O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

15 DE DEZEMBRO DE 2022

65

Aquilo que quero dizer é que tanto uma proposta de justiça restaurativa, como práticas de mediação penal

nos confrontam com a exigência de refletirmos sobre a necessidade de mantermos a prisão como pena principal

ou sobre a possibilidade de encararmos alternativas a essa pena de prisão que, aliás, existem hoje em muitos

países do mundo.

Esta reflexão só faz sentido quando compreendemos que a prisão como pena não é uma inevitabilidade nem

é uma «vaca sagrada». A prisão como pena principal só apareceu no início do século XIX, sendo que, até lá,

existiam outras penas, como o garrote, o pregão e o baraço, a amputação de membros — coisas bastante piores

do que a prisão.

Há muita gente que tem a esperança de que, no 3.º milénio, surjam soluções para o crime melhores do que

a pena de prisão. A justiça restaurativa é precisamente sobre isso.

Só compreendemos o que é a justiça restaurativa, de que fala o projeto de resolução do Livre, se recuarmos

um pouco até aos anos 60 do século passado, quando abolicionistas e vitimólogos se encontraram num

casamento improvável, uma espécie de Eduardo e Mônica, dos Legião Urbana — aqueles que gostam da música

dos Legião Urbana saberão o que estou a dizer.

Os abolicionistas recusavam a pena de prisão, porque diziam que era muito má para o agente do crime, pois

impedia a sua ressocialização. Os vitimólogos, pelo contrário, ocupavam-se dos direitos das vítimas e diziam

que a prisão era má para as vítimas de crimes, porque não permitia a reparação dos danos que elas tinham

sofrido. Da união improvável do pensamento de vitimólogos e abolicionistas surgiu a proposta restaurativa.

Em 1974, houve um episódio que, aliás, deu origem a um documentário chamado The Elmira Case. Numa

comunidade muito pequenina chamada Elmira, em Ontário, no Canadá, dois homens jovens, numa noite regada

a muito álcool, praticaram 22 crimes, sobretudo crimes de dano. A vida não tinha sido muito generosa com eles

e esperava-os o destino habitual: seriam os clientes do costume da justiça penal.

Aconteceu, porém, algo bastante improvável. Encontraram um procurador e um juiz que achavam que a pena

de prisão não seria a solução adequada para eles e, portanto, promoveram, pela primeira vez, práticas de

mediação penal vítima-agressor. Ou seja, perguntaram a estes dois homens jovens e às suas vítimas se

pretendiam participar em sessões em que as vítimas exporiam os danos que sofreram e os agressores

manifestariam, ou não, a sua disponibilidade para reparar esses danos.

Este processo durou alguns meses e esta mediação bem-sucedida teve como consequência a reparação

dos danos causados às vítimas e a desnecessidade de condenação dos agressores a penas de prisão.

A partir de 1974, estas práticas restaurativas espalharam-se pelo mundo todo e, em Portugal — pasme-se!

—, em 2007, surgiu a Lei n.º 21/2007, que admite a mediação penal na fase de inquérito para um conjunto

amplíssimo de crimes dependentes de queixa. Mais ou menos até 2012, essa lei teve aplicação e o Ministério

Público enviou alguns processos para mediação, evitando, assim, a realização do julgamento penal e a

condenação. Nos últimos anos, essa lei deixou de ser aplicada.

Em 2009, o nosso Código da Execução das Penas criou uma possibilidade de mediação pós-sentencial, ou

seja, em contexto prisional, o encontro entre reclusos e as suas vítimas com o propósito de pacificação do

conflito interpessoal.

Admito que as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados saibam que a maioria do crime que temos acontece em

contextos de proximidade. Não fazemos vítimas, na maioria dos casos, desconhecidos, as nossas vítimas são

os nossos próximos. Por isso, para as vítimas, a reparação dos danos e a pacificação dos conflitos interpessoais

pode ser um objetivo relevante.

É disso que se trata e, no Programa do Governo, consta a intenção de apostar em mecanismos de resolução

alternativa de conflitos, como a mediação penal.

Hoje, comemorámos a entrega do Prémio Direitos Humanos, nesta Assembleia da República. A União

Europeia e o Conselho da Europa acham que constitui direito fundamental das vítimas a participação em

programas de mediação. Quando transpusemos a diretiva, em 2007, estávamos a respeitar uma orientação da

União Europeia e, portanto, talvez seja a altura para que os portugueses e as portuguesas possam conhecer a

justiça restaurativa e a mediação penal como proposta viável.

Aplausos do PS.

Páginas Relacionadas
Página 0061:
15 DE DEZEMBRO DE 2022 61 O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputad
Pág.Página 61
Página 0062:
I SÉRIE — NÚMERO 66 62 Quanto à iniciativa peticionária não podemos deixar d
Pág.Página 62
Página 0063:
15 DE DEZEMBRO DE 2022 63 hoje, pouco humanistas e já estão datadas no tempo e na h
Pág.Página 63
Página 0064:
I SÉRIE — NÚMERO 66 64 em vias de resolução. A falta de meios dos tribunais
Pág.Página 64
Página 0066:
I SÉRIE — NÚMERO 66 66 A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma interve
Pág.Página 66
Página 0067:
15 DE DEZEMBRO DE 2022 67 Pinhos desta vida continuem a pavonear-se porque, por ter
Pág.Página 67
Página 0068:
I SÉRIE — NÚMERO 66 68 A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma brevíss
Pág.Página 68