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Quinta-feira, 15 de dezembro de 2022 I Série — Número 66
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
REUNIÃOPLENÁRIADE14DEDEZEMBRODE 2022
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco Palmira Maciel Fernandes da Costa
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 4
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa da Proposta de Lei
n.º 53/XV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 398 a 406 e 409 a 414/XV/1.ª, da Apreciação Parlamentar n.º 7/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 313 a 322/XV/1.ª
Em declaração política, o Deputado Bruno Nunes (CH) acusou o Governo de falta de investimento, coesão e prevenção no nosso território e de não dar início a um plano de drenagem de Lisboa. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Luís Gomes (PSD) e Inês de Sousa Real (PAN). Posteriormente, a Deputada Inês de
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2 Sousa Real (PAN) usou da palavra para defesa da honra, tendo o Deputado Bruno Nunes (CH) dado explicações.
Em declaração política, o Deputado Rodrigo Saraiva (IL), a propósito do oitavo ano consecutivo de governação socialista, fez um balanço do estado do País referindo a contínua divergência com a Europa. Respondeu, depois, aos pedidos de esclarecimento dos Deputados Márcia Passos (PSD), Pedro dos Santos Frazão (CH), Rui Tavares (L), Alexandra Leitão (PS), Alma Rivera (PCP) e Mariana Mortágua (BE).
Em declaração política, o Deputado Duarte Alves (PCP) dirigiu palavras de apreço e solidariedade às vítimas das cheias que ocorreram recentemente em Portugal e referiu os maus resultados das medidas de planeamento urbanístico e de infraestruturas tomadas nos últimos anos. De seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Barbosa de Melo (PSD), Hugo Pires (PS), Pedro Pessanha (CH), Pedro Filipe Soares (BE) e Carlos Guimarães Pinto (IL).
Em declaração política, o Deputado José Moura Soeiro (BE) referiu-se às plataformas digitais, às relações laborais subjacentes e à figura dos intermediários, defendendo a necessidade de criação de uma transparência algorítimica que permita a sua subordinação integral às leis laborais. Em seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Fernando José (PS), Nuno Carvalho (PSD) e Alfredo Maia (PCP).
Em declaração política, o Deputado Ricardo Pinheiro (PS) fez referência à transição energética e às alterações climáticas e elogiou tudo quanto tem sido feito nos últimos anos em prol desta temática, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Deputados Bruno
Coimbra (PSD), Bernardo Blanco (IL), Rita Matias (CH), Duarte Alves (PCP) e Pedro Filipe Soares (BE).
Em declaração política, o Deputado Miguel Santos (PSD) questionou os critérios para a atribuição de apoios extraordinários às famílias pelo Governo, que considerou responsável pelo empobrecimento do País e por penhorar o futuro das próximas gerações. Respondeu, de seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Cristina Mendes da Silva (PS), Rui Paulo Sousa (CH), Rui Rocha (IL), Pedro Filipe Soares (BE) e Alfredo Maia (PCP).
Procedeu-se ao debate do Inquérito Parlamentar n.º 5/XV/1.ª (CH) — Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para apurar a eventual ingerência do Primeiro-Ministro na autonomia do Banco de Portugal para proteger a filha do Presidente de Angola. Usaram da palavra, a diverso título, os Deputados André Ventura (CH), Carlos Guimarães Pinto (IL), Hugo Carneiro (PSD), Mariana Mortágua (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Rui Tavares (L), Duarte Alves (PCP) e Carlos Pereira (PS).
Foi apreciada a Petição n.º 177/XIV/2.ª (APAR — Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso) — Aprovação de um perdão de penas generalizado e de uma amnistia para pequenos delitos, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 306/XV/1.ª (L) — Recomenda a avaliação da implementação de princípios de justiça restaurativa para mediação penal. Intervieram os Deputados Rui Tavares (L), Cristiana Ferreira (PSD), Patrícia Gilvaz (IL), Alma Rivera (PCP), Inês de Sousa Real (PAN), Cláudia Santos (PS), Pedro Pinto (CH) e Pedro Filipe Soares (BE).
A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas e 58 minutos.
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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.
Estamos em condições de iniciar a nossa sessão.
Eram 15 horas e 4 minutos.
Peço aos Srs. Agentes da autoridade que abram as galerias ao público. Muito obrigado.
Há leitura de expediente a fazer, para o que passo a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha.
A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todos e a todas.
Passo a dar conta das iniciativas que deram entrada na Mesa e foram admitidas pelo Sr. Presidente.
Começo por referir a Proposta de Lei n.º 53/XV/1.ª (GOV), que baixa à 12.ª Comissão.
Deram também entrada os Projetos de Lei n.os 398/XV/1.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão
com a 12.ª Comissão, 399/XV/1.ª (CH), que baixa à 11.ª Comissão, em conexão com a 6.ª Comissão, 400/XV/1.ª
(IL), que baixa à 10.ª Comissão, 401/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão, 402/XV/1.ª (IL), que baixa à 10.ª
Comissão, 403/XV/1.ª (IL), que baixa à 9.ª Comissão, 404/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão, 405/XV/1.ª (IL),
que baixa à 6.ª Comissão, 406/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão, 409/XV/1.ª (IL), que baixa à 10.ª Comissão,
410/XV/1.ª (IL), que baixa à 6.ª Comissão, 411/XV/1.ª (IL), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 6.ª
Comissão, 412/XV/1.ª (PAN), que baixa à 10.ª Comissão, em conexão com a 13.ª Comissão, 413/XV/1.ª (PSD),
que baixa à 13.ª Comissão, e 414/XV/1.ª (CH), que baixa à 5.ª Comissão.
Deu igualmente entrada a Apreciação Parlamentar n.º 7/XV/1.ª (PSD).
Deram ainda entrada os Projetos de Resolução n.os 313/XV/1.ª (PSD), que baixa à 11.ª Comissão, 314/XV/1.ª
(IL), que baixa à 11.ª Comissão, 315/XV/1.ª (IL), 316/XV/1.ª (IL), 317/XV/1.ª (PSD), que baixa à 12.ª Comissão,
318/XV/1.ª (PAR), 319/XV/1.ª (PCP), 320/XV/1.ª (PCP), 321/XV/1.ª (CH) e 322/XV/1.ª (CH).
Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.
Vamos iniciar o primeiro ponto da ordem do dia, que consta de declarações políticas.
Para proferir a declaração política do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno
Nunes.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quando éramos crianças, todos
sonhávamos ser, um dia, médicos, enfermeiros, toureiros, políticos, bombeiros ou polícias. Com o desenvolver
da idade, são poucos aqueles que conseguem realizar os seus sonhos de criança. A realidade é que nunca
conheci nenhuma criança que tivesse o sonho de um dia ser ativista.
Tentamos, muitas vezes, nesta Câmara, humanizar as histórias que aqui trazemos para que, lá fora,
entendam de forma concreta aquilo de que estamos a falar. Portanto, hoje farei o mesmo e falar-vos-ei do Pedro,
um super-herói de farda, que realizou os seus sonhos de criança e conseguiu o que poucos conseguem: realizar
o sonho em duplicado.
Ontem falei com o Pedro, que me disse que tinha chegado a casa, depois de sair do quartel de bombeiros,
às 6 horas e meia da manhã. Teve tempo para tomar um banho e despedir-se dos seus filhos e, às 9 horas da
manhã, entrou na esquadra da PSP (Polícia de Segurança Pública) onde é chefe.
O Pedro acumula dois trabalhos, é polícia e bombeiro, serve a nossa população. Nós, os 230, aqui sentados,
tantas vezes não pensamos no Pedro — e nos Pedros —, nós, os 230, certamente, à hora a que o Pedro estava
na rua a ajudar as famílias depois da intempérie, estávamos em casa, a ver um canal de televisão qualquer e a
rezar para que a intempérie passasse e as vidas se salvassem. Mas, a essa hora, o Pedro estava lá fora.
O Pedro tem sentido aquilo que é o sistema, é vítima do sistema pela falta de reconhecimento na sua carreira,
mas é vítima também porque sabe perfeitamente que os consecutivos Governos não governam, não respeitam
a coesão territorial, não preveem planeamento e deixam as coisas andar.
O nosso território tem tido cada vez mais falta de investimento, não tem coesão, não tem prevenção. Diz-se,
em Trás-os-Montes, que, por norma, são seis meses de inverno e seis meses de inferno. Mas depois lembramo-
nos do algoritmo, quando vem e diz que, afinal, até poderia ter ardido 80 % mais ou que 67 % da chuva prevista
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para o mês caiu no mesmo dia. Terá sido, porventura, o algoritmo que deu a maioria ao Partido Socialista? É
um algoritmo errado!
Aplausos do CH.
Este algoritmo tem feito com que o Governo vá gerindo à medida e à la carte, de acordo com o que passa
na televisão às 8 horas da noite: no verão discutimos a falta de limpeza das matas, no inverno discutimos a falta
de limpeza das sarjetas. Temos um problema de falta de limpeza com este Governo, claramente!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — A Associação Nacional de Municípios Portugueses defende mais o Governo
junto dos municípios do que os municípios junto do Governo e, por isso, também tem muita responsabilidade.
Mas a responsabilidade de alguns municípios e de alguns presidentes de câmara não é de hoje.
No passado, António Costa, na altura Presidente da Câmara de Lisboa, mandou para a gaveta o plano de
drenagem de Lisboa. Este é um dos nomes que deveriam ficar gravados, nos muros, ao nível das cheias: António
Costa.
Aplausos do CH.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — Aldrabão!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mas deveria ficar gravado também o nome «Fernando Medina», o agora Ministro
das Finanças, que também ignorou por completo o plano de drenagem de Lisboa.
Chega, por fim, Carlos Moedas, que diz que agora é que é — agora é que é! Diz que, em março, irá fazer as
obras e o plano de drenagem e, ao mesmo tempo, enquanto se passeia pelo meio das cheias, de forma quase
populista, afirmando que, em 5 minutos, ligou a 24 presidentes de junta, o agora Presidente da Câmara diz que
vai dar um apoio à economia e àqueles que perderam os seus bens com o valor de 3 milhões de euros, um
número pomposo para quem está lá em casa, mas que, na realidade, representa 0,002 % do orçamento da
Câmara Municipal de Lisboa.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — A Câmara Municipal de Lisboa tem um orçamento de 1300 milhões de euros
— de impostos diretos são 497 milhões de euros, 126 milhões de euros são do imposto de que vocês tanto
gostam, o IMI (imposto municipal sobre imóveis) — e, para reabilitar as casas das pessoas, vai investir 3 milhões
de euros. Querem um nome para isto? É vergonha! Carlos Moedas, seria caso para dizermos: «Não são
moedas, são trocos o que está a dar aos lisboetas!»
Aplausos do CH.
As contas em que os portugueses já não acreditam, as contas certas deste Governo e destes municípios,
que, afinal, falham por completo, são as mesmas contas certas com que os polícias, os bombeiros, a proteção
civil, a polícia municipal, os funcionários municipais, sem condições, sem progressões na carreira, sem melhoria
salarial, continuaram, naquela noite infindável, a dar apoio à população e a lutar pelo património de todos nós.
Falo daqueles que, enquanto estamos em casa, continuam lá fora, daqueles que, como o Pedro, saem de
casa, se despedem dos filhos e dizem «até amanhã, meu amor», sem saberem se, no dia a seguir, voltam a
casa e voltam a ver as suas famílias, porque têm como lema «vida por vida», e a realidade é que dão a vida
pela população, quando os senhores não se preocupam com coesão territorial, ordenamento do território,
planeamento. Isso parece algo que não interessa, porque nós, os 230, saímos daqui e vamos felizes para casa.
A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Fale por si!
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O Sr. Bruno Nunes (CH): — O PSD também grita, é verdade, e poderão vir atrás de nós como têm feito nos
últimos tempos. Este Pedro e os outros Pedros são aqueles que queremos na história de Portugal.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Acreditamos que serão os Pedros que, em conjunto com o André, o Pedro, o
Rui, o Filipe, o Jorge, farão a história de Portugal.
Meus senhores, vocês também fazem parte dessa história. Não se exaltem, porque queremos que façam
parte da história, mas queremos, acima de tudo, que a história mude, que, em 2026, vocês sejam um capítulo
encerrado, que nos permitam escrever as páginas dignas que Portugal e os portugueses merecem e que,
finalmente, se cumpra Portugal.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem dois pedidos de esclarecimento, aos quais presumo que responda
em bloco.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — O primeiro pedido de esclarecimento cabe ao PSD. Tem a palavra, para o formular, o
Sr. Deputado Luís Gomes.
O Sr. Luís Gomes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Nunes, ouvi atentamente as suas palavras
e registei que V. Ex.ª, se calhar para branquear a incapacidade de prevenção do Governo, resolveu atacar o
PSD…
Aplausos do PSD.
… e o Presidente da Câmara de Lisboa, que previu um auxílio às pessoas lesadas pelas intempéries apenas
igual ao valor do Fundo de Emergência Municipal que o Governo do Partido Socialista adotou em termos do
Orçamento do Estado. Três milhões de euros é aquilo que o Partido Socialista, o Governo, dispõe em sede do
Orçamento do Estado para todo o País, mas critica-se que o Presidente da Câmara de Lisboa disponibilize a
mesma quantia só para a cidade de Lisboa.
Aplausos do PSD.
Mas devo dizer que o Sr. Deputado interveio durante 6 minutos e que, em 6 minutos, não ouvi uma única
proposta para o País, apenas dizer mal, mal, mal, criticar e nem uma proposta. Aquilo que nos diferencia de VV.
Ex.as é que nós temos propostas, nós temos um plano, nós temos soluções para o País.
Protestos do CH.
Foi por essa circunstância que apresentámos, em sede do Orçamento do Estado, uma proposta para reforçar
o Fundo de Emergência Municipal, que foi chumbada pelo Partido Socialista,…
Aplausos do PSD.
… e que propusemos o financiamento da avaliação da vulnerabilidade sísmica dos edifícios que iam passar
para os municípios no quadro da descentralização de competências, o que foi chumbado pelo Partido Socialista.
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É também por essa circunstância que traremos, durante a próxima semana, uma alteração ao Regime
Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial a ser discutida aqui, nesta Câmara, para que possamos ter uma
lei do ordenamento do território que se deixe das palavras e passe a concretizar.
Aquilo que fundamentalmente não pretendemos é que os acordos para compensar as populações depois de
uma catástrofe como a das depressões Elsa e Fabien sejam assinados apenas dois anos — dois anos! — depois
das incidências, à semelhança do que ocorreu na serra do Caramulo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, também para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Inês
de Sousa Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bruno Nunes, agradecemos o tema que
aqui nos trouxe, pese embora o Chega tenha passado ao lado de uma oportunidade de o abordar de forma
séria.
E deixou de abordar este tema de forma séria por várias razões presentes no seu discurso. Desde logo, estar
a falar de sonhos e expectativas de vida e vir dar o exemplo dos toureiros,…
Vozes do CH: — Claro!…
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … alguém que faz vida de torturar um animal, num tema destes, não
só é completamente absurdo como ainda menoriza os ativistas.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Respeito!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Claro que ninguém sonha um dia ser ativista, faz parte da natureza de
cada um — ponto! —, mas isso passa completamente ao lado do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Respeito!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Por outro lado, ouvimos enaltecer o papel que todos os homens têm
naquilo que está a ser feito. Bom, nós reconhecemos o papel que todos têm no socorro e auxílio às populações,
mas eu recordo que esse papel não é só de homens, é também de muitas mulheres que estão no terreno,…
Protestos da Deputada do CH Rita Matias.
… e sobre isso não ouvimos sequer uma palavra da parte do Chega.
Mas vamos àquilo que é sério, Sr. Deputado. É que, ainda ontem, o PAN deu entrada de três iniciativas sobre
esta matéria, mas não ouvimos uma única proposta ou solução apresentada pelo Chega.
Pergunto-lhe se estão ou não disponíveis para acompanhar propostas que passam, desde logo, por
reconhecer a importância de algo que nem o Governo nem as autarquias fizeram, que é a declaração da situação
de calamidade. Neste momento, inclusivamente para se ativar o Fundo de Emergência Municipal, isso é
absolutamente essencial.
Por outro lado, também importa colmatar a possibilidade de endividamento que as autarquias vão ter para
fazer face à situação das cheias, coisa que, sem mecanismos financeiros que permitam ultrapassar o limite de
endividamento, dificilmente vai acontecer.
O Chega poderia ter optado por fazer este debate e por trazer aqui propostas sérias, mas, não, enalteceu
mais uma vez a sua agenda bafienta, que não é, claramente, do século XXI.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes.
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O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou começar por responder à Sr.ª Deputada
do PAN.
Aquilo que parece incongruência é percebermos que o seu ex-líder foi a uma associação como a Chão dos
Bichos, depois de inundada e de os animais ficarem praticamente submersos, devolver a cadela que lá tinha
adotado.
Aplausos do CH.
Isso é que é populismo e qualquer coisa que não sabemos bem o que é. Mas, sabe, em Loures, onde os
senhores têm um Deputado municipal — ou uma Deputada municipal, para não haver problemas de género —,
depois da destruição da fábrica Kilom, onde trabalhavam 300 famílias, o PAN votou contra a atribuição de
licenciamento gratuito para a sua reconstrução, com o argumento de que o que a empresa faz é matar animais
para comida.
Portanto, quanto a hipocrisia, eu poderia perder muito tempo a falar convosco, mas tenho sérias dificuldades
em falar com alguém que não tem uma proposta concreta, uma intervenção política.
As propostas são apresentadas em Orçamento do Estado e, ao contrário de si, nós não fazemos negócios à
porta fechada com o PS.
Aplausos do CH.
Nem fazemos negócios de estarmos aqui e chegarmos para ali e, durante a votação, dizermos «peço
desculpa, Sr. Presidente, afinal vou alterar o sentido de voto», porque do lado lhe vieram dizer que aprovavam
as suas propostas.
A senhora é o novo PEV (Partido Ecologista «Os Verdes») do PS, e não falamos mais.
Sr. Deputado Luís Gomes, com toda a consideração que tenho por si, quanto à questão do «ir a reboque»,
sabe perfeitamente o que acontece. Aliás, podíamos, no Chega, começar a fazer um antes e depois, só que não
seria com o gordo e o magro, seria com a proposta do Chega e, minutos depois, a de Luís Montenegro. É o que
vocês fazem. Portanto, vocês vêm constantemente atrás de nós e as trapalhadas são muitas.
Risos do Deputado do PSD Luís Gomes.
Quanto ao Fundo de Emergência Municipal, temos muita dificuldade em perceber, ou seja, na realidade,
hoje, em comissão, quem não aprovou a vinda de Carlos Moedas ao Parlamento foi o Partido Socialista. No
bloco central protegem-se uns aos outros!
No fundo, existe uma realidade que é clara, que é aquilo que se passa com os vossos eleitos e com as
próprias câmaras municipais. Hoje, inclusive, tenho algum receio de que, ao virem falar do Fundo de Emergência
Municipal, vocês se estejam a referir à vossa emergência em resolver o que se anda a passar, de norte a sul,
com os vossos autarcas, pois agora também vocês estão cheios de arguidos.
Portanto, vamos lá ver se nos entendemos quanto às nossas propostas. Concretamente, como é que o
senhor votou as propostas que apresentámos, no Orçamento do Estado, para os bombeiros voluntários?
Abstiveram-se!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sabe quem anda de galochas na rua a limpar? Não é o Carlos Moedas, são os
bombeiros voluntários, que vocês nunca valorizaram! São os bombeiros voluntários, cujas propostas de
valorização vocês recusaram!
Aplausos do CH.
Protestos da Deputada do PSD Joana Barata Lopes.
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Tenha calma, Sr.ª Deputada. Peça, que vai falar. Nunca a deixaram falar durante esta Legislatura, mas peça
para vir cá à frente. Tenha calma, não precisa de gritar dessa maneira.
Protestos de Deputados do PSD.
A descentralização é resultado de uma má política vossa e em relação à qual hoje vocês tanto gritam. Mas
a Lei n.º 50/2018 foi aprovada entre vocês, numa altura em que Rui Rio dizia que nunca iria ser oposição, mas
que seria colaboração. Mudaram de líder, mas a colaboração continua.
Portanto, sejam sérios, venham a debate, que as propostas são apresentadas em sede própria, em sítio
próprio. O PSD, como sempre, ou se abstém ou sai da sala, porque não tem capacidade de intervenção política
e deixa-se ficar calado.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real está a pedir a palavra para que efeito?
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, é para pedir a defesa da honra do PAN.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, poderá fazê-la no fim do debate.
Vamos passar à declaração política da Iniciativa Liberal. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo
Saraiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Faltam ainda vários meses para o
debate anual do estado da Nação, mas não temos de esperar por esse marco no calendário parlamentar para
fazermos diagnósticos e balanços. A qualquer momento, esse exercício pode e deve ser feito. E o momento
adequado é este, em que a Nação acaba de entrar no oitavo ano seguido sob a governação socialista, uma
governação com a indelével marca de António Costa — o mesmo que, enquanto jovem candidato a Presidente
da Câmara Municipal de Loures, se lembrou, há 30 anos, de organizar uma corrida entre um burro e um Ferrari
para demonstrar que era possível chegar mais depressa a Lisboa recorrendo ao transporte animal.
Tanto tempo depois, agora como Primeiro-Ministro, António Costa comporta-se um pouco como naquela
época. Renega o Ferrari e escolhe o burro, pensando que, assim, consegue aproximar mais depressa Portugal
dos padrões europeus.
O resultado, infelizmente, está à vista: um país inclinado, preso a uma trágica trilogia de envelhecimento,
litoralização e emigração. A radiografia mais perfeita do estado da Nação foi-nos fornecida pelos resultados
definitivos dos Censos 2021, uma radiografia de um país deprimido, desequilibrado, desigual, envelhecido, sem
esperança nem rumo.
E o que nos revelam estes números? Em 10 anos, a população diminuiu 2,1 %, são menos 200 000 pessoas.
É hoje maior a tendência de envelhecimento, havendo em Portugal 182 idosos por cada 100 jovens. E, por cada
100 indivíduos que abandonam o mercado de trabalho, apenas 76 ingressam, o que ameaça, naturalmente, a
solidez das conquistas do Estado social.
Vivemos um inverno demográfico que começa a ser dramático: enquanto no ano 2000 a taxa de natalidade
foi de 11/1000, em 2021 foi de 7/1000. As gerações não se renovam e a população em idade ativa vai ocupando
uma parcela cada vez menor.
Para agravar a situação, temos agora 20 % da população acumulada em apenas 1,1 % da área total do País,
com grande parte do território ao abandono. Tal demonstra a chocante macrocefalia do País.
Temos, por um lado, um país envelhecido e, por outro, um país centralizado e litoralizado. E a geração que
dizemos ser a mais bem preparada de sempre opta cada vez mais por não ficar em Portugal.
A Nação que tem António Costa há sete anos consecutivos como Primeiro-Ministro não é mesmo para jovens.
É uma preocupante realidade: o País tem assistido ao maior surto migratório desde os anos 60, uma verdadeira
fuga de cérebros, e já não apenas daquilo que se designa como «mão-de-obra». Portugal é, hoje, o país da
União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente.
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Os nossos jovens, mais informados e qualificados do que a geração anterior, procuram outros destinos.
Exatamente porquê? Por saberem que aqui só os espera o imobilismo. Mais do mesmo, com o elevador social
avariado, num país onde o mérito é pouco reconhecido e o fruto do trabalho é taxado em excesso.
«Voar baixinho» parece ser o lema deste PS de António Costa.
Quase meio século depois da implantação da democracia e 36 anos após entrarmos na Europa comunitária,
esta geração mais jovem vê-se forçada a abandonar o País, procurando outros destinos onde encontra
estabilidade profissional e remunerações duas ou três vezes superiores. Só no ano passado, saíram quase
70 000.
Infelizmente, muitos nunca voltarão de vez. Se voltassem, o que os esperava por cá? Um país em constante
queda nos índices de desenvolvimento. Ao ponto de, como alerta a Comissão Europeia, em 2024, corrermos o
risco de ficar atrás da Roménia no PIB (produto interno bruto) per capita, após termos sido, nos últimos anos,
ultrapassados por países como a República Checa, a Eslovénia, a Estónia e a Lituânia.
Também iriam encontrar o recente milagre das aferições — não é milagre das aparições, é mesmo milagre
das aferições. Sim, pois os mais jovens ouvem um ministro vangloriar-se de sermos o único país onde os alunos
aprenderam mais durante a pandemia. Será que é melhor ficar em casa do que ir à escola? Mesmo quando um
estudo recente desmente o otimismo do ministro, revelando que os sintomas de depressão afetam 42 % dos
adolescentes portugueses, entre outros dados preocupantes.
Só mesmo um milagre socialista. Os jovens estão com mais problemas de saúde mental, mas nos resultados
escolares são os campeões.
Sr.as e Srs. Deputados: Voltando à velha metáfora que o atual Primeiro-Ministro usou, este é um país em
contínua divergência com a Europa, teimando ir de burro, enquanto os países com quem concorremos andam
de Ferrari, rumo a horizontes mais prósperos.
É um país em que a máquina tributária, comandada pelos socialistas, consegue arrecadar cada vez mais
receitas fiscais, à custa do empobrecimento do que resta da classe média.
É um país onde 1 milhão e meio de cidadãos não tem médico de família, onde é cada vez maior o número
dos que estão privados de assistência hospitalar condigna, urgências, consultas e cirurgias em tempo útil.
Quando ocorreram as anteriores grandes cheias em Lisboa, em 2014, António Costa, então Presidente da
Câmara, atribuiu a culpa aos caprichos de S. Pedro. Disse então que «S. Pedro goza de um estatuto de
imunidade que está acima das responsabilidades». António Costa mostrou, assim, o seu estilo de fazer política:
empurrar os problemas com a barriga, trocando o debate sério por graçolas, mas, mais grave, ocupando-se
apenas com a conjuntura, sem nunca solucionar as questões estruturais. Comportou-se assim como autarca,
comporta-se assim como chefe do Governo.
Num país adiado, num país envelhecido, desertificado e com 20 % da população emigrada. Num país
condenado à estagnação e eternamente à espera de melhores tempos que teimam em não vir. Este país, com
António Costa ao leme, continua condenado a ir de burro.
Mas há quem não se resigne. Há quem acredite no potencial dos portugueses. Se vencem lá fora, podem
vencer na sua terra, obviamente se tiverem oportunidades.
É isso que a Iniciativa Liberal lhes dá e dará: oportunidades de serem felizes, de terem sucesso, de verem
renascer a esperança. Porque, sim, o liberalismo funciona e faz falta a Portugal.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Inscreveram-se seis Srs. Deputados para formular pedidos de esclarecimento, aos
quais o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva responderá em dois blocos de três.
Para o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Márcia Passos, do PSD.
A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, de
facto, a sua intervenção foi, como bem disse no início, uma intervenção que é muito mais apropriada para um
debate sobre o estado geral da Nação e, portanto, sobre isso, teremos certamente oportunidade de conversar.
Sr. Deputado, independentemente do conteúdo que nos trouxe sobre o relatório dos Censos, gostava de lhe
colocar uma questão relativamente à forma como tudo isto aconteceu e à forma como o INE (Instituto Nacional
de Estatística) desencadeou o procedimento dos Censos 2021.
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Refiro-me à coima que foi aplicada pela CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados), uma coima única
de 4,3 milhões de euros ao INE, e à inércia e omissão de responsabilidade do Governo do PS, desde março de
2021, quando esta situação foi conhecida. A CNPD, numa medida cautelar e rápida, conseguiu evitar que não
fossem transmitidos 10 milhões de dados aos Estados Unidos, mas «apenas» seis milhões de dados, e só por
causa disso é que não foi pior.
Gostava de lhe perguntar se a Iniciativa Liberal, de facto, acompanha estas nossas preocupações no que
respeita a tal responsabilidade e, mais, se acompanha a preocupação pelo facto de esta empresa — a quem é
permitido transmitir os dados que recolhe aos Estados Unidos, porque não está obrigada ao RGPD
(Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) — não ter procedido a um contrato nos termos da contratação
pública. É que o INE não o fez ao abrigo da contratação pública.
Portanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe se acompanha estas duas preocupações do Partido Social Democrata.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a
palavra o Sr. Deputado Pedro Frazão.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, o
Chega acompanha e sempre acompanhou, desde a sua fundação, todas as preocupações que o Sr. Deputado
aqui nos trouxe, e agradeço-lhe por isso.
Desde logo, a preocupação pelo inverno demográfico, a preocupação em relação à baixa natalidade em
Portugal e ainda a preocupação quanto à fuga de cérebros, que está a acontecer em Portugal neste momento,
para muitos países da Europa e para países terceiros, nomeadamente a fuga de cérebros na área da saúde,
um tema que tenho abordado muitas vezes nesta Câmara. De facto, grande parte dos médicos e dos enfermeiros
que formamos hoje em Portugal fogem para o estrangeiro, onde vão procurar melhores condições de trabalho
— outra fatalidade que estamos a ter em Portugal.
Notámos, contudo, que esteve ausente do discurso do Sr. Deputado outra preocupação: o flagelo da solidão
e das famílias monoparentais. Dizem-nos estes Censos, que o Sr. Deputado referiu, que em Portugal há um
índice enorme de pessoas que vivem sozinhas e que 25 % das famílias são monoparentais. Ou seja, em
Portugal, 25 % das famílias são apenas constituídas por um pai ou por uma mãe, sendo que 85 % dessas
famílias são constituídas por uma mãe com filhos e 14 % por um pai com filhos.
Ora, as situações que estes números refletem têm um grande impacto na saúde mental e no
acompanhamento dos portugueses. Portanto, gostava de o ouvir sobre este aspeto.
Gostaria também de ouvi-lo, Sr. Deputado, sobre a multa de que o INE foi alvo por ter passado para os
Estados Unidos milhões de dados dos portugueses, designadamente dados relativos à saúde, que foram
percecionados pelos portugueses como dados de resposta obrigatória e que estão neste momento em parte
incerta, não se sabe bem onde.
Assim, temos, mais uma vez, o Governo de Portugal a obrigar as empresas privadas a um determinado
regulamento, ao regime de proteção de dados, mas não obriga as instituições que estão sob a sua alçada a usar
os mesmos critérios e a ter o mesmo cuidado com os dados dos portugueses. Gostava de o ouvir se falar sobre
isso.
Queria ainda, Sr. Deputado, fazer-lhe o reparo de que a Iniciativa Liberal continua a ser um partido das
grandes cidades. Isto porque esta Câmara mandou a Comissão de Administração Pública, Ordenamento do
Território e Poder Local a Bragança — um dos distritos que mais população perdeu — e a Iniciativa Liberal não
se fez representar.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Por isso, não vale a pena ir ali à tribuna mostrar grandes
preocupações quando depois os Deputados da Iniciativa Liberal não vão aos territórios, não vão ao Portugal
real, não vão ouvir os problemas do nosso País.
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Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, boa tarde a todas e a todos. Gostaria de começar por saudar a
Iniciativa Liberal por ter trazido este tema a debate, porque é um tema em relação ao qual vale a pena concordar
e vale a pena discordar. Acima de tudo, vale a pena «partir pedra» sobre um assunto que é essencial para o
nosso futuro e que tem a ver com a questão de qual é o modelo de desenvolvimento que Portugal deve ter para
conseguir reter talento, para conseguir reter qualificações e para conseguir ter uma economia que gere mais
valor acrescentado. Quanto a isso, podemos ter diferenças, mas uma coisa certamente nos aproxima: é
preferível todos os dias do nosso mandato «partirmos pedra» sobre este assunto do que, como tantas vezes
acontece, gastar tempo de agenda no caso e no casinho mediático da véspera, que não nos vai levar a lado
nenhum senão à política a falar de si mesma.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Deve ser!…
O Sr. Rui Tavares (L): — A Iniciativa Liberal tem um diagnóstico — do qual discordo parcialmente — em que
centra muito a emigração dos jovens qualificados na questão fiscal. Ora, parece-me que esse diagnóstico é
enganador, porque é certo que as pessoas emigram para alguns países onde vão pagar menos impostos, mas
muitos dos jovens portugueses qualificados emigram para países na Escandinávia, na Europa Central, na
Europa do Norte, onde a carga fiscal até pode ser mais alta do que em Portugal. Fazem-no porque aí encontram
serviços públicos de alta qualidade, que são financiados por impostos progressivos. Fazem-no porque
encontram, acima de tudo, um ecossistema no qual os seus talentos permitem hoje em dia ter um bom emprego
e amanhã ter um outro emprego que os realize, com salários altos.
Esses sistemas foram construídos não por uma obsessão com a liberalização e com a desregulação, mas
com base num diálogo no qual participaram várias famílias políticas, entre as quais os liberais, certamente, mas
liberais que não tinham uma obsessão anti-Estado, antissocialismo, anti-esquerda. Em boa medida, o modelo
social europeu foi feito por partidos do PPE (Partido Popular Europeu), por socialistas, por ecologistas europeus,
até por eurocomunistas.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, agradeço que conclua.
O Sr. Rui Tavares (L): — Concluo, Sr. Presidente.
Portanto, o pedido de esclarecimento, que é ao mesmo tempo um pedido de debate mais profundo e mais
profícuo sobre este tema, é que a Iniciativa Liberal o saiba fazer admitindo a fiscalidade progressiva e também
a capacidade de dar serviços públicos de alta qualidade, muito para lá da fiscalidade ou até mais do que a
fiscalidade, já que estes são fatores de atração para quem emigra.
A nossa concentração deveria estar em fatores de atração para quem queremos que fique.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, quero agradecer aos Deputados Márcia Passos, Pedro Frazão
e Rui Tavares as questões que colocaram.
Relativamente às questões da Sr.ª Deputada Márcia Passos, gostaria de dizer que não só acompanhamos
as preocupações que aqui transmitiu, como na altura, como mencionou, tivemos posição pública demonstrando
essa preocupação com o que estava a acontecer.
Quanto ao RGPD e ao Código dos Contratos Públicos — porque focou os dois, embora sejam temas
diferentes, tendo o Deputado Pedro Frazão também falado desse tema —, penso que é consensual para todas
as pessoas, para todos os partidos, para todas as organizações, sejam públicas sejam privadas, que quer o
RGPD quer o Código dos Contratos Públicos, mas sobretudo o RGPD, são desafios bastante complexos, pelo
que os cuidados das organizações são superiores aos cuidados normais que se devem ter.
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Há uma questão muito interessante que se aplica não só ao tema do RGPD como a outros, que é o facto de
o Estado não aplicar a si aquilo a que obriga e que aplica às instituições privadas. Ainda na semana passada,
tivemos um ponto de declarações políticas na agenda do Plenário e, na intervenção da Iniciativa Liberal, demos
um exemplo de pequenas e médias empresas a serem multadas pela ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar
e Económica) porque os números que estão num site não têm a referência se são de rede móvel, ou não, quando
o próprio site da ASAE não tem essa identificação.
Portanto, sim, este é um País de dois sistemas. O Estado aplica aos outros aquilo que não aplica a si.
No que se refere ao caso de que falou da CNPD e à multa que impôs ao INE, gostaria de dizer duas coisas.
A primeira é que esse caso demonstra que há instituições a funcionar. Ou seja, a CNPD funcionou, e bem, pelo
que devemos todos vangloriar-nos, enquanto representantes políticos, pelo facto de uma instituição estar a
funcionar. A segunda, como disse, e bem — concordamos —, foi mais um exemplo de como o Governo, em
mais um caso, como também salientei na minha intervenção inicial, foi «empurrando com a barriga» a ver se o
tema passava, se era esquecido, mas não foi esquecido e a multa chegou.
Sobre as questões do Deputado Pedro Frazão, já respondi relativamente a esta questão do RGPD e à multa
que foi imposta ao INE. Além disso, também partilhamos das preocupações que expôs como, por exemplo, a
questão da solidão.
Os Censos transmitem-nos muita informação e muitas preocupações. Infelizmente, 6 minutos não é tempo
suficiente para falarmos de todas elas, não só da solidão, mas de muitas outras. Talvez pudéssemos até, por
consenso entre todos nós, na próxima Conferência de Líderes, marcar um debate especial só sobre os Censos
para todos debatermos as conclusões, os factos e os dados que os Censos nos demonstram.
No que toca ao último pormenor das falhas em Bragança, Sr. Deputado, não vou entrar num debate em que
andamos a fazer queixinhas uns dos outros sobre quem esteve e quem não esteve, porque o Chega também
tem as suas falhas e nós não usamos a fita métrica como ferramenta política para fazer debate político em
Plenário.
Quanto ao Sr. Deputado Rui Tavares, só pegando no exemplo da questão dos países nórdicos de que falou,
o Sr. Deputado acabou por dar a resposta. Foi uma boa pergunta e o Sr. Deputado até deu a resposta dizendo
que nesses países, que até podem ter sistemas fiscais mais pesados do que o nosso, os serviços públicos
funcionam, que é exatamente o contrário do que acontece cá, onde não funcionam — podemos falar da saúde
e podemos falar da educação.
Sabe outro pormenor, Sr. Deputado? É que, nesses países, muitos desses serviços públicos são prestados
por privados. É outra grande diferença! E é como nós defendemos que deveria ser em Portugal. Há serviços
públicos que não têm de ser prestados só pelo Estado. É uma diferença que temos e com muita honra.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Alexandra Leitão, do
Partido Socialista.
A Sr.ª Alexandra Leitão (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, antes de mais, queria
começar por saudar o facto de a Iniciativa Liberal nos ter trazido um assunto que, evidentemente, nos deve
preocupar a todos e que deve ser debatido nesta Assembleia.
Mesmo sabendo que esta quebra de natalidade, esta quebra demográfica é uma tendência noutros países
europeus, obviamente que nos deve preocupar.
A pergunta é saber onde estaríamos sem Estado social. Onde estariam as mulheres que querem ser mães
com a desregulação da legislação laboral? Onde estariam as mulheres e os homens, que neste caso também
querem ser pais, sem creches gratuitas, sem escola pública? Onde estaria a natalidade e a demografia, numa
situação em que os serviços públicos não dessem resposta?
Não vale a pena o argumento dos «serviços públicos prestados por privados», porque uma certa obsessão
pelo cheque-ensino levar-nos-ia a ter de discutir muito mais longe sobre porque é que isso não é a solução. O
que seria do elevador social, em Portugal, sem a escola pública?
Já agora que falamos da Roménia, a Roménia pode, eventualmente, daqui a dois anos — e são previsões
—, ter um PIB per capita superior. Sabem porquê? Porque nos últimos anos perdeu 10 % da sua população.
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Aplausos do PS.
Portanto, é uma questão de meras contas, é uma questão de mera aritmética. Tem piores indicadores de
mortalidade infantil, tem pior indicador de taxa de pobreza e de população em risco de pobreza.
Deste modo, a pergunta que deixo é: para a Iniciativa Liberal, e para o programa que lhe conhecemos, como
é que entende que se podem melhorar estas condições com, por exemplo, uma desregulação do mercado
laboral, já que um dos grandes problemas que as mulheres têm quando querem ser mães é exatamente ao nível
do mercado laboral?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Alma Rivera,
do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quero, antes de mais, saudar a Iniciativa
Liberal, porque este tema é realmente muito importante. Aliás, o défice demográfico é um dos mais altos do
nosso País, sendo um défice estrutural que tem de ser ultrapassado, e os Censos dão-nos uma fotografia nítida
do problema e também algumas pistas sobre as suas razões e possíveis soluções.
Se fizermos uma leitura conjugada entre os Censos, os inquéritos e a fecundidade temos respostas muito
evidentes. Primeiro, sabemos que mais de metade dos homens e das mulheres, em Portugal, gostariam de ter
filhos ou gostariam de ter mais filhos do que aqueles que têm. Sabemos também que mais de 57 % das mulheres
que querem ter filhos, mas que ainda não tiveram, não os têm por questões financeiras, 48 % por questões de
progressão profissional, 51 % levantam as questões da habitação. Portanto, temos aqui algumas pistas que são
efetivamente válidas.
Isto são boas e más notícias. São boas notícias porque existem soluções para estes problemas,
designadamente existem propostas concretas que passam por um aumento dos salários, por uma regulação do
mundo do trabalho, pelo combate à precariedade, pelo respeito pelos direitos de paternidade e maternidade,
pela criação de equipamentos públicos, como as creches, que respondam a essa necessidade. A má notícia é
que a Iniciativa Liberal se junta sempre ao PS e ao PSD para chumbar estas mesmas propostas.
Temos dois exemplos muito recentes que gostaria até de relembrar. Um deles diz respeito à questão que
discutimos na semana passada da redução do horário de trabalho para as 35 horas, para libertar tempo para a
família, por exemplo, e para fazer aumentar o valor do trabalho, e a Iniciativa Liberal posicionou-se contra. Noutro
exemplo, se quisermos, relativamente ao aumento do salário mínimo, a Iniciativa Liberal posicionou-se contra.
Ora, a questão é muito simples: como é que uma família em que, eventualmente, cada um dos possíveis pais
ganha 700 € vai assumir a responsabilidade de ter um filho? Esta é uma questão incontornável. A segunda
questão é: porque é que a Iniciativa Liberal insiste em soluções que estão batidas e que se provaram infrutíferas?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — O último pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Rodrigo Saraiva pertence à Sr.ª
Deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, gostaria de o congratular
pelo tema que nos traz, os Censos, mas, depois de ouvir a sua intervenção, em que falou de saúde, cheias,
emigração, saúde mental — enfim, foi um pot-pourri de temas —, a conclusão foi: o socialismo é mau, o
liberalismo é bom. Foi isto! Foi este o debate que o Sr. Deputado nos trouxe aqui. Falar de tudo é normalmente
uma boa forma de não se dizer nada sobre nada. Ficámos, pois, sem compreender, como acontece quase
sempre, qual é a alternativa da Iniciativa Liberal. A Iniciativa Liberal é muito boa a apontar o problema, mas
muito abstrata nas soluções que propõe.
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Vamos à saúde. O que é que a Iniciativa Liberal propõe a alguém que não tem saúde? Vá ao privado!
Passamos à escola. Não tem escola, não tem ensino superior? Peça um empréstimo! Vamos ao salário. Não
tem um salário digno. A Iniciativa Liberal faz o quê? Qual é a recomendação que a Iniciativa Liberal dá quando
o mercado não oferece um salário digno para trabalhar?
O Sr. Deputado fala-nos da emigração dos jovens dizendo «os jovens emigram porque falta dinamismo e
espírito de visão, os jovens emigram porque falta reconhecimento do mérito, os jovens emigram porque a carga
fiscal é excessiva». Sr. Deputado, os jovens emigram porque o salário que recebem é de 800 € e a renda da
casa é de 700 €! É por isso que os jovens emigram e, em ambos os casos, é o mercado que os condena a
salários de 800 € e a rendas de 700 €!
Por isso, Sr. Deputado, diga-nos qual é a solução da Iniciativa Liberal. Não há, não existe, é indizível! A
solução da Iniciativa Liberal é indizível, porque os mercados são os baixos salários, porque os mercados são as
rendas altas e os mercados são a emigração dos jovens. Essa é a única consequência lógica para as propostas
da Iniciativa Liberal.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, queria agradecer às Deputadas Alexandra Leitão, Alma Rivera
e Mariana Mortágua, que quase poderiam ter combinado e só uma teria feito as perguntas, porque só
diferenciaram na forma. As críticas que fizeram à Iniciativa Liberal, com as perguntas de retórica que fizeram,
foram exatamente as mesmas.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — A geringonça está aí!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Portanto, talvez opte por responder às três da mesma maneira, dirigindo-me
agora particularmente à Sr.ª Deputada Alma Rivera para lhe dizer que não é preciso fazermos sempre este tipo
de intervenção de «os senhores chumbaram as nossas iniciativas!». Isso é normal, se discordamos, chumbamo-
las. Eu também poderia vir dizer, como também já vos disse algumas vezes, que chumbaram as nossas, o que
é normal, não é preciso fazer disso um grande drama social ou político. Isto é normal, chama-se democracia. E
dizer que as propostas da Iniciativa Liberal nunca funcionaram, em lado algum, bom, isto vindo do PCP, com as
ideias comunistas, peço desculpa, mas aí é que temos mesmo uma grande divergência, porque são factos, é a
história.
Risos da IL e do CH.
Ainda há pouco, há uns meses, num debate com a sua líder parlamentar Paula Santos, eu pedia para me
darem um exemplo de um país onde as propostas que o Partido Comunista defende tivessem funcionado, e a
Sr.ª Deputada não conseguiu dizer. Aliás, remeteu para o Portugal de 1974-1975, portanto, no resto do mundo,
de facto, não existe.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Grande avanço!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Seja relativamente à saúde, à educação e mesmo às questões laborais, o
engraçado é que as propostas que preconizamos funcionam noutros países.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Ah! Onde?!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — E, curiosamente, são aqueles países para onde os portugueses, e sobretudo
os jovens portugueses, estão a emigrar. E porquê? Sim, por causa de salários mais altos.
A Sr.ª Deputada Mariana Mortágua veio falar dos 800 € e das rendas, dessas coisas todas, mas os factos
são estes. Vamos, então, a um exemplo concreto, o qual vamos repetir várias vezes aqui, para depois o Polígrafo
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dizer que é verdade aquilo que nós estamos a dizer: um jovem ganha 1000 €, tem mérito e é reconhecido na
empresa, sendo aumentado para 1100 €; ele fica todo contente, mas, depois, quando olha para o recibo do
salário, não estão lá os 1100 €, nem estão lá 1050 €, está menos dinheiro, porque metade desse aumento fica
no bolso do Estado.
Protestos do Deputado do PCP Bruno Dias e da Deputada do BE Mariana Mortágua.
Claro que os senhores depois vêm dizer «ai, os serviços públicos», mas voltamos à nossa conversa. Os
serviços públicos não têm de ser sempre prestados pelo Estado, há outras soluções. Se há um partido que
preconiza aqui um verdadeiro acesso universal seja à educação seja à saúde é a Iniciativa Liberal.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Passamos agora à declaração política do PCP.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A nossa primeira palavra é de
solidariedade e apreço — solidariedade para com todas as vítimas das cheias que têm assolado várias regiões
do nosso País, com gravíssimos prejuízos nas suas vidas, nos seus negócios, nos seus bens e habitações; e
apreço por todos aqueles que têm combatido as consequências desta intempérie, sejam eles bombeiros e outros
agentes da proteção civil, forças e serviços de segurança, trabalhadores das autarquias locais e de diversos
serviços públicos, que, apesar de todos os dias lhes serem negados direitos, salários dignos e reconhecimento,
dão tudo por tudo para responder aos problemas.
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Solidariedade e apreço que não apagam a necessidade de, mais uma vez —
infelizmente, mais uma vez —, termos de trazer a este Plenário o problema da falta de planeamento e de
medidas de ordenamento do território que previnam este tipo de acontecimentos.
Não negamos que as alterações climáticas tenham aumentado a frequência destes desastres, mas as
alterações climáticas têm as costas largas quando o poder político se quer desresponsabilizar das opções
tomadas ao longo de décadas, num problema que não é novo.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Recordamos as cheias de novembro de 1967, onde morreram mais de 700
pessoas e 20 000 casas foram destruídas, cheias que foram resultado das condições de vida indignas, da falta
de qualquer planeamento urbanístico, da falta de infraestruturas básicas, onde a cultura de risco era inexistente,
porque a vida dos pobres valia pouco para o regime fascista.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Era a época dos planos parciais de urbanização, uma fixação de ordenamento
criando núcleos urbanos destinados a uma minoria da população, empurrando a maioria dos que migravam do
interior do País, para fugir à miséria, para periferias não urbanizadas onde floresciam os bairros de barracas.
Foi com o 25 de Abril que foi publicada a primeira lei dos solos, que criminalizava o uso indevido do solo,
definia áreas urbanas prioritárias, permitindo ao nascente poder local democrático o planeamento do
crescimento urbano.
Mas rapidamente os Governos da política de direita, de PS, PSD e CDS, trataram de reverter a lógica
progressista dessa primeira lei dos solos. Primeiro, com a promoção de uma lógica centrada nas grandes
expansões urbanísticas, sem controlo, com a banca já privatizada a beneficiar da captação de renda fundiária
associada ao imobiliário existente ou expectante, uma lógica plasmada na lei de 1998, de João Cravinho. Mais
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tarde, com a lei de 2014, de Moreira da Silva, a lógica passa a ser outra, passa a ser a da exploração dos centros
urbanos para a especulação e o turismo desenfreado, complementada com a expulsão dos residentes através
da lei dos despejos, de Assunção Cristas, e com o inaceitável aligeirar de normas de segurança sísmica.
Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades do capital financeiro e o seu apetite pela renda fundiária.
O que não mudou foi a submissão das políticas de uso de solos aos interesses financeiros, com PS, PSD e CDS
a apostar em lógicas de lucro máximo para promotores imobiliários e banca, descurando uma política de
planeamento, de ordenamento, de respeito pela natureza e os seus limites de ocupação, com as consequências
que estão à vista.
As políticas erradas de planeamento do território traduzem-se em números. Entre 1995 e 2007, na Área
Metropolitana de Lisboa, a edificação em áreas inundáveis por cheias progressivas cresceu 51 %, a edificação
em áreas inundáveis por cheias rápidas cresceu 39 %, a edificação na faixa litoral dos 500 m cresceu 23 % e a
edificação em vertentes perigosas cresceu 72 %.
Sr.as e Srs. Deputados, Portugal precisa de arrepiar caminho nas políticas de urbanismo e ordenamento do
território, precisa de inverter a lógica de construção em leito de cheia e nas zonas onde as cheias são difíceis
de contrariar é necessário não densificar a ocupação. Precisa de impor o dever de prevenir o risco e realizar
investimento público que possa mitigar esses riscos com eixos de drenagem, corredores verdes, parques
lineares ao longo de ribeiras e rios. Para isso, precisa de permitir aos municípios o recurso a fundos comunitários
para estes investimentos, em vez da sua exclusão no âmbito dos quadros comunitários. Precisa de respeitar os
instrumentos de planeamento, em vez de serem atropelados sempre que o interesse económico se sobreponha,
como aconteceu no caso da construção do Hospital CUF, em Alcântara. Precisa de investir na proteção civil,
dar condições laborais e sociais a todos os trabalhadores que desempenham funções de agentes de proteção
civil. Precisa, acima de tudo, que se cumpra o princípio de que cabe ao Estado e às autarquias locais a gestão
do solo e da cidade e não aos interesses do capital financeiro, que, pela sua natureza, tem como única
preocupação o lucro imediato.
Para esse caminho de resposta de fundo aos problemas de ordenamento do território, que estão na base
dos problemas das cheias, podem contar com o PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista cinco inscrições para pedidos de esclarecimento. Como
pretende responder?
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, responderei aos primeiros dois e depois aos três restantes.
O Sr. Presidente: — Então, o primeiro pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado João Barbosa
de Melo, do PSD.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Barbosa de Melo (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria saudar o Grupo
Parlamentar do PCP por ter trazido este tema do ordenamento do território a debate, a propósito deste tema
mais urgente que nos entrou pelos olhos adentro nos últimos dias, que foram as cheias e as desgraças que elas
trouxeram.
O PSD tem muito orgulho na sua história e, ao longo dela, já deu por diversas vezes provas de que esta é,
para nós, uma questão muito importante. Aliás, voltámos a fazê-lo nesta Legislatura: trouxemos já um conjunto
de iniciativas, e vamos continuar a trazer, para melhorar o estado do nosso ordenamento do território.
Já lá vai muito tempo, é verdade, mas nos anos 80 e 90 foi preciso muita coragem para um secretário de
Estado de um Governo do PSD avançar com demolições de casas em parques naturais, nas orlas costeiras,
zonas onde o tal mercado ocupou selvaticamente. E foi pela mão do PSD que se fez esse trabalho.
É evidente que todos sabemos que às vezes chove. Às vezes chove pouco — durante uns tempos choveu
pouco —, às vezes chove demais. Mas não podemos ficar à espera que chova demais ou de menos para nos
prepararmos coletivamente para aquilo que acontece. E é isso que, claramente, o ordenamento do território é:
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a maneira como uma sociedade se organiza para que estas situações ocorram menos vezes ou tenham
consequências menos graves.
Para isto, todos sabemos bem nesta Câmara, é preciso uma coisa que tem faltado ao Governo e à maioria
que o suporta: é preciso coragem. Não vamos lá empurrando com a barriga para a frente, fazendo de conta que
estes problemas não existem até vir o problema seguinte. É preciso coragem!
E queria aqui deixar muito claro uma coisa, perante o grupo parlamentar que nos trouxe esse assunto e
perante toda a Câmara: se o Governo e a maioria que o suporta estiverem disponíveis para, com coragem, com
força, enfrentarem este problema, cá estará o PSD a cumprir o seu papel, como sempre esteve nesta matéria.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento em nome do PS, tem a palavra o Sr.
Deputado Hugo Pires.
O Sr. Hugo Pires (PS): — Sr. Presidente, queria saudar o Sr. Deputado Duarte Alves por ter trazido este
tema muito pertinente, o ordenamento do território e as consequências que estes últimos dias tiveram sobre o
excesso de impermeabilização, sobretudo nas grandes cidades, mas não só, também em territórios de pequena
dimensão.
O Sr. Deputado disse que as alterações climáticas têm as costas largas.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — E têm!
O Sr. Hugo Pires (PS): — Não, as alterações climáticas são uma realidade, são uma realidade que está
aqui. Aliás, os eventos extremos são cada vez mais uma realidade e, portanto, nós temos de saber, perceber e
ser sensíveis a isto.
Tive oportunidade de ouvir a declaração política do Chega e de constatar que falaram zero vezes de
alterações climáticas, zero vezes dos problemas dos eventos extremos — da seca extrema, dos incêndios, das
chuvas e da precipitação como nunca antes se viu, por exemplo, em Lisboa.
Protestos do CH.
Portugal tem tido um papel pioneiro e tem estado na vanguarda do combate às alterações climáticas. Aliás,
durante a COP (Conferência das Partes), na última conferência do clima, saiu um estudo em que dizia que
Portugal está entre os 11 países que mais tem sabido combater e que melhor combate as alterações climáticas,
apesar de sermos um País que, fruto da nossa situação, está vulnerável, sobretudo à subida do mar, às secas,
às chuvas e às cheias.
Quero também dizer ao PSD que a falta de coragem foi sempre uma coisa que caracterizou o vosso partido,
no combate às alterações climáticas. E, Sr. Deputado, fique sabendo que a primeira verdadeira política de solos,
em Portugal, foi implementada pelo Partido Socialista, na altura, pelo então Secretário de Estado Nuno Portas.
Orgulhamo-nos de todos os instrumentos de gestão territorial. Aliás, foi durante o Governo do Partido
Socialista que se implementaram os PDM, os planos diretores municipais, com saldo zero, ou seja, para evitar
o excesso de impermeabilização nas cidades.
É evidente que foram cometidos vários erros, por parte de várias autarquias. Exemplo disso mesmo são as
AUGI, áreas urbanas de génese ilegal. Se olharmos para elas, percebemos que existem mais ou menos 17
AUGI em Portugal. Mais de metade dessas AUGI estão em municípios do Partido Comunista,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas as casas já lá estavam!
O Sr. Hugo Pires (PS): — … que é, hoje, o partido que traz aqui a maior preocupação com o ordenamento
e a gestão territoriais, quando é nos concelhos geridos pelo Partido Comunista que há mais problemas de gestão
territorial.
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O Sr. João Dias (PCP): — Não conhece!
O Sr. Hugo Pires (PS): — Aliás, se formos a Odivelas, se formos a Loures,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sabe do que está a falar?! Nem sabe onde fica Odivelas!
O Sr. Hugo Pires (PS): — … se formos a outros sítios, percebemos que o Partido Comunista sempre, sempre
promoveu as AUGI e deixou que acontecessem e se expandissem.
Portanto, a pergunta que faço é esta: concorda que as AUGI, as áreas urbanas de génese ilegal, e as pessoas
que nelas habitam, são um dos principais problemas nestes casos das cheias?
Aplausos do PS.
Protestos do CH, da IL e do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, agradeço as perguntas dos Srs. Deputados João Barbosa de
Melo e Hugo Pires.
Começando pelo PSD, o Sr. Deputado diz que o PSD se orgulha da sua história e falou dos anos 80. Pergunto
se se orgulha da sua história mais recente, por exemplo, da lei de 2014, que aligeirou brutalmente a
responsabilidade sísmica na reabilitação do imobiliário. Essa é uma lei da qual creio que o PSD não se devia
orgulhar, porque essa lei aligeirou o reforço sísmico dos edifícios,…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Acústico, térmico, etc.!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … que é tão importante para estas questões de ordenamento e de segurança
das populações.
Depois, o Sr. Deputado diz que é preciso ter coragem, mas é preciso ter coragem perante quem?!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Perante quem é preciso ter coragem?! Perante os fundos imobiliários, perante
os interesses que passam sempre por cima dos instrumentos de planeamento do território, como aconteceu no
caso da CUF, em Alcântara.
Essa é que é a coragem que é preciso ter e que, muitas vezes, tem faltado tanto ao PS, como ao PSD.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Deputado Hugo Pires, as alterações climáticas, como, obviamente, referi
na minha intervenção, têm um impacto no crescimento deste tipo de fenómenos, mas também é verdade que
têm as costas largas, porque se atribui às alterações climáticas um problema que existe há muitos anos…
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Claro!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … e que se tem verificado em Lisboa desde os anos 60, os anos 70 e os anos
80.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Há 100 anos!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Esta é uma realidade que acontece há muitos anos e que revela que, para lá
das alterações climáticas, também existe uma grande falha no planeamento e no ordenamento do território.
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O Sr. Pedro Pinto (CH): — E chuva em dezembro, o que também não é nada normal!…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Essa é que é a questão que quisemos trazer, para que não se passasse por
cima deste problema e das décadas de responsabilidade em relação a essa matéria.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nunca chove em dezembro?! Se fosse em agosto…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sobre as AUGI, Sr. Deputado, nas autarquias que referiu, repare que esses
bairros já lá estavam antes do 25 de Abril. Foram responsabilidade do regime fascista e da política que se criou.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — É falso! A Portela da Azóia é uma responsabilidade vossa!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Desde essa altura, se há partido, se há força autárquica que tem resolvido
esses problemas, tem sido a CDU (Coligação Democrática Unitária).
Protestos do CH.
E se temos uma lei das AUGI em Portugal, isso também se deve à intervenção do PCP na Assembleia da
República.
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Portanto, Sr. Deputado, a nossa intervenção, nesse aspeto, tem sido
fundamental para resolver os problemas que foram criados pelo regime fascista.
Aplausos do PCP.
Protestos do CH e contraprotestos do PCP.
O Sr. Presidente: — Vamos prosseguir com os pedidos de esclarecimento, para o que peço silêncio.
Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Pedro Pessanha, do Chega.
O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Sr. Presidente, cumprimento os Srs. Deputados.
Sr. Deputado Duarte Alves, nos últimos 150 anos, houve 115 eventos de chuva com cheias e com pessoas
a terem de ser retiradas ou realojadas, por causa das águas, no distrito de Lisboa, estatísticas, estas, que fazem
cair por terra a culpabilização que a esquerda quer atribuir exclusivamente às alterações climáticas, Meus
Senhores.
Protestos do PCP.
As cheias são um fenómeno natural característico dos cursos de água de regiões com regimes climáticos
torrenciais, como é o caso do nosso País.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro Pessanha (CH): — A pouca atenção, isso, sim, que tem vindo a ser dada ao ordenamento do
território em Portugal tem-se vindo a pagar caro, não poucas vezes em vidas humanas.
Vozes do CH: — Muito bem!
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O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Como é possível que, com um historial de catástrofes naturais praticamente
anual, continuemos, todos os anos, a correr atrás do prejuízo? Mas, principalmente, como é possível o PCP vir
falar em ordenamento do território, com a responsabilidade que teve, nos últimos anos, a suportar a geringonça
no Governo, ou nos municípios onde os senhores eram, e ainda são, executivo?!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Podíamos estar horas neste Plenário a dissecar os problemas que Portugal
enfrenta, fruto de anos de más políticas de ordenamento do território e coesão territorial.
Para terminar, vou dar-lhes um exemplo, que os senhores conhecem bem. Um dos concelhos mais afetados
pelas cheias da última semana, com um prejuízo avaliado já em mais de 20 milhões de euros, é o concelho de
Loures, um concelho bem conhecido não só do PCP, mas também do Partido Socialista. São os senhores
capazes de vir a este Parlamento falar do que tem acontecido nos últimos anos, quando estiveram oito anos no
executivo deste concelho?! Portanto, agradecia estas explicações.
Aplausos do CH.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Fizeram «bola»!
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Pedro Filipe
Soares, do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Alves, queria,
em primeiro lugar, dirigir uma palavra de solidariedade a todas as vítimas, a todas as pessoas que sofreram com
as cheias que existiram nos últimos dias e com as fortes chuvadas, e também prestar homenagem a todos os
elementos da proteção civil, das forças de segurança, da rede hospitalar e dos serviços públicos que ajudaram
a dar respostas nestes momentos tão difíceis.
Dadas estas palavras iniciais, queria deixar uma nota concreta da nossa opinião sobre o que aconteceu nos
últimos dias.
Há quem negue as alterações climáticas. Ouvimos, ainda agora, o Chega a fazer exatamente esse exercício.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Não foi nada!
O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Mas eu neguei?!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Os negacionistas têm responsabilidades, ao levarem a sociedade a
acreditar que tudo pode continuar como no passado, sem que daí venha mal nenhum ao mundo. Não! É falso!
Os fenómenos climáticos extremos serão cada vez mais recorrentes e as cidades devem estar preparadas para
essa realidade.
Mas são quase tão maus como os negacionistas aqueles que reconhecem as alterações climáticas e, depois,
acham que nada se tem de fazer, como tantas vezes vemos do lado do PSD e do lado do Partido Socialista. É
que, no que toca aos interesses camarários, quando se coloca na balança mais uma especulação imobiliária e
a salvaguarda de determinado terreno, para não impermeabilizar demasiado a cidade, vemos que, muitas vezes,
o que ganha é a especulação imobiliária, é mais aquele negócio, muitas vezes, para o amigo, é mais aquele
negócio que, mais uma vez, impermeabiliza a cidade.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Para o Robles! O Bloco sabe bem disso!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Por isso, criticamos também aqueles que, sabendo o mal que estão a
fazer às cidades, nada fazem para que seja diferente.
Pergunto-lhe muito diretamente, sobre o que propusemos, e creio que o fizemos atempadamente, face
àquela miserável teatralização do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, que deu comprovação à máxima militar
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de que «ordem e contraordem dão desordem» — foi o que vimos mais na Câmara Municipal de Lisboa, foi
desordem e um Presidente da Câmara que, quando vai visitar uma família que está em casa, porque um
deslizamento de terras a impede de sair, a primeira coisa que tem a dizer é «bem, hoje está a ser um dia
diferente, não está?», o que mostra bem como ele não percebe o que é a responsabilidade autárquica num
momento tão difícil…
Protestos do PSD.
… e como deveria estar à altura da história e falhou, claramente, nesse repto —, se acompanha a nossa
proposta. Sabemos que é preciso um plano de drenagem para a cidade de Lisboa, todos sabemos isso, mas
nós consideramos que é insuficiente. Consideramos que é necessário, também, atacar a impermeabilização da
cidade e assegurar que haja zonas que não são impermeabilizadas, para garantir espaços-esponja e, com isso,
salvaguardar a cidade nestes momentos tão difíceis.
Sem essas alterações ao território, claramente, não estaremos à altura dos desafios que teremos pela frente.
O que lhe pergunto é se o PCP acompanha esta nossa proposta.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — O último pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto,
da Iniciativa Liberal.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, começo por enviar uma palavra de solidariedade a
todos os afetados pelas cheias.
Acho que o tema, a questão do ordenamento do território, é bastante importante e agradeço-lhe por o ter
trazido, mas gostava de perceber as soluções específicas, ou seja, gostava que concretizasse, primeiro, quais
foram os erros de ordenamento do território que aconteceram e que contribuíram para estes problemas e de
que forma é que os mesmos podem ser resolvidos.
Depois desse passo, pode fazer aquilo que o Sr. Deputado Hugo Pires fez, que foi um momento de autocrítica
em relação à Câmara Municipal de Odivelas, que tem sido governada pelo PS, desde há muitos anos, e também
um momento de autocrítica em relação a todos aqueles concelhos que são, ou foram, governados pelo PCP
durante muito tempo e que tiveram exatamente os mesmos problemas. Estamos a falar do Seixal, de Sesimbra,
que tiveram inundações recentemente, e que ainda são governados pelo PCP, ou então de Almada e de Loures,
onde o PCP teve um forte peso no atual ordenamento do território.
Portanto, seria importante que explicasse que especulação imobiliária aconteceu nestes concelhos, onde o
PCP governou durante tanto tempo e que erros de ordenamento do território é que lá foram cometidos.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, agradeço as perguntas dos Srs. Deputados Pedro Pessanha,
Pedro Filipe Soares e Carlos Guimarães Pinto.
Começando por abordar as questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto e pelo Sr.
Deputado Pedro Pessanha, relativamente à intervenção da CDU nalgumas das autarquias que foram referidas,
orgulhamo-nos muito do papel que a CDU teve no ordenamento do território nestes concelhos.
Começando precisamente por Almada, depois da construção do Parque da Paz, nos anos 90, com aquilo
que representou como plano de drenagem, deixou de haver cheias na Cova da Piedade.
O Sr. João Dias (PCP): — Acabou!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Está a ver?!
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Foi esta a importância que teve a criação do Parque da Paz, uma iniciativa da
autarquia da CDU.
Em relação, por exemplo, a Setúbal, uma medida tão criticada pela oposição foi a da criação do Parque
Urbano da Várzea, onde queriam fazer urbanização. Hoje, o Parque Urbano da Várzea está alagado, mas é um
parque, não é uma urbanização completamente impermeabilizada, como pretendiam o PS e o PSD.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — O PS e o PSD?!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Falando do concelho de Loures, Srs. Deputados, ainda recentemente foi
concretizada uma iniciativa da autarquia da CDU importantíssima, que foi a construção do caneiro de Sacavém.
O Sr. João Dias (PCP): — Ora aí tem!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Desde essa altura que a baixa de Sacavém saiu do mapa das cheias. Foi um
investimento importantíssimo, que foi desvalorizado e criticado pela oposição, mas foi a autarquia da CDU que
o fez, e orgulhamo-nos muito disso, como instrumento de mitigação dos problemas naqueles territórios.
Aplausos do PCP.
Portanto, Srs. Deputados, a intervenção da CDU no ordenamento do território não tem nada a ver com a
intervenção do PS e do PSD, que é marcada, sim, pela impermeabilização dos solos e não pela preocupação
com a ordenação do território.
Aplausos do PCP.
Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, sim, estamos de acordo que é preciso ter coragem para enfrentar as
lógicas de negócio que, muitas vezes, são aquelas que se impõem em relação ao ordenamento e ao
planeamento do território.
Obviamente, é necessário inverter a política de ocupação de leitos de cheia, impedindo a implementação de
nova urbanização não só nessas áreas, mas também nas zonas onde já existe ocupação e onde as cheias são
inevitáveis pelas próprias características dos terrenos. Nesse caso, o que é necessário é diminuir a densidade
da ocupação ou, melhor, não agravar a densidade da ocupação com mais construção e com mais carga sobre
essas áreas.
Essas são medidas de fundo, que exigem não apenas uma verificação destas políticas no plano autárquico,
mas sobretudo uma política mais geral de planeamento do território, que tem de ser vista no plano nacional.
Aquilo que tem faltado são medidas para o planeamento e ordenamento do território no plano nacional, o que,
depois, tem consequências, naturalmente, a nível de cada uma das localidades.
São opções políticas a que o PS, o PSD e outros partidos se têm associado de forma muito clara.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro, do Bloco de
Esquerda.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em Portugal, estima-se que sejam
já 100 000 pessoas a trabalhar através de plataformas digitais e 30 milhões na Europa.
As plataformas introduziram uma grande transformação nos modos de organizar, regular, controlar e gerir o
trabalho. E querem impor esse regime como o futuro das relações de trabalho em setores cada vez mais vastos
da economia. O seu modelo de negócio passa pela total ausência de responsabilidades patronais e pela
instalação de uma nova escravatura digital que atira as pessoas para fora do direito do trabalho.
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As plataformas construíram, para isso, uma narrativa e um arranjo institucional baseado em dois grandes
embustes: primeiro, a ideia de que elas não são empresas que prestam serviços, nomeadamente de transporte
de passageiros, de entrega de comida ou outros, mas meras aplicações que, através de um algoritmo, fazem a
mediação entre consumidores e prestadores de serviços; segundo, a ideia de que os trabalhadores das
plataformas são eles, sim, empresas, pessoas/empresa, sujeitos empresarializados, trabalhadores
independentes soberanos na definição de horários, na aceitação ou não das tarefas, desinseridos de uma
organização e dos mecanismos de subordinação laboral.
Assim, é sobre os motoristas e os estafetas da Uber, da Bolt, da Uber Eats, da Glovo, que recaem todas as
responsabilidades. Não há salário mínimo, não há férias, não há seguro de acidentes de trabalho pago pela
empresa, não há qualquer regra para despedimentos — as plataformas desativam o trabalhador da aplicação,
e já está —, não há transparência nem controlo do algoritmo e dos seus critérios, não há controlo sobre os
períodos máximos de trabalho.
Só que este embuste tem vindo a ser posto em causa por inúmeros tribunais em todo o mundo. Só na Europa,
mais de 200 decisões vieram dizer o óbvio: a relação entre um motorista ou um estafeta e a plataforma digital é
uma relação de trabalho entre duas entidades — o trabalhador e a plataforma. É à plataforma que pertence o
principal e o mais indispensável instrumento de trabalho, ou seja, a aplicação e o algoritmo, que nunca são
propriedade do trabalhador nem sequer do intermediário.
É a plataforma que permite o acesso aos clientes e, portanto, à atividade e é a plataforma que indica as
tarefas e o horário para cumpri-las, que fixa os preços, que recebe o dinheiro do cliente e que paga uma parte
ao trabalhador.
Quem anda nas motos ou nas bicicletas tem de estar identificado com o logótipo da empresa na saca térmica,
da Glovo ou da Uber Eats. O trabalhador insere-se, por isso, numa organização.
A plataforma controla o trabalhador até por geolocalização permanente; pode puni-lo em função de uma
avaliação, que não é escrutinável e que não prevê qualquer direito de resposta; pode usar essa avaliação para
o penalizar na distribuição de serviço e, por isso, na distribuição de rendimento; pode até despedi-lo ou, na nova
língua da subordinação digital, pode desativá-lo. Ou seja, a plataforma é um empregador, tem os poderes típicos
da entidade patronal, embora os exerça por meio de uma gestão algorítmica altamente opaca.
Essa relação entre o patrão/plataforma e o trabalhador tem de ser enquadrada por um contrato de trabalho,
reconhecendo que é um tipo de trabalho diferente — claro! —, com regras que não são as mesmas, em todos
os aspetos, das normas gerais, numa modalidade de contrato que tem as suas especificidades, sem dúvida,
mas que é um trabalho subordinado, que tem direitos e que está abrangido pelo Código do Trabalho.
Portugal fez, em 2018, uma lei à medida dos interesses das multinacionais, a «lei Uber», ao arrepio do que
foram, aliás, as decisões dos outros países, desobrigando as plataformas de qualquer responsabilidade laboral
a partir da figura do intermediário que serve para impedir o reconhecimento de uma relação entre o trabalhador
e a plataforma.
O Partido Socialista conseguiu, assim, inventar uma solução única no mundo, a que a Uber chamou «modelo
de ouro». Porquê? Porque se diz na «lei Uber» que, a haver relações de trabalho, elas são com o intermediário,
nunca com a plataforma, mas, depois, quando se trata de aplicar a lei do trabalho ao intermediário, ao operador
TVDE (transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma
eletrónica), os indícios de laboralidade do Código do Trabalho têm grande dificuldade em aplicar-se, porque,
afinal de contas, os verdadeiros poderes patronais de direção e de disciplina estão na plataforma.
Resultado: não há contratos de trabalho com as plataformas, porque a lei criou os intermediários; e não há
contrato de trabalho com os intermediários, porque as plataformas são quem tem os poderes que a lei atribui
aos empregadores.
Modelo de ouro: ninguém tem deveres a não ser os motoristas e os estafetas!
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — É verdade!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — E é isto que é preciso mudar, porque isto está no coração do futuro do
trabalho.
Ao contrário da proposta do Governo português a esta Assembleia, a Comissão Europeia e, na passada
segunda-feira, o próprio Parlamento Europeu propuseram uma diretiva sobre trabalho em plataformas digitais
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que estabelece, entre outras, duas coisas sensatas, evidentes e positivas: primeira, que o algoritmo tem de ser
transparente, tem de ser escrutinável pelos trabalhadores, tem de ser regulado pela lei e pela contratação
coletiva, porque nem tudo o que é tecnicamente possível com o algoritmo é política e socialmente aceitável.
Assim, se se utilizam aplicações e algoritmos em relações de trabalho, as suas regras, critérios, instruções têm
de ser rastreáveis e subordinar-se à lei do trabalho.
Ontem, aqui, no Parlamento, o Bloco conseguiu aprovar precisamente uma norma sobre isto no debate das
leis laborais.
Em segundo lugar, essas propostas de diretiva estabelecem que se presume que entre o trabalhador e a
plataforma há uma relação de trabalho, não preveem qualquer figura do intermediário, regulam uma relação a
dois e não a três. Aliás, a Presidência checa, que, na quinta-feira passada, tentou introduzir na proposta do
Conselho Europeu, sobre plataformas, uma referência ao intermediário, além de descaracterizar a própria
presunção, também foi derrotada.
Até ver, o lobby das plataformas que não querem que haja contratos e que rejubilam com a possibilidade do
intermediário não venceu.
Em março deste ano, o Livro Verde sobre o futuro do trabalho propôs também para Portugal uma presunção
de laboralidade entre o trabalhador e a plataforma digital, só que o Governo, depois de ter, inicialmente, acolhido
esta perspetiva, cedeu e foi colocar o intermediário na sua Agenda do Trabalho Digno.
Nas audições que fizemos neste Parlamento, os coordenadores do Livro Verde foram cristalinos contra a
solução do operador intermediário e essa foi também a opinião da Autoridade para as Condições do Trabalho.
Ao validar o papel dos intermediários, a proposta do Governo não garante contratos, dificulta o
reconhecimento da relação com a plataforma e é um favor às multinacionais.
Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro respondeu ao Bloco, assumindo que seria preciso robustecer a proposta aqui
apresentada, depois de o Partido Socialista ter avançado com a ideia de uma responsabilização solidária das
plataformas.
O que é preciso, Sr.as e Srs. Deputados, é que Portugal abandone, de vez, a figura bizarra do intermediário,
desenhada à medida da Uber.
Sabemos do lobby intenso e agressivo que as plataformas fazem sobre os decisores políticos, a academia,
a concertação social; sabemos da chantagem que fazem sobre os Estados, ao dizerem «se nos derem deveres,
nós vamos embora»; sabemos da ameaça que fazem aos trabalhadores.
Mas esse lobby, esses interesses, essas chantagens têm de ser derrotados pela democracia.
Amanhã, vamos voltar ao debate na especialidade sobre este tema e, até lá, temos uma oportunidade de
fazer valer os interesses de quem trabalha, em vez de perpetuar o paraíso das plataformas, que é o inferno dos
sem direitos.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem dois pedidos de esclarecimento. Presumo que responderá em
conjunto…
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Responderei individualmente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado.
Então, para pedir esclarecimentos, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando José, do Grupo
Parlamentar do PS.
O Sr. Fernando José (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Soeiro, afirma a direita
que as medidas vertidas na Agenda do Trabalho Digno vão longe demais e que este não é o tempo para
alterações laborais; afirma a esquerda à esquerda do PS que essas propostas são pouco ambiciosas.
Mas o que a direita e a esquerda à esquerda do PS não podem afirmar é que o reforço dos direitos dos
trabalhadores não está no centro das preocupações do Partido Socialista. Sim, está!
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!
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O Sr. Fernando José (PS): — Não considera o Sr. Deputado que a Agenda do Trabalho Digno não reflete
cortes nem a retirada de direitos?! Não reconhece o Sr. Deputado que a Agenda do Trabalho Digno reflete a
densificação do combate à precariedade laboral, a valorização dos salários, a qualificação do emprego e a
promoção da contratação coletiva?!
Ora, neste caminho, a proteção de milhares de trabalhadores das plataformas digitais, hoje sem qualquer
regulamentação e sem qualquer proteção, é uma das prioridades na ação política do Partido Socialista.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!
O Sr. Fernando José (PS): — Foi nestes termos que, em sede de especialidade, discutimos a presunção do
contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital, como forma de proteção destes trabalhadores. É uma
discussão à volta do artigo 12.º-A, na qual o Partido Socialista entende como fundamental alcançar um consenso
alargado.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não se fechou em si, pelo que posso anunciar hoje,
aqui, que, na procura desse consenso, o Grupo Parlamentar do PS vai apresentar amanhã uma proposta cujo
objetivo é reforçar, ainda mais, a presunção de laboralidade diretamente com a plataforma, acrescentando maior
segurança jurídica aos trabalhadores.
Aplausos do PS.
Em suma: reforço da primazia da plataforma na relação de laboralidade, por comparação com o intermediário.
No essencial, a presunção da laboralidade será com a plataforma, não podendo esta estabelecer termos e
condições de acesso à prestação de atividade mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória.
Este é mais um passo que damos na defesa dos trabalhadores, para o qual apelamos a um amplo consenso.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para responder, pedindo o cumprimento estrito do tempo, tem a palavra o Sr. Deputado
José Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando José, não vou abordar toda a
Agenda do Trabalho Digno, pois são muitas centenas de páginas que alteram não só o Código do Trabalho,
mas 12 diplomas, creio eu, relacionados com o trabalho, vou, sim, falar sobre a presunção de laboralidade.
Em que é que nós estamos de acordo? Que deve haver uma presunção de laboralidade específica para as
plataformas digitais, porque os indícios que estão no Código do Trabalho, atualmente, muitas vezes, escapam
ao tipo de relações de trabalho que são estabelecidas através das plataformas.
Não conheço a proposta que vão apresentar amanhã, mas em que é que nós estamos em desacordo?
Estamos em desacordo que o Partido Socialista tenha feito, em 2018, uma lei que é única no mundo e que
inventou a figura do intermediário, que não existe em mais nenhum país, para desobrigar as plataformas digitais
de responsabilidades patronais.
Era preciso rever essa «lei TVDE», porque também existem TVDE noutros países — a Uber e outras
empresas de transporte de passageiros — e nenhum país precisou de criar essa figura do intermediário, pois
não?!
Mais: o que concluem as 200 decisões que houve, na Europa, sobre a natureza da relação laboral entre o
motorista e a plataforma, é que está ali uma relação de trabalho subordinado e, portanto, tem de estar ali um
contrato de trabalho. A plataforma é responsável por aquele trabalhador, tem de haver horários máximos, tem
de haver salários mínimos, tem de haver segurança nos acidentes de trabalho, tem de haver direito a férias, tem
de haver, enfim, todos os direitos que resultam de um contrato de trabalho.
Se o Partido Socialista quer abdicar desta figura do intermediário e voltar à proposta inicial e à recomendação
do Livro Verde e ter uma lei que seja coerente e compatível com a proposta da diretiva europeia, então,
estaremos perante um avanço.
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Se o Partido Socialista, pelo contrário, não estiver disponível para rever a «lei TVDE» e para abdicar dessa
figura do intermediário, então, nós teremos sempre, aqui, uma forma de escape das plataformas à
responsabilidade laboral.
Veremos, amanhã, a proposta que o PS irá apresentar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Carvalho, do PSD.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo.
Sr.as e Srs. Deputados, quero agradecer ao Sr. Deputado José Soeiro o tema que aqui trouxe e confesso que
até me sinto mal, porque parece que me estou a intrometer no namoro entre o PS e o Bloco de Esquerda…
O Sr. Fernando José (PS): — Tanta graça!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Estão a reatar os laços? Estão a tentar ir ao encontro da vossa antiga
história?
O Sr. Fernando José (PS): — Tanta, tanta graça!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — O PSD até se sente bem, porque não fosse o PSD ter apresentado…
O Sr. Fernando José (PS): — Zero propostas! Zero!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — … um pedido potestativo de adiamento desta proposta, que queriam votar,
e os senhores não podiam estar aqui, agora, a fazer esta troca de afetos entre os dois partidos.
Agora, há aqui uma questão que se coloca e que é fundamental: afinal de contas, vão mudar esta lei,
relativamente à qual ninguém sabia porque é que estavam a introduzir um intermediário? Aliás, até agora, não
se conseguiu perceber, a não ser que ontem levaram um puxão de orelhas do Sr. Primeiro-Ministro, mas fora
isso, ninguém percebeu, ainda, onde está o pai desta proposta e desta lei. Claramente, não está nesta Sala! O
pai da lei não está nesta Sala!
Protestos do Deputado do PS Fernando José.
Pelos vistos, até agora, a única coisa que sabemos é que o Partido Socialista tem o modus operandi de
querer tentar forçar a razão, através da sua maioria absoluta. Só que 120 Deputados, só por si, não são razão
para aprovar leis; podem ser uma forma de teimosia, a vossa força pode ser teimosia…
O Sr. Fernando José (PS): — Vocês apresentaram zero propostas!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — … e, por aí, podem achar que podem aprovar qualquer lei, mas não
respeitam os direitos dos trabalhadores tentando fazê-lo dessa maneira.
Aquilo que o Sr. Deputado Fernando José, hoje, aqui veio anunciar deixa-nos curiosos. Dizem: vamos
reforçar a presunção da laboralidade, vamos retirar os intermediários.
Pergunto: primeiro, porque é que não o fizeram antes? Esta é uma questão que, de facto, se calhar, o Sr.
Deputado José Soeiro também nos poderia tentar esclarecer, porque assistiu à mesma coisa que nós… Se
queriam aprovar esta lei no primeiro dia, porque é que não o fizeram antes? Foi só por causa do puxão de
orelhas ou porque, de facto, esta lei está mal feita e, daqui em diante, haverá mais detalhes que também estão
mal feitos?!
Digam-nos, então, porque é que querem aprovar esta lei este ano, com um erro tão crasso como o que
estava neste artigo 12.º-A?
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O Sr. Fernando José (PS): — Zero propostas!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Porquê? Há alguma coisa assim tão pertinente, tão urgente para fazer
aprovar esta lei este ano?
O Sr. Fernando José (PS): — Há milhares de trabalhadores que estão desprotegidos!
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — É porque, de facto, aqueles 100 000 trabalhadores que, presumivelmente,
existem nas plataformas têm de começar a pagar contribuições para a segurança social? É isso que dá jeito? É
dinheiro no bolso do Governo? Qual é a razão para os senhores estarem aqui, hoje, e deixarem uma lei órfã,
sem se saber quem foi o pai desta lei?!
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, 120 Deputados não dão razão a nada, só dão um claro sinal:
teimosia da maioria socialista.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Ainda para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Maia,
do PCP.
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, agradecemos ao Sr. Deputado José Soeiro a oportunidade de
discutirmos este tema também aqui, que já ontem foi objeto, como aqui foi referido, de uma discussão muito
viva.
Começo por salientar que, sim, as plataformas digitais são já, verdadeiramente, uma realidade. É também
verdade que é imperioso melhorar as condições de proteção dos trabalhadores quando se trata da existência
de uma relação de trabalho, e essa relação de trabalho existe, designadamente, para os motoristas de TVDE,
para os motociclistas da estafetagem, etc.
A verdade, porém, é que as chamadas «plataformas digitais» são um ecossistema muito complexo, que
acomoda múltiplas realidades: tanto inclui os motoristas de TVDE, como o canalizador que disponibiliza o seu
serviço numa plataforma digital ou o tradutor que, através da plataforma digital, oferece os seus serviços.
Portanto, o que temos defendido é que, desde logo, é necessário regulamentar esta atividade do ponto de
vista comercial, o que ainda não está feito.
No entanto, esta é uma matéria diferente da do reconhecimento da presunção de laboralidade: do nosso
ponto de vista, o artigo 12.º do Código do Trabalho já o faz de forma suficiente, embora possa ser melhorado, e
é neste ponto que temos insistido.
Um outro aspeto fundamental tem a ver com o recurso ao algoritmo. O algoritmo e a inteligência artificial
podem representar uma ferramenta útil para a gestão dos sistemas, como também podem representar uma
ferramenta útil para adequar o perfil do trabalhador às funções que ocupa ou que pode vir a ocupar na empresa.
E, sobretudo, o algoritmo pode despistar necessidades de formação do trabalhador — que são, aliás, uma
obrigação da empresa —, mas não pode justificar despedimentos, tal como consta, de resto, da proposta que
foi ontem aprovada em sede do grupo de trabalho.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Essa é que é essa!
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado José Soeiro, é se não receia que a
institucionalização do algoritmo, e vou citar a norma que o senhor propôs,…
O Sr. Presidente: — Cite depressa, Sr. Deputado.
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — … para a «tomada de decisões» sobre «o acesso e manutenção de emprego»,
isto é, uma forma de legitimar o despedimento, possa pôr em crise as garantias de proteção contra o
despedimento sem justa causa?
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O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, vou começar por responder ao Sr. Deputado Alfredo Maia.
Regulamentar a atividade, do ponto de vista comercial, foi o que foi feito com a «lei TVDE», que regulamenta
aquela atividade. Porém, do ponto de vista laboral, isso foi feito dizendo que se aplica o Código do Trabalho.
Qual é, no entanto, o problema que isto apresenta? É que se criou a figura do intermediário, que desobriga as
plataformas de assumirem as suas responsabilidades empregatícias, remetendo para o artigo 12.º do Código
do Trabalho e para os indícios de laboralidade que foram pensados para uma era pré-digital e, portanto, vários
daqueles indícios têm dificuldades de aplicação ao modo como hoje é exercida a subordinação laboral, nas
condições em que é feita a gestão algorítmica da atividade.
Por isso, estas formas intensas de subordinação procuram, precisamente, escapar aos mecanismos
clássicos do direito do trabalho. Do que precisamos é de laboralizar estas atividades e, por isso, estabelecer
uma presunção específica.
Os indícios que estão no Código do Trabalho ou que estarão numa eventual nova presunção, não conferem
nenhum poder às entidades patronais. Os indícios e a presunção permitem verificar se aqueles poderes já estão
a ser exercidos para os colocar sob as regras do Código do Trabalho.
Por isso, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, penso exatamente o oposto sobre a transparência
algorítmica: na verdade, ela obriga a que a gestão algorítmica da atividade esteja dependente e subordinada às
regras do Código do Trabalho, para que seja impossível haver despedimentos sem justa causa, como hoje
acontece com os algoritmos, porque desativam o trabalhador, o que é um verdadeiro despedimento sem justa
causa.
A partir do momento em que a gestão algorítmica da atividade — e não é só nas plataformas, isso está a
expandir-se para muitos outros setores de atividade — estiver subordinada às leis do trabalho, então, nessa
altura, aplica-se a proibição dos despedimentos sem justa causa. Todos os direitos dos trabalhadores
subordinam a utilização do algoritmo e, por isso, do nosso ponto de vista, é importantíssima a aprovação da
transparência algorítmica.
O PSD votou contra a transparência algorítmica, o que é curioso, porque não aceitam sequer que haja um
dever de informação sobre como é que as entidades empregadoras utilizam o algoritmo para gerir a atividade.
Como assim?!
É que eu não sabia que o PSD era contra a diretiva europeia que também prevê a transparência algorítmica
e esse dever de informação.
O Sr. Nuno Carvalho (PSD): — Abstivemo-nos!
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — A proposta que foi discutida e aprovada no Parlamento Europeu é boa
para os trabalhadores independentes, porque quem for verdadeiro trabalhador independente não se transforma
em trabalhador subordinado devido a uma presunção — o canalizador ou o tradutor que seja um verdadeiro
trabalhador independente, seguirá sendo um trabalhador independente. Portanto, a proposta é boa para esses
trabalhadores. E a proposta também é boa para os trabalhadores subordinados, porque vai fazer com que o seu
estatuto formal e laboral corresponda à sua verdadeira realidade. Ninguém acredita que um estafeta ou que um
motorista são empresas ou que são trabalhadores independentes, pois não são eles que determinam as suas
condições de trabalho.
De certo modo, a diretiva também é boa para empresas que queiram cumprir a lei, que não é o caso das
multinacionais, que fizeram um lobby intenso, que fez com que, entre a proposta de outubro de 2021, que o
Governo apresentou, e a proposta de junho de 2022, que o Governo entregou, houvesse uma alteração, com a
introdução de um intermediário para ceder a esses lobbies.
Se tivermos empresas que não queiram fazer este tipo de concorrência desleal, podemos ter trabalho em
plataformas, trabalho, esse, que estará enquadrado pela lei do trabalho e pela contratação coletiva, tal como foi
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feito em Espanha, pela plataforma Just Eat, que acabou de assinar uma convenção coletiva com os sindicatos
para regular o trabalho em plataformas e os direitos dos trabalhadores.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — É isso que precisamos de fazer para responder ao mundo do trabalho, a
quem vive do seu trabalho e a quem precisa de ser reconhecido nessa condição.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Passamos, agora, à declaração política do Partido Socialista. Para o efeito, tem a
palavra o Sr. Deputado Ricardo Pinheiro.
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A pandemia impôs mudanças nos
nossos comportamentos, na produção e no consumo, e quando nos preparávamos para a recuperação, iniciou-
se o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
Tornou-se imperativo pensar e desenvolver instrumentos transversais — que integrem todos os domínios do
ambiente e as diferentes políticas setoriais — para agilizar a transição energética, em linha com os desafios
europeus.
A COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) acabou de definir a criação de um
mecanismo de financiamento para compensar as nações mais vulneráveis pelas perdas e danos causados pelo
clima.
Os portugueses sabem bem o que isto significa. A partir deste momento, deixo um abraço solidário para cada
família, para cada português, que sofreu na pele a forma como as alterações climáticas têm e tiveram efeitos na
nossa sociedade.
Aplausos do PS.
Também o faço às forças de segurança, à proteção civil e a todas as autarquias, que têm demonstrado, neste
momento, um espírito de solidariedade e de união absolutamente enorme.
Melhor ambiente também significa termos menos dependência de países e combustíveis que não
controlamos. É possível crescer economicamente sem aumentar as emissões. Portugal reduziu as suas
emissões em 4,8 %, ao mesmo tempo que o produto interno bruto cresceu 4,9 %.
Temos que promover uma transição justa, focada na criação de postos de trabalho e na requalificação das
profissões atuais. Exemplo disso foi a forma como nos quatro programas operacionais (PO) indiciámos a criação
e a mecanização dos fundos de transição justa, em regiões como Sines ou como no Pego, bem como nas
cimenteiras na zona de Lisboa ou mesmo em Matosinhos.
A pensar nisto, o Governo criou o Simplex e aprovou um conjunto de medidas de simplificação para o
licenciamento ambiental — tornando-o mais rápido e fácil —, com o objetivo de acelerar as respostas a grandes
desafios ambientais, tais como a economia circular, a escassez de água, a transição para energias renováveis
e a descarbonização da nossa economia. Tudo isto para agilizar a descarbonização do nosso País. Um pequeno
exemplo destas medidas pode ser a substituição do azoto e do fósforo, na agricultura, por lamas provenientes
das nossas ETAR (estação de tratamento de águas residuais).
Hoje, 70 % da energia provém de fontes renováveis. Os outros 30 % ainda são baseados em combustíveis
fósseis e expõem-nos em termos da nossa soberania energética. No entanto, também correspondem a 30 % de
novas oportunidades em áreas de valor para as universidades, para as empresas e para os investidores
externos, tais como introduzir a atividade do armazenamento de energia, promover projetos híbridos, requalificar
os nossos parques eólicos, implementar comunidades de autoconsumo ou instalação de parques eólicos e
offshores em águas profundas.
A energia verde será essencial para a produção de gases renováveis. Portugal será um exportador líquido
de gases renováveis, a partir de Sines ou através do projeto do gasoduto para o centro da Europa.
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Aplausos do PS.
O corredor de energia verde foi uma aposta de sucesso que reforça a centralidade do nosso País na equação
energética. Portugal conseguiu conter os preços da energia para as famílias e as empresas mais expostas,
reduzindo o preço de mercado em menos 15 %.
No próximo ano, prevê-se uma injeção financeira, nos preços do gás e da eletricidade, de cerca de 3000
milhões de euros no setor industrial e de cerca de 3,3 mil milhões de euros nos consumidores domésticos. O
Governo garante que no próximo ano os consumidores domésticos de eletricidade terão apenas um aumento
de 1,1 % e, no caso do gás, de 3,9 %.
Isto é proteger as empresas e é proteger as pessoas.
Aplausos do PS.
O novo Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU) tem a ambição de reduzir substancialmente
a quantidade de resíduos em aterro, aumentando a reciclagem de produtos orgânicos, produzindo o biogás ou
introduzindo sistemas de depósito e retorno.
No setor da água, precisamos de projetos de reutilização de águas residuais e a redução efetiva das perdas.
A primeira dessalinizadora foi assumida e é necessário enquadrar esta nova fonte nos modelos de
abastecimento e no quadro legal da distribuição de água, desde a fonte até ao consumidor final.
Nos modelos atuais, contabilizamos o desenvolvimento, por exemplo, com a quantidade de betão utilizada
nas nossas sociedades ou pela utilização de fitofármacos para a produção de alimentos para os seres humanos.
Por isso, é de equacionar a criação e regulamentação do mercado voluntário de carbono, de forma a garantir
que, em Portugal, os territórios e as atividades mais sustentáveis geram ativos ambientais, mas também
económicos.
Na minha opinião, é possível utilizar estes parâmetros, mas também quantificar as emissões que estão
associadas, ao mesmo tempo que devemos mobilizar o setor privado, empresas e indústrias para trabalharem
a favor da neutralidade carbónica das suas atividades.
Ontem mesmo, a Comissão Europeia aprovou e regulamentou o Carbon Border Adjustment Mechanism
(CBAM). A forma como produtos provenientes de outros continentes serão obrigados a pagar uma taxa de
carbono será decisivo na forma como hoje, a partir do Parlamento ou do Governo, tomamos decisões para criar
valor no mercado real.
Aplausos do PS.
Até mesmo privados podem fazer investimentos de transição energética, tais como comprar o próprio carro
elétrico, sendo remunerados por esta atividade.
Sr.as e Srs. Deputados, devemos estar atentos e perceber como cada um de nós, a partir da Assembleia da
República, ajuda a criar valor no mercado real.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa registou a inscrição de cinco Srs. Deputados para pedidos de
esclarecimento, a que presumo que queira responder em dois blocos, de duas mais três respostas.
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Então, para o primeiro pedido de esclarecimento, dou a palavra ao Sr. Deputado Bruno
Coimbra, do PSD.
O Sr. Bruno Coimbra (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, gostaria de começar por
cumprimentar o Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, pelo tema que aqui trouxe a debate, e por dizer que é
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inquestionável, de facto, a importância e a necessidade que temos de simplificar procedimentos, reduzir
burocracia, eliminar redundâncias legislativas.
Aliás, o PSD marcou sempre a sua ação governativa por esta preocupação: criámos o Licenciamento Único
Ambiental e também fomos nós que criámos o Título Único Ambiental, com todas as licenças e autorizações;
procurámos sempre, de facto, tornar os processos mais simples, mais credíveis e mais transparentes. Mas a
relevância desta simplificação é tão grande que ela tem mesmo de ser bem feita, Sr. Deputado.
O PSD alertou, em tempo, que simplificar é diferente de facilitar e não pode significar arrasar os níveis de
exigência, não pode ser limpar a fundo as leis e licenciamentos que protegem os recursos ambientais e evitam
os danos ecológicos.
O Partido Socialista apresentou aqui tudo, através de si, como se fosse uma obra de arte legislativa, dizendo
que tudo está sempre muito bem acutelado e assegurado, mas nós sabemos que não é bem assim. Aliás,
sabemos que o diploma inicial do Simplex teve muitas críticas, sabemos mesmo que o período de consulta
pública teve, pelo meio, o mês inteiro de agosto e hoje mesmo, enquanto estamos a ter esta discussão, o diploma
final não é conhecido e nem sequer foi, ainda, publicado.
Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado, falando como falou da tribuna, se pode assegurar que foram corrigidas
e acauteladas as lacunas, as fragilidades, as muitas insuficiências e riscos que o projeto inicial do Simplex
revelava.
Aproveitava também, Sr. Deputado, para lhe dizer que se, no que diz respeito ao Simplex, a falta de
informação é clara, no que diz respeito às interconexões, então, a coisa piora ainda mais. O Sr. Ministro do
Ambiente veio à Comissão de Ambiente, há pouco tempo, reconhecer que, de facto, não havia acordo nenhum,
mas disse que estivéssemos todos tranquilos, porque, na Cimeira de Alicante, tudo ficaria definido. Pois bem,
realizou-se a Cimeira de Alicante e continuamos sem informação absolutamente nenhuma. As dúvidas mantêm-
se e à cabeça dessas dúvidas continua a velha questão de quem é que vai pagar: há, de facto, uma garantia da
Comissão Europeia, ou do Governo, de que os consumidores não pagam ou isso está apenas aí, no seu papel?
Onde é que está escrito que efetivamente não pagam? Queremos ver, queremos garantias! Anúncios, já
sabemos que o Partido Socialista faz muito bem, mas o que é que o Governo negociou e em que termos?
Isso é que importa esclarecer, porque a verdade é que o Governo, quando negoceia em nome dos
portugueses, tem um dever de transparência para com a Assembleia da República e, se o Governo se esquece
disso, o Partido Socialista, que tem uma maioria absoluta, deveria ser o primeiro a lembrá-lo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Bernardo
Blanco, da Iniciativa Liberal.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, tenho três questões para si.
A primeira, relativamente ao terceiro gasoduto, é no sentido de saber qual é a visão do PS quer sobre as
questões técnicas, quer sobre o financiamento. Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro esteve aqui e disse que esperava
que 50 % fossem financiados por fundos europeus, pelo que gostaria de saber, relativamente aos outros 50 %,
se o PS defende que devem ser financiados por via dos impostos, através do Orçamento do Estado, com os
contribuintes a pagar, ou por via dos consumidores, através das tarifas.
Em segundo lugar, sobre o Simplex, queria saudar, em primeiro lugar, o fim do processo. A grande
conferência de imprensa tinha sido em agosto; finalmente, em dezembro, o processo está concluído. Há várias
coisas que já tinha elogiado e volto a elogiar: o fim de várias duplicações, de avaliações e de outras
autorizações… Lembro, aliás, o projeto de uma central fotovoltaica em que foi preciso mais de 40 entidades,
repito, mais de 40 entidades, para esse projeto avançar.
Portanto, há muita coisa que temos de elogiar, mas não podemos esquecer o facto de que há muitas coisas
que acontecem — inclusive alguns deferimentos tácitos —, porque o Estado, hoje, não tem capacidade para dar
resposta. E voltamos à questão de termos funcionários públicos a mais em alguns sítios e a menos noutros,
sendo que o problema se agrava pelo facto de o PS estar, há seis anos, a prometer um novo sistema de
informação e organização do Estado, que ainda não existe.
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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Bem lembrado!
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Por isso, a minha principal preocupação até é a aplicação prática do Simplex.
Há prazos que são encurtados, e bem, mas não sei se, hoje, o Estado tem capacidade para dar resposta e
gostaria de saber quais são as medidas do PS para resolver essa situação. Dou aqui um exemplo claro, de uma
notícia de há quinze dias: Portugal só tem três comunidades de energia renovável — sim, três! — e 170 esperam
autorização, repito, 170 esperam autorização.
Gostaria de saber quais são as propostas que o PS tem para resolver esses atrasos da Administração
Pública.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Para responder a estes dois primeiros pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.
Deputado Ricardo Pinheiro.
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Governar, ou defender a posição do Governo, é fazer uma análise realista
em relação a determinadas questões.
Começando pelas perguntas do Sr. Deputado Bernardo Blanco, acho extraordinariamente importante que,
perante um atraso grande em relação à forma como as comunidades energéticas, que são uma ambição
europeia e não se têm traduzido em realidade em Portugal, este Simplex vise precisamente acompanhar os
grandes momentos de decisão relativos ao modo como os conjuntos de pessoas, moradores e associações se
podem e devem reunir à volta da comunidade energética. Espero mesmo, e acredito, que este Simplex seja uma
prova de que o aumento da certificação e da autorização de início de atividade das comunidades energéticas
pode ser uma realidade.
Em relação ao financiamento, respondendo à pergunta da Iniciativa Liberal, e também do PSD — e o PSD é
um partido com experiência na negociação de fundos comunitários —, a forma como este projeto,
obrigatoriamente, tinha de ser feito, em função da inscrição nos projetos de interesse comunitário, garantindo
que deixávamos de falar na possibilidade do hidrogénio azul e passávamos a conseguir montar todo o
abastecimento, fornecimento e produção de hidrogénio baseado em fontes verdes, exigia mesmo que a
Comissão Europeia também assumisse o acordo que foi feito para a realização desta obra. Ligar Celorico da
Beira a Zamora, claramente, está incluído nas prioridades de financiamento de projetos comunitários.
Em relação aos outros 50 %, para já, ainda não sabemos, ou não temos a certeza — de facto, não somos
capazes de financiar os outros 50 % —, mas poderão ser equacionados num modelo de financiamento, onde se
analise o valor do hidrogénio que é produzido e criado em Portugal em função do investimento CAPEX (capital
expenditure) associado a este grande projeto.
O Governo ouviu mais de 250 entidades, desde a primeira apresentação do Simplex, que penso que refletem
perfeitamente as preocupações da sociedade civil em relação a um instrumento tão importante para ajudar a
alcançar objetivos de transição energética, como é o caso das energias, como é o caso do hidrogénio ou da
reutilização de produtos a partir da economia circular.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Rita Matias,
do Chega.
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, de facto, já pensei
ouvir de tudo aqui nesta Câmara, mas ouvir falar em chuva em dezembro e em alterações climáticas não
esperava, porque, efetivamente, é normal que no inverno chova. E isto não é ser negacionista relativamente às
alterações climáticas, por mais que os senhores gostem de criar rótulos, isto é apenas constatar a realidade. O
clima sempre mudou! Já foi dito aqui, nesta Câmara, que a Gronelândia, antes de ser como é atualmente, era
uma floresta.
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Portanto, num momento de extrema seriedade, em que os portugueses, nomeadamente, em Lisboa, estão a
perder os seus negócios, as suas habitações, não podemos compactuar com esta classe política que quer
alimentar uma histeria coletiva, em vez de encontrar respostas efetivas para a vida destas pessoas.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente! Ora aí está!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Portanto, não, Sr. Deputado Hugo Pires, não contem com o Chega para esta
narrativa…
O Sr. Hugo Pires (PS): — Eu?
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sim, porque o Sr. Deputado Hugo Pires, há pouco, quis arrastar o Chega para
este lamaçal.
Mas, como eu dizia, não contem com o Chega para alimentar agendas ideológicas que em nada respondem
e que em nada ajudam a vida dos portugueses.
Aplausos do CH.
Quando ouvimos o Partido Socialista falar em interconexões ibéricas, inicialmente, pensámos que poderiam
estar a falar na interconexão entre Portugal e Espanha que ocupam o 32.º e o 34.º lugar no índice de perceção
de corrupção, mas não foi disso que falámos aqui.
Pensámos também ouvir falar, por exemplo, na interconexão entre o Governo espanhol, que quer dar indultos
aos independentistas, em Espanha, e Mário Soares, que deu indultos aos membros da organização terrorista
FP-25 (Forças Populares 25 de Abril).
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Verdade!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — Pensámos, ainda, e uma vez que falávamos de interconexões e energia, que, se
calhar, iríamos ouvir falar sobre as portas giratórias que existem entre governantes e empresas de energia,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
A Sr.ª Rita Matias (CH): — … entre governantes que tutelam empresas de energia e, depois, vão ocupar
cargos de administração, mas também não foi sobre isso que ouvimos falar.
Ouvimos falar sobre o famoso corredor verde.
Ora, uma vez que o Sr. Primeiro-Ministro, ontem, se recusou a responder à pergunta do Dr. André Ventura e
o Ministro Duarte Cordeiro também se recusa a responder a esta questão, a pergunta que se impõe é: que
custos terá, verdadeiramente, para os portugueses, a implementação e a construção deste corredor verde?
Mais: o traçado de Celorico da Beira e de Zamora, que mencionou, foi chumbado, o que se traduz na
necessidade de rever o projeto em mais de 160 km deste percurso. Quais é que vão ser os custos desta
alteração?
Para concluir, Sr. Presidente, porque já estou a exceder o tempo de que dispunha, como falamos em
simplificação de licenciamentos — e porque esta simplificação se traduz num apoio ao lobby das renováveis,
mas nada muda, por exemplo, na vida do pequeno agricultor, que continua sem meios para criar retenções de
água nas suas produções — e vemos que a simplificação não está a chegar à vida do português comum, a
questão que lhe trago é muito simples: existem mais de 600 taxas ambientais que representam mais de 5000
milhões de euros que vão diretamente para os cofres do Estado; quantas taxas é que vão deixar de existir, fruto
deste programa que os senhores estão a implementar agora?
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
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A Sr.ª Rita Matias (CH): — Digam aos portugueses quanto é que os portugueses vão pagar a menos, fruto
deste esforço socialista.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Duarte Alves,
doPCP.
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Ricardo Pinheiro, referiu,
de passagem, a refinaria de Matosinhos como um exemplo de descarbonização.
Gostava que me explicasse em que medida é que encerrar uma refinaria e continuar a consumir os produtos
refinados, mas passar a importá-los, em vez de os refinar em Portugal, contribui para a descarbonização.
Longe vão os tempos em que António Costa quis dar uma lição exemplar à GALP, pelo encerramento da
refinaria. Agora, até já parece que é um exemplo de descarbonização para o Partido Socialista.
Gostaria de lhe dirigir algumas perguntas sobre as ligações entre Portugal e Espanha. A primeira, já foi aqui
colocada, é esta: quanto é que isto vai custar aos portugueses, seja enquanto consumidores, seja enquanto
contribuintes?
O Sr. João Dias (PCP): — Diga lá!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — É importante saber-se isso, porque estes são projetos de interesse comunitário,
interessam, sobretudo, a uma estratégia europeia e, portanto, é preciso saber se a Comissão Europeia vai pagar
ou se vão ser os portugueses a pagar uma grande parte destes investimentos.
Depois, gostaria também de saber se, após os pareceres condicionados da APA (Agência Portuguesa do
Ambiente) relativamente à construção desta ligação, foram já ultrapassadas todas as condicionantes e
minimizados os impactos na natureza, na paisagem e nas populações.
Por fim, Sr. Deputado, gostaria de questionar se considera que, aumentando as ligações ibéricas e, por sua
vez, as ligações da Península Ibérica ao mercado europeu, há ou não o risco de Portugal e Espanha deixarem
de beneficiar das condições que permitem que, hoje, os preços grossistas do gás e da produção elétrica sejam
muito mais baixos do que os do centro da Europa.
Essa é, de facto, uma preocupação que temos, porque podemos chegar a uma situação em que nos vamos
inserir num mercado que tem preços muito diferentes daqueles que são praticados em Portugal e Espanha.
Se por toda a Europa os cidadãos invejam os preços do gás, que decorrem, sobretudo, do facto de a
Península Ibérica não estar integrada no mercado europeu, perguntamos se existe ou não o risco de alguma
vez ser feita essa integração em mercados com uma dimensão e preços muito superiores aos da Península
Ibérica. Dito de outra forma, se estas interligações já estivessem completas, o mecanismo ibérico de contenção
do preço do gás na produção elétrica teria sido possível? Ou, se tivesse sido possível, teria o impacto que tem
na redução dos preços? Era a esta pergunta que gostava que me respondesse. E se, de facto, na Península
Ibérica temos condições mais favoráveis do que no centro e norte da Europa, qual é a pressa de nos metermos
num mercado que tem condições muito piores do que as que aqui temos e que os cidadãos do resto da Europa…
O Sr. Hugo Pires (PS): — Vocês querem estar orgulhosamente sós!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não, queremos, orgulhosamente, preços mais baixos do que os que são
praticados no centro e norte da Europa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — O último pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Ricardo Pinheiro pertence ao Sr.
Deputado Pedro Filipe Soares, do BE.
Faça favor, Sr. Deputado.
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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Ricardo Pinheiro,
trazendo o tema da energia a debate seria de esperar que, quem fala do português comum, pensasse da mesma
forma que pensam todas as pessoas, quando se trata de energia: no abuso que está a existir nas faturas da
eletricidade, nas faturas do gás ou na ida a uma qualquer bomba de gasolina.
Mas, curiosamente, o Chega, sobre os abusos das petrolíferas, das grandes empresas energéticas, dos
superlucros que estão a ganhar, com base no superabuso sobre as pessoas e a economia, disse zero.
Protestos do CH.
Na verdade, o português comum sabe que os seus interesses, no que toca ao Chega ou à Iniciativa Liberal,
ficam à porta, porque o que eles defendem é os interesses das grandes companhias energéticas.
Mas no que toca à intervenção do Partido Socialista e do Governo, há questões sobre desigualdades na
transição energética que têm de ser também perguntadas muito diretamente. É que, nas escolhas fundamentais
da transição energética, o Partido Socialista e o Governo não tocam na estrutura desigual da distribuição dos
benefícios. Às populações, o que muitas das vezes o PS diz é que têm de pagar mais porque é a transição
energética, mas aos grandes grupos económicos, que estão a ter superlucros com esta realidade, o que o
Governo diz é isto: «Nós vivemos bem com os vossos superlucros à custa de um supersaque à população.»
Isso, para nós, é inaceitável.
O Sr. Deputado referiu o mecanismo ibérico, que tenta balizar o preço da eletricidade e do gás natural. Na
verdade, o Governo reconhece, nesse mecanismo ibérico, que é pago cerca de 30 % a mais às empresas
produtoras de eletricidade. A EDP (Energias de Portugal), neste ano de 2022, está a ganhar quatro vezes mais
do que ganhou em 2017 pela mesma produção de energia.
Pergunto: onde está a igualdade nesta transição energética?
É que as populações pagam por estes prejuízos. O Governo não aceita nem nunca garantiu, por exemplo,
que a EDP pagasse o IMI das barragens ou que pagasse o IMT (imposto municipal sobre as transmissões
onerosas de imóveis) da venda das barragens que fez a estrangeiros; ou, por exemplo, que os impactos de
diversos centros electroprodutores, seja de energia eólica ou fotovoltaica, tivessem repercussão positiva nas
populações. Não, as populações ficam sempre com os prejuízos. Os benefícios ficam nas mãos de alguns e eu
pergunto que justiça é essa!
A transição climática tem de salvaguardar o planeta, mas tem também de salvaguardar a justiça na economia
e, desse ponto de vista, o Partido Socialista está a falhar.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Pinheiro.
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Sr. Presidente, acho que a atitude do Partido Socialista na Comissão de
Ambiente tem sido de diálogo, de discussão e, muitas vezes, de alguma pedagogia mútua em relação às outras
forças partidárias e, também, em relação a nós próprios.
Os cenários de chuva nos últimos 20 anos, em Portugal, andaram, em média, nos 60 mm de água por hora.
Acontece que só neste ano, nos casos mais extremos, durante o inverno, choveu 500 mm de água por hora.
Muitas vezes, são questões…
Protestos do CH.
Quando falamos de chuva em dezembro…
Protestos do Deputado do CH Bruno Nunes.
Sim, falamos de chuva em dezembro…
Continuação de protestos do Deputado do CH Bruno Nunes.
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Sr. Deputado, por favor, deixe-me falar.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sim, mas partilhe os dados!
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Quando falamos de chuva em dezembro não falamos da realidade,
completamente anormal, que aconteceu neste momento em Portugal.
Protestos do Deputado do PCP João Dias.
São 10 vezes mais, em muitas situações, e este tipo de análise também precisa de ser feita com alguma
justiça.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Está tudo baralhado! Vai para o Polígrafo!
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Em relação à forma como olhamos para a transição justa, não falei na
descarbonização de Matosinhos. Falei no exemplo da aplicação do Fundo para uma Transição Justa, uma
experiência feita pela Comissão Europeia, que está a ser montada pelo Partido Socialista, este ano, e negociada
com os diferentes PO (Programas Operacionais) Regionais para, de facto, ajudar a mitigar os efeitos do fecho
da Central de Matosinhos, do fecho da Central do Pego e também do fecho da Central de Sines.
É evidente que ao fecharmos centrais a carvão melhoramos claramente os objetivos para a nossa
descarbonização.
Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves.
Quando o Partido Socialista assume que passa mais de 300 000 clientes para o mercado regulado, essa é
uma das formas que temos para combater o grande aumento nos preços da eletricidade e da energia que
tivemos nos últimos tempos.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Ricardo Pinheiro (PS): — Os preços do gás são uma das grandes preocupações que têm existido
para os clientes domésticos e também para os clientes industriais. A forma como o Partido Socialista vai injetar
mais de 4000 milhões de euros, no ano de 2023, para mitigar estes grandes aumentos é, claramente, a pensar
em duas grandes áreas da nossa sociedade: nas pessoas e nas empresas.
Aplausos do PS.
Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves.
O Sr. Presidente: — Passamos agora à declaração política do PSD, tendo a palavra o Sr. Deputado Miguel
Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Numa entrevista que será conhecida
amanhã, o Sr. Primeiro-Ministro anuncia uma subsidiação de 240 € às famílias supostamente mais carenciadas
do nosso País. Trata-se de um apoio que será pago até ao dia 23 de dezembro, ou a partir desse dia, um apoio
que será pago na época natalícia.
É uma boa notícia — uma excelente notícia —, uma grande prenda de Natal, sem dúvida, e para muitas
famílias representará, com certeza, a possibilidade de terem um Natal mais feliz ou de fazerem face a encargos
e a despesas, que de outra forma teriam dificuldade em fazer. E é muito dinheiro, é muito dinheiro, sem dúvida.
A questão que se coloca relativamente a estes apoios, que já não são os primeiros e que são necessários,
é sobre os seus critérios. Quando é que o povo português poderá contar com um novo apoio, a seguir a este
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que vem na época natalícia e depois do anterior que tinha sido concedido? Qual é o critério usado para o erário
público ser distribuído de uma determinada maneira ou de outra maneira?
Se estes apoios constituem, de alguma maneira, uma folga para as famílias, a verdade é que o País está
sujeito a um processo de empobrecimento crescente e contínuo. E os apoios pontuais que surgem são
autoconsumidos da forma como as famílias melhor entenderem consumi-los.
Verifiquem, por exemplo, Sr.as e Srs. Deputados, a subida das taxas de juro do crédito à habitação. Uma
família remediada ou «remendada», talvez, terá um crédito à habitação de 150 000 €— vamos conceder que
são 150 000 €para um crédito à habitação de uma família remediada — que, fruto ou resultado da subida das
taxas de juro, vai ter um incremento na sua prestação de 251 €, pouco mais do que o apoio que o Estado se
presta agora a conceder na época natalícia.
Ora, consumido o apoio, como é que estas famílias vão fazer face aos seus encargos em janeiro? Como é
que estas famílias vão fazer face a estes encargos, com o princípio básico da habitação, em fevereiro?
Este Governo, com os resultados que está a ter, depois de sete anos — sete anos, Srs. Deputados! — de
governação, numa primeira parte com o apoio do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — E depois?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … e nesta segunda fase com a maioria absoluta, que lhe dá esse
encantamento e essa independência para conseguir agir com maior autonomia política, é, na verdade, o
Governo do empobrecimento.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — A sério?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — É o Governo que, no final deste período de sete anos, mais os quatro que
temos pela frente, poderá significar uma década perdida para o País, para Portugal.
Aplausos do PSD.
É o Governo da perda do poder de compra; é o Governo do corte permanente de 1000 milhões nas pensões
e nas reformas; é o Governo dos combustíveis a preço de ouro; é o Governo das rendas caras e das rendas
insuportáveis; é o Governo da falta de médicos de família; é o Governo das listas de espera para consultas
médicas, para cirurgias oncológicas; é o Governo do desperdício dos fundos comunitários, quando tão
necessários eles seriam para a estruturação do País e para a folga económica; é o Governo do alargamento
das desigualdades sociais.
Verifiquem, Srs. Deputados, o significativo número de beneficiários da prestação do RSI (rendimento social
de inserção), que aumentou de 209 664 para 217 149, em 2021. O empobrecimento sempre a crescer!
Verifiquem, Srs. Deputados, que, no âmbito do RSI, as faixas etárias ou os grupos dominantes de
beneficiários são as crianças e os mais idosos, os grupos mais vulneráveis.
É o Governo do desleixo sobre os mais desfavorecidos. A taxa de risco de pobreza continua a ser a mais
elevada no grupo das crianças, e aumentou para 19,1 %. O mesmo se verifica no grupo das pessoas idosas,
em que a taxa de risco de pobreza também aumentou para 17,5 %.
Este é o Governo que, objetivamente, nos coloca na cauda da Europa e que não só está a condenar a um
processo de empobrecimento as gerações atuais, mas a penhorar o futuro das novas gerações.
É neste contexto que muita impressão nos faz ouvir, em determinados momentos, aquele lugar-comum do
«ninguém fica para trás».
Aplausos do PSD.
Nos processos de marketing político, de que são useiros e vezeiros na bancada do PS nos debates que
ocorrem neste Parlamento, ninguém fica para trás. É mentira, Srs. Deputados! Ficam para trás!
Ficam para trás os jovens, ficam para trás os mais idosos.
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Protestos do Deputado do PS Carlos Pereira.
Este País, neste momento, não é um país para idosos. Este País, neste momento, não é um país para jovens.
Portanto, todos esses, efetivamente, ficam para trás.
Protestos do Deputado do PS Carlos Pereira.
Onde está o futuro deste País? Qual é o plano? Qual é a estratégia de desenvolvimento? O que é que
podemos dizer aos idosos? Que acalento podemos dar aos jovens sobre uma perspetiva de futuro no nosso
País, na sociedade que estamos a desenvolver? O que podemos prometer para o futuro do nosso povo, além
de uns subsídios de mínimo existencial, promessas vãs e entretenimento político?
O custo mensal de um cabaz básico de consumo alimentar para um adulto aumentou 21 %, entre outubro de
2021 e outubro de 2022. O custo mensal mediano de um cabaz básico de consumo alimentar para um adulto
com cerca de 40 anos aumentou, por seu lado, 24 %.
Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, estamos numa rota de empobrecimento do País e de empobrecimento dos
portugueses, e os senhores, sobretudo os Srs. Deputados do Partido Socialista, não parecem incomodar-se.
Preferem os instrumentos de perpetuação no poder e condenam Portugal a mais uma década de
empobrecimento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — A Mesa regista cinco inscrições para pedidos de esclarecimento. Presumo que o Sr.
Deputado responda em blocos de dois mais três. É assim?
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Muito bem.
Então, o primeiro pedido de esclarecimentos pertence à Sr.ª Deputada Cristina Mendes da Silva, do Grupo
Parlamentar do PS.
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, cumprimento todos.
Cumprimento de forma especial o Sr. Deputado Miguel Santos, a quem queria dar os parabéns pelo tema
escolhido, mas, ao mesmo tempo, dizer que discordo completamente da maior parte das palavras que proferiu.
Vozes do PSD: — Ah!…
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — O combate à pobreza é, realmente, uma questão que nos deve
mover a todos. É uma questão de direitos humanos e, sem dúvida, foi sempre o que norteou o Partido
Socialista,…
A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — … não só para alguns, mas para toda a população. Neste momento,
em Portugal, sejam homens, sejam mulheres, seja qual for a etnia, todos estão abrangidos pelas medidas que
o Partido Socialista tem emanado nas últimas décadas.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Até aqueles que chegaram ao País há uma semana!
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Devo lembrar algumas das grandes estratégias, que fazem este
combate e que foram, realmente, de origem do Partido Socialista.
Lembro, por exemplo, o rendimento social de inserção, o complemento solidário para idosos, a rede social,
a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Todas, medidas que foram emanadas pelo Partido Socialista.
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A Sr.ª Rosário Gambôa (PS): — Muito bem!
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Mas também vos devo dizer que, em relação aos números, não
sei qual foi a estatística que o Sr. Deputado consultou, mas não é a mesma que o Partido Socialista tem.
Vozes do PSD: — Ah!…
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Apesar da pandemia e de estarmos a atravessar este momento
difícil de crise, que advém da guerra da Ucrânia, temos de referir que, de 2015 a 2021, a taxa de risco de pobreza
ou de exclusão social diminuiu de 26,4 % para 22,4 %, significando que 440 000 pessoas deixaram a situação
de pobreza e de exclusão social.
Mais: devo dizer-lhe que, de 2012 a 2014 — não sei se o Sr. Deputado se lembra de quem é que estava no
Governo nessa altura —, as taxas de risco de exclusão e de pobreza no nosso País foram de 24,5 %, 27,4 % e,
em 2014, de 30 %, apesar de todas as medidas extraordinárias em prol das crianças, em prol das famílias, em
prol das empresas. O apoio do Governo, hoje, é de 240 €, o que vai dar para 1 milhão de famílias terem,
realmente, um Natal melhor, mas é um apoio extraordinário devido à crise, também extraordinária, que estamos
a viver.
Então, neste momento em que há todos estes apoios — o apoio do PRR (Plano de Recuperação e
Resiliência) e o apoio do projeto PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), que
aumentaram as medidas para as famílias no que respeita à construção de respostas sociais, sobretudo para
apoio às crianças, como a gratuitidade das creches e toda a estratégia que vai dar 100 € por cada criança em
risco de pobreza —, se acha que essas medidas não valeram de nada, gostava de saber, e é essa a pergunta
que deixo ao PSD, qual destas medidas cortavam. Porque é que no vosso tempo, nos quatro anos em que
estiveram no Governo, em vez de tomarem medidas, cortaram pensões, cortaram ordenados?
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Peço só mais um momento, Sr. Presidente.
Porque é que cortaram, inclusive, aquele que eu acho que foi o complemento mais digno que este País fez,
que foi o complemento solidário para idosos? Srs. Deputados, o vosso Governo cortou 100 % deste
complemento!
Muito obrigada, Sr. Presidente, pela tolerância.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Paulo
Sousa, do Chega.
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, podemos afirmar que estamos,
genericamente, de acordo com o diagnóstico feito pelo Deputado do PSD. Sem dúvida, o Partido Socialista tem
dado um contributo decisivo para este empobrecimento do nosso País, já que, nos últimos 27 anos, esteve 20
no Governo.
Portugal é hoje, infelizmente, um país mais pobre, e isso vê-se em todos os indicadores nacionais e
internacionais. Segundo a PORDATA, sem os apoios sociais, há 4,4 milhões de pobres no nosso País, e mesmo
depois dessas transferências sociais continua a haver 1,9 milhões em situação de pobreza. Isso é um escândalo,
deveria envergonhar-nos a todos e é revelador do fracasso dos sucessivos Governos dos últimos anos,
maioritariamente socialistas.
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Mas temos mais: sabemos agora que vamos ser ultrapassados pela Roménia. Convém lembrar que a
Roménia viveu sob o jugo do comunismo até 1989 e só aderiu à União Europeia em 2007, ao contrário de
Portugal, que já levava 22 anos de adesão.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — É este mesmo país que nos vai ultrapassar em 2024, subindo 13 posições,
em termos de PIB per capita, desde o ano 2000, ao contrário de Portugal, que cai cinco posições desde 2000 e,
em 2024, vai ocupar o 20.º lugar neste indicador.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que aconteceu ao nosso País? O que fizeram ao nosso País?
Não temos dúvidas em afirmar que os Governos do PS têm impedido o desenvolvimento de que Portugal
carece e que a esquerda não sabe criar riqueza, mas sabe promover a pobreza.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Se relativamente ao diagnóstico que fazemos do atraso português há pouco
que nos afaste do PSD, já quanto às soluções para os problemas não podemos dizer o mesmo. E já que o Sr.
Deputado Miguel Santos falou no aumento do preço dos combustíveis, faço duas simples perguntas. Primeira:
por que razão o PSD votou contra o desconto extraordinário de 0,20 €/l de combustível, proposto pelo Chega,
visando dar folga aos orçamentos familiares e de sustentabilidade das empresas?
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Segunda: por que razão votou contra a fixação de margens máximas no
valor dos combustíveis, a título extraordinário, proposta pelo Chega, que iria permitir que o desconto favorecesse
os consumidores e não fosse absorvido pelas gasolineiras?
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada do Partido Socialista, Sr. Deputado do partido
Chega, agradeço as perguntas. Sr.ª Deputada, estamos perante uma dificuldade grande de concordância
relativamente à metodologia e à forma como vemos a governação do nosso País, e isso é comprovado pela
própria história do nosso País, pela história da governação do Partido Socialista e pela história dos Governos
do Partido Social Democrata.
De facto, somos muito diferentes. Nas questões principais admito que não — nas de regime, porque conferem
uma estabilidade ao nosso Estado —, mas no que diz respeito ao modelo económico, ao modelo social, existe
uma grande diferença entre nós. Não é a conversa dos pobres e dos mais desfavorecidos aquela que nos
separa, porque, como há de imaginar, humanidade existe desse lado e existe deste lado e a pretensão de termos
uma população mais desenvolvida, com acesso a mais cuidados e com condições de vida melhores é um
objetivo que nos há de caber a todos nós.
Mas depois, Sr.ª Deputada, no exercício dos poderes públicos há, de facto, uma diferença muito grande, e a
história comprova-o. Veja a Sr.ª Deputada que o seu partido apoiou o Governo do Eng.º António Guterres, que
durou de 1995 a 2002, e, na verdade, nós sabemos o resultado desse Governo.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Um pântano!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sabemos o que aconteceu e sabemos qual foi a pesada herança deixada
exatamente por esse Governo.
Aplausos do PSD.
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Se o que a Sr.ª Deputada me refere é que no Governo do Partido Socialista de 1995 a 2002 foi criado o
rendimento social de inserção, na altura chamado «rendimento mínimo garantido», excelente, Sr.ª Deputada!
Estamos completamente de acordo com os objetivos que eram preconizados por essa subsidiação e com a
forma como foi aplicada, embora com alguns desvios — que tem de reconhecer que existiram e ainda hoje
subsistem. Agora, o que não pode acontecer, em termos conceptuais, é as pessoas serem beneficiárias de um
tipo de apoio desse género e, por essa via, pela forma como a máquina do Estado vai trabalhando e as pessoas
são inseridas, serem condenadas a viver permanentemente no âmbito…
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Não, não é assim!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Não, não, Sr.ª Deputada, é exatamente assim que as coisas acontecem.
A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Depois, para a Sr.ª Deputada perceber aquilo que nos separa, houve um
segundo Governo PS, liderado pelo Sr. Eng.º José Sócrates, de 2005 a 2011.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Ele não é engenheiro!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr.ª Deputada, quanto a isso, também olho diretamente para si e pergunto-
lhe: sabe como é que acabou esse Governo, não sabe? Sabe como é que acabou esse Governo?
Aplausos do PSD.
Protestos da Deputada do PS Cristina Mendes da Silva.
Sabe como é que esse Governo deixou este País?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Vocês responderam com mais austeridade ainda!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sabe os casos que ainda imperam nos tribunais, que estão a ser investigados
pela polícia e que estão para ser julgados?
Protestos do PS.
Sabe quais foram as consequências económicas e as consequências sociais que esse Governo deixou a
este País?
E agora, Sr.ª Deputada, temos o Governo liderado pelo Sr. Dr. António Costa, que começou em 2015 e há
de, supostamente, terminar em 2026,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ou não!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … se cumprir os próximos quatro anos.
A pergunta que fiz, do enquadramento e da forma como coloquei a questão, é a seguinte: em sete anos, o
que é que aconteceu? E o que é que se pode esperar que possa vir a acontecer nos próximos quatro anos?
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Nada!
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vou confessar-lhe, Sr.ª Deputada, a olhar para si: a minha expetativa é
baixíssima. Baixíssima!
Protestos da Deputada do PS Cristina Mendes da Silva.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente.
O mal não é meu, Sr.ª Deputada! O mal não é meu, como imagina.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem mesmo de terminar.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — O Sr. Deputado do partido Chega tem razão também na forma como interveio,
ao referir que concorda com o diagnóstico que o PSD fez. É difícil discordar, pois se estivermos atentos à
realidade verificamos como vive a maior parte dos nossos idosos, como é que os jovens tendem a procurar
soluções de vida fora do País, como é que a carestia e o custo de vida esmagam as famílias em Portugal.
Agora, também tem razão na segunda parte da sua intervenção, porque a sua metodologia, o seu modelo
conceptual também não é o nosso, pode estar descansado quanto a isso. Há todo um mar que nos separa.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ainda bem!
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, faça favor de concluir.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Nesse aspeto, os Srs. Deputados podem continuar a destacar as nossas
diferenças, como o têm feito, com muita acuidade, nos últimos tempos, porque elas existem mesmo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento em nome da Iniciativa
Liberal, o Sr. Deputado Rui Rocha.
O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Santos, o Primeiro-Ministro
anunciou hoje um apoio extraordinário, agora de 240 €, destinado a um conjunto de famílias, que tem uma
diferença face ao apoio, por exemplo, dos 125 € atribuídos em outubro.
Em outubro, como se lembrarão, o que estava em causa era um apoio que ia para pessoas que tinham até
2700 € de rendimento bruto. Agora não, agora estamos a falar de um apoio direcionado a pessoas que têm uma
situação desfavorecida. Isso significa que aquilo que foi feito em outubro, pelo Governo, foi feito de forma errada,
porque não faz sentido atribuir este tipo de apoios a famílias que têm rendimentos de 2000 € ou 2700 € brutos.
Essas famílias têm a possibilidade de trabalhar, têm a possibilidade de ter o seu rendimento e o que está mal é
o que o Governo e o PS sistematicamente defendem, ou seja, a retirada excessiva do produto do trabalho das
pessoas e das famílias em termos de impostos, tirando-lhes meios que são seus.
O Sr. Porfírio Silva (PS): — A isso chama-se redistribuição!
O Sr. Rui Rocha (IL): — O dinheiro não é do PS, não é do Governo, nem é do Estado, o dinheiro é das
pessoas.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
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O Sr. Rui Rocha (IL): — Portanto, retiram dinheiro às pessoas para, depois, fazerem um número de
propaganda quando lhes fazem caridade, quando lhes fazem assistencialismo.
As classes médias não precisam do PS nem do Governo para assistencialismo; precisam do PS, do Governo
e do País para lhes deixarem o dinheiro, que é seu, no bolso, e não para o retirarem de forma excessiva.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!
O Sr. Rui Rocha (IL): — É por isso que esta medida que agora é apresentada é mais justa, porque faz com
que seja direcionada para as pessoas que realmente precisam.
Agora, estamos a falar de 1 milhão de famílias, que, na verdade, são 2 ou 3 milhões de pessoas. Porquê?
Porque temos mais de 4 milhões de pessoas que são pobres antes das transferências sociais e 2 milhões de
pessoas que são pobres mesmo depois das transferências sociais, e isso, Srs. Deputados do PS, é
inqualificável.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva.
Os senhores falharam, e eu acuso-os aqui de um falhanço brutal na gestão do País, neste milénio, porque
foram os senhores os principais responsáveis por tudo aquilo que se passa em Portugal. Os senhores falharam
na economia, falharam na sociedade, os senhores falharam a Portugal.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Rocha (IL): — Vou acabar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Miguel Santos, fico também surpreendido com a intervenção do líder do PSD, Luís Montenegro,
porque diz que estes apoios deviam ser estendidos a famílias da classe média, e eu discordo profundamente
disso. Aquilo que deveria ser feito às famílias da classe média era permitir que o seu rendimento não fosse
retirado do seu bolso, para que as pessoas não se tornassem dependentes.
Espero que o PSD não esteja a defender também que a classe média deve empobrecer por via da fiscalidade
e tornar-se dependente de assistencialismo. Espero que não seja esse o caminho que o PSD defende.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, do Bloco
de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Santos, Sr.as e Srs. Deputados, o
Governo dá apoios pontuais para negar o que é de direito, deixando muitas famílias para trás.
O empobrecimento, sabemos, combate-se através de maior salário, através de maiores pensões, através de
melhores apoios sociais e através do controlo de preços para estancar a inflação.
Depois deste apoio, quatro em cada cinco famílias continuarão a ter perdas de rendimento brutais e mesmo
aqueles que o receberão sabem que vão empobrecer, porque isso acontece cada vez que vão ao supermercado,
cada vez que têm de ir a uma bomba de gasolina, cada vez que a inflação lhes vai ao bolso.
A inflação dos bens essenciais está superior a 20 %, mas o Governo nega maiores salários para responder
ao empobrecimento, nega o controlo de preços nos supermercados, nas bombas de gasolina, no combate à
especulação imobiliária, no combate ao saque que a banca está a fazer.
O Governo, na verdade, quer um País que viva de mãos estendidas e tem os cofres cheios, apenas e só,
para mostrar a Bruxelas.
O Sr. Rui Rocha (IL): — Tem dado bom resultado!
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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Há alternativas a esta política? Há, mas, curiosamente, não estão do
lado do PSD, não estão do lado da direita. Sempre que o PS rejeita o controlo de preços para combater a
especulação, tem o apoio da direita;…
Protestos do Deputado da IL Rui Rocha.
… sempre que o Governo rejeita combater os superlucros, que são superabusos sobre as famílias e sobre a
economia, tem o apoio da direita; sempre que o PS rejeita atacar a especulação que faz disparar os preços da
habitação, tem o apoio da direita; sempre que o Governo rejeita eliminar as borlas fiscais aos especuladores e
aos super-ricos, que depois fazem disparar os preços das casas, tem o apoio da direita; sempre que o Governo
rejeita aumentar salários, valorizar pensões, dignificar e valorizar apoios sociais, tem o apoio da direita; sempre
que o Governo rejeita políticas para defender o rendimento dos «mileuristas» neste País, tem o apoio da direita.
É preciso uma alternativa? É, uma alternativa à política de empobrecimento que o Governo e a direita têm
feito ao longo das últimas décadas no País, e essa alternativa é a que o Bloco de Esquerda defende.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Maia, do PCP.
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Ramos, escutámos com muita atenção e
registámos o que pareceu ser uma preocupação do PSD com aquilo que o Sr. Deputado reconhecia como o
processo de empobrecimento, com o aumento dos juros, as pensões baixas, a taxa de risco de pobreza, sim,
de 2 300 000 pessoas, depois de prestações sociais — porque antes delas são 4 milhões e meio —, mas é caso
para lhe perguntar: como é que o PSD votou as propostas, nomeadamente, do PCP,…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — … quanto ao aumento do salário mínimo nacional para 850 €?
Como é que o PSD votou o aumento geral dos salários, o aumento das reformas e pensões em 8 % e, no
mínimo, 50 € por pensionista?
Como é que o PSD votou em relação à limitação dos juros e dos spreads?
Como é que o PSD votou em relação ao controlo dos preços dos bens essenciais, ao combate à especulação,
à taxação dos grandes lucros, às medidas de ação social escolar, designadamente a distribuição de refeições
gratuitas até ao termo da escolaridade obrigatória?
Como é que o PSD votou em relação à redução da jornada de trabalho?
Mais, o que é que diz o PSD das causas estruturais da pobreza, designadamente do modelo de baixos
salários, da distribuição injusta da riqueza que os apoios ocasionais que o Sr. Deputado aqui bem elogiou não
resolvem?
Protestos da Deputada do PSD Clara Marques Mendes.
O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — O Sr. Deputado chegou há pouco tempo cá!
O Sr. Alfredo Maia (PCP): — E, já agora, o que é que diz o PSD em relação à origem das causas estruturais
da pobreza, que é o próprio modelo económico?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Santos, a quem peço que se
contenha nos 3 minutos a que tem direito regimentalmente.
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O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, vou tentar ser rigoroso e corresponder ao seu repto, sabendo
que é difícil, de facto.
O Sr. Presidente: — Não é um repto, Sr. Deputado,…
O Sr. André Ventura (CH): — É uma imposição!
O Sr. Presidente: — … é um pedido que lhe faço. Já se excedeu bastante, ignorou os meus pedidos de
conclusão e, portanto, peço-lhe agora que nos respeite a todos.
Faça favor.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, se exceder o tempo, acredite que não é por falta de respeito.
Em relação ao que referiu o Sr. Deputado Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, julgo que, fundamentalmente, não
teremos afirmado coisas tão diferentes como isso.
Sim, é verdade, os 240 € agora anunciados serão para uma faixa social do nosso povo em condição mais
desfavorecida. Os anteriores foram de uma abrangência muito maior, englobando aquilo que podemos designar
de «classe média», em termos sociais e económicos. Portanto, veja bem quão mal está a nossa classe média!
O líder do meu partido referiu-se, objetivamente, a esse facto, da mesma maneira como foram atribuídos os
subsídios anteriores, sendo que, na altura, o PS apelidou de uma «caridadezinha» que o PSD queria promover
para as pessoas.
Não é assim que o PS está a agir desta vez e ainda bem que não está a agir assim, porque, pontualmente,
esta subsidiação poderá ser, de facto, uma folga — por muito pequena que seja — para algumas famílias.
A classe média e o povo português precisam, sim — tem razão, Sr. Deputado —, de baixa fiscal, de
assistência na saúde, de melhor e mais bem remunerado emprego, de um Estado a funcionar e que seja um
apoio e não um entrave.
A classe média, os mais desfavorecidos e aqueles que vivem melhor, ou seja, o povo português, não
precisam de 120 € e de 240 €. Precisam agora! Agora! E porquê? Porque estamos mesmo num nível muito
baixo.
Protestos da Deputada do PS Berta Nunes.
Relativamente ao Bloco de Esquerda, em relação ao diagnóstico que o Sr. Deputado ia fazendo sobre os
apoios pontuais — e que fez, mais ou menos, nesta lógica que expliquei —, estamos de acordo, sem dúvida.
Como alternativa, começou um discurso com o qual não concordo e que, devo-lhe dizer, não tem adesão à
realidade. O Bloco de Esquerda é um partido cujos principais elementos — as vozes que aqui o compõem — se
colocam sempre num pedestal de ética e de moral.
Vozes do PSD: — Muito bem!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Ora, Sr. Deputado, para se colocar nessa posição, terá de compreender que,
do meu ponto de vista, não basta parecer, tem mesmo de ser. E há uma grande diferença entre uma coisa e
outra.
Aplausos do PSD.
Isto para me referir a quê, Sr. Deputado, visto que não está a entender o meu ponto de vista? Quando fala
em alternativa entre o PS e a direita — que somos nós, nas suas palavras — está-se a enganar. Está-se a
enganar, porque quem andou em «macumbância» política, geringonça governativa, jogos de corredor,
fotografias de acordos foram os senhores juntamente com os senhores do PS,…
Aplausos do PSD.
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… não foram estes senhores do PS connosco.
Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves.
Portanto, Sr. Deputado, além de parecer, também tem de ser.
E devo dizer-lhe que também repudio completamente…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Sr. Presidente, vou terminar, tem razão.
Como dizia, Sr. Deputado, repudio completamente a conversa dos especuladores super-ricos que aumentam
o preço das casas com o apoio da direita.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — E não?!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Isso foi o que o Sr. Deputado disse, mas ó Sr. Deputado, se há um
especulador que posso desde já nomear é o seu camarada, que andou a fazer especulação imobiliária em
Lisboa e agora está escondido,…
Vozes do CH: — Ora!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … está escondido num sítio qualquer onde os senhores o colocaram. Quanto
a esse é que o Sr. Deputado nos poderá explicar e poderá responder.
Aplausos do PSD.
Eu não conheço… Se o Sr. Deputado tem, no seu círculo de amigos,…
O Sr. Presidente: — Tem de concluir, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Vou terminar, Sr. Presidente, tem razão.
O Sr. Presidente: — Tem mesmo de concluir.
O Sr. Miguel Santos (PSD): — Se o Sr. Deputado tem no seu círculo de amigos…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Se este é o novo PSD, vai bem!
O Sr. Miguel Santos (PSD): — … ou de camaradas políticos especuladores imobiliários que são conhecidos,
eu não tenho nenhum.
Aplausos do PSD.
Protestos da Deputada do BE Mariana Mortágua.
O Sr. André Ventura (CH): — Agora chora!
O Sr. Presidente: — Temos, agora, um pedido de defesa da honra, da Sr.ª Deputada Inês Sousa Real.
Para esse efeito, tem a palavra.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não posso deixar de exercer a
defesa da honra da bancada,…
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O Sr. André Ventura (CH): — Qual bancada? Não há bancada!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … relativamente às afirmações do Sr. Deputado Bruno Nunes, porque
o Sr. Deputado e a bancada do Chega já nos habituaram a, quando lhes faltam as ideias e as propostas, virem
aqui com ataques pessoais. Não é a primeira vez e não será, certamente, a última, até porque o Sr. Deputado,
de forma muito inusitada, já fez outras considerações, de facto, completamente desnecessárias.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Assim até aproveita no Twitter!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mas o que é importante que fique claro é que o Sr. Deputado e a sua
bancada tenham presente que o PAN está, e estará sempre, fortemente comprometido com o combate ao
abandono, aos maus-tratos e a quaisquer outras formas que possam pôr em causa a proteção e o bem-estar
animal.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Qual foi a honra ofendida?!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mais, mesmo em relação às cheias, o PAN tem estado, desde o primeiro
momento, em contacto com todas as associações de proteção animal e a colaborar com quem está no terreno.
Mas o Sr. Deputado disse mais. O Sr. Deputado veio dizer que o PAN era o PEV do PS,…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Ah! Foi nisso que ofendi!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … mas esquece-se de que há diferentes formas de fazer oposição. É
que aquilo que as pessoas esperam de cada Deputado nesta Assembleia da República são respostas para os
seus problemas.
E sabe qual é a diferença? É que o PAN, com apenas uma Deputada, conseguiu, de entre os partidos da
oposição, ter o maior número de vitórias políticas neste Orçamento do Estado.
O Sr. André Ventura (CH): — Claro!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Conseguimos aprovar o alargamento da tarifa social de energia para
que as pessoas não passem frio nas suas casas,…
Protestos do CH.
… conseguimos baixar o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) para a alimentação com produtos vegetais
e conseguimos mais de 13 milhões de euros para a proteção animal.
Protestos do CH.
E o que é que os Srs. Deputado conseguiram? Zero!
O Sr. André Ventura (CH): — Claro!
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mais, no debate de hoje não ouvimos uma — uma! — proposta para o
problema das cheias. Não ouvimos uma!
O Sr. Deputado falou ainda numa outra questão, na mudança de sentidos de voto, e escuso de lhe recordar
que, quando estávamos a discutir o Novo Banco, foi o Sr. Deputado André Ventura — quando era Deputado
único representante de partido — que, em menos de 12 horas, mudou três vezes o sentido de voto.
O Sr. André Ventura (CH): — Oh!…
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Os senhores vêm aqui fazer uma política rasteira, em que, em vez de
defenderem ideias e debaterem ideologias, vêm fazer ataques pessoais e se todos nós fizéssemos o mesmo
muito haveria a apontar ao Chega, aos seus militantes e àqueles que o apoiam.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Uh!…
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Se é essa a política que querem fazer, não contem com o PAN, porque
se fosse «olho por olho» o mundo acabava cego e o nosso papel nesta Assembleia é muito mais relevante do
que isso.
Aplausos de Deputados do PS.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — O vosso papel é zero!
O Sr. Presidente: — Para dar satisfações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, primeiro vamos esclarecer: não é «a nossa
bancada» nem «defesa da honra da bancada». A senhora é só uma,…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Deputada!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … e por isso faz a defesa da sua honra. Não é a defesa da honra da bancada
do PAN, porque o PAN é a senhora.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Deputada!
O Sr. Filipe Melo (CH): — E há de ser zero!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sabe que, quanto à questão da incongruência, as negociações com os outros
partidos podem ser feitas e devem ser feitas, mas fica mal ser aqui dentro, como foi durante a votação do
Orçamento do Estado, em que a senhora,…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Deputada!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — … em reunião da COF (Comissão de Orçamento e Finanças) — e podemos
pedir a cópia das atas — disse que iria votar contra e depois disse «peço desculpa, Sr. Presidente, vamos voltar
atrás», porque lhe zumbiram ao ouvido que, afinal, o PS ia aprovar.
Bom, sabe, o partido que a senhora representa…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr.ª Deputada! Não é «a senhora», é a Sr.ª Deputada! Há protocolo!
Protestos do CH.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — A questão da defesa da honra,…
Protestos do BE e contraprotestos do CH.
Sr. Presidente, solicito que peça à bancada do Bloco de Esquerda que tenha alguma calma, porque senão
não podemos falar.
Posso continuar, Sr. Presidente?
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O Sr. Presidente: — Ó Sr. Deputado, isso vindo de uma bancada que interrompeu sistematicamente a
oradora anterior…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — O Sr. Presidente tem de ser isento.
O Sr. Presidente: — … tem mesmo muita graça.
Aplausos do PS.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tem graça, não tem?! Sr. Presidente, também acho que tem muita graça, depois
da reunião de Conferência de Líderes que existiu hoje em que o senhor pediu que houvesse alguma contenção
e que fosse o senhor a dirigir os trabalhos. Por isso, o que pedimos é isenção da sua parte.
Vozes do CH: — Muito bem!
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Bom, aquilo que tenho para lhe dizer é que a senhora faz parte do partido que
tanto defende a ecologia, mas, depois, vem em todos os jornais que o seu antecessor foi adotar uma cadelinha
que depois foi devolver porque, entretanto, o cão que tinha em casa não gostava dela e não tinha com ela um
bom relacionamento.
Protestos da Deputada do PAN Inês Sousa Real.
Percebe? Isso não é defesa de nada.
A vossa hipocrisia é tal que a maior parte dos Deputados municipais do PAN defendem aquilo que defendem
e se deslocam para as Assembleias Municipais em carros a diesel!
Os senhores continuam a impor a forma como acham que temos de comer, de viver, de nos mobilizar; até
na mobilidade, que tem de ser feita de acordo com os vossos princípios. Isso tem um nome, ditadura ecológica.
Aplausos do CH.
Protestos da Deputada do PAN Inês Sousa Real.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Olé!
O Sr. Presidente: — Assim terminamos o primeiro ponto da ordem do dia, relativo às declarações políticas.
Passamos ao segundo ponto, com a discussão da proposta de Inquérito Parlamentar n.º 5/XV/1.ª (CH) —
Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar para apurar a eventual ingerência do Primeiro-Ministro na
autonomia do Banco de Portugal para proteger a filha do Presidente de Angola.
Para apresentar a proposta do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.
O Sr. Hugo Pires (PS): — Só há uma palavra: vergonha!
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso que aqui nos traz é um caso
absolutamente inaceitável de interferência e pressão política do Governo no regulador financeiro e dos mercados
financeiros.
O caso que aqui nos traz hoje é fácil de explicar: o Primeiro-Ministro, António Costa, Secretário-Geral do
Partido Socialista, terá telefonado ao antigo Governador do Banco de Portugal a dizer que não devíamos tratar
mal a filha de um presidente amigo, a filha de José Eduardo dos Santos.
O que está aqui em causa é a interferência de um Primeiro-Ministro, que, para proteger uma qualquer posição
de Isabel dos Santos, não hesitou em interferir no que de mais sagrado há em termos de mercado financeiro,
na independência do regulador; um Primeiro-Ministro que, apesar de todas as promessas, disse que se tinha de
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proteger Isabel dos Santos, mesmo sabendo já — como se sabia na altura — que Isabel dos Santos podia não
trazer consigo companhias recomendáveis.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Isabel dos Santos tem hoje um mandado de captura internacional emitido pela
Europol. E são esta família, este dinheiro e esta posição que podem estar em causa, na proteção de um Primeiro-
Ministro.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Podia ser apenas isto, mas não é. Este caso traz muito mais do que isto.
Declarações do antigo Governador de Portugal põem a nu que o Primeiro-Ministro tentou também interferir
com o processo de resolução do BANIF (Banco Internacional do Funchal, SA), em Bruxelas, ao arrepio do
regulador, sem conhecimento do Governador do Banco de Portugal.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — É a maior interferência e intromissão de um primeiro-ministro para
salvaguardar interesses que ainda não conhecemos nem podemos prever.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A lei é muito clara, o Banco de Portugal rege-se por autonomia e é ao Banco
de Portugal que cabem a prevenção e a deteção dos riscos sistémicos sobre o mercado financeiro.
Ao interferir sobre esta autonomia, o Primeiro-Ministro pode não ter apenas cometido algum ato de
interferência política, mas até outros ilícitos, de outra natureza criminal.
O contexto político que aqui temos também é claro: António Costa nunca quis Carlos Costa à frente do Banco
de Portugal. Faltavam poucos meses para as eleições que dariam a vitória ao PSD de Passos Coelho, na altura,
quando António Costa ficou indignado com a recondução de Carlos Costa ao cargo.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se este não é um caso para uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI), não sei, então, quais serão os casos que este Parlamento possa investigar.
Aplausos do CH.
Se este não é um caso que merece a nossa investigação e a nossa atenção, então, hoje, não estaremos a
prestar outro serviço ao País que não seja o de proteger António Costa e a falhar à nossa democracia.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado
Carlos Guimarães Pinto.
O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para avaliar a necessidade de uma
comissão parlamentar de inquérito temos de perceber duas coisas: primeiro, se o tema em questão é
suficientemente importante para justificar uma CPI; e, segundo, se as suspeitas e as hipóteses que justificam o
pedido desta CPI são verosímeis.
Em relação ao primeiro tema, a dependência dos reguladores é, de facto, importante. Sem instituições
independentes do poder político como reguladoras não temos uma democracia plena.
O Banco de Portugal é um dos principais reguladores do País, portanto, a resposta à primeira pergunta é:
sim, o tema é importante.
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A segunda pergunta a que temos de responder, antes de viabilizar esta CPI, é se as suspeitas que foram
lançadas, de desrespeito pela independência dos reguladores por parte deste Governo de António Costa, têm
alguma credibilidade e podem vir a confirmar-se verdadeiras.
Convém analisar o padrão de comportamento deste Governo de António Costa, e vou dar alguns exemplos.
Em outubro de 2018, o Governo nomeou um Deputado seu, o Sr. Deputado Carlos Pereira, para administrador
da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), uma entidade regulatória, tendo o Sr. Deputado —
e muito bem! — rejeitado a nomeação após um parecer negativo do Parlamento.
Em junho de 2020, Mário Centeno, à época Ministro das Finanças, demitiu-se, numa jogada acertada com o
Primeiro-Ministro, apenas para ser nomeado Governador do Banco de Portugal, um mês depois, pelo seu antigo
Secretário de Estado e sucessor, João Leão. O Governador do Banco de Portugal foi nomeado pelo seu
sucessor, depois de ter deixado o cargo como Ministro das Finanças, um mês antes.
Em julho de 2020, José Guerra, próximo do PS, foi nomeado procurador europeu, apesar de não ter ficado
em primeiro lugar na avaliação do júri europeu.
Em outubro de 2020, em vésperas de recebermos a «bazuca», o Governo afastou o independente Vítor
Caldeira do cargo de Presidente do Tribunal de Contas.
Em julho de 2021, o Governo indicou Ana Paula Vitorino, ex-Ministra e esposa do, na altura, Ministro Eduardo
Cabrita, para o regulador da área da mobilidade e dos transportes.
Em outubro de 2021, António Costa insurgiu-se contra, e cito, «a doutrina absolutamente extraordinária de
limitar os poderes dos Governos para os dar aos reguladores independentes».
Podia dizer muitos mais casos. Com todo este historial de intromissão e desrespeito do Governo de António
Costa pela independência dos reguladores em Portugal, é perfeitamente legítimo questionar se este padrão de
comportamento se estendeu também aos casos, em concreto, do BIC (Banco Internacional de Crédito) e do
BANIF. Por isso, não iremos inviabilizar esta comissão parlamentar de inquérito.
Aplausos da IL.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Carneiro.
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As recentes declarações do ex-Governador
do Banco de Portugal, Dr. Carlos Costa, expuseram à luz do dia aquilo que podem ter sido interferências
inaceitáveis do Primeiro-Ministro junto de uma entidade pública independente. Estas interferências, a terem
ocorrido, reputam-se de graves, ilegais e, tanto quanto sabemos, inéditas na democracia portuguesa.
O Sr. Primeiro-Ministro optou pelo silêncio e pela ameaça da instauração de processos judiciais, que até se
desconhece se foram, na verdade, instaurados.
O Primeiro-Ministro, até agora, não respondeu, e se não respondeu é, talvez, por não conseguir disfarçar
uma verdade que não pode ser desmentida. O que esconde António Costa?!
Refiro-me, concretamente, à alegada ação do Sr. Primeiro-Ministro a propósito da decisão do Banco de
Portugal de rejeitar conceder idoneidade a Isabel dos Santos — idoneidade que só o regulador, em exclusivo,
era legalmente capaz de escrutinar e conceder e que, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito
e Sociedades Financeiras, não ocorre à luz de critérios de inoportunidade ou ponderações sobre os impactos
nas relações com chefes de Estado de outros países.
Mas refiro-me também às diligências que o Sr. Primeiro-Ministro ou o Ministro das Finanças encetaram junto
das instituições europeias, à revelia do Banco de Portugal, no processo BANIF e que poderão ter prejudicado a
venda do banco ou a limitação da capacidade de ação do regulador no exercício dos seus poderes próprios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 23 de novembro, o PSD, responsavelmente, dirigiu ao Sr.
Primeiro-Ministro um conjunto de perguntas muito concretas que ainda não foram respondidas.
Perguntámos, desde logo, se o Sr. Primeiro-Ministro contactou o Dr. Carlos Costa sobre a decisão de recusa
de reconhecimento da idoneidade a Isabel dos Santos pelo Banco de Portugal. O Sr. Primeiro-Ministro terá feito
um telefonema, que não negou ter feito, ao então Governador Carlos Costa. Qual era o objetivo desse
telefonema? Pretendia influenciar a decisão do regulador?
António Costa não poderia desconhecer que a sua interferência eventual era ilegal. O seu objetivo era ajudar
Isabel dos Santos? Mas, se o Sr. Primeiro-Ministro diz que não era, então porque é que ligou ao Governador?
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Estas dúvidas são legítimas, atendendo até ao facto de sabermos que, num outro momento, António Costa
ajudou mesmo a empresária angolana, com a aprovação de uma lei à medida, para lhe permitir trocar a sua
participação no BPI (Banco Português de Investimento) por um reforço no BCP (Banco Comercial Português)
— o Governo a interferir em interesses privados, usando também o poder legislativo, como o PSD denunciou,
em devido tempo.
Já sobre o BANIF, sabemos hoje duas coisas. Primeiro, que a carta de 14 de agosto de 2016, enviada por
António Costa às instituições europeias e as suas intervenções podem ter precipitado a queda do banco e
sabotado o processo de venda que estava em curso. O ex-Governador foi muito claro ao afirmar esta
possibilidade, o que pode ter conduzido a que António Costa tenha levado os contribuintes a terem de suportar
um custo de 3,3 mil milhões de euros com o BANIF.
Em segundo lugar, sabemos que o Sr. Primeiro-Ministro agiu com vista a ter ganhos partidários, criando uma
narrativa sobre o sistema financeiro para atacar os seus opositores, e essa ação não defendeu o interesse
nacional.
António Costa e Mário Centeno prepararam o caminho para entregar o BANIF ao Santander, num possível
negócio de favor. Essas ações poderão ter interessado ao Governo, aos interesses espanhóis, à DG Comp
(Direção-Geral da Concorrência), mas não aos portugueses, que foram chamados a pagar a conta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD é o único partido da oposição que tem o poder potestativo de requerer
uma comissão de inquérito, o instrumento de último recurso para escrutínio parlamentar, após e quando os
outros meios não bastam.
Desafiamos, primeiro, o Dr. António Costa a responder às nossas questões e que não se escude nas
muralhas do silêncio. O alto cargo que exerce e a responsabilidade que tem exigem-lhe que responda ao PSD
e aos contribuintes portugueses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Mariana Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se há coisa que entusiasma os
Deputados do Bloco de Esquerda, a mim em particular, é uma boa comissão de inquérito, mas, até agora, o
Chega não acertou em nenhuma. Não me entusiasma nenhuma comissão de inquérito que o Chega aqui propôs
e gostava de explicar porquê.
Acho que, quando a propõe, o Chega não está interessado no conteúdo nem na viabilidade desta comissão
de inquérito, o que quer é fazer o número da sua apresentação. Mas vamos ver este exemplo: é uma comissão
de inquérito exatamente sobre o quê? Sobre um telefonema entre duas entidades, acerca do qual existem duas
versões, impossíveis de comprovar, cada uma com a sua palavra; o Primeiro-Ministro não pode vir à comissão
de inquérito e responde por escrito; a comissão de inquérito torna-se um palco para o ex-Governador do Banco
de Portugal vir destilar a sua vendeta, depois de ser despeitado pelo País e, já agora, pouco reconhecido pelo
trabalho que fez.
Era para isto que serviria esta comissão de inquérito. Não teria nenhum conteúdo, iria apenas retirar a
credibilidade que a instituição ganhou ao longo do tempo, no passado.
Segundo ponto: comissão de inquérito ao BANIF já houve uma, Srs. Deputados, e aconselho a que vão ler
o relatório, porque houve Deputados que estiveram nessa comissão de inquérito e que encontraram factos nela
para dizerem que houve favorecimento ao Santander.
Não se vai fazer uma nova comissão de inquérito para repetir o trabalho que os Deputados já aqui tiveram e
com o qual, depois, concordaram ou não concordaram.
O Bloco de Esquerda, com base nessa comissão de inquérito, disse que houve favorecimento ao Santander.
Todos os documentos referidos por Carlos Costa, enquanto era Governador, estão no relatório da comissão
de inquérito. Repito: todos! Até aquela célebre carta que António Costa terá escrito à Comissão Europeia e ao
Banco Central Europeu (BCE) está e foi analisada na comissão de inquérito ao BANIF. O PSD refere-se a ela
e, aliás, até a elogia como uma boa iniciativa do Primeiro-Ministro, que só veio tarde.
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Por isso, não vamos reler os factos passados à luz do presente para inventar novos factos. Não existe matéria
de comissão de inquérito nesta proposta.
Agora, podem dizer-me outra coisa: será que a comissão de inquérito é sobre a proteção das autoridades
portuguesas ao regime angolano?
Srs. Deputados, é preciso uma comissão de inquérito para isso?!
Não sabemos todos como todos os partidos — ou quase todos os partidos —, os Governos e o Banco de
Portugal protegeram o regime angolano?
Não sabemos como o PSD vendeu o BPN (Banco Português de Negócios) ao BIC e que o Ministro Miguel
Relvas dizia «Angola tem hoje uma classe empresarial que prestigia o País e há um conjunto de empresários
portugueses que estão a construir uma nova realidade em Angola»?
Não tivemos José Sócrates, em Angola, a dar uma palavra de confiança ao trabalho que o Governo angolano
tinha feito, em 2006?
Não tivemos Rui Machete, que era ministro do Governo do PSD, a pedir desculpa ao Vice-Presidente
angolano que hoje está envolvido num caso de corrupção em Portugal, por se ter envolvido em casos de justiça
cá?
Não tivemos Cavaco Silva a fazer elogios ao regime angolano?
Não tivemos Paulo Portas a mudar a sua posição, a fazer elogios ao regime angolano, para depois trabalhar
com a Mota-Engil nos seus negócios em Angola?
Não tivemos uma representação bastante vasta no Congresso do MPLA (Movimento Popular de Libertação
de Angola), com Teresa Leal Coelho, do PSD, Marco António Costa, Ana Catarina Mendes, o Presidente do
Partido Socialista Carlos César?
Srs. Deputados, Isabel dos Santos não começou a roubar o povo angolano em 2020. Toda a gente sabia a
natureza da oligarquia angolana e toda a gente preferiu olhar para o lado.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não, não!
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Toda a gente, incluindo o Banco de Portugal.
Portanto, Srs. Deputados, se querem fazer uma comissão de inquérito, deixo aqui uma sugestão: faça-se
uma comissão de inquérito à forma como a elite angolana lavou o seu dinheiro em Portugal com a ajuda dos
Governos e do Banco de Portugal, desde logo no BIC.
O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de concluir.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.
Como é que o BIC entra em Portugal? Como é que aumenta o capital de Isabel dos Santos em 2014? Como
é que o BNI (Banco de Negócios Internacional), de Angola, entra em Portugal, com o construtor José Guilherme
e com Mário Palhares, do Banco Nacional de Angola? Como é que o BPA (Banco Português do Atlântico) entra
em Portugal, com acionistas como Manuel Vicente?
Aí teremos uma comissão de inquérito. Deixo esta sugestão a quem a quiser tomar como boa.
Aplausos do BE.
O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Proponha!
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Chega traz-nos, pela segunda vez
neste mês, a proposta de uma comissão de inquérito. Mais parece que querem começar uma nova tradição,
desta vez parlamentar,…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Chama-se trabalho!
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … em que, de facto, vêm aqui banalizar comissões quando,
efetivamente, como já foi referido, já houve uma comissão parlamentar, precisamente em 2016, na altura em
que o Sr. Deputado André Ventura andava para os lados do PSD.
Falamos de oito meses de trabalho, em que os factos não só foram trazidos a esta comissão de inquérito
como, também, na altura, Carlos Costa foi ouvido e não se queixou daquilo que agora vem dizer.
Mas que fique aqui claro que há questões que nos preocupam de sobremaneira. É por isso que o PAN fez
aprovar, nesta Assembleia da República, o novo modelo de nomeação do Conselho de Administração do Banco
de Portugal, precisamente para evitar ingerências políticas.
Não nos podemos esquecer de que o BANIF é um calote que, só neste ano, custou aos cofres públicos 178
milhões de euros.
Mas estão a banalizar as comissões de inquérito quando, neste momento, o trabalho que há a fazer — se
houver —, face a todos os factos que são públicos, caberá à justiça e ao Ministério Público que devem fazer o
seu trabalho e o escrutínio, porque esta Assembleia já o fez. A não ser que também queiram dar nota dos factos
trazidos a público, recentemente, pela comunicação social, até para os lados de outras bancadas políticas,
relativamente ao envolvimento no caso do BANIF, mas nisso os Srs. Deputados não falam.
Portanto, das duas, uma: ou estamos aqui perante uma nova factualidade e perante um caso que possa
tratar de forma séria não só os problemas, que até já foram referidos, da elite angolana e daquilo que foi, de
facto, a lavagem de dinheiro no nosso País ou, então, estão a banalizar as comissões de inquérito, mais uma
vez.
Desculpem, mas o PAN não dá para esse peditório. É que há trabalho a sério a ser feito e não é por este
caminho.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiquei à espera de que o proponente desta
comissão de inquérito fizesse a sua defesa da tribuna para perceber se as condições de relevância do tema,
aquilo que podemos vir a aprender com uma comissão de inquérito, o prestígio desta instituição e a seriedade
dessa comissão de inquérito estavam preenchidas ou não.
O proponente começou por dizer que se tratava de factos graves, no presente, mas a seguir disse que terão
acontecido…
O Sr. André Ventura (CH): — Pode ter acontecido!
O Sr. Rui Tavares (L): — … e a seguir disse, ainda, que António Costa não hesitou em violar os seus deveres
de respeitar a autonomia e a independência do Banco de Portugal. Ou seja, pode ter acontecido, pode não ter
acontecido, mas uma coisa é certa…
O Sr. André Ventura (CH): — Por isso é que é um inquérito!
O Sr. Rui Tavares (L): — Peço desculpa, mas eu acredito em quem? Na defesa de uma comissão de
inquérito que consiga, da primeira à última frase, manter a mesma história e o Sr. Deputado tem uma dificuldade
congénita em conseguir manter a mesma linha argumentativa e a mesma história do princípio até ao fim.
«É muito grave, se tiver acontecido, não hesitou»… Ó Sr. Deputado, antes de propor comissões de inquérito
que esta Assembleia possa endossar, faça uma comissão de inquérito consigo mesmo e escolha uma narrativa
— escolha uma! — e, depois, venha cá propor.
Aplausos de Deputados do PS.
Risos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.
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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A submissão do poder político ao poder
económico, especialmente no setor bancário, tem sido a prática de sucessivos Governos e representa uma
perversão da Constituição da República Portuguesa, que, desde há muito, o PCP vem denunciando e
combatendo.
O partido Chega apresenta um novo pedido de comissão de inquérito…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … acerca da atuação do Governo em dois pilares: a venda do BPN ao BIC
Angola e a venda do BANIF ao Santander.
Sobre a primeira, os trabalhos da Assembleia da República, inclusivamente o de duas comissões de
inquérito, comprovam inteiramente a justeza da proposta do PCP: a única forma de salvaguardar o interesse
público teria sido a nacionalização de todo o grupo BPN…
O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — … e não a sua venda ao desbarato ao BIC Angola por 40 milhões de euros,
depois de o Estado já ter gastado, na altura, 4900 milhões de euros, opção que veio a ser tomada por imposição
da troica e aceite de bom grado pelo Governo de Passos e Portas, PSD/CDS, e que, se não nos falha a memória,
era, na altura, apoiado pelo, hoje, Deputado André Ventura.
Sobre a segunda parte, a resposta também já foi dada: o PCP denunciou desde o primeiro momento que a
resolução do BANIF e a sua entrega a custo zero ao Santander constituía uma resolução à medida e que
comprova — tal como o trabalho que o PCP realizou, na altura, na comissão de inquérito — que foi uma
resolução de um banco provocada, em concertação, pelo Governo e por empresas controladas parcialmente
pelo Santander — na época, a TVI —, para entregar um banco limpo ao Santander.
Essa resolução e a entrega do BANIF ao Santander cumpriu as imposições da Comissão Europeia, que o
PCP também nessa altura denunciou e que visavam, no essencial, reorganizar o tecido bancário português e
contribuir para a criação de megabancos europeus.
Recordamos, aliás, que contra todos os factos, o Governador do Banco de Portugal, à altura, Carlos Costa,
sempre defendeu o negócio e negou a mais do que evidente interferência da Comissão Europeia e do Governo
português, pelo que ter mentido na Comissão de Inquérito não apenas demonstra o papel a que sempre se
prestou, em nome dos interesses do sistema financeiro, como comprova as conclusões que o PCP propôs e
que demonstram que a resolução do BANIF foi realizada de acordo com orientação da Comissão Europeia, do
Governo e com os desejos de Santander.
O instrumento da comissão de inquérito não serve propriamente para escamotear as quezílias lançadas por
um ex-governador que, na altura certa, nada disse.
Ao contrário do Chega, o PCP denuncia a podridão do sistema financeiro, a submissão do interesse público
aos interesses privados do capital bancário, o papel da União Europeia, do BCE, de sucessivos Governos e do
Banco de Portugal nos milhões que os portugueses já colocaram na limpeza de bancos privados em que os
prejuízos foram públicos, mas os lucros agora são privados.
O Sr. João Dias (PCP): — São privados!
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Já que os portugueses pagaram a conta da limpeza ao menos o País deveria
ter ficado com o controlo público dos bancos intervencionados, colocando-os ao serviço da economia nacional
em vez de serem entregues ao capital estrangeiro.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a Mesa regista uma inscrição para um pedido de esclarecimentos.
Manifestamente o Sr. Deputado não tem tempo para responder, pelo que pergunto ao Sr. Deputado André
Ventura se mantém a intenção de pedir esclarecimentos.
O Sr. André Ventura (CH): — Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: — Assim sendo, tem a palavra.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, sei que não tem tempo para
responder, pelo que terei isso em conta, no entanto, há aqui algo de extraordinário: parece que toda a esquerda
se quer unir para proteger António Costa.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
O Sr. André Ventura (CH): — É que a narrativa, do Livre ao Bloco de Esquerda, é a da diabolização de
Carlos Costa com um único objetivo: proteger António Costa.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!
O Sr. André Ventura (CH): — É dizer, «mas o que é que ele poderá vir cá dizer agora, se ele é um mau
diabo e nós não queremos ouvi-lo?».
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ele não vem!
O Sr. André Ventura (CH): — A Deputada Mariana Mortágua diz que até já temos o telefonema.
Ó Sr.ª Deputada, se lá estivesse o telefonema…
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ele não vem! Não minta!
O Sr. André Ventura (CH): — Estou a falar de Carlos Costa e não de António Costa, vamos ver se nos
entendemos.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — É pólvora seca!
O Sr. André Ventura (CH): — Se lá estivesse essa chamada com este conteúdo, Sr.ª Deputada, certamente
que não tinha dado o que deu no País, porque as pessoas perguntavam-se se fazer uma chamada é o mesmo
que ligar a dizer «olha, protege aí a filha do meu amigo». Isto é muito diferente.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ele não vem à comissão de inquérito e o senhor sabe!!
O Sr. André Ventura (CH): — Por isso, Sr.ª Deputada, temos de ouvir Carlos Costa…
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Outra vez?!
O Sr. André Ventura (CH): — … e o que vemos, do Livre ao Bloco de Esquerda, passando pela sua
intervenção, Sr. Deputado Duarte Alves, no meio dos proletários e dos banqueiros, é tudo misturado com um
objetivo: proteger António Costa.
Aplausos do CH.
Sim, Sr.ª Deputada, ele ia responder por escrito, mas ia responder. Mas agora não responde a nada e, se
ficarmos à espera das respostas ao PSD, vamos esperar até depois do Natal do próximo ano.
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Carlos Costa certamente que viria falar. Mário Centeno, se calhar, tinha alguma coisa a dizer e, se calhar,
muitos outros que os senhores não querem ouvir! E sabem porque é que não querem ouvir? Porque querem,
repito, proteger António Costa até ao fim…
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — … e porque sabem bem que ele é a vossa salvaguarda. Isto porque no dia
em que o vosso Primeiro-Ministro sair é a direita que vai tomar conta deste País. Porque os senhores, mesmo
com todas as evidências publicadas na comunicação social — «Ex-Governador do Banco de Portugal acusa
António Costa», «Confirmo que António Costa me comunicou que não se podia tratar mal Isabel dos Santos»,
«António Costa pressiona Carlos Costa» —, e poderiam sair milhares de páginas feitas pelos portugueses todos
os dias, teriam sempre o mesmo objetivo: proteger António Costa!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Deputado do PSD Hugo Carneiro…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado André Ventura, estava a fazer um pedido de esclarecimento ao Sr.
Deputado Duarte Alves.
O Sr. André Ventura (CH): — Eu sei, mas como o Sr. Deputado Hugo Carneiro tem tempo para responder,
se quiser…
Ouvi o PSD dizer que foi muito grave tudo aquilo que aconteceu. Pergunto-lhe: até quando vamos ficar à
espera das respostas do Sr. Primeiro-Ministro? É que, Sr. Deputado, estar agora a votar contra e, daqui a três
meses, o PSD vir propor uma comissão de inquérito — já em relação ao referendo vimos o que é que deu! —
dá mau resultado.
Aplausos do CH.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem agora a palavra o
Sr. Deputado Carlos Pereira.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por deixar de lado toda a
inconsistência do objeto desta comissão de inquérito que julgo que foi amplamente justificada por alguns
Deputados que falaram antes de mim.
O Sr. André Ventura (CH): — Vossos amigos!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Assim, gostaria de começar por dizer, utilizando — e o Sr. Deputado André
Ventura compreenderá — uma gíria futebolística que julgo que lhe é familiar e não levará a mal, que o Chega
se transformou numa espécie de apanha-bolas da política portuguesa.
Protestos do CH.
E apanha-bolas porquê? Porque há um problema de reembolsos na TAP (Transportes Aéreos Portugueses)
e o Chega pede uma audição; há um problema relacionado com o aeroporto que aparece nas notícias e o Chega
pede um debate urgente;…
O Sr. André Ventura (CH): — É trabalho, Sr. Deputado!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — … há um problema com um assunto qualquer e o Chega lembra-se de um
qualquer assunto, de um qualquer artifício regimental para pedir alguma coisa.
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O Sr. Filipe Melo (CH): — Fiscalizar é isto!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Não cria nada, não discute nada, não debate nada, quer, de alguma forma,
surfar estas matérias e quer apanhar bolas, mas algumas bolas sem ar dentro, como o Sr. Deputado André
Ventura já está a perceber.
Ora, o Chega, neste caso, propõe uma comissão de inquérito baseada num livro que é um livro de pequenas
vinganças do ex-Governador do Banco de Portugal e, sendo um livro de pequenas vinganças do Sr. ex-
Governador, percebe-se que não se baseia em factos, baseia-se em suposições.
O Sr. André Ventura (CH): — Não, não!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Nenhum daqueles factos foi confirmado.
Aliás, gostaria de lembrar que aqueles que comentaram este mesmo livro vieram negar aquilo que disse o
Sr. ex-Governador. Estou a lembrar-me, por exemplo, do Sr. Dr. Lobo Xavier, administrador do BPI, que veio
dizer que nada daquilo era verdade; do Dr. António Nogueira Leite, que também veio dizer que nada disto era
verdade, e de Santana Lopes — todos perigosos socialistas — que também veio dizer que isto não fazia nenhum
sentido.
Lembro, até, Fernando Teles, que era administrador do BIC, e também, já agora, o Sr. Presidente da
República…
Vozes do CH: — Ah…!!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — … que, basicamente, garante que a posição do Governo foi sempre a favor da
aplicação da lei e do afastamento da empresária angolana Isabel dos Santos da administração do BPI.
Ou seja, o objeto desta comissão de inquérito é ele próprio uma contradição, porque quem afasta Isabel dos
Santos do BPI é, precisamente, António Costa com uma lei que foi aprovada aqui, como o Sr. Deputado André
Ventura sabe.
Portanto, parece-me evidente que aquilo que o Sr. Deputado traz cá, e permita-me dizer-lhe, é um molho de
brócolos sem nenhuma consistência.
O Sr. Hugo Pires (PS): — Muito bem!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Mas, mais, permita-me ler aquilo que disse Fernando Teles, que era
administrador do BIC, em 2016, que diz basicamente que «a partir do momento em que não houve acordo final
das negociações, o Governo português de forma unilateral decidiu ’desblindar‘ os estatutos para a banca toda,
mas a lei é dirigida para a venda do BPI».
Portanto, revela aquilo que me parece óbvio, ou seja, que o que estava a fazer o Sr. Primeiro-Ministro na
altura — e também o Partido Socialista e o Governo — era, de facto, afastar Isabel dos Santos, ao contrário
daquilo que diz o ex-Governador.
Um outro tema que o Sr. Deputado André Ventura quer trazer cá é o do BANIF e sua resolução e eu fiquei
— devo dizer-lhe — deveras surpreendido com a solenidade com que o Deputado Hugo Carneiro subiu à tribuna
para explicar a posição do PSD. Compreendo que o Sr. Deputado Hugo Carneiro não tenha participado na
comissão de inquérito ao BANIF, mas tenho aqui comigo todas as conclusões, e já são muitas, que tiveram,
aliás, a abstenção do CDS que fazia parte, como sabe, do seu Governo, PSD/CDS.
Ora, estas conclusões são muito claras e são basicamente três: a primeira é que a responsabilidade de tudo
o que se passou na altura — e diga-se, em abono da verdade, que foi muito grave…
Lembro-me bem de que, quando o Partido Socialista assumiu o Governo, a narrativa do PSD era «cuidado,
não estraguem, não estraguem que isto está tudo bem feito». Mas, quando fomos ver, já estava tudo estragado,
porque quando o ex-ministro Mário Centeno se reuniu a 26 de novembro com a Ministra das Finanças anterior,
do PSD, ela transmitiu-lhe que, até ao fim do ano, o BANIF tinha dois cenários possíveis: ou era resolvido ou
era liquidado. E se fosse liquidado estragava mesmo tudo, Sr. Deputado Hugo Carneiro, porque eram
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economias, nomeadamente as economias regionais, Madeira e Açores, que, coitadas, iam sofrer imenso com
aquela decisão.
Assim, ficou a saber-se, nesta comissão de inquérito, que o seu Governo, do PSD, que geria o País naquela
altura, ignorou sistematicamente as soluções que foram surgindo, ao longo do ano de 2015. Ignorou
olimpicamente essas soluções, que as havia, desde transformá-lo num banco mais pequeno, salvaguardando o
banco e as economias regionais, mas, pura e simplesmente, chegou-se a 26 de novembro e não havia mais
saída.
O Governo teve 10 dias, repito, 10 dias, Sr. Deputado, em que fez sair duas cartas: ou o banco era liquidado
ou o banco era resolvido. Foram 10 dias, Sr. Deputado e foi essa irresponsabilidade e essa incompetência do
seu Governo que permitiu que chegasse aqui….
Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Acho inacreditável que tenha o desplante de subir à tribuna para dizer que
ainda vão avaliar o que fazer se o Sr. Primeiro-Ministro não responder.
Aplausos do PS.
Nós devíamos era voltar a falar com o PSD para explicar como é que isto voltou a acontecer…
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Termino, Sr. Presidente.
A verdade é que as conclusões deste relatório estão no Ministério Público, Sr. Deputado André Ventura,
foram enviadas para o Ministério Público e elas são muito claras: parece-me que é evidente que há uma
responsabilidade muito grande do ex-Governador Carlos Costa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Para ima intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Carneiro, do PSD.
O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram lançadas aqui algumas questões e
foram feitos alguns comentários que não gostaria que passassem em branco.
Aquilo que constato é, de facto, o subir de tom do Sr. Deputado Carlos Pereira e o incómodo que é o PSD
querer ver as suas questões esclarecidas. E só posso dizer uma coisa: fizemos uma pergunta ao Sr. Primeiro-
Ministro, a pergunta 900, o que revela ser um comportamento institucional e responsável do PSD na gestão
deste tema.
Não entramos no mercado das comissões de inquérito, não é assim que o PSD funciona. Temos de tomar
decisões ponderadas, sérias, e que respeitem as instituições.
Portanto, aquilo que esperamos é que o Sr. Primeiro-Ministro também respeite a instituição do Parlamento e
tenha, em cumprimento do Estatuto do Direito de Oposição, a oportunidade de responder às perguntas muito
objetivas e concretas que colocámos. Porque, se não o fizer, então, também somos livres de julgar a ausência
de respostas e dos factos que importaria conhecer.
Quero informar também — e para terminar — o Sr. Deputado André Ventura que o PSD, como eu disse, é
um partido responsável, um partido institucional. E deixe-me informá-lo de uma coisa que talvez desconheça: é
que, se o PSD vier a tomar uma decisão dessa natureza no futuro, é um direito potestativo que tem. Não depende
do Chega, nem de outro partido, para tomar essa decisão.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.
A Sr.ª Presidente: — Peço que conclua, Sr. Deputado.
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O Sr. Hugo Carneiro (PSD): — Vou terminar, Sr.ª Presidente.
Ponderaremos aquilo que entendermos em função das respostas que recebermos.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para proceder ao encerramento deste debate, tem a palavra o Sr.
Deputado André Ventura, do Chega.
O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Uma maioria absoluta devia exigir mais
escrutínio, mais investigação, um confronto dos poderes abusivos. Depois do debate que tivemos, perguntamo-
nos: onde é que está esse espírito e esse poder?
O Deputado do PS referiu-se ao «apanha-bolas» que é o Chega, que vai a todos os casos, à TAP, à
corrupção nas instituições, ao mercado financeiro, a todos os casos que surgem, todos os dias, perante os olhos
dos portugueses. Sei que não estava habituado, Sr. Deputado, mas isso chama-se uma coisa: trabalho
parlamentar. E é isso que o Chega faz todos os dias nesta Casa!
Aplausos do CH.
Risos do Deputado do PS Carlos Pereira.
A esquerda, como sempre, trouxe o argumento habitual: «são demasiadas comissões de inquérito», «à
Justiça o que é da Justiça», «está no Ministério Público», «são casos da espuma dos dias, que não interessa
trabalhar.»
O Sr. Duarte Alves (PCP): — Mas quem disse isso?
O Sr. André Ventura (CH): — Tudo serve, repito, tudo serve absolutamente, para proteger António Costa, o
líder desta maioria de esquerda que vai do PS ao Bloco de Esquerda, que não para de fazer parte dessa mesma
liderança.
Todos — todos! — se protegem, dizendo que não havia nada para acrescentar, sabendo bem o medo que
têm de ouvir Carlos Costa e outros sobre estes factos, neste Parlamento.
Na verdade, Sr. Deputado, se está tudo tão bem, se Marcelo Rebelo de Sousa diz que está tudo bem, se
Lobo Xavier diz que está tudo bem, se Fernando Teles diz que está tudo bem, as perguntas que os portugueses
farão hoje são: «Qual é o medo de investigar? Qual é o medo de investigar, se está tudo bem? Qual é o medo
de investigar a verdade?»
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
O Sr. André Ventura (CH): — Do PSD, esperava-se muito mais. Enviar, apenas, perguntas ao Primeiro-
Ministro e ficar à espera de que ele diga se confirma ou não as declarações que fez e se fez o tal telefonema
parece uma tentativa dilatória de nada investigar e de continuar a proteger António Costa.
O Sr. Carlos Pereira (PS): — Uma vergonha, realmente!
O Sr. André Ventura (CH): — Afinal, quais são as razões que levam o PSD a ter medo de constituir uma
comissão de inquérito nesta altura, quando os portugueses querem saber a verdade sobre esta matéria? Será
tanto o receio de ser uma proposta do Chega e de ter sido o Chega a dar este passo que vos faz recuar? É o
medo que venham dizer que foi uma proposta do Chega a ser apresentada nesta Casa? A verdade devia estar
em primeiro lugar.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!
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O Sr. André Ventura (CH): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Na próxima sexta-feira, este Parlamento vai
dar mais uma prova da sua incapacidade de investigar António Costa e o Governo socialista.
Este caso tinha tudo — mas mesmo tudo! — para ser investigado por este Parlamento. Tinha declarações
autênticas de um antigo responsável, uma carta do Primeiro-Ministro para Bruxelas, as relações há muito
denunciadas e comprometidas do poder político com Isabel dos Santos, o Luanda leaks e todos os documentos
que lá constam sobre esta situação.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. André Ventura (CH): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.
Tínhamos tudo — até tínhamos o apoio do povo português —, se não virássemos a cara apenas para
proteger António Costa.
Havia um jornalista brasileiro que dizia que, numa investigação, quem esconde transparência já entra como
culpado. Hoje, todo o Parlamento entrará como culpado para proteger António Costa.
Aplausos, de pé, do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Vamos passar ao ponto 3 da nossa ordem do dia, a apreciação da
Petição n.º 177/XIV/2.ª (APAR — Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso) — Aprovação de um perdão de
penas generalizado e de uma amnistia para pequenos delitos, a que se junta o Projeto de Resolução n.º
306/XV/1.ª (L) — Recomenda a avaliação da implementação de princípios de justiça restaurativa para mediação
penal. Para apresentar o projeto de resolução mencionado, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são de saudação
para os peticionários.
Portugal tem, na mediação penal, um meio de resolução alternativa de litígios que usa pouco, ao contrário
de outros países europeus. Há pouca tradição nesta área, sendo esta uma hipótese até desconhecida da maioria
das pessoas, incluindo dos magistrados.
No entanto, trata-se de uma hipótese que configura uma forma, por vezes, mais eficaz de proteção e de
intervenção das vítimas no processo e na qual o agente pode fazer um caminho para a reabilitação e
reintegração social desde o início do processo.
Não se trata, provavelmente, da via principal de fazer justiça, mas trata-se de uma alternativa a um sistema
que, hoje em dia, se apresenta demasiadas vezes como meramente punitivo, centrado no encarceramento que,
aliás, se encontra sobrelotado e sem condições de habitabilidade.
Não nos podemos esquecer que, recentemente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos voltou a condenar
Portugal por condições degradantes de habitabilidade nos estabelecimentos prisionais.
Nesse sentido, propomos, por um lado, que seja estudada a possibilidade de alargamento da aplicabilidade
do sistema de mediação penal a outros crimes, além daqueles a que normalmente já pode ser aplicado, e, por
outro lado, que haja uma campanha de sensibilização para o público em geral sobre a existência da mediação
penal e acerca das formas e metodologias para acionar essa mediação penal nos modelos já existentes.
Naturalmente, recomendamos também que o sistema judicial e penal seja dotado dos meios humanos,
técnicos e materiais necessários à implementação cabal da justiça restaurativa em Portugal.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cristiana Ferreira,
do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Cristiana Ferreira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD
congratula-se quando os cidadãos exercem o direito de petição, um direito universal constitucionalmente
previsto. Assim, começo por saudar os 21 482 subscritores da petição que é, hoje, objeto de debate, da iniciativa
da APAR — Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso.
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Quanto à iniciativa peticionária não podemos deixar de registar a oportunidade para promover, na Assembleia
da República, o debate e a reflexão sobre a matéria do perdão de penas generalizado e de uma amnistia para
pequenos delitos.
Permitam-me apenas duas observações com relevância do ponto de vista legislativo: a primeira é que a
última lei de perdão genérico e amnistia de pequenos delitos ocorreu em 1999; a segunda é relativa à Lei
n.º 9/2020, de 10 de abril, que contemplou um conjunto de medidas excecionais tendentes a diminuir a
população prisional, no âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela covid-19.
Sr.as e Srs. Deputados, sabendo nós que a amnistia e o perdão genérico de penas são causas de extinção
da responsabilidade criminal, sendo que a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido
condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos e que o perdão genérico extingue a pena, no
todo ou em parte, cabendo, de facto, esta matéria à Assembleia da República, não podemos deixar de nos sentir
convocados a refletir sobre estas questões.
No entanto, e no que concerne ao conteúdo da petição, ao seu objeto bem como às suas preocupações e
reivindicações, não podemos ignorar uma questão prévia que esta petição e outras iniciativas idênticas
encerram, e que é absolutamente essencial para o debate, que são as questões que se prendem com o sistema
prisional.
Creio, por isso, da mais elementar justiça fazer alusão a todo o trabalho e acompanhamento desenvolvidos,
nomeadamente pelo PSD, de constante fiscalização e escrutínio, na Subcomissão para a Reinserção Social e
Assuntos Prisionais.
Sobre as inúmeras deficiências do nosso sistema prisional — algumas, de facto, atentatórias da dignidade
da pessoa reclusa —, veja-se o que consta do relatório sobre a atividade do Provedor de Justiça enquanto
Mecanismo Nacional de Prevenção, no âmbito do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes.
Este relatório, que retrata e apresenta as visitas efetuadas a locais de detenção, designadamente a
estabelecimentos prisionais, alerta para a necessidade de cumprimento dos padrões de alojamento
estabelecidos pelo Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa, tanto para garantir «um
tratamento condigno às pessoas reclusas, como para evitar novas condenações do Estado português, em
instâncias nacionais e internacionais», o que não pode deixar de merecer o nosso repúdio. O PSD não ignora,
portanto, esta problemática.
Mas, noutra ordem de razões, refira-se que a história também demonstra que apenas momentos especiais
ou circunstâncias absolutamente excecionais determinaram medidas desta natureza, o que não invalida, claro
está, uma reflexão serena e muito cautelosa do poder político e legislativo sobre estas matérias quando não
comprometam a segurança e a proteção jurídica dos nossos concidadãos.
Por fim, faço uma brevíssima nota sobre o projeto de resolução do Livre que recomenda a avaliação da
implementação de princípios de justiça restaurativa para a mediação penal. É que, pese embora a referência
comum à petição sobre a falta de condições adequadas do sistema prisional, quanto ao mais a matéria é
totalmente distinta, no nosso entendimento.
A mediação penal existe desde 2007 e essa medida pode ser avaliada, bem como a sua implementação.
Porém, a possibilidade de aplicação dos princípios da justiça restaurativa leva-nos para outra ponderação não
compaginável, talvez, com esta discussão.
Aqui chegados, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD saúda novamente a iniciativa dos peticionários, cujas
preocupações não deixarão de merecer, antes de mais e acima de tudo, um debate interno e alargado e a nossa
melhor atenção.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz,
do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.
A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O direito penal português
contemporâneo não tem apenas uma função repressiva ou punitiva, uma vez que este tipo de conceções são,
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hoje, pouco humanistas e já estão datadas no tempo e na história. O sistema penal atual tem uma visão de
reinserção e de reintegração social de todos aqueles que são condenados no âmbito de um processo-crime.
Contudo, se, na teoria, uma das principais finalidades das penas é a reintegração dos reclusos e dos
condenados, podemos afirmar que, na prática, não é isso que acontece. E não acontece porque faltam recursos
humanos, materiais e financeiros ao nosso sistema prisional.
Existe, no nosso sistema prisional, um défice claro de técnicos de reinserção social, que muitas vezes lidam,
simultaneamente, com centenas de reclusos. Existe também um parque penitenciário desajustado e antiquado,
que não se coaduna com uma visão do direito penal que privilegia a prevenção especial, mas também a
reintegração social e profissional dos reclusos.
Para nós, é claro que o Governo tem de mudar urgentemente a sua estratégia de gestão dos
estabelecimentos prisionais e deve perceber que é lá que se deve começar realmente a promover a reinserção
social.
Srs. Deputados, não podemos punir retirando a dignidade, e não existe dignidade quando permitimos que
reclusos mantenham condições de vida que são muito abaixo de precárias. Dito isto, o que nos preocupa é que
este Partido Socialista e este Governo não estão a mudar este panorama.
O tão prometido e aclamado encerramento — e isto é uma falta de planeamento deste Governo socialista —
do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) ainda agora vai começar a sair do papel e já se estima que o
processo de transição de reclusos para outros estabelecimentos prisionais venha pressionar ainda mais estes
últimos, que se encontram igualmente em condições desumanas e degradantes.
Dado este panorama, estamos naturalmente disponíveis para discutir as vantagens e desvantagens de uma
lei de perdão de penas, que analise devidamente as experiências passadas num debate sério e objetivo e que,
acima de tudo, seja benéfica não só para o sistema penitenciário, que solucione os seus problemas, mas
também para o País como um todo.
Contudo, estamos principalmente disponíveis para discutir reformas profundas e estruturais do nosso sistema
penitenciário, que passem por privilegiar métodos de resolução alternativa de litígios em matéria penal em casos
restritos e limitados.
Aplausos da IL.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera, do
Grupo Parlamentar do PCP.
A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As nossas primeiras palavras acerca
desta petição são para saudar a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, a promotora, pela sua ação em
defesa dos cidadãos que estão privados de liberdade.
Lutar pelos direitos fundamentais destes cidadãos, exigir o respeito pela sua dignidade e condições prisionais
que não façam das prisões um mero depósito de presos, mas que sirvam a reinserção social, são objetivos que
saudamos. A proposta que a petição encerra é justificada pela acrescida penosidade do cumprimento das penas
em Portugal devido às más condições do sistema prisional e à elevada taxa de reclusão praticada no nosso
País. Estes problemas são reais e devem ser considerados no âmbito das políticas de justiça.
No PCP, estamos muito preocupados com isto e, por isso, apresentámos um requerimento para a realização
de um conjunto de audições destinadas a debater os problemas do sistema prisional, da reinserção social, de
quem o faz e de quem nele trabalha, das pessoas a quem é destinado e, sobretudo, para a discussão de medidas
capazes de os resolver — requerimentos que, a propósito, foram aprovados por unanimidade.
Vejamos que é preciso que haja condições para que as penas ou medidas preventivas de privação de
liberdade sejam substituídas por medidas alternativas que tenham condições de segurança.
Infelizmente, o número de profissionais afetos à vigilância eletrónica fica muito aquém do que seria
necessário para que essa medida fosse mais generalizada. É um número aquém para as necessidades que já
existem e será muito mais se não se valorizar a carreira destes técnicos e o mesmo se pode dizer relativamente
aos técnicos superiores de reinserção ou aos guardas prisionais.
As deficientes condições do sistema prisional são uma realidade e o plano de reabilitação continua a marcar
passo. Veja-se o EPL, veja-se o caso de Ponta Delgada e outros problemas gravíssimos de prisões que estão
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em vias de resolução. A falta de meios dos tribunais de execução de penas e dos mecanismos de reinserção
social é um problema que não podemos, também, ignorar.
Contudo, a questão que se levanta é a de saber se a resolução desses problemas passa pela adoção de
medidas de clemência. Na verdade, são questões diferentes. Eventuais medidas de clemência podem justificar-
se por razões humanitárias e o PCP nunca se negou a considerar a sua aplicação desde que exista um consenso
social e político relativamente à sua aceitação. Mas não devem ser adotadas para resolver os problemas do
sistema prisional que o Governo tem o dever de resolver e não resolve.
Sobre as medidas que o Livre propõe, de justiça restaurativa, nada temos a opor. Admitimos, no entanto,
que estas medidas sejam de difícil exequibilidade, por implicarem uma adesão voluntária do destinatário, que
pode ser difícil de obter, mas, naturalmente, não nos opomos a que se possa recomendar.
Em suma, se quisermos atingir os objetivos ressocializadores e progressistas da nossa lei penal, precisamos
de meios para o fazer. Não é compatível um sistema prisional depauperado, de trabalhadores maltratados, com
objetivos humanistas de respeito pelos direitos fundamentais dos reclusos. São coisas que são incompatíveis e
temos de avançar nesta matéria.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real, do PAN.
A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, aproveito não só para cumprimentar
a Câmara, mas também para dizer que é raro vermos um desequilíbrio de género, neste caso, no feminino e,
portanto, não deixo de salientar este momento inédito na Assembleia da República em que cinco mulheres estão
sentadas na Mesa, o que, de alguma forma, assinala um avanço no nosso País.
Saúdo os mais de 21 000 peticionários, que nos trazem a debate um assunto da maior relevância.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tem havido reiteradas condenações, pelo Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos, por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nomeadamente por tratamentos
desumanos ou degradantes em estabelecimentos prisionais portugueses. Uma das situações descritas, entre
várias, é a sobrelotação, que é um problema grave que é, inclusivamente, reconhecido pela Sr.ª Provedora de
Justiça.
A população prisional tem vindo a aumentar, falamos já de 13 000 reclusos. São 13 000 pessoas que, após
o cumprimento da sua pena, não encontram programas de reintegração que, de alguma forma, deem
cumprimento a um dos princípios da própria pena no nosso País. O que acaba por acontecer é, em regra, a
reincidência, pondo, assim, em causa este princípio.
O Observatório Europeu das Prisões, da União Europeia, já concluiu que as regras penitenciárias definidas
pelo Conselho da Europa são, na prática, ignoradas. Veja-se o caso do Estabelecimento Prisional de Lisboa que
já foi alvo de várias denúncias de organismos internacionais e que está para ser encerrado, pelo menos, desde
2017, mas que continuará aberto até, pelo menos, 2026.
Pelos vistos, alguns direitos humanos podem esperar, mas não é essa a nossa visão para o País nem para
a reintegração das penas, pelo que acompanharemos, também, a proposta que o Livre traz hoje a debate.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Santos,
do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não estou certa de que todos
tenhamos a noção de quão disruptivo e inovador é o assunto que tratamos neste tímido último ponto da ordem
do dia de hoje.
Nem a petição da iniciativa da APAR, nem o projeto de resolução do Livre são sobre como tornar melhor ou
menos má a pena de prisão. Tanto a petição como o projeto de resolução sugerem como acabar com a pena
de prisão ou diminuir o recurso à mesma. Portanto, somos confrontados com um assunto que constitui uma
verdadeira revolução, uma revolução copernicana, na forma como lidamos com o crime.
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Aquilo que quero dizer é que tanto uma proposta de justiça restaurativa, como práticas de mediação penal
nos confrontam com a exigência de refletirmos sobre a necessidade de mantermos a prisão como pena principal
ou sobre a possibilidade de encararmos alternativas a essa pena de prisão que, aliás, existem hoje em muitos
países do mundo.
Esta reflexão só faz sentido quando compreendemos que a prisão como pena não é uma inevitabilidade nem
é uma «vaca sagrada». A prisão como pena principal só apareceu no início do século XIX, sendo que, até lá,
existiam outras penas, como o garrote, o pregão e o baraço, a amputação de membros — coisas bastante piores
do que a prisão.
Há muita gente que tem a esperança de que, no 3.º milénio, surjam soluções para o crime melhores do que
a pena de prisão. A justiça restaurativa é precisamente sobre isso.
Só compreendemos o que é a justiça restaurativa, de que fala o projeto de resolução do Livre, se recuarmos
um pouco até aos anos 60 do século passado, quando abolicionistas e vitimólogos se encontraram num
casamento improvável, uma espécie de Eduardo e Mônica, dos Legião Urbana — aqueles que gostam da música
dos Legião Urbana saberão o que estou a dizer.
Os abolicionistas recusavam a pena de prisão, porque diziam que era muito má para o agente do crime, pois
impedia a sua ressocialização. Os vitimólogos, pelo contrário, ocupavam-se dos direitos das vítimas e diziam
que a prisão era má para as vítimas de crimes, porque não permitia a reparação dos danos que elas tinham
sofrido. Da união improvável do pensamento de vitimólogos e abolicionistas surgiu a proposta restaurativa.
Em 1974, houve um episódio que, aliás, deu origem a um documentário chamado The Elmira Case. Numa
comunidade muito pequenina chamada Elmira, em Ontário, no Canadá, dois homens jovens, numa noite regada
a muito álcool, praticaram 22 crimes, sobretudo crimes de dano. A vida não tinha sido muito generosa com eles
e esperava-os o destino habitual: seriam os clientes do costume da justiça penal.
Aconteceu, porém, algo bastante improvável. Encontraram um procurador e um juiz que achavam que a pena
de prisão não seria a solução adequada para eles e, portanto, promoveram, pela primeira vez, práticas de
mediação penal vítima-agressor. Ou seja, perguntaram a estes dois homens jovens e às suas vítimas se
pretendiam participar em sessões em que as vítimas exporiam os danos que sofreram e os agressores
manifestariam, ou não, a sua disponibilidade para reparar esses danos.
Este processo durou alguns meses e esta mediação bem-sucedida teve como consequência a reparação
dos danos causados às vítimas e a desnecessidade de condenação dos agressores a penas de prisão.
A partir de 1974, estas práticas restaurativas espalharam-se pelo mundo todo e, em Portugal — pasme-se!
—, em 2007, surgiu a Lei n.º 21/2007, que admite a mediação penal na fase de inquérito para um conjunto
amplíssimo de crimes dependentes de queixa. Mais ou menos até 2012, essa lei teve aplicação e o Ministério
Público enviou alguns processos para mediação, evitando, assim, a realização do julgamento penal e a
condenação. Nos últimos anos, essa lei deixou de ser aplicada.
Em 2009, o nosso Código da Execução das Penas criou uma possibilidade de mediação pós-sentencial, ou
seja, em contexto prisional, o encontro entre reclusos e as suas vítimas com o propósito de pacificação do
conflito interpessoal.
Admito que as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados saibam que a maioria do crime que temos acontece em
contextos de proximidade. Não fazemos vítimas, na maioria dos casos, desconhecidos, as nossas vítimas são
os nossos próximos. Por isso, para as vítimas, a reparação dos danos e a pacificação dos conflitos interpessoais
pode ser um objetivo relevante.
É disso que se trata e, no Programa do Governo, consta a intenção de apostar em mecanismos de resolução
alternativa de conflitos, como a mediação penal.
Hoje, comemorámos a entrega do Prémio Direitos Humanos, nesta Assembleia da República. A União
Europeia e o Conselho da Europa acham que constitui direito fundamental das vítimas a participação em
programas de mediação. Quando transpusemos a diretiva, em 2007, estávamos a respeitar uma orientação da
União Europeia e, portanto, talvez seja a altura para que os portugueses e as portuguesas possam conhecer a
justiça restaurativa e a mediação penal como proposta viável.
Aplausos do PS.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto, do
Grupo Parlamentar do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Agradecemos aos autores
desta petição, à Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, por exercerem o seu direito cívico e promoverem,
assim, este debate aqui na Assembleia da República, bem como todo o apoio que têm dado aos reclusos.
No entanto, não podemos acompanhar a grande maioria do que pretendem os autores da petição, porque
apresentam a proposta para que, além de uma amnistia para os pequenos delitos, seja concedido um perdão
de penas para todos os reclusos condenados até seis anos de prisão. Ora, se alguém foi punido com seis anos
de prisão é porque certamente praticou um crime com alguma gravidade e, ao fazê-lo, terá de cumprir a pena
que foi estipulada.
Quem comete crimes — roubos e agressões — tem de pagar por isso. Diz o povo que «a culpa não pode
morrer solteira» e, se existem pessoas condenadas que estão presas, não as podemos libertar a qualquer custo
sem que tenham cumprido a pena.
Perdoar é enviar exatamente o sinal de que aquilo que fez não é tão mau assim. E mais: o que diríamos às
vítimas? Será que as vítimas também não têm o direito de ser protegidas? Existem pessoas que um dia tiveram
um problema na vida que os levou a cometer um delito, mas a verdade, por muito que custe, é que, na
generalidade, isso prejudicou outras pessoas.
Não podemos perdoar. Podemos e devemos, sim, ajudar à sua reabilitação, ao regresso à sociedade. O ser
condenado por uma vez não significa que seja um criminoso a vida toda. Sem perdão de pena generalizado,
sem amnistias, mas sim com a hipótese de trabalharem e até estudarem dentro das prisões, para que se faça
essa reabilitação e depois, quando cumprirem a pena e saírem em liberdade, ser mais fácil não a sua
reintegração, mas sim a sua integração, e conseguirem ter novos projetos de vida.
O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Muito bem!
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Esta petição toca num assunto pertinente, que é a falta de condições para os
reclusos, a sobrelotação das cadeias e a degradação de muitas das nossas prisões. É verdade, mas essa falta
de condições não é só para os reclusos. Então, e os guardas prisionais, muitos entregues à sua sorte, com
salários indignos, sendo, por vezes, poucos elementos e tendo poucas condições de trabalho para lidar com
quem comete crimes? E quem comete crimes, meus senhores, quer queiram, quer não, é um criminoso.
E os técnicos superiores dos serviços prisionais, com falta de incentivos, falta de progressão nas carreiras,
esquecidos, muitas vezes, pelos sucessivos Governos?
Fala-se muito em dignidade humana dos reclusos, mas onde fica a dignidade de quem trabalha nessas
condições e a dignidade das vítimas?
Aplausos do CH.
A degradação das prisões é um facto, a sua sobrelotação, também. Aliás, temos, neste momento, em
Portugal, 14 estabelecimentos prisionais que estão em sobrelotação.
Esta petição refere, a certo ponto, que «as penas de prisão são cumpridas em Portugal de um modo muito
mais severo do que o estipulado na lei». Não é verdade! Por vezes, crimes graves têm muito menos anos de
prisão do que aqueles que deviam ter. E, Srs. Peticionários, ao contrário do que dizem na petição, quem comete
um crime muito grave, quem viola, quem mata propositadamente, por vezes de forma cruel e sem
arrependimento, só tem um caminho, que é apodrecer na cadeia. E, por isso: sim à prisão perpétua!
Aplausos do CH.
Numa coisa estamos de acordo: o nosso sistema de justiça é muito demorado e complexo — subscrevemos
inteiramente. O País e os portugueses não podem assistir, impávidos e serenos, a processos que se arrastam
durante anos e anos, a uma justiça para ricos e uma justiça para pobres, a que os Sócrates, os Salgados, os
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Pinhos desta vida continuem a pavonear-se porque, por terem mais meios, conseguem adiar ou impedir as
penas.
Não pactuamos com isso. A justiça tem de ser mais célere e tem de funcionar para todos, e o lugar dos
corruptos, também ele, é na prisão.
Para terminar, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, também não podemos acompanhar o projeto de
resolução do Livre que recomenda a implementação do princípio de justiça restaurativa para mediação penal.
Para que as pessoas lá em casa percebam, e com exemplos concretos, podia acontecer que os idosos,
tantas vezes burlados, pudessem chegar a um acordo com quem os burlou ou, até, que, em caso de furto de
uma habitação, o ladrão e o dono da casa comunicassem e chegassem a um acordo final.
Não podemos pactuar com isso.
Aplausos do CH.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe
Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria, em primeiro lugar,
cumprimentar a APAR pela petição que nos traz, e pelo tema que é pertinente, e acompanhar, em primeiro lugar,
algumas das denúncias que, de uma forma geral, também foram acompanhadas pelos restantes grupos
parlamentares, ainda que de maneira não tão óbvia, pelo Partido Socialista, porque não conseguem negar a
realidade.
Inequivocamente, também tem de se acompanhar a condenação das condições existentes em muitas das
cadeias do nosso País, que têm levado à critica internacional por causa de alguns exemplos específicos,
nomeadamente o da cadeia de Ponta Delgada, e a demonstração de como, muitas vezes, aquilo que chamamos
«modelo de reinserção social», em Portugal, não funciona. Temos mais um modelo punitivo do que um modelo
de reinserção.
Essas denúncias, creio, não são passíveis de ser negadas, porque são factos em cima dos quais nós
devemos laborar. Mas também é verdade que, sobre essas matérias, a petição não vai além da denúncia e
todos devemos exigir outras políticas públicas, em particular no momento em que já o fizemos. Vários grupos
parlamentares já o fizeram no Orçamento do Estado e várias das propostas foram chumbadas pelo Partido
Socialista e, isso, creio, são escolhas políticas que cada um de nós levará para o seu currículo.
A APAR pede uma outra coisa: pede que, a exemplo do que aconteceu em 1999, exista uma redução de
penas ou uma amnistia, em alguns dos casos.
Da parte do Bloco de Esquerda, devo dizer que olhamos para este repto e para este debate sem qualquer
anátema e sem qualquer dogma. Este debate deve ser feito de uma forma ponderada e sensata.
Quem, por exemplo, tem dogmas ou anátemas sobre este tema esteve contra a Lei n.º 9/2020, alertando
que, com a sua aplicação, iria ser o fim do mundo. Contudo, percebemos que não aconteceu nada daquilo que
ameaçavam que fosse acontecer e taxa de reincidência daqueles que foram libertados debaixo da Lei n.º 9/2020
foi inferior a 2 %. Por isso, convém discutirmos este tema com a serenidade que ele merece.
É possível e devemos incentivar medidas alternativas ao encarceramento? Creio que sim. O Bloco de
Esquerda tem já um currículo nessa matéria bastante vasto. Insistiremos e acompanharemos medidas nesse
âmbito. Mas é verdade, também, que a petição, apesar de referir a necessidade de investir neste tipo de medidas
alternativas para a resolução de penas, na verdade, não se centra sobre isso.
Por isso, indo diretamente ao âmago da petição: estará o Bloco de Esquerda disponível para discutir com
outras bancadas a possibilidade de enquadrar uma amnistia para pequenos crimes, de redução de penas para
pequenos delitos? Estamos com abertura para fazer esse debate, com serenidade, sendo certo que será
exatamente nos termos que estou a dizer: há abertura da nossa parte para iniciar um debate, para o fazer com
serenidade e sem alarme social.
Haja vontade de outras bancadas, iniciaremos esse processo. Não havendo vontade de outras bancadas,
ficará o processo como está atualmente, isto é, inexistente.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma brevíssima intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui
Tavares, do Livre.
O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, quando se usa as pessoas lá em casa, como
argumento político, convém falar a verdade.
Os três pontos que a proposta do Livre tem são muito simples: primeiro, avaliar a implementação do sistema
de mediação penal vigente — que já existe! — e estudar a possibilidade de aplicação dos princípios de justiça
restaurativa a crimes de natureza diversa; segundo, dotar o sistema judicial e penal de meios materiais, técnicos
e humanos, capazes de implementar métodos de resolução alternativa de litígios em matéria penal; terceiro,
proceder a uma campanha de avaliação e sensibilização do público em geral para a existência do sistema de
mediação penal.
É isto, e apenas isto. É ponderado, é cuidadoso e sempre a pensar, em primeiro lugar, nas vítimas. É esta a
verdade do que está no projeto do Livre.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma ainda mais brevíssima intervenção, tem a palavra o Sr.
Deputado Pedro Pinto, do Chega.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr.ª Presidente, só para dizer, rapidamente, ao Sr. Deputado Rui Tavares que
nós temos de explicar às pessoas que estão lá em casa com uma linguagem que elas percebam. Aquilo que
disse, lá em casa, ninguém percebeu.
Protestos do L.
A verdade é esta: o Sr. Deputado quer um acordo entre criminosos e as vítimas. Mas em que situação é que
vão ficar as vítimas? Em que situação vulnerável é que vão ficar as vítimas? Essa é que é a grande questão. Ao
contrário do Livre, nós não defendemos os criminosos, nós defendemos as vítimas. Essa é que é a nossa grande
questão e a nossa grande divergência, e vai ser sempre!
Aplausos do CH.
Por isso, Sr. Deputado, a esta bancada parlamentar, preocupa-nos como vão ficar as vítimas e a isso o Sr.
Deputado não respondeu.
Aplausos do CH.
O Sr. Rui Tavares (L): — O que não vos preocupa é a verdade. À verdade não passam cartão!
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Chegámos ao fim da nossa ordem do dia.
Protestos do L e contraprotestos do CH.
Gostaria, Sr.as e Srs. Deputados, que ouvissem qual é a ordem do dia da reunião de amanhã, às 15 horas.
Do primeiro ponto, consta a fixação da ordem do dia pelo CH, com o tema «As forças de segurança e as
suas carreiras, o racismo e a perseguição por parte do poder político em Portugal», em que se procederá à
discussão conjunta, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 23/XV/1.ª (CH) — Criminaliza o incitamento ao
ódio contra os membros dos órgãos de polícia criminal e órgãos judiciais, 35/XV/1.ª (CH) — Aumenta para 450 €
a componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda
Nacional Republicana e pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, 255/XV/1.ª (CH) — Aplicação do
processo sumário ao julgamento dos crimes de resistência e coação sobre funcionário, 379/XV/1.ª (CH) —
Primeira alteração à Lei n.º 95/2021, de 29 de dezembro, com vista a regular as características e normas de
colocação, ativação, sinalização e utilização das câmaras portáteis («bodycams») pelas forças de segurança, e
a forma de transmissão, armazenamento e acesso aos dados recolhidos e 397/XV/1.ª (CH) — Direito à filiação
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partidária dos agentes de forças de segurança que não sejam militares ou agentes militarizados dos quadros
permanentes em serviço efetivo. Serão também apreciados os Projetos de Resolução n.º 315/XV/1.ª (IL) —
Recomenda ao Governo que garanta mais policiamento de proximidade e 316/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao
Governo que proceda ao aperfeiçoamento dos dados constantes do Relatório Anual de Segurança Interna.
No segundo ponto, teremos votações regimentais.
Desejo-vos um bom resto de dia e até amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 58 minutos.
Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.