicatos que fazem a representação laboral dos trabalhadores, não são as ordens.

Para definir quais são os conhecimentos e qualificações necessários para uma determinada profissão existe

a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. Não são as ordens que têm de definir isso. Não têm

essa competência nem esse poder. Repito: não lhes cabe essa competência.

Já para definir as políticas laboral, educativa e formativa, para definir numerus clausus, para fiscalizar o

Governo e as instituições tuteladas por ele existe um Parlamento eleito pelo povo. Não é nenhuma

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representação corporativa — seja a Ordem dos Médicos, a concertação social ou a Ordem dos Advogados —

que substitui, material ou simbolicamente, a nossa função e a representação democrática.

Identificamos, por isso, bons contributos em vários dos projetos apresentados. Não acompanhamos todas as

normas propostas — por exemplo, não acompanhamos as mui liberais sociedades profissionais

multidisciplinares, não temos nenhum fascínio pelas personalidades externas, não acompanhamos soluções

como a da norma antissindical, que perdurou no projeto do Partido Socialista e que limita os direitos dos

dirigentes sindicais—, mas estamos disponíveis para, em especialidade, avançar neste debate, nesta

clarificação e na proteção dos direitos, nomeadamente dos direitos dos jovens estagiários.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Passamos agora à intervenção do Sr. Deputado Rui Tavares, do partido Livre. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, a razão de ser, central, das ordens é uma: poderem autorregular, em termos deontológicos e técnicos, as profissões cujos erros ou más práticas, no caso de ocorrerem, possam

ser impedidos de uma forma preventiva e continuada — nos tribunais já seria tarde demais! — e em que os

profissionais não sejam funcionários públicos, por exemplo.

É por isso que não precisamos de ter uma ordem dos polícias — embora trabalhem na justiça, como algumas

das ordens que o Iniciativa Liberal quer extinguir —, porque são funcionários públicos, nem de uma ordem dos

historiadores, porque o debate público é mais do que suficiente para regular a qualidade do trabalho produzido.

Portanto, o Livre acompanhará propostas que vão no sentido de preservar esta função de autorregulação,

mas não acompanhará propostas que vão no sentido de fazer das ordens grémios — para constituírem barreiras

à profissão, o que é incorreto — ou que vão no sentido de criar concorrência entre as ordens, o que faria delas

sindicatos, que é o que elas não devem ser.

Acompanharemos o fim de estágios não remunerados e o fim de barreiras ao acesso às profissões. Há um

debate a fazer sobre as ordens, na especialidade — não faz sentido querer acabar com a Ordem dos

Veterinários e manter a Ordem dos Médicos — e, nestes termos, o Livre acompanhá-lo-á.

Neste momento, assumiu a presidência o Vice-Presidente Adão Silva.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado Rui Tavares. Aproveito para cumprimentar as Sr.as e os Srs. Deputados.

Prosseguindo o nosso debate, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do PCP, a Sr.ª Deputada Diana

Ferreira.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é uma discussão que, no fundo, transita da anterior Legislatura, considerando até iniciativas que foram apresentadas pelo Partido Socialista e

pelo PAN, nomeadamente, e que são matérias que discutimos em outubro de 2021.

Considerando isso, a posição que o PCP tem não se alterou. Assim, a reflexão que fazemos, as matérias

que acompanhamos, as dúvidas que temos e as matérias a que nos opomos mantêm-se.

Naturalmente que não nos opomos, por exemplo, à auscultação prévia de entidades externas às profissões

em causa, tais como instituições universitárias, científicas ou outras, o que é, aliás, uma proposta que consta do

projeto do Partido Socialista, sendo que entendemos que este leque pode ser alargado e melhorado, no que se

refere a estas mesmas entidades.

O PS também propõe, na sua iniciativa, que as ordens profissionais sejam proibidas de estabelecer restrições

à liberdade de acesso e de exercício da profissão, por ato ou regulamento. Para nós, esta é, efetivamente, uma

questão bastante relevante, porque um dos problemas que a nossa sociedade enfrenta hoje tem que ver com a

integração profissional de jovens com formação superior.

O acesso a uma profissão regulada por uma ordem profissional após a obtenção de um grau académico,

que, aliás, lhe dá habilitações para o exercício dessa profissão, continua a ser um enorme problema para

milhares de jovens. Há que reconhecer que diversas ordens profissionais não só não contribuem para resolver

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esse problema como, pelo contrário, contribuem, sim, para obstaculizar o acesso à profissão através da

imposição de provas eliminatórias ou de outros obstáculos de natureza administrativa.

Por exemplo, não é de todo aceitável que, num País onde há uma profunda carência de médicos de família,

a Ordem dos Médicos se pronuncie, como já fez, contra o alargamento da oferta de cursos de Medicina em

universidades públicas, com o argumento de que não precisamos de formar mais médicos.

Assim como não é, também, aceitável que jovens que integram a geração considerada a mais qualificada de

sempre se vejam obrigados a implorar pela frequência de estágios gratuitos, ou até ficticiamente remunerados,

ou a frequentar duplos estágios para terem acesso a uma profissão para a qual têm as habilitações legalmente

consideradas e exigidas para o exercício dessas mesmas funções.

Por isso, acompanhando estas propostas, acompanhamos as medidas que preveem que só possa ser

exigido um estágio profissional quando este não faça parte integrante do curso que confere a referida habilitação

académica, como também concordamos que os estágios que impliquem prestação de trabalho devam ser

obrigatoriamente remunerados. Isto, não no sentido de pôr as ordens profissionais como entidades

empregadoras, mas, sim, no de que as entidades beneficiárias desses estágios remunerem adequadamente os

jovens que estão a prestar essas mesmas funções.

Em relação a outras matérias que, de alguma forma, já foram abordadas, mas sobre as quais também

gostaríamos de nos pronunciar, importa dizer que, relativamente ao órgão de supervisão que é proposto,

nomeadamente pelo Partido Socialista, quanto à inclusão de personalidades de reconhecido mérito neste

mesmo órgão e no órgão disciplinar, não temos objeções de fundo ou de princípio. Entendemos, sim, que tem

de ser salvaguardado que as entidades que integram estes órgãos: tenham a sua idoneidade reconhecida pelos

próprios profissionais; não devam, de todo, ser impostas a partir do exterior; e, acima de tudo, não possam estar

em maioria nesses mesmos órgãos.

Simultaneamente, uma matéria que entendemos que tem de ser cuidadosamente ponderada nas propostas

tem que ver com o facto de se criar um elemento de inelegibilidade dos antigos dirigentes sindicais, para que

não possam integrar órgãos das ordens profissionais. Este é um elemento que achamos que tem de ser,

efetivamente, muito ponderado, até porque entendemos que não se pode determinar que ter sido dirigente

sindical seja um fator que faça com que um cidadão não seja elegível para um qualquer órgão a que se

candidate. Como tal, isto é algo que, naturalmente, nos faz ter profundas reservas em relação ao que está aqui

em causa.

Por fim, e mesmo para terminar, queria dizer que há algo que o PCP rejeita totalmente, que tem que ver com

a proposta de reconhecimento das sociedades multidisciplinares, porque podemos vir a ter uma sociedade

multidisciplinar com um alargado conjunto de profissionais de diversas áreas — advogados, arquitetos,

contabilistas, solicitadores, médicos, enfermeiros —, em que sejam todos contratados por um salário à medida

e em que o patrão seja, por exemplo, um grupo económico. Este é um caminho que, naturalmente, além de

agravar a exploração destes profissionais, levanta graves problemas, até na área da deontologia e do sigilo

profissional, seja no âmbito de informações confidenciais, de avaliações independentes e isentas de casos ou

da forma de atuação dos profissionais, que ficam nas mãos das suas entidades empregadoras, ou seja, dos

grupos económicos que os contratam, podendo haver o risco do não-cumprimento dos deveres deontológicos

de cada uma destas profissões.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Diana Ferreira (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Naturalmente que, com este conjunto de reservas e esta oposição firme em relação às sociedades

multidisciplinares, temos disponibilidade para, na especialidade, contribuir para que um conjunto destes

problemas possa ser solucionado e para que a iniciativa final apresente, efetivamente, as soluções necessárias

no âmbito desta discussão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão.

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A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr. Presidente, caras e caros Srs. Deputados: O projeto que discutimos, do Partido Socialista, vem da anterior Legislatura, foi objeto de muitas audições de diversas ordens profissionais

— quase de todas — e é, aliás, um projeto diferente daquele que acabou por caducar pelo termo da Legislatura

anterior. Essa é, aliás, a prova da abertura que manifestámos também posteriormente, no trabalho em

especialidade.

Esta iniciativa, que vai ao encontro — sim! — de recomendações internacionais, tem três objetivos principais.

O primeiro é o de eliminar restrições injustificadas aos estágios, ao acesso à profissão, como já foi

abundantemente referido, o que, além do mais, põe em causa a justiça social. Quando se paga para fazer

estágios em vez de se receber pelo trabalho feito estamos a pôr em causa a justiça social, pois serão,

seguramente, os mais pobres que não poderão fazer esses estágios.

Aplausos do PS.

Este projeto pretende, também, reforçar a tutela dos beneficiários, isto é, dos clientes destes serviços, através

da figura do provedor, que não é nova. Já constava da lei, mas agora torna-se obrigatória.

Finalmente, pretende dar transparência à regulação das profissões. Como?! Introduzindo pessoas de fora da

própria ordem num determinado órgão, o que também não criámos, já estava na lei em vigor. Sim, introduzindo

pessoas que são de fora dessa ordem, mas que não são nomeadas pelo Governo nem eleitas por esta

Assembleia. São pessoas eleitas pelos órgãos da própria ordem e é por isso que, francamente, os argumentos

de governamentalização ou de politização não se percebem!

Aplausos do PS.

Dito isto, estamos disponíveis para, em sede de especialidade, melhorar e discutir o projeto em diversas

dimensões, ou seja: flexibilizar o número de membros do órgão de supervisão, eventualmente, remetendo para

os estatutos de cada órgão; revisitar os próprios poderes do órgão de supervisão, seja em matéria disciplinar,

seja em matéria de consultas públicas, permitindo, por exemplo, que as ordens que o queiram fazer possam

comercializar instrumentos estritamente necessários ao exercício da profissão; entre outros aspetos, sobre os

quais, repito, manifestamos disponibilidade para trabalhar em especialidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do PSD, a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Folgo em ouvir que o PS está na disposição de rever esta matéria em sede de especialidade, mas espero que esteja na disposição de o fazer

naquilo que, realmente, se torna um grande incómodo e que vem mutilar, e muito, o objetivo das ordens, que é

a sua independência no sentido da regulação das profissões reguladas e de não termos um controlo estatal —

porque é disso que estamos a falar!

Não se trata só daquilo que nos foi apresentado — aliás, a apresentação inicial fez-me lembrar o artigo de

ontem do Observador, que era já para preparar o discurso político aqui, em que, basicamente, os motivos são

os mesmos —, relativamente à parte bondosa do projeto de lei, com que todos estamos de acordo.

De facto, os entraves no acesso à profissão têm de ser eliminados. Temos conhecido, ao longo dos anos,

algumas situações que têm dificultado — em muito! — a vida dos nossos jovens e é importante que a geração

mais qualificada de sempre consiga aceder às profissões.

Tendo em conta a realidade atual, o PSD também julga que é importante que se deem passos para a

remuneração dos estágios, mas não uma remuneração sem responsabilidade, como o PS quer, deixando para

os patronos aquele seu serviço público e ainda um encargo. Possivelmente, isso fará com que, na prática, muitos

jovens nunca consigam estagiar.

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Claro!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sim, o Estado tem de assumir essa responsabilidade, em estágios obrigatórios em profissões de interesse público, e de financiá-la, nomeadamente, através dos fundos europeus

do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional),…

O Sr. André Coelho Lima (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … criando um modelo simples, fácil e agilizado, para que os jovens sejam remunerados nos seus estágios com a dignidade que merecem, quando são os melhores e mais bem formados

de sempre, para que não passem um calvário de mais um a dois anos com os seus pais a terem de suportá-los,

muitas vezes com dificuldades — sim, porque afeta realmente quem menos pode —, para que consigam aceder

à profissão.

A Sr.ª Sofia Matos (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Portanto, o PSD estará sempre ao lado da solução que facilite a vida dos jovens.

O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Dito isto, há um outro lado menos simpático, o da tentativa de controlo das ordens, e é disso que não querem falar.

O órgão de supervisão, ao contrário do que nos tentaram vender durante este debate, é mesmo para controlar

as ordens incómodas!

O Sr. André Ventura (CH): — É verdade! Muito bem!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vamos à sua constituição. O provedor, além daquela colisão que pode ter, é escolhido pelo bastonário sob proposta do órgão de

supervisão, cuja maioria dos membros, por seu lado, são não-profissionais da área — aqui está o controlo! —,

nomeadamente, professores universitários.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Quem os elege?!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Esta é a forma de esvaziar. Mais: os poderes que este órgão de supervisão tem…

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — É a ordem que os elege!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Elege, Sr. Deputado, tem toda a razão. Não tem alternativa, porque, senão, estaria em violação dos estatutos e até se arriscaria a não poder continuar como ordem, por violar a lei

enquanto organização de interesse público, como o Sr. Deputado deverá saber. Só não sabe isto quem é apenas

académico e nunca trabalhou na realidade das ordens profissionais.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora, aí está!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — O mundo real é o mundo real, mas parece-me que o desconhece.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Sr.ª Deputada, tem de concluir.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Vou mesmo concluir, Sr. Presidente, dizendo o seguinte: o PSD está na disposição de lutar, sim, e de apresentar propostas na especialidade para que se facilite o acesso à profissão e,

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também, para que se mantenha a dignidade e independência tão necessárias a estas profissões de interesse

público. Elas são muito diferentes umas das outras, mas o PS trata-as a todas como iguais, porque algumas são

mais incómodas e convém afastá-las e calá-las, controlando-as através de supostos órgãos de supervisão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

Protestos da Deputada do PS Joana Sá Pereira.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra para intervir, pelo Grupo Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito brevemente, queria referir que o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves disse que as ordens não são independentes, são autónomas, ficando

incomodado com aquela expressão, mas cito a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão que, a 24 de junho deste ano —

foi há poucos dias, Sr. Deputado — disse: «É preciso reforçar a independência da regulação. É preciso reforçar

a independência, a qualidade dos serviços e o acesso à profissão regulada.» A «independência», cito!

A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — A independência da regulação!

O Sr. André Ventura (CH): — Sim, claro! A regulação e os órgãos de regulação são coisas, de facto, muito, muito diferentes!…

A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — São, são!

O Sr. André Ventura (CH): — Não são! Quando diz que não vai abrir a porta à governamentalização, Sr.ª Deputada, isso é o mesmo que dizer que

as associações de estudantes não estão abertas à politização porque são eleitas pelos estudantes.

Vamos lá cair na realidade e saber do que é que estamos a falar!

Aplausos do CH.

Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.

É muito simples. Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, para que haja direção e franqueza, diz o n.º 8 do artigo

8.º da proposta do Partido Socialista que passa a haver um membro externo na avaliação de júri. Que sentido é

que isto faz?! Um estágio feito, todo ele, dentro da ordem é, depois, avaliado por alguém fora da ordem?!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Há muitas ordens que já têm!

O Sr. André Ventura (CH): — Têm, mas mal! Diz o artigo 15.º da mesma proposta: «o órgão de disciplina passa a ser constituído com personalidades que

não são membros da ordem.» Ou seja, um não-médico vai avaliar o comportamento de um médico!

Vamos lá ser francos, qual é o sentido que isto faz? Nenhum!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!…

O Sr. André Ventura (CH): — Os senhores têm de assumir que isto não faz sentido nenhum!

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Pior: falam dos estágios remunerados, mas remetem para os estatutos destas associações, porque não têm

coragem de dizer como é que os vão pagar e obrigam o vosso líder parlamentar a dizer que talvez seja com a

taxa social única ou com benefícios fiscais.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias.

O Sr. André Ventura (CH): — Digam lá como é que vão remunerar os estágios. Isso é que seria preciso dizerem!

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Matos.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É, de facto, impressionante o incómodo que causa, em alguns grupos parlamentares e em alguns segmentos da sociedade portuguesa, acabarmos com

o regabofe de termos jovens a trabalhar sem receber, a serem limitados no seu acesso ao estágio profissional,

no acesso à sua profissão.

Protestos do Deputado do CH André Ventura.

Ora, não vos basta obrigar os jovens a fazerem estágios não remunerados e a passarem por provas, uma

após outra, absolutamente abstrusas?

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira e do Deputado do CH André Ventura.

Não vos basta que, depois de se licenciarem, os jovens tenham de estudar e de ser avaliados por aquilo por

que já passaram e que já demonstraram quando estavam na universidade?

Não vos basta ver as centenas de euros que as ordens andam a cobrar, essas, sim, rendas de taxas e

taxinhas, que se multiplicam com valores e números?

Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.

Andam a levantar o bicho-papão dos estágios, mas já temos ordens profissionais que demonstram que é

possível remunerar os estágios e respeitar os jovens sem que isso implique uma redução na oferta do número

de estágios.

Protestos de Deputados do PSD.

É o caso, por exemplo, da Ordem dos Psicólogos e de tantas outras ordens que por aí andam.

O Estado já apoia os estágios noutras áreas e, sim, temos de assegurar que quem entra na profissão é

qualificado, mas não se pode qualificar pela conta bancária nem se pode ser desqualificado pelo corporativismo

das ordens.

Aplausos do PS.

É por isso que o PS não arreda pé da defesa dos jovens e da sua liberdade de acesso à profissão.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Viu-se nesta intervenção do Sr. Deputado Miguel Matos que ele não leu o projeto do Chega.

O Sr. André Ventura (CH): — Exatamente!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Viu-se, claramente! Se há projeto que diz precisamente aquilo que ele disse é o nosso, porque nós é que estamos a facilitar os

estágios e a remunerá-los.

Aplausos do CH.

Portanto, certamente que o Partido Socialista irá votar a favor do projeto apresentado pelo Chega.

Depois, vejo o PS muito preocupado com os jovens, mas não o vejo a falar em diminuir a taxa desemprego

jovem que, neste momento, está quase nos 23%.

O Sr. André Ventura (CH): — Exatamente!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Com isso é que o PS se deveria preocupar, mas não se preocupa. Quando estas iniciativas foram apresentadas publicamente, na passada Legislatura, o PS e o Governo foram

acusados de ingerência direta na atividade das ordens profissionais, que reclamam a sua independência e de

não receberem qualquer apoio público.

Desde logo, a apresentação do projeto de lei do PS foi feita sem ouvir as ordens, erro que, agora, o PS voltou

a repetir.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso não é verdade!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não somos nós que o dizemos, são os bastonários!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Duas vezes!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Os bastonários das Ordens dos Advogados, dos Engenheiros e dos Médicos referiram que não foram previamente ouvidos sobre o projeto de diploma,…

Protestos da Deputada do PS Joana Sá Pereira.

… que se traduz numa tentativa do Governo de controlar a sua atividade, retirando a sua missão principal,

que é a de proteger os cidadãos.

Aplausos do CH.

O Partido Socialista não quer ouvir as ordens porque sabe que será confrontado com estes problemas. Passo

a citar: «As ordens, até agora, eram independentes. Estamos aqui para ajudar o País, não partidos políticos»,

Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos; «As ordens não são sindicatos. O diploma pretende

colocar as ordens sob a tutela externa, limitar os atos reservados e visa a desqualificação dos profissionais»,

Luís Menezes Leitão, Bastonário da Ordem dos Advogados; «As medidas paternalistas do PS parecem partir

de um princípio de desconfiança e podem atentar contra a autonomia das ordens, a credibilidade das instituições

e, na linha final, o interesse dos cidadãos», Francisco Rodrigues, Bastonário da Ordem dos Psicólogos.

O Sr. André Ventura (CH): — Exatamente!

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Protestos do Deputado do BE José Moura Soeiro.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — O Partido Socialista, com esta proposta, vende a ideia de que quer liberalizar o mercado, mas o que quer, na verdade, é controlar as ordens.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O Sr. Deputado Pedro Delgado Alves pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, era para solicitar a distribuição dos registos das audiências solicitadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, na atual e na anterior Legislaturas, que

demonstra, à saciedade, a falsidade do que o Sr. Deputado Pedro Pinto acaba de dar nota, porque foram ouvidas

todas as ordens profissionais na Legislatura anterior, bem como uma série delas na atual.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Venham daí os documentos, Sr. Deputado. Vamos passar à intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal, do Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

Pausa.

Fez-se silêncio absoluto para ouvir V. Ex.ª.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Já se acaba o silêncio…

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos outra vez a debater este tema, tal como fizemos na Legislatura anterior, e temos de voltar a ele porque a Legislatura foi interrompida.

Portanto, vamos a isso.

Estamos, hoje, a debater uma reforma necessária e a defender algo que é o combate ao corporativismo. Não

vou dar os parabéns ao Partido Socialista por este agendamento porque, se for preciso dar os parabéns para

que esta reforma venha a acontecer, esses parabéns terão de ser dados — no léxico do PCP — aos ditames

de Bruxelas, porque se trata de uma imposição que Bruxelas faz, há já vários anos, a Portugal.

Aplausos do IL.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Olhe que não!

O Sr. Miguel Matos (PS): — É o PS que agenda! É o PS que faz!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Estava no memorando da troica e está, agora, no âmbito do PRR. Portanto, se der os parabéns ao Partido Socialista será por só fazerem reforma porque precisam do envelope financeiro

do PRR.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Muito bem!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Estava à espera de que as referências ao nosso projeto de lei fossem mais focadas naquilo que é a cláusula, como nós lhe chamamos, de haver concorrência, mas foram breves as

referências a esse aspeto. Apenas o partido Livre e o partido Chega fizeram referências a essa cláusula, mas

também não fico surpreendido por o Sr. Deputado André Ventura não entender o que nós pretendemos com

este projeto de lei, porque não estou à espera de que entenda o que é o liberalismo, o que é a liberdade, o que

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é concorrência, o que são os incentivos que a concorrência traz e que melhoram a prestação de serviços às

pessoas e aos cidadãos.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Muito bem!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Então, o nosso projeto de lei é, também, um ponto de partida. Venha de lá a discussão na especialidade, porque estaremos lá para garantir que esta reforma avança e que não haverá

retrocessos nos projetos apresentados, e bem, sobre este tema.

Aplausos do IL.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Estamos, agora, em condições de passar para o encerramento deste ponto da ordem de trabalhos.

Sendo assim, para uma intervenção pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra o Sr.

Deputado Eurico Brilhante Dias.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta neste Hemiciclo, pela segunda vez, uma iniciativa no quadro das ordens profissionais. Fê-

lo na XIV Legislatura e está a fazê-lo agora, porque, em grande medida, esta é uma iniciativa de promoção da

justiça social e da democracia.

Em Portugal, temos um quadro de limitação, em particular aos mais jovens, no acesso a profissões que, ao

longo da história, em particular da história democrática portuguesa, foram criando barreiras, redes de acesso,

tornando-se corporações que limitam o acesso, em particular dos mais jovens, à atividade profissional.

Se queremos ter uma agenda para os mais jovens, se queremos pensar nos salários e na qualidade do

emprego, temos, também, de olhar para as ordens e para a forma como os mais jovens têm acesso a um

conjunto de profissões.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Aquilo que o Partido Socialista faz hoje, neste Hemiciclo, é apresentar um diploma aberto à discussão de todos os que percebem que a democracia e a participação democrática têm

um quadro na vida laboral e que, para ser livre, essa vida laboral não pode ter barreiras criadas de forma artificial

por corporações.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Percebemos que a extrema-direita antidemocrática não o entenda, mas percebemos também que estamos no sítio certo, porque nunca estivemos com nenhum regime das corporações.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Antidemocrática? Com 400 000 votos?! Já chega dessa conversa!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — O PS é contra as corporações e, por isso, faz sentido que este partido democrático apresente legislação que combata…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Democráticos somos todos!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — … aqueles que criam dificuldades e barreiras aos mais jovens para terem acesso a essas profissões: os mesmos conteúdos, preços muito acima do mercado e com limitações

evidentes, repetindo estágios de longa duração que não fazem sentido.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Concluo, Sr. Presidente.

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Os jovens portugueses sabem que o Partido Socialista está ao seu lado e é por isso que apresentamos esta

proposta.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não gostam, mas têm de aguentar! É o 25 de Abril!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Srs. Deputados, vamos passar ao quarto ponto da nossa ordem de trabalhos, que consiste na discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 141/XV/1.ª (CH) — Altera a Carta

de Direitos Fundamentais na Era Digital no sentido de garantir o cumprimento do direito à liberdade de

expressão, 179/XV/1.ª (IL) — Protege a liberdade de expressão online e 180/XV/1.ª (PS) — Simplifica o regime

de proteção contra a desinformação, assegurando a sua articulação com o Plano Europeu de Ação Contra a

Desinformação, procedendo à primeira alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta

Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.

Para apresentar a iniciativa do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, primeiro, uma verificação de factos: aquilo que o Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias acabou de dizer é que é antidemocrático.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tal qual! Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Aquilo que acabou de dizer, na sequência dos projetos de lei que estamos a apresentar, é que é um princípio antidemocrático muito grande.

Outra verificação de factos: o PS veio reconhecer que errou na Legislatura anterior, propondo agora a

revogação do artigo 6.º, depois de um erro grosseiro para cuja inconstitucionalidade a própria Provedora de

Justiça alertou. Tudo isto passou e foi passando. Pelo meio, houve 15 milhões de euros para a imprensa, que

se foi gerindo conforme se queria, mas havia uma coisa que o Partido Socialista não conseguia controlar: as

redes sociais.

Entretanto, o PS veio dizer que seria importante recorrer à ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação

Social) — que não tinha, sequer, meios para o fazer e que foi clara em dizê-lo — e que qualquer pessoa o

poderia fazer para verificar os factos que ali estavam a ser colocados.

O Partido Socialista também quer criar empresas de verificação de factos. Já não lhe chegava ter grande

parte dos média controlados, quer agora controlar a verificação de factos através de empresas, por sua vez,

controladas pelo próprio sistema.

Isto sim, Sr. Deputado, é antidemocracia.

Aplausos do CH.

Não são aqueles que estão aqui sentados, eleitos por 400 000 portugueses que VV. Ex.as deveriam respeitar,

que são antidemocráticos. Democráticos somos os 230 que cá estamos sentados, gostem ou não gostem.

Quanto à nossa proposta, é muito clara ao considerar que a revogação do artigo 6.º deve ser imediata. No

entanto, pensamos que não podemos entrar numa lógica do tipo Venezuela, de considerar que, a determinada

altura, os partidos políticos possam ser limitados, como VV. Ex.as têm feito a alguns líderes partidários,

nomeadamente a André Ventura,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — … a quem vão limitando a forma como pode estar nas redes sociais. Portanto, o nosso projeto de lei é claro: em momento algum os partidos políticos podem ser retirados das

redes sociais por mera censura de antidemocratas.

Aplausos do CH.

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O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal, e também para apresentar o Projeto de Lei n.º 179/XV/1.ª (IL) — Protege a liberdade de expressão online, tem a

palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há menos de um ano, nesta tribuna, encerrei o debate potestativo sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital — um debate

marcado pelo Iniciativa Liberal, que sempre deu a maior importância a este tema — com as seguintes palavras:

«A defesa das liberdades individuais será, por vezes, difícil, mas o primeiro passo que hoje» — ou seja, na altura

— «podemos dar é fácil e é óbvio: vamos começar, hoje, pela defesa da liberdade de expressão, vamos

começar, hoje, por revogar o artigo 6.º.»

Ora, isto foi há um ano. Na altura, a nossa proposta de revogar o artigo 6.º foi rejeitada com uma maioria de

votos, incluindo 103 votos contra da bancada do PS — o mesmo PS que, hoje, vem propor a revogação de cinco

dos seis pontos desse artigo.

Aquilo que o IL dizia que era fácil e óbvio demorou ao PS um ano a perceber.

Alguns dirão: «poderia ser pior, poderia nunca ter percebido». Nós dizemos: «se o PS demora um ano a

perceber o óbvio, não admira o estado de degradação a que estão a deixar chegar o País, a começar pela saúde

e pelos outros serviços públicos».

Aplausos do IL.

Para o Iniciativa Liberal, o tema do artigo 6.º era, de facto, óbvio. Era óbvio no domínio dos princípios, porque

acreditamos que a liberdade de expressão é essencial à saúde de uma sociedade democrática. Sem liberdade

de expressão não há confronto de ideias, não há pensamento crítico, não há escrutínio, não há progresso

científico, não há produção de conhecimento, não há progresso.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — No domínio legislativo ainda mais óbvio era, porque nunca aceitámos que se tenha fingido e que se tenha querido enganar esta Câmara e os portugueses, dizendo que se tratava de

uma transposição do tal Plano Europeu de Ação contra a Desinformação — o tal que o PS diz agora que quer

que, essencialmente, substitua o grosso do artigo 6.º.

Na altura, já dissemos que havia diferenças fundamentais entre o plano que vinha da Europa e a versão que

o PS queria fazer aprovar em Portugal. Por exemplo, o plano europeu previa que o discurso político partidário

estava excluído da definição de desinformação, mas a versão portuguesa não o excluía e, apesar de

repetidamente instado por nós, o PS nunca respondeu porque é que queria limitar o discurso político.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — O plano europeu não previa qualquer papel do Estado contra os verificadores de factos. Já o PS queria que, em Portugal, eles passassem a ser avalizados pelo Estado e nunca

— mais uma vez, apesar de instado repetidamente — respondeu à pergunta «quem é que vai verificar os

verificadores e quem é que vai verificar os verificadores dos verificadores?». Uma espécie de mistério da

verdade? Só poderia ser.

Finalmente, o PS também se preparava para limitar opiniões que fossem, e cito, «uma ameaça ao processo

de elaboração das políticas públicas». Na altura, também perguntámos, várias vezes: qual processo e quais

políticas públicas? Quem é que as define? É o PS e o Governo do PS que estiver de turno? Também não

obtivemos respostas.

O PS vem agora — passado um ano e depois de o diploma já ter ido parar ao Tribunal Constitucional, pelas

mãos do Presidente da República e da Provedora — propor a revogação quase total do artigo 6.º. E fá-lo através

de um projeto de lei cuja exposição de motivos é, talvez, um exercício de contorcionismo político, só para

esconder o simples facto de que o PS apresentou, defendeu e aprovou uma lei que estava errada e da qual se

arrependeu.

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O Sr. Rui Rocha (IL): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Mais valia que o PS assumisse o erro e que o fizesse mais cedo do que mais tarde. Mas, enfim, «mais vale tarde do que nunca».

Fica, no entanto, uma ideia que é importante que se registe, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas. Fica a ideia

de que a defesa das liberdades não vem naturalmente para o PS. Fica a ideia de que o PS cede facilmente à

política de cancelamento que a esquerda mais sectária anda a promover, um pouco por todo o lado, e fica

também reforçada a ideia de que o Iniciativa Liberal não precisa de ser recordado da importância de defender

as liberdades, a propósito do artigo 6.º da carta dos direitos digitais ou de qualquer outra coisa.

Aqui estaremos para defender as liberdades individuais, sempre que estiverem sob ataque.

Aplausos do IL e do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Bruno Aragão, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para apresentar o Projeto de Lei n.º 180/XV/1.ª (PS) — Simplifica o regime de proteção

contra a desinformação, assegurando a sua articulação com o Plano Europeu de Ação Contra a Desinformação,

procedendo à primeira alteração à Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos

Humanos na Era Digital.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Permitam-me apenas, com elegância, dizer ao Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo que, aparentemente, o Partido Socialista e o Iniciativa Liberal

andam à mesma velocidade, porque o Iniciativa Liberal também demorou um ano entre a sua abstenção na

aprovação desta Carta e a proposta de revogação do artigo 6.º

Aplausos do PS.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Seis meses!

Protestos dos Deputados do IL Rodrigo Saraiva e Rui Rocha.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — A discussão que se gerou em torno do artigo 6.º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital reduziu toda a sua amplitude a um artigo único e, claramente, impediu a

discussão sobre as matérias complexas que convoca.

Dos direitos dos autores de peças jornalísticas às regras da concorrência ou ao sistema de regulação, é

reconhecido que o enquadramento jurídico e os mecanismos de ação anteriores à Carta respondiam a um

mundo físico que a realidade digital há muito tinha ultrapassado.

Devemos reconhecer que, ao procurar enfrentar, no conjunto do artigo 6.º, as ameaças decorrentes do

fenómeno da desinformação, o legislador assumiu, com boa intenção, o combate a uma realidade que já não

pode ser ignorada. Estou em crer que foi o reconhecimento da boa intenção desta Carta que permitiu uma ampla

maioria na sua aprovação — na verdade, nenhum voto contra! —, resultado do consenso procurado e alcançado

no processo da especialidade.

Nunca esteve em causa a restrição da liberdade de expressão ou a proibição, de que forma fosse, de juízos

de valor ou de opinião, e sejamos nisto muito claros. Ainda assim, se as dúvidas que se colocam e que se

adensam dificultam um exercício já de si complexo, deve o legislador reconhecê-lo e resolvê-lo também sem

dificuldade, e por isso se propõe a revogação dos n.os 2 a 6 do artigo 6.º

No entanto, continua a ser real o fenómeno da desinformação e o amplo consenso sobre o seu impacto e

sobre as suas consequências, bem como a necessidade de procurar respostas e soluções. Por isso se propõe

a manutenção do n.º 1 deste artigo, respondendo ao fenómeno da desinformação com a articulação no quadro

do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação.

A discussão pode fazer-se, de forma mais facilitada, no plano europeu e no esforço articulado entre os

Estados-Membros. Demonstração disto mesmo é o resultado da negociação da Comissão Europeia com as

grandes plataformas digitais de medidas de combate aos diversos tipos de desinformação, uma negociação em

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termos que não têm suscitado discordância e que, sendo aplicados pelos operadores em toda a União Europeia,

podem dispensar a duplicação de medidas ou normas especificamente nacionais.

Não percamos, pois, o essencial que gerou a ampla aceitação que fez aprovar a Carta Portuguesa de Direitos

Humanos na Era digital. Matérias tão centrais como o direito à privacidade dos dados pessoais ou o direito ao

esquecimento — só para citar alguns exemplos — continuam a merecer a nossa atenção. Se, desde a sua

aprovação, desenvolvemos instrumentos legais que permitam, por exemplo, à Inspeção-Geral das Atividades

Culturais remover da web conteúdos que violem direitos de autor ou se aprovámos uma tarifa social de internet

que procura garantir igualdade de acesso, foi, certamente, por apelo aos princípios transpostos pela Carta.

Da mesma forma, a discussão da transposição da diretiva dos direitos de autor e direitos conexos, do novo

Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, da regulação dos mercados digitais, da utilização de sistemas

de inteligência artificial ou de matérias tão concretas como a criação de um espaço europeu de partilha de dados

de saúde ficarão certamente mais enquadradas por uma carta de direitos humanos na era digital.

Neste entretanto, já depois da aprovação da Carta Portuguesa, a Declaração de Lisboa — Democracia Digital

com Propósito, que obteve a concordância dos 27 Estados-Membros, abriu definitivamente a porta para uma

futura carta europeia de direitos fundamentais, no mesmo espírito da Carta Portuguesa: fazer da internet um

espaço de segurança, de confiança e de equilíbrio, sempre difícil, entre o desenvolvimento económico e

tecnológico e os princípios éticos que certamente partilhamos.

Assim, termino: esta Carta de direitos fundamentais, depois da alteração que agora se propõe, manterá

intacto o seu propósito de ser um mapa para a entrada numa nova era. Esta Carta é um mapa para que entremos

todos num espaço de maior informação e segurança, protegendo-se direitos, liberdades e garantias e, com isso,

assegurando igualdade digital a todos os cidadãos.

É, na sua essência, a discussão que importa e que sempre procuramos fazer, e é também a discussão para

a qual continuamos naturalmente disponíveis.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — A Mesa regista a inscrição, para pedir esclarecimentos, do Sr. Deputado Bruno Nunes, do Chega.

Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Aragão, na sequência da sua intervenção, o partido Chega tem uma pergunta muito simples: tendo em conta que reconheceram o lapso e que voltaram

atrás — independentemente do timing, se foram seis meses e não um ano —, VV. Ex.as consideram ou ponderam

aprovar o nosso projeto?

Até porque seria uma forma de demonstrarem que, de facto, respeitam os valores de Abril, que tanto

apregoam, com a livre formação de partidos políticos e que estes não são alvo de censura, porque a única coisa

em que a nossa proposta diverge da vossa é no sentido de que os partidos não sejam condicionados e não seja,

de forma nenhuma, retirado o acesso aos partidos políticos.

É esta a pergunta.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para responder, num esforço estrénuo de 8 segundos, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Aragão.

O Sr. Bruno Aragão (PS): — De forma muito rápida, aconselharia o Sr. Deputado a ler o parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados sobre a proposta do seu partido, porque acho que responde

claramente àquilo que disse.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não responde! Basta dizer sim ou não!

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O Sr. Bruno Aragão (PS): — E recordaria também, só para que fique registado, a Diretiva n.º 3/2020, do Chega, que ficou conhecida como a «lei da rolha» ou, se quiser, a «lei da rolha do rei Ventura» e que

rapidamente responde ao que é isso, de silenciar internamente a discussão política e a discussão partilhada.

E sobre isso não tenho mais nada a dizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — V. Ex.ª quer fazer uma intervenção?

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Mas não é agora, Sr. Deputado. Já temos inscrições para outras intervenções, pelo que o Sr. Deputado fica também inscrito.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — O Sr. Presidente é que disse e, por isso, estou a falar.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — O Sr. Deputado fica inscrito para fazer uma intervenção. E, só para lembrar, estão inscritos, neste momento — para que o Sr. Deputado e a sua bancada também se sincronizem —, a Sr.ª

Deputada do PCP Alma Rivera, a Sr.ª Deputada do PSD Sara Madruga da Costa e o Sr. Deputado do Livre, Rui

Tavares, e V. Ex.ª, obviamente, que pode ficar inscrito neste momento, se assim quiser.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Então, assim será. Vou, agora, dar a palavra ao Grupo Parlamentar do PCP, à Sr.ª Deputada Alma Rivera. Faça favor, Sr.ª

Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital foi discutida neste Parlamento, justificada com o cumprimento do Plano de Ação Contra

a Desinformação europeu, o PCP partilhou várias dúvidas e fez alertas quanto a aspetos duvidosos que fizeram

com que se abstivesse na votação final.

Desde logo, cumpre dizer que a nossa Constituição tem um vasto acervo respeitante a direitos fundamentais,

onde estão previstas as raízes dos direitos da era digital e da sua concretização no plano da utilização dos meios

digitais, por exemplo, no direito à identidade pessoal e à imagem, no desenvolvimento da personalidade, no

direito à informação e à liberdade de expressão, entre outros.

Mas, particularmente no debate que hoje fazemos, importa lembrar que, quando se estatuiu, no artigo 6.º,

então epigrafado «Direito à proteção contra a desinformação», que o Estado protege «a sociedade contra

pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa

considerada desinformação», quando se diz que «apoia a criação de estruturas de verificação de factos por

órgãos de comunicação social devidamente registados» ou quando ficou definida «a atribuição de selos de

qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública», o PCP se opôs, tendo sido mesmo

o único partido a votar contra estes aspetos em concreto.

Entretanto, alargou-se o entendimento de que essa norma era preocupante no que toca à liberdade de

imprensa e de expressão.

E ainda bem que, desde o dia 31 de março de 2021, outros reconheceram que as reservas do PCP eram

justas, porque, a nosso ver, o combate à desinformação ou às fake news não pode ser feito a partir da imposição

de «verdades oficiais», sobretudo se tivermos em conta o investimento milionário que a própria União Europeia,

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que dá lições sobre isso, faz a nível da sua própria aceitação e do que chamam «a promoção do nosso modo

de vida», o modo de vida europeu, o que nos levaria até a questionar até que ponto é que não são as próprias

instituições a condicionar as opiniões.

Não reconhecemos autoridade à União Europeia para decidir o que é ou não é desinformação, se não, até

teríamos de fazer de conta que não se passa nada, por exemplo, a nível dos direitos humanos nas ditas

«fronteiras externas».

Mas é também grave a disposição do n.º 6 do artigo 6.º, onde se atribui ao Estado a incumbência de apoiar,

registar e atribuir selos de qualidade a entidades fidedignas para o chamado «fact checking». É também aqui

legítimo questionar com que critérios de fidedignidade ou de utilidade pública destas entidades.

Assim, postas estas questões e estas reflexões do PCP, vamos acompanhar a iniciativa que corrige a

extensão dos problemas colocados no artigo 6.º, mas não encontramos a mesma utilidade em todas elas,

designadamente naquela que, instrumentalizando um problema real, aproveita para legitimar o discurso de ódio,

atuando em causa própria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta já não é a primeira vez que discutimos esta importante matéria.

Em julho do ano passado, esta Câmara discutiu a revogação do artigo 6.º Na altura, Sr.as e Srs. Deputados,

alertámos para a posição em contramão do Partido Socialista, avisámos que o PS estava orgulhosamente só a

defender a manutenção deste artigo e a insistir num caminho que não fazia sentido e que não era seguido por

mais nenhum partido a nível europeu.

Elencámos alguns exemplos bem elucidativos da Espanha, da França, da Alemanha e da Suécia, países

onde não existe, repito, onde não existe nenhuma entidade pública com a competência para a verificação da

veracidade dos factos nem para a atribuição de prémios às entidades que atribuam selos de qualidade.

Mesmo assim, Sr.as e Srs. Deputados, apesar de todos os alertas que efetuámos, o PS preferiu manter o

polémico artigo, rejeitando a sua revogação.

Agora, Sr.as e Srs. Deputados, volvido cerca de um ano, o PS parece que bateu na parede, parece que bateu

no muro da fiscalização do Presidente da República e da Provedoria de Justiça.

Protestos do PS.

Mudou de opinião e, Sr.as e Srs. Deputados, reconhece finalmente o erro, propondo a revogação do artigo

6.º

É caso para dizer, Sr.as e Srs. Deputados, «mais vale tarde do que nunca». Saudamos, por isso, Sr.as e Srs.

Deputados, o arrependimento e recuo do Partido Socialista.

Não faz qualquer sentido manter este artigo, aliás, posição que, em coerência, mantivemos e defendemos

no ano passado.

Sr.as e Srs. Deputados, é urgente revogar o artigo 6.º e seguir o caminho da autorregulação proposto pela

União Europeia. Um caminho mais consentâneo com a independência e com a liberdade de expressão, um

caminho que permite aos cidadãos, motu proprio, identificar a desinformação e rejeitá-la, em vez de conceder

poderes ao Estado, que, de facto, podem ser perigosos, para certificar a veracidade dos conteúdos.

Sr.as e Srs. Deputados, uma nota final ainda para referir e assinalar a timidez do Governo no combate a uma

das maiores pandemias do século XXI, a desinformação. Não são conhecidas medidas e políticas

governamentais para debelar esta nova realidade. Não são conhecidas medidas para executar o plano de ação

europeu para promover a transparência, a literacia digital, a independência e a qualidade do jornalismo.

Vozes doPSD: — Muito bem!

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A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Jornalismo que é apontado, de acordo com o referido plano europeu, como um dos principais remédios para combater a desinformação, a proliferação de informações falsas

na internet e consolidar a democracia e o Estado de direito.

Sr.as e Srs. Deputados, nesta como noutras matérias importantíssimas, o Governo está a correr, novamente,

atrás do prejuízo. O Governo tarda em agir, tarda em fazer aprovar medidas para resolver os problemas dos

portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital tem, se não erro, 23 artigos.

Sabem qual é a diferença entre os artigos que estabelecem direitos e o artigo 6.º? Sabem qual é a palavra

que é utilizada mais vezes em todos os outros artigos? É a palavra «todos»! «Todos têm direito a…» é a

linguagem normal de uma carta de direitos.

Qual é a palavra com que inicia o artigo 6.º? É o «Estado», «O Estado assegura (…)». Ou seja, quanto a

este artigo numa carta de direitos, «não bate a bota com a perdigota».

O que o PS agora quer fazer é revogar os cinco números posteriores do artigo, mas manter aquele que diz

que «O Estado assegura (…)». Entendamo-nos: há lugar para o combate à desinformação; há lugar para a

implementação de planos europeus nessa área; há lugar para fortalecer a imprensa séria; há lugar para apoiar

a verificação de factos, mas isso é na lei normal. E, desde sempre, as cartas de direitos estabelecem direitos e

a lei normal procura assegurar deveres do Estado.

Creio que este é o erro de raiz deste enxerto do artigo 6.º na Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era

Digital que o PS ainda não corrigiu e que agora, se calhar, terá oportunidade de corrigir, se seguir a opinião dos

outros partidos neste Hemiciclo, incluindo do Livre.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado Bruno Nunes.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Podia ter tentado usar a figura regimental de defesa da honra, mas existem afirmações que não nos atacam nesse sentido, porque a nossa honra não

será ofendida, de maneira nenhuma, pela bancada do PS.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ainda bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Deputado Bruno Aragão, recentemente, há notícias que dizem que o PSD tem um processo interno de expulsão, ou afastamento, de 180 militantes. Consideram, VV. Ex.as, o PSD um

partido antidemocrático? Assumam-no, aqui! Assumam que estão sozinhos, que só vocês é que conseguem.

Mas, falando do vosso partido, quer-me explicar o que é que aconteceu com António José Seguro?

Aplausos do CH.

Quer-me explicar o que é que fizeram a António José Seguro?

Ou quer-nos explicar as notícias que dizem que o Partido Socialista está a ponderar aceitar ou não 200

militantes de etnia cigana?

Aplausos do CH.

Quer explicar?

Vem-me falar da lei da rolha?! Nós não levamos lições de moral vindas do vosso lado, esteja muito

descansado.

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Protestos do PS.

Portanto, os senhores têm muita coisa para explicar acerca da verificação de factos. E há coisas que temos

a certeza absoluta de que, na parte da verificação de dados que não são verdadeiros — para não dizer outra

coisa —, temos muita dificuldade em debater convosco.

Vocês têm uma máquina de propaganda tão forte que dizem a mentira tantas vezes que a tornam verdade.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — E isto que fazem hoje, com a criação destas empresas, é uma tentativa de passar por cima disto tudo e de manipulação. Mas não vão conseguir, porque, por nós, numa expressão que

gostam muito de utilizar, vocês «não passarão».

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Bloco de Esquerda considera que a desinformação só se combate com informação. E, por isso mesmo, já propusemos, no passado — tendo

sido rejeitado aqui, com votos contra de diversas bancadas —, que, em particular os jovens estudantes, tivessem

acesso, no espaço da escola, a uma subscrição de um jornal à sua escolha, para poderem aceder a informação

de qualidade e, desde cedo, se habituarem a essa cultura de ler notícias — validadas por quem tem uma carta

deontológica que tem de seguir — e a ter uma visão crítica sobre os factos que, muitas vezes, percebemos que

não são factos, são mentiras.

Isso, infelizmente, não aconteceu. Mas é absolutamente necessário, porque o que estamos a discutir, na

decorrência da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, é, na prática, uma extensão deste

problema. E consideramos sempre o mesmo: ou se vai à raiz, que é através do acesso à informação, ou tudo o

resto é correr atrás do prejuízo.

Desse ponto de vista, não condenamos a existência da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital,

ela é válida, em abstrato, mas corre atrás do prejuízo, porque não garante o fundamental, que é o acesso a uma

cultura da informação devidamente validada por aqueles que são os intermediários dos factos, que são os

órgãos de comunicação social. Esse é que deveria ser um dos pilares fundamentais.

Por outro lado, dava também uma maior garantia da idoneidade, da independência da comunicação social,

algo que não é de menor importância neste contexto.

Infelizmente, estamos agora neste debate a corrigir um erro de um artigo 6.º que, de facto, está desfasado

do resto da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.

Acompanharemos as pretensões para eliminar a parte substancial desse artigo. Consideramos, no entanto,

que essa eliminação não altera o substrato fundamental do que disse anteriormente: ou resolvemos, por um

lado, o acesso à informação por parte da população — começando através dos jovens —, ou resolvemos a

capacidade de termos órgãos de comunicação social fortes e independentes, ou estaremos sempre

dependentes de campanhas de desinformação.

E é curioso, neste debate, vermos até o Chega tornar-se como que o paladino da desinformação. E agora

vamos ao verificador de factos, o Chega, que é o partido que — facto — mais vezes está nas verificações de

factos comprovados como mentiroso;…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mentiroso?!

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — … que tem dirigentes — facto — condenados por propagação de informação falsa; que tem dirigentes — facto — condenados por difamação, vem agora apresentar-se aqui como

paladino da verdade, quando, na verdade, sabemos que são mais propagadores de mentiras.

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Protestos do CH.

Mas não são eles o centro deste debate. Este debate é de defesa de campanhas como aquelas que eles

orquestram e, desse ponto de vista, creio que nós, enquanto sociedade, temos de fazer mais.

Aplausos do BE.

Protestos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga da Costa, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não há dúvidas de que a matéria que hoje aqui discutimos é deveras complexa. Agora, o que não é justificável é que não se reconheçam

os erros das posições assumidas, uma vez que já é a segunda vez que discutimos esta importante matéria da

revogação do artigo 6.º e, portanto, achamos que ficaria bem ao Partido Socialista reconhecer o erro, emendar

a mão e conseguir justificar porque é que, há um ano, votou num sentido diametralmente oposto a este. Não foi

por falta de aviso, da parte do Grupo Parlamentar do PSD, pois, na altura, avisámos que o Partido Socialista

estava em contramão e até elencámos exemplos de vários países a nível europeu que não têm nada sobre esta

matéria e que vão no sentido oposto de autorregulação.

Também gostaríamos aqui de salientar e de destacar que continuamos sem perceber qual é a posição do

Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda, há um ano, também aprovou a posição do Partido Socialista, no

sentido de ser contra a revogação do artigo 6.º e agora ficamos com dúvidas sobre se são ou não a favor da

manutenção deste polémico artigo.

É lamentável que não tenham justificado a vossa posição numa matéria como esta, que é, realmente, de

particular importância.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Acabei de a dizer! Tem de ouvir!

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — No que diz respeito ao Grupo Parlamentar do PSD, a posição é clara. Defendemos, desde o ano passado, a urgência da revogação deste artigo e da adoção de medidas no

sentido da autorregulação, que é a política que tem sido adotada pela maior parte dos países europeus.

Portanto, em relação a esta matéria, achamos que, finalmente, vamos conseguir revogar este polémico artigo

e fazer justiça às críticas que lhe foram feitas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Bruno Nunes, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, lamento que, quando utilizámos a palavra «hipocrisia», tenhamos sido chamados à atenção, mas, quando somos chamados «mentirosos», ninguém faz absolutamente

nada.

Aplausos do CH.

Protestos do L.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É um facto!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Queria apenas ficar na verificação dos factos e perguntar: é verdade ou é mentira que um ex-assessor do Bloco de Esquerda, enquanto exercia funções, disse «a bosta da bófia»?! É

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verdade ou é mentira que um vereador da Câmara Municipal de Lisboa do Bloco de Esquerda adquiriu um imóvel

da maneira como adquiriu, quando andava a falar de especulação imobiliária?!

Falsos factos não são nossos, vocês são exímios nisso, já vêm do tempo da carrinha amarela de Coimbra,

mas um dia vou contar-lhe essa história.

Aplausos do CH.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Aldrabões!

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Chega, assim, ao fim este debate. Para encerrar este quarto ponto da nossa ordem de trabalhos, tem a palavra, pelo Grupo Parlamentar do

Chega, a Sr.ª Deputada Rita Matias.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Ex.mo Sr. Presidente, Srs. Deputados: No encerramento deste debate agendado pelo Chega, importa recordar o artigo que o Partido Socialista, com os seus tiques ditatoriais, queria impor de

forma subtil na anterior Legislatura.

Protestos de Deputados do PS.

Passo a citar: «O Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação

social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas

do estatuto de utilidade pública.»

Que órgãos de comunicação social seriam esses? Com que base e com que critérios iriam avaliar a qualidade

da informação? Estaria salvaguardada a separação do poder político e destes órgãos?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — São perguntas que ficaram por responder e, se hoje estamos aqui a revogar este e outros pontos da carta dos supostos direitos digitais, é apenas e só fruto da indignação da sociedade civil, que

se mobilizou, dizendo que não permitiria a introdução da censura, do «lápis azul» e do controlo da liberdade de

expressão.

Aplausos do CH.

Mas importa também dizer que o Partido Socialista não dá ponto sem nó e se, aparentemente, volta atrás

com a sua palavra e tenta resolver a trapalhada legislativa que criou, é apenas e só porque sabe que pode

contar com outros instrumentos de controlo das narrativas dominantes.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

Protestos de Deputados do PS.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sem prejuízo para a liberdade de comunicação, importa dizer que atualmente temos um enviesamento do poder político e dos órgãos de comunicação social, nomeadamente no que toca aos

verificadores de factos. E deixo estes exemplos como caricatura.

Protestos de Deputados do PS e do L.

No início desta Legislatura, Ana Gomes, candidata presidencial, figura cara ao Partido Socialista e ativista

«anti-Chega», foi acusada de ter construído uma piscina e um anexo ilegais na sua casa de Sintra. Qual foi a

resposta destes verificadores de factos? Foi um silêncio absoluto, desde há 102 dias!

Aplausos do CH.

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Vemos também uma Deputada aqui, neste Hemiciclo, violar gravemente o Estatuto dos Deputados. O que é

que o Polígrafo, da SIC, diz? Absolutamente nada, desde há 79 dias.

No entanto, qualquer simpatizante, dirigente ou militante do partido Chega vê os seus posts verificados

diariamente por estes instrumentos supostamente isentos.

Aplausos do CH.

Portanto, paira no ar a seguinte questão: afinal, qual é a narrativa que o Partido Socialista permite e que os

seus partidos-satélite autorizam?!

Como nota final e para concluir, Sr. Presidente, importa dizer que esta carta surge durante a Presidência

portuguesa do Conselho Europeu. Era importante o Partido Socialista ter esclarecido porque é que queria

implementar a censura nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social durante a Presidência portuguesa.

Era para fazer um favor a Bruxelas ou seria para impressionar os líderes europeus?!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah! Um favor a Bruxelas!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — E, se sim, o que é que isto nos diz do Partido Socialista e o que é que isto nos diz de Bruxelas?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Damos, assim, por concluído este quarto ponto da nossa ordem de trabalhos.

A Sr.ª Deputada Palmira Maciel, Secretária da Mesa, tem algumas informações relevantes para nos transmitir

e há uma votação, sobre um parecer da 14.ª Comissão, que é preciso fazer.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Palmira Maciel.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, recebemos o seguinte parecer:

«A renúncia ao mandato da Deputada Graça Maria da Fonseca Gonçalves cumpre os requisitos legais,

continuando a ser substituída por Alexandra Nunes Esteves Tavares de Moura, com efeitos a partir do dia 29 de

junho de 2022, inclusive.

Ocupa o lugar deixado vago a título definitivo no respetivo círculo eleitoral, em virtude da renúncia ao mandato

apresentada, o Deputado João Miguel Maçarico Nicolau, primeiro substituto do círculo eleitoral de Lisboa, que

passa, assim, de Deputado efetivo temporário a Deputado efetivo pelo referido círculo eleitoral.»

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Srs. Deputados, vamos proceder à votação do parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Continua no uso da palavra a Sr.ª Deputada Secretária da Mesa Palmira Maciel.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, cumpre-me informar que a Sr.ª Deputada Edite Estrela esteve presente nesta sessão plenária por videoconferência.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Desejamos à Sr.ª Deputada Edite Estrela um rápido e feliz restabelecimento da situação de doença.

Tem, ainda, a palavra a Sr.ª Deputada Palmira Maciel, para anunciar uma iniciativa.

A Sr.ª Secretária (Palmira Maciel): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria anunciar que deu entrada na Mesa, e não foi admitido, o Projeto de Lei n.º 198/XV/1.ª (CH).

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Protestos do CH.

O Sr. Presidente (Adão Silva): — Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realiza-se amanhã, dia 30 de junho, às 15 horas, e a fixação da ordem do dia foi requerida pelo Grupo Parlamentar do Iniciativa Liberal,

incidindo sobre a temática «SOS SNS». Esta fixação da ordem do dia arrasta um número extraordinário de

projetos de lei e de projetos de resolução de diversos grupos parlamentares.

Assim, serão debatidas, conjuntamente, as seguintes iniciativas:

— Projeto de Lei n.º 181/XV/1.ª (IL) — Regulamentação e implementação das unidades de saúde familiar de

modelo C (Alteração ao Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, na sua redação atual);

— Projetos de Resolução n.os 127/XV/1.ª (IL) — Plano de regularização atempada dos pagamentos em atraso

aos fornecedores do Serviço Nacional de Saúde, 128/XV/1.ª (IL) — Recuperação da atividade assistencial,

129/XV/1.ª (IL) — Médico de família para todos os utentes e 130/XV/1.ª (IL) — Registo de saúde eletrónico

universal;

— Projetos de Lei n.os 148/XV/1.ª (CH) — Acesso dos cidadãos a consultas e meios complementares de

diagnóstico e terapêutica em tempo útil e de acordo com as suas necessidades, 187/XV/1.ª (PCP) — Autonomia

dos estabelecimentos e unidades do Serviço Nacional de Saúde e alargamento da autorização para a realização

de investimentos e despesas não previstas, 191/XV/1.ª (L) — Alteração ao Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de

fevereiro, na sua redação atual, que aprova o regime da criação, estruturação e funcionamento dos

agrupamentos de centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde e ao Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de

agosto, que aprova o regime jurídico da organização e funcionamento das unidades de saúde familiares,

192/XV/1.ª (BE) — Reforço dos cuidados de saúde primários com médico e equipa de família para todos os

utentes e universalização do acesso a cuidados de saúde oral, mental e outros, 193/XV/1.ª (BE) — Medidas

para aumentar o número de profissionais e promover a estabilidade de equipas no Serviço Nacional de Saúde,

194/XV/1.ª (PAN) — Cria um regime excecional de pagamentos em atraso para as entidades do Serviço

Nacional de Saúde, procedendo para o efeito à alteração à Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, 195/XV/1.ª (PAN)

— Reconhecimento da carreira de técnico auxiliar de saúde, 196/XV/1.ª (PAN) — Altera a carreira de

enfermagem, repondo a justiça e valorizando trabalhadores essenciais ao Serviço Nacional de Saúde e ao País,

alterando diversos diplomas, e 197/XV/1.ª (PAN) — Aprova o regime de dedicação exclusiva aplicável aos

profissionais de saúde;

— Projetos de Resolução n.os 66/XV/1.ª (CH) — Pela contratação imediata de profissionais de saúde para a

região do Algarve, assegurando que os serviços de obstetrícia e pediatria não encerram, 103/XV/1.ª (CH) —

Pela proteção da mulher grávida nos cuidados de saúde e no trabalho, 133/XV/1.ª (CH) — Pela atribuição de

um médico de medicina geral e familiar a todos os cidadãos, 134/XV/1.ª (PCP) — Salvar e valorizar o Serviço

Nacional de Saúde e valorizar os seus profissionais, 138/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo a criação de um

Programa «Regressar Saúde», dirigido especificamente a profissionais de saúde, e 139/XV/1.ª (L) —

Recomenda ao Governo que incentive mais transparência no setor privado da saúde.

No final do debate haverá votações regimentais.

Muito obrigado, Sr.as e Srs. Deputados.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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