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Sexta-feira, 22 de setembro de 2023 I Série — Número 4
XV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2023-2024)
REUNIÃOPLENÁRIADE21DESETEMBRODE 2023
Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva
Secretárias: Ex.mas Sr.as Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha Lina Maria Cardoso Lopes Palmira Maciel Fernandes da Costa Helga Alexandra Freire Correia
S U M Á R I O
O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 8
minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa dos Projetos de
Resolução n.os 887 a 890/XV/2.ª
Foi reapreciado o Decreto da Assembleia da República n.º 81/XV — Aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas, tendo usado da palavra, a diverso título, os Deputados Inês de Sousa Real
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(PAN), André Ventura (CH), Mariana Mortágua (BE), Márcia Passos e Patrícia Dantas (PSD), Rui Rocha (IL), Bruno Dias (PCP), Rui Tavares (L) e Hugo Carvalho (PS).
Procedeu-se ao debate com a participação do Governo sobre o estado da União, conforme previsto na Lei relativa ao Acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio). Intervieram, além do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Tiago Antunes), os Deputados Edite Estrela e Rui Lage (PS), Ricardo Sousa e Firmino Marques (PSD), Diogo Pacheco de Amorim e Bruno Nunes (CH), Bernardo Blanco (IL), Paula Santos (PCP), Isabel Pires (BE), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).
Foi discutida a Petição n.º 316/XIV/3.ª (Ana Filipa Ferrão Silva e outros) — Solicitam a suspensão imediata do uso do
certificado digital de vacinação covid, tendo intervindo no debate os Deputados Rodrigo Saraiva (IL), Bruno Aragão (PS), Ofélia Ramos (PSD), Pedro dos Santos Frazão (CH), João Dias (PCP), Inês de Sousa Real (PAN) e Rui Tavares (L).
Seguiu-se o debate da Petição n.º 75/XV/1.ª (Bernardo Alexandre da Silva Venâncio) — Pela alteração da legislação que regula a prática de airsoft, bem como, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 789/XV/1.ª (IL) — Retira os dispositivos de airsoft da lei das armas. Proferiram intervenções os Deputados Bernardo Blanco (IL), Anabela Real (PS), Inês de Sousa Real (PAN), Pedro Pessanha (CH), Emília Cerqueira (PSD), João Dias (PCP), Rui Tavares (L) e Pedro Filipe Soares (BE).
A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 18 horas e 11 minutos.
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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Estamos em condições de iniciar os nossos trabalhos. Eram 15 horas e 8 minutos. Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público e peço à Sr.ª Secretária Maria
da Luz Rosinha o favor de proceder à leitura do expediente. A Sr.ª Secretária (Maria da Luz Rosinha): — Sr. Presidente, passo a dar conta da entrada dos Projetos de
Resolução n.os 887/XV/2.ª (PCP), que baixa à 6.ª Comissão, 888/XV/2.ª (IL), que baixa à 8.ª Comissão, 889/XV/2.ª (BE), que baixa à 11.ª Comissão, e 890/XV/2.ª (CH), que baixa à 12.ª Comissão.
É tudo, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr.ª Secretária. O primeiro ponto da nossa ordem do dia é o da reapreciação do Decreto da Assembleia da República
n.º 81/XV — Aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas. Este debate tem uma grelha própria, e eu queria consultar o Plenário sobre um aspeto. O Regimento diz
expressamente que, por cada grupo parlamentar, intervém um só Deputado ou Deputada — e, percebe-se que o diga, os Deputados únicos não têm esse problema, porque são únicos. A Mesa está informada de que o PSD gostaria de usar a faculdade de duas intervenções, visto que há propostas que vêm também da Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Francisco César (PS): — Não há ninguém dos Açores?! O Sr. Presidente: — Não tenho nenhuma objeção, e, contando com que ninguém tenha, faremos isso. Pausa. Ninguém tem objeções. Uma maneira de organizar o debate é seguir a ordem de introdução das alterações propostas. Se estiverem
de acordo, o primeiro partido a intervir é então o PAN, através da Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. Faça favor, Sr.ª Deputada, tem 1 minuto. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje voltamos à curta-metragem
do Governo sobre as casas que não saem do papel. O programa Mais Habitação, que aqui reapreciamos, não vem dar resposta nem à onda de entregas de casas
aos bancos que está em curso nem às famílias com rendas tão altas, que não têm outra alternativa que não seja viver na rua, mesmo com a inclusão da medida do PAN para a isenção de IMI (imposto municipal sobre imóveis) por dois anos. Este é um programa demasiado curto para a dimensão das necessidades que existem. É precisamente como a manta: puxa-se de um lado, destapa-se do outro.
Portanto, e porque não queremos que o PS fique a falar sozinho, o PAN apresenta 16 propostas de alteração para que o Mais Habitação chegue realmente às famílias e deixe de ser o «Menos Habitação».
Queremos que o apoio à renda e ao pagamento da prestação saia do papel e chegue às famílias. Queremos que as famílias possam recuperar parte do aumento das rendas e das prestações deste ano no
reembolso do IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) no próximo ano. Queremos também a impenhorabilidade da casa de morada de família. Queremos mais habitação jovem, com a criação de um regime de crédito bonificado e isenção de IMT
(imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis) para jovens até aos 35 anos. Não esquecemos o alojamento estudantil, e propomos que se dê um apoio financeiro à renda dos estudantes
com bolsa e que os senhorios tenham incentivos fiscais para arrendarem a custo acessível a estudantes. Sr.as e Srs. Deputados, vivemos hoje, no nosso País, em crise habitacional, mas também em crise climática,
e propomos, precisamente por isso, a criação de incentivos à melhoria hídrica e de combate à pobreza
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energética nas nossas habitações, assim como a isenção de IMT para a aquisição de casa própria em segunda aquisição, promovendo assim a circularidade do mercado imobiliário, ao invés da construção de novas casas, que traz sempre consigo impactos assinaláveis.
Para concluir, Sr.as e Srs. Deputados, no momento em que falamos, o Sr. Ministro das Finanças está a anunciar novas medidas. Esperamos que estas medidas saiam finalmente do papel, mas também que não fiquem fechadas na maioria absoluta, e que a bancada do Grupo Parlamentar do PS, na especialidade, esteja finalmente disponível para o diálogo, porque quem perde com a falta de diálogo são, acima de tudo, as famílias portuguesas.
O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Grupo Parlamentar do Chega, tem a palavra o Sr. Deputado
André Ventura. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui hoje porque o Partido Socialista
mostrou uma absoluta intransigência quanto a ter um verdadeiro pacote de habitação para o País e para as famílias portuguesas.
Estamos aqui hoje porque a obsessão do Partido Socialista com as maiorias e com o rolo compressor de uma ditadura parlamentar obrigaram o Sr. Presidente da República a fazer uso do seu veto político para devolver ao Parlamento este diploma.
Todos nos recordamos ainda de quando a Deputada Maria Begonha dizia, neste Parlamento, que este era o programa de que o País precisava, sem dúvidas e sem hesitações, de quando dizia ao País que este era o programa que os portugueses iriam sentir que traria melhorias para a sua própria vida e que não havia como pegar nele. Pois o País pegou, a oposição pegou e o Sr. Presidente da República pegou.
Se estamos aqui hoje, não é porque a habitação é um problema para o Partido Socialista. Estamos aqui hoje porque o Partido Socialista é o problema da habitação em Portugal.
Aplausos do CH. Quem nos acompanha sabe o que trouxe o Partido Socialista à discussão nesta matéria: um arrendamento
obrigatório que faria corar de vergonha Otelo Saraiva de Carvalho e os seus camaradas, arrendamentos obrigatórios e ocupações forçadas de casas que deixariam Álvaro Cunhal a sorrir pela luta que travou em 1974 e 1975.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Lave a boca antes de falar de Álvaro Cunhal! O Sr. Bruno Nunes (CH): — Lava tu a boca! Estás a falar com quem? O Sr. André Ventura (CH): — Do alojamento local contam-se aqui hoje, nestas galerias, representantes
legítimos, homens e mulheres que abdicaram do seu dinheiro, que abdicaram dos seus bens e das suas vidas familiares para investirem nos centros das cidades, onde António Costa e outros lhes disseram para investir. Reabilitaram as nossas cidades, reabilitaram os prédios que hoje embelezam as nossas cidades, e, chegados ao fim do percurso, o que é que o Partido Socialista lhes dá? A caducidade das inscrições, mais impostos e um regime absolutamente insuportável.
Caros Colegas,… O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Colegas?! O Sr. André Ventura (CH): — … isto não se inventa. Isto é o maior ato de ingratidão da história democrática
em Portugal! É o maior ato de ingratidão da história democrática. Aplausos do CH.
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O alojamento local não é o responsável pelos dramas da habitação portuguesa. Podem ser os impostos lançados por PSD e PS, pode ser a falta de construção da última década, pode ser a falta de instrumentos jurídicos de regulação e de regulamentação, mas nunca aqueles homens e mulheres que deram tudo o que tinham para permitir que Portugal e os seus centros históricos fossem hoje sítios habitáveis irreconhecíveis.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos aqui hoje pela absoluta intransigência do Partido Socialista quanto a reconhecer que Portugal não pode nem quer ser um País comunista, que queremos uma economia aberta e queremos uma economia livre, que as famílias têm direito à sua propriedade e que os portugueses têm direito à sua previsibilidade. A receita habitual, com mais impostos, mais expropriação, mais ataque à família, à propriedade e ao investimento, pode ter funcionado na Venezuela, mas em Portugal nunca, nunca funcionará, e nós não o permitiremos na cidade de Lisboa e no resto do País.
Aplausos do CH. O Sr. Bruno Dias (PCP): — A bem da propriedade! O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente e Srs. Deputados, à hora em que aqui estamos, compatriotas
nossos deslocam-se das suas casas para viverem em tendas na cidade de Lisboa, na cidade do Porto, na cidade de Beja, na cidade de Faro, na cidade do Funchal e em muitas outras, que poderíamos continuar a elencar. Todos os dias, novas famílias veem a sua casa penhorada ou veem os bancos, sagazes, sempre, na cobrança, a tirarem-lhes tudo o que têm.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Parece um comunista! O Sr. André Ventura (CH): — O Estado que exige aos portugueses que paguem os impostos que cobra sem
1 minuto de atraso é o mesmo Estado que lhes tira a casa se não pagarem uma única prestação. O Estado que lhes diz «paguem impostos e não falhem» é o mesmo Estado que não lhes oferece, há oito anos, uma única solução de habitação digna.
Quando chegarmos hoje ao fim do dia, saberemos uma coisa: saberemos que, se há alguém responsável pelo descalabro da habitação em Portugal, por tantas famílias não conseguirem pagar a sua casa, ele não se chama Bloco de Esquerda, PCP, PSD, Iniciativa Liberal ou Chega. A cara do fracasso, o rosto do insucesso são António Costa e o Governo do Partido Socialista.
Aplausos do CH. Sr. Presidente, vou terminar, porque o meu tempo está precisamente a terminar também. Lisboa é hoje a
cidade mais cara da Europa para arrendar casa. Repito: Lisboa é hoje a cidade mais cara da Europa para arrendar casa.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Vai daí…? O Sr. André Ventura (CH): — A Lisboa sucedem-se o Porto, o Funchal, Faro e tantas outras. Sr. Presidente e Srs. Deputados, há oito anos que o Partido Socialista governa este País. Há oito anos que
os preços não param de aumentar. Há oito anos que as famílias não param de ficar sem dinheiro para pagarem a sua casa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, há oito anos que assistimos ao rosto do fracasso. Sr. Presidente e Srs. Deputados, há oito anos que temos o pior Governo da nossa história. Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Para intervir em nome do Bloco de Esquerda, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
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A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As prestações ao banco ficaram 50 % mais caras no último ano. A renda dos novos contratos subiu quase 30 % em Lisboa e 30 % no Porto.
Uma renda média em Lisboa custa mais do que duas vezes o salário mínimo nacional. Duas vezes o salário mínimo nacional não pagam uma renda média em Lisboa. Custa mais do que uma vez e meia o salário mínimo nacional uma renda média no Porto.
Há estudantes a desistirem do ensino superior. Há gente a ser despejada das suas casas. Há gente desesperada porque não tem onde viver, onde planear a sua vida, onde ter filhos. E o programa que o Governo apresentou não resolve nenhum destes problemas.
O Partido Socialista vive num outro mundo. Vive num mundo em que a crise não é esta. Não é esta crise da habitação que vivemos. Vive a correr atrás do prejuízo. E tudo o que conseguiu ao fazer anúncios que não concretizou foi piorar o problema da habitação em Portugal e aumentar o preço das rendas.
Da direita não se pode dizer nada. A direita só quer saber do lucro do negócio e da forma como utiliza pequenos proprietários para proteger a ganância dos lucros da crise da habitação, do negócio do imobiliário.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Oh! O papão! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Há três medidas que podiam mudar a crise da habitação. Há três medidas
que podiam salvar a vida das pessoas que procuram uma casa e não têm: tetos às rendas, de acordo com a localização e a tipologia do imóvel;…
Protestos do Deputado da IL Rui Rocha. … obrigar os bancos a baixarem a prestação, e que isso seja feito por conta dos seus lucros — 2 mil milhões
de euros no primeiro semestre deste ano —; e proibir a venda de casas a não-residentes. E não vale a pena fingir indignação. Ficam a direita e o PS muito indignados com esta proposta porque ela
afeta os mais ricos. Ora, 95 % a mais é quanto pagam os não-residentes pelas casas, fazendo subir o preço de todas as casas do País. Mas não querem saber dos imigrantes que vivem nos porta-bagagens dos carros porque não conseguem ter uma casa, que vivem em prédios sem condições, em beliches, em regime de cama quente, porque não conseguem ter uma casa. Isso não os preocupa.
Protestos do Deputado da IL Rui Rocha. O Governo, com esta proposta, insiste no erro. Recusa as três propostas que podiam resolver o problema
da habitação em Portugal e acha que não tem de dar contas a ninguém porque se basta a si mesmo, na sua maioria absoluta.
O lóbi e a especulação imobiliária podem ter voz nesta Assembleia da República, da direita ao PS,… O Sr. André Ventura (CH): — E ali ao PCP também! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — … podem até ter maioria nesta Assembleia da República e impedir de
serem aprovadas medidas que podiam baixar os preços, mas nas ruas sabemos que é a voz do povo que manda. E a voz do povo, do povo que sabe o que é a crise da habitação e que conhece as medidas que poderiam resolver a crise da habitação, vai fazer-se ouvir.
A voz do povo vai fazer-se ouvir no dia 30 de setembro, numa manifestação pela habitação de quem quer resolver os problemas do País e sabe que, neste País, a vida digna, a capacidade de nos desenvolvermos, o futuro dependem hoje de uma coisa: do direito à habitação, e é isso que temos de nos preocupar em garantir.
Aplausos do BE. O Sr. André Ventura (CH): — Lá estaremos no dia 30! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Vai lá?!
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O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Márcia Passos. O Sr. Rui Rocha (IL): — Parece que querem ir à mesma manifestação! O Sr. Presidente: — Peço silêncio. A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Optei por falar daqui porque queria
falar olhos nos olhos com o Governo e com a Ministra da Habitação. Aplausos do PSD. Risos do Deputado do CH André Ventura e do Deputado da IL Rui Rocha. Mas a sua ausência é mais um sinal de falta de respeito deste Governo por este Parlamento, pelos
portugueses e pelo veto do Sr. Presidente da República. Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Srs. Deputados, que péssimo exemplo estamos a dar, que péssimo exemplo
este socialismo está a dar. O Mais Habitação ficará na memória de todos pelas piores razões. Causou alarme social e ainda nem entrou
em vigor, sendo os efeitos negativos já imensos, como a subida do valor das rendas ou a redução da construção. Só no Porto, por exemplo, construíram-se menos 1000 fogos e houve uma redução de investimento de 220 milhões. O investimento imobiliário caiu, num só mês, em agosto, 12,5 % e, no primeiro semestre do ano, 57 %. E o Mais Habitação ainda não entrou em vigor!
Que péssimo exemplo, Srs. Deputados. Temos um Governo que não cumpre promessas, como, por exemplo, a que foi feita em 2015 para construir
7500 casas de habitação acessível. Até hoje, nenhuma casa foi construída. Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Quanto à promessa de resposta a 26 000 famílias até 2026, hoje o número
já subiu para 88 000 famílias em condição indigna. Os Srs. Deputados não se envergonham? Não se envergonham de um Governo que está «orgulhosamente
só»? Sociedade civil, senhorios, arrendatários, partidos políticos, Presidente da República, investidores, empresas, estão todos contra o Governo e contra este socialismo.
Aplausos do PSD. Este é um Governo que ignorou o veto do Sr. Presidente da República, bem como os alertas e as
preocupações que o mesmo transmite. Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva. São um Governo e uma maioria parlamentar fechados ao diálogo, que não querem ouvir nem assumir
compromissos para o País. O PSD apresentou e reapresentou mais de 50 medidas para a habitação — medidas estruturais, coerentes,
sem arrendamento forçado, sem ataque ao alojamento local, sem limitação de rendas. É possível, Srs. Deputados, é possível!
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Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Márcia Passos (PSD): — Apresentámos medidas reformistas, coerentes, que assentam em cinco
eixos fundamentais: choque de oferta, com mais construção, reabilitação e mais casas para arrendamento; programa de apoio à primeira casa para os jovens; fixação temporária das prestações dos créditos; subsídios de renda; e estímulo público a novos modelos de habitação.
Sr.as e Srs. Deputados do Partido Socialista, é a VV. Ex.as que dirijo estas minhas últimas palavras, dizendo que ainda vão a tempo. Ainda vão a tempo de emendar todos os erros e de mostrar ao País que, acima de tudo, o interesse dos portugueses fala mais alto, mais alto do que uma teimosia incompreensível do Governo do Partido Socialista.
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, no resto do tempo do PSD, a Sr.ª Deputada Patrícia Dantas. A Sr.ª Patrícia Dantas (PSD): — Sr. Presidente, reafirmo: o pacote Mais Habitação, em vez de somar, só
subtrai. Perante a contestação unânime, só mesmo o autismo do Partido Socialista para insistir num programa que
não resolve o problema da habitação em Portugal. Não o resolve, porque, desde que foi Governo, em 2015, o PS pouco mais fez do que apresentações
«fabulásticas» de PowerPoint e promessas sem concretizações. Não o resolve e, pela pressão do caos instalado, continua a prometer: promete casas aos jovens, aos
estudantes, professores e funcionários públicos deslocados — as mesmas casas! Não o resolve, porque despreza o lado da oferta e compromete, mesmo antes da entrada em vigor do
diploma, a oferta de habitações disponíveis à data. Não resolve o problema e ataca o mercado do alojamento local, o sustento de 55 000 famílias. Não só impede
a sua expansão como tributa adicionalmente os seus rendimentos. Não chegava ao País ter a maior carga fiscal de sempre e mais de 4300 taxas e taxinhas?
Não resolve o problema no continente e, com total desrespeito para com as autonomias e a estatuto político das regiões autónomas, o PS impõe a tributação do alojamento local e não permite que seja implementado um regime transitório para as autorizações de residência para investimento.
Isto não obstante a pública e veemente discordância dos Governos regionais liderados pelo PSD. Para corrigir esta situação foram submetidas duas propostas de alteração. Veremos qual a posição do Partido Socialista na votação de amanhã. Veremos se o PS está, ou não, com a Madeira.
Aplausos do PSD. Os sociais-democratas, com o lema «Somos Madeira» e com resultados concretos, inclusive na habitação,
apresentam-se ao eleitorado no dia 24. A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ui! O Funchal é um paraíso da habitação! O Sr. Rui Tavares (L): — E as Selvagens? E as Desertas?! A Sr.ª Patrícia Dantas (PSD): — Estou certa de que a posição do PS amanhã, bem como a garantia de que
quando o PSD liderar o Governo nacional revogará o Mais Habitação… Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Patrícia Dantas (PSD): — … serão dois aspetos a ponderar no dia das eleições regionais do próximo
domingo. Aguardemos com calma.
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Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para intervir pela Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rocha. O Sr. Rui Rocha (IL): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que não há maior exemplo de cobardia política
do que aquele que constatamos aqui hoje, com a ausência do Governo da sua bancada, porque não teve coragem para enfrentar as dezenas de famílias do alojamento local que hoje cá estão para ver o que se vai discutir.
Aplausos da IL e de Deputados do PSD. Sr. Presidente, Srs. Deputados, está hoje na moda escrever livros, por parte de Primeiros-Ministros, sobre o
tempo em que foram governantes. Se António Costa, um dia, escrever algum livro sobre este período em que governa Portugal, esse livro só pode ter um título: A arte de rebentar o que restava do mercado de habitação.
Aplausos da IL. A Sr.ª Maria Begonha (PS): — É muito longo! O Sr. Rui Rocha (IL): — Mas comecemos, Srs. Deputados, pelo princípio, pelas promessas de António
Costa. Vamos a 2017: a primeira promessa de António Costa — e oiçam bem, porque vale a pena ver aquilo que foi
prometido e o que foi depois executado — foi investir 1400 milhões de euros para construir 7500 casas de utilização acessível. Concretizado até hoje, quando estamos a falar, temos o extraordinário número de zero habitações.
O segundo exemplo é de 2018: António Costa, a propósito do pacote Nova Geração de Políticas de Habitação, prometia acabar, até ao aniversário do 25 de Abril que celebraremos no próximo ano, com todas as situações de carência habitacional em Portugal. Faltam cinco meses para o 25 de Abril, Srs. Deputados, e todos sabemos o que vai acontecer.
O terceiro exemplo é também de 2018: dizia o Governo que, entre 2019 e 2022, seriam disponibilizadas 12 000 novas camas em residências universitárias. Estamos em 2023, concluímos já o ano de 2022 e, nessa altura, o número de camas que existia era exatamente igual ao de 2018.
E, Srs. Deputados, não serão as camas que vão disponibilizar na Anadia que vão mudar esta situação. Aplausos da IL. Mas António Costa não se ficou pelas promessas, António Costa também aprovou, e quer aprovar agora
novamente, o pacote Mais Habitação. E com isso conseguiu já, ainda antes da entrada em vigor desse pacote, perturbar gravemente as soluções que existem no mercado,…
O Sr. Rui Tavares (L): — Soluções de mercado?! A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Ah, pois, o mercado…! O Sr. Rui Rocha (IL): — … quer em termos de arrendamento quer em termos de construção de novo
edificado. Portanto, temos um caso extraordinário, que é: ainda antes de um pacote legislativo entrar em vigor, as
soluções que existem para as pessoas, que já eram difíceis, estão ainda mais perturbadas. É por isso que a Iniciativa Liberal apresentou, há 15 dias, o programa Habitação Agora. Vou identificar quatro
ou cinco medidas desse programa, começando pela redução do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) da
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construção, porque, Srs. Deputados, temos de ter um discurso consequente. Se a habitação é um bem essencial, os impostos não podem ser de luxo.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! Protestos da Deputada do PS Maria Begonha. O Sr. Rui Rocha (IL): — A segunda medida é o descongelamento de rendas, porque é preciso devolver a
confiança ao mercado e haver um mecanismo de transição que assegure que aqueles que não têm condições para suportar as rendas tenham um apoio do Estado. Mas é o Estado que deve fazer apoio social, isso não cabe a quem tem propriedade!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! O Sr. Rui Rocha (IL): — A terceira medida é eliminar o IMT na compra de habitação própria permanente.
Isto porque o Estado, seja ele local ou nacional, está a embolsar quantidades enormes enquanto os portugueses passam enormes dificuldades em termos de habitação.
Esta é a diferença entre António Costa e a Iniciativa Liberal: de um lado, medidas erradas, do outro, medidas certas; de um lado, promessas que nunca foram concretizadas ao longo de oito anos de governação, do outro, em 15 dias, apresentamos o programa Habitação Agora e as medidas estão já disponíveis para os Srs. Deputados votarem favoravelmente e com isso melhorarem a situação do mercado de habitação em Portugal.
Aplausos da IL. O Sr. Rui Tavares (L): — Não é mudar a situação do mercado, é mudar a situação das pessoas! O Sr. Presidente: — Para intervir pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias. O Sr. Bruno Nunes (CH): — O ideal é voltar às cooperativas! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Desde que o Governo apresentou esta
proposta, batizada de Mais Habitação, o PCP manifestou a sua frontal discordância face às opções políticas desastrosas e aos interesses que veio, mais uma vez, privilegiar.
Todavia, as nossas razões para essa discordância e para o voto contra do PCP face a essa proposta do Governo não são as mesmas razões que levaram ao veto do Sr. Presidente da República.
O verdadeiro problema é que o decreto Mais Habitação está globalmente concebido enquanto instrumento de favorecimento da especulação imobiliária e financeira, continuando a negar a resposta que se impõe em questões cruciais, como as dos custos e da estabilidade do arrendamento, da dimensão insuportável das prestações do crédito à habitação e da promoção da habitação pública.
O PCP intervém nesta discussão sobre o Mais Habitação com as suas propostas, que defendem milhões de famílias confrontadas com aumentos brutais de rendas e na prestação do crédito à habitação.
As propostas do PCP são muito claras: travar os aumentos de rendas nos novos contratos e nos contratos em vigor; abrir a renegociação dos créditos à habitação, colocando os lucros da banca a pagar o aumento exorbitante das taxas de juro; devolver estabilidade aos inquilinos nos contratos de arrendamento e acabar com o infame «balcão dos despejos», agora mascarado de balcão do arrendatário e do senhorio; promover de forma efetiva a habitação pública, mobilizando o património público e impedindo a alienação de património público que pode servir à garantia do direito à habitação; e criar um regime especial de suspensão dos despejos em caso de comprovada insuficiência económica do agregado familiar.
Propomos ainda a eliminação de mais benefícios fiscais aos grandes proprietários… O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tipo o PCP!
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — … e especuladores, como os fundos imobiliários; o fim do regime fiscal do privilégio que é o regime dos residentes não habituais e das medidas que visam acelerar ainda mais os despejos das famílias que não têm alternativa.
Perante a convergência verificada entre PS, PSD, Chega e Iniciativa Liberal na rejeição das propostas do PCP e no apoio às opções de política de direita do Governo PS, ficou já demonstrado que a solução não se encontra repetindo as erradas políticas do passado.
E essa aparência de quem pretende aparecer na fotografia como se estivesse sentado em cima do muro a dizer que não é nem de esquerda nem de direita não disfarça a opção de classe que continuam a assumir pelo poder económico e pelos grandes interesses.
Aplausos do PCP. A solução está nas respostas que têm de ser dadas, nas medidas concretas que defendam as populações,
que defendam todos os que estão a enfrentar a ameaça de ficar sem casa, ou que já hoje estão sem casa. É essa a luta, a exigência que se ergue na voz de milhares e milhares de pessoas que saem às ruas, e que
vão sair às ruas no próximo dia 30, para dizer «não» a estas políticas e para exigir que haja casas para viver. Lá estaremos, e daqui saudamos essa mobilização e essa luta que, essa sim, há de construir a mudança
para um futuro melhor. Daqui reafirmamos o compromisso do PCP em prosseguir a intervenção e a luta pela garantia do direito à
habitação, porque a habitação tem mesmo de ser um direito e não uma mercadoria. O que é urgente garantir são casas para viver e não para especular.
Aplausos do PCP. O Sr. Rui Rocha (IL): — Vamos contruir prédios na Quinta da Atalaia! O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas: Quem tiver ouvido a direita durante estes
meses falar sobre habitação diria que hoje teríamos de estar aqui a discutir um envio para o Tribunal Constitucional, porque, aparentemente, era impossível dizer que a propriedade tivesse uma função social ou era impossível impor limites ao mercado.
Mas não é isso que estamos aqui a discutir, estamos a discutir um veto político, que não foi para o Tribunal Constitucional, no qual o que de mais concreto nos diz o Sr. Presidente da República é que as propostas do Governo estão muito aquém da escala do problema que estamos a viver.
Por outro lado, tendo ouvido o que o PS e o Governo têm dito nos últimos meses, dá a sensação de que é só preciso ir vendo, ir fazendo, ir começando a fazer, quando o pior do tsunami da crise da habitação ainda está aí, perante nós.
Hoje mesmo, o Governo anuncia propostas para mitigar o efeito da subida dos juros sobre as prestações do crédito imobiliário das famílias portuguesas, quando, há um ano, o Livre já tinha apresentado propostas para que as pessoas pudessem passar da taxa variável para a taxa fixa; propostas essas que o PS primeiro aprovou, depois chumbou, depois disse que ia apresentar iguais e depois não apresentou, para chegar agora, um ano depois, com propostas que se limitam a «empurrar com a barriga» o problema e põem as pessoas sempre a «pagar com língua de palmo» aos bancos, seja agora seja mais tarde.
É caso para perguntar ao PS e ao Governo, se aqui estivesse: «Acham que 95 % dos portugueses ficaram com taxa variável porque lhes apeteceu? Porque foi um fenómeno da natureza? Ou foi porque a banca os levou a que estivessem na dependência que hoje estão? Assim sendo, não é de pôr a banca a pagar por aquilo que fez unicamente neste País da zona euro, quando em todos os outros as pessoas pagam mais taxa fixa e estão mais cobertas das subidas de juros?» O Governo poderia ter feito isto e poderia, ainda hoje, fazer muito.
Ao aprovar as medidas que o Livre propõe, podemos disponibilizar património do Estado que já existe para residências estudantis. Se 3000, 4000, 5000 estudantes, ao chegarem a uma cidade, tiverem o seu problema de alojamento resolvido, é menos pressão no mercado de habitação para as famílias.
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Mas é preciso esse mercado de habitação. E aí, caro Deputado Rui Rocha, o problema não é fazer funcionar mais o mercado, o problema é proteger as pessoas e dizer que quem constrói deve ter 30 % de habitação não especulativa.
O problema não é Lisboa, ou o Porto, ou Braga, ou o Funchal serem atrativos. Essa é uma solução e não é o problema. O problema é que Viena é atrativa, Amesterdão é atrativa e, numa dessas cidades, há 60 % de habitação pública, na outra há 30 % de habitação pública e em Portugal nem 2 % de habitação pública temos.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tempo!… O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, tem de terminar. O Sr. Rui Rocha (IL): — Boa sorte com isso! O Sr. Rui Tavares (L): — Por isso é preciso uma missão: não só mais habitação, mas melhor habitação, em
que o Estado exerça o seu direito de preferência, em que o Estado ajude as pessoas a comprar casa e em troca tenha regimes de transmissão de arrendamento e de propriedade…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tempo! O Sr. Rui Tavares (L): — … que sejam não especulativos e que protejam as pessoas que aqui vivem,
trabalham, estudam e precisam de uma casa para viver. O Sr. Presidente: — Permita-me, Sr. Deputado, que lhe recorde que triplicou o seu tempo de intervenção, o
que desafia mesmo o mais tolerante dos Presidentes. O Sr. Rui Rocha (IL): — Da próxima vez faz o mesmo! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Peça desculpa! O Sr. Rui Tavares (L): — Mais 20 segundos! O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mais 20 segundos?! Mais 2 minutos! Quando o Sr. Presidente diz que é para terminar, é para terminar. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr.
Deputado Hugo Carvalho. Neste momento, elementos do público presentes nas galerias levantaram-se e começaram a dizer,
repetidamente, a frase: «Casa para viver!». Os Srs. Agentes da autoridade têm de intervir, evacuando a galeria. Continuação das manifestações de protesto de público presente nas galerias. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Só arruaceiros! O Sr. Presidente: — Sr. Deputado Hugo Carvalho, pode iniciar a sua intervenção. O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Podemos divergir nas soluções
propostas, podemos divergir na urgência ou na prioridade que damos a quem queremos defender. Podemos ter convicções políticas e ideológicas diferentes — e devemos —, mas temos de ter a convicção de que, numa
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democracia maturada, a convivência política entre os órgãos de soberania não é uma arma de arremesso ou de ataque político.
A reapreciação de um decreto da Assembleia da República e a sua confirmação em nada colidem com a legitimidade de atuação dos diversos atores políticos e, acima de tudo, não são, nem nunca poderão ser, um barómetro que define o que está certo e o que está errado.
A legitimidade de S. Ex.ª, o Sr. Presidente da República, em vetar o diploma — o que evidentemente nos leva à reflexão — é exatamente igual à vontade de quem acredita, neste Plenário, que este diploma é fundamental para melhorar a vida dos portugueses.
Aplausos do PS. O mote «Casa para viver» não podia encaixar mais neste debate. A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Tenha vergonha na cara! O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Não se trata de arrogância, como aqui foi dito. Não se trata de sobranceria,
como aqui foi dito. Não se trata de falta de diálogo, como aqui foi dito. O Sr. Rui Rocha (IL): — É mesmo cobardia!… O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Trata-se de respeito institucional e político pelos mais basilares princípios
democráticos. De uma democracia maturada, que respeita o caminho traçado de diálogo, de debate, de auscultação, de readaptação de um diploma que foi melhorado ao longo dos meses e que agora não temos dúvidas em confirmar.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, no Grupo Parlamentar do Partido Socialista sabemos
bem da responsabilidade que nos é colocada nesta reapreciação parlamentar. Há diferenças claras entre aqueles que, neste debate, pertencendo ao grupo parlamentar que dá suporte à
ação política do Governo, não se podem refugiar apenas em palavras, mas, sim, em ações, nomeadamente a ação para defender um interesse coletivo, um bem superior: ultrapassar as barreiras que dificultam o acesso à habitação.
Isso significa fazer opções que outros não têm de fazer. Significa fazer opções no alojamento local, no investimento estrangeiro, no mercado imobiliário, nas taxas liberatórias, nos benefícios fiscais.
Outros podem, porventura, escolher caminhos mais fáceis. De manhã, dizem-se preocupados com os custos das rendas para as famílias, mas à tarde já são os maiores defensores do alojamento local, e à noite «cai o Carmo e a Trindade» pelo investimento imobiliário.
Aplausos do PS. No dia seguinte, já ninguém os ouve falar dos inquilinos e, em simultâneo, chama-se às sedes partidárias a
«corporização de interesses», fazem-se promessas eleitorais de rasgar vestes e, por fim, afinam-se os chavões para os programas de televisão.
Este foi o enfoque da direita neste tema. Protestos do Deputado da IL Bernardo Blanco. Grita-se «ataque à propriedade privada», grita-se a «morte do alojamento local», o «fim do investimento
estrangeiro», como se uma discussão desta magnitude pudesse ser reduzida a uma dimensão do preto e do branco.
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Protestos do Deputado da IL Bernardo Blanco. E a intervenção, há pouco, do Deputado da Iniciativa Liberal Rui Rocha é bem clara nisso. Defende baixar o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) da construção para 6 %, seja para a especulação
imobiliária seja para a habitação de luxo ou para os negócios imobiliários. O Sr. Rui Rocha (IL): — Não é um bem essencial?! O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Mas o que o Deputado Rui Rocha não diz é que o Mais Habitação faz a
redução do IVA para 6 %. Só que o faz para quem quer construir a custos controlados, para quem quer colocar a casa a preços acessíveis, que as pessoas possam pagar. Para esses, sim, nós baixamos o IVA da construção.
Aplausos do PS. É por isso que esta discussão não é a preto e branco, é feita com ponderação, com respeito e com seriedade. O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Está a correr muito bem! O Sr. Hugo Carvalho (PS): — Sr.as e Srs. Deputados, o piscar do olho, que pode ser interessante para captar
descontentamentos, até pode ser útil para dar provas de vida a uma oposição. Mas é efetivamente e manifestamente pouco para criar uma alternativa credível ao pacote legislativo Mais Habitação, que o Partido Socialista e o Governo aqui apresentaram.
Iremos, por isso, confirmar a votação deste diploma, não por capricho político,… O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Não!… O Sr. Hugo Carvalho (PS): — … mas por convicção. Fazemo-lo com respeito democrático pelas ideias, pelo
debate, pela discussão pública alargada que este dossiê teve. Fazemo-lo porque este processo resultou de um grande esforço de equilíbrio entre as necessidades de
garantir habitação para todos e a saudável coexistência de atividade económica, que é fundamental também para o nosso País.
Fazemo-lo porque este pacote dá liberdade territorial para que haja soluções diferentes para problemas diferentes, que atingem de forma diferente os diferentes concelhos do nosso País.
Fazemo-lo porque este pacote legislativo coloca ao dispor dos municípios mais instrumentos para tomarem medidas acertadas nos seus territórios.
E fazemo-lo porque este pacote desonera os senhorios e iliba-os de responsabilidades que nós assumimos que deve ser o Estado a assegurar.
Aplausos do PS. Sr.as e Srs. Deputados, por fim, fazemo-lo porque não nos resignamos a que o debate sobre o acesso à
habitação se transforme numa espécie de jogo de tabuleiro, à semelhança do Monopoly, que muitos se devem lembrar de ter jogado em crianças. Neste jogo desigual, já sabemos que, depois de estarem distribuídas as casas e de o investimento estar do lado de apenas alguns, há outros a quem só resta caminhar mais umas voltas pela sua sorte.
Ora, a um Estado não cabe deixar ninguém abandonado à sua sorte, custe isso a quem custar. É para fazer esse trabalho que aqui estamos.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, assim terminamos o primeiro ponto da nossa ordem do dia.
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Passamos para o segundo ponto, que consiste no debate com a participação do Governo sobre o estado da União, conforme previsto na Lei relativa ao acompanhamento, apreciação e pronúncia pela Assembleia da República no âmbito do processo de construção da União Europeia (Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pela Lei n.º 21/2012, de 17 de maio e Lei n.º 18/2018, de 2 de maio).
Como se trata de um dos debates sujeitos a novas regras, de acordo com o novo Regimento, permito-me chamar a atenção de todos para o seguinte: o debate inicia-se com uma intervenção do Governo, a cargo, no caso, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Depois seguem-se os partidos, por ordem de representatividade. Cada partido gere o seu tempo como entender, em uma ou mais intervenções, e o Governo responde, individualmente, no fim das intervenções de cada partido.
Vamos, então, iniciar o debate, com a intervenção inicial do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus (Tiago Antunes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs.
Deputados: Nesta Legislatura europeia, enfrentámos uma pandemia e soubemos sair dela mais fortes, mais unidos, com respostas e ações concretas conjuntas, que permitiram salvar vidas e evitar uma prolongada catástrofe económica.
Também nesta Legislatura europeia vimos a guerra e os crimes contra a humanidade regressarem ao solo europeu, infligindo um profundo sofrimento ao povo ucraniano, com impacto direto nas nossas vidas.
Ainda nesta Legislatura europeia, e para lá da necessidade de responder a fenómenos imprevistos, fomos implementando uma transformação estrutural na Europa, capacitando-nos para a dupla transição verde e digital em curso. E relançámos o debate sobre o alargamento e a necessária reforma do funcionamento da União.
Nesta Legislatura, em suma, vivemos tempos desafiantes, que exigem um comprometimento contínuo em prol do bem-estar dos nossos cidadãos e do futuro da Europa.
Do discurso sobre o estado da União, proferido pela Presidente da Comissão Europeia na semana passada, permitam-me que destaque algumas componentes essenciais.
Começo pelo desafio maior das nossas vidas, aquele que esteve presente nesta Legislatura e estará em muitas mais, certamente, com consequências já visíveis e sentidas por todos nós, em todos os cantos da Europa: a crise climática, a ameaça existencial que não pode ser ignorada.
A União Europeia está firmemente comprometida em liderar o mundo no combate às alterações climáticas. Para alcançar esse desiderato, estamos a investir massivamente em fontes de energia limpa e em processos de descarbonização, designadamente através dos Planos de Recuperação e Resiliência.
As energias renováveis compõem já uma percentagem muito significativa do nosso mix energético, o que tem sido essencial não só para promover uma maior sustentabilidade, mas também, em Portugal e sobretudo ao longo do último ano, para garantir alguma estabilidade nos preços da eletricidade.
No âmbito ambiental, saudamos igualmente o anúncio de uma iniciativa no domínio da resiliência hídrica, em linha com a nossa proposta de lançamento de um programa Rewater EU, uma prioridade sinalizada por Portugal e que merece, hoje, uma forte atenção europeia.
Numa era dramaticamente marcada por eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e mais severos, é essencial garantir que as nossas comunidades estejam preparadas para enfrentar os desafios da escassez de água e das inundações.
Esta ação deve prosseguir a par e passo com um investimento na modernização do nosso setor agrícola. A Presidente da Comissão anunciou que dará início a um diálogo estratégico sobre o futuro da agricultura na União Europeia, no sentido de garantir a conciliação entre a atividade agrícola e a proteção da natureza. Não podíamos estar mais de acordo e é algo que procuramos fazer também a nível nacional, em articulação com o setor.
Num outro domínio, com benefícios tanto para a agricultura como para outros setores económicos, a Comissão Europeia pretende, tal como Portugal tem advogado, reforçar as parcerias comerciais com o resto do mundo. Tem a ambição de, até ao final do ano, concluir acordos de livre comércio com a Austrália, o México e o Mercosul (Mercado Comum do Sul), procurando ainda avançar nas negociações com a Indonésia e com a Índia — este último, um processo negocial iniciado durante a Presidência portuguesa do Conselho.
Num ambiente global cada vez mais complexo, a conclusão de acordos comerciais justos e equilibrados é essencial para a prosperidade da Europa e dos nossos parceiros, impulsionando a economia europeia e reforçando o nosso papel como ator global.
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Temos sempre defendido que estas negociações comerciais não beneficiem apenas os grandes grupos económicos, mas também as pequenas e médias empresas (PME). As PME são o motor da nossa economia e responsáveis por um número significativo de empregos, pelo que acompanhamos a intenção da Comissão Europeia de simplificar procedimentos administrativos, eliminar encargos e custos de contexto e reduzir a burocracia, proporcionando oportunidades para que as PME cresçam e inovem em solo europeu.
E um dos desafios que hoje, obviamente, se coloca também ao nosso tecido económico é a necessidade de mão de obra. Como a Presidente da Comissão Europeia referiu, a insuficiência ao nível dos recursos humanos qualificados é apontada como um problema para 74 % das PME na Europa, sendo que a escassez de mão de obra prejudica a nossa capacidade de inovação, o crescimento e a prosperidade.
Face a esta realidade, subscrevemos as palavras da Presidente da Comissão, quando refere a necessidade de termos imigrantes na nossa sociedade e de procedermos a uma gestão de migrações ordenadas e regulares.
Precisamos de uma política migratória que, em primeiro lugar, apoie os países de origem na criação de condições de desenvolvimento, de paz, segurança e respeito pelos direitos humanos, de adaptação às condições climáticas, condições que diminuam a pressão emigratória.
Em segundo lugar, precisamos de um trabalho com os países de trânsito, para que os fluxos migratórios sejam geríveis, e de uma ação responsável na gestão das nossas fronteiras, reforçando a prevenção e o combate ao tráfico de seres humanos.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — E, em terceiro lugar, precisamos da criação de
canais legais de imigração, porque essa é a única forma eficaz de combater a ação — essa sim, escandalosamente ilegal — de quem explora a vulnerabilidade alheia e beneficia com o contrabando de pessoas, lançando-as ao mar em condições de risco de vida.
Aplausos do PS. Um continente que tem a dinâmica demográfica que a Europa tem, que tem o esforço de crescimento
económico que a Europa tem de fazer, é um continente que tem de perceber que a imigração não é um problema, mas é uma necessidade e uma oportunidade para sustentar o nosso desenvolvimento económico e o nosso modelo social.
Depois, há ainda a dimensão do asilo, num espaço de valores, democracia e respeito pelos direitos humanos como a Europa, que deve acolher todos aqueles que são perseguidos, oprimidos ou sujeitos a violência e que carecem de proteção internacional, tal como fizemos, de resto, ao nível europeu e em Portugal, com o regime de proteção temporária, aplicado pela primeira vez para acolher e proteger aqueles que fugiam da guerra na Ucrânia.
Desta e de outras formas, continuaremos a apoiar a Ucrânia, custe o que custar, dure o tempo que durar. Esse é um compromisso europeu de que não abdicamos.
Aplausos do PS. Apoiaremos igualmente a Ucrânia, a Moldova e os países dos Balcãs Ocidentais nas suas reformas para a
adesão ao nosso projeto comum. Simultaneamente, tal como Portugal sempre tem defendido e tal como a Presidente da Comissão Europeia
reconheceu, temos de começar, já hoje, a trabalhar nas reformas internas necessárias, para que a União Europeia possa acolher novos Estados-Membros e funcione eficazmente com mais de três dezenas de países.
Este é um desafio que parte do estado atual da União, mas que se projeta para o futuro: o desafio de começar a construir uma Europa mais vasta, mais diversificada, mas, simultaneamente, mais forte e sempre fiel aos seus valores.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: — Iniciamos agora a ronda das questões colocadas pelos partidos políticos. No tempo reservado ao PS, começa por intervir a Sr.ª Deputada Edite Estrela. A Sr.ª EditeEstrela (PS): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
O balanço que fazemos da ação das instituições europeias é globalmente positivo, mas o discurso da Sr.ª von der Leyen sobre o estado da União ficou aquém das expectativas. Faltou-lhe a força, a determinação e a coragem com que mobilizou, em 2020, os cidadãos europeus.
É justo reconhecer que as instituições europeias enfrentaram, com denodo e sem hesitação, o enorme desafio que foi a pandemia. Houve união e houve solidariedade, para não deixar ninguém para trás.
A Europa tem estado bem na condenação de uma guerra em solo europeu, uma guerra que viola os princípios básicos do direito internacional e atenta contra os direitos humanos.
O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Todavia, quando se avizinha mais um ciclo eleitoral, esperava-se mais audácia
e ambição, porque há mais vida para além da guerra e necessidades urgentes por causa dela. Os efeitos da pandemia e da guerra vão seguramente prolongar-se. Não sabemos até quando nem qual vai
ser a sua dimensão. Sabemos, contudo, que situações excecionais exigem novas medidas, como tem feito o Governo português — um exemplo a seguir.
Não por acaso, felizmente, o discurso da Presidente da Comissão Europeia espalha muitas das prioridades que Portugal tem vindo a apontar, como, aliás, referiu o Sr. Secretário de Estado: desde logo, a centralidade conferida às pequenas e médias empresas e o reforço da sua competitividade. Também este setor enfrenta novos desafios, comuns a toda a população: os desafios da dupla transição verde e digital. De facto, a crise energética existe, a crise climática existe — não são ficção — e o combate às alterações climáticas deve ser uma prioridade.
Aplausos do PS. Mas, se a ideia de transitar para uma nova era parece inspiradora, não se pode ignorar as assimetrias
existentes. O alerta vem das Nações Unidas. O mundo digital está a funcionar com muitos benefícios, mas não de forma
igual para todos. A crise pandémica veio confirmar que as tecnologias digitais estão a revolucionar o mundo. Também por isso, este Governo português tem feito um enorme investimento para dotar todas as crianças em idade escolar das ferramentas adequadas para combater a desigualdade digital.
Os efeitos desta guerra sobre a economia europeia são elevados. As famílias são as principais vítimas. Vale a pena lembrar que o aumento do preço da energia conduziu a uma espiral inflacionista que o Banco Central Europeu tem vindo a combater com aumentos enormes das taxas de juro, com consequências devastadoras na vida das famílias.
Ao contrário do que aconteceu no passado recente com o Governo da direita, temos hoje, em Portugal, um Governo que coloca as pessoas no centro da sua ação política.
O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Foi o do PS! A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Exemplo disso são as medidas de apoio às famílias, hoje mesmo aprovadas
pelo Conselho de Ministros, para aliviar o aumento das prestações provocado pela subida das taxas de juro: alargamento e bonificação do crédito à habitação e taxa fixa por dois anos, para assegurar a estabilidade do valor das prestações.
Sr. Secretário de Estado, o problema da habitação adquiriu escala europeia. Portanto, é dever da União Europeia encontrar fórmulas inovadoras para responder ao legítimo desejo dos jovens de terem acesso a habitação condigna. Esta é uma matéria que espero que o nosso Governo continue a debater no seio da União Europeia.
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Termino, perguntando se vai o Governo português continuar a defender a criação de um mecanismo permanente de resposta a crises e a implementação de novas formas de angariação de recursos próprios da União, tal como foi defendido no artigo conjunto de Portugal, França e Alemanha.
A pandemia que recentemente se abateu sobre o mundo deixou bem visível que estes temas não podem sair da agenda.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Ainda no tempo reservado ao Partido Socialista, tem agora a palavra o Sr. Deputado
Rui Lage. O Sr. Rui Lage (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Ministra: O
discurso sobre o estado da União foi um discurso de fim de ciclo e, portanto, foi um discurso de balanço, o que explica algumas das omissões já aqui referidas e explica também alguns recados enviados pela Sr.ª von der Leyen à sua própria família política, o PPE (Partido Popular Europeu).
É que o PPE tem andado, por estes dias, a testar maiorias alternativas com o pior da direita europeia, a fação da direita europeia que acolhe forças xenófobas, negacionistas de alterações climáticas e espécimes afins.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vocês é que expulsaram membros da militância, não fomos nós! O Sr. Rui Lage (PS): — É que há um outro ciclo que parece estar a chegar ao fim no projeto europeu. O
PPE está a testar a viabilidade de uma maioria alternativa àquela que, nas últimas décadas, reuniu as forças moderadas da Europa e que foi responsável pelos principais progressos do projeto europeu — aliás, enumerados abundantemente no discurso da Sr.ª von der Leyen.
O PPE está, há meses, a radicalizar as suas posições e a encostar-se ao campo dos conservadores e da extrema-direita e a cortejar, em particular, o ECR (European Conservatives and Reformists), que acolhe partidos como o Irmãos de Itália, da Sr.ª Meloni, o partido Lei e Justiça, da Polónia, e o Vox, da nossa vizinha Espanha.
Já não é segredo para ninguém: o PPE está ativamente a procurar enfraquecer o Pacto Ecológico Europeu. A Sr.ª von der Leyen sabe-o e está, ela própria, a enfrentar a sua família política, para quem quiser ler nas entrelinhas.
Protestos do Deputado do CH Bruno Nunes. Podíamos ser tentados a achar que isto faz parte apenas das tensões da polarização pré-eleitoral, típica
destas fases, mas depois olhamos para as várias coligações governativas por essa Europa fora e vemos os países onde partidos da família do PPE e do PSD estão de acordo com partidos da extrema-direita…
O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Ai, que susto! O Sr. Rui Lage (PS): — … e percebemos que já não é apenas um bluff. Não sei se os recados da Sr.ª von der Leyen para a sua própria família política vão «cair em saco roto» ou
vão ser ouvidos, mas espero sinceramente — e acho que a Sr.ª von der Leyen também espera sinceramente — que o PPE, à conta das novas alianças de que anda à procura, não embarque a União Europeia…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tens de estudar o Parlamento Europeu! Não sabes do que estás a falar! O Sr. Rui Lage (PS): — … numa aventura com os descendentes daqueles que, há pouco mais de 70 anos,
precipitaram a Europa no abismo. Aplausos do PS.
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O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Fala o descendente do Estaline! A descendência do Estaline a falar!
O Sr. Presidente: — Para responder, tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª
Deputada Edite Estrela, quanto ao discurso da Presidente da Comissão Europeia, creio que foi um discurso com as prioridades certas, aliás, como entretanto o Sr. Deputado Rui Lage acaba de referir — e já lá irei —, mas, de facto, como também já foi dito, foi um discurso de final de mandato e, portanto, com pouca novidade. Gostaríamos de ter visto mais ambição nesse discurso, embora compreendamos que a fase em que nos encontramos dificulta o lançamento de novas iniciativas.
Mas há um trabalho, que compete a todos nós, de semear, de lançar sementes para debates que, mesmo que não se concretizem nesta Legislatura europeia, possam fazer o seu caminho para o futuro. Era isso mesmo que constava da carta que o Primeiro-Ministro teve oportunidade de enviar à Presidente da Comissão Europeia, antecipando o discurso do estado da União e a elaboração do programa de trabalhos da Comissão para o próximo ano, em que, justamente, elencava algumas medidas que seriam fazíveis mais a curto prazo, enfim, medidas que até já têm vindo a ser objeto de alguma discussão, mas ainda não avançaram; e outras que são, verdadeiramente, pistas para o futuro.
De entre as medidas que eram mais prementes e que gostaríamos de ter visto no discurso — mas infelizmente não estão lá e ainda não se avançou nisso — estão algumas que a Sr.ª Deputada referiu.
Há muito que temos mencionado a necessidade de a União Europeia se dotar de um instrumento ou de um mecanismo permanente de resposta a crises. Temos visto como as crises económicas, por razões várias, se sucedem e como a União Europeia, apesar de tudo, tem encontrado respostas, umas melhores e outras piores — no passado, piores; felizmente, após a pandemia, melhores —, para reagir a essas crises, mas sempre instrumentos ad hoc, formulados para responder a cada crise, quando seria preferível que, no arsenal de governação económica da União Europeia, existisse um instrumento permanente que pudesse ser ativado, quando necessário, para responder melhor a essas crises.
Existe também uma dimensão muito importante que está por completar na nossa União Bancária: o terceiro pilar, do seguro de depósitos, em que, infelizmente, ainda não foi possível avançar.
Há outro domínio onde se impõe avançar, que é a assunção de que são necessários mais investimentos europeus em projetos de interesse comum europeu, onde há um valor acrescentado da intervenção a nível europeu, se a União Europeia juntar recursos para investir nas alterações climáticas, na transição digital ouno reforço da sua segurança e da sua defesa, nas grandes prioridades que estão em curso. Naturalmente, temos sinergias dessa atuação em comum e, portanto, é necessário mais investimento europeu em áreas-chave, mas para o financiar são também precisos mais recursos europeus, mais recursos próprios da União Europeia, e isso é algo que temos vindo a solicitar e em que gostaríamos que se pudesse avançar.
Um outro domínio que gostaríamos que tivesse tido uma referência mais forte no discurso prende-se com a dimensão do pilar social. Este é um domínio muito caro a Portugal, como é sabido, que foi um tema-chave da nossa Presidência, em 2021, e já neste ano voltámos a organizar um evento de alto nível, no Porto, para manter a agenda social e o pilar europeu dos direitos sociais como um tema forte nas prioridades da União Europeia.
É verdade que a Presidente da Comissão Europeia anunciou uma cimeira com os parceiros sociais, a realizar no próximo ano, no primeiro semestre, durante a presidência belga; isso é um fator importante, mas gostaríamos de ter visto um comprometimento mais forte com a dimensão e a agenda social da União Europeia e com o modelo social europeu, que é, verdadeiramente, uma das virtudes e uma das forças do projeto europeu.
Agora, a Sr.ª Deputada também assinalou que, efetivamente, várias iniciativas, sugestões e prioridades que o Governo português sugeriu à Comissão Europeia constaram do discurso e constam da carta de intenções, entretanto divulgada pela Comissão Europeia, como reconhecimento de que são, de facto, prioridades a nível europeu: a importância dada às PME e ao reforço da sua competitividade, como bem referiu; a necessidade de requalificar e reconverter trabalhadores para vingarem na economia do futuro, da transição digital e da transição ecológica.
Estas transições têm de ser justas e não deixar ninguém para trás, mas, para isso, é preciso que a nossa força de trabalho naqueles setores que vão ser ultrapassados por estas transições possa ser reconvertida e
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possa aproveitar os empregos verdes e qualificados do futuro. É uma transformação estrutural da nossa economia e da nossa sociedade que está em curso e a União Europeia tem, naturalmente, de ajudar.
Depois, referiu-se ao tema da habitação, que é, essencialmente, uma matéria de competência nacional, mas é um problema transversal a toda a Europa. Hoje em dia, todos os meus colegas, os meus homólogos dos outros Estados-Membros, me falam deste assunto. É um problema essencial em, praticamente, todas as grandes cidades europeias e, portanto, faz sentido — como assinalámos na carta — que a União Europeia estude este problema, desde logo, e promova instrumentos que permitam responder a este problema. Este é, sobretudo, um problema dos jovens, como, aliás, a própria Presidente da Comissão Europeia reconheceu, no início do seu discurso, e, portanto, é essencial que também a União Europeia se dote de mecanismos para poder responder a esta necessidade dos europeus, em particular dos mais jovens.
O Sr. Deputado Rui Lage refere que a Presidente da Comissão tem as prioridades certas, sem cedências, designadamente, a forças ou a visões que, a meu ver, são perniciosas para o futuro do projeto europeu. De facto, o comprometimento, o compromisso com a transição ecológica, com o combate às alterações climáticas, com esta revolução verde que está em curso e que tem de se manter, com a necessidade do respeito pela natureza — naturalmente, salvaguardando as atividades económicas, mas protegendo e salvaguardando o capital natural e o nosso planeta — e, também, a ideia de que temos de ser justos, solidários e humanistas no que diz respeito à imigração e de que precisamos de canais regulares e seguros de imigração, porque, na verdade, só assim podemos combater os flagelos que sistematicamente vamos vendo no mar Mediterrâneo, isso sim são prioridades certas, em que não há cedências.
Infelizmente, nos últimos meses, temos visto, progressivamente, um deslizar e um aproximar a visões populistas, nacionalistas, e essas cedências são preocupantes. São preocupantes, à medida que nos aproximamos de umas eleições europeias, e é bom ver que a Comissão Europeia está no lugar certo.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Passamos, agora, ao tempo reservado às perguntas do PSD, começando pelo Sr.
Deputado Ricardo Sousa. Tem a palavra, Sr. Deputado. O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Sr.as e Srs. Deputados:
Deixem-me começar por manifestar a minha perplexidade pela posição manifestada pelo Sr. Deputado Rui Lage, porque, ao que tudo indica, o Chanceler Scholz, o Presidente Sánchez e até o próprio Dr. António Costa estão na disponibilidade de apoiar uma recandidatura da Sr.ª Ursula von der Leyen.
Aplausos do PSD. Portanto, a pergunta que fica é esta: estará o Dr. António Costa feito com a extrema-direita? Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — Essa é a pergunta que se impõe… Aplausos do PSD. … e que, se calhar, explicaria algumas manifestações que aqui temos visto. A Sr.ª Presidente da Comissão proferiu, na semana passada, o seu último discurso de mandato sobre o
estado da União, e é natural que tenha sido um discurso de balanço. Em 2019, quando se iniciou o mandato desta Comissão, a Europa estava longe de imaginar o que a
esperaria: uma pandemia, que, na sua dimensão, só é comparável com aquilo que se passou há um século, e um conflito militar que não tem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem!
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O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — A pandemia e, muito especialmente, a guerra, neste período, colocaram
desafios à coesão europeia, mas, ainda assim, foi possível reforçar a cooperação, aprofundar a integração e, muito mais importante, a União conseguiu falar a uma só voz.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — E esta capacidade de respondermos a uma só voz a problemas e desafios
desta magnitude também se deveu à Sr.ª Presidente da Comissão Europeia. Aplausos do PSD. A clareza política das posições que teve, neste contexto, teve um papel muitíssimo relevante. Uma das
mensagens mais importantes do discurso do estado da União, proferido na semana passada, foi a de que chegou a hora de compreender que o alargamento é também um projeto de paz, de segurança e de prosperidade para a Europa.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — Considerando que todas as instituições comunitárias concordam que a
Ucrânia, a Moldova, a Geórgia e os seis países dos Balcãs Ocidentais devem pertencer à União, chegou o momento de corresponder a essa expectativa.
A Sr.ª Presidente insistiu, no entanto, que a integração destes novos Estados-Membros é um processo baseado no mérito e no cumprimento de critérios muito exigentes, mas — e esta é a parte realmente importante — afastou a ideia de ter de se ficar à espera de uma eventual revisão dos tratados para que o alargamento se concretize, fundado no argumento de que a revisão dos tratados pode mergulhar a Europa num impasse, porque há divergências sobre o caminho a seguir e porque alguns referendos nacionais pesam sobre o processo de ratificação.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — Importa, por isso, saber a posição do Governo. Sabemos que a posição do
Sr. Primeiro-Ministro é no sentido de exigir uma reforma prévia das instituições, e é caso para dizer que, em matéria de alargamento, o Sr. Primeiro-Ministro está longe de ser um «otimista irritante».
Diga-se, aliás, que o contributo mais decisivo para a clarificação da posição portuguesa foi dado pelo Sr. Presidente da República, aquando da sua visita a Kiev. As declarações do Sr. Presidente da República foram um reforço decisivo no apoio ao alargamento e, do ponto de vista político, foram mais fortes do que qualquer declaração produzida até então pelo Governo.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Ricardo Sousa (PSD): — Por isso, é importante perceber onde se situa o Governo relativamente à
posição da Sr.ª Presidente da Comissão. O Governo defende a revisão dos tratados ou acha que esta pode ser dispensada, em nome de um objetivo
maior? Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Ainda no tempo reservado às perguntas do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Firmino
Marques.
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O Sr. Firmino Marques (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: A Presidente da Comissão Europeia, no discurso recente sobre o estado da União, abordou como muito importante um dos dossiês mais difíceis que a Europa enfrenta, a questão das migrações. A este propósito, defendeu o equilíbrio entre a proteção das fronteiras e das pessoas, a segurança e a humanidade e a soberania e a solidariedade da proposta do pacto para as migrações e asilo que a Comissão apresentou há três anos, mas ainda sem o acordo dos colegisladores.
Ursula von der Leyen sublinhou a importância do combate ao tráfico de seres humanos, considerando que os conflitos e as alterações climáticas obrigam as populações a procurar refúgio longe das suas casas. Somos, sem dúvida, um continente solidário e que lidera o caminho para as novas tecnologias, em reconciliação com a natureza, tendo no ser humano a sua principal base. Está na hora de a Europa responder, mais uma vez, ao apelo que a história lhe coloca.
Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. Firmino Marques (PSD): — Concordamos com a visão humanista da Presidente da Comissão
Europeia. Contudo, não podemos deixar de referir desafios que urge serem enfrentados e clarificados, com preocupação acentuada pelos últimos acontecimentos em Lampedusa, Itália, onde nesta semana, em apenas três dias, chegaram cerca de 10 000 migrantes — mais do que toda a população daquela ilha — em 199 embarcações.
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Firmino Marques (PSD): — Ursula von der Leyen defendeu, em Lampedusa, uma resposta europeia
para a imigração ilegal e apelou aos países europeus para que acolham uma parte daqueles que chegam a Itália.
Perante a grande pressão que está a ocorrer, ou quando há algum naufrágio, a nossa atitude é sempre de solidariedade e disponibilidade para acolher, no quadro de um mecanismo voluntário e de solidariedade. O Governo português já se mostrou disponível para acolher alguns migrantes no âmbito desse mecanismo, mas não avançou números.
Nesse contexto, gostaríamos de saber quantos migrantes o Governo prevê acolher e onde. Como será feito o acolhimento destes refugiados? O apoio económico é suficiente, no montante e no tempo?
Aprender a língua do país acolhedor é fundamental. Pergunto: que mecanismos de aprendizagem da língua portuguesa têm previstos no momento em que chegarem a Portugal?
A Sr.ª Maria Emília Apolinário (PSD): — Muito bem! O Sr. Firmino Marques (PSD): — No acolhimento de jovens refugiados menores há preocupação com a
reunificação da família? Não deveriam os organismos do Estado, autarquias, paróquias e tecido empresarial estar envolvidos e
responder em rede? O que está, de facto, a ser feito neste sentido? Para concluir, quando tomou posse em 2019, a Presidente da Comissão não podia antecipar duas graves
crises que a União iria enfrentar durante o seu mandato, a pandemia e a guerra, com reflexos diversificados. Apesar do quadro otimista que traçou, respondeu à crise com grande sentido de responsabilidade e, como ela mesma disse, «a Europa não tem tempo para parar, nem tempo a perder». Se considerarmos que esta é uma indicação de que está disponível para um novo mandato, temos também aí, de facto, uma boa notícia.
Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos
Europeus.
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Ricardo Sousa começou por referir que a União Europeia manifestou, ao longo deste mandato, uma capacidade de responder a uma só voz a desafios absolutamente imprevistos e de enorme magnitude.
Foi efetivamente assim a forma como a União Europeia — por iniciativa da Comissão, é certo, mas com o envolvimento de todas as instituições, do Parlamento e do Conselho — produziu respostas. Algumas, aliás, absolutamente inéditas e que eram autênticos tabus, mas que, perante a necessidade — quer no plano sanitário propriamente dito, com a aquisição de vacinas, quer, depois, no plano da resposta à crise económica que se seguiu, com a aprovação do Next Generation EU e o recurso aos mercados de forma coletiva por parte da União Europeia, com a aprovação da chamada «bazuca» dos programas de recuperação e resiliência —, foram mecanismos absolutamente inéditos de resposta a um desafio de enorme magnitude em que estivemos unidos. Tal como, felizmente, temos estado unidos na resposta à invasão ilegal e inaceitável da Rússia ao território da Ucrânia e às atrocidades que têm sido cometidas relativamente ao povo ucraniano.
Portanto, creio que, estando a aproximar-nos de um final de Legislatura europeia, podemos olhar para trás com otimismo, percebendo que os desafios que se colocaram foram enormes e inesperados, mas a União Europeia, em grande medida, esteve à altura desses desafios. Não fez tudo bem, certamente — enfim, gosto de evitar os maniqueísmos —, e é natural haver aspetos em que gostaríamos de que se fosse mais longe ou que se tivesse feito de forma diferente, mas, globalmente, foi essencial o papel da União Europeia e da união dos 27 na resposta a estes desafios, o que permitiu, aliás, responder diretamente aos anseios, às dificuldades e aos problemas dos europeus.
Se passarmos, agora, de uma perspetiva mais de balanço para uma perspetiva de futuro, o Sr. Deputado enunciou um desafio que se projeta para os próximos anos e que é, também, de enormíssima importância: o tema do alargamento da União Europeia.
O tema do alargamento não é novo, naturalmente, sobretudo se falarmos dos Balcãs Ocidentais, onde há muito tempo que vários desses países são candidatos, mas tem vindo a ganhar um novo protagonismo e, podemos até dizê-lo, uma aceleração.
Sr. Deputado, penso que é só mesmo o PSD que terá dúvidas sobre a posição do Governo a este respeito. A posição do Governo é muitíssimo clara e nenhum dos meus Colegas à volta da mesa do Conselho tem dúvidas sobre a posição do Governo em matéria de alargamento.
As manifestações, as intervenções, as tomadas de posição do Governo sobre este assunto, quer em Bruxelas quer internamente, têm sido múltiplas, coerentes e consentâneas, dizendo que, obviamente, há um interesse geopolítico, há uma necessidade de avançar no dossiê do alargamento e temos de combater o acumular de frustrações em alguns destes países, que há largos anos esperam pela sua vez de entrar na União Europeia.
Portanto, é um tema que vai avançar e evoluir nos próximos anos, como tem evoluído ao longo do último ano, com decisões que são tomadas por unanimidade. Portanto, obviamente que tem o apoio de Portugal a atribuição do estatuto de país-candidato à Ucrânia, à Moldova, à Bósnia-Herzegovina, bem como a abertura das negociações com a Macedónia do Norte, com a Albânia. Em relação a tudo isto, Portugal tem estado do lado certo, unido com os outros 26 Estados-Membros.
O que dizemos, também, é que, porque queremos alargar, precisamos de preparar a União Europeia para que possa receber novos Estados-Membros. Sabemos como, já hoje em dia, é tantas vezes difícil tomar decisões a 27, imaginemos então a mais de 30 Estados-Membros! Precisamos, de facto, de alterar algumas das nossas regras de funcionamento e de ter em linha de conta o impacto que o alargamento vai ter em algumas políticas-chave da União Europeia, designadamente na política de coesão e na política agrícola, bem como o impacto que vai ter no orçamento comunitário.
Não podemos ignorar tudo isto, pelo contrário! Porque somos sérios relativamente ao processo de alargamento, porque queremos ser responsáveis em relação ao processo de alargamento, porque queremos o processo de alargamento, temos de o preparar, temos de criar a chamada «capacidade de absorção» e de fazer as reformas necessárias para esse efeito. Não devemos começar essas reformas dizendo «vamos alterar os tratados», porque, pelos processos passados de alteração de tratados, temos visto quão difíceis e traumáticos alguns deles foram.
Portanto, temos de nos entender, primeiro, sobre quais são as reformas necessárias, qual é o modelo de governação que queremos para uma Europa alargada e mais diversificada e, depois, então, veremos quais são os passos que temos de dar para esse efeito.
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Não nos centremos na forma nem no processo, centremo-nos no conteúdo. Esse debate, que começou, é muito importante para o futuro da União Europeia.
O Sr. Deputado Firmino Marques referiu-se ao tema das migrações, que é absolutamente essencial e no qual temos de ser solidários, como bem referiu. É essa a linha que Portugal tem seguido sempre a esse respeito e foi também essa a linha que, recentemente, Portugal reafirmou, uma vez mais, a propósito da pressão migratória que está a suceder na ilha de Lampedusa.
Portugal está comprometido voluntariamente com o objetivo de receber até 350 migrantes no regime de recolocação.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Mandem vir mais!… O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Foi essa a meta com que, já há muito tempo,
manifestámos a nossa disponibilidade… O Sr. Bruno Nunes (CH): — Isso! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … e foi também nesse quadro que, mais
recentemente, reafirmámos a disponibilidade para poder receber alguns dos migrantes que estão a chegar a Lampedusa.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — E há casas? O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Agora, importa recebê-los, mas importa também
integrá-los, como disse o Sr. Deputado. O Sr. Bruno Nunes (CH): — E há casas para isso? O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Por isso mesmo, o Governo — e tenho aqui do
meu lado a Sr.ª Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, que, como sabe, é quem tem essa incumbência no Executivo — tem vindo a preparar o funcionamento da nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo, que iniciará funções a 29 de outubro. Também nesse campo, a propósito do ensino da língua portuguesa, a partir de janeiro, vai haver um reforço muito significativo, justamente com um programa novo dedicado ao ensino do português a quem chega.
Portanto, estamos muito focados no tema da integração, porque é importante que os migrantes possam chegar, pelas razões que já enunciei há pouco, no meu discurso inicial, mas que possam, também, ser bem integrados e bem acolhidos na sociedade portuguesa.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Passamos agora ao tempo reservado às perguntas do Grupo Parlamentar do Chega,
começando por ter a palavra o Sr. Deputado Diogo Pacheco de Amorim. O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado dos
Assuntos Europeus, Sr.as e Srs. Deputados: Dois casos, ambos na ordem do dia, são reveladores de situações que ameaçam, a prazo, os equilíbrios necessários para a manutenção da União Europeia como um todo coerente. Refiro-me à questão dos cereais da Ucrânia e ao agudizar da situação na ilha de Lampedusa.
Ambas as questões remetem para um necessário equilíbrio entre a defesa dos interesses justos e legítimos de cada Estado-Membro da União e as políticas desenhadas em Bruxelas como políticas comuns da mesma União, e ambas estão a revelar o quão letal pode ser para o futuro da União Europeia que essas políticas desenhadas em Bruxelas minimizem, sistematicamente, ou, por completo, ignorem a legítima defesa dos seus interesses próprios e permanentes, que cabe a cada uma das nações da Europa.
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O Sr. Bruno Nunes (CH): — Muito bem! O Sr. Diogo Pacheco de Amorim (CH): — O caso dos cereais da Ucrânia e dos migrantes que chegam
maciçamente a Lampedusa são bem reveladores de que seguimos por um caminho que pode, a prazo, fazer implodir a União Europeia.
A política seguida pela União Europeia de acolhimento indiscriminado de migrantes iria bater, obviamente, mais cedo ou mais tarde, no muro da realidade; a realidade de as populações dos Estados-Membros começarem a reagir àquilo que sentem — bem ou mal, aqui para o caso não interessa — como uma ameaça, bem como a realidade da necessidade de os seus governantes se verem coagidos a tomar em conta essa reação.
A visita da Sr.ª von der Leyen a Lampedusa e o programa de 10 pontos por ela proposto, sendo um passo, é mais do que insuficiente. Prova dessa insuficiência é o conflito que, quase de imediato, surgiu entre a Áustria e a Itália, provando que o simples expediente de distribuir pelos países da União Europeia os migrantes que vão chegando não representa, de facto, uma solução.
O mesmo problema com a questão dos cereais da Ucrânia. A decisão da Comissão Europeia de levantar as proibições temporárias relativas aos cereais ucranianos em cinco países europeus, entre eles a Polónia, a Hungria e a Eslováquia, levou a que esses países, respeitando os interesses dos seus agricultores, decidissem proibir a importação de produtos agrícolas ucranianos.
Mais uma vez, Bruxelas, pela mão da Comissão, bate no muro da realidade dos interesses dos países que a integram, e, neste caso, com a agravante de estar a abalar a imperativa necessidade de uma frente comum no que respeita à guerra da Ucrânia. Algo está muito mal quando este caso se passa com um dos países que na Europa têm liderado o apoio à Ucrânia.
Assim sendo, esperemos que haja uma alteração do rumo e uma procura de novos equilíbrios. Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Bruno Nunes, também pelo Grupo Parlamentar
do Chega. O Sr. Bruno Nunes (CH): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Sr.as e Srs.
Deputados: No debate do estado da União, a conversa do Partido Socialista é a extrema-direita, o perigo da extrema-direita e «lá vem a extrema-direita», vindo para aqui com conversas em que ninguém percebe o que se passa.
Uma das primeiras coisas que eu gostava de entender era se somos nós que discriminamos, ou não. Assim, pedia a todos os Deputados do Partido Socialista que, à saída, indicassem quantos refugiados podem VV. Ex.as receber em vossa casa. Quantos é que estão dispostos a receber em vossa casa?
Protestos de Deputados do PS. Porque acabámos de discutir o problema de não existir habitação, mas acabamos de perceber… O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Não seja por mim! O Sr. Bruno Nunes (CH): — Tenham calma! Acabamos de perceber que, em relação a Lampedusa, Portugal assume o compromisso de acolher mais
350. Digam-me, os senhores, como é que conseguem resolver este problema da multiplicação de casas! A menos que, de uma vez por todas, assumam que escondem casas dos portugueses,…
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva. … porque o Estado não consegue resolver o problema da habitação em Portugal. O Estado que diz que tem de resolver o problema da habitação é o mesmo que, lá fora, não consegue fazer
pressão sobre o BCE (Banco Central Europeu), não consegue fazer pressão sobre o Parlamento Europeu e
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dizer que, já que tivemos medidas conjuntas para a compra de vacinas e para a compra de armamento, se tome uma medida conjunta para resolver o problema da habitação.
Mas percebo que este estado da União, hoje, era para vocês muito mais do que isso. Lamento não estar aqui o Sr. Deputado Pedro Nuno Santos — não o consigo ver! —, porque, certamente, está feliz com o assumir por parte da bancada do Partido Socialista e dos Membros do Governo, finalmente, que António Costa é candidato a ir lá para fora. Claramente, o que vocês fizeram com a tentativa de enterrar a Sr.ª Ursula von der Leyen, com a mistura que fizeram dos partidos políticos e das famílias europeias onde estão — os senhores estão, nitidamente, descontextualizados — foi lançar a candidatura de António Costa.
Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva. O que esperamos, sinceramente, é que essa candidatura seja feita, não à conta daquilo que vocês querem,
mas à conta do Sr. Presidente da República, que dissolva de uma vez por todas este Parlamento, porque o que VV. Ex.as fazem com estas questões da imigração é envergonhar a nossa pátria, a nossa bandeira.
Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, para
responder. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Diogo Pacheco de
Amorim, referiu-se a três temas. Tive alguma dificuldade em seguir, mas parece-me que o elemento comum a esses três temas é uma crítica à União Europeia.
Portanto, gostaria de perceber se, em relação aos cereais da Ucrânia, a sua crítica é à medida de solidariedade que a União Europeia adotou, de abrir o mercado único europeu à importação de produtos da Ucrânia, especialmente no que diz respeito aos produtos agrícolas. Atendendo a que, como sabe, a Rússia pôs fim ao acordo de cereais do mar Negro, dificultando, por isso, o escoamento dos cereais da Ucrânia e o acesso dos países do sul global aos cereais, que são essenciais para combater a fome, pergunto, Sr. Deputado: é contra isso que o Chega está? Está contra uma medida de solidariedade que consiste em receber os cereais e os produtos agrícolas da Ucrânia?
Protestos do CH. Portanto, a solidariedade com a Ucrânia acaba nos cereais?! Não percebi, Sr. Deputado. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Não percebeu mesmo! O Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Depois, falou de Lampedusa e, aí, o que está em
causa, como já aqui foi dito, é manifestar solidariedade, no contexto global de um mecanismo voluntário de solidariedade que foi adotado pela União Europeia, perante a situação que se verifica, sobretudo nos países da primeira linha, com a chegada de números muitíssimo significativos de migrantes. Situação resultante, sobretudo — e é isso que tem de se combater —, da ação de grupos de tráfico de seres humanos que colocam em risco milhares de pessoas. Muitos deles, infelizmente, têm morrido no mar Mediterrâneo e tudo temos de fazer para que o mar Mediterrâneo deixe de ser um cemitério.
Aplausos do PS. Portanto, manifestar solidariedade com esta situação é absolutamente essencial. É contra isso que o Sr.
Deputado está? Não percebi! O Sr. Bruno Nunes (CH): — Pois, eles que venham!
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O Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Depois, falou da questão da Áustria e da Itália. Nesta questão, o que sucedeu foi um fecho de fronteiras, contrariando, aliás, aquilo que é o regime do espaço Schengen.
Portanto, o Sr. Deputado está contra que a União Europeia faça vingar o regime de Schengen, faça vingar um regime de livre circulação dentro da União Europeia, sem fronteiras, e acha que devíamos voltar a ter fronteiras entre todos os países. É essa a posição que o Chega aqui defende.
Protestos do Deputado do CH Diogo Pacheco de Amorim. Sr. Deputado, enfim, lamento, tenho de discordar, naturalmente. Depois, Sr. Deputado Bruno Nunes, a sua
intervenção, e não me leve a mal, foi essencialmente dirigida ao Partido Socialista. Não registei nenhuma pergunta que me tivesse colocado, por isso não tenho nenhuma resposta para lhe dar.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Agora, sim, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal. O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr. Presidente: Queria felicitar a Assembleia por este novo modelo de
debates, a que o Sr. Presidente também se habituará. Agora será pergunta e depois resposta, felizmente. É o primeiro ponto positivo. O ponto negativo é que o Ministro responsável pelos Assuntos Europeus não está cá, mas é melhor do que nada, até porque no debate anterior não estava cá ninguém e, por isso, ter agora a Sr.ª Ministra e o Sr. Secretário de Estado muito nos honra, muito nos honra!
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Gostaria de começar exatamente pela habitação: parece que o pedido de
ajuda do Governo à Comissão Europeia não teve grande efeito, porque ouvi o discurso da Sr.ª Presidente e não houve praticamente menção nenhuma à habitação.
Mas, ainda antes do discurso, queria ir à carta, porque diz o Sr. Primeiro-Ministro que «a falta de oferta imobiliária é um problema em muitas cidades e os encargos com a habitação têm vindo a subir». E diz mais: «A Comissão Europeia deve estar muito atenta ao problema da escassez.»
O que concluo é que demoraram sensivelmente dois anos, mas, finalmente, perceberam que a Iniciativa Liberal tinha razão e que o grande problema, neste caso, é a falta de oferta. Isto porque, quanto à procura, infelizmente — ou felizmente — nós não conseguimos fazer nada, pois há mais famílias separadas, isso implica mais casas. Há mais imigrantes, isso implica mais casas. O País é muito centralizado, vêm mais pessoas para as grandes cidades, o que implica mais casas. O que infelizmente não há é mais casas e as promessas do Governo, aí, também têm falhado.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Muito bem! O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Por isso, queria perguntar o seguinte: antes de o Governo pedir ajuda à
União Europeia, já fez tudo aquilo que poderia fazer? Acho que a resposta é simples e é «não». Um exemplo claro disso é que o Estado está há 16 anos para saber quantos imóveis é que tem. O último
número que encontrei, da Autoridade Tributária, diz que havia mais de 60 000 imóveis registados na base de dados. Destes, muitos estão certamente vazios, e eu pergunto-lhe, afinal, quantos imóveis é que o Estado tem e quantos é que estão vazios.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Boa pergunta! O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Segunda pergunta: nesta carta, o Governo também sugeria uma iniciativa
europeia para a habitação. Não percebi em que é que consistia e acho que o Governo também não percebeu, mas, se o Sr. Secretário de Estado nos puder esclarecer o que é que seria esta iniciativa, nós agradeceríamos.
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Em terceiro lugar, já quanto ao discurso da União, relativamente ao problema da falta de mão de obra — ou melhor, se calhar, da falta de competências para certas vagas de emprego —, que a Sr.ª Presidente também referiu, pergunto-lhe o que é que Portugal tem sugerido nesse sentido, até porque também é um problema de que temos sofrido, pois temos exportado muito talento qualificado, também temos recebido vários imigrantes, mas certamente nem todos têm o nível de qualificações que os portugueses têm.
Até gostaria de lhe perguntar como é que vê a hipótese que alguns já estão a defender, em alguns países da Europa — não é que nós a defendamos, mas gostaria de saber se o Governo já refletiu sobre ela —, em relação ao facto de, quando alguém emigra, parte do imposto que paga poder vir para o país que pagou a sua formação. Evidentemente, este é um problema de hoje, todos sabemos, sobretudo em países como Portugal, pois estamos a pagar a formação de milhares e milhares de pessoas que simplesmente, depois, estão a contribuir, a criar riqueza noutro país, e o nosso País tem sido altamente prejudicado por isso e perde, obviamente, muito dinheiro.
Por último, quanto ao alargamento da União Europeia, ainda não percebi bem. Parece que, por um lado, o Governo está a favor da adesão de novos países, mas, por outro, também está muito aflito por perder alguma parte dos fundos europeus. Por isso, o que gostaria de saber é se a adesão tem alguma condição em relação aos fundos europeus, se o Governo vai dizer «só aceitamos se o bolo dos fundos, por exemplo, aumentar e se o valor que Portugal recebe não diminuir».
Para terminar, uma pergunta relacionada obviamente com a parte dos fundos e do financiamento: qual é que é, afinal, a nova arquitetura que o Governo defende para a União Europeia?
Aplausos da IL. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardo Blanco,
quanto à habitação, não leve a mal, Sr. Deputado, noto algumas distrações da sua parte. O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Força! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — A primeira distração é quando diz que não houve
nenhuma menção no discurso da Presidente da Comissão Europeia. Logo no início do discurso — se calhar, o Sr. Deputado perdeu o início do discurso! — há uma menção expressa ao tema da habitação relacionada, aliás, com a situação dos jovens. O que não há, de facto, no discurso, é o anúncio de medidas concretas nesta área, o que, como já tive a oportunidade de referir, é compreensível, na medida em que vamos ter eleições europeias e o final do mandato da Comissão Europeia será a meio do próximo ano, quando a atuação em matéria de habitação é obviamente uma atuação estrutural, que leva tempo a concretizar-se. Aliás, quando suscitámos esta questão, na carta, não sei se teve o cuidado de reparar que a carta tem duas partes…
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — É uma carta de candidatura! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … e, justamente, tem uma parte de medidas mais
executáveis, no curto prazo, e outra parte de medidas que são o lançamento de ideias para o futuro. É aí, justamente, que consta a sugestão de uma iniciativa europeia em matéria de habitação.
Depois, o Sr. Deputado diz que o pedido de ajuda de Portugal não teve acolhimento. Sr. Deputado, aproveito para esclarecer dois equívocos que se têm gerado a propósito deste debate. Primeiro, Portugal não fez um pedido de ajuda à Comissão Europeia. Portugal enviou uma carta…
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — De candidatura! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … com sugestões de prioridades que entendemos
que devem ser prioridades europeias. A habitação, aliás, é apenas uma entre quinze e, portanto, tal como já
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fizemos no ano passado, e este ano também, sugerimos e demos proativamente um contributo, indicando que ideias, que medidas, que programas é que seria útil que a União Europeia assumisse como seus.
Um segundo equívoco que se gerou é que Portugal estava a tentar alijar responsabilidades e a atirar para a União Europeia a resolução deste problema.
Risos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. Bom, nada de mais errado! Qualquer espectador medianamente atento tem visto que o Governo está a atuar
em matéria de habitação e tem havido, aliás, um amplo debate na sociedade portuguesa em relação às medidas que o Governo tem adotado.
Aplausos do PS. Uns concordam, outros não, o Sr. Deputado discordará. Agora, não faltam medidas do Governo português
nesta área. Ainda hoje, Sr. Deputado, ainda hoje, se calhar estava aqui no Parlamento e também não teve oportunidade de prestar atenção,…
Protestos do Deputado da IL Bernardo Blanco. … mas o Conselho de Ministros tomou decisões muitíssimo relevantes para ajudar os portugueses a
enfrentar os custos acrescidos com a habitação. Aplausos do PS. E, portanto, não faltam medidas do Governo nesta área. É uma medida de âmbito essencialmente nacional
em que o Governo está a atuar, mas, sendo algo que é transversal a todos os países europeus, faz sentido que a Comissão Europeia também estude e proponha iniciativas nesta área. Foi aquilo que dissemos.
Depois, talvez outro fator de distração, para o qual lhe chamo a atenção, é para os 2,7 mil milhões de euros que estão no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nacional, por opção do Governo português, para investir em habitação neste País, até 2026, e que no contexto da reprogramação em curso, aliás, aumentarão para 3,2 mil milhões de euros. E, portanto, o Sr. Deputado achar que não se está a fazer algo nesta matéria é, de facto, uma ampla distração.
Protestos dos Deputados da IL Bernardo Blanco e João Cotrim Figueiredo. Quanto ao tema da falta de mão de obra qualificada, tal como referi há pouco, há medidas muito importantes,
quer ao nível europeu, quer ao nível nacional que estão a ser adotadas em matéria de reskilling e upskilling — peço desculpa pelos anglicismos — de trabalhadores, para enfrentar os desafios da transição digital, da transição verde e para permitir aproveitar os desafios desta nova economia e, sobretudo, dos empregos verdes.
O tema da fuga de cérebros, se reparou, é também um tema que consta de uma das sugestões de medidas ou programas que o Primeiro-Ministro enviou à Presidente da Comissão Europeia e, justamente, também esperamos que a União Europeia tome esse assunto a sério e adote medidas nessa matéria.
Quanto ao alargamento, Sr. Deputado, teria todo o gosto em passar a tarde inteira a discutir consigo não só o alargamento, mas também as reformas que a União Europeia tem de fazer para permitir que esse alargamento tenha lugar e que a União Europeia continue a funcionar com eficácia e com eficiência. O tempo não me permite fazê-lo, infelizmente, mas certamente teremos muitas oportunidades para discutir este tema, seja aqui em Plenário seja em Comissão, porque, aliás, é um debate que só agora começou…
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Deputado. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … e para o qual há contributos muito interessantes
que teremos tempo para discutir, certamente.
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Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Passamos, agora, às questões a colocar pelo PCP. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª
Deputada Paula Santos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Sistematicamente, o debate sobre
o estado da União constitui um exercício de autoelogio das políticas e opções da União Europeia pelos seus dirigentes, sem qualquer correspondência com a realidade concreta da vida das pessoas.
Falam de prosperidade, mas o que há são mais desigualdades e injustiças e menos perspetivas para os jovens. Espelho disso é o facto de os problemas que afetam os trabalhadores e os povos — o brutal aumento do custo de vida ou a degradação dos serviços públicos, o ataque a direitos e aos salários reais — não terem tido lugar na intervenção da Presidente da Comissão Europeia, assim como não teve o problema da habitação.
Das dificuldades das famílias com os elevados custos da habitação não fala, mas não faltam palavras de regozijo com as decisões do Banco Central Europeu, designadamente o aumento das taxas de juro. São decisões que são responsáveis pelos aumentos insuportáveis das prestações à banca das famílias com crédito à habitação, que trouxe angústia a muitas famílias, sem saberem até quando conseguirão continuar a pagar a prestação. Após o 10.º aumento consecutivo das taxas de juro, que se traduziu num enorme esbulho dos salários dos trabalhadores — com a transferência de rendimentos do trabalho para o capital, para aumentar os lucros da banca —, é inaceitável que não haja uma palavra para estas questões.
O Sr. João Dias (PCP): — Nada! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Acha mesmo — e esta é a questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Secretário
de Estado — que o Governo terá resposta ao ofício que o Primeiro-Ministro dirigiu à Presidente da Comissão Europeia, depois de ter ficado demonstrado, na sua intervenção, que a habitação não é uma preocupação? Aliás, até revelou o louvor ao aumento das taxas de juro e não teve uma única palavra para este problema, o que revela, de facto, que não tem qualquer preocupação com esta questão. Por isso, a questão que se coloca é o que espera o Governo dessa iniciativa e dessa carta que dirigiu.
O que revelou mesmo o Governo, com essa iniciativa, foi que quer fugir às suas responsabilidades,… O Sr. João Dias (PCP): — Muito bem! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … procurando passar a bola para a União Europeia, como se nada pudesse
fazer para travar o aumento das prestações à banca. O Governo pode enfrentar os interesses da banca e pode intervir sobre esta questão concreta, quando é a banca que está a lucrar com o aumento das taxas de juro — são 11 milhões de euros de lucro por dia! — e quando os salários e pensões não dão até ao fim do mês.
O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Se é a banca que está a lucrar, então que seja a banca a suportar os aumentos
das prestações. Os recursos estão a ser desviados do combate à pobreza, da saúde, da educação, da habitação, dos transportes, da coesão económica e social, para a confrontação, para a guerra, para a indústria do armamento.
A União Europeia, que se apregoa dos direitos, é a mesma que deixa milhares e milhares de imigrantes à sua sorte, no Mediterrâneo, muitos deles para a morte. Revela a sua hipocrisia, mas, sobretudo, a desumanidade com que trata os seres humanos.
A conversa da soberania europeia continua a assimilar este conceito à soberania das principais potências europeias, com a subjugação dos demais. Ora, o que é necessário é defender e respeitar a soberania de todos os Estados-Membros, as suas especificidades e necessidades, respeitar o direito de todos ao desenvolvimento, o que exige a recusa de imposições contrárias aos interesses de certos Estados, sejam as relativas aos
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arbitrários critérios do défice e da dívida sejam as decisões de política monetária ou ainda o cortejo de liberalizações que nos impõem.
Portanto, aquilo que é preciso é a recuperação do controlo público e democrático dos setores estratégicos, de instrumentos de política económica e monetária que assegurem, de forma conjugada e soberana, objetivos de natureza económica, social e ambiental, e, simultaneamente, o reforço dos direitos, a promoção da paz, da cooperação e da amizade entre os povos.
Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Paula Santos, como
referi há pouco, gosto pouco e procuro evitar maniqueísmos, em geral, e, em particular, no debate sobre as questões europeias.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — É a realidade! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Por isso, evito dizer ou entrar num discurso que
só vê tudo bem, tudo bonito, tudo certo na atuação da União Europeia. Mas também não posso concordar com uma linha que vê tudo mal e que acha que tudo o que vem da União Europeia está errado e é péssimo.
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Não é uma questão de ver mal, é uma questão de ver a realidade! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Portanto, acho que — como disse há pouco, já
reagindo à intervenção do PS — é verdade que o discurso da Presidente da Comissão Europeia padeceu de algumas omissões. Há elementos que gostaria de ter visto no discurso e que não constaram, designadamente quanto à dimensão social do projeto europeu, quanto à importância do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e do auxílio a quem mais sofre. Essa é uma marca essencial do projeto europeu, do modelo social europeu, e deve ser estimulado.
Devemos avançar e dar passos significativos, e alguns foram dados ao longo do mandato, com uma diretiva sobre salários mínimos, sobre transferência salarial, enfim, com várias iniciativas, mas gostaríamos de ter ido mais longe. Por isso mesmo, aliás, em maio, organizámos uma cimeira no Porto para avançar estes temas, designadamente a concretização dos compromissos e das metas definidas na Cimeira do Porto de 2021.
Quanto à habitação, também gostaria de ter visto mais ambição neste domínio e foi isso que sugerimos, embora percebamos que são medidas estruturais, são medidas de longo prazo e, portanto, este timing, este momento, é talvez difícil para a apresentação de medidas muito inovadoras nessa matéria.
A Sr.ª Deputada refere-se à política do BCE de aumento das taxas de juro, enfim, não vou aqui comentar, mas percebo que a Presidente da Comissão Europeia não o tenha feito também porque não é uma competência sua,…
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Desculpabiliza-se! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … como sabe, é uma competência sobre a qual
cada um de nós tem a sua opinião, mas é uma competência exercida em regime de independência pelo BCE. Mas, consciente dos impactos que essa política está a ter, o Governo está a atuar.
E, portanto, justamente, Sr.ª Deputada, convido-a a analisar com atenção as medidas que foram hoje aprovadas em Conselho de Ministros, em Leiria, que visam, justamente, ajudar os portugueses…
Protestos da Deputada do PCP Paula Santos. … a enfrentar os custos acrescidos que decorrem do aumento das taxas de juro, que tem vindo a ser feito
por parte do Banco Central Europeu.
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Se acho mesmo que haverá respostas a esta sugestão de uma iniciativa europeia em matéria de habitação? Acho que sim, acho que é uma semente que lançámos para debate e acho que a União Europeia não poderá ignorar este tema no futuro, porque é um problema que se verifica em todo o lado. Como digo, quando falo com os meus colegas de vários outros Estados-Membros, este é um problema que surge bem lá em cima nas prioridades nacionais de cada um deles e, sendo transversal, é natural que a União Europeia também sinta necessidade de responder às necessidades dos europeus, em particular dos mais jovens.
Mas, Sr.ª Deputada, como já aqui tive oportunidade de explicar, essa sugestão que enviámos à Comissão Europeia não se tratou de tentar fugir às nossas responsabilidades. Já aqui enunciei várias medidas que adotámos. Há um volume muito considerável de investimentos que está previsto no PRR para esse efeito, bem como o pacote Mais Habitação, que aqui discutiram, neste Hemiciclo, antes deste debate. E, portanto, não se trata de fugir às responsabilidades, trata-se de fazer o que temos de fazer a nível nacional e de sugerir à União Europeia que faça também aquilo que pode e deve ser feito a nível europeu.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra, para intervir no tempo reservado ao Bloco de Esquerda, a Sr.ª
Deputada Isabel Pires. A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, Sr. Secretário de Estado: O
discurso da Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, foi, na verdade, um discurso completamente autocentrado, muito autossuficiente, autoelogioso e, portanto, foi um discurso de palmadinha nas costas sobre o seu próprio trabalho, o trabalho feito pela Comissão, mesmo naquelas áreas às quais se referiu, mas a realidade acaba por esbarrar, de forma absolutamente gritante, com os discursos.
O próprio Sr. Secretário de Estado referiu, por exemplo, a questão do combate às alterações climáticas, quando nós percebemos que, do ponto de vista da União Europeia, há uma ambição muito baixa para os desafios que temos nesta matéria. Portanto, continuamos a ficar para trás.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem! A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Mas o discurso da Presidente, Ursula von der Leyen, na verdade, acabou por
ignorar os principais problemas económicos, sociais e de política de migração da União Europeia. Se, por um lado, ela acabou por reconhecer implicitamente que a política monetária não está a funcionar, por outro lado, acabou por não dizer absolutamente nada sobre a crise económica e social que as famílias estão, neste momento, a atravessar, nomeadamente nem uma palavra sobre a crise da habitação.
O Sr. Secretário de Estado acabou de dizer que teve de optar por determinados temas e, portanto, houve temas que não entraram. Não deixa de ser espantoso que uma das maiores crises — como bem disse o Sr. Secretário de Estado — que afeta um pouco toda a União Europeia não seja alvo do discurso do estado da União por parte da Presidente da Comissão, já que ela afeta uma grande parte da população, jovens, menos jovens, várias famílias.
Mas é mais espantoso ainda, porque uma parte importante desta crise é provocada também como consequência de políticas económicas que estão a ser seguidas e que têm o aval da própria Comissão Europeia. Tal como a Presidente, Ursula von der Leyen, não referiu uma única vez as sucessivas subidas das taxas de juro que asfixiam as famílias e, Sr. Secretário de Estado, não tendo ela necessariamente de referir, a verdade é que nós percebemos que von der Leyen dá o aval àquela que tem sido a política do BCE a nível de taxas de juro e, portanto, dá o aval às consequências que isso está a ter nas famílias, nomeadamente em Portugal.
Queria colocar uma outra questão: não considera que o caso português, mesmo dentro do contexto europeu, é muito particular no que toca à crise da habitação? Nós já sabemos que, por exemplo, Lisboa é a cidade mais cara da Europa, neste momento, para arrendamento, mas também percebemos que Portugal é dos poucos países com regimes tão benéficos do ponto de vista de não pagamento de impostos de determinadas franjas da população, de investimento que favorece a especulação imobiliária, que não existe em outros países europeus e, portanto, precisamos de olhar de forma mais concreta para estas questões.
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Portanto, tendo em conta este desligamento quase absoluto entre o discurso da Presidente, Ursula von der Leyen, e aquilo que é a realidade das famílias no contexto europeu, parece-me que é óbvio perguntar se o Governo também partilha deste desligamento, porque aquilo que nós sentimos aqui, em Portugal, é que, de facto, as medidas apresentadas pelo Governo para resolver, nomeadamente, a crise da habitação, não batem com a realidade e não estão a resolver problemas.
Mesmo para terminar, Sr. Presidente, relativamente à política migratória e à Frontex, os relatórios e as investigações sobre a violação sistemática de direitos humanos e de casos de corrupção continuam. Sempre alertámos para os perigos desta agência. No entanto, o investimento dos Estados nesta agência tem aumentado e a crise migratória não se resolve com violência, não se resolve com violação de direitos humanos.
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Muito bem! A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Gostávamos de questionar o Governo relativamente a esta agência, no sentido
de saber se vai continuar a dar o aval àquilo que tem sido uma violação sistemática, já mais do que provada por várias investigações, da Frontex na sua atuação relativamente a migrantes. Além disso, gostávamos de saber se o Governo vai continuar a apoiar esta política europeia que, na verdade, olha de forma muito diferente para quem procura refúgio, dependendo do sítio de onde ele vem. Isso não é uma política migratória de acolhimento, isso é uma política discriminatória e de violência.
Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Pires, o
discurso da Presidente da Comissão, já aqui o referimos, é essencialmente um discurso de balanço. Também já aqui disse que nem tudo foi positivo ao longo deste mandato, mas, de facto, há conquistas importantes e avanços significativos que foram feitos.
A Sr.ª Deputada, para dar um exemplo de algo que entende ser menos bom, refere um dos domínios onde talvez a União Europeia foi mais longe, que é justamente o domínio do combate às alterações climáticas. No âmbito, primeiro, da aprovação da Lei Europeia do Clima —, que, aliás, sucedeu durante a Presidência portuguesa —, e, depois, em concretização dessa lei e do objetivo que foi fixado de neutralidade carbónica em 2050, foi apresentado pela Comissão Europeia, e tem vindo a ser aprovado pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, um amplo e muitíssimo ambicioso pacote chamado Fit for 55, que visa, justamente, nos vários domínios da economia da sociedade europeia, concretizar essa ambição de redução das emissões de gases de estufa de forma muitíssimo significativa.
A União Europeia lidera a ambição a este nível, a nível mundial, em cada ano, quando o mundo se reúne nas COP (Conferência das Partes) para discutir este tema. É absolutamente notória a posição de liderança que a União Europeia tem tido, e, portanto, creio que é um mau exemplo para criticar a União Europeia e talvez até um bom exemplo para elogiar o caminho que tem vindo a ser feito.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Nota-se! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Quanto à habitação, Sr.ª Deputada — novamente,
correndo o risco de me repetir —, é um problema nacional que estamos a tentar resolver e para o qual estamos a adotar medidas. E é também um problema europeu, porque é comum a muitos, a praticamente todos, se não todos mesmo, os Estados-Membros. Sim, muitas famílias estão a ter dificuldades, por força da política do BCE de subida dos juros, com o pagamento das suas prestações.
Por isso, foi adotada, hoje mesmo, uma medida que bonifica os juros… A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Não é muito bom!
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — … e ajuda as famílias que têm mais dificuldades no pagamento dos juros, que estabiliza a prestação durante um período de dois anos, dando condições a que as pessoas possam gerir melhor, lidar melhor com este aumento de custos que decorre da política do BCE.
Também a nível das rendas, para quem não é dono de casa própria, mas vive numa casa arrendada, temos uma medida de apoio ao pagamento do custo com as rendas.
A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Preços especulativos! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — A nível do aumento de oferta, temos, de facto,
muitíssimo investimento já em curso, por força, designadamente, do Plano de Recuperação e Resiliência, para a construção de habitação que possa ser arrendada a custos acessíveis e que forneça uma resposta, sobretudo às classes mais jovens que carecem de uma habitação, até para a sua autonomização e para o desenvolvimento dos seus projetos de vida.
E estou a crer que, sim, a União Europeia vai, eventualmente, dar respostas a esta matéria e tem havido, aliás, sinais a esse respeito. Os porta-vozes da Comissão Europeia, aliás, disseram-no, o Comissário Sefcovic, quando esteve aqui em Portugal, disse-o também, e tem havido várias declarações, no sentido de que, de facto, a União Europeia não pode alhear-se deste problema.
Muito rapidamente, quanto à Frontex, Sr.ª Deputada, temos de distinguir: uma coisa é o mandato que a Frontex tem; outra coisa são eventuais práticas violadoras de direitos humanos que tenham ocorrido. Em relação a essas, naturalmente, têm de ser investigadas e, demonstrando-se que ocorreram, as consequências devidas têm de ser retiradas, e não tenho a menor dúvida a esse respeito. Não confundamos o trabalho da instituição como um todo com eventuais práticas que, a comprovarem-se, são absolutamente inaceitáveis e têm de ter o devido tratamento.
Por fim, Sr.ª Deputada, a política de refúgio e a atitude de acolhimento que temos para quem chega ao nosso continente, designadamente aqueles que fogem de situações de fome ou de insegurança, ou de conflito, ou de perseguição, não pode ser diferente em função do sítio de onde eles vêm. Como é óbvio, não podia concordar mais consigo — seja da Ucrânia seja de outro local, a atitude tem de ser a mesma; qualquer que seja a sua cor da pele, a atitude tem de ser a mesma.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Sr.ª Ministra: Em relação à
questão social, o Sr. Secretário de Estado já respondeu, portanto não irei reforçar essa questão, até porque vai ao encontro daquelas que são as nossas preocupações.
Mas, Sr. Secretário de Estado, em matéria ambiental, parece que, de facto, o discurso da Sr.ª Presidente da Comissão Europeia ficou aquém, sobretudo no que diz respeito à Farm to Fork, mas também em relação à estratégia para a biodiversidade, que ficaram completamente de fora do discurso. E é até com preocupação que, à conta de um caso pessoal, vimos retroceder aquela que é a proteção e a conservação do lobo ibérico, uma espécie que diz tanto a Portugal e que, para nós, é fundamental que seja preservada em toda a União Europeia.
Mas gostaríamos de destacar aqui dois aspetos, um que esteve presente no discurso e outro que esteve completamente ausente.
Quanto ao que esteve presente, e que nos parece que é, de alguma forma, positivo, mas que é um diálogo que tem de ser estratégico e feito em duas componentes — e gostaríamos de perceber qual a posição de Portugal relativamente a este diálogo —, refiro-me ao futuro da agricultura na União Europeia. Assim, queria saber se este diálogo vai ser feito apenas com o lobby da agricultura…
O Sr. Bruno Nunes (CH): — Ah, o lobby da agricultura! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — É! É o lobby das estufas!
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — … ou se vai, efetivamente, abrir as portas à nova tecnologia de precisão, se vai abrir as portas, por exemplo, ao plant-based, àquilo que é 100 % vegetal, à agricultura celular, para que, de facto, possamos, de alguma forma, introduzir uma transição alimentar para modos de produção mais sustentáveis. Vamos ou não continuar a permitir que a Ministra da Agricultura incentive, a contraciclo dos demais países da União Europeia, o transporte de animais vivos ou Portugal vai, finalmente, ter também aqui uma consideração ética pelo fim do transporte de animais vivos?
Já quanto ao que esteve ausente, Sr. Secretário de Estado — com a tolerância do Sr. Presidente —, o posicionamento da União Europeia em relação ao G20 (Grupo dos 20), mais uma vez ficaram-se palavras de circunstância e eu não posso deixar de referir que, no ano passado, foram concedidos 1,4 biliões de dólares em subsídios públicos à indústria dos combustíveis fósseis.
Não se fala deste valor absolutamente astronómico que continua a financiar indústrias altamente poluentes e estão de fora daquele que é o combate à crise climática, que tão efusivamente aqui se falou. Continuamos a ter aqui objetivos e vamos ter em breve a COP28 e uma necessidade de transição nos transportes públicos. Por isso, gostaríamos de perceber o que é que o Sr. Secretário de Estado pensa acerca disto e que compromisso é que Portugal vai levar quer à COP28 quer às demais reuniões também da Comissão Europeia, porque é fundamental que, de uma vez por todas, se comece a falar destes financiamentos ao nível global.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real começou por referir que o discurso ambiental da Presidente da Comissão Europeia ficou aquém do que era desejado. Bom, atrever-me-ia a dizer que qualquer que fosse o discurso ambiental da Sr.ª Presidente da Comissão Europeia ficaria sempre aquém do desejado para a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.
Protestos do PAN. A verdade é que a Comissão Europeia e a União, como um todo, ao longo dos últimos anos, têm feito um
grande progresso nesta medida, tanto no combate às alterações climáticas, com o pacote Fit for 55, que já aqui enunciei, como em medidas muito amplas nos mais variados setores económicos e da vida em sociedade para reduzir emissões. De facto, é uma matéria em que se tem avançado muito na mitigação das emissões. Talvez tenhamos ainda muito mais para fazer, designadamente, por exemplo, na adaptação às alterações climáticas, pois são desafios que se mantêm para o futuro.
Mas, no que diz respeito à energia, sobretudo, e às energias limpas, a Sr.ª Deputada referiu os combustíveis fósseis. Ora, por um lado, do discurso da Presidente da Comissão, em matéria de energia, o que ela referiu foi hidrogénio verde e energia eólica. Portanto, claramente, as prioridades estão muito bem identificadas e são as energias renováveis.
É esse o caminho. É esse o caminho também muito evidente para Portugal, para o Governo português, e é esse o caminho que temos vindo a fazer. Temos já uma percentagem muito significativa de energias renováveis no nosso mix energético, e isso é bom, porque são energias limpas e é bom também em termos económicos, como se tem comprovado.
Ficámos, enfim, mais protegidos do impacto da escalada do preço do gás, designadamente nos mercados internacionais, justamente pelo grande peso que temos de energias renováveis no nosso mix energético e também por causa do mecanismo ibérico, que soubemos, juntamente com Espanha, negociar em Bruxelas. Esse é também um ponto em que a atuação europeia — permitindo-nos adotar esse mecanismo ibérico — ajudou as nossas famílias a suportar menos custos com a eletricidade.
O Sr. Presidente: — Tem de terminar, Sr. Secretário de Estado. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Termino já, Sr. Presidente. Depois, no domínio da agricultura, o que a Presidente da Comissão referiu — e parece-me que é correto —
é que tem de ser possível desenvolver a atividade agrícola e manter a proteção e o restauro da natureza.
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As duas coisas não podem ser contraditórias, não podem estar de costas voltadas. Esse diálogo tem de se fazer e ambos os setores têm de estar de mão dada. Por isso, tem-se, aliás, avançado muito também no setor da proteção da natureza.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do Livre. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas, Sr.ª Ministra, Sr. Secretário de Estado:
Neste novo modelo de debate europeu, aqui no nosso Parlamento, é muito importante não fazer o debate voltados para dentro ou apenas a olhar para o retrovisor.
É importante que a União Europeia tenha tido uma resposta à pandemia muito melhor do que aquela que teve à crise da zona euro. Mas os desafios que temos pela frente são de uma dimensão e de uma natureza completamente diferentes e vão ter um impacto para o futuro de Portugal e das próximas gerações, que é também incomparável.
Lembro-me de ver Portugal discutir, tarde e a más horas, a entrada no euro ou o alargamento a Leste, ou a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, para depois nos vermos a braços com as consequências que esses factos tiveram para a nossa economia e para a nossa sociedade.
Não gostaria de ver isso acontecer com o atual alargamento, relativamente ao qual vejo que há muita gente que, em Portugal, tem uma atitude de esperar que alguém vete por nós. E essa é uma atitude fundamentalmente injusta, nomeadamente para os ucranianos, que estão, neste momento, a dar a vida pela entrada na União Europeia. E se for justo que, do ponto de vista do Estado de direito, da democracia,…
A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Dão a vida!… O Sr. Rui Tavares (L): — Duvida de que estejam a dar a vida, cara Deputada Joana Mortágua? Acho que
essa é uma dúvida sinceramente capciosa e que não lhe fica muito bem. Estão claramente a dar a vida, e todos sabemos disso.
Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua. Mas o que queria dizer é que, enquanto outros se desviam do debate que interessa, na verdade, esse debate
já está a ser feito. Há três dias, foi publicado o relatório do grupo de trabalho franco-alemão acerca do alargamento da União Europeia.
Portanto, já há nitidamente quem esteja a imaginar as próximas configurações da União Europeia, sugerindo, por exemplo, que passe a haver comissários europeus com direito a voto e outros sem direito a voto — e essa é uma questão que nos deve preocupar —, mas sugerindo, do lado das boas propostas, que o artigo 7.º do Estado de direito na União Europeia passe a funcionar com maioria qualificada e não por unanimidade. Só que, para isso, é preciso uma alteração de tratados, com a qual o nosso Governo não conta.
Faço uma sugestão e lanço um desafio. A sugestão é a de que convidemos este grupo de trabalho a vir à Assembleia da República, e enviaremos
um requerimento à Comissão de Assuntos Europeus para que venha cá o Prof. Olivier Costa, que coordenou este grupo de trabalho.
E o desafio que lanço ao Governo é o de não prescindir deste debate e de, juntamente com outros países comparáveis a Portugal — com a Irlanda, com os Países Baixos, com a Dinamarca, com a Grécia, com a Eslováquia, com os Bálticos —, lançarmos também o nosso relatório com as nossas propostas para o alargamento da União, em que, do ponto de vista da democracia, do Estado de direito, dos fundos, do funcionamento da União e daquilo que deve ser a União Europeia como uma casa comum, Portugal possa ter uma palavra a dizer e não fique para trás no debate. Fica aqui o desafio.
O Sr. Presidente: — Assim terminamos o ponto dois da nossa ordem do dia. Peço desculpa, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus tem ainda a palavra, para responder.
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O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Tavares, sobre
o tema do alargamento, temos, por um lado, o trabalho de casa que os países candidatos têm de fazer e o apoio que eu, pessoalmente, e o Governo português temos manifestado a cada um deles para assistência técnica — ajudá-los com o know-how, com conhecimento sobre o processo de adesão, sobre os vários dossiês europeus, a cumprirem as metas, para poderem vir a integrar o projeto europeu.
Há uma dimensão geopolítica, que tem a ver com a guerra na Ucrânia, naturalmente, mas há, sobretudo, a dimensão de uma política que é baseada no mérito próprio de cada país, que tem um processo exigente, em que devemos ser prestáveis e úteis, ajudando-os a cumprir essas metas e a atingirem os critérios de Copenhaga.
Esse é um lado da história. O outro lado da história é o trabalho de casa da própria União Europeia, a reforma que temos de fazer para podermos estar em condições, não porque não queiramos o alargamento, mas justamente pelo contrário. Porque queremos o alargamento, temos de estar preparados para que, quando os países candidatos estiverem preparados, também o estejamos. Isto para que não chegue o momento em que os países candidatos cumprem todos os critérios e nós, afinal, ou por uma razão ou por outra, não estamos em condições de os integrar.
Agradeço-lhe ter feito menção ao relatório do grupo de peritos franco-alemão, que foi apresentado, justamente há dois dias, no Conselho dos Assuntos Gerais, em que participei, em Bruxelas. Esse é um debate que nos interessa muito, e estamos na linha da frente da participação nesse debate.
Há uns meses, não havia grande apetite para fazer esse debate. A primeira reunião, talvez, em que verdadeiramente se discutiu esse tema foi uma reunião que organizei, no Porto, com os Estados-Membros da fachada atlântica da União Europeia, em que, pela primeira vez, houve a consciencialização de que, no âmbito da política de alargamento, a União Europeia também tem um trabalho de casa para fazer.
Há ideias muito interessantes, outras menos. Esse relatório é muito denso, tem, claramente, muito material para digerir, para assimilar, para discutir. Há coisas que, se calhar, não são fazíveis, há outras que são interessantes.
É um debate que agora se inicia e em que Portugal está na linha da frente, porque queremos essa reforma, porque queremos preparar-nos para podermos chegar ao momento do alargamento.
Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Agora, sim, podemos passar ao ponto três da nossa ordem do dia, que consiste na
apreciação da Petição n.º 316/XIV/3.ª (Ana Filipa Ferrão Silva e outros) — Solicitam a suspensão imediata do uso do certificado digital de vacinação covid.
Tenho a informar ao Plenário que os signatários foram contactados para saber se mantinham a sua petição, dados os factos supervenientes, e decidiram manter. Portanto, a petição é apreciada nesses termos.
Está inscrito, pela Iniciativa Liberal, o Sr. Deputado Rodrigo Saraiva, que tem a palavra. O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, esta Casa deve um
pedido de desculpa aos peticionários. A petição deu entrada nesta Assembleia a 30 de setembro de 2021, sendo discutida agora, passados dois
anos, numa grelha de meia hora. É certo que este caso não é único nesta Assembleia, mas devemos todos, em conjunto, refletir em como,
numa circunstância única, não fomos capazes de atender às preocupações dos nossos cidadãos, retomando esse debate já numa situação em que ele se tornou extemporâneo.
É por isso, então, uma oportunidade de recordar muito daquilo pelo qual os portugueses passaram, no contexto da pandemia covid-19.
É verdade que foram tempos difíceis e repletos de incertezas. É verdade também que, inicialmente, os vários governos lidavam com informação altamente incompleta e uma visão parcial da realidade, que era difícil de contrariar.
Sim, era difícil e foi difícil. Mas nem por ser difícil se justificaram muitas das decisões tomadas e a atmosfera de repressão que foi imposta, no decorrer da pandemia, sobretudo com o passar do tempo e quando a informação e os dados científicos eram mais sólidos.
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Tivemos regras que iam aos pormenores mais ínfimos e o Governo a tentar o que não é possível de todo: antever todas as situações e comportamentos dos portugueses. E o resultado foram muitas decisões no campo do absurdo.
Recordemos, então: não se podia comprar vinho no supermercado, a partir das 8 horas da noite; não se podia comprar água engarrafada nas bombas de gasolina; não se podia atravessar a fronteira para o concelho ao lado, mesmo que vivessem familiares próximos no outro lado da estrada; não se podia almoçar no próprio carro e houve cidadãos multados por esse facto; não se podia beber café na rua — foi o famoso café ao postigo —; não se podia sair para fora do bloco de residência ou fazer exercício na rua, mesmo que sozinho; mantiveram-se escolas fechadas durante demasiado tempo, obrigando toda uma geração a perder dois anos de aulas presenciais, e cuja recuperação ainda hoje o Governo não consegue pôr a funcionar.
E tudo isto, começando por falhar no que era mais importante, a vacinação, onde foi depois preciso recorrer às Forças Armadas para que tudo decorresse bem.
E nunca assistimos a um pedido de desculpas pelo longo rol de abusos de poder que os portugueses sofreram ao longo de mais de dois anos, mesmo que fossem necessárias medidas de contenção do contágio da covid-19.
O Governo não confiou nos portugueses, o Governo não defendeu os direitos, liberdades e garantias dos portugueses.
Passando a solução pela vacinação, vieram os certificados de vacinação, que não podiam traduzir-se nunca numa discriminação excessiva entre vacinados e não vacinados. Em Portugal, chegou-se a exigi-los para se trabalhar, determinando-o centralmente e sem respeito pela variedade de circunstâncias em que as pessoas exercem as suas profissões.
Ao invés de descentralizar a responsabilidade, para que diferentes organizações e empresas fizessem a sua avaliação de risco, seguiu-se a via mais fácil, a da supressão de direitos, que não era necessária, mas assim decidiu o Governo, com respaldo de muitos neste Parlamento.
Esta tendência de seguir pela via mais repressora, menos respeitadora das liberdades, manifesta-se um pouco em cada debate público. Manifesta-se, nomeadamente, no processo de revisão constitucional em curso, em que o PS, com a provável conivência do PSD, pretende fazer aprovar confinamentos obrigatórios sem decisão judicial ou a utilização de metadados de comunicações pessoais, não só para efeitos de investigação criminal, o que até se pode entender dentro de limites bem definidos, mas também — pasme-se! — pelos serviços de informações, cuja estrutura de supervisão deixa muito a desejar, como vimos num caso famoso muito recentemente.
Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela. Por isso, Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não contem com a Iniciativa Liberal nunca para sufragar e
dar respaldo a supressões das liberdades dos portugueses. Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Aragão, do
Grupo Parlamentar do PS. O Sr. Bruno Aragão (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: De facto, a 1 de julho de 2021, entrou
em vigor o certificado digital covid; a 30 de setembro, entrou esta petição — portanto, dois meses depois —; dois anos depois, estamos, de facto, a discuti-la no Plenário. Portanto, é extemporâneo, no fundo, o objeto dessa petição.
Ainda assim, o momento serve sempre para fazer alguma avaliação de um período que foi de novidade para muita gente, e há coisas que, apesar de tudo, não mudam. Não mudam, porque é fácil — ou poderia ser mais fácil —, em tempo real, ir fazendo crítica às opções que se foram tomando, mesmo que essas opções fossem tomadas no desconhecido, mas, apesar de tudo, deixa de fazer algum sentido, quando conseguimos fazê-las retrospetivamente, percebendo o que aconteceu, percebendo as suas consequências, que é, no fundo, aquilo que hoje podemos, um pouco, aqui fazer.
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Acho que devemos dizer que não houve vias mais repressoras. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Ah, pois não, não houve! O Sr. Bruno Aragão (PS): — O que houve foi vias mais coletivas, e isso foi claramente uma opção. Não
houve vias individuais, houve claramente vias mais comunitárias, isso foi também uma opção. Protestos do CH e da IL. Este certificado, que é apenas um exemplo, não é um caso exclusivo português. Foi adotado pelos 27 países
da União Europeia, mais os três países do espaço económico, mais 37 países que não nenhum destes que referi. Portanto, não estamos a falar de nenhuma invenção ou de nenhuma criação nacional, nem de nenhuma tentativa repressora sobre os cidadãos.
O que houve foi, de facto, um esforço de equilíbrio entre direitos, liberdades e garantias… O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Por isso é que fizeram a petição! O Sr. Bruno Aragão (PS): — … e um esforço comunitário de responder a uma emergência sanitária que,
por ser sanitária, era, de facto, comunitária. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Muito bem! O Sr. Bruno Aragão (PS): — Foi isso que se fez. A discussão sobre esta matéria é extemporânea no que a este objeto diz respeito, mas não deixará de o ser
relativamente à avaliação que vamos continuar a fazer. E termino com uma frase muito simples, uma ideia que a Sr.ª Provedora de Justiça deixou, na audição da
semana passada, e que acho que encerra bem esta discussão, e passo a citar, se não é ipsis verbis, é praticamente: «Enquanto comunidade, conduzimos o barco de forma admirável.»
Acho que é isto que nos importa, porque, de facto, foi isto que os portugueses reconheceram e é isto que os diferentes relatórios que começam a surgir também confirmam.
Aplausos do PS. O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — E o Tribunal Constitucional, também confirma?! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ofélia Ramos, do
Grupo Parlamentar do PSD. A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Começo, naturalmente, por saudar, na
pessoa da primeira subscritora, os milhares de subscritores da petição que hoje discutimos, que se revela da maior importância.
E é da maior importância por duas simples razões. A primeira, desde logo, é pelo simples facto de o exercício do direito de petição ser um instrumento importantíssimo, que contribui para a melhoria da nossa democracia, na medida em que aproxima os cidadãos dos seus representantes. E por isso, permitam-me, desde logo, saudar os milhares de subscritores da presente petição pela sua iniciativa, pela sua participação cívica, que enriquece, sem dúvida, o debate político e a nossa democracia.
Aplausos do PSD. Mas esta petição reveste-se também de grande importância pelo assunto que aqui traz, pelas razões que
adiante explicarei.
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Muitos dirão — e bem, como aqui já foi dito — que esta petição perdeu completamente a sua atualidade e a sua oportunidade, atento o seu objeto, que é bastante claro: pretendem os peticionários a suspensão imediata do certificado digital de vacinação covid, porque entendem que a imposição do uso deste certificado para acesso a locais, bens e serviços, constitui uma clara violação de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.
Efetivamente, como todos nós sabemos, infelizmente esta petição perdeu atualidade; é extemporânea e perdeu oportunidade. Porque se esta petição fazia sentido aquando do momento da sua apresentação aqui, na Assembleia da República, hoje não faz sentido, na medida em que, fruto de um combate hercúleo de todos, as medidas restritivas de combate à pandemia foram gradualmente levantadas e a normalidade do nosso País restaurada.
E por essa razão, hoje, felizmente, temos de dizer e afirmar que não impendem sobre os portugueses quaisquer suspensões ou restrições aos seus direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. Na verdade, esta normalidade encontra-se hoje consolidada, não só porque o estado de alerta cessou definitivamente em Portugal há cerca de um ano, mas também porque, no dia 5 de maio deste ano, foi declarado pela Organização Mundial da Saúde o fim da situação de emergência de saúde para a covid-19 a nível global.
Mas, Srs. Deputados, apesar de o ano de 2023 marcar o fim do estado de emergência da covid-19, sabemos hoje, melhor do que nunca, que a humanidade, que as sociedades modernas, estão sempre sujeitas a novos riscos, a novas ameaças suscetíveis de constituírem grave risco para a saúde pública.
Vozes do PSD: — Muito bem! A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — E por isso, o assunto que esta petição hoje nos trouxe não pode ser encarado
ou dado como descartado ou encerrado e merece uma adequada ponderação no quadro de uma nova emergência por razões de saúde pública.
Na verdade, a incerteza do futuro convoca-nos a todos a uma reflexão séria sobre a garantia da proteção de direitos fundamentais em tempos de crise ou emergência por razões de saúde pública, reflexão esta que deve passar, necessariamente, pelas questões de ordem constitucional suscitadas relativamente às medidas de combate à pandemia impostas aquando do estado de emergência e, em especial, depois de este ter sido levantado, medidas estas que constituíram e se traduziram, efetivamente, em verdadeiras restrições e suspensões aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
E porque estas restrições vieram, sem dúvida, reafirmar a importância do Estado de direito na proteção dos valores fundamentais e das liberdades individuais, o Grupo Parlamentar do PSD, em sede do processo de revisão constitucional, cuidará de estabelecer um regime geral para situações constitucionais excecionais de crise ou emergência que representem graves riscos para a saúde pública e que constituam, elas próprias, uma ameaça para a própria vida da comunidade a cargo do Estado.
Dito isto e para terminar, não podemos também deixar de fazer aqui um balanço e destacar a importância crucial do Certificado Digital Covid na resposta da Europa à pandemia, na medida em que permitiu a reabertura das nossas sociedades, a reabertura das nossas economias, tendo, por isso, sido fundamental para apoiar o setor do turismo que, como todos sabemos, foi gravemente e duramente atingido pela pandemia.
De facto, pelo reconhecido êxito do Certificado Digital Covid-19, a Organização Mundial da Saúde adotou, em julho deste ano, o sistema da união europeia de certificação digital, a fim de estabelecer um sistema global que ajudará a facilitar a mobilidade geral e a proteger os cidadãos de todo o mundo…
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Como foi com os imigrantes?! A Sr.ª Ofélia Ramos (PSD): — … contra as ameaças à saúde, não só atuais como também futuras. Termino, relembrando aos Srs. Deputados que o nosso Estado de direito não pode ser dado como garantido
e é nossa responsabilidade garantir que quaisquer ameaças à saúde pública não representem, também, uma ameaça ao futuro da nossa democracia.
Aplausos do PSD.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Frazão, do Grupo Parlamentar do Chega. Faça favor.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Ex.ma Sr.ª Presidente, Ex.mos Srs. Deputados, Ex.mos Srs.
Peticionários: Estamos aqui, hoje, na Assembleia da República, Casa da democracia e da liberdade, Casa onde cada um dos 230 Deputados tem como primeira obrigação defender a liberdade e a democracia. Toda a nossa ação política e cívica, como Deputados da Nação, deve estar orientada para o serviço do bem comum.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Srs. Peticionários, esta petição é um instrumento conferido pela Constituição da República Portuguesa ao cidadão comum para exercer a sua cidadania e participar na vida política portuguesa. Quero, por isso, enviar as minhas saudações democráticas aos promotores desta petição pela suspensão imediata do uso de certificado digital de vacinação covid e, ainda, a cada um dos milhares de subscritores pela coragem de defenderem a liberdade num Portugal, numa Europa e num mundo onde defender emancipadamente a autodeterminação e o livre-arbítrio é considerado um ataque à democracia e à própria liberdade.
Por isso, esta petição mantém a sua validade e a sua atualidade. Aplausos do CH. Os Srs. Peticionários são um exemplo de verdadeiros democratas e de homens livres. Tal como os militantes
do Chega, sabem o que é ser-se vítima deste sistema que se diz democrático e sabem o que é viver cercado de cordões sanitários e de linhas vermelhas; sabem o que é ser-se caluniado pela comunicação social e pelas máquinas da propaganda do sistema; sabem o que é ser-se alvo dos epítetos difamatórios de «perigosos», de «risco para a população» ou, até mesmo, de «ameaça para a democracia»…
Aplausos do CH. … quando o perigo para a democracia é esta maioria aqui sentada que, violando todos os princípios da Carta
dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da própria Constituição da República Portuguesa, limitaram a liberdade e impuseram a 10 milhões de portugueses a prisão domiciliária.
Como sempre dissemos no Chega, até os juízes do Tribunal Constitucional reiteraram que as limitações à liberdade individual não podiam ser reguladas nem pelo Governo nem pelo Parlamento, para declarar quarentenas fora do estado de emergência.
Srs. Peticionários, também é uma vergonha — sim — que esta petição só hoje esteja a ser discutida. Passaram dois anos da sua admissão e este facto, só por si, é humilhante e revelador do mau funcionamento desta Assembleia e de como todo o gigante decadente e balofo Estado português está.
Mas chega o tempo de mudar, mudar pelo voto e pela força popular, tempo de nas ruas denunciarmos todos os responsáveis pelo desgoverno da nossa Pátria.
Os portugueses podem contar com a terceira força política para defender a liberdade. Nós fomos os únicos que quiseram que os cidadãos tivessem toda a informação sobre o negócio das vacinas e sobre quem ficou com os milhões dos nossos impostos; nós somos os únicos que queremos saber as razões do excesso líquido de mortalidade esperada, além da pandemia e além da demografia, e que nos últimos três anos superou 28 500 óbitos. Os dados oficiais mostram que há um excesso absurdo de mortalidade, principalmente entre os 5 e os 24 anos e nos maiores de 85. O excesso de mortalidade não-covid disparou em 2021 e, em 2022, foi 10 vezes superior ao anterior, e agora, em 2023, os adolescentes e os jovens adultos da faixa entre os 15 e os 24 anos têm uma mortalidade em níveis nunca vistos.
Por isso, queremos uma comissão parlamentar de inquérito para saber o que se está a passar ano após ano, o que está a aumentar a mortalidade dos portugueses, que nós aqui representamos, principalmente dos mais jovens. Esta maioria não deixa saber o que se passa, esta maioria não quer saber dos portugueses que estão a morrer.
Mas nós, Srs. Deputados, Sr.ª Presidente, nós vamos persistir, nós vamos continuar aqui, porque assim os portugueses nos mandataram, e não vamos permitir que a liberdade e o Estado de direito sejam destruídos por esta maioria marxista globalista.
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A liberdade, sim, está em risco; resistir é um ato cívico, resistir é um ato de direito. Resistiremos! Aplausos do CH. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do
Grupo Parlamentar do PCP. Faça favor. O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, boa tarde. Nesta petição que hoje aqui
discutimos, os peticionários solicitam a suspensão imediata do uso do certificado covid-19. Ouvi as intervenções dos Srs. Deputados e esta petição foi aqui apelidada de «extemporânea», no caso do
Sr. Deputado Bruno Aragão, e a Sr.ª Deputada Ofélia Ramos fez uma apreciação relativamente ao que poderíamos aprender com a lição que a pandemia nos trouxe, nomeadamente com a utilização deste certificado, mas, até este momento, em nenhuma das intervenções transpareceu, afinal, que aprendizagem fizemos, que lição é que tirámos e, se estivéssemos colocados novamente perante esta situação, como iríamos resolvê-la.
Provavelmente, por aquilo que percebi das vossas intervenções, seria uma intervenção precisamente igual, ipsisverbis, àquela que foi feita em termos da emissão do dito certificado, até porque ninguém refletiu sobre onde, como e com que objetivos surgiu este certificado da covid-19.
Ele surgiu, foi emitido e produzido no Parlamento Europeu, que regulamentou o quadro de emissão, de verificação e de aceitação dos certificados interoperáveis. E foi nesse quadro que o Governo português decidiu levar para a frente este certificado, que, além da vacinação, também atestava relativamente aos testes e à recuperação.
Mas poderemos dizer que foi algo de novo, que não tínhamos nenhuma referência, que não havia critérios para essa emissão, mas a verdade é que tínhamos, e os Deputados do PCP no Parlamento Europeu, em fevereiro de 2021, identificaram aquela que é a referência à qual Portugal, a União Europeia e 196 países aderiram, nomeadamente, o Regulamento Sanitário Internacional que a OMS (Organização Mundial da Saúde) tem definido e do qual este certificado fez tábua rasa, nomeadamente nas preocupações que o PCP apresentou relativamente aos dados pessoais e à possibilidade de uma utilização abusiva desses dados.
Por isso, foram colocados desafios da covid-19 a que importava responder, nomeadamente no que dizia respeito à circulação de pessoas, mas também no que dizia respeito à capacidade de cada Estado definir as condições de acesso ao seu território segundo os tais critérios, que deveriam ter sido a referência do Regulamento Sanitário Internacional e que ninguém até hoje aqui discutiu, nem ninguém quer saber de tão importantes critérios que já estão definidos.
Mas importa também que, associado a isto, discutamos algo que é fundamental, que tem a ver com a questão da proteção da população, quer em termos sanitários quer em termos da profilaxia, nomeadamente da vacinação.
Srs. Deputados, não nos podemos esquecer de que a vacinação foi essencial para salvar vidas e permitiu ainda a retoma de atividades económicas, sociais, culturais, desportivas, mas importa referir aquilo que foi feito em torno da vacinação, nomeadamente quando os Estados da União Europeia, e Portugal também, financiaram a investigação, financiaram os seguros de risco e até compraram antecipadamente as vacinas,…
O Sr. Bruno Aragão (PS): — E bem! O Sr. João Dias (PCP): — … e, depois de tudo isto, abdicaram daquilo que seria importante, que era os
direitos de propriedade das vacinas. E, portanto, aquilo que nós hoje achamos curioso é que aqueles que votaram favoravelmente este certificado,
nomeadamente no Parlamento Europeu — o PS, o PSD e o CDS votaram favoravelmente este certificado —, estiveram contra quando o PCP apresentou propostas para as vacinas serem um bem público.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado. O Sr. João Dias (PCP): — E é por isso que nós pedimos coerência na abordagem e na aprendizagem que
devemos fazer destas lições da covid-19.
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Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa
Real, do PAN. Faça favor. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os
peticionários, na pessoa da primeira peticionária. Apesar da extemporaneidade desta petição, o que, desde já, lamentamos, porque estamos a discuti-la
praticamente dois anos após ter dado entrada — uma demora que não só impossibilita o cumprimento dos direitos dos cidadãos, o que, neste caso, é por demais evidente, como em nada dignifica a Assembleia —, a verdade é que, tendo-se decretado o fim da pandemia, não deixam de existir preocupações e sequelas que se mantêm, seja no âmbito da nossa relação com o mundo natural e o que originou a própria pandemia, seja também no âmbito dos compromissos. Há um claro exemplo disso mesmo: ainda este mês, os enfermeiros madeirenses não receberam no vencimento o subsídio covid-19 relativo a 2021, ao contrário do que estava combinado com a tutela.
Continuamos a não conseguir dar uma resposta cabal à situação, ainda que pareça ultrapassada, e essa é também uma preocupação, ou seja, a própria confiança dos portugueses na capacidade de resposta aos compromissos assumidos com os profissionais e a eventuais novas pandemias, para as quais a Organização Mundial da Saúde já veio alertar, ou até mesmo ao surgimento de outro tipo de fenómenos decorrentes das alterações climáticas, com que vamos ter de saber lidar. E não podemos ter a pretensão de achar que não vivemos num quadro favorável à ocorrência das mesmas, um quadro que tem sido agravado por vários fatores, entre eles a crise climática, que tem implicações graves, como bem sabemos, na saúde humana, na saúde do planeta e na saúde animal, sendo que estas três dimensões devem ser encaradas como uma só saúde.
Para concluir, gostaria apenas de referir que, existindo um processo de revisão constitucional, que até já aqui foi mencionado hoje pela Sr.ª Deputada do PSD, este processo de revisão constitucional não deve constituir uma «caixa de Pandora» e tudo aquilo que possa ser a restrição de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos deve ser, de alguma forma, revisto com pinças. É que nós temos uma Lei Fundamental que foi conquistada com o 25 de Abril e não é por conta de uma pandemia que agora, a reboque de uma revisão, devemos, de alguma forma, restringir direitos de qualquer maneira e de forma absolutamente irrefletida.
O Sr. Rodrigo Saraiva (IL): — Falar é fácil! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do
Livre. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Olhando em perspetiva, é evidente que o
mundo soube lidar com a pandemia da covid-19 de uma maneira muito mais eficaz e segura do que aquilo que fez com pandemias anteriores. Basta pensar na pandemia da gripe pneumónica, com a qual morreram talvez entre 50 e 100 milhões de pessoas numa população mundial que era quatro vezes menor do que aquela que temos agora, na qual morreram dez vezes menos pessoas por covid-19.
As medidas de saúde pública — as farmacológicas, a vacina e, antes disso, as máscaras, os confinamentos — funcionaram. Nos países que as aplicaram menos, houve mortes em excesso, como no Brasil, com 600 000 mortes em excesso, e noutros países houve mortes abaixo da média de países comparáveis, como foi no nosso.
Este debate, no entanto, não é extemporâneo — e nisso concordo com o que disseram alguns intervenientes, mas talvez por razões diferentes daquelas que alegaram —, porque há muito a aprender em relação ao que fazer em pandemias futuras. Aliás, devemos notar que a última reunião do Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) que tivemos foi há praticamente um ano e devíamos estar a ter outras reuniões, porque nada nos diz que a próxima pandemia será só daqui a 100 anos; pode ser daqui a 10 anos ou daqui a 1!
Mas este debate traz também dentro dele um debate sobre liberdade em que há duas conceções de liberdade que são muito diferentes e que vale a pena, apesar de tudo, identificar e assinalar: numa delas, estar livre é não
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ter nenhuma interferência do Estado, ou seja, «o Estado não interfere comigo, não me pede um certificado e eu sou livre, mesmo se estou a colocar em risco a vida da pessoa ao lado»; noutra visão, a liberdade é capacidade, possibilidade de autorrealização e, para essa, é preciso uma coisa muito simples — é preciso estar vivo e é preciso cuidar dos que estão ao nosso lado. Eu não serei livre se eu, na rua, estiver a pôr em risco a pessoa que está ali ao lado, mais frágil do que eu, mais idosa, com uma doença respiratória.
Se houver uma interferência com a minha liberdade que me diz que devo pôr uma máscara para salvar o meu concidadão, eu acho que é um equilíbrio necessário para preservar a liberdade de todos. Na verdade, é uma conceção de liberdade em que alguns dizem «só a minha é que conta» e há outros que dizem «conta a de todos por igual», e eu acho que esse debate nunca é extemporâneo.
Aplausos de Deputados do PS.A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Concluímos assim este ponto da ordem do dia. Passamos ao último ponto, que consiste na apreciação conjunta da Petição n.º 75/XV/1.ª (Bernardo
Alexandre da Silva Venâncio) — Pela alteração da legislação que regula a prática de airsoft e, na generalidade, do Projeto de Lei n.º 789/XV/1.ª (IL) — Retira os dispositivos de airsoft da lei das armas.
Para apresentar o projeto de lei da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardo Blanco. O Sr. Bernardo Blanco (IL): — Sr.ª Presidente, Caros Deputados, o nosso objetivo de hoje é simples: abrir
o debate e começar o trabalho de forma a que se consiga um consenso em sede de especialidade para clarificar a legislação e simplificar a vida aos praticantes de airsoft, que, aviso já, para os mais distraídos lá do fundo, não é o mesmo que paintball.
Os praticantes de airsoft participam de forma recreativa em simulações de operações policiais e militares, em que dispõem de equipamentos que disparam esferas que não são balas, nem têm possibilidade de serem convertidas em balas, nem têm propulsores de combustão, nem têm qualquer perigo. Sim, os equipamentos são semelhantes a armas de fogo, mas não passa disso. São inofensivos e impossíveis de serem transformados em armas de fogo reais.
Portugal tem, possivelmente, a lei mais restritiva no que toca a esta modalidade desportiva entre os países desenvolvidos, com um sem-fim de burocracias.
Dou um exemplo que gostava que ouvissem com atenção, para verem o quão ridículo é: estes equipamentos têm de ter uma pintura fluorescente em parte dos mesmos, podendo essa pintura ser tapada durante o jogo; estes equipamentos têm também de estar dentro de uma mala fechada durante o seu transporte, por isso, a única pessoa que vê esta pintura, que é obrigatória, é o dono do equipamento quando está em sua casa, no sofá, porque o equipamento está dentro da mala para ser transportado e, durante o jogo, a pintura pode ser tapada, portanto, para nada serve; e quem quiser utilizar estes equipamentos para causar algum tipo de alarme social, certamente não vai pintar a arma nem vai cumprir, obviamente, a legislação. Estamos a punir quem cumpre.
Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua. O que não falta são equipamentos bem mais perigosos do que estes, aos quais, felizmente, não impomos
estas obrigações. Burocracias como estas, ou como a proibição de empréstimo de equipamentos, só dificultam a vida às
pessoas e limitam o crescimento da modalidade, estando nós muito distantes do regime jurídico dos outros países europeus.
A questão é que, a meu ver, a lei foi mal feita. Foi feita não com base na perigosidade ou na possibilidade de conversão do equipamento numa arma, mas, sim, com base na parecença dos equipamentos. Mas também há uma série de objetos, desde brinquedos a comandos da PlayStation, comandos de jogos, que são parecidos com armas e, felizmente, parecem não ter as mesmas exigências legais que estes equipamentos têm — não quero estar a dar ideias a ninguém, de vir aqui propor ainda mais legislação, mas felizmente, até agora, não têm.
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O Ministério Público, no seu parecer, que li atentamente, diz que a legislação nacional cumpre a lei europeia, na medida em que não trata as reproduções de armas de fogo para práticas recreativas — nas quais os equipamentos de airsoft se inserem — como armas de fogo. Até aqui, tudo bem e estamos de acordo. Mas o Ministério Público diz também que a atual redação da lei das armas, no que às reproduções de armas de fogo para práticas recreativas concerne — nas quais estes equipamentos se incluem —, suscita dúvidas de interpretação e integração, e aparenta ser paradoxal.
Explico porquê: se lerem a lei, que é bastante confusa, o que parece que está no regime é que os equipamentos estão fora da lei, mas, ao mesmo tempo, estão dentro da lei. Por isso, o regime exclui-os e inclui-os ao mesmo tempo, como nos confirma o Ministério Público, sendo que tive o trabalho de ir ver as declarações públicas da altura e parece que aquilo que os legisladores da altura queriam era excluí-los. Mas parece que a redação não ficou da forma mais clara e, por isso, os praticantes veem-se perante esta tal incerteza e perante decisões, muitas vezes, arbitrárias das entidades fiscalizadoras.
Por isso, das duas, uma: ou clarificamos isto com um regime jurídico à parte, que foi o que propusemos, com a consequente regulamentação por parte do Governo; ou clarificamos o atual regime jurídico, como recomenda o Ministério Público, e excecionamos, de forma clara, os equipamentos de airsoft.
Seja de que forma for, seja qualquer uma destas duas opções, a Iniciativa Liberal está completamente disponível para trabalhar, em sede de especialidade, atendendo também às recomendações do Ministério Público, e para chegar a um consenso, sendo que espero que mais partidos o estejam, porque, na audição dos peticionários, onde estive e onde também estiveram o PS e o PSD, estes dois partidos mostraram-se disponíveis para ouvir as pessoas e para alterar o quadro legal, trabalhando numa solução de consenso.
Por isso, chegou hoje o dia, e o que se pede é que viabilizem este projeto, de modo a que se chegue a este consenso e se simplifique a vida destas pessoas.
Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Real, do
Grupo Parlamentar do PS. A Sr.ª Anabela Real (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por cumprimentar e saudar
os mais de 7512 peticionários, na pessoa do primeiro subscritor, Bernardo Alexandre da Silva Venâncio, e os peticionários aqui presentes.
Através do direito de petição, os subscritores exerceram o que consubstancia um direito que assiste aos cidadãos e que, sendo uma forma de participação cívica, nos faz a todos refletir sobre o tema, contribuindo para o processo legislativo parlamentar.
Saudamos também o Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal, pela iniciativa que aqui vem apresentar, na qual é reconhecida a importância dos mais diversos níveis desta modalidade desportiva — nomeadamente os níveis económico, social e ambiental —, que tem milhares de praticantes no nosso País há já alguns anos.
A petição hoje em discussão pretende a alteração da legislação que enquadra a prática do airsoft e os equipamentos utilizados nesta modalidade desportiva, designadamente através da alteração da Lei n.º 5/2006, de 26 de fevereiro, bem como a criação de um regime jurídico que regule a aquisição, venda, aluguer e uso de reprodução de armas de fogo para práticas recreativas, considerando que a legislação em vigor, comparativamente com a dos outros países europeus, impõe demasiadas restrições aos equipamentos usados na modalidade e à prática desportiva.
Ora, o objetivo do regime jurídico das armas e munições foi o de manter num único instrumento jurídico toda a regulamentação aplicável a armas de fogo e a outras questões afins. A reprodução de arma de fogo para práticas recreativas é, nos termos da alínea e) do n.º 9 do artigo 3.º do referido regime, uma arma da classe G. Estamos perante objetos que, pela sua confundibilidade com armas de fogo reais, aos olhos dos cidadãos comuns, podem gerar situações de verdadeiro alarme social.
Quis o legislador disciplinar esta tipologia de armas, impondo restrições, como a imposição de pintura de pequenas partes da arma, e definindo os projéteis admitidos, precavendo a segurança e a integridade física dos praticantes.
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Foi também entendimento do legislador que as restrições à sua aquisição — limitação em função da idade, obrigatoriedade de emissão de fatura-recibo ou documento equivalente e prova de inscrição numa associação promotora de desporto reconhecida legalmente — se justificam por uma questão de controlo, de monitorização do Estado relativamente a estas armas, apenas por razões de segurança e tranquilidade públicas, regulando a necessidade desse controlo quanto à detenção, fluxo e utilização desta tipologia de armas por prevenção, numa sociedade que, consensualmente, se quer segura.
O legislador considerou ainda que não há constrangimentos do ponto de vista legal na prática desta atividade. Quanto à legislação comunitária da Diretiva (UE) 2021/555 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de
março de 2021, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas, verifica-se que a mesma não é aplicável a outros objetos, como os dispositivos de airsoft, que não são abrangidos pela definição de «arma de fogo», não sendo, assim, regulados por esta diretiva.
Recorde-se ainda que as armas usadas na prática de airsoft estão já fora do âmbito de aplicação da suprarreferida lei, não sendo os seus detentores punidos ao abrigo da mesma, já que esta apenas regulamenta a posse, transporte e uso de armas.
Devido ao facto de serem réplicas perfeitas de armas reais, mesmo que estas armas sejam inofensivas, não se pode desconsiderar que são réplicas autênticas de armas de fogo, podendo ser usadas de forma indevida, designadamente na simulação de assaltos ou outras agressões, uma vez que nada as distingue das armas letais, pelo que a sua perigosidade reside não na sua utilização per se, mas sim na possibilidade de as mesmas serem usadas para fins ilícitos.
Deu entrada nesta Legislatura a Proposta de Lei n.º 99/XV/1.ª (GOV) — Estabelece o regime especial de aquisição, detenção, uso e porte de armas de fogo, suas munições e acessórios destinados a práticas desportivas e de colecionismo, que ainda está a receber contributos, podendo ser melhorada, ao mesmo tempo que visa completar a transposição para a ordem jurídica interna das alterações introduzidas pela diretiva relativa ao controlo de aquisição de armas.
A par da proposta de lei do Governo, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista também refletiu sobre o assunto, reconhecendo a importância desta prática desportiva, e tomou boa nota das pretensões e preocupações dos 7512 cidadãos vertidas na petição recebida e reiteradas na audição de peticionários realizada. Estamos ainda a receber contributos de outras entidades, que, tal como as vossas pretensões e contributos, serão analisados cuidadosamente e em seu tempo.
Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês Sousa Real,
do PAN. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Começo por saudar os mais de 7500
peticionários que subscreveram esta iniciativa e aqueles que se encontram aqui presentes. É inegável que a prática do airsoft tem vindo a ganhar adeptos em Portugal e prova disso é também a petição
que hoje discutimos. A Assembleia da República não deve, assim, ficar indiferente às suas reivindicações ou às questões legais que têm sido levantadas também em vários países da União Europeia. Também não se devem, de alguma forma, deixar de parte preocupações relacionadas com as questões ambientais que envolvem a prática desta modalidade, sobretudo por se tratar de uma modalidade praticada ao ar livre, devendo ser tida em consideração a salvaguarda da segurança pública, a utilização de réplicas de armas e também, como é evidente — porque, maioritariamente, a prática deste tipo de atividade é feita com as populações ao ar livre —, a proteção de populações nas proximidades.
A utilização das munições de plástico tem de ser uma preocupação a ter em conta neste debate, à semelhança da preocupação com outro tipo de munições.
Atualmente, existem munições convencionais que são feitas de plástico à base de petróleo, mas existem já alternativas mais sustentáveis no mercado, nomeadamente as munições biodegradáveis de origem vegetal, que devem ser privilegiadas, e até incentivadas, na prática do airsoft.
O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — São munições vegan!
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A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Já que estamos tão perto do Orçamento do Estado, deixo a sugestão:
é precisamente também este tipo de medidas que devem ser implementadas nesta atividade, e até em outros jogos semelhantes àquele que aqui hoje estamos a debater.
Posto isto, o PAN não se opõe à criação de um grupo de trabalho, nomeadamente para a ponderação e análise das questões colocadas pelos peticionários, conforme é proposto na petição, no sentido de melhorar a legislação, salvaguardando sempre a proteção e a segurança das pessoas e dos animais, e também a proteção ambiental.
O Sr. Bruno Nunes (CH): — É substituir as balas por ervilhas! A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pessanha,
do Grupo Parlamentar do Chega. O Sr. Pedro Pessanha (CH): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Agradeço a presença dos
peticionários. A atividade desportiva do airsoft tem tido um crescimento assinalável em Portugal e no mundo, nas últimas
décadas. Com cerca de 17 000 praticantes em território nacional, esta atividade desperta cada vez mais o interesse de portugueses das mais variadas faixas etárias e sociais.
Mas, além de ser uma atividade desportiva, o airsoft, apesar das muitas dificuldades e de alguns entraves legais, começou há algum tempo a consolidar-se como uma interessante atividade económica, seja na comercialização de equipamentos seja na organização de eventos ou ainda na constituição de associações promotoras do desporto.
Sendo uma atividade desafiante em termos estratégicos e táticos — de coordenação, liderança, lógica, orientação, sobrevivência e atividade física —, o airsoft não é, de forma alguma, uma atividade desportiva de natureza violenta e, embora os equipamentos usados para a sua prática sejam semelhantes, em aparência, a armas de fogo, estes são completamente inofensivos e seguros. O impacto das esferas de PVC (policloreto de vinila) projetadas pelos equipamentos de airsoft é pouco mais do que inócuo.
Não obstante estas características, o enquadramento legal atual é demasiado penalizador para os seus praticantes. A forma extensiva como estes equipamentos devem ser pintados com tinta fluorescente — circunstância que desvirtua a natureza das simulações realizadas —, bem como a obrigação de aplicar este tipo de tinta dificultam a sua utilização na prática da modalidade.
Da mesma forma, e também pelo referido enquadramento legal demasiado penalizador, as empresas nacionais deste setor não têm qualquer hipótese de competir dentro do espaço da União Europeia. A redefinição da obrigatoriedade das pinturas dos dispositivos de airsoft iria permitir aos nossos comerciantes o aumento do volume de negócio na exportação, para não falar das atividades que iriam ser beneficiadas, mesmo que de forma indireta, com o crescimento desta atividade, como a hotelaria, a restauração e o turismo.
Aliás, é a própria União Europeia, através da Diretiva (UE) 2021/555 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de março de 2021, relativa ao controlo da aquisição e da detenção de armas, que determina que a referida diretiva, e cito, «não deverá ser aplicável a outros objetos, como dispositivos de airsoft, que não são abrangidos pela definição de “arma de fogo”, não sendo, portanto, regulados pela presente diretiva».
Sr.ª Presidente, por tudo isto, o Chega acompanha o pedido dos peticionários para que se proceda à alteração da legislação no que diz respeito à prática da modalidade desportiva do airsoft e aos equipamentos usados nesta mesma modalidade, conhecidos no regime jurídico de armas e munições como «reproduções de armas de fogo para práticas recreativas», nas duas formas aqui propostas, que são a alteração ao atual regime jurídico de armas e munições e a criação de um novo regime jurídico que contempla a aquisição, venda, aluguer e uso de reproduções de armas de fogo para práticas recreativas sem as atuais restrições.
Aplausos do CH. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Emília Cerqueira,
do Grupo Parlamentar do PSD.
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A Sr.ª Emília Cerqueira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também eu começo por saudar
os mais de 7500 peticionários — se me permitem, na pessoa do primeiro subscritor, o Sr. Bernardo Alexandre da Silva Venâncio — desta petição, com a qual pretendem que haja uma alteração do regime jurídico das armas e munições, bem como uma regulamentação da chamada «modalidade de airsoft».
Como sabem, aquando da audição, o PSD ainda colocou algumas restrições, algumas questões e até algumas dúvidas relativamente à vossa posição. É que — e permitam-me fazer este aparte — nós não dizemos que sim só porque sim; gostamos de nos informar, de ler, de consubstanciar as nossas posições devidamente, e fizemo-lo.
Por termos feito isso mesmo, apresentámos, entretanto, um projeto de lei que não visa só a questão do airsoft, mas que é mais abrangente — e é por esse motivo que não está a ser discutido aqui hoje — e que vem precisamente ao encontro das vossas reivindicações.
Começamos, nomeadamente, por pedir que seja expressamente eliminada do atual regime jurídico das armas e munições a referência ao airsoft. E fazemo-lo por uma série de questões, além da questão da diretiva europeia.
Somos uma comunidade europeia, onde todos os cidadãos têm de ter igualdade de oportunidades. Dizia-se aqui, durante o debate, que as cores só são vistas pelo próprio proprietário, ou que os equipamentos
podem ser usados — como, aliás, eu própria, na altura, referi com algum receio — para simular armas de fogo verdadeiras. Mas a verdade — e, sendo eu do Alto Minho, sei isto — é que, se passar de Valença para Tui, posso usar as armas sem cores, mas em Portugal não posso.
Isto coloca-nos numa situação — especialmente num País como Portugal, que é um País de turismo —, que é a seguinte: dizemos, todos os dias, quão bem Portugal recebe e que está de portas abertas para receber os cidadãos estrangeiros e, naturalmente, da União Europeia; mas, se estes forem praticantes de airsoft, já não estamos disponíveis para os receber, porque eles não podem trazer o seu equipamento. E, de facto, não se compreende que, num País aberto e tolerante como Portugal, tenhamos um dos regimes mais restritivos em matéria de airsoft de toda a União Europeia. Um regime que exige estas pinturas fluorescentes, de facto, só existe em Portugal.
Aliás, a diretiva que aqui foi referida faz uma referência, ao de leve, a esta excecionalidade portuguesa, mas não a impõe e, pelo contrário, diz que ela não se aplica a armas de fogo. Por maioria de razão, se as armas de airsoft não são de fogo, não se lhes pode aplicar o regime e também não se lhes pode aplicar a diretiva — este é o racional que o PSD teve nesta matéria.
Os cidadãos da União Europeia têm de ser, de facto, todos iguais, também aqueles que praticam airsoft, porque o airsoft, aliás — com um número de praticantes cada vez maior —, é muitíssimo importante até para as organizações, para fomentar espírito de equipa, de estratégia, de pensamento, de brainstorming. Portanto, temos de olhar para este desporto sem os preconceitos com que olhamos, muitas vezes, para o que está associado — e permitam-me as aspas — a «armas de fogo». É que as armas usadas no airsoft não são armas de fogo, embora pareçam. Por isso, temos de olhar para esta matéria de desporto — porque é disso que estamos a falar, é de desporto — de forma saudável e salutar, que é como todas estas matérias devem ser tratadas.
Por essa razão, o PSD acompanhou, como vos disse, a vossa reivindicação, pois achamos que ela é justa, equilibrada e certa.
Não está aqui a ser discutida hoje a nossa proposta, porque nos parece também que faz muito mais sentido que esta seja discutida de uma forma mais alargada, juntamente com o diploma do Governo, que versa sobre outras matérias. O PSD optou por fazer uma proposta mais abrangente, para não estarmos — e perdoem-me a expressão —, mais uma vez, aqui a mexer na lei ponto a ponto, sem uma sistemática, sem olhar para ela enquanto um conjunto equilibrado. Portanto, pareceu-nos que fazer só esta alteração não era equilibrado, porque tínhamos de rever também pontualmente mais alguns erros que ficaram no anterior regime das armas e munições, oportunidade que não podíamos perder.
Já sabem, contam connosco. A nossa posição foi bem clara, com a apresentação de um projeto de lei. Esperemos que o Governo também tenha, depois, abertura para rever este regime com cuidado e aceitar as nossas sugestões.
Aplausos do PSD.
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A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Dias, do
Grupo Parlamentar do PCP. O Sr. João Dias (PCP): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Quero, desde logo, cumprimentar os 7525
peticionários que se dirigiram a esta Casa, solicitando uma alteração legislativa que modifique o regime que regula a prática de airsoft.
Queixam-se estes peticionários de que são impostas demasiadas restrições ao equipamento utilizado nesta prática desportiva. Queixam-se, em concreto, da necessidade de estes equipamentos serem pintados com cores fluorescentes. Isto resulta da Lei n.º 5/2006, que regula o regime jurídico das armas e das suas munições.
O PCP apreciou com muita atenção as preocupações que nos fizeram chegar e que, na petição, estão muito claras e detalhadas. Entendemos que estas devem ser debatidas, até numa revisitação da lei das armas, e estamos disponíveis para essa reflexão. Temos em boa consideração quer todas as preocupações que os peticionários nos trouxeram quer a sua opinião relativamente a esta matéria, e estamos disponíveis para ponderar aquilo que aqui nos solicitam.
Contudo, entendo que, provavelmente, os peticionários, se aqui o pudessem fazer, fariam uma questão, e essa questão seria dirigida, provavelmente, ao Grupo Parlamentar do PS. Seria a seguinte: o que é que o PS, o grupo parlamentar da maioria absoluta, vai fazer?
É que a realidade é esta, a correlação de forças é esta. O que é que o Grupo Parlamentar do PS fará perante estas questões e estas solicitações que são feitas pelos peticionários?
Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares, do
Livre. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de começar por saudar os peticionários
e agradecer-lhes este gesto cívico que nos alerta para um debate que, no Livre, acompanharemos com atenção e sobre o qual aprofundaremos a reflexão.
No entanto, neste momento, não acompanharemos a Iniciativa Liberal na sua proposta, porque achamos que não foi ainda demonstrado cabalmente que os inconvenientes de as armas de airsoft poderem ver retirada a sua pintura sejam assim tão grandes para a prática desportiva, nem foi demonstrado que esse inconveniente é maior do que o inconveniente social e coletivo que pode resultar de elas se confundirem facilmente com armas de fogo.
Não é uma opinião fechada, mas achamos que, neste momento, não tendo sido provado cabalmente que os benefícios ultrapassam os riscos, o princípio da precaução manda que não acompanhemos, por agora, a proposta legislativa da Iniciativa Liberal.
Estamos, sim, disponíveis para acompanhar o debate e para o revisitar no futuro. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe
Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Queria, em primeiro lugar,
cumprimentar os peticionários que trouxeram este debate à Assembleia da República. Não vou repetir argumentos que já foram aqui usados. Parece-nos, em primeiro lugar, de saudar o contributo
e as reflexões que os peticionários trazem para um debate mais alargado, que é o da revisitação da lei das armas. O Governo entregou uma proposta de lei nesse sentido e parece-nos que é esse o fórum em que este debate deve ser realizado.
Creio que, num curto intervalo de tempo, o Governo agendará esse diploma para discussão e, nesse debate mais alargado, teremos toda a disponibilidade para poder enquadrar estas preocupações e para poder, também, dar-lhes uma saída no que toca a uma certa equiparação com outros países, não deixando de salvaguardar aquilo que os peticionários reconheceram na própria audição da comissão: que nenhum deles tem pretensão de
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colocar em causa quer a segurança quer as salvaguardas que atualmente existem, porque isso seria até um contrassenso de quem quer promover a atividade do airsoft — e é exatamente isso que eles propõem.
Por isso, desse ponto de vista, parece-nos que foi cautelosa a forma como introduziram o debate e parece-nos também que a forma mais séria de lhes dar uma resposta é no contexto do debate da lei das armas, algo que poderemos ter, num curto intervalo de tempo, na Assembleia da República.
Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): Srs. Deputados, concluímos a nossa ordem do dia. Amanhã a nossa reunião começa às 10 horas, tendo como primeiro ponto da ordem de trabalhos um debate
de atualidade, requerido pelo PCP, sobre o «Início do ano letivo do ensino básico e secundário e no ensino superior».
O segundo ponto consiste na discussão da Proposta de Lei n.º 85/XV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a criar a base de dados de inibições e destituições e a transpor a Diretiva (UE) 2019/1151.
Segue-se um terceiro ponto da ordem de trabalhos, com o debate da Proposta de Lei n.º 90/XV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2019/2121, na parte respeitante às transformações, fusões e cisões transfronteiriças.
De um quarto ponto da ordem de trabalhos consta a Conta de Gerência da Assembleia da República de 2022, sem tempos de discussão atribuídos.
Finalmente, num quinto ponto, teremos as votações regimentais. Muito obrigada pelo esforço e pelo trabalho que produziram. Está, assim, encerrada a sessão. Bom resto de dia e até amanhã. Eram 18 horas e 11 minutos.Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.