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II Série — Suplemento ao número 91
Quinta-feira, 26 de Julho de 1979
DIÁRIO
da Assembleia da República
I LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)
SESSÃO SUPLEMENTAR
SUMÁRIO
Inquérito parlamentar:
Relatório da comissão eventual de inquérito pedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista ao Sr. Deputado António Cândido Miranda Macedo sobre «Negócio de café de Angola».
Relatório da comissão eventual de inquérito pedido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista ao Sr. Deputado António Cândido Miranda Macedo, sobre «Negócio de café de Angola».
I
Preâmbulo
1 — Com data de 17 de Outubro de 1978 e subscrito pelos Srs. Deputados António Macedo, Francisco Salgado Zenha e Carlos Laje, em representação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, é apresentado à Assembleia da República, em sua sessão de 19 de Dezembro de 1978, como consta do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.° 19, de 20 de Dezembro de 1978, a fl. 19, um projecto de resolução que tem por fim, ao abrigo dos artigos 1.° e 2.° da Lei n.° 43/77, de 18 de Junho, e demais legislação aplicável, constituir uma comissão eventual de inquérito com o objectivo de averiguar da veracidade das acusações infamantes constantes do requerimento (nomeadamente dos n.ºs 2 a 5) dirigido ao Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, a fl. 1 dos autos, acusações essas formuladas pelo jornal estatizado O Comércio do Porto e os demais órgãos de comunicação social referidos no mesmo documento e que são a Rádio Renascença, Tempo, e Expresso contra o Sr. Deputado António Cândido Miranda Macedo, que também usa o nome de António Macedo.
No citado documento se requer a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República se digne mandar
publicar o requerimento apresentado, nos termos e para os efeitos do artigo 220.° do Regimento. E junta seis documentos:
Documento n.° 1 — Artigo publicado em O Comércio do Porto, em 24 de Setembro de 1978 —«Café: Negócios amargos (n.° 3) [...] e a veneranda figura foi a Angola!», da autoria do jornalista Fernando Barradas.
Documento n.° 2 — Do jornal Tempo, de 28 de Setembro de 1978.
Documento n.° 3 — Do jornal Expresso, de 30 de Setembro de 1978 — «O negócio do café desce ao banco da imprensa com o seu "anjo-da-guarda"».
Documento n.° 4 — Carta dirigida ao director de O Comércio do Porto, em 10 de Outubro de 1978, pelo Sr. Deputado António Macedo.
Documentos n.ºs 5 e 6 — Cartas digidas ao director do Expresso, em 11 de Outubro, e a Nuno Rocha do jornal Tempo, em 16 do mesmo mês, pelo dito Sr. Deputado.
2 — Na reunião plenária de 19 de Dezembro de 1978 o Sr. Deputado Salgado Zenha justificou o pedido de inquérito feito pelo seu partido relativamente ao Sr. Deputado Socialista António Macedo e usaram da palavra sobre a mesma matéria, além do Sr. Ministro Adjunto do Primeiro — Ministro, Dr. Álvaro Monjardino, os Srs. Deputados Lino Lima (PCP), Vilhena de Carvalho (PSD) e Rui Pena (CDS), tendo sido aprovado por unanimidade o projecto de resolução do Partido Socialista concernente a esta matéria e foi marcado o prazo de noventa dias para a Comissão apresentar o seu relatório.
3 —Em conferência dos grupos parlamentares, como estabelece o Regimento, em sessão de 9 de Janeiro de 1979, foi deliberado que a comissão de inquérito seria constituída por um presidente, indicado pelo PS, e mais dois elementos de cada grupo parlamentar, tendo nessa data o PS indicado para presidente o Sr. Deputado Armando Bacelar e vogais os Srs. Deputados Herculano Pires e Armando Lopes.
Os restantes grupos parlamentares indicaram posteriormente os nomes dos seus representantes, que vieram a ser: do PSD, os Srs. Deputados Arnaldo Brito Lhamas e José Bento Gonçalves; do CDS, os Srs. Deputados
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João Morgado e João Pulido, e do PCP os Srs. Deputados Lino Lima e Severiano Falcão, tendo a comissão sido empossada em 16 de Janeiro de 1979, como consta do respectivo livro de registo de posses, e publicados os nomes no Diário da República, 1.ª série, n.° 30, de 5 de Fevereiro de 1979.
II
Inquirições e sua análise
1 — Com data de 9 de Janeiro de 1979 e subscrito pelo Sr. Deputado António Macedo, dirige este um ofício ao Ex.mo Presidente da comissão de inquérito requerido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (a fls. 30 e seguintes) em que aborda alguns aspectos que considera de interesse para «melhor compreensão dos problemas e questões a ter em conta, como pontos de partida».
E, assim, em A:
O Sr. Deputado António Macedo refere dos autos os documentos n.ºs 7 a 12, que correspondem a uma série de seis artigos publicados em O Comércio do Porto, de 22 a 27 de Setembro de 1978, da autoria do jornalista Fernando Barradas, sob o título «Café: Negócios amargos», em que, segundo a interpretação do mesmo Sr. Deputado António Macedo, o jornalista autor desses artigos visou, fundamentalmente, «uma acção sensacionalista» (alarmista) e de «incidência política» (sectária).
E continua o Sr. Deputado: «são abundantes insistentes as referências a negócios de milhões de contos, a prejuízos do público, a corrupção, a chantagens, a desonestidades, a oportunismos, a actividades ilegais e fraudulentas, a falta de escrúpulos, a aldrabices e vigarices, etc., de que se fala em tom rocambolesco e de suspense num amontoar de enredos que se não concretizam ou personalizam, até porque — o jornalista assim se desculpa — "há factos impossíveis de provar", "episódios secretos" ou "nomes protegidos e que nunca se podem escrever! ...»
«Por outro lado», assim continua o Sr. Deputado António Macedo na sua explanação, «a par de alusões genéricas e capciosas a compadrios partidários, a conhecidas e importantes figuras da vida política nacional, ao aparelho de Estado, "que é um ninho de oportunistas, incompetentes e corruptos e que está infestado de vendidos e de comprados, tudo ditto em jeito de intriga e por modo indefinido ou misterioso, há sobretudo o propósito claro de ataque e critica ao Governo socialista e ao Partido Socialista, em especial nos artigos que significativamente se intitulam "E a veneranda figura foi a Angola", "Corrupção no aparelho de Estado" e "Culpa é do Governo", invocando "ilustres personagens socialista"' ou "importantes no Partido Socialista", atribuindo a concessão de favores e privilégios a "pessoas bem metidas nos meandros do Governo" [...] e apontando o "Governo como o grande responsável" e o "culpado de se criarem ocasiões de corrupção", tanto mais que "foi o Governo que provocou a fraude, quem tornou fácil a ilegalidade".»
«Claro que ficaram por apontar os factos — factos demonstrativos ou relacionados com estas terríveis objurgatórias e bisbilhotices caluniosas.»
Em B:
O Sr. Deputado António Macedo faz alusão a que «o jornalista Fernando Barradas, alertado por um escrito anónimo, decidiu-se a tomar em mãos o escândalo do café», porque, segundo ele (F. Barradas), «no fundo não tinha nada a perder» e o «plano foi estabelecido após reunião, em privado, com a chefia da redacção e com a direcção de O Comércio do Porto».
No ponto C do documento em referência, o Sr. Deputado António Macedo alude aos documentos n.ºs 4, 5 e 6, ou seja, às cartas por si enviadas aos jornais O Comércio do Porto, Tempo e Expresso a solicitar um desmentido formal e fundamentado das notícias que publicaram (documentos n.ºs 1, 2 e 3).
E o mesmo Sr. Deputado, referindo a publicação da sua carta pelo jornal O Comércio do Porto em 15 de Outubro, mostra, todavia, a sua estranheza pelo referido matutino, juntamente com a aludida publicação, não ter feito «o menor comentário ou esclarecimento», a despeito do que lhe fora perguntado: «afinal, quem fez, como fez e quando se fez o tal negócio de café de Angola — de milhões de contos?» (documento n.° 13).
Quanto ao semanário Expresso, refere a publicação da carta e desmentido em 21 do mês de Outubro, não no local e com o relevo da publicação da notícia, mas em secção de cartas «também sem qualquer esclarecimento, para além de um título jucoso», onde se lia: «António Macedo diz que lhe disseram que a coisa era com ele» (documento n.° 14).
E, no concernente ao semanário Tempo, acentua o Sr. Deputado António Macedo não ser do seu conhecimento a publicação da carta e correspondente desmentido, posto fosse esse semanário e órgão de informação que «com todas as letras» referira o seu nome «em saliente rubrica».
No ponto D do documento em apreço, o Sr. Deputado António Macedo refere a carta e desmentido da funcionária da Repartição do Comércio Externo (que se corrige para Comércio Interno) Dr.ª Alda Maria das Neves Carneiro de Caetano Carvalho, publicados em O Comércio do Porto, de 17 de Outubro (documento n.° 16), e cuja autora o jornalista Fernando Barradas refere no seu artigo n.° 3 «[...] como fonte informativa privilegiada» e servirá para ajuizar do rigor dos elementos de que se socorreu o referido jornalista.
E por fim, no ponto E, o Sr. Deputado António Macedo assinala que em Fevereiro de 1978 dirigira uma carta à direcção da Rádio Renascença em face do conhecimento que lhe foi dado do teor de uma emissão em que se fazia «eco de boatos ou imputações anónimas» que o envolviam como implicado «em negociatas ou contrabando de café de Angola».
E mais dá conhecimento o mesmo Sr. Deputado que o vespertino A Luta publicou, em 11 desse mês de Fevereiro, «o essencial dessa carta» (documento n.° 17), para que publicamente se «desfizessem calúnias», pelo que e por forma destacada foi dado conhecimento de como ele repelira, com indignação, «torpe manobra» feita por modo «especulativo e traiçoeiro» com comentários que, afinal, bem se aplicaram ao escrito do jornalista Fernando Barradas, o qual, ao que se vê, mesmo depois retomou a calúnia em idêntico estilo, com a «agravante» de fazer tábua rasa dos
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«meus categóricos desmentidos públicos», que ele não podia ignorar.
No ponto F apresenta o Sr. Deputado António Macedo sugestões que entende dever expor quanto a diligencias a efectuar pela comissão.
2 — Posteriormente, e segundo comunicação datada de 24 de Janeiro do Sr. Deputado Antonio Macedo, a fl. 59 dos autos, é junto aos mesmos e por só nessa altura ter conhecimento da publicação pelo jornal Barricada, de 19 de Outubro do ano de 1978, um artigo de primeira página, continuando na p. 14 com o «alerta» de um título sensacionalista «e no propósito manifesto de dar continuidade» (...) «e publicidade à negociata do café, em contrabando, que se cifrou em verba que se aponta como elevada, não deixando de no final citar o meu nome» (continua a falar o Deputado António Macedo) «como se vê do exemplar da Barricada que apresentou (fls. 57-58)».
3 — Também, e a fls. 77 e seguintes dos autos, em documento subscrito pelo Deputado António Macedo e datado de 7 de Fevereiro, vem o mesmo Sr. Deputado fazer uma rectificação à carta-desmentido dirigida aos jornais O Comércio do Porto, Tempo e Expresso e já referenciada anteriormente. Diz o Sr. Deputado neste documento: «[...] há uma incorrecção (que me apresso a rectificar) ao garantir que, durante o ano de 1977, não se importou de Angola um grama ou um grão de café». Em dado passo afirma ter tomado conhecimento recentemente «de que afinal, em 1977, se importaram de Angola 739,6 t de café, no valor de 131 111 contos, num total global de importações, de vários países ou origens, de 10 934 t, no montante de
1 778 939 contos (cifra estatística oficial)». E continua: «E, ao indagar da natureza do que se teria passado, com os elementos que me foram fornecidos, cheguei à conclusão de ter havido o entendimento de que as solicitadas informações mais interessavam e diziam respeito ao período posterior a 28 de Agosto de 1977. que era e é o expressamente visado no escrito do jornalista Fernando Barradas, ou seja, a partir da data da minha anunciada estada em Luanda para — ele o asseverou — servir de intermediário entre os milionários do café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos.» Sublinhe-se, «milhões de contos».
E mais acrescenta: «Quer dizer: posteriormente a 28 de Agosto de 1977 é que não se importou um grama ou grão de café de Angola; e quanto às importações anteriores (e de um total de quase 1 779 00C contos), somente se importou de Angola café no valor reduzido a pouco mais de 131 000 contos!»
4 — Em reunião da comissão eventual, realizada a 6 de Fevereiro de 1979, foi deliberado estabelecer-se a metodologia a seguir, tendo havido consenso sobre as diligências a serem efectuadas na investigação do caso sub judice.
E, como primeiro passo, ouviu-se em auto de declarações o jornalista Sr. Fernando Barradas, nos termos do artigo 7.º da Lei n.° 43/77, de 18 de Junho, e demais legislação aplicável, autor da série de artigos publicados em O Comércio do Porto, de 22 a 27 de Setembro de 1978, e sob o título «Café: Negócios amargos».
E assim:
5 — Aos 14 dias do mês de Fevereiro de 1979, com continuação em 16, perante a comissão de inquérito, cujos nomes dos Deputados presentes constam do respectivo livro de presenças, e servindo de escrivão o Sr. António dos Santos, nomeado para tal fim, compareceu o jornalista Fernando Barradas, devidamente identificado nos autos, a fl. 67, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, disse, nomeadamente:
a) Que é o autor da série de artigos publicados em O Comércio do Porto, sob o título genérico «Café: Negócios amargos», incluindo o que tem o título «[...] e a veneranda figura foi a Angola» (fl. 67);
b) Que o declarante era, por ocasião da publicação dessa série de artigos (como ainda é), jornalista do quadro redactorial de O Comércio do Porto e era também elemento do conselho de redacção, da comissão de trabalhadores e delegação sindical (fl. 67);
c) Que sobre a matéria dos factos estranha este inquérito e as afirmações proferidas na Assembleia da República quanto «às acusações infamantes publicadas em O Comércio do Porto acerca do Dr. António Macedo, na medida em que, de sua autoria, não há qualquer acusação objectiva, ou mesmo referência ao Dr. António Macedo, nem qualquer afirmação concretizada, nominalmente contra o presidente do Partido Socialista.
Diz também o declarante que estas palavras que ditou eram as únicas que tinha a dizer acerca daqueles artigos da sua autoria no que se refere ao Dr. António Macedo, «por quem, aliás, sente o maior respeito e admiração», mas que estava ao dispor desta comissão para responder às perguntas que lhe fossem feitas. E, a perguntas formuladas, o declarante passou a responder, sobre o artigo n.° 3 da sua autoria (fl. 67 v.°);
d) Que as palavras valem pelo que são, e não pela interpretação que se lhes possa dar.
Que não há nos seus escritos as palavras «António» ou «Macedo». Sobre o «importante elemento do PS» que naquele artigo se diz que chegou a Luanda no dia 28 de Agosto de 1977, acompanhado por dois industriais ligados ao café, que inclusivamente lhe pagaram o bilhete de ida e volta de avião e que foi a Angola «servir de intermediário entre os milionários do café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos», afirma: «Sendo o PS o maior partido português, todos os seus militantes são (para o declarante) importantes.» Quanto à revelação do nome da personalidade do PS, o declarante invoca o sigilo profissional e remete a resposta para a organização do PS, que facilmente poderá saber quem é. Para o declarante, revelar o nome do importante elemento do PS implica, directamente, a denúncia das suas fontes de informação, dado o carácter restrito e confidencial da informação. Que se tivesse a intenção de referir o nome, como é seu hábito, tê-lo-ia feito na altura (fls. 68 e 68 v.°).
Quanto à identificação dos «dois industriais ligados ao café», referidos no mesmo artigo n.º 3, considera lambem sigilo profissional.
Quanto à «chantagem» aludida na 1. 5 da col. 2.º do mesmo artigo n.° 3 diz: «basta ler toda a série de artigos para que se deduza a resposta», acrescentando, no entanto, que seria da maior importância
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a divulgação de um inquérito pedido pelo ex — Ministro do Comércio e Turismo, Dr. Basílio Horta.
No tocante à concretização e identificação da pessoa a que se refere com a designação de «anjo-da-guarda», o declarante afirma: «Não é de forma alguma o Dr. António Macedo.»
Pelo declarante é referido que as pessoas participantes na reunião «em privado» com a chefia da redacção e com a direcção de O Comércio do Porto e em que «o plano foi estabelecido» (para a elaboração da reportagem e publicação da série de artigos), conforme é referido no artigo n.° 2, intitulado «As notas de conto não falam», bem como a data em que se realizou tal reunião, foram o próprio jornalista Fernando Barradas, o director de então, Margarido Correia, e Joaquim Pinto de Queirós, chefe da redacção. Quanto à data não pode pormenorizar, mas talvez na 2.ª quinzena de Agosto de 1978. O concernente ao plano, foi o seguido na elaboração da reportagem e publicado, ou seja, «passar a rasteira aos citados milionários do café, conforme, aliás, aconteceu».
E mais afirma o declarante que na sua reportagem não há, como foi afirmado e segundo pensa, nada que se reporte ao presente inquérito, pois, como foi afirmado anteriormente, nunca foi intenção do autor dos artigos ofender, ou mesmo bulir com a honra e a diligência e a dignidade do Dr. António Macedo. Como, no entanto, vários órgãos de informação se referiram às reportagens do declarante, fazendo, de moto próprio e de sua exclusiva responsabilidade, a identificação do «importante elemento do PS» como sendo o Dr. António Macedo, o declarante endossa tal responsabilidade para esses mesmos órgãos de informação, aliás referidos na resolução da Assembleia da República (fls. 68 v.° e 69);
e) Convidado a juntar ao processo a carta enigmática a que se refere no artigo n ° 2, o declarante concordou e apresentou uma fotocópia dessa carta, afirmando, aliás, que já foram por ele transcritas no referido artigo as passagens principais dela.
O declarante indicou que tal documento dimanou da Associação Nacional de Torrefactores (fl. 69);
f) O declarante afirma que a expressão «veneranda figura» não se refere ao Dr. António Macedo. Igualmente para o declarante, «intermediário», da expressão «servir de intermediário», é um elo de ligação, podendo, contudo, acrescentar que nunca dará à palavra a intenção ou interpretação de «indivíduo que aufere proventos em benefício próprio e em prejuízo do povo português».
E mais afirma «que não tem o presidente do Partido Socialista na conta de corrupto» (fl. 69 a fl. 71);
g) Refere o declarante que «de há muitos meses a esta parte vários órgãos de informação, sem que tivessem sido desmentidos, com diversas, públicas e frequentes referências à importação de café, prepararam psicologicamente a opinião pública para um paralelo de identificação entre o Dr. António Macedo e a personalidade referida nos artigos». A carta de que acima se fala (carta do Sr. Deputado António Macedo enviada para publicação) foi publicada apenas e só por haver em O Comércio do Porto a maior estima, respeito e consideração pelo Dr. António Macedo, já que, conforme a Lei de Imprensa deixa bem claro, os artigos publicados não continham matéria de direito de resposta. Quanto a ser o jornal a «repu-
diar insinuações», parece ao declarante que a dita carta vale por si só e ela, sim, é uma insinuação (fls. 71 e 71 v.°);
h) Que, não sendo director de O Comércio do Porto. não tem competência quanto às matérias a publicar, ou não, naquele jornal. Mas que por várias vezes e insistentemente, não só junto do director como do chefe da redacção, respectivamente Margarido Correia e Joaquim Queirós, que não acederam, tentou essa publicação. Tal como se deixou escrito no último artigo da série em questão, afirma-se que «em breve voltaremos ao assunto», pelo que se achou inoportuno, naquele momento, falar de qualquer coisa relacionada com o café, já que, e como posteriormente se verificou na prática, não convinha falar de café na altura, pois poderia comprometer a baixa de preço, como veio a acontecer, em benefício de milhões de portugueses.
Perguntado se, dado o rumo que os factos tomaram, nomeadamente a especulação tecida por outros órgãos de informação, o declarante não teve consciência de que, no aspecto atrás focado, o que estava em causa não era «o assunto do café mas a honra e a dignidade de um cidadão», responde o declarante apenas afirmar que o próprio Dr. António Macedo, na sua carta já citada, fala ele também, e com menos verdade, que em 1977 não se importou de Angola um grama ou um grão de café. Que, segundo elementos publicados no jornal A Luta, não desmentidos, e por si confirmados junto do Ministério ligado ao sector, só no dia 27 de Fevereiro desse ano as importações de café já excediam em 1 200 000 contos o valor que havia sido fixado para esse ano, sendo a maior parte dele proveniente de Angola.
Mais afirma o declarante considerar abusiva a conclusão de que o importante elemento do PS que se deslocou a Luanda no dia 28 de Agosto de 1977, por si referido no artigo n.° 3, fosse o Dr. António Macedo. E não revela o respectivo nome por considerar segredo profissional. E, mais uma vez, refere que várias notícias publicadas em órgãos de informação, referentes à importação de café, nunca desmentidas, criaram talvez um campo psicológico para um paralelo de identificação entre o Dr. António Macedo e o importante elemento do PS referido nos seus artigos. Porém, quanto ao desmentido que o declarante poderia ter feito, foi ultrapassado por uma carta do Dr. António Macedo enviada aos já citados órgãos de informação e por eles divulgada (fl. 71 v.° e fl. 73 v.°);
0 Perguntado se considera ou não que no artigo n.° 3 o declarante atinge a honra e a consideração da figura visada, tanto mais que fala num negócio de milhões de contos, em que os intervenientes do lado português, os industriais e o político, não eram do mesmo partido, não se conheciam, e verem — se e amarem — se foi obra de um instante, responde o mesmo declarante considerar que o artigo não atinge a honra e a consideração do «importante elemento do PS», que não o Dr. António Macedo, na medida em que tudo o que está escrito é pura verdade. E que, contrariamente ao que está escrito no requerimento de inquérito, nomeadamente «acerca do responsável por chorudo negócio de café» e «auferiu proventos em seu benefício próprio e com prejuízo do povo português», não há no artigo referido qualquer alusão ao
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facto de «o importante elemento do PS» ter tido qualquer compensação no «negócio».
E mais esclarece que, por motivos que desconhece, esse negócio não se efectivou, mas, a ter-se concretizado, iria traduzir-se, na prática, como uma importante medida económica em benefício do povo português, já que se tratava de um negócio de compensação, sem dispêndio de divisas, o que, aliás, desconhecia ao escrever este artigo.
E reitera a não intenção de atingir a «honra e consideração do visado» (fls. 80, 80 v.° e 81);
j) C a uma pergunta se «a personagem central de um negócio de café envolvendo milhões de contos» ou seja, «a figura veneranda», «o importante elemento do PS», referida nas reportagens, era ou não o Dr. António Macedo, o declarante responde: «A personagem central de um negócio de café, a que se refere o artigo em causa, não é o Dr. António Macedo.»
E também esclarece que a «personagem central de um negócio de café» não é a «veneranda figura», o «importante elemento do PS».
E a uma observação feita de que «as palavras escritas valem pelo que são» (no dizer do próprio declarante) «e não pela interpretação que se lhes possa dar», mas sendo certo que as palavras também valem pelo que insinuam ou pelo que delas razoável e espontaneamente conclui quem lê e dado que na opinião pública c até em outros órgãos de informação, Tempo e Expresso, se concluiu que a «veneranda figura», o «importante elemento do PS» era o Deputado António Macedo, o declarante, mais uma vez, acentua que «não teve nem terá a intenção de ofender o Deputado António Macedo na sua honra e consideração» c acrescenta não ser responsável por conclusões que tirem de palavras que não escreveu.
E, chamada a atenção do declarante para o facto de que objectivamente, independentemente do juízo pessoal, a publicação dos seus artigos consporcou a honra e consideração do Deputado António Macedo perante a opinião pública e tendo em atenção as normas correntes da moral e os princípios contidos no estatuto editorial de O Comércio do Porto sobre «informação objectiva» e uma actuação «sempre dentro do máximo respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem» (de que o direito ao bom nome é um dos mais importantes), se entendia não ser seu dever pessoal e profissional dar publicamente um esclarecimento à opinião pública no sentido de desagravar a honra e consideração devidas ao Deputado António Macedo, refere o declarante que,«apesar das várias atitudes públicas assumidas pelo Dr. António Macedo, que, essas sim, pelo menos na localidade onde se situa a sede do jornal em que o declarante escreve, podem ter feito perigar "o bom nome" do citado Deputado, é sua intenção esclarecer publicamente todo este caso e com todos os pormenores»;
k) E o declarante refere que o facto que o leva a afirmar repetidamente, e desde que se conhece como homem, ter «o maior respeito e admiração» pelo Deputado António Macedo é «por ter sido o Dr. António Macedo um dos homens que pública e heroicamente lutaram pela democracia e pela liberdade contra qualquer forma de ditadura».
E mais acrescenta ser o Deputado António Macedo «uma importante e veneranda figura do PS, tal como muitos outros socialistas»,
E porque o Dr. António Macedo não lhe merece, de maneira alguma, desprezo, fez diligências, pelo menos duas vezes, para com ele se encontrar pessoalmente, depois de receber a sua carta, e esclarecer todo este caso (fls. 82 v.° e 83);
l) Em face da pergunta se o declarante tivera intenção, com a publicação dos artigos, de esclarecer o povo português sobre o que se passara de facto na importação de café de Angola, ou de denegrir a imagem do PS levantando suspeição de corrupção sobre membros importantes do partido, que, como tal, gozavam de protecção no aparelho de Estado, uma vez que o declarante não identificou até agora «a veneranda figura» a que se refere nem qualquer dos elementos mencionados na reportagem que possibilitou fazer luz sobre a matéria, como será possível aceitar-se ter visado uma finalidade de esclarecimento e não legitimar a convicção de que a reportagem mais não procurou do que depreciar o Partido Socialista e os seus membros, o declarante vem afirmar que a sua intenção ao escrever a reportagem em causa não foi a de denegrir a imagem do PS, mas a de esclarecer a opinião pública sobre os porquês do elevado custo do café; e o que se pretendeu, conforme os resultados o demonstraram, foi pôr fim a uma situação menos legal no circuito da comercialização do produto e, consequentemente, baixar o preço do café.
Mas, continuando a refugiar-se no segredo profissional, o declarante recusou-se a fornecer a esta comissão o nome das pessoas e as vias por que actuavam; e por isso mesmo foi feito ciente de que se objectivava conseguir com este inquérito um completo esclarecimento dos factos (fls. 83 v.° e 84);
m) O declarante afirma «não saber explicar» não se ter limitado a fazer a denúncia da comercialização do café.
E, ainda que convidado, reiteradamente, a personalizar concretamente individualidades destacadas no campo político do aparelho do Estado ou não e ou importadores e torrefactores de café sobre quem, como autor da série de artigos publicados em O Comércio do Porto, o jornalista insinuara irregularidades possíveis e praticadas e lançara suspeição em detrimento da boa reputação e nome de personalidades que têm direito a ser respeitadas, dando-lhe, na prática, tratamento de «seres abstractos», posto que lhes impute actos concretos de extrema gravidade, afirma, solicitado a dar explicações sobre aquilo que escreveu, textualmente: «O que está escrito está por si só explicado.»
E o declarante repete, mais uma vez, ter tentado, através de pessoa amiga de ambos e após receber a carta do Dr. António Macedo, «contactar o dito Deputado com a finalidade de lhe dizer pessoalmente que nunca teve, nem terá, intenção de o ofender na sua honra e consideração, ao contrário do que o teor da sua carta parecia querer dar a entender».
E observa que em parte alguma dos artigos que escreveu consignou que a «veneranda figura» que foi a Angola «servir de intermediário entre os milionários de café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos» auferiu disso proventos em seu benefício próprio, tendo-lhe sido observado que, pelo menos,
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escreveu que na deslocação dessa figura a Luanda a mesma foi acompanhada «por dois industriais ligados ao café, que, inclusivamente, lhe pagaram o bilhete de ida e volta de avião» (fls. 84, 84 v.° e 85);
n) O declarante esclarece que era sua intenção, pessoalmente com o Dr. António Macedo, «esclarecer todo este caso», isto é, de que não teve, nem terá, intenção de o ofender na sua honra e consideração, e que a conclusão espalhada publicamente nunca esteve nos seus propósitos.
E mais refere que do seu artigo n.° 3 não constam as palavras «ilícito» e «censurável», mas somente «chorudo». E, para o declarante, «dizer que um negócio é chorudo não implica a conclusão de que é ilícito ou censurável». Disse ainda que só alguns dias depois de o artigo ter sido publicado é que soube que, embora capaz de proporcionar largos lucros, era um negócio de compensação (fls. 85 e 85 v.°);
o) O declarante identifica o jornalista Ercílio de Azevedo como tendo sido a pessoa através da qual tentou contactar, por duas vezes, com o Dr. António Macedo para os fins já reiteradamente indicados, não o tendo conseguido por o mesmo na altura não se encontrar no Porto.
O declarante «peremptoriamente afirma que de modo algum houve intenção de sugerir a identificação entre "o ilustre personagem" e o "anjo-da-guarda", tanto mais que a ideia do "anjo-da-guarda" era tão — só afirmar que alguém, um alguém não especificado, de dentro das repartições ligadas às importações, avisou os tais dois industriais de que, atendendo a que iria ser publicada uma portaria contingentando a importação de café, deviam proceder urgentemente à maior importação de café que pudessem, como aliás aconteceu. Assim, o declarante rejeita firmemente essa sugestão de intenções».
E, mais uma vez, o declarante exclui, e por forma expressa, que a pessoa visada na série de artigos e no n.° 3 como «veneranda figura», «importante elemento do Partido Socialista», «velho democrata e lutador antifascista» fosse o Sr. Deputado António Macedo (fl. 86 a fl. 87 v.°).
6 — No dia 21 do mês de Fevereiro de 1979, com continuação nos dias 23 e 1 de Março, compareceu perante a comissão de inquérito o jornalista Sr. Luís Margarido Correia, ex-director de Q Comércio do Porto (fl. 92), que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, nomeadamente, disse:
a) Que era o director de O Comércio do Porto ao tempo da publicação da série de artigos da autoria do jornalista Fernando Barradas e que participou na reunião onde se estabeleceu o plano de reportagem, que foi só uma e deve ter sido durante o mês de Agosto, como é assinalado no artigo n.° 2, tendo estado presente também o chefe de redacção, Joaquim Queirós, além de Fernando Barradas.
Esse plano tinha por objectivo levar o principal negociante de café implicado no monopólio a falar, visto que esse personagem era referenciado como um indivíduo sem escrúpulos.
E diz: «para nós, tratava-se de investigar e recolher o maior número possível de dados sobre a especulação de que os comerciantes de café eram vítimas».
Tinha conhecimento indirecto, bem como o jornalista Fernando Barradas, das queixas; mas, mais tarde, contactou directamente com um dos queixosos
para se certificar de certos aspectos que as investigações que realizavam iam revelando. Todavia, o segredo profissional impede-o de revelar o nome desse queixoso. E que, quando foi necessário saber como obtinha café em tão grande quantidade, o principal negociante de café implicado declarou a Fernando Barradas que o obtinha de Angola, aonde se tinha deslocado na companhia de uma alta figura do PS, que o apresentou durante uma pescaria, seguida de almoço e jantar, ao Presidente Agostinho Neto. E esse negociante dc café mais declarou que só lhe pagara o bilhete de ida c volta e não lhe tinha dado nada mais, visto os negócios terem ficado interrompidos por motivo de um motim na cidade de Luanda. E que o mesmo negociante acrescentou que também emprestara 500 dólares a outro Deputado do PS, que se encontrava em Luanda, mas em desempenho de funções partidárias.
Fora isto, nunca mais foi mencionado o nome de qualquer militante ou figura destacada do PS.
Que, aliás, tais figuras apareceram de surpresa durante a investigação, visto não ser o objectivo destas crónicas de carácter político, mas sim visarem alertar as autoridades para a especulação no preço do café.
Pessoalmente está convencido de que a figura que se deslocou a Angola, segundo a versão do negociante de café, se refere ao Dr. António Cândido de Macedo, embora a única razão que o leva a dizer isso seja a coincidência de datas entre uma estada privada do Deputado António Cândido de Macedo e os negócios de café (Agosto de 1977).
Quanto ao facto de O Comércio do Porto, de 15 de Outubro de 1978, ter publicado uma carta do Sr. Deputado Dr. António Macedo referente à série de artigos em causa sem qualquer comentário ou esclarecimento e não ter sido dada qualquer resposta à pergunta formulada na mesma («[...] Mas, afinal, quem fez, como fez, quando fez o tal negócio de café de Angola — de milhões de contos?!») deve-se ao critério seguido, enquanto director dc O Comércio do Porto, de publicar na íntegra cartas, comunicados e outros documentos em que algumas vezes o próprio era visado. «Nunca fiz o mais pequeno comentário, cabendo ao público ajuizar do aparecimento desses documentos, tal como aconteceu com a carta do Deputado António Macedo.»
Mais diz o declarante que, quando leu o artigo n.º 3, intitulado «(...] E a veneranda figura foi a Angola!», não ficou com a certeza ou impressão de que nesses artigos houvesse qualquer alusão ao Deputado António Macedo, pois desconhecia suficientemente o perfil do Dr. António Macedo para o identificar por uma simples leitura desse artigo n.° 3. Apareceu a carta dele e nessa altura desconfiou que fosse ele o visado. E continua o declarante: «mesmo assim não liguei ao assunto, visto ser muito mais importante o objectivo da série de artigos, aliás duplo: alertar as autoridades e pressionar no sentido de uma baixa de preço do café, que se veio a verificar».
O declarante também informa não ter sido abordado por alguém, antes ou depois da publicação da carta do Dr. António Macedo, no sentido de publicar ou permitir que fosse publicado no jornal que então dirigia qualquer comentário, rectificação, esclarecimento ou desmentido referente à pessoa do Dr. António Macedo;
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b) O declarante explica que a montagem dos artigos difere da cronologia das investigações jornalísticas e ouï as suspeitas a que se refere o artigo n." 2 concernem aos nomes dos negociantes de café implicados na especulação: bem assim informa que os seus contactos directos foram com um desses negociantes, gerente de uma das firmas (fls. 96 e 96 v.°);
c) O declarante tem, para si, como sendo a personalidade visada cm «veneranda figura do PS» o Dr. António Macedo e formulou esse juízo após receber a carta do mesmo, como já anteriormente afirmava.
E também e mais uma vez assinala que «ninguém, incluindo o jornalista Fernando Barradas, se lhe dirigiu no intuito de o jornal que dirigia esclarecer que a figura visada e denominada "veneranda" no artigo n.° 3, não dizia respeito ao Dr. António Macedo» (fls. 96 v.° e 97);
d) O declarante refere —e fá-lo mais uma vez —que «o negócio não se concretizou, segundo a versão do negociante, dados os motins verificados na cidade de Luanda, que obrigaram a que o navio fretado tivesse de levantar ferro antes dos negócios concluídos». No entanto, os contactos ficavam feitos e Portugal não sentiu falta de café em consequência de deslocações sucessivas de barcos fretados por esse negociante sem que a figura do PS tornasse a interferir.
E, expressamente, o declarante afirma: «aliás, se de facto alguma figura do Partido Socialista se deslocou em companhia desse negociante a Angola, isso não significa necessariamente, na minha opinião, uma consciência dolosa por parte dessa figura, mas sim ingenuidade».
O declarante ignora os pormenores do negócio, visto não ter sido a pessoa que fez a investigação directamente, isto é, não sabe se o negócio era a troco de saída de divisas, se por permuta de mercadorias.
Todavia, e dado que a sua função presencial na comissão é de contributo «com o que sabe» (para esclarecimento do caso em apreço) pode acrescentar «que o barco fretado pela primeira vez e que teve de retirar, na versão do negociante, foi por motivos de motins; e, sempre segundo a afirmação do negociante, o negócio foi fraco porque o carregamento não ficou completo, mas veio café para Portugal».
O declarante assinala ainda que o jornalista Fernando Barradas nunca lhe referiu nenhum nome que identificasse a figura do Partido Socialista. E se o jornalista Fernando Barradas o não fez por escrito, ou não lhe foi dito, o que duvida, crê ter sido por não conseguir provas aceitáveis da afirmação do negociante.
E o declarante, depois de fazer considerações sobre ética jornalística, em face de pergunta que lhe foi dirigida, na qualidade de então director de O Comércio do Porto, diz: «um jornalista tem obrigação ética de denunciar as situações que em sua consciência tenham um grau de veracidade mínima. Se acaso tal veracidade não existe, os tribunais aí estão para julgar o jornalista. Foi isso que o Comércio do Porto fez» (fl. 97 a fl. 99);
e) Das averiguações feitas por O Comércio do Porto através do jornalista Fernando Barradas e do próprio declarante e do contacto que teve com um comerciante de café, o declarante conclui que o tal
monopólio da importação do café, com as consequências denunciadas na reportagem, nomeadamente quanto ao preço especulativo desse produto, se formou e actuou nos termos e condições que são denunciadas no documento transcrito no artigo n.º 2, na parte subintitulada «um documento esclarecedor».
E o declarante correlaciona o monopólio do café de Angola, que se formou e actuou nos anos de 1975 e 1976, de consequências denunciadas nas reportagens de O Comércio do Porto com a ida a Angola de importante figura do PS, que se efectuou em 28 de Agosto de 1977, nesta síntese: «A certa altura, os comerciantes detentores do quase monopólio tiveram dificuldades com as autoridades angolanas, pelo que recorreram ao procedimento já descrito, segundo a versão que o mesmo declarante recolheu do jornalista Fernando Barradas. Assim, a relação que exista entre os factos referidos como passados em 1975 e 1976, as consequências no negócio de café e a viagem é a tentativa de ter todos os canais, quer angolanos quer portugueses, abertos para sustentar a posição de monopólio que, pelo menos até Novembro passado, conseguiram manter. Era esta a situação que, caso eu não tivesse abandonado a direcção de O Comércio do Porto, seria objecto de nova série de reportagens.»
O declarante diz ter-lhe o jornalista Fernando Barradas apresentado a versão de que o negócio se não concretizara por surgir um motim em Luanda e que não lhe falou em permuta de produtos destinada à obtenção de café, e isto em face de lhe ter sido dado conhecimento, na comissão de inquérito, do depoimento do jornalista Fernando Barradas quanto à explicação da não efectivação do negócio (fls. 101 v.º e 102);
f) O declarante descreve como lhe parece ter sido processado o desembarque e comercialização, em território português, do café e afirma textualmente:
«Além da cobertura legal, a coacção psicológica e mesmo material sobre os comerciantes retalhistas sujeitos a especulação é tal que, quando o jornalista Fernando Barradas conseguiu reunir os retalhistas prejudicados para que assinassem e reconhecessem a sua assinatura em documento que resumia o que eles próprios tinham revelado, estes se negaram a fazê-lo, alegando que os negociantes monopolistas nunca seriam desmascarados e que, no entanto, eles continuavam a precisar do café distribuído por eles para não terem de fechar as portas dos seus estabelecimentos.»
Que era sua opinião ser alheia às implicações comerciais da operação montada e desenvolvida pelos negociantes de café a importante figura do Partido Socialista, o que não implica que, dada a sua projecção nacional, deveria ter evitado que negociantes de tal espécie se pudessem servir do seu nome para se vangloriarem de à base de dinheiro poderem silenciar e tornar inoperacional qualquer acção por parte das autoridades portuguesas. E afirma: «Quando refiro "à base de dinheiro" devo salientar novamente que o negociante que se deslocou a Angola afirmou peremptoriamente não ter pago nada a essa figura do PS a não ser a viagem a Angola.»
O declarante pensa que houve fretamento de mais de um barco para o transporte do café.
E esclarece: «o barco que foi fretado directamente pelo negociante que se deslocou a Angola, cujo nome
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nunca foi referido, veio para Lisboa em virtude dos motins indicados».
O reatamento dos negócios de café com Angola foi já feito ao abrigo dos boletins de registo de importação, embora essa seja outra história que não vem ao caso, mas os barcos usados já terão sido os que habitualmente passavam a transportar mercadorias para Angola (fls. 103 e seguintes).
O declarante distingue três fases relativas à versão do negócio de café chegada ao seu conhecimento, e, que passa a explicar: «Na primeira fase, quando as informações foram transmitidas ao jornal O Comércio do Porto, falou com o presidente da comissão administrativa desse jornal, Dr. Adalberto Neiva de Oliveira, que o alertou para o caso da especulação. Numa segunda fase, de facto, todos os conhecimentos que tem do negócio do café lhe foram transmitidos pelo jornalista Fernando Barradas. E, numa terceira fase, faiou, entretanto, com um dos comerciantes retalhistas, conforme anteriormente já referira, para se certificar de certos aspectos relacionados com o modo de facturação que encobria a especulação.»
Todavia, afirma que, em linhas gerais, o que sabe é através do Fernando Barradas.
E afirma que o jornalista Fernando Barradas faltou à verdade quando refere nas suas declarações prestadas à comissão que insistiu, mais de uma vez, com o declarante para que o jornal publicasse um desmentido, no qual se afirmaria que «o importante elemento do PS», «a veneranda figura» não era o Dr. António Macedo, pois ninguém, incluindo o jornalista Fernando Barradas, formulara qualquer pedido nesse sentido. E é peremptório o declarante ao afirmar: «Aliás, tal pedido teria sido atendido só na medida em que incluísse o nome concreto da "importante figura"».
O declarante aponta que, no caso presente, ninguém, especialmente o jornalista Fernando Barradas, referiu nenhum nome ou referenciou qualquer «importante individualidade». «Foi o principal negociante de café que se referiu a tal personalidade.» E continua: «ora nós não descortinamos nenhuma vantagem, ao ponto em que as investigações estavam, numa mentira por parte do tal negociante de café. Talvez a sua falta de escrúpulos o ajudasse até a referir a dita personalidade importante, quando se falava, pelo contrário, de comércio fraudulento de café» (fl. 103 a fl. 108);
g) O declarante afirma ter sido na sequência das queixas sobre a especulação de que eram vítimas os comerciantes retalhistas e na oportunidade da falta de acção por parte das entidades oficiais competentes que se decidiu pela publicação das reportagens e salienta — o que vem fazendo por várias vezes— não ser propósito a animá-lo, e ao jornal que dirigia, atingir o Partido Socialista ou qualquer das suas figuras principais, designadamente o Deputado António Macedo.
Que se estivesse convencido da não demora do inquérito a decorrer (no Ministério do Comércio Externo, mandado instaurar ao tempo do Secretário de Estado Dr. António Celeste), não se teriam publicado as reportagens que vêm sendo referidas (fls. 108 v.° e
109);
h) Perguntado o declarante sobre se, no seu entender, não há uma relação de causa — efeito entre o monopólio e a especulação do café que o mesmo pro-
piciou e a referida ida a Angola de uma importante figura do Partido Socialista, entende o declarante não haver. Mas afirma sobre a matéria: «Mas é um elo na cadeia de todo este processo. Estou convencido de que já existia especulação antes da viagem, mas, em consequência, não posso concluir que, sendo verdade a declaração de "o principal negociante do café", sem a viagem deste e da "veneranda figura" tal especulação pudesse continuar» (fls. 109 e 109 v.º);
i) O declarante esclarece que a simultaneidade do motim e algo referente ao negócio de café foi concretamente relacionada com o carregamento do navio que tinha sido fretado. Desconhece se foi simultâneo o carregamento com a visita.
Como à data os seus afazeres profissionais eram na Casa Civil do Presidente da República e não em O Comércio do Perto, ignora se a notícia referente ao motim foi publicada por O Comércio do Porto ou por outros. O motim teve lugar em 1977 e esclarece que não é o motim que ficou conhecido por «motim Nito Alves» (fls. 109 v.° e 110);
j) E, por fim, o declarante admite, mais uma vez, que a posição assumida pelo principal negociante de café, que dissera ser referenciado como pessoa sem escrúpulos, ao mencionar a «veneranda figura», o «importante elemento do PS» e a sua ida a Luanda como «intermediário» entre os milionários do café e Agostinho Neto, levantando um escândalo político à volta de uma importante personalidade, teria em vista dissuadir, de publicar por esse expediente, o jornalista Fernando Barradas (que tentou comprar as reportagens que atingiam esse negociante e visavam desmascarar a actividade fraudulenta em que estava implicado).
7 — A fl. 117 dos autos e datado de 1 de Março do corrente ano, entranha os autos um ofício da Rádio Renascença, L.dª, subscrito pelo conselho de gerência da mesma empresa, em resposta ao solicitado pelo ofício n.° 02/CEI/79, de 20 de Fevereiro de 1979, desta comissão, em que são prestados os seguintes esclarecimentos, nos pontos 1 e 2, que se transcrevem:
a) A Rádio Renascença, através dos seus noticiários ou programas, nunca fez qualquer acusação ao Sr. Deputado Macedo, como consta do ofício de V. Ex.ª; assim, não poderemos remeter qualquer texto ou gravação com o conteúdo pretendido por V. Ex.ª;
b) Aliás, é norma da Rádio Renascença nunca defender qualquer acusação pessoal, seja a quem for, independentemente da sua qualidade pessoal; e no caso particular desconhece em absoluto as actividades do Sr. Deputado Macedo.
8 — No dia 7 de Março de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Joaquim Queirós, jornalista e chefe de redacção de O Comércio do Porto, devidamente identificado nos autos a fl. 120, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, nomeadamente disse:
a) Que era, como continua sendo, o chefe de redacção de O Comércio do Porto, tendo gozado as suas férias, no ano de 1978, de 1 a 30 de Setembro.
Que, como está escrito no artigo n.° 2 de Fernando Barradas, houve uma reunião em Agosto de 1978, convocada pelo director de então de O Comércio do Porto, a que esteve presente o jornalista Fernando
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Barradas, para tomar conhecimento de uma reportagem deste jornalista sobre negócios de café que era considerada uma «boa caixa».
Nessa reunião o jornalista Fernando Barradas relatou os elementos que tinha para a reportagem, sem entrar em pormenores.
Nessa altura o jornalista Fernando Barradas revelou que um conceituado negociante de café, cujo nome não indicou, o tinha tentado subornar e lhe quisera oferecer dinheiro (talvez 50 ou 100 contos, que o declarante não sabe precisar) para ele se calar.
Tanto o declarante como o director do jornal manifestaram opinião no sentido de que a reportagem se fizesse, tendo chamado a atenção do jornalista Fernando Barradas para que tivesse cuidado, pois essas coisas são sempre difíceis de provar.
Que ainda antes desse fim de Agosto o director Margarido Correia entregou ao declarante o original do primeiro artigo da série para publicação, mas com a recomendação de esta só se verificar quando ele, director, regressasse das suas férias, que ia iniciar e que pensava terminarem por volta de 15 de Setembro.
O declarante veio a fazer entrega desse mesmo artigo, com as recomendações já referidas (pelo director), à pessoa que o ficou a substituir na chefia da redacção, Manuel Fernando Gomes de Almeida, subchefe da redacção, quando, dias após, entrou de férias.
O declarante não está no conhecimento de quaisquer factos que identifiquem o Deputado António Macedo como visado nos artigos e designadamente nas passagens do artigo n.° 3, quando ali se refere a «veneranda figura», o «importante elemento do PS», o «velho democrata e lutador antifascista», que se deslocou a Luanda «acompanhado por dois industriais ligados ao café, que, inclusivamente, lhe pagaram o bilhete de ida e volta de avião».
«Que se fez qualquer juízo foi como simples leitor (pois à data da publicação estava em férias) e em face de alusões directas à pessoa desse Deputado que vieram em outros órgãos de imprensa.»
Que recebeu das mãos do director a carta do Dr. António Macedo para a mandar publicar. E sobre a matéria nada mais pode adiantar, pois nada mais consigo se passou a respeito da ausência da resposta dada à pergunta feita nesse esclarecimento ou de comentário acerca de ser ou não ser o referido Deputado visado nos artigos.
No entanto, em sua opinião, o trabalho da reportagem foi mal feito, pois estas coisas ou não se fazem, ou, se se fazem, para esclarecimento cabal da opinião pública devem ir até ao fim, até à indicação dos nomes das pessoas porventura implicadas.
Também o declarante nunca foi abordado pelo jornalista Fernando Barradas ou pelo director no sentido de ser publicado um desmentido de que a pessoa visada fosse o referido Deputado.
O declarante não conhece quaisquer factos quanto a qualquer intervenção do Sr. Deputado António Macedo em negócios de café (fls. 120 a 122);
b) O declarante não se recorda do nome do negociante de café indicado pelo jornalista Fernando Barradas que o tentara subornar. Ocorre-lhe, isso sim, que se trata de um comerciante do Porto ligado ao negócio de café e proprietário de supermercados (fls. 122 e 122 v.°);
c) O declarante sentiu-se desobrigado de qualquer esclarecimento sobre a passagem escrita no artigo n." 1 sobre o sentido «de forma mais ou menos velada e indirecta ter envolvido conhecidas e importantes figuras da vida política nacional», por saber que o artigo só iria ser publicado quando da presença do director e por o declarante ter referido a este que teria de ter a máxima cautela com tais notícias, uma vez que, perante a lei, juntamente com o jornalista, seria responsável.
Ao director é que competia ler os artigos e mandá-los publicar. Nestes casos, o chefe de redacção fica somente com competência para mandar os textos para a tipografia (fl. 122 v.°);
d) Quanto à promoção do jornalista a «redactor especial» e após a publicação dos artigos, essa promoção foi feita por proposta do declarante e foi feita unicamente com o sentido de aproveitar o melhor possível um jornalista pouco disciplinado na aceitação de serviço de agenda.
A categoria de redactor especial era unicamente para lhe conceder um estatuto que permitisse uma maior liberdade de acção, sem estar constantemente a colidir com a disciplina imposta pelo declarante como chefe de redacção.
Uma vez que o jornalista Fernando Barradas também se não conseguiu adaptar às funções de redactor especial, designação honorífica, pois não tinha quaisquer subsídios materiais por isso, regressou à categoria de redactor (fl. 123);
e) O declarante, ao ler a carta do Sr. Dr. António Macedo, muito embora reconhecesse que o jornal nunca tinha referido o seu nome, devê-la-ia publicar, muito embora a mesma tivesse de merecer um comentário do jornalista ou do director. Assim não o entenderam essas pessoas e ao chefe da redacção mais nada competia que não fosse cumprir uma ordem superior, uma vez que o declarante já tinha apresentado a sua opinião, e de imediato, ao director (fl. 123 v.°);
f) O declarante, de regresso ao trabalho, tomou conhecimento das principais ocorrências na sua ausência e teria referido o trabalho publicado pelo jornalista Fernando Barradas, tendo recebido a informação do subchefe Gomes de Almeida (seu substituto na ausência em férias) de que tinha limitado a sua acção, naquele caso, às instruções do director. Acrescenta que as relações entre o subchefe e o director não eram as mais cordiais.
O declarante entende não admitir que da parte do jornalista Fernando Barradas tenha havido qualquer intenção de ofender o Sr. Dr. António Macedo ou de denegrir o PS.
Que até se pode verificar que em nenhum dos textos o nome do Sr. Dr. António Macedo é referido.
Se tal nome tivesse sido indicado pelo jornalista quando da proposta de reportagem, convencido está que o jornal só autorizaria a sua publicação quando tivesse na sua posse provas irrefutáveis da conduta do referido Deputado (fls. 123 v.° e 124 v.°).
g) O declarante, pessoalmente, acha impossível uma pessoa com a idade e a personalidade do Dr. António Macedo estar implicado no negócio de café. E declara-o tanto mais à vontade quanto é certo que não é correlegionário político do Dr. António Macedo nem seu simpatizante político.
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Que o jornalista Fernando Barradas disse várias vezes ao director e ao declarante que a personalidade política visada não era o Dr. António Macedo (fls. 124 v.º e 125);
h) O declarante afirma ter chamado a atenção (na reunião com o director e o jornalista Fernando Barradas) para que qualquer denúncia de nomes de pessoas deveria ser feita mediante a recolha de provas irrefutáveis, no sentido de salvaguardar a responsabilidade do jornal, do director e do jornalista. Jornalisticamente está correcto levantar um problema — como o caso presente de negócio de café com grande afectação no preço e crescente mercado negro. O jornalista desconhece o texto e não faz uso no mesmo dos nomes dos autores dos negócios referidos, por falta de provas naquela data, mas que o desenvolver dos acontecimentos poderia vir a colocar a descoberto.
E mais acrescenta que, quando solicitada a sua presença junto do director para tomar conhecimento da proposta de trabalho do jornalista Fernando Barradas, «unicamente lhe foram referidos movimentos comerciais de negócios de café, mais concretamente de importação ilegal de café, na qual estariam envolvidos alguns comerciantes, e nunca foi referido o nome de qualquer partido político, nem sequer de personalidades políticas». Sobre a expressão usada no artigo n." 1 «se disfarçam de grandes amigos do povo para, em lugares de destaque, melhor o poderem apunhalar», o declarante «entende ser forçada a frase, mas isso deve-se ao tom sensacionalista» pretendido imprimir pelo jornalista à reportagem, na opinião do mesmo declarante (fl. 125 a fl. 126).
9 — A 7 de Março de 1977 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Ercílio de Azevedo, jornalista de O Comércio do Porto, devidamente identificado nos autos a fl. 126, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, disse, nomeadamente:
a) O declarante relata a conversa que o jornalista Fernando Barradas teve consigo, dias após a publicação da carta do Dr. António Macedo, no sentido de conseguir um encontro entre os dois (jornalista e Dr. António Macedo) a fim de o primeiro dar ao segundo uma explicação, para esclarecer o Dr. Macedo de que não era a pessoa visada nos artigos publicados «Café: negócios amargos».
Como as várias tentativas de encontro com o Dr. Macedo feitas pelo declarante, nas condições descritas nos autos, não se puderam concretizar pelo não aparecimento do Dr. António Macedo, e como o jornalista Fernando Barradas entretanto foi para férias, o declarante «desligou-se do assunto e não mais pensou nele».
O declarante afirma não ter conhecimento absolutamente nenhum acerca dos factos conotados com qualquer intervenção do Sr. Deputado António Macedo em negócios de café;
b) O declarante está convencido de nada ter dito ao jornalista Fernando Barradas sobre o não ter encontrado o Dr. António Macedo (para tentar o encontro entre os dois) e tem a certeza de não se ter referido a qualquer telefonema feito ao Dr. Macedo para o fim em vista, por não ter feito telefonema algum nesse sentido (fl. 126 a fl. 127).
10 — A fl. 131, o ofício n.° 06/CEI/79, de 4 de Março, endereçado ao Sr. Ministro Adjunto do
Primeiro — Ministro, solicitando, por seu intermédio, ao Ministro do Comércio e Turismo as peças do processo de inquérito mandado instaurar por esse Ministério em devido tempo c relacionado com importação de café.
11 — No dia 23 de Março de 1978, perante a comissão de inquérito, compareceu o Sr. Manuel Gomes de Almeida, devidamente identificado nos autos a fl. 146, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, disse, nomeadamente:
a) Pertencer ao quadro redactorial de O Comércio do Porto, exercendo a função de subchefe de redacção desse jornal.
Todavia, durante o mês de Setembro de 1978, por motivo de férias do chefe dc redacção, Sr. Joaquim Queirós, exerceu essas funções, e, bem assim, durante a l.ª quinzena desse mesmo mês, a orientação do jornal, por ausência em férias do director.
O declarante diz nada saber da génese dos artigos em causa e dos factos que tenham estado na sua origem. Que tomou conhecimento deles pelas funções que desempenha no jornal, mas que não tomou parte em qualquer reunião prévia, dita «em privado».
Por Joaquim Queirós, antes de se ausentar para férias, c porque o declarante o ficou a substituir na chefia, foi-lhe entregue vário serviço, de entre o qual um ou dois dos artigos do início da série, com a recomendação de que os conservasse em seu poder c os entregasse ao director do jornal, Sr. Luís Margarido Correia, logo que este regressasse das suas férias. E assim fez.
Que, se não está em erro, no dia 21 de Setembro foi chamado ao director, que estava acompanhado do jornalista Fernando Barradas, e o referido director entregou ao declarante o primeiro artigo da série, com a recomendação expressa de que fosse publicado no dia seguinte, com chamada na primeira página e título dessa chamada sugestivo e em destaque.
O declarante mostrou a composição ao director e ao jornalista, que concordaram Com o trabalho, sendo «os dois que nessa altura mandavam no jornal».
Na própria madrugada da publicação do primeiro artigo, quando ia para casa, acompanhado de Joaquim Pereira, adjunto do director técnico, apareceu o jornalista Fernando Barradas, que interpelou o declarante, repetindo por várias vezes a frase «assim não», referindo-se à paginação da reportagem, por ela aparecer «no meio das notícias de incêndios e pernas partidas».
Nessa interpelação, o jornalista Barradas referiu ao declarante os riscos que ia correr com a publicação da reportagem, «passando pelo risco dos tiros que poderia levar, pelos 800 contos que lhe ofereceram para nada publicar (e que não aceitou), pela baixa que iria verificar-se no preço do café, pela desestabilização que a denúncia do negócio iria provocar no País», e «disse aquilo que muito bem lhe apeteceu», acabando com a frase repetida em voz muito alta de que «a ti, dou — te quinze dias», que o declarante tomou como ameaça do seu possível afastamento da chefia de redacção, ocorrência que participou ao director.
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Refere o declarante, ainda, que, logo após ter recebido o primeiro artigo ou até à publicação do segundo, por não concordar com a publicação da reportagem, que não considerava esclarecedora, dissera ao director que (a reportagem) «era uma frustração», pois nem se chegava a saber quem era o homem de fato cinzento, ao que o director respondeu: «nós sabemos quem é o homem do fato cinzento e o visado também sabe, que é o que interessa».
O declarante entende que a reportagem nunca devia ter sido publicada, porque «lança suspeitas sobre, pelo menos, a honorabilidade de um cidadão com a envergadura do Dr. António Macedo, tanto mais que os eventuais factos apontados não são comprovados». Como toda a gente, o declarante identificou o visado como sendo o Dr. António Macedo, apontado no artigo n.º 3, e porque também, no dia 28 de Agosto de 1977, publicara O Comércio do Porto, na p. 8, com o título a três colunas, uma notícia segundo a qual o Dr. António Macedo partira para Luanda a fim de se avistar com o Presidente Agostinho Neto (fl. 146 a fl. 147 v.°);
b) Para o declarante, o que foi escrito na série de artigos sob o título «Café: negócios amargos» é suficiente para identificar como pessoa visada o Sr. Deputado António Macedo, e, para si, o facto de a data referida no artigo n.° 3 —28 de Agosto de 1977 — coincidir com a publicação de uma notícia era O Comércio do Porto anunciando a partida do Dr. António Macedo para Luanda é o bastante (fl. 148);
c) O declarante faz referência a que, muitos meses antes da publicação da série dc artigos, se falava, em ambiente de café («a voz do povo»), na pessoa do Sr. Dr. António Macedo como estando envolvido no negócio do café (fl. 150 v.°);
d) Em face da resposta que foi dada ao declarante pelo director de que «nós sabemos quem é o homem de fato cinzento e o visado também sabe, que é o que interessa», ficou o declarante com a ideia de que «não estava na presença de um profissional da informação e muito menos na de uma pessoa com capacidade para exercer o cargo de director de um jornal».
E mais uma vez o declarante reitera a opinião de que a coincidência de datas — a apontada no artigo n.° 3 e a da publicação de uma notícia em O Comércio do Porto— anunciando a partida do Dr. António Macedo para Luanda o leva a relacionar o conteúdo do artigo n.° 3 da reportagem com o Dr. António Macedo (fls. 151 v.° e 152);
e) O declarante assinala desconhecer as intenções do jornalista Fernando Barradas sobre a pessoa que visa nos artigos, pois não faz ideia dos seus propósitos ao elaborar a reportagem.
Também não sabe se o jornalista previria que a opinião pública identificaria «a veneranda figura» com o Deputado António Macedo (fls. 152 e 152 v.°);
f) O declarante afirma que só após a publicação do artigo n.° 3 é que associou ideias entre a pessoa do Dr. António Macedo, como visado, e o que já referiu como sendo «a voz do povo», no ambiente de café, na cidade do Porto.
Anteriormente, não havia estabelecido qualquer relação (fl. 152 v.°);
g) O declarante não se lembra de nomes de pessoas ou dos cafés em que ouvia «a voz do povo» sobre os negócios de café que se vêm referindo. Todavia, uma certeza absoluta tem: que ouvia essas alusões públicas antes da publicação da reportagem. E tem quase a mesma certeza relativamente à preparação dos artigos, e que as mencionadas conversas de café já eram anteriores à nomeação de Margarido Correia para director, que supõe fosse em Junho de 1978, e não sabe se entre a nomeação para o cargo de director e a reportagem há qualquer relação, mas admite que não haja.
O declarante não está convencido de que com a publicação dos artigos se pretendesse atacar o PS — nem o jornalista nem o director—, sendo o jornalista Fernando Barradas um temperamental emotivo.
O declarante não conhece qualquer livro publicado pelo jornalista Fernando Barradas com artigos publicados num semanário local ou em O Comércio do Porto. Os publicados em O Comércio do Porto leu-os, mas já se não recorda (fl. 151 v.° a fl. 153);
h) E sobre a oferta dos 800 contos em que o jornalista Fernando Barradas falara ao declarante (e este já referira), supõe o declarante que se destinavam a uma de duas coisas: «ou para que nada escrevesse, ou para que não publicasse nomes das pessoas implicadas no negócio de café», admitindo como mais provável a primeira hipótese (fl. 153).
12 — Neste mesmo dia 23 de Março compareceu perante a comissão o Sr. Augusto Caetano de Carvalho, devidamente identificado a fl. 148 dos autos, subdirector do Expresso, em funções de direcção neste momento, por impedimento do director, e que, na qualidade de declarante, disse, nomeadamente:
a) Perguntado ao declarante se foi ele o autor do escrito «O negócio de café desce ao banco da imprensa com o seu anjo-da-guarda», publicado no Expresso, de 30 de Setembro de 1978, ou dos comentários sobre o título «A resposta do Expresso», publicados no número de 21 de Outubro seguinte, a p. 15, responde que, para os devidos efeitos, foi ele mesmo, mas entende que deve e dá uma explicação da posição assumida perante a comissão.
Que o texto publicado em 30 de Setembro consta de duas partes: um artigo de O Comércio do Porto, devidamente identificado, e um comentário do Expresso, suficientemente claro para carecer de mais achegas.
Quanto ao comentário do Expresso, a direcção do jornal, aqui no caso o próprio declarante, assume a responsabilidade do mesmo, pois da sua deontologia não faz parte indicar os autores dos artigos não assinados.
Quanto ao segundo texto, publicado em resposta à carta do Sr. Dr. António Macedo, e em relação à autoria do mesmo, a resposta é igual à anterior.
O declarante faz reparos à não existência nos autos da resposta do Expresso, que entrega nessa ocasião, tendo-lhe sido explicado que isso se deveria ao possível extravio da fotocópia que continha esses elementos antes da organização do processo.
Que no âmbito da sua missão jornalística faz investigações e depois publica-as.
Que dar respostas a título pessoal não o poderá fazer em consciência.
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Que a única coisa que o Expresso trouxe a lume sobre o assunto foi estranhar o facto de, tratando-se de acusações tão graves de uma personalidade pública, como é o caso do Sr. Dr. António Macedo, e perante tamanhas acusações que lhe eram feitas por O Comércio do Porto, as autoridades competentes não haverem imediatamente instaurado um inquérito.
Que a posição que assume em não dar respostas como pessoa resulta de uma questão de ética jornalística, princípio que envolve e informa a sua actividade jornalística. Que o problema não se prende com o Sr. Dr. António Macedo, «personalidade que, a priori, lhe merece consideração pela actividade política do domínio público».
Que os conhecimentos que tem ou venha a possuir resultantes da investigação em curso se prendem com a verdade jornalística e, no âmbito dessa verdade, não chega a distinguir o que é pessoal da «matéria destinada a publicação». Em toda a sua actividade tem em conta a salvaguarda do segredo profissional. Por isso não pode adiantar mais (fl. 148 a fl. 149 v.°);
b) Pela tese que vem desenvolvendo, o declarante afirma que, mesmo convocado como «cidadão», perante a comissão a atitude não seria outra, porque todos os seus conhecimentos pessoais, regra gera), conduzem à profissão jornalística, sendo por isso mesmo como tal julgado pela opinião pública.
Que é uma questão de princípio e é pelos princípios que se norteia (fl. 150).
13 — No dia 28 do mês de Março de 1979 compareceu perante a comissão o Sr. Nuno Rocha, devidamente identificado a fl. 158, que, como declarante, cumpridas as formalidades legais, nomeadamente disse:
a) O declarante, posto que não tenha sido o autor da nota a fl. 17, da edição de 28 de Setembro de 1978, na secção «Pessoas» do Tempo, não pode identificá-lo porque a ética da profissão impede o director de revelar os autores da matéria não assinada.
O declarante não tem conhecimento de qualquer facto relacionado com actividades do Sr. Dr. António Macedo e só muito vagamente tomou conhecimento pelos jornais do caso do negócio do café de Angola.
O declarante está certo, sem que todavia possa garantir ter o Tempo publicado, sem comentários, a carta do Sr. Dr. António Macedo, uma vez que é rigoroso critério do Tempo publicar sempre o direito de resposta. Poderá, se a comissão assim o entender, fazer diligências para encontrar o jornal onde foi publicada essa carta.
Os redactores do Tempo limitaram-se a aludir à informação com origem em O Comércio do Porto.
A alusão feita ao nome do Sr. Dr. António Macedo como «responsável por chorudo negócio de café» tratou-se de ilação lógica do jornalista autor do comentário, depois de lida a informação de O Comércio do Porto, que a realização deste inquérito veio confirmar.
Posto que o declarante não possa fazer juízo pela pessoa que escreveu a nota, é seu convencimento que a «analogia entre o nome e a pessoa visada nos artigos de O Comércio do Porto se faz a partir das viagens do Dr. António Macedo a Angola, da sua amizade com o Dr. Agostinho Neto e de ser referido como veneranda figura do PS'» (fl. 158 a fl. 159);
b) O declarante afirma que, mesmo se soubesse o nome do autor da nota, como a revelação desse nome nada adiantaria aos objectivos da comissão de inquérito, prefere recusar-se a divulgá-lo, pois ainda, segundo a ética jornalística, a simples inquirição junto dos redactores do jornal seria considerada uma atitude de fraqueza do director perante os casos de matéria não assinada,
Para o declarante, a referência feita no Tempo de que o Sr. Dr. António Macedo fosse responsável «por chorudo negócio de café» cujos custos fossem suportados pelos Portugueses é uma ilação consequente do abundante noticiário publicado em O Comércio do Porto (fl. 159 v.º).
14 — No dia 30 de Março de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito a Sr. D. Balbina da Silva Pereira, chefe da Divisão de Licenciamento e Registo Prévio da Direcção-Geral do Comércio Externo, devidamente identificada nos autos a fl. 165, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirida, disse, nomeadamente:
a) Que o artigo n.° 3 «Café: negócios amargos» «não tem ponta por onde se lhe pegue», referindo-se a «poderá dar boas informações», e que aguarda nova oportunidade para esclarecer este assunto.
E refere que em 1977, em relação às importações totais em tonelagem e em valor, quase não houve importações de café de Angola, pois as que houve foram em percentagem mínima em relação aos totais. As que houve foram efectuadas nos primeiros meses desse ano, enquanto a data da viagem a Angola, referenciada no artigo citado, foi a 28 de Agosto.
Que na Direcção-Geral foi instaurado um inquérito que tem por objecto este assunto de importação de café. Esse inquérito, instaurado em 1978, foi ordenado pelo Secretário de Estado Dr. António Celeste aos serviços da Divisão de Licenciamento e Registo Prévio da Direcção-Geral do Comércio Externo e está sendo conduzido pelo juiz de direito Dr. Danilo Alves Martins. Que esse inquérito não foi instaurado por causa dos artigos em causa, pois eles até são posteriores, mas sim em virtude de uma notícia publicada no matutino O Dia por fins do ano de 1977.
Que nunca houve corrida a boletins de importação de café, nem antes nem depois da publicação da Portaria n.° 99-A/77, de 28 de Fevereiro, que contingenta a importação de café e cujos serviços dependem da divisão chefiada pela declarante.
Só em casos de dúvida é que os assuntos eram apresentados ao Secretário de Estado ou instâncias superiores, que decidiam, e isto segundo a portaria.
Relativamente a licenças de importação de café de Angola a declarante não pode esclarecer se foram concedidas só a um ou dois importadores, porque não lhe é possível discriminar a parte das autorizações referentes a importação de Angola das respeitantes a outros países, por não se recordar.
Recorda-se, todavia, que alguns dos maiores importadores eram a firma Sical, do Porto, e José da Silva Gama.
Não é verdade terem — se negado autorizações de importação a outros industriais, como se afirma no artigo n.° 3.
A declarante não tem conhecimento do «monopólio», nem sabe se ele existiu, ou se «toda a comercialização de café teria passado a ser feita segundo as
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exigências e condições de preço», como se escreveu no citado artigo n.° 3, segundo as exigências de um número restrito de importadores. E a ter existido porventura, seria estranho aos serviços da declarante.
A declarante acha impossível que à sombra da importação de café de Angola, que no ano de 1977 foi em mínima quantidade relativamente aos totais, se pudesse estabelecer qualquer monopólio ou quase monopólio. A declarante desconhece qualquer intervenção do Sr. Deputado António Macedo em negócios de café e designadamente em importações de café de Angola (fl. 165 a fl. 166 v.°);
b) A declarante indica, além das firmas importadoras do Porto já referidas (Sical e José da Silva Gama), também Montarroio.
A declarante refere não dispor de momento de dados que lhe permitam concretizar os casos dos importadores submetidos a despacho do Secretário de Estado ou mesmo do Ministro.
Que após o aparecimento da portaria os importadores se dirigiam aos serviços da declarante, expondo as suas situações decorrentes da aplicação da portaria (fls. 166 v.° e 167);
c) A declarante descreve o modo como são elaboradas as estatísticas de importação de café a partir dos elementos fornecidos pelas alfândegas e explicita o critério do rateio do produto pelos importadores de café seguido pela portaria.
Também explica a razão de, no ano de 1977, a importação de café ter atingido um valor de cerca de 2050 milhares de contos, quando, pela portaria, deveria ter sido de 800 mil contos (fl. 167 v.°).
Não sabe se os três importadores de café indicados por si seriam ou não proprietários de plantação de café em Angola e se nos anos de 1975 e 1976 os mesmos foram os principais importadores de café de Angola (fl. 167 v.°);
d) A declarante afirma não ser verdade e nem ter pés nem cabeça dizer-se que dois industriais, em menos de dois meses, cm 1977, tivessem feito quase o triplo das importações de café de Angola que estavam destinadas a todo o sector e para o ano inteiro.
Que a portaria estabeleceu como limite máximo a importação de 800 mil contos e o triplo dessa importação seria de 2400 milhares de contos para importação de todos os países. Ora de Angola importaram-se apenas cerca de 135 000 contos.
E finaliza as suas declarações dizendo não conhecer pessoalmente o Dr. António Macedo e não ter conhecimento, directo ou indirecto, de alguma vez o mesmo ter tido qualquer interferência junto da divisão que chefia (fl. 168).
15 — No mesmo dia 30 de Março compareceu perante a comissão de inquérito a Dr.ª Alda Maria das Neves Carneiro de Caetano Carvalho, técnica de 1.ª classe da Direcção — Geral da Coordenação Comercial, devidamente identificada nos autos a fl. 168 v.°, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirida, nomeadamente disse:
a) Ser da sua autoria a carta publicada em O Comércio do Porto e constante de fl. 43 dos autos.
Quanto às referências feitas à sua pessoa no artigo n.° 3 da série «Café: negócios amargos», de O Comércio do Porto, onde se alude a que a declarante «poderá dar boas informações», o único facto
que conhece é que houve, no ano de 1977, uma contingentação de importação de café, a partir da publicação da portaria de 28 de Fevereiro, de 800 mil contos, e que nesse ano as importações de café atingiram o valor de cerca de 2 milhões de contos, das quais a maior parte, segundo lhe parece, foi autorizada antes da publicação da referida portaria.
A declarante não é funcionária da Secretaria de Estado do Comércio Externo, mas sim do Comércio Interno, não estando ligada aos serviços de requerimentos, processos e concessões de boletins de registo de importação de quaisquer mercadorias, e trabalha em assuntos de abastecimento interno.
Que fora das suas funções, por relação de amizade com funcionários ligados à importação de café e respectivas autorizações ou a pedido de qualquer interessado nelas, não teve qualquer interferência. Conhece o Sr. Dr. António Macedo como homem público, por referências nos jornais, nada sabendo sobre suas possíveis intervenções em negócios de café, nomeadamente de Angola (fl. 168 v.° a fl. 169 v.°);
b) A declarante tem a seu cargo, no departamento do Comércio Interno, e no seu pelouro, também a torrefacção de café; e indica que os principais torre-factores c importadores do produto são as firmas Sical, Victor H. França, Teles e C.ª, José da Silva Gama, Montarroio, etc, referindo que no País há cerca de cem torrefactores (fls. 169 v.° e 170);
c) A declarante refere ter sido abordada sobre a questão de boletins de importação de café, em nada se metendo; mas já se não recorda por quem e em que altura. Que faz parte de «um grupo de trabalho» para o estudo de abastecimento de café ao País, no qual estavam representados os torrefactores, através da Associação Nacional de Torrefactores, nas pessoas dos Srs. Rui Soares Franco, da Tofa, e Frederico Sarmento, da Montarroio (fl. 170).
16 — No dia 20 do mês de Abril de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. António dos Santos Boavida, director da Direcção de Serviços das Normas Reguladoras do Comércio Externo, devidamente identificado nos autos a fl. 172, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, disse, nomeadamente:
a) Quanto às referências feitas ao declarante no artigo n.° 3 da série «Café: negócios amargos», publicado em O Comércio do Porto, e relativamente à passagem onde se lê que «o mesmo poderá dar boas informações», explica que durante o ano de 1976 e os dois primeiros meses de 1977 a concessão de autorizações para importação de café era livre, e que a única preocupação dos serviços era manter informada a Secretaria de Estado do Comércio Interno, com responsabilidade no abastecimento público, de forma a exercerem a competência em matéria de aprovação de preços.
Todavia, a partir do dia 1 de Março desse mesmo ano, por força da portaria de 28 de Fevereiro, passou a existir a contingentação, entre outros produtos, da importação de café.
Consequentemente, e ao contrário do que se afirma nesse artigo n.° 3, até final de Fevereiro de 1977 não existiu qualquer discriminação referente à concessão de BRIs e entre comerciantes ou industriais de torrefacção.
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Porém, a partir de Março do mesmo ano, a concessão dos BRIs passou a ser em função das importações, por cada um dos comerciantes, realizadas nos anos de 1975 e 1976, de harmonia com o preceituado na portaria referida. E como já eram decorridos dois meses nesse ano, e anteriormente à sua publicação, foi quantificada a quota em 10/12 do respectivo e global montante de 800 mil contos fixado pela portaria, limite esse observado pelos serviços até final do ano.
Não houve a discriminação referida no artigo de se concederem a uns e negarem a outros boletins de importação.
O declarante refere os estudos que antecederam, durante algumas semanas, a publicação da portaria, em âmbito do chamado grupo, para análise da balança comercial, de que faz parte, e indica as demais entidades que a integram.
Que da parte do declarante houve a preocupação de manter a estrita confidencialidade durante o período de semanas desse estudo, não transmitindo sequer à Divisão de Licenciamento quaisquer informações senão três ou quatro dias antes da publicação da portaria, e em relação à generalidade dos produtos abrangidos, de modo a ser impedida a emissão de BRIs cujo montante pudesse ser considerado elevado.
No período que antecedeu a publicação da portaria não se verificou corrida aos BRIs relativos a café, em especial nos meses de Janeiro e Fevereiro de 1977.
O declarante considera incorrecto falar-se em situações de monopólio no artigo n.° 3, quando se verifica, como o comprova pelos mapas que junta aos autos (fl. 178 a fl. 180), que as importações de café em 1975 e 1976 foram realizadas por mais de duas dúzias de empresas, cujos valores serviram de critério básico para atribuição das quotas de rateio do contingente que veio a ser fixado.
Mais declara absolutamente nada conhecer de qualquer intervenção do Sr. Dr. António Macedo em negócios de café, além de ter lido os artigos sobre o assunto.
E que, na vigência da portaria e ano de 1977, nenhuma licença foi pedida ou autorização concedida para importação de café de Angola (fl. 172 a fl. 173 v.°);
b) O declarante esclarece que no ano de 1977, e a partir da publicação da portaria, não foram concedidas autorizações para a importação de café de Angola, mas sim de café de outras origens, até ao limite resultante da contingentação fixada, e que está convicto de que todos os habituais importadores mencionados nos mapas anexos aos autos (mais de duas dúzias, e não dois) dispuseram de BRIs.
E esclarece o declarante, por importante (como acentua), que os BRIs tinham normalmente uma validade de seis meses, pelo que explica o desajustamento em qualquer período dos elementos estatísticos relativamente aos boletins concedidos e às importações efectivas (fl. 172 v.n a fl. 177 v.°):
c) O declarante repete não ter sido notada, no final do ano de 1976, qualquer «corrida» a boletins de importação no caso do café.
Quanto à evolução dos valores dos anos de 1975 e 1976, ela teve relação com a subida da Cotação do café nos mercados internacionais.
Admite que em 1977 tenham sido concedidas autorizações para importação de café de Angola, e tem ideia de que a última importação dessa procedência se tenha efectuado em Agosto/Setembro.
E reitera a afirmação já produzida de que, após a publicação da portaria, não foram apresentados pedidos de importação de café de Angola pelos habituais importadores (fls. 175 v.° e 176).
17 — No dia 27 do mês de Abril de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Dr. António Celeste, então Secretário de Estado do Comércio Externo, devidamente identificado a fl. 181, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, nomeadamente disse:
c) O declarante afirma que as referências feitas a factos que o artigo n.° 3 diz serem do conhecimento do próprio e acerca dos quais se afirma que «o mesmo poderá dar boas informações» nada têm a ver com o inquérito mandado instaurar pelo declarante, quando Secretário de Estado do Comércio Externo, em 27 de Janeiro de 1978, ainda na vigência do I Governo Constitucional, aos serviços da Direcção de Licenciamento da Direcção — Geral do Comércio Externo, e cuja origem esteve em notícia publicada pelo jornal G Dia. da véspera, que citava irregularidades no domínio dos licenciamentos e sem dizer quais os vários produtos de importação e exportação abrangidos por tais irregularidades.
O declarante explana a mecânica dos licenciamentos e seu processamento e justifica, pelas licenças passadas em Janeiro e Fevereiro, antes da publicação da portaria que contingenta a importação de vários produtos, entre os quais o café, porque é que parece haver discrepância entre a importação de café e o contingente estabelecido.
E junta uma notícia publicada em A Capital no mês corrente (Abril), de que consta um excerto de uma nota da Secretaria de Estado do Comércio Externo respeitante a importação de café (fl. 184).
Em relação a determinadas insinuações que o artigo contém sobre o facto de o contingente de 800 mil contos ter sido largamente excedido, para melhor esclarecimento o declarante apresentou, e ficou junto aos autos, uma informação por si pedida, em 2 de Dezembro de 1977, à Direcção-Geral do Comércio Externo (fl. 185 a fl. 193).
O declarante não sabe quantos foram os importadores de café de Angola no ano de 1977, visto que essas importações eram tratadas pela Direcção de Licenciamento e por um grupo ad hoc de representantes de outras secretarias.
Ao declarante, pessoalmente, não chegaram reclamações de importações de café nem soube que tivessem sido feitas nos respectivos serviços, isto apesar de ao declarante terem chegado reclamações acerca de importações de outros produtos.
Também não sabe que tivessem sido negadas quaisquer Licenças de importação.
O declarante desconhece e não lhe constou que, no mercado interno do café, no ano de 1977, tivesse havido um monopólio ou quase monopólio de distribuição de café, como se escreveu no já citado artigo n.° 3; e não crê que tal fosse possível, dado o o modo como foi feito o rateio de distribuição do contingente.
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O declarante conheceu o Dr. António Macedo na vigência do f Governo Constitucional, e nunca se lhe dirigiu pessoalmente a abedar assuntos dc cafe nem soube que se dirigisse a outras pessoas sobre o ir.esmo assunto.
Não o julga capaz de exercer tráfico de influências c nas vezes que foi ao Ministério do Comercio fê-lo a propósito das suas idas a Angola e no interesse geral do País, procurando facilitar o estabelecimento de relações entre Portugal e a República Popular dc Angola (fl. 181 a fl. 182 v.º);
b) O declarante refere que, tendo sido o contingente de café a importar atribuído em valor de contos c dado o aumento da cotação internacional do produto e desvalorização do escudo, a quantidade importada no ano de 1977 diminuiu de maneira sensível em relação ao ano anterior.
E o declarante refere as estatísticas que lhe foram fornecidas pela Direcção — Geral do Comércio Externo, donde respigam dados como, para o ano de 1976, de 16 2161 de café robusto em grão, tendo-se cm 1977 importado apenas 10 785 t.
Quanto a outros tipos de café, a importação baixou de 2174t em 1976 para 57 t em 1977 (fls. 182 v.º e 183);
c) O declarante refere que as prorrogações de validade dos boletins de importação para o café de Angola, até Fevereiro de 1977, eram concedidas sem restrições especiais (fl. 183);
d) O declarante esclarece que a comissão ah hoc interministerial a que já aludiu é a comissão técnica em que os assuntos de importação e distribuição de café eram tratados à data da publicação da portaria de contingentação desse produto e não pode precisar se da mesma faziam parte representantes dos industriais de café, pois, tratando-se de um problema de abastecimento do País, a comissão tinha mais contactos com a Secretaria de Estado do Comércio Interno.
E o declarante esclarece que não havia contrôle do preço do custo do café indicado pelo importador no boletim, mas tão — só a comparação com os preços de outras importações (fls. 183 e 183 v.°).
18 — A fl. 200, o ofício n.° 572 do Ministério do Comércio Externo (Direcção — Geral do Comércio Externo), datado de 17 de Abril de 1979 e subscrito pelo juiz inquiridor, Dr. Danilo Alves Martins, que responde ao ofício n.° 06/CEI/79, de 9 de Março transacto, dando conta dos trâmites do inquérito aos serviços da Divisão de Licenciamento e Registo Prévio a que está a proceder.
19 — No dia 4 do mês de Maio de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Rui Guedes Soares Franco, devidamente identificado a fl. 203, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, disse, nomeadamente:
a) Como representante da Associação Nacional de Torrefactores, juntamente com o Sr. Francisco Sarmento, fez parte do grupo de trabalho que se destinava a estudar a maneira como o contingente de importação de café seria distribuído pelos industriais e comerciantes desse produto.
O declarante não conhece nenhum facto que possa provar o que é dito no artigo n.° 3, publicado em O Comércio do Porto pelo jornalista Fernando Barradas, e também não sabe a quem se refere o mesmo
artigo como sendo a «veneranda figura», «importante elemento do Partido Socialista», «velho democrata e lutador antifascista» que se deslocou a Angola acompanhado por dois industriais do café, os quais também desconhece.
No concernente ao artigo n.º 1, da série de artigos publicados, não sabe identificar o «homem do fato cinzento».
O declarante, na qualidade de presidente da Associação Nacional de Torrefactores, que foi em 1977 e continua sendo, admite a possibilidade de a exposição endereçada ao Ministério do Comércio e Turismo em Maio desse ano, por aquela Associação, que lhe foi lida de fl. 75 a fl. 76 destes autos, não assinada e apresentada pelo jornalista Barradas, ter a origem que o mesmo jornalista indica. Todavia, dado o tempo decorrido, só o pode confirmar consultando os arquivos respectivos.
O declarante afirma não conhecer quaisquer factos que directa ou indirectamente apontem o nome do Sr. Deputado António Macedo como conotado com negócios de café (fl. 203 a fl. 204);
b) Quanto ao documento referenciado de fl. 75 a fl. 76, o declarante, de momento, põe reservas sobre a sua autenticidade, uma vez que não está assinado e o papel não é timbrado da Associação Nacional de Torrefactores. Que a redacção não é da sua autoria e nem se recorda de o ter assinado, mas no caso de existência em arquivo fará remessa à comissão.
Que, efectivamente, o valor do contingente de café para o ano de 1977 foi ultrapassado e que consta haver um ou dois importadores que beneficiaram dessa situação.
Não possui, no entanto, o declarante dados que lhe permitam concretizar quem foram esses importadores.
Quanto à possibilidade de ter havido «situação de monopólio», o declarante refere que no ano de 1975 e primeiros meses de 1976 o café importado era quase na sua totalidade importado de Angola e, por conseguinte, não eram necessárias licenças de importação. Porém, como nessa altura as comunicações marítimas entre Angola e Portugal não eram fáceis, o Instituto do Café de Angola não teve possibilidade de cumprir todos os contactos estabelecidos com os importadores portugueses.
Daí — e segundo o seu ponto de vista — as situações de privilégio que referiu terem sido ocasionadas pelo «factor sorte», e da responsabilidade do já referido Instituto do Café e até ocasionadas pelas dificuldades de embarque em Angola (fl. 204 a fl. 205);
c) Sobre a matéria abordada pelo jornalista Fernando Barradas nos artigos n.ºs 2, 3 e 5, onde se lê, respectivamente: «o negócio do café é feito na base da corrupção, da fraude, da ilegalidade»; «durante muitos e muitos meses, para terem café, os comerciantes sujeitaram-se a pagar aos monopolistas por baixo da mesa, uma pequena fortuna em fracções de dezenas de escudos», e «[...] ninguém será tão ingénuo que pense que as firmas que se sujeitaram a esta trapaça o fizeram para perder dinheiro», posta à consideração do declarante para se pronunciar, como presidente da Associação Nacional de Torrefactores, diz o mesmo declarante que a Associação a que preside é constituída unicamente por industriais torrefactores, mas nela não estão incluídos
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todos os industriais, representando apenas cerca do 70% do sector. E admite como possível que alguns associados tenham comprado café a comerciantes nessas condições, não estando, porém, em posição de categoricamente a afirmar.
Para o declarante, os artigos publicados pelo jornalista Fernando Barradas não podem ser entendidos na generalidade, mas sim para os casos de excepção.
Entende ainda o declarante que este género de reportagens, dada a falta de objectividade, «é deplorável», «provocando confusão na opinião pública pela maneira pouco esclarecida e ambígua como são feitas» (fls. 205 e 205 v.°);
d) O declarante não tem conhecimento de nos anos de 1975, 1976 e 1977 haver sido concedida alguma licença de importação de café de Angola.
E mais declara haver dificuldades em embarcar café de Angola para Portugal, na segunda metade do ano de 1975, e talvez nos primeiros meses de 1976, devido ao congestionamento de mercadorias e de pessoas no porto de Luanda e à falta de navios. Que no ano de 1975 essa dificuldade foi atenuada com o fretamento de um barco pelo importador Sr. José da Silva Gama.
Quanto às firmas que constituíam a direcção da Associação Nacional de Torrefactores nos anos de 1976, 1977 e 1978, eram as seguintes (fls. 205 v.° e 206):
Tofa — Torrefacções de Cafés de Portugal, representada pelo declarante;
Sical — representada pelo Sr. Armando Nazaré;
A Negrita, L.dª — representada pelo Sr. Carlos Pina;
Montarroio, L.dª — representada pelo Sr. Frederico Sarmento; Pernambucana — representada pelo Sr. Correia.
20 — No dia 10 de Maio de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Frederico Sarmento, devidamente identificado a fl. 214, que, cumpridas as formalidades legais, na qualidade de inquirido, nomeadamente disse:
a) Que ele, declarante, fez parte de um grupo de trabalho para o estudo do abastecimento de café ao País, grupo esse constituído desde 1975, quando Ministro do Comércio o Dr. Magalhães Mota, e do qual faziam parte os nomes constantes de um despacho ministerial, de entre os quais figuram o Sr. Rui Soares Franco e D. Alda Caetano de Carvalho.
Que esse «grupo» teria reunido, a partir da sua criação, umas trinta vezes, lavrando actas das reuniões, que eram comunicadas ao respectivo titular da pasta.
A partir de certa altura essas reuniões passaram a ser menos frequentes, facto acentuado com a publicação da portaria que fixou contingentes do café, deixando de haver, por fim, reuniões a funcionar.
Que nem pelo facto de integrar esse «grupo de trabalho» ou por qualquer outra razão tem conhecimento de algum facto que possa confirmar as afirmações contidas no artigo n.° 3 da série «Café: negócios amargos» que o leve a concluir que a figura visada nesse artigo seja o Sr. Deputado António Macedo.
E o declarante passa a descrever, resumidamente, a exposição oral que fizera previamente sobre a matéria perguntada:
1.° Antes da saída da portaria já referida «adivinhava-se» que a falta de divisas originasse o que veio a designar-se por 1.º pacote e, por consequência, a redução nas importações de café;
2.° A portaria, ainda que publicada a 28 de Fevereiro, só veio a produzir efeitos práticos em Maio ou Junho desse ano. Nessa altura, grande parte das firmas importadoras já tinham ultrapassado o contingente que lhes iria ser atribuído, em contos, em resultado da subida de cotação do produto no mercado internacional;
3.° E como foi tomada em conta a média da importação feita nos últimos dois anos, e não nos últimos cinco anos, como seria desejável (na opinião do declarante), isso redundou em benefício das empresas que em 1975 e 1976 fizeram elevadas importações.
Daí que a maior parte das firmas torrefactoras sofressem desvantagens enormes, pois viram-se, a curto prazo, com falta de produto, enquanto outras beneficiaram e transaccionaram em larga escala;
4.º Relativamente ao Sr. Dr. António Macedo ser cu não a pessoa visada no artigo n.° 3, intitulado «Café: negócios amargos», como já disse, não o pode afirmar, embora seja essa a sua convicção. E essa conclusão a deduz baseado na leitura dos artigos e também por, como consta dos jornais da época, ter havido coincidência em viagens feitas a Angola pelo Sr. Dr. António Macedo.
O declarante mais esclarece que, em data que não pode precisar, foi procurado pelo jornalista Fernando Barradas no sentido de colher pormenores sobre o negócio de café.
Tentou dissuadi-lo de versar o problema, salvo se dispusesse de provas, pois de contrário entendia ser «deselegante a sua actuação».
Que havia encontrado, na véspera da publicação do artigo n.° 6, o Sr. Barradas a almoçar com o Sr. José da Silva Gama e, com o seu maior espanto, no dia imediato pôde ler o artigo intitulado «A culpa é do Governos.
E ao declarante não restam dúvidas de a culpa ter sido do Governo, dadas as irregularidades verificadas na comercialização do café, originadas especialmente pela forma como os contingentes foram planeados e atribuídos c por não ter sido executada a filosofia da portaria de imediato.
O declarante não sabe quem é o «homem de fato cinzento», como já referiu, e reconhece o documento de fl. 75 a fl. 76 como sendo autêntico e informa ter sido subscrito pela respectiva direcção da Associação, tendo assinado pelo presidente da mesma, que se encontrava ausente, o secretário, e nada tem a ver o documento com o Sr. Dr. António Macedo.
Desconhece qualquer facto que correlacione o mesmo Deputado com interferências eventuais em negócios de café (fl. 211 a fl. 212 v.°);
b) O declarante esclarece que para a elaboração da portaria o «grupo de trabalho» não foi ouvido pela entidade respectiva, do que lavrou na oportunidade o seu protesto por esse facto, bem assim por ter sido marginalizado em assunto que reputa da maior importância para o abastecimento regular e justo do País.
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Que o Secretário de Estado de então (Dr. António Celeste) tinha indeferido o pedido de importação de 50t, por parte da firma do declarante, fundamentando esse indeferimento no facto de a empresa ter ultrapassado o limite do contingente que lhe coubera, do que, aliás, não tivera conhecimento prévio.
E só em 21 de Dezembro de 1977 foi comunicado o deferimento respectivo, mas a deduzir no contingente do ano imediato, como sucedeu.
Que, independentemente dos artigos da série publicados em O Comércio do Porto, outras pequenas notícias em diferentes órgãos de informação tentavam fazer crer no envolvimento da pessoa do Sr. Dr. António Macedo em negócios de café.
É do conhecimento do declarante, por ouvir dizer, que o Sr. José da Silva Gama foi a Angola na altura em que ali se deslocou o Sr. Dr. António Macedo, o que pode ter acontecido por mera coincidência, segundo afirma (fl. 212 v.° a fl. 213 v.°);
c) O declarante ignora se no ano de 1977 foram passados BRIs de café de Angola a qualquer importador (fl. 213 v.º);
d) Para o declarante, em 1975 e 1976, e quando ainda a importação do café era livre, um ou dois importadores fizeram grandes importações legais de café, nomeadamente de Angola.
Ora, quando em Fevereiro de 1977, por portaria, vem a contingentação baseada nas importações feitas nos dois anos anteriores (mas na base de 800 mil contos o contingente global a importar), por despacho interno essa importância foi rateada pelos importadores.
Em face de tal critério, esses um ou dois importadores, no ano de 1977, ficaram beneficiados, como é óbvio, dadas as grandes importações feitas nesses dois últimos anos.
Desta situação, que não se teria verificado se a média fosse dos últimos cinco anos, e não dos dois, resultaram graves prejuízos para os outros importadores, que viram diminuídos os seus contingentes de importação, tanto mais que estes foram fixados em moeda e a cotação internacional do café subiu extraordinariamente.
Tanto a portaria que toma como base dois anos, e não cinco (como deveria ser), como o despacho que fixou o critério de rateio, para o que nem sequer foi ouvido o grupo de trabalho para o estudo do abastecimento do café ao País, não têm a concordância do declarante e são a causa das perturbações verificadas e que já produziram aqueles maus resultados em Agosto de 1977 (fls. 213 v.° e 214);
e) O declarante, aquando da conversa tida com o jornalista Fernando Barradas, aconselhou-o a, nos artigos que tencionava publicar sobre «Café: negócios amargos», criticar a portaria que regulamentava o café, porque podia alertar o Governo para a regularização de uma situação que considerava e considera injusta. Nesse ponto o serviço prestado seria de utilidade pública, afirma.
Ao contrário, manifestou o «seu desagrado por mexer na mixordice» de qualquer possível negócio escuro de café que possivelmente tivesse havido.
E diz o declarante que estranhou vir o jornalista Barradas, no último artigo, atribuir culpas ao Governo, quando o mesmo jornalista sabia, mesmo an-
tes de publicar o primeiro artigo sobre o «café», qual a situação criada e desencadeada pela portaria (fl. 214 v.°).
21 — No dia 23 do mês de Maio de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. José da Silva Gama, devidamente identificado a fl. 235, que, cumpridas as formalidades legais, e como inquirido, disse, nomeadamente:
a) O declarante informa que falou com o jornalista Fernando Barradas, ou antes ou durante a publicação da série de artigos por aquele em O Comércio do Porto, sob o título «Café: negócios amargos», não podendo, contudo, precisar a época em que o fez. Procurado pelo jornalista, que queria ser elucidado sobre negócios de café, por duas vezes se encontrou com ele, no Porto, sendo uma dessas vezes num almoço.
Pelo jornalista foi contada ao declarante aproximadamente a matéria constante dos artigos publicados. O declarante chamou a atenção do jornalista para o cuidado que deveria ter em «narrar factos destes no jornal, pois seria natural que lhe fossem pedidas contas e teria de fazer a prova deles. Por si, assim procederia». O declarante explicou ao jornalista como se processava o negócio do café em geral, focando as incertezas que, nesse momento, havia no mercado, as grandes oscilações de preço e os plafonds nas importações.
No decurso dessas conversas o jornalista Fernando Barradas referiu ao declarante que tinha informações de que o Dr. António Macedo tinha ido a Angola servir de intermediário no negócio de importação de café desse país e perguntou ao declarante o que sabia a tal respeito. O declarante respondeu de nada saber e consigo não tinha ido a Angola.
Por seu lado, o declarante, em consequência da instância, referiu ter ido várias vezes a Angola, entre os anos de 1974 e 1977, por causa da sua actividade de importador de café, não se recordando quantas.
As diversas importações que fez foram todas legais e munidas dos respectivos boletins. E refere que, dias antes da independência de Angola, fretara um barco — o Fumer Trade — por 9 mil contos, para carregar uma partida de café de pouco mais de 2000t, que ali tinha comprado, receando complicações resultantes do estado de guerra que naquele país havia. E descreve as complicações havidas nesse carregamento. Mas, todavia, acrescenta que neste caso e em outros, com excepção de um deles (que não foi autorizado a concretizar em 1977), o Dr. António Macedo «nem apareceu nem teve a menor interferência».
E passa o declarante a narrar:
«Talvez no mês de Setembro de 1977, o declarante deslocou-se a Angola, por duas ou três vezes, sendo a última já em Outubro, para ver se conseguia efectuar o negócio de importação de café, em regime de compensação com artigos portugueses (entre estes batatas, que em Portugal estavam então a apodrecer, enquanto em Angola se vendiam a mais de 40$ o quilograma). Esse negócio seria em benefício do País, além do mais por não importar dispêndio de divisas.»
No entender do declarante, tal negócio deveria ser autorizado, pela razão já exposta, e até porque, sem aumentar o contingente da quota, poderia ser reexportado já torrado, deixando a Portugal um lucro. E foi no decurso dessas deslocações a Angola, supõe
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que da primeira, que o declarante, que entabulara negociações com as autoridades angolanas para poder fazer a operação, encontrou em Luanda o Dr. António Macedo e lhe falou no assunto.
«Este referiu-lhe que se encontrava em Angola para ver se entre Portugal e Angola se estabelecia um clima de boas relações, para obter a libertação de portugueses que ali se encontravam presos, e com cuja situação se sentia muito chocado, e se melhorava a situação dos portugueses residentes em Angola.»
E, segundo o declarante, foi então que expôs ao Dr. António Macedo o negócio que projectava e a sua vantagem para Portugal, com o que o Dr. António Macedo concordou, por reconhecer esse interesse. E o declarante pediu a sua intervenção no sentido de poder ser recebido pelas autoridades de Angola, com as quais tinha necessidade de contactar.
«O Dr. António Macedo acedeu prontamente e telefonou a essas pessoas, que, a breve prazo, receberam o declarante em entrevistas, não estando o Dr. António Macedo presente a qualquer delas.»
O declarante foi recebido pelos Ministros angolanos do Comércio, da Agricultura e pelo chefe do protocolo Paulo Jorge. «Afirma o declarante não ter tido quaisquer outros contactos com o Dr. António Macedo a respeito de negócios de café, quer em Angola quer fora desse país, e em Angola não voltou a ver o Dr. António Macedo.»
«O declarante nunca foi a Angola nem dali regressou na companhia do Dr. António Macedo, nem nunca se apercebeu da sua presença a bordo de qualquer avião em que viajasse. Não lhe pagou qualquer deslocação, nomeadamente em avião, nem nunca o presenteou ou pretendeu compensar de qualquer maneira, além do agradecimento verbal.»
Pela leitura dos jornais e pela conversa tida com o Dr. António Macedo, o declarante está convencido de que os motivos que levaram, nessa data, o mesmo a Angola «foram muitos e patrióticos», «merecendo o Dr. Antônio Macedo antes uma condecoração do que ser vilipendiado na imprensa».
Em Outubro de 1977, após as viagens a Angola e obtido o acordo de princípio à projectada operação proposta às entidades oficiais angolanas, o declarante tentou obter a autorização necessária para a concretização desse negócio, junto da Secretaria de Estado do Comércio Externo, conforme ofício que ficou constante dos autos, a fl. 240.
O mesmo se diga no que concerne ao ofício do Ministério do Comércio Externo, pela Direcção — Geral, n.° 1407/5.10.1, com data de 28 de Outubro, a fl. 241, e que indefere a operação de compensação proposta e já referida. O declarante, além do que referiu, nada mais sabe acerca de interferências do Dr. António Macedo em negócios de café (fl. 235 a fl. 237 v.°);
b) O declarante refere que das três vezes que foi a Angola, nos meses de Setembro e Outubro, foi expressamente para tratar do projecto que tinha concebido para a importação de café em sistema de permuta de artigos portugueses.
Que, quando partiu para Angola, da primeira vez, não sabia da presença nesse país do Dr. António Macedo; e, posto que as negociações com as autoridades angolanas tivessem tido êxito para a reali-
zação do negócio, em permuta de artigos dos dois países, depois de saber do indeferimento dado ao pedido pela Direcção — Geral do Comércio Esterno, nada comunicou às autoridades angolanas sobre o caso, visto cm seu entender nada ter a comunicar por o acordo não estar ainda concretizado.
Que quando almoçou com o jornalista Fernando Barradas, a que já fez alusão, apenas o jornalista referiu ao declarante que o Dr. António Macedo tinha ido a Angola, mas não referiu qualquer interferência tida em negócios de importação de café (fls. 237 v.° e 238);
c) Que pelo jornalista Fernando Barradas, aquando das conversas, não lhe fora feita referência ao nome do «homem de fato cinzento», a que o mesmo alude no artigo n.° 1.
O declarante esclarece que o barco fretado não pôde completar a carga de café no porto de Luanda, mercê de actos bélicos ocorridos dias antes da independência, e em Lisboa, à verificação da carga, foi registada uma diferença, para menos, de 50t no peso real da mercadoria a bordo, segundo os documentos de embarque.
Que no encontro entre o declarante e o Dr. António Macedo, em Luanda (que admite fosse em Setembro ou mesmo em fins de Agosto), só os dois estiveram, não tomando parte na conversa quaisquer outras personalidades políticas portuguesas, e que não fora apresentado, pelo Dr. António Macedo, ao Presidente Agostinho Neto, mas sim por ele a entidades oficiais que já referenciou e pelo telefone.
O declarante justifica-se, a seguir, da razão ou razões que o levaram a silenciar-se perante as entidades de Angola que haviam aprovado o projecto apresentado do negócio de café e que não se concretizou pelo indeferimento da Direcção — Geral do Comércio Externo português (fl. 238 a fl. 239);
d) O declarante diz não poder concluir a quem o jornalista Fernando Barradas se quis referir na série de artigos publicados, nomeadamente o n.º 3, onde se alude à «veneranda figura foi a Angola»; «um importante elemento do Partido Socialista estava ali em 28 de Agosto de 1977»; «um velho democrata e lutador antifascista» e na «veneranda figura do Partido Socialista que foi a Angola».
De qualquer forma — diz ainda o declarante — entende que os artigos em causa são vergonhosos e que não prestigiam a imprensa portuguesa. E, por último, diz que, «se os artigos em causa quiseram atingir o Sr. Dr. António Macedo, eles foram profundamente injustos pelo que atrás já referiu e ainda porque o considera um homem de bem» (fls. 239 e 239 v.°).
22 — A fl. 243, carta do Sr. Deputado Dr. António Macedo, datada de 11 de Junho, e dirigida ao Sr. Presidente desta comissão, em que solicita a junção aos autos de uma folha do semanário Acção Socialista, publicado em 22 de Fevereiro passado (e que integra os autos a fl. 244), bem como se declara ao dispor da comissão para lhe prestar informações ou esclarecimentos.
23 — No dia 15 de Junho de 1979 compareceu perante a comissão de inquérito o Sr. Deputado Dr. António Macedo, devidamente identificado a fi. 245, que, na qualidade de declarante voluntário,
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se pôs à disposição da comissão para prestar esclarecimentos, como consta de sua carta junta aos autos, a fl. 243.
o) Pelo presidente da comissão foram lidos ao declarante excertos dos depoimentos produzidos respectivamente pelos declarantes Luís Margarido Correia, ex-director de O Comércio do Porto, e José da Silva Gama, importador e negociante de café, constantes destes autos, a fls. 93, 236 e 236 v.°, em que se alude, no primeiro caso, a uma apresentação, nas condições aí referidas, em Luanda, de um negociante de café (que se não identifica), pelo Sr. Dr. António Macedo ao Presidente Agostinho Neto; e, no segundo caso, e pelo declarante Silva Gama, que ele próprio se identifica como o negociante de café que foi apresentado, em Luanda, pelo Sr. Deputado Dr. António Macedo, mas nas condições por si referidas nas declarações produzidas nos autos, ou seja, apresentação não ao Presidente da República Popular de Angola (como afirma Margarido Correia) mas a outras entidades oficiais do Governo de Agostinho Neto, tendo por finalidade facilitar e acelerar contratos tendo em vista a realização de um negócio de importações de café de Angola, por parte de Silva Gama, nos termos constantes do documento a fl. 240 dos autos e por ele, declarante Gama, entregue na comissão.
A leitura a que se alude tem por fim esclarecer o declarante da motivação de matéria perguntada e inseri-lo no contexto respectivo.
6) O declarante, em face do exposto, «informa serem mentirosas, falsas e torpes as declarações de Luís Margarido Correia, num chorrilho de invenções e delírios, enquanto as declarações de José da Silva Gama, que lhe foram lidas, correspondem de um modo geral à verdade dos factos, com algumas correcções, ou sejam, de que não tem ideia, o declarante, das pessoas a quem teria telefonado, sendo certo que admite tê-lo feito ao seu amigo e camarada Paulo Jorge, ou ainda ao Primeiro — Ministro Lopo do Nascimento, ou ao Ministro das Finanças e Vice-Primeiro-Ministro Carlos Rocha ou ainda talvez ao Ministro do Comércio de que agora se não recorda, de cognome Pitra, que usava na guerrilha».
Que nunca soube da existência de qualquer contrato, mas apenas de planos e sugestões para importação de café em regime de compensação ou troca de produtos.
Porque então ainda o Governo de Angola não tinha representação diplomática em Portugal, o que impedia os Governos de negociarem directamente, o declarante informa que, por diversas vezes, tanto o Presidente Agostinho Neto como o Dr. Carlos Rocha, já referido, lhe falaram, com o maior interesse, em projectos de acordo de troca de produtos entre os dois países, o que teria de ser feito por modo oficioso.
Que tal empenho na troca de produtos e mercadorias chegou a ser objecto de cláusulas fixadas num acordo celebrado entre delegações do MPLA e do PS, esta presidida pelo declarante.
c) E mais informa o declarante que muitos outros foram os casos, algumas dezenas deles, em que interveio igualmente junto das autoridades e entidades angolanas, pessoalmente ou por escrito, patrocinando pretensões de industriais e comerciantes portugueses
relacionados com calçado, têxteis, motores, veículos e várias outras mercadorias, «com espírito declarado e aqui renovado de ajudar Angola, atentas as suas carências, que bem conhecia, e de proceder com fins exclusivamente patrióticos».
Daí, repetir o declarante, com imensa satisfação, o que escrevera ao director do jornal O Comércio do Porto, «de que nunca recebeu nem receberá um único centavo, a qualquer título, por qualquer modo ao qualquer pretenso negócio».
O declarante faz referência à sua intervenção em muitos casos dolorosos de portugueses presos nas cadeias de Luanda, para conseguir a sua libertação ou melhoria de regime prisional, posto que nem sempre merecesse a mínima censura a prisão que era imposta.
E rende homenagem ao embaixador de Portugal em Angola, Dr. Sá Coutinho, pela actividade dispensada e pela colaboração que prestou nesse sentido ao declarante nas diligências efectuadas junto do Primeiro — Ministro e do Ministro das Relações Exteriores (fl. 245 a fl. 248).
d) Posto que nenhum dos artigos da série publicada pelo jornalista Fernando Barradas em O Comércio do Porto refira o nome do declarante, este, contudo, sentiu-se visado no artigo n.° 3, o que o levou a escrever a O Comércio do Porto a carta constante de fl. 10 dos autos, segundo o declara.
É que o declarante, como o afirma, julga-se, «sem falsa modéstia, um velho democrata e lutador antifascista, como também um importante elemento do Partido Socialista».
Ora, sendo o declarante amigo pessoal do Presidente Agostinho Neto e tendo estado em Angola em missões de amizade ou de carácter político-partidario (e tudo se invoca no referido escrito do jornalista Fernando Barradas), e tendo-se também o semanário Tempo referido ao escândalo do café, relacionando — o com os artigos de O Comércio do Porto, expressamente dizendo tratar-se de António Macedo, por tudo isto foi levado a concluir ser a sua pessoa quem se pretendia visar e atingir com os escritos. Daí o envio da referida carta a O Comércio do Porto (fl. 248 v.°).
e) Mais refere o declarante que, se pelo Silva Gama lhe tivesse sido pedida apresentação ao Presidente Agostinho Neto, o declarante não teria a mínima dúvida em lhe proporcionar o encontro a esse nível, «dados os propósitos anunciados pelo Silva Gama» e o «pensamento de que o declarante bem conhecia das disposições do Presidente Neto, como de outros destacados membros do Governo», em estabelecer e incrementar relações comerciais e de troca de produtos entre Portugal e Angola, como já havia referido.
E o declarante passa a apontar de seguida as diligências efectuadas em Luanda pela delegação do PS, que chefiou, em Agosto de 1976, pelas quais o Governo do Presidente Agostinho Neto, respondendo à solicitação dessa delegação e ouvido o Bureau Político do MPLA, se decidiu pelo estabelecimento de relações diplomáticas a nível de embaixadores
E, assim, após um encontro dos Ministros dos Negócios Estrangeiros angolano e português, José Eduardo Santos e Medeiros Ferreira, foi nomeado embaixador
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em Luanda o Dr. Sá Coutinho, enquanto só passados dois anos foi nomeado o embaixador de Angola em Portugal.
Ora, durante esse período de tempo não havia relações normais e correntes entre os dois Governos e Estados (fl. 248 v.° a fl. 249 v.°).
f) Facultada ao declarante a possibilidade de fazer mais quaisquer declarações ou comentários que houvesse por oportunos ou convenientes, atento o objecto deste inquérito, referiu o mesmo declarante serem do seu conhecimento «factos, circunstâncias e episódios relacionados com o que se chama a "montagem" do escandaloso caso do café».
E continua: «Mas, pela dignidade que devo a mim e aos membros desta comissão, não me disponho a entrar no jogo dos mexericos e das torpezas que constituíram o enredo que teve em vista envolver-me, por razões fundamentalmente políticas, o que é mais lamentável e desgraçado.»
O declarante alude ao exemplar do jornal, junto a fl. 244, no qual «tudo o que de essencial se passou com as suas idas a Angola consta».
O declarante mais refere reservar-se o direito de chamar à responsabilidade os declarantes que nestes autos tenham produzido «infâmias, calúnias ou invencionices» contra a sua pessoa, na medida em que venha a ter conhecimento desses factos.
III
Conclusões
1 — Da leitura da série de seis artigos publicados em O Comércio do Porto, de 22 a 27 de Setembro de 1978, sob a designação genérica de «Café: Negócios amargos», e da autoria do jornalista Sr. Fernando Barradas, o artigo n.° 3 da referida série (documento n.° 9 dos autos) —«[...] E a veneranda figura foi a Angola [...]»— visa, sem todavia concretamente personalizar, um destacado elemento político do Partido Socialista que o próprio título referencia por «veneranda figura».
2 — E, ainda, dentro do contexto do supracitado artigo n.° 3, se faz referência, em subtítulo («Um negócio de milhões de contos»), a uma ida a Luanda, no dia 28 de Agosto de 1977, de «um importante elemento do Partido Socialista».
3 — E traz-se à colação a referência então feita em entrevista e transmitida pela Radiodifusão Portuguesa por um correlegionário político da figura visada, e então também em Angola, que «o velho democrata e lutador antifascista» se deslocara àquele país «por razões de natureza particular».
4 — O autor e jornalista Sr. Fernando Barradas, nesse artigo n.° 3 e sob o subtítulo já referido, afirma textualmente, em dado passo: «De facto, a veneranda figura do Partido Socialista foi a Angola servir de intermediário entre os milionários do café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos.» Sublinhe — se «milhões de contos».
5 — Está — se, pois, em face de uma grave e infamante acusação, dado o «enredo» descrito pelo jornalista Sr. Fernando Barradas no referido artigo, a alguém, «veneranda figura», «importante elemento do
Partido Socialista», «velho democrata e lutador antifascista», cujo nome se não concretiza na narração jornalística.
6 — Ora, tendo tido conhecimento o Sr. Deputado António Macedo da publicação de tais artigos e fixando — se nas referências produzidas pelo autor do texto do artigo n.° 3 no concernente à descrição do perfil político, aí apontado, desse «um» elemento do Partido Socialista, e, bem assim, pelas várias deslocações que fazia e fez a Luanda, nomeadamente em 28 de Agosto de 1977, entendeu o Sr. Deputado Dr. António Macedo ser a sua pessoa a visada e consequentemente, o acusado pelo jornalista Sr. Fernando Barradas.
Daí — e por se considerar a pessoa visada - o Sr. Deputado Dr. António Macedo ter escrito a carta ao director de O Comércio do Porto (documento n.° 4 dos autos) para publicação, o que foi feito.
E, com efeito:
7 — Se «as palavras escritas valem pelo que são» (como afirma o jornalista Fernando Barradas nas suas declarações nos autos, a fl. 81 v.°), a verdade, também, é que as palavras valem, e muito, pelo que insinuam e pelo perfil que possam traçar ou desenhar (como no caso em apreço), mormente para quem, integrado no contexto histórico — político e social da actualidade portuguesa, razoável e espontaneamente leia e conclua da leitura.
E nem se diga que, por vezes, não é nas «entrelinhas» que se lê o que nas «linhas» não ficou explícito ou clarificado ...
8 — E tanto assim é que, além do visado, que vem a terreiro, frontalmente, repudiar as acusações em carta dirigida a O Comércio do Porto, são também outros órgãos de informação, como o Tempo e o Expresso (quanto à Rádio Renascença ficou provado não ter tido nenhuma interferência no caso), a virem, em reprodução, por decalque e ou arrastamento da reportagem de O Comércio do Porto, referir à opinião pública o nome do Sr. Deputado António Macedo como a personalidade visada nos artigos publicados.
E, porquê?
Porque, pelo «perfil político» descrito nas reportagens (artigo n.° 3), a imagem retratada nesse perfil político é a que corresponde, pela actividade despendida no passado e no presente, ao Sr. Deputado António Macedo. Até porque foi ele próprio quem a Luanda se deslocou em 28 de Agosto de 1977, de avião, como é referido no escrito pelo jornalista Sr. Fernando Barradas.
9 — Posto que, nas declarações prestadas pelo jornalista Fernando Barradas e constantes dos autos, o mesmo senhor, reiteradamente e ao longo do depoimento, não revele o nome da pessoa visada, invocando o segredo profissional — com o que não desfaz, todavia, a imagem por si descrita da personalidade retratada, que criou na opinião pública a ideia de ser essa figura a do Sr. Dr. António Macedo —, e tenha afirmado não ser ele o visado (mas não indica quem o seja) e insistentemente declare que «sempre teve o maior respeito e admiração pela figura do presidente do Partido Socialista», Sr. Deputado António Macedo, a verdade é que não produz qualquer prova das várias e graves acusações que na reportagem fez, sem que, contudo, aí refira concretamente o nome do Sr. Deputado
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António Macedo. Todavia, cabe a quem acusa o ónus da prova, a menos que se resvale para a possível infâmia. E até quanto ao episódio que narra em certo passo das declarações —sobre a sua vontade, expressa por várias vezes ao então director do jornal, Sr. Luís Margarido Correia, de publicar um comentário no jornal para desfazer na opinião pública a ideia de ele, jornalista, se ter querido referir, no artigo n.° 3, ao Sr. Dr. António Macedo como sendo a «veneranda figura», o «importante elemento do Partido Socialista», «velho democrata» — é negado em absoluto pelo Sr. Margarido Correia que Fernando Barradas tivesse alguma vez falado nesse assunto, pois o então director de O Comércio do Porto não se opunha a que fosse revelado o nome da pessoa a quem o jornalista se referia nesse artigo.
E é o próprio Sr. Margarido Correia que declara: «Conforme já tive ocasião de afirmar, depois de recebida a carta do Dr. António Macedo formulei para mim mesmo o juízo de que era ele a pessoa visada» (fl. 96 v.° dos autos).
10 — Lógico seria deduzir-se, pois, pela condição imposta pelo director ao jornalista Fernando Barradas, se este houvesse solicitado, como diz, a publicação de um tal esclarecimento, o que, aliás, o director nega, e, repete-se, nega, para que o senhor jornalista, salvo se mudasse de opinião no concernente ao expediente usado de escudar-se na Lei de Imprensa para nada concretizar, ao abrigo da mesma, e sentir — se livre (?) para poder insinuar e atribuir o que bem entenda, como fez no caso em apreço, lançando confusão na opinião pública, leitora das suas reportagens, e não só, uma vez que, por transcrição, outros órgãos, Tempo e Expresso, deram largas a esses juízos tendenciosos lançados sobre a idoneidade moral, civil e política de alguém, de que o mesmo jornalista não só nada provou da acusação por si feita e nos termos em que a fez, como «sossegado», legal e aparentemente, tudo considerasse do foro profissional jornalístico, sempre que a responsabilidade o espreitava!
11 — Mas valerá a pena, por mérito para a causa, apreciar as opiniões de outros declarantes sobre a reportagem de «Café: Negócios amargos».
Não está em causa neste inquérito o «café» e «negócios possíveis dele emanentes» e a que o jornalista Fernando Barradas atribuiu o valor de milhões de contos e classifica como «negócios feitos na base da corrupção, da fraude, da ilegalidade» (artigo n.° 2). Este inquérito busca saber se «nesses negócios», directa ou indirectamente, teve qualquer interferência, em face da acusação feita na reportagem, o Sr. Deputado Dr. António Macedo. Este o «cerne» da questão.
Como é sabido, não é da competência desta comissão eventual de inquérito sair do âmbito que lhe foi cometido pela Assembleia da República, na resolução pela mesma tomada, e nem outra coisa poderia fazer. Por isso mesmo, e ainda na vigência do I Governo Constitucional, foi ordenado um inquérito na Direcção — Geral dos Serviços do Comércio Externo, que abarca, entre outros produtos, a importação do café, o qual ainda decorre nesses serviços, para se poderem apurar responsabilidades de possíveis desmandos, se foram praticados, e averiguar «das situações em que alguns importadores foram beneficiados», podendo então conhecer-se se a causa do benefício
foi da responsabilidade do Instituto do Café de Angola, ou se seria ou não dos serviços da
Direcção — Geral, como afirma o declarante Sr. Rui Soares Franco, a fl. 205 dos autos. Vejamos, pois, concretamente, o que dizem os outros declarantes sobre a reportagem «Café: Negócios amargos», da autoria do jornalista Fernando Barradas:
a) O declarante Sr. Joaquim Queirós, chefe da redacção de O Comércio do Porto, diz: «[..] a sua opinião acerca da reportagem é a de que o trabalho foi mal feito, pois estas coisas ou não se fazem ou, se se fazem, para esclarecimento cabal da opinião pública, devem ir até ao fim, até à indicação dos nomes das pessoas porventura implicadas» (fl. 121 v.° dos autos). Também e ainda o mesmo declarante afirma: «[...] ter referido ao director que teria de ter a máxima cautela com tais notícias ("Café: Negócios amargos" da reportagem), uma vez que, perante a lei, juntamente com o jornalista, seria responsável» (fl. 122 v.° dos autos).
b) O declarante Sr. Gomes de Almeida, subchefe da redacção de O Comércio do Porto e chefe em exercício durante todo o mês de Setembro de 1978 (à data, portanto, da publicação da reportagem), refere que: «logo após o recebimento do primeiro artigo ou até à publicação do segundo, por não concordar com a publicação da reportagem, que não considerava suficientemente esclarecedora, disse ao director que ela era uma frustração, não se chegando a saber sequer quem era o homem de fato cinzento», ao que o director respondeu aproximadamente: «nós sabemos quem é o homem de fato cinzento e o visado também sabe, que é o que interessa».
O declarante entende que a reportagem referida nunca deveria ter sido publicada, porque lança suspeitas sobre, pelo menos, a honorabilidade de um cidadão com a envergadura do Dr. António Macedo tanto mais que os eventuais factos apontados não são comprovados. O declarante, como toda a gente, identificou a pessoa visada em «a veneranda figura» como sendo o Dr. António Macedo, pela leitura do artigo n.º 3, e porque no dia 28 de Agosto de 1977, na sua p. 8, com o título a três colunas, publicou O Comércio do Porto uma notícia segundo a qual o Dr. António Macedo partiu para Luanda, a fim de se avistar com o Dr. Agostinho Neto (fl. 147 v.° dos autos). Aliás, e segundo o declarante, era «voz do povo» e já meses antes da publicação da reportagem, no ambiente de cafés, no Porto, a pessoa do Dr. António Macedo ser falada como implicada em negócios de café e importadores desse produto (fl. 151 v.° dos autos).
c) O declarante Sr. Frederico Sarmento, industrial de torrefacção de café e representante da Associação Nacional de Torrefactores no grupo de trabalho sobre importação e distribuição de café, em regime de contingente, por força da portaria de 27 de Fevereiro de 1977, tem para si que, em face da leitura dos artigos publicados, a pessoa visada pelo jornalista é o Sr. Dr. António Macedo. E reforça a sua opinião pelo facto de o visado ter realizado a viagem a Angola, referida no artigo n.° 3. Mais esclarece ter sido procurado pelo jornalista Sr. Fernando Barradas, no sentido de colher pormenores do «negócio de café», tentanto dissuadi-lo de «mexer no problema» ou, & fazê-lo, que «desse as respectivas provas», «pois de contrário seria deselegante a sua actuação» (fl. 212 dos autos).
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E o declarante crítica ainda a actuação do jornalista Sr. Fernando Barradas, por ele, jornalista, saber antes da publicação do primeiro artigo qual a situação decorrente da aplicação da portaria, e vir, apesar desse conhecimento, no último artigo (o n.° 6) «atribuir culpas ao Governo».
Ora, o «declarante aconselhou o jornalista a criticar a portaria e o despacho que regulamentava o café para alertar o Governo no sentido da regularização de uma situação que considerou e considera injusta». «E aí, sim» —continua o declarante— «prestava ele (o jornalista) um serviço de utilidade pública». «Ao contrário, manifestou (ao jornalista) o seu desagrado por mexer na "mixordice" de qualquer possível negócio escuro do café que eventualmente tenha havido» (fl. 214 v.° dos autos).
d) O declarante Silva Gama, industrial e importados de café, foi procurado pelo jornalista Sr. Fernando Barradas, antes ou no decurso da publicação da reportagem, não se recorda, para ser elucidado sobre negócio de café. E o declarante, dada a matéria que o jornalista lhe referiu, semelhante à constante dos artigos, «chamou-lhe a atenção para o cuidado a ter com a publicação de factos no jornal, dado que lhe fossem (viessem a ser) pedidas contas, o que equivaleria a ter de fazer a prova dessas imputações». «E que se atacasse o declarante em qualquer artigo, ele lhe exigia a prova, sendo de presumir que os outros fizessem o mesmo».
Que, nessa altura, o jornalista o informara de ter conhecimento da ida a Angola do Dr. António Macedo para servir de intermediário no negócio de importação de café desse país e perguntara o que sabia o declarante a tal respeito (fl. 235 v.° dos autos).
Mas também é facto que o declarante refere, a fl. 238, que o jornalista Fernando Barradas lhe havia dito que o Dr. António Macedo linha ido a Angola «mas não que ele tinha tido qualquer interferência na importação do café» (fl. 238).
Contudo, e pelas suas próprias declarações a fl. 236 dos autos, o declarante refere que, tendo ido a Angola, talvez duas a três vezes nos meses de Setembro de 1977 e em Outubro a última, supõe que da primeira vez o declarante, que entabulava negociações com as autoridades angolanas para poder fazer a operação (reporta-se o declarante a um negócio cujo projecto se insere a fl. 240 dos autos), operação essa que era de compensação de comércio com Angola, pois não havia saída de divisas e seria efectuada com permuta de produtos vários excedentários, de entre os quais a batata, que então (Agosto de 1978) em Portugal apodrecia e em Luanda era paga a mais de 40$ o quilograma, contra a importação de café de Angola, e cujo montante de valor oscilaria entre os 400 000 e 600 000 contos, recorreu ao préstimo do Sr. Deputado António Macedo, que nessa data se encontrava em Luanda (e a data é de 23 de Agosto ou subsequente alguns dias), e «falou-lhe no assunto» (fl. 236 v.°). Exposto o projectado negócio ao Sr. Dr. António Macedo, com cujos termos concordou, pelo beneficio trazido a Portugal, por não acarretar dispêndio de divisas e facilitar o escoamento de um produto, a batata, que se estava deteriorando fortemente, à data, por apodrecimento. No sentido de o declarante poder ser recebido pelas autoridades de Angola, com as quais tinha necessidade de contactar, o Dr. António
Macedo acedeu prontamente e telefonou a essas pessoas que, a breve prazo, receberam o declarante em entrevistas, como os Ministros do Comércio e da Agricultura e o Chefe do Protocolo, Paulo Jorge (fl. 236 v.° dos autos).
Que o Sr. Dr. Macedo não apresentou o declarante ao Presidente Agostinho Neto, nas condições referidas nos autos pelo ex-director de O Comércio do Porto, Sr. Luís Margarido Correia, mas só às personalidades acima referidas. E o declarante, entre o mais, afirma que «nunca de qualquer forma o presenteou ou pretendeu compensar de qualquer maneira pela gentileza referida do Dr. Macedo, além de lhe agradecer verbalmente; que nunca o declarante pagou deslocações de avião, nem consigo viajou, na ida ou na volta de Angola, nunca se tendo apercebido da sua presença a bordo. Que não teve outros contactos com o Dr. António Macedo a respeito de negócios de café, «quer em Angola, quer fora desse país, e, em Angola, não mais o viu».
O declarante, obtido o acordo de princípio por parte do Governo de Angola, pretendeu obter, através da Secretaria de Estado do Comércio Externo, a respectiva e indispensável autorização, que não foi deferida, posto que o negócio fosse de vantagem para Portugal, como se reconhece, e por isso mesmo se não compreende o •indeferimento do pedido. E todos esses documentos foram mostrados ao jornalista pelo declarante, numa das conversas entre os dois.
O declarante, pela leitura dos jornais e pela conversa tida em Luanda com o Sr. Dr. António Macedo sobre os motivos patrióticos que o levaram a Angola, opina «que merecia antes ser condecorado o Dr. António Macedo do que ser vilipendiado na imprensa» (fls. 236 v.° e 237).
O declarante, pela leitura dos artigos, entende que os mesmos são vergonhosos para a imprensa portuguesa e não a prestigiam. E se quiseram atingir o Sr. Deputado António Macedo, eles foram profundamente injustos, pelo que sobre o Dr. Macedo já referiu e porque o «considera um homem de bem» (fl. 239 v.° dos autos).
e) Pelo declarante Sr. Frederico Sarmento é feita alusão à ida a Angola de Silva Gama, na altura a que ali foi o Dr. António Macedo (fl. 243 v.° dos autos).
f) O Sr. Deputado Dr. António Macedo, que requereu este inquérito e que, como «declarante voluntário», se havia posto à disposição da comissão para prestar informes ou esclarecimentos, refere «as razões determinantes de ter escrito a carta ao director de O Comércio do Porto, em face da publicação da reportagem do jornalista Sr. Fernando Barradas naquele matutino, posto que em nenhum dos seus artigos seja referido o seu nome, como sendo a pessoa visada e identificada na «figura» do Partido Socialista.
Com efeito, o «declarante, sem falsa modéstia, julga-se velho democrata e lutador antifascista, como também um importante elemento do Partido Socialista», segundo o referido no artigo n.° 3.
E também e além disso, «o declarante é amigo pessoal e íntimo do Presidente Agostinho Neto o por algumas vezes tinha estado em Angola em missão de amizade ou de carácter político — partidário, como tudo se invoca no dito escrito do jornalista Fernando Barradas».
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Mas aconteceu mais, e até —continua o declarante— que um semanário, o Tempo, se referiu ao «escândalo do café», relacionando — o com os artigos de O Comércio do Porto e dizendo expressamente tratar-se de António Macedo (fl. 248 v.° dos autos).
Quanto aos passos das declarações de Luís Margarido Correia (a apresentação de um industrial de café ao Presidente Agostinho Neto), o declarante «informa serem mentirosas, falsas e torpes».
Já as declarações prestadas por Silva Gama «correspondem de um modo geral à verdade dos factos, com algumas correcções, ou seja, de que não tem ideia, o declarante, a quem teria telefonado, sendo certo que admitia tê-lo feito ao seu amigo e camarada Paulo Jorge ou ainda ao Primeiro — Ministro Lopo do Nascimento, ou ao Ministro das Finanças, ou ainda, e talvez, ao Ministro do Comércio».
Que «nunca soube o declarante da existência de qualquer contrato» para o negócio de importação de café pelo Silva Gama, mas apenas «de planos e sugestões» para importação de café em regime de compensação ou troca de produtos por aquele industrial. Que, por diversas vezes, o Presidente Agostinho Neto e o Dr. Carlos Rocha lhe falaram com o máximo interesse em projectos de acordo de troca de produtos, o que teria de ser feito por modo oficioso, «porque então ainda o Governo de Angola não tinha representação diplomática em Portugal, o que impedia os Governos de negociarem directamente».
E que este empenho na troca de produtos chegou a ser objecto de cláusulas fixadas num acordo celebrado entre delegações do MPLA e do PS, sendo esta presidida pelo declarante.
E mais informa o declarante, a propósito, que «foram muitos os casos, algumas dezenas deles, em que interveio pessoalmente ou por escrito, patrocinando pretensões de industriais e comerciantes portugueses».
«Eram casos relacionados com calçado, têxteis, motores, veículos e várias outras mercadorias, com espírito declarado e aqui renovado de ajudar Angola, atentas as suas carências, que bem conhecia, e de proceder com fins exclusivamente patrióticos».
Por isso, repete com imensa satisfação o que escrevera ao director de O Comércio do Porto: «que nunca recebeu nem receberá um único, centavo, a qualquer título, por qualquer modo ou qualquer pretenso negócio» (fls. 247 v.° e 248 dos autos).
12 — Da apreciação das declarações dos inquiridos citados, além do mais, se pode concluir, sem margem de erro:
a) A pessoa visada pelo jornalista Sr. Fernando Barradas na reportagem publicada em O Comércio do Porto, sob o título «Café: Negócios amargos», é o Sr. Deputado António Macedo, presidente do Partido Socialista.
Com efeito:
b) O jornalista Sr. Fernando Barradas, ao longo do seu exaustivo depoimento e refugiando — se sempre no «segredo profissional», que, aliás, lhe permite não divulgar as «fontes de informação» (mas só isso — fontes de informação), para o que tomou a nuvem por Juno, negou-se a revelar o nome da «personalidade visada e elemento do Partido Socialista» que nos seus artigos quis atingir, e pelo «perfil» descrito a todos
os leitores induz a perceberem a personalidade do Deputado António Macedo como identificado com o «velho democrata», a «veneranda figura», o «lutador antifascista», referido nas reportagens citadas.
Mas também, e ainda que reiteradamente instado para tanto pelos elementos da comissão, jamais desfez, nas suas declarações exaustivas, a imagem da personalidade do Deputado António Macedo como o «um» elemento do Partido Socialista implicado nos negócios de café descritos, dado o «perfil traçado» na sua reportagem, pois e também nunca identificou a pessoa a quem se referia como sendo outra, pois não basta negar ter-se querido referir na sua descrição ao mencionado Deputado, uma vez que não identifique a «pessoa» concretamente como outra diferente da imagem descrita; só assim poderia vir a ser outrem o visado pelo jornalista.
E igualmente o jornalista Sr. Fernando Barradas, invocando «segredo profissional» (!), não tendo desfeito a primeira e evidenciada imagem do Sr. Deputado António Macedo (que se mantém, por isso, configurada), nega-se a revelar o nome de quem quer que seja «elemento do Partido Socialista», como s figura visada nos artigos da sua autoria.
Como acusador caber-lhe-ia o ónus da prova, e a verdade é que nada prova das graves e infamantes acusações feitas na sua reportagem e limita-se a afirmar não ser essa a figura (do Deputado António Macedo) a que se referia no artigo n.° 3 — pessoa por quem, aliás, sente o maior respeito e admiração (assim afirma a fl. 67 v.° dos autos). Todavia, mantém-se na negativa em pessoalizar a «figura do Partido Socialista» visada e escuda-se no segredo profissional em fazê-lo, argumentando considerar «que revelar o nome do referido importante elemento do Partido Socialista implica directamente a denúncia das suas fontes de informação, dado o carácter restrito e confidencial da informação» (fl. 67 v.°).
E, assim, invocando — se pretensamente a Lei de Imprensa, que se refere exclusivamente a «fontes de informação», pretende o jornalista Sr. Fernando Barradas, por «extensão» indevida e sui generis, nada concretizar sobre a pessoa visada (e cujo perfil humano e político «concretizou» nos seus escritos), como se e só «por simples negação» fosse possível deixar dc se observar o princípio causal por si apontado nos artigos e que de pé permanece.
Como seria simples ao jornalista Sr. Fernando Barradas não ter responsabilidades profissionais se lhe fosse lícito usar o método que «ensaiou» nesta comissão com o caso do «Café: Negócios amargos» nos artigos por si publicados em O Comércio do Porto!...
Mas, para que não possa haver dúvidas, concretamente vejamos:
1.° Sem que haja desfeito a «imagem literária» produzida no seu artigo n.° 3, que induziu o público e outros órgãos de comunicação social, como Tempo e Expresso, a atribuírem a figura visada do Partido Socialista como sendo o Sr. Deputado António Macedo, que «foi a Angola no dia 28 de Agosto de 1977 servir de intermediário entre os milionários do café e Agostinho Neto, num negócio de milhões de contos», invocando «segredo profissional» —como se ao revelar o nome da pessoa a fonte de informação (que é
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sagrada e só ela) fosse denunciada —, nada, contudo, a contrario provou à comissão, como consta dos autos.
2.° Também no mesmo artigo n.° 3, o jornalista Sr. Fernando Barradas refere, sem indicar os nomes, a ida a Angola, em 22 de Agosto de 1977, de dois industriais ligados ao café e que acompanharem a tal «figura importante do Partido Socialista».
Aínda que instado, ao longo das suas declarações nos autos, nega-se a Identificá-los, por se escudar na Lei de Imprensa, dizendo textualmente: «é segredo profissional» (fl. 68 dos autos).
Até parece, pois, que também os nomes das «duas pessoas» são igualmente fontes de informação, e, invocando o sigilo profissional, nada revela o jornalista sobre esta matéria ...
3.° Mas continuemos:
No artigo n.° 1, o jornalista Sr. Fernando Barradas refere que «um negociante de café», a quem chamam o «homem de fato cinzento», o tentou comprar.
Apesar de esta afirmação escrita constar desse artigo e de o declarante se ter posto «[...] ao dispor desta comissão para responder às perguntas que lhe façam» (como consta dos autos a fl. 67 v.º), a verdade é que também invoca o sigilo profissional e não revela o nome do dito «homem do fato cinzento» (fl. 70 v.º).
4.° O mesmo se passa, e em igualdade de fundamentos, ao negar-se o jornalista Fernando Barradas a revelar o nome do dono de uma das principais firmas que no Porto comercializou café (fl. 70 v.°).
5.º E o mesmo se diga relativamente aos nomes de «dois industriais que em menos de dois meses fizeram quase o triplo da importação, iluminados pelo
"anjo-da-guarda"», que também não identificou, assinalando apenas que o «anjo-da-guarda» não era de forma alguma o «ilustre personagem», mas tão — só «um alguém não especificado de dentro das repartições ligadas às importações» que «avisou os tais dois industriais que, atendendo a que iria ser publicada uma portaria contingentando a importação de café, deviam proceder urgentemente à maior importação de café que pudessem, como aliás aconteceu» (fl. 86 v.°).
6.° Ora, se a tese do jornalista Sr. Fernando Barradas fosse a de «boa hermenêutica» da Lei de Imprensa (Decreto — Lei n.º 85-C/75), do seu artigo 5.°, n.º 4, que apenas permite ao jornalista não revelar «as suas fontes de informação», mas só isso, e nenhuma das muitas perguntas formuladas, cuja matéria consta dos números anteriores, tinha a ver com a «fonte de informação jornalística», mas tão — só com nomes de personagens apontados e não identificados nos artigos, e a quem o jornalista Sr. Fernando Barradas quis atingir.
Ora, como seria imoral e injusta a lei que tal interpretação permitisse!
A atitude do mesmo senhor jornalista ao «refugiar-se» no segredo profissional para nada esclarecer a comissão naquilo que a obrigação legal e morai, e não menos a ética profissional, lhe impunham para tornar verosímeis as suas acusações, para além da violação de um dever legal, revela uma total falta de sentido de ética e leis profissionais, que não pode deixar de ser tomada em devida conta.
De outro modo, seria fácil ser — se
«irresponsabilizável», desde que a «veste protectora» tivesse como escudo ou lema a profissão de jornalista e por ele fosse invocado o sigilo profissional!
Seria mais uma possibilidade de atentado à moral e mais uma e nova porta aberta à corrupção social.
Mas há mais a ponderar para o mérito da causa. c) E assim:
1.° Joaquim Pinto Queirós, chefe da redacção de O Comércio do Porto, quando convocado pelo então director desse matutino, Sr. Luís Margando Correia, para uma reunião em que esteve presente também o jornalista Sr. Fernando Barradas e na qual este último «relatou os elementos que tinha para a elaboração da reportagem» (fl. 120 v.° dos autos), chamou «a atenção do jornalista Barradas para que tivesse cuidado, pois essas coisas são sempre difíceis de provar» (fl. 120 v.° dos autos), o mesmo fazendo ao então director, «que teria de ter a máxima cautela com tais notícias, uma vez que, perante a lei, juntamente com o jornalista seria responsável» (fl. 122 v.° dos autos).
Ê de registar ainda a «opinião do declarante de imediato ao director, de que a publicação da carta do Dr. Macedo tivesse de merecer um comentário do jornalista autor da reportagem ou da direcção», opinião essa que não foi tomada em consideração nem peio autor nem pelo director (fl. 123 v.°).
2.º Gomes de Almeida, subchefe da redacção e chefe em exercício durante o mês de Setembro de 1978, «entende que a reportagem nunca deveria ter sido publicada, porque lança suspeitas sobre, pelo menos, a honorabilidade de um cidadão com a envergadura do Dr. António Macedo, tanto mais que os eventuais factos apontados não são comprovados».
«O declarante, como toda a gente, identificou a pessoa visada em a "veneranda figura" como sendo o Dr. António Macedo, pela leitura do artigo n.° 3 e pela notícia publicada em O Comércio do Porto, de 28 de Agosto de 1977, segundo a qual o Dr. António Macedo partiu para Luanda a fim de se avistar com o Presidente Agostinho Neto» (fl. 147 v.°).
3.° Rui Guedes Soares Franco, como um dos representantes da Associação Nacional dos Torrefactores e participante de um grupo de trabalho que se destinava a estudar a maneira como o contingente de importação de café seria distribuído pelos industriais e comerciantes desse produto, «lembra-se que havia dificuldades em embarcar café de Angola para Portugal na segunda metade de 1975 e talvez nos primeiros meses de 1976, devido ao congestionamento de mercadorias e de pessoas no porto de Luanda e à falta de navios».
«Que um dos importadores foi o Sr. José da Silva Gama e tem ideia que a dificuldade foi atenuada com o fretamento de um barco, ainda em 1975» (fl. 206).
E o declarante ainda afirma, além do mais, que «as situações de privilégio foram ocasionadas pelo factor sorte», sendo da responsabilidade do Instituto do Café de Angela e dificuldades de embarque (fl. 200).
4.° Frederico Carlos Teixeira Sarmento, que também interveio no grupo de trabalho, já referido no número anterior, como representante da Associação Nacional dos Torre factores, diz: «[...] e eu tentei dissuadi-lo (refere-se ao jornalista Fernando Barra-
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das) a não mexer no problema ou, a fazê-lo, que desse as respectivas provas, pois de contrário seria deselegante a sua actuação» (fl. 212).
E, segundo este declarante, a situação irregular na comercialização do café verificou-se não pela ida a Angola do Dr. António Macedo em 28 de Agosto de 1977, aonde na mesma data se deslocou José da Silva Gama, mas sim em virtude de a portaria que contingentou o café e respectivo despacho interno terem tomado como quota da rateio, para cada importador, a média dos dois anos anteriores de importação realizada por firma, e não antes o critério da média dos cinco anteriores anos, como seria lógico, para que a distribuição fosse equitativa e mais justo, portanto, o rateio.
E explica o declarante:
Quando em 1975 e 1976 a importação de café de Angola era livre, um ou dois importadores fizeram grandes importações e daí lhes ter sido atribuído um contingente de rateio elevado, em 1977, aquando da publicação da portaria, mercê da média de importação realizada nos dois anos anteriores (fls. 213 v.° e 214).
Portanto, e segundo o declarante, o benefício resultante para esses importadores resultou unicamente do modo como foi gizada a portaria e como foi aplicada, e não porque o Sr. Deputado António Macedo, como insinua o jornalista Sr. Fernando Barradas na sua reportagem, tenha ido a Angola em 28 de Agosto de 1977. Toda a «situação» da comercialização do café —e segundo o declarante— já se tinha verificado e já havia produzido os maus resultados conhecidos dantes de Agosto de 1977 (fl. 214).
E porquê esta referência aqui feita?
Porque o declarante de tudo isto deu conhecimento ao jornalista Sr. Fernando Barradas antes de ser publicado o artigo n.° 1, fazendo-o ciente da situação criada pela portaria, e «aconselhou-o a criticar esta e o despacho que regulamentava o café, porque no seu ponto de vista poderia alertar o Governo para a regularização de uma situação que considerava e considera injusta». «E, aí, ele (o jornalista) prestava um serviço de utilidade pública.»
«Ao contrário, manifestou o seu desagrado por mexer na "mixordice" de qualquer possível negócio escuro de café que eventualmente tenha havido» (fl. 214 v.°).
5.° José da Silva Gama, nas suas declarações, afirma ter chamado a atenção do jornalista Sr. Fernando Barradas, que o procurara, por duas vezes, para ser elucidado sobre negócios de café, e que lhe expôs a matéria constante da reportagem, do «cuidado que devia ter em narrar factos no jornal, pois seria natural que lhe fossem pedidas contas e teria de ter provas delas». «Se o declarante fosse atingido em qualquer artigo o que faria seria isso, sendo de presumir que os outros fizessem o mesmo» (fls. 235 e 235 v.°).
E foi no decurso dessas conversas que «o jornalista Fernando Barradas referiu ao declarante que tinha informações de que o Dr. António Macedo tinha ido a Angola servir de intermediário no negócio de importação de café desse país e perguntou ao mesmo declarante o que sabia a esse respeito», tendo o declarante respondido que o «Dr. Macedo nunca tinha ido consigo a Angola e, portanto, nada sabia acerca desse assunto» (fl. 235 v.°).
6.° Também não se compreende que o director de então de O Comércio do Porto, Sr. Luís Margarido Correia, haja consentido a publicação da reportagem no jornal que dirigia, nos termos em que a mesma é feita, a menos que dispusesse de provas confirmativas o jornalista Fernando Barradas, autor daquela, no que concerne a acusações infamantes de pessoas visadas e, nomeadamente, a «um» elemento do Partido Socialista que, sem se referir o nome no escrito n.° 3, todavia é intencional e dirigido ao Sr. Deputado António Macedo, como fica provado nos autos.
Com efeito, o então director de O Comércio do Porto, Sr. Luís Margarido Correia, que tinha obrigação moral e legal de não permitir que no jornal que dirigia se fizessem imputações infamantes de tanta gravidade ao Sr. Deputado António Macedo ou a quem quer que fosse e que, apesar de expressamente avisado pelo chefe da redacção, Sr. Joaquim Queirós, como se refere na alínea c), n.° 1.°, deste relatório e consta de fl. 122 v.° dos autos, e pelo subchefe da redacção, Sr. Manuel Gomes de Almeida, em exercício de chefia durante o mês de Setembro de 1978, por motivo de férias do chefe da redacção, como consta do n.° 2.° da alínea c) deste relatório e fl. 147 v.° dos autos, não impediu, todavia, a publicação dessa reportagem, nas condições conhecidas.
E um outro facto também é certo:
O ex-director, Sr. Luís Margarido Correia, afirma nas suas declarações que o jornalista Fernando Barradas «lhe deu a conhecer a razão por que o negócio não se concretizou: ter sido o surgir de um motim na cidade de Luanda» (fl. 102 v.°).
Todavia, o jornalista Fernando Barradas, nas suas declarações, diz desconhecer a razão por que o negócio se não concretizou e acrescenta que, a «ter-se realizado, iria traduzir-se na prática como uma importante medida económica em benefício do povo português, já que se tratava de um negócio de compensação, sem dispêndio de divisas» (fls. 80 v.° e 81).
Há, pois, uma contradição patente entre os dois declarantes e é José da Silva Gama que esclarece a fls. 235 v.° e 236.
Efectivamente, o motim referido nas declarações do ex-director, Sr. Luís Margarido Correia, teve lugar não no ano de 1977, mas sim «alguns dias antes da independência de Angola» (fl. 236 dos autos), que teve lugar, como se sabe, a 11 de Novembro de 1975.
Com efeito, na data imprecisa, mas referenciada, José da Silva Gama, tendo fretado um barco, denominado Famer Trade, para carregar uma partida de duas mil e tantas toneladas de café comprado em Angola, aí se deslocou e sofreu dificuldades várias durante o embarque do produto, pois, dado o estado de «guerra existente em Angola e com a queda de uma bomba nas proximidades do navio, este teve de largar sem a carga completa». A este fretamento do barco se refere o declarante Rui Guedes Soares Franco, a fl. 206 dos autos e mencionado no n.° 3.° deste relatório (fl. 236 dos autos).
E acrescenta o declarante: que «neste caso, como em todos os demais» (salvo o referido no negócio de compensação que a Direcção — Geral do Comércio Externo não autorizou, em 1977), «nem apareceu nem teve a menor interferência o Dr. António Macedo» (fl. 236). Desta distorção cronológica dos acontecimentos e em face de uma menos consciente e correcta ética profissional jornalística, por um lado, e
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a euforia de um sensacionalismo jornalístico em reportagem que era considerada «uma boa caixa», como se lê a fl. 120 v.° dos autos, nas declarações de Joaquim Queirós, chefe da redacção de O Comércio do Porto, o director, sem a ponderação devida em caso de tanta gravidade, pelas infamantes insinuações que a reportagem contém, e esquecendo os deveres que sobre um director de órgão de informação impendem, permitiu a publicação da reportagem sem se assegurar, concreta e realmente, da veracidade ou não de atitudes menos lícitas, imputadas a pessoas contra quem nada se prova, nos termos da acusação da reportagem, e antes, pelo contrário, fica provado nada terem tido com «Café: Negócios amargos» descrito na série de artigos sob esse título pelo jornalista Fernando Barradas, em que este visa o Deputado António Macedo, como fica provado pelos depoimentos produzidos por declarantes nos autos.
E tudo isto se deu, posto que o ex-director, Sr. Margarido Correia, fosse alertado pelo seu chefe da redacção, Sr. Joaquim Pinto Queirós, «que teria de ter a máxima cautela com tais notícias, uma vez que, perante a lei, juntamente com o jornalista, seria responsável» (fl. 122 v.°).
E também o subchefe da redacção, Sr. Gomes de Almeida, disse ao director de então de O Comércio do Porto que a reportagem «era uma frustração, não se chegando a saber sequer quem era o homem de fato cinzento, ao que o director respondeu aproximadamente: nós sabemos quem é o homem de fato cinzento e o visado também sabe, que é o que interessa».
«O declarante supõe até que ele disse os visados» (fl. 147 v.°).
7.° E se se fixar de novo e ainda a atenção no artigo n.° 3, onde se afirma que «dois industriais teriam feito no ano de 1977 quase o triplo das importações de café de Angola que estavam destinadas a todo o sector para a ano inteiro», chega-se à conclusão, pela análise das declarações de D. Balbina Colher da Silva Pereira, chefe da Divisão do Licenciamento e Registo Prévio da Direcção — Geral do Comércio Externo, uma das pessoas mencionadas no mesmo referido artigo como «quem poderá dar boas informações», serem totalmente inexatas tais asserções do articulista, pois declara a mesma D. Balbina Colher (a fl. 168 do processo):
«Isso não é verdade nem tem pés nem cabeça.» E continua, declarando: «A importação efectivamente realizada em 1977 foi de cerca de 2 050 000 contos.» A portaria estabeleceu como limite máximo a importação de 800 000 contos e o triplo dessa importância seriam 2 400 000 contos para importação de todos os países.
«Ora, de Angola importaram-se apenas cerca de 135 000 contos.» «Mesmo em relação à totalidade das importações de todos os países a afirmação continua a não ser exacta, porquanto, como atrás refere, por um lado, não se chegou a importar o triplo da contingentação e, por outro lado, os importadores são muito mais que dois.»
E se uma das várias pessoas indicadas pelo jornalista Sr. Fernando Barradas como «pesoa que poderá dar boas informações», assim esclarece os factos, não haverá que duvidar da exactidão da asserção, pois tem até um «aval prévio» dado pelo mesmo senhor jorna-
lista. E aqui não pode haver a mínima dúvida! Mas, independentemente do testemunho da declarante Supramencionada, vejamos o que sobre a matéria refere também o declarante Sr. Rui Soares Franco, já citado no n.° 3.° da alínea c) deste relatório e membro da Associação dos Torrefaotores, na comissão de trabalho e constante de fl. 205 dos autos: «as situações de princípio foram ocasionadas pelo factor sorte, sendo da responsabilidade do Instituto do Café de Angola e por dificuldades de embarque».
8.° E por se reconhecer de mérito para a causa, «sobre o que se passou com o café», transcreve-se o referido pela declarante D. Balbina Rita Colher da Silva Pereira, chefe da Divisão do Licenciamento e Registo Prévio da Direcção — Geral do Comércio Externo e igualmente pelo Dr. António Boavida, director dos Serviços e Normas Reguladoras do Comércio Externo, ambos indicados no artigo n.° 3 pelo jornalista Fernando Barradas como sendo «quem poderá dar boas informações».
Quanto à declarante D. Balbina diz: «O artigo (n.° 3) que acabou de reler, na parte que se lhe refere, não tem por onde se lhe pegue [...]» «No ano de 1977, em relação às importações totais em tonelagem e valor, quase não houve importações de café de Angola, pois as que houve foram em percentagem mínima em relação aos totais.» Por outro lado, a declarante, pelo que recorda, está convencida de que essas importações, dentro do ano de 1977, se situaram nos primeiros meses, o que se poderá verificar através do elementos do INE, enquanto, segundo o artigo do jornal, a deslocação a Angola se teria verificado em 28 de Agosto desse mesmo ano. «Que no início de 1977, e até à publicação da portaria, não houve corrida aos boletins e as autorizações processaram-se ao ritmo habitual, sensivelmente igual ao do ano anterior». A declarante só soube pela portaria da contingentação do café. «E a partir dessa publicação também não houve corrida aos boletins e o registo prévio passou a reger — se pela portaria e esta foi observada na Divisão chefiada pela declarante.»
«Só nos casos de dúvida é que os assuntos eram apresentados, segundo a portaria, ao Secretário de Estado ou instâncias superiores, que decidiam.» «Que na Direcção — Geral foi instaurado um inquérito em Fevereiro de 1978, que decorre ainda, sob a orientação do juiz de direito Dr. Alves Martins, sobre o assunto de importações de café, mas sem ter que ver com a reportagem deste caso.»
«Que não tem conhecimento de qualquer monopólio criado no ano de 1977 à sombra de licenças de importação de café de Angola, nem sabe se ele existiu, o que aliás lhe parece impossível, pela ínfima quantidade dali importada» (fl. 165 a fl. 166 v.° dos autos).
E o declarante Dr. António dos Santos Boavida, director dos Serviços de Normas Reguladoras do Comércio Externo afirma:
«Durante o ano de 1976 e os dois primeiros meses de 1977 era livre a autorização dos BRIs para importação de café. A partir de 1 de Março de 1977 passou a existir um contingente de importação, que foi distribuído em conformidade com as regras da portaria que o fixou.» O declarante afirma que até final de Fevereiro de 1977 não existiu, contrariamente ao que afirma o articulista, qualquer discriminação no que se refere a concessão de BRIs.
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26 DE JULHO DE 1979
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«A partir de Março desse ano, a concessão de BRIs foi função das importações por cada um efectivamente realizadas nos dois anos anteriores (1975 e 1976), com referência ao contingente fixado na portaria e que, por já terem decorrido anteriormente a ela dois meses, foi considerado por 10/12 do respectivo montante de 800 000 contos, tendo esse limite sido observado pelos serviços até final do ano, sem que, em qualquer dos casos, houvesse a discriminação afirmada nos artigos de se concederem licenças a alguns industriais e de se negaram aos outros os BRIs.»
«Também o declarante considera incorrecto falar-se em monopólio, quando se verifica que as importações decorreram a cargo de mais de duas dúzias de empresas, como se pode inferir no mapa de importações efectivas de café dos anos de 1975 e 1976, e serviram de crédito básico para atribuição das quotas de rateio do contingente que veio a ser fixado» (fl. 172 a fl. 173 v.º). E concatene — se com as duas anteriores explanações, cujo declarante, o jornalista Sr. Fernando Barradas, considera como «quem pode dar boas explicações» no artigo n.° 3, com as declarações feitas por Rui Soares Franco no n.° 3.° da alínea c) deste relatório e por Teixeira Sarmento no n.° 4.° da mesma alínea, e que aqui se dão por reproduzidas, e compare-se a inexactidão existente entre o que se diz na reportagem sobre a matéria e o que afirmam os declarantes sobre como se passaram as coisas, no caso sub judice, e trazido a público na reportagem «Café: Negócios amargos».
d) Como fica demonstrado, unanimamente, vários dos declarantes condenam, de uma forma ou de outra, os artigos publicados na reportagem de Fernando Barradas, não por ser levantado e agitado o problema de possíveis irregularidades no comércio do café pelo jornalista, mas tão — só porque acusa e insinua que nessas graves irregularidades, por si descritas na reportagem, estaria implicado um «elemento do Partido Socialista» que, pelo perfil político descrito pelo autor dos artigos já referidos, é a pessoa do Sr. Deputado António Macedo e contra a qual, portanto, nada prova o jornalista Sr. Fernando Barradas em desabono que lhe tivesse podido permitir, sem responsabilidade, fazer as afirmações que faz, tão graves quanto infamantes, de ser o Sr. Deputado António Macedo a pessoa ligada a possíveis e escuros negócios de importação de café de Angola.
Porque:
e) A interferência telefónica, provada nos autos, do Sr. Deputado António Macedo, em Luanda, junto de elementos do Governo do Presidente Agostinho Neto, «Primeiro — Ministro Lopo do Nascimento, ou Ministro das Finanças, ou Ministro do Comércio, ou
Chefe do Protocolo Paulo Jorge», no sentido de ser concedida audiência ao industrial e importador de café Sr. José da Silva Gama, à semelhança de muitas outras intervenções praticadas por si, directas ou por escrito (como consta das suas declarações nos autos a fls. a dezenas de comerciantes e industriais portugueses de outros ramos, como têxteis, motores, calçado, veículos, etc, que nada têm a ver com o negócio de café «feito na base da corrupção, da fraude e da ilegalidade» (artigo n.° 2), não se pode considerar atitudes menos lícitas. As audiências que Silva Gama obteve do Governo de Angola para a efectivação de uma importação de café angolano em regime de troca ou permuta de produtos, sem dispêndio de divisas, como se propõe no esquema apresentado a fl. 240 dos autos, e que veio a ser impedido, aliás até incompreensivelmente, pela Direcção — Geral do Comércio Externo português, são actos também perfeitamente legítimos.
f) Ora, por estes factos apontados, o Sr. Deputado António Macedo não pode ser acusado de estar ligado a «negócios de café corruptos, fraudulentos ou ilegais» sem que quem o faça falte à verdade.
g) Como todo o cidadão, o Sr. Deputado António Macedo «tem direito ao bom nome e reputação» (artigo 33.°, n.° 1, da Constituição da República) e o jornalista Sr. Fernando Barradas caluniou, nos seus escritos, porque lhe competia o ónus da prova da acusação por si insinuada e atribuída, o que não fez, atingindo assim ilicitamente o visado, fazendo — lhe acusações não documentadas e «fere o prestígio e a dignidade da Assembleia da República, ao afirmar publicamente que um seu Deputado se encontra envolvido em tráfico ilícito de café», para seu benefício e em prejuízo do povo português.
Em conclusão:
Para dar cumprimento à resolução aprovada por unanimidade, na sua reunião plenária de 19 de Dezembro de 1978, e publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, 2.° suplemento ao n.° 1, de 18 de Outubro de 1978, e 1.ª série, n.° 19, de 10 de Dezembro de 1978, e, pelo inquérito realizado, de harmonia com a legislação aplicável e constante dos autos, cujo epílogo é este relatório, ficou provado não só que nenhum dos actos infamantes imputados ao Sr. Deputado António Macedo se verificou, mas antes ficou provado que ele não praticou qualquer desses actos, sendo assim todas aquelas acusações infamantes destituídas de fundamento, falsas e inteiramente caluniosas.
Palácio de S. Bento, 12 de Julho de 1979. — O Relator, João Pulido. — O Presidente da Comissão, Armando Bacelar.
Este relatório foi aprovado por unanimidade.
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