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Quarta-feira, 26 de abril de 2023 I Série — Número 119
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
Sessão Solene Comemorativa do XLIX Aniversário
do 25 de Abril
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretários: Ex.mos Srs. Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
S U M Á R I O
Às 11 horas e 29 minutos, entrou na Sala das Sessões o
cortejo em que se integravam o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República — que saudaram, com uma vénia, os membros do Corpo Diplomático presentes —, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Presidente do Tribunal Constitucional, dois Secretários da Mesa da Assembleia da República, o
Secretário-Geral da Assembleia da República, o Chefe do Protocolo do Estado, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República, a Chefe do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, o Chefe da Casa Civil do Presidente da República e a Diretora de Relações Internacionais, Públicas e Protocolo da Assembleia da República.
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No Hemiciclo, encontravam-se já, além dos Deputados e Ministros, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Presidente do Partido Social Democrata, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Provedora de Justiça, os Representantes da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o Vice-Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em representação do respetivo Presidente, o Presidente do Governo Regional dos Açores, o Secretário-Geral do Partido Comunista Português, o Conselheiro de Estado António Sampaio da Nóvoa, o Presidente do Partido Socialista Carlos César, e os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas.
Encontravam-se ainda presentes: Na Tribuna A, a mulher do Presidente da Assembleia da
República, Prof.ª Doutora Isabel Margarida Duarte, a mulher do Primeiro-Ministro, Dr.ª Fernanda Tadeu, o antigo Presidente da República Ramalho Eanes e mulher, Dr.ª Manuela Eanes, e os antigos Presidentes da Assembleia da República Mota Amaral e Eduardo Ferro Rodrigues e mulher, Dr.ª Maria Filomena de Aguilar, e o Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas Carvalho;
Na Galeria I, o Corpo Diplomático; Na Galeria II, o Presidente da Associação Nacional de
Freguesias, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional José Eduardo Figueiredo Dias e Mariana Rodrigues Canotilho, o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, o Secretário-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Presidente e membros da Comissão da Liberdade Religiosa, o Vogal da Direção da Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República José Eduardo Fernandes Sanches Osório, ex-Conselheiros da Revolução, a Direção e membros da Associação 25 de Abril e o Presidente da Associação Salgueiro Maia;
Na Galeria III, Secretários de Estado, a Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, os Deputados ao Parlamento Europeu Margarida Marques e
Sandra Pereira, o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, a Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa, o representante do Presidente do Conselho Nacional da Juventude, a Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o Presidente do Conselho de Julgados de Paz, a representante da Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, o Presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal, um membro da Comissão Independente de Acompanhamento e Fiscalização das Medidas Especiais de Contratação Pública, representantes dos três ramos das Forças Armadas, o representante do Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o Presidente da Confederação Empresarial de Portugal, os Secretários-Gerais da CGTP-IN e da UGT, o Presidente da Associação de Deficientes das Forças Armadas, e outras individualidades convidadas;
Nas Galerias IV a VI, público convidado; Na Tribuna C, os Adjuntos do Secretário-Geral da
Assembleia da República, os Assessores do Presidente da Assembleia da República e os Chefes de Gabinete da Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, dos Grupos Parlamentares e dos Deputados únicos representantes de um partido;
Na Tribuna D, os representantes dos órgãos de comunicação social.
Constituída a Mesa, na qual o Presidente da República tomou lugar à direita do Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
Seguiram-se os discursos dos Deputados Rui Tavares (L), Inês de Sousa Real (PAN), Catarina Martins (BE), Manuel Loff (PCP), Rui Rocha (IL), André Ventura (CH), Joaquim Miranda Sarmento (PSD) e João Torres (PS), do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa).
A sessão foi encerrada eram horas e 13 horas e 13 minutos, tendo a Banda da Guarda Nacional Republicana executado, de novo, o hino nacional, que foi cantado e aplaudido, de pé, pelos presentes.
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Após ter sido constituída a Mesa, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada nos Passos Perdidos, executou o hino nacional, que foi cantado, de pé, pelos presentes.
O Sr. Presidente da Assembleia da República: — Saúdo, de novo, todas as Sr.as e Srs. Deputados e
demais convidados que nos honram com a sua presença, para além, evidentemente, de S. Ex.ª o Presidente da República. Declaro aberta a Sessão Solene Comemorativa do XLIX Aniversário do 25 de Abril.
Eram 11 horas e 32 minutos. Passamos a ouvir as intervenções. Para intervir em nome do partido Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Srs. Membros do Governo, Chefias Militares, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Líderes de Partidos, Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Excelências, Caras e Caros Colegas Deputados: É preciso que alguém o diga nesta data e é preciso que alguém o diga a partir deste lugar.
Então, não percamos tempo, di-lo-ei a abrir o debate: a nossa democracia não só não está garantida como vive o momento de maior risco à sua existência desde o período pós-revolucionário.
Os 50 anos do 25 de Abril serão a ocasião de celebrar tudo o que conquistámos em conjunto. Estes 49 anos devem servir para alertar para tudo aquilo que podemos perder.
Não é inédito. Nenhuma democracia está completa ou é perfeita. Todos os regimes democráticos têm os seus inimigos, mais ou menos competentes, mais ou menos inteligentes, mais ou menos assumidos. Dependendo das circunstâncias e da vontade de poder que nunca lhes falta, aviltar e esvaziar uma democracia não é sequer difícil.
Não procuremos coerência nos novos autoritários, a não ser a vontade desmedida de mandar. Qualquer coerência seria, aliás, um entrave a essa mesma vontade desmedida de mandar.
Eles dizem-se os mais conservadores de entre os conservadores, mas acabam a invadir o Capitólio e a defecar na Praça dos Três Poderes. Eles afirmam-se patriotas, mas não desdenham enxovalhar o seu país tentando enxovalhar o país dos outros. Eles demonstram ser incapazes de aceitar a mais mínima crítica, incluindo aqui nesta Casa, mas têm na rua cartazes nos quais misturam suspeitos de crimes e políticos comuns e nos quais insinuam, mais ou menos veladamente ou, diria, mais ou menos descaradamente, a eliminação de adversários.
Se um dia houver uma mão mais ou menos transtornada que passe ao ato, eles negarão qualquer culpa. Mas nós também teremos tido uma, que é a de ter mantido o silêncio enquanto isto aconteceu.
Vozes do PS: — Muito bem! O Sr. Rui Tavares (L): — Não nos deixemos encadear, contudo, pelos casos mais espetaculares, os mais
discretos é que nos hão de preocupar. Conheci bem, por dever de ofício, um desses casos, dos autoritários mais competentes, dos mais inteligentes. Hoje, nesse país, há rádios, jornais e televisões que foram fechados, universidades que foram expulsas, milhares de adversários que estão fora do país. Todos os tribunais e autoridades independentes foram capturados e, apesar do discurso anticorrupção do início, ou se calhar por causa dele, o genro, o irmão, o pai e até amigos de infância do Primeiro-Ministro tornaram-se dos homens mais ricos do país, a partir do momento em que ele esteve no poder, à conta dos fundos europeus que todos pagamos, aliás.
A propósito, a presidente desse país, que esse Primeiro-Ministro escolheu sem passar pelo voto popular, visitou este Parlamento ainda há poucas semanas. Ninguém protestou e toda a gente soube respeitar, porque o sentido patriótico de responsabilidade e de Estado, para a grande maioria de nós, ainda não é opcional.
O principal risco para a democracia não está nos autoritários, que serão sempre uma minoria. Está naqueles que lhes quiserem dar a mão. O que é preciso é que todos saibam, e que todos aqui dentro saibamos, que uns e outros, autoritários e os que derem as mãos aos autoritários, ficarão para sempre
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manchados na história do País e perderão o respeito do povo. O principal risco para a nossa democracia é aceitarmos a intimidação e a dominação da agenda pelos autoritários.
Por isso, tratemos de desconjurar esse risco, agora e hoje e sempre. Esta tarde, estarão na Avenida da Liberdade, certamente com menos atenção mediática, muitos mais milhares de defensores da democracia do 25 de Abril do que o número de seus inimigos no nosso País. Haverá sempre mais portugueses a defender a liberdade do que a defender o autoritarismo.
Saibamos confiar no nosso povo. Saibamos confiar nos nossos democratas, que conquistaram a democracia a duras penas e que são muito mais do que os seus inimigos. Saibamos dar-lhes confiança e receber a confiança deles.
Tenho o orgulho de pertencer a um povo — de pertencermos a um povo — que dirá sempre que for necessário: «25 de Abril sempre! Não voltarão!»
Aplausos do PS, de pé, do BE, do PAN, de Deputados do PSD e do Deputado do PCP Manuel Loff. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de
Sousa Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Presidente da República, Primeiro-Ministro e
demais Membros do Governo, Ilustres Entidades, Altas Autoridades e Distintos Convidados, Sr.as e Srs. Deputados, Funcionários da Assembleia da República, Sr. Presidente da Assembleia da República: Permita-me, antes de mais, que me solidarize com toda e cada palavra das suas intervenções na sessão anterior. Partilhamos do mesmo embaraço perante o desrespeito que aqui foi demonstrado por alguns pelo nosso povo irmão, o povo brasileiro, aqui representado pelo seu Presidente.
Aplausos do PS, do PCP, do BE, do L e de Deputados do PSD. Quando assinalamos o 49.º aniversário da Revolução dos Cravos, temos a particularidade de coincidir com
o ano do centenário de Natália Correia, mulher de Abril e um nome incontornável da cultura portuguesa, que não posso deixar de evocar. Volvidos 49 anos de democracia, Portugal ainda é um país com «subalimentados do sonho», de que nos falava Natália Correia no seu poema escrito ainda sob o jugo da ditadura.
Num país onde o direito à infância continua a ser negado a crianças e jovens marcados pelo flagelo do abuso ou da violência doméstica e em que não podemos falar das mesmas oportunidades de vida, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país onde continuamos a ter números avassaladores de violência doméstica e de género, em que continuamos a ter de lutar pela erradicação das múltiplas formas de discriminação ou em que o ódio continua a falar mais alto do que a tolerância e o respeito, mesmo nesta Casa da democracia, e não se apresenta sequer uma solução alternativa, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país em que, com facilidade, o Estado dá salários e indemnizações milionárias para os cargos de topo, mas em que os recém-licenciados têm de passar todas as provas e provações para conseguir um mísero salário de 1000 €, quase sempre sem vínculo efetivo ou sem poderem sonhar ter casa própria, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país e num mundo em que a pandemia e a guerra empurraram ainda mais pessoas para a vulnerabilidade e para um custo de vida incomportável, em que as famílias continuam a não conseguir quebrar o ciclo da pobreza, a passar frio nas suas próprias casas, em que falhámos no objetivo de erradicar as barracas ou de garantir um parque habitacional público e condigno, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país em que os pensionistas e reformados recebem pensões de valores que os obriga a optar entre comer ou pagar a medicação, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país que vive obcecado com o défice, mesmo que tal seja à conta da asfixia das famílias, que não investe na saúde ou nos demais serviços públicos essenciais, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país que, mesmo numa crise de inflação, arranja sempre dinheiro público para financiar as touradas, nem que ao PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) tenha de recorrer se for preciso, mas em que não há
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dinheiro para apoiar socialmente as famílias que detêm animais de companhia ou para a proteção animal, continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Num país que gasta milhões de euros do erário público em borlas fiscais para quem mais polui e lucra e que, do outro lado da moeda, não investe na conservação da natureza e da biodiversidade, ainda que, no momento em que celebramos Abril, estejamos a 6 anos e 88 dias de atingir o ponto de não retorno, continuamos a continuamos a ter «subalimentados do sonho».
Sr.as e Srs. Deputados, Excelências, Distintas Entidades aqui presentes, no limiar dos 50 anos de Abril, o que falta para uma verdadeira revolução social e ambiental não é um revisionismo histórico de um modelo e de uma governança que todos nós conhecemos e que Abril derrubou — muito pelo contrário. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que respeite o bem-estar e a felicidade de todas as pessoas e, a par disso, que promova a transição ambiental que o desafio climático exige.
O que falta para que deixemos de ter «subalimentados do sonho»? Estamos subalimentados das liberdades que Abril almejou. Não de sonho, porque as aspirações e a vontade de mudança de paradigma são claras e o rumo democrático que todos nós — ou pelo menos a maioria desta Casa parlamentar — pretendemos definir é também ele bem claro.
Sejamos, assim, impacientes na revolução e nas liberdades que estão por cumprir, porque, como afirmou Natália Correia, esse nome maior de Portugal, foi «a impaciência que nos libertou». Sejamos fazedores de sonhos através do poder que temos de mudar a lei e com ela a vida e o rumo das pessoas, dos animais e da natureza.
Se há razão por que celebramos esta madrugada aqui e por esse mundo fora, é esta ânsia, esta fome impaciente pelo sonho e pela força de mudança tornados realidade, tornados Abril. Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!
Aplausos do PS, do BE, do L e de Deputados do PSD. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, tem a palavra a
Sr.ª Deputada Catarina Martins. A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: «Foi bonita a festa, pá», cantava Chico Buarque em 1975. «Foi bonita a festa», celebrou o Prémio Camões, finalmente entregue, agora que o Brasil se livrou do seu presidente carrasco e regressa à celebração da cultura, do mundo e dos direitos humanos.
«Foi bonita a festa», esta festa aberta pela coragem, inteligência e generosidade dos Capitães de Abril e por quem, com eles e antes deles, alimentou a luta antifascista, que foi também luta anticolonial. É por isso que hoje, 50 anos passados do seu assassinato, a celebração do 25 de Abril terá de ser também a homenagem a Amílcar Cabral.
Aplausos do BE, do PCP, do L e de Deputados do PS. Evocamos hoje a coragem revolucionária de todos e todas que, na noite mais longa e sem saber quando e
se seriam vitoriosos, arriscaram tudo para vencer a ditadura e venceram, a 25 de Abril de 1974! «Foi bonita a festa» e estendeu a esperança ao mundo e aonde era mais precisa: ao outro lado da
fronteira, em Espanha, ainda sob a ditadura franquista, ou ao outro lado do oceano, no Brasil, que sofreria a ditadura militar mais 11 anos.
«Foi bonita a festa» e a festa foi do povo. Foi a esperança, foi a determinação. A Revolução foi o que se seguiu ao golpe que derrubou o regime. Foram os dias do povo na rua a decidir da vida. Foi o fim da guerra, foi a ocupação das fábricas e dos campos, foi construir o que o fascismo negara. Foi o poder do povo contra o aparelho de Estado corrupto e brutal e contra o jogo viciado do poder económico predador e rentista.
Foram as mulheres a sair à rua de cabeça erguida e punho fechado. Foi a luta pelo salário, a construção das casas, a exigência de ter médico a quem recorrer, uma escola onde aprender. Foi uma torrente a querer a igualdade e a liberdade por inteiro. A Revolução não foi uma declaração, foi uma construção.
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Se nada voltou a ser o mesmo — e ainda bem — nestes quase 50 anos de caminho, só a desonestidade pode negar o que ficou por fazer, o que foi abandonado, os recuos a que também assistimos: os salários que não chegam para viver e as casas com preços que os salários não conseguem pagar; o transporte que não vem e a justiça que não anda; os atropelos que tiram acesso à saúde e aos cuidados aos mais velhos ou a falta de professores que nega o ensino aos mais novos; as novas formas de precariedade, de exclusão e até de trabalho forçado.
À recusa do tanto que ficou por fazer juntam-se recuos democráticos que não devemos ignorar. Não vale dizer que os indicadores de hoje são incomparáveis com os de há 50 anos — que mundo tão triste, o de viver do passado. A democracia constrói-se na resolução dos problemas do presente e o seu oxigénio é o horizonte de uma vida melhor. Sem esperança, definha.
«Já murcharam tua festa», lamentava Chico Buarque em 1978. «Já murcharam tua festa, pá / Mas certamente / Esqueceram uma semente / Em algum canto de jardim.» É dessa semente que cuidamos, até porque, se é certo que se sente o cheiro do bafio em tantos cantos do mundo, que se propagam os fungos do ódio nas caves escuras das redes sociais, que até pode haver manchas de bolor num Parlamento democrático, e se é certo que a desesperança contamina e adoece a democracia, não é menos certo que estes fungos podem ser derrotados e que o bafio desaparece sob o mesmo sol que germina a semente.
Não tem de ser futuro o que é feito do pior passado. Saibamos nós cuidar a semente de Abril. Aplausos do BE. O maior perigo das celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres: palavras repetidas,
cravos esquecidos no peito, frases feitas, declarações antifascistas em tom inflamado e sem nenhuma tradução concreta, evocações vazias das lutas passadas que se negam no presente.
Nada pior do que o povo feito alfinete de lapela e a Revolução bem fechada nas páginas da enciclopédia, como que a deixar claro que os tempos de o povo agarrar o seu destino para construir uma vida de que se possa orgulhar já lá vão.
Nada pior do que esta resignação a um país em que a história é postal para turista, em que não pode se aspirar a mais do que a gorjeta ou então a emigrar, para talvez um dia, como no poema da Capicua, poder pagar as mordomias do «Hostel da Mariquinhas».
Nada pior do que esse «ramerrame» insidioso do «habituem-se», que os netos não terão acesso aos direitos que os avós construíram ou que as crises podem justificar todas as misérias governativas, como se o Governo em democracia não fosse precisamente para resolver as crises em nome do povo.
Nada pior do que essa lama que contamina todo o debate, que faz do medo o argumento para todas as coisas — se não for assim, pode ser pior, se não formos nós, podem ser uns piores.
O bafio antidemocrático, o pulsar do ódio e do salve-se quem puder que se vai fazendo sentir pelo mundo são invariavelmente alimentados por esta lama de desesperança e de medo, que transforma a política num debate vazio e nega a resposta ao concreto das vidas.
A política é uma escolha e só é uma escolha democrática quando é fonte de esperança, quando alimenta a construção coletiva de um presente digno e de um futuro por que ansiar.
Cuidar da semente de Abril é ter o desassombro da esperança e a coragem do confronto com os poderes que crescem na sombra para diminuir a soberania popular. Cuidar da semente de Abril é fazer essa escolha: o salário em vez do abuso, a casa em vez da especulação, o médico em vez do negócio da doença, um planeta para viver em vez do poder extrativista.
Um Governo que se esconde na vitimização com a pandemia ou com a guerra, que se transforma numa agência de publicidade e PowerPoints em que já ninguém acredita, por muitos cravos que espete ao peito, não cuida da semente de Abril.
Sempre que o bafio fascista se fizer sentir, no Parlamento como na vida, estaremos juntos sem hesitação para o combater. Recusamos determinadamente a subalternização de todos os debates substanciais da política às arruaças da extrema-direita.
Aplausos do BE, do L e de Deputados do PS.
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Queremos uma democracia que faça germinar a semente de Abril. Recusamos afogá-la em formol. Felizmente, há todo um povo que cuida dessa semente, que a rega, que a mantém viva e a quer fazer
crescer. Essa semente «manda novamente / algum cheirinho de alecrim». É dessa semente que cuidam os professores que saem à rua, os milhares que exigem habitação, saúde e
vida digna, que marcham pela igualdade, que ocupam pelo clima. Que bonita é essa festa, que enche ruas e avenidas, que resiste e propõe, em que nos encontramos e encontraremos. Essa é a semente e o compromisso da esquerda. É dessa semente que nascerá a alternativa política, popular, que se constrói a cada dia.
«Canta a primavera, pá.» Façamos a festa hoje. Viva o 25 de Abril! Aplausos do BE, de pé, e do L. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado
Manuel Loff. O Sr. Manuel Loff (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, Capitães de Abril, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: «Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.» É assim que, no preâmbulo da Constituição da República, se descreve o que foi o 25 de Abril.
Ao contrário da grande maioria dos processos democratizadores que lhe foram contemporâneos, desde a Grécia, a Espanha e até a América Latina, a libertação de Portugal, em 1974, da longa ditadura fascista de 48 anos, foi não uma transição mais ou menos arrancada a ferros de dentro de uma ditadura em fase degenerativa, mas uma revolução.
Foi exatamente como são descritas as grandes mudanças políticas da modernidade, justamente porque nela se rompeu definitivamente com o passado, se abriram as portas aos anos de maior participação política e social que os portugueses alguma vez viveram e porque dela saiu uma das mais arrojadas democracias do mundo em que, em simultâneo, se rompia com séculos de sangrentas ilusões imperiais e de opressão social e política.
A Revolução portuguesa que hoje comemoramos aqui, contudo, não é feita simplesmente de memória, muito pelo contrário. Quando dizemos «25 de Abril sempre», estamos a dizer que não renunciaremos em cada dia que passa ao que se conquistou em Abril: direitos, liberdades e garantias cívicas que não aceitaremos nunca mais ver restringidas; direitos sociais como os de uma educação, um serviço nacional de saúde e uma segurança social públicas, que assegurem o bem-estar de todos e não apenas de alguns, como continuará a ocorrer se não cumprirmos o que acordámos quando aprovámos a Constituição de 1976.
Aplausos do PCP e do BE. Não renunciaremos ao direito a defender publicamente os nossos direitos enquanto cidadãos e
trabalhadores, a nos manifestarmos livremente para o fazer, ao direito a defender a paz contra a guerra, hoje, como há 50 anos, ao direito a dizer hoje, como então, «Fascismo nunca mais».
Retomar a memória de uma das mais extraordinárias e generosas revoluções da História e retomar a memória da resistência e do que ela permitiu conseguir tem hoje, em 2023, um papel muito prático. Reforça a capacidade de resistência e de exigência de mudança, porque, se já foi possível conseguir o que há 50 anos a maioria achava ser impossível ou inviável conseguir, isso significa que se pode voltar a conseguir o que o novo pensamento único dos nossos dias nos quer convencer ser impossível realizar.
Praticamente meio século depois do 25 de Abril e das melhores esperanças que nele depositaram milhões de portugueses, milhões de democratas por todo o mundo que sentiram a nossa Revolução como sua, a democracia está sob ameaça.
Em todos os lugares, a começar por Portugal, onde reiteradamente se não cumprem as naturais e justíssimas expectativas de quem espera que a democracia seja sempre acompanhada de bem-estar e de
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justiça social, de direitos universais à saúde, à educação, à habitação, ao trabalho com direitos e garantias, de salários e pensões dignos, do direito a uma infância feliz longe do espectro da pobreza, a uma velhice com dignidade e qualidade de vida. Sempre que algum destes direitos, ou todos, se não concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a descrença na democracia e esta estará sempre ameaçada.
Sempre que o autoritarismo patronal precariza impunemente a vida de quem trabalha e chantageia os trabalhadores para impedir que se sindicalizem, que defendam e que exerçam os seus legítimos direitos, a democracia, mais do que ameaçada, é atacada.
Não podemos andar a lamentar a baixa participação eleitoral e fingir não perceber a que esta se deve. Não pode, quem tem responsabilidades de Governo, comemorar o 25 de Abril, a Revolução e a Democracia, e ao mesmo tempo deixar degradar a condição de vida dos portugueses, depois de ter enterrado incontáveis recursos públicos no apoio aos grandes grupos económicos e financeiros ou a cativar dinheiro do Estado, de todos nós, para lograr as chamadas contas certas, as mesmas que nunca estarão certas, sem assegurar condignamente o funcionamento dos serviços públicos de que se faz para todos nós a democracia todos os dias.
A democracia está há anos ameaçada de novo pelo fascismo, de cuja sombra nos julgávamos ter libertado por todo o mundo há 80 anos, ou justamente há 49 anos em Portugal. É ilusório julgarmos que o assalto que a extrema-direita fascista está a fazer ao poder deixa incólume a democracia.
O exemplo da luta que os democratas brasileiros tiveram de travar para, graças à extraordinária persistência humana do Presidente Lula da Silva, que aqui esteve presente esta manhã, derrotar o que foi a maior ameaça, absolutamente real, contra a democracia brasileira desde o fim da ditadura civil-militar diz bem dos perigos que a extrema-direita representa: violência e ameaça sobre adversários políticos, ataque aos direitos sociais e cívicos, assassinato de ativistas.
Importa, pois, que, quando se celebra a democracia e a liberdade, não se desvalorize o significado desta ameaça, não se trivialize a mentira, a manipulação, o racismo, o branqueamento dos crimes e da violência fascista e colonial do passado, o oportunismo descarado ao fingir defender-se hoje o que, no passado, sempre se rejeitou.
Aplausos do PCP, do BE, do L, do PAN e de Deputados do PS. Permitam que me dirija diretamente a todos e a todas as cidadãs do meu País e a todas as pessoas que,
independentemente da sua nacionalidade, aqui constroem o seu futuro. O 25 de Abril foi feito para todos nós que aqui estamos 49 anos depois. Foi feito pelos militares de Abril,
cansados de guerra e a quem devemos o ato fundador do resgate deste País da ditadura, da guerra e do colonialismo. Foi feito por gerações de resistentes e comunistas, em primeiro lugar, que deram o melhor de si e tantas vezes a própria vida para conseguir a liberdade e direitos, uma sociedade justa com os valores que a Constituição de Abril consagrou.
O 25 de Abril tem agora de continuar a ser feito por nós, por quem acredita nesses valores, que permanecem, sabemos hoje melhor do que nunca, a solução para os problemas estruturais do nosso País. As multidões saem por estes dias à rua, como esta tarde acontecerá também, para celebrar a Revolução.
Fazem-no com a força inesgotável dos valores de Abril. Fazem-no recordando que não há democracia sem justiça social. Exigem respeito pelos direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens, de todos, independentemente da sua origem étnica e identidade de género, dos reformados, que trabalharam para o bem-estar das gerações que se lhes seguiram e que hoje têm o direito à solidariedade de quem trabalha e ao respeito do Estado.
A Grândola de Zeca Afonso, a terra da fraternidade onde o povo é quem mais ordena, tem de ser cada uma das nossas cidades e aldeias de um País verdadeiramente democrático. Viva o 25 de Abril!
Aplausos do PCP, do BE, do L e de Deputados do PS. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, tem a palavra o
Sr. Deputado Rui Rocha.
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O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Srs. Convidados, Srs. Deputados: Cumprem-se hoje 49 anos desde que, a 25 de Abril de 1974, Portugal amanheceu.
A idade dos países pode contar-se em anos, mas os países não têm necessariamente de envelhecer com o decurso do tempo. O Portugal de 14 de agosto de 1385, vencido o invasor em Aljubarrota, era muito mais novo do que o Portugal da véspera. O Portugal de 1 de dezembro de 1640, recuperada a independência, era outra vez novo, muito mais novo do que o Portugal das décadas precedentes. E, em abril de 1974, Portugal fez-se novo outra vez. Tão radicalmente novo como tinha sido radicalmente velho o Portugal de Salazar.
Aplausos da IL e do Deputado do BE Pedro Filipe Soares. Em 25 de Abril de 1974, tínhamos na mão o poder infinito da criança do poema de Ruy Belo: «E tudo era
possível era só querer». Sr. Presidente, isso significa que, se hoje Portugal se apresenta mais anoitecido do que o que queríamos,
mais triste do que o que merecíamos, mais estreito do que o que sonhávamos, é porque alguém não fez o suficiente.
Se temos hoje quase dois milhões de pobres, se os nossos jovens continuam a emigrar, se a natalidade minga, se o salário não estica, se o País se despovoa, se a justiça tarda, falha ou prescreve, se as casas não chegam, se o transporte se atrasa ou nem sequer aparece, se faltam professores na escola, se há mais de um milhão e meio de portugueses sem médico de família, se Portugal se encolhe, é porque houve alguém que não quis o suficiente ou quis algo diferente do que deveria ter querido.
Sr. Presidente, conquistámos a liberdade a pulso, primeiro com o momento fundador do 25 de Abril de 1974, depois, em 25 de abril de 1975, com a edificação do Estado de direito, depois, em 25 de novembro, com a reafirmação da liberdade e, depois ainda, em 25 de abril de 1976, com o nascimento da democracia política.
Tudo isso foi possível porque quisemos. Quisemos muito que o nosso País amanhecesse, em 25 de Abril de 1974, e que depois não voltasse a anoitecer.
Sr. Presidente, o 25 de Abril não tem donos. Se tivesse, não se cumpriria a vontade inicial de devolver o País a todos os portugueses. Também por isso, iremos desfilar hoje na Avenida da Liberdade, mesmo contra a vontade dos que nos quiseram impedir de o fazer.
Aplausos da IL. E porque o 25 de Abril é para todos, quero aqui expressar o desejo de liberdade para os povos que vivem
sob opressão. Liberdade para a China, sujeita a um regime de partido único que suprime direitos essenciais e que ameaça com mão de ferro a sobrevivência da etnia uigur e a liberdade de Taiwan. Liberdade para o Irão, onde uma teocracia impiedosa não hesita em prender, torturar e assassinar. Liberdade para o Afeganistão, onde a barbárie se abate sobre o povo, com especial crueldade para as meninas e para as mulheres.
Aplausos da IL, do PAN, do L e de Deputados do PSD. Liberdade para Cuba e para a Venezuela, onde a tirania condena a população à miséria e à opressão.
Liberdade para a Rússia, subjugada pela mão ditatorial de Putin. Liberdade para a Moldávia, que vive permanentemente com a espada do expansionismo russo sobre a cabeça. E liberdade, sim, liberdade para a Ucrânia, que sofre há 15 meses as atrocidades de uma guerra imposta pelo ímpeto imperialista de Moscovo.
Aplausos da IL, do L e do PSD. É por isso, Sr. Presidente, que o Presidente Lula da Silva não devia ter sido recebido na Assembleia da
República, neste dia. A defesa da nossa liberdade não é compaginável com o branqueamento das tiranias do mundo. Quem, como Lula da Silva, Bolsonaro ou Salvini, está em rota de colisão com a liberdade não merece estar, neste dia, na Casa da democracia.
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Aplausos da IL. E porque a liberdade é para todos, este é também o dia para condenar todas as formas de discriminação
dirigidas aos portugueses, onde quer que estejam, e todas as formas de discriminação e xenofobia dirigidas aos estrangeiros que querem viver ou trabalhar em Portugal.
É inaceitável o discurso dos que acusam os estrangeiros de roubar os nossos empregos, como é inaceitável o discurso dos que acusam os estrangeiros de roubarem as nossas casas.
Aplausos da IL. É em nome da liberdade que resistiremos contra todas as derivas que a querem ameaçar. A Iniciativa Liberal afirma a liberdade de expressão como valor inegociável, contra todas as tentações de
reescrever a História, contra o revisionismo das histórias contadas nos livros, contra todas as pulsões que atentam contra a arte e formas de expressão cultural, contra todas as espécies de controlos, censuras ou cancelamentos que constituem conceções totalitárias da linguagem e do pensamento e contra as políticas identitárias que subjugam a liberdade individual.
E porque a liberdade é para todos, continuaremos — sozinhos, se for preciso — a defender direitos, liberdades e garantias. Foi assim na pandemia, quando dissemos «não» aos abusos do Estado e à intromissão desproporcionada do Estado nas liberdades individuais. É assim com a nossa oposição ao arrendamento coercivo, dizendo «não» a todas as intenções de fazer tábua rasa do direito de propriedade. E é assim relativamente à revisão constitucional, se PS e PSD quiserem abrir a porta para confinamentos administrativos.
Contudo, Sr. Presidente, da mesma forma que dizemos «não» a todas as tentativas de cercear a liberdade, dizemos «sim» ao País. Os diagnósticos estão feitos, sobre o longo ciclo da decadência socialista que condena os portugueses a empobrecer e a emigrar. Mas onde realmente se constrói a alternativa é na afirmação de soluções que opõem a confiança ao medo, a esperança ao conformismo, a exigência ao facilitismo, a excelência à mediocridade, a urgência da ação à negligência, o crescimento económico à estagnação, a sede de futuro ao atavismo, as oportunidades ao nepotismo e ao determinismo social.
Sr. Presidente, em democracia, há sempre alternativa e o vento da mudança já começou a soprar em Portugal.
Sr. Presidente, é isso que hoje aqui também festejamos. Sr. Presidente, 25 de Abril sempre! Liberdade sempre e alternativa sempre! Aplausos da IL, de pé. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado
André Ventura. Neste momento, abandonaram a Sala a Deputada do BE Joana Mortágua e Deputados do PS. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Autoridades Civis e Militares, Sr.as e Srs. Convidados: Mais uma vez, aqui estamos e, mais uma vez, fazemos alarde, para o povo português fingir que viu e para fingirmos que ficámos contentes.
Cravos, celebração e festa, num dos momentos mais negros dos portugueses. Eles sabem que hoje, enquanto aqui celebramos com cravos, não conseguem pôr comida na mesa.
Mas não estaria bem com a minha consciência, se não dissesse ao Sr. Presidente da Assembleia da República e ao Sr. Presidente da República o tremendo erro que a anterior cerimónia foi e a forma como decorreu.
Sim, Sr. Presidente, porque normalizar a corrupção e branqueá-la, para nós, nunca será solução. Esta Casa não pode ser um circo de corrupção. Esta Casa não pode ser um aplauso àqueles que foram condenados em três instâncias e foram salvos pela mão amiga daqueles que nomearam.
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Por isso, os milhares que hoje estão lá fora, os milhares que se estão a fazer ouvir às portas deste Parlamento, sabem bem aquilo que estou a dizer. Democracia sim, corrupção nunca mais.
Aplausos do CH. Neste momento, Deputados do PS erguem cravos vermelhos. Mas é também o dia de lembrar que as mesmas autoridades portuguesas que enviaram material militar
para a Ucrânia, que ouviram Zelenskyy neste mesmo quadro por cima de mim, receberam hoje aqui um Presidente que atacou a União Europeia por ajudar militarmente a Ucrânia.
Que vergonha e que hipocrisia tremenda de dois dirigentes nacionais que dão a mão a Zelenskyy durante o dia e a mão a Lula e à China durante a noite. Que vergonha de dirigentes nacionais!
Aplausos do CH. Mas este é um bom dia para falar de Lula da Silva, porque, ontem mesmo, soubemos que José Sócrates
não irá, provavelmente, a julgamento. E gostava de dizer isto aqui, no 25 de Abril: José Sócrates, suspeito de roubar os portugueses em milhões e milhões de euros, não irá, com toda a certeza, a julgamento.
Encham de cravos, distribuam-nos pelos portugueses, levem-nos lá fora e metam-nos no bolso. Digam-lhes que quem roubou milhões enquanto anda de cravo ao peito, fica com os milhões na carteira. É um bom dia para lembrarmos isso.
Aplausos do CH. E, por isso, queria deixar aqui o nosso enorme aplauso, orgulho sentido e admiração aos valorosos juízes,
aos valorosos procuradores e aos valorosos inspetores da Polícia Judiciária que, mesmo com todo o condicionamento, mesmo com todas as mordaças que o Governo quer pôr na justiça, não tiveram medo e, no momento mais difícil, levantaram-se para dizer que o lugar do ladrão é na prisão.
Aplausos do CH. Mas o 25 de Abril era para acabar com o elitismo. A grande noite que terminou e a manhã clara e nobre
que chegou aos nossos dias. Alexandra Reis deve pensar exatamente o mesmo. Aquela manhã clara e nobre, em que ela recebeu
500 mil euros de indemnização da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), deve ter sido uma manhã clara e nobre em que ela pôs o cravo ao peito e disse: «25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais».
E o mesmo para muitos outros que, enquanto nós celebramos Abril, estavam a pôr dinheiro ao bolso, do cofre dos contribuintes. Estes que nos estão a ver agora e a quem eu pergunto se preferiam cravos distribuídos na lapela ou que todos aqueles que roubaram dinheiro ao Estado tivessem de o devolver, porque esse dinheiro nos pertence.
O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — Foi pago com os impostos e com o suor do nosso trabalho e da nossa vida e
é nosso, tão nosso como Portugal é nosso. Hoje é um bom dia para mostrar este contraste de País. E gostava de que a Câmara olhasse para este
contraste de País. Neste momento, o orador exibiu fotocópias de notícias do jornal Correio da Manhã. «Um bombeiro ferido em Pedrógão tem direito a uma pensão de invalidez de 267 €.» Gostava de que os
portugueses e todas as autoridades aqui presentes olhassem para isto: 267 € para um bombeiro de Pedrógão.
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Hoje mesmo, soubemos que a ex-Presidente da Autoridade da Concorrência tem direito a um subsídio de 7934 €.
Este, digam-me se é o País de Abril. Este, digam-me se é o País que queremos — a manhã clara e nobre, em que uns, feridos em combate, têm 237 € e outros, escondidos nos gabinetes, têm 7900 €, todos os meses.
Aplausos do CH. É esta a manhã clara e nobre de Abril? Sr. Presidente, de nada vale celebrar Abril, se não concretizarmos aquilo que os portugueses mais
esperam de nós: que a justiça verdadeiramente chegue a este País, mas ela tarda tanto, tanto, tanto, que muitos já perderam a fé e a esperança. Temos de a devolver a Portugal.
Os milhões que hoje não estão nem na praia, nem no carro, nem em viagem estão a ver-nos e sabem que já não vale de nada estarmos a celebrar isso, se a conta não chegar para o supermercado, se, quando vão a tribunal, perdem o ordenado para pagar custas judiciais e se, quando chegam ao fim do mês, têm a Autoridade Tributária a pedir impostos, mas veem que outros, que nada pagam, têm todas as benesses e benefícios do Estado.
E querem que eles celebrem Abril? Querem que eles cantem e digam «fantástica manhã esta, que me deu a ganhar 297 €, enquanto outros se enchem com o dinheiro que é de todos»? Isto é que nos devia fazer pensar Abril.
E que pensar Abril é este, que esqueceu os milhões de retornados e espoliados do Ultramar, a quem nunca demos a dignidade que mereciam?
Aplausos do CH. Para eles, para esses milhões que nos estão a ver, que vieram de uma África abandonada e esquecida,
onde muitos têm os seus familiares enterrados e onde muitos deixaram a farda dos seus filhos, deixamos aqui a palavra de que, se essa alternativa um dia chegar, a nossa primeira prioridade vai ser para esses homens e mulheres, para esses milhões de famílias que, enquanto viam outros roubar tudo, ficaram sem nada em Portugal.
Aplausos do CH, de pé. Também não se esperava que Abril trouxesse esta tradicional e parola subserviência portuguesa. Ontem,
disse o Primeiro-Ministro, António Costa, aqui presente: «O que eu gostava mesmo, e tenho pena, é que Portugal não falasse com o sotaque brasileiro».
Isto foi dito ontem pelo Primeiro-Ministro desta Nação, desta Nação com oito séculos de história, e que nos governa. Temos um Primeiro-Ministro que diz que preferia não falar com o sotaque do Porto, de Braga, do Alentejo, dos Açores, da Madeira ou de Coimbra. Preferia o sotaque brasileiro.
Sr. Primeiro-Ministro, então, faça-nos um favor: arrume as suas malas, junte-se ao seu amigo José Sócrates e parta para o Brasil de vez, porque era o melhor que fazia a Portugal.
Aplausos do CH. Estamos, Sr. Presidente, num País que passou de um País de emigração para um País de imigração. E
Portugal tem esse dever histórico de acolher bem, porque também outros nos acolheram bem, mas os nossos, que foram para trabalhar e que foram para se integrar e ali constituíram família, sabem bem o sacrifício de ser imigrante. O que pedimos a este País é que acolha bem, acolha com regra, mas não se deixe invadir por manifestações que não são suas nem podem nunca sê-lo.
Para nós, Portugal é de matriz cristã e é sempre assim que deverá ser, durante a sua história secular. Para nós, não faz sentido dar a outros o que não temos para nós próprios. Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, nunca ficaremos de bem com a consciência, enquanto dermos subsídios e casas a quem chega e os lesados da banca ainda não tiverem uma palavra do Estado português.
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Aplausos do CH. Vou terminar, Sr. Presidente, dizendo isto: hoje, falámos dos 50 anos de Abril. E o que fica dos 50 anos de
Abril, que celebraremos para o ano? Fica a memória de um Ministro, aqui presente, Pedro Adão e Silva, que, antes de ser Ministro da Cultura, presidiu à entidade que vai coordenar as celebrações do 25 de Abril e que ganhou, por isso, 4500 € por mês — repito, 4500 €! —, há quatro anos, para uma festa que ia acontecer quatro anos depois.
Este é o País esplendoroso de Abril, que paga salários chorudos para organizar festas e não tem dinheiro para os professores terem o seu tempo de serviço, para os médicos terem uma carreira digna, para os polícias trabalharem com dignidade, para os juízes e os procuradores terem condições de trabalho e para que os oficiais de justiça possam funcionar.
Aplausos do CH. Este é o País de Abril e é o País que não queremos que se repita em Portugal. Apesar de tudo isto e apesar de toda esta verdade, o Chega está e continuará a estar só, neste
Parlamento. Sr. Presidente, nada nos orgulha mais, a mim e a esta bancada parlamentar, quando são todos — mas
todos, mesmo nesta Casa! — contra um grupo que defende os portugueses de bem e os portugueses que verdadeiramente trabalham.
Numa das mais famosas cartas de S. Paulo aos romanos, ele dizia… Vozes do PS e do PSD: — Oh! O Sr. André Ventura (CH): — Numa das mais famosas cartas de S. Paulo aos romanos… Protestos do PS e do PSD. Acho que, se podemos ouvir Lula da Silva, também podemos ouvir S. Paulo. Acho que é o mínimo. Aplausos do CH. Numa das mais famosas cartas de S. Paulo aos romanos, S. Paulo dizia: «Diante desta injustiça, que
podemos fazer? Se Deus é por nós, quem será contra nós?» Se o povo português, se os portugueses de bem são por nós, não sereis vós a estar contra nós. Aplausos do CH, de pé. Neste momento, regressaram à Sala a Deputada do BE Joana Mortágua e Deputados do PS. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado
Joaquim Miranda Sarmento. O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia
da República, Sr. Primeiro-Ministro e Membros do Governo, Sr.as e Srs. Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Passaram 49 anos do dia que terminou com o Estado Novo e iniciou o caminho que permitiu a Portugal ter uma democracia pluralista, parlamentar e de inspiração ocidental.
Hoje, como todos os anos no passado e no futuro, homenageamos aqueles que arriscaram tudo e que, a 25 de Abril, terminaram com a ditadura e com a opressão.
Aplausos do PSD, do BE, do L e de Deputados do PS.
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Mas hoje homenageamos também aqueles que, na Ucrânia, combatem pela liberdade, face ao agressor
russo, … Aplausos do PSD, do PAN e de Deputados do PS. … sem dúvidas sobre de que lado estamos: do lado da Ucrânia, da Europa, da NATO (North Atlantic Treaty
Organization), do Ocidente e da democracia. Aplausos do PSD. Nestes 49 anos, Portugal mudou muito. Consolidou uma democracia com alternância de Governo, com a eleição de Executivos com maiorias
parlamentares e outros de minoria. Criou uma sociedade livre, pluralista, com liberdade de imprensa e associação, em que ninguém é preso ou prejudicado por aquilo que pensa e diz politicamente. Acolheu e integrou comunidades de todos os cantos do mundo.
Desenvolveu-se económica e socialmente, aproximando-se de padrões de vida mais condignos e recuperando grande parte do atraso nas infraestruturas. Deu passos notáveis na educação, na saúde, em particular na materno-fetal, e na cultura, entre outras áreas. Abandonou uma visão de império e abraçou a Europa. Integrou o projeto europeu, em 1986, e aderiu, no pelotão da frente, à moeda única, em 1999.
Mas os portugueses hoje interrogam-se: o que é feito desse País? O que é feito do País que, em 1974 e 1975, colocou a sua esperança e ambição na criação de uma democracia, como os outros países da Europa Ocidental?
O que é feito do País que, a partir de 1976, colocou a sua esperança e ambição na entrada na Europa? O que é feito do País que, a partir de 1986, com a entrada no espaço europeu, colocou a sua esperança e
ambição no desenvolvimento económico, na melhoria das condições de vida dos portugueses e em alcançar o nível de vida dos nossos parceiros?
O que é feito do País que, nos anos 1990, colocou a sua esperança e ambição em convergir para os mais ricos da Europa e estar no pelotão da frente do euro?
Aplausos do PSD. Há 25 anos que não há um desígnio nacional. Desde 2000 que a economia estagnou e que não saímos da
discussão do défice e da dívida pública. Há 25 anos que empobrecemos. Há 25 anos que vemos os países de Leste, que eram todos mais pobres do que Portugal em 2000, a ultrapassar-nos em riqueza e bem-estar.
Há 25 anos que caminhamos para o fundo da tabela dos países europeus. Há 25 anos que os rendimentos e salários estagnaram e que estamos mais pobres. Há 25 anos que os jovens não têm outro caminho que não seja emigrar e trabalhar fora de Portugal. Há 25 anos que não paramos de aumentar o endividamento público e privado, procurando, com uma carga fiscal cada vez maior, ir tapando, com remendos, um Estado e serviços públicos que se degradam a um ritmo vertiginoso e estão à beira do colapso.
Temos um País cada vez mais pobre e desigual, um País cada vez mais dual: uma minoria com rendimentos que acede à saúde e à educação privada e a grande maioria que vive cada vez pior nos rendimentos e na falta de serviços públicos capazes.
Um dos desígnios da democracia política, social, económica e cultural é resolver esta dualidade e desigualdade, como referia Francisco Sá Carneiro.
Aplausos do PSD. Mas estes 25 anos de empobrecimento não são uma fatalidade. São uma consequência das políticas
erradas de um Partido Socialista que governou 21 dos últimos 28 anos, tendo o PSD que governar sempre em emergência financeira.
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Aplausos do PSD. Um País cada vez mais desigual gera mais injustiças. Um País pobre, em que o interior está cada vez mais
desertificado e abandonado. Um País pobre, onde metade dos portugueses ganha menos de 1000 €. Um País pobre, onde três em cada quatro jovens ganham menos de 1000 €. Um País pobre que enfrenta um longo inverno demográfico. Um País pobre, onde quatro em cada 10 portugueses estão em risco de pobreza. Um País pobre, onde 2 milhões de portugueses, mesmo depois das prestações sociais, são pobres. Um País pobre, onde um em cada cinco portugueses que trabalham, ainda assim, é pobre. Um País onde uma em cada cinco crianças vive na pobreza.
O elevador social está avariado e os nossos jovens não têm esperança no futuro. Mas os portugueses têm de voltar a ter esperança no futuro.
Aplausos do PSD. Ao empobrecimento junta-se uma forte degradação da vida política e da qualidade das instituições. O
descrédito das instituições, com os casos graves que têm ocorrido — e, em particular, nos últimos tempos, com o tema da TAP —, a quebra da qualidade dos políticos, a descredibilização da política, a perda da autoridade e do prestígio das instituições e do Estado, bem como os fenómenos da corrupção, do compadrio e do nepotismo miram a confiança dos cidadãos na democracia.
O mesmo acontece com o descrédito da justiça, com a morosidade e a impunidade em casos de corrupção que atingem poderosos. Sente-se que há duas justiças em Portugal, uma para os ricos e poderosos e outra para os restantes portugueses. São sintomas dos graves problemas que afetam o regime democrático.
O empobrecimento de milhões de portugueses, a degradação dos serviços públicos e das instituições, bem como a falta de rumo e desígnio para o País levam a desacreditar o sistema político e dão campo e margem para o crescimento dos populismos e extremismos, quer de extrema-direita quer de extrema-esquerda.
Aplausos do PSD. A teoria económica mostra que a degradação da qualidade das instituições leva a um declínio económico e
o declínio económico leva a uma maior degradação da qualidade das instituições. Mas os portugueses precisam de acreditar. Aplausos do PSD. As forças democráticas e moderadas, lideradas pelo PSD, têm uma missão fundamental, quando se
aproximam os 50 anos do regime democrático. Primeiro, recuperar a confiança nas instituições, regenerando o sistema político. Só instituições credíveis,
dinâmicas e respeitadas podem sustentar uma democracia plena e completa e mobilizar os portugueses para o desenvolvimento económico e social. Mas, para isso, também é preciso que a política seja feita com verdade.
Segundo, tornar como desígnios nacionais o crescimento económico e sustentável e a criação de riqueza e capital social que permitam pagar melhores salários e pensões, ter mais recursos para melhores serviços públicos e criar as condições para que as futuras gerações tenham a liberdade para definir o seu futuro.
Essa é a missão que apela a todos os democratas. Viva a democracia! Viva Portugal! Aplausos do PSD, de pé. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o
Sr. Deputado João Torres.
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O Sr. João Torres (PS): — Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Sr.as e Srs. Membros do Governo, Altos Dignitários Civis e Militares, Sr.as e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Se hoje aqui estamos a evocar o 49.º aniversário da Revolução de Abril, a alguns, a muitos cidadãos, que não aceitaram ser súbditos de tiranos, o devemos.
Devemo-lo aos resistentes republicanos e democratas, aos antifascistas de vária ordem, aos estudantes insubmissos, aos trabalhadores inconformados e à longa geração de jovens mobilizada para a injusta Guerra Colonial.
Devemos muito, seguramente, a estes homens e mulheres que, durante 48 longos anos, alimentaram a chama da liberdade, da crítica, da resistência, que arriscaram e perderam empregos e carreiras, famílias, sonhos e que sentiram no corpo o peso dos bastões ou a prisão discricionária e sem culpa formada.
Mas «a madrugada que eu esperava», nas palavras eternas de Sophia, deve-se à ação decidida, corajosa e libertadora do Movimento das Forças Armadas. Obrigado, Capitães de Abril.
Aplausos do PS, do BE, do L e do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, um ano e seis dias antes da Revolução, um punhado de homens e
mulheres honrados fundou o Partido Socialista. O nome maior de Mário Soares e os seus camaradas fundadores do PS estabeleceram, desde esse dia, os
objetivos políticos que, por vontade do povo, vieram a materializar-se e a transformar o País: o Portugal europeu e não imperial, a lusofonia igualitária entre povos e Estados, uma democracia de modelo ocidental, com Governos assentes em sólidas bases parlamentares e um regime semipresidencialista que, juntos, respeitam e conferem equilíbrio à separação de poderes.
No ano em que se assinalam os 50 anos do PS e no dia em que assinalamos os 49 anos da Revolução dos Cravos, saudamos todos os democratas.
Aplausos do PS. A democracia representativa não seria possível sem a participação dos milhões de portugueses que se
consciencializaram dos seus direitos e deveres cívicos e políticos, muitos deles militando em partidos ou com estes simpatizando, esforçando-se por convencer nas praças, com argumentos, e explicar, nas ruas, diferentes caminhos alternativos.
Prestamos homenagem a todos os democratas que experimentaram essa dedicação cívica à democracia, com um verso que Sophia dedicou aos militantes do PS e que inspirou Maria Helena Vieira da Silva a imortalizar em cores o espírito de Abril: «Por isso avanças sempre e não recuas / Connosco a poesia está nas ruas.»
Aplausos do PS. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, hoje os ataques à democracia chegam-nos, desde logo, através
daqueles que se sentam à extrema-direita neste Hemiciclo. São os que se servem das velhas fórmulas, como o populismo e a demagogia, aliados eternos da ignorância e da iliteracia política, para sabotar a crença na democracia, o respeito pelo pluralismo, o contrato entre representantes e representados. São os que tentam criar brechas na muralha do progresso com vista aos mais ignóbeis retrocessos, com políticas racistas, xenófobas, homofóbicas, misóginas, desumanas.
Mas, como diz a sabedoria popular, «tão ladrão é o que rouba como o que consente», por isso, cada vez mais nos deve preocupar a influência que o populismo exerce na direita democrática, uma direita que sempre respeitámos, mas para quem parece não haver limites nem tabus quando o que conta é a vã cobiça do poder pelo poder, custe o que custar.
Aplausos do PS.
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Um homem bom disse, e cito, que «a resposta para a extrema-direita é a justiça social.» Poderia ter sido Mário Soares, Jorge Sampaio, Salgado Zenha ou António Arnaut. Poderia até ter sido Francisco Sá Carneiro. Mas a frase é atual e é do Papa Francisco, preocupado com o populismo na vida política.
Aplausos do PS. Com os que se servem das liberdades democráticas e cívicas e as usam como instrumento para
retrocessos de direitos civilizacionais, seja em abril, seja em novembro, seja noutro mês, dia ou hora qualquer, deste ou dos anos vindouros, o PS não transige, o PS não cederá, o PS não pactuará.
Aplausos do PS. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os portugueses confiaram ao PS uma maioria parlamentar como
garante da estabilidade política. À época, estávamos ainda longe de imaginar que teríamos de apoiar e defender a Ucrânia e o direito internacional com convicção, sendo fiéis, coerentes e leais com o quadro de valores e princípios democráticos que orgulhosamente acompanhamos na construção da União Europeia.
Hoje, o PS mostra-se firme e coerente com o seu futuro com história: nas primeiras eleições livres, o PS adotou como palavra de ordem «a vontade do povo». Com a governação, estamos a trilhar um caminho de progresso de redução das desigualdades, de fortalecimento do Estado social no acesso à saúde, à educação e ao ensino superior, com mais inclusão, com melhor articulação do desenvolvimento territorial e em respeito pelo poder local e pelas autonomias regionais.
O que interessa, pois, aos portugueses é saber se combatemos as alterações climáticas, se lideramos a revolução digital, se estamos à altura de criar uma melhor economia, como este Governo manifestamente tem estado à altura de garantir.
Aplausos do PS. O que interessa aos portugueses é saber se o seu trabalho é protegido, se a segurança social está
afiançada, se a habitação é acessível e se o Estado responde às adversidades com a solidariedade que se exige, como este Governo tem promovido em todos os momentos.
O que interessa aos portugueses é saber se as suas oportunidades e expectativas vão melhorar, se os salários vão subir, se as pensões vão aumentar, como sempre aconteceu e acontecerá com este Governo e ao contrário do que aconteceu com a direita no poder.
Aplausos do PS. Tal como nessa altura em que nasciam os primeiros traços da nossa jovem democracia e do esboço da
Constituição que nos rege, hoje a nossa mensagem é a mesma: sim, o PS está a respeitar e, sim, está a cumprir a vontade do povo português.
Aplausos do PS. Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a
estabilidade, os mandatos que o povo confere. Melhorar a democracia é garantir que a democracia política e a democracia social caminham lado a lado, porque os populismos são fruto da exclusão e devemos valorizar a decência e o sentido de Estado. Melhorar a democracia é rejeitar a vida como um campo de minas, onde quem passar, passou, como nos sugerem e propõem as visões neo e ultraliberais da sociedade, ancoradas no individualismo e na negação da igualdade de oportunidades.
Aplausos do PS.
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, conscientes das responsabilidades de todos nós perante a democracia e as suas ameaças, concluo com um voto de confiança no futuro, com o lema que Jorge Sampaio criou e revestiu de significado para todos os democratas: «25 de Abril sempre!» Viva o 25 de abril! Viva Portugal! Fascismo nunca mais.
Aplausos do PS, de pé. O Sr. Presidente: — Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, demais Autoridades Civis, Militares e Religiosas, Sr.as e Srs. Embaixadores, Ilustres Convidadas e Convidados, Caras e Caros Concidadãos, Sr.as e Srs. Deputados, Capitães de Abril: O 25 de Abril libertou-nos o tempo. O futuro deixou de reduzir-se à repetição do presente, «mudar» cessou de ser um verbo malquisto. O porvir passou a estar em aberto, disponível e declinável em várias possibilidades de evolução e transformação, e as pessoas descobriram-se sujeitos do futuro, cidadãs e cidadãos responsáveis pelas escolhas que o determinam.
A natureza revolucionária do processo político que se seguiu ao 25 de Abril implicou uma radical aceleração do tempo. Como Sérgio Godinho tão bem cantou, «a sede de uma espera só se estanca na torrente». Descongelada a história, vencido o medo, era como se 50 anos de retrocesso tivessem de ser resolvidos num instante e as circunstâncias nada pudessem contra a vontade de agir no imediato, em todos os aspetos da vida coletiva.
Desmantelados os aparelhos repressivos, a conflitualidade política e social exprimiu-se abertamente, numa vertigem que sucessivas crises foram alimentando, mas que também foi contida e regulada por avanços decisivos rumo à institucionalização democrática, das eleições para a Assembleia Constituinte ao 25 de Novembro e ao 2.º Pacto MFA-Partidos e da aprovação da Constituição à conclusão do primeiro grande ciclo eleitoral, com os sufrágios para esta Assembleia, o Presidente, as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e as Autarquias Locais.
Assim estabilizada a ordem democrática, que a revisão constitucional de 1982 e a adesão às comunidades europeias haveriam ainda de aperfeiçoar, o tempo, parâmetro central da transição, pôde representar-se como o que realmente é: um feixe de múltiplos eventos, ritmos, escalas e durações, que deixa em aberto o porvir e nos convida a pensar e a fazer. Também por isso, por terdes sacudido o imobilismo e reposto em movimento a roda da História, vos agradecemos, Capitães de Abril!
Aplausos do PS, do PCP, do BE, do L e de Deputados do PSD e da IL. O tempo tem sido um marcador essencial da vida coletiva democrática, como tudo o resto, sujeito à
pluralidade e diversidade das representações a seu respeito. Mas não será difícil entender-nos sobre alguns aspetos cruciais.
A transitoriedade é o elemento básico da democracia. Nada é eterno, nada escapa à usura, cada contexto tem o momento próprio. A lógica republicana impõe limites ao exercício continuado de funções públicas, obrigando à renovação. As escolhas não são, por definição, definitivas. A composição dos Parlamentos varia com as circunstâncias: os que hoje são maioria amanhã serão minoria, as oposições de hoje serão amanhã o Governo. Programas, políticas, equipas, lideranças, tudo isso é breve em democracia.
O tempo é, portanto, uma passagem. É também de uma grande plasticidade. Umas vezes acelera, outras abranda. Aqui predomina a urgência, ali o que faz sentido é parar um pouco para refletir. Esta hora é de estudar e preparar, aquela de agir sem delongas, e o agir pode ser para continuar ou para mudar, para consolidar ou para romper um certo estado de coisas.
Outra característica estrutural do tempo democrático é a «ciclicidade», a sua natureza cíclica. A escolha política fundacional, que é o sufrágio, determinando quem representa e quem governa, com que programa, obedece a critérios de periodicidade e duração.
A eleição é periódica porque nenhum poder é eterno, devendo ser regularmente aferida a vontade das pessoas. Por exemplo, as eleições legislativas ocorrem em cada quatro anos, determinam a composição do Parlamento, e é a partir dessa composição, e só a partir dela, que se formam os Governos e as oposições.
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Mas este intervalo que a renovação pendular delimita é também uma duração. O tempo dura e isso é essencial numa democracia, para que os programas sejam executados, as políticas aplicadas e os resultados avaliados; para que a fiscalização se exerça e diferentes propostas sejam apresentadas e discutidas; para que novos programas, protagonistas e coligações se preparem e maturem; para que, assim informadas, as pessoas possam, no momento próprio, comparar e escolher.
Os tempos políticos são diferenciados e pautarem-se os vários órgãos de soberania e demais instituições por diversas temporalidades é um dos ingredientes fundamentais da estrutura de poderes e equilíbrios em que repousa a democracia.
Depois, o ritmo da política não pode confundir-se com a cadência própria de outros atores relevantes do espaço público, como os atores sociais, os media ou os interesses económicos, nem a eles pode ser subordinado. O tempo político não é indiferente ao pulsar complexo e contraditório da sociedade, mas é a institucionalidade democrática que pauta o seu andamento, e a sua base principal é a escolha periódica, livre e soberana dos cidadãos.
Nada disto é novidade, mas talvez seja oportuno lembrá-lo aqui e agora: aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o coração da representação pluralista e do debate livre e o centro da dialética entre Governos e oposições; agora, que uma certa sofreguidão ameaça propagar-se, como vírus, no espaço público, pondo em causa vantagens preciosas da sólida democracia que somos, como tal reconhecida internacionalmente.
Aplausos do PS. Essas vantagens preciosas da democracia portuguesa são a estabilidade política, a previsibilidade dos
comportamentos institucionais, a resiliência face à volubilidade das opiniões, a maturação das medidas em resultados, o sentido de responsabilidade nas palavras que proferimos.
Claro que, em democracia, tudo pode ser questionado. Como já assinalei e faço questão de repetir, o tempo democrático é, por natureza, passageiro, plástico e diferenciado e o regime tem mecanismos para evitar a perpetuação de situações que se tornem insustentáveis.
Mas o tempo democrático é também cíclico, tem um certo ritmo e uma certa duração. Se a Assembleia funciona, debatendo, fiscalizando, inquirindo e legislando; se o Governo desenvolve e aplica as suas políticas, com variável acerto, e goza de confiança parlamentar; se as oposições vão fazendo caminho de formação e afirmação de alternativas; se os órgãos de soberania cooperam, no respeito pelas competências uns dos outros, e se inúmeros são os problemas das pessoas e do País, sendo responsabilidade primacial dos diferentes decisores enfrentá-los, então, devemos respeitar o tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações.
Aplausos do PS. Devemos preferir a respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante típica
das excitações populistas. Aplausos do PS. Isto para benefício de todos, porque se todos perderemos no dia em que aceitarmos que a dinâmica
política deve ser insensível às necessidades e ao ambiente social e pautar-se exclusivamente por procedimentos administrativos e formais, também todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistémicas, e no dia em que aceitarmos que a vida de um Parlamento ou de um Governo, sejam eles quais forem, está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da perceção dos media, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens.
Aplausos do PS, com Deputados de pé.
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Estamos em dia de citações bíblicas, portanto, vai mais uma. Risos de Deputados do PS. Como o conjunto do mundo terreno para o Eclesiastes, a democracia compreende vários tempos. Há um
tempo para analisar e há um tempo para escolher. Há um tempo para decidir e outro para executar. Há um tempo para realizar e outro para avaliar. Não se sucedem uns aos outros; a sua copresença é que define a nossa circunstância, permanentemente sujeita à contradição e ao debate, mas também com os graus de liberdade que permitem aos atores políticos referirem a sua ação ao interesse geral, sabendo-se protegidos pela duração face à exigência demagógica do império do instante.
As palavras, as palavras que dizemos e as palavras que não dizemos, contam muito. Deixo, pois, aqui uma defesa convicta do tempo democrático, que é o ciclo da conjuntura e não a fugacidade dos eventos. Só assim podemos continuar todos o trabalho que temos todos feito como País: prosseguindo os interesses permanentes, consolidar, modernizar, mudar o que for preciso para evoluir e para progredir, construindo o futuro que o 25 de Abril nos abriu.
Aplausos do PS, de pé, do L, de Deputados do PSD e da Deputada do BE Joana Mortágua. Vai agora usar da palavra Sua Ex.ª o Presidente da República. O Sr. Presidente da República (Marcelo Rebelo de Sousa): — Sr. Presidente da Assembleia da
República, Sr. Primeiro-Ministro e demais Membros do Governo, Sr. Presidente, António Ramalho Eanes, Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores, Srs. Embaixadores, Sr. Presidente da Associação 25 de Abril, na sua pessoa, saúdo calorosamente, uma vez mais, os Capitães de Abril, Ilustres Convidados, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados, Portugueses: Entramos hoje no 50.º ano até ao 25 de abril de 2024, tempo de evocação, tempo de reflexão crítica, tempo de esperança, tempo de partilha. Em 25 de abril de 2024 se falará do tempo do futuro, dos 50 anos pela frente.
Tempo de evocação: evocamos esse momento singular na história portuguesa, de fim do império, de fim do regime ditatorial, de abertura de caminho para a democracia e para a liberdade. Digo bem, para a democracia e para a liberdade, porque, para a maioria esmagadora dos portugueses, a liberdade não nasceu em 1820, não nasceu com a monarquia constitucional ou com a 1.ª República, acabou por nascer com o 25 de Abril e com a própria democracia — um momento só possível, quando foi e como foi, pela coragem dos determinados e valorosos Capitães de Abril. Bem hajam!
Aplausos do PS, do PSD, da IL, do PCP, do BE, do PAN e do L. Mas é também tempo de reflexão crítica. Em rigor, a reflexão crítica ocorre todos os anos, pelo menos, pelo
25 de Abril, mas, neste começo de 50.º ano, há mais razões para nos debruçarmos sobre essa reflexão. Há muito quem, em Portugal, sinta que o 25 de Abril ficou incompleto, ficou imperfeito, está por cumprir,
não corresponde aos sonhos do passado ou aos anseios do futuro. Uns porque, em rigor, teriam preferido que não tivesse existido o 25 de Abril, por aquilo que perderam aqui ou nos territórios africanos, ou porque têm, certa ou errada, a imagem do período pré-25 de Abril que corresponderia, se não aos seus sonhos, pelo menos a muitas das suas expectativas e anseios.
A esses, cuja saudade e nostalgia se respeita, há que dizer que o tempo não volta para trás, e aquilo que veem como tendo sido o 24 de abril, em muitos dos seus traços globais, verdadeiramente, não existiu. É um refazer da História.
Quem como eu pôde viver o fim do império aqui e nas lonjuras desse império, e observar não só de fora, mas por dentro o fim da ditadura, sabe que a realidade era outra. Que a realidade era uma independência da Guiné-Bissau, reconhecida por muitos mais países do que aqueles poucos que apoiavam Portugal. Sabe que a situação político-militar em Moçambique era extremamente grave e depois desesperante nos últimos anos que precederam 1974.
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Sabe que a ditadura estava exausta, já não tinha conseguido, ainda em salazarismo, sequer o mínimo de renovação. Falhara depois, na liberalização. Isso mesmo o disse Francisco Sá Carneiro ao falar na liberalização bloqueada.
Dera passos tímidos, no sentido do desenvolvimento e do acordo comercial com a Europa, mas não no sentido da plena integração europeia. Continuava, se não mesmo agravava, a atuação repressiva e o sacrifício das liberdades, também por causa da situação militar. E, sobretudo, o seu principal bloqueamento reconduzia-se a isto: ter milhares e milhares de homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por outros, missões que não tinham futuro político.
Essa era a realidade traduzida, aliás, no afastamento dos dois mais prestigiados chefes militares e nos pedidos de demissão do chefe do Governo, mais do que um nos últimos tempos antes do 25 de Abril.
Mas há aqueles que consideram que o 25 de Abril de hoje não só é imperfeito, como é frustrante, por razões que não se prendem com um regresso a um passado impossível. Tem a ver com o 25 de Abril que sonharam, que os mais velhos sonharam e que se não concretizou ou apenas se concretizou em parte.
Têm alguma razão, porque, em todas as revoluções, não houve uma revolução, houve várias e essas revoluções conheceram sucessos diferentes em tempos diferentes.
A revolução de António Spínola era ou foi diferente da revolução de Francisco Costa Gomes; a revolução de Francisco Costa Gomes foi diferente da revolução de António Ramalho Eanes; a revolução de António Ramalho Eanes foi diferente da revolução de Vasco Gonçalves; a revolução de Vasco Gonçalves foi diferente da revolução de Otelo Saraiva de Carvalho ou de Ernesto Melo Antunes ou de muitos outros Capitães de abril.
Cada um sonhava ou sonhou, em algum momento, durante o processo revolucionário, com um 25 de Abril diferente. Se passarmos para os pais civis da democracia portuguesa, o 25 de Abril e a Revolução de Álvaro Cunhal foram diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Mário Soares, diferentes da Revolução e do 25 de Abril de Francisco Sá Carneiro e diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Diogo Freitas do Amaral.
Como em todas as revoluções ou ruturas, há umas que triunfam e outras que falham, normalmente nunca de forma total. São vencidas parcialmente. É natural que muitos dos que formaram ou aderiram àquela frente nacional para abrir caminho para um novo regime sintam que a sua visão própria ficou por concretizar.
O mesmo se dirá da Constituição. Uma coisa foi a Constituição, que tive a honra de votar como muitos outros, em 1976; outra bem diferente foi a revisão dessa Constituição em 1982 ou em 1989 ou em 1997 — só para referir as mais profundas, duas das quais acompanhei de muito perto. Era a mesma Constituição em termos formais e em muito da sua substância, mas ficaria profundamente alterada pelo termo do período de transição política em 1982, e ainda mais em matéria económica e social em 1989 e 1997. Uns tinham vencido e outros tinham perdido.
O mesmo se passou por cada eleição presidencial, por cada eleição parlamentar, por cada primeiro-ministro, por cada presidente de Governo regional ou autarca. As soluções variaram. Ao variarem as visões do 25 de Abril e, sobretudo, as suas concretizações, uns ganhavam e outros perdiam.
Houve Presidentes de direita com Governos de direita e com Governos de esquerda, Presidentes de esquerda com Governos de esquerda e Governos de direita e houve ganhadores e perdedores. A concretização dos sonhos de cada ato eleitoral, também ela, foi uma concretização, que, muitas das vezes, ficou largamente frustrada, nuns casos tendo levado à permanência da Legislatura, noutros, mais raros, porque mais pesados, à sua redução.
Ansiava-se e anseia-se por ainda melhor democracia. Ansiava-se e anseia-se por mais crescimento, por mais igualdade, por mais justiça social, por melhor educação, por melhor saúde, por melhor habitação, por melhor solidariedade social, por mais ambiente, visão intergeracional, papel da mulher, desempenho de jovens e de setores excluídos ou ignorados da sociedade, por menor pobreza e falta de coesão social e territorial, esse flagelo que, infelizmente, marcou todos os períodos, mesmo os períodos de maior expansão dos últimos 50 anos. Nunca conseguimos reduzir a menos de um milhão e meio o número de pobres.
Ansiava-se e anseia-se, porque faz parte da lógica da democracia e é imposto pelo conjunto de desafios que se têm sucedido, a ritmo extremamente acelerado, o haver sonhos, aspirações ou tão-só expectativas e, em muitos casos, a não realização desses sonhos, dessas aspirações e dessas expectativas desilude, desaponta, frustra as gerações de 70 ou de 80, como, talvez ainda mais, as do fim do século e destes 20 anos de século XXI. Nuns casos, nos menos jovens, por parecer uma vida perdida; noutros, nos mais jovens, por parecer uma vida sacrificada à partida.
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Mas este é também um tempo de esperança. Esperança porque a liberdade e a democracia, mesmo quando nos trazem muitas desilusões e a sensação de tempo perdido, de adiamento, nos dão sempre a esperança que a ditadura não tolera, que é a esperança na mudança.
Em ditadura ou se está pela ditadura ou se combate e derruba a ditadura. Em democracia, há sempre a possibilidade de criar caminhos diversos — sempre. Podem demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos.
A liberdade e a democracia permitiram e permitem que a maioria esmagadora desta Câmara, como do povo português, apoiasse e apoie, sem qualquer hesitação ou dúvida existencial, a Ucrânia e o povo ucraniano, agredido de forma bárbara e em valores e princípios fundamentais, mas que, ainda assim, houvesse vozes, claramente, minoritárias, dissonantes.
A mesma liberdade e democracia permitiram que dois pais dessa democracia, Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral, tivessem desfilado nas ruas contra a posição norte-americana, nosso antigo aliado, relativamente à intervenção no Iraque.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! O Sr. Presidente da República: — Ontem, como hoje, há quem concorde e discorde relativamente às
atuações internas ou às posições externas e se tenha manifestado ou manifeste: 1, 100, 1000, 10 000, 100 000, 300 000. O número real ou sonhado não é o essencial, o dos que aparecem e o dos milhões que não aparecem, mas pensam diferente, agem diferente, escolhem diferente, entre si, esse pluralismo é crucial. Faz parte da essência da democracia e em ditadura nunca haveria. É essa a razão da nossa esperança.
É o sabermos que, verdadeiramente, o supremo senhor do 25 de Abril, da liberdade e da democracia e, por isso, efetivo garante da estabilidade se chama, há cinquenta anos, povo.
Aplausos do PS, do PSD, da IL, do L e da Deputada do BE Joana Mortágua. E o povo vai escolhendo com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação,
ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer. E vai mudando quando entende que deve mudar, ou mantendo se entende que deve manter, nem que seja para se arrepender por quanto inovou ou manteve algum tempo volvido.
Mas este é também um tempo de partilha. É um tempo de partilha porque este 25 de Abril tem de especial o nós podermos ter tido connosco alguém que representa a primeira das primeiras descolonizações de Portugal. Esse alguém foi recebido, há uma hora e meia, numa Sessão Solene e é o Presidente da República Federativa do Brasil, o simbólico representante de uma pátria irmã e não apenas, ou sobretudo, o titular de cada instante histórico.
Vozes: — Muito bem! Foi ademais eleito por quem tinha direito a elegê-lo, o povo brasileiro, e não outros povos ou partes
maiores ou menores de outros povos. Aplausos do PS, do PSD, do BE, do PAN, do L e do Deputado do PCP Manuel Loff. O que importa, antes de mais, é que nós percebamos porque é que a Assembleia da República viveu hoje,
aqui, uma coincidência tão feliz, derivada dos 523 anos sobre o dia 22 de abril que assinalou o momento primeiro do contacto português com o território brasileiro.
O 25 de Abril começou por existir por causa da descolonização. Os Capitães de Abril entenderam que não fazia sentido manter uma guerra em que cumpriam a sua missão, mas não percebiam com que objetivo, com que horizonte, com que fim. O fim era traçado por outros, pelos decisores políticos. Portanto, faz todo o sentido o encontro de hoje, que é um encontro de sempre, precisamente porque uma das componentes nucleares do 25 de Abril se chamou descolonização, e faz sentido termos tido este ano entre nós quem foi pioneiro, quem foi precursor na descolonização, 200 anos antes: o Brasil.
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Aplausos do PS, do PSD e do L. Isso serve-nos para olharmos para trás, a propósito do Brasil, mas seria também possível a propósito de
toda a colonização e de toda a descolonização, e assumirmos plenamente a responsabilidade por aquilo que fizemos. Não é apenas pedirmos desculpa — devida, sem dúvida —, por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é, às vezes, o que há de mais fácil. Pede-se desculpa, vira-se as costas e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que, de bom e de mau, fizemos no passado.
Fizemos de bom. Tomemos para o caso do Brasil, por exemplo, entre muitos mais fatores, a língua, a cultura, a unidade do território brasileiro, contrastando com a dispersão nas antigas colónias espanholas. Tantos traços ficaram a ligar-nos.
De mau, a exploração dos povos originários, denunciada por António Vieira, a escravatura, o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros e até a arrogância, durante muito tempo, do seu quase desconhecimento, deslumbrados que andávamos com outras paragens mais orientais e outras riquezas. Um pior da nossa presença que temos de assumir, tal como assumimos o melhor dessa presença. O mesmo se diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no império, ao longo de toda a colonização.
Portugueses, o novo tempo pós-colonial foi e é um tempo em que a partilha envolveu e envolve aqui, entre nós, centenas de milhares de irmãos da língua e, nos territórios dos seus Estados, centenas de milhares de portugueses. Aqui, são quase meio milhão de mulheres e homens incansáveis no que têm feito por Portugal nas escolas, nos hospitais, nos centros de saúde, nas misericórdias, nas IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social), como cuidadores informais, no trabalho, na agricultura, no comércio, na indústria, no ensino.
Irmãos brasileiros, irmãos guineenses, irmãos timorenses, irmãos cabo-verdianos, irmãos são-tomenses, irmãos angolanos, irmãos moçambicanos e mais outros que vivem noutros Estados, mas têm comunidades fortes a falar português.
Aplausos do PS, do PSD e do L. Penso em goeses, macaenses, para já não falar nas nossas excecionais comunidades espalhadas pelo
mundo. Não posso deixar de alargar a muitos outros que, também entre nós, vindos de fora, não falantes de
português, constroem Portugal, descontam para a segurança social, criam riqueza, contribuem para o nosso futuro dando força à nossa vocação histórica, ao nosso desígnio nacional, desígnio nacional que não é apenas crescer economicamente mais, o que é importante, ou criar mais igualdade ou reduzir pobreza ou falta de coesão social ou territorial. É sermos aquilo em que fomos e somos em tantos casos insubstituíveis: plataforma entre oceanos, continentes, culturas e povos.
Aplausos do PS, do PSD e do PAN. É um grande momento para nós partilharmos o 25 de Abril, agradecendo o que recebemos, esperando
poder dar, em tantos casos, ainda mais, muito mais do que temos dado. Confesso que sinto alguma emoção quando penso que o meu avô partiu para o Brasil, naquele dia 24 de
abril de 1871, levando irmãos mais novos, para fugir da miséria das Terras de Basto, no Minho mais profundo, e, depois, muito mais tarde, do Brasil para a Angola ainda colonial. E que a sua história foi a história de milhares e milhares e milhares de portugueses e de nacionais de outros países de língua portuguesa.
O facto de ser, porventura, o primeiro Presidente da República que tem, fruto da dupla nacionalidade, um filho português que também é brasileiro e uma neta brasileira que também é portuguesa, e parentes próximos noutra pátria como Angola, como tem em pátrias que não são de língua oficial portuguesa, não é mais do que aquilo que se passa com tantas e tantos nacionais nossos compatriotas e nacionais desses Estados de língua portuguesa ou não falantes de português.
Como podemos nós, pátria de emigração — que temos de ser, aliás, mais solidários para com os dramas dos nossos emigrantes —, ser egoístas perante os dramas dos emigrantes que são dos outros?
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Aplausos do PS, do PSD, do PAN e do L, de pé, da IL, do BE e do Deputado do PCP Manuel Loff. Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024, seja um momento de evocação da
democracia que ele tornou possível; da liberdade que ele permitiu que fosse vivida por um maior número de portugueses; de passos na descolonização, e pós-descolonização, tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucesso e fracasso; do desenvolvimento, que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucesso e fracasso.
Com a última palavra no povo, com o povo tendo a possibilidade — que só em liberdade e democracia existe, nunca em ditadura — de continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que saiba que é imperfeito, que durará pouco tempo e que ficará aquém das expectativas.
Com a certeza de que o 25 de Abril está vivo, porque nasceu para criar a ambição, para criar a insatisfação, para criar o não acomodamento, para criar a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor — sempre.
Viva o 25 de Abril! Viva a liberdade! Viva a democracia! Viva Portugal! Aplausos do PS, do PSD e do L, de pé, da IL e do PAN. O Sr. Presidente: — Está assim encerrada a Sessão Solene Comemorativa do XLIX Aniversário do 25 de
Abril. Bom 25 de Abril para todos. Eram 13 horas e 13 minutos. A Banda da Guarda Nacional Republicana executou, de novo, o hino nacional, que foi cantado e aplaudido,
de pé, pelos presentes. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.