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Quinta-feira, 15 de junho de 2023 I Série — Número 140

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

REUNIÃOPLENÁRIADE14DEJUNHODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e

5 minutos. Deu-se conta da retirada do Projeto de Lei n.º 825/XV/1.ª

e da entrada na Mesa das Propostas de Lei n.os 93 a 95/XV/1.ª, dos Projetos de Lei n.os 815, 818 a 820, 822 e 824/XV/1.ª e dos Projetos de Resolução n.os 758 e 762 a 773/XV/1.ª

Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados a autorizar um Deputado do PS e um Deputado do PSD a intervir em tribunal.

Ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, procedeu-se a um debate de urgência, requerido pelo PSD, sobre o tema «Privatização da Efacec». Após o Deputado Paulo Rios de Oliveira (PSD) ter aberto o debate, intervieram, a diverso

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título, além daquele orador e do Ministro da Economia e do Mar (António Costa Silva), os Deputados Carlos Pereira e José Carlos Barbosa (PS), Jorge Salgueiro Mendes (PSD), Filipe Melo (CH), Carlos Guimarães Pinto (IL), Duarte Alves (PCP), Isabel Pires (BE), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).

Entretanto, o Presidente assinalou a presença, na tribuna diplomática, de uma delegação da Comissão de Relações Internacionais, Cooperação e Comunidades da Assembleia da República de Moçambique, liderada pela sua Presidente, Deputada Catarina António, que foi aplaudida, de pé, pela Câmara.

Em declaração política, o Deputado Rui Lage (PS), a propósito do Fórum Social do Porto, salientou a necessidade de um novo modelo social, realçando o contributo de Portugal para a construção de um projeto europeu humanizado, e criticou a degradação do discurso político nacional. Respondeu, posteriormente, a pedidos de esclarecimento dos Deputados Carla Madureira (PSD), Bruno Nunes (CH), Inês de Sousa Real (PAN), Isabel Pires (BE), Paula Santos (PCP) e João Cotrim Figueiredo (IL).

Em declaração política, o Deputado Paulo Moniz (PSD), a propósito da recente comemoração do Dia dos Açores, criticou a atitude de desresponsabilização do Governo da República em várias áreas e o incumprimento das suas obrigações em relação àquela região autónoma. De seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Sérgio Ávila (PS), Rodrigo Saraiva (IL), Rita Matias (CH), Rui Tavares (L) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, o Deputado Gabriel Mithá Ribeiro (CH) referiu-se à manifestação de professores nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no Peso da Régua, chamando a atenção para o sofrimento físico e psicológico a que estão diariamente sujeitos e afirmando que podem contar com o Chega para tornar a carreira mais atrativa e respeitada. Posteriormente, respondeu a um pedido de esclarecimento do Deputado António Cunha (PSD).

Em declaração política, o Deputado Rui Rocha (IL) alertou para as falhas do Governo na prevenção e resposta aos incêndios florestais. Respondeu, de seguida, a pedidos de esclarecimento dos Deputados João Moura (PSD), Francisco Pereira de Oliveira (PS), João Dias (PCP), Diogo Pacheco de Amorim (CH) e Rui Tavares (L).

Em declaração política, o Deputado Duarte Alves (PCP) falou sobre as dificuldades dos portugueses em pagar as prestações dos créditos à habitação, devido aos juros elevados. Depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Pedro Pessanha (CH), Joana Mortágua (BE),

João Cotrim Figueiredo (IL), Rui Vilar (PSD) e Carlos Brás (PS).

Em declaração política, a Deputada Isabel Pires (BE) teceu considerações acerca da lei do teletrabalho e criticou o Governo por ainda não ter publicado a portaria que define o valor da compensação a ser paga ao trabalhador nessas condições. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Sérgio Monte (PS), Patrícia Gilvaz (IL), Filipe Melo (CH), Joana Barata Lopes (PSD) e Paula Santos (PCP).

Em declaração política, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77.º do Regimento, o Deputado António Maló de Abreu (PSD) salientou que falta cumprir Abril se não nos reconciliarmos com a nossa memória, com a nossa história e com aqueles que a fizeram e considerou que precisamos de um novo 25 de Abril. Respondeu, seguidamente, a um pedido de esclarecimento do Deputado Paulo Pisco (PS).

Em declaração política, ao abrigo do n.º 2 do artigo 71.º do Regimento, a Deputada Inês de Sousa Real (PAN) referiu-se aos casos de violência doméstica, à desigualdade entre géneros e à sub-representação das mulheres nas diversas áreas da sociedade, defendendo a necessidade de um maior impulso legislativo para combater esta situação. De seguida, respondeu a pedidos de esclarecimento das Deputadas Patrícia Faro (PS), Emília Cerqueira (PSD) e Alma Rivera (PCP).

Em declaração política, ao abrigo do n.º 2 do artigo 71.º do Regimento, o Deputado Rui Tavares (L) mencionou o Pacto Verde Europeu e a sua importância, nomeadamente no que respeita à preservação e ao restauro da natureza. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Deputados Hugo Patrício Oliveira (PSD), Raquel Ferreira (PS), Inês de Sousa Real (PAN) e Duarte Alves (PCP).

De seguida, foram apreciados os Inquéritos Parlamentares n.º 8/XV/1.ª (IL) — Comissão eventual de inquérito à atuação do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e 9/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar para avaliação da atuação do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), bem como da tutela política governamental destas instituições, tendo usado da palavra os Deputados Rodrigo Saraiva (IL), André Ventura (CH), Isabel Pires (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Alma Rivera (PCP), Rui Tavares (L), Pedro Delgado Alves (PS), Mónica Quintela (PSD) e Pedro Pinto (CH).

Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de Lei n.os 800 e 827/XV/1.ª

O Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 21 minutos.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados.

Estamos em condições de iniciar os nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Solicito aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Muito obrigado.

Passo a palavra, para a leitura do expediente, à Sr.ª Secretária Maria da Luz Rosinha, pedindo a todos o

máximo de silêncio que conseguirem.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, muito boa tarde a todas e a todos.

Começo por anunciar a retirada do Projeto de Lei n.º 825/XV/1.ª (CH).

Passo agora às iniciativas que deram entrada na Mesa e foram admitidas pelo Sr. Presidente.

Refiro, em primeiro lugar, as Propostas de Lei n.os 93/XV/1.ª (ALRAA), que baixa à 10.ª Comissão, 94/XV/1.ª

(GOV), que baixa à 1.ª Comissão, em conexão com a 12.ª Comissão, e 95/XV/1.ª (GOV), que baixa à 10.ª

Comissão, em conexão com a 6.ª Comissão.

Deram também entrada os Projetos de Lei n.os 815/XV/1.ª (PSD), que baixa à 10.ª Comissão, 818/XV/1.ª

(PSD), que baixa à 1.ª Comissão, 819/XV/1.ª (PCP), 820/XV/1.ª (PAN), 822/XV/1.ª (PCP), que baixa à

1.ª Comissão, e 824/XV/1.ª (CH), que baixa à 1.ª Comissão.

Deram ainda entrada os Projetos de Resolução n.os 758/XV/1.ª (PSD), 762/XV/1.ª (BE), que baixa à

10.ª Comissão, 763 e 764/XV/1.ª (PS), que baixam à 11.ª Comissão, 765/XV/1.ª (PAN), que baixa à

7.ª Comissão, 766/XV/1.ª (PCP), 767/XV/1.ª (L), 768/XV/1.ª (BE), 769, 770 e 771/XV/1.ª (PAN), que baixam à

10.ª Comissão, 772/XV/1.ª (CH), que baixa à 6.ª Comissão, e 773/XV/1.ª (CH), que baixa à 10.ª Comissão.

Agora, Sr. Presidente, passo a dar conta de dois pareceres da 14.ª Comissão.

O primeiro parecer é do seguinte teor:

«A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o

Sr. Deputado Jorge Filipe Teixeira Seguro Sanches a prestar depoimento presencialmente, como testemunha,

no âmbito dos autos em referência — Inquérito: 3784/18.6T9LSB – Tribunal Central Instrução Criminal de Lisboa

– TCIC – Juiz 8.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PAN.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — O segundo parecer é do seguinte teor:

«A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o

Sr. Deputado Ricardo Bastos Sousa a prestar depoimento presencialmente, como testemunha, no âmbito dos

autos em referência — Processo: 1904/22.5T8VNG – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível

de Vila Nova de Gaia – Juiz 5.»

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PAN.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — É tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Vamos, então, iniciar a ordem do dia, com o debate de urgência, requerido pelo PSD,

ao abrigo do artigo 72.º do Regimento, sobre o tema «Privatização da Efacec».

Para abrir o debate, em nome do grupo proponente, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e

Srs. Deputados: O PSD requereu hoje este debate de urgência sobre a privatização da Efacec. E porquê?

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Recordando os factos, em 2 de julho, um Governo socialista, liderado pelo Dr. António Costa, aprovou a

nacionalização de cerca de 70 % do capital social da Efacec, uma empresa privada ligada ao setor da tecnologia,

engenharia e energia. Esta nacionalização atingiu a participação detida pela empresária angolana Isabel dos

Santos, envolvida num processo judicial e cuja participação teria sido arrestada.

O Governo invocou em favor desta nacionalização: a Efacec ser uma empresa nacional que «constitui uma

referência internacional em setores vitais para a economia» — e estou a citar; a viabilização da continuidade da

empresa, garantindo a estabilidade do seu valor financeiro e operacional; e ainda a salvaguarda dos 2500 postos

de trabalho.

Dizia o Governo, para justificar a entrada do Estado no capital da empresa, que o único problema da Efacec

era o acionista, que trazia problemas de compliance e também de financiamento junto da banca.

O Governo garantia, aliás, que havia uma dezena de interessados e que a intervenção do Estado devia ser

feita — e esta parte é muito relevante — «por período restrito no tempo e com vista à resolução temporária da

respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a executar no mais curto prazo possível».

Este decreto foi promulgado pelo Sr. Presidente da República, que invocou expressamente os vários

argumentos do Governo, mas especialmente o não ter caráter duradouro, ser transitória e ter sido aberto

simultaneamente o processo de reprivatização. Estas eram as condicionantes, estes eram os pressupostos.

Aliás, o Governo dizia que era uma empresa centenária e com viabilidade no mercado.

A verdade, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, é que passaram três anos, mas o Governo não consegue

encerrar este processo, o tal processo rápido. Desde julho de 2020 que o Governo tem vindo a tentar encerrar

o processo, sem êxito. Três anos.

Em 2021, o processo esteve perto do seu final, mas o modelo adotado não foi admitido, não tendo o Governo

conseguido concretizá-lo porque o comprador exigiu um conjunto de apoios financeiros e de garantias — os

quais, à semelhança do Novo Banco, seriam integralmente usados e pagos pelo privado — que tornavam o

negócio um absoluto desastre para os contribuintes.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, confesso que não sei se há motivo para palmas, porque isto não é nada de bom.

Risos.

Três anos passados, na empresa foram injetados 217 milhões de euros, entre empréstimos e garantias, e a

isto se juntam cerca de 10 milhões de euros por mês até à conclusão do processo. Este processo de privatização

mais recente dura, também ele, há meses.

Finalmente, o nosso Governo marcou uma conferência de imprensa para informar e esclarecer qual o

desfecho do processo, mas sobram todas as perguntas para as respostas que não deram.

Afinal, para que serviu a conferência de imprensa? Propaganda?

Quando o Governo falha rotundamente no propósito de vender rapidamente a participação de Isabel dos

Santos, arrastando a empresa e os contribuintes para mais de 200 milhões em suprimentos e garantias, é

aceitável esta opacidade?

Quando o Governo continua a despejar na Efacec mais de 10 milhões de euros por mês sem fim à vista, é

aceitável esta falta de clareza e de transparência?

Todas as questões estão por responder, mas os portugueses têm direito a ter respostas quando é dinheiro

público que está a entrar na Efacec. E nós temos perguntas.

Qual o investimento e capitalização a suportar pelo fundo para comprar a participação? Em que prazo?

Além da aprovação da operação pela União Europeia, quais são as condições precedentes, sem as quais o

processo de venda falha?

Qual o impacto ou atitude que se espera dos acionistas minoritários? O acordo passa pela compra dessas

posições? Serão diluídas?

Quanto aos credores, banca e obrigacionistas, haverá ou está previsto um perdão parcial da dívida?

Quais as principais linhas de estratégia da Mutares que convenceram o Governo da bondade da solução?

Quais as garantias quanto ao número e retenção de trabalhadores da Efacec?

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Que apoios estatais são condição de fecho da operação?

O Banco de Fomento está envolvido? Não constitui ajuda de Estado?

Que compromissos de manutenção e permanência tem o fundo na empresa? Não é da natureza destes

fundos ficar muito tempo. Três a cinco anos? O Governo antecipa a saída?

O Estado ficará com participação social na empresa? Até quando?

O Estado ficará na gestão? Quem acompanha e fiscaliza o cumprimento do plano estratégico?

Qual o modelo de retorno parcial dos valores injetados na empresa? Em que prazo previsível?

Srs. Deputados, estas são algumas das perguntas que os portugueses têm o direito de fazer e que o Governo

tem o dever de responder, agora.

O PSD acompanha de perto este processo, desde o seu início. Não se encontra uma audição parlamentar

em que este tema não tenha sido objeto de perguntas.

Estamos há três anos à espera. É desta? Quantos mais 10 milhões por mês vamos ter de injetar na Efacec?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento.

Mas antes, se me permite, gostaria de assinalar a presença na tribuna, assistindo aos nossos trabalhos, de

uma delegação da Comissão de Relações Internacionais, Cooperação e Comunidades da Assembleia da

República de Moçambique, liderada pela sua Presidente, a Sr.ª Deputada, nossa Colega, Catarina António. A

todos saúdo, em nome do Parlamento português.

Aplausos gerais, de pé.

Para formular o pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira, tem a palavra, em nome

do Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Carlos Pereira.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Rios, tenho duas

ou três perguntas sobre o tema que trouxe à Assembleia da República, um tema importante, a Efacec, uma

empresa muito relevante para o País.

A primeira pergunta é se a resolução do Conselho de Ministros que aprovou a venda da Efacec foi

concretizada por um Governo sem legitimidade política, por um Governo sem apoio na Assembleia da República.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Oh!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — A segunda pergunta é se o financiamento da Efacec é um financiamento que

está sob suspeita do Ministério Público, um financiamento que não é transparente, que é verdadeiramente

opaco, sobre o qual ainda ninguém conseguiu explicar verdadeiramente o que se passou. Parece muito

relevante saber se, no caso da Efacec, falamos do mesmo.

Além disso, uma última pergunta é se esta resolução do Conselho de Ministros foi aprovada à 25.ª hora, num

escritório em vão de escada, às escuras, na calada da noite.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pereira, é costume

agradecermos as perguntas que nos são dirigidas, e, do ponto de vista formal, fá-lo-ei, mas acho que escolheu

um péssimo dia e um péssimo tema para fazer uma graçola.

Estamos aqui a falar de um assunto sério, que é a Efacec. O Sr. Deputado pergunta o Governo se tinha

legitimidade. Tinha, aliás, essa decisão foi acompanhada, o PSD não se opôs.

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O que acontece aqui — e o Sr. Deputado não o pode negar — é que o Governo assumiu um compromisso

que não cumpriu. Em vez de estar aqui humildemente a dizer «não conseguimos cumprir, mas estamos a fazer

o nosso melhor», o Sr. Deputado decidiu brincar com as palavras.

Não é da nossa ideologia, social-democrata, os Estados andarem a participar em empresas privadas.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Social-democrata? Nós é que somos sociais-democratas!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Portanto, neste caso, eram invocados argumentos aos quais fomos

sensíveis, especialmente por causa da participação de Isabel dos Santos e porque o Governo entrava e saía,

era um processo rápido de entrega a um dos muitos interessados que tinha.

No dia em que o Governo, ao fim de três anos, ainda não resolveu o problema, o Sr. Deputado escolhe fazer

essa pergunta, fazer essa graça. A presença do Sr. Ministro credibiliza o debate, mas a sua pergunta

descredibiliza-o.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o

Sr. Deputado José Carlos Barbosa.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Mas isto é sobre comboios? A Efacec faz carruagens?

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro: Hoje falamos da

Efacec, uma destacada empresa industrial e tecnológica portuguesa, uma casa da engenharia prática,

intimamente ligada às universidades, uma companhia de valor significativo, com presença em setores

fundamentais, como a energia, o ambiente e a mobilidade.

A Efacec administra infraestruturas críticas nacionais e internacionais na área da energia e lidera dois

consórcios das Agendas Mobilizadoras com 130 entidades, representando um investimento global de

650 milhões na transição energética e no hidrogénio verde.

Estas são apenas algumas das razões pelas quais era crucial salvar a Efacec.

Em 2020, após o escândalo do Luanda Leaks, a empresa necessitou de uma intervenção estatal. O Governo,

de forma responsável, aprovou a nacionalização, com o apoio do PSD, à época.

Em 2022, vimos o PSD menos responsável. Impulsionado pela extrema-direita…

Vozes do CH: — Oh!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Isto não são comboios!

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Calma!

Impulsionado pela extrema-direita, o partido passou a questionar a dimensão do buraco causado pela Efacec.

Mas pergunto: será mesmo um buraco salvar uma empresa com mais de 2000 trabalhadores altamente

qualificados? Será mesmo um buraco salvaguardar inúmeras empresas parceiras da Efacec e as suas

exportações de tecnologia? Será mesmo um buraco proteger uma empresa vital na rede elétrica nacional? Será

mesmo um buraco salvar uma empresa que compete, lado a lado, com os grandes players internacionais?

Recentemente, o Governo aceitou a proposta da alemã Mutares para a compra da Efacec. Esta escolha

garante a manutenção da Efacec como um importante projeto tecnológico e industrial, assegurando, acima de

tudo, a sua continuidade em Portugal.

O PSD, ao invés de questionar sobre a adesão da proposta aos critérios da resolução do Conselho de

Ministros e económicos, preferiu render-se à demagogia, afirmando que não aceitam este estilo de governar,

especialmente com uma empresa que custa aos portugueses mais de 10 milhões de euros por mês.

E questiono o PSD: sabem quanto é que custaria ao País se a Efacec deixasse de produzir?

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Vai perguntar ao Galamba!

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O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Sabem quanto é que custaria ao País se importássemos todos os

equipamentos que a Efacec produz para as empresas portuguesas? Sabem quanto é que custaria ao País se a

Efacec falisse, levando atrás de si dezenas de empresas com que trabalha diariamente?

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Quanto é que custa o PS?

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Sabem quanto é que custaria ao País pagar subsídio de desemprego

a centenas de trabalhadores e colocar em risco o fornecimento de energia e água, e até a mobilidade ferroviária?

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Ah!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isso não são comboios… Parece mesmo o Galamba a falar… Será mesmo um

buraco?

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Infelizmente, o PSD não fez as contas. O PSD não fez as contas porque

prefere disputar os votos com a IL e com a extrema-direita, do Chega, que querem já o fecho da Efacec.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mas quanto é que custa? Diga lá! Quanto é que custa?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Só os lá de trás é que batem palmas!

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Senhoras e senhores, nós, no PS, reafirmamos com convicção: valeu

a pena salvar a Efacec.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Só a última fila é que bate palmas!

O Sr. Presidente: — Está agora inscrito, para uma intervenção em nome do Grupo Parlamentar do PSD, o

Sr. Deputado Jorge Salgueiro Mendes. Tem a palavra.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, Caras e

Caros Deputados: Da primeira intervenção da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, chegamos

a duas conclusões. A primeira é que voltam a usar a técnica trauliteira do revisionismo, inclusive para voltar a

assuntos que não têm nada a ver com a Efacec, e a segunda é que continuam a dar apoio, digamos, um colinho,

ao Governo, em vez de o fiscalizarem.

Esta Casa tem como sua obrigação, seu dever, fiscalizar o Governo, independentemente dos grupos

parlamentares. Não é isso que o Partido Socialista faz. Quem fiscaliza o Governo é o Partido Social Democrata,

com sentido de Estado, porque somos oposição ao Governo, não somos oposição ao País.

Vozes do PSD: — Muito bem!

Risos do Deputado do CH Bruno Nunes.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Portanto, exigimos ao Governo que preste explicações, que não

deixe neblinas, que não crie no processo mais dúvidas do que aquelas que já existem.

Referimos várias vezes, ao longo deste processo, que existe uma grande dessintonia — para não dizer falta

de coerência — entre os discursos dos vários membros do Governo, e também entre os propósitos do Governo

e os discursos.

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Vamos ao passado recente. Sempre disseram o Sr. Ministro e o Governo que a opção para a Efacec passava

por um grande grupo empresarial, com um projeto de sustentabilidade de médio a longo prazo.

Falharam as negociações com a DST (Domingos da Silva Teixeira), por questões de garantias de Estado,

dizem. Falharam as negociações com a Mota-Engil, outro grande grupo económico português, por questões de

desmembramento, ou não, do grupo. E o mesmo aconteceu com a Visabeira, recentemente.

Qual foi a opção? A opção da PARPÚBLICA e do Governo foi o fundo Mutares. Quer dizer, é um fundo, não

é um grupo empresarial. É um fundo.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É um fundo, não é um buraco!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — É um private equity ou um hedge fund, depende da perspetiva.

Se a perspetiva é de médio a longo prazo, então estamos de acordo com o Sr. Ministro, quando diz que o

que seduziu quer a equipa da PARPÚBLICA, quer depois o Governo foi o projeto industrial e tecnológico que a

Mutares identifica para a Efacec.

Em sentido contrário estão as palavras do Sr. Secretário de Estado da Economia, quando diz que a estratégia

pode ser meramente de curto prazo, ao referir que, se o fundo alemão vender a Efacec antes do prazo de

recuperação — três a cinco anos —, é porque a recuperação correu bem e pode ser vendida.

Então, afinal, temos uma estratégia de curto prazo ou uma estratégia de médio a longo prazo para a Efacec?

Ou não temos estratégia nenhuma, queremos é despachar a Efacec a todo o custo?

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Portanto, Sr. Ministro, continuamos a não ter respostas.

Continuamos a não saber quanto é que os privados vão injetar na empresa; quanto é que este fundo vai

cobrar à Efacec em comissão de assessoria e gestão; se foi fixado algum período de indisponibilidade para a

saída deste fundo; qual o envolvimento do Banco de Fomento na empresa; e qual vai ser o saldo final desta

operação para o Estado.

O Estado vai perder os 500 milhões de euros? Vai recuperar algum? Em que prazo? Finalmente, há ou não

o risco de a União Europeia considerar este apoio como auxílio de Estado e inviabilizar todo o processo, tendo

de começar novamente da estaca zero? É só, Sr. Ministro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, em nome do Grupo Parlamentar do Chega, o Sr. Deputado Filipe

Melo.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em 2020, o Governo

socialista decide nacionalizar a Efacec. Desde então, os prejuízos não param de se acumular, como os senhores

sabem: 2020, 75 milhões; 2021, 184 milhões; 2022, quase 100 milhões.

Os motivos que apresentam para a nacionalização são: uma empresa de referência nacional e a salvaguarda

dos 2500 postos de trabalho. Sr. Ministro, a primeira pergunta que tenho é muito fácil: com a venda, vão garantir

a continuidade destes postos de trabalho? É que, se sim, o Governo está a fazer uma boa parte do seu trabalho;

se não, o argumento cai por terra. Esta é a primeira questão.

Depois, volume de negócios da Efacec: em 2021, ano de saída pandémica, 224 milhões; em 2022,

154 milhões. Ou seja, estamos a cair também no volume de negócios da empresa. Falência técnica é o estado

em que a empresa se encontra: capitais próprios negativos; dívida nos 300 milhões. Qual é a gestão que o

Estado fez numa empresa tão estratégica para o País? Esta é outra questão que se impõe.

Em relação à venda à Mutares, há outra questão a que também interessa responder. O Estado, ou melhor,

os contribuintes, vai ser ressarcido dos cerca de 300 milhões que injetou na empresa? A venda à Mutares vai

assegurar o total ressarcimento do valor lá injetado?

Por fim, ouvi várias vezes o Sr. Deputado José Carlos Barbosa falar em salvar, salvar, salvar uma empresa.

Mas salvar o quê, meu Deus?!

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O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Não conhece a empresa! Não conhece!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Salvar uma empresa que só enterrou o dinheiro dos contribuintes, que perdeu

faturação, ganhou prejuízo, ganhou dívida… Isto é salvar o quê? Isto é destruir as contas públicas a tentar meter

numa empresa, já se sabendo o fracasso a que isto ia levar.

Esta venda, cujo valor nem o Sr. Ministro nem o Secretário de Estado tiveram ainda a coragem de vir a

público dizer qual é,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — … faz-nos lembrar a triste venda, ou a suposta venda, do Novo Banco à Lone

Star, em que tudo era vendido e as garantias do Estado seriam intocáveis, mas, no fim, nem venda, nem valores

— tudo opaco, tudo menos transparente. É esta a imagem de marca do Governo socialista.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, em nome da Iniciativa Liberal, o Sr. Deputado Carlos Guimarães

Pinto.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, em 2022, a Efacec recebeu metade das encomendas

que tinha tido em 2021 e menos 60 % do que em 2019, antes de o Estado entrar.

Não houve uma unidade de negócio que tenha escapado a esta razia: a unidade de automação foi reduzida

a um terço; a unidade de transformadores foi reduzida a pouco mais de um quarto; a unidade de aparelhagem

foi reduzida a um quinto, desde 2019; e a unidade de mobilidade elétrica foi reduzida a menos de um quinto,

desde 2019.

O orador exibiu quatro gráficos sobre os dados que mencionou.

Como é que é possível que, em mercados em grande crescimento, como transformadores, automação,

mobilidade elétrica, a Efacec pública tenha conseguido ter muito menos encomendas e dar prejuízo? Estamos

a falar de mercados em crescimento em todo o mundo, exceto no caso de uma empresa pública.

O Sr. Duarte Alves (PCP) — Não tem acesso ao crédito!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sempre que se discute esta questão, há um consenso de que a

Efacec tem uma tecnologia de ponta, emprega quadros altamente qualificados, fabrica produtos de uma

qualidade imensa. O que ninguém questiona é como é que uma empresa com a melhor tecnologia, os melhores

trabalhadores, os melhores produtos, ainda assim, dá tanto prejuízo.

O Sr. Duarte Alves (PCP) — Não tem acesso ao crédito!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas eu respondo: a Efacec deu e continua a dar prejuízo porque,

mesmo tendo os melhores produtos, os melhores trabalhadores, a melhor tecnologia do mundo, também tem o

pior acionista do mundo, que é o Governo do PS.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Era o único!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Com o Estado português como acionista, os melhores trabalhadores

do mundo ficaram sem nada para fazer, a melhor tecnologia do mundo ficou parada e os melhores produtos do

mundo não têm quem os compre.

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Que bela metáfora do País que a Efacec é: um potencial enorme, pessoas qualificadas, tudo desperdiçado

por um conjunto de péssimas decisões políticas.

Como se viu no passado, já com a TAP (Transportes Aéreos Portugueses), com a CP (Comboios de Portugal)

e com o próprio País, o PS tem o toque de Midas ao contrário: tem o toque do desastre, o toque do desperdício,

o toque dos prejuízos…

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Até dá lucro!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — … e, quando as coisas já estão mesmo muito más, é o «toca a fugir»,

para ver se os outros conseguem salvar alguma coisa.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

O Sr. José Carlos Barbosa (PS): — Só é bom a trabalhar com o Excel. É só Excel!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — O Governo anunciou a venda da Efacec depois de os contribuintes

já terem metido mais de 200 milhões de euros em injeções e garantias, mas, até agora, não disse por quanto é

que vendeu a empresa. Por quanto é que venderam? Foi feito o negócio. Por quanto? Não disseram quanto é

que o Estado português irá receber para compensar o dinheiro que lá injetou. Não disseram que garantias é que

o Estado português irá dar ao comprador.

Os contribuintes pagam, ano após ano, as aventuras do PS, mas não têm sequer o direito a saber algo tão

básico: por quanto é que foi vendido? Sim, estamos a falar de algo que é dos contribuintes, porque a coisa

pública é dos portugueses, é dos contribuintes, não é do PS, e por isso os contribuintes merecem saber quanto

é que estão a pagar por isso.

Portanto, Sr. Ministro, espero que nos esclareça hoje.

Primeiro, por quanto foi vendida a Efacec e que garantias é que o Estado português ainda mantém na dívida

da empresa?

Segundo, a reestruturação será feita à conta de todos os credores ou só daqueles credores que tenham

dívida garantida pelo Estado?

Terceiro, a venda da Efacec exigirá um perdão de dívida garantida pelo Estado português, ou seja, ainda

vamos perder mais dinheiro, apesar de já termos injetado tanto?

Quarto, durante este tempo todo em que o Estado português andou a injetar dinheiro na empresa, que

contributos é que o acionista privado deu para isso? Se não deu contributos para isso, como é que o acionista

privado conseguiu, ao longo de todo este período, manter exatamente a mesma posição acionista de que irá

beneficiar, se a empresa recuperar?

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Já vou concluir, Sr. Presidente.

Finalmente, que tipo de escrutínio é que foi feito pela PARPÚBLICA à gestão da empresa? Diga-nos, por

favor, como se chama a pessoa nomeada pela PARPÚBLICA que foi responsável, ao longo destes anos, por

escrutinar a gestão da empresa. É que, ao que se sabe, ninguém escrutinou.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Peço desculpa, esta tarde vamos ter de ser mais estritos do que o costume no

cumprimento dos tempos, visto que temos uma agenda muito comprida.

Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mais uma

vez, temos a repetição da mesma história de sempre — lucros privados, prejuízos públicos e uma privatização

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sem garantias de manter e desenvolver uma empresa estratégica na indústria nacional, assim como os postos

de trabalho altamente qualificados.

O PSD lança este debate, mas não porque se opõe à repetição deste filme — não! O PSD já fez saber que

o que queria era que a privatização da Efacec tivesse sido mais rápida,…

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Oh!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — … porque o Governo do PS anunciou, em 2020, uma operação curta, e então

vem cobrar a prometida rapidez.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Estão todos de acordo no essencial: o Estado existe é para pagar os

desmandos da gestão privada, mas, quando é para dar lucro, privatize-se.

No meio deste debate, os portugueses poderão perguntar-se: «Afinal porque é que é tão importante esta

empresa, a Efacec? O que justificou a intervenção pública para salvar a empresa e porque é que o PCP defende,

hoje, a sua permanência sob controlo público?»

A Efacec tem cerca de 2500 trabalhadores, exporta para 60 países e é uma empresa que desenvolve

soluções de alta tecnologia para geração, transmissão e distribuição de energia.

Produz transformadores. Nesta área, tem patentes internacionais em sistemas modulares inovadores e

ambientalmente sustentáveis.

Fornece uma empresa norueguesa, que é a maior geradora de energias renováveis em toda a Europa.

Ganhou concursos para produzir transformadores de alta tecnologia, 100 % desenvolvidos na Efacec, para

redes elétricas de países como a França, os Estados Unidos, o Brasil, Angola, Moçambique, a Escócia, a

Espanha e Portugal.

Na área dos transportes, a Efacec, além de sistemas de energia para a ferrovia, produz ainda sistemas de

sinalização e segurança ferroviária, plataformas de gestão ferroviária. Nesta área, ganhou um prémio de design

industrial, o maior prémio de todo o mundo, que é dado na Alemanha.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Não têm é encomendas!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Desenvolve estações de carregamento rápido para veículos elétricos e

sistemas de gestão de pontos de carga.

O Sr. João Dias (PCP): — É coisa pequena!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Vendido! Eu compro!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Esteve envolvida na construção ou expansão de metros ligeiros na Dinamarca,

na Noruega, na Irlanda, na Espanha, na Argélia, no metro do Porto e vai fazer a nova subestação de extração

elétrica de Sete Rios, que alimentará cinco das principais linhas ferroviárias da região de Lisboa, além de

múltiplos investimentos na ferrovia nacional.

Tem uma área de inovação eletrónica, uma área de ambiente, uma área de sistemas de engenharia e uma

área de serviços que presta, de reparação, de peritagem, por aí afora.

A lista é muito longa, mas é muito curta face a todas as realizações e potencialidades desta empresa.

Portanto, gostaria de deixar o registo de tudo aquilo que esta empresa produz no sistema industrial em

Portugal, para que fique claro que estamos a falar de uma empresa que coloca Portugal, em certos domínios,

na rota da mais avançada tecnologia, ombreando com gigantes deste setor, com elevado reconhecimento da

sua competitividade e excelência em muitos países.

Muito do que a Efacec hoje é, deve-o também ao investimento público e às políticas de proteção da indústria

nacional, que lhe permitiram adquirir competências que mais tarde lhe foram muito úteis para superar as

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dificuldades decorrentes das imposições neoliberais da União Europeia, aceites por sucessivos Governos, que

abdicaram de uma perspetiva de longo prazo de priorização de interesses nacionais.

É importante dizer também que quem deixou a Efacec sem acesso a créditos bancários foram os acionistas

privados, antes da entrada do Estado no capital da empresa.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente, bem lembrado!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Ainda nos lembrados do que aconteceu com a Sorefame (Sociedades

Reunidas de Fabricações Metálicas), Sr. Ministro: depois de vendida, deu jeito aos acionistas privados acabar

com ela, porque competia com as melhores multinacionais daquele ramo.

Hoje, novamente, é o Governo do PS que coloca em cima da mesa a mesma abdicação nacional, a mesma

lógica de entregar ao estrangeiro, sem quaisquer garantias de futuro, uma empresa com estas características e

potencialidades.

A Efacec é um poderoso concorrente das maiores tecnológicas nesta área, e essas concorrentes têm todo o

interesse em eliminar concorrência.

O Sr. João Dias (PCP): — Em destruir!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Entregar esta empresa a um fundo de investimento, como o Governo se

prepara para fazer, não exclui a possibilidade de esse fundo fazer valer a sua posição para, no futuro, mandar

fechar a empresa, para eliminar concorrência em favor de outras grandes tecnológicas desta área.

Num País que precisa de se reindustrializar, que precisa de apostar em setores de elevada incorporação

tecnológica para se poder afirmar e desenvolver, neste País, o Governo prepara-se para entregar ao capital

estrangeiro uma empresa com estas potencialidades e sem quaisquer garantias que assegurem o futuro da

empresa.

Sim, o Governo tem muito a esclarecer sobre os moldes desta privatização, sobre quem compra, em que

condições, com que garantias à custa de recursos públicos.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem de terminar.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Termino, Sr. Presidente.

Mas hoje ainda estamos a tempo de evitar este erro, porque a Efacec não pode ser uma nova Sorefame.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel

Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Sr. Ministro, Srs. Secretários

de Estado: Estamos novamente a discutir — e nos últimos anos tem sido recorrente — a questão da Efacec,

uma das mais antigas empresas na área tecnológica em Portugal e uma das mais importantes, com cerca de

2500 trabalhadores e presença em áreas muito variadas, da energia, ao ambiente e à mobilidade, em vários

países.

Mas a Efacec também tem tido uma história muito conturbada, em especial desde que o grupo Mello e a têxtil

Manuel Gonçalves decidiram vender a maioria das ações a uma empresa de Isabel dos Santos.

Desde esse momento, o Bloco de Esquerda criticou a escolha que foi feita, sendo que o ano de 2020, na

verdade, acabou por confirmar, em toda a linha, o risco que representava esta venda, que foi feita a uma

chamada «personalidade politicamente exposta», associada há vários anos ao saque e à lavagem de dinheiro

levados a cabo pela oligarquia angolana.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — De esquerda!

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A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Aliás, recorde-se que, na altura, a própria Comissão Europeia alertou para o

risco desta ação que foi tomada.

Na altura, nem PS nem PSD disseram nada sobre a entrada desta acionista, tal como estiveram calados

também sobre todas as outras figuras ligadas ao regime de Angola que foram utilizando Portugal como a sua

lavandaria.

Portanto, não sem surpresa, na sequência do caso Luanda Leaks, a determinação do arresto da participação

de Isabel dos Santos levou, obviamente, a um impasse muito grave na Efacec, agravado pelo contexto de

pandemia, em que, na verdade, os principais lesados foram os trabalhadores, que foram altamente atingidos

durante essa altura, acabando por não se conseguir restabelecer a ordem naquilo que estava a funcionar

naquela empresa.

Na altura, em julho de 2020, o Governo decidiu pela nacionalização. No decreto-lei, aprovado em Conselho

de Ministros, dizia-se que a decisão era tomada, e cito, «com vista à salvaguarda do interesse público nacional».

Mas, quando se verifica que, no artigo 9.º desse mesmo decreto-lei, está incluída a questão da imediata

reprivatização, a pergunta que fica, desde essa altura, é: onde é que está, então, o interesse nacional?

O Governo tanto disse que estava em causa o interesse nacional, quando, na verdade, previu, desde o início,

que a empresa fosse privatizada. Por isso mesmo, logo em janeiro de 2021, tivemos, por proposta do Bloco de

Esquerda, a apreciação parlamentar deste decreto-lei, para que se retirasse, efetivamente, esta parte da

privatização.

Portanto, hoje estamos novamente a falar de um erro, e gostávamos de colocar três questões essenciais

sobre este erro.

Em primeiro lugar, a reprivatização, pura e simplesmente, não faz sentido. E perguntamos: não basta o que

já aconteceu a outras empresas privatizadas e totalmente destruídas? Fala-se da Sorefame, mas tivemos o

exemplo da PT (Portugal Telecom), igualmente. Será que não conseguimos, enquanto País, aprender nada

sobre o desastre deste tipo de privatizações?

Neste momento, a Efacec é um ativo muito importante para a economia do País, que o Estado deveria estar

a utilizar para fazer face aos desafios, por exemplo, da descarbonização da economia. No entanto, o debate que

estamos aqui a ter é um bater de bolas entre PS e PSD sobre quem é que privatiza melhor. E isso, do nosso

ponto de vista, é errado.

A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — A segunda questão é que os trabalhadores da Efacec precisam de estabilidade,

de uma vez por todas. Portanto, queremos saber quais é que são as garantias de estabilidade que neste

momento existem para estes trabalhadores, que não podem estar novamente em processos de incerteza sobre

a manutenção dos seus postos de trabalho.

A terceira e última questão tem a ver com a opacidade que ficou muito patente nas declarações do

Sr. Ministro, na semana passada. Verdadeiramente, pouco ou nada o Sr. Ministro anunciou, além do nome do

fundo, que, aparentemente, apresenta as melhores condições. Já agora, pergunto: que condições?

E porquê este fundo, que aparenta não ter propriamente um histórico de manter empresas, mas sim de as

vender e liquidar? Esta escolha preocupa-nos muito. Quais as garantias de pagamento ao Estado do que tem

sido investido? Quais as garantias de manutenção dos postos de trabalho? Quais as garantias de manutenção

de uma estratégia que verdadeiramente sirva a economia do País?

Era para isso que a nacionalização da Efacec deveria ter servido, do nosso ponto de vista, por isso é que a

defendemos e por isso é que defendemos que a Efacec não deveria ser reprivatizada. Temos um ativo

importantíssimo para o nosso País, para a descarbonização que precisamos de fazer, com técnicos altamente

qualificados, mas que o Governo está a desperdiçar totalmente.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, membros do Governo aqui

presentes: Este debate podia resumir-se à velha máxima dos «prejuízos públicos e lucros privados», porque, na

verdade, tem sido isso que temos visto em todos os negócios das reprivatizações. Tem sido assim em vários

Governos, PS e PSD: vimos isso nos processos do Novo Banco, dos CTT (Correios de Portugal), da TAP e,

agora mesmo, da Efacec.

Tendo o Governo aqui presente, há três questões que não podemos deixar de colocar.

Desde logo, há que referir a preocupação do Conselho das Finanças Públicas em relação aos próximos anos.

Sabemos que este modelo de privatização proposto pelo Governo só permitirá ao Estado saber quanto terá de

injetar em 2025, e não a este tempo. Ou seja, estamos a falar de um salto no desconhecido, mais uma vez com

um cheque em branco das contas públicas. Por isso, gostaríamos de saber se o Governo tenciona pedir ao

Conselho das Finanças Públicas um parecer sobre o impacto desta privatização ou se vai ficar fechado sobre a

sua própria decisão.

A outra questão prende-se com o potencial da Efacec em matéria ambiental. Estamos a falar da garantia de

uma verdadeira economia verde em Portugal, pelo que gostaríamos de perceber se, nesta privatização que o

Governo pretende fazer, e com a qual não concordamos, vai ser assegurado como contrapartida, pelo menos,

que o Estado português seja parceiro prioritário naquele que possa ser o acesso a produtos referentes a energias

renováveis ou que seja obrigatória a existência de projetos de acesso a custos reduzidos, por exemplo, para as

famílias carenciadas nesta mesma área.

Por fim, Sr. Ministro, temos a questão da participação de Isabel dos Santos. A França tem um modelo de

recompensação precisamente para organizações não-governamentais, através do Estado, do dinheiro que foi

utilizado para colocar no seu país. Portugal está disponível para fazer o mesmo e para haver alguma justiça de

reposição em relação ao desfalque dado por Isabel dos Santos?

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do partido Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro:

Este debate foi convocado pelo PSD, que saúdo, para esclarecer perplexidades, e cito o Deputado Paulo Rios

de Oliveira, na questão da reprivatização da Efacec.

Mas não deixa de nos provocar novas perplexidades que o mesmo Deputado nos diga que «não faz parte

da nossa ideologia, a social-democracia, ter participações do Estado na indústria». Isto, tanto quanto sei,

reescreve todos os livros de ciência política sobre a social-democracia.

A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Claro!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Tens de escrever o que eu digo e ler!

O Sr. Rui Tavares (L): — Acreditava eu que fazia sentido decidir, de forma pragmática, em que áreas o

Estado pode ou não intervir, a não ser que acreditemos, como o nosso Colega Carlos Guimarães Pinto, que o

Estado é sempre o pior acionista possível, como ele disse,…

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — É verdade!

O Sr. Rui Tavares (L): — … quando a comparação é com Isabel dos Santos, que, pelos vistos, é melhor

acionista do que o Estado. Só não explica como é que a empresa ficou na situação em que ficou.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não tem acesso ao crédito!

O Sr. Rui Tavares (L): — A pergunta que devemos colocar, longe de dogmas de que o Estado é sempre

bom acionista ou de que tudo o que dá lucro é para privatizar, é se foi considerada a possibilidade de manter

esta empresa, numa ótica de reindustrialização, que é absolutamente atual no continente europeu, e dos

serviços que ela pode prestar ao Estado.

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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Olha o tempo!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Fala para aí!

O Sr. Rui Tavares (L): — Sabemos todos, sabe qualquer pessoa que alguma vez tenha tido de vender

alguma coisa, que, se eu tiver um ativo e disser «este ativo é para vender ou para vender», o vou vender ao

desbarato, porque, evidentemente, não dou a mim próprio a possibilidade de o manter e de o tornar rentável de

outra forma.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Tens tempo!

O Sr. Rui Tavares (L): — Portanto, esta é uma orientação política de reprivatização da Efacec ou foi realizado

algum estudo sobre as vantagens comparativas entre manter a Efacec na esfera pública, mantê-la mais

prolongadamente, e vendê-la mais rapidamente, e logo ao desbarato?

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Tem corrido tão bem, aquilo!

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva.

O Sr. Ministro da Economia e do Mar (António Costa Silva): — Sr. Presidente, cumprimento-o, assim como

todos os Srs. Deputados e Sr.as Deputadas.

Queria, em primeiro lugar, agradecer muito ao Deputado Duarte Alves pela descrição extraordinária que fez

da Efacec. A Efacec é uma grande empresa tecnológica do País, é uma referência no nosso tecido industrial e

é uma empresa que deve ser acarinhada. Fico sempre muito surpreendido quando há Deputados nesta Câmara

que defendem, pura e simplesmente, a extinção e liquidação da empresa, e nem sequer têm em atenção que

esta empresa emprega 2000 trabalhadores.

O segundo elemento que queria dizer a esta Câmara é que alguns dos Srs. Deputados estão muito distraídos.

O ano de 2020, quando foi decretada a privatização da Efacec, foi o ano da pandemia. Não sei se se recordam,

mas a economia mundial paralisou em 2020 e 2021, portanto, é muito difícil fazer a privatização de uma empresa

quando temos o colapso da economia mundial.

E, Sr. Deputado Paulo Oliveira, com todo o respeito que lhe tenho, o que aconselhava é que tenhamos

realmente sentido de Estado, como o Sr. Deputado invocou.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Não vai fazê-la crescer!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Por quanto é que venderam?

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Conseguimos uma solução. Abrimos um processo que foi muito

competitivo, muito aberto e que teve 10 propostas no início, cinco no meio e houve quatro propostas finais

vinculativas. Essas propostas finais vinculativas foram submetidas aos seis critérios que estão na Resolução do

Conselho de Ministros de 21 de novembro de 2022.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Por quanto é que venderam?!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Entre essas soluções está a credibilidade e a sustentabilidade

financeira da empresa proponente, a Mutares, que responde a esse critério.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas por quanto é que venderam?

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O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — O segundo critério é o da capacidade que a empresa tem de

apresentar um projeto de qualidade e de sustentabilidade para a Efacec.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — E venderam por quanto?

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — A Mutares apresentou um projeto que é de qualidade e de

sustentabilidade. E porquê? Porque estudou muito bem a Efacec e definiu uma estratégia, com a identificação

dos mercados-alvo, sobretudo a Alemanha e os Estados Unidos, pondo todas as utilities com que se relaciona

à disposição da empresa e do seu ecossistema.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Venderam por quanto?

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — A Mutares tem no seu portfólio 32 empresas, tem um volume de

negócios de 5000 milhões de euros e é referência nas áreas da energia, da mobilidade elétrica, das energias

renováveis.

O outro elemento fundamental foi o ter definido uma estratégia para os negócios de produto. Nós, em

Portugal, pensamos muito pouco em produto, nos transformadores, em tudo o que é aparelhagens,

equipamentos, automação, soluções de mobilidade elétrica. Portanto, tem uma estratégia condicionada a esses

elementos.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — E quanto é que pagaram?

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — O terceiro critério foi o reforço da capacidade financeira da Efacec.

Queria recordar aos Srs. Deputados que fazemos parte do espaço europeu e que, no espaço europeu, as ajudas

estatais às empresas estão absolutamente condicionadas.

Toda a interação que houve com a DG Comp (Directorate-General for Competition), até hoje, foi para pormos

na Efacec os 10 milhões de euros que são necessários para a empresa continuar a funcionar. Isso limita muito

a capacidade operacional da empresa.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso é verdade!

Protestos do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto.

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — E é evidente que durante este processo isso se revelou.

Agora, a outra questão muito importante é a de minimizar os encargos para o Estado. A Mutares fez uma

proposta inovadora, que é um modelo de investimento baseado numa espécie de recuperação escalonada

desse investimento.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas foi quanto?

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — A Mutares é cotada na Bolsa de Frankfurt. Tem um ROIC (return

on invested capital), que varia entre 7 e 10 vezes, tem experiência exatamente em recuperar grandes empresas

industriais e está disponível para partilhar o valor que vai gerar com a empresa com o Estado.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas quanto?!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — E eu, particularmente, e o Sr. Secretário de Estado das Finanças

partilhamos essa convicção de que vamos recuperar grande parte, se não a totalidade, do investimento que o

Estado fez,…

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Quanto é que vão pagar?

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O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — … exatamente, por causa da capacidade que a empresa revela.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Toda a gente perguntou quanto é que vão pagar e não respondeu!

Faltam 2 minutos! Quanto é que vão pagar?

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — How much?!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Portanto, o que eu queria dizer aos Srs. Deputados é o seguinte:

partilho das dúvidas do Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto e do Deputado Paulo Rios de Oliveira.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Isso é bom sinal!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Srs. Deputados, se trabalharam numa empresa, se estiveram em

processos deste tipo, sabem perfeitamente que as empresas cotadas em Bolsa têm um non-disclosure

agreement e que o investimento final, os números finais estão dependentes de condições precedentes que têm

de ser verificadas.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas o preço de compra não!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Assumo, nesta Assembleia da República, com toda a humildade,

vir partilhar todos os números, quando esses números finais estiverem apurados.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Anunciaram a venda e não dizem por que valor?!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Estão a decorrer negociações…

Protestos do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto.

O Sr. Deputado Carlos Guimarães Pinto, que se preocupa muito com o funcionamento das empresas, sabe

muito bem que quaisquer números que se revelem num processo desta delicadeza podem contaminar o próprio

processo.

Protestos do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto.

O processo está encaminhado e está sujeito a três condições precedentes: os pareceres da União Europeia

e da DG Comp, em função do teste de mercado que foi feito, das autoridades da concorrência, do Tribunal de

Contas e dos credores.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Ainda vai a tempo de não vender!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Estas negociações são delicadas.

Srs. Deputados, tenham sentido de Estado, assumam isso e nós viremos aqui partilhar os números.

Aplausos do PS.

Mas não ponham em causa este negócio, não façam descarrilar o processo e nós cá estaremos para prestar

todos e quaisquer esclarecimentos.

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Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Mas não diz o preço de venda!

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Joaquim Miranda Sarmento pede a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa sobre a

condução dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Sr. Presidente, para que conste no debate — porque foi o

antecessor do atual ministro e, portanto, ele poderá eventualmente não ter essa informação —, em abril de 2020,

já na pandemia, o Dr. Siza Vieira assegurou ao PSD, e a mim pessoalmente, que a razão da intervenção na

Efacec era exclusivamente a acionista Isabel dos Santos.

E disse mais, que se fosse um problema da pandemia,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isto não é uma intervenção!

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — … a Efacec utilizaria os mesmos instrumentos que todas as

outras empresas tinham disponíveis, no âmbito de layoffs — apoios à recuperação, garantias, etc.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Isto não é uma intervenção, tem de ser descontado no tempo de intervenção do

PSD!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, V. Ex.ª não está a fazer…

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — Portanto, o antecessor do Sr. Ministro, talvez não saiba, em

abril de 2020,…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Vai dar tempo ao Sr. Ministro para responder?

O Sr. Joaquim Miranda Sarmento (PSD): — … era perentório a dizer que, se fosse por causa da covid, a

Efacec seria tratada como qualquer outra empresa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não foi, manifestamente, uma interpelação à Mesa sobre a condução

dos trabalhos. O PSD tem tempo disponível, não sei porque é que não o utiliza para dar as informações e os

argumentos que entender.

Vamos continuar com o nosso debate, tendo agora a palavra o Sr. Deputado Filipe Melo, do Grupo

Parlamentar do Chega.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr. Presidente, o Sr. Ministro fez-me lembrar agora o anúncio de um casamento.

«Eu vou-me casar!» E quando lhe perguntam: «Mas com quem, quando?» Responde «Quando ainda não sei e

com quem, se autorizarem a noiva, então, oportunamente direi.»

O negócio da Efacec é igual. É vendida à Mutares. Quando? Ainda não sabemos. Por que valor? Não

sabemos.

É isto que é o Governo? Sr. Ministro, por amor de Deus, deixem de brincar com os portugueses.

Aplausos do CH.

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O senhor passou 70 % da sua intervenção a falar da Mutares. Vou dizer-lhe, com o devido respeito, que a

Mutares não teria melhor diretor comercial, pela forma como o Sr. Ministro aqui vendeu a empresa. Quando

ainda não sabem por que valor vão comprar a Efacec, para quê tanta publicidade?

Protestos do PS.

Parecia o Sr. Deputado Duarte Alves — o melhor diretor comercial da Efacec! —, cujos 5 minutos de

intervenção foram para explicar o que a Efacec faz.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É importante! Querem vendê-la ao desbarato!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Obrigado, Sr. Deputado, mas acho que isso todos sabemos.

Aplausos do CH.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não sei se sabem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Agora, apresentaram questões concretas ao ministro?!

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — O que a Efacec ainda faz! Mas faz cada vez menos!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Depois, o Sr. Ministro ainda tem a coragem de vir relembrar que 2020 foi um ano

de crise pandémica em que os resultados caíram. É verdade que caíram, mas, então, explique e seja objetivo a

explicar aos portugueses, que é isso que eles querem saber, porque é que em 2022, que já não estávamos há

mais de um ano em crise pandémica, os resultados pioraram, e muito, face a 2020.

Quer que eu lhe mostre as provas? Está aqui, Sr. Ministro.

O orador exibiu um documento com um gráfico.

Menos 133 % do EBITDA (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization) de gestão, repito,

133 % a menos, menos 305 % da margem bruta. Como é que o senhor explica isto? E ainda tem a coragem de

vir aqui dizer: «Nacionalizámos em ano de crise pandémica.»

Explique a esta Câmara, aos portugueses, porque é isso que eles querem saber, a má gestão que o seu

Governo fez numa empresa,…

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Mas quer vender ou não quer vender?

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sabe o que é o cash-flow?

O Sr. Filipe Melo (CH): — Explique a má gestão, reafirmo, em que enterraram dinheiro a rodos dos

contribuintes portugueses numa empresa que agora assume que vai vender, mas tem a coragem de vir a esta

Casa dizer: «Não sei por quanto, porque ainda está dependente das condicionantes A, B, C e D.»

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe, com o devido respeito, chega de gozarem com os portugueses.

Aplausos do CH.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — É como se dissesse: «Vendi o meu carro. Por quanto foi? Não sei!»

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira, do Grupo

Parlamentar do PS.

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Gostava de voltar à questão do

debate de urgência, porque me parece evidente, na sequência das declarações que já foram feitas,

nomeadamente pelo PSD, que este debate revela que o PSD tem demonstrado, diria, um certo fascínio em

transformar a oposição ao Governo numa oposição ao País. Ou seja, o PSD chega a este debate no tempo

errado, e isso ficou bem demonstrado pelo Sr. Ministro.

Protestos do Deputado do PSD Jorge Salgueiro Mendes.

Não temos nenhum problema, Sr. Deputado Paulo Rios, repito, não temos nenhum problema em que esta

Assembleia faça o escrutínio, avalie, conheça as decisões políticas. Essa é a função da Assembleia e somos os

primeiros a exigir que ela seja feita, nós próprios fazemos isso.

Agora, o sentido de responsabilidade exige que possamos saber qual o tempo certo para o fazer. O

Sr. Ministro explicou, de forma muito bem explicada, há bocadinho, que o processo não terminou. Há uma

resolução do Conselho de Ministros, há uma negociação e há coisas a acontecerem que são muito relevantes.

O negócio não está fechado, logo, é preciso calma. Esta Assembleia tem de mostrar sentido de responsabilidade

e o PSD, que quer ser a alternativa, tem de mostrar sentido de responsabilidade.

Portanto, precisamos que a União Europeia e a Autoridade da Concorrência deem parecer positivo a isso,

que o Tribunal de Contas assegure e que o quadro financeiro seja estabelecido com os credores de forma

adequada. Nada disso está concluído e o que se exige do PSD é que tenha esse sentido de responsabilidade.

Quero dizer ao Sr. Deputado que me acusou de fazer uma graçola com a pergunta que fiz que não foi

nenhuma graçola. Sei que percebeu o que é que eu quis dizer: o PS não faz privatizações a mata-cavalos.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Faz, faz!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — Este assunto é muito sério, a empresa é muito importante, o País precisa de

uma Efacec e não vamos fazê-lo a mata-cavalos.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — E o Paulo sabe!

O Sr. Carlos Pereira (PS): — E devo dizer uma coisa, para terminar, Sr. Deputado: se esta empresa existisse

há 20 anos na União Europeia era elegível para aquilo que se chamava campeões nacionais. Hoje em dia, isso

não é possível, mas temos de salvaguardar que esta empresa continua a dar o contributo fundamental que tem

de dar à nossa economia, sobretudo numa fase importante para a transição energética, na qual ela é

extremamente importante.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

O Sr. Presidente: — Presumindo que o PSD queira beneficiar da intervenção no fim, como é seu direito

regimental, dou agora a palavra ao Sr. Ministro da Economia e do Mar. Tem 27 segundos.

Risos do PS.

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Muito obrigado, Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim Miranda

Sarmento, é verdade aquilo que referenciou. No caso da Efacec, tivemos uma acumulação de condições que

deterioraram a situação da empresa e, sobretudo, a limitação do acesso à banca, e isso fez toda a diferença.

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Queria, também, dizer que a proposta que ganhou foi a proposta que foi submetida a teste de mercado, como

todas as outras, e saiu claramente a ganhar com rentabilidade na casa dos dois dígitos, o que dá alguma

confiança.

Sr. Deputado Filipe Melo, não me venha dar lições de coragem. Não preciso receber coragem de ninguém,

a minha vida fala por si.

Aplausos do PS.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Não foi isso que lhe perguntei!

O Sr. Ministro da Economia e do Mar: — Sr. Deputado Filipe Melo, a segunda coisa que lhe queria dizer é

que não brinco aos casamentos.

Aplausos do PS.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Foi para isto que cá veio? Se era para não responder, mais valia não ter vindo!

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o

Sr. Deputado Paulo Rios de Oliveira.

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Confesso que

nada me daria mais prazer que saber que uma empresa que é da minha terra, que tanto me diz,…

Vozes do PS: — Ah!…

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — … poderia ser objeto de um futuro risonho. Portanto, tudo o que seja

destruição da Efacec não são cenários verdadeiros.

Sr. Ministro, vou responder-lhe, da mesma forma como me respondeu a mim: podemos aceitar os dois que

há um compromisso, que o Governo assumiu para com o povo português e esta Assembleia, de que ia resolver

o problema rapidamente. Não resolveu.

O decurso desse processo, por três anos, trouxe vários problemas. Primeiro, injetou na empresa muito mais

do que esperava, e, segundo, o Estado ficou dono da empresa, porque tinha a maioria do capital, mas não se

revelou especialmente competente na gestão da empresa, nomeadamente nos últimos resultados — cheguei a

perguntar-lhe quem é que estava na Administração, representando o Estado.

Portanto, não cumpriram no prazo, não cumpriram no resultado. O motivo para estarmos zangados — nós e

os portugueses — é este: se, depois disto, ainda há condições precedentes que carecem de sentido de Estado

e de alguma espera, porque é que fazem uma conferência de imprensa para anunciar aos portugueses o

resultado?

O Sr. Ministro teve um debate inteiro e não me deu um número.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Paulo Rios de Oliveira (PSD): — O que é que digo aos trabalhadores da Efacec? O que é que digo

aos portugueses? Afinal, quando é que para isto? Quanto é que está em jogo?

É poucochinho, Sr. Ministro, é poucochinho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Concluímos assim este ponto da ordem do dia e passamos ao das declarações políticas.

Para fazer a declaração política em nome do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Lage.

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O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na mesma altura em que o ecossistema

político-mediático se afadigava em especulações sobre um famigerado computador portátil, ou sobre quem

telefonou a quem e sobre quem telefonou primeiro e quem telefonou depois, entre outros episódios de

autoflagelação do sistema político português, governantes e parceiros sociais de toda a União Europeia reuniam

no Porto para debater o futuro do modelo social europeu.

No Fórum Social do Porto, que decorreu no dia 27 de maio e que assinalou os dois anos da Cimeira Social

de 2021, participava também a ministra ucraniana com a pasta da política social, Oksana Zholnovych.

Segundo esta governante, o Estado providência da Ucrânia, severamente debilitado, confronta-se com a

tarefa hercúlea de acudir aos milhões de ucranianos que são vítimas, diretas ou indiretas, da cruel agressão da

Rússia de Putin. Mas nem mesmo as atrocidades da guerra fazem esmorecer nos ucranianos a aspiração de

pertencerem à União Europeia e de um dia poderem vir a colher os benefícios do modelo social europeu.

De facto, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, com as suas variações e desequilíbrios, não há registo, na

história, de outro modelo que ofereça um tal grau de proteção no trabalho, na doença, na velhice, nas

adversidades da vida individual e comunitária.

Em 2019, há que reconhecê-lo, o sofrimento provocado pela pandemia humanizou o projeto europeu.

Pudemos então testemunhar um corte com os erros clamorosos cometidos durante a crise de 2008, um corte

com a austeridade de má memória.

Numa União que sempre nos exasperou pela morosidade do seu processo decisório, foi possível, no espaço

de apenas um biénio, salvar milhares de vidas e milhões de postos de trabalho. A compra conjunta de vacinas,

a mutualização de dívida europeia para financiar os planos de recuperação, o apoio ao layoff, a suspensão das

regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento são alguns exemplos disso.

Sr. Presidente, é justo realçar o contributo de Portugal e do Governo português para essa mudança. A

Presidência portuguesa do Conselho da União, em 2021, elegeu a sustentabilidade social como prioridade e

tutelou a aprovação de um Plano de Ação sobre o pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Há duas semanas, o Fórum Social do Porto teve o seu remate numa Carta, subscrita por todos os

participantes, que renova os compromissos assumidos na Cimeira Social de 2021. Apela-se aí a uma

convergência social ascendente e defende-se uma Europa mais resoluta na hora de enfrentar as desigualdades

que persistem ou a erosão das classes médias. Se a União Europeia fez a diferença durante a pandemia, por

comparação com outras regiões do mundo, ela não pode ser apenas a tábua de salvação que é atirada à última

hora.

Sr. Presidente, não obstante as vantagens do modelo social europeu, a tensão social é palpável e cresce a

inquietação perante o futuro. A propósito da habitação, da educação, da saúde, dos serviços públicos, as greves

e as manifestações multiplicam-se um pouco por toda a Europa, da Espanha à Áustria, da Itália à Alemanha, da

França à Polónia, da Holanda à Suécia.

Por cá, por demagogia e taticismo sonso, as oposições omitem até o limite do possível esta realidade

europeia e procuram convencer os menos atentos de que esse mal-estar é um traço distintivo do nosso País e

que se deve exclusivamente à governação.

Aplausos do PS.

Por fim, Srs. Deputados, é bem elucidativo que o Fórum Social do Porto tenha passado à margem da neurose

política em que hoje nos consumimos. Contudo, as questões que aí foram debatidas são questões centrais, não

só no plano europeu como para a nossa sociedade, para o nosso mercado de trabalho e para o nosso futuro. É

um debate que a todos devia implicar, quer os que têm uma cultura de Governo, quer mesmo aqueles que se

contentam com uma cultura de protesto.

Nesse sentido, o PS está aberto a dialogar e a potenciar convergências. O PS não quer ser a oposição à

oposição, mas não se lhe pode assacar uma responsabilidade absoluta — seja lá o que isso for — e conceder

aos restantes o privilégio da irresponsabilidade absoluta.

Aplausos do PS.

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É a altura de arrefecer esta exasperação político-mediática, que está a alimentar no País uma imagem

autodepreciativa que não corresponde à nossa realidade e na qual nos andamos a desgastar esterilmente. A

degradação da linguagem política a que temos assistido diariamente também é um fator de degradação das

instituições e da democracia.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — É os queques que guincham!

O Sr. Rui Lage (PS): — Essa degradação discursiva tem o efeito de contágio ao conjunto da sociedade. Ela

cauciona uma irresponsabilidade opinativa. Ela concorre para esse ambiente insalubre que gera formas de

protesto tão abjetas como aquela que, no 10 de junho, visou o Sr. Primeiro-Ministro e que trouxe à memória a

bagagem rácica do 10 de junho de outros tempos.

Aplausos do PS.

Protestos da Deputada do PSD Joana Barata Lopes.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, somos uma democracia de sucesso inegável, que vai fazer 50 anos

de vida. Não devemos agora comportarmo-nos como se estivéssemos no seu início.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem cinco pedidos de esclarecimento. Como pretende responder?

Pausa.

O Sr. Deputado assinalou à Mesa que responderá em dois blocos.

Assim sendo, para um primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Madureira,

do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Lage, esta tarde

veio falar da Cimeira Social e do Plano de Ação sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais que, todos sabemos,

são apenas recomendações. Ou seja, o referido Plano de Ação não vincula, recomenda.

Ora, estas recomendações que o senhor também fez o favor de fazer são apenas isso, são recomendações,

não são vinculativas.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — A isto nós já estamos habituados, isto é, já estamos habituados a um

Governo que é de uma inércia que tem feito parar o País em muitos setores e que, por isso, é um Governo,

Sr. Deputado, que não está a agir, mas a reagir.

Assim, o Sr. Deputado diz-se preocupado com os direitos sociais, mas, então, pergunto-lhe: e os direitos

sociais das pessoas com deficiência?

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — Está o Governo, está o Partido Socialista verdadeiramente preocupado

com os direitos sociais das pessoas mais frágeis e das pessoas mais vulneráveis?

Aplausos do PSD.

Não está, Sr. Deputado! E sabe porque é que não está? Porque, ainda muito recentemente, foi o PS que

chumbou uma proposta do PSD que previa que fosse paga a prestação social para a inclusão, com

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retroatividade, a partir do momento em que as pessoas a pedem. Os senhores chumbaram a proposta, o que

mostra uma verdadeira insensibilidade social.

Quando falamos dos direitos sociais, temos de falar dos direitos sociais de todos.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Muito bem!

A Sr.ª Carla Madureira (PSD): — E o Governo está a penalizar duas vezes os mais frágeis e os mais

vulneráveis.

Por isso lhe pergunto, Sr. Deputado, onde ficam os direitos sociais das pessoas mais frágeis, das pessoas

com deficiência?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, do

Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Lage, ouvi-o falar de

autoflagelo e de que a oposição vem aqui falar de coisas que não fazem sentido. Seremos apenas nós que

vemos as manifestações?!

Olhe, vou-lhe dizer que as manifestações se referem, por exemplo, no caso dos professores, a seis anos,

seis meses e 36 dias. Elas não são por causa da pandemia.

Os senhores foram à Cimeira Social do Porto, mas, quando levantaram a questão, por exemplo, do impacto

que teve a compra das vacinas — e aí estamos de acordo —, disseram-lhes vocês ou temos de ser nós a dizer

que deitaram 3,5 milhões de doses de vacinas para o lixo, depois da compra que fizeram, tendo responsabilizado

Portugal e onerado a conta dos portugueses em 100 milhões de euros?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Bem lembrado!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Disseram-lhes vocês ou querem que sejamos nós a dizer?

Depois, olhando para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, vemos os 20 pontos que estão assinalados e

quase que dá para rir. Em relação a melhores salários, os senhores já lhes disseram, por exemplo, que, em

Portugal, nos últimos anos, não têm feito aumentos de salários, ou seja, que os aumentos nunca estão acima

da inflação? Disseram-lhes vocês ou temos e ser nós a dizer?

Podemos continuar e ver o que se passou em relação à prestação das pensões de velhice. Explicaram-lhes

como é que fizeram as contas do dinheiro que deram a mais no ano passado, mas que agora vão retirar aos

mais velhos? Explicaram-lhes ou temos de ser nós a dizer?

Sobre os cuidados de saúde, o que é que vocês venderam lá na Cimeira Social do Porto? Disseram a verdade

ou temos de ser nós a dizer-lhes?

Continuamos com a questão da inclusão e da melhor participação das pessoas com deficiência. Falaram-

lhes das propostas concretas do Chega que vocês chumbaram nas últimas semanas ou temos de ser nós a

dizer-lhes?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! Bem lembrado!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Olhamos para estas propostas e para o que veio aqui dizer de um País cor-de-

rosa que andaram a vender na Cimeira, mas vemos utentes sem médicos de família, que aumentam, já sendo

quase 1 milhão e 700 mil. Vocês disseram-lhes isto ou teremos de ser nós a dizer?

Quanto ao rendimento mínimo, depois das normas da União Europeia que tentam uma aplicabilidade nos

próximos dois anos para um aumento do salário das pessoas, os senhores já lhes explicaram que continuam a

estrangular as empresas? Explicaram-lhes que as empresas cada vez têm mais impostos em cima, que vocês

— toda a esquerda! — olham para o pequeno empresário e consideram que é capitalista e que levam tudo a

eito e não apoiam o empreendedorismo em Portugal? Falaram-lhes disto ou temos de ser nós a dizer?

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O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Há uma pergunta que fica, Sr. Presidente, para terminar. Dizem-lhes vocês ou

dizemos nós que passam a vida a mentir sempre que falam da questão social?

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, cumprimento o Sr. Deputado Rui Lage pelo tema que

nos traz a debate.

Contudo, Sr. Deputado, parece-nos que ficou de fora desse discurso o que foi hoje notícia, ou seja, que mais

de 10 % das famílias portuguesas, neste momento, temem não conseguir pagar a casa. O cenário que aqui nos

pintou — apesar, evidentemente, do que possam ser as projeções, sempre otimistas do PS — não corresponde

à realidade, sendo que os próprios jovens portugueses são, a nível europeu, aqueles que menos conseguem

ter casa própria, vendo adiado o sonho de poder ter autonomia.

Por outro lado, as famílias temem não conseguir pagar as despesas correntes, relativas ao básico, como as

da água, da luz, do gás, a alimentação, quer a sua, quer a dos animais de companhia, bem como os próprios

impostos.

Já foram dados alguns exemplos, nomeadamente quanto à rejeição de propostas para o apoio a pessoas

com deficiência. Acrescento a essas a proposta que o PAN aqui trouxe para apoiar os pais com filhos com

doença oncológica, e que o PS, com a maioria absoluta, também rejeitou. Já não estamos a falar sequer de

apoios financeiros, mas de algo tão basilar como a sensibilidade de acompanhar, por exemplo, um jovem que

tenha doença oncológica.

Pergunto se no Pilar Social falaram disto, isto é, da insensibilidade que ainda grassa em algumas opções

que fazem.

Para concluir, quanto a conseguir mitigar as dificuldades e ajudar as famílias, pergunto, Sr. Deputado, se o

PS está disponível para ir onde importa ir efetivamente, revendo os escalões do IRS (imposto sobre o rendimento

das pessoas singulares) à taxa da inflação? Esta pergunta já foi feita várias vezes, mas não tivemos qualquer

resposta.

Agradeço que responda a esta questão fundamental, porque os portugueses e a oposição querem saber.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Lage.

O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, falemos então da Europa social, do modelo

social europeu e daquilo que o Governo, em Portugal, tem feito para acompanhar os objetivos, as prioridades e

as metas com que nos comprometemos.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que uma das prioridades que estava no Pilar Europeu dos Direitos Sociais

era a da negociação coletiva, da negociação com os parceiros sociais. Pois foi isso que fez o Governo português

quando negociou o acordo para a competitividade e rendimentos, que a oposição prontamente desvalorizou,

como se nada fosse.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Bem lembrado!

O Sr. Rui Lage (PS): — Convém dizer também que a taxa de cobertura por acordos coletivos neste momento,

em Portugal, está quase a bater nos 80 %, que é precisamente a meta estabelecida no Pilar Europeu dos Direitos

Sociais para atingir em 2030. Aliás, o nível de negociação coletiva é o mais alto desde 2005.

Aplausos do PS.

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Convinha também falar na Garantia para a Infância, que já está neste momento a beneficiar 150 000 crianças,

em Portugal.

Convinha igualmente dizer, recuando um pouco ao tema do acordo para a competitividade e rendimentos,

que a esmagadora maioria dos trabalhadores que foram abrangidos pelas revisões das tabelas salariais já

beneficiaram do limiar mínimo de 5,1 % que foi precisamente acordado.

Aplausos do PS.

Mas falemos também, já agora, do tema da pobreza. Espero que estejamos de acordo em nos cingirmos,

pelo menos, às fontes oficiais, a não ser, claro, que tenham fontes oficiais alternativas. Se as tiverem, por favor,

digam quais são. As fontes oficiais dizem-nos o quê? Dizem-nos que, face a 2015, temos hoje menos 659 000

pessoas em situação de risco de pobreza ou de exclusão social.

Aplausos do PS.

É o número mais baixo da série estatística do Eurostat (Statistical Office of the European Communities) desde

2015. E, já agora, no grupo das crianças e dos jovens, é o valor mais baixo desde 2003. Portanto, nós já

tínhamos uma taxa de pobreza abaixo da de Espanha e da de Itália e, neste momento, temos uma taxa de

pobreza muito abaixo da média da União Europeia.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem!

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não é verdade! Há 4 milhões de pobres!

O Sr. Rui Lage (PS): — Srs. Deputados, podia também referir, evidentemente, que, desde 2015, o salário

mínimo em Portugal aumentou 40 %, o que significa que a diretiva do salário europeu adequado, que

determinava uma percentagem de 60 % do rendimento médio, no nosso caso, tem pouco impacto porque esse

aumento já foi feito pelo Governo do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Bruno Nunes (CH): — Temos 4 milhões de pobres!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vai buscar o polígrafo!

O Sr. Rui Lage (PS): — Também foi aqui aflorado o tema da carga fiscal e devo relembrar que a carga fiscal

no nosso País está abaixo da média da União Europeia. O que dirão então os espanhóis, os italianos ou os

gregos?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E o custo de vida quanto é que aumentou?

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — E o retorno?

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Resolvam os problemas de Portugal!

O Sr. Rui Lage (PS): — Com o mal dos outros, nós não podemos bem.

É também curioso, já agora, que onde há Governos liberais, neste momento, na Europa — na Holanda, no

Luxemburgo, na Estónia e na Bélgica —, quer a carga fiscal no sentido estrito, quer a carga fiscal no sentido

amplo sejam superiores à carga fiscal em Portugal.

Aplausos do PS.

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O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — E o retorno? Lá não falha nada!

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Lage, utilizou 6 minutos na sua declaração

política em que achávamos que viria a falar sobre as discussões ou conclusões do chamado Fórum Social do

Porto, mas a verdade é que não.

A verdade é que o Partido Socialista escolheu hoje fazer uma intervenção, completamente legítima, tentando

desviar o debate dos casos e casinhos. O problema é que não disse absolutamente nada relativamente aos

problemas concretos, nomeadamente sobre aquilo que está normalmente em discussão no Fórum Social do

Porto, o pilar dos direitos sociais.

Portanto, nós gostávamos, na verdade, de colocar questões concretas sobre matérias que estão ligadas a

esta discussão. Por exemplo, sobre a questão salarial, o Sr. Deputado, ainda agora, nas respostas que deu,

referiu vários números que, já na semana passada, nos foram dados pela Sr.ª Ministra aqui no Parlamento.

Contudo, o Governo e o Partido Socialista continuam a ignorar o impacto real da inflação, do preço da

habitação em particular, em salários que em Portugal são muito baixos. Um jovem que ganhe em média 800 €,

900 € ou 1000 € não consegue viver, alugar ou comprar uma casa e fazer face às suas despesas. É um

bocadinho complicado, mas continuamos a ter um problema efetivo de baixos salários em Portugal. Qual é que

é a resposta que o Partido Socialista tem para isto? Não tem tido nenhuma.

Sobre prestações sociais também, há um debate que tem sido feito, que a própria Ministra do Trabalho tem

levantado, que tem a ver com a prestação social única. Sabemos que existe ainda um problema da falta de

acesso a proteção social digna, nomeadamente para aqueles que estão mais expostos à pobreza, os

desempregados, em que 40 % que ainda são pobres e uma percentagem superior que, na verdade, não recebe

subsídio.

Temos o problema dos precários e dos trabalhadores informais, que continuam ainda com muitas

dificuldades. Na altura da pandemia, ensaiou-se uma espécie de prestação especial que entraria nesta lógica e

que pretendia fazer exatamente o caminho para uma prestação social única que englobasse as várias

prestações do sistema não contributivo. Porém, quando essa prestação especial acabou, não lhe sucedeu

nenhuma outra e o debate ficou parado.

Até agora, ainda não sabemos o que é que o Governo e o Partido Socialista pretendem fazer com isso.

Gostávamos de saber se é verdadeiramente para mudar o paradigma da prestação social, para que possamos

ter aqui um sistema mais articulado e que responda de forma mais rápida e mais célere a quem precisa destas

prestações, ou não.

Para terminar, Sr. Presidente, queria dizer que, de facto, não vale a pena anunciar que se vai querer falar de

pilares sociais ou dos problemas que têm a ver com o mundo laboral, quando depois, na prática, todas as

votações estão sempre contra as propostas apresentadas que vão nesse sentido.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — O último pedido de esclarecimento cabe à Sr.ª Deputada Paula Santos, do Grupo

Parlamentar do PCP.

Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Desculpe, Sr. Presidente, não queria interromper, mas tinha-me

inscrito há pouco, julguei que estava confirmado.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

Sr.ª Deputada Paula Santos, faça favor.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Lage, ouvimos a

sua intervenção, mas aquilo a que fez referência não tem correspondência nenhuma com a vida real e com os

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problemas com que os trabalhadores e os reformados estão confrontados no nosso País. Repito, não tem

qualquer correspondência.

A realidade que hoje vivemos no nosso País é consequência das opções políticas de direita, que foram

prosseguidas pelo Governo do PSD e do CDS e que são prosseguidas pelo Governo do Partido Socialista, e

por opções em que o PS avança contra os interesses dos trabalhadores e do nosso povo em muitas

circunstâncias e que têm tido o apoio do PSD, da Iniciativa Liberal e do Chega.

Posso dar-lhe aqui vários exemplos disso: ao não querer enfrentar os interesses dos grupos económicos, ao

não querer avançar com a recuperação e a valorização do poder de compra dos salários e das pensões, ao não

querer, de facto, fazer um reforço sério da capacidade do Serviço Nacional de Saúde e um investimento na

escola pública.

Além destes, gostaria de lhe dar aqui alguns exemplos concretos relativamente às questões que trouxe a

debate. Falou da pobreza das crianças e fez referência à Garantia para a Infância. Creio que os números que

foram adiantados por parte do Governo é que abrange cerca de 150 000 crianças, mas os dados de 2020

identificam cerca de 345 000 crianças as que estão em risco de pobreza e de exclusão social — número bem

superior ao que foi dado por si, pelo seu Governo. Isso revela bem a insuficiência desta medida.

Mas, mais do que isto, não vai àquilo que é de fundo relativamente ao combate à pobreza das crianças, que

é: não se combate a pobreza das crianças sem combater o problema da pobreza da respetiva família.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Para isso, o que é necessário são salários dignos. Onde é que estão esses

salários dignos? Vem agora aqui dizer que está contente porque os salários em Portugal cumprem o indicador

da diretiva dos salários mínimos adequados.

O salário mínimo nacional é de 760 €. Para mais de metade dos trabalhadores do nosso País, o seu salário

é inferior a 1000 €. Está satisfeito com estes baixos salários? É este o modelo de desenvolvimento que tem para

o nosso País? É esta a perspetiva de melhoria das condições de vida que tem para transmitir aos trabalhadores,

aos jovens?

O seu partido, o Governo do Partido Socialista, recusou as propostas que o PCP adiantou, com vista à

recuperação do poder de compra…

O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Recusou também as propostas para pôr fim à caducidade da contratação coletiva, para pôr fim à

precariedade, para, de facto, valorizar os trabalhadores, o trabalho e os seus direitos.

Esta é a marca do PS, que tem tido o apoio do PSD, da Iniciativa Liberal e do Chega.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — E do CDS!

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Mas não são estas as respostas que são necessárias.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Portanto, a luta dos trabalhadores por soluções e por respostas para a

dignificação da sua vida, como estamos a ver, é, de facto, legítima e justa e faz sentido.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Estou a trabalhar para que os Srs. Deputados possam ir jantar a casa, embora tarde.

Tem agora a palavra o Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, para o último pedido de esclarecimento.

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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, peço desculpa renovadamente por esta inscrição

atribulada. Nem ia fazer grandes pedidos de esclarecimento, mas o descaramento do Deputado Rui Lage

naquela tribuna não me permite ficar sentado.

Diz que vem falar do Fórum Social do Porto, fala muito pouco do Fórum Social do Porto e recorda-me que

ainda hoje submeti uma pergunta ao Ministério das Finanças e ao Ministério do Trabalho sobre quando é que o

Governo vai rever as tabelas de retenção das pessoas que pagam IRS com dependentes e com deficiência,

coisa para a qual já chamámos a atenção do Governo há semanas — há semanas! — mas continuam a «fazer

orelhas de mercador».

Portanto, a primeira pergunta é sob a forma de um apelo. Convença os seus colegas de bancada que aquelas

profissões de fé que faz ali sobre a proteção dos mais desfavorecidos valem alguma coisa. Revejam as tabelas

de retenção que fazem com que hoje famílias com deficientes recebam menos no final do mês do que o que

recebiam antes da revisão das tabelas de retenção.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É mentira!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — É verdade, Sr. Deputado Eurico Brilhante Dias, parece mentira, mas

é verdade.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso nunca aconteceu!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — A segunda é para lhe perguntar se aquela sua invetiva contra o

discurso rude, grosseiro, ofensivo e rasteiro só vale quando o visado é do PS. Não ouvi a sua voz quando o Sr.

Primeiro-Ministro aqui veio falar dos «queques que guincham».

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Pumba! Ah, pois é!

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Muito bem!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não o ouvi falar. Não sei se foi o temor reverencial ao chefe, não sei,

mas não o ouvi.

Durmo muito bem para esse lado, não me ofende absolutamente nada. Acho imensa graça e hei de defender

sempre a liberdade de expressão, mesmo que grosseira e mesmo que na boca do Primeiro-Ministro.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Menos nas redes sociais!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Pergunto-lhe é se faz o mesmo e se consegue convencer os seus

colegas de bancada.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Lage.

O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Cotrim…

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — João Paulo, não!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — João Paulo!?

O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, peço desculpa pelo lapso.

O que ali disse aplica-se, Sr. Deputado, à classe política portuguesa. Sabe, um discurso político degradado

é um discurso antipolítico, repito, é um discurso antipolítico.

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Protestos do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo.

Ao contrário de si, não vou aqui arrolar todas as expressões degradantes que foram usadas nos debates

nesta Casa e lá fora, no debate político.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Não lhe convém!

O Sr. Rui Lage (PS): — Não vou fazê-lo por uma questão de pudor, se quiser. Se quiser, por uma questão

de pudor.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Pudor, vocês?

O Sr. Rui Lage (PS): — Agora, deixe-me dizer também o seguinte: durante muito, muito tempo, habituei-me

a ver identificado como um dos principais problemas do País, precisamente, o dos baixos salários. Assisti a

muitas discussões sobre o tema. Era um dos problemas estruturais da nossa economia e da nossa sociedade.

Pois bem, esse problema foi, de facto, identificado e amplamente debatido, mas o Governo que vi fazer

alguma coisa em concreto em prol do aumento dos salários foi o Governo do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Mínimos! Em termos médios, o salário médio desceu 1 %!

O Sr. Rui Lage (PS): — Só o mínimo, tem a certeza, Sr. Deputado?

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Mínimo! Em termos reais, os aumentos são de 1 %!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Aumentámos os mínimos e baixámos os impostos sobre o trabalho!

O Sr. Rui Lage (PS): — Sei que lhe custa, mas a verdade é que foi o PS que, com os parceiros sociais,

negociou um acordo para a competitividade e os rendimentos que prevê um aumento, até 2026, do salário

médio, repito, do salário médio, de 20 %.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Vamos ver! Nominal!

O Sr. Rui Lage (PS): — Como referi há pouco, este ano, uma grande maioria de trabalhadores já beneficiou

do aumento de 5,1 % que estava previsto, precisamente, para este ano.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): —É uma descida real?!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — E na segurança social, muito mais!

O Sr. Rui Lage (PS): — Portanto, quem está a lidar de frente com esse tema é o Governo do PS.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não está a correr muito bem, Sr. Deputado!

O Sr. Rui Lage (PS): — Está, está!

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: — Passamos agora à declaração política do Grupo Parlamentar do PSD. Para o efeito,

tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.as e Srs. Deputados: No

passado dia 29 de maio, assinalou-se o Dia dos Açores, o dia da nossa autonomia, o dia da açorianidade e o

dia do divino Espírito Santo pelos quatro cantos do mundo onde há açorianos.

Dos Açores, sai-se e volta-se com lágrimas dos olhos ao rosto. Os açorianos são gente de honra,

trabalhadora, acolhedora, são um povo de elevada fé.

Não é à toa que no hino dos Açores está escrito: «Deram frutos a fé e a firmeza», mesmo se, muitas vezes

— e, aliás, cada vez mais —, o Governo da República não tem tratado, como deve, as autonomias regionais.

Como sabem, os Açores foram governados durante 24 anos pelo Partido Socialista, o que, em equivalência,

atirou a região para o fim da tabela em todos os indicadores sociais, educativos e económicos.

O Sr. Francisco César (PS): — É preciso ter lata!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Um povo inteiro de mão estendida a caprichos socialistas, que tornaram a

subsidiodependência e o desemprego na sua imagem de marca.

Aplausos do PSD.

Dívidas avultadas, os piores indicadores de abandono escolar precoce, perspetivas de desenvolvimento

extremamente vagarosas e uma autêntica tempestade nas empresas públicas e na economia foi o que se

encontrou na mudança de Governo.

A fazer a parte que lhe compete, os Açores não merecem ser tratados com atitudes completamente

revanchistas pelo Governo da República. Das duas, uma: ou antes também era assim e, por serem da mesma

cor política, os compadres calavam-se entre si,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora aí está!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — … ou estamos perante aquilo que em política também é abominável, que é

uma absoluta discriminação e falta de solidariedade para com um ecossistema já de si frágil, pelas suas

especificidades, que são muitas, apenas e só porque o Governo dos Açores já não é socialista.

O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Não é o Governo dos Açores que sofre com a discriminação do Governo da

República, são todos os açorianos.

Aplausos do PSD.

Se houver dúvidas, vejamos.

A lei das finanças regionais, que não é atualizada desde 2013, obriga ao cumprimento de obrigações de

transferências do Estado. Mas, se esses valores não são atualizados desde essa altura, acham que hoje são

suficientes?

As verbas do Fundo Nacional de Solidariedade relativas à passagem do furacão Lorenzo até hoje não foram

transferidas e já totalizam 65 milhões de euros.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Ainda não saíram do papel as verbas inscritas no Orçamento do Estado para

as obrigações de serviço público para as rotas do Pico, Santa Maria e Faial com o continente.

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Já o contrato-programa de financiamento à Universidade dos Açores, anunciado tantas vezes

mediaticamente, e inscrito no Orçamento do Estado, pasme-se, também ainda não saiu do papel e as verbas

não foram ainda transferidas.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É verdade!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Mais recentemente, os Açores foram perentoriamente excluídos, sem qualquer

fundamento ou razão aparente, dos programas de apoio aos agricultores. Além disso, também foram excluídos

do programa de apoio às empresas por causa da subida do salário mínimo.

O Sr. Francisco César (PS): — Falso!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — O Programa Apoiar Freguesias só foi corrigido, com a inclusão das freguesias

dos Açores, depois de se levantarem várias vozes de protesto, e o Programa Regressar não inclui os Açores.

O Sr. Francisco César (PS): — Não é verdade!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Acham que isto é um tratamento dito normal e equitativo? Não é de bónus

nenhuns que estamos a falar.

Todas estas são obrigações do Estado português no seu território, mas há mais e que se arrastam há anos:

o conhecido caso da cadeia de Ponta Delgada e da Horta em condições sub-humanas; o processo do anel CAM

(Continente-Açores-Madeira), de cabos submarinos, e do anel interilhas, de que ainda nem se começou a falar;

a descontaminação dos solos e aquíferos da ilha Terceira; a manutenção dos edifícios do Estado, desde

repartições, notários, alfândegas, esquadras, tribunais, tudo em graves carências estruturais; o reforço dos

elementos das forças de segurança e recursos humanos do Estado; a instalação de sistemas de comunicações

e de vigilância costeira; a lei do mar tratada com os pés; as leis de base em incumprimento. Enfim, podia

continuar esta lista durante a tarde toda.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, são hoje, além de tudo o que acabei de elencar, 85 milhões correntes

que a República deve aos Açores. Acham isto bem? Acham isto normal?

O Sr. Francisco César (PS): — Falso!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Há pouco tempo, lemos que os Açores receberão 65 milhões de euros de

reforço do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), mas não se tente com isto atirar areia aos olhos de

ninguém. Portugal recebeu o reforço, e esta parte é a que aos Açores diz respeito. Quem for sério, nunca poderá

insinuar sequer que esta verba é pagamento da dívida, porque nada tem a ver com aquilo que é devido.

O facto é que esta atitude tem de parar e que este Governo da República tem de cumprir as suas obrigações

de pessoa de bem que quer parecer ser.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Nunca nos calaremos com este tipo de injustiça e jamais deixaremos e

desistiremos de exigir o que é nosso por direito, por mais que este Governo não goste das autonomias regionais.

Como diz também o nosso hino, «os Açores são a nossa certeza de traçar a glória de um povo».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — A Mesa registou a inscrição, para pedidos de esclarecimento, de cinco Srs. Deputados,

aos quais o Sr. Deputado Paulo Moniz responderá em dois blocos?

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O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Muito bem! O primeiro pedido de esclarecimento pertence ao Sr. Deputado Sérgio Ávila,

do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Moniz, trouxe a esta

Casa um discurso estratégico em termos de narrativa do Governo Regional dos Açores.

O Sr. Francisco César (PS): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Perante o claro incumprimento dos seus compromissos, perante o claro

incumprimento de todas as promessas que fizeram, a única estratégia que tem é a de encontrar um inimigo

externo para justificar a sua incapacidade, para justificar o não cumprimento dos compromissos e,

essencialmente, para minimizar o grande descontentamento que se sente nos Açores pela ação deste Governo.

Aplausos do PS.

Este mesmo Governo da República é aquele que há pouco tempo o Presidente do Governo Regional dos

Açores, José Manuel Bolieiro, considerava que era um Governo de bem e que tinha um excelente

relacionamento com o Governo da República. Porque é que de um momento para o outro mudaram de opinião?

Precisamente por essa razão.

Vamos a factos, Sr. Deputado. Este é o Governo da República que cumpre integralmente a lei das finanças

regionais; este é o Governo da República que mais que duplicou os fundos comunitários para a Região

Autónoma dos Açores, fazendo com que a Região tenha neste momento fundos comunitários, mais do dobro do

que teria em termos da distribuição per capita do País; este é o Governo da República que, pela primeira vez,

financia e comparticipa as obrigações de serviço público interilhas; este é o Governo da República que, pela

primeira vez, atribuiu às Regiões Autónomas uma percentagem das receitas de jogos sociais.

Vozes do PS: — Bem lembrado!

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Este é o Governo da República que, efetivamente, para além dos 68 milhões de

reforço do PRR, atribuiu mais 50 milhões de euros para os investimentos diretos da Região no âmbito do PRR.

O Sr. Francisco César (PS): — Muito bem!

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Não podemos é fazer o que o Sr. Deputado está a tentar fazer. É muito claro o

relacionamento entre a República e as Regiões Autónomas. Está definido no Estatuto Político-Administrativo da

Região e os seus recursos estão definidos na lei das finanças regionais.

O que o Sr. Deputado tenta desesperadamente é fazer com que a República pague duas vezes as mesmas

competências e pague duas vezes as mesmas questões. Como foi sempre no passado, as regras são claras e

objetivas. A região tem um conjunto de competências próprias e os recursos para a gerir são aqueles que estão

definidos na lei das finanças regionais. E matérias como os apoios no âmbito da agricultura e no âmbito do

Programa Regressar, tal como outros, são competência exclusiva da região e a sua execução, como sempre se

fez no passado, faz-se com os recursos próprios da região.

Por incapacidade, por falta de vontade ou por não querer aplicar esses recursos nesses objetivos é que

procuram que a República pague duas vezes os mesmos recursos. Isto que o senhor fez não foi defender os

Açores, não foi defender a região, foi fazer com que a região não exerça as suas competências.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

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O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Também não foi defender a região referir o furacão Lorenzo, em que o Governo

da República está apenas a cumprir aquilo que o atual Presidente do Governo solicitou por escrito em termos

de financiamento do furacão Lorenzo. Portanto, não há nenhuma dívida em relação ao furacão Lorenzo; há o

cumprimento escrupuloso da solicitação por escrito do Sr. Presidente do Governo Regional.

O Sr. Presidente: — Muito obrigado.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Para concluir, Sr. Presidente, defender os Açores faz-se todos os dias perante a

República, mas não se defende os Açores minimizando a região, minimizando as nossas competências e,

essencialmente, desvalorizando a nossa autonomia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o

Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente. Sr. Deputado Paulo Moniz, agradeço-lhe por ter trazido o tema

das autonomias regionais e, em específico, da Região Autónoma dos Açores. É um tema que, felizmente, tem

vindo a ser bastante regular aqui neste Hemiciclo.

Não vou entrar neste debate entre o PS e o PSD para ver quem é que geriu mal a Região Autónoma dos

Açores, porque, na nossa opinião, se estivéssemos a debater nos Açores, iríamos apontar baterias aos dois,

porque têm ambos muitas responsabilidades, sobretudo o PS, e até o Sr. Deputado Sérgio Ávila teve bastantes

responsabilidades, ou irresponsabilidades, no estado a que a vida dos açorianos tem chegado. O PSD, desde

as últimas eleições, também não tem feito melhor e precisa de começar a fazer melhor.

Mas há um debate que não podemos deixar de fazer — e o PS e o PSD não ficam muito bem na figura —,

que tem a ver com a forma como os Governos da República, os Governos centrais têm tratado, ou destratado,

as regiões e as autonomias.

Conheço muito bem e gosto muito do lema dos Açores, aliás, é, provavelmente, dos lemas mais bonitos e

de que mais gosto: «Antes morrer livres que em paz sujeitos.»

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Muito bem!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — E é isso que deveria estar sempre também no foco dos Governos da República

e não sujeitar os açorianos a um conjunto de problemas.

O Sr. Deputado Sérgio Ávila veio aqui tentar fazer aquele jogo do «ai, as competências que são nacionais,

as competências que são locais, não misturar…». Quando o Governo da República — e penso que até foi uma

proposta do Deputado Francisco César, que está sentado ao seu lado — não cumpria nos Açores,

nomeadamente, por exemplo, com viaturas das forças de segurança, o Governo Regional tinha de colmatar a

responsabilidade que era dos Governos da República e até fazia questão de pôr o símbolo da região em viaturas

das forças de segurança. Isso deveria envergonhar todos, não só os continentais, mas até os açorianos, porque,

se era responsabilidade do Governo da República, devia estar a bandeira de todos nós, que a todos nos

representa.

Portanto, há muitas falhas por parte dos Governos da República para com os açorianos. Nós, aqui, no

continente, temos aquela situação do aeroporto, em que há 60 anos que se discute, mas nunca mais há

aeroporto. Se formos a S. Miguel, os açorianos têm aquele problema da prisão que nunca mais é prisão, que é

responsabilidade dos Governos da República, e já lá vão 60 anos e nunca mais constrói uma nova.

E há muitas outras questões, como a das falhas na fiscalização da zona marítima e a da não abertura de

concurso público para as obrigações do transporte aéreo, que o Sr. Deputado Paulo Moniz referiu. Enfim, há

tudo isso.

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

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O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Vou terminar, Sr. Presidente, fazendo uma pergunta ao Sr. Deputado Paulo

Moniz, porque é assim que devemos fazer nesta Casa: o que é que é preciso para que os açorianos possam,

de facto, viver livres, sem ser a paz sujeitos?

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Rita Matias.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Moniz, permita-me saudá-lo

pelas preocupações que aqui nos traz e que tão bem referiu da tribuna, mas permita-me também acrescentar

que o diploma que foi publicado em maio — e que entrou agora em vigor, neste preciso mês de junho,

equiparando as Regiões Autónomas ao nível das CCDR (comissões de coordenação e desenvolvimento

regional) e das autarquias — é uma afronta à autonomia das regiões, e nós acompanhamos esta preocupação.

Além disso, acompanhamos a preocupação que nos traz de verificarmos um discurso político a duas

velocidades. Há um Partido Socialista que fala aqui, no continente, na República, e, depois, há um Partido

Socialista que fala de forma completamente diferente nas Regiões Autónomas, nomeadamente nos Açores.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Também tenho de perguntar aqui com que PSD é que estou a falar hoje, porque

o PSD não tem sido claro. Por um lado, vemos um PSD que, no Orçamento do Estado, acompanha o Partido

Socialista e não acompanha o PSD nacional; por outro lado, vemos um PSD nacional às vezes muito tímido a

falar naquilo que ainda falta conquistar na autonomia. Portanto, pergunto: com que PSD é que estou a falar

hoje?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Bem perguntado!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Sr. Deputado, no âmbito das preocupações que aqui nos trouxe, gostaria de dizer

que o seu discurso não se coaduna com aquilo que têm feito no Governo dos Açores, e estão nesse Governo

porque fizeram um acordo de governação com o partido Chega.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Bem lembrado!

O Sr. Francisco César (PS): — Não romperam o acordo? Disseram-me que estava rasgado!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Falou-nos na redução da subsidiodependência. O Chega pediu isso, o Chega

pediu que fossem dados apoios a quem merece e necessita, e não a todos.

O Chega pediu também uma redução do Governo, porque tem de haver menos despesas com políticos e

mais despesas com os açorianos.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É verdade!

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Também não cumpriram. Temos um dos maiores Governos, na Região Autónoma

dos Açores.

O Chega pediu também um gabinete de prevenção e combate à corrupção e, infelizmente, ainda não saiu

do papel, ainda não conhecemos medidas nem um combate sincero e real.

A pergunta que tenho de fazer hoje é: o que é o PSD nacional e o que é o PSD nos Açores? O PSD vai ser

uma pessoa de bem e cumprir com as responsabilidades que assumiu para com o partido Chega?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

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A Sr.ª Rita Matias (CH): — Concluo com uma expressão que ficou muito famosa na série, da Netflix, Rabo

de Peixe: afinal, o PSD é ou não uma «quarta-feira»? É porque aquilo que nós vemos é que o PSD fica sempre

no meio, nunca conclui, nunca chega ao sábado e ao domingo.

Vai, de uma vez por todas, o PSD cumprir com as obrigações que assumiu com o partido Chega?

Aplausos do CH.

O Sr. Francisco César (PS): — Pensei que o acordo com o Chega já tinha sido rasgado!

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, agradeço à Sr.ª Deputada e aos Srs. Deputados as questões

que levantaram e que foram suscitadas pela minha intervenção.

Vou começar por responder ao Sr. Deputado Sérgio Ávila, a quem agradeço penhoradamente a intervenção.

Queria dizer-lhe que uma das coisas de que falei da tribuna, do ponto da vista da herança que tivemos, foi de

um conjunto brutal de dívidas, centenas de milhões na saúde, nos Açores, centenas de milhões numa SATA

(Serviço Açoriano de Transportes Aéreos) falida.

Portanto, de cada tapete que o novo Governo levanta, são centenas de milhões de euros de dívidas.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Muito bem!

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — E, repare, tudo isso tinha o cunho de alguém que era responsável no Governo,

penso que há 20 anos, pela gestão financeira da região. Vou dar-lhe uma ajuda. Era socialista, não estava na

República, mas nos Açores, e tinha o nome de Sérgio Ávila. Não sei se isso lhe diz alguma coisa.

Risos do Deputado da IL Rodrigo Saraiva.

É evidente que temos aqui um problema. É que, a nós, cabe-nos resolver a herança que o Sr. Deputado e

os seus correligionários deixaram ao fim de 24 anos. Mas tem mais: é que a lei de finanças regionais de que o

senhor aqui falou é de 2013, e o senhor esteve presente, como eu estive, num seminário onde se apelou

veementemente à sua revisão, à sua atualização, a valores que permitam que, hoje, os açorianos tenham o

mesmo nível de saúde e de educação que o restante País, e parece que o senhor continua a fazer o frete ao

Partido Socialista do continente.

Aplausos do PSD.

Nós queremos é ajuda para os Açores, não é preciso fazer o frete ao Partido Socialista do continente.

Portanto, o que se passa aqui é que eu esperava que a sua intervenção nos ajudasse a retratar o mais fielmente

possível as dificuldades que os Açores vivem e que, connosco, encontrasse soluções. Para mais, porque, no

seu caso, tem fortes responsabilidades na herança desastrosa que temos.

Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, perguntou-me sobre o que fazer para «antes viver livres que em paz sujeitos».

Isso consegue-se com o aprofundamento da autonomia, e a autonomia não é algo que deva penalizar aos

açorianos. A autonomia, passados 50 anos, é um instrumento de afirmação nacional, num modelo de

governação política e administrativa própria, que está assumida e que deve evoluir acompanhando os tempos.

Não deve haver tabus. E é uma luta diária que fazemos, que a autonomia acrescenta, não retira, a autonomia

não é penalização, é mais-valia, e a autonomia, acima de tudo, não deve ser desresponsabilização do Estado

central, mas aumento de responsabilização.

Sr.ª Deputada Rita Matias, foi com imenso gosto que ouvi a sua pergunta e a sua intervenção e, de facto,

percebi que o partido Chega está, digamos, contente e satisfeito com aquelas que são as medidas que o

Governo regional e o PSD têm, há muitos anos, aliás, liderado, por razões históricas.

Deixe-me dar uma nota de curiosidade a propósito da transparência. Ontem, em sessão plenária na

Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, o PSD, apresentou e defendeu, exatamente, o tema

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da transparência, indo ao encontro daquela que foi a sua intervenção e, de algum modo, se quer que lhe diga,

indo um bocadinho à frente daquilo que se tem feito na República.

Agradecendo esta sua intervenção e o interesse, ficamos naturalmente sensibilizados com o reconhecimento

que também faz ao nosso trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Sérgio Ávila está a pedir a palavra para uma interpelação à Mesa sobre

a condução dos trabalhos?

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — Sr. Presidente, é no sentido de solicitar que sejam distribuídos aos

Srs. Deputados e, particularmente, ao Sr. Deputado Paulo Moniz, os dados do INE (Instituto Nacional de

Estatística) sobre a dívida pública dos Açores, em 2019 e 2020, em que em 2019, antes da covid,…

O Sr. Bruno Nunes (CH): — A covid serve para umas coisas e para outras não!

O Sr. Sérgio Ávila (PS): — … a dívida era apenas de 43 % do produto interno bruto da região e a conta da

região, no final de 2020, feita já com o novo Governo, onde se demonstra que o Governo anterior deixou um

saldo orçamental de 106 milhões de euros à disposição do novo Governo em depósitos.

Portanto, é esta a herança de que nos orgulhamos.

Aplausos do PS.

E, já agora, solicito também que seja distribuído o relatório do INE sobre a taxa de desemprego, segundo o

qual, quando o anterior Governo deixou as suas funções, os Açores tinham a taxa de desemprego mais baixa

do País, 5,2 %.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Como nós nos declaramos a nós próprios, e bem, amigos do ambiente, o Sr. Deputado

fará o favor de indicar à Mesa as ligações eletrónicas para esses documentos, para que a Mesa possa partilhá-

las com os restantes Deputados.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ele não sabe!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Paulo Moniz, também quer interpelar a Mesa?

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr. Presidente, parecendo que não, eu estou sempre preocupado pela eficácia

da condução dos trabalhos e por ajudar V. Ex.ª na rapidez com que tal é feito, e gostaria de dizer que dispenso

esses links, porque foram esses links que eu utilizei para fazer a minha alocução da tribuna. Queria dizer também

que não me espantam as liquidezes aqui referidas, porque, de facto, Superavit era o cognome que o Sr.

Deputado tinha nos Açores.

Aplausos do PSD.

Risos.

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O Sr. Francisco César (PS): — E isso é bom!

O Sr. Presidente: — Assim se confirmando, mais uma vez, a célebre máxima de Maquiavel, segundo a qual

as melhores qualidades podem ser os piores defeitos e os piores defeitos podem ser as melhores qualidades,

dependendo da ocasião e dos avaliadores, passamos ao quarto pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado

Paulo Moniz, este, a cargo do Sr. Deputado Rui Tavares, do partido Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caro Sr. Deputado Paulo Moniz, permita-me, na sua pessoa e dos

outros Deputados açorianos na nossa Assembleia da República, saudá-los pelo Dia da Autonomia e da

Açorianidade, pelo Dia dos Açores.

Queria fazer-lhe três perguntas muito breves.

Em primeiro lugar, o que é que vê no modelo da autonomia — que é uma grande conquista dos anseios dos

açorianos e madeirenses, também, e do 25 de Abril, da democratização do nosso País — que possa servir de

exemplo para a regionalização do continente? Não lhe vou perguntar se é a favor ou contra a regionalização,

mas, a haver regionalização, até que limites, com que escalas e mudando o que deve ser mudado, se podem

aplicar as lições das ilhas no continente?

Em segundo lugar, e se quiser inverso, quais são as preocupações que tem em relação ao estado da

democracia, dos direitos fundamentais, do pluralismo nas regiões autónomas? Desejo muito bem a todos os

líderes parlamentares nesta Casa, mas não desejo necessariamente que lhes aconteça o mesmo que aconteceu

ao líder parlamentar do seu partido na Madeira, que é, a seguir, ter um dos maiores grupos de média da própria

Região Autónoma da Madeira. Não lhe oferece isso preocupação sobre o estado do pluralismo nas regiões

autónomas?

E em terceiro lugar, acha adaptável e acha aconselhável que se adapte o modelo de governação do seu

partido, com o apoio do Chega, nos Açores à República, como um todo? Como sabe, esta é uma enorme

preocupação de todo o eleitorado e seria bom ter uma resposta clara da sua parte, sobre se aconselha que o

seu partido siga o mesmo modelo no Governo da República, ou não.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Oh, os portugueses nem dormem!

O Sr. Rui Tavares (L): — É uma pergunta legítima, não é?!

O Sr. Presidente: — Para formular um pedido de esclarecimento, em nome do PCP, tem a palavra a

Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Moniz, em primeiro lugar,

gostaria de agradecer o tema que aqui trouxe e manifestar um particular acordo sobre as considerações que fez

sobre o povo açoriano, pois, pessoalmente, revejo-me na plenitude nas mesmas. Estou de acordo também em

relação a uma preocupação que aqui levantou e que tem a ver com a exclusão, com a discriminação, diria até,

dos agricultores face aos apoios nacionais para o setor.

De facto, o Secretário-Geral do PCP teve ocasião, há bem pouco tempo, de ouvir e de contactar com

agricultores e produtores da região e de afirmar algo que nos parece basilar nesta discussão: é que não há

portugueses de primeira e portugueses de segunda. Se estes apoios visam compensar o aumento dos custos

de produção, naturalmente que devem ser destinados aos agricultores do continente, mas também aos das

regiões autónomas e, portanto, é necessário ultrapassar essa discriminação, que é absolutamente inaceitável.

Não estou tão de acordo com a desresponsabilização que o PSD faz relativamente aos problemas que

atingem a região, colocando o ónus apenas na República. Achamos até que essa é uma forma de vitimização

que o Governo Regional tem utilizado frequentemente para mascarar as suas próprias insuficiências e as suas

próprias opções, os posicionamentos que assume relativamente às opções políticas que se lhe colocam.

De facto, quando o Governo Regional decide não aumentar o salário mínimo de acordo com aquilo que seria

necessário para fazer frente ao aumento do custo de vida e à perda de poder de compra, não é porque não

pode, ou porque o Governo da República não permita. Não faz porque não quer e porque não entende que esse

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acréscimo deva compensar, de facto, os aumentos dos preços. Portanto, nessa matéria, teria condições para

resolver um problema gravíssimo que atinge os açorianos e não o faz porque não quer.

Nem tem sido o PSD muitas vezes amigo dos açorianos, aqui na Assembleia da República, como na região,

quando vota contra as propostas do PCP que visam fortalecer os serviços públicos na região, dotá-los de

condições mínimas para o seu funcionamento.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela.

A Sr.ª Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Para concluir, gostaria de perguntar se não concorda que, afinal, os problemas

dos Açores e das regiões autónomas têm sido dos Governos de cá e de lá, sejam eles do PS ou do PSD.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Boa tarde às Sr.as e aos Srs. Deputados e a todos os presentes.

Para responder a estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Moniz, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Sr.ª Presidente, fiquei surpreendido com a mudança da presidência da Mesa e

deixo-lhe um cumprimento especial — agradavelmente surpreendido, naturalmente.

Risos.

Sr. Deputado Rui Tavares, fez-me uma primeira pergunta, que é uma questão de substância, de fundo. A

autonomia, a delegação, se quiser, de competências do Estado naqueles que são os órgãos de Governo próprio

da região, tem de ser acompanhada de recursos. Isso foi um pouco aquilo a que tentei aludir, porque, de facto,

uma lei de finanças regionais de 2013, com uma década, em áreas nucleares como a saúde e a educação —

como sabemos, numa população que também vai envelhecendo, os custos vão crescendo —, se não for

atualizada, não permite que um cidadão português que viva na ilha do Corvo, do Pico ou de São Miguel tenha,

em 2023, o mesmo nível de cuidados de saúde que um no continente.

Portanto, tudo o que for descentralizar, tudo o que for delegar competências, tem, necessariamente, de ter

um mecanismo de compensação atualizável e devidamente calibrado para as necessidades correntes.

A segunda questão que me coloca é sobre o pluralismo. Não é só nas autonomias, é uma questão

fundamental para o exercício de um Estado de direito democrático e uma forma de estar de que o PSD é

fundador, é defensor e sempre será. É a nossa matriz.

A questão que me coloca relativamente ao partido Chega, à solução governativa nos Açores, também, é

clara: os Açores têm uma autonomia em termos de Partido Social Democrata e as eleições regionais ditaram

um formato político que foi entendido, pelos que, assim, o adotaram, como aquele que é.

Não confundamos nem queiramos induzir a priori soluções que só podem ser decorrentes daquilo que vier a

ser o voto popular.

A Sr.ª Catarina Rocha Ferreira (PSD): — Claro!

Protestos do PS.

O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Tenham calma, tenham calma.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É para aprenderem!

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O Sr. Paulo Moniz (PSD): — Em relação à questão da Sr.ª Deputada Alma Rivera, de facto, conheço o seu

conhecimento particular e, também, a partilha daquele que é o sentir açoriano, e queria dizer-lhe duas coisas

importantes.

Falou na discriminação negativa dos agricultores: é inaceitável! É esquecer os Açores, é penalizar, é

desresponsabilizar, é não incluir gente que, com mais dificuldade ou, pelo menos, igual dificuldade está a laborar

num setor como a agricultura. Deixe-me dizer-lhe que o PSD fez uma proposta concreta para se reverter isso e

incluir os agricultores açorianos e madeirenses, e sabe o que é que o PS fez? O que faz sempre: votou contra!

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do

Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro. Faça favor.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma classe política inteligente,

decente e responsável tem de fazer dos episódios do passado dia 10 de junho, no Peso da Régua, no âmbito

das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o ponto de viragem da

forma como, nas últimas décadas, uma classe política concubina de jornalistas, comentadores e académicos

tem tratado os professores.

O vocábulo mais digno é «vil». Todos vimos como o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa, perdeu o

autocontrolo na relação direta com os professores, quando estava sem o escudo da bolha de irresponsabilidade

em que vive há três décadas. Foram apenas alguns minutos, mas significativos do tipo de sociedade que

andamos a construir.

O Sr. Primeiro-Ministro não gostou de provar na pele as circunstâncias equiparáveis a uma sala de aula, em

que os professores têm de suportar ambientes semelhantes, todos os dias, todos os anos.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Basta substituir a imagem do Sr. Primeiro-Ministro, rodeado por

professores na rua, pela imagem de professores rodeados por alunos numa sala de aula, que não os respeitam,

não os deixam falar, intimidam, humilham, desautorizam, gozam, insultam, podem agredir e continuar o festival

fora da escola, com a conivência dos respetivos pais.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Nos dias, semanas ou meses seguintes, esses professores regressarão

às circunstâncias em que tudo aconteceu na véspera, se quiserem pôr o pão na mesa dos seus filhos.

Era notável ver o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa, regressar às ruas do Peso da Régua no dia seguinte

e, absolutamente solitário, recorrer a técnicas pedagógicas e didáticas para acalmar os manifestantes, conversar

meigamente com eles, fazer deles amigos para a vida e dar-lhes só notas positivas.

Se não souber como isso se faz, o Sr. Primeiro-Ministro que pergunte aos ditos pedagogos e cientistas da

educação do seu Ministério, também dito da educação. Pode ser que, agora, o Sr. Primeiro-Ministro e os que

se reveem nas políticas de ensino do Partido Socialista percebam, ao fim de muitas décadas, as razões de

metade dos professores estar em sofrimento físico e psicológico, uma hecatombe social sem paralelo na nossa

história.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Alguém que explique ao Sr. Primeiro-Ministro que os professores são

o maior grupo socioprofissional do País — são cerca de 150 000 —, dominantemente feminino — 78 % são

mulheres — e envelhecido — a média de idades é cerca de 52 anos — e, nas salas de aula, podem estar contra

eles alunos com a força física do Sr. Primeiro-Ministro e que não têm a travá-los seguranças, conselheiros e

quem quer que seja.

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Os ideólogos do regime transformaram as escolas em incubadoras das mais variadas formas de delinquência

e violência social, incluindo violência doméstica contra mulheres e idosos, o perfil sociológico dos professores,

abandonados à sua sorte nas salas de aula. A má educação que se agravou a cada nova geração escolarizada

é apenas o sintoma de males sociais bem mais profundos, que queremos fingir não ver. É tempo de o País

acordar e colocar um ponto final neste universo louco.

Sr.as e Srs. Deputados, não é a irritação do Sr. Primeiro-Ministro que nos interessa, é a gravidade do falhanço

da ideia de escola. Preocupa muito pouco que um Presidente da República, um Primeiro-Ministro ou um ministro

sejam insultados, desrespeitados, destratados, desautorizados, no exercício das suas funções, enquanto esta

classe política continuar indiferente a práticas semelhantes e bem mais graves, que, todos os dias, atingem um

professor ou um polícia, também no exercício das suas funções.

Aplausos do CH.

É a dignidade que a sociedade reconhece no quotidiano a cada professor, a cada polícia, a cada médico, a

cada enfermeiro, entre outras profissões, que nos dá a dimensão do respeito que os cidadãos devem ao

Presidente da República, ao Primeiro-Ministro, aos ministros, a cada governante, a cada político.

A elite esquerdista criou um mundo ao contrário, como bem tem insistido o Presidente do meu partido, André

Ventura.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — As pessoas inteligentes percebem por que razões é desumano viver

sem liberdade, sem participação cívica, sem ativismo, sem democracia, como é desumano que as crianças e

adolescentes sejam formados sem noções mínimas de respeito, hierarquia, autoridade, ordem e que o Estado

seja o pior exemplo na matéria.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Não contem com o partido Chega para condenar os professores de

sala de aula, nem para alimentar um Estado moralmente falhado. Contem apenas com o partido Chega para

apoiar os professores de sala de aula na luta das suas vidas, contra décadas de humilhação da sua dignidade

mais elementar enquanto seres humanos, enquanto mães e pais, enquanto adultos que as leis não protegem

com a mínima eficácia, enquanto profissionais destratados nos seus salários e carreiras, enquanto cidadãos de

segunda e terceira categoria, comparativamente a políticos, jornalistas, comentadores, alunos, encarregados de

educação e tudo mais.

O futuro de uma sociedade fica comprometido quando a profissão de professor não é das mais respeitadas

e atrativas.

Aplausos do CH.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado tem um pedido de esclarecimento. Para formular esse

pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Cunha, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. António Cunha (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro,

agradeço a sua declaração política. De facto, o Governo tem andado entretido, nos últimos oito anos, a

desmantelar a escola pública.

O Primeiro-Ministro e o Partido Socialista, já sabemos, são muito hábeis na propaganda e nos anúncios,

mas, para reformar e para resolver os problemas que, de facto, afligem os alunos, as suas famílias, a escola

pública, os professores e os profissionais de educação, não têm habilidade nenhuma.

Repare-se que, em oito anos deste Governo, nenhuma das questões de fundo, que realmente dizem respeito

e afetam a escola pública, foi resolvida.

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Continua a degradação da condição docente, continua a falta de reconhecimento da profissão, continua o

aumento da indisciplina, continua o envelhecimento docente, e nada sobre como tornar a carreira mais atrativa

para os nossos jovens. Muito pouco sobre a formação inicial de professores.

O Sr. Ministro da Educação já anunciou, aqui nesta Casa, os estágios remunerados como fazendo parte da

formação inicial de professores. O ano letivo está a acabar, temos aí a preparação de um próximo ano letivo e,

sobre isto, nada.

Sobre os professores que vão sair este ano, que serão mais de 3000, as entradas nem vão cobrir sequer

50 % dos professores que saem. Portanto, a escola pública começa a correr o risco de colapsar por falta de

professores.

E depois, claro, continua a conflitualidade entre Governo e professores e é preocupante, de facto, o mal-estar

nas escolas.

Portanto, temos um ano perdido, em toda a linha, para professores, professores em luta, desmotivados,

alunos com um ano comprometido e um Governo que nem sequer — repare-se — conseguiu que as provas de

aferição já realizadas decorressem com normalidade. Aguardamos com expectativa as próximas provas de

aferição.

Sr. Deputado, por mais razão que António Costa tenha relativamente a sentir-se ofendido perante aquilo que

se passou no dia 10 de junho, um Primeiro-Ministro deve estar acima de qualquer cartaz.

Aplausos do PSD.

Não vi, de facto, essa preocupação quando outros cartazes, noutros tempos, também apareceram.

A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Bem lembrado!

O Sr. João Moura (PSD): — Verdade!

O Sr. António Cunha (PSD): — E outra coisa: não é justo que se tome a parte pelo todo. Já teve este

Governo oito anos para resolver o problema dos seis anos e, quanto a isso, nada.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. António Cunha (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente. Os professores continuam a ser tratados com

uma espécie de anomalia da Administração Pública, e nós não concordamos com isso.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada, Sr. Deputado. Já usou 1 minuto a mais do seu tempo.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — O PS usou quase 2 minutos!

O Sr. António Cunha (PSD): — Sr.ª Presidente, gostaria de fazer a pergunta ao Sr. Deputado. Peço

10 segundos, por favor.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. António Cunha (PSD): — Sr. Deputado, perante aquilo que disse ali de cima e perante aquilo que eu

descrevi, será que a culpa é dos professores?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gabriel Mithá Ribeiro.

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O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Cunha, obrigado pelas questões

que coloca. Fez um conjunto de reflexões e já sabe que a resposta à sua pergunta, sobre se a culpa é dos

professores, será: «é evidente que não é».

É uma questão cultural, até ideológica e identitária. É que, para sermos de esquerda, pelo menos até à

bancada do Partido Socialista, defendemos — e eu insisto muito — a palavra «autorresponsabilidade», isto é, o

destino é remetido para o interior do sujeito. E há uma barreira da bancada do PS para a esquerda que, para

eles, é a externalização da responsabilidade ou da culpa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — A culpa é sempre do outro, para fora e tal. E é o que estão a fazer com

os professores.

O Sr. Rui Tavares (L): — Então o que é que está a fazer agora? Está a dizer que a culpa é do outro lado!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Aquilo é um vício da esquerda, que não sai.

Por isso, para nós, a aproximação à esquerda é uma coisa complicadíssima, porque a nossa orientação é,

em primeiro lugar, moral e, se tentarmos alguma aproximação, é até ao limite da bancada do PS. Esse é um

aspeto.

Segundo aspeto: eu fui ali falar dos professores, e toda esta Casa enche a boca a defender os professores,

mas o único partido que me dirigiu uma pergunta sobre este tema foi o PSD.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Isso diz muito da instrumentalização política que aquelas bancadas

fazem dos professores…

Aplausos do CH.

… e, no fim, eles podem ser insultados, agredidos, não ensinarem e viverem nas piores condições. O que

eles querem é votos.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Mais nada!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — E nós estamos a lutar pela dignidade da escola pública, pela dignidade

da condição docente, por tratar os professores como seres humanos e não como instrumentos para manipular

ideologicamente.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Portanto, a minha resposta aí é muito clara, por razões morais, por

razões cívicas, por razões éticas, por razões do nosso partido.

Agora, há um outro aspeto em que o Sr. Deputado tocou, que é a questão racial, do cartaz. Não referi a

questão racial, ali da tribuna, porque não quero misturar a situação dos professores com a questão racial. Mas

o Sr. Deputado António Cunha lançou uma tentação e não vou ficar calado sobre este tema.

O Sr. Primeiro-Ministro foi mais um que brincou com as palavras e usou, da forma mais atabalhoada, errada,

injusta e até pouco racional, a palavra «racismo». E se há tema que temos de discutir é exatamente a questão

racial, mas a fundo.

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Como não tenho muito tempo, vou tentar, nos segundos que me restam…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Não tem mesmo mais tempo, Sr. Deputado. Faça favor de concluir.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Pensava que eram 3 minutos, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — São 2 minutos a que tem direito.

O Sr. Gabriel Mithá Ribeiro (CH): — Então, o racismo fica para outras núpcias.

Aplausos do CH.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não é assim que se interrompe, Sr.ª Presidente. Não é assim! Isto não é uma

brincadeira!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar da

Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No próximo sábado, 17 de junho de 2023,

completam-se seis anos desde que aconteceram, em Pedrógão Grande, os trágicos incêndios de 2017.

Foi um incêndio que alastrou posteriormente a outros concelhos: Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos,

Ansião, Sertã, Pampilhosa da Serra e Penela.

Faleceram, nesses incêndios, por razão direta desses incêndios, 64 pessoas, 254 pessoas ficaram feridas,

500 habitações ficaram destruídas ou foram afetadas, dezenas de empresas viram as suas instalações

destruídas também, arderam 53 000 ha de terreno, de floresta, e os prejuízos chegaram a cerca de 500 milhões

de euros.

Naquele momento e naquele dia, aconteceram — ficou provado — fenómenos meteorológicos extremos.

Mas, antes daquele dia e depois daquele dia, aconteceram outros fenómenos extremos, absolutamente

injustificáveis, que têm a ver com incompetência, com desleixo, em alguns casos, com compadrio e, em muitos

casos, com demasiada insensibilidade.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem!

O Sr. Rui Rocha (IL): — É por isso que, neste momento, importa fazer um balanço, porque não se pode

esquecer o que aconteceu e não se pode, seguramente, esquecer o que aconteceu antes e o que aconteceu

depois, para que se possam tirar as devidas lições.

Recordemos que, em 2005 — já foi há tanto tempo, Srs. Deputados! —, António Costa era Ministro da

Administração Interna e, em 2005, o Instituto Superior de Agronomia fez um estudo em que dizia que a melhor

forma de enfrentar os incêndios era a prevenção. E o Governo socialista de então fez aquilo que os Governos

socialistas costumam fazer: criou uma equipa de missão. Mas, na verdade, no terreno, a prevenção nunca

chegou a ser uma prioridade e tudo foi virado para o combate. Há mesmo um secretário de Estado de então que

fez uma tese de mestrado em que disse, claramente, que essa opção — porque foi uma opção — constituiu um

sério e imperdoável erro.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Bem lembrado!

O Sr. Rui Rocha (IL): — Srs. Deputados, não foi, seguramente, uma questão de prevenção que levou o

Estado português a investir 42 milhões de euros em helicópteros Kamov. Na altura, com a intervenção também

de Lacerda Machado, não foi seguramente por prevenção que esses helicópteros foram comprados por um valor

dessa natureza, porque eles já eram um problema e ainda não tinham saído da Rússia em direção a Portugal.

Vimos depois que esses helicópteros passaram mais tempo em terra do que no ar e que constituíram,

seguramente, mais um negócio ruinoso para a República Portuguesa.

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Também não foi por prevenção que se fez o investimento, que já vai em mais de 550 milhões de euros, no

SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) — mais uma vez, no início

desse negócio, encontra-se Lacerda Machado, como advogado da Motorola, a quem foi feita a adjudicação do

serviço —, SIRESP esse que não funciona, mesmo quando os jornalistas são chamados para se demonstrar a

sua eficiência.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Bem lembrado!

A Sr.ª Joana Cordeiro (IL): — Muito bem!

O Sr. Rui Rocha (IL): — Também não foi por prevenção que, não só ao longo do tempo, mas também antes

da tragédia de Pedrógão, se fizeram nomeações para estruturas da proteção civil de boys socialistas que tinham,

por exemplo, licenciaturas em desporto. Também não foi por prevenção que toda a estrutura foi mudada, como

digo, para, muitas vezes, acomodar boys socialistas.

Mas, se falhou a prevenção, também falhou a resposta à tragédia.

A sociedade portuguesa, na altura, Srs. Deputados, mobilizou-se de uma forma extraordinária. Quando as

vítimas precisaram de cuidados médicos, os profissionais de saúde foram para o terreno. Quando as vítimas

precisaram de comida, de roupa, de medicamentos, gerou-se uma onda de solidariedade, com contribuições de

pessoas individuais ou de organizações. As misericórdias armazenaram os bens. As associações de proteção

dos animais e os veterinários foram para o terreno salvar aquilo que poderia ser salvo. As famílias desalojadas,

que se encontravam em situação de carência económica, receberam donativos dessa sociedade que se

mobilizou. O País, como digo, mobilizou-se.

O Governo, todavia, ofereceu um lamentável exemplo de alijamento da sua responsabilidade. Vejamos

alguns exemplos: Constança Urbano de Sousa, Ministra à altura, continuou em funções até outubro; foi preciso

acontecer uma nova tragédia, foi preciso o Sr. Presidente da República impor-se para que fosse tirada

consequência política daquilo que tinha uma consequência evidente, logo à partida. Quando a comunicação

social detetou uso indevido de verbas na reconstrução das casas, o então Ministro Pedro Marques respondeu

que não tinha recebido qualquer queixa.

Há um longo rol de incompetências, de desleixo e, muitas vezes, de total insensibilidade da governação

socialista relativamente a estes temas.

Portanto, Srs. Deputados, agora que se completam seis anos, este sábado, o País estará unido, mais uma

vez, a recordar uma triste sucessão de acontecimentos que combinou impreparação, incúria de diversos

intervenientes públicos e privados, incompetência da cadeia operacional, influências e favorecimentos

partidários, gestão política da reconstrução de imóveis — que nunca chegou a ser feita — e da recuperação

económica e social, e uma constante fuga às responsabilidades de quem as devia ter assumido.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Srs. Deputados, é hora de fazer um balanço e é hora de dar paz às populações de

Pedrógão Grande, às populações afetadas.

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

Aplausos da IL e do Deputado do PSD João Marques.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado Rui Rocha tem cinco pedidos de esclarecimento e

informou a Mesa de que deseja responder primeiro a três e, depois, aos outros dois.

Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Moura, do Grupo

Parlamentar do PSD.

O Sr. João Moura (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Rocha, agradeço-lhe o facto de ter trazido,

hoje, este tema. Há pouco mais de uma semana, o PSD trouxe também o tema dos incêndios florestais, porque,

infelizmente, é um tema sobre o qual esta Casa, ano após ano, se tem vindo a debruçar.

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Hoje, recordou-nos a tragédia que aconteceu, há seis anos, em Portugal, uma tragédia nunca antes vista.

Tudo levava a crer que, naquele momento em que o País assistiu a uma tragédia daquela dimensão, algo

mudaria no nosso Portugal, algo seria feito. O certo é que, seis anos depois, com o mesmo Governo socialista

— apesar de, até ao ano passado, não ter acontecido uma tragédia daquela dimensão —, Portugal foi, em 2022,

o segundo país da União Europeia com a maior dimensão de incêndios florestais. Portanto, aquilo que está a

acontecer, em Portugal, é que, com o Governo do Partido Socialista, os incêndios florestais começam a

normalizar-se em Portugal. E esta é a grande preocupação: é esta normalização.

Primeiro, imputam-se as responsabilidades às alterações climáticas e, depois, é um passar de culpas. É

culpa das autarquias, que não fazem as devidas limpezas, as devidas notificações; é culpa dos proprietários dos

terrenos, porque não fazem a devida limpeza, não fazem a devida gestão; é culpa de toda a gente, menos deles

próprios.

Há muito que o PSD tem vindo a dizer ao Partido Socialista e ao Governo do Partido Socialista que estes

abandonaram, por completo, o mundo rural. É esta a grande causa dos incêndios em Portugal, é este abandono,

com uma agravante: é que, com o Governo do Partido Socialista, com a saída das florestas do Ministério da

Agricultura, aquilo que é floresta produtiva, aqueles poucos que cuidavam da floresta em Portugal passaram a

ser os mais criminosos.

Portanto, a pergunta que lhe deixava, Sr. Deputado Rui Rocha, era a de saber se concorda com o facto de

que, em Portugal, é lamentável que esta normalização dos incêndios florestais tenha uma característica cada

vez mais grave e mais preocupante. E ainda estamos por saber qual é o valor do algoritmo deste ano.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. João Moura (PSD): — Termino já, Sr.ª Presidente.

Qual é o valor do algoritmo deste ano, do Partido Socialista, para os incêndios que aí vêm?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o

Sr. Deputado Francisco Pereira, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a questão que gostaria

de colocar era exatamente aquela que o Sr. Líder da Iniciativa Liberal trouxe aqui, relativamente à questão dos

incêndios, mas diametralmente oposta.

Passo a esclarecer: numa entrevista que o Sr. Deputado deu, quando visitou um quartel de bombeiros, disse

que «não vou dizer que nada mudou, porque também seria injusto; muita coisa foi alterada». Portanto, parece

que já começam a reconhecer que alguma coisa é feita.

O Sr. João Moura (PSD): — Para pior!

O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Mas, nesse aspeto, posso adiantar que, relativamente à

questão que levantou — porque não nos esquecemos daquilo que aconteceu — quanto à falta de pessoal,

desde 2018, aumentámos 23 % em pessoal; aumentámos, em meios terrestres, 28 %; na garantia dos meios

aéreos, houve reforço; aumentámos em 5,1 % os pagamentos diários aos bombeiros; aumentámos em 7,8 %

as comparticipações com alimentação; houve um aumento médio de 10 % dos valores de referência para

veículos; houve uma alocação prévia de 2 milhões de euros no DECIR (Dispositivo Especial de Combate a

Incêndios Rurais), relativamente ao executado em 2022.

Relativamente à questão da prevenção, com a qual concordamos, porque achamos que a prevenção é

fundamental, a mesma passou de 80 % para cerca de 50 %, no valor total.

Portanto, Sr. Deputado, não vejo este drama que ali, da tribuna, deixou, de que nada aconteceu, quando é o

senhor, na sua própria entrevista, que refere que muita coisa mudou e que muita coisa foi alterada, mas que

muita coisa também necessita de ser mudada.

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Portanto, há que organizar o discurso e há que perceber exatamente de que lado é que está: se está do lado

da solução, ou do lado do incendiário.

Aplausos do PS.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Menos! Depois, queixam-se dos cartazes, mas mandam essas bocas!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João

Dias, do Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Rocha, quando subiu àquela

tribuna e disse que iria fazer um balanço, seis anos após os trágicos incêndios de 2017, julguei que fosse fazer,

de facto, a identificação do que é que está errado, das políticas que não resultaram. Julguei que fizesse um

diagnóstico da floresta portuguesa e até julguei que apresentasse soluções. Mas não, não o fez.

Já que a Iniciativa Liberal não o fez, olhe, fá-lo-á o PCP, nestes pequenos 2 minutos. Iremos abordar, pelo

menos, duas ou três questões, nas quais está o cerne da questão dos incêndios.

O Sr. Deputado conhecerá a missão e as responsabilidades que são atribuídas ao ICNF (Instituto da

Conservação da Natureza e das Florestas). São competências imensas as que o ICNF tem e, a cada dia que

passa, são mais transferências de competências: é na caça, é na pesca, é na informação geográfica, é nos

animais de companhia, é enquanto Autoridade Florestal Nacional, são funções de gestão dos incêndios rurais.

É tudo isto para um parco mapa de pessoal. No Orçamento do Estado para 2023, para a atual dotação desse

mapa de pessoal, faltam mais de 700 funcionários do ICNF.

Aqui há uma incoerência por parte da Iniciativa Liberal. Concorda? Pelo menos, deve concordar com o facto

de que fará todo o sentido que, pelo menos, o mapa de pessoal esteja preenchido. Não concorda, Sr. Deputado?

Concorda certamente.

Protestos da IL.

O que não se justifica é o voto contra da Iniciativa Liberal, quando o PCP propôs o reforço do mapa de

pessoal do ICNF. Esta incoerência é abismal!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

O Sr. João Dias (PCP): — Depois, vamos à questão do mercado da madeira e da sua transparência.

Sr. Deputado, como é possível que, havendo falta de madeira, o preço pago à produção há mais de 20 anos

não sofra alterações? Como é possível que, havendo aumento dos custos dos fatores de produção, não

aumentem os preços pagos à produção? Sr. Deputado, como é que se justifica que tudo isto não se traduza

num aumento da valorização da produção?

Sr. Deputado, é esta a questão central que lhe quero deixar: naturalmente, sem o preço justo pago ao

produtor, é impossível fazer uma gestão ativa e adequada da floresta.

Protestos da IL.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Dias (PCP): — Termino, Sr.ª Presidente.

Portanto, o mercado que o senhor defende, está mais do que provado que não funciona, nomeadamente

quando existe um monopólio da celulose, da trituração e da pasta de papel.

Aplausos do PCP.

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra

o Sr. Deputado Rui Rocha.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Moura, a pergunta que me fez tem a ver com a

normalização — se quisermos, no discurso político — sobre a questão dos incêndios. Respondo-lhe

afirmativamente: há, de facto, uma normalização nesse discurso, porque, infelizmente, no ano passado, a

propósito dos incêndios na Serra da Estrela, ouvimos uma ministra dizer que a Serra da Estrela iria ficar muito

melhor, a partir dali. Portanto, temos uma Ministra — não lhe vou fazer essa acusação —, na verdade, quase a

dizer que é uma coisa boa que haja incêndios, porque, a seguir, as coisas ficam muito melhores.

O Sr. Deputado falou também do algoritmo. É verdade que também nos foi dito por uma responsável

governamental que tínhamos tido, até, muita sorte, porque estava previsto que fosse muito pior.

Portanto, sim, há uma total normalização dos incêndios no discurso português, normalização essa que

corresponde, depois, a uma completa falta de cuidado, nomeadamente nas questões da prevenção.

Já vou responder ao Sr. Deputado Francisco Pereira Oliveira, do PS. Eu sei o que disse, Sr. Deputado: eu

disse que fazia justiça àquilo que tem sido feito desde 2017. Mal seria, Sr. Deputado, que não tivéssemos tido

alguma evolução. É verdade que faço essa avaliação.

Só que aquilo que se fez foi muito pouco para aquilo que seria necessário, e não é só no que diz respeito à

questão da prevenção, de que eu falava. Olhe, mesmo na questão da gestão e das promessas que foram feitas

relativamente à tragédia de Pedrógão e daqueles meses, quanto às questões do cadastro, foram prometidas

taxas de concretização de 90 %, e eu pergunto-lhe onde é que estão; foram prometidas 500 equipas de

sapadores florestais, e eu pergunto-lhe onde é que elas estão. Sr. Deputado, as indemnizações que foram

prometidas demoraram mais de três anos. Ainda hoje, em Pedrógão, há primeiras habitações que não foram

reparadas ou que não foram apetrechadas, já para não falar das segundas habitações.

Portanto, Sr. Deputado, é evidente que os senhores fizeram muito pouco, mesmo do ponto de vista daquilo

que seria necessário fazer — mal seria se não se tivesse evoluído alguma coisa! —, e fizeram também muito

pouco na resposta às situações concretas decorrentes diretamente dos incêndios de Pedrógão.

Por último, Sr. Deputado João Dias, fala-me, basicamente, de duas coisas diferentes. Uma tem a ver com as

questões do quadro do ICNF. Já disse aqui que há uma promessa do Governo do PS de ter 500 equipas de

sapadores florestais, mas, por aquilo que vi, pelos dados a que tive acesso, o ICNF não atualiza dados das

equipas de sapadores florestais desde 2020. É este o serviço público que é prestado às populações.

O Sr. João Dias (PCP): — Disse que votava contra a proposta do PCP!

O Sr. Rui Rocha (IL): — Pelas contas que fiz e a que tive acesso, haverá, neste momento, 400 equipas, e

não as 500 que foram prometidas pelo PS.

Agora, quero dizer-lhe uma coisa: a gestão do Estado tem de ser vista numa ótica integrada. Há sítios onde

faltarão meios, mas há sítios onde eles são absolutamente mal geridos, como é óbvio e como todos sabemos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Portanto, Sr. Deputado, aquilo que se tem de fazer — e aí divergimos completamente

— é uma verdadeira reforma do Estado, que permita que haja meios eficientes onde eles devem chegar…

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É reduzir!

O Sr. Rui Rocha (IL): — … e, já agora, uma avaliação de desempenho dos funcionários do Estado, que têm

direito a ser convenientemente avaliados e incentivados.

O Sr. João Dias (PCP): — Então os funcionários é que são os responsáveis?! Era o que faltava!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.

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O Sr. Rui Rocha (IL): — Disso os senhores não gostam. Sei que os senhores não gostam e que vos perturba,

mas é isso que deve ser feito, e um dia vai ser feito, Sr. Deputado.

Aplausos da IL.

Protestos do Deputado do PCP João Dias.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo

Pacheco de Amorim, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o que se tem passado

com os incêndios florestais é típico e é o padrão da forma de governar do Partido Socialista: negócios ruinosos

para o contribuinte, como o do SIRESP ou o dos Kamov; belíssimas palavras, como «a Serra da Estrela vai ficar

melhor», ou «o Pinhal de Leiria, comparado com o plantado por D. Dinis, vai ser uma coisa magnífica». E, em

Pedrógão, depois de milhares de pequenos negócios, está tudo na mesma.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Está tudo rigorosamente na mesma.

Aliás, bastou ouvir o Sr. Deputado Francisco Pereira para percebermos o que é que o Partido Socialista tem

a dizer em relação a isto,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Nada!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — … que é nada. Há uns números vagos e, dos números, não se

extrai nada.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Publicidade enganosa!

O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Os números estão lá!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — No fundo, no fundo, a resposta é «nada». É publicidade

enganosa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Francisco Pereira de Oliveira (PS): — Para os senhores, os números não existem!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Diagnósticos, todos nós fazemos, é fácil fazê-los. O desastre é

total e fazer o diagnóstico do desastre é absoluto. A questão é trazer soluções.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Não se pode deixar permanentemente incendiários… Ao menos,

que passem a ser mais caros! Quero dizer, ao menos, que passem a ser mais caros, para dificultar o negócio!

Sobre isto, gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Rui Rocha. O partido Chega já apresentou, e

virá à discussão, uma iniciativa, tendo em conta a lei do combate ao terrorismo, a Lei n.º 52/2003, de 22 de

agosto, que inclui, no conjunto das condutas que devem ser consideradas infrações terroristas, a provocação

de incêndios que coloquem em perigo vidas humanas.

Nestes termos, deu já entrada um projeto de lei do Chega que aplica o regime sancionatório do combate ao

terrorismo a quem seja reincidente na prática do crime de incêndio florestal.

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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Isto, Srs. Deputados, é ir para além do diagnóstico.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Ou seja, é trazer propostas concretas para a resolução de

problemas concretos.

Irá a Iniciativa Liberal, quando este projeto vier a discussão e a votação, aprová-lo, irá abster-se ou irá votar

contra?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Esta é a pergunta que lhe queria deixar.

Aplausos do CH.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui

Tavares, do Livre.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Rocha, deixe-me juntar-me a si na memória

daqueles que perderam a vida, daqueles que perderam os seus bens, dos nossos concidadãos que sofreram

com os incêndios de há cinco anos. Saúdo-o pela intervenção que fez, sobre um tema que é essencial e cada

vez mais de atualidade.

Teria sido importante que, num tema como este, a ideologia cedesse o passo à realidade, e eu esperaria, da

parte da Iniciativa Liberal, um pouco mais de esclarecimento, e é isso que lhe peço agora, sobre dois temas que

são essenciais para a questão dos incêndios florestais, assim como para aferirmos até que ponto leva a Iniciativa

Liberal a sua pureza ideológica.

Um desses temas tem a ver com a propriedade. Sem a questão da propriedade, não podemos discutir a

questão dos incêndios florestais. Aquilo que oiço da Iniciativa Liberal, até nas discussões da revisão

constitucional nas quais participamos, é que a Iniciativa Liberal defende direitos irrestritos, ou praticamente

irrestritos, de propriedade, e eu queria perceber onde é que está a restrição. Está, por exemplo, em o Estado

poder determinar que os proprietários têm responsabilidades sociais e ambientais, ou não? E, se sim, onde é

que está essa linha?

É que todas as bancadas nesta Câmara têm como claro que há uma linha a partir da qual se deve exigir

responsabilidade ambiental e social, mas da parte da Iniciativa Liberal não sabemos. Será que nos pode

esclarecer?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Tavares (L): — Segundo aspeto: ainda bem que não o ouvi dizer, embora quase, que o Estado

tem sempre culpa e o socialismo é sempre mau, exceto no Canadá, onde os incêndios florestais se dão sob a

vigência de um Governo liberal. Não sei qual é a leitura que faz disso.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr. Deputado, tem de concluir.

O Sr. Rui Tavares (L): — Na Califórnia,…

Risos da IL.

Protestos do CH.

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… existem sistemas privados de bombeiros. Esses sistemas privados de bombeiros asseguram apenas a

segurança daqueles que pagaram o seguro.

Quero perguntar-lhe: defende a Iniciativa Liberal sistemas privados de bombeiros, ou não?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Já chega!

O Sr. Rui Tavares (L): — Ou finalmente conseguiremos ouvir a Iniciativa Liberal — e assim termino — dizer

que, em Portugal, para alguma coisa o público é melhor do que o privado?

Muito obrigado, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço às Sr.as e aos Srs. Deputados que se cinjam ao tempo de palavra

que lhes está regimentalmente atribuído.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É sempre igual!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Faz sempre a mesma coisa! Ele é sempre o preferido!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra

o Sr. Deputado Rui Rocha.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Pacheco Amorim, registo essa intenção do Chega de

apresentar legislação, mas compreenderá que, sem a conhecer, não me posso pronunciar. É preciso ler a

legislação, não me vou agora vincular.

Há coisas que sei de antemão e uma delas é que o Chega tem uma visão do sistema penal e da sociedade

em que basta aumentar ou alterar as molduras penais para resolver os problemas. Ora, nessa visão da

sociedade, eu não entro, porque está demonstrado que o aumento ou a alteração das molduras penais, por si

só, não resolve os problemas.

Uma parte significativa do incendiarismo é motivada por pessoas com perturbações psíquicas, com esse tipo

de situações. Portanto, Sr. Deputado, para esse grupo de pessoas, a moldura penal ser uma ou outra, ser maior

ou ser menor, é absolutamente indiferente.

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Mas nas cadeias não há fogos!

O Sr. Rui Rocha (IL): — Portanto, Sr. Deputado, analisaremos a proposta do Chega, como fazemos sempre

relativamente a todas as propostas, e cá estaremos para decidir no momento certo, sendo que, desde logo, essa

onda do aumento ou alteração das molduras penais como forma de repressão não é a visão que a Iniciativa

Liberal tem, nem do direito penal, nem da sociedade.

Sr. Deputado Rui Tavares, no que diz respeito à propriedade, a Iniciativa Liberal tem uma questão muito

pragmática: agredir a propriedade privada, ou seja, qualquer tipo de solução que passe por retirar a propriedade

a quem a tem para a entregar ao Estado, quando o Estado não assegura a gestão da floresta como devia,…

O Sr. João Dias (PCP): — Qual propriedade?

O Sr. Rui Rocha (IL): — … mesmo na sua área, que, aliás, a esquerda não se cansa de dizer que é

relativamente pequena face a outros países europeus, não faz nenhum sentido. Se o Estado não consegue gerir

aquilo que tem, se não consegue assegurar uma gestão equilibrada da floresta que lhe cabe, qual é o sentido

de trazer mais floresta, mais território para o Estado, se nem aquilo que tem hoje em dia consegue gerir?

O Sr. Rui Tavares (L): — É deixá-la arder!

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O Sr. Rui Rocha (IL): — Já agora, por falar em enviesamentos ideológicos, a floresta que está bem gerida

em Portugal é a que pertence a privados, a grupos económicos, que a exploram com sentido de responsabilidade

e com sentido, obviamente, de rentabilidade.

Protestos do L e do Deputado do PCP João Dias.

Portanto, Sr. Deputado, a resposta muito clara é essa e é isso que tenho para lhe dizer: entregar ao Estado

mais território, quando não sabe gerir aquele que tem, não faz nenhum sentido.

Aplausos da IL.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do PCP,

tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os aumentos de centenas de euros

nas prestações da casa são a face mais visível e inquietante dos enormes prejuízos que os portugueses estão

a sofrer com esta política de aumento rápido dos juros decretada pelo Banco Central Europeu (BCE).

As pessoas vivem cada vez pior, vai uma parte cada vez maior do salário para a prestação da casa e muitos

estão em risco de deixar as suas casas, sem que o Governo faça alguma coisa para contrariar esta situação.

Mas, se Portugal é um dos países em que a população mais sofre com a política de juros do BCE, é também

um dos países em que a banca mais ganha com estes aumentos dos juros.

Segundo o Banco de Portugal, o aumento da margem financeira que decorre da diferença entre os juros

pagos aos depositantes e os juros cobrados aos devedores aumentou, em Portugal, 9,5 vezes mais do que na

média da zona euro.

Os bancos pagam cerca de 1 %, em média, nos depósitos a prazo, menos de metade dos 2 % da média da

zona euro, e ganham muito mais com os aumentos das prestações dos créditos do que noutros países, em que

a maioria dos créditos é em taxa fixa.

A banca está a ganhar dos dois lados, de uma forma desproporcional. Por isso, os cinco maiores bancos

apresentaram lucros de 2500 milhões de euros em 2022, e continuam, em 2023, a aumentar os seus lucros.

Esta desproporção acontece nas barbas do Banco de Portugal, que se comporta como mero observador de

mercado, e nas barbas do Governo, que nada faz, e que, quando faz, é para beneficiar ainda mais a banca.

O fim da série E dos certificados de aforro insere-se num longo caminho de submissão aos grandes

interesses, muito em particular à banca, que junta PS, PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega; um longo caminho

que tem episódios conhecidos de todos e onde a direita não se distingue do PS nas opções de favorecimento

da banca.

No Novo Banco, da resolução fraudulenta do Governo do PSD/CDS à privatização ruinosa do Governo do

PS, foram quase 9 mil milhões de euros do dinheiro dos portugueses, para depois entregar o banco de mão

beijada a um fundo abutre que se prepara para o vender, depois de sangrar o erário público.

No Orçamento do Estado para 2023, o Governo do PS, com os votos favoráveis do PSD e da Iniciativa

Liberal, retirou qualquer prazo ao reporte de prejuízos fiscais. Calha bem que um dos setores com maior

capacidade de transportar lucros e prejuízos de uns anos para os outros seja, precisamente, o da banca. Logo,

o Novo Banco fica com a capacidade de abater os seus prejuízos ao longo das próximas décadas.

Há ainda o curioso caso da conversão de créditos fiscais associado aos ativos por impostos diferidos,

mecanismo criado pelo PSD e pelo CDS em 2014 e mantido pelo PS.

Mais um brilhante negócio! Desde 2021, por conta de mais de 660 milhões de euros em créditos fiscais, o

Estado passou a ter cerca de 12 % do Novo Banco. Mas esses 12 % abatem apenas à participação de 25 % do

Fundo de Resolução. A Lone Star ficou na mesma com 75 % do banco. Grande negócio, proporcionado pela

privatização!

Outro grande negócio da banca tem sido o das comissões bancárias. Quando os juros estavam próximos de

zero ou negativos, a banca dizia que precisava de aumentar comissões para se manter rentável. Agora que os

juros sobem em flecha, não só não as reduziram, como continuam a aumentar estes custos, que, muitas vezes,

não correspondem a qualquer serviço.

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Quando o PCP trouxe à Assembleia da República propostas para limitar estas comissões, a medida foi

rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e da Iniciativa Liberal e a abstenção do Chega. Portanto, não são de

estranhar as visíveis hesitações do PSD, do Chega e da Iniciativa Liberal na reação a esta notícia da suspensão

dos certificados de aforro. Por um lado, a vontade em desancar no Governo é grande, mas, por outro, não

conseguem esconder a umbilical relação entre estas forças políticas e os interesses da banca.

Sr.as e Srs. Deputados, a banca mandou e o Governo obedeceu. Com os certificados de aforro a pagar 3,5 %

e os depósitos próximos de zero, muitos portugueses passaram as suas poupanças da banca para os

certificados. A banca diz, e é verdade, que tem muita liquidez e que, por isso, não precisa de pagar mais pelos

depósitos, mas estava a ficar incomodada com a perda de clientes.

Perante esse incómodo, tinham duas hipóteses: ou aumentavam os juros que pagam aos depositantes,

abdicando de uma parte dos seus lucros para segurar clientes, ou faziam pressão para que se acabasse com a

taxa que estava prevista dos certificados de aforro.

Claro que foram para a segunda hipótese e o Governo, mais uma vez, não desiludiu os grandes interesses:

prontamente acabou com a série E dos certificados e criou uma nova, que tem como limite máximo não 3,5 %,

mas 2,5 %.

Ora, o que se exigia era o contrário.

O Sr. João Dias (PCP): — Claro!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exigia-se não só manter este instrumento de pressão à banca, mas também

acrescentar outros mecanismos para fazer subir a remuneração dos depósitos, por exemplo, mobilizando o

banco público, a Caixa Geral de Depósitos.

A Caixa deve baixar as comissões bancárias, deve baixar o spread sobre o crédito à habitação, deve dar o

exemplo nas renegociações, para tirar a corda ao pescoço de muitas famílias, e deve aproximar-se da média da

zona euro na remuneração dos depósitos.

Não basta pedir um «esforçozinho», como fez o Presidente da República. O Governo deveria dar orientações,

enquanto acionista único, para que a Caixa seja, de facto, um instrumento para condicionar todo o mercado

bancário e não para imitar as práticas da gestão privada. Mas, em vez disso, temos o PS e o PSD, em uníssono,

a dizer que o Governo não se deve meter nas opções de gestão da Caixa.

O Sr. João Dias (PCP): — É verdade!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — O longo caminho de submissão dos Governos aos interesses da banca tem

muitos episódios, que mancham tanto o PS, como os partidos à sua direita. Mas este último episódio dos

certificados de aforro é só demasiado flagrante de uma política ao serviço do grande capital, dos lucros

milionários à custa da população que carrega aos ombros a política de juros do BCE, de uma banca que quer

mostrar que manda no País e de um Governo que obedece, mostrando, mais uma vez, para o que afinal serve

esta maioria absoluta e mostrando, também, que à direita não há uma alternativa que sirva ao País.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — O Sr. Deputado Duarte Alves tem cinco pedidos de esclarecimento e

indicou à Mesa de que deseja responder primeiro a um bloco de dois e, depois, a um de três.

Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pessanha, do Grupo

Parlamentar do Chega.

O Sr. Pedro Pessanha (CH): —Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, a constante ingerência em

assuntos do Estado por parte de entidades externas de natureza financeira no Governo socialista de António

Costa e Fernando Medina é, e irá continuar a ser, o modus operandi do setor banqueiro em Portugal.

Sabendo que este produto financeiro estatal, de enorme subscrição, passará a ser potencializado pela

totalidade das redes bancárias em Portugal, vem o partido Chega questionar o Grupo Parlamentar do PCP.

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Na Comissão de Orçamento e Finanças, o Chega veio solicitar a audição do Ministro das Finanças e do

Presidente da IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública). Gostaríamos de saber por que

razão o PCP se absteve quando foi chamado a pronunciar-se.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Ou acham que o Ministro das Finanças e o Presidente da IGCP não têm de

assumir responsabilidades neste processo?

A segunda pergunta que gostaria de fazer ao Sr. Deputado é esta: se o PCP está tão preocupado com esta

temática, e partindo do pressuposto coerente das suas tomadas de posição, por que razão votou contra a

proposta do Chega que recomendava ao Governo que garantisse um apoio às famílias correspondente a 40 %

do aumento da prestação com o crédito à habitação, devido ao aumento da Euribor (euro interbank offered rate)?

Aplausos do CH.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular o segundo pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª

Deputada Joana Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, foi João Moreira Rato — que é

agora Presidente do Banco CTT, mas teve altas responsabilidades na IGCP — quem deu a voz de comando da

banca ao Governo, a dizer que era preciso travar os certificados de aforro.

Uma semana depois, a série que dava 3,5 % passou a dar 2,5 % e o Governo ainda anunciava que os

certificados de aforro passariam a ser vendidos aos balcões da banca. No fundo, o que a banca veio dizer foi

«saiam da frente, vocês estão a deixar-nos mal vistos» e «saiam da frente, porque, se vocês continuam a

remunerar os certificados de aforro a valores justos para os aforradores, então, as pessoas vão pensar que nós

somos gananciosos»,…

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Justos?!

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — … coisa que a banca sempre foi, desde que isso nunca pareça que é

demasiado.

O PS, a gente do PS, que nunca na vida se viu a enfrentar os credores, veio dizer que tomava a medida de

baixar a remuneração dos certificados de aforro para enfrentar os credores. Que credores são estes?! Credores

internacionais que obrigaram Portugal a taxas especulativas, a programas de austeridade, e que quiseram

Portugal de joelhos?! Não! São os pequenos aforradores portugueses, a classe média, os idosos, os reformados,

todos os pequenos aforradores que, em vez de investir na especulação do mercado imobiliário, em vez de

investir em bolhas especulativas financeiras, investem em títulos da dívida pública que o Estado disponibiliza.

O Governo prefere pagar juros mais altos a credores externos e prejudicar pequenos aforradores, para deixar

que a banca continue a ganhar, e sem ser mal vista, sem passar por ainda mais gananciosa. A banca está a

remunerar miseravelmente os depósitos a prazo; é óbvio que os certificados de aforro a faziam parecer

gananciosa.

O problema é que a banca, ao mesmo tempo, está a lucrar 10 milhões de euros por dia, com taxas de crédito

à habitação que são usurárias, face àquilo que esmifra às pessoas e que, depois, não paga em remuneração

dos depósitos a prazo.

Portanto, aquilo que lhe pergunto, Sr. Deputado, é se se lembra de alguma medida — é aquela velha

expressão do «diga-me uma, diga-me uma!» — que nos possa levar a concluir que este Governo não pôs o

País na mão da banca.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra

o Sr. Deputado Duarte Alves.

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O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Pedro Pessanha e Joana Mortágua, agradeço

as questões que me colocaram.

O Sr. Deputado Pedro Pessanha refere que tem havido muita ingerência; o que tem havido é falta de

ingerência.

O Sr. João Dias (PCP): — Essa é que é essa!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — O Governo tem deixado a banca trabalhar à vontade: ganhar de um lado,

ganhar do outro, aumentar aquilo que os portugueses pagam pelo crédito à habitação de forma muito

significativa e, ao mesmo tempo, remunerar, praticamente a zero, os depósitos.

Portanto, o que tem faltado é coragem da parte do Governo para intervir, não é intervenção a mais, pois tem

havido falta de intervenção do Governo para contrariar estas práticas especulativas da banca.

O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Quanto ao Governo, este virá à Assembleia da República para a semana, a

requerimento do PCP, e votámos a favor de um requerimento para que viesse também o Ministro das Finanças.

Relativamente aos apoios do Governo, diria que estamos a falar sobre medidas que vão buscar aos

interesses da banca, aos lucros da banca, aquilo que tem faltado aos portugueses. O Chega não tem tido

propostas nesse sentido, porque, sempre que se fala dos interesses da banca, o Chega não tem qualquer

proposta alternativa.

Sr.ª Deputada Joana Mortágua, é verdade, foi João Moreira Rato que deu essa pedra-de-toque para se

remover aquele obstáculo que estava, de alguma forma, a ser o único empecilho para que a banca continuasse

esta situação de uma baixíssima remuneração dos depósitos a prazo.

Também registei essa questão da venda, pela banca, dos certificados de aforro. Ainda há pouco tempo o

Presidente da IGCP disse, na Assembleia da República, que a banca não tem interesse em vender o produto,

porque o produto é concorrente com os produtos da própria banca. Portanto, das duas, uma: ou a banca não

vai vender certificados de aforro, porque não tem interesse nisso, ou, se os vai vender, vai ganhar alguma coisa

com isso.

O Sr. João Dias (PCP): — Pois vai!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Ainda está por esclarecer quanto é que a banca vai ganhar com esta medida

de passar a vender os certificados de aforro.

Depois, é verdade, também ouvi esses argumentos de que o Governo está, desta forma, a proteger os custos

da dívida portuguesa, mas quem usa esse argumento esquece-se de que o Governo continua a financiar-se lá

fora, nos mercados internacionais, a taxas superiores às dos 3,5 % que pagavam nos certificados de aforro.

Ainda em março de 2023, foram dois leilões: um a 3,55 % e outro a 3,74 %, valores superiores à taxa que paga

nos certificados de aforro. Foram mais de 900 milhões de euros com estas taxas.

Portanto, consideramos que, de facto, aquilo que o Governo fez com esta medida foi ir atrás dos interesses

da banca.

Esta posição do Governo não contrasta com a total ausência de qualquer medida para baixar as prestações

que as pessoas pagam no crédito à habitação. Ainda hoje saiu uma notícia que diz que 10 % das pessoas que

têm crédito à habitação estão em risco de ficar sem dinheiro para poder pagar as suas prestações. A situação

é muito mais grave porque as pessoas abdicam de um conjunto de outras despesas antes de deixarem de pagar

a prestação da casa.

Este é um problema a que o Governo não tem dado resposta, porque, sempre que se fala de qualquer medida

que ponha em causa os lucros milionários que a banca tem tido ao longo do último ano e dos últimos meses, o

Governo não assume qualquer proposta de coragem para enfrentar esses interesses e, portanto, tem rejeitado

todas as propostas nesse sentido.

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Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o

Sr. Deputado João Cotrim de Figueiredo, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Duarte Alves, é um tema muitíssimo

importante aquele que traz aqui hoje, o tema do sistema financeiro e da relação desse com a poupança.

Enquanto intervinha, ali da tribuna, ocorreu-me aquele ditado do «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és»,

mas, aplicado a este caso, é um bocadinho mais «diz-me o que é que criticas e eu logo te digo se ignoras alguns

factos e se pensaste nisto até o fim».

O PCP critica o facto de a série F pagar muito menos do que a série E, e diz que isso é altamente injusto,

ignorando que os certificados de aforro, nestes quatro meses de 2023, atingiram o máximo absoluto do seu peso

na dívida pública: mais de 10 %.

Gostava de saber, se o Sr. Deputado fosse gestor da dívida pública portuguesa, se aceitava ter um

instrumento que tem um resgate, a qualquer momento e sem pré-aviso, a representar mais de 10 % da dívida

pública. Ignora o facto de que houve uma maior redução do que há registo dos depósitos bancários em Portugal

nessa altura.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Pagavam mais!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Certo! Portanto, ignora esses factos como se isso não fosse um sinal

de que estavam a pagar muito mais.

A minha pergunta — e é isto que me leva a crer que não tenha pensado até o fim — é a de saber porque é

que a série E estava a pagar tanto. No fundo, estar a pagar mais juros do que era estritamente necessário não

é estar a pôr todos os contribuintes a pagar o rendimento de alguns? É que só alguns subscreveram certificados

de aforro e todos os contribuintes estavam a pagar essa taxa de juro.

Em segundo lugar, o PCP critica os juros baixos dos depósitos. Ignora que os depósitos em Portugal, e os

bancos em Portugal, estão com a taxa de transformação mais baixa de que há registo.

Nos últimos cinco anos…

Neste momento, o orador exibiu um gráfico.

O gráfico é este, vê-se mal, mas, se calhar, vê-se melhor o dos últimos 13 anos.

O orador exibiu o gráfico que referiu.

Nos últimos 13 anos, houve uma redução de 70 pontos percentuais no rácio de transformação, isto é, por

quanto os depósitos são transformados em empréstimos: estamos abaixo dos 80 %.

Os bancos não precisam de depósitos, portanto, o facto de não estarem a conceder empréstimos é porque

são mais exigentes, ou porque o BCE exige mais capital — não são excecionais notícias, mas, pelo menos,

promovem a solidez dos bancos —, ou porque não há projetos. Isso, sim, é que o PCP devia estar a criticar.

Não há projetos suficientemente bons para merecer a confiança dos bancos.

Em terceiro lugar, o PCP critica o facto de haver lucros excessivos na banca. Ainda há 15 dias, da tribuna,

tive a oportunidade de explicar que, nos últimos 11 anos, a banca perdeu mais de 8 mil milhões de euros.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Está a contar com o Novo Banco?!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Se os bancos tivessem mais 5 anos, como tiveram em 2022, só ao

fim de 18 anos é que iam começar a recuperar o dinheiro que começaram a perder há mais de 18 anos.

O Sr. João Dias (PCP): — Coitadinhos!

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O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — É verdade, Sr. Deputado!

Portanto, se gostava de ser acionista da banca, eu não gostava.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Portanto, não pensou nisto até ao fim, porque as vossas medidas iam, de facto, acabar com os lucros

excessivos na banca e com os outros lucros todos. Daqui a pouco tempo, íamos ter outro pedido para intervir

na banca e, além daqueles 20 mil milhões de euros que os portugueses já enfiaram na banca, iam querer enfiar

mais.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir, Sr. Deputado.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Com o voto favorável da Iniciativa Liberal, certamente que não iam

meter mais dinheiro na banca.

Aplausos da IL.

Protestos da Deputada do BE Isabel Pires.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui

Vilar, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Rui Vilar (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, antes de mais, queria saudar o PCP e

agradecer-lhe pelo facto de ter trazido este tema, da cedência do Governo à banca e da alteração dos

certificados de aforro, a debate. Este é um tema, aliás, em relação ao qual temos bastante convergência, o PSD

e o PCP, e também, como temos discutido na Comissão de Orçamento e Finanças, quase —quase! — todos os

partidos. Portanto, saudamos o facto de terem trazido este tema.

Mas importa lembrar que o PSD, há vários meses, mostrou esta preocupação com as questões da banca e

com a questão dos juros dos depósitos, sendo que já em fevereiro deste ano trouxemos ao Parlamento várias

entidades do setor, denunciando os lucros excessivos da banca, em contraste, nomeadamente, com as

dificuldades que os portugueses estão a sentir no pagamento do seu crédito à habitação.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Rui Vilar (PSD): — Na altura dissemos, com frontalidade, que nos parecia até que estávamos a assistir

a um comportamento selvagem por parte do setor bancário, em contraste com a responsabilidade social que é

também exigível aos bancos.

Essas intervenções, na altura, suscitaram uma reação inesperada da banca que nos apelidou de

irresponsáveis, de incompetentes e, pasme-se, de sermos de extrema-esquerda.

Reparem, Sr.as e Srs. Deputados, não estamos sozinhos. O Sr. Presidente da República já alertou para essa

situação. Comentadores de vários quadrantes políticos também o fizeram. Igualmente, a este propósito, o Sr.

Governador do Banco de Portugal disse uma frase que, permitam-me, vou utilizar: «A banca não deve pôr em

causa a relação com os seus depositantes.»

Ora, a mudança ocorrida nos certificados de aforro, que, neste cenário económico-financeiro, garantia ainda

uma taxa aceitável para quem tem a ousadia de, neste País, ainda conseguir poupar, é um favor inexplicável à

banca que tem ainda outro problema grave e adicional: afunda a nossa classe média, fazendo o nosso País um

daqueles que, nos últimos anos, mais aumentou o fosso entre os ricos e os pobres.

Agora, que já chegamos à conclusão de que este é um tema que nos une, gostava de perceber até onde

está o PCP disposto a ir, se quer apenas reverter a medida ou se tem outras soluções adicionais.

De uma coisa podem os portugueses estar certos: o PSD está disponível para fazer esse caminho!

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Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brás,

do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Carlos Brás (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Duarte Alves, deixe-me

iniciar esta interpelação dizendo que estranho um pouco a vinda deste tema a debate, uma vez que nós, PS,

viabilizámos na semana passada o requerimento apresentado precisamente pelo PCP para ouvirmos o Governo

sobre este tema na Comissão de Orçamento e Finanças.

Sou levado a crer que gostam de ouvir a cassete indefinidamente.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vocês é que não gostam de ouvir as verdades!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Foi aqui reiterado diversas vezes que o fim da série E dos certificados de aforro

e o início da série F é uma manifestação de submissão à banca. Não é verdade!

O Sr. João Dias (PCP): — Não? Explique lá!

O Sr. Carlos Brás (PS): — Não é verdade. É apenas, e só, uma gestão racional de um instrumento financeiro

importantíssimo que é o do endividamento do Estado. A série F, a nova série, garante, ainda assim, este

equilíbrio de sustentabilidade e de remuneração acima das taxas praticadas pela banca.

É preciso ver que, Srs. Deputados, nesta questão do endividamento, é fundamental equilibrar as

necessidades de financiamento do Estado com um incentivo à poupança aos portugueses e também com um

outro fator que é o encargo de remuneração dessa dívida.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Se isso é um incentivo à poupança!…

O Sr. Carlos Brás (PS): — Claro que é muito importante, e vemos com bons olhos, a adesão dos portugueses

aos certificados de aforro. Isto significa e manifesta que os portugueses têm confiança nas instituições, têm

confiança no Estado, de outra forma, não depositariam as suas poupanças em certificados de aforro.

No entanto, é certo que os 3,5 mil milhões de euros que estavam previstos para este instrumento financeiro

foram largamente ultrapassados nos últimos cinco meses, tendo já atingido o valor de 10 000 milhões de euros

este ano. Ora, se considerarmos ainda o valor do último trimestre do ano passado, ascendemos a 14 000

milhões em certificados de aforro.

A nova série garante uma remuneração justa e competitiva no mercado, acima da praticada em Portugal, até

porque, para além da remuneração da taxa de juro, tem também prémios de permanência.

Mas as questões que quero deixar ao Sr. Deputado são as seguintes: consideram que a dívida pública é

indefinidamente ou infinitamente elástica e que pode ser esticada ad aeternum, sem haver qualquer gestão

racional deste instrumento? Consideram justo onerar desmesuradamente as gerações futuras com os custos

deste endividamento?

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brás (PS): — Concluo já, Sr.ª Presidente.

O Sr. Deputado acusa o PS e o Governo de falta de regulação ou falta de ingerência, mas repare que foi

precisamente uma falha de mercado que incentivou os portugueses a recorrerem, nesta forma e nesta medida,

ao certificado de aforro. O que o Governo fez foi regular.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — É para abater, não é para acabar com ele!

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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra

o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr.ª Presidente, agradeço as perguntas que me foram colocadas.

O Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, veio dar uma perspetiva da banca como se

fossem os desgraçadinhos. Coitadinhos, não conseguem pagar mais do que aquilo que pagam agora.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não disse! E não precisam!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Acho estranho que os outros bancos da zona euro possam pagar mais — a

média é 2 % —, mas os bancos portugueses só paguem 1 %. Não podem, não podem pagar mais.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não é não podem, é não precisam!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não têm a capacidade de pagar mais do que 1 %, ao contrário da média da

zona euro.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): —Não precisam!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Estamos na mesma área económica, na mesma área monetária, mas,

aparentemente, há uma diferença qualquer que justifica que os bancos portugueses não possam pagar mais do

que aquilo que pagam.

O Sr. João Dias (PCP): — A maior parte são espanhóis!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não precisam!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Não precisam, pois, não precisam, mas, quando começam a perder clientes,

podiam precisamente pagar mais para não perder esses clientes.

O Sr. João Dias (PCP): — A banca é espanhola!

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Isso é ajudar os ricos!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Era isso que deveriam fazer como incentivo perante a situação em que há

quem começa a passar os depósitos para os certificados de aforro.

Depois, também ouvi o argumento de que nós não podemos ter uma grande parte da nossa dívida em taxa

variável.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Não é variável, é resgatável!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Então o que é que o Governo faz? Apaga, acaba com uma série em taxa

variável, e resgatável, e passa para outra também resgatável.

A nova série também é variável e também é resgatável.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Depois, o Sr. Deputado Carlos Brás, do PS, à semelhança do Sr. Deputado

da Iniciativa Liberal, coloca aqui, mais uma vez, estas questões do financiamento da República e da dívida. É

importante perceber isso, mas também é importante percebermos que o Estado português, ainda em março,

contraiu dívida a valores muito superiores do que os 3,5 % dos certificados de aforro.

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Mesmo agora, com a taxa a 3 %, o Sr. Deputado não se pode esquecer que há uma função dos certificados

de aforro que é, por um lado, remunerar a poupança, por outro lado, empurrar os bancos para pagar mais pelos

depósitos e garantir uma maior detenção, por parte de residentes, de títulos de dívida nacionais.

O Sr. João Dias (PCP): — Exatamente!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — É importante manter esse instrumento, ainda que a remuneração possa ser

ligeiramente superior.

O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Ponham a Caixa a fazer isso!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Depois há outro aspeto de que o Sr. Deputado se esquece: é que, ao contrário

dos credores nos mercados internacionais, a grande maioria dos aforristas são residentes e, portanto, esses

rendimentos são tributados em Portugal.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem!

O Sr. Duarte Alves (PCP): — O que significa que dessa taxa de 3,5 %, na verdade, há quase um ponto

percentual que é recuperada em impostos.

Portanto, a taxa real a que o Estado se remunera quando tem uma taxa de 3,5 %, porque, depois, desse é

quase tudo tributado, acaba por ser inferior aos 3 % a que se remunera nos mercados internacionais. Se o

Sr. Deputado diz que não temos recursos ilimitados, então, se calhar, o Governo devia depender menos dos

mercados internacionais, onde paga muito mais do que paga aos aforristas em Portugal.

Sr. Deputado Rui Vilar, diz que o PSD mantém, enfim, preocupação com esta medida e pergunta que outras

posições, que outras soluções é que o PCP tem, além da manutenção desta série. Penso que já respondi a essa

pergunta, mas posso voltar a dizer que consideramos que seria importante manter esta medida e acrescentar

mais instrumentos para que o Estado tenha uma intervenção sobre o setor bancário, nomeadamente

mobilizando o banco público.

O banco público deve ter uma posição distintiva em relação aos outros bancos, uma posição de empurrar

todos os outros bancos para remunerar melhor os depósitos e para reduzir as prestações da casa. A Caixa Geral

de Depósitos…

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Termino, Sr. Presidente, dizendo que a Caixa não tem cumprido esse papel,

mas, que eu saiba, têm sido o PS e o PSD sempre a recusar qualquer intervenção do Governo e orientações

estratégicas no sentido de a Caixa ser, de facto, um banco que cumpra com critérios de interesse público.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Se o teletrabalho era uma realidade com

pouca expressão há quatro anos, desde o pico da pandemia, chegou a mais de 1 milhão de pessoas e, desde

então, mesmo com variações, o teletrabalho manteve-se e há hoje mais de 800 000 trabalhadores a fazer este

tipo de trabalho.

Tem havido alterações expressivas em muitos setores de atividade, com regimes mistos, híbridos e outros

que passaram mesmo a estar totalmente em teletrabalho.

Portanto, foi preciso olhar para esta realidade, perceber de que forma se deveria proteger os trabalhadores

e salvaguardar os seus direitos, nomeadamente ao nível do pagamento de despesas associadas ao teletrabalho.

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Por isso, o Bloco de Esquerda desencadeou esse processo legislativo, em março de 2021, e este Parlamento

acabou por aprovar alterações à lei em 2022.

A referida lei tinha bons princípios, como o da obrigatoriedade de os patrões pagarem o acréscimo de

despesas ou a imposição do dever patronal de desconexão, mesmo que fosse preciso clarificar alguns

mecanismos para garantir que esses bons princípios são respeitados na prática. Foi exatamente isso que se fez

recentemente, com uma série de alterações à lei do teletrabalho que propusemos no ano passado e foram

também aprovadas.

Desde 1 de maio deste ano, o Código do Trabalho não só mantém a previsão clara da obrigatoriedade de

compensação aos trabalhadores, como vem clarificar que esse acréscimo, quer no público, quer no privado,

deve passar pela fixação de um valor que é incluído no contrato coletivo ou no contrato individual.

A lei prevê duas formas de chegar ao valor dessa compensação obrigatória. A primeira, mais simples e que

a lei apresenta como regra, é a da definição de um valor mensal fixo por acordo entre empregador e trabalhador.

Se, porventura, não se chegar a esse acordo, então o valor será calculado através da apresentação de

comprovativos de despesas acrescidas, entregando faturas dos consumos do mês atual e do último mês, antes

da passagem ao teletrabalho.

Contudo, há um problema: nenhum destes dois mecanismos tem funcionado para a grande maioria dos

trabalhadores. E até poderíamos dizer que a lei era complicada e que era difícil recolher faturas, ainda mais por

não haver referência ao período anterior ao teletrabalho.

A verdade é que, com a nova lei que entrou em vigor em maio deste ano, essa dificuldade já não deveria

existir. No entanto, essa lei não está em pleno funcionamento apenas pela falta de uma portaria do Governo que

estabelece os valores de referência deste acréscimo de vencimento para efeitos de isenção, quer ao nível do

IRS, quer das contribuições para a segurança social.

Sr.as e Srs. Deputados, basta uma portaria. Não é nada de complexo. Já se sabe há vários meses que ela é

necessária, mas o Governo falhou até hoje em aprovar essa portaria que define estes valores médios.

Mais um caso, entre outros, em que os trabalhadores ficam prejudicados porque o Governo não está a fazer

o seu trabalho e isto ainda é mais grave neste momento em que o impacto da inflação ainda é tão grande.

Mais um caso, entre outros, em que o Governo boicota uma lei que foi aprovada por este Parlamento. Mais

um caso em que o PS aceita enunciar bons princípios, mas depois o Governo impede que esses princípios se

traduzam em mudanças reais.

Só que o problema vai mais longe, já que no próprio Estado, os 21 000 trabalhadores em teletrabalho também

não estão a receber a sua compensação devida. Mais uma vez, é o Governo a dar o pior exemplo.

Portanto, encontramo-nos num momento, no mínimo, estranho. Por um lado, o número de pessoas a

trabalhar em teletrabalho está a aumentar. O INE apontou para cerca de 882 000 pessoas em teletrabalho no

primeiro trimestre deste ano. Por outro lado, há legislação que prevê as compensações devidas a estes

trabalhadores.

Qual é o resultado que seria esperado? Que a legislação estivesse a ser cumprida. O problema é que o

resultado real é diferente. Para a maioria dos que estão em teletrabalho, ainda nada mudou no que toca à

compensação. Por conseguinte, não é compreensível, não é aceitável, mas não há outra forma de resolver o

problema que não seja o Governo cumprir e fazer cumprir a lei e aquilo que foi aprovado neste Parlamento.

Nem sequer deveria haver a mínima discussão sobre isso. Ora, como isso não está a ser cumprido, é

obrigação deste Parlamento, parece-nos, exigir esse escrutínio e a responsabilidade ao Governo, não só porque

as promessas cumpridas devem ter uma consequência em relação à publicação da portaria que está devida no

que toca ao teletrabalho, mas também porque, tendo em conta a circunstância que os trabalhadores atravessam

neste momento, é mais do que devido que não seja o Governo a impor mais perdas salariais por não estar a

cumprir a lei.

Aplausos do BE.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — A Sr.ª Deputada tem cinco pedidos de esclarecimento. Pergunto-lhe

como deseja responder.

Pausa.

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A Sr.ª Deputada fez saber à Mesa que responderá em dois blocos, de três e dois pedidos de esclarecimento,

respetivamente.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento tem a palavra o

Sr. Deputado Sérgio Monte, do Grupo Parlamentar do PS.

O Sr. Sérgio Monte (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, queria começar por agradecer ao Bloco

de Esquerda ter trazido este tema à colação e por referir que, de facto, o regime de teletrabalho já consta na

nossa legislação laboral desde 2003, aliás, na sequência de um Acordo-Quadro Europeu, celebrado em 2002

pelos parceiros sociais, sendo que, até ao surgimento da pandemia, era praticado de uma forma residual —

mesmo muito residual — no nosso País.

Como disse, o Livro Verde também confirma, sem margem para dúvidas, que, por exemplo, em 2010 apenas

1 % dos trabalhadores por conta de outrem tinha um contrato de teletrabalho. Em 2018, este número era até

inferior, segundo os dados do INE.

Em contrapartida, no segundo semestre de 2020, a proporção de trabalhadores que trabalhou sempre ou

quase sempre em casa chegou aos 23 % no conjunto do território nacional, o que equivale a mais de 1 milhão

de pessoas. Por força, como já referi, das circunstâncias pandémicas, foi numa primeira fase tornada obrigatório,

passando posteriormente a ser apenas recomendado.

Esta situação originou, como disse e todos sabemos, um incremento substancial deste tipo de trabalho, que

veio mostrar a necessidade e a urgência de se efetuarem profundas alterações legislativas nesta matéria. Neste

contexto, as alterações que foram aprovadas por esta Assembleia ficaram, desde logo, sujeitas ao princípio do

tratamento mais favorável, o que não deixa de ser bastante positivo.

Vieram, entre muitas outras, consagrar a possibilidade da utilização de regimes híbridos, alargar o direito à

prestação deste regime de teletrabalho e instituir a obrigação, no contrato individual e no contrato coletivo de

trabalho, de fixar um valor para a compensação devida ao trabalhador por despesas adicionais, sendo que, na

ausência de acordo sobre este valor fixo, devem ser consideradas as despesas que se reportem à aquisição de

bens e/ou serviços de que o trabalhador não disponha antes da celebração do contrato de teletrabalho, por

comparação com o período homólogo anterior ao da sua prestação.

No sentido de incrementar e complementar esta medida, está para breve a emissão, por parte do Governo,

da portaria que definirá a isenção de IRS e TSU (taxa social única) no valor desta compensação. Acho que ainda

não está ultrapassado o prazo para essa emissão.

Não esquecendo, todavia, que a negociação coletiva terá aqui também, e deverá ter, um papel central como

forma de adequar este regime à realidade e às especificidades de cada empresa e de cada setor, a pergunta

que queria deixar à Sr.ª Deputada era a seguinte: concorda o Bloco de Esquerda que deve haver um limite para

esta isenção legal de IRS e TSU no valor da compensação por despesas relacionadas com o teletrabalho? Ou

admitimos o risco de, no futuro, poderem vir a ser canalizados para esta rubrica os eventuais aumentos salariais?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Clara Marques Mendes (PSD): — Claro que concorda!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Patrícia Gilvaz, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço ao Bloco por ter trazido este

tema hoje a debate, porque, de facto, existem vários problemas associados ao tema da isenção fiscal das

despesas do teletrabalho.

Desde logo, um dos problemas com que nos deparamos é o de perceber como é que se aferem os custos

que o teletrabalho representa quando os próprios trabalhadores têm dificuldade em perceber qual é o custo

acrescido que passaram a ter por estarem em teletrabalho.

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Contudo, neste ponto, é necessário fazer uma ressalva, visto que, nestes casos, se estarão a compensar

despesas de teletrabalho quando o próprio trabalhador deixou de ter um conjunto de outras despesas que

estavam inerentemente associadas à sua deslocação para o local de trabalho. Também isso é preciso ter em

conta, uma vez que é precisamente pelo facto de não se considerarem todas estas questões, que

obrigatoriamente aumentam os custos finais para as empresas, que os empregadores naturalmente ganham

uma certa aversão ao teletrabalho.

Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, tudo isto tem de ser ponderado para que não sejam prejudicados, por um

lado, os trabalhadores, mas, por outro lado, também, os empregadores. Porém, como se tudo isto já não fosse

suficiente, quer trabalhadores, quer empregadores deparam-se agora com aquilo a que este Governo nos tem

habituado que é a sua incompetência.

Vejamos, o Governo tentou resolver estes problemas através da fixação de um valor limite da isenção à

segurança social e ao IRS para as empresas, mas a verdade é que estamos à espera, desde o dia 2 de fevereiro,

que seja publicada a portaria que determina esse valor e tudo o que comprovamos é que, de facto, este Governo

tem mesmo um problema com a publicação de portarias — esperemos é que esta também não demore mais de

500 dias a ser publicada!

Por isso, gostaríamos de questionar o Bloco de Esquerda sobre qual é o valor que consideram razoável que

conste nesta portaria, de forma a acautelar, por um lado, os interesses dos trabalhadores, mas também os

interesses dos empregadores, que têm sido constantemente esquecidos e preteridos pela esquerda.

Aplausos da IL.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe

Melo, do Grupo Parlamentar do Chega.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, fez da tribuna uma defesa semi-intransigente dos

trabalhadores, mas esqueceu-se também de falar de uma parte importante, que é quem paga os salários aos

trabalhadores, as empresas.

Sabemos que a aversão do Bloco de Esquerda às empresas privadas é grande, melhor, é muito grande,

chega a roçar o ódio. Mas, Sr.ª Deputada, tem de perceber uma coisa: se não houver produtividade, se não

houver assiduidade e se não houver trabalho, as empresas não podem pagar salários.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Isso, sim, é que é mau para a nossa economia. Isso, sim, é que é mau para os

trabalhadores.

O Bloco de Esquerda e a restante esquerda também defendem os quatro dias semanais de trabalho,

defendem o teletrabalho. E para as empresas, o que é que defendem?

O Sr. João Dias (PCP): — Quem é que produz a riqueza?

O Sr. Filipe Melo (CH): — Volto a perguntar: como é que as empresas pagam salários se não houver

produtividade, se não houver assiduidade e se não houver trabalhadores motivados?

Acha que os trabalhadores estão motivados em casa, sozinhos, quase em isolamento, a lembrar os tempos

da pandemia em que o Partido Socialista e a esquerda aproveitaram para deixar as pessoas em casa, quase

como estivessem em isolamento, sem conviver com os colegas de trabalho, sem participar em atividades das

empresas?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente!

O Sr. Filipe Melo (CH): — É isso que vocês querem para os trabalhadores? É deixá-los isolados em casa, a

trabalhar sem conviver com os colegas?

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Sr.ª Deputada, essa não é a forma como vemos a economia, essa não é a forma como vemos trabalhadores

no ambiente saudável em que devem estar inseridos.

Pergunto-lhe também, de uma forma clara e objetiva: o que é que vocês defendem em relação aos serviços

do Estado que estão em teletrabalho? Como é que vocês defendem os idosos e os jovens que têm necessidades

e não têm outra forma se não ir às finanças ou à segurança social e chegam lá e deparam-se com situações de

«não podemos atender porque não fez marcação prévia através da internet»? Desses casos vocês não falam?

Então para que é que serve o teletrabalho?

Protestos de Deputados do PS.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Tem havido outras intervenções sobre isso. Não tem ouvido as nossas

intervenções!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Sr.ª Deputada, trabalhar é no posto de trabalho.

Depois vem com a outra questão de como quantificar as despesas dos trabalhadores em casa — internet

todos têm, eletricidade podem pagar um bocadinho mais. Contudo, ponha-se do lado da empresa e veja: o

subsídio de alimentação é pago quando o trabalhador está na empresa para poder fazer as suas refeições.

Onde é que entra isso nas suas contas? Onde é que entram os custos de transporte na deslocação casa/trabalho

e trabalho/casa? É importante refletir sobre tudo, Sr.ª Deputada.

Aplausos do CH.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes três pedidos de esclarecimento, tem a palavra

a Sr.ª Deputada Isabel Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr.ª Presidente, obrigada aos Srs. Deputados e à Sr.ª Deputada que fizeram aqui

várias questões.

Como é óbvio, tem de existir um limite, mas o problema que apresentámos neste debate de hoje é que quem

deveria definir o limite, pela portaria que ainda não existe, é o Governo. Portanto, o Governo está a falhar

redondamente naquilo que foi aprovado.

Já agora, esta compensação está prevista desde 2022. Não é propriamente uma novidade, o Governo sabia

que esta portaria tinha de sair, mas não o está a fazer e por isso é que trouxemos este tema a debate.

A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — O Sr. Deputado e a Sr.ª Deputada também referiram a questão de se deveria

haver limites. Obviamente, têm de se verificar esses mesmos limites, pois, na verdade, o trabalhador que está

em teletrabalho não pode perder rendimento por estar em teletrabalho. Essa é a questão que está aqui em cima

da mesa e o alerta que queremos deixar é que, de facto, o Governo tem de lançar a portaria.

O Sr. Deputado diz que está para breve a emissão da portaria. Nós vamos continuar a aguardar para ver. O

problema é que, nestas matérias que, regra geral, estão dependentes de portaria do Governo, é preciso algum

partido trazer uma declaração política ou outro tipo de debate para vir o PS a correr a dizer que está quase, está

quase.

É lamentável que os trabalhadores, nomeadamente os que estão em teletrabalho, tenham de estar

permanentemente dependentes de a determinada altura, de repente, o Partido Socialista dizer «pronto, agora

temos mesmo de despachar e cumprir a lei», aquilo que estava determinado desde o início.

A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — E normalmente fazem mal!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Deputado Filipe Melo, do Chega, não sei se o Sr. Deputado sabe, mas

também lhe posso explicar: o teletrabalho na função pública não existe para substituir as funções dos serviços

públicos.

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Já agora, recordo-lhe um debate que tivemos aqui muito recentemente — até fui eu que fiz essa intervenção

— sobre o acesso das populações aos serviços públicos, em que dissemos que nunca esse acesso poderia

estar dependente das tais marcações prévias que têm criado muitos problemas em muitos serviços.

Portanto, se o Sr. Deputado quer vir aqui dizer coisas que não correspondem à realidade, lembre-se, pelo

menos, dos debates que são tidos aqui na Assembleia da República e daquilo que nomeadamente o Bloco de

Esquerda defendeu relativamente à questão das marcações dos serviços públicos.

O que também está a acontecer na função pública é que o Governo não está a cumprir a lei. O Governo não

está a cumprir a lei para ninguém.

A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — É verdade!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, o alerta é esse. Não vamos aqui entrar em discussões espúrias sobre

o que é o trabalho ou o que não é o trabalho. Enfim, quem estuda um bocadinho estas matérias percebe que há

dinâmicas na sociedade e que a sociedade avança. Para alguns, se calhar, é mau que a sociedade avance,

para nós, não!

O Sr. Filipe Melo (CH): — Vocês avançam de mais!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Há várias formas de trabalho e, quando existe uma que tem determinadas

consequências que não estavam previstas até determinada altura na lei, temos de olhar para elas e legislar de

acordo com isso. Estamos muito confortáveis com isso. Sabe porquê? Porque, e isto é direito básico, numa

relação laboral, há sempre uma parte que não é beneficiada e que é o trabalhador. São esses que o Parlamento

e o Código do Trabalho têm de defender.

Aplausos do BE.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Essa já está gasta!

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana

Barata Lopes, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Pires, é

facto que o teletrabalho, dentro das alterações ao Código do Trabalho a que o Grupo Parlamentar do Partido

Socialista chamou de Agenda do Trabalho Digno, foi um tema que mereceu, de alguns grupos parlamentares,

uma atenção especial.

Por exemplo, no caso do Partido Social Democrata, tivemos a oportunidade de apresentar, e foi aprovada

em sede de especialidade, quer a inclusão do direito ao teletrabalho para pessoas com doença oncológica e

com filhos com doença oncológica, quer a questão do cuidador informal, que tinha um limite, que eliminámos,

sendo que, durante o tempo em que estiver atribuído esse estatuto de cuidador informal, a pessoa tem direito

ao regime de teletrabalho.

Também o Bloco de Esquerda fez várias intervenções relacionadas com o teletrabalho e, inclusive, relembro

uma que dizia respeito à Administração Pública, em que a Sr.ª Ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva,

dizia justamente, sobre este tema das compensações, que estava muito satisfeita com a proposta que tinha feito

e que rapidamente iria prover para que a Administração Pública pudesse acompanhar essa compensação.

Ora, passado nem um mês já dizia que o Governo não se comprometia com o valor fixo a pagar em

teletrabalho, como também não o faz, haja coerência no Governo, a Sr.ª Ministra da Segurança Social, porque

a portaria continua sem sair.

Aqui, o que percebemos é aquilo que já percebemos sempre, nomeadamente nestas matérias das novas

formas de organização de trabalho. O que é que fez o Partido Socialista quando percebeu que de facto o mundo

evolui e que, como sempre, não tinha uma resposta concreta para dar às pessoas? Lançou o livro verde do

teletrabalho em 2021 e aquilo que foi dizendo depois não correspondeu à prática.

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Tanto assim é que, mesmo depois das várias propostas, quer do Bloco de Esquerda, quer do PSD, continua,

já com a lei aprovada, sem conseguir fazer sair as portarias de uma coisa que, em tese, tanto defendem. O que

é que isto significa? Significa o mesmo que significou com a semana de trabalho de quatro dias no que diz

respeito à Administração Pública: sempre que é o Governo que tem, efetivamente, de fazer alguma coisa para

que a sociedade confira direitos aos portugueses, não o faz, mas anuncia. E, de cada vez que anuncia, ganha

votos ou, pelo menos, é isso que pretende fazer.

Aplausos do PSD.

O que o Sr. Deputado do Partido Socialista aqui fez foi uma resenha histórica do que era o teletrabalho,

perguntando se apoiava medidas que já foram aprovadas. A minha pergunta para si é: o que é que tem para

dizer ao Partido Socialista que, aparentemente, não se recorda sequer daquilo que veio dizer que era o maior

defensor?

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para um pedido de esclarecimentos, tem a palavra ao Sr. Deputado

Paula Santos, do Grupo Parlamentar do PCP.

A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Pires, queria

agradecer o tema que trouxe a debate na sua declaração política.

O PCP sempre defendeu que o teletrabalho deve ser uma exceção e que o recurso a esta modalidade teria

sempre de ser devidamente justificado. Daí considerarmos importante que o acordo de teletrabalho possa ser

cessado a todo o tempo por qualquer das partes, garantindo-se a possibilidade de, a qualquer momento, o

trabalhador poder regressar ao posto de trabalho na sua empresa, assegurando a preservação de uma lógica

temporária e transitória do trabalho a partir do domicílio.

É a partir desta excecionalidade que consideramos que o trabalhador em teletrabalho tem um posto de

trabalho seu na empresa, rejeitando a ideia de que a casa do trabalhador seja um posto de trabalho ou um local

de trabalho.

Casa, habitação, espaço familiar são da esfera privada do trabalhador e não podem ser encarados como

uma extensão da empresa, porque isso desresponsabiliza o patrão de providenciar um local para que o

trabalhador possa exercer o seu trabalho, vertendo esse ónus para o trabalhador, que providenciaria a sua casa

para exercer as suas funções.

Estamos conscientes de que tal abre porta à generalização do teletrabalho e ao risco do desaparecimento

do posto de trabalho na empresa.

Gostaria de perceber se o Bloco de Esquerda acompanha estas preocupações com a proteção dos

trabalhadores.

Mais, todos os equipamentos utilizados pelo trabalhador em teletrabalho — instrumentos de trabalho

respeitantes a tecnologias de informação e comunicação, economato e equipamentos como a cadeira, a

secretária, etc. —, bem como toda a sua instalação e acomodação, devem ser fornecidos pela entidade patronal,

cabendo a esta o arranjo e a manutenção dos mesmos e não, como atualmente configura na lei, que mais não

prevê que a desresponsabilização, mais uma vez, das empresas.

É ao patrão a quem cabe adquirir, instalar e assegurar a sua manutenção. Gostávamos de perceber qual é

a posição do Bloco de Esquerda em relação ao trabalhador adquirir os instrumentos com que vai trabalhar,

tomando para si uma responsabilidade que é dos patrões.

Coloco uma última pergunta sobre o pagamento do acréscimo de despesas dos trabalhadores que estão em

situação de teletrabalho. Esta é uma questão que não está resolvida e que se mantém não havendo este

pagamento. O PCP propôs que ficasse definido na lei um valor fixo, exatamente para evitar a situação que se

vive neste momento e evitar subterfúgios com o objetivo de não dar lugar à devida compensação ao trabalhador.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Vou concluir, Sr.ª Presidente.

Se esta nossa proposta tivesse sido aprovada hoje, não se estaria à espera de uma portaria e os

trabalhadores estariam a receber aquilo que lhes é devido.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para responder a estes dois pedidos de esclarecimento, tem a palavra

a Sr.ª Deputada Isabel Pires. Faça favor.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Joana Barata Lopes, agradeço as perguntas que

foram feitas, porque, de facto, aquilo que estamos novamente a compreender, agora com o caso do teletrabalho,

é esta questão toda dos anúncios.

O Partido Socialista consegue pegar em princípios, que são positivos, que em teoria avançam no sentido da

proteção dos trabalhadores, nomeadamente quando olhamos para uma nova realidade que precisa de respostas

adequadas a essa mesma realidade, mas, como em muitas outras coisas, o Partido Socialista pega nos

princípios, faz anúncios, faz publicidade, faz campanha com esses anúncios e, depois, as portarias ficam à

espera.

Tivemos este problema com os cuidadores informais, estamos a ter este problema com o teletrabalho, temos

tido este problema com várias matérias, havendo um atraso e uma discrepância de tempo entre aquilo que é

anunciado — e é anunciado não uma, não duas, não três, às vezes várias vezes durante vários anos seguidos

— e o final, em que tudo fica na mesma.

A Sr.ª Joana Barata Lopes (PSD): — Exatamente!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Independentemente das diferenças que possamos ter e do tipo de soluções que

apresentamos, a verdade é que esta solução foi aprovada e a portaria já deveria ter saído. Já se sabia há muito

tempo que ela era necessária.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Portanto, aqui há — não chamaria subterfúgio à questão da legislação — uma

incapacidade do Governo em querer responder àquilo que o próprio Partido Socialista supostamente aprovou.

Se aprovou — creio eu, ainda faz parte da mesma maioria que o Governo —, então, o Governo não tem mais

nenhum remédio a não ser cumprir a lei e fazer cumprir a lei.

É tão claro quanto isto: aquilo que, no final deste debate, nós esperamos é que o tal anúncio que novamente

hoje foi feito por parte do Partido Socialista se realize. Em breve, iremos conhecer a portaria e esperamos que

ela, pelo menos desta vez, corresponda à realidade e que, daqui a três meses, quatro meses, seis meses, um

ano, os trabalhadores em teletrabalho, sejam os do privado, sejam os do público, não reclamem por não estarem

a receber aquilo que é seu por direito.

Aplausos do BE.

Entretanto, reassumiu a presidência o Presidente, Augusto Santos Silva.

O Sr. Presidente: — Passamos agora a uma declaração política que será proferida ao abrigo do n.º 2 do

artigo 77.º do Regimento.

Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Maló de Abreu, do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi-lhe a palavra, Sr. Presidente,

porque sobre o tema que aqui trago não vislumbro quem me daria ou que porventura outra ou melhor

oportunidade teria.

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Parecendo a destempo para falar de Abril, quando já decorrem, de facto, se desenham e se prolongarão

oficialmente as suas justas e esperamos que dignas comemorações, Miguel Torga, no Diário XIII, possivelmente

depois de ter lido o ensaio de Camus sobre o mito de Sísifo, escreveu: «Recomeça… / Se puderes / Sem

angústia / E sem pressa. / E os passos que deres, / Nesse caminho duro / Do futuro / Dá-os em liberdade. /

Enquanto não alcances / Não descanses. […]» E assim será.

Há quase 50 anos, o facto histórico fundamental e incontornável foi o da afirmação da liberdade como valor

supremo da nova República, a par da conquista e consagração dos direitos civis, da democracia e do pluralismo

políticos.

Devemos essa manhã libertadora aos capitães de Abril, assim como às mulheres e homens que durante

décadas lutaram, às claras ou na clandestinidade forçada — foram censurados, presos, torturados e tantos

morreram em defesa dos seus e dos nossos ideais. Tantos! Devemos e temos-lhes feito um permanente e

sentido agradecimento, a todos e a cada um: foram, são e serão os nossos heróis.

Mas, se bem se lembram, o Programa do Movimento das Forças Armadas enunciava os seus referenciais,

os seus princípios, os seus objetivos: democratizar, descolonizar, desenvolver.

Chegados aqui, como cidadão, recuso o caráter de uma mera evocação histórica, retórica e ritual do passado,

não podendo deixar de me interrogar e de vos interpelar sobre ele mesmo, mas também sobre o nosso presente

e o futuro.

Pensar criticamente é condição para o exercício da liberdade de agir. Pensar e agir com a determinação dos

homens verdadeiramente livres é o que separa de todos os que desejam lutar contra a apatia e o seguidismo

que nos convoca e empurra para a vala comum do politicamente correto.

Faltará cumprir Abril, 50 anos depois, se não nos reconciliarmos connosco mesmos, com as nossas

memórias, com a nossa história e com os que a fizeram, anonimamente.

Falar de democracia hoje é falar da necessidade de uma reforma profunda da organização política, incluindo

do sistema eleitoral. É necessária uma maior clareza na definição do funcionamento autónomo dos diferentes

poderes do Estado e, por outro lado, dos contrapoderes que garantam a democraticidade no funcionamento da

sociedade.

Como bem sublinhou Ernesto Melo Antunes, na passagem dos ainda jovens 20 anos de Abril, «a um certo

nível de representação simbólica, eu diria da necessidade de reafirmar Montesquieu, de revisitar Tocqueville,

de rememorar Kant e a existência ética de pensar a política, sem esquecer as contribuições que refletem as

inquietações da modernidade».

Ora, feita também a descolonização, estamos finalmente em paz com o mundo, na CPLP (Comunidade dos

Países de Língua Portuguesa), e somos orgulhosamente irmãos miscigenados de uma família multirracial,

detentora de uma língua comum, que passou pelo génio de Camões, mas também por Fernando Pessoa e

Agustina Bessa-Luís, Machado de Assis e João Ubaldo Ribeiro, Luandino Vieira e Pepetela, Craveirinha e

Paulina Chiziane, Germano Almeida e tantos mais.

Mas a colonização e a descolonização mantêm ainda feridas abertas, que temos a obrigação de saber sarar,

mesmo que tantos anos depois, mas com frontalidade, sem ambiguidades e coragem, se preciso for.

Porque devemos ainda uma palavra, mesmo que de desculpas tardias, aos portugueses que tiveram de fugir,

assustados, à pressa e com a roupa que tinham no corpo, todos despidos do seu passado e muitos da sua

esperança no futuro. Porque está a morrer a melhor das gerações, aquela que sem estudos educou os seus

filhos, aqueles que sem recursos se reinventaram e ajudaram também a reconstruir este País, os que mais

sofreram, os que mais trabalharam. Estão a morrer os que passaram tantas necessidades e que se vão embora

sem dizer adeus, sem lhes dizermos publicamente e reconhecidamente do nosso respeito, da nossa admiração

e da nossa profunda gratidão.

A definição da identidade é recorrente em Portugal. O que é ser português? Porque esta é, afinal, a questão

que se coloca a africanos, portugueses de antanho — e que, no seu entender, nunca por nunca deixaram de o

ser, quer se queira quer não — que juraram servir e serviram Portugal.

Muitos, como poucos, não merecem continuar esquecidos e abandonados, como foram e são, na lonjura de

onde quer que ainda se encontrem.

Governo e oposição sabem desentender-se frequentemente, barricando-se tantas vezes nas suas reservas

ideológicas, mas também sabem entender-se quando é caso disso, e como já aconteceu em diferentes

momentos e de diversas formas, pelo supremo interesse de Portugal e dos portugueses.

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Desta tribuna, já ouvi dizer que Portugal precisa de um novo 25 de Abril, agora, civil e reformista. E eu

concordo absolutamente! Para tudo isto e mais existe este Parlamento, que o mesmo é dizer «nós, o povo».

Que saibamos sê-lo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Inscreveu-se um Sr. Deputado para um pedido de esclarecimento. Para formulá-lo, tem

a palavra o Sr. Deputado Paulo Pisco, do Partido Socialista.

O Sr. Paulo Pisco (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, confesso que fiquei um pouco baralhado

com a intervenção do Sr. Deputado Maló de Abreu, porque nos custa muito a nós, Partido Socialista, e

certamente custará também às outras bancadas, que a única voz que o PSD tem aqui em representação das

comunidades portuguesas ignore totalmente as comunidades portuguesas e ignore a única oportunidade que

tem, ao abrigo do artigo 77.º do Regimento, de ter aqui uma voz audível, clara e importante. Todas as vozes são

insuficientes para chamar a atenção da importância das comunidades portuguesas.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Rita Matias (CH): — Chamar a atenção de quê?!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — É claro que acabámos de comemorar o dia 10 de junho, o Dia de Portugal, de

Camões e das Comunidades Portuguesas, que é um dia grande para lembrarmos todos aqueles que estão fora

do nosso País, fora das nossas fronteiras, a ansiar pela atenção que o País lhes deve por obrigação.

Por mais respeito que tenhamos — e o Sr. Deputado sabe que temos todo o respeito — por esta data

histórica, que é o 25 de Abril, haveria certamente muitas outras ocasiões para poder trazer aqui esse tema, que

é, aliás, um dos temas grandes da parte do Governo, da parte do Partido Socialista, com as celebrações dos 50

anos do 25 de Abril.

Sr. Deputado, há tantas matérias na área das comunidades. Isto significa que o PSD virou as costas às

comunidades portuguesas. O único Deputado que o PSD tem para estas matérias é aquele que não lhes dá

importância.

Protestos do PSD.

E isso, para nós, é algo de muito estranho.

O Parlamento precisa de vozes sérias, credíveis e afirmativas de todas as bancadas em defesa das nossas

comunidades.

Portanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe: porque é que desperdiçou esta oportunidade de fazer aqui a defesa

das comunidades portuguesas?

O Sr. António Prôa (PSD): — Perdeu a oportunidade de estar calado!

O Sr. Paulo Pisco (PS): — É porque o Sr. Deputado não se sente confortável ou é porque o seu partido não

lhe dá a oportunidade que deveria dar e, como sempre, o PSD esteve na defesa das nossas comunidades?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Maló de Abreu.

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço muito a pergunta do

Sr. Deputado Paulo Pisco.

Eu percebo o seu desconforto. O Sr. Deputado Paulo Pisco preparou-se para responder a uma intervenção

minha sobre as comunidades portuguesas. Preparou-se, preparou-se, preparou-se, e saiu-lhe o tiro pela culatra.

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Aplausos do PSD.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E preparou-se mal!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Terá outras oportunidades, como já teve no passado, para discutir

comigo sobre as comunidades portuguesas. Nós próprios vamos dar-lhe essa oportunidade, muito brevemente,

para discutir sobre as comunidades portuguesas.

O que não pode é dizer o que disse. O que não pode é dizer que eu, ou o PSD, descuramos as comunidades

portuguesas.

Aplausos do PSD.

Porque quem está a descurar as comunidades portuguesas são aqueles que não querem dar o direito de

voto aos portugueses que vivem lá fora.

Aplausos do PSD.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora aí está! Agora metes a viola no saco!

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — Nós somos mais de 5 milhões lá fora, e o Sr. Deputado sabe que

há mais de 1 milhão e meio de portugueses com direito de voto, mas que não podem exercer o que é do mais

básico, do mais elementar, do essencial, da democracia, que é o direito de votar, porque não recebem os

envelopes em casa, porque não podem votar nas embaixadas e nos consulados, porque VV. Ex.as estão a

preparar tudo para não perderem os lugares que ocupam.

Deixem a nossa comunidade votar, deixem votar mais, deixem participar mais. VV. Ex.as ficarão a saber que

as comunidades não estão convosco, estão connosco, estão, sobretudo, com aqueles que defendem os seus

interesses e que estão perto delas.

Apesar de V. Ex.ª ter estado recentemente no Canadá,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Por isso é que aquilo está tudo a arder!…

O Sr. António Maló de Abreu (PSD): — … e eu ter boa notícia da visita que fez, acompanhado do seu líder

parlamentar e do Sr. Deputado da Região Autónoma dos Açores, por mais que visite as comunidades, V. Ex.ª

nunca estará tão perto, tão dedicado e nunca falará com tanta gente como eu faço de cada vez que saio e como

eu faço quando estou cá. Nunca defenderá da mesma forma como eu defendo.

Prepare-se melhor da próxima vez, porque o tema, então, sim, vai ser o das comunidades portuguesas.

Aplausos do PSD.

Risos do CH.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real está a pedir a palavra. Quer fazer uma interpelação

à Mesa?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Quero fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Faça favor.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, recordo que esta Assembleia tem oito forças políticas

diretamente eleitas, pelo que não compreendo porque é que a intervenção do Sr. Deputado Maló de Abreu, com

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todo o respeito que nos merece o uso desta figura regimental, foi feita previamente à intervenção do PAN e do

Livre, que foram diretamente eleitos para esta Assembleia.

Concedendo que possa ter sido um lapso da Mesa, gostaríamos que, de facto, isto não voltasse a acontecer,

porque também os nossos eleitores, também estas forças políticas, devem ser respeitadas.

O Sr. Presidente: — Obrigado, Sr.ª Deputada. Limitei-me a seguir a ordem da agenda, de que os grupos

parlamentares e os DURP (Deputados únicos representantes de partido) também têm conhecimento.

Julgo que a razão desta ordem de intervenção foi a ordem de inscrição.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Claro!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Está certo!

O Sr. Presidente: — Mas, de qualquer maneira, verificarei se alguma disposição regimental foi violentada

com esta ordem que eu respeitei e, se o foi, desde já apresento, em nome da Mesa, as nossas desculpas.

Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, ao abrigo do n.º 2 do artigo 71.º do Regimento,

de acordo com o que reza a ordem do dia que tenho aqui à minha frente.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste último fim de semana

morreu mais uma mulher.

Pausa.

Se for possível realizar as declarações políticas em silêncio…

Pausa.

Este fim de semana morreu mais uma mulher às mãos da violência doméstica. Foi morta de forma

absolutamente cruel, à machadada, pelo marido, que tirou, depois, também a sua própria vida.

A violência doméstica continua a ser um dos crimes mais participados no nosso País e, só no primeiro

trimestre deste ano, ocorreram quase 7000 participações. Morreram cinco vítimas de violência doméstica, três

mulheres, uma criança e um homem. Este flagelo continua, no entanto, a ter um rosto maioritariamente feminino

e que é alimentado por uma desigualdade crónica. E não olhar para estes crimes como aquilo que são

verdadeiramente não ajuda a combater, de forma estrutural, as suas causas, que, sendo multifatoriais, não

deixam de ter um lugar-comum: o patriarcado.

Um recente relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) revela que quase 9 em cada 10 pessoas

têm algum tipo de preconceito contra as mulheres e que uma em cada quatro pessoas aceita o facto de um

homem poder bater numa mulher. Metade da população mundial acredita que os homens são melhores líderes

políticos do que as mulheres e 40 % acreditam que são melhores líderes no setor empresarial.

É esta a visão do mundo sobre as mulheres, um mundo onde as mulheres são sistematicamente empurradas

para a vida familiar e para o papel de cuidadoras, um mundo onde, no final do ano passado, de acordo com o

ranking do Global Gender Gap Index, serão precisos mais de 132 anos para eliminar, definitivamente, a

desigualdade entre géneros.

Podemos não chegar lá no nosso tempo, mas temos o dever de, a partir deste Hemiciclo, garantir também

que as meninas e mulheres das próximas gerações estarão mais perto de ter o mesmo ponto de partida que os

homens e diminuir as décadas que ainda nos faltam para a igualdade.

Seja no combate à violência doméstica ou no namoro, às práticas nefastas como a mutilação genital feminina,

ao combate ao assédio sexual, seja na defesa da representação equilibrada nas empresas, na igualdade

parental ou na proteção laboral das mulheres grávidas, não podemos esbarrar constantemente nos argumentos

da meritocracia ou, então, no conservadorismo da maioria, que tantas vezes se forma nesta Casa, para quem

parece estar tudo bem.

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Está tudo bem quando crescem as denúncias de assédio sexual nas instituições de ensino e no trabalho e,

por isso, chumbam iniciativas que pretendem punir e prever o crime de assédio sexual. Está tudo bem quando

está previsto pelas mãos do PAN, desde 2021, a criação de casas de abrigo para vítimas que detenham animais

de companhia, mas nada foi feito, mesmo dizendo os estudos que as vítimas recusam sair de casa se tiverem

de deixar os seus animais para trás. Está tudo bem, mesmo sabendo que as mulheres são empurradas para

cargos não executivos ou de suporte e também sabendo que a desigualdade salarial entre homens e mulheres

em Portugal é ainda de 12 %. Está tudo bem sabendo que a precariedade e o trabalho doméstico não

remunerado são ainda uma realidade, mesmo que as mulheres tenham mais habilitações. Mas está tudo bem,

Sr.as e Srs. Deputados. Está tudo bem com a ausência da representação equilibrada de género e a sub-

representação da mulher, seja na vida pública, na vida política, nas administrações das empresas ou até mesmo

nos diferentes órgãos de soberania.

Veja-se o exemplo da composição do Tribunal Constitucional, que continua com sucesso a fugir à paridade

desde a data da sua composição, o que ficou recentemente mais patente na recente cooptação dos juízes. Aqui,

a paridade poderá, de facto, vir a ser conseguida por via da implementação das quotas de género de 40 % na

sua composição, tal como proposto na iniciativa do PAN, mas vamos ver se, também aqui, a maioria desta Casa

vai considerar que está tudo bem com uma representação pouco plural.

Sr.as e Srs. Deputados, num mundo ideal, as quotas não seriam necessárias. Num mundo ideal, teríamos

todas e todos o mesmo ponto de partida. Mas a realidade é que não vivemos num mundo ideal, porque, de facto,

não está tudo bem enquanto verificamos que o feminismo, a luta pela igualdade de género, não mata, não

maltrata ninguém, mas o machismo não dá tréguas às mulheres todos os dias.

Sr.as e Srs. Deputados, não está tudo bem quando morreram 28 pessoas vítimas de violência doméstica no

ano passado. Não está tudo bem quando os indicadores da pobreza nos dizem que as mulheres continuam a

fazer parte dos grupos mais vulneráveis, que uma mãe que tenha filhos a seu cargo continua a ter de escolher

entre comer ou dar de comer aos seus filhos. Não está tudo bem quando se continua a desculpabilizar o agressor

e a responsabilizar a vítima pela violência que sofrer ou recomendar ao agressor que leve a vítima a jantar. Não

está tudo bem quando as mulheres continuam a não ser pagas pelo trabalho que fazem e ainda nos vêm falar

de meritocracia. Não está tudo bem quando a culpa do assédio ou da violência sexual é da minissaia ou do

decote. Não está tudo bem quando continuamos a não educar para a igualdade de género. E, mais, quando

continuamos a ter quem diabolize as aulas de cidadania, entre tantos outros exemplos desta sociedade que

poderíamos dar.

A formação, a sensibilização, os planos de ação e as estratégias de que tantas vezes ouvimos falar, alguns

têm feito o seu caminho, mas outros teimam em não sair do papel. E é por isso que é preciso, também, que

exista mais impulso legislativo. E esse trabalho cabe a esta Casa da democracia, que passa por não rejeitar

iniciativas que possam ter o potencial de empoderar as mulheres, seja com as quotas de género, tal como nesta

iniciativa do Tribunal Constitucional, ou seja também, por exemplo, na criação dos crimes de assédio sexual ou

no ódio online, ou naquele tipo de fenómenos que continuamos a assistir, mas que verificamos que não são

autonomizados na violência sexual.

Sr.as e Srs. Deputados, a história das mulheres é uma história de superação. Já o patriarcado é uma cadeira

muito confortável e está, mais do que na hora, de garantirmos que quem pretende manter este status quo se

levanta dela de uma vez por todas.

Aplausos do BE, do L e de Deputados do PS.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, inscreveram-se três Srs. Deputados junto da Mesa para lhe fazerem

pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Deputada responde em conjunto?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Para formular o primeiro pedido de esclarecimento, dou a palavra à Sr.ª Deputada

Patrícia Faro, do Partido Socialista.

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A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Sr. Presidente, Caras e Caros Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real,

queremos, em nome do Partido Socialista, obviamente, agradecer o tema que nos traz — a violência doméstica,

a igualdade, a não-discriminação —, em relação ao qual não ficamos indiferentes. Se há matéria prioritária nos

Governos do Partido Socialista, esta é uma delas, e nós bem o sabemos, até porque a Sr.ª Deputada tem feito

este caminho connosco, de debate, de constante melhoria e reforço do bem-estar e proteção das mulheres.

Recentemente, neste Grupo Parlamentar do Partido Socialista, promovemos uma conferência de prevenção

e combate à violência doméstica, precisamente para que possamos elencar não só aquilo que é necessário

reforçar a nível das iniciativas legislativas, mas também a nível das medidas e instrumentos que podemos

melhorar. Porque, como a Sr.ª Deputada disse, nem tudo está feito, obviamente, estamos no caminho de reforço

e de proteção — sempre de proteção máxima em relação às mulheres.

Deixe-me só referir que ouvimos falar do que falta fazer, mas também é importante referir — e não o ouvimos

— aquilo que, efetivamente, nestes últimos sete anos, oito anos, foi feito em relação a esta temática. Estas são

temáticas, como referi, muito importantes, incluindo em momentos de crise, porque são áreas em que

rapidamente se regride, como no âmbito da pandemia. E, de facto, não a ouvimos falar, e gostaríamos de a ter

ouvido falar, também no esforço que fizemos a nível de impedirmos o retrocesso da IVG (interrupção voluntária

da gravidez), a igual dignidade parental à hetero e à homoparentalidade, em 2016.

Gostaríamos de a ter ouvido falar naquilo que foi concretizado, e que concretizámos, a nível da regulação

urgente das responsabilidades parentais, em situações de violência doméstica, em 2017; na clarificação do

Estatuto da Vítima para as Crianças, recentemente, em 2021; no reforço da paridade na tomada de decisão

política; no alargamento, nomeadamente — porque existiram outras —, da lei da paridade para limiares de 40 %,

em 2019; no mercado de trabalho, na recente aprovação da Agenda para o Trabalho Digno. Tudo isto, incluindo

a conciliação, lançámos este programa, ainda com o Programa do Governo, em 2023, um pacto de

corresponsabilização que inclui medidas que promovem a igualdade e a não discriminação.

O Sr. Presidente: — A Sr.ª Deputada tem de terminar.

A Sr.ª Patrícia Faro (PS): — Sim, Sr. Presidente.

Portanto, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, as políticas públicas, a sua construção e a sua implementação

implicam metas, obedecem a uma trajetória. Eu pergunto-lhe se o PAN faria diferente da trajetória que até aqui

tem sido feita pelo Partido Socialista, alcançando, obviamente, melhores resultados.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, também para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada

Emília Cerqueira, do Grupo Parlamentar do PSD.

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr. Presidente, aproveito para saudar a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real

por ter trazido esta questão da desigualdade e da violência, especialmente contra as mulheres, um assunto que

o PSD já agendou por diversas vezes nesta Legislatura e que tem estado no topo das nossas preocupações.

Basta pensarmos que, para além destas mortes deste fim de semana, em que tivemos Lucinda Carvalho

morta à machadada, este é o crime mais participado e aquele que mais preocupa, nos dados do RASI (Relatório

Anual de Segurança Interna).

Ano após ano, os números são cada vez mais preocupantes, contra mulheres, contra idosos e no namoro.

Portanto, é um fenómeno que realmente assola a nossa sociedade.

Agradecemos mais uma oportunidade de discutir este assunto, que muito nos preocupa, mas, ouvindo a Sr.ª

Deputada Patrícia Faro, do Partido Socialista, parece que está tudo bem.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Não parece nada!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — E um dos maiores problemas de não estar tudo bem é esta incapacidade

de reconhecer tudo o que está a correr mal, porque só quando reconhecemos o que está a correr mal e que não

se resolve com uma qualquer conferência feita pelo Partido Socialista sobre as questões da violência e da

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igualdade, percebemos que se resolve, de facto, colocando no terreno os meios necessários para este combate,

que é de todos.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, quero recordar-lhe aqui que, ainda muito recentemente, num debate que

fizemos sobre violência doméstica, o Partido Socialista chumbou as oito iniciativas que estiveram aqui a debate.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Porque eram más!

A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Todas foram chumbadas pelo rolo compressor.

Aplausos do PSD.

E o que lhe perguntava sobre este assunto, sobre as oito iniciativas, era se concorda e considera que esta é

a melhor forma de combater este flagelo da violência doméstica em Portugal.

Também relativamente aos avanços na igualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de emprego

e na representação, há um longo caminho que foi feito, obviamente, mas há um longo caminho a percorrer.

Vemos que, de facto, há muita inércia neste caminho e há muita inércia na atuação do Governo. São sete

anos quase perdidos, porque as melhorias feitas são as mínimas.

Sr.ª Deputada, para além desta questão do Tribunal Constitucional, é importante, ou não, que se comece a

controlar que as mulheres, para cumprirem a sua paridade, não vão para conselhos consultivos, mas exercem

exatamente funções executivas, como aquelas que merecem, para as quais são competentes? Mais uma vez,

obrigada pelo tema que aqui trouxe hoje.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, em primeiro

lugar, quero saudar por ter trazido este tema das desigualdades, porque, de facto, não está tudo bem.

Há desigualdades que são estruturais e que são inalteráveis, quando não se altera a forma de organização

da sociedade e quando se baseia a sociedade em relações de poder, de dominação, e não num objetivo de as

ultrapassar, com vista a relações de igualdade e mutuamente prazerosas e vantajosas.

A violência é um espelho dessa mesma desigualdade. É talvez o espelho mais cruel dessa mesma

desigualdade e ela aparece das mais variadas formas.

Queríamos aproveitar este momento também para perguntar a sua opinião e para partilhar uma inquietação,

que é quando aparece, cada vez mais, de forma mais ou menos velada, a sugestão da institucionalização da

venda do corpo da mulher como um negócio legítimo. Isso a nós preocupamo-nos muito, entendemos que isso

seria a consagração de uma lógica de dominação da mulher e de comercialização daquilo que é a mulher. Não

por acaso, as vítimas da exploração pela prostituição são esmagadoramente mulheres, crianças do sexo

feminino, e também as mulheres mais pobres, com mais fragilidade social, nomeadamente imigrantes, e isso

deve merecer, do nosso ponto de vista, uma grande atenção e uma grande preocupação.

Preocupam-nos também os retrocessos em matéria de saúde sexual e reprodutiva. Quando denunciamos e

falamos aqui do fecho dos serviços, das maternidades, das urgências, enfim, esse tipo de desenvolvimentos,

isso afeta particularmente as mulheres.

Quando denunciamos e falamos aqui de todos os obstáculos ao exercício do direito ao aborto, estamos a

falar também de retrocesso em matéria de direitos das mulheres. Portanto, a política seguida, de desvalorização

dos serviços públicos, acaba, em última instância, sempre por atingir, em primeiro lugar, uma parte da sociedade

que é composta por crianças.

Mas também queríamos aqui partilhar consigo e ouvi-la relativamente àquela que nos parece ser ainda uma

realidade incompreensível, inaceitável, que é a grande discrepância do ponto de vista quer do valor salarial, do

rendimento, quer do ganho, que ainda é de uma dimensão maior e que vai nas centenas de euros, mas também

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a maior incidência que há claramente sobre figuras de precariedade, trabalho desregulado, por turnos, enfim,

que cada vez se alastram mais entre as mulheres, no nosso País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, curiosamente, só as mulheres vieram

aqui ao debate. Não deixa de ser sintomático, apesar de a chamada também ter sido feita para os homens.

O Sr. Filipe Melo (CH): — Então não havia desigualdade?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Mas agradeço às Sr.as Deputadas Patrícia Faro, Alma Rivera e Emília

Cerqueira pelas intervenções e questões que colocaram.

Começava pela questão que me colocou a Sr.ª Deputada Patrícia Faro: se faríamos de modo diferente. Sim,

há coisas em que faríamos de forma diferente. E se, por um lado, foi possível, nos Orçamentos do Estado

anteriores, conseguirmos a licença para a reestruturação familiar das vítimas de violência doméstica ou a criação

das casas-abrigo para as meninas vítimas de casamento precoce ou forçado, é verdade que também há um

caminho que está por fazer, nomeadamente na implementação das casas-abrigo para quem tem animais de

companhia, porque sabemos que as vítimas não deixam as casas se, de facto, tiverem de deixar os animais

para trás.

Mas é preciso também mais meios e os meios não existirem é uma parte absolutamente fulcral — e vai

também ao encontro da questão que a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira colocou —, até porque, para além destes

meios, entramos depois nos cargos executivos e as ditas quotas. Quando os dados nos dizem que só 13 % dos

lugares de direção geral são ocupados por mulheres — volto a repetir: 13 %! —, há aqui, de facto, um caminho

enorme, há um passo enorme, um gap do ponto de vista da igualdade, que cumpre mitigar e corrigir.

No que diz respeito às questões que a Sr.ª Deputada Alma Rivera também colocou, e que desde já agradeço,

o PAN deixou sempre muito clara a sua posição em relação ao lenocínio. Achamos que deve manter-se

criminalizado e, portanto, que ninguém deve fazer negócio à conta do corpo de outrem. Não é esse o debate

que estamos aqui a fazer hoje e não cabe num minuto, evidentemente, toda a nossa posição em relação a isso,

mas, em relação ao lenocínio, esse debate sempre foi muito claro.

Em relação à saúde sexual e reprodutiva, bem como à interrupção voluntária da gravidez, também — lá está!

— o fecho dos hospitais e a dificuldade no acesso constituem uma negação dos direitos das mulheres e um

retrocesso face até àquilo a que temos vindo a assistir do ponto de vista global, seja nos Estados Unidos seja

em França, onde também se conseguiu colocar na Constituição o reconhecimento.

Há um trabalho que estamos a fazer, na revisão constitucional, que visa garantir este mesmo direito e espero

que se consigam reunir os dois terços, para que isso possa ser, de alguma forma, mitigado.

No que diz respeito — e foram questões transversais às Sr.as Deputadas — aos direitos laborais, o fosso

salarial tem de ser ultrapassado. Não podemos continuar a ter as mulheres a trabalharem mais, a receberem

menos ou a terem trabalho doméstico que não é remunerado.

Mas recordo que, quando aqui discutimos — e a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira falou há pouco das oito

iniciativas — matérias como a igualdade da licença parental, o não despedimento de mulheres grávidas e a sua

proteção, a maioria absoluta do PS rejeitou.

Portanto, Sr.ª Deputada, acho que há aqui um caminho que a maioria absoluta tem de fazer, que é aproximar-

se também daquilo que são as nossas propostas, porque, ao contrário do que foi dito, as nossas propostas não

são todas más. Podem ser todas discutíveis e melhoradas em especialidade, mas ouvir a bancada do PS a dizer

que o trabalho das restantes forças é todo mau não me parece que faça, de facto, jus a este debate, nem àquilo

que tem sido o trabalho em prol dos direitos das mulheres, que aqui tem sido feito, nesta Assembleia da

República.

O Sr. Presidente: — Vai agora usar da palavra, para proferir a declaração política ao abrigo do n.º 2 do artigo

71.º do nosso Regimento, o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre.

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O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas: Há 100 anos, uma gravíssima crise

económica e social, a mais profunda até então, levou a que reformulássemos os nossos Estados e as nossas

sociedades para lhe dar resposta.

Foi então que foram criados os sistemas de segurança social nos países desenvolvidos, que foram criados

os subsídios de emprego, que foram inventados os abonos de família, porque foi necessário responder a essa

crise da Grande Depressão, com aquilo a que se chamou «um novo contrato social». Nos Estados Unidos,

chamaram-lhe o «New Deal», mas teve várias versões em vários países da Europa, onde se criaram as férias

pagas, onde se defenderam direitos laborais.

Hoje, vive-se uma crise económica e social gravíssima, profundíssima, mas que tem uma dimensão ecológica

que é inegável. Portanto, precisamos também de um novo contrato, desta vez verde, um novo pacto verde, com

várias dimensões e versões regionais a que, na Europa, chamamos o Pacto Verde Europeu.

Tal como o novo contrato que, há 100 anos, foi um contrato entre Estado, povo e nação, o contrato de que

precisamos agora é um contrato entre humanidade, natureza e tecnologia, para responder a perguntas que têm

respostas, na verdade, simples, que sempre soubemos: que sem natureza não há comida; que é da natureza

que nasce a vida; que, ao fazermos este contrato entre humanidade, natureza e tecnologia é entre nós mesmos,

enquanto imanência da natureza, e nós mesmos, enquanto criadores da tecnologia.

A Europa tem a obrigação de estar na linha da frente deste novo contrato. Tem a obrigação, pelo seu papel

enquanto um dos polos de desenvolvimento do mundo. Tem a obrigação, também, porque é no seu continente

que se verificaram das maiores perdas em termos naturais, por exemplo, no domínio da biodiversidade.

Essa é uma leitura consensual da nossa realidade e, por isso, porque esse novo pacto verde tem de ter

várias dimensões, que têm a ver com questões de emprego, que têm a ver com questões de inovação

tecnológica, que têm a ver com questões de reindustrialização, mas que não podem deixar de passar por

questões de preservação e restauração da natureza, um dos elementos do Pacto Verde Europeu é o

regulamento europeu sobre a restauração da natureza. Está agora a ser legislado e vai, neste mês de julho, ter

os seus debates decisivos no Parlamento Europeu e no Conselho Europeu ou no Conselho da União Europeia.

Ora, se estivéssemos a falar de legislação europeia sob a forma de diretiva, a verdade é que poderíamos

esperar, dar tempo ao tempo e, mais tarde ou mais cedo — na verdade, em Portugal, infelizmente, quase sempre

mais tarde e depois do prazo —, essa diretiva viria aqui, para a legislarmos em termos nacionais.

Mas trata-se de um regulamento e não de uma diretiva. Isso significa que este é o momento em que podemos

agir a partir do Parlamento nacional, de duas formas: uma, pressionando o Governo português para que tenha

uma posição ativa no Conselho e outra, através das nossas famílias políticas e, no caso dos partidos que têm

Deputados ao Parlamento Europeu, através das suas representações no Parlamento Europeu, para que as

posições sejam claras na defesa deste regulamento relativo à restauração da natureza.

A verdade é que esse consenso de que eu falava no início está agora em perigo. Está em perigo, porque

vários países onde a degradação dos habitats e dos ecossistemas mais avançados estão a retirar-se do

regulamento relativo à restauração da natureza, porque alguns grupos políticos, incluindo o maior grupo político

no Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu, do qual o PSD faz parte, estão a retirar-se das negociações.

Ora, podemos considerar que este regulamento está longe de ser perfeito e creio que nenhum grupo político

no Parlamento Europeu ou nos Parlamentos nacionais está contente com ele.

O Partido Verde Europeu, de que o Livre faz parte como membro efetivo, tem sido um defensor deste

consenso, o que não quer dizer que defenda todo o regulamento.

O que é verdadeiramente deplorável é que haja um grupo político que se esteja a retirar da mesa das

negociações. Isto é algo que devemos lamentar, não só enquanto defensores da natureza em qualquer lugar no

mundo, porque o planeta é, só ele, um habitat para toda a humanidade, enquanto europeus que querem que a

Europa, sendo uma superpotência agrícola, esteja na linha da frente da defesa da natureza, mas enquanto

portugueses, porque é também uma questão de interesse nacional.

Portugal tem uma das biodiversidades mais ricas do nosso continente. Portugal é um País no qual podemos

competir pela diferenciação qualitativa da nossa agricultura e não apenas pela quantidade.

Ora, se estivermos a competir com países que não só degradaram os seus ecossistemas e habitats, como

querem continuar a degradar e não querem fazer esforço para financiar, com fundos europeus, a sua

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recuperação, significa que estamos a competir pelo mínimo denominador comum. Estamos numa corrida para

o fundo e a agricultura portuguesa, a natureza portuguesa e Portugal como economia saem prejudicados.

Vou dar um exemplo breve. A ausência de insetos polinizadores, que se tem verificado, dado o sobreuso de

alguns tipos de pesticidas nas últimas décadas, pode implicar perdas de 25 % a 32 % na produção agrícola da

União Europeia. É de ecologia que se trata, mas é também de economia que se trata.

Os custos associados à perda de produtividade agrícola por degradação dos solos ultrapassam os 50 mil

milhões de euros anuais. Isto, num momento que já dura há mais de 10 anos, em que a Diretiva Quadro dos

Solos está empancada no Conselho Europeu, bloqueada por grandes países, como a Alemanha.

Qual é o nosso papel aqui? Porque é que o Livre decide lançar este alerta, como declaração política?

Como Parlamento, temos um papel a fazer na pressão sobre o nosso Governo para que o Ministro do

Ambiente e a Ministra da Agricultura — nas suas respetivas formações no Conselho Europeu — defendam este

regulamento sobre a restauração da natureza. Aliás, devo lembrar que aquilo que estamos a discutir, na

Comissão de Assuntos Europeus, é precisamente que, a partir de agora, os Ministros e Ministras, antes das

suas reuniões no Conselho, passem a ter uma segunda ronda nas audições regimentais, para que respondam

a perguntas sobre a legislação que está em curso e que não virá aqui sob a forma de diretiva.

Além disso, porque todos os partidos nesta Câmara estão, de uma forma ou de outra, representados em

famílias políticas europeias, nas quais é importante lutar para que não façamos uma corrida para o fundo, que

não só prejudica a natureza na Europa, não só prejudica o papel da Europa no mundo, mas muito em particular

prejudica Portugal, a agricultura portuguesa e os interesses nacionais na União Europeia.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem quatro pedidos de esclarecimento, aos quais responderá em bloco.

Começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Hugo Oliveira, do PS, perdão, PSD.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É igual, é igual! Ai, ai!

O Sr. Presidente: — Não há problema, porque não há transferências neste Parlamento.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, faça favor.

O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, saúdo, naturalmente, o

Sr. Deputado Rui Tavares, porque trouxe esta iniciativa ao nosso Plenário, o regulamento europeu do restauro

da natureza, pela importância que teve a oportunidade de expressar.

De facto, esta legislação pode inverter o ciclo da perda da biodiversidade e do declínio dos habitat europeus.

Mas resta saber se, de facto, será acompanhado dos recursos necessários para garantir que é implementado.

Portugal deve ir antecipando, dando alguns passos para que possamos adotar estes futuros regulamentos. Sr.

Deputado, ambos sabemos que a conservação da natureza é o parente pobre das políticas de ambiente em

Portugal. Ambos sabemos também que o Governo gosta muito de lançar relatórios, como, por exemplo, o

Biodiversidade 2030, mas depois, na prática — como sabemos — não os aplica.

Mais do que o restauro da natureza aqui, que é fundamental, temos de olhar para a falta de investimento na

manutenção dos habitat. Ou seja, as áreas protegidas continuam sem investimento, e, naturalmente, para isso

é preciso financiamento, e ele não existe.

Mas mais: há atrasos nos planos de gestão das áreas da Rede Natura 2000 e, dos 62 sítios de interesse

comunitário do território continental, pasme-se, apenas dois estão publicados, os restantes estão em elaboração

desde 2020.

Se queremos apostar, de facto, na conservação da natureza — e a intenção é essa, é apostar na conservação

da natureza e no restauro ecológico —, então, temos de colocar recursos financeiros a sério nesta área setorial,

garantindo que os planos e os programas são elaborados e executados.

Sinceramente, aquilo que nós esperamos é que o novo regulamento de restauro ecológico possa trazer a

mudança de paradigma nesta área, impelindo, de facto, os Estados-Membros para atuarem de forma mais

objetiva e significativa.

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Para terminar, sobre o que disse das famílias europeias, teremos, naturalmente, oportunidade, no PSD, de

tomar a nossa posição junto do PPE, Partido Popular Europeu.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Raquel

Ferreira, do Partido Socialista.

A Sr.ª Raquel Ferreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, saúdo a iniciativa do Livre, mas, no

entanto, importa ter presente que Portugal já é o 10.º classificado na União Europeia 28, em percentagem de

área integrada na Rede Natura 2000.

Portugal apresenta cerca de 22 % da área territorial terrestre integrada na Rede Natura 2000, em que a

média da União Europeia 28 é de 18 % e de Espanha é de 27 %.

Possui ainda cerca de 16 000 km² que estão classificados como Sítio de Importância Comunitária, Diretiva

Habitats, e cerca de 9 % do território continental delimitado como Zona de Proteção Especial, Diretiva Aves.

A este valor, acrescerão as áreas marinhas de especial valor para a conservação da natureza que, no futuro,

representarão cerca de 23 000 km.

De salientar que existem 320 geossítios identificados e classificados, de valor científico de relevância

nacional e internacional, bem como quatro Geoparques Mundiais da UNESCO (United Nations Educational,

Scientific and Cultural Organization), o que revela a sua riqueza em termos de património geológico.

Ainda segundo os dados da União Internacional para Conservação da Natureza, em Portugal, encontram

representação 35 000 espécies de animais e plantas, ou seja, 22 % da totalidade de espécies descritas na

Europa e 2 % das do mundo, o que dá bem ideia da variabilidade existente.

Estes números ilustram bem a riqueza do País em matéria de biodiversidade, designadamente quando se

toma em conta a dimensão a nível europeu e a quantidade de espécies que se encontram no território, muito

devido à sua localização geográfica na Bacia Mediterrânica, fronteira ao Atlântico.

No entanto, é preciso continuar a promover uma relação estreita entre a proteção da natureza e a produção

de alimento em Portugal, fazendo avançar o País em dois pilares fundamentais: agrícola e conservação da

natureza.

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar.

A Sr.ª Raquel Ferreira (PS): — Vou terminar, Sr. Presidente.

Exemplo disso foi a forma inovadora como o PS apresentou o mercado voluntário de carbono em Portugal,

sendo possível incentivar a proteção da natureza remunerando os territórios e as atividades que introduzam o

aumento da biodiversidade em Portugal.

Chegada aqui, pergunto ao Sr. Deputado do Livre se concorda ou não com esta iniciativa do Partido

Socialista, do mercado voluntário de carbono em Portugal, uma vez que falou várias vezes da reestruturação da

natureza e de Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do PAN, tem agora a palavra a

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, começo por saudar o Sr. Deputado Rui Tavares pelo

tema aqui trazido, sendo que, nem de propósito, acabámos de ouvir falar dos mercados de carbono que, mais

uma vez, vêm mitigar os danos que são causados à natureza, ao invés de conservar, que é o que esta lei do

restauro pretende.

Posta esta questão, o PAN trouxe já uma iniciativa no mês passado precisamente para acompanhar esta lei

do restauro ecológico. Aquilo que se propõe é recuperar a natureza e torná-la mais biodiversa e mais resiliente,

quer nas zonas terrestres, quer nas zonas marítimas, com objetivos muito concretos. Para que isso aconteça, é

preciso, por um lado, que Portugal comece a executar, com urgência, os fundos comunitários — que não o tem

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feito — em matéria de conservação da natureza e, por outro lado, que reforce este financiamento que acaba por

estar aquém.

Desde já lhe pergunto, Sr. Deputado, se concorda com esta visão que o PAN traz, bem como aquilo que nós

propomos, que é criar um grupo de trabalho que possa reformular e reforçar este financiamento, precisamente

tendo em conta o atraso que o mesmo já tem.

Por outro lado, não conseguimos olhar para aquela que tem sido a estratégia do Governo, que ainda

recentemente veio anunciar que queria profissionalizar a caça, que é uma das responsáveis pelo declínio…

Protestos do CH.

… da biodiversidade, ao invés de investir em vigilantes da natureza e em guardas-florestais. Gostaríamos

também de saber qual é a opinião do Sr. Deputado em relação a isso.

Para concluir, tendo em conta que sabemos que a biodiversidade em Portugal está em acentuado declínio

desde a década de 70, para cumprir esta lei, o investimento que é necessário na vida selvagem terá de ser

superior, pelo menos 10 vezes, àquele que tem ocorrido.

Gostaríamos de saber se concorda ou não com esta proposta do PAN, porque a matéria que aqui estamos

a discutir, a lei do restauro da natureza, está intrinsecamente ligada ao tema que a Iniciativa Liberal trouxe hoje,

dos incêndios florestais. Sem conservação, não vamos conseguir ganhar a batalha contra a crise climática.

O Sr. Presidente: — Para um pedido de esclarecimento, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a

palavra o Sr. Deputado Duarte Alves.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Tavares, trouxe aqui

o tema do regulamento sobre o restauro da natureza.

Este é um regulamento europeu que tem como objetivo reparar 80 % dos habitat europeus em mau estado

e também tem como objetivo que 20 % das áreas terrestres e marítimas estejam cobertas por medidas de

restauração da natureza. A Comissão Europeia propõe objetivos nacionais vinculativos. Porém, há uma questão

que é preciso ser colocada, e sobre ela queremos a sua opinião, além de já a termos colocado à Comissão

Europeia, no Parlamento Europeu: como é que são definidas essas metas nacionais e como é que depois são

monitorizadas? Isto é importante para que se perceba, exatamente, qual o alcance deste regulamento.

Depois, em relação às áreas marítimas — que é uma das partes deste regulamento —, é importante perceber

se não existem projetos que estão aí na calha que possam até vir a pôr em causa a biodiversidade marítima, a

sobrevivência de comunidades piscatórias, como é o caso do projeto das eólicas offshore, que pretende que

sejam instaladas ao longo da costa portuguesa numa dimensão equivalente a quatro vezes a dimensão da ilha

da Madeira. Perguntamos se isto não terá impactos do ponto de vista do restauro e da conservação da natureza

e da biodiversidade marítima.

Há uma outra questão que gostaríamos de lhe colocar. Havendo estas metas por parte da Comissão

Europeia, considera, ou não, que deve haver um aumento do orçamento da União Europeia para a proteção da

natureza, para que se permita garantir a compatibilização destas metas, com objetivos de desenvolvimento de

cada um dos países e do seu desenvolvimento soberano?

Aquilo a que temos assistido é que a União Europeia tem desviado fundos de políticas de coesão, de políticas

ambientais, por exemplo, para a Europa fortaleza, para a militarização da União Europeia. E é preciso perceber

que estes objetivos têm sempre de ser acompanhados do respetivo reforço financeiro, para que, de facto, sejam

compatíveis com aquilo que são as preocupações do desenvolvimento de cada um dos países e as

preocupações de restauração da natureza.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, queria agradecer aos Deputados Hugo Oliveira e Duarte Alves,

respetivamente do PSD e do PCP, e às Deputadas Raquel Ferreira e Inês de Sousa Real, respetivamente do

PS e do PAN, as perguntas que fizeram e procurar, nos 2 minutos que tenho disponíveis, responder a todas.

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Sr. Deputado Hugo Oliveira, nós estamos agora no mês decisivo para a discussão deste regulamento e não

podemos protelar por mais tempo as posições de Portugal e dos partidos políticos portugueses em relação a

ele. Não vamos apanhar na volta do correio esta legislação europeia como diretiva. Portanto, ou é agora ou não

é nunca.

Ao seu partido, há um pedido muito particular que tenho a fazer. O Eurodeputado do PSD, Álvaro Amaro,

que é o Presidente do Intergrupo para a biodiversidade, tem sido uma das vozes mais críticas em relação ao

regulamento na interpretação daquilo que me parece ser mais uma posição da forte presença, nomeadamente

alemã, no PPE, do que dos interesses de um país como Portugal. Se, precisamente como diz, Portugal tem um

legado de biodiversidade que soube preservar e tem muitas áreas em risco — de facto, temos 72 % dos habitat

em risco ou degradados e não temos dinheiro suficiente para os recuperar —, então, o nosso País é um grande

interessado em que este regulamento vá para a frente.

A si e ao PSD peço que pressionem também a vossa delegação europarlamentar para conseguirmos que

ele vá por diante.

E ao PS, Sr.ª Deputada Raquel Ferreira, o que peço é que pressionem o Governo, porque o Governo

português pode, simplesmente, ir ao Conselho e votar, até ter uma posição favorável ao regulamento, o que se

saúda, mas precisa de fazer mais do que isso; precisa de trazer este tema para a prioridade das suas políticas

e pressionar os seus parceiros europeus, nomeadamente a sua família política também, para que não deixem

recuar mais, não deixem acontecer com este regulamento o que aconteceu com a diretiva-quadro dos solos. Os

solos estão contaminados e não há recursos europeus para os descontaminar.

Sobre a pergunta do Sr. Deputado Duarte Alves, concordo, claramente, que é preciso haver orçamento

europeu para ajudar os Estados-Membros a cumprir com as suas obrigações em termos ambientais. Se não

temos obrigações ambientais, há uma corrida para o fundo; se não temos recursos — como, aliás, foi dito por

outros Deputados —, há Estados que não poderão competir, porque não têm a mesma liberdade orçamental.

Para isso, precisamos de uma coisa, que é estarmos mais empenhados na construção europeia. E creio que

há uma lição que, apesar de tudo, temos de aprender com a direita — a direita já desistiu de dar cabo da União

Europeia, agora querem controlá-la.

Protestos do CH.

E a esquerda, quando se escusa a participar do debate europeu no momento em que ele se faz, está a deixar

a arena aberta à direita e, pior ainda, à extrema-direita.

Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, muito rapidamente,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Tens 10 minutos, estás à vontade!

O Sr. Rui Tavares (L): — … concordo com as perguntas que me fez e com o seu ponto de vista. Há um

plano ecológico com o qual estamos completamente de acordo e, depois, há um plano da democracia europeia

que tem de ser mais trazida a esta Casa e antes que seja tarde demais. No caso dos regulamentos, tem de ser

antes que vão a discussão no Parlamento e no Conselho ainda este mês.

O Sr. Presidente: — Passamos agora ao ponto 3 da nossa ordem do dia, no qual temos para apreciar os

Inquéritos Parlamentares n.os 8/XV/1.ª (IL) — Comissão eventual de inquérito à atuação do Serviço de

Informações de Segurança (SIS) e 9/XV/1.ª (CH) — Comissão eventual de inquérito parlamentar para avaliação

da atuação do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e Sistema de Informações da República Portuguesa

(SIRP), bem como da tutela política governamental destas instituições.

Para apresentar o Inquérito Parlamentar n.º 8/XV/1.ª (IL), tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A 26 de abril, um conjunto de

acontecimentos deploráveis — a adjetivação não é minha, é do Sr. Primeiro-Ministro — no Ministério das

Infraestruturas criou um turbilhão de situações que são inaceitáveis na política, em sociedade e num Estado de

direito.

Essa fatídica noite culminou com o envolvimento dos serviços de informações para recuperar o computador

portátil de um adjunto político, exonerado momentos antes telefonicamente.

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Desde esse dia, e nos últimos dois meses, os portugueses assistiram a inúmeros episódios desta trama que

já teve conferências de imprensa e audições parlamentares — umas à porta aberta, outras à porta fechada —

comunicados oficiais e troca de cartas, perguntas e meias respostas, pedidos de demissão que não foram

aceites e até pedidos de exoneração igualmente ignorados.

Apesar de várias e insistentes diligências, ainda se encontram por esclarecer pormenores relevantes. A

Iniciativa Liberal não aceita que acontecimentos tão graves e com dano para a integridade e reputação das

instituições sejam minorados e menosprezados, sem se apurarem todas as responsabilidades políticas,

operacionais e, principalmente, legais que estão por detrás da atuação do SIS naquela noite, até porque há

entidades que ainda não foram ouvidas e algumas que nem sequer foram contactadas na noite de 26 de abril,

quando obviamente o deveriam ter sido, como é o caso do Gabinete Nacional de Segurança.

Acrescentamos ainda que têm de ser esclarecidas todas as dissonâncias e divergências que existem entre

as versões relatadas e que não coincidem entre si, sem qualquer subterfúgio na semântica. Caso a verdade não

seja só uma, corremos o risco de entrar num clima de suspeição permanente, incompatível com os valores da

vida democrática e de uma sociedade livre.

A Iniciativa Liberal reconhece que os serviços de informações são essenciais para salvaguardar o Estado de

direito democrático, temo-lo dito várias vezes nesta Casa. Em momento algum contestamos a existência destes

serviços nem a sua relevância como peça fundamental para que Portugal prospere, sobretudo num contexto

geopolítico cada vez mais complexo, variável e inconstante.

Contudo, acreditamos que os serviços de informações devem pautar a sua atividade pela discrição, pelo rigor

e pelo respeito pelas leis da República, o que neste caso, factualmente, não aconteceu.

Podemos mesmo dizer isto: «Os portugueses não querem serviços de informações ao serviço do partido no

poder, instrumentalizados à sua estratégia de conservação e às suas fações.»

Podemos também dizer isto: «Há, hoje, um processo de deterioração, de intranquilidade e de desconfiança

justificadas que é preciso deter, com sentido da democracia e da responsabilidade.»

Estas palavras que acabei de dizer não são minhas, nem de nenhum Deputado da Iniciativa Liberal. Quem

as subscreveu e as apresentou nesta Casa foram António de Almeida Santos, Jorge Lacão, Manuel Alegre,

Alberto Costa, José Magalhães e José Vera Jardim enquanto Deputados do Partido Socialista, reconhecendo

assim a importância de pôr a transparência e a fiscalização dos serviços de informações no topo das prioridades

políticas e parlamentares.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — E muito bem!

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Fizeram-no em relação ao Inquérito Parlamentar n.º 24/VI/3.ª (PS) — Sobre

os termos e condições em que agentes de serviços de informações levaram a cabo ações de vigilância e

infiltração violadoras de direitos, liberdades e garantias de Deputados, autarcas e jornalistas, de cujos resultados

terão tido conhecimento dirigentes do partido governamental.

Ou também, porque o subscreveram alguns deles e outros, como, por exemplo, Eduardo Ferro Rodrigues,

em relação ao Inquérito Parlamentar n.º 22/VI/3.ª (PS) — Sobre o cumprimento das disposições constitucionais

e legais que no tocante aos serviços de informações, policias e outras forças de segurança, visam garantir a

proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Ou então no Inquérito Parlamentar n.º 30/VI/4.ª (PS) — Inquérito Parlamentar ao modo de funcionamento do

Serviço de Informações de Segurança (SIS), em especial no que respeita às relações com a tutela, ao

cumprimento da legalidade democrática e às garantias dos direitos dos cidadãos.

A VI Legislatura foi bastante ativa em comissões parlamentares de inquérito (CPI) propostas aos serviços de

informações. Também havia dois do PCP, mas estes três foram do Partido Socialista e, peço desculpa,

Sr. Presidente, mas não resisto a citar também o Inquérito Parlamentar n.º 30/VI/4.ª (PS), nesta parte: «Para o

efeito, em face do progressivo agravamento do clima de confiança dos cidadãos perante os serviços de

informações; em face da incapacidade governamental para conduzir de forma responsável uma orientação

consequente com as exigências da sociedade democrática; em face da obstrução de outras vias institucionais

possíveis de clarificação, e em nome de uma ideia de Estado e de sociedade apta a garantir a compatibilização

da liberdade — e das liberdades públicas — com a segurança do Estado e a proteção dos indivíduos, os

Deputados abaixo assinados» apresentavam esta proposta de constituição de uma comissão parlamentar de

inquérito aos serviços de informações.

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Aplausos da IL.

Muito bem, Partido Socialista! Foi há 28 anos, mas podia ser hoje, e exatamente pelos mesmos motivos. É

porque há 28 anos, tal como agora, era fundamental estancar o processo de deterioração da reputação dos

Serviços de Informações da República Portuguesa. Era preciso devolver a tranquilidade aos seus operacionais,

recuperar a confiança dos portugueses, restaurar a credibilidade, garantir a imparcialidade e a independência e

assegurar que a sua atuação não fugia 1 mm do quadro legal em que se inseriam.

A esta Casa compete, também, defender os serviços de informações, os seus operacionais, o seu trabalho

e assegurar que o poder político não exerce qualquer interferência indevida naquela que é uma das funções

nucleares do Estado, ou que qualquer superior hierárquico tome decisões operacionais que fujam ao quadro

legal existente.

É um momento difícil, o que passamos, mas defender os serviços de informações é apurar toda a verdade

sobre o ocorrido neste caso, para que saiam reforçadas a dignidade dos operacionais dos serviços de

informações, a sua autonomia face ao poder político e a confiança que os portugueses depositam nesses

serviços. É nosso dever, é obrigação de todos nesta Casa.

Ao longo destes meses, muito se tem ouvido de referência «às secretas» — nada mais errado e por várias

razões, que vão muito além da história ou da semântica. É errado, principalmente, pois, em democracia, em

respeito pelo Estado de direito, não há indivíduos nem organizações inescrutáveis.

Uma comissão parlamentar de inquérito aos serviços de informações pode ser especialmente sensível e

complexa, reconhecemo-lo. Mas, neste Hemiciclo, nesta Casa, estão 230 portugueses eleitos para legislar, mas,

sobretudo, para fiscalizar e garantir a todos os portugueses que os seus direitos, liberdades e garantias estão

salvaguardados de qualquer atuação fora do quadro legal, seja a que hora do dia for.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para apresentar a iniciativa do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado André Ventura.

O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em abril deste ano, um computador tornou-

se no principal catalisador de caos, confusão, medo e desorganização no Ministério das Infraestruturas em

Portugal. Era um dia único, não fosse o seu aspeto trágico, que viria a ser conhecido de todos os portugueses.

Em detalhes a que vamos poupar esta Câmara, entraram polícias, mulheres agarraram-se a alguns, outros

saíram, fecharam-se na casa de banho, numa história que a História contará à sua maneira.

Entre a chegada e a saída da PSP (Polícia de Segurança Pública) e o Ministro João Galamba sem dormir

durante x horas, o que sabemos é que, durante essa noite, o Serviço de Informações de Segurança recolheu

um computador, alegadamente com informação confidencial do Ministério das Infraestruturas.

Nessa mesma noite, praticamente todos os ministros foram alertados pelo Ministro João Galamba: o Ministro

da Administração Interna, a Ministra da Justiça, o Primeiro-Ministro, que estava de férias e que, por isso, não

atendeu o telefone, mas a quem a mulher disse que era João Galamba que estava a ligar. De repente, a

República Portuguesa parou porque um computador tinha desaparecido no Ministério das Infraestruturas.

O aspeto revelava a comédia própria que este Governo se tornou, sobretudo nos últimos meses, mas tinha

um aspeto mais perverso e mais significativo. É que as secretas teriam atuado para receber, para acomodar um

computador sem uma base legal indicada pelo Governo.

De repente, aquilo que era uma paródia e uma comédia de um Governo em degradação acelerada tornou-

se numa questão da República: Quem tinha dado a ordem para que as secretas, sem base legal, recuperassem

um computador?

Os ministros voltaram a fazer o mesmo triste espetáculo; o Ministro da Administração Interna disse que não

foi nada com ele; a Ministra da Justiça confirmou que falou com João Galamba, mas disse que nunca lhe sugeriu

que falasse com o Serviço de Informações; o próprio Secretário de Estado Adjunto, indicado pelo Ministro João

Galamba, disse que nunca lhe sugeriu o recurso às secretas; o Primeiro-Ministro, que tem a tutela das secretas,

diz que não a autorizou. E, para piorar a história, a própria chefe de gabinete do Ministro João Galamba disse:

«Para o baile, fui eu que tomei a iniciativa de chamar as secretas.»

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Estão confusos até aqui? A história piora, porque, à medida que vão sendo chamados a este Parlamento,

surgem novas informações. Disse a Sr.ª Embaixadora Secretária-Geral do SIRP que tinha sido ela a dar a ordem

para a recuperação do computador. Num ápice, um País inteiro não sabe e não consegue identificar, num serviço

tutelado pelo Primeiro-Ministro, quem deu a ordem e com que base legal, para que o Serviço de Informações

tivesse atuação.

O SIS, como todos sabemos, tem uma competência muito clara: a pesquisa, o processamento e a difusão

de informação. Questionado neste Plenário, o Governo nunca soube dar a base legal pela qual a atuação tinha

ocorrido naquela noite, criando nos cidadãos uma enorme atmosfera de intranquilidade, de desconfiança e de

incerteza.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta comissão de inquérito nunca seria contra o Serviço de Informações de

Segurança, nem seria tanto sobre o mesmo. Seria sobre o ato abusivo, o ato ilegal e sobre aqueles que, com o

poder de uma maioria absoluta, não hesitaram em recorrer a todo o aparelho do Estado para salvar os seus

interesses de serem expostos como mentira nacional.

Aplausos do CH.

Não, esta não é uma comissão sobre o SIS e sobre o excelente trabalho que tem feito em Portugal, não é

uma comissão sobre os seus operacionais e sobre os seus dirigentes. É sobre quem, no Governo, decidiu, num

determinado momento, que era o SIS que tinha de salvar as suas mentiras e os seus interesses.

O resto da história, todos conhecemos. Frederico Pinheiro, ouvido na Comissão de Inquérito à TAP, disse

que foi contactado a meio da noite. Disseram-lhe que a pressão política era alta, que vinha de cima e que era

melhor resolver as coisas a bem do que a mal. Parece um filme de gangsters, mas não é. É a República

portuguesa e é o Partido Socialista a gerir o País.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

O Sr. André Ventura (CH): — É esta comissão de inquérito desejável? Não. Mas há uma coisa que nos

levou a ela e todos têm de assumir a sua responsabilidade, incluindo o principal partido em número de

Deputados na oposição.

O que leva a esta comissão de inquérito não é a simples atuação de um operacional, nem uma simples

mentira. É a insistência cega na mentira e na aldrabice que leva a que se proponha uma comissão de inquérito

às secretas.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para intervir em nome do Bloco de Esquerda, a Sr.ª Deputada Isabel

Pires.

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O SIS é o organismo responsável pela

produção de informações para a salvaguarda da segurança interna e a defesa do Estado de direito.

Entre as suas atribuições, está muito claro que o SIS não exerce funções policiais. No entanto, no dia 26 de

abril, o SIS agiu operacionalmente para apreender um computador que estava na posse de um ex-assessor do

Ministro das Infraestruturas. Isto é o que sabemos.

A sucessão das explicações trapalhonas e a identificação sucessiva de ministros que se seguiu não ajuda a

resolver o essencial: não há base legal para uma operação do SIS desta natureza — já o dissemos à exaustão

nesta Assembleia da República. É ainda mais grave que o Conselho de Fiscalização do SIRP tenha prontamente

atestado a legalidade da atuação do SIS, sem fundamento legal, sem ouvir o visado e sem contraditório.

Portanto, aquilo que fica deste debate para nós, e que é essencial, é que o SIS agiu fora da legalidade e é

por isso que o Bloco de Esquerda acha muito importante que tudo o que se sabe e o que se conhece seja

remetido à PGR (Procuradoria-Geral da República), algo que faremos. É por isso também que acompanharemos

iniciativas que procurem o esclarecimento cabal sobre este caso.

Por último, se o Partido Socialista queria evitar este desfecho, a única coisa que poderia ter feito…

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O Sr. André Ventura (CH): — Era dizer a verdade!

A Sr.ª Isabel Pires (BE): — … era aquilo que efetivamente lhe competia, que era esclarecer o País e o

Parlamento sobre a atuação do SIS.

Em vez disso, escolheu fazer caixinha sobre toda a informação, criando uma suspeita inaceitável sobre a

instrumentalização do Serviço de Informação de Segurança.

Voltamos sempre ao mesmo: não há base legal para esta atuação. Mantemos essa afirmação, mantemos a

nossa posição e esperamos, obviamente, que todos os esclarecimentos possam ser feitos.

Aplausos do BE.

O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do PAN, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PAN, naturalmente, não vai

inviabilizar a comissão de inquérito à atuação do SIS, apesar de acharmos que as duas comissões propostas,

de alguma forma, são curtas em relação ao seu objeto.

Não nos podemos esquecer que, ao longo de vários anos, houve uma atuação duvidosa por parte do SIS, e

a Iniciativa Liberal e o Chega não questionam, por exemplo, as denúncias e as práticas denunciadas por ex-

agentes e se as mesmas aconteceram; se o SIS teve intervenção de vigilância a partidos da oposição no tempo

de Cavaco Silva, como disse Silva Carvalho; se é legítimo que o SIS tenha acesso a dados telefónicos, como

disse um antigo operacional do SIS; ou se é legítimo que o SIS tenha, alegadamente, um sistema informático

clandestino para iludir a fiscalização e guardar dados ilegais, incluindo sobre políticos, como disse o antigo

diretor.

Ora, nenhuma destas perguntas está em cima da mesa para esta comissão parlamentar de inquérito.

O Sr. André Ventura (CH): — Não é o objeto!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Todos concordamos que esta atuação do SIS foi uma atuação ilegal

— quase todos, porque o Partido Socialista evidentemente não concorda — e a Procuradoria-Geral da República

já está a investigar, por isso parece-nos que, mais uma vez, haverá aqui uma duplicação de competências.

Também não nos podemos esquecer que isto acaba por ser um pouco um show off, porque a Comissão de

Inquérito à TAP tinha um objetivo muito concreto que era o de fiscalizar os largos milhares de milhões de euros

do erário público que foram investidos na empresa, e acabámos todos a discutir quem é que estava ou não na

casa de banho, quem tinha ou não o computador, e, também, se o SIS tinha ou não legitimidade de intervenção.

O Sr. André Ventura (CH): — Era eles dizerem a verdade! Era muito simples!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Parece-nos que as comissões de inquérito, pese embora não

obstaculizarmos esta, devem ter um propósito diferente.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Um propósito diferente!

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Neste caso, esse propósito deveria ser deixado para a Procuradoria-

Geral da República e para o processo legislativo a despolitização do SIS.

Da parte do PAN, estamos a fazer o nosso trabalho para apresentarmos uma iniciativa legislativa. Há outras

perguntas que ficam no ar e às quais esta comissão também não dará resposta.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem agora a palavra

a Sr.ª Deputada Alma Rivera.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, já há algum tempo, é bastante clara

a ilegalidade da atuação do SIS neste caso e, de facto, por mais voltas que se tente dar para justificar o

injustificável, aquilo que vai ficando mais claro é precisamente a desadequação legal dessa mesma intervenção.

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Ainda ninguém conseguiu explicar qual foi a base legal. Pergunta-se, reiteradamente, com que base é que

houve essa intervenção e a resposta, por vezes, mais evasiva, outras vezes, mais, digamos, disparatada, não

satisfaz e não cumpre com o objetivo de confirmar a legalidade da atuação. Por outro lado, continuamos também

sem perceber porque é que, se, nas palavras de alguns, foi uma atuação legal e justificada, ninguém assume a

responsabilidade de ter suscitado essa intervenção

O Sr. André Ventura (CH): — E a base legal!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Portanto, esta é também uma contradição que é insanável e por demais

evidente.

Depois, somos confrontados com um conjunto de audições e com declarações do Conselho de Fiscalização

do SIRP, que não assume uma postura de fiscalizador da intervenção deste sistema de informações, mas de

justificador, aparecendo quase a defender o SIS e não a fazer aquilo que a Assembleia da República o incumbe

de fazer, que é precisamente avaliar a conformidade dessa intervenção.

Mas a consequência lógica, no nosso ponto de vista, e mais adequada e mais útil neste momento, a retirar

destes dois elementos — por um lado, do que nos parece ser uma intervenção desadequada e fora da legalidade

do SIS e, por outro, de formas de fiscalização que não garantem à Assembleia da República nenhum poder de

escrutínio — é alterar a forma de fiscalização a partir da Assembleia da República.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — É fazer uma fiscalização direta, como é feita por outros Parlamentos e outros

órgãos de soberania, que permita, efetivamente, à Assembleia da República não chegar constantemente a um

bloqueio à sua intervenção e ao seu poder fiscalizador, que é o segredo de Estado.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Claro!

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Nessa medida, tememos que seja muito frustrante procurar esclarecimentos

com esta limitação que é sucessivamente invocada e que, como sabemos, tem sido um elemento de

impossibilidade para a Assembleia da República retirar consequências efetivas que realmente permitam esse

tal esclarecimento e essa tal segurança sobre a atuação e a base da atuação deste sistema de informações.

Portanto, e para terminar, entendemos que aquilo que era mesmo necessário neste momento era alterar a

forma de fiscalização e temos uma proposta concreta em cima da mesa, nesse sentido.

Julgamos que quem está verdadeiramente indignado com um aproveitamento, com uma instrumentalização

do Sistema de Informações da República Portuguesa deveria apontar todas as baterias para discutirmos uma

forma de, efetivamente, a Assembleia da República poder ter intervenção e estabelecer as limitações que

entenda necessárias e que nós entendemos que devem ser reforçadas na atuação do SIS.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente: Temos a debate um tema da maior seriedade, porque os nossos

concidadãos, nós todos, precisamos de estar esclarecidos sobre se temos um sistema de informações e serviços

de informações ou se temos serviços secretos, à moda de Hollywood, em que os agentes servem para ir resolver

certos problemas ao Governo pela calada da noite.

Esta segunda opção não pode ser, não é o consenso a que esta Assembleia da República chegou e não

seria nunca um consenso digno da nossa República.

O Sr. João Moura (PSD): — Na Rússia ainda se pratica.

O Sr. Rui Tavares (L): — Portanto, temos aqui uma situação em que o Governo, para se salvaguardar de

ser acusado de estar a acreditar nesta segunda opção, em que os serviços secretos estão ao seu comando, diz

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«nós não demos ordem nenhuma». Usam a defesa, que é a defesa de Henrique II na peça de Shakespeare,

que diz: «Mas ninguém me livra daquele padre turbulento?» Há quatro cavaleiros que vão lá, matam o arcebispo

de Cantuária e voltam para trás, e o rei diz: «Não dei ordem nenhuma, só perguntei se ninguém me livrava

daquele padre turbulento.»

O Sr. Alexandre Poço (PSD): — Isto é Shakespeariano!

O Sr. Rui Tavares (L): — Quer dizer, o Governo diz: «Dissemos que desapareceu um computador, que pode

ser que tenha informação classificada e que estava aqui num Ministério que é crítico.» Mas, depois, diz: «Não

demos ordem nenhuma. O SIS é que decidiu ir lá recuperar o computador.»

Sendo este tema de enorme seriedade, distingo os dois pedidos de comissão de inquérito porque o que o

Chega faz é dizer que quer uma comissão de inquérito sobre a atuação do SIS.

Protestos do Deputado do CH Pedro Pinto.

Sr. Deputado Pedro Pinto, não sei se está interessado em ouvir a apreciação dos outros Deputados sobre a

sua iniciativa. Se calhar, não, não quer saber. É natural, porque ela é politicamente orientada, para avaliar como

é que o SIS e o SIRP se comportam em Governos de António Costa. É que nem sequer é desde a última lei

orgânica, porque aí cobriria o PSD, que o seu líder apoiava na altura.

O Sr. André Ventura (CH): — O que é que isso tem a ver?!

O Sr. Rui Tavares (L): — Portanto, faço uma distinção muito grande com a proposta da Iniciativa Liberal, à

qual quero dirigir uma pergunta. Esta é uma comissão de inquérito para estarem todos os partidos representados

nesta Câmara, ou a Iniciativa Liberal vai usar o seu peculiar entendimento de liberdade, que é «quando lhes dá

jeito»?

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não tens direito! És único!

O Sr. Rui Tavares (L): — É para a Iniciativa Liberal, mesmo com um Deputado único, estar presente, como

aconteceu na Legislatura passada, e, nesta Legislatura, não fazer um esforço para que os Deputados únicos

estejam presentes.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É o Regimento!

O Sr. André Ventura (CH): — É a lei!

O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar.

O Sr. Rui Tavares (L): — Nesse caso, se o que nos interessa é uma questão de direitos, liberdades e

garantias de cidadãos portugueses, temos, tanto quanto eu saiba, uma comissão que se chama precisamente

de direitos, liberdades e garantias e que para isso serve.

O Sr. André Ventura (CH): — É a lei! A lei não permite que Deputados únicos estejam!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não cumpres o tempo, mas tens de cumprir a lei!

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado

Pedro Delgado Alves.

O Sr. André Ventura (CH): — O Pedro Delgado Alves vai dizer que o PS aprova!

Risos do CH.

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O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Estão ansiosíssimos, meu Deus!

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dar nota de que é precisamente porque

encaramos o tema com seriedade que devemos discutir qual é a forma, qual o local, qual o procedimento para

fiscalizar os serviços de informações.

Esse é o debate. Temos dois projetos para a constituição de comissões parlamentares de inquérito aos

serviços de informações e este é o tema que deveríamos, e espero que possamos, discutir.

Ele convoca duas linhas de argumentos diferenciadas sobre a qual nos gostaríamos de pronunciar: uma

primeira sobre a natureza dos serviços e como fiscalizá-los e uma segunda sobre o caso que poderá motivar,

de acordo com o que é apresentado pelas duas iniciativas, uma eventual comissão parlamentar de inquérito.

Começando pelos serviços, desde a década de 1980, eles têm um quadro que se tem vindo a robustecer e

a tornar mais garantístico dos direitos dos cidadãos e mais capaz de assegurar, através quer da Assembleia,

quer do Governo, formas de controlar os serviços de informações.

Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, há instantes, ouvi-o com atenção, e já tinha tirado algumas conclusões sobre

o que esta comissão parlamentar de inquérito concluiria, em parte, na sua intervenção. Porém, curiosamente,

deixou de argumentar com base no presente e foi descobrir boa prosa, boa oratória do Partido Socialista de há

28 anos, mas que foi produzida em momento anterior à legislação que temos atualmente, em 1996.

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Exato!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Foi precisamente na sequência daquilo que não aconteceu antes que

foi revisto o regime jurídico de fiscalização dos serviços de informações,…

A Sr.ª Maria Antónia de Almeida Santos (PS): — Três vezes, já!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … em 1996, em 2004 e em 2007. Em todos estes movimentos, quer as

competências do Conselho de Fiscalização, quer o aparecimento de outros órgãos dentro da arquitetura do

sistema, designadamente as Comissões de Fiscalização de Dados — que são compostas por três magistrados

do Ministério Público e presididas por um deles —, todos eles, foram contribuindo para que, onde havia dúvidas

anteriormente, onde no passado se justificou eventualmente o aparecimento de uma comissão parlamentar de

inquérito, hoje, ela não se torne evidente perante os olhos de quem está a ver este debate.

Mais: tivemos situações bem mais gravosas de processos judiciais em que anteriores diretores de um dos

serviços foram condenados pelo incumprimento gravoso das suas funções…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — É verdade!

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — … e em que não se motivou uma comissão parlamentar de inquérito,

porque se entendeu que a) o sistema judicial ou b) os Conselhos de Fiscalização eram a forma adequada de

garantir que a República é protegida, na sua segurança interna e externa, e não é posta em causa a necessária

reserva e confidencialidade da atuação dos serviços.

Protestos do Deputado da IL João Cotrim Figueiredo.

Esse é o problema que aqui estamos a discutir, mas o mecanismo que VV. Ex.as sugeriram a esta Câmara

hoje é um mecanismo particularmente desadequado para servir este propósito, por duas razões: porque,

obviamente, pode comprometer a realização destes fins de salvaguarda do funcionamento dos serviços, por um

lado, e, por outro, porque, infelizmente, durante as audições regimentais da comissão à Sr.ª Secretária-Geral do

SIRP e ao Sr. Diretor do SIS, ainda decorria a audição da primeira e já a informação confidencial, conhecida

durante aquela audição, estava a ser transmitida à Lusa (Agência de Notícias de Portugal) através de fonte da

oposição — e estou apenas a citar a notícia da Lusa.

Aplausos do PS.

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Portanto, esse momento não nos dá as garantias de que o funcionamento da comissão seria aquele desejável

para os serviços de informações.

Já temos este problema, é certo, em relação à outra comissão parlamentar de inquérito, em relação à qual

também tivemos violação, várias vezes, de matéria que ou estava em segredo de justiça ou estava classificada.

Nesta, as consequências são particularmente mais gravosas, porque uma exposição do funcionamento dos

serviços fora do quadro dos seus modelos de fiscalização, que são, aliás, em direito comparado, muito

semelhantes aos nossos, prejudica a própria credibilidade que os serviços podem ter perante serviços

congéneres.

Deixará a República mais segura no fim de contas? Muito provavelmente a resposta é negativa. E isto

assenta no reconhecimento da importância dos serviços, mas também no reconhecimento de que há uma fina

barreira, que é fina por definição, e esse é o drama do sistema democrático, em que a proteção dos direitos

fundamentais tem de estar em cima da mesa. Daí, se dúvidas existem e continuam a subsistir, termos de olhar

para as formas como esta Câmara, como os mecanismos criados para fiscalizar os serviços, ainda podem ter

de vir a ser chamados para prestar informações adicionais e esclarecer o que ainda falta esclarecer.

Isto leva-me ao segundo ponto e à segunda linha de argumentos que é sobre os casos concretos que

eventualmente levam a esta circunstância. Ainda aguardamos uma audição do Conselho de Fiscalização do

SIRP, na sequência de requerimentos apresentados por partidos da oposição que não se consideraram

suficientemente esclarecidos. Virá prestar novamente informação sobre o que é que fez para descobrir o que

tinha sucedido e onde é que, eventualmente, detetou falhas e até podemos chegar à conclusão de que as houve.

Não se deve desvalorizar minimamente a gravidade do que pode estar em causa se, eventualmente,

conjeturalmente, se verificasse que houve efetivamente funções que os serviços desempenharam que não

deviam ter desempenhado.

No entanto, reconhecer que há um erro no funcionamento dos serviços não significa, primeiro, que todos os

serviços estejam a funcionar mal ou que estejam eventualmente manietados por qualquer intervenção do poder

político — e ainda irei a esse ponto antes de concluir a intervenção.

Acima de tudo, não se corrige um erro cometendo outro erro, o que, aliás, era uma nota que um antigo Vice-

Presidente desta Câmara, o ex-Deputado Matos Correia, bem sublinhava. Podemos bem concluir que há um

erro, mas o caminho de criar uma comissão parlamentar de inquérito sobre o funcionamento dos serviços, isso,

sim, seria um erro ainda maior do que o primeiro, que provavelmente não resolvia o primeiro problema e apenas

viria agravar as segundas dificuldades com as quais nos deparávamos.

Finalmente, face aos dados e à informação de que dispomos, faz parte, obviamente, da dialética entre o

Governo e a oposição, entre bancadas que suportam o Governo e a oposição, termos leituras seguramente

diferentes daquilo que foi descrito nas várias comissões parlamentares de inquérito. Mas conhecemos a fita do

tempo e sabemos também, e isso acho que é insofismável, que existem procedimentos internos sobre o que

deve ser comunicado aos serviços para que eles atuem, e esses terão sido cumpridos, porque são, aliás,

obrigatórios para um membro do Governo, um alto dirigente da função pública que tenha conhecimento de algo

que, potencialmente, põe em causa a fidedignidade da informação.

Esta é matéria que, ao contrário do que vezes e vezes se repete, tem cobertura legal, prevista no artigo 21.º

da lei quadro dos serviços, no artigo 3.º da lei da organização, nas SEGNAC (instruções sobre a segurança de

matérias classificadas) sobre informação classificada, onde claramente há um papel que deve ser desempenhado

pelos serviços de informações.

Tudo isto nos leva a concluir que, não desvalorizando minimamente a gravidade e as dúvidas que persistem

na cabeça dos cidadãos, o nosso papel aqui deve ser o de deixar que os órgãos de fiscalização que a República

criou funcionem.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado tem de concluir.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Vou mesmo concluir, Sr. Presidente.

Precisamente, se concluirmos pela necessidade de revisitar a legislação e robustecer a legislação, uma vez

mais — volto a dizer: pela quarta vez nos últimos 20 anos —, cá estaremos disponíveis para isso.

Mas uma coisa é certa, é pior o resultado daquilo que os senhores propõem do que não deixar os organismos

de fiscalização cumprirem as suas missões.

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Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Há uma inscrição para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado, que não dispõe de

tempo para responder. Se o Sr. Deputado André Ventura mantiver o seu pedido de esclarecimento, tem desde

já a palavra.

O Sr. André Ventura (CH): — Mantenho, Sr. Presidente.

Não posso dar tempo ao PS, porque temos muito pouco, mas o pedido de esclarecimento é muito curto e é

sobre a questão que o Sr. Deputado Pedro Delgado Alves referiu.

A intervenção do Sr. Deputado Pedro Delgado Alves labora num erro, que é o de esta comissão de inquérito

ser pedida por questões de legislação ou de fiscalização. Nada disso! Isso é o que o Partido Socialista quer

fazer crer.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Ora, aí está!

O Sr. André Ventura (CH): — Quer fazer crer que o está em causa é que, como houve várias mudanças de

lei, agora podemos revisitar a mudança de lei. É aquela velha treta do «para nunca fazer nada» e do «não

sabemos o que é que aconteceu». Entretanto, daqui a um ano, começamos a revisitar a lei e ela termina daqui

a três anos. Não!…

Ah, houve fugas de informação da oposição? Cuidado com isso! Já vimos o seu líder parlamentar «meter a

pata na poça» sobre as fugas de informação.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não foi o líder da bancada, foi o da oposição!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Com a CPI!

O Sr. André Ventura (CH): — Já os vimos «meter a pata na poça» sobre as fugas de informação.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sim, sim!

O Sr. André Ventura (CH): — Agora, há um erro que o PS comete. É que isto não é sobre a legislação nem

é só sobre a fiscalização, isto é sobre a atuação abusiva de um membro do Governo ao utilizar o SIS contra os

propósitos da República. É isso que está em causa!

Aplausos do CH.

É isso que está aqui em causa. Não é mais nada!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Sabe que isso não aconteceu!

O Sr. André Ventura (CH): — Depois, Sr. Deputado Pedro Delgado Alves, dizer que o PS ainda aguarda

novas…

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — O Chega diz a verdade que quer!

O Sr. André Ventura (CH): — Posso terminar? O meu tempo já é muito curto.

O Sr. Deputado Pedro Delgado Alves diz: «Temos que ter calma porque esperamos ainda outras audições.»

Ó Sr. Deputado, ainda hoje — hoje, ao dia em que estamos aqui a falar —, o Chega propôs que fosse ouvido

o Diretor do Gabinete Nacional de Segurança, precisamente sobre isso. Sabe qual foi o voto do seu partido? Foi

contra.

Protestos do Deputado do PS Pedro Delgado Alves.

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Portanto, não nos venha dar conversa! O PS quer proteger o Ministro João Galamba e quer proteger António

Costa.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem!

Protestos do PS.

O Sr. André Ventura (CH): — Não está a proteger as secretas nem o País. Aliás, usando uma expressão

que era utilizada por outro Primeiro-Ministro, «que se lixe o País!», vocês só querem proteger o Primeiro-Ministro

e proteger João Galamba, mesmo que isso implique crimes que foram cometidos e que vocês não querem que

sejam expostos.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Pedro Delgado de Alves pediu a palavra. Quer interpelar a Mesa, a

esta hora?

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sim, Sr. Presidente, se me for permitido.

O Sr. Presidente: — Só sobre a condução dos trabalhos e só para interpelar a Mesa.

Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Delgado Alves (PS): — Sr. Presidente, apenas para solicitar a distribuição — que farei chegar

eletronicamente, para poupança de papel — da notícia da agência Lusa, que é a própria que identifica que a

fonte da informação reservada é da oposição.

Portanto, fá-la-ei chegar, para que seja distribuída.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Olha, ninguém bateu palmas, nem nada!

O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem agora a palavra a

Sr.ª Deputada Mónica Quintela.

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Os rocambolescos acontecimentos

ocorridos no Ministério das Infraestruturas, na noite de 26 de abril, e os desenvolvimentos deles decorrentes são

dignos de figurar em qualquer comédia policial de 2.ª categoria, mas não são dignos da conduta de um Governo

que se preze.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Colocaram em causa o prestígio, a credibilidade e a confiança que as

instituições democráticas devem merecer. Abalaram o respeito devido aos órgãos de soberania, transmitindo a

mensagem aos cidadãos de que nos Ministérios acontecem autênticas coboiadas.

Já diz o velho adágio que quem quer respeito dá-se a ele e este Governo não se tem dado ao respeito.

Aplausos do PSD.

É neste quadro deplorável que entra em cena o SIS, ao arrepio do quadro legal vigente. Quem o chamou e

porque é que o SIS se prestou a este papel permanece uma incógnita, não obstante as inúmeras declarações

já proferidas pelos vários intervenientes, todas elas contraditórias entre si.

O Ministro das Infraestruturas, em declarações de 29 de abril, disse ter contactado o SIS na sequência do

contacto com o gabinete do Sr. Primeiro-Ministro e, depois, por recomendação da Sr.ª Ministra da Justiça.

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso é absolutamente falso!

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A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Por sua vez, o Primeiro-Ministro disse que não teve conhecimento prévio

da atuação do SIS e a Ministra da Justiça, ouvida a 17 de maio, na 1.ª Comissão, disse que João Galamba lhe

telefonou a contar o sucedido, mas que ela não lhe disse para chamar o SIS e que se limitou a telefonar ao

Diretor Nacional da PJ (Polícia Judiciária) a reportar o sucedido, desmentindo, assim, João Galamba.

Também o Ministro da Administração Interna disse que não mandou chamar o SIS.

João Galamba, numa nova versão, disse que foi o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro que o

mandou contactar o SIS — isto parece uma telenovela!

O Sr. André Ventura (CH): — É isso mesmo! Parece uma telenovela!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Isso é absolutamente falso!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Ouvido o Secretário de Estado Mendonça Mendes, por este foi dito que

confirma que o Ministro lhe telefonou e relata os acontecimentos, mas afirma que não existe nenhum nexo de

causalidade entre esse telefonema e a decisão de acionar o SIS, desmentindo Galamba.

João Galamba, fortemente vaiado nas comemorações do Dia de Portugal,…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — … confrontado com estas contradições, reafirmou que não mentiu.

Está em causa o SIS ter atuado como órgão de polícia criminal, o que lhe está vedado por lei.

Sabemos que Frederico Pinheiro teve de recorrer a uma advogada para se proteger da abordagem do SIS,

o que demonstra que ficou atemorizado. E se o computador não tivesse sido entregue, o que teria acontecido?

O SIS daria palmadinhas nas costas e diria «então, boa noite, até à próxima»? O que é que teria acontecido?

Vista a legislação atinente aos serviços de informação, é evidente que não há nenhum fundamento legal para

a apreensão — porque foi disto que se tratou, de uma apreensão! — do computador.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — João Galamba é um peso morto no Governo, mas tem o aval pessoal do

Primeiro-Ministro, que se atravessou diretamente nesta escolha, logo aquando da sua nomeação.

António Costa sabe que a queda de Galamba o responsabiliza e não quer assumir essa responsabilidade.

Acresce a vontade de afrontar o Sr. Presidente da República, numa atitude de desconsideração e desrespeito

institucional que põe em causa o regular relacionamento das instituições.

As sucessivas versões e contradições sobre quem chamou ou mandou chamar o SIS mostram o padrão de

comportamento deste Governo. É um Governo incapaz de falar verdade aos portugueses, que desperdiça as

oportunidades para o fazer e que impede a descoberta da verdade.

Vozes do PSD: — Muito bem!

A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — É um Governo que não tem a dimensão e o sentido de Estado para

salvaguardar o prestígio e a credibilidade dos serviços de informações, serviços de grande sensibilidade política

pelo papel que desempenham na produção de informações, e não na apreensão de computadores, para a

defesa do Estado…

Aplausos do PSD.

… e que não podem atuar, nunca, como uma polícia e, em caso algum, como uma polícia privada do Governo.

O Sr. João Moura (PSD): — Muito bem!

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A Sr.ª Mónica Quintela (PSD): — Termino, dizendo que nem as palavras nem os documentos que nos foram

remetidos pelo Primeiro-Ministro são esclarecedores. O Governo prefere a opacidade e a desresponsabilização.

O PSD lamenta profundamente a teimosia e a arrogância do Sr. Primeiro-Ministro. Como disse o Presidente

do PSD, daqui para a frente, a direção e a tutela do SIRP, não têm a nossa cobertura. Esta situação é tudo

menos transparente e o Governo e o Primeiro-Ministro continuam a dever explicações ao País.

Este caso junta mentiras, dúvidas e comportamentos que desprestigiam as instituições e responsabilizam o

Governo e o Primeiro-Ministro, não obstante eles não quererem assumir essa responsabilidade.

O PSD não tomou nem tomará a iniciativa de propor uma comissão parlamentar de inquérito, mas o PSD

não pode caucionar este comportamento do Governo, dos gabinetes e do próprio Sr. Primeiro-Ministro, e não o

vai fazer. Por isso, apesar de não ser a nossa opção e de lamentarmos profundamente todo o acontecido, não

nos oporemos e votaremos a favor destas iniciativas.

Aplausos do PSD.

Não é por nós que se exclui a possibilidade de usar o instrumento do inquérito parlamentar, além de todos

os outros que a Constituição e o Regimento permitem.

Aplausos do PSD.

Vozes do CH: — Muito bem!

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Volta, que estás perdoado!

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado

Rodrigo Saraiva.

O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A criação e instituição de um Serviço

de Informações da República Portuguesa por contraposição a uma polícia secreta não resultou de um mero

caso ou de uma escolha pouco fundamentada. A preferência por um serviço de informações resultou das

melhores práticas internacionais, mas, acima de tudo, resultou do respeito pela nossa memória histórica, política

e social.

Numa democracia ocidental e num Estado de direito democrático não podem nem devem existir organizações

que fujam do escrutínio político ou que atuem fora do primado da lei. Exercer o poder democrático com

responsabilidade implica garantir que a legislação é rigorosamente cumprida pelos serviços de informações e

pelos seus órgãos fiscalizadores, mas também implica ter a certeza de que o quadro jurídico e operacional de

atuação dos serviços de informações é o adequado à prossecução dos seus objetivos, sempre em total respeito

pelo princípio da separação de poderes e pelos direitos, liberdades e garantias previstos na nossa Constituição.

É por isso fulcral sublinhar esta última parte, quando está em curso um processo de revisão constitucional

que pode limitar de forma desproporcional os direitos, liberdades e garantias dos portugueses.

Um alerta que fica, à luz das propostas de alteração constitucional apresentadas e que visam que os serviços

de informações passem a poder aceder aos dados de telecomunicações dos portugueses, com pouco ou

nenhum controlo judicial.

Para a Iniciativa Liberal, qualquer alteração nesta matéria não poderá ser feita num clima de incerteza e de

dúvida sobre os serviços de informações e o seu âmbito de atuação.

Por estas razões, qualquer dúvida que exista deve ser sanada atempadamente. É uma questão de confiança.

Urge assegurar a manutenção do Estado de direito e urge garantir, tal como reiterado pelo Sr. Presidente da

República, que os serviços de informações se encontram ao serviço do Estado e não ao serviço do Governo de

turno ou do partido que se encontra temporariamente no poder.

Poderemos todos estar certos de que quando outros partidos apresentaram propostas para constituir

comissões parlamentares de inquérito a atuações dos serviços de informações era isto que tinham em mente

— por muito que venham dizer agora que o quadro legal foi alterado. Foi isso que aconteceu, nomeadamente,

nas três propostas apresentadas pelo Partido Socialista, nas duas do Partido Comunista e, mais recentemente,

nas propostas apresentadas por outros partidos, como o Bloco de Esquerda.

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Na sexta-feira votaremos esta proposta e ficará claro para todos os portugueses a coerência ou a

conveniência de alguns nesta Casa.

Aplausos da IL.

O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, não queríamos nem deveríamos

estar a discutir esta comissão eventual de inquérito à atuação do SIS. Teria sido fácil ao Primeiro-Ministro, ao

Governo, ao Partido Socialista fazerem uma coisa simples: dizer a verdade.

O Sr. André Ventura (CH): — Exatamente!

O Sr. Pedro Pinto (CH): — A verdade e este Governo não são sinónimos. Desde que tomaram posse, é

trapalhada atrás de trapalhada e o Ministro João Galamba — que já não o devia ser — meteu quase todo o

Governo ao barulho.

A 26 de abril, houve, supostamente, o roubo de um computador.

A 29 de abril, João Galamba dá uma entrevista, ainda no calor dos acontecimentos, em que cria mais

suspeitas e confusão sobre os factos: João Galamba ligou ao Primeiro-Ministro, que não o atendeu — eu faria

o mesmo! —, e, em seguida, ligou ao Secretário de Estado Adjunto Mendonça Mendes e ao Secretário de Estado

da Modernização Administrativa, que lhe indicaram, supostamente, que falasse com a Ministra da Justiça, o que

fez; a Ministra da Justiça, ainda segundo João Galamba, tê-lo-á, de imediato, aconselhado a contactar o SIS e

também a Polícia Judiciária; pelo meio, esqueceu-se que também ligou ao Ministro da Administração Interna.

Na passada semana, o Ministro da Administração Interna disse que aconselhou João Galamba a chamar a

PSP.

Esta comissão parlamentar de inquérito é demasiado importante.

Há, assim, várias questões que entendemos serem importantes e que têm de ser esclarecidas: qual o motivo,

o contexto e o enquadramento legal do envolvimento do SIS? Por que razão é que ninguém disse a João

Galamba «vamos falar primeiro com a Polícia Judiciária»? Qual o motivo para não ter sido logo chamada a

Polícia Judiciária? Porque foi o computador entregue ao CEGER (Centro de Gestão da Rede Informática do

Governo) e não à Polícia Judiciária, depois de apreendido? O SIS foi acionado a pedido de quem? E,

particularmente, quem mente?

João Galamba disse que foi o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro que mandou acionar o SIS;

Mendonça Mendes disse que não, que não teve nada a ver com isso. Quem mente?

Os portugueses precisam de saber. A confiança dos cidadãos nos políticos não pode ficar abalada.

Se não viabilizar esta comissão parlamentar de inquérito, o Partido Socialista ficará na história por não deixar

os portugueses saberem a verdade.

O PS pode arranjar as desculpas que quiser, mas só quer uma coisa simples: proteger António Costa e o

Ministro João Galamba.

O «sim» a esta comissão parlamentar de inquérito é um «sim» aos portugueses, um «sim» à verdade, um

«sim» à credibilidade da classe política.

Aplausos do CH.

O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, assim terminamos a ordem do dia, mas há ainda expediente

para ser comunicado. Para o efeito, dou a palavra à Sr.ª Deputada Maria da Luz Rosinha.

A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, de uma forma muito rápida,

anuncio que deram entrada na Mesa, e foram admitidos pelo Sr. Presidente, os Projetos de Lei n.os 800/XV/1.ª

(CH), que baixa à 10.ª Comissão, e 827/XV/1.ª (PAN), que baixa à 1.ª Comissão.

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O Sr. Presidente: — A ordem do dia da sessão plenária de amanhã será preenchida com agendamentos

potestativos do PSD, com o tema geral do apoio às pessoas idosas, seguindo-se a votação das iniciativas que

estarão em apreciação:

Projeto de Lei n.º 815/XV/1.ª (PSD) — Alargamento do número de vagas comparticipadas nas respostas

sociais dirigidas aos idosos e estender ao setor privado essa comparticipação quando a rede pública/social não

consegue dar resposta;

Projeto de Lei n.º 816/XV/1.ª (PSD) — Altera o Estatuto do Cuidador Informal – Primeira alteração à Lei

n.º 100/2019, de 6 de setembro, que aprova o Estatuto do Cuidador Informal, altera o Código dos Regimes

Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e a Lei n.º 13/2003, de 21 de maio;

Projeto de Lei n.º 817/XV/1.ª (PSD) — Criação de comissão especializada permanente interdisciplinar para

as pessoas idosas do Conselho Económico e Social e alteração das competências e composição da rede social;

Projeto de Resolução n.º 758/XV/1.ª (PSD) — Garantir as respostas sociais e a sustentabilidade financeira

das instituições do setor social e solidário;

Projeto de Resolução n.º 759/XV/1.ª (PSD) — Reforço do serviço de apoio domiciliário;

Projeto de Lei n.º 241/XV/1.ª (PAN) — Criminaliza novas condutas atentatórias dos direitos de pessoas

especialmente vulneráveis, procedendo à alteração do Código Penal;

Projeto de Lei n.º 648/XV/1.ª (CH) — Prevê a contabilização dos períodos de cuidados domésticos para

efeitos de reforma;

Projeto de Lei n.º 819/XV/1.ª (PCP) — Cria o projeto rede pública de equipamentos e serviços de apoio aos

idosos;

Projeto de Lei n.º 820/XV/1.ª (PAN) — Reforça os direitos dos cuidadores informais;

Projeto de Resolução n.º 766/XV/1.ª (PCP) — Desenvolvimento da Rede Nacional de Cuidados Continuados

Integrados;

Projeto de Resolução n.º 767/XV/1.ª (L) — Recomenda ao Governo que atualize e aprove, com urgência, a

Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável;

Projeto de Resolução n.º 768/XV/1.ª (BE) — Pelo reconhecimento de direitos a quem cuida e à pessoa

cuidada e pela criação de um serviço nacional de cuidados.

Muito boa noite e até amanhã.

Eram 20 horas e 21 minutos.

Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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