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Quarta-feira, 4 de outubro de 2023 I Série — Número 9

XV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2023-2024)

REUNIÃOPLENÁRIADE3DEOUTUBRODE 2023

Presidente: Ex.mo Sr. Augusto Ernesto Santos Silva

Secretários: Ex.mos Srs. Palmira Maciel Fernandes da Costa Lina Maria Cardoso Lopes Diogo Feijóo Leão Campos Rodrigues

S U M Á R I O

O Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e

5 minutos. Em interpelação à Mesa, o Deputado André

Ventura (CH) lamentou a ausência de uma condenação, por parte do Presidente da Assembleia da República, dos incidentes que envolveram Deputados do CH na manifestação pela habitação ocorrida no dia 30 de

setembro, após o que o Presidente respondeu, tendo, de seguida, o Grupo Parlamentar do CH saído do Hemiciclo.

Foram apreciados, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 349/XV/1.ª (PSD) — Define o regime transitório de regularização dos edifícios-sedes e similares das associações sem fins lucrativos e 868/XV/1.ª (PAN) — Aprova um regime excecional de renegociação dos

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contratos de crédito aplicáveis às micro, pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins lucrativos e às entidades da economia social, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 911/XV/2.ª (PCP) — Prevenção de segurança e regularização de edifícios-sedes e similares das associações sem fins lucrativos. Intervieram no debate os Deputados Hugo Patrício Oliveira (PSD), Inês de Sousa Real (PAN), Paula Santos (PCP), João Cotrim Figueiredo (IL), Agostinho Santa (PS), José Moura Soeiro (BE), Rui Tavares (L) e Vera Braz (PS).

Não tendo sido apresentado, por ausência do proponente, o Projeto de Resolução n.º 567/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo que identifique o património imobiliário habitacional do Estado que está a ser indevidamente utilizado, alvo de fraude ou a necessitar de obras de reabilitação, procedeu-se à discussão do Projeto de Resolução n.º 906/XV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a conclusão urgente do inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional como medida essencial para o combate à crise habitacional. Proferiram intervenções os Deputados Inês de Sousa Real (PAN), Carlos Guimarães Pinto (IL), António Topa Gomes (PSD), Rui Tavares (L), José Rui Cruz (PS), Isabel Pires (BE) e Bruno Dias (PCP).

Foram debatidos em conjunto, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 27/XV/1.ª (ALRAA) — Assegura o aumento do subsídio de risco para os profissionais das forças e serviços de segurança e os Projetos de Lei n.os 910/XV/2.ª (PCP) — Aprova o aumento do suplemento por serviço e risco nas forças e serviços de segurança (sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de outubro e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro), 916/XV/2.ª (CH) — Aumenta para 500 € a componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda

Nacional Republicana e pelos agentes da Polícia de Segurança Pública e 917/XV/2.ª (PAN) — Assegura o aumento do suplemento por serviço e risco e do suplemento de ronda dos profissionais das forças e serviços de segurança, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 875/XV/1.ª (CH) — Pela valorização das carreiras e reforço dos meios humanos e materiais do Corpo da Guarda Prisional (a). Intervieram os Deputados Alma Rivera (PCP), Inês de Sousa Real (PAN), Sara Madruga da Costa (PSD), Rui Tavares (L), Patrícia Gilvaz (IL), Pedro Filipe Soares (BE) e Susana Amador (PS).

Foi apreciada a Petição n.º 103/XV/1.ª (Isabel Vasco e outros) — Em defesa dos nossos Professores!, juntamente com, na generalidade, os Projetos de Lei n.os 922/XV/2.ª (BE) — Recuperação integral do tempo de serviço cumprido, em defesa da escola pública e 925/XV/2.ª (CH) — Assegura os direitos dos professores no que diz respeito à valorização da sua carreira e com os Projetos de Resolução n.os 714/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a revisão e alteração do novo regime de gestão e recrutamento do pessoal docente, 883/XV/2.ª (PCP) — Recomenda a adoção de medidas de valorização dos trabalhadores da educação e da escola pública, 899/XV/2.ª (L) — Pela valorização e qualificação das carreiras de assistente técnico e de assistente operacional nas escolas e promoção de medidas que permitam a adequação destes recursos à realidade de cada escola e 900/XV/2.ª (L) — Pela vinculação, contabilização do tempo de serviço docente e fim do bloqueio na progressão da carreira. Usaram da palavra os Deputados Joana Mortágua (BE), Inês de Sousa Real (PAN), Alfredo Maia (PCP), Rui Tavares (L), Carla Castro (IL), António Cunha (PSD) e Lúcia Araújo da Silva (PS).

A Presidente (Edite Estrela) encerrou a sessão eram 17 horas e 24 minutos.

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O Sr. Presidente: — Muito boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Estamos em condições de iniciar os nossos trabalhos. Eram 15 horas e 5 minutos. Peço aos Srs. Agentes da autoridade o favor de abrirem as galerias ao público. Pausa. Muito obrigado. Não há leitura de expediente, de forma que vamos… O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito? O Sr. André Ventura (CH): — Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: — Faça favor, sobre a condução dos trabalhos. O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, tivemos de escolher a abertura desta sessão e a figura da

interpelação a si, enquanto Presidente da Assembleia da República, para dizer o seguinte: no último sábado, vários Deputados do Chega foram agredidos, insultados e ameaçados numa manifestação pública que decorreu em vários pontos do País. O Sr. Presidente é o Presidente de todos os Deputados e desta Assembleia da República. Não teve uma única palavra de condenação para atos que, em qualquer outro país, com quaisquer outros Deputados, mereceriam uma condenação clara.

Sr. Presidente, se me permitir, tenho aqui uma frase que gostava de lhe ler: «A participação é o complemento da liberdade. Por e para sermos livres é que nos devemos juntar para decidir coletivamente sobre questões comuns […]».

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — «[…] Agredir pessoas, sejam elas quais forem, impedi-las de falar e de

defender as suas opções é sempre um ato condenável.» Sr. Presidente, sabe por quem foi dito isto? Augusto Santos Silva, no seu Twitter, agora rede X, para condenar, sem dúvida, que pessoas tivessem sido agredidas, impedidas de falar e de estar, ora numa manifestação literária, ora numa manifestação política, ora numa manifestação social.

O Jorge Galveias tem 73 anos. No sábado, foi pontapeado e esmurrado, a par do Deputado Filipe Melo e do Deputado Rui Paulo Sousa. Da parte do Presidente do Parlamento, nem uma palavra. Aquele que nos devia representar a todos ficou em silêncio…

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vergonha! O Sr. André Ventura (CH): — … perante ataques de forças políticas extremistas, sem respeito pelo

pluralismo e pela representatividade democrática. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — Por isso, Sr. Presidente, é muito triste que, mesmo após a condenação de

comentadores, jornalistas, pessoas da sociedade civil, forças políticas, o Sr. Presidente, que nos representa a todos, tenha ficado em silêncio perante a agressão a três Deputados desta Casa, que estavam numa manifestação que não era partidária, sendo legítimo que ali estivessem.

Sr. Presidente, todos, inclusive o Sr. Presidente, condenaram o que aconteceu ao Sr. Ministro do Ambiente como algo condenável. Nós próprios fizemos o mesmo, quando o Ministro do Ambiente, em quem não nos revemos nem numa vírgula, foi atacado com tinta numa conferência da CNN (Cable News Network). Nós

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fomos os primeiros a dizer que esse era um ato condenável. O Sr. Presidente fez o mesmo. É estranho é que a tinta valha uma condenação, mas murros na cara, pontapés e afastamento não mereçam essa condenação da sua parte.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — Sr. Presidente, penso que hoje tem a oportunidade, perante o País e

perante esta Casa, de fazer o que não fez e de emendar a mão, no fundo, dizendo ao País e ao Parlamento que a violência nunca, em caso algum, é aceitável…

O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — … e que a violência contra representantes do povo nunca, em caso algum, é

aceitável. Vozes do CH: — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — É que, Sr. Presidente, se não conseguir fazer isto, é porque não é

Presidente de todos os Deputados, é porque não é Presidente de todos os membros deste Parlamento, e então mais vale deixar o lugar que ocupa e tornar-se Presidente da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do CH. O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, a violência é sempre condenável. A violência exercida num regime

democrático é ilegal, inaceitável e condenável. Todos nós temos o direito a organizar as manifestações que entendermos, a apresentar os livros que entendermos, independentemente do seu conteúdo, a realizar as reuniões que entendermos, e nenhum de nós pode ser vítima de tentativas de impedi-lo.

Para que a convivência democrática se possa estabelecer e decorrer com a normalidade que a Constituição e a lei requerem, é também necessário que nos abstenhamos de atos de provocação.

O Sr. André Ventura (CH): — Ah! O Sr. Presidente: — Devemos respeitar as manifestações cujos promotores, cujas motivações e cujos

objetivos estejam muito distantes dos nossos. O Sr. Pedro Pinto (CH): — Mas quem é que disse isso?! Quem é o senhor para dizer isso? O Sr. André Ventura (CH): — Vergonha! O Sr. Presidente: — Devemos saber respeitar porque essa é uma condição da convivência democrática,

nem impedindo os outros de se manifestar, nem nos imiscuindo em protestos ou manifestações que manifestamente nada tenham a ver connosco.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — É a liberdade! É a liberdade e a democracia! O Sr. Pedro dos Santos Frazão (CH): — Vergonha! Vozes do PS: — Chiu! O Sr. Pedro Pinto (CH): — Chiu o quê?!

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O Sr. Presidente: — Da mesma forma que devemos todos respeitar — e temos respeitado, tem sido essa a prática de toda a Câmara — as manifestações convocadas pelo seu partido, abstendo-nos de fazer provocações, de sugerir violências, de sugerir atos indevidos, mesmo quando essas manifestações se fazem à porta da sede de outros partidos políticos,…

Aplausos do PS. O Sr. Bruno Nunes (CH): — Vergonha! Foram agressões! O Sr. Presidente: — … também nos devemos abster de atos de provocação em relação às iniciativas de

outros. O Sr. Pedro Pinto (CH): — «Outros» quem? Era de quem a manifestação? A Sr.ª Rita Matias (CH): — A habitação é só da extrema-esquerda? O Sr. Presidente: — É isso que distingue o discurso e o debate democrático do discurso e do debate que

vivem apenas da criação artificial de incidentes… Vozes do CH: — Artificial?! Foram agredidos! Vozes do PS: — Chiu! O Sr. Pedro Pinto (CH): — Chiu o quê?! O Sr. André Ventura (CH): — Um dia também vai ser agredido!… O Sr. Presidente: — … e da apologia do ódio, porque o ódio é o contrário do debate democrático. Protestos do CH e contraprotestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias. O Sr. André Ventura (CH): — Se levasses um estalo?… O Sr. Presidente: — Quanto à expressão com que o Sr. Deputado me mimoseou ontem numa conferência

de imprensa,… O Sr. Pedro Pinto (CH): — E bem! O Sr. Presidente: — … e que não teve a coragem de repetir aqui, quero apenas dizer-lhe que V. Ex.ª deve

ter sempre em conta que, quando me vê, não se está a ver ao espelho. Muito obrigado. Aplausos do PS, com Deputados de pé, do PCP, do BE, do PAN e do L. Vamos então iniciar a nossa ordem do dia… O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito? O Sr. André Ventura (CH): — Desculpe, Sr. Presidente, para o interpelar novamente, porque, no

seguimento das suas palavras… O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado quis fazer uma interpelação à Mesa que não era manifestamente

sobre a condução destes trabalhos. Eu dei-lhe essa oportunidade e dei a mim próprio o dever de lhe responder.

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Não vamos agora continuar neste pingue-pongue,… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Vamos! Vamos continuar! O Sr. Presidente: — … porque o Sr. Deputado já apresentou os seus argumentos, eu já apresentei os

meus, e a Câmara é soberana, tendo os elementos de informação indispensáveis… O Sr. Pedro Pinto (CH): — Não tem nada! É falso! É falso! O Sr. Presidente: — … para poder avaliar a sua conduta e a minha. Portanto, vamos trabalhar. O Sr. André Ventura (CH): — Ó Sr. Presidente, desculpe… O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado pede a palavra para uma interpelação à Mesa? O Sr. André Ventura (CH): — É que o Sr. Presidente manifestamente está mal informado, e está mal

informado porque um dos Deputados, o Deputado Filipe Melo, recebeu inclusivamente um convite da plataforma para estar presente naquela manifestação.

O Sr. Pedro Pinto (CH): — Exatamente! Tem de pedir desculpa! Tem de pedir desculpa! O Sr. Bruno Nunes (CH): — Não há provocação nenhuma! Não há provocação nenhuma! O Sr. André Ventura (CH): — Portanto, eu não sei se o Sr. Presidente acha que, quando uma mulher anda

de minissaia e é violada, a culpa é dela. O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Oh pá! Isto é uma vergonha! O Sr. André Ventura (CH): — Eu não sei se o Sr. Presidente tem essa opinião,… O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, não entre em afirmações ofensivas,… O Sr. André Ventura (CH): — … mas nós não temos. Nós não temos! E nós achamos que temos direito… O Sr. Presidente: — … e não precisa de levantar a voz. O Sr. André Ventura (CH): — Nós achamos… O Sr. Presidente: — Não precisa de levantar… Sr. Deputado… O Sr. André Ventura (CH): — Mas eu aumento a voz quando eu quiser, porque eu sou Deputado eleito! O Sr. Presidente: — Sr. Deputado… O Sr. André Ventura (CH): — Portanto, se eu quero aumentar a voz, aumento! Se eu quero aumentar a

voz, aumento! Aplausos do CH. Eu sou Deputado eleito pelo País! Eu sou Deputado eleito, o mesmo que todos os outros! E sou tão

Deputado eleito como o Sr. Presidente é Deputado eleito. Portanto, eu aumento a voz quando eu quiser! Que eu saiba, não há limite de soundbites aqui no Parlamento,…

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O Sr. Pedro Pinto (CH): — Era só o que faltava agora! O Sr. André Ventura (CH): — … nem isso está no Regimento da Assembleia da República. Portanto, desculpe lá, Sr. Presidente. Se o Sr. Presidente acha que Deputados agredidos, um Deputado

com 73 anos agredido numa manifestação, é uma provocação, apesar de termos sido convidados, Sr. Presidente, vou dizer-lhe uma coisa, honestamente: o Sr. Presidente meu Presidente já não é, desta bancada já não é,…

Vozes do CH: — Muito bem! O Sr. André Ventura (CH): — … de uma parte do País já não é. Eu não o reconheço como Presidente da

Assembleia da República… Aplausos do CH. … e vou-me embora, porque é para isso que estou aqui. Protestos do PS.Vozes do CH: — Vergonha! Neste momento, o Grupo Parlamentar do CH saiu do Hemiciclo. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Então vocês agora nunca mais voltam, é isso? O Sr. Presidente: — Vamos então iniciar a nossa ordem do dia. O primeiro ponto diz respeito à apreciação, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 349/XV/1.ª (PSD) —

Define o regime transitório de regularização dos edifícios-sedes e similares das associações sem fins lucrativos e 868/XV/1.ª (PAN) — Aprova um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro, pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins lucrativos e às entidades da economia social, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 911/XV/2.ª (PCP) — Prevenção de segurança e regularização de edifícios-sedes e similares das associações sem fins lucrativos.

Para apresentar o Projeto de Lei n.º 349/XV/1.ª (PSD), tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira. Pausa. Vamos aguardar 1 minuto para a Câmara voltar aos assuntos importantes. Srs. Deputados, peço silêncio para podermos ouvir o orador. Sr. Deputado, pode começar, se faz favor. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estávamos no fatídico dia

13 de janeiro de 2018 na Associação Cultural, Recreativa e Humanitária de Vila Nova da Rainha, no concelho de Tondela, quando aquele que era apenas um jogo de sueca se transformou num pesadelo com perdas irreparáveis — 8 vítimas mortais, que mais tarde passariam a 11, e cerca de meia centena de feridos.

Jorge Dias, o presidente dessa coletividade, foi constituído arguido e condenado, por ofensa à integridade física negligente grave, num total de 11 anos e 9 meses, em cúmulo jurídico, a 5 anos, mas com pena suspensa, para além das indemnizações que foi condenado a pagar às famílias das vítimas e ao Instituto da Segurança Social, num total de 26 000 €. A associação não tinha licença de utilização.

Sr.as e Srs. Deputados, este podia ser o presidente de uma coletividade da vossa freguesia ou do vosso concelho. Durante décadas, fruto do esforço de muitos dos associados de milhares de coletividades no nosso

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País, construíram-se estes equipamentos, criando redes de apoio e de serviços essenciais para combater o isolamento dos lugares, em associações por vezes construídas a braços e à custa desses associados. Estes espaços foram idealizados como espaços de convívio nas localidades, nas freguesias, nos concelhos do nosso País.

Tenhamos consciência de que a existência de muitas destas associações é muito anterior a qualquer instrumento de gestão territorial, e que muitas delas não estavam identificadas ou licenciadas, à data, ao abrigo dos referidos planos ou instrumentos. A evolução do regime jurídico de ordenamento do território veio trazer dificuldade à legalização destes espaços, alguns construídos em locais onde hoje os PDM (planos diretores municipais) não permitem construção.

Nos tempos em que vivemos, quando o fator tempo condiciona a nossa vida, é cada vez mais difícil que os cidadãos se coloquem ao dispor, e só mesmo por muita carolice continuamos a ter dirigentes associativos que arriscam todos os dias em prol da comunidade. Quando falamos na necessidade de legalizar, estamos a falar de processos diferenciadores de cada território, em que as situações podem ser tão díspares como uma simples legalização parcial de um pavilhão de uma coletividade perante aqueles que são os instrumentos de gestão territorial.

Sr.as e Srs. Deputados, os clubes e associações desportivas não conseguem, por vezes, nem mesmo candidatar-se a programas de apoio, porque não têm os espaços legalizados. Assim, o que se propõe neste projeto de lei é a criação de um regime transitório para a legalização desses espaços, à semelhança dos anteriormente aqui aprovados para a legalização das suiniculturas e, posteriormente, dos pavilhões industriais, que criaram condições para essas legalizações nos regimes transitórios.

Sr.as e Srs. Deputados, esta é uma matéria de pouco debate político, é uma matéria de ação e de salvaguarda de todos aqueles que, pelo País fora, todos os dias, colocam à disposição da comunidade o seu tempo e energia. Termino com uma citação de Winston Churchill: «É inútil dizer “estamos a fazer o possível”. Precisamos de fazer o que é necessário.»

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 868/XV/1.ª (PAN), tem a palavra a Sr.ª Deputada

Inês de Sousa Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Muito boa tarde, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados. Começo por saudar o PSD por trazer este tema a debate, pois é da mais elementar justiça, tendo em conta

que o aumento do custo de vida e da inflação está a atingir também o setor terciário, que, a par das despesas com o seu edificado, se vê a braços com o aumento das taxas de juro e com a necessidade de renegociação dos próprios créditos que tem alocados à sua atividade.

De facto, esta política de subida desbragada das taxas de juro e o risco da onda de insolvências atingem não só as pequenas e médias empresas do nosso País mas também, efetivamente, o setor terciário e a atividade social, nomeadamente as ONG (organizações não-governamentais) e as IPSS (instituições particulares de solidariedade social), que, apesar de serem atividades de retaguarda do Estado no apoio às famílias e de estarem, neste momento, a «rebentar pelas costuras» com os pedidos de ajuda, o que têm recebido por parte da banca é um aumento em flecha das taxas de juro, enquanto o Governo «assobia para o lado».

Não é aceitável que não se faça nada quando, só no primeiro semestre, a banca teve lucros recorde, que são tão altos, que pagavam 58 % de todo o orçamento do Ministério da Economia deste ano. Também não é aceitável que o Governo, que já está a beneficiar do jackpot fiscal devido à inflação, esteja a aumentar a sua receita fiscal com a cobrança de imposto do selo pelas renegociações dos créditos das entidades do setor social e das micro, pequenas e médias empresas.

Ora, face à gravidade desta situação, aquilo que o PAN propõe é criar precisamente um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito, seja para as entidades do setor social, pelo papel que prestam de apoio às famílias mais vulneráveis e a atividades fundamentais da nossa sociedade, seja para as micro, pequenas e médias empresas, cujo papel fundamental para a economia não podemos descurar, que obrigue,

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assim, a banca a renegociar os créditos sempre que haja um agravamento significativo da taxa de esforço e que impeça de cobrar qualquer comissão bancária por estas renegociações.

Sr.as e Srs. Deputados, propomos ainda, por fim, que o Estado não possa lucrar com estas renegociações e, por isso, que estejam isentas de imposto do selo todas as renegociações neste âmbito. A par disto, é importante que nenhuma destas medidas se aplique a empresas que possam, de alguma forma, ter lucros excessivos, que recebam subsídios com atividades que sejam ambientalmente insustentáveis, que não tenham boas práticas laborais ou que ponham em causa os direitos humanos.

O Sr. Presidente: — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 911/XV/2.ª (PCP), tem a palavra a

Sr.ª Deputada Paula Santos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É amplamente reconhecido o papel

que as coletividades têm junto das comunidades — uma intervenção secular, pioneira na instrução e na formação, na cultura e no desporto, nas atividades lúdicas, recreativas e de lazer, uma intervenção ímpar no plano da inclusão e coesão. São um exemplo no exercício dos princípios democráticos, na promoção da participação e na cooperação e solidariedade.

Nunca é demais dizer que o movimento associativo popular conta com mais de 30 000 coletividades e associações, dirigido por cerca de 425 000 dirigentes voluntários e com cerca de 3 milhões de associados. Estamos a falar de uma ampla massa popular de quem se associa em torno das coletividades.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Ao longo dos anos, tem havido alertas para as diversas situações

preocupantes, de que se destacam a regularização e a segurança de instalações associativas de sedes e afins. Muitas das instalações existentes foram objeto de doação por parte de pessoas já falecidas, sendo difícil, ou mesmo impossível, obter documentos. Muitas foram construídas pelos seus associados, erguidas a pulso.

Procuraram manter e melhorar as condições de funcionamento e segurança. Este foi sempre um desígnio dos seus dirigentes e associados, sem nunca ter havido qualquer intervenção do Governo para apoiar as coletividades. E esta é uma questão central neste debate. Tendo em conta o papel que desempenham, as atividades que dinamizam, a importância que têm para a comunidade onde se inserem, o Governo não pode alhear-se deste problema, como se não fosse nada consigo. É, sim, com o Governo. O Governo tem responsabilidades, sim.

Por isso, o PCP, na iniciativa que apresenta, recomenda ao Governo que estabeleça um programa integrado para a prevenção de segurança e regularização de edifícios-sedes e similares de associações sem fins lucrativos, em conjugação com os municípios, que: considere requisitos extraordinários de candidatura, instrução, ponderação e avaliação e regularização das situações com deficiência de segurança e enquadramento legal, designadamente nos instrumentos de gestão territorial vigentes; crie linhas de apoio financeiro e técnico aos encargos com estudos, projetos e obras de adaptação ou alteração que se revelem como condição para a regularização pretendida, em função da ponderação das condições específicas de cada associação; e determine as condições de cooperação com as mais diversas instâncias da administração central e instituições de tutela das condições de segurança e das atividades desenvolvidas pelas associações, privilegiando o papel dos municípios e procurando desburocratizar os processos de regularização.

Gostaria, também aí, de referir algumas considerações relativamente à proposta apresentada pelo PSD, porque aquilo que é trazido à discussão não é o que é necessário para resolver os problemas das coletividades e das associações. Diz querer simplificar, mas mantém um conjunto de exigências que poderão ser inultrapassáveis, e refiro alguns aspetos concretos.

Relativamente ao enquadramento nos instrumentos de gestão territorial, parece-nos que é possível encontrar uma solução compatível com a atividade destes equipamentos. Poderão, no entanto, residir problemas com as condições concretas de licenciamento da edificação. Mas a proposta que é trazida em nada vem ajudar,…

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — … pois continua a exigir um conjunto de requisitos associados à instrução

que são imputados a qualquer particular, não havendo aqui a tal simplificação. Há também um aspeto que nos causa algum questionamento, que se prende com o seguinte: a proposta

que é apresentada institui um regime transitório de dois anos. Este regime é questionável. Se não for cumprido, o que é que acontece? Essa atividade é encerrada? Está a condenar as coletividades à extinção? É desta forma que o PSD quer proteger a atividade destas associações?

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Boa pergunta! A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Estamos a falar de instituições com uma atividade que vai muito além

destes dois anos. Portanto, aquilo que se deve exigir é, de facto, um programa claro, com intervenção por parte do Governo, que permita garantir as condições de segurança e regularização das sedes, mas, sobretudo, esta atividade tão e tão importante para as comunidades onde se inserem.

Aplausos do PCP. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome da Iniciativa Liberal, tem agora a palavra o

Sr. Deputado João Cotrim Figueiredo. O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Deputados do PSD,

este regime transitório que hoje nos trazem tem intenções meritórias, já que faz menção de facilitar a vida às associações, estas sem fins lucrativos, de cariz cultural, desportivo, recreativo, que, para nós, e para muitos dos que aqui estão, são a genuína expressão da vontade e da forma de viver das nossas populações.

Também tenta fazer uma coisa que é muito cara à Iniciativa Liberal, que é simplificar, descomplicar, descomplicar situações que, em bom rigor, se complicaram porque o Estado, ao longo de anos, décadas, produziu dezenas de instrumentos de ordenamento, regulamentos, normas e processos que se tornaram quase impossíveis de entender e, por isso mesmo, quase impossíveis de cumprir por parte destas entidades.

Infelizmente, o próprio PSD sucumbe à doença nacional de meter o «complicómetro», porque os requisitos que coloca no artigo 5.º para o pedido de legalização são, eles próprios, uma lista demasiado longa e complexa. Portanto, Srs. Deputados, se querem simplificar, simplifiquem, não simplifiquem para complicar logo a seguir. Por isso, achamos que este projeto de lei é daqueles que ganhará muito com a discussão em especialidade.

Podemos dizer o mesmo do projeto do PAN, que é mais uma daquelas propostas que mostra o PAN a ser PAN, porque não resiste a mostrar aquela veiazinha proibicionista e a deixar que a sua agenda torça e distorça aquilo que são boas ideias.

É que é uma boa ideia dar às micro, pequenas e médias empresas a possibilidade de renegociar os créditos, nesta altura em que as taxas de juro estão a causar dificuldades enormes a muitas dessas empresas, mas é uma boa ideia estragada pelos tais tiques proibicionistas, porque pretende limitar o acesso destas renegociações…

Protestos do PAN. … não só em função do tipo de indústria a que as empresas pertençam — portanto, para o PAN, as

empresas de que não gosta podem ir à falência à vontade, os trabalhadores que lá estão devem ser pessoas de segunda —,…

Protestos do PAN. … mas também em função do tipo de operação que o financiamento financiou, passe a redundância.

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Protestos do PAN. Para o PAN, ficam excetuadas operações de internacionalização — Portugal não precisa —, operações de

consolidação empresarial — Portugal não precisa — e até, e cito, «operações relacionadas com investimentos e atividades relacionados com combustíveis fósseis, incluindo utilizações a jusante». Utilizações a jusante?

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Precisam imenso de ajuda! O Sr. João Cotrim Figueiredo (IL): — Só falta dizer, Sr.ª Deputada, que o crédito para a carrinha a

gasóleo ali da padaria da esquina também não pode ser renegociado, porque «utilizações a jusante» são isso também.

Protestos do PAN. Não é suficiente para votar contra, mas é certamente suficiente para fazer trabalho de especialidade,

porque parece que há quem distinga as dificuldades por que passam as empresas e as pessoas em função do que acha das suas atividades ou das suas posições.

Protestos do PAN. Nós não somos assim. A Iniciativa Liberal não faz estas discriminações. Aplausos da IL. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção em nome do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho

Santa. O Sr. Agostinho Santa (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Independentemente de

discordâncias menores que possam existir entre nós e os Grupos Parlamentares do PSD e do PCP em termos de específicas soluções regulamentadoras para se chegar a um regime de regularização dos edifícios-sedes e instalações similares das associações sem fins lucrativos, há algo de fundamental que nos une.

Ninguém pode ficar indiferente à situação problemática que as iniciativas em apreço identificam e trazem a debate, em busca de solução.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Muito bem! Vai daí…? O Sr. Agostinho Santa (PS): — Ninguém avisado relativamente a esta realidade associativa duvidará de

que se trata de uma matéria complexa e sensível. Por um lado, contende com formas seculares de as comunidades, por si próprias, criarem organizações

populares para se realizarem coletivamente em práticas de cultura, de lazer, de intervenção social e humanitária, de desporto, podendo mesmo afirmar-se, em determinadas situações, que quem não tem acesso a estas coletividades pode ser um excluído social.

A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Muito bem! O Sr. Agostinho Santa (PS): — Combatendo o isolamento e fazendo mexer populações em torno de

interesses comuns, são fator evidente de coesão social, contribuindo para que todo um povo seja mais solidário, mais culto e mais feliz.

A Sr.ª Cristina Mendes da Silva (PS): — Muito bem!

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O Sr. Agostinho Santa (PS): — Por outro lado, a perceção empírica é a de que o número de associações populares que se movimentam a partir de sedes e outras instalações não licenciadas para o efeito, no cumprimento de regras urbanísticas, ambientais ou de segurança, será enorme. E esses espaços edificados são imprescindíveis como pontos de encontro, centros de operações, confluências de espírito congregador.

O Sr. Miguel Cabrita (PS): — Muito bem! O Sr. Agostinho Santa (PS): — Estamos assim, como dizíamos, perante matéria sensível, que nos deve

motivar à ação regularizadora, não se podendo continuar a ignorar o problema, até porque, pelos contornos expostos que tem, não é possível, em consciência, dizer-se que seja desconhecido dos poderes públicos, exatamente aqueles que têm o ónus de sobre o assunto intervir, encontrando o regime adequado à sua ultrapassagem.

Se soubermos identificar e aceitar o essencial que há a cumprir, ou seja, encontrar o caminho jurídico-normativo que sustente solução regularizadora, só teremos a ganhar se nos dispusermos todos, sobretudo no que o projeto de lei tem de especificamente regulamentador, a deixar em aberto ainda um trabalho prévio e preliminar polarizador, de aclaramento, simplificação e aprimoramento de conceitos, de instrumentos e de regras operativas, convocando, para esse labor mais minucioso, as entidades envolvidas neste complexo normativo — desde logo, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Associação Nacional de Freguesias, a Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto e as áreas governativas implicadas —, com elas articulando uma proposta, porque não melhorada, de regime especial de regularização dos edifícios-sedes e similares das associações sem fins lucrativos. Dessa forma, as presentes iniciativas só beneficiariam deste trabalho.

O que há que garantir é que ninguém que esteja no espaço de uma coletividade, seja em reunião, seja em espetáculo de teatro, de música, de dança, seja na prática de desporto, seja em conferência ou palestra, seja numa partida de sueca ou dominó, duvide se está ou não num espaço que cumpre a lei. Eis o efeito útil e virtuoso que somos chamados a cumprir: onde quer que estejamos a participar em atividades associativas, termos a certeza de que não estamos fora da lei, porque fomos capazes de fazer o nosso trabalho, tornando possível a regularização. É, portanto, tempo de agir.

Aplausos do PS. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mantenho a minha pergunta: vai daí…? O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Bloco de Esquerda, tem agora a palavra o Sr. Deputado

José Soeiro. O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, permita-me, antes de ir ao tema, que o saúde pela sua

intervenção de há pouco e lhe diga, em nome do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, que nos reconhecemos inteiramente na resposta que deu. E já agora, queria dizer também que a coreografia que o Chega tinha de abandonar a Sala, o guião que o Chega trouxe a esta sessão já estava escrito antes mesmo da sua resposta e não lhe é imputável, porque o Deputado Ventura já tinha avisado os órgãos de comunicação social que estaria às 4 horas em Campo de Ourique.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem visto! O Sr. José Moura Soeiro (BE): — E, portanto, aquilo que vimos foi só mais um ridículo episódio de um

prolongado espetáculo de mau gosto em que o Chega tem tentado transformar a intervenção parlamentar e a sua intervenção política, que nós repudiamos e, portanto, queria saudar o Sr. Presidente pela sua resposta.

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

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O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Mas, indo ao tema dos projetos de lei e de resolução que estamos a discutir, quando falamos do movimento associativo, do movimento popular, do movimento das associações não-lucrativas, estamos a falar de dezenas de milhares de coletividades, de dezenas de milhares de associações que têm uma intensa atividade cultural, recreativa, desportiva, que é essencial para a vida social dos territórios.

E é verdade que muitas das instalações destas associações, nomeadamente em meio rural — mas não só —, são herdadas, foram construídas pelos seus sócios, como aqui já foi dito, muitas vezes produto do esforço, do empenho militante dos associados, e não estão licenciadas ou foram construídas antes dos instrumentos de gestão territorial ou falta-lhes a regularização, e este é um problema que coloca muitas dificuldades às associações e que dá origem, até, a episódios dramáticos, como aquele que já foi aqui invocado, de Tondela.

E, portanto, nós somos favoráveis à intenção de se criarem mecanismos de regularização para estas associações e também mecanismos de apoio, nomeadamente apoio público, estatal, à adaptação e à alteração dos espaços, para que eles possam respeitar as regras de segurança, para que possam ser adaptados aos critérios ambientais de gestão do território e para que possam ser licenciados.

E achamos que estas duas dimensões são essenciais: permitir um processo de regularização, mas também apoiar a adaptação das próprias instalações. Processos deste género já existiram para as atividades económicas, existem no campo da habitação também, como sabemos, nomeadamente relativamente às áreas urbanas de génese ilegal, e deve existir um processo que seja simples para as associações, desse ponto de vista.

O PCP também já aqui alertou para a complexidade, as barreiras, as dificuldades, que são colocadas pelos termos em que está redigida a proposta do PSD. Nós precisamos de um regime simples, que seja efetivo, que não crie dificuldades.

E relativamente àquilo que o PAN aqui propõe sobre os juros, sabemos que as associações também se veem, tal como as famílias, a braços com a subida dos juros, e aqui, o que é preciso é imputar à banca esses custos. E, portanto, sim, somos favoráveis à renegociação dos créditos sem custos, renegociação obrigatória dos créditos sem custos, sem comissões para as associações — naturalmente, como deve acontecer também para as famílias —, para que não se ultrapasse a taxa de esforço porque, se é incomportável para as famílias, também é incomportável para muitas destas associações. E, portanto, somos favoráveis a que isso seja tido em conta.

Aplausos do BE. O Sr. Presidente: — Para intervir, em nome do Livre, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Caras e Caros Colegas: O tema que o PSD aqui nos traz hoje, e

também os outros partidos — PAN e PCP, que lhe juntam propostas —, é um tema de grande importância, porque as coletividades, as associações recreativas, culturais, desportivas, por esse País todo, são a coluna vertebral da nossa coesão, de uma capacidade de trazer cultura a todo o País e dependeram do esforço de muita gente por este País fora, e devemos-lhes muito.

Já vi muito bom teatro amador, por exemplo em associações dessas, certamente teatro amador bastante melhor, com mais verdade e sentimento, do que a última rábula a que me foi dado assistir, aqui, mesmo há pouco.

Queria dizer que a proposta que o PSD traz é, apesar de tudo, ainda muito complicada para aquilo que muitas associações são capazes de fazer. Há muitos requisitos e muitas instituições a consultar, e deveríamos ter um balcão nacional para ajudar as associações a fazerem esse licenciamento, além de que deveríamos ter programas de arrendamento acessível, como temos para as lojas com história, ou para as famílias, para associações. Muitas estão a perder as sedes.

E, mais do que isso — como numa proposta de alteração orçamental do Livre, ainda no último Orçamento —, para que algumas destas sedes se possam tornar verdadeiros pontos de cultura, em casas da criação, com apoio do Ministério da Cultura. Mesmo assim, é uma proposta que merece debate e que merece que a acompanhemos com outras, no futuro.

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O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo Oliveira.

O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não vou contrariar aquilo

que disse há pouco, ali em cima, na tribuna, de que este não é um tema para um debate político puro. Queria dar apenas duas ou três notas.

Em primeiro lugar, refiro o largo consenso que sinto neste Hemiciclo sobre uma matéria preocupante para as coletividades do nosso concelho. E, portanto, esse largo consenso deve ser, de alguma forma, da nossa parte, devemos dar nota dele e dizer que estamos, naturalmente, disponíveis.

Estava a ouvir o Sr. Deputado do Partido Socialista e, de facto, podemos ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a federação das coletividades, a Associação Nacional de Freguesias também, claro, porque são quem está diretamente mais próximo dessas coletividades e que terão oportunidade de se pronunciar.

Mas também quero dar nota de que este regime que é apresentado é um regime que transmite, acima de tudo, aquele que foi um caminho já feito, como disse há pouco, nas suiniculturas — embora não se faça analogia —, mas também nos pavilhões industriais, para cumprir regras de ordenamento do território.

A simplificação dos processos, e ela deve existir, não deve permitir também que, de alguma forma, se vá ferir o ordenamento do território. Portanto, o equilíbrio é necessário, por isso é que esse caminho foi feito nos regimes anteriores e, no fundo, aplica-se aqui da mesma forma. Poderia ser mais simples? Julgo que poderia ser, mas não teríamos provavelmente aqui as entidades que foram aqui faladas, mas se calhar a Ordem dos Arquitetos a perguntar o porquê de termos uma simplificação tal que poderia pôr em causa aquele que é o ordenamento do território.

Portanto, o equilíbrio deve ser garantido na simplificação, para garantir que haja esta legalização, mas também que não haja o exagero que coloca em causa o ordenamento. Por isso, há necessidade deste equilíbrio, e queria dar nota disto.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para uma nova intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PS, tem, desta vez, a

palavra a Sr.ª Deputada Vera Braz. A Sr.ª Vera Braz (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não poderíamos deixar de tecer algumas

considerações sobre o projeto do PAN, por nos merecer toda a consideração aquele que é o nosso tecido empresarial e as micro, pequenas e médias empresas, que representam 99,9 % desse tecido empresarial.

Mas, desde logo, também, porque não basta levantar uma bandeira de boas intenções e, depois, apresentarmos um projeto que é uma tremenda confusão, desde logo porque se baseia em diplomas que são, todos eles, direcionados para o consumidor, para o cidadão comum, que, naturalmente, nos merece uma proteção acrescida, em que foram direcionadas medidas para preservar aquele que é um bem essencial, que é a habitação própria permanente, e que, portanto, exigiam um reforço da legislação, nomeadamente a nível da prevenção do incumprimento, ou até da criação de novas medidas, como sejam para apoiar o crédito — quem tem crédito à habitação —, e que permitam fazer face aos aumentos insuportáveis dessas mesmas prestações.

Voz do PS: — Muito bem! A Sr.ª Vera Braz (PS): — Mas também pelas várias limitações que já foram aqui referidas. Quanto às empresas, Sr.ª Deputada, tal como diz na exposição de motivos, foram adotadas várias medidas

para fazer face a todas as necessidades das empresas em cada um dos momentos, desde o layoff, desde as moratórias, medidas que foram ao encontro das necessidades das empresas e que lhes permitiram retomar, com a maior normalidade possível, …

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Não é a mesma coisa!

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A Sr.ª Vera Braz (PS): — … e com uma coisa bastante importante, que é mantendo as equipas, que são

um fator importantíssimo para a retoma das suas atividades. Sr.ª Deputada, também não podemos esquecer que estas empresas têm acesso a medidas, como sejam,

por exemplo, o Fundo de Capitalização e Resiliência, têm acesso a linhas de financiamento bancário com apoio do Estado, com garantias do Estado, que lhes permite, nomeadamente, fazer face a situações de capitalização, de tesouraria, de investimento e, portanto, colmatar todas essas necessidades que têm atualmente.

Mas porque também é para nós importante que as empresas consigam evoluir e consigam desenvolver-se, foi aprovada, ainda recentemente, uma nova medida, que é uma linha para conceder às empresas novos apoios quanto à formação dos seus trabalhadores, quanto à sua internacionalização, que será, sem dúvida, importante…

O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada, tem de terminar. A Sr.ª Vera Braz (PS): — Irei terminar, Sr. Presidente. Dizia eu, que será importante para robustecer a sua atividade e, com esse robustecimento, contribuirá

certamente, também, para o nosso desenvolvimento, para a nossa resiliência enquanto País e para o nosso crescimento económico.

Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Para encerrar o debate, em nome do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Hugo

Oliveira. O Sr. Hugo Patrício Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para finalizar este debate,

queria dar nota de que poderia exortar aqui os Srs. Deputados a darem apoio à nossa iniciativa, mas foi bem claro neste Hemiciclo o apoio, porque é o apoio que é dado às coletividades de todo o nosso País.

E estou certo, também, de que este é um primeiro passo, é o caminho, como já aqui foi dito: ouvir entidades, simplificar — se for necessário simplificar mais alguma coisa —, mas garantir que este primeiro passo possa ser o início, para que possa existir a legalização destes espaços e não aconteça aquilo que, no início da intervenção, tive oportunidade de dizer.

E este é um passo partilhado de um consenso neste Hemiciclo. E quero registar isso, pela importância que tem para todo o País, porque somos eleitos em círculos eleitorais, no País inteiro, e esse País inteiro merece este nosso apoio.

Por isso, dou-vos apenas esta nota final de que em cada uma das coletividades, em cada um dos locais onde há esta dificuldade, cada um dos sócios, mas acima de tudo os dirigentes, sentirão, no dia em que tivermos a aprovação deste projeto de lei, um alívio grande por conseguirem legalizar os seus espaços para garantirem a sua salvaguarda, mas também de todas as pessoas que frequentam os espaços das coletividades.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Chegamos, assim, ao fim do ponto 1. O ponto 2 da nossa ordem do dia consiste na apreciação do Projeto de Resolução n.º 567/XV/1.ª (CH) —

Recomenda ao Governo que identifique o património imobiliário habitacional do Estado que está a ser indevidamente utilizado, alvo de fraude ou a necessitar de obras de reabilitação e do Projeto de Resolução n.º 906/XV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a conclusão urgente do inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional como medida essencial para o combate à crise habitacional, que com ele foi arrastado.

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Manifestamente, os autores do projeto que motivou este agendamento não se encontram presentes, de forma que temos duas hipóteses. O Regimento da Assembleia da República permite-nos, numa leitura extensiva do artigo 66.º, n.º 2, que façamos o debate tendo por referência o projeto apresentado pelo PAN.

Eu diria que a fairness — é um bocado difícil encontrar a palavra em português que corresponda, portanto, o equilíbrio, a cordialidade política — nos levaria a não entrar num debate cujo autor proponente não se encontra presente e passar ao ponto 3 da ordem do dia.

Mas queria saber se esta minha interpretação colhe o apoio dos grupos parlamentares, ou pelo menos a não oposição.

Pausa. Sendo assim, passamos ao ponto 3 da nossa ordem de trabalhos. Pausa. A Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real está a pedir a palavra. Faça favor, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, peço desculpa, mas tendo em conta as limitações de

agendamento dos Deputados únicos representantes de partido, apelava só a esta Assembleia a que fosse possível discutir este projeto de resolução, porque se o Chega optou por, mais uma vez, não fazer parte deste debate de forma construtiva e democrática e seguir o caminho do populismo, como até aqui nos tem habituado, acho que não devem penalizados os partidos que, de forma construtiva, têm feito parte desta Assembleia.

O Sr. Presidente: — Então, para termos toda a informação, o artigo 66.º, n.º 2, do Regimento da

Assembleia da República, que é aquele que, do nosso ponto de vista, mais nos pode ajudar a dirimir esta questão, diz: «Quando um agendamento solicitado por um grupo parlamentar for posteriormente retirado da agenda, a seu pedido, os agendamentos feitos em conjunto com essa iniciativa na Conferência de Líderes permanecem válidos.»

Portanto, é possível entender que o grupo parlamentar proponente retirou o seu agendamento, visto que não se encontra aqui presente para debatê-lo e, portanto, o PAN, que viu o agendamento da sua iniciativa ser acordado em Conferência de Líderes, por ativação do mecanismo de arrastamento, tem o direito de apresentar a sua iniciativa.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — E o outro projeto?! O Sr. Presidente: — Portanto, se a minha leitura habitual valer, segundo a qual temos de cumprir o

Regimento sempre que não há consenso entre nós para o adaptar a uma circunstância precisa, eu diria que a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real tem o direito de defender o seu projeto e as Sr.as e os Srs. Deputados que entenderem têm o direito de se pronunciar sobre ele. Sendo assim, isso permite, pelo menos, que os Srs. Deputados que já tenham preparado a intervenção para este ponto não vejam o seu esforço baldado.

Então, com este entendimento da Câmara, dou a palavra à Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real, para apresentar o Projeto de Resolução n.º 906/XV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a conclusão urgente do inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional como medida essencial para o combate à crise habitacional.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr. Presidente, agradeço a sua interpretação, porque, de facto, o

trabalho em democracia — e passo a redundância — dá muito mais trabalho do que a oposição meramente populista e antidemocrática. Estamos aqui disponíveis para colaborar e para dar os nossos contributos de forma evidentemente construtiva.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Recentemente, neste sábado, milhares de pessoas saíram à rua a pedir mais habitação, a pedir melhores condições de vida, juntando as suas vozes para dizer que há, de facto,

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pessoas em Portugal que estão a viver muito mal, que estão a perder as suas casas, que não conseguem pagar as rendas, que não conseguem pagar a prestação da casa.

Temos estudantes que deixam de estudar, e que, como diziam alguns cartazes, renovam o contrato com a casa dos pais e que adiam os seus projetos de vida. Temos famílias e trabalhadores que não conseguem pagar a casa e professores que vivem em carrinhas.

Este é o quadro da habitação em Portugal: um quadro de hoje, mas que precisava de respostas para ontem.

Apesar de termos tido um pacote Mais Habitação, este foi claramente insuficientemente discutido nesta Assembleia e tem respostas manifestamente insuficientes para as famílias, mas há uma medida que tem vindo a ser sucessivamente discutida nesta Assembleia e reivindicada, que é a do inventário imobiliário e da bolsa de imóveis públicos para habitação. Ora, esta medida é estrutural para que o Estado possa dar o exemplo e, ao invés de procurar esbulhar o património privado, colocar o seu património público ao serviço público e ao serviço da comunidade.

Começava por recordar que, em 2007, foi aprovado um diploma para a realização do inventário dos imóveis do Estado, com o objetivo de identificar aqueles que tenham aptidão para o uso habitacional. Sr.as e Srs. Deputados, passaram 16 anos — repito, 16 anos — desde que houve esta aprovação e ainda não houve qualquer conclusão. Ora, este tempo é tão descabido quanto andar a esticar a mão a pedir dinheiro, sem ver quanto dinheiro temos no bolso das calças, e a exigir depois aos outros que paguem esta fatura.

O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Muito bem! A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Também em 2020 se previu a criação de uma bolsa de imóveis do

Estado para habitação e continuamos sem resultados concretos. Mais rapidamente se fala em construir ou, até mesmo, em usar o património privado do que em saber qual

o património do Estado, quem o está a utilizar e como está a ser utilizado. Aplausos do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto. É por isso mesmo que o PAN propõe um exercício muito simples: que se faça este inventariado, que se

olhe primeiro para o bolso, que é esse o exercício que os portugueses estão a fazer e, infelizmente, esse é um bolso que está cada vez mais vazio.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome da Iniciativa Liberal, tem a palavra o Sr. Deputado

Carlos Guimarães Pinto. O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este é um prédio de

12 andares, numa das zonas mais procuradas do País, na Avenida 5 de Outubro, aqui em Lisboa Neste momento, o orador exibiu uma imagem. À porta deste prédio, dormem pessoas sem-abrigo; a 15 minutos dali, está uma universidade, onde muitos

estudantes têm de partilhar quarto para poderem continuar a estudar; ali ao lado, trabalham muitas pessoas que têm de morar longe do seu emprego por não terem oferta de habitação perto.

Este prédio de 12 andares, numa das zonas mais procuradas do País, poderia alojar 100, 200 pessoas, alguns estudantes, alguma classe média, mas está abandonado há 5 anos. O dono não é um especulador qualquer; o dono é o Estado português.

Como este, existem milhares por este País fora. Eu digo «milhares» e não um número específico, porque não se sabe esse número! Aliás, o Estado nem sequer sabe quantos imóveis tem! No último relatório do Tribunal de Contas aparecem três números diferentes, de três fontes diferentes: no Sistema de Informação dos Imóveis do Estado aparecem 9500; na base de dados do Registo Predial aparecem 18 500, quase o dobro; na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira aparecem 62 000.

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O Estado nem sequer consegue acordar numa definição daquilo que é um imóvel. Alguns imóveis do Estado estão abandonados há tanto tempo, que nem o Estado sabe que ainda os tem. Esta incompetência tem um custo que se mede no preço das casas.

Nesses imóveis que o Estado abandonou podia morar gente; podiam morar jovens, que hoje não saem de casa dos pais; podiam morar professores e médicos, que recusam empregos nas cidades mais caras por não poderem pagar a renda; podiam morar famílias, que não podem crescer por não terem espaço para o fazer.

Há prédios, terrenos, antigas escolas, quartéis abandonados, que podiam aumentar a oferta de habitação em Portugal, incluindo nestas zonas mais procuradas do País. Numa crise de habitação que é, acima de tudo, uma crise de falta de oferta, é absolutamente imoral que o Estado continue a ter milhares de imóveis abandonados, de que não toma conta, que não contabiliza e que, em muitos casos, nem sequer sabe que existem.

O Sr. Rui Rocha (IL): — Muito bem! O Sr. Carlos Guimarães Pinto (IL): — É que, muito mais do que inventariar imóveis — que é algo que é

preciso —, é preciso usá-los. Repito, usá-los! Se o Estado não sabe, se o Estado não é capaz de o fazer, então, que recorra a quem sabe: aos construtores, aos promotores, ao PCP,…

Risos do Deputado da IL Rui Rocha. … a qualquer um. O importante é dar uso a estes imóveis. Caso contrário, que legitimidade tem o Estado

para dizer aos privados como devem usar os seus imóveis, quando o próprio Estado dá aos seus imóveis o pior uso possível que pode dar, que é nenhum? É o abandono total!

Aplausos da IL. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, tem a palavra o

Sr. Deputado António Topa Gomes. O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos aqui hoje a discutir

apenas um projeto, o projeto de resolução do PAN, que visa, no fundo, recomendar ao Governo a conclusão urgente do inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional, como medida essencial para o combate à crise habitacional.

Se hoje me dirijo apenas ao PAN, é porque, de facto, o PAN foi o único partido que veio a jogo defender o seu projeto de resolução.

O Sr. Jorge Salgueiro Mendes (PSD): — Muito bem! O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Em primeiro lugar, julgo que devemos dizer o seguinte. Quem nos

ouve lá em casa pensará: «Mas estes senhores estão a discutir a necessidade de o Estado conhecer o seu património e saber o seu estado de conservação?! Deve haver algum engano!» Não, Srs. Deputados, não é isso. O que estamos aqui a fazer é a recomendar ao Governo que conheça o seu património, faça um inventário e avalie o seu estado de conservação. É isto que estamos aqui a discutir e apenas isto.

Mas, numa altura em que falamos do programa Mais Habitação, julgo que é justo perguntar isto: que condições tem o Estado, que gere assim o seu património, para ser o grande promotor da habitação pública?

Era bom que, pelo menos, nos preparássemos com aquilo que já temos hoje, sob pena de podermos chegar a uma situação absolutamente estranha. É que, no limite, um destes dias, já que foi promulgado o diploma do programa Mais Habitação e parece que as câmaras municipais podem tomar posse coerciva das habitações, pode dar-se o risco de, a determinada altura, as câmaras municipais estarem a tomar posse de edifícios do Estado central.

Aplausos do PSD e do Deputado da IL Carlos Guimarães Pinto.

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Portanto, era bom, até por isso, que o Estado fizesse este trabalho. Devo também dizer, em abono da verdade, que o próprio Governo já reconheceu essa necessidade. Tanto

a reconheceu, que inseriu este inventário, nomeadamente, o desenvolvimento de uma plataforma de gestão do património imobiliário, no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência): é o Subinvestimento TD-C17-i01.02.

Ora, aqui temos, novamente, dois problemas. O primeiro problema é que já o tinha reconhecido há muito tempo. Desde 2007 que sabemos que andamos a tratar disto, era suposto estar pronto em 2021, mas falhou esse prazo. Aparentemente, de acordo com a Conta Geral do Estado, entregue hoje mesmo nesta Assembleia, parece que também está atrasada a meta para 2024, mas iremos verificar isso. Contudo, isto demonstra uma outra coisa: é que muitas das medidas do PRR, muitos dos fundos do PRR, não são, afinal, para recuperarmos as medidas da pandemia, mas são para o Estado cumprir aquilo que tinha prometido fazer e não fez por falta de alocação de recursos.

Aplausos do PSD. Portanto, com estes pequenos exemplos, com estas pequenas medidas, percebemos o que se passa. Aliás, julgo que esta incapacidade do Estado de responder a estes assuntos tem muito a ver com a falta de

benefício e a falta de reconhecimento do Estado dos seus profissionais mais qualificados. A Sr.ª Fátima Ramos (PSD): — Muito bem! O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Recordava só um aspeto: é que um técnico superior tem hoje, na

entrada na carreira de técnico superior, um salário com o valor de 1111 € — é fácil de fixar, são só uns —, a que corresponde um ordenado líquido de cerca de 900 €. Não admira, pois, que sejam os jovens mais qualificados aqueles que emigram, porque, de facto, o Estado não está a dar-lhes condições de atratividade. Aquilo que ouvimos para os médicos, aquilo que ouvimos para os professores, é absolutamente transversal, neste momento, a toda a Administração Pública.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — O Orçamento do Estado é já no próximo mês. Temos de tratar disso! O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Há um último aspeto que gostava de mencionar. Como bem refere

o Tribunal de Contas, falamos do inventário, mas o inventário é o primeiro dos primeiros passos, é a questão mais básica de gestão do património imobiliário. O que devíamos ser capazes de fazer, enquanto Estado, enquanto proprietários, era objetivamente gerir, era haver uma verdadeira relação entre os vários ministérios, e só assim podemos dar resposta às necessidades em cada um dos momentos.

Portanto, quando o PAN nos pergunta se estamos dispostos a recomendar ao Governo que cumpra os mínimos olímpicos, a resposta é «sim», recomendemos ao Governo que faça o mínimo.

Aplausos do PSD. O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, em nome do Livre, tem agora a palavra o Sr. Deputado Rui

Tavares. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A importância que o Chega, que tinha

agendado este debate, dá ao tema da habitação é a que se vê — é abandonar o debate. Mas isso não nos deve impedir de debater a proposta que tinha sido arrastada pelo PAN e que tem o seu mérito, devendo o mesmo ser considerado neste Hemiciclo.

De facto, o mérito é este: é o de dizer que deve ser feita uma coisa que o Tribunal de Contas já pede há muito tempo, que é a inventariação do património do Estado, é recomendar ao Governo que faça algo que já recomendámos, enquanto Assembleia da República, quando votámos o projeto de resolução do Livre sobre o mesmo tema. Aquilo que o PS conseguiu retirar desse projeto de resolução do Livre foi o passo seguinte, que é o plano de conversão dos usos destes edifícios.

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Uma vez que 1 minuto não dá para mais, deixem-me concentrar-me em quartéis esvaziados — existem tantos no centro das cidades e, hoje em dia, já não têm sequer nenhuma função militar, no tipo de realidade que temos no século XXI —, que podem ser residências estudantis; podem ser colmeias incubadoras para associações, para empresas, para coletividades; podem ser locais para espaço de teletrabalho para quem não tem condições em casa para trabalhar, mas também não quer atravessar a cidade, e não precisa de o fazer, para ir trabalhar na outra ponta da cidade; podem ser creches; podem ter quintas de painéis solares para abastecer os autocarros elétricos de que precisamos nas nossas cidades. Podem ser muita coisa.

Precisamos de ideias novas para estas casas velhas. Não nos esqueçamos nunca de que foi isso que foi feito com este edifício onde nós fizemos um Parlamento, e que não o era antes. É aí que temos de ir buscar inspiração para fazer algo com o património do Estado, antes que chegue alguém e o privatize e seja tudo para ótimos lofts, para serem comprados pelos milionários que nos procuram.

Entretanto, assumiu a presidência a Vice-Presidente Edite Estrela. A Sr.ª Presidente: — Boa tarde, Sr.as e Srs. Deputados. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Rui Cruz, do Grupo Parlamentar do PS. O Sr. José Rui Cruz (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje o Projeto de

Resolução n.º 906/XV/2.ª (PAN), uma vez que o Chega não valoriza esta área e, portanto, ausentou-se do debate. Por isso, queria felicitar o PAN pelo projeto de resolução que aqui apresenta.

Queria começar por comentar as palavras do Deputado do PSD António Topa Gomes que disse que na relação que existe entre o Partido Socialista e o Governo e as câmaras municipais, nomeadamente, pode haver posse coerciva dos municípios relativamente ao património do Estado.

Ora bem, nada mais errado, porque se há momento em que existe uma relação aberta, de passagem e de transferência de competências para os municípios é com este Governo, e é o Partido Socialista que está a fazer esse entendimento, que nunca aconteceu com Governos anteriores.

Aplausos do PS. Protestos do Deputado do PSD Jorge Salgueiro Mendes. E não há nenhum complexo em passar imóveis, centros de saúde e escolas do Terreiro do Paço para o

País real. Portanto, o PSD perdeu uma oportunidade, pois todos sabemos que está a acontecer aquilo que nunca aconteceu.

Também em relação ao PRR, diz o PSD que estão a ser afetadas muitas verbas para a habitação. Pois bem, na comissão de fundos comunitários, o que assistimos é ao PSD a dizer que os fundos são poucos para essa área.

Foram afetados muitos fundos, felizmente, e vamos com isso ter muitas habitações construídas em parceria com as câmaras municipais, distribuídas por todo o território, e acho que isso é importante para todos nós. O importante é que sejam efetivamente construídas, apesar de todos os constrangimentos que conhecemos e que são muitos — falta de empresas, falta de mão-de-obra —, mas isso não nos vai impedir de, até 2026, termos esse objetivo cumprido.

Como todos sabemos, para este Governo, o direito à habitação constitui-se como um dos pilares do Estado social e o Governo assumiu o compromisso de criar um parque habitacional público a custos acessíveis que dê resposta a todas as famílias e pessoas em situação de dificuldade de acesso à habitação, assumindo-se como um dos direitos sociais a sua vocação universal.

O Governo está a implementar uma estratégia nacional para disponibilizar imóveis de propriedade pública para fins habitacionais, reforçando assim o parque habitacional público ou com o apoio público. Deste modo, está a garantir o acesso à habitação enquanto direito universal a todos quantos possam estar a viver uma maior dificuldade no seu acesso.

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Sr. José Rui Cruz (PS): — O Governo atribuiu ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana

(IHRU) a missão de realizar um inventário importante — reconhecemo-lo — que deve abranger os imóveis de domínio privado do Estado, da Administração Pública indireta do Estado e do setor empresarial do Estado que sejam de uso habitacional.

Por outro lado, este inventário deve também considerar os imóveis públicos devolutos ou disponíveis, incluindo terrenos cujas condições ou características permitam a sua afetação à criação de habitação, seja diretamente ou mediante processo de reconversão ou de construção.

Já a lei de bases da habitação veio estabelecer o dever de o Estado recorrer prioritariamente ao património edificado público como forma de assegurar o cumprimento da sua função social de garantir o acesso universal à habitação. Este recurso é extensível aos programas habitacionais destinados ao arrendamento, promovendo o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública.

Assim, e no âmbito do seu programa, o Governo tem em marcha o plano de reabilitação do património público destinado ao arrendamento acessível. O objetivo é reforçar o parque habitacional com apoio público e, deste modo, contribuir para a garantia do direito à habitação.

Neste sentido, foi criada, ainda, uma plataforma eletrónica para promover o reporte de informação. A médio prazo, o Governo pretende colocar no mercado, a preços acessíveis, 15 000 fogos do Estado.

Atualmente, temos mais de 10 000 habitações identificadas para a promoção do arrendamento acessível, das quais cerca de 7000 já se encontram em fase de execução e 3000 em análise.

Concluindo, sem margem para dúvidas, o Governo tem já em curso a maior mobilização de sempre do património devoluto do Estado destinado à habitação. Esta é uma transformação gradual, progressiva e, necessariamente, prolongada.

Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Pires, do

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. A Sr.ª Isabel Pires (BE): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Relativamente ao projeto

de resolução do PAN, que temos em cima da mesa, é óbvio que este inventário é relevante. Aliás, do nosso ponto de vista, ele já deveria estar feito há bastante tempo e, portanto, peca é por tardio. Obviamente, é importante conhecermos a realidade do património do Estado para que se possam construir as políticas públicas em torno do mesmo.

Creio que, neste debate — e já ouvimos praticamente todos os partidos, apesar de não termos ouvido todos —, percebemos que temos problemas absolutamente imediatos e urgentes para resolver no que toca à habitação e, no entanto, continuamos a não ter respostas que sejam eficazes desse ponto de vista.

Recentemente, como já foi referido, tivemos a aprovação do Mais Habitação e todos percebemos que, na verdade, o Mais Habitação não belisca, em nada, os interesses que nos levaram à crise em que estamos atualmente, nomeadamente os interesses imobiliários, e que ali não há nada que responda ao problema da especulação, que pare a especulação e, efetivamente, limite os preços altíssimos das rendas e das casas para compra. Não há nada neste programa que resolva este problema, muito menos no imediato.

Ontem mesmo, tivemos a notícia de que António Costa percebeu, finalmente, que o regime dos residentes não habituais seria para acabar. Em primeiro lugar, o Sr. Primeiro-Ministro apercebe-se disto já tarde demais e, em segundo lugar, apercebe-se desta situação quando foi este regime que permitiu que as nossas cidades estejam, hoje, votadas à especulação imobiliária, com preços absolutamente inadmissíveis e incomportáveis para qualquer cidadão que trabalhe nas cidades do nosso País.

Portanto, voltamos sempre ao mesmo: o Partido Socialista consegue fazer vários anúncios, consegue fazer muita propaganda, mas o que não consegue fazer é responder ao problema da habitação com propostas imediatas que, de uma forma rápida, controlem os preços. E falamos em controlar os preços porque é preciso ter coragem para controlar, efetivamente, o problema onde ele está, mas é isso que não vemos, nem por parte do Partido Socialista, nem por parte da direita.

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Há zero vontade de controlar preços, de colocar tetos nas rendas, de pôr a banca a pagar aquilo que tem estado a lucrar nos últimos anos — como nunca lucrou nas últimas décadas, no nosso País —, também à custa, lá está, dos créditos à habitação e dos juros que foram crescendo.

Portanto, nos debates sobre a habitação é importante percebermos, efetivamente, o que é que o Estado tem e o que é que pode oferecer, e é importante que a oferta pública aumente — isso é absolutamente essencial, apesar de haver propostas, neste Parlamento, de partidos como o PSD, que pretendem facilitar a alienação de património do Estado, o que é uma coisa um pouco estranha no cenário atual —, mas não basta olharmos, como o projeto do PAN faz, para a questão do património do Estado. É preciso irmos muito mais além e de uma forma muito mais eficaz e muito mais rápida.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias, do

Grupo Parlamentar do PCP. O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Neste debate, que, supostamente,

trata de questões de habitação, a nossa primeira palavra é para, daqui, saudar os milhares e milhares de pessoas que, no passado sábado, dia 30, em dezenas de cidades de norte a sul do País, ergueram a sua voz em defesa do direito à habitação, disseram «baixem as rendas, subam os salários» e exigiram uma outra política em que a prioridade seja a vida das pessoas e não o lucro dos bancos.

Aplausos do PCP. O que reclamam são respostas concretas — mais habitação pública, controlo de rendas e prestações —, e

não a demagogia e a provocação barata que volta e meia nos trazem, também nesta Assembleia, desprezando o desespero de centenas de milhares de famílias.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Muito bem! O Sr. Bruno Dias (PCP): — O ponto de partida para este debate e para estas propostas em apreciação é o

famoso inventário do património habitacional do Estado, que já devia estar feito há anos e em constante atualização.

A questão central deste debate é o porquê de ainda não estar feito o inventário. Há anos que essa medida está identificada, decidida, aprovada, em vigor, mas o tempo passa e o inventário não avança!

Aliás, este debate tem até essa marca insólita de apreciar, agora, uma de duas iniciativas que, nas suas exposições de motivos, esclarecem e demonstram ao pormenor por que motivos não tinham nada de ser aprovadas. Falam do Decreto-Lei n.º 82/2020, que expressamente determina e regula a realização do inventário do património imobiliário do Estado com aptidão para uso habitacional; falam do Sistema de Informação e Gestão do Património Imobiliário Público e dos recursos alocados de fundos do PRR para financiar essa intervenção; falam do Decreto-Lei n.º 280/2007, que estabelece o regime jurídico do património imobiliário público e que define o respetivo programa de inventariação — falam disto tudo!

Apontam o dedo ao Governo pela falta de concretização com medidas concretas para cumprir o que está expressamente previsto na lei. Conclusão? Isto resolve-se é com uma recomendação da Assembleia da República. É esta a solução que o PAN — aliás, tal como o Chega — nos oferece.

Protestos do PAN. Se está na lei, se o Governo promete, mas não cumpre, a Assembleia recomenda! E, entretanto, o

património público continua a delapidar-se, as pessoas continuam sem casa e os lucros da banca continuam a aumentar.

Sr.as e Srs. Deputados, parece que há mesmo quem faça questão de que se perca tempo, mas é preciso que não se perca mais tempo. É preciso que não se perca mais tempo com discussões e propostas que não

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respondem à situação dramática de milhões de pessoas neste País. É preciso, acima de tudo, que não se perca mais tempo em relação às medidas que, efetivamente, respondam a esta emergência social na habitação: travar o aumento das rendas e prestações, proteger a casa de morada de família, promover investimento digno desse nome em habitação pública e, desde logo, conhecer de forma rigorosa e utilizar de forma competente o património do Estado para fins habitacionais.

É mesmo caso para dizer: basta de conversa! Haja coragem política para enfrentar os interesses do poder económico, dos bancos, dos fundos de investimento, das multinacionais, para que a habitação seja mesmo um direito. Para isso, contam connosco!

Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, concluímos assim o ponto dois da ordem do dia… Pausa. A Mesa não dispõe de mais inscrições. Pausa. O Sr. Deputado António Topa Gomes estava a sinalizar à Mesa que deseja fazer uma intervenção,

aproveitando os segundos de que ainda dispõe? É isso? O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Sim, Sr.ª Presidente. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Faça favor, Sr. Deputado. O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Sr.ª Presidente, gostava de dar só duas notas finais, sendo que a

primeira se refere à descentralização. Com toda a amizade que tenho pelo Sr. Deputado José Rui Cruz — e não sei se já foi autarca, ou não —

,… O Sr. José Rui Cruz (PS): — Já, já! O Sr. António Topa Gomes (PSD): — … mas se foi autarca e alguma vez teve de negociar património do

Estado com o Estado central, tenho a certeza de que conhecerá essa dificuldade. Aplausos do PSD. Basta ver as condições como, na descentralização — por sinal, uma medida com a qual os nossos dois

partidos concordaram —, as escolas, por exemplo, foram passadas aos municípios. Depois foram revistas as medidas, mas não era, seguramente, um bom negócio para as autarquias.

O Sr. Duarte Alves (PCP): — Então agora já acha mal? O Sr. António Topa Gomes (PSD): — Em suma, e porque gostava de me focar no debate, a verdade é

que, se queremos o Estado a construir e a ter património, só temos uma alternativa: geri-lo tão bem ou melhor do que os privados, e isso não se faz sem conhecermos esse inventário.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, curta, tem a palavra o Sr. Deputado José Rui

Cruz, do Grupo Parlamentar do PS.

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O Sr. José Rui Cruz (PS): — Sr.ª Presidente, é apenas para dizer ao Sr. Deputado António Topa Gomes,

retribuindo-lhe a simpatia que teve para comigo, que, sim, fui autarca e nesses tempos era muito difícil lidar com o Governo, mas em muito desse tempo o Governo era mesmo do PSD.

Risos do PS e do PSD. Já foi há muitos anos! O Sr. Bruno Dias (PCP): — Ah, porque agora é muito mais fácil!… O Sr. José Rui Cruz (PS): — De facto, já foi no século passado, e esperemos que não seja tão depressa

novamente. Era, de facto, um problema lidar com o PSD, mas os tempos mudaram, são outros. Hoje, com este

Governo, não sendo perfeita a relação entre o poder local e o poder central, as coisas são muito mais simples. É muito mais fácil o relacionamento entre o poder local e o poder central, e todos os partidos reconhecem isso.

Protestos de Deputados do PSD. As coisas têm melhorado e o atual Governo tem dado o exemplo e todos sabemos reconhecê-lo. Aplausos do PS. Protestos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, concluímos, então, o ponto dois da ordem do dia. Vamos passar ao ponto três, que consiste na apreciação conjunta, na generalidade, da Proposta de Lei

n.º 27/XV/1.ª (ALRAA) — Assegura o aumento do subsídio de risco para os profissionais das forças e serviços de segurança e dos Projetos de Lei n.os 910/XV/2.ª (PCP) — Aprova o aumento do suplemento por serviço e risco nas Forças e Serviços de Segurança (sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de outubro e quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro), 916/XV/2.ª (CH) — Aumenta para 500 € a componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda Nacional Republicana e pelos agentes da Polícia de Segurança Pública e 917/XV/2.ª (PAN) — Assegura o aumento do suplemento por serviço e risco e do suplemento de ronda dos profissionais das forças e serviços de segurança, juntamente com o Projeto de Resolução n.º 875/XV/1.ª (CH) — Pela valorização das carreiras e reforço dos meios humanos e materiais do Corpo da Guarda Prisional.

Para apresentar o Projeto de Lei n.º 910/XV/2.ª, do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alma Rivera. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas: Os profissionais das

forças e serviços de segurança têm direito a um suplemento de risco que faça jus à perigosidade e à penosidade das suas funções de manutenção da segurança e da tranquilidade dos cidadãos.

Estes profissionais devem ter condições adequadas à missão que lhes está confiada, devendo considerar-se a sua exposição a diversos fatores de risco, perigo e penosidade. Stresse, horários noturnos, trabalho suplementar, utilização de armas de fogo, exposição a violência, sacrifício de férias, entre outros, são fatores preponderantes e, assim, é preciso que o suplemento de risco faça jus às características concretas das funções.

De resto, esta tem sido, desde há muitos anos, uma reivindicação dos sindicatos e associações socioprofissionais da PSP (Polícia de Segurança Pública) e da GNR (Guarda Nacional Republicana) e, quanto a nós, não há dúvidas da justeza dessa reivindicação. Aliás, basta ter em conta o valor que é pago a outras forças de segurança que auferem — e bem! — um suplemento digno pelo risco das suas funções. Basta ter em conta esses valores para perceber que há aqui uma grande injustiça: enquanto a PJ (Polícia Judiciária) e o

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SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) recebem valores superiores a 400 €, a PSP e a GNR têm uma componente fixa muito, muito inferior.

O PCP considera que as normas relativas aos estatutos remuneratórios da PSP e da GNR, na parte que se refere à componente fixa desse suplemento, que resultam do decreto-lei de 2021, devem ser alteradas, fixando um montante realmente justo. Esta medida não só é justa como é mesmo importante para continuar a garantir os serviços das forças de segurança.

É claro que a falta de reconhecimento e compensação remuneratória destas funções exercidas pelas forças e serviços de segurança é um fator que retira, objetivamente, atratividade e impede o reconhecimento que lhes é devido no exercício das suas funções.

A atualização do subsídio de risco é fundamental para motivar estes profissionais, não esquecendo que enquanto não houver tabelas remuneratórias e subsídios de risco condignos, entre outras condições de trabalho, será difícil recrutar candidatos — como os últimos concursos têm demonstrado —, agudizando-se o problema do envelhecimento do efetivo e, também, a perda de capacidade operacional.

A proposta do PCP consiste na consagração de um montante de 420 €, a 1 de janeiro de 2024, ficando desde já prevista a sua evolução para os 450 €, durante o ano de 2024.

Esta proposta é importante e urgente, pela dignificação das forças e serviços de segurança. É uma medida de justiça e, também, de equidade, que tem hoje oportunidade de ser aprovada por este Parlamento.

Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Lei n.º 917/XV/2.ª, do PAN, tem a

palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real. A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, através da proposta

que nos é trazida pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, somos chamados a discutir, mais uma vez, os direitos dos profissionais das forças e serviços de segurança, elementos que são, não só, o garante da defesa da legalidade democrática, mas também da segurança interna e dos direitos dos cidadãos.

Contudo, a sua importância tem estado longe de ser reconhecida, nomeadamente quanto a alguns dos seus direitos, seja pela fraca qualidade do equipamento que os deveria proteger, seja pelo alojamento que lhes é assegurado e que é tantas vezes indigno, num contexto de inflação como aquele em que vivemos, seja também por, de forma inexplicável, não terem visto corrigida uma injustiça com mais de 12 anos de congelamento salarial.

Os profissionais das forças e serviços de segurança todos os dias enfrentam riscos em nome da segurança de todas e todos nós, pondo em causa a sua integridade física, algo bem patente no facto de, só no ano passado, 1014 elementos das forças e serviços de segurança terem sido feridos em serviço.

No entanto, para o PS e para o Governo, a retribuição constante para estas forças de segurança é de 3,22 € por dia. Estes 3,22 € por dia não cobrem, sequer, a angústia da família de um agente que, naquele dia ou naquela noite, está numa ronda, ou o medo que possa existir pelo risco inerente ao serviço a ser prestado — muitas vezes, serviço de alto risco.

Por isso mesmo, Sr.as e Srs. Deputados, este valor tão baixo e uma menorização da importância do trabalho dos elementos das forças e serviços de segurança cria, também, um sentimento de revolta, o que, aliás, é terreno fértil para os populismos a que temos assistido nestas mesmas bancadas, a ser alimentado por parte de algumas forças e pelo oportunismo de alguns.

Este não pode ser o caminho, e é por isso que o PAN, estando, como sempre, ao lado da dignificação das condições de trabalho dos elementos das forças e serviços de segurança, propõe o aumento da componente fixa do suplemento de risco da PSP e da GNR para 443 €; que se evitem estagnações salariais que duram décadas e estes suplementos de risco sejam todos os anos atualizados, em linha com o Indexante dos Apoios Sociais (IAS); e, por fim, que se aumente em 20 % o suplemento da ronda da PSP, para que o mesmo tenha valores de correspondência adequada ao desgaste da profissão e à dignidade que a mesma exige.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga

da Costa, do Grupo Parlamentar do PSD.

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A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta iniciativa do

Parlamento açoriano convoca-nos a abordar um problema que não é novo e que se prende com a necessidade de melhorar as condições remuneratórias dos profissionais das forças e dos serviços de segurança.

Concordamos com o propósito desta iniciativa e com alguns dos seus princípios e dos seus objetivos. Há muito que o PSD defende que é necessária uma reflexão aprofundada sobre todas as componentes que constituem a remuneração das forças e dos serviços de segurança.

Há muito que o PSD defende que é necessário dignificar e valorizar esta importante missão, a eficácia e o prestígio das forças e dos serviços de segurança. Falamos, não só, da revisão do subsídio de risco, que, por iniciativa do PSD, ficou inscrito na lei do Orçamento do Estado para 2021 e passou dos 31 € para os 100 € — valor, certamente, muito aquém do desejado —, como também da urgência de se rever os suplementos, que estão ainda a ser aplicados por referência ao estatuto da PSP de 2009, e de se consagrar um subsídio de insularidade para quem desempenhe estas funções na Madeira e nos Açores.

Sr.as e Srs. Deputados, todas estas componentes têm de ser revistas com urgência, de uma forma integrada e numa perspetiva global e geral, a bem do necessário reforço da autoridade do Estado e por forma a rejuvenescer e a atrair novos elementos para estas forças.

É fundamental que tal aconteça numa perspetiva integrada, e sempre no âmbito da concertação social. Infelizmente, o Governo tarda em avançar com a previsão e com a concretização de medidas adequadas e

em responder de forma cabal às exigências destas forças, além de ter procedido a cativações e a uma enorme desvalorização nesta área da segurança e da administração interna, nos últimos anos.

Sr.as e Srs. Deputados, precisamos desta revisão global com urgência, até para harmonizar, de uma vez por todas, as condições remuneratórias entre as várias forças e serviços de segurança.

Lamentavelmente, quase todas as iniciativas legislativas sobre estas matérias têm vindo a ser reprovadas. Veja-se o caso do subsídio de insularidade, sendo que há mais de 21 anos que esta injustiça tarda em ser resolvida. Os trabalhadores da administração central, onde se incluem as forças e os serviços de segurança, são os únicos — repito, os únicos! — que não beneficiam do subsídio de insularidade nas regiões autónomas.

Sr.as e Srs. Deputados, não há qualquer razão que justifique esta injustiça, esta desigualdade, esta diferença de tratamento entre trabalhadores da administração central e regional, uns sem e outros com subsídio de insularidade.

Desde 2001 até ao presente, foram várias as iniciativas apresentadas, quer pelo PSD, quer pelos Deputados do PSD Madeira, individualmente, com vista a colocar um ponto final nesta injustiça. Estas iniciativas ou caducaram sem sequer serem discutidas ou então, Sr.as e Srs. Deputados, foram sempre, mas sempre rejeitadas com o voto contra do Partido Socialista.

Afinal, Sr.as e Srs. Deputados, é o rolo compressor da maioria absoluta do Partido Socialista a funcionar. Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares,

do Livre. O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente: Este debate, na configuração que tem hoje, com um grupo

parlamentar que «enche a boca» com a polícia e as forças da autoridade e que não está presente no debate, por causa de uma rábula que fez, quando se debatem as condições de trabalho das forças da autoridade é exemplificativo de como é absolutamente vazia essa rábula que costuma fazer. É apenas uma rábula igual a todas as outras rábulas.

Quem está do lado da polícia e das forças de autoridade deve começar por reconhecer uma coisa: que os polícias são trabalhadores e que devem ser tratados com condições de trabalho, de remuneração e de progressão de carreira que dignifiquem a sua profissão, a sua escolha de serviço à comunidade e que possibilitem que esse serviço à comunidade se faça da melhor maneira.

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É esse gesto de gratidão, também, que o legislador e o Executivo lhes devem, e é por isso que o Livre acompanhará esta proposta da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e não inviabilizará nenhuma das iniciativas que lhe é associada.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Patrícia Gilvaz,

do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal. A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Hoje, este Parlamento discute o

aumento do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança, assim como a promoção e valorização das carreiras e reforço de meios do corpo da Guarda Prisional, numa lógica de leilão, que é a de quem dá mais.

Em comum, os vários projetos identificam a necessidade de mais recursos financeiros, humanos e materiais para os efetivos da PSP, da GNR e da Guarda Prisional. De uma forma ou de outra, ainda que alguns através de um prisma mais securitário e outros de um prisma mais utópico e irrealista, todos os partidos políticos reconhecem o papel essencial das forças e serviços de segurança e a necessidade de estes terem condições de trabalho dignas desse nome.

Contudo, há detalhes e fundamentações nestes projetos relativos ao aumento do suplemento por serviço e risco que faltam à verdade. E faltam à verdade quando comparam este subsídio que é atualmente auferido pelos agentes da PSP e da GNR ao da SEF e da Polícia Judiciária.

Em primeiro lugar, partem do princípio de que estamos perante funções idênticas e funcionalmente semelhantes, tomando todos os trabalhos por igual, o que não nos surpreende, ou não viessem estas propostas dos nacionalistas e dos comunistas, duas faces da mesma moeda, do igualitarismo e do coletivismo.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Menos! Menos um bocadinho! A Sr.ª Patrícia Gilvaz (IL): — Esta é a verdadeira teoria da ferradura, onde os opostos ora se odeiam ora

se atraem. Protestos da Deputada do BE Isabel Pires. Em segundo lugar, e em consequência de serem profissões e funções diferentes, estes projetos faltam

também à verdade porque omitem o facto de a estrutura de subsídios e remunerações do SEF e da PJ ser substancialmente diferente da estrutura de remunerações e subsídios da PSP e da GNR. E este é o verdadeiro problema.

Protestos da Deputada do PCP Alma Rivera. Admitamos que estes projetos são aprovados e que a componente fixa do suplemento por serviço é

aumentada para os 500 €, existindo aqui um aumento de 400 €. Não só estes partidos andam a brincar aos leilões, sem terem em consideração as especificidades das funções de cada uma das carreiras, como insistem em não olhar para a revisão dos suplementos, das remunerações e das carreiras de uma forma séria e devidamente fundamentada.

É muito fácil acenarmos com aumentos, mas sem saber justificar o porquê nem qual vai ser o seu impacto. Este é o problema de quem apenas trabalha para a cadeira de Estatística e se esquece de ir às aulas da cadeira de Aritmética. Apenas pedem mais recursos e mais despesa, mas esquecem-se de dizer onde vão cortar. Vão cortar onde? No SNS (Serviço Nacional de Saúde) ou nas políticas sociais? Ou, então, devem ter em mente mais um aumento de impostos.

Sr.as e Srs. Deputados, decidam-se, porque não há nada que nos afaste de melhores remunerações para todos os portugueses, incluindo para os efetivos da PSP, da GNR e da Guarda Prisional, mas este tem de ser um discurso sério, devidamente fundamentado e não demagógico. É isto que tanto o PCP como o partido que

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nem sequer está aqui têm feito: escolhem os factos que lhes interessam e não os discutem de uma forma séria e fundamentada.

Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe

Soares, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa

Regional dos Açores entendeu por bem debruçar-se sobre o tema dos subsídios de risco aos profissionais das forças e serviços de segurança — o que nos parece um debate pertinente.

Olhando para lá deste suplemento, para as circunstâncias reais e objetivas do desempenho das funções destes profissionais, há uma enorme pressão que recai sobre eles desde o início da sua atividade.

Em primeiro lugar, porque começam a desempenhá-la longe de casa, com salários que não dão para uma devida emancipação — muitos deles são colocados na zona de Lisboa com salários que não chegam para pagar nem deslocações nem alojamento. Consequência prática disso é que muitos deles vivem em condições que não são as ideais — estão longe disso —, e, por outro lado, submetem-se a horários que são absolutamente desumanos para encurtar o tempo que passam longe de casa e para poder maximizar o tempo que passam em casa.

Esta pressão que existe desde o início do desempenho de atividade profissional não muda ao longo da vida, pelo contrário: passados alguns anos, depois de ter a sorte de chegar mais perto de casa, continuam a ter de cumprir o horário de trabalho por turnos, trabalhando ao fim de semana, e, não por acaso, os problemas de destruturação da vida familiar acumulam-se. É por isso que muitos nos dizem que, nas conversas entre colegas, uma das dificuldades que mais sentem é como conciliar a atividade profissional com a atividade familiar. Essa crítica, depois, também ajuda a explicar vários dos problemas das pressões e das ansiedades inerentes ao desempenho destes profissionais. Não por acaso, os problemas de saúde mental nas forças e serviços de segurança também estão associados a esta realidade.

Podemos dizer que esta é um pouco a reflexão que a IL aqui trouxe, de que o dinheiro resolve tudo, mas o dinheiro não resolve tudo. Há muitas coisas para além do dinheiro, incluindo uma melhor organização do trabalho e um respeito pelas condições de trabalho destes profissionais, que não são nem «carne para canhão», nem cumpridores acéfalos de qualquer ordem que venha de cima. Isso não é aceitável em lado nenhum, não é aceitável nas forças e serviços de segurança, independentemente da obrigação a uma hierarquia e de estarem englobados numa responsabilidade que o Estado tem — e que é única do Estado —, que é o exercício do poder e o exercício da forma de atuação na sociedade, que é proibido a todos os outros.

Independentemente dessa lealdade e do cumprimento escrupuloso das suas obrigações, não pode haver a ideia de desresponsabilização do Estado perante estes profissionais, que são trabalhadores, bem como das suas condições de trabalho, tal como muitas vezes acontece, achando que eles, porque têm de cumprir ordens, podem assumir qualquer uma das responsabilidades que lhes sejam entregues e que podem fazê-lo de qualquer uma das formas, mesmo que não haja condições para o poder fazer.

O dinheiro não é tudo, mas o dinheiro também faz diferença. Sobre esta realidade concreta, é preciso realçar que existem vários pesos e várias medidas no que toca ao cumprimento do subsídio de risco nas forças e serviços de segurança. O Estado não olha da mesma forma para duas vidas diferentes e deveria ter uma outra obrigação nessa matéria. E até não olha da mesma forma para pessoas que estão expostas de forma diferente ao risco e, ao fazê-lo, não tem uma coerência na atribuição destes subsídios. Por último, também enquadra estes subsídios não nas funções em si — na exposição ao risco que, em teoria, lhes está inerente —, mas numa parte da remuneração. Porquê? É porque a remuneração base é tão baixa. Ora, esta é a forma errada de olhar para o problema, é até a forma errada de pensar o risco das forças e serviços de segurança e é também a forma errada, depois, para atribuir o pagamento em função desse risco.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem de concluir, Sr. Deputado.

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O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Concluo com uma frase, Sr.ª Presidente. Parece-nos que as propostas em cima da mesa são sensatas. Aumentar o pagamento do subsídio de risco a estes profissionais é mais do que justo, mas parece-nos, também, que o debate não pode ficar só por isso, porque começa nas condições de trabalho e acaba na saúde mental. Garantidamente, este corpo de profissionais, homens e mulheres, faz falta e é essencial ao nosso País.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Susana

Amador, do Grupo Parlamentar do PS. A Sr.ª Susana Amador (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Discutimos hoje, de novo — e

bem! —, questões relacionadas com a administração interna e, em particular, com a valorização das nossas forças e serviços de segurança.

É um tema que é da máxima importância para o Partido Socialista e para o Governo, que pugna por uma segurança interna que queremos mais robusta, como um eixo fundamental, como sabem, do Estado de direito democrático.

As orientações políticas no domínio da segurança interna centram-se na consolidação de elevados níveis de segurança que o País tem vindo a registar, como sendo um dos países mais seguros do mundo, e, também, no robustecimento deste sistema de segurança interna nacional, aumentando a sua capacidade de resposta preventiva e reativa através da capacitação das forças de segurança e da dignificação dos seus profissionais.

Essa dignificação, caros Deputados, passa necessariamente pela melhoria das suas condições de trabalho, com novas ou requalificadas instalações que a nova Lei de Programação Militar contempla e, igualmente, pela sua valorização salarial e por soluções de política pública em termos de alojamento. É nessas áreas que estamos a cumprir e estamos a fazer — e a fazer bem.

Estamos a cumprir e a fazer quando temos um investimento estimado de 607 milhões de euros em infraestruturas e equipamentos até 2026, que exige um esforço imenso no estabelecimento adequado da hierarquia de prioridades e o empenhamento exigente na sua execução.

Na verdade, Srs. Deputados, Sr.as Deputadas, é, como sabem, o maior volume de investimento de sempre na modernização, requalificação e dignificação das condições de trabalho e de melhores indicadores de operacionalidade das forças e serviços de segurança. Sublinhe-se que já no anterior ciclo, entre 2017 e 2021, com 340 milhões de euros, o investimento foi cinco vezes maior do que entre 2012 e 2016, com 61 milhões.

Estamos igualmente a evoluir e a fazer quando investimos na melhoria das condições remuneratórias, num aumento estimado em 20 %, entre 2023 e 2026.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito bem! A Sr.ª SusanaAmador (PS): — Em 2023, como sabem, o aumento salarial previsto foi mesmo o maior da

última década. O aumento de rendimentos por parte dos trabalhadores da Administração Pública — e, como tal, também dos profissionais das forças e serviços de segurança — é um desígnio do PS, é um desígnio do Governo e tem de ser alicerçado num diálogo que tem de ser franco, num diálogo que tem de ser leal e que tem de ser feito de equilíbrios possíveis, assegurando a sustentabilidade futura das soluções encontradas e garantindo que dos diferentes processos não resultem passos que tenham de ser retrocedidos. São passos seguros os que queremos dar.

Continuamos, também, a reforçar os recursos humanos, pelo que, em 2022, a PSP promoveu o ingresso de 921 agentes e 29 oficiais. Na GNR foram admitidos 1459 guardas e 38 oficiais. Em 2023, prevê-se o ingresso de 580 novos polícias e, na GNR, de 1185 militares. No Corpo da Guarda Prisional entraram 136 novos guardas e estão 104 em formação inicial.

Acresce que, nos últimos anos, tem ocorrido o maior número de promoções, o que se traduz, também, em ganhos remuneratórios. Mas este esforço de valorização salarial tem efeitos diretos no aumento do suplemento variável para o serviço das forças de segurança. Isto após a passagem de 30 € para 100 € no

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valor fixo. Significa que hoje, entre a componente fixa e a componente variável do suplemento de risco, estamos a falar de 280 € por mês, que pode atingir mais de 330 € até 2026.

Dirão os Srs. Deputados — e bem! — que ainda é insuficiente, mas é um caminho em curso, onde temos somado e nunca subtraído, tal como aconteceu no passado.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito bem! A Sr.ª SusanaAmador (PS): — A valorização e dignificação para o exercício das condições policiais

manifesta-se, ainda, no esforço que o Governo está a empreender na aquisição, requalificação e construção de alojamento. Além dos 40 milhões de euros dos fundos europeus, conseguimos libertar mais de 20 milhões de euros dos saldos transitados dos serviços sociais, o que nos permite uma capacidade sem precedentes para colocar como disponíveis 300 alojamentos só na Área Metropolitana de Lisboa.

Por último, temos de destacar aquilo que tem sido uma realidade, desde a primeira hora, com o Ministro da Administração Interna: um diálogo constante com as forças de segurança, com os sindicatos e com o poder local, onde se estabeleceu, com os municípios portugueses — sobretudo das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto —, um acordo para garantir condições de acesso e fruição, seja na área da cultura, na área do desporto ou na área do lazer, tornando, de facto, esta fruição mais adequada às forças de segurança e às suas famílias. É um processo de socialização das comunidades locais com as nossas forças de segurança que permite uma relação mais sólida entre os cidadãos e as forças e serviços de segurança.

Na defesa do prestígio e do bom nome das forças de segurança, como sabem, está também em curso, com o Ministério da Justiça, a densificação normativa sancionatória para aqueles que agridem as forças da autoridade democrática. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, estaremos sempre nessa defesa, bem como na defesa dos direitos humanos e sociais fundamentais, garantindo e promovendo as liberdades, os direitos e as garantias dos cidadãos.

Aplausos do PS. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sara Madruga

da Costa, do Grupo Parlamentar do PSD. A Sr.ª Sara Madruga da Costa (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não posso deixar de

referir, neste debate que é importantíssimo para a valorização das forças e dos serviços de segurança, o seguinte: como bem verificámos, ao longo deste debate, é urgente avançar para uma revisão global e integrada sobre todas — todas! — as componentes que constituem a remuneração das forças e dos serviços de segurança. Está em causa a dignificação destas forças e a necessidade de harmonizar as condições remuneratórias entre elas.

Também não poderia deixar de me dirigir à Sr.ª Deputada Susana Amador. A Sr.ª Deputada veio dizer que isto é um assunto da máxima importância, mas, Sr.ª Deputada, não vale a pena continuar a vir aqui dizer que isto é um assunto da máxima importância quando não se consegue concretizar nada e quando se continua a anunciar anúncios sobre anúncios.

Protestos do PS. Nós bem sabemos que este Governo e que este Partido Socialista são o Governo e o partido dos anúncios,

mas aquilo que as forças e os serviços de segurança querem é muito mais do que anúncios. Protestos do PS. Veja-se, em relação aos anúncios, um exemplo que é bem revelador desta governação, o da Lei de

Programação Militar. Ainda está muito longe das admissões programadas e o Governo continua a teimar em executar aquilo que está constante nesta Lei de Programação. E, portanto, Sr.ª Deputada, aquilo que se

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esperava é que o Governo passasse dos anúncios para as concretizações e para os resultados. É isso que as forças e os serviços de segurança pretendem.

Também queria dirigir uma última palavra às Sr.as Deputadas e Srs. Deputados do Bloco de Esquerda e do PCP, para relembrar que, nos últimos seis anos, o Bloco de Esquerda e o PCP foram cúmplices deste Governo socialista, desta governação socialista, que nada conseguia provar.

Protestos do PCP. Os avanços em relação a esta matéria são muito diminutos e, portanto, seis anos depois, aqui estamos

novamente com este debate para discutir a valorização da condição remuneratória destes profissionais, o subsídio de risco e o subsídio de insularidade para as forças e serviços de segurança nas Regiões Autónomas, matérias que há muito já deviam ter sido resolvidas e que ainda não o foram. Portanto, Sr.as e Srs. Deputados, não nos esqueçamos: nos últimos seis anos muito poderiam ter contribuído para resolver esta situação, mas não contribuíram.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos o ponto três da nossa ordem de trabalhos e vamos passar

ao ponto quatro. A Sr.ª Deputada Alma Rivera pede a palavra para que efeito? A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, tinha-me inscrito para falar. A Mesa não tem essa informação? A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Sr.ª Deputada, não temos essa indicação, mas faça favor, tem a

palavra. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Enfim, há esclarecimentos que são

absolutamente importantes e, por isso, queria começar por dizer — para quem acusa os outros de falta de conhecimento, mas que, depois, efetivamente, tropeça nas próprias palavras — que, em 2021, existiu uma restruturação dos suplementos, de todos os suplementos, pois era uma variedade deles. Aquilo que daí resultou foi um aumento de 30 € para 100 €, ou seja, uma diferença líquida de 70 €.

O Sr. João Dias (PCP): — Bem lembrado! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — O que o Governo fez foi baralhar e voltar a dar. No fundo, a diferença

concreta que aconteceu na vida destes agentes foi de 70 €. Naturalmente, é um valor muito reduzido. A questão que deixo aqui, não só àqueles que estão ausentes e que, assim, demonstram o grau de

compromisso que têm com estes assuntos,… O Sr. Duarte Alves (PCP): — Exatamente! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): —… mas também àqueles que desafiam a lógica e a evidência de uma

profissão de alto risco ter uma componente remuneratória adequada, é: arriscavam a vida, separavam-se das respetivas famílias por 900 € de remuneração base? Essa é que é a questão!

Aplausos do PCP. E qual é a solução que têm para o facto de hoje estar a existir o compromisso de honra de 550 agentes

da PSP num curso que era para 1020 agentes? Portanto, não conseguiram atrair e não conseguiram fixar. Perante esta falta de atratividade, qual é a solução para quem insiste em manter as coisas como estão?

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O Sr. Bruno Dias (PCP): — É a ferradura! A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — É deixar de haver polícia, então! Vamos permitir que o nosso efetivo fique

ainda mais reduzido do que já está. Protestos da Deputada da IL Patrícia Gilvaz. Portanto, se não têm propostas, pelo menos limitem-se a avaliar seriamente e com argumentos decentes

as propostas dos outros. Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Sr.ª Presidente, para concluir, julgo que o verdadeiro desafio deve ser

colocado ao Partido Socialista, que não está a conseguir inverter a falta de atratividade da profissão. Os aumentos que tem anunciado são reduzidíssimos e recusa-se a negociar seriamente com os sindicatos.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Muito obrigada… A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — E esse seria o compromisso que o PS poderia dar, conjuntamente com um

suplemento de risco decente, para conseguir reconstituir as forças de segurança e motivá-las. Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Agora, sim, passamos então ao ponto 4 da ordem de trabalhos, com a

Petição n.º 103/XV/1.ª (Isabel Vasco e outros) — Em defesa dos nossos Professores!, em conjunto com o Projeto de Lei n.º 922/XV/2.ª (BE) — Recuperação integral do tempo de serviço cumprido, em defesa da escola pública. Para apresentar este Projeto de Lei, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana Mortágua.

A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Voltamos sempre aqui, ao projeto

sobre a recuperação do tempo de serviço. Voltamos sempre a este mesmo projeto que o Bloco de Esquerda trouxe quando os professores se

mobilizaram pela recuperação da sua carreira e que o Partido Socialista e o PSD chumbaram. Ferradura é isto, não haja dúvida! Ferradura é a maneira como o «centrão» sempre se recusou a reconhecer os direitos e como isso tem consequências para a democracia. E era sobre isso que queria, hoje, falar.

Parece-nos evidente que o País está zangado, o povo está zangado. E é normal que esteja, porque as pessoas não comem excedente orçamental ao pequeno-almoço, não dão o excedente orçamental de comer aos seus filhos, não pagam a renda ou a prestação da casa com o excedente orçamental, nem o excedente orçamental contrata professores, muito menos médicos.

Pelo contrário, somos nós quem paga o excedente orçamental, são os salários não pagos aos professores pelo tempo de serviço que não foi recuperado, é a valorização da carreira dos professores — que não foi feita! — que paga o excedente orçamental.

E há uma altura em que temos de nos perguntar: afinal, o que é melhor para a democracia e para o País? É o Sr. Primeiro-Ministro poder apresentar-se muito engravatado e apresentar o seu excedente orçamental — o Sr. Primeiro-Ministro e o próprio excedente orçamental, ambos engravatados — em Bruxelas? Ou aquilo que é melhor para o País é reconhecer direitos? E reconhecer direitos a partir de um princípio, que é: o povo está a viver mal. E está a viver mal, porque o salário não chega para a renda da casa. E isso não se aplica apenas aos jovens e aos precários, aplica-se aos professores. Professores que têm uma vida inteira de trabalho e não conseguem pagar uma renda para poder deslocar-se para ir trabalhar. E há um país com excedente orçamental que acha que se pode dar ao luxo desta miséria.

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É isso que tem de ser discutido. E é isso que estamos a discutir quando falamos de recuperação de tempo de serviço dos professores.

E, se há uns anos, o PS e o PSD se juntaram para dizer que tudo isto valia nada, porque os professores se iriam habituar ao facto de não poderem recuperar a sua carreira, hoje caíram todas as máscaras sobre isso. O País pode, o País precisa, a escola pode, e todos os discursos sobre a falta de professores ficam muito vazios, ficam afogados na sua pequena hipocrisia, quando aquilo que todos reconhecemos que é essencial para valorizar a carreira dos professores — que é recuperar o tempo de serviço — se transformou não num instrumento de resolver os problemas da escola pública, mas numa forma de fazer uma guerra permanente aos professores e aos seus representantes.

O Governo preferiu a guerra com os professores àquilo que dizemos há anos — e que é sabido há anos — que poderia ser o principal instrumento de negociação da valorização da carreira, a recuperação do tempo de serviço. É isso que trazemos aqui, mais uma vez, esperando que tudo aquilo que aconteceu nos últimos anos tenha sido uma boa lição sobre as consequências de não valorizar os serviços públicos, os direitos fundamentais, e de não valorizar quem os exerce e quem permite que eles sejam todos os dias — todos os dias! — concretizados, no caso, os professores.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 714/XV/1.ª(PAN) —

Recomenda ao Governo a revisão e alteração do novo regime de gestão e recrutamento do pessoal docente, tem a palavra a Sr.ª Deputada Inês de Sousa Real.

A Sr.ª Inês de Sousa Real (PAN): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Antes de mais,

cumprimentamos e agradecemos aos mais de 15 000 peticionários que trazem este tema a debate. Não é a primeira vez que, efetivamente, estamos aqui a discutir a valorização da sua carreira, o regime de

gestão, nem tão-pouco o seu recrutamento, infelizmente. Sabemos bem a essencialidade e a importância que têm na formação de crianças e jovens. Sabemos

também que continuam a sofrer com enormes obstáculos, seja ao nível das posições remuneratórias ou da valorização profissional, seja ao nível dos desafios sociais, habitacionais e educativos que têm, tudo isto agravado, neste momento, por uma maioria absoluta e uma aparente abertura para as negociações, mas num contexto em que, evidentemente, se torna muito mais difícil fazer avançar as propostas dos partidos da oposição.

Não obstante, os docentes, bem como a comunidade educativa em geral, têm demonstrado o seu valor e a sua resiliência neste processo, não deixando de exercer a sua missão da melhor forma possível, perante as condições que enfrentam.

O Governo veio aprovar o novo regime de vinculação dinâmica sob o chapéu do combate à precariedade, só que acontece que, para grande parte dos professores, a ideia do combate à precariedade que o Governo quer transmitir com a vinculação dinâmica colide com a realidade, levando ao afastamento da profissão. Não há como deixar de andar com a casa às costas, quando os professores que se pretendem vincular têm de o fazer concorrendo para todo o País, e pode-se dizer o mesmo em relação à questão da doença.

Por isso mesmo, o PAN pretende, hoje, que seja revisto o novo regime de vinculação dinâmica, adequando-o às justas reivindicações dos professores — e tornando-o, assim, um regime justo e de verdadeiro combate à precariedade, com vista a eliminar as desigualdades na vinculação — e que, finalmente, se realize um concurso de vinculação extraordinária dos docentes com três ou mais anos de serviço, devidamente negociado com as estruturas sindicais.

O Governo está, também, obrigado — e não podemos deixar de o referir —, por diretiva comunitária, a eliminar os elevados níveis de precariedade dos docentes. Importava, por isso, que, neste ano letivo, fossem negociadas as regras para um concurso de vinculação extraordinária, mais positivas do que as que constam do regime de vinculação dinâmica, que vai excluir milhares de docentes e que vai provocar também a ultrapassagem de docentes com mais tempo de serviço.

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E, Sr.as e Srs. Deputados, para concluir, não podemos assistir àquilo a que assistimos ontem, nas palavras do Primeiro-Ministro, que tenta virar funcionários públicos uns contra os outros e dizer que não podemos negociar com os professores, porque não seria justo para as demais carreiras da função pública.

Temos de olhar como um todo, é um facto, mas temos de ver que há matérias mais prementes, como esta da vinculação e dos critérios da vinculação. E, se temos de começar por algum lado, pois que seja bem e que seja por este.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar o Projeto de Resolução n.º 883/VX/2.ª (PCP) —

Recomenda a adoção de medidas de valorização dos trabalhadores da educação e da escola pública, tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Maia.

O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: o PCP saúda os subscritores da Petição

n.º 103/XV/1.ª — Em defesa dos nossos Professores!, com a qual contribuem para o debate sobre a situação dos trabalhadores da educação e da escola pública, um debate que o PCP não abandona.

O PCP volta a apresentar medidas de reforço dos direitos dos trabalhadores, de combate à precariedade e de valorização das suas carreiras — dos professores aos auxiliares de ação educativa, dos técnicos especializados, passando pelos assistentes técnicos.

O PCP aproveita para saudar, aliás, a luta dos professores, em curso, em particular a realizada hoje e a greve convocada para o próximo dia 6.

Ainda ontem, o Primeiro-Ministro não assumiu qualquer compromisso para dar resposta às justas exigências dos professores e aos problemas da escola pública.

Srs. Deputados, impõe-se o reconhecimento de estatuto próprio e de carreiras específicas para os trabalhadores não docentes, com a consagração de conteúdos programáticos, como é exemplo o dos psicólogos escolares.

Impõe-se a vinculação dos técnicos especializados na carreira adequada, bem como a criação de grupos de recrutamento nas áreas disciplinares a que correspondem funções de docência e a contratação e integração, em número adequado, para responder às necessidades.

É essencial a reorganização dos horários de trabalho, em ordem à definição e clarificação do que deve ser considerado nas componentes letiva e não letiva, respeitando o estabelecido no Estatuto da Carreira Docente.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, coincidindo com o agendamento desta discussão no Plenário, o PSD veio prometer, nos últimos dias, uma hipótese de reconhecimento do tempo de serviço dos professores, faseada em cinco anos.

Sabemos bem o que têm valido os posicionamentos do PSD. Nas diversas oportunidades em que poderia ter aprovado a contagem faseada de todo o tempo de serviço, não o fez, mesmo quando o voto do PSD teria levado à aprovação desta justíssima medida.

A Sr.ª Alma Rivera (PCP): — Bem lembrado! O Sr. Alfredo Maia (PCP): — Por exemplo, em dezembro de 2017, o PSD foi cúmplice, com o PS, ao

abster-se na votação do projeto de resolução do PCP recomendando a contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de valorização remuneratória.

O Sr. Bruno Dias (PCP): — Essa é que é essa! O Sr. Alfredo Maia (PCP): — É bem conhecida a «cambalhota» do PSD em 2019, quando votou contra,

aqui em Plenário, depois de ter votado favoravelmente, em sede de especialidade, a possibilidade de faseamento da recuperação de todo o tempo de serviço.

Protestos do PSD. Pela parte do PCP, hoje como sempre, a proposta é clara quanto à carreira docente: a consideração de

todo o tempo de serviço efetivamente prestado pelos professores e educadores, que são seis anos, seis

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meses e 23 dias; a vinculação de todos os docentes com mais de três anos de tempo de serviço e que desempenham funções permanentes nas escolas; a eliminação das quotas e das vagas de acesso ao 5º e ao 7º escalões; o respeito pela graduação profissional em todas as fases de concurso, eliminando as ultrapassagens; a aplicação de regimes específicos de aposentação, designadamente de trabalhadores dos vários setores da Administração Pública, incluindo docentes, identificando as medidas e condições necessárias à sua concretização, designadamente quanto ao início dos procedimentos negociais.

Srs. Deputados, temos hoje mais uma oportunidade para tomar as medidas certas. E a pergunta é: será desta vez, Srs. Deputados?

Aplausos do PCP. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para apresentar os Projetos de Resolução n.os 899/XV/2.ª (L) — Pela

valorização e qualificação das carreiras de assistente técnico e de assistente operacional nas escolas e promoção de medidas que permitam a adequação destes recursos à realidade de cada escola e 900/XV/2.ª (L) — Pela vinculação, contabilização do tempo de serviço docente e fim do bloqueio na progressão da carreira, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Tavares.

O Sr. Rui Tavares (L): — Sr.ª Presidente: Neste debate que é suscitado pela apresentação de uma petição

assinada por milhares de concidadãos nossos, cumpre-me começar por saudar esses peticionários, mas também os professores, os auxiliares de ação educativa, todos os funcionários das escolas, pais, estudantes, que constituem a nossa mais importante ferramenta de transmissão de conhecimentos e de preparação para uma vida em comunidade e fazem aquilo que permite que o que a humanidade acumulou durante milhares de anos, as disciplinas que criou — da Literatura à Matemática —, em poucos anos, sejam transmitidas às novas gerações.

Há poucas vocações que sejam tão nobres e tão sagradas quanto esta, e há poucas vocações que tenham sido tão espezinhadas, nos últimos anos no nosso País, como, precisamente, a vocação da escola. E por isso, para não estarmos sempre a lembrar a estafada história de Passos Coelho ter convidado os professores a saírem da sua zona de conforto e a emigrarem,…

O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Não é verdade! Não é verdade! O Sr. Rui Tavares (L): — … podemos lembrar o tempo em que Nuno Crato, conhecido pela sua exigência

na Matemática, se esqueceu de algo essencial,… O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — É uma história diferente! Não reescreva a história! O Sr. Rui Tavares (L): — … quando disse que havia professores a mais. Esqueceu-se de como estaria a

situação dos tais «eventuais pseudoprofessores a mais», depois de tratados por não sei quantos anos de políticas de Nuno Crato. Agora, temos professores a menos, e vamos ter cada vez menos professores.

Ora, acontece que os anos que o PSD demorou a chegar a uma proposta de solução para a recuperação do tempo de serviço são, talvez, quase tantos como o tempo de serviço que há a recuperar. Sabemos o que, em 2019, o PSD fez; mas, ainda este ano, aqui, pelo menos numa votação de uma proposta do Livre — e, certamente, de outras também — para a recuperação do tempo de serviço, o PSD se absteve.

Sejam bem-vindos, agora, a este princípio básico,… Protestos do PSD. … que é o de que as pessoas devem receber pelo serviço que, efetivamente, prestaram à comunidade e

de que temos de lhes prestar esse respeito se quisermos ter professores no futuro. E é por isso que me cumpre, aqui, apelar à aprovação dos dois projetos de resolução do Livre, o que é pela

valorização e qualificação das carreiras de assistente técnico e assistente operacional nas escolas, e aquele

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que é, de novo, pela vinculação, contabilização do tempo de serviço docente e fim do bloqueio na progressão de carreira.

A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Srs. Deputados, concluímos a apresentação dos diferentes projetos

dos vários grupos parlamentares e passamos agora às intervenções. Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Castro, do Grupo Parlamentar da Iniciativa Liberal. A Sr.ª Carla Castro (IL): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Agradeço também aos peticionários, pela

petição de hoje. Voltamos ao tema dos professores, da escola e da política de ensino, porque, obviamente, é um tema

fundamental, central. Perguntemo-nos todos: quem é que está bem com o estado atual da educação em Portugal? Os

professores? Não. Estes andam constantemente com a casa às costas, demoram anos a efetivar, vivem afogados em burocracias sem propósito, o trabalho que fazem durante anos nas escolas é indiferente para a sua colocação e progressão, e vivem diariamente a falta de condições, desmotivação e situações de stress psicológico.

Ouvimos o Governo dizer que são valorizados, mas sê-lo-ão? Defendemos um sistema de avaliação dos professores que avalie o empenho, dedicação e resultados dos

professores. Voltamos a falar nisto, porque continua a ser importante. Há muito debate, sim, sobre a recuperação do tempo de serviço, mas é importante falar também de vários

temas, porque as alterações na educação têm de ser estruturais. Passados oito anos de governação — oito anos, ao contrário do que muitas vezes parece no discurso

político —, continuamos sem ver esboços de alterações estruturais. E cada dia que passa, o Governo vai perdendo uma legitimidade própria do seu papel, deteriorando-o.

Creio que todos conhecem a frase batida — e eu já a comentei aqui — de que «se o Estado fosse gerido por uma potência estrangeira, lhe declarávamos guerra».

Pois o que tenho a dizer sobre guerra é que esta tem de ser declarada, sim, a quem colocou a educação neste estado. Não se pode ficar — como se está, aparentemente — em guerra com os professores.

Retomemos, então, as suas perguntas. Os professores estão bem? Não. Os diretores das escolas estão bem? Não, porque não podem escolher os seus professores; não podem

manter aqueles que tiveram bons desempenhos; porque têm problemas ao nível da autonomia e imensa burocracia e porque são obrigados a recomeçar a cada ano, sabendo exatamente o que os espera no final do mesmo.

O pessoal não docente está bem? Não. Qual de nós não tem uma história, uma memória? Eles fazem parte da escola.

Se nenhum destes está bem, podemos perguntar: mas a política educativa está bem para quem? Para quem é que a educação existe?

Então, vejamos, as famílias estão bem? Não. Estão desesperadas por um ensino estável e de qualidade, mas nem sequer sabem, no final da história, se os filhos terão aulas. Há níveis recorde de alunos no privado — e não foram os liberais —, explicações no público, para quem pode, confusões com os manuais escolares e tantas situações de que aqui vamos falando.

No final da história, o principal: os alunos, estão satisfeitos? Não. No final, eles são os principais prejudicados. Neste ano letivo, neste momento, ainda existem quase 60 000 alunos sem professores a pelo menos uma disciplina. E um aspeto menos visível, de cujo impacto não se apercebem, é que são vítimas de um Governo que diminui a exigência, que nivela por baixo e que lhes limita o potencial de um futuro melhor.

Estarão o Governo e o Ministério felizes com o rumo da educação? Nós discordamos da avaliação do Governo e mantemos que estamos num constante passa-culpas e a marcar passo.

Hoje temos aqui vários projetos em apreço, mas não nos cansamos de insistir que é essencial, que é preciso ir muito fundo nos problemas e, sim, naquela palavra tão difícil chamada «reformas».

Problemas: excessiva centralização de um Governo que atua como diretor de escola em vez de regulador do sistema; falta de autonomia das escolas, que são obrigadas a prestar contas sem sequer ter os recursos e o poder de decisão das suas próprias ações.

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Ao Ministério, exige-se uma nova forma de alocar professores, passando a considerar as necessidades das escolas e os percursos diferenciadores; um novo modelo de gestão de escola descentralizado; uma avaliação eficaz dos professores que lhes dê liberdade de escolha; autonomia na fixação dos objetivos; e, sim, uma verdadeira diminuição da burocracia.

É preciso efetivamente mudar, e não vai ser com pensos rápidos ou com medidas avulsas que vamos resolver isto. Importa garantir que temos, nas escolas, profissionais motivados e conscientes do impacto que podem ter nas futuras gerações. Não chega o Primeiro-Ministro vir dizer, aqui ou em entrevistas, que valoriza a carreira dos professores.

Termino reiterando que a educação é a «bala de prata» para os jovens e para o País e, por isso, não temos de ter medo de mudar; temos é de ter medo de continuar com a educação como está.

Aplausos da IL. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Cunha,

do Grupo Parlamentar do PSD. O Sr. António Cunha (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os grupos

parlamentares que apresentaram os vários projetos que estão em debate e aproveito também, na pessoa da Sr.ª Isabel Vasco, para saudar todos os peticionários, todos os profissionais que trabalham diariamente no setor da educação.

Objetivamente, a petição em defesa dos nossos professores defende, entre outros pontos, a contagem integral do seu tempo de serviço, a eliminação das quotas vagas na avaliação que impedem a progressão na carreira, o fim da sobrecarga horária causada pela falta de pessoal auxiliar nas escolas e o direito de os docentes viverem junto das suas famílias com dignidade.

Para o PSD, continua a ser urgente que o Governo valorize a carreira dos professores, negocie com as organizações sindicais a recuperação do tempo de serviço, garanta melhores condições para o exercício da sua profissão e encontre respostas estruturais para o problema da falta de professores.

O projeto de lei do Bloco de Esquerda e o projeto de resolução do Partido Comunista Português referem, e cito, «a recuperação total do tempo de serviço cumprido pelos docentes», sendo que o do Bloco de Esquerda refere precisamente o congelamento entre 2011 e 2017 como sendo uma das causas justas dessa luta.

Protestos da Deputada do BE Joana Mortágua. Srs. Deputados do Bloco de Esquerda, é, de facto, uma causa justa, mas já o era em 2016, 2017, 2018,

2019, 2020 e 2021. Aplausos do PSD. O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — O PSD votou contra! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — O PSD chumbou! O Sr. António Cunha (PSD): — Portanto, hipocrisia e consciência pesada devem ter os senhores por

terem feito parte da solução governativa da geringonça, por terem aprovado seis Orçamentos e nunca terem colocado o assunto da recuperação do tempo de serviço como condição inequívoca para sustentar o Governo de António Costa. Isso, sim, é hipocrisia!

Aplausos do PSD.Protestos do Deputado do PCP João Dias.

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A esquerda da geringonça é que, a cada aprovação do Orçamento do Estado, roía a corda aos professores, Srs. Deputados.

Protestos dos Deputados do PCP Alfredo Maia e João Dias. Sim, a proposta do PSD, apresentada no sábado passado pelo seu presidente Luís Montenegro, após

reflexão responsável e consciente, é para levar a sério. A carreira docente encontra-se atualmente num paradigma assente em precariedade e insustentabilidade.

A degradação das escolas públicas tem assentado em grande medida no descontentamento dos professores pelas regras de colocação, pelas condições das escolas, pela indisciplina, mas em grande medida pela injustiça relativamente ao congelamento das suas carreiras.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Vocês é que as congelaram! O Sr. António Cunha (PSD): — Enquanto este dossiê persistir, dizem as organizações sindicais que não

haverá paz nas escolas, com reflexos na qualidade do ensino e nas aprendizagens dos alunos. Mas o Governo tem-se mostrado incompetente e incapaz de negociar de forma clara, transparente,

honesta e aberta com os professores. Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva. Srs. Deputados do Partido Socialista, informem, por favor, o Sr. Primeiro-Ministro de que o PSD não

conviveu bem com o congelamento das carreiras entre 2011 e 2015, enquanto tirava o País da bancarrota que os senhores provocaram!

Aplausos do PSD. Que fique bem claro para a opinião pública e para esta Assembleia que quem congelou as carreiras foi o

Partido Socialista, não o PSD! Aplausos do PSD.Protestos dos Deputados do PS Eurico Brilhante Dias e Porfírio Silva. Foi o Governo de José Sócrates — que os senhores renegam e do qual António Costa, na altura, era n.º 2

— que congelou pela primeira vez as carreiras entre 2005 e 2007. Isto que fique bem claro. Protestos do PS. Hipocrisia é congelar nove anos, quatro meses e dois dias e dar a entender nas televisões que não é nada

consigo. Portanto, o Partido Socialista e a esquerda da geringonça são os grandes responsáveis pelo estado a que chegou a escola pública e o nosso sistema educativo.

Vozes do PSD: — Muito bem! O Sr. António Cunha (PSD): — Nos últimos oito anos de governação, a esquerda sujeitou a escola a

alterações sistemáticas na política educativa, à burocracia, à falta de condições de trabalho individual e coletivo e ao aumento da indisciplina e das agressões a professores, entre outras.

Protestos do Deputado do PS Eurico Brilhante Dias e da Deputada do BE Isabel Pires.

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Em oito anos, o Governo nada apresentou de estrutural para estancar o envelhecimento dos professores e para garantir a sua substituição natural e geracional. Nada fez para atrair os mais jovens para a profissão e agora corre atrás do prejuízo, valendo quase tudo. Até as universidades vão poder ser menos exigentes no acesso aos mestrados. Aliás, a licenciatura em Educação Básica deixa de ser imperativa. Para este Governo, a solução passa por baixar o nível e a exigência para ser professor.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Para baixar a exigência está cá o PSD! O Sr. António Cunha (PSD): — Esta não é forma de garantir mais qualidade no ensino nem de garantir um

futuro melhor aos nossos alunos. Valorizar os professores é colocar os alunos e a escola em primeiro lugar nas opções políticas.

Aplausos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo, do

Grupo Parlamentar do PS. A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Sr.ª Presidente, aproveito para cumprimentar a Sr.ª Presidente e as

Sr.as e os Srs. Deputados. Antes de iniciar propriamente a minha intervenção, não posso deixar de perguntar ao Sr. Deputado António

Cunha, que estava com um discurso inflamado,… O Sr. Jorge Paulo Oliveira (PSD): — Verdadeiro! Não é inflamado, é verdadeiro! A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — … se, certamente pelo seu entusiasmo, se esqueceu de quem é que

governou este País entre 2011 e 2015 e de quem é que realmente congelou as carreiras. Protestos do PSD. Sr.ª Presidente, face à petição que está hoje em debate e também às iniciativas conexas, cabe-me dizer o

seguinte: ser professor é mais do que uma profissão, é uma missão. Não quero dizer com isto que, nas outras profissões, também não seja sentido esse espírito de missão, mas para um professor essa missão é mais intrínseca e cabe a todos nós valorizarmos e enfatizarmos a profissão de professor.

Felizmente, os nossos jovens estão a acreditar nesta profissão, a constatar pelo aumento do número de alunos que tivemos no ensino superior, sendo que, nos dois últimos anos, se registou um aumento de 46 % de alunos nos cursos de Educação Básica.

Vozes do PS: — Muito bem! A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Pela parte do Governo e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista,

essa valorização e respeito têm sido feitos. O Governo está a cumprir o que definiu no seu programa eleitoral e que foi sufragado em eleições.

Sr.as e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode concordar, tal como os Srs. Deputados afirmaram, que o Governo nada fez pela valorização das condições laborais dos docentes.

Destaco apenas algumas medidas para os que andam mais distraídos: o encurtamento da norma-travão, que passou de cinco para três anos — os Srs. Deputados do PSD devem lembrar-se muito bem —; a vinculação de 14 500 professores entre 2016 e 2022; a vinculação dos professores de Música e Dança no ensino artístico especializado; a criação do grupo de recrutamento de língua gestual portuguesa; o reforço das horas para a direção de turma; e o investimento de cerca de 50 milhões de euros em formação contínua.

Desde 2018, 98 % dos professores progrediram no escalão, na carreira. Protestos de Deputados do PSD e contraprotestos de Deputados do PS.

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Srs. Deputados, sei que custa ouvir as verdades, mas agradecia silêncio, porque, a bem da verdade, eu

também ouvi o Sr. Deputado em silêncio. Destes, 90 % progrediram dois escalões na carreira. Houve também a criação dos novos índices remuneratórios para os docentes contratados, que já se fez

sentir no dia 1 de setembro de 2023. Aplausos do PS. Finalmente, refiro a aprovação de um novo modelo de recrutamento do pessoal docente dos ensinos

básico e secundário e de técnicos especializados para a formação, que tem como prioridades o combate à precariedade, a redução das distâncias e a fixação dos professores em quadros de escola.

Sr.as e Srs. Deputados, permitam-me o desabafo: se estas medidas não valorizam as condições laborais dos docentes, o que é que as valoriza?

O Sr. Eurico Brilhante Dias (PS): — Claro! Vozes do PSD: — Os salários! A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Quanto à recuperação do tempo integral de serviço e à alteração do

regime de gestão de recrutamento, relembro que, no XXI Governo, foram descongeladas todas as carreiras da Administração Pública, tendo sido recuperados 70 % dos módulos de progressão de cada carreira.

No caso concreto dos professores, porque a sua carreira tem escalões mais curtos do que as restantes carreiras da Administração Pública, e porque é uma carreira sem categorias, o descongelamento permitiu que, em apenas cinco anos, mais de 90 % dos docentes tenham progredido já dois escalões. Até 2018, mais de 30 % dos professores estavam nos três primeiros escalões, mas, atualmente, essa percentagem reduziu para 16 %, estando 38 % dos professores nos três últimos escalões da carreira.

O Sr. Porfírio Silva (PS): — Muito bem! A Sr.ª Lúcia Araújo da Silva (PS): — Não obstante isso, o Governo tem continuado a atuar nesta matéria

através do mecanismo de aceleração das progressões de carreira do docente que já se encontra em implementação.

Em concreto, e à luz deste regime especial, os docentes em funções desde 2005 e 2006, abrangidos pelo congelamento de carreiras entre janeiro de 2011 e dezembro de 2017, e que cumpram os requisitos para a progressão, beneficiarão da recuperação do tempo de serviço, da criação de vagas adicionais de acesso ao 5.º e 7.º escalões e da redução de um ano na duração do escalão para os docentes que estão no escalão superior ao 6.º Refira-se, por fim, que estas medidas terão um impacto financeiro de 161 milhões de euros, com mais de 60 000 docentes abrangidos.

Relativamente à alteração do regime de recrutamento através do mecanismo de vinculação dinâmica, foram vinculados cerca de 5000 docentes e optou-se por uma solução sem a ocupação definitiva de lugar de quadro para evitar a ultrapassagem dos professores.

Acrescento ainda que, no próximo ano de 2024, serão abertas mais de 20 000 vagas de quadro, recorrendo-se à contratação e a professores em quadro de zona pedagógica. Isto significa que as medidas que estão a ser colocadas aqui em debate pelo PAN estão a ser implementadas por este Governo.

No que concerne à iniciativa que propõe a atribuição de ajudas de custo a docentes e a alteração das leis da aposentação, é preciso esclarecer que esta medida fere o princípio da igualdade. O mesmo acontece também em relação aos assistentes operacionais e aos assistentes técnicos que têm visto a sua carreira ser reconhecida. Pela concertação entre o Governo e os sindicatos, estamos a caminhar para que a valorização seja cada vez mais sentida.

Sr.ª Presidente, digo apenas, para terminar, que, afinal de contas, criticar é fácil, mas o que importa é fazer, porque o caminho, esse, faz-se caminhando.

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Aplausos do PS.Protestos de Deputados do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Joana

Mortágua, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Lúcia Araújo da Silva, fazer… mal! Protestos do PS. Não é indiferente, quando se toma uma medida, se ela é uma boa ou má medida. Esse discurso vazio de

dizer que uns criticam e os outros fazem não passa disso, de uma demagogia barata. O Sr. Porfírio Silva (PS) — Não invente, Sr.ª Deputada! Demagogia barata é isso que o Bloco faz! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Aquilo que estamos aqui a discutir é se as medidas que o Governo tomou

até hoje para resolver o problema da falta de professores são eficazes ou não são eficazes e a realidade está aí para dizer que o Governo falhou. Falhou! Há, pelo menos — repito, pelo menos! —, 90 000 alunos sem professores a todas as disciplinas. Não é uma apreciação subjetiva, é uma apreciação objetiva.

O Governo falhou no objetivo de atrair professores para a carreira, de manter professores na carreira, de contrariar um facto demográfico inescapável que é a aposentação em massa de professores — inescapável e previsível. É tão previsível que, em 2016, já sabíamos o que ia acontecer, como em 2017, em 2018 e em 2019. Por isso é que propusemos, consecutivamente, a recuperação do tempo de serviço dos professores.

Protestos do Deputado do PS Porfírio Silva. Acontece que, se consultarmos os jornais dessa época, muitos deles, alguns até de maneira bastante mais

incisiva do que outros, davam conta de uma coisa: «PSD cede à chantagem de PS», «PSD chumba a recuperação do tempo de serviço».

Protestos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — No dia 10 de maio de 2019 não havia um jornal em Portugal que não

tivesse escarrapachado «PSD chumba reposição integral do tempo de serviço». Protestos do PSD. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Peço que conclua. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Srs. Deputados, falar é fácil. Naquela altura, podiam, de facto, ter mudado

as coisas e não mudaram — e não mudaram! O Sr. António Cunha (PSD): — Vocês aprovaram seis Orçamentos! A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Essa é que é a diferença. Vou terminar, Sr.ª Presidente. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Tem mesmo de concluir.

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Protestos do PSD e contraprotestos do Deputado do BE Pedro Filipe Soares. Srs. Deputados, façam o favor de criar condições para que a oradora possa concluir. Faça favor, Sr.ª Deputada. Termine rapidamente. A Sr.ª Joana Mortágua (BE): — Termino, Sr.ª Presidente, apenas para dizer que a recuperação do tempo

de serviço era, e continua a ser, uma questão estratégica na valorização da carreira docente e na solução dos problemas da escola pública.

Aplausos do BE. A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Concluímos a nossa ordem do dia. A sessão plenária de amanhã é às 15 horas e tem como primeiro ponto a apreciação, na generalidade, da

Proposta de Lei n.º 102/XV/1.ª (GOV) — Altera as bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional e dos Projetos de Lei n.os 204/XV/1.ª (BE) — Altera a lei de bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional para proteção do interesse público e da proteção ambiental (segunda alteração à Lei n.º 17/2014, de 10 de abril), 230/XV/1.ª (PAN) — Aprova uma moratória que impede a mineração em mar profundo até 2050 e altera a Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, e 924/XV/2.ª (CH) — Altera a lei de bases da política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional, consagrando a promoção da economia azul circular e sustentável, bem como a promoção das energias renováveis e autonomia energética, bem como do Projeto de Resolução n.º 905/XV/2.ª (PAN) — Pela fixação de uma moratória à mineração em mar profundo ao abrigo do princípio da precaução.

No segundo ponto debater-se-á, na generalidade, a Proposta de Lei n.º 95/XV/1.ª (GOV) — Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico relativo à qualificação e formação dos inspetores de veículos a motor.

O terceiro ponto consiste na discussão, na generalidade, dos Projetos de Lei n.os 849/XV/1.ª (BE) — Promove uma escola sem ecrãs de smartphones nos primeiros níveis de ensino, alterando a Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, e 921/XV/2.ª (PAN) — Afirma as escolas como um espaço seguro livre de todas as formas de discriminação e de promoção do uso saudável de tecnologias, alterando a Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, e o Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, juntamente com os Projetos de Resolução n.os 896/XV/2.ª (PS) — Recomenda ao Governo ações urgentes e mobilizadoras da comunidade educativa quanto ao uso de dispositivos tecnológicos em contexto escolar e 912/XV/2.ª (PCP) — Valorizar os recreios, promover o seu papel pedagógico, lúdico e social.

Do quarto ponto consta a apreciação dos Projetos de Resolução n.os 591/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que continue o caminho e processo de deslocalização de entidades e serviços públicos, 483/XV/1.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que atualize os valores das ajudas de custo e transporte ao pessoal da administração pública, 901/XV/2.ª (PSD) — Recomenda ao Governo que instale os novos serviços da administração central no interior e crie um programa de deslocalização progressiva de serviços públicos para estes territórios, 904/XV/2.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que aprove um plano nacional de descentralização e desconcentração territorial de serviços públicos e reforce os direitos laborais dos trabalhadores de serviços públicos deslocalizados e 910/XV/2.ª (PCP) — Recomenda ao Governo que proceda à reabertura dos serviços públicos encerrados nos territórios do interior do País ou de baixa densidade populacional.

Por último, haverá votações regimentais. Muito obrigada a todas e a todos. Um resto de bom dia e até amanhã. Está encerrada a sessão. Eram 17 horas e 24 minutos. Presenças e faltas dos Deputados à reunião plenária.

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A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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