O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3 DE JUNHO DE 2023

13

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Por isso, passo ao projeto de lei do Bloco de Esquerda, que quer criar um

crime de assédio sexual. O problema, claro, é que o assédio sexual já está criminalizado e, como já foi

insistentemente dito, consoante a modalidade da conduta, a coação sexual, a violação, a perseguição ou a

importunação sexual podem ser aplicadas em casos de assédio sexual.

O Sr. André Ventura (CH): — O problema é a prescrição, a prescrição!

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — O problema é que o projeto de lei do Bloco tem outras dificuldades bastante

mais graves, que levam os pareceres a suscitar a possível inconstitucionalidade. Esses problemas mais graves

do projeto do Bloco relacionam-se com a indeterminação dos conceitos usados para descrever as condutas que

querem proibir.

Protestos do Deputado do CH André Ventura.

Sr. Deputado André Aventura, o piropo está criminalizado desde 2015. Não é isso que hoje estamos a discutir.

O que estamos a discutir é, lamento dizê-lo, bastante mais assustador do que a criminalização do Bloco, e vou

dar dois exemplos.

O Sr. André Ventura (CH): — Querem é que não se faça nada!

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Primeiro, o Bloco quer que seja crime, vou citar, «fazer comentários não

verbais de teor sexual». Pergunto-me o que será «comentários não verbais de teor sexual».

Os gestos obscenos de cariz sexual já estão criminalizados, como explica o Conselho Superior da

Magistratura. Então, pergunta-se: O que se quer proibir agora a mais, quando se acrescentam os comentários

não verbais de teor sexual? Referimo-nos a piscar os olhos de forma libidinosa, à concupiscência, aos

pensamentos obscenos, queremos proibir os pensamentos obscenos?

Passo ao segundo exemplo. O Bloco quer que seja crime constranger verbalmente a contacto íntimo, mesmo

que não seja de natureza sexual. Interrogo-me, de novo, sobre quais os comportamentos aqui incluídos que, no

futuro, poderiam levar uma pessoa à cadeia, porque é disso que estamos a falar. Constranger verbalmente a

contacto íntimo, mesmo que sem natureza sexual, falar com outra pessoa sobre assuntos íntimos, se ela não

quiser ouvir-nos, deve ser crime nesse mundo ideal de pessoas castas que o Bloco parece almejar?

Se calhar é rude ter este tipo de conversas, brutalmente indelicado, mas quando é que se passou a achar

que tudo o que é rude ou indelicado deve ser crime?

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Todos achamos que o assédio sexual é inaceitável.

Vozes do PS: — Exatamente!

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — O problema dos projetos nem sequer é, portanto, a mundivisão dos seus

proponentes, apesar de podermos ter dúvidas sobre uma certa ideia implícita de que a violência é uma espécie

de apanágio das relações entre homens e mulheres, como se não houvesse assédio de homens contra homens

e de mulheres contra mulheres.

Mas o problema principal destes projetos é outro: é a incompreensão de que o direito penal é o braço armado

do Estado, o ramo do Direito que tem o exclusivo da prisão e que, por isso mesmo, não pode ser usado como

instrumento de educação ou de promoção das nossas mundivisões.

Usar o direito penal para fazer pedagogia social, tratando as pessoas concretas condenadas como danos

colaterais rumo a um outro futuro, é prestar um péssimo serviço à democracia. Em 1995, houve uma mudança

de paradigma no Código Penal e os crimes sexuais deixaram de se relacionar com a «tutela de sentimentos

coletivos de moral sexual dominante.» A frase não é minha.

Páginas Relacionadas
Página 0009:
3 DE JUNHO DE 2023 9 Não podemos aceitar que os lugares onde se constrói e produz c
Pág.Página 9
Página 0010:
I SÉRIE — NÚMERO 137 10 Por isso, o que não podemos ter é a criminali
Pág.Página 10