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Quinta-feira, 18 de maio de 2023 I Série — Número 129

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE17DEMAIODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 6

minutos. Deu-se conta da retirada dos Projetos de Lei n.os 487 e

785/XV/1.ª e da entrada na Mesa da Proposta de Lei n.º 83/XV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 763 e 765 a 767/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 674, 680, 687 e 690 a 695/XV/1.ª

Foi aprovado um parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados relativo à substituição de um Deputado do PSD.

No âmbito da ordem do dia fixada a requerimento do PS, procedeu-se ao debate conjunto dos projetos de lei (na generalidade) e projetos de resolução seguintes:

Projeto de Lei n.º 762/XV/1.ª (PS) — Altera o regime de

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atribuição do nome próprio promovendo a autodeterminação da identidade e expressão de género;

Projeto de Resolução n.º 678/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas para assegurar o caráter automático, oficioso e gratuito da atualização das várias inscrições nos registos públicos na sequência da alteração do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome;

Projeto de Resolução n.º 679/XV/1.ª (PS) — Consagra o dia nacional da visibilidade trans;

Projeto de Lei n.º 765/XV/1.ª (L) — Pela autodeterminação no direito ao reconhecimento da identidade legal de pessoas trans no assento de nascimento de descendentes e no assento de casamento;

Projeto de Lei n.º 767/XV/1.ª (PAN) — Assegura a neutralidade de género no registo civil e reforça os direitos das pessoas trans, intersexo e não-binárias, alterando o Código do Registo Civil e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado;

Projeto de Lei n.º 783/XV/1.ª (BE) — Reforça a

promoção da autodeterminação de género, procedendo à alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho;

Projeto de Resolução n.º 687/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que crie o dia nacional da visibilidade trans;

Projeto de Resolução n.º 697/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que estabeleça a gratuidade das alterações ao cartão de cidadão.

Usaram da palavra, a diverso título, os Deputados Miguel dos Santos Rodrigues (PS), Paula Santos (PCP), Rui Tavares (L), Inês de Sousa Real (PAN), Joana Mortágua (BE), Patrícia Gilvaz (IL), Emília Cerqueira (PSD), Pedro Delgado Alves (PS), Rui Paulo Sousa (CH), Isabel Alves Moreira (PS), João Cotrim Figueiredo (IL), Lina Lopes (PSD), Miguel Matos (PS), Rita Matias e Pedro Pinto (CH) e Eurico Brilhante Dias (PS).

O Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 2 minutos.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Estamos em condições de iniciar os nossos trabalhos. Eram 15 horas e 6 minutos. Solicito aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado. Para a leitura do expediente, passo a palavra à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha. A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos. Em primeiro lugar, tenho a anunciar a substituição do Sr. Deputado Ricardo Augustus Guerreiro Baptista

Leite (círculo eleitoral de Lisboa) por João Carlos da Silva Bastos Dias Coelho, com efeitos a partir do dia 17 de maio — hoje —, inclusive, por um período de seis meses, ou seja, até ao dia 17 de novembro de 2023.

Depois, anuncio a retirada dos Projetos de Lei n.os 487/XV/1.ª (L) e 785/XV/1.ª (IL). Anuncio ainda que deram entrada na Mesa, e foram admitidas, várias iniciativas: a Proposta de Lei

n.º 83/XV/1.ª (GOV), que baixa à 1.ª Comissão; os Projetos de Lei n.os 763/XV/1.ª (PAN), que baixa à 7.ª Comissão, 765/XV/1.ª (L), 766/XV/1.ª (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, e 767/XV/1.ª (PAN); e os Projetos de Resolução n.os 674/XV/1.ª (PSD), que baixa à 4.ª Comissão, 680/XV/1.ª (CH), 687/XV/1.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão, 690/XV/1.ª (PSD), que baixa à 11.ª Comissão, 691/XV/1.ª (PS), que baixa à 7.ª Comissão, 692/XV/1.ª (PSD), que baixa à 9.ª Comissão, 693/XV/1.ª (PCP), que baixa à 1.ª Comissão, 694/XV/1.ª (PCP), que baixa à 11.ª Comissão, e 695/XV/1.ª (PS), que baixa à 6.ª Comissão.

É tudo, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Vamos, então, votar o parecer da 14.ª Comissão, relativo à substituição do

Sr. Deputado Ricardo Baptista Leite pelo Sr. Deputado João Dias Coelho. Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. Vamos iniciar a nossa ordem do dia, que hoje é fixada potestativamente pelo Partido Socialista, e no

âmbito da qual procederemos ao debate conjunto dos projetos de lei (na generalidade) e projetos de resolução seguintes:

Projeto de Lei n.º 762/XV/1.ª (PS) — Altera o regime de atribuição do nome próprio promovendo a autodeterminação da identidade e expressão de género;

Projeto de Resolução n.º 678/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas para assegurar o caráter automático, oficioso e gratuito da atualização das várias inscrições nos registos públicos na sequência da alteração do sexo no registo civil e a consequente alteração de nome;

Projeto de Resolução n.º 679/XV/1.ª (PS) — Consagra o dia nacional da visibilidade trans; Projeto de Lei n.º 765/XV/1.ª (L) — Pela autodeterminação no direito ao reconhecimento da identidade legal

de pessoas trans no assento de nascimento de descendentes e no assento de casamento; Projeto de Lei n.º 767/XV/1.ª (PAN) — Assegura a neutralidade de género no registo civil e reforça os

direitos das pessoas trans, intersexo e não-binárias, alterando o Código do Registo Civil e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado;

Projeto de Lei n.º 783/XV/1.ª (BE) — Reforça a promoção da autodeterminação de género, procedendo à alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 131/95, de 6 de junho;

Projeto de Resolução n.º 687/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que crie o dia nacional da visibilidade trans;

Projeto de Resolução n.º 697/XV/1.ª (IL) — Recomenda ao Governo que estabeleça a gratuidade das alterações ao cartão de cidadão.

Comunico ainda que não haverá votações no final deste debate. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não haverá? Mas porquê?! O Sr. Presidente: — Para apresentar as iniciativas do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Rodrigues.

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O Sr. Miguel dos Santos Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje celebramos o

Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia. Este dia nasceu da consciência coletiva de ativistas, de agentes da sociedade civil, de agentes políticos e

de outros tantos, que entenderam que a discriminação de que haviam sido alvo as pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo e outros) durante tantos séculos se aproximava inevitavelmente do fim, não por vontade divina, mas, acima de tudo, pela força dos próprios.

Foram séculos em que, por opressão legal, religiosa ou de culto, foram reprimidos quaisquer desvios da norma da orientação sexual ou da identidade de género, séculos em que a homofobia, a bifobia e a transfobia foram a regra e não a exceção.

Em Portugal, o trajeto que aqui nos trouxe também não foi linear. É pífio pensar na existência de quaisquer direitos civis durante o período do Estado Novo, independentemente da orientação sexual de quem os procurasse, e nesta República, nesta democracia em que vivemos, os progressos foram, também eles, lentos, mas acertados.

Em 2010, demos dignidade e permitimos, por fim, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em 2016, foi conquistado o direito à constituição de família pela adoção e coadoção, e começámos

também a reflexão sobre a constituição de um outro tipo de família através da procriação medicamente assistida, nos casos em que um dos membros da família pudesse ser gestante.

Em 2018, demos um passo pioneiro com a lei da autodeterminação da identidade e expressão de género. Em 2021, deixámos de discriminar os nossos concidadãos na doação de sangue, nesse direito tão singelo,

tão simples, de poder ajudar a salvar a vida de outrem. Em 2023, avançámos com a criminalização das terapias de conversão e com o direito à privacidade,

inclusivamente em meio escolar. Todas estas conquistas devem hoje ser celebradas,… Aplausos do PS. … neste dia e não noutro, e sobre elas há vários fios comuns: por um lado, a marcha inexorável rumo à

liberdade plena, e essa é a causa mais importante de todas; por outro lado, não posso deixar de constatar que todos estes progressos, sem exceção, ocorreram durante governações do Partido Socialista.

Aplausos do PS. Este conjunto de causas não deve, no entanto, desmerecer o contributo de muitos outros homens e

mulheres nesta Casa, de outras forças, da direita à esquerda, que também para elas positivamente contribuíram. E mesmo que alguns hoje aleguem que não é urgente discutir estas causas, ou que tudo o que havia para fazer está feito, sabemos bem que não é assim.

Aqui tão perto, mesmo dentro da União Europeia, Governos e maiorias reacionários, como na Hungria ou na Polónia, foram rápidos a aprovar leis discriminatórias e violentas contra estas pessoas. Do outro lado do Atlântico, o principal candidato às primárias republicanas juntou a sua supermaioria na Florida, onde governa, a uma lei a que chamou «Don't Say Gay», inibindo qualquer grau de ensino sobre estas matérias,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem! O Sr. Miguel dos Santos Rodrigues (PS): — … como se a ignorância em meio escolar pudesse negar a

identidade de qualquer jovem americano, europeu ou de outra parte qualquer. Aplausos do PS. Em suma, estes progressos não estão garantidos. E, sim, vale a pena, mas vale sempre a pena, falar

deles, não porque isso os torne mais importantes ou mais valiosos, mas porque o esquecimento do progresso é mesmo a principal arma das forças extremistas, em Portugal e em toda a parte.

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Este é, por isso, um dia para refletir sobre o que está feito e sobre o que está por fazer e, por isso, o Partido Socialista traz a debate três projetos distintos: um que procura automatizar todas as alterações de registo junto da Administração Pública que advenham da alteração do nome no registo civil; um segundo que procura eliminar a obrigatoriedade de um nome que seja condizente com o sexo atribuído; e um terceiro que institui o dia nacional sobre a visibilidade trans.

Também nestas matérias avançamos com passos significativos, com um projeto que preserva o direito à privacidade já aprovado nesta Câmara, mas com muitas outras provas de comprometimento com estas causas.

Para as pessoas trans, em concreto — e sobre elas falo e a elas me dirijo —, as necessidades não se prendem, sabemos bem, com o reconhecimento legal, mas antes com as adequadas condições materiais para se realizarem plenamente no nosso País. Por isso mesmo, consagrámos, nos últimos anos, a autodeterminação, mas também um aprofundamento dos cuidados de saúde.

Constatando as dificuldades de acesso à saúde num local centralizado e único, no CHUC (Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra), em Coimbra, o que tantas pessoas deixou à espera por anos sem fim, o Governo avançou com a criação de três equipas multidisciplinares, com vista à sua formação adequada para intervenção médica, cirúrgica e psicológica junto desta comunidade, como devia ter sido feito desde o início.

O mesmo se fez, em 2021, no Porto e, em 2022, em Lisboa, com uma terceira unidade em preparação no Algarve e com uma equipa no Centro Hospitalar Universitário de Santo António já com capacidade de intervenção cirúrgica.

Isto, Sr.as e Srs. Deputados, é verdadeiramente o progresso com o qual nos comprometemos, e isto é também aquilo que vamos continuar a fazer.

Aplausos do PS. Enquanto houver uma pessoa que morra numa fila de espera ou que desespere na ânsia de cuidados de

saúde,… A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Mas isso há milhões! O Sr. Miguel dos Santos Rodrigues (PS): — … então não é uma promessa do 17 de maio que está por

cumprir, é uma promessa do 25 de Abril que está por cumprir, e isso é inaceitável na nossa democracia madura.

Aplausos do PS. Instituir um dia nacional para a visibilidade trans é uma oportunidade para refletirmos, todos e todos os

anos, sobre o que podemos fazer mais. O progresso que alcançaram e que alcançámos não pode ficar pelos manifestos das marchas, tem de ter tradução concreta junto de quem os representa.

É isso mesmo que hoje aqui promovemos: a visibilidade para um dos grupos mais negligenciados pelo Estado e pelos cidadãos,…

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Isso não é nada verdade, o que está a dizer! O Sr. Miguel dos Santos Rodrigues (PS): — … cujas dificuldades de desenvolvimento e integração no

mercado de trabalho, na escola ou nos hospitais são diárias, merece a nossa reflexão. Reflitamos, por isso, hoje sobre o que está por fazer. Porque as marchas começam hoje e continuarão

enquanto for preciso, mas, se todos fizermos a nossa parte, talvez chegue o dia em que já não precisemos de marchar. Quando só nos restar a celebração, então o nosso trabalho, verdadeiramente, estará feito.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento.

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Para o formular, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos, do PCP. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Miguel Rodrigues,

gostaria de lhe colocar algumas questões concretas, e, para não perder tempo, vou diretamente a elas. Essas questões prendem-se com o seguinte: a Lei n.º 38/2018 estabeleceu a possibilidade de

correspondência entre o nome e o sexo declarado no registo, mesmo não havendo coincidência com o sexo biológico, mas as iniciativas agora em discussão identificam naquela correspondência um problema e propõem que possa não haver correspondência entre o nome e o sexo declarado no registo.

Gostaria de lhe perguntar o seguinte: o que é que mudou desde 2018? Foi identificado algum problema na aplicação da lei que exija esta alteração, neste momento?

Como é que se compatibilizam as novas regras agora propostas para o Código do Registo Civil com as que constam ainda da Lei n.º 38/2018? As regras agora propostas para o Código do Registo Civil valem apenas para os nomes a atribuir à nascença ou também valem para as alterações do nome nas situações previstas na referida lei?

Se uma pessoa quiser alterar apenas o nome sem alterar o sexo declarado no registo, pode fazer isso utilizando a nova regra do Código do Registo Civil ou tem de continuar a cumprir a regra da Lei n.º 38/2018? Tendo de cumprir essa regra, isso assegura condições de igualdade no exercício do direito à autodeterminação da identidade de género? Que condições e critérios devem ser alterados nas regras da Lei n.º 38/2018 para que a igualdade seja assegurada?

E, por último, como é que se pode avançar com estas alterações sem que estes aspetos estejam devidamente acautelados?

Aplausos do PCP. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Batam palmas! O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Rodrigues. O Sr. Miguel dos Santos Rodrigues (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, agradeço, em primeiro lugar,

as questões. Aquilo que se alterou, evidentemente, é que, desde que aprovámos uma lei que, justamente, permite a

assunção de uma identidade de género, ou a autodeterminação de género, de forma mais livre e mais ponderada, as organizações da sociedade civil e os ativistas deram-nos conta de que, ainda assim, havia alterações que eram manifestamente insuficientes.

Desde logo — e não é essa a discussão que temos aqui hoje, mas é uma discussão que temos de ter —, perguntamos se continua a fazer sentido, por exemplo, a presença do identificador de sexo no cartão do cidadão. E parece-me que é isso que está na origem de todo o problema.

Não me parece, das questões que formulou, que haja algum grau de incongruência entre a lei que está aprovada e a proposta de alteração ao registo civil. Mas, se houver, e se, em processo de especialidade, for preciso alterar uma para haver congruência com a outra, naturalmente, o Partido Socialista está comprometido com a causa e com as alterações que forem necessárias para garantir a todas estas pessoas o direito à sua autodeterminação plena.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do Livre, tem agora a palavra o Sr. Deputado Rui

Tavares. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Esqueceu-se das folhas? O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Caros e Caras Colegas, Caros e Caras

Concidadãos hoje nas galerias,…

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não se cumprimentam as pessoas das galerias, que falta de respeito! O Sr. Rui Tavares (L): — … em particular aqueles que são ativistas dos direitos humanos e da causa da

liberdade e da visibilidade trans: Há a ideia, que é, ao mesmo tempo, uma ideia equivocada e justificada — e já se perceberá porque digo que é ambas as coisas —, de que, ao falarmos de visibilidade trans, estamos a falar de questões de minorias.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — É efetivamente uma minoria! O Sr. Rui Tavares (L): — Há a ideia de que, por estarmos a falar de direitos trans, estamos a falar de

causas fraturantes. Justificadamente, a população trans não é uma maioria, nem em Portugal nem em qualquer país do mundo. Mas digo que é justificado e equivocado ao mesmo tempo porque estamos, sim, a falar de uma minoria, mas, ao mesmo tempo, estamos a falar de valores que são de todos nós, de uma maioria.

Falar de identidade, de livre expressão da personalidade, de livre desenvolvimento da personalidade, falar daquela coisa básica que é ter documentos que correspondam à nossa identidade, falar de se sentir seguro, de não se ser tratado de forma agressiva ou com bullying, de não se sentir compelido ao suicídio — como acontece mais na população trans do que na população que não é trans —, isso é falar de causas de todos.

Falar da liberdade, falar da autonomia individual é uma causa de todos, e é uma causa essencial a defender numa Casa democrática de um País sob uma Constituição democrática de Abril.

É por isso que este debate que estamos aqui a ter hoje pode ser em relação aos direitos de uma minoria, mas os direitos dessa minoria são direitos humanos, e, portanto, são direitos que dizem respeito a todos, pelo que mesmo aqueles que não fazem parte dessa minoria podem aproximar-se deles, podem identificar-se com eles e até apropriar-se deles, ao perceber como se sentiriam se fosse consigo, em relação à identidade que também transportam, em relação ao nome que também transportam, em relação ao percurso de vida que também fazem.

É por isso que a proposta do Livre, que trazemos aqui hoje, é muito simples: que uma pessoa, por si só, no exercício dos seus direitos individuais, da sua liberdade individual e da sua autonomia, que, no caso, tenha mudado de sexo e queira averbar nos seus documentos a sua condição tal como ela é o possa fazer sozinha e não precise de passar pela humilhação de, sendo um cidadão de pleno direito, ter de pedir a alguém autorização para mudar os seus documentos, para averbar a sua condição nos seus documentos. É algo tão simples quanto isto.

Podemos olhar para isto do prisma de um problema que só afeta alguns, mas, para aqueles que afeta, afeta muito, e até muitíssimo. É por isso que esta Assembleia da República deve fazer algo por isso. Saudamos quem agendou o debate e esperamos que muitos possam apoiar as propostas hoje presentes à Assembleia da República, que irão brevemente a votação.

Aplausos do PS e do BE. O Sr. Presidente: — Para apresentar as iniciativas do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa

Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, membros aqui presentes:

Gostaria de começar por saudar todas e todos os ativistas LGBTI+ e as organizações de defesa dos direitos humanos das pessoas LGBTI+, em particular aqueles que hoje nos acompanham nas galerias.

Aproveito também para evocar o Dia Nacional contra a Homofobia e a Transfobia, que hoje se celebra e que iluminou este Parlamento com a bandeira arco-íris, dando assim nota de que esta Casa, a Casa da Democracia, é porto seguro dos direitos humanos e está do lado certo da história.

Aplausos do PS.

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Com este gesto, a Assembleia da República diz a todas e a todos aqueles que não respeitam os direitos da comunidade LGBTI+ que a homofobia, a transfobia, a interfobia e a bifobia não passarão em Portugal.

Com as iniciativas que hoje apresentamos — e começo por saudar também o Grupo Parlamentar do Partido Socialista por trazer o tema a debate —, queremos garantir o direito à neutralidade de género do nome próprio no registo civil. Não faz sentido que o registo civil continue a compartimentar as pessoas, completamente alheado da multiplicidade, quer biológica, quer identitária, tão intrínseca ao ser humano. Este não é um aspeto menor, pois a divisão rígida de género no registo civil leva a que, todos os dias, pessoas trans, intersexo ou não-binárias sintam desconforto e discriminação, ou até mesmo a interpretação errada sobre a identidade dada pelo seu nome.

Propomos ainda que as alterações de nome sem alteração de sexo sejam gratuitas, como já acontece com algumas alterações de nome. Com esta proposta respondemos ao apelo que nos foi dirigido pela rede ex aequo, pois não aceitamos que uma pessoa não-binária que não queira mudar de sexo tenha de pagar 200 € para ter um nome que expresse aquela que é a sua identidade de género. O Parlamento tem competência para garantir esta gratuidade e deve fazê-lo, sob pena de a gratuidade ficar sujeita a critérios de discriminação inaceitáveis.

Por fim, propomos a consagração do dia 31 de março como o dia nacional da visibilidade trans, um dia para dar visibilidade aos direitos das pessoas trans, para fazermos o balanço e o reflexo, como hoje já foi mencionado, sobre os avanços que já fizemos. No País onde Gisberta Júnior, cuja memória também evoco, morreu às mãos da homofobia e da transfobia, este dia é absolutamente fundamental.

Aplausos do L e de Deputados do PS e do BE. Sr.as e Srs. Deputados, termino saudando, uma vez mais, este dia e dizendo que, deste lado, do lado do

Parlamento que está ao lado dos direitos humanos, continuaremos a trabalhar para o rumo progressista da defesa dos direitos humanos, que é hoje o que está em debate.

Aplausos do BE, do L e de Deputados do PS. O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Joana Mortágua. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A melhor comemoração do Dia

Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia é dar mais um passo na consagração de uma sociedade mais livre e mais justa.

Todas as pessoas nascem num mundo que não construíram. Alimentam-se, vestem-se, começam a existir numa sociedade que é anterior a elas, com uma organização económica, social, política e cultural pré-determinada. Mas a história não acaba aí. As pessoas não são apenas herança. As pessoas, individual e coletivamente, têm um papel na sua própria história, não estão obrigadas a aceitar as expectativas e os papéis que lhes são impostos. São protagonistas da sua própria vida.

A luta do movimento feminista e do movimento LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, queer, intersexo, assexuais e outros) tem feito toda a sociedade avançar. O nosso País pode orgulhar-se das muitas conquistas que foram conseguidas no combate à homofobia e à transfobia, da retirada da homossexualidade do Código Penal,…

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Bem lembrado! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … passando pelo direito ao casamento e à adoção até ao reconhecimento

da autodeterminação de género. Foram muitas as marchas, foram muitas as lutas. Foi difícil, mas avançámos e continuaremos a avançar.

Então, o que falta fazer? Tudo! Desde logo, ter uma educação sexual compreensiva nas escolas, dar formação aos profissionais dos vários serviços públicos, progredir no acesso à saúde sem discriminações. A

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mudança não é só na lei, onde já fizemos tanto, mas em tudo o que na sociedade reforça a liberdade e a igualdade.

Discutimos hoje, no Parlamento, propostas que nos permitem prosseguir este caminho, reconhecendo e celebrando a vida das pessoas trans. Desde 2011, mais de 2000 mulheres e homens trans viram a sua identidade reconhecida no registo civil. As mulheres trans e os homens trans já podem usar, para todos os efeitos, um nome que é o seu, e só elas e eles é que sabem a diferença que faz já não terem de se apresentar no trabalho, num serviço público ou num qualquer ato comercial com um cartão de cidadão com um nome e um marcador de sexo que nega a sua identidade.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — A sociedade que hoje somos é aquela que vê crescer a primeira geração

de crianças e jovens trans que podem afirmar, desde cedo, a sua identidade. Aprovámos recentemente a lei que enquadra aquilo que já é prática em muitas escolas: respeitar estas crianças e estes jovens. É este o caminho em que estamos e é nele que queremos avançar. Como diz o movimento das pessoas trans: «Existimos e resistimos.»

No passado 31 de março, foi celebrado em Portugal, nas ruas, o dia da visibilidade trans. A visibilidade é importante. As pessoas trans querem ser visíveis, existir com orgulho e em segurança. A violência física, económica e psicológica contra as pessoas trans é uma realidade em todo o mundo. Essa matéria não depende apenas da lei, exige que os poderes públicos invistam recursos e tomem partido.

Nesse sentido, acompanhamos as iniciativas do Partido Socialista e do PAN, que recomendam ao Governo não apenas a consagração desta data simbólica como também a avaliação e o progresso das políticas públicas, nomeadamente a nível da saúde, para combater a discriminação e favorecer os direitos das pessoas trans. Acompanhamos também a proposta, feita pelo PS e pelo Livre, para que sejam mais rápidas e facilitadas as mudanças nos vários documentos públicos das pessoas trans, bem como as propostas, do PAN e da IL, para que as mudanças de documento sejam gratuitas.

Hoje também é o dia em que podemos estender o reconhecimento das pessoas trans às pessoas não-binárias e de género diverso. A sociedade é mais diversa do que as identidades «homem» e «mulher», e, arrisco-me a dizer, a sociedade é mais diversa do que alguns gostariam. A democracia tem de adaptar as suas regras para finalmente reconhecer mais este direito à existência e à identidade. É isso que fazem as iniciativas do PS, do Bloco e do PAN, ao acabar com a obrigatoriedade de o nome próprio corresponder à identificação com um sexo.

A iniciativa do Bloco de Esquerda dá ainda um outro passo, e achamos que ele é importante, ao permitir que as pessoas intersexo, não-binárias e de género diverso possam requerer que não haja identificação de sexo no seu documento de identificação. O cartão de cidadão é um documento obrigatório, apresentado em muitos momentos do dia a dia. Não pode ser um instrumento de desconforto e de ansiedade para quem o usa, não pode obrigar ninguém a encaixar em regras de género que não reconheça e que, sendo impostas, são uma violência. O cartão de cidadão não pode reconhecer menos do que a diversidade de identidades que a sociedade, a Constituição e este Parlamento reconhecem.

Quero citar, para terminar, Hugo van der Ding, esta manhã: «Parem de ser homofóbicos, transfóbicos e bifóbicos, por favor. Obrigado.»

Aplausos do BE, do PAN, do L e de Deputados do PS. O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa da Iniciativa Liberal, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada

Patrícia Gilvaz. A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A terceira década do século XXI é,

felizmente, um momento em que a mudança é uma constante, e o poder político não deve nem pode ser um entrave a esta liberdade de mudar. É com esse objetivo que a Iniciativa Liberal apresenta o projeto de resolução que traz hoje a debate.

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O cartão de cidadão e o registo civil são a primeira linha de identificação de uma pessoa na Administração Pública, um Administração Pública que deve ser flexível e adaptável e que deve respeitar as necessidades e as decisões dos cidadãos.

Acreditamos que não deve existir uma barreira económica sempre que, e quando, o cidadão pretenda uma qualquer alteração aos dados constantes do seu cartão de cidadão. Estas alterações, independentemente da sua natureza ou motivo, devem ser tendencialmente gratuitas. Não aceitamos que a simples mudança de nome, algo tão individual e identificativo, possa custar mais de um quarto do salário mínimo nacional.

Se queremos verdadeiramente promover a liberdade individual, nomeadamente a de alteração dos dados pessoais, temos de reconhecer que, atualmente, não existe uma verdadeira liberdade de alteração destes dados, pelo menos enquanto a lei exigir o pagamento de avultadas quantias para a sua concretização. E é por isso que a Iniciativa Liberal apresenta hoje este projeto de resolução, essencial para garantir a todos os cidadãos o direito de alterarem os seus dados individuais.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, podemos todos concordar que o pagamento de 200 € por um ato de registo civil tão simples é manifestamente avultado.

Com esta proposta queremos garantir que as pessoas que decidam fazer alterações aos seus dados, nomeadamente ao seu nome — e são várias que o fazem —, não se vejam impedidas ou inibidas pelo montante avultado que terão de pagar por estas alterações.

De forma simples, queremos que o Estado, que pela primeira vez arrecadou 100 mil milhões de euros de receita corrente, abdique de umas poucas centenas em favor da liberdade pessoal, para que todos sejam abrangidos pelos mesmos critérios, garantindo, assim, a igualdade de todos perante a lei.

Aplausos da IL e do L. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Emília Cerqueira. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também eu cumprimento todas

as organizações e associações que hoje estão presentes neste debate, que se realiza precisamente no Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia.

Sendo as igualdades, como a não-discriminação, a igualdade de oportunidades, a liberdade individual, algo que o PSD muito preza, saúdo todas aquelas que foram as mudanças com vista à liberdade de cada um ser e se expressar como realmente é.

Dito isto, centremo-nos neste debate, que tem a ver precisamente com várias iniciativas relativas à autodeterminação de género, que podemos dividir em diversas partes.

Por um lado, temos os projetos de lei, apresentados pelo PS, pelo Bloco de Esquerda, pelo Livre e pelo PAN, que têm a ver precisamente com a questão das alterações de nome no registo civil.

Estas questões colocam-nos perante duas outras questões fundamentais, que podem até ser contraditórias entre si. Por um lado, temos a questão da autodeterminação da identidade de género, que, no nosso entendimento, já está resolvida na Lei n.º 38/2018, visto que esta, no n.º 3 do seu artigo 7.º, já vem dizer, precisamente, e passo a citar, que «a pessoa intersexo pode requerer o procedimento de mudança da menção de sexo no registo civil e da consequente alteração de nome próprio, a partir do momento que se manifeste a respetiva identidade de género».

Portanto, em 2018, já se resolveu este problema, que, de facto, era um grande transtorno e uma grande discriminação para todas as pessoas que passavam por este processo de alteração de género, e de sexo também. Portanto, esta parte do problema ficou resolvida.

Agora, há outra questão que se nos vem colocar — e os dados mostram-no, quer pelos procedimentos de mudança de sexo, quer pelos procedimentos de alteração de nome que houve junto das conservatórias do registo civil —, que é seguinte: a partir de 2018, foram já 399 as pessoas que alteraram o seu nome no cartão de cidadão, e este procedimento tem sido simples.

Depois, coloca-se-nos aqui uma questão sempre falada. Dizia o Sr. Deputado do PS que não pode haver uma pessoa na lista de espera médica, e eu lamento dizer isto, mas somos um País em que milhões de

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portugueses esperam à porta dos hospitais e das urgências por um tratamento médico, do qual, muitas vezes, depende a sua sobrevivência.

Aplausos do PSD. Tendo sempre em conta, naturalmente, a situação das pessoas trans, a verdade é que temos de olhar para

o panorama macro e para todos os portugueses. Discriminação positiva, para que não haja discriminação efetiva das pessoas e para que possam viver de

acordo com a sua autodeterminação, sim; agora, priorizar isso, num momento em que este País vive problemas tão graves, mas tão graves como a inflação, a pobreza, a falta de acesso a bens essenciais e alimentação, com pessoas nos bancos do Banco Alimentar a pedir alimentos, todos os dias… Isto é que, de facto, deveria estar a preocupar mais o Partido Socialista.

O Sr. Miguel Matos (PS): — Isso é misógino! Que nojo de intervenção! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Ao invés disso, está apenas preocupado com aquilo a que se chama

«as grandes questões fraturantes». O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah!… A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E as grandes questões fraturantes passam, por um lado, pela eutanásia,

e, por outro lado, por alterar, agora, num debate que nos ocupa o dia inteiro, o Código do Registo Civil num artigo, porque é disso que estamos a falar.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Até podíamos nem fazer nenhuma iniciativa legislativa! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Está também preocupado com o pagamento de emolumentos num

destes processos de alteração de nome, quando todos sabemos que, sim, o PSD é a favor de que não se paguem emolumentos, mas para todos os portugueses. Somos um partido que defende todos os cidadãos, não apenas alguns cidadãos.

Aplausos do PSD. Também vemos com alguma preocupação esta adesão rapidíssima do PS à chamada cultura «wokista», à

cultura woke,… O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah! Já sabemos de onde isso vem! O Sr. Miguel Matos (PS): — Têm o Chega na cabeça! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … que, por todo o mundo, em nome de uma inclusão e de uma suposta

liberdade, tem vindo, cada vez mais, a transformar as pessoas no politicamente correto. Ao abrigo da tal inclusão, cada vez se exclui mais.

Ao incluirmos os trans, estamos a excluir os gays, as lésbicas… Todos os outros estão a ser excluídos. Protestos do PS e do L. Não vale a pena fazermos esse ar. Acima de tudo, estamos a excluir as pessoas de terem todas as

mesmas oportunidades. Isso, para nós, é muito importante: que todos tenham as mesmas oportunidades. Sr.as e Srs. Deputados, e também os portugueses e as portuguesas que nos estão a ouvir: o PSD é

solidário, sim, que todas as pessoas o possam ser, livremente.

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O Sr. Miguel Matos (PS): — Vergonha! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não somos, como nunca fomos, por que se tomem decisões de alterar,

a cada momento, de forma gratuita e sem qualquer suporte médico — como, aliás, defendemos já em 2018 —, o género, fazendo dele algo que nada tem a ver com aquilo que é a identidade real das pessoas.

Mais: numas idades muito precoces, por vezes, podemos estar a criar problemas ainda maiores do que aqueles que queremos resolver.

Percebi que a bancada do PS está muito indignada, mas «direitos humanos» não é apenas aquilo que julgam que é.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Ah!… A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Direitos humanos, significa tratar todas as pessoas com dignidade, e

todas é mesmo todas. Para o PSD, todas as pessoas têm a mesma dignidade. Todas as pessoas devem ser tratadas com

respeito, dignidade e inclusão; todas devem ter acesso aos serviços médicos, assim como aos processos de transição, quando seja o caso; bem como todas as pessoas, jovens e menos jovens, devem ter direito a fazer o seu processo de alteração de nome nas mesmas condições. Todas! Sejam elas quais forem, tenham elas o género que tiverem e seja qual for a sua orientação sexual.

Não compartimentamos, achamos que todas as pessoas — mas mesmo todas — merecem a mesma dignidade.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — A Mesa regista duas inscrições para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada, que

presumo que responda em conjunto. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sim, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Muito bem. Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra, em nome do PS, o Sr. Deputado Pedro

Delgado Alves. O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, agradeço a sua

intervenção — penso —, pelo menos parte dela. A Sr.ª Deputada referiu que havia questões potencialmente contraditórias nas iniciativas em discussão. O

que eu vi de potencialmente contraditório foi a primeira parte da sua intervenção e a segunda parte da sua intervenção.

A primeira parte da sua intervenção, devo dizer, vai no sentido correto, até revelador, de algum caminho que o PSD tem feito, apesar de ter votado contra a legislação que permitiu, em vários momentos da história do Parlamento, recentemente, dar passos no que respeita quer à identidade de género quer à mudança de sexo. Folgo em ouvir que o PSD está de acordo com a vantagem que foi dada a centenas de pessoas por força desta alteração à lei.

Portanto, a pergunta que me tinha inscrito para lhe fazer, perante o registo de problemas e o eco desses problemas que chega a esta bancada e às outras que apresentaram iniciativas legislativas — problemas que queremos resolver, melhorando a lei em vigor —, tinha a ver com o facto de saber se o PSD teria disponibilidade para acompanhar, no trabalho de especialidade, e para nos fazer chegar as suas preocupações quanto ao que pode estar menos bem conseguido nas propostas que apresentamos. Reconhecemos, com humildade, que podemos não ter resposta para tudo, e ia perguntar-lhe se, de facto, tinha disponibilidade para fazer esse esforço, porque nós temos todo o interesse e toda a vontade; e acho que todas as pessoas têm o PSD como um partido amigo dos direitos fundamentais e das liberdades fundamentais.

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Era o PSD que governava em 1982, quando foi descriminalizada a homossexualidade, e isso é uma medalha que honra o peito do Partido Social-Democrata.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Claro! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Mas, depois, a Sr.ª Deputada chegou à segunda parte da sua

intervenção e, devo dizer, estragou as coisas positivas que tinha trazido na primeira, porque deu-nos nota do seguinte: um agendamento é fracionar a sociedade.

Vozes do PSD: — Oh!… O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Ora, passaria pela cabeça de alguém que alguém de qualquer

bancada se levantasse no dia 8 de março, quando o PSD — e bem! — fez um agendamento em matérias de defesa das mulheres…

A Sr.ª Berta Nunes (PS): — Claro! Muito bem! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … e de violência doméstica, e dissesse que estava a fracionar, a

trabalhar para um nicho, a trabalhar para uma secção apenas? Não! Aplausos do PS.Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira. Naturalmente, este dia tem uma carga simbólica relevantíssima, importante para centenas, para milhares

de pessoas, neste País e mundo fora, e pretendemos assinalá-lo com este debate, para o qual até nem tínhamos de trazer nenhuma iniciativa. Pretendemos, de facto, sublinhar a importância deste dia e há questões pendentes que queremos resolver.

Portanto, relativamente à segunda parte da sua intervenção, farei o favor de me esquecer dela durante o resto da tarde e de valorizar o que disse em primeiro lugar.

Risos da Deputada do PSD Emília Cerqueira. Concentremo-nos naquilo que é fundamental, e, por isso, deixo a mesmíssima pergunta: tem o PSD

disponibilidade para nos ajudar a melhorar a vida de centenas de pessoas? Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Joana Mortágua. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não foi assim há tantos anos que não nos

possamos lembrar dela que uma mulher de 45 anos foi morta, à pancada, por 14 menores, entre os 10 e os 16 anos, na cidade do Porto. Foi morta à pancada e enfiada num fosso.

Se essa mulher não fosse uma pessoa trans, a Sr.ª Deputada, provavelmente, reconheceria que ela teria sido morta por ser mulher e que haveria violência e discriminação de género por detrás dessa morte. E, como já foi aqui dito, defender os direitos das mulheres não fracionaria a sociedade; pelo contrário, seria uma inescapável urgência da nossa sociedade para combater a violência de género.

Essa mulher era transsexual e era apenas mais uma vítima de uma violência transfóbica que mata. Mata em Portugal e mata em muitos países. Mata, por exemplo, no Brasil, que é o país que mais mata transsexuais no mundo.

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Aquilo que lhe quero perguntar é se a Sr.ª Deputada é incapaz de perceber que essa pessoa foi morta por ser transsexual, que foi vítima de violência transfóbica; e que, portanto, esta matéria não divide a sociedade, mas, pelo contrário, é uma matéria básica de direitos humanos e de combate à violência baseada no preconceito e no discurso de ódio.

Quero perguntar-lhe: em que é que avançar nos direitos das pessoas trans prejudica o direito de quem quer que seja na sociedade?

Aplausos do BE, do L e de Deputados do PS. O que é que avançar nos direitos das pessoas trans faz de nós, que não uma sociedade mais justa, mais

igual e uma sociedade que mais combate o preconceito e a violência? Por último, queria perguntar, não à Sr.ª Deputada, mas à bancada do PSD, se se sentem representados,

todas e todos, nesta intervenção que foi feita sobre os direitos das pessoas trans. Aplausos do BE e de Deputados do PS. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, antes de mais,

quero agradecer-lhe as duas perguntas. Quanto à questão sobre se o PSD está disponível para trabalhar, o PSD sempre esteve. Aliás, como esteve em 2018, quando apresentou propostas, precisamente, para que houvesse uma avaliação médica; o PS é que não aceitou, juntamente com a esquerda, e chumbou as propostas todas do PSD, o que, aliás, é algo a que nos vem habituando ao longo do tempo.

Nunca é o PSD que não está disponível — porque está, como sempre esteve —, é o PS que, normalmente, faz tábua rasa daquelas que são as posições do PSD.

Portanto, Sr. Deputado, julgo que essa questão está respondida. Quanto à segunda questão, também não posso deixar de dar aqui uma nota, porque disse que vai

esquecer, mas eu não quero que esqueça. E não quero que esqueça por uma razão muito simples, Sr. Deputado, que é a seguinte: o que estamos a discutir não é a dignidade das pessoas, não são direitos humanos, não é igualdade,…

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Ah é, é! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — … nem sequer é as pessoas poderem viver como entendem viver e

terem discriminação positiva. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Ah é, é! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Está muito longe de ser isso, porque, na não discriminação das

pessoas, o PSD sempre esteve na primeira linha, como está hoje. Portanto, Sr. Deputado, não ponha na minha boca palavras que eu, de facto, não disse. E o PSD estará

sempre do lado da dignidade das pessoas. Dito isto, passaria à Sr.ª Deputada Joana Mortágua. Sr.ª Deputada, se alguém aqui está a fazer confusão, não sou certamente eu nem é o PSD. O caso de

Gisberta, que era aquele a que se estava a referir, é um caso de crime violento e que, naturalmente, é um caso de transfobia que levou à morte de uma pessoa. E o PSD estará sempre na primeira linha da condenação de qualquer tipo de violência contra qualquer pessoa, nomeadamente contra qualquer pessoa trans, mas que também não seja trans.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Reconhecer-lhes os direitos é que está quieto!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Para que fique claro, somos contra todo o tipo de violência relativamente a todas as pessoas.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Há tantos homicídios de pessoas que não são trans! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E o caso de Gisberta não é uma exceção. Um homicídio, um femicídio, um homicídio por questões raciais, por questões de género, por questões de

orientação sexual, é um homicídio hediondo, que condenaremos sempre. Não hoje, mas sempre. Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E até é quase inadmissível fazer essa pergunta a uma bancada como a

do PSD, com o histórico e a representação democrática que tem e que sempre teve. A Sr.ª Paula Cardoso (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Portanto, não o consigo entender de outra forma, Sr.ª Deputada. Aplausos do PSD. Questão diferente é a que hoje aqui estamos a discutir, que não tem nada a ver com homicídios e com

violência, com violência doméstica, com violência de género. Não é isso que estamos aqui a discutir, não coloque o debate onde ele não está.

Percebo que, hoje, goste de fazer aqui um grande anúncio — até porque isto é muito uma agenda do Bloco de Esquerda —, e percebo que o faça, porque sempre esteve nestas agendas, mas não coloque no PSD palavras, orientações e discriminações que, claramente, não são nossas.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Ou «qu’istos»! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Não quero dizer, com isso, que acatemos tudo aquilo que o Bloco vem

propor, porque, realmente, o Bloco vai quase sempre longe de mais. Esse é um dos motivos pelos quais é um partido radical, e nós somos um partido responsável e de Governo.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Mas chegam sempre lá!… A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Principalmente na dignidade e nos direitos!… O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Santos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, 17 de maio, comemora-se o

Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia. Se é verdade que, em Portugal, são enormes os passos dados para pôr fim à discriminação, registando-se

diversos avanços no plano legislativo — avanços que contaram com o contributo do PCP: a autodeterminação de género, o casamento, a adoção —, também é verdade que, na vida, persistem inúmeras discriminações que importa combater.

No dia a dia, as pessoas transsexuais e intersexo continuam a sentir múltiplas formas de discriminação no trabalho, na família, na sociedade e na vida.

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da

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ascendência, sexo, etnia, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou orientação sexual, como determina a Constituição.

Tem de ser uma realidade, na vida. A luta contra as discriminações em função da orientação sexual ou da identidade de género exige uma

mudança de mentalidades, na sociedade, que elimine as práticas e atitudes que ofendem a dignidade humana. Exige legislação que atenda aos seus direitos específicos, num caminho que tem vindo a ser construído, mas, ao mesmo tempo, estes cidadãos necessitam de um concurso de políticas económicas e sociais que não os abandonem às suas circunstâncias, ao contexto social em que se inserem às condições que lhes são proporcionadas; que lhes garantam qualidade de vida e os direitos que a todos assistem.

Aplausos do PCP. Uma das questões que é colocada para nos pronunciarmos prende-se com o registo civil. Nos últimos anos, houve uma evolução nos procedimentos a adotar no registo civil. Com a aprovação da

Lei n.º 7/2011, o procedimento de mudança de sexo e do nome próprio no registo civil passou a ser um ato administrativo. Até então, a única forma de alterar o sexo e o nome próprio era através de um processo judicial, o que constituía uma intromissão na intimidade, na vida privada, e um desrespeito.

Entretanto, a Lei n.º 38/2018 veio dispensar a realização de tratamentos e de intervenção cirúrgica para a mudança do sexo e do nome próprio no registo civil, bastando a apresentação do requerimento para iniciar o procedimento para esse efeito.

As iniciativas em discussão propõem que seja removida a referência da identificação do nome com o sexo, nomeadamente no momento do nascimento — não na lei da autodeterminação da identidade de género, mas no Código do Registo Civil.

Há diversos aspetos que importa ter presentes na apreciação destas propostas. O registo civil serve para identificar as pessoas perante a sociedade e essa identificação deve ser feita em condições que assegurem a República da informação que dele consta. Os elementos de identificação do registo devem limitar-se àquilo que é objeto e verificável na identificação das pessoas e nas suas relações jurídicas relevantes em termos sociais — sexo, filiação, estado civil, entre outros — e não devem comportar qualquer elemento relativo a relações sociais, familiares ou outras que não tenham relevância para aquilo que o registo se destina a atestar.

Mesmo em relação àquilo que considere relevante, pode questionar-se se a informação que consta do registo deve ser toda transportada para os documentos de identificação.

Considerando as discussões que têm vindo a ser feitas sobre estas matérias, talvez o caminho a percorrer possa mesmo ser o de estruturar o registo civil de forma a que dele constem os aspetos de identificação dos cidadãos que sejam biologicamente factuais, permitindo o acesso a todos ou apenas alguns desses elementos, na medida em que os mesmos sejam necessários em diversas circunstâncias da vida, em função de objetivos específicos — nos serviços de saúde, pelas autoridades policiais ou judiciárias, nos serviços de entidades públicas, por exemplo —, limitando o que consta dos documentos de identificação ao que seja estritamente necessário e mais frequentemente exigível para efeitos de identificação.

Sem prejuízo desta reflexão de fundo, que é necessário fazer, as questões hoje apresentadas nestas iniciativas são outras e devem, também, ser avaliadas em toda a sua extensão e profundidade, sendo que essa avaliação tem de ter presente o caminho feito ao longo do tempo.

Em 2018, entendeu-se que, em determinadas circunstâncias, se deveria prescindir da exigência de correspondência entre o sexo declarado no registo e as características sexuais. Nessa altura, entendeu-se que não se deveria continuar a exigir a sujeição das pessoas transexuais a tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos como condição de alteração para efeitos do registo e passou a admitir-se a alteração sem essas condições, mantendo, no entanto, o critério da correspondência entre o sexo e o nome.

Em relação às pessoas intersexo, excetuando questões de comprovado risco para a saúde, os tratamentos e as intervenções cirúrgicas, farmacológicas ou de outra natureza que impliquem modificações ao nível do corpo e das características sexuais da criança intersexo não devem ser realizados até ao momento em que se manifeste a sua identidade de género.

A atribuição de nomes neutros é uma possibilidade, nomeadamente no que diz respeito a pessoas intersexo, mas já não é adequado que se abra a possibilidade — não tendo em conta o quadro da lei de 2018

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— de, particularmente à nascença, se poder atribuir nome de rapaz a uma rapariga ou nome de rapariga a um rapaz.

Em vários aspetos, as propostas em discussão deixam margem para dúvidas que, em consciência, ninguém pode desvalorizar ou ignorar.

O critério de correspondência entre o sexo e o nome, que consta do Código do Registo Civil e que foi tido também como critério para a Lei n.º 38/2018, é agora colocado em causa sem a devida explicação da motivação e sem acautelar todas as contradições que essa solução possa implicar.

Sendo uma questão de autodeterminação de género, porque não se consideraram alterações na lei própria, aperfeiçoando os seus preceitos, ao invés de alterar o Código do Registo Civil?

Importa também acautelar se a alteração agora proposta não entra em contradição com o que se estabelece na Lei n.º 38/2018, que considera legal a mudança de sexo e a alteração do nome. O que passaria a vigorar?

Estas não são questões laterais ao debate que possam ser desconsideradas. Parece-nos mesmo que são aspetos cruciais para que se perceba se o que vai ser aprovado pode mesmo vir a ser aplicado ou se, como já aconteceu em situações anteriores, pode esbarrar em declarações de inconstitucionalidade.

Pela nossa parte, será da resposta a essas questões que, em definitivo, decidiremos da posição que tomaremos.

Estas não são questões simples e convocam a sociedade para a compreensão de que as questões de autodeterminação não são processos lineares e isentos de dúvidas, de alterações, em primeiro lugar para os próprios.

O papel do Estado é o de promover uma sociedade mais capaz de acautelar todas estas diferenças, permitindo que as pessoas possam viver os seus próprios processos de autodeterminação de forma mais livre e menos condicionada, retirando sofrimentos injustificados a processos que já são, por definição, difíceis para quem os atravessa.

Neste, como noutros momentos, o PCP não se furta ao aprofundamento do debate, à avaliação do conjunto das implicações e à intervenção para a resolução de problemas concretos que afetam as pessoas transexuais e intersexo, bem como outros aspetos suscitados, não ignorando as diferentes questões que se colocam nem a complexidade da matéria; nem elude com soluções que podem nem sequer ter aplicação concreta, ou que poderão vir a traduzir-se em dificuldades acrescidas.

Acompanharemos a consagração do Dia Nacional da Visibilidade Trans, a adoção de procedimentos para dar concretização à Lei n.º 38/2018, assim como a gratuitidade das alterações no registo civil.

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o

Sr. Deputado Rui Paulo Sousa. O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Divergimos da Europa em vários

indicadores. Mais de 1,6 milhões de portugueses continuam sem médico de família, as filas de espera aumentam de dia para dia, mesmo em casos de doença grave, os crimes sexuais disparam, mas o PS entende trazer um não-tema para discussão.

Este é um debate que mostra bem os tempos em que vivemos e quais são as grandes prioridades da maior parte dos partidos representados nesta Câmara, mas também serve para mostrar, agora mais às claras, ao que vêm os novos marxistas, quais engenheiros sociais, que querem reeducar as massas através de ideologias que são a mais pura e absurda negação da natureza humana.

Primeiro, vieram com a luta de classes, depois, fomentaram a luta de sexos e, agora, querem impor-nos a luta de género.

Ainda vamos ver o PS a propor nesta Câmara que uma pessoa se possa registar como um animal, se se identificar como cão ou como gato;…

Risos do CH.

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… e o PAN a propor a distribuição de chips gratuitos. Tudo em nome de uma ideologia. Protestos do Deputado do PCP Duarte Alves. Para o PS, para a extrema-esquerda e para alguma pseudodireita, se a ideologia não coincide com a

realidade, então, muda-se a realidade. Não interessa se nasce rapaz ou rapariga, a biologia fica na gaveta. «O sexo é uma mera construção social», dizem-nos. Negam aquilo de que o comum dos mortais se

apercebe através de uma mera observação empírica, isto é, de que os homens são diferentes das mulheres, mas complementam-se. E isso nota-se desde a mais tenra idade: os rapazes são diferentes das raparigas. Não somos nós que os dizemos, é a ciência! Os tempos de desenvolvimento são diferentes.

Escondem-nos, propositadamente, as consequências desta ideologia, mas elas estão cada vez mais às claras e consistem em matar o conceito de homem e mulher, negando as suas diferenças;…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — … em eliminar o casamento, a maternidade, a paternidade e destruir a

célula mais básica da sociedade, a família. Aplausos do CH. À conta destas ideologias, estão a cometer-se autênticos crimes com consequências nefastas para a vida

das pessoas. Nos vários países onde este tipo de lei foi aprovada, são vários os casos de homens e mulheres que se arrependem de mudar de sexo.

Veja-se o caso de Susana Domínguez, espanhola, de 24 anos, que com apenas 15 anos quis mudar de sexo. Agora, arrependida, diz que teve mau acompanhamento psicológico e psiquiátrico e acusa os médicos e os hospitais públicos que a operaram de lhe terem arruinado a vida.

Os danos são irreversíveis. Susana referiu ao ElMundo que precisou de seis anos para perceber que os seus problemas mentais de depressão e transtorno de personalidade esquizoide a impediram de tomar a decisão certa. Já tentou por várias vezes o suicídio.

Como a Susana, há muitas outras Susanas que procuram acompanhamento psicológico e, muitas vezes, acabam no suicídio. Quem se responsabiliza por isso?

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Suicidar-me é o que me apetece, ao ouvir isto! O Sr. Rui Paulo Sousa (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, esta ideologia tem também outras

declinações, como o wokismo, que, sob a capa de defesa da liberdade, censura tudo o que lhe faça frente, qual polícia do comportamento, do pensamento e da linguagem, criando normativos que classifica como ofensivos e discriminatórios, acabando por instituir uma autêntica ditadura do pensamento.

Aplausos do CH.Protestos do Deputado do PS Miguel Matos. À conta desta ideologia, alteraram e censuraram livros, filmes, peças de teatro. Invadem a academia e a

cultura, perseguindo e saneando quem quer que se lhes oponha. Vivemos tempos em que, simplesmente, ser homem ou mulher é um crime. Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira.

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A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria cumprimentar, em especial, os ativistas e as ativistas aqui presentes.

A Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, foi uma grande vitória dos direitos humanos das pessoas trans. Foi, portanto, uma vitória da democracia.

A autodeterminação impôs-se contra a «patologização», e por isso não aceitámos as propostas do PSD. É preciso, ainda, garantir a cada pessoa a celeridade e gratuidade na concretização do reconhecimento da

sua identidade em todos os documentos. Daí este projeto de resolução e os outros projetos que já foram aqui descritos.

Mas hoje, dia 17 de maio, é preciso falar do ataque mundial a que as pessoas trans têm estado sujeitas — é um dia por ano para falar nisto, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Pois!… A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É também por isso que o PS se orgulha de ter todas as questões de

direitos humanos como prioritárias. Fraturante é a pobreza. Os direitos humanos nunca fraturam, unem. Aplausos do PS e do L. Recusamos o discurso da não presença seletiva nos debates, à conta de perceções eleitoralistas.

Estivemos sempre presentes: no casamento igualitário, na PMA (procriação medicamente assistida) para todas as mulheres, na adoção por casais de mesmo sexo e na autodeterminação das pessoas trans.

Ser socialista é também isto: não deixar ninguém — mas absolutamente ninguém — para trás e ter por ofensivo o que os extremistas andam a fazer, que é apelidar de «moda» ou de «agressão» o sofrimento concreto de gente de carne e osso. Gente que pertence a uma das comunidades mais perseguidas do mundo.

Aplausos do PS. Como bem explica Beatriz Bagagli, para jovens trans, o acesso à saúde, a partir da adoção do modelo de

afirmação de género, tem sido extremamente politizado nos últimos anos, no sentido de que a questão trans passa a ser encarada como mais um debate público entre tantos outros, o que confere também um ar de postura democrática.

Tal postura, no entanto, é apenas uma fachada, pois o debate trans, tal como é enquadrado, favorece somente o campo da radicalização antitrans, com contornos progressivamente neofascistas, e a propagação cada vez mais massiva de desinformação.

Nos Estados Unidos, como na Hungria ou como no Brasil de Bolsonaro, a violência cada vez mais generalizada contra, por exemplo, profissionais de saúde que atendem pessoas trans, especialmente crianças e adolescentes, é fruto direto da propagação do discurso antitrans nas redes sociais de extrema-direita. A circulação de ódio nas redes, neste caso, foi prévia e diretamente alimentada pela discussão mediática dita «moderada» sobre a saúde trans.

Sr.as e Srs. Deputados, foi ódio, e o ódio mata. Aplausos do PS. As maiores associações mundiais de pediatria, de medicina e de psiquiatria já explicaram que os ataques

estão enraizados numa campanha intencional de desinformação. A autora que referi demonstra que questões relativas à segurança de pessoas trans são levantadas por meio de um enquadramento falacioso segundo o qual os direitos trans poderiam afetar negativamente as pessoas cis.

Recordo que esta desinformação cobarde e intencional sobre crianças trans, a autoidentificação para retificação de documentos e espaços de segurança, tem consequências nas vidas das pessoas e jovens trans. Vender a ideia absurda de que prestar cuidados a um jovem trans é mutilar esse jovem ou que as pessoas trans têm intenções malévolas — normalmente associadas a casas de banho — e são sexualmente perigosas

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recorda-nos da construção da falsa questão judaica, passo a passo, que nunca foi, evidentemente, um debate de ideias, mas um projeto político de aniquilação.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É por isso que vale mesmo muito a pena dedicar um dia que seja a

pessoas que veem todos os dias os seus direitos fundamentais em risco. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem um pedido de esclarecimento. Para o formular, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, saúdo a sua intervenção. Ouvimos aqui, da Sr.ª Deputada Emília Cerqueira, que o Bloco de Esquerda quer sempre ir longe de mais.

Porventura, houve quem achasse isso quando aprovámos a lei da autodeterminação, a lei do casamento, a lei da adoção, a lei da PMA.

Protestos da Deputada do PSD Emília Cerqueira. A verdade é que chegámos sempre lá. Acabámos sempre todos por chegar àquilo que parecia longe de

mais. A autodeterminação tem esta coisa engraçada, que é a de quem se diz ser contra a discriminação, mas

quer, do alto do seu privilégio, determinar o que é uma discriminação para o outro, em vez de confiar no que é que a pessoa trans entende como uma discriminação. Isso é autodeterminação.

Então, é sobre isso que eu gostaria de lhe perguntar. O Bloco de Esquerda tem uma proposta para permitir que as pessoas intersexo, não binárias e de género diverso possam requerer que a identificação do sexo que consta do seu registo civil não seja transposta para o cartão de cidadão. Ou seja, é uma forma de respeitar as pessoas não binárias, porque a sua questão é essencialmente uma questão de identidade, além de lhes garantir o acesso à mudança de nome sem necessariamente mudarem de sexo. É uma forma de garantir que, do documento de identificação, enquanto manifestação pública de identidade, não tenha de constar o «M» e o «F», nem a escolha necessária e obrigatória entre um «M» e um «F». É desta forma que respondemos ao direito à autodeterminação, contra a discriminação de pessoas trans, intersexo e não binárias.

Achamos também que é uma forma de responder às pessoas intersexo, que, como já foi aqui bem lembrado, têm direito, durante o seu crescimento, a que não lhes sejam alteradas as características sexuais e, portanto, isto seria também uma forma de, no cartão de cidadão, não serem obrigadas, ou alguém por si, a determinar «M» ou «F» até à sua manifestação consciente e à sua autodeterminação consciente de género.

Aquilo que lhe pergunto, Sr.ª Deputada, é se acha que isto é ir longe de mais. Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Moreira. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, muito obrigada pela sua questão. Começo por dizer que tem razão, nunca fomos longe de mais. Penso que, quando o PSD votou contra o

casamento igualitário, contra a procriação medicamente assistida para todas as mulheres, contra a adoção por casais do mesmo sexo, contra a autodeterminação, estiveram bem os Deputados e as Deputadas do PSD que votaram ao nosso lado. Esses, sim, não foram longe de mais. Estiveram do lado certo da história, do lado da igualdade. Estiveram bem.

Protestos de Deputados do PSD.

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A Sr.ª Sónia Ramos (PSD): — Qual é o lado certo da história?! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Também estiveram bem o PS e o Bloco de Esquerda, quando, em

2018, não aceitaram a proposta do PSD. Precisamente, a proposta era a autodeterminação. O que o PSD quis não foi ir longe de mais, foi andar muito para trás. Queria a patologização das pessoas trans e queria um relatório médico. Naturalmente, recusámos.

Acompanhamos as preocupações do projeto de lei do Bloco de Esquerda, até porque a visibilidade do cartão não tem nada a ver com o que está no chip. Portanto, não, não é ir longe de mais e vamos trabalhar juntos e juntas.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado

João Cotrim de Figueiredo. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Convidados das

galerias: Para nós, para a Iniciativa Liberal, a discussão de hoje baseia-se num conjunto de verdades insofismáveis.

Primeira verdade: a autodeterminação de personalidade é a primeira e mais fundacional das liberdades individuais, porque cada pessoa tem o direito de decidir quem quer ser e, sobretudo, tem de poder fazer uso da sua liberdade para aspirar à sua autorrealização.

Segunda verdade: a discriminação é um óbvio atentado à liberdade individual, porque, quando alguém não dispõe dos mesmos direitos que os seus concidadãos, há discriminação limitativa da sua liberdade. Também, quando alguém tem mais direitos do que os seus concidadãos, há discriminação limitativa da liberdade desses terceiros.

Terceira verdade: as pessoas com identidades ou expressões de género diferentes ou minoritárias são discriminadas em Portugal, em diversas circunstâncias, incluindo pelo Estado, que não lhes atribui todos os direitos que lhes permitam a plena afirmação da sua identidade.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Poder escolher o nome com que alguém melhor se identifica, bem

como a menção do sexo nos documentos identificativos, ou a ausência de menção também, são dos mais básicos direitos individuais e devem ser consignados.

Por isso, é sem reservas que a Iniciativa Liberal apoia a generalidade dos diplomas aqui em discussão, que visam essencialmente atribuir, a estas pessoas, direitos a nível dos registos e documentos de identificação que equivalham aos que estão disponíveis aos demais cidadãos.

Iremos igualmente viabilizar, embora tenhamos algumas dúvidas que poderemos, talvez, aclarar, em sede de especialidade, a proposta do Livre, que prevê que documentos de registo, como os assentos de nascimento e casamento, possam ser alterados, porque, em alguns casos, essa alteração pode ocorrer sem o conhecimento e, provavelmente, até contra a vontade do próprio titular do documento. Teremos ocasião de ver isso, em sede de especialidade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, a fundamentação, pois, para as alterações que estes diplomas introduzem é, para a Iniciativa Liberal, óbvia e, por isso, votá-los-emos favoravelmente, sem reservas.

Mas já sabem que, da Iniciativa Liberal, não podem esperar que deixemos passar os aspetos mais políticos e até mais ideológicos que esta discussão também suscita. O primeiro aspeto é a instrumentalização das questões identitárias para fins partidários ou eleitorais. Qualquer instrumentalização é, à partida, condenável, mas, para um liberal, são especialmente condenáveis as instrumentalizações que atribuem motivações e vontades homogéneas a grupos de pessoas que partilham uma determinada característica, assim negando cruelmente a individualidade e, sim, a identidade de cada uma dessas pessoas.

Vozes da IL: — Muito bem!

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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — A perspetiva coletivista da esquerda, órfã que está hoje de um

motor de transformação social, obriga a que busquem incessantemente novos motivos de confronto e clivagem entre grupos cujas finalidades possam ser atribuídas à democracia liberal ou ao capitalismo. Esta estratégia tem tanto de infantil como de errada, já que fecha os olhos à evidência de que é exatamente nas sociedades mais liberais e de economia de mercado consolidada que os direitos de todos, maiorias e minorias, são mais protegidos e avançados. Mas, para esta esquerda mais sectária, a culpa de todos os problemas é sempre do liberalismo, mesmo quando esses problemas ocorrem em coutadas de extrema-esquerda, como exemplos recentes atestam.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! O Sr. Rui Tavares (L): — É contra as generalizações, exceto para a esquerda! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — A perspetiva coletivista da esquerda tem outra consequência

negativa. Ao promover a clivagem e confronto entre grupos,… A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O quê?! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — … a esquerda promove também um clima de intolerância

incompatível com uma sociedade aberta. O recurso constante a uma lógica de «nós e eles», ou melhor, «nós contra eles», «quem não está connosco está contra nós», é mais típico de ditaduras de todas as cores ao longo da história do que de democracias abertas. Igualmente, o policiamento da linguagem e o condicionar das discussões não são compatíveis com uma sociedade aberta. Sobretudo, esta não é a maneira de chegar à defesa dos direitos das minorias, incluindo a mais importante de todas as minorias, que é o próprio indivíduo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, para evitar as interpretações habilidosas que alguns são pródigos em fazer, no Twitter ou fora dele, gostava de terminar, reafirmando com clareza que esta intervenção teve dois intuitos essenciais.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Agradar a gregos e a troianos! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — São eles manifestar a nossa concordância sem reservas com o

alargamento dos direitos das pessoas com identidades ou expressões de género diferentes e dizer à esquerda mais sectária que as suas manobras de instrumentalização das pessoas e de polarização da sociedade para proveito próprio estão votadas ao fracasso. Naquilo que depender da Iniciativa Liberal, não passarão.

Aplausos da IL e do Deputado do PSD António Topa Gomes. O Sr. Rui Tavares (L): — Contra generalizações, exceto para a esquerda! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Agradar a gregos e a troianos! O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Lina Lopes. A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, são apresentados quatro

projetos de lei e quatro projetos de resolução sobre orientação sexual, identidade de género e características sexuais, bem como sobre a consagração do dia nacional da visibilidade trans, da autoria do PS, do L, do PAN, do BE e da Iniciativa Liberal.

Queria iniciar este debate, sublinhando que, segundo a Organização das Nações Unidas, a identidade de género é a maneira como o indivíduo se reconhece e como percebe a sua própria identidade.

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Sr.as e Srs. Deputados, em conformidade com o disposto na alínea b) do artigo 9.º da Constituição, uma das incumbências prioritárias do Estado consiste em «garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático». Assim, cabe-nos também a nós, enquanto Deputados e Deputadas, garantir e respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgénero).

Como já disse anteriormente num outro discurso, e volto a repetir, citando Oscar Wilde: «Egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós queremos.» No fundo, é impor aos outros a nossa vontade, os nossos estereótipos, a nossa maneira de ver as coisas. Sublinho aqui a palavra «impor». Não é explicar ou defender algo: é impor.

Sobre os projetos de resolução do PS e do PAN, que consagram um dia nacional da visibilidade trans, podemos dividi-los em duas partes: a primeira é a consagração do dia 31 de março como o dia nacional da visibilidade trans e a segunda é a recomendação ao Governo de uma avaliação dos cuidados de saúde das pessoas trans e a verificação, junto dos serviços da Administração Pública, da existência, ou não, de discriminação em relação às pessoas trans.

Em relação à primeira parte dos projetos de resolução, sobre a consagração do dia nacional da pessoa trans, recordo às Sr.as e aos Srs. Deputados que já existe o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+,…

Aplausos das Deputadas do PSD Emília Cerqueira e Mónica Quintela. … que tem como objetivo celebrar e consciencializar toda a sociedade sobre a diversidade e dar evidência

à causa destas pessoas, que, como todas as outras, têm direito a não serem discriminadas pela sociedade. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente! A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Este dia é celebrado em todo o mundo, incluindo em Portugal, e, este ano,

será celebrado a 16 de junho. Mas, Sr.as e Srs. Deputados, para sermos mais rigorosos, temos de alargar o espectro da diversidade,

aumentando a abreviatura para LGBTQQICAPF2K+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers, questionando, intersexuais, curiosos, assexuais, pansexuais, familiares, two-spirit, kink e outros).

Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. Em resumo, a sigla significa: lésbicas, mulheres que gostam de mulheres; gays, homens que gostam de

homens; bissexuais, pessoas que gostam de ambos os géneros; transexuais e transgéneros — que aqui estamos a discutir —, que não se veem no género do seu nascimento, com base nos órgãos sexuais; travestis, que nascem do sexo masculino mas tem a sua identidade no género feminino; queer, termo em inglês que quer dizer «estranho», mas que engloba pessoas que se identificam com todas as orientações sexuais e géneros; questionandos, quem não sabe qual a sua identidade ou orientação sexual; intersexuais, termo designado para quem nasce com genital ambíguo; curiosos, chamadas assim aquelas pessoas que querem experimentar outras coisas, mesmo tendo a certeza da sua orientação ou identidade; assexuais, pessoas que não sentem atração sexual; agéneros, indivíduos que não se identificam ou não se sentem pertencentes a nenhum género; andrógeno, pessoa que assume postura social comum ao género masculino e feminino; pansexuais, que sentem atração independentemente do género da pessoa; polissexuais, que sentem atração por vários géneros, mas não todos; familiares, também chamados de «aliados», são os parentes e amigos que apoiam a causa; two-spirits, ou dois espíritos, em português, significa uma identidade indígena que não tem padrão de género da sociedade como homem e mulher; kinks, que é o termo inglês para fetiche; e, por fim, o sinal «+», que são os mais diversos grupos que não se sentiram representados dentro da sigla, incluindo arromânticos, não binários, género fluido e cisgéneros.

A questão que se coloca, Sr.as e Srs. Deputados, é a seguinte: existindo uma diversidade tão alargada, porquê criar apenas para os trans um dia nacional? Porque não celebrar para cada elemento da sigla um dia nacional? Será que, ao criarmos este dia para a visibilidade trans, não estamos a sublinhar ainda mais as

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diferenças e a discriminar estas pessoas? E não estaremos também a discriminar os restantes LGBT, tendo em conta os anteriores que enunciei?

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Muito bem! A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Sr.as e Srs. Deputados, todos os elementos que referi anteriormente são

pessoas que têm as suas opções e características. Não estamos aqui para condenar ninguém. Este Parlamento, e muito bem, deve incluir. Esta noite, o Parlamento foi iluminado com as cores do arco-íris pelos direitos dos LGBT, consagrando o Dia Nacional contra a Homofobia e a Transfobia, aprovado em 2015, pela Assembleia da República.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o PSD considera que os direitos LGBT são direitos humanos, e todos teremos de agir de forma a acabar com as discriminações sobre estas pessoas.

Assim, e em conclusão, o PSD considera, em primeiro lugar, que se devem garantir os direitos e as liberdades fundamentais e o respeito pelo princípio do Estado de direito democrático e, por isso, o Estado deve intervir, combatendo as discriminações sobre as pessoas, recomendando-se ao Governo a avaliação e o diagnóstico das discriminações não só em relação às pessoas trans, mas também em relação a todas as outras diversidades atrás enunciadas.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Enunciadas por si! A Sr.ª Lina Lopes (PSD): — Em segundo lugar, o PSD considera que consagrar o dia nacional da

visibilidade trans é sublinhar diferenças, e, se queremos a igualdade, não é este o caminho para a alcançarmos.

Por último, consideramos que o Governo, num ato de transparência, deve clarificar a verba anual destinada a promover o desígnio da igualdade de género.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado Miguel Costa Matos. O Sr. Miguel Matos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, comemora-se o Dia Internacional

contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia. Não é só mais um dia internacional, como há dezenas de outros. É a afirmação coletiva de que aprendemos com os erros do passado: com o erro que criminalizava a liberdade; o erro que discriminava o amor; o erro que censura livros e escolas — sim, ainda hoje, Srs. Deputados do Chega! —, mas que o faz contra a comunidade LGBT; o erro que matava, e que mata ainda hoje, não só, como os Srs. Deputados dizem, conceitos abstratos, mas pessoas concretas, que mata lá fora, mas cá também, e que, tantas vezes, ficando aquém da morte, causa tamanho sofrimento.

Este dia é, por isso, muito mais do que apenas uma afirmação sobre o passado; é um compromisso para o futuro. É o compromisso de que não pararemos enquanto não houver verdadeira igualdade — igualdade para todas as famílias, não só para as famílias de bem ou para as famílias tradicionais —, de que este nunca, mas nunca, será um assunto acessório, marginal ou proibido, e de que esta luta nunca será apenas a de uma minoria, mas será a luta de todos e de cada um de nós.

Alguns quiseram fazer deste um debate controverso, divisivo, até intempestivo. Dizem que é uma agenda woke — não foi, Sr.ª Deputada Emília Cerqueira? —, que fraciona a sociedade. Ao fazê-lo, estão a importar as piores tendências da extrema-direita: da americana, da brasileira e também daquela que se senta nesta Casa.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

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O Sr. Miguel Matos (PS): — Poderíamos bem ter a tentação de traçar aqui, hoje, as linhas divisórias entre os tolerantes e os intolerantes, os progressistas e os conservadores. Uns dizem que o ódio não passará, outros dizem que a esquerda divisionista não passará. Pasmem-se! Que discurso tão estranho, vindo de um liberal!

Protestos da Deputada do PSD Joana Barata Lopes. Mas não. Nós devemos resistir à tentação da clivagem para apelar à unidade. Sim, porque o dia de hoje

devia ser mesmo sobre isso, sobre unidade: a unidade do bom senso, da igualdade, do respeito. O que hoje o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta não passa disso: igualdade, bom senso,

respeito. Com um dia nacional de visibilidade trans, criamos ocasião para, no meio da espuma dos dias, dar

visibilidade ao dia a dia de tantas pessoas que, sendo iguais a cada um de nós, enfrentam uma realidade tão diferente e discriminatória; criamos ocasião para que, trazendo à luz essa realidade, se ofusque, encandeie e cale o preconceito.

Em segundo lugar, propomos que a mudança de sexo e de nome no registo civil seja comunicada de forma automática, oficiosa e gratuita aos demais registos, nomeadamente aos registos comerciais e prediais. Sim, porque o nome morto não deve ser ressuscitado a troco de uma informação de que o Estado já dispõe; sim, para que não limitemos a escolha de nomes próprios à expressão inequívoca de um género masculino ou feminino; e para tornarmos legal e oficial o nome social e informal, o que a lei já permite, desde 2018.

Os meus Colegas já falaram em pormenor das outras duas iniciativas. Permitam-me que me demore mais nesta última, começando com as perguntas: afinal, porque é que temos sequer de estar a discutir isto? Porque é que o Estado tem de ser paternalista, ao ponto de limitar a liberdade na escolha do nome próprio? Para que é que precisa de ter certezas no nome, quando eu tenho um registo nas expressões de género? Porque é que nos quer encaixar em caixas de homem ou mulher?

Esta é mesmo uma opção legislativa invulgar, no contexto europeu. A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Deixem as pessoas em paz! O Sr. Miguel Matos (PS): — Aliás, encontra semelhantes apenas na Dinamarca, Alemanha, República

Checa e Islândia. Será que em todos estes outros países se preocupam com o facto de um pai vir a colocar o nome de rapaz

a uma rapariga, ou vice-versa? Não será esta uma preocupação levada ao absurdo? É uma opção especialmente arcaica, quando verificamos a forma como a evolução demográfica da nossa população também fez evoluir a nossa onomástica, vulgo, a lista dos nomes próprios que são admitidos a registo no nosso País.

Afinal de contas, não está o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, protegido na nossa Constituição? Pergunto, por isso, aos mais céticos — já percebemos que aqui há alguns —, o que é que nos dá, a qualquer um de nós aqui, o direito de negar aos nossos compatriotas a liberdade de disporem de algo tão pessoal, tão íntimo, tão seu, quanto o nome próprio?

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem! O Sr. Miguel Matos (PS): — Nós não o fazemos — nem o poderíamos fazer — com minorias étnicas ou

religiosas. Porque o faríamos, então, com a identidade de género, com as pessoas intersexo, com as pessoas que não se identificam no binário de género, ou, simplesmente, com as pessoas que, identificando-se com outro género, não querem mudar de sexo legal, sendo, aliás, protegidas pela lei de 2018?

Sabemos que só obrigamos as pessoas a fazerem isso no papel. Aliás, desde 2018, permitimos que uma pessoa se identifique pelas suas iniciais. Estão tão preocupados com os nomes, mas permitimos que as pessoas se identifiquem pelas suas iniciais ou por um nome adotado, sempre que se torne necessário identificar dados num documento de identificação que não corresponda à identidade de género de uma pessoa.

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Ora, então, porquê sujeitar as pessoas a este processo de adotarem as iniciais ou um nome adotado, a terem dois nomes, um no papel e outro adotado, quando podemos simplesmente aceitar — aceitar! — que cada um se chame como entender, com liberdade, com responsabilidade, com respeito?

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, é disto que se trata, e que fique claro para todos: contra a homofobia e a transfobia, pela igualdade, bom senso, respeito, liberdade, responsabilidade. É do que precisamos, é o que pedimos, e os portugueses também.

Aplausos do PS e do BE. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Rita Matias. A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, esta Câmara discute que os nomes

possam passar a ser neutros — o que quer que isso seja, na terra em que existe a Maria José ou o José Maria — e discute também a consagração do dia da visibilidade trans.

No rol da argumentação, temos visto muitas referências a problemas no acesso ao trabalho ou à saúde, mas, até agora, não vimos um único dado estatístico ou uma única referência que não seja uma frase feita com falsa caridade.

Com tantas organizações coletivistas e ativistas financiadas com dinheiros públicos ou através de fundações, como é possível não termos um único dado neste debate? Quantas pessoas estão realmente a ver o acesso ao trabalho negado, em função da expressão da sua sexualidade? Quantas pessoas estão realmente a ver o acesso à saúde negado? Não há dados? Ou, por outro lado, serão as pessoas trans as únicas que não têm acesso à saúde? Então e o cidadão de 68 anos que faleceu com cancro esta semana, em Faro, depois de meses à espera para ser transferido para Lisboa ou para o Porto?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Meus caros, o acesso à saúde escasseia para todos, não só para aqueles que

se reveem na bandeira LGBT. Aplausos do CH. Mas vejamos: neste debate, não só não apresentam dados, como também vêm falar apenas em nomes,

em vez de trazerem respostas aos problemas reais que supostamente identificam. Se assim é, é porque os partidos desta Casa não querem ter um debate sério, nem querem trazer seriedade a esta matéria.

O que importa é a revolução woke, que já está em curso. Não sou eu que o digo, é o Manifesto do Dia da Visibilidade Trans, assinado a 31 de março, com o apoio de alguns partidos, no qual se diz, e passo a citar, «saímos em combate ao sistema socioeconómico» e ainda «combater a transfobia é lutar contra uma sociedade profundamente racista e xenófoba, herdeira de séculos de colonialismo». Pergunto: onde é que já ouviram esta cartilha marxista? O que é que isto tem que ver com supostos direitos sexuais? As intenções são claras, porque isto não é sobre alcançar igualdade, é sobre impor uma agenda de relativismo moral e cultural.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Relativismo moral?! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Porque é que, em vez de tentarem unir todos os cidadãos, iguais perante a lei,

em torno da bandeira que é nossa, a bandeira nacional e das quinas, promovem a bandeira arco-íris, que apenas segrega e divide?

Aplausos do CH.

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Porque é que, até agora, não iluminaram o Parlamento de vermelho, no dia 6 de agosto, o dia de memória aos cristãos perseguidos? Porque é que não colocaram a bandeira a meia haste pela mulher grávida que faleceu por falta de cuidados médicos nas Caldas da Rainha?

Mas, se falamos de visibilidade trans, falemos, então, até ao fim, nomeadamente do que tentam tornar invisível.

Um estudo realizado em 2021, na Universidade do Porto, diz-nos que 55 % dos inquiridos que reverteram o seu processo de transição não receberam uma avaliação adequada por parte do seu médico e 38 % concluíram que, afinal, a suposta disforia de género era, na verdade, a manifestação de um trauma, de um abuso ou de uma doença mental.

Numa altura em que o acesso à saúde mental escasseia, em vez de esta Câmara aprovar a proposta do Chega, de reforço de psicólogos nas escolas, prefere criar a figura do conselheiro de género, alguém não profissional que vai opinar sobre a sexualidade dos filhos dos portugueses.

Em nome da visibilidade trans, esta Câmara aprovou também que as casas de banhos e os balneários das escolas dos seus filhos passem a ser acedidos de acordo com, e passo a citar, «a vontade expressa» das crianças e dos jovens, seja essa a vontade expressa por uma pessoa trans, por um abusador ou por um violador. O critério é apenas, e só, o da vontade expressa.

Agora, sabendo a irresponsabilidade do que propõem, fingem que não propuseram casas de banho mistas. Mas queria dizer que até o vosso amigo «transconservador», que foi alguém que, em período eleitoral, se

«transvestiu» de conservador, disse que só propõe casas de banho unissexo quem não tem filhas ou mulher, e que esta ideia é uma ideia de Satanás. Estou a citar Luiz Inácio Lula da Silva, o senhor que vocês receberam com tanto calor.

Aplausos do CH. Mas sabem quem é que se está a tornar invisível? As mulheres. Atualmente, o título do campeonato

universitário de natação nos Estados Unidos não pertence a uma mulher biológica. O título de mulher mais bonita do mundo não pertence a uma mulher biológica. Mais: até anúncios de tampões já são feitos por pessoas trans!

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Estás com inveja?! A Sr.ª Rita Matias (CH): — E dizer isto não é preconceito. É apontar a hipocrisia destas feministas que, na

primeira oportunidade, dizem que até um homem biológico desempenha melhor o papel de mulher do que as próprias mulheres.

Triste sociedade esta, que não progride, só se degrada. Em nome da visibilidade trans, as crianças estão a ser expostas à erotização precoce, a espetáculos com

drag queens ou até à leitura de livros na FNAC com o patrocínio de uma discoteca gay de Lisboa. A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Ui! Vejam lá! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Usando uma referência bíblica já aqui citada pelo Sr. Presidente da Assembleia

da República, «para tudo há um tempo debaixo dos céus». Então, aquilo que vos peço é que respeitem o tempo das crianças. Não as façam duvidar, só porque sim, daquilo que veem no espelho.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Como filha, como irmã, como prima, como tia e até como mulher que deseja,

um dia, poder ser mãe e ver os seus filhos crescerem aqui em Portugal, peço-vos, por favor: deixem as crianças em paz.

Aplausos do CH.

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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Deixem as nossas crianças! O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Delgado Alves. O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aproximamo-nos da fase final

do debate e, ainda havendo alguns comentários a fazer em relação às iniciativas apresentadas, penso que é importante percebermos, ou recordarmos, porque é que este dia existe,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Porque está no calendário! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): —… porque é que o 17 de maio se celebra e porque é que isso não é

impeditivo de podermos celebrar outros momentos e assinalar outros dias igualmente relevantes, igualmente importantes.

São dias que se prendem precisamente com a identificação de um problema, de um risco, de pessoas que são alvo de ataque, da fúria, do ódio, da discriminação dos outros e que, por isso, carecem de que a sociedade as abrace nesse dia, reconheça a sua luta e reconheça a sua identidade. É por essa razão que, ao longo de todo o ano, em vários momentos, o fazemos e o assinalamos.

Este é um dia para fazer três coisas, fundamentalmente: a primeira é celebrar o facto de ter sido, e continuar a ser, possível dar passos em frente; a segunda é recordar esses passos que demos, perceber onde errámos, onde ficámos aquém do necessário, onde poderemos melhorar; e a terceira é avançar.

O dia para avançar é, talvez, o aspeto mais importante que devemos sublinhar hoje, porque a luta pelos direitos é uma luta que nunca está terminada, porque tem sempre adversários, porque tem sempre quem esteja mais interessado em desinformar, em manipular, em instrumentalizar os problemas das pessoas em proveito próprio. Por isso, nunca é demais — uma vez por ano não será, seguramente, demais — recordá-lo e voltar a sublinhá-lo.

Mas queria deixar alguns comentários a outras das iniciativas apresentadas, também para enquadrar um pouco aquilo que espero que possa ser o debate na especialidade.

No que respeita ao cartão de cidadão, há várias propostas que são apresentadas, algumas com um grau de complexidade maior do que outras. O cartão de cidadão é, na aparência, apenas um cartão, mas há muito mais informação e muito mais elementos que dele constam, e nem tudo aquilo que se propõe é fácil de implementar rapidamente.

Portanto, há que distinguir a informação que se encontra contida no chip e a informação a que se acede através do cartão de cidadão daquilo que se expõe no cartão. Obviamente, a primeira apresenta mais dificuldades de reprogramação, porque implica alterar um sistema que, enfim, está construído de forma binária e deve evoluir noutro sentido, mas em que não é tão fácil essa modificação. Mas quanto ao cartão físico, propriamente dito, aquilo que nele se expõe pode, de facto, ser reduzido e ser limitado ao essencial.

É perfeitamente viável, uma vez esgotados os exemplares existentes, deixar de fazer constar um M ou um F. Isso não altera nada e não é tão difícil quanto fazer as alterações e transformações estruturais, informáticas, bem mais complexas.

Mas também, já agora, e façamos depois esse debate na especialidade, há alguns equívocos quantos aos custos do cartão do cidadão e quanto a estes em específico. Porque há emolumentos que são pagos por alterações registrais, que não se confundem com a emissão de um novo cartão físico, cujo custo, de facto, é bastante baixo. Portanto, temos de perceber exatamente do que é que se trata: é isentar o valor da emissão de um novo cartão de cidadão, que é cerca de 18 €, 20 €, ou estamos a falar dos emolumentos? Ambas são relevantes quando se trata de questões de identidade.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Exatamente! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Ou seja, não estamos a falar de uma alteração motivada pela vontade

da pessoa, porque casou ou porque mudou de morada, mas de aspetos da sua identificação, da sua

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autodeterminação. Por isso, obviamente, com espaço para fazermos esse debate e essa discussão na especialidade, temos que, com precisão, olhar para esse tema.

O segundo é o da matéria registral. Nós próprios evoluímos face à proposta inicial que tencionávamos apresentar, que era um projeto de lei, porque percebemos que, de facto, há muito mais matérias que carecem de um levantamento e recolha de dados quanto ao impacto transversal que as alterações nos registos podem ter para lá do registo civil.

Portanto, é importante fazermos esse diagnóstico completo, para que depois as alterações, a celeridade, a gratuitidade nalguns casos e a automaticidade possa ser garantida da melhor forma.

E, se não podemos acompanhar exatamente algumas das redações propostas, designadamente aquelas que, eventualmente, colidem com direitos de terceiros, é importante na especialidade podermos garantir aquilo que não gera qualquer dificuldade e em que penso que a Câmara estará de acordo: aquilo que diz respeito à autodeterminação individual de uma pessoa, na sua identificação civil, dever ser algo que não está dependente da vontade de mais ninguém para ser alterado.

E sabemos estas coisas todas porquê? Não é por magia, é porque, de facto, falamos com as pessoas… A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Que estão ali, nas galerias! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — …, e porque as pessoas, que têm dificuldades e que as enfrentam no

dia-a-dia, se dirigem aos grupos parlamentares — aos que apresentaram propostas, a alguns dos que não apresentaram respostas.

Mas também não será de estranhar que alguns partidos não tenham acesso a informação, porque, se passam o dia a denegrir, a vilipendiar e a diabolizar essas pessoas, talvez não sejam a primeira escolha ao nível da comunicação a uma entidade pública dos problemas que enfrentam no seu quotidiano.

Portanto, não é difícil fazer este esforço de procurar informação, não é difícil perceber o que se passa nos outros países e, acima de tudo, não é difícil perceber que, ao dia de hoje, continua a haver suficientes razões e muito por fazer neste domínio. Continua a haver discriminação, ninguém o nega; continua a haver violência que custa vidas de pessoas, ninguém o nega; no plano as relações internacionais, infelizmente, todas as semanas somos brindados várias vezes com inimagináveis retrocessos medievais no que diz respeito à proteção de muitas destas pessoas, proibindo e negando a sua existência vezes e vezes sem conta.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — No espaço da própria União Europeia não conseguimos, ainda, ter

uniformização de direitos fundamentais neste plano, o que torna, também, mais difícil realizar os objetivos de um espaço de direitos fundamentais que devia ser igual para todos.

Mas acima de tudo focava, para terminar, dois aspetos fundamentais. Não se trata apenas, como foi dito ao longo do debate e já foi sublinhado, de uma carência de educação no plano das escolas ou na formação para as pessoas que estão nos serviços públicos de atendimento. Obviamente, isso é fundamental e ainda estamos atrás.

Temos, porém, um desafio que acresce a este, porque, para além da carência de informação, temos hoje desinformação.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — É verdade! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Temos quem, intencionalmente, propague informação falsa, com o

intuito de criar um bode expiatório, um inimigo externo a quem pode assacar responsabilidades, a quem pode denunciar e que pode servir como inimigo externo para as suas agendas populistas.

Por isso, infelizmente, neste plano, estamos hoje pior do que ao longo de todos aqueles marcos que discutimos ao longo das últimas décadas, desde o momento em que se descriminalizou a homossexualidade, em 1982, ou o momento em se inscreveu, no texto da Constituição, a não-discriminação em função da orientação sexual. Por essa razão, infelizmente, estamos piores, porque há hoje quem se queira aproveitar

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dos mais frágeis e dos que estão mais abandonados na sociedade em muitos momentos, para servir as suas próprias agendas.

Por esses todos, repito, por esses todos, nunca deixaremos de estar do lado daqueles que querem ser livres e daqueles que se querem autodeterminar. Não é uma questão de deixar quem quer que seja em paz: é uma questão de garantir a paz a todas as pessoas que, como nossas concidadãs, a merecem.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento. Para formulá-lo, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Rita Matias, do Chega. A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, não deixa de ser curioso

que o Partido Socialista, com quase 30 minutos de debate, ainda não tenha citado um único dado concreto, um único número objetivo.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade! O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Olhem lá para cima! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Portanto, uma vez que diz que tem acesso a tantos dados, uma vez que diz

que as organizações só o contactam a si, ao seu grupo e aos seus amigos, então, por favor, em nome da credibilidade do seu grupo, em nome da credibilidade desta discussão, traga os dados à colação, partilhe-os com toda a Câmara, distribua esses documentos que diz ter para podermos crer que aquilo que está a fazer não é um mero agitar de uma bandeira para utilizar estas pessoas em função da sua agenda progressista.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! A Sr.ª Rita Matias (CH): — Acho que isto seria fundamental para o debate e para percebermos

verdadeiramente quem é que está a instrumentalizar pessoas. Uma coisa lhe garanto: só o partido Chega citou dados. Porque a nós não nos preocupa instrumentalizar

pessoas, preocupa-nos o superior interesse dos portugueses. Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves. O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — O dado que queria citar é: um! Uma pessoa é suficiente para garantir

a alteração legislativa e, em qualquer momento, assegurar direitos a quem tem uma dificuldade no registo civil, na alteração do cartão de cidadão, na impossibilidade de ver reconhecida a sua identidade. Um é suficiente a esta bancada e àqueles que estão do lado dos direitos fundamentais!

Aplausos do PS. A Sr.ª Rita Matias (CH): — Quem?! O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Uma pessoa hoje podem ser 10 pessoas amanhã, e a lei, caso não

saibam, caso o tenham esquecido, é geral e abstrata. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Não sabes!

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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — E, de facto, não são amigos que vêm conversar uns com os outros. São pessoas que sabem em quem podem confiar, no sentido em que sabem quem, no passado, lhes abriu a porta à liberdade e à autodeterminação. E é com todo o gosto que esta porta continua aberta.

Aplausos do PS. A Sr.ª Rita Matias (CH): — Nem um dado!! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Dados! O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Emília Cerqueira. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente: Indo longo este debate, e quase em modo de

encerramento, acabámos de ouvir o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, nesta sua intervenção final, dizer que basta uma pessoa para que o Partido Socialista se preocupe.

O PSD lamenta imenso que não se veja essa preocupação quando milhares de mulheres não conseguem, por exemplo, ter um filho e não se vê o PS preocupado para que o consigam!

Vozes do PSD: — Bem lembrado! O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Que coisa tão reles! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — É fundamental que se olhe para os portugueses no seu conjunto! Aplausos do PSD. Direitos humanos é acesso de todos, de todos mesmo. Porque, para o PSD, todos são importantes. E este debate é importante… O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Minha Nossa Senhora! Como é que o PSD faz uma intervenção

destas?! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias, percebo que esteja muito nervoso,

porque o PS está com muitos problemas aqui ao lado, na Comissão de Inquérito. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não, não! Vozes do PSD: — Muito bem! Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Compreendo que queira desviar as atenções, mas vamos falar daquilo

que nos trouxe aqui, que é um debate potestativo agendado pelo partido que V. Ex.ª lidera nesta Assembleia. A nós preocupam-nos todos os homens e mulheres vítimas de todos os tipos de discriminação — todos

mesmo! Preocupa-nos que todos os portugueses e portuguesas tenham acesso aos cuidados de que necessitam. E «todos os portugueses e portuguesas» inclui os cidadãos trans — imagine! Os cidadãos trans são, para nós, cidadãos com a mesma dignidade de todos os outros cidadãos.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Fale com o Chega!

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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — No entanto, hoje, como ontem, nunca estivemos ao lado de iniciativas que não têm em conta o interesse geral e que necessitam de ponderação.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — O interesse geral?! A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Votam contra tudo! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Permita-me acabar, o Sr. Deputado não me está a dar quaisquer

condições para acabar, e gostava mesmo que me ouvisse atentamente, como eu, aliás, o ouço, mesmo quando não concordo consigo.

Democracia, tolerância e direitos humanos também é isto, ouvirmo-nos com respeito, coisa que o Sr. Deputado não tem tido, notoriamente, durante todo este debate. Peço-lhe apenas isso.

Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Portanto, voltando ao debate, porque felizmente ainda tenho tempo — o

Sr. Deputado não mo conseguiu esgotar —, para o PSD, no fim deste debate, há duas ou três notas que nos parecem fundamentais.

Uma delas é que todos os cidadãos, todos os portugueses e portuguesas necessitam, de facto, de ser tratados com dignidade, igualdade e sem qualquer tipo de discriminação, independentemente da sua orientação sexual, do seu género, da sua religião, como, aliás, diz a Constituição. Isso é algo por que nós sempre combatemos.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Que direita reacionária! Cheira a mofo! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Isso não quer dizer que estejamos sempre de acordo com medidas que

têm vindo a ser tomadas. Isto já se iniciou em 2018 e, como a Sr.ª Deputada Isabel Alves Moreira fez questão de recordar, tomam-se estas decisões, muitas vezes, sem qualquer sustentação médica, o que tem vindo a causar diversos problemas, como sabe.

A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sem qualquer sustentação médica?! É ao contrário!! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E o PSD, nessa parte, nunca acompanhou o PS. Sobre a alteração do nome, que é uma alteração fundamental, ela deve obedecer aos procedimentos que

já estão previstos na lei que, claramente, já protege os direitos dos cidadãos — também os trans. Finalmente, para acabar, e porque a Sr.ª Deputada Joana Mortágua me acusou de uma série de coisas:

Sr.ª Deputada, apenas para lhe dizer que votei a favor da adoção por casais do mesmo sexo. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — E a PMA?! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E o PSD? A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Falou concretamente de mim e, portanto, vou-lhe responder

concretamente. Votei a favor da adoção, votei a favor da PMA. Sempre votei a favor de direitos iguais, coisa que eu defendo claramente, nunca de discriminações.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E o casamento homossexual?! A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Agora, compartimentar cada vez mais as pessoas em gavetas cada vez

mais pequeninas e, com isso, criando novas discriminações, para isso não contará connosco. Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o

Sr. Deputado Pedro Pinto. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista trouxe-nos hoje

este debate sobre autodeterminação da identidade e expressão de género. É, sem dúvida, o assunto mais atual, o assunto do momento em Portugal, e é aquilo que preocupa os portugueses.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É a bola!? O Sr. Pedro Pinto (CH): — O Partido Socialista quer tapar o sol com uma peneira, quer falar em questões

fraturantes da sociedade, como esta ou como a eutanásia. Mas hoje, 17 de maio, já muitos portugueses estão a fazer contas no supermercado porque não sabem como pôr comida na mesa!

Aplausos do CH. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sim… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mais: milhares estão no banco alimentar a pedir ajuda! E hoje descobriu-se que

mais um ministro deste Governo está a mentir. Seja a Ministra da Justiça, seja o Ministro das Infraestruturas, há um deles que mente! Isto foi descoberto, uma vez mais, na 1.ª Comissão, e os senhores querem tapar, querem ocultar isso. Mas, connosco, não o conseguirão fazer!

Aplausos do CH. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não, não!… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Deus, Pátria, Família, Trabalho e Liberdade! O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Liberdade, não! O Sr. Pedro Pinto (CH): — Liberdade, sim! Nós não discriminamos ninguém, mas não venham com a

história das fobias. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Fobias, sim! O Sr. Pedro Pinto (CH): — São os senhores, com a história das fobias, que discriminam as pessoas. São

os senhores que vêm com essa história. Liberdade não é imposição. E os senhores querem impor a vossa ditadura do gosto, mas connosco não

passarão! Aplausos do CH. Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua. Para terminar, Sr. Presidente, também agora em Portugal vimos aquilo que se vai passando um pouco por

todo o mundo, particularmente na União Europeia. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, o tempo?!… O Sr. Pedro Pinto (CH): — A parolice das cores do arco-íris!

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A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — E a parolice da sua gravata?! O Sr. Pedro Pinto (CH): — A Assembleia da República com as cores do arco-íris?! Não, não permitiremos

isso! As únicas cores que podem estar na fachada da Assembleia da República são as da bandeira portuguesa. Aplausos do CH. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Mas o que é isto?! O Sr. Pedro Pinto (CH): — Depois, Augusto Santos Silva, Presidente desta Assembleia da República,

escreveu ontem no Twitter: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito». Estamos totalmente de acordo! O que é certo é que foi o senhor que privou um grupo parlamentar do direito de ir às viagens de Estado com o Presidente da Assembleia da República.

Risos do PS e do PCP. «Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz». Aplausos do CH. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Nós queremos mais 1 minuto também, Sr. Presidente! O Sr. Presidente: — Não havendo mais inscrições, dou a palavra, para encerrar o debate em nome do

Partido Socialista, ao Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Peço a palavra para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, queria apenas questionar a razão pela qual um grupo

parlamentar pode utilizar quase mais 2 minutos, sem ser uma vez alertado para o facto de o seu tempo estar a terminar. É esta a forma que agora temos de reger os nossos tempos? Isto porque, de facto, me parece desigual face à gestão normal dos trabalhos.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Oh!… É uma discriminação! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Enfim, deixo só esta nota. Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada fez uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos e o

que tenho a dizer é que tenho procurado ser equilibrado na gestão dos tempos, incluindo das tolerâncias. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, basta ver. O Sr. Presidente: — Como pode verificar, basta olhar e vê que há vários grupos parlamentares que

excederam os tempos. Vou chamando a atenção. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não faço guerra!

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O Sr. Presidente: — Normalmente, quando se trata de presidentes de grupos parlamentares, tenho uma maior tolerância e, quando estão a invetivar-me a mim próprio, também procuro dar espaço para que essa invetivação possa ter lugar.

Aplausos da Deputada do PSD Lina Lopes. O Sr. Presidente: — Vamos então terminar o nosso debate, com uma intervenção de encerramento, que

será feita através do Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias, do PS. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, dia 17 de maio, é um dia

de luta pelos direitos humanos. É um dia contra a discriminação, contra a inevitabilidade das regularidades, dos formatos e das normalidades que diminuem cada ser humano.

O dia 17 de maio é mais do que a luta contra a homofobia, a transfobia e a bifobia. É verdadeiramente um dia das minorias de que todos fazemos parte e que, num momento ou outro da vida, são discriminadas. É o dia onde discutimos a vida plena de todos e de todas.

É o dia em que lutamos contra a codificação social que está na base do estabelecimento de diferenças e por isso também, quantas vezes, da discriminação. Essa discriminação é a base, o húmus, que faz avançar discursos de ódio quando as dificuldades apertam ou mesmo porque dizem respeito a minorias que não são, em momento algum, a prioridade das maiorias de circunstância.

Para alguns, tudo é sempre mais importante do que a discussão da diferença e da discriminação, tudo é adiável perante os problemas das presumíveis maiorias. É também para isto que servem os dias evocativos e celebrativos, para que não possamos — porque não podemos! — fugir ao tema.

Aplausos do PS. Sr. Presidente, a história ensinou-nos que não há vidas menores ou menos importantes. Não há vidas

prescindíveis. A vida de cada um e de cada uma é, em liberdade, única e irrepetível. A vulgarização dos anátemas, que infelizmente têm vindo a reemergir com força e que estabelecem categorias — os do estrangeiro, os de determinada etnia ou os crentes em determinada religião —, acaba sempre na emergência do discurso do ódio, no arregimentar de uns contra os outros e, quantas vezes, na culpabilização de alguns pelos resultados do coletivo.

Vimos isso no crescimento dos fascismos na Europa, na Alemanha de Weimar ou na Itália pré-Mussolini. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem! O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — E também vimos, tristemente, o seu impacto na vida de milhões de

seres humanos. A tolerância, o discurso inclusivo, a consagração e a defesa de direitos são sempre frágeis perante uma

sociedade que, em estado de necessidade, não é capaz de evitar uma seleção adversa às minorias. E é tanto mais frágil quanto os responsáveis políticos não perceberem que a educação para a igualdade e para o exercício livre e democrático de direitos é essencial para podermos, nos momentos mais difíceis, distinguir o nosso coletivo como um organismo social que respeita a diferença e não embarca na discriminação como resposta a qualquer questão da comunidade.

A alteração da Constituição alemã, em 1935, não prescindiu de acentuar o quadro de violência contra a comunidade homossexual que a República de Weimar procurava suavizar. Não deixou de beber num caldo cultural de culpabilização e discriminação, numa aplicação terrível do ódio humano, testemunhado de forma dramática nos campos de concentração. Tudo, tudo, executado por gente dita normal, dentro do padrão, dentro do formato, numa normalidade terrivelmente assustadora. A banalização da discriminação e da violência são o contexto próprio da banalidade do mal.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os direitos humanos não são negociáveis, não são adiáveis, hierarquizáveis, nem sequer referendáveis no quadro da liberdade de cada indivíduo.

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Aplausos do PS. Não há ditadura que não faça da sexualidade uma arma de arremesso, de tipificações e estereótipos que

colocam em causa, dizem alguns, uma presumível maioria. A afirmação da diferença de cada um e de cada uma como um património próprio não é negociável. Se não

o fizermos, não damos um contributo para travar o discurso de ódio que dizemos querer combater. A luta pelos direitos humanos não acabou. É hoje cada vez mais atual. É aí, também aí, na defesa dos

direitos humanos, que lutamos pela democracia e pela liberdade. É também aí que travamos o ódio que mina a confiança nas instituições e não normalizamos o discurso da extrema-direita que, como sempre, usa a diferença para a sua política de confronto com os sistemas políticos democráticos.

Por isso, hoje, 17 de maio, lutamos contra o preconceito, o discurso do ódio e da discriminação. Lutamos por todos e por todas, por uma cidadania plena.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, chegamos assim ao final dos nossos trabalhos. A reunião de amanhã, quinta-feira, às 15 horas, tem a ordem do dia fixada, potestativamente, a

requerimento do Grupo Parlamentar do Chega, consistindo na discussão conjunta dos Projetos de Lei n.os 761/XV/1.ª (CH) — Pelo alívio da taxa de esforço das famílias portuguesas, através da alteração do diploma que estabelece medidas destinadas a mitigar os efeitos do incremento dos indexantes de referência de contratos de crédito para aquisição ou construção de habitação própria permanente e 782/XV/1.ª (BE) — Altera as taxas aplicáveis ao regime da contribuição sobre o setor bancário, na generalidade, e dos Projetos de Resolução n.os 621/XV/1.ª (CH) — Renegociação das condições do empréstimo do Estado, para financiamento do processo de resolução do BES-Novo Banco, 677/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo que implemente soluções para todos os lesados da Banca e 696/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que crie um travão à subida da prestação do crédito habitação.

Haverá votações no final do debate. Está encerrada a sessão. Eram 17 horas e 2 minutos. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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