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II Série — Número 93

Segunda-feira, 27 de Maio de 1985

DIáRIO

da Assembleia da República

III LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

SUMÁRIO

Conferência da Assembleia da República subordinada aos temas do Ano Iniernacional da Juventude «Participação», «Desenvolvimento», «Paz»

Ada da reunião do dia 25 de Maio de 1985

O Sr. Presidente (Luís Monteiro): — Srs. Conferencistas, meus caros amigos, está aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: — Os nossos trabalhos começam com um certo atraso em relação à hora prevista. Este segundo painel é subordinado ao tema «Desenvolvimento», que, de acordo com as deliberações da Mesa, terá três temas específicos e ainda outras temáticas que os participantes desejem eventualmente abordar.

Nesse sentido, as regras do jogo serão as seguintes: durante a parte da manhã irá ser discutido o tema «Educação como estratégia de desenvolvimento», dando-se, no entanto, a possibilidade a todos os participantes que o entenderem de inter-relacionarem a problemática da educação com qualquer outro tema que entendam como relevante, dada a sua articulação com essa mesma problemática.

Durante a parte da tarde, a partir das 15 horas e durante 2 horas e 30 minutos, ir-se-á discutir a problemática do emprego, formação profissional e trabalho em geral. Far-se-á em seguida um pequeno intervalo de 15 a 20 minutos para tomar café e posteriormente, e até ao encerramento, discutir-se-á a problemática do ambiente. Presumo que sobre isto todos estarão esclarecidos.

Em relação à forma de abordar os temas, seguir--se-á a metodologia adoptada ontem, ou seja, haverá uma fase inicial de comunicações, tendo cada uma a duração máxima de 15 minutos, seguindo-se depois a fase de debate e discussão, com intervenções limitadas ao tempo de 5 minutos.

O Sr. António Filipe pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Filipe (JCP): — Ontem começámos os trabalhos com determinada metodologia. Tivemos algumas preocupações em que o debate seguisse essa metodologia adoptada, mas verificámos que, apesar de o tempo destinado ao painel de ontem não ser tão extenso como o de hoje, acabou por ser possível uma discussão muito livre, tendo ainda sobrado tempo na parte da tarde. Daí eu pensar que numa primeira fase desta manhã talvez pudesse ser dada oportunidade para intervir desde já a quem preparou este tema de uma forma global — pelo menos no que respeita às intervenções iniciais —, dividindo-se depois os tempos para um debate mais especializado. Isto porque ontem nos habituámos a um tipo de funcionamento e preparámos as intervenções para o dia de hoje de acordo com esse sistema.

Sugiro, portanto, que as pessoas possam apresentar comunicações globais sobre o tema «Desenvolvimento» dentro do tal limite máximo de 15 minutos, podendo depois especializar-se o debate ao longo do dia.

O Sr. Presidente: — Sendo livre a apresentação de comunicações, entendemos limitar somente no campo dos princípios as ideias a discutir com o intuito de fazer o enquadramento da discussão e permitir um maior diálogo à volta de algumas questões que se entendam como mais concretas. É óbvio que a Mesa não tem nenhum problema nem obstaculiza a que cada um dos participantes possa fazer um enquadramento às suas comunicações. Compreendo perfeitamente o problema de existirem algumas comunicações que precisem de um enquadramento inicial ou de uma articulação no sentido de explicitar melhor a intenção dos participantes que as fazem. A Mesa não põe

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nenhum obstáculo a isso, o único obstáculo que há, como é óbvio, é o limite temporal e o desejo de criarmos aqui um debate vivo.

Desde já declaramos abertas as inscrições para o primeiro tema.

Pausa.

Estão neste momento inscritos para intervenções iniciais o Sr. António Filipe, da Juventude Comunista Portuguesa, a Sr." Fernanda Garcia, da Associação Promoção Cultural da Criança, o Sr. José Mário Mil-Homens, da Associação Livre de Objectores e Objectoras de Consciência, as Sr." Deputadas Helena Cidade Moura, do MDP/CDE, e Maria Helena Valente Rosa, do PS, o Sr. Jorge Ferreira, da Juventude Centrista, o Sr. Luís Pinto, da Juventude Socialista, o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho, do PSD, e o Sr. Carlos Fiúza Marques, da Intercultura.

Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Carlos Fiúza Marques.

O Sr. Carlos Fiúza Marques (Intercultura): — Li no Diário de Notícias, de hoje, que o Plenário da Assem-" bleia da República não funcionou para que os senhores deputados pudessem assistir a esta Conferência. Só desejo saber se isto realmente se confirma.

O Sr. Presidente: — O Plenário funcionou sexta--feira de manhã, no seu horário normal. A Assembleia da República não funciona nem aos sábados nem aos domingos, pelo que esta Conferência, em termos de articulação com o Plenário da Assembleia da República, não obstaculizou ao funcionamento dos seus trabalhos.

Para uma intervenção tem a palavra o Sr. António Filipe.

O Sr. António Filipe (JCP): — O primeiro painel desta Conferência debruçou-se sobre a situação dos jovens em Portugal. As análises que ontem aqui foram feitas relacionam-se directamente com o tema agora em debate: o desenvolvimento.

Pelo que ontem aqui ouvimos e pelo que já sabíamos, é legítimo que consideremos essa situação de dramática. Aliás, das intervenções que aqui ontem foram produzidas nenhuma o negou.

É perfeitamente possível o alheamento dos problemas; mais difícil é, porém, esconder a realidade. Ouvimos ontem dizer aqui que a situação dos jovens não é tão negra como alguns a pintam. Que a culpa da actual situação não há-de ser só dos governos. Prova* velmente, em seu entender, a culpa será do 55 Üe Abril, ou da recessão internacional, ou da Constituição, ou então das nacionalizações, eventualmente dos trabalhadores, talvez da fatalidade do destino.

Mas ninguém sabe explicar, convincentemente, em que é que a situação não é tão negra. Para além de abstraírem em concepções filosóficas, de terem feito citações variadas, velhas ou improvisadas, não conseguiram encontrar outra cor mais suave para pintar a realidade. Demonstrou-se, à evidência, que isso não é possível.

De facto, ninguém pode negar que a economia portuguesa está num perfeito caos, que o País quase não ganha para pagar os juros da dívida externa e que

quem paga este estado de coisas são, em grande parte, os jovens, que querem estudar e não podem, que querem trabalhar e não os deixam.

E nesta situação chegámos ao Ano Internacional da Juventude, que perfilha o lema do «Desenvolvimento», e realizamos esta Conferência sobre os problemas da juventude, que, embora ontem alguém tenha designado de simbólica, pensamos que o não pode ser, ou não fôssemos nós, que somos jovens, capazes de encontrar um melhor contributo para resolver os nossos problemas que ultrapasse o simples simbolismo.

O Ano Internacional da Juventude não pode serviír só para falar dos problemas, tem de servir também para começar a resolver esses problemas, ou pelo menos a contribuir para essa resolução.

Falou-se aqui ontem da falta de propostas concretas. É natural que as não tenha quem pretende fugir dos reais problemas. Pela nossa parte, recusamos o papel de espectadores passivos, que se pretende fazer crer que é o dos jovens. Acreditamos que estes têm um papel activo a desempenhar na transformação do presente, através de uma política que seja a sua.

Houve, no entanto, uma frase que aqui se disse que é parcialmente verdadeira: a culpa da actual situação não é só dos governos. Também pensamos que não. Ê também de quem, após ter já constatado o falhanço do governo PS sozinho, do governo PS /CDS, do governo PSD/CDS e do governo PS/PSD, prefere assobiar aos passarinhos, sem criticar os passarinhos, ou divagar no abstracto, para fugir a justificar o que é injustificável: o apoio que confere a uma política que, tendo já esgotado o leque de coligações logicamente possíveis para a sua manutenção, não resolveu nenhum problema e compromete o futuro próximo.

Responsáveis são os governos e quem tenta camuflar as suas responsabilidades, forma mais discreta e velada de um apoio que não tem cara para assumir em todas as suas consequências.

Ê, aliás, tempo de perguntarmos aos deputados e conferencistas da JSD se ainda não terminou o célebre e solene prazo de 6 meses que em Outubro do ano passado deram ao seu governo para resolver os problemas da juventude.

Já lá vão, pelo menos, 8 e não há notícia oficial de qualquer prorrogamento.

Quem afirma que as causas da crise não assentam na política dos últimos governos que não diga que a culpa é do conflito de gerações, como já para aqui ouvimos, mas que indique quais foram, de facto, as respectivas causas.

Ê bom que não nos iludamos. Os nossos problemas não resultam da crise internacional. Não negamos que existe uma crise latente nos países capitalistas, que tem repercussões graves no nosso país, tanto maiores quanto a dependência que mantivermos em relação a eles. Mas, mesmo assim, fica por explicar por que razão essa crise é muito mais profunda em Portugal que na maior parte dos países capitalistas em crise.

É evidente que a crise também não resulta do 25 de Abril. Antes pelo contrário. Ninguém pode negar a grande importância da Revolução de Abril no melhoramento da vida dos jovens.

ê certo que o 25 de Abril aconteceu já há 11 anos e que muitos jovens já não se lembram dessa data, o que é mais uma razão para que hoje nos perguntemos por que lutaram, afinal, os jovens que lutaram em

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tempos tão adversos para tornarem possível o 25 de Abril. Para conquistarem as liberdades de que hoje usufruímos e a que temos tanto apego, para que possamos hoje dizer que todos nascemos um pouco há 11 anos. Mas, muito mais do que isso, lutaram com a convicção de que a liberdade não existe só para existir. Existe para que os jovens possam alterar as estruturas económicas e sociais que os condicionem, as mesmas que sustentaram o fascismo durante tantos anos e que provocaram a crise com que o regime se debateu nos últimos tempos da sua existência. A democracia só faz sentido se com ela se permitir aos jovens alterar as condições de trabalho, de estudo e de vida, alterando as estruturas que condicionam e emperram o desenvolvimento e o progresso.

Esta realidade compreenderam-na os jovens que há poucos anos atrás puderam participar activamente na transformação operada na situação económica e social do País e que ainda hoje a defendem contra ventos e marés.

E hoje quem não tem consciência de que o País nos últimos anos tem andado para trás? Nenhum governo deixou de dizer que ia desenvolver o País, melhorar as condições de vida, reduzir a inflação, o desemprego, mas também não houve nenhum que não contribuísse para agravar todos estes problemas, e todos' dizem, quando tomam posse, que a situação em que encontram o País é muito pior que a que encontrou o governo anterior.

E, entretanto, o que se conseguiu com o 25 de Abril vão-no destruindo, e a situação vai piorando. Dizer que a culpa é das empresas nacionalizadas, que eles gerem para dar prejuízo, da Reforma Agrária, que desmantelam, ou da Constituição, de que fazem tábua rasa, é um discurso mais que estafado. Chegasse ao ponto de ser com dinheiro público que se montam os bancos privados.

A avaliar pelos esforços que têm feito para deitar abaixo a economia, a questão que ainda podemos colocar a nós próprios, passe a ironia, é por que razão não estão as coisas ainda pior.

A resposta têm sido, em grande parte, os jovens a dá-la. Dão-na nas escolas, nas associações, nas empresas, nas ruas, em todos os locais em que lutam contra as novas leis iníquas e as que estão para vir, de que o governo, aliás, nem sequer faz segredo: parece-lhe que a situação dos jovens ainda não é suficientemente grave e então lembra-se -de criar arrendamentos a prazo para a habitação, consagrar em lei os despedimentos arbitrários, criar serviços de informações. Falam-nos da tal modernização, mas é isto que nos apresentam. Já não é só não ter casa nem emprego. Pode ser também a perda da liberdade.

O governo não resolve nenhum dos nossos problemas; em compensação, abre as portas de par em par para que possam ser os estrangeiros a resolver na nossa terra não os nossos problemas, mas, obviamente, os deles.

Não se dá aos Portugueses a possibilidade de investir ou trabalhar condignamente na sua terra, mas abrem-se as portas às multinacionais; fizeram-se já dois acordos com o FMI, que podem conduzir a um terceiro, em condições ainda mais gravosas, e tudo isto acompanhado de cedências, de ingerências, não apenas económicas, também diplomáticas e militares. Nós, jovens, temos todas as razões para estarmos preocupados com

esta situação, que chega a ser humilhante. Por este caminho podemos chegar a um dia em que o País não progride só porque os estrangeiros não deixam.

Já aqui se disse que têm de ser os jovens a encontrar as soluções para o seu futuro, já que os velhos (creio que entre aspas) até agora não foram capazes de as encontrar. Mas temos para nós que encontrar soluções não é discutir se o menos mau dos ministros é A ou B ■ ou se é melhor alargar a coligação a C ou D para que todos prossigam o mesmo caminho inclinado e os jovens continuem a ficar para trás.

Não podem acusar-nos a nós, jovens comunistas, de criticar gratuitamente este ou aquele governo. Criticamos a política que tem existido, não porque isso nos agrade ou seja a nossa vocação histórica, mas porque, queiramos ou não, essa política é indefensável.

O que se diz é que, defensável ou não, é a única possível. Então, se constatarmos que a actual miséria em que se vive é a única solução possível, só restam duas soluções: ou as divagações metafísicas a que temos assistido da parte dos apoiantes do governo, ou pensar em qualquer outra coisa que não seja o desenvolvimento e o futuro.

A questão que colocamos é simples: é ou não possível os jovens encontrarem medidas para o desenvolvimento?

Se as empresas e sectores nacionalizados, em vez de constantemente descapitalizados e desmantelados por uma gestão ruinosa, fossem viabilizados?

Se os trabalhadores das UCP e das cooperativas agrícolas pudessem produzir em paz, em vez de serem constantemente espoliados e espancados pela GNR, contra a lei e contra as decisões dos tribunais?

Se os pequenos agricultores e empresas privadas fossem apoiados, de forma a prosseguirem as suas actividades de acordo com a sua dinâmica própria, em vez de se confrontarem com a perspectiva da falência, que em vastas zonas atinge já proporções consideráveis?

Se se afirma agora que a regionalização também pode ser um caminho para o desenvolvimento — e nós pensamos que sim—, há que ultrapassar as palavras e passar aos actos. Agora o que não é possível é falar em regionalização e ao mesmo tempo praticar uma política centralizadora, de ataque à autonomia do poder local, de oposição a anseios das populações, como está a suceder com a inviabilização do concelho de Vizela. Dizer uma coisa e fazer outra chama-se hipocrisia!

A viabilização e o apoio aos diferentes sectores da economia só podem ter dois efeitos: um, o aumento da produção nacional; outro, o melhoramento das condições de vida. Não serão estes os nossos problemas fundamentais?

Não deixemos que a árvore encubra a floresta. O que hipoteca o nosso futuro é o grande atraso económico em que vivemos. A causa primeira desse atraso é o deficiente aproveitamento dos nossos recursos, motivado por uma deficiente capacidade produtiva.

Para quê tantos entraves ao desenvolvimento dos grandes projectos nacionais, como o da barragem do Alqueva, de que ouvimos falar quase desde o berço e não há maneira de ser implementado?

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas):—Felizmente.

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O Orador: — Aumentar a produção conduz forço sãmente à criação de novos postos de trabalho, ao melhor aproveitamento dos recursos e ao melhoramento das condições de vida. Será proibido incrementar uma política de apoio aos investimentos produtivos?

Nós, jovens, será que teremos de ficar amarrados de pés e mãos a uma divida externa que, pela sua enormidade em relação ao País que somos, nos deixa à mercê dos credores?

Os nossos desequilíbrios económicos são, de facto, muito grandes. £ certo que o aumento da capacidade produtiva vai ajudar a minorá-los, mas isso não chega. A dívida externa que temos para pagar é neste momento grande de mais para nós e compromete as nossas esperanças de desenvolvimento. Mas será que vamos ter de pagar a nossa dívida à custa da fome de muitos, enquanto assistimos ao abarrotar de alguns? O problema não é só nosso. £ dos jovens de muitas partes do Mundo. Temos já muitos exemplos de países que, como nós, se vêem impossibilitados de pagar os seus encargos nas condições actuais e, por isso mesmo, trabalham, concertadamente, na sua renegociação, aumentando o seu peso negocial. O que esperamos para que o nosso país se assuma como, de facto, é e colabore com os países em situações idênticas?

Dos nossos problemas, enquanto jovens, temos perfeita consciência. Também sabemos de medidas concretas que os podem ajudar a resolver. Mas de nada nos serve apontar soluções imediatistas e sectoriais, mesmo nos problemas mais sentidos, se as pedras basilares de uma política de desenvolvimento não forem lançadas.

£ que não é por acaso que as coisas estão como estão. Se o prosseguir de uma política de desenvolvimento é o desafio imperativo que o futuro coloca no horizonte dos jovens portugueses, aceitá-lo implica, necessariamente, inverter a queda para o abismo para que o nosso país tem sido lançado nos últimos anos.

O melhoramento das condições de vida oferecidas aos jovens é, só por si, um objectivo de uma política económica de desenvolvimento, mas é também um factor de dinamização da actividade económica, que permitirá elevar o nível de vida e a oferta de emprego.

Mas não se pense que repousamos sobre esta conclusão. Aquando do 2.° Congresso da JCP, há cerca de 6 meses, tivemos ocasião de apontar um conjunto de 25 medidas para aquilo a que chamamos uma nova política para a juventude, isto é, que contribua para a satisfação das aspirações e interesses juvenis e seja o complemento necessário, mas indispensável, de uma política de desenvolvimento.

A política de emprego que propomos tem como complemento necessário a garantia de subsídio de desemprego a todos os jovens nessa situação, alargada, inclusivamente, aos jovens que procuram o primeiro emprego.

£ necessária uma nova politica salarial que estabeleça o direito ao salário mínimo nacional a partir dos 18 anos, que impeça a prática dos salários em atraso, garanta o cumprimento da contratação colectiva e impeça as discriminações, salariais e outras, sobre as jovens trabalhadoras.

Defendemos uma política de contratação que garanta os jovens contra a repressão patronal, que reveja a legislação sobre os contratos a prazo, ponha fim ao

trabalho sem contrato, elimine as dificuldades aos jovens que não cumpriram o serviço militar obrigatório, termine com o trabalho infantil.

£ necessária uma politica de aprendizagem e formação profissional que crie um regime jurídico que respeite os direitos dos aprendizes e assegure a sua inserção profissional, que alargue a rede de escolas e áreas de formação, numa perspectiva de desenvolvimento nacional, regional e local, que garanta aos jovens trabalhadores a devida promoção no emprego em função dos conhecimentos e qualificação adquiridos.

£ necessária uma política de incentivo dos jovens para a agricultura, através de créditos bonificados, de meios técnicos e equipamento, de formação profissional em técnicas agrícolas.

No domínio da educação para o desenvolvimento é indispensável uma lei de bases do sistema educativo que proceda a uma reestruturação democrática do ensino, que ponha termo à confusão institucional existente, própria de uma política de educação sem estratégia, seja para o que o for, muito menos para o desenvolvimento.

A degradação externa do parque escolar existente, que já foi causadora de algumas tragédias bem recentes, a falta de equipamentos básicos para o funcionamento das escolas, a falta de pessoal docente e auxiliar, a situação de verdadeira asfixia do ensino superior público em benefício do privado, exigem um aumento substancial de verbas para a educação em vez de verbas vergonhosas, como a de 1985, que não chega a 10 % do Orçamento do Estado.

£ necessária uma política de democratização do acesso ao ensino que atenue as desigualdades económicas e sociais bem conhecidas no acesso aos vários graus de ensino, através, designadamente, do aumento dos apoios sociais, da aplicação efectiva do estatuto do trabalhador-estudante, de apoio aos cursos nocturnos e da eliminação de vias discriminatórias no acesso ao ensino superior.

Uma política de combate ao insucesso escolar alarmante, através da garantia de condições de estudo e trabalho nas escolas, do melhoramento do nível pedagógico e científico do ensino, da formação d© docentes, de uma maior ligação dos programas à vida, ao trabalho e ao progresso tecnológico.

Uma real participação na vida e gestão das escolas por parte dos estudantes, através de um maior peso dos órgãos de gestão de eleição democrática e da consagração da autonomia universitária, que ponha termo à gestão centralizante e burocratizante do Ministério sobre as universidades, mas que não venha, em vez disso, limitar ainda mais a participação estudantil a nível da gestão escolar.

Uma política de inserção profissional, na qual uma universidade que se encarregue da formação de perfis profissionais necessários ao desenvolvimento do País possa cumprir as suas funções sociais, com a garantia de integração profissional dos recém-licenciados, d© acordo com as habilitações e os conhecimentos adquiridos.

Propomos ainda uma política de habitação, de créditos bonificados para jovens casais, de incremento da habitação social, que impeça o aumento generalizado das rendas de casa e a habitação a prazo, uma política de saúde que garanta assistência médica e medicamentosa a todos os jovens, estenda a rede de

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consultas de planeamento familiar e garanta o efectivo cumprimento das leis de protecção da maternidade e da interrupção voluntária da gravidez.

Somos por uma política de defesa da Natureza e do património que apoie o trabalho dos grupos juvenis que desenvolvem actividades na preservação do património natural, cultural, histórico, artístico e de defesa do equilíbrio ecológico.

Àqueles que nos acusam de tudo criticar sem nada propor lanço-lhes daqui um desafio: antes de acusar, leiam os nossos documentos. Mais: a todos os conferencistas, convido-os a verificarem os projectos de lei propostos pelos comunistas no hemiciclo aqui ao lado respeitantes a questões juvenis e que integram o conteúdo das pastas que ontem nos foram distribuídas. Isso fala por si.

Continuarão a dizer que não é possível uma política alternativa?

Ê verdade que as perspectivas que o Governo tem ultimamente apresentado aos jovens portugueses relativamente ao seu futuro não podem ser mais risonhas.

Aponta, como já há 8 anos, mas agora com vigor redobrado, para a adesão às Comunidades Europeias. Aí então virá o dinheiro que agora não temos, virá a tal modernização, já se diz até para aí quem nem sabemos o que havemos de fazer com tanto dinheiro.

Mas o que sabemos nós, jovens portugueses, sobre a adesão à CEE que o Governo nos tenha dito que nos permita ponderar sobre os prós e os contras?

Não será a mesma CEE que se debate com a tal crise internacional e onde alastra o número de desempregados e de problemas dos jovens? Não deve ser.

Não será a tal CEE de 10 países da Europa, cujas cimeiras fazem lembrar um saco de gatos, onde uns se pretendem governar, prejudicando outros, e donde alguns já falam em sair? Se calhar, não é.

Por que razão se dirá que a CEE é a Europa quando, afinal, são apenas 10 países numa Europa de 30 e em que mesmo de entre os países capitalistas há 11 que o não são?

Agora já vemos alguns dos que foram aqui há uns anos grandes paladinos da chamada «integração europeia» alertar para os grandes perigos económicos da adesão.

Será mentira que a indústria nacional e a maioria das pequenas explorações agrícolas irão soçobrar face à grande concorrência de países mais desenvolvidos? Parece que não. Será mentira que a nossa zona económica exclusiva vai ser gerida a bel-prazer da CEE, que serão os seus órgãos próprios a decidir dos nossos assuntos e que nos vão substituir nas relações económicas externas? Parece que não. Será que vamos ter uma política diferente se entrarmos para a CEE? Parece que não. A julgar por quem a defende. Assim se compreende melhor por que vêm agora figuras ligadas ao Governo dizer que, afinal de contas, os objectivos da adesão à CEE não passam de objectivos políticos. Objectivos que, tudo indica, podem sair bem caros ao País, mas que são um bom preço, sem dúvida, para as ambições políticas do Dr. Mário Soares na chamada corrida a Belém.

Ê claro que não perfilhamos qualquer concepção de orgulhosamente sós no plano internacional. A adesão à CEE é que, bem vistas as coisas, vai pouco mais longe que isso. O Mundo não são só 10 países quando

há tantos povos com problemas semelhantes aos nossos; quando há países em vias de desenvolvimento; quando há países socialistas; quando há países de expressão oficial portuguesa, com os quais devíamos aprofundar as nossas relações numa base de igualdade e interesse mútuos, pondo fim a projectos de ingerência de teor neocolonialista ou de apoio aos bandos armados que sabotam criminosamente o desenvolvimento desses países.

Será que nos planos interno e externo não é possível, não é desejável, uma nova política? Os jovens que respondam.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Conferencista Fernanda Garcia, da Associação Promoção Cultural da Criança (APCC).

A Sr." Fernanda Garcia (Associação Promoção Cultura da Criança): —Foi uma única vez, na nossa história, que o ensino esteve relacionado com o desenvolvimento do Pafs.

Na Idade Média, o ensino constituía um monopólio da Igreja e tudo o que se ensinava aos infantes, aos príncipes ou aos «meninos de espadinhas prateadas, vestidos de seda arrendada de prata», era rezar, confessar e outros exercícios da piedade.

Mudanças económicas e sociais verificadas nos séculos xiii e xiv, a Revolução de 1383, alteraram a situação: o clero sofreu as consequências da transformação histórica; acabou por perder o monopólio de ler e de escrever e o da instrução superior.

O trabalho dos copistas foi substituído pelo trabalho da imprensa, deu-se a divisão do trabalho no campo intelectual. E assim o ensino começou a chegar até aos homens-bons dos concelhos, quer dizer, foi também privilégio de ourives, sapateiros, alfaiates, tanoeiros e outros mesteirais. Em 1431, pelo menos, já a aritmética e a geometria eram divulgadas aos mercadores.

Nessa época, as manifestações culturais relacionaram-se com o trabalho produtivo, com as actividades marítimas e os grandes descobrimentos.

Não vale a pena citar aqui todos os homens famosos saídos desta «nova geração de gentes», a começar pelo grande cronista Fernão Lopes. Todos eles viveram com entusiasmo o novo clima social e mental, caracterizado pela tolerância entre os homens e pela convivência democrática.

Partindo da experiência, que era, no dizer de um deles, «madre das cousas, nos desengana e toda a dúvida nos tira», foram realizando livremente um trabalho extraordinário de verdadeiro amor pelo saber, escrevendo-se livros de crónicas, viagens, cosmografia e ciência náutica. Obras todas meritórias, como o Roteiro de Lisboa a Goa, de João de Barros, «não para ler a damas e galantes, e se aproveitarem delas nas cortes e paços reais, mas para os da Leça e Matosinhos»; quer isto dizer, para a arraia-miúda dos mercadores e dos navios.

Nada neste movimento foi ocasional: a cultura e o trabalho ligaram-se e, por consequência, tivemos o momento mais alto da nossa História. Bem podíamos dizer então ao mundo, com orgulho, como o fez Duarte Pacheco Pereira ou Garcia de Orta, «que se sabe mais num dia agora pelos Portugueses do que se sabia em 100 anos pelos Romanos».

Mas tudo isto foi transitório e a sociedade portuguesa não tardou a mergulhar numa «apagada e vil

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tristeza». Ora, a causa desta verdade de sabor amargo deve ser hoje lembrada: os Portugueses perderam a liberdade; perderam a liberdade porque foram arremessados sem piedade para o cárcere do Rossio; perderam a vida; perderam a vida porque foram incriminados pela sua sabedoria e levantados em postes altos para serem queimados vivos.

Nas fogueiras da Santa Inquisição esfarelaram-se os ossos a poetas, escritores, dramaturgos, médicos, mercadores e logistas. Os que conseguiram fugir, voltando as costas ao País, foram contribuir para o engrandecimento de outros povos. Um exemplo só: Diogo Mendes, conhecido banqueiro e um dos homens mais ricos da Europa do seu tempo, emigrou para Antuérpia quando foi fundada a Inquisição Portuguesa.

Defronte do Paço da Ribeira, as fogueiras da Inquisição não queimaram só os homens; simbolicamente, queimaram as escolas (como o Colégio das Artes, em Coimbra) viradas para a renovação da sociedade; queimaram sonhos da juventude; queimaram os livros da sabedoria e até — simbolicamente, repito — o próprio País. Das cinzas, dispersas no vento durante séculos, ficou o imobilismo.

As reformas de Pombal, dos liberais e dos republicanos não foram suficientes para recuperar o atraso e mudar Portugal.

Após a queda da I República, voltámos a cair em desgraça: o obscurantismo salazarista evocava em tudo os tristes tempos da Inquisição. A História voltou a recuar.

Com Abril conquistámos a liberdade. Mas é ainda necessário ensinar muita gente obscura a amá-la, de-fendendo-a constantemente.

Só a liberdade pode gerar o trabalho intelectual e produtivo, só a liberdade pode dotar os homens de entusiasmo e de vontade para, com o exemplo dos nossos humanistas e renascentistas, num mesmo ambiente de estudo e de tolerância, retomarmos a realização da sociedade futura.

A escola teve sempre como objectivo preparar, de uma certa forma, os jovens para uma determinada sociedade.

Quando hoje se fala em transformar o País numa sociedade desenvolvida e culturalmente avançada, é urgente que os ideólogos, políticos, técnicos, empresários e trabalhadores se mobilizem para debater em conjunto as inovações necessárias e realizá-las efectivamente.

O País já esperou demasiado; não se pode adiar por muito mais tempo a mudança.

A juventude portuguesa exige que lhe seja dada uma oportunidade para demonstrar o sentimento da sua liberdade, a consciência da sua responsabilidade, o sentido dos seus deveres na renovação da sociedade.

Ora, para que a transformação se efective é indispensável olhar a escola, o saber que lá se transmite, e reflectir profundamente sobre a inquietação dos jovens, sofrendo as crises do ensino e da vida, porque todos sabemos que «as crises do ensino não são crises do ensino; são crises de vida; denunciam e representam as crises de vida e são crises de vida elas próprias; são crises de vida parciais, eminentes, que anunciam e denunciam as crises da vida geral; ou, se preferirmos, as crises de vida gerais, as crises de vida sociais, agravam-se, condensam-se, culminam em crises do ensino que parecem particulares ou parciais,

mas que, na realidade, são totais, porque representam o todo da vida social; é, com efeito, no ensino que as eternas experiências esperam, por assim dizer, as mutáveis humanidades; o resto de uma sociedade pode passar, com ardis e artifícios; o ensino, não; quando uma sociedade não pode ensinar, não é que acidentalmente lhe falte um aparelho ou uma indústria, é que essa sociedade não pode conduzir-se a si mesma; para toda a humanidade, no fundo, ensinar é aprender; uma sociedade que não ensina é uma sociedade que se não ama, que não se estima [...]».

A democratização do ensino, a urbanização crescente das últimas décadas e a vaga democrática agravada pela descolonização tornaram insuficientes as escolas existentes no País, muitas delas já degradadas, e criaram a necessidade de novas construções escolares.

Não obstante aquilo que já se fez, a situação não deixa de ser dramática.

Os espaços da escola são cada vez mais acanhados e desumanizados, e vale a pena reflectir nas razões que lhes dão origem: as formas de organização social não são fomentadas, os estudantes não são encorajados a responsabilizarem-se uns perante os outros e todos perante a escola. A organização de muitas tarefas escolares poderia estar a cargo dos estudantes e não está.

Os alunos do ensino secundário, à medida que crescem e tomam consciência dos problemas, ao chegaram ao 12.° ano e à fase de acesso à universidade, sentem que não têm uma escola através da qual se possam preparar para a vida profissional.

Que fazer então? Abrir a escola, virá-la para o mundo, para o meio em que está inserida, acolhendo nela com algum carinho não só os estudantes, mas também todos aqueles que podem trazer o seu saber, a sua experiência e a sua competência.

Mas isto não é suficiente. Há que começar por transformar a imagem da escola: construir campos de jogos; incentivar os grupos desportivos e realizar torneios; fomentar o jornal e o teatro académicos; facilitar o acesso a filmes com matérias educativas; proporcionar a intervenção directa dos estudantes.

Tudo isso poderia estar a cargo da organização dos estudantes, desde que se lhes oferecessem meios adequados.

Dotar a escola destes meios seria muito mais do que tornar o seu espaço aprazível: traria à escola e aos jovens um novo entusiasmo pelo trabalho criativo e de grupo; desenvolveria a solidariedade e a amizade, as capacidades física e intelectual, tornando os jovens mais aptos e mais experimentados para enfrentar a vida adulta. Seria, em suma, a democracia em movimento.

Mas é necessário sublinhar que a renovação da escola tem de passar obrigatoriamente pela introdução de novos programas relacionados com as novas tecnologias e pela alteração de outros, assim como peio melhor aproveitamento dos meios áudio-visuais, por diferentes atitudes e mentalidades de muitos dos professores.

São quase sempre os professores que falam na sala de aula, muitas vezes preocupados em cumprir programas demasiado extensos, resultando sempre ezm prejuízos incalculáveis para os alunos, porque não se cuida de saber se os conhecimentos estão a ser interiorizados, os conceitos dominados.

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É na sala de aula que se deve inovar, abrir o campo do debate, da realização de trabalhos práticos da responsabilidade dos estudantes, repartir o tempo entre educandos e o animador pedagógico. Todos nós sabemos que os trabalhos escolares feitos em casa não são fecundos, ou porque não existem condições em casa, ou porque os jovens se acham isolados e não são capazes de encontrar métodos de estudo e de trabalho.

Um grande impulso aos movimentos da educação renovada é afinal aquilo que procuramos obter, evitando-se adiar, uma vez mais, os problemas da educação e, com eles, a sociedade voltada para o desenvolvimento e para o progresso social.

Levantando aqui estes problemas, queremos afirmar que estamos empenhados em analisar, através do diálogo e da iniciativa, as possibilidades de realização de reformas que, parecendo à primeira vista revestir-se de um carácter estudantil, abarcam o mundo exterior na procura de soluções para o desenvolvimento económico e social do País.

Sem a contribuição, o empenhamento e o entusiasmo da juventude não pode haver uma autêntica democratização; não há renovação.

Já dizia António Sérgio que «sem as ardências da mocidade tudo é precário, tudo é caduco».

Aplausos.

O Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Conferencista José Mário Mil-Homens, da Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência (ALOOC).

O Sr. José Mário Mil-Homens (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência): — Várias têm sido as abordagens do assunto referente à educação como estratégia de desenvolvimento.

Vou abordar o conceito «educação», mostrar como pode ser perspectivado socialmente e de que modo pode estar na base do desenvolvimento.

Numa concepção histórica e sociológica, a educação assume a forma de uma actividade pela qual é feita a transmissão do saber, das técnicas, das capacidades que permitem o enriquecimento do património individual e colectivo, segundo valores, geralmente os dominantes, da comunidade social. Surge, pois, como expressão da cultura passada, assim como da cultura presente, preparando, no entanto, o advento de uma cultura nova.

Como fenómeno social que é, a educação tende a reflectir a ideologia dominante, se bem que nem sempre de uma forma directa. A função de «reprodução do modelo» torna-se indubitavelmente mais eficaz quanto mais desapercebida for a sua interiorização pelo sistema educativo. Os valores por ele transmitidos visam a possibilidade da manutenção do Poder a quem o detém.

A classe social dirigente organiza a escola na linha dos seus interesses, assegurando por tal facto uma organização escolar que colocará cada um no lugar que lhe reserva a estrutura social, a qual se inspirará numa ideologia e numa ética onde cada classe encontrará os instrumentos e os meios para a sua inserção nessa mesma estrutura.

Duas ilações podemos retirar destas considerações: a primeira relaciona-se com o formalismo educativo

que se verifica nas épocas de imobilismo e de «ordem», dado que ele é a expressão do imobilismo social.

A segunda demonstra que, em períodos de contestação, o conjunto do campo cultural será colocado momentaneamente em causa; mas, sempre que a calma e a ordem se restabelecem, já sobre bases mais ou menos modificadas, o formalismo reafirma-se com novo vigor.

Daí que certas realidades sejam rejeitadas dos programas, porque a sua tomada em consideração é entendida como inútil e incompatível com a ordem social e moral. Opera-se assim um desvirtuamento e uma neutralização dos conteúdos para que possam ser transmitidos.

Ê por isso que reforçamos o facto de a ideologia não estar ausente à selecção das matérias, intervindo também na escolha dos conteúdos (e temos como exemplo a literatura, a filosofia e a história).

Desta forma limitam-se judiciosamente as possibilidades emancipadoras e revolucionárias que os efeitos do acesso ao conhecimento podem assumir.

É assim que nos períodos de crise e de transformação se manifestam as tentativas, para alargar os programas, acrescentando neles assuntos novos provenientes dos factos da civilização. Por outro lado, é nos períodos de regressão que os programas se reduzem para não reterem senão o que é considerado essencial a toda a condição humana, perspectivada na sua universalidade.

Até aqui tenho vindo a falar de razões fundamentalmente filosóficas e ideológicas que determinam uma concepção de homem, de sociedade e de cultura. Estas razões, quanto a nós, servem de base para uma definição de uma política educativa a seguir.

Neste sentido, a educação é concebida de forma a corresponder à prioridade a dar ao indivíduo, à sociedade ou ser humano, centrando-se nos problemas oriundos das relações do homem com o ambiente.

Somos levados assim a enunciar uma outra razão justificadora da acção educativa, que é de ordem pragmática. Ou seja, existem várias necessidades económicas e sociais que devem ser satisfeitas de modo a restabelecer o equilíbrio do homem com o meio e do homem com os seus semelhantes. Particularizando, podemos referir necessidades práticas, tais como a preparação para um emprego ou uma profissão, e também a satisfação de necessidades individuais elementares, assim como as aspirações em termos de ascensão social e cultural.

Esta razão pragmática conduz-nos a encarar um novo aspecto da vida do ser humano, que é o campo económico. Neste domínio, o desenvolvimento assume-se como uma constante a prosseguir.

O desenvolvimento, em termos sociológicos, surge como o resultado do esforço colectivo e coerente de uma sociedade. A nosso ver, o progresso da economia inscreve-se no progresso geral da sociedade.

O desenvolvimento pressupõe um melhoramento contínuo das condições de vida dos indivíduos, bem como uma justa distribuição dos rendimentos.

Para que este desenvolvimento se verifique concorrem diversos factores, entre os quais a educação e o avanço dos conhecimentos. Ê pela educação que aumentamos os conhecimentos e é a partir destes que podemos progredir, até certo ponto, entenda-se, no conhecimento científico e tecnológico.

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Importa, pois, focar o aspecto do investimento educativo face ao desenvolvimento global. Neste âmbito levantam-se questões como o seu sistema de financiamento e de que modo é encarado socialmente.

Há quem defenda que a educação constitui um bem cultural, de consumo presente, pela assimilação dos valores vigentes, sem nenhum valor económico, podendo mesmo assumir-se como um gasto não produtivo.

De modo algum podemos concordar com esta ideia. Entendemos que a educação se relaciona positivamente com o desenvolvimento. Os recursos que a sociedade utilizar não são ilimitados, é certo, dependendo das receitas do Orçamento do Estado e da forma de as obter. Toda a utilização destes recursos para satisfazer um determinado tipo de necessidades leva a opções em detrimento de outras necessidades. Neste sentido, opõem-se as actividades consideradas com capacidades produtivas, como a educação, a saúde, a investigação, às outras actividades que implicam grandes despesas e são «menos produtivas».

Estudos económicos demonstram que são principalmente o ensino básico e a investigação científica os sectores em que o investimento é considerado mais rentável. Por outro lado, é possível estabelecer uma correlação significativa entre o rendimento per capita e as despesas em educação, igualmente por pessoa.

Progressivamente tem havido uma tendência de os diversos Estados virem a aumentar os orçamentos da educação (Portugal tem feito o inverso).

Estes aspectos vão determinar, em grande medida, a política de abertura e eficácia da educação. Isto é, qual o número de pessoas que são visadas pela educação e a acessibilidade que têm aos diferentes níveis de ensino.

A expansão demográfica escolar e a escolaridade obrigatória são indicadores de desenvolvimento. No entanto, se levarmos em conta a taxa de repetência, de reprovações e de abandono da escolaridade, deparamos com uma situação de crescimento inicial quantitativo, e não de desenvolvimento em termos qualitativos.

Muito se tem dito e escrito sobre as consequências do insucesso escolar e do abandono escolar; nunca é de mais relembrá-los. Problemas de desadaptação social, marginalidade e delinquência são lugares comuns para quem não consegue superar as exigências escolares.

Por outro lado, os jovens vêem as suas aspirações goradas por não terem conseguido o acesso ao ensino superior, devido a um regime de selectividade demasiado acentuado.

Reconhecemos nestes factores a causa da «disfunção existente no nosso sistema educativo. Verifica-se que não consegue corresponder às solicitações da dinâmica social, degradando-se cada vez mais a função para a qual foi criado.

Para obstar a estes factos, entendemos que se deverá dar prioridade aos investimentos e criação de projectos ao nível da educação como fonte de desenvolvimento. Esa dever-se-á organizar segundo três objectivos, a saber: primeiro, assegurar a cada indivíduo a possibilidade de uma vida pessoal, tão completa quanto possível, através de um desenvolvimento cognitivo, afectivo e psicomotor; segundo, colocar à sua disposição os conhecimentos e as técnicas indispensáveis para que ele retire das suas aptidões físicas e intelectuais o máximo de rendimento e eficácia no enri-

quecimento material e espiritual da vida colectiva; terceiro, permitir-lhe desempenhar, em conformidade com os seus interesses e com o interesse gral, os seus deveres de cidadão que participa, na medida dos seus meios e no sentido da sua individualidade, no funcionamento e na expansão da comunidade cultural.

Antes de terminar, quero referir ainda que, se a educação da juventude tem como objectivo torná-la na principal construtora de um mundo melhor, transpondo os grandes ideais universais e sociais para a vida quotidiana e concreta do homem, é necessário fazê-la sentir o facto de que o futuro depende do trabalho feito no presente.

Consoante a ajuda que lhe for dada na organização das suas actividades, na vida concreta, assim como no seu desenvolvimento interior, mais apta ou não ela estará para realizar as tarefas futuras.

Na verdade, só quando se unir a actividade pedagógica à actividade social que vise evitar que a existência humana esteja em desacordo com a sua essência, se alcançará uma formação da juventude em que a vida e o ideal se unirão de modo criador e dinâmico.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.a Helena Cidade Moura (MDP/CDE):— Tenho de cumprimentar todos os presentes e dizer-lhes da alegria que é para nós esta reunião.

Começarei por uma breve introdução, que espero que não considerem um pouco abusiva, mas não está aqui presente a juventude do meu partido. Isso corresponde, quanto a mim, a uma ideia errada do que deverá ser o papel das juventudes partidárias ou a uma situação não suficientemente aprofundada e sobre a qual não quero, neste momento, estar a levantar o problema.

Em todo o caso não poderei deixar de os lembrar, porque trabalham na alfabetização e nas cooperativas, a nível nacional, e muito se deve ao seu esforço.

Um dos vice-presidentes do meu partido não tem 40 anos e fez toda a tarimba partidária como jovem. De facto, nunca teve um papel activo na juventude do MDP/CDE, que está diluída nos outros órgãos do partido, o que, de qualquer modo, explica o nosso carácter movimentista, explicando também um pouco a sua eliminação de um mundo onde penso que ainda não se encontraram os valores suficientemente democráticos para se aceitarem as organizações e as pessoas com o seu papel próprio.

A minha intervenção vai ser uma intervenção muito pouco política, no sentido estrito da palavra. No entanto, queria ainda fazer uma observação sobre a implícita ausência dos depurados.

Pela minha parte, estive ontem na Comissão do Código de Autor das 13 horas e 15 minutos até às 19 horas e 30 minutos —comi apenas umas sandes durante a reunião— e depois das 19 horas e 15 minutos estive a preparar o resultado dessa reunião. Esta tarde e amanhã terei de me dedicar a essa tarefa, pois o trabalho da Assembleia é extraordinariamente pesado.

Quanto aos deputados da Assembleia da República, na sua maior parte não pertencem ao distrito de Lisboa e é-lhes difícil com certeza dedicarem o fim-de--semana a esta Conferência, embora eu gostasse de os ver aqui mais representados.

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Entrando agora na participação que gostaria de dar a esta Conferência da Juventude, começarei por definir aquilo que entendo por desenvolvimento e educação.

Consideramos que a palavra «desenvolvimento» está demasiado restritiva quando se pensa no aspecto económico.

Para nós, o desenvolvimento inclui a transformação cultural e a participação do indivíduo numa colectividade. Essa participação é difícil, é preciso encontrá-la, é preciso que o indivíduo a encontre. Lembro neste momento Paulo Freire, que diz que «a liberdade é a prática da sua procura».

Ontem, quando aqui ouvi várias vezes referido o facto de o jovem não se assumir a si próprio como jovem, penso que a essência do problema foi posta.

é evidente que o papel da escola —e eu própria tenho dedicado toda a minha vida à educação— é muito importante. No entanto, não é fundamental em toda esta organização que levará a juventude a encontrar um campo mais activo, mais transformador.

Pelo facto de ser alargada e de haver outros meios de comunicação e educação, a escola hoje já não tem aquele aspecto rígido que tinha de transmissora dos valores sociais preponderantes.

A escola hoje não é isso. Hoje, por exemplo no Brasil, fala-se na «pedagogia da resistência», que se afirma pela preparação pedagógica dos professores e pela liberdade dos alunos. Há aqui uma responsabilização que cabe à escola e que em Portugal tem sido dificilmente assumida, pelas características do nosso povo e da nossa escola.

Ainda há pouco, quando a nossa companheira falava do processo educativo, eu pensava que, se não fossem os padres, os frades e a tropa, em Portugal, possivelmente, éramos todos analfabetos. Isto porque, de facto, os Estados civis não têm tido a sensibilidade suficiente para encontrarem os valores da dinâmica escolar.

Uma outra noção que me parece difícil hoje é a do conceito escola/ligação ao meio. Hoje em dia, o meio é uma entidade extremamente dinâmica e a escola é uma instituição que dificilmente encontrará um compasso para essa dinâmica.

Penso que há que repensar os problemas fora dos preconceitos fixados e em Portugal, mais do que noutro sítio, isso é necessário. Digo isto porque —e foi mais nessa condição que tomei a palavra — sou deputada há 7 anos e trabalho hé 27 anos como psicóloga no Instituto de Orientação Profissional. Ninguém me pode levar a mal que, para fazer a análise dos problemas, eu me sirva mais da experiência profissional que tenho do que da experiência política, que, quanto a mim, é consequência da minha experiência profissional.

Há mais de 20 anos, desde 1964, que tenho estudado as aspirações sociais dos jovens que terminam o curso secundário. Ê um longo trabalho que, como toda a investigação em Portugal, tem sido feito bastante na base da clandestinidade e dos ordenados do meu marido, porque esse trabalho não é pago nem tem qualquer ajuda a níve? oficial. No entanto, tem havido interesse por parte do Centre de Recherches Scientifiques, de Paris, um centro de altos estudos, exactamente pelo curioso que é a situação social do jovem que acaba o ensino secundário em Portugal.

Desde 1964 até 1985, o perfil das aspirações sociais dos jovens em Portugal —e falo daqueles que

se encontram no último ano do ensino secundário — não mudou, o que é um pouco extraordinário.

Fiz uma análise destacada dos anos de 1974 a 1976, em que houve uma ligeira alteração, sobretudo por parte dos homens. Essas aspirações sociais não correspondem ao mercado de emprego, não correspondem aos valores sociais.

Só para exemplificar, devo dizer que enquanto as mulheres têm altíssimos interesses científicos e por actividades ao ar livre, os homens têm altíssimos interesses sociais, literários e, sobretudo, ao nível das rejeições, têm coisas curiosas. Por exemplo, enquanto os homens rejeitam a mecânica, as mulheres escolhem-na e rejeitam a burocracia.

Pelas aspirações sociais detectadas diríamos que estamos num país de condenados a fazerem o contrário daquilo que querem.

£ evidente que compreendem que uma análise feita ao longo de 20 anos tem uma margem de erro muito leve, quer dizer, tem-se mesmo de se considerar essas coordenadas.

Isto poderá ter várias explicações e não me atrevo a dizê-las todas. No entanto, isto está muito na base de uma falta de um projecto de vida real que o jovem português, diria mesmo, a criança portuguesa —porque é a partir dos 7 anos que o jovem começa a formar-se— não tem.

A imagem do pai em Portugal —e estas explicações estão sempre sujeitas a dúvidas— é extremamente débil porque, em geral, o pai vive no subemprego, está constantemente a dizer ao filho: «Vai para todas as profissões menos para a minha»; por outro lado, a mãe é supervalorizada pela quantidade de tarefas a que tem de pôr ombros, desde o emprego à organização da casa, passando pelas falhas de tudo quanto há.

No meio de tudo isto, o que é que os jovens que estão a viver depois do 25 de Abril poderão fazer? Possivelmente o mesmo que fizeram aqueles que nasceram pela época de 1910 e que tiveram apenas 16 anos para se libertarem. Nós já vamos em 11 anos e esperamos que dure um pouco maisl

Já se falou da Inquisição, que correspondeu a uma época de transformação social que foi castrada. Não podemos esquecer que os grandes vultos literários dessa altura eram os «estrangeirados», eram as pessoas que editavam os seus livros no estrangeiro e eram queimados em efígie em Portugal. Não podemos esquecer um Damião de Góis, um homem ecléctico na sua posição entre o catolicismo e o protestantismo e que morreu, diz-se, de pneumonia nos cárceres da Inquisição. Aliás, tradicionalmente, nas prisões portuguesas morre-se de muita coisa! ...

Há, portanto, uma constante que cumpre assumir pessoalmente. Por exemplo, Allport dizia: «A minha individualidade é a maneira específica de entender o colectivo.» Esta é, aliás, uma afirmação de que gosto muito. Ora, esta dimensão falta em Portugal, e falta desde a pré-primária.

Para além disto, nós —aqueles que sabemos ler e escrever e que estamos aqui a prestar-nos — somos um reduto. Continuamos com um terço de analfabetismo. Neste momento, no Ministério da Educação estão a ser cortados os destacamentos de professores primários para os analfabetos. Aliás, a nossa juventude nunca foi convidada a colaborar na extinção do analfabe-

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tismo em Portugal. Fizeram-se campanhas revolucionárias de eficiência e direcção muito duvidosas. Digo «muito duvidosas» porque nunca aderi a elas.

O Sr. Carlos Miguel Coelho (PSD): — Muito bem!

A Oradora: — De qualquer maneira, nessa altura havia pelo menos uma coisa que se poderia ter aproveitado: a consciência das situações, e em Portugal' essa consciência das situações é sempre remetida para longe.

Pergunto: a culpa é do País? Não é, a culpa é de cada um de nós na medida em que, depois do 25 de Abril, temos mais responsabilidade física. A culpa está duplicada ou triplicada indefinidamente.

Não quero alongar-me, havia uma outra coisa que gostava de abordar mas, como não quero estar a tirar tempo aos jovens para reflectirem, agradeço a oportunidade que me foi dada.

Porém, gostaria ainda de fazer um apelo no sentido de que não haja irresponsabilização individual. As pessoas que em Portugal se metem em grupos ou em partidos políticos, de uma maneira geral, têm tendência a irresponsabilizar-se humanamente. Dizem: «É o meu grupo, é o meu partido» ... e a responsabilidade humana vai falar.

Sem intervenção cívica, sem o poder transformador que cada homem tem, não é possível nem transformar o País nem encontrar-se um clima cultural diferente.

Devo dizer-vos que na maior parte das intervenções que ouvi pesou-me a ideia de que estava a ouvir coisas repetidas por muita-gente. Nota isso sobretudo quem vive aqui na Assembleia da República, onde os partidos marcam as suas posições, como, aliás, têm que o fazer.

As organizações de jovens, mesmo as partidárias — e aí é que há umas diferenças —, terão de encontrar, e algumas encontrarão, uma forma criativa de ver os problemas. A forma criativa está ligada às seguranças individual e colectiva e essas seguranças têm que ser construídas.

A liberdade não é outra coisa senão aquilo que diz Paulo Freire: a praxis da sua procura. É essa procura que os jovens e as pessoas de idade como eu —que até já estou na chamada terceira idade— em nenhum momento da vida podem rejeitar.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Helena Valente Rosa.

A Sr." Helena Valente Rosa (PS):—Não vou levar-lhes muito tempo porque entendo que numa conferência da juventude e para a juventude o tempo é pouco para debaterem os vossos problemas e deixarem aqui expressos os vossos anseios.

Contudo, perguntei-me a mim mesma se devia vir aqui falar convosco, eu, que não quero dizer que seja velha, mas sou menos jovem do que vocês. Mas acho que isso é importante. Aliás, tal já aqui foi focado pela Sr." Deputada Helena Cidade Moura, e nesse aspecto podemos estar «no mesmo barco», porque viemos falar aos jovens, apesar de já não o sermos. No entanto, a nossa experiência como educadores e como pessoas que estiveram toda a vida ligadas aos jovens e à educação poderá trazer algum contributo para reflexão nesta Assembleia em que vocês são os principais protagonistas.

Em todo o caso, reservo o tempo para intervenções de fundo aos membros do Partido Socialista que aqui ainda vão intervir, não só da Comissão de Juventude como da Juventude Socialista. A vocês, com certeza, caberá aprofundar os temas que vos interessam, até porque, neste momento, os sentem mais agudamente do que nós.

De qualquer forma, sempre que vejo jovens reunidos e sempre que há movimentos juvenis, sinto uma enorme satisfação em dirigir-lhes algumas palavras, e é isso que vou fazer. Não vou fazer nenhuma intervenção de fundo, de maneira nenhuma, mas quero expressar-vos a minha satisfação por ver que os jovens tendem a agrupar-se, a associar-se, para debater e lutar pelos problemas que os afligem.

Por outro lado, também sinto grande satisfação quando se trata da discussão de problemas relativos à educação. Isso justifica-se porque toda a minha vida tem sido «educação» e toda a vida tenho lidado com jovens.

Quando se trata de uma conferência para jovens, que é feita e organizada por jovens, o assunto da educação tem de ser uma das grandes linhas de força.

Simplesmente, gostava de vos dizer que há outra coisa que me apraz ressaltar: é que vejo e sinto que vós, jovens, preocupados com os problemas específicos das vossas idades, preocupados com as vossas situações, que são diversas, estão a encabeçar uma luta colectiva não só pelos vossos problemas específicos mas também pelos problemas daqueles que são mais jovens do que vocês e daqueles que são menos jovens do que vocês.

Isso tem um valor extraordinário porque não se trata de uma luta pessoal, não se trata de uma luta caso a caso, mas trata-se de uma luta colectiva, que abarca vários pontos de vista, vários partidos políticos, várias ideologias. Estão, efectivamente, a pensar na juventude, globalmente.

Ora, há uma coisa que vocês também devem pensar: é que houve gerações anteriores à vossa. Houve a minha geração, houve outras anteriores à minha e houve outras posteriores, que também encabeçaram várias lutas, e todos nós também lutámos pelos nossos ideais. Com a sua maneira de estar na vida, com a sua vivência pessoal e com aquilo que faz na vida, cada um lutou e felizmente que o fez.

Hoje, felizmente, vivemos em democracia e isso é extraordinariamente importante.

Simplesmente, viver em democracia é muito difícil. Não se aprende a viver em democracia rapidamente, é preciso educar as pessoas para elas saberem viver em democracia. Isso não leva 10 anos nem 15 anos nem 20 anos. Ê aí que vocês têm um papel extraordinariamente relevante.

Digo «vocês» porque nós vamos avançando na idade, mas cá estamos para vos ajudar. Efectivamente, temos que pensar que são vocês os cidadãos de amanhã, são vocês aqueles que hão-de governar este país, são vocês os deputados que se hão-de sentar nas bancadas desta magnífica Assembleia da República. Portanto, serão vocês que terão a tarefa de desenvolver o País económica, cultural e sociologicamente.

Tenho a certeza de que a luta que se desenha é para que os vindouros não passem pelos mesmos problemas por que nós passámos, nem passem pelos problemas por que vocês estão a passar.

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Enfim, é preciso preparar toda esta juventude e todos aqueles que são mais novos do que vocês para viver num país mais justo, num país mais país.

E pensando em termos de educação, todos nós temos que procurar continuar —porque já se começou — esta luta por criar cada vez mais jardins-de-infância para as nossas crianças. Não lugares onde as crianças estejam, não locais de atendimento, de espera, enquanto os pais e as mães trabalham, mas locais onde as crianças comecem a ser educadas, onde comecem a aprender a viver em conjunto com as outras crianças, onde aprendam a estar e a viver com os outros.

Daí que tenhamos que procurar — e é extraordinariamente importante isto que lhes vou dizer—, em conjunto, que o ensino deixe de viver constantemente numa situação de experiência. Estamos sempre em ex-riência. Vocês, alunos —alguns hipoteticamente, pois já podem ser professores —, foram cobaias, os professores são cobaias, e temos que deixar de ter este mundo de cobaias, sejam elas os alunos ou os professores.

Temos que ter uma lei que nos trace as normas, os princípios, por que se deve reger a educação e o ensino neste país. Essa lei, que tem que ser debatida na Assembleia da República — que é o local próprio para ela ser debatida e aprovada—, é a Lei de Bases do Sistema Educativo, é uma lei por que todos os partidos anseiam e à qual nós, PS, dedicamos especial atenção.

É preciso que todos conheçam as regras por que se regem. Ê preciso que todos saibam, à partida, o que podem e como podem escolher, qual vai ser a sua vida, que saídas têm no mercado de trabalho, como podem ingressar nas universidades, o que é que as universidades lhes dão e o que é que o ensino secundário pode dar para o ingresso nas faculdades. Para que tudo isso exista coerentemente é preciso que essas normas sejam estabelecidas à partida e que nós possamos viver dentro de um sistema, que é o que não tem havido nos últimos anos.

Além do mais, há também um ponto para o qual quero chamar a vossa atenção. Nós, professores —e digo «nós» porque também fui professora—, precisamos de ter uma boa preparação e de ser professores de corpo inteiro, pois esses são os que eu chamo de verdadeiros professores.

Os professores devem sentir a responsabilidade de preparar os jovens, devem despertar neles o gosto pelo trabalho e o gosto por estar na escola, devem sentir os jovens como alunos e como camaradas, discutir com eles, viver com eles lado a lado, entendê-los e lutar com eles e por eles. Isto é extraordinariamente importante e só acontecerá quando os nossos professores forem efectivamente bem preparados para esta missão tão difícil que é a de ser professor.

Podemos pensar que precisamos de programas correctos, e isso é verdade. Precisamos de programas que não só transmitam conhecimentos, mas que também vos preparem para a entrada no mercado de trabalho, que vos preparem para a sociedade democrática em que vivemos, que não sejam para vós apenas meios de cultura e de aprendizagem científica, mas que sejam também um meio de vocês aprenderem a estar no mundo.

Que dizer do ingresso na universidade para além de desejar que exista uma igualdade de oportunidade para todos e que aqueles que têm mais capacidade de

trabalho, que aqueles que mais interessados estão, possam levar nos seus ombros essa grande tarefa que vos cabe e que é a de desenvolver o nosso país?!

Tudo isto são verdades, não estou a abordar novos problemas, pois eles saltam aos olhos de todos. Porém, não queria também deixar de focar aqui uma preocupação que deve estar sempre no espírito de todos nós. Ê que, dia após dia, temos que diminuir o número dos analfabetos que existem no nosso país. Já é aitura de não haver analfabetos no nosso país, é preciso que todos tenham direito a ler, a saber e a estar informados.

Temos que lutar para que o analfabetismo deixe de existir, para que os analfabetos desapareçam de vez do nosso país. Assim, também temos que procurar que a escolaridade obrigatória seja alargada e cumprida, como temos que procurar que os alunos que são diferentes porque infelizmente são deficientes possam viver lado a lado com aqueles que são alunos normais, porque eles têm direito à felicidade que, infelizmente, è partida, lhes parece ter sido negada.

Meus amigos, esta é uma tarefa gigantesca que temos nos nossos ombros. Digo «temos» referindo-me àqueles que toda a vida trabalharam na educação, mas vocês também estão incluídos porque vocês é que são o futuro. Efectivamente, não se pode considerar que vocês estejam sozinhos nesta tarefa e, na verdade, não o estão nem partem do zero. Não podemos pensar tão negativamente, não se parte do zero, pois muito já se fez e muita coisa se está a fazer.

Pelo menos há uma certeza: há a consciência do que é preciso fazer. Isso é extraordinariamente importante porque para se sanarem os males é preciso fazer-se primeiro o diagnóstico para depois se utilizarem os remédios próprios. Isso está feito!

Como já vos disse, o País não se reconstrói nem em 10, nem em 15, nem em 20 anos, mas há uma certeza que é a de que vocês não estão sozinhos.

Há muitos, muitos — e volto a dizer que não falo nos velhos porque entendo que não devo falar — que são menos jovens e que estão dispostos a trabalhar ao vosso lado, por vós e para vós.

O futuro é vosso mas o trabalho tem que ser vosso e nosso.

Têm direito às vossas reivindicações, têm direito á ter as vossas preocupações e têm direito a ter essa ânsia constante de resolver os vossos problemas.

A responsabilidade é muito grande porque vocês são o futuro e é preciso serem lúcidos, é preciso estarem conscientes das dificuldades que o País atravessa e confiarem no dia de amanhã. Digo-íhes que quando se perde a esperança é porque chegou a velhice; enquanto se não é velho tem que se ter sempre esperança e é precisamente por eu ainda não a ter perdido que lhes estou a dirigir estas palavras.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Jorge Ferreira, da Juventude Centrista.

O Sr. forge Ferreira (JC): — A função e a razão de ser sociais da educação devem analisar-se em dois planos.

Desde logo, a educação assume hoje nos países livres e democráticos a natureza de um autêntico direito dc homem, cujo escopo é assegurar a realização integra]

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e o pleno desenvolvimento cultural da pessoa. Esta é o sujeito e o beneficiário do processo educativo.

A esta perspectiva, consagrada, aliás, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na Constituição Portuguesa de 1976, é essencial o papel da liberdade de ensino, pois que só em liberdade se educa verdadeiramente e só em liberdade é possível preparar os cidadãos para as escolhas conscientes que se lhes irão deparando à medida que for avançando a sua integração social.

O objectivo do processo educativo, neste nosso entendimento personalista, é o de preparar cada homem para, de acordo com as suas aptidões e vocações, assumir na sociedade o lugar em que mais realizado se sinta e, portanto, em que mais útil possa ser. Por outras palavras, pretende-se potenciar nos indivíduos um desenvolvimento educacional bastante ao cumprimento cabal das responsabilidades perante a sociedade em que se insere.

Um sistema de ensino válido e livre não pode reduzir-se a uma definição em função das unidades produzidas anualmente. Não se trata de um mero investimento reprodutivo do Estado, mas de um investimento humano de toda a comunidade nacional que, deste modo, está a assegurar a sua própria sobrevivência e afirmação como sociedade poltíica independente. A educação não pode ser vista como uma função administrativa do Estado, um objectivo macroeconómico do plano, como a concebe o colectivismo marxista. Antes significa um pólo fundamental de formação e exigência, uma via insubstituível da realização do indivíduo.

A «Educação como estratégia de desenvolvimento» é a outra dimensão em que se concebe o fenómeno educativo.

O sector da educação é, em qualquer sociedade que aspire aos mínimos de civilização, uma preocupação fundamental. Essa preocupação, porém, deve ser posterior à definição de objectivos mais vastos de realização nacional. No fundo é do projecto de desenvolvimento que se trata. Este projecto enuncia as notas sociais, aponta os caminhos, fornece uma imagem do tipo de homem que há-de vir a resultar da organização da vida em sociedade.

Existirá em Portugal, ao nível dos centros de decisão, uma noção clara do modelo de desenvolvimento que o sistema educativo há-de servir? Alguém se preocupou já em definir e pôr em prática um tipo de ensino que prepare os jovens para serem sujeitos aptos, na sua criatividade individual e na sua formação cultural, cívica e técnica, das transformações estruturais de que a sociedade portuguesa carece? A resposta é óbvia e triste.

£, pois, natural que a educação seja presentemente um sector secundarizado, perigosamente secundarizado, e desprezado em Portugal. Só assim se explica que um modesto capitão com formação de caserna tenha sido Ministro da Educação após o 25 de Abril! Pobre educação! E por falar em Abril, não deixa de ser igualmente sintomático que a Revolução, não obstante os abundantes deleites teóricos realizados, não tenha ainda rido sequer um assomo de projecto educativo global. Acontece até que o que se tem passado é que o nosso sistema educativo tem vivido no estado patológico das experiências pedagógicas, numa interpretação delirante de um decreto-lei do regime anterior, o Decreto-Lei n.° 47 587, de 10 de Março de 1967.

Seja qual for a perspectiva que se tome da educação, das duas que expusemos, a conclusão a que chegamos é a de que o nosso sistema educativo está em estado de falência pedagógica, exaurido das medidas sectoriais que retalharam e irracionalizaram um sistema que, ainda que defeituoso e limitado, existia à data da Revolução de Abril.

Ocorre inclusivamente que a escola é hoje pasto dos vícios genericamente apontados à sociedade e ao actual homem português. A vida nas escolas coarcta a criatividade, favorece o parasitismo, encoraja o desleixo, alimenta o expediente, dá alento ao desinteresse, quando não constitui um amplo e lamentável mostruário de originalidades e habilidades que, quando adultas, vão explicar pela origem a corrupção e a marginalidade.

£ nossa convicção de que a causa profunda do atraso do nosso país se encontra na educação. E que enquanto não se resolver o problema educativo não será possível responder ao desafio do desenvolvimento que temos de cumprir.

Não é difícil comprovar o que acabamos de afirmar, com alguns esclarecedores números. Se registarmos a evolução do analfabetismo no nosso pais, veremos que em 1900 ele era de 75 %, em 1960, de 32 % e hoje estamos nos 20 %. Na CEE, para onde formalmente entraremos no próximo ano, não existe analfabetismo.

Vejamos agora o que se gasta em Portugal com a educação. Em 1985, as despesas orçamentais com a educação representam 4,5 % do PNB, isto é, a terça--parte do que gasta a França, a metade do que gasta a Holanda e exactamente o mesmo que gastam a Nicarágua e o Omã.

Por outro lado, está-se a dar um preocupante recrudescimento da fuga à escolarização. Só no ano lectivo de 1982-1983, dos 170 000 alunos inscritos no ensino primário, 20 000 não se inscreveram no ciclo preparatório, não cumprindo sequer a escolaridade obrigatória de 6 anos. Esta fuga e outras, noutras fases do sistema, além de pronunciarem o agravamento das condições económicas das famílias, demonstram a descrença no sistema educativo e a inutilidade para que conduz os jovens, sejam os que ficam à porta da universidade — e o ano passado foram 12 000— sejam os que entram e não encontram forma posterior de aplicarem e valerem-se da formação superior recebida.

Muitos números poderíamos fornecer para ilustrar o caos. A situação é de tal modo que medidas isoladas que porventura se tomem, e em si úteis, trarão consigo o agravamento do sistema, pois que serão absorvidas pelas suas deformações e vícios, ao invés de os dominarem e extirparem.

Em nossa opinião, a resolução estrutural da crise, o rasgar de horizontes de futuro ao País e à sua juventude, não pode assentar senão numa reforma educativa global, assente num projecto coerente, que parta da realidade nacional e das necessidades que se perfilam. Mais do que uma simples estratégia de desenvolvimento, a educação é a garantia do futuro. Não podemos nós continuar a viver da última reforma global ensaiada e cuja aplicação o 25 de Abril de 1974 veio interromper.

Da análise que fazemos da situação actual afigu-ram-se-nos fundamentais algumas medidas, que quanto mais demorarem mais difícil tomarão a recuperação nacional.

A primeira é para nós óbvia de há muito tempo a esta parte: qualquer projecto nacional de mudançe e

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regeneração tem de assumir a educação como prioridade nacional. Esta ideia pressupõe um maior investimento público na educação, de modo algum incompatível com a racionalização de despesas que se impõe e com a reestruturação administrativa do Ministério da Educação. Ê verdadeiramente ridículo ouvir os dois últimos ministros da Educação afirmarem publicamente que o orçamento para a educação não pode ser aumentado para não hipotecar o futuro dos jovens. É que o nosso futuro já está hipotecado, e, pela minha parte, acho bem preferível hipotecá-lo na educação do que em empresas públicas estéreis e inviáveis.

A segunda medida consiste na elaboração e aprovação de uma lei de bases do sistema educativo. O sistema não pode continuar em autogestão pedagógica ao deus--dará, sem saber o que quer, como quer e para onde vai. Não podemos continuar a ter um amontoado de estabelecimentos de ensino, um amontoado de programas e um amontoado de experiências pedagógicas, sem qualquer intenção ou finalidade de conjunto.

A lei de bases tem sido tanto um dos pontos de honra das promessas eleitorais quanto uma preocupação essencial esquecida após a aprovação dos programas do Governo.

A terceira medida tem a ver com a revisão dos conteúdos de ensino, seja ao nível da educação global, seja ao nível da educação vocacional. Ao fim e ao cabo, trata-se aqui da reforma pedagógica em sentido estrito e que há-de fazer-se sentir em todas as fases do sistema educativo, da educação pré-escolar e até ao ensino superior.

A quarta medida que reputamos essencial é a recriação de um verdadeiro ensino técnico-profissional. Consideramos que a sua extinção após o 25 de Abril foi um autêntico crime que se cometeu contra a educação. Ao invés de procurar melhorar o deficiente sistema que existia, procedeu-se à unificação do ensino, em nome do mito igualitarista, então nascente, e a consequência aí está: o sistema educativo é hoje uma das causas mais importantes do desemprego juvenil.

O sistema não pode legitimamente encaminhar, em via única, os jovens para a universidade, sabendo que esta não tem capacidade de absorção de todos os alunos que terminam o 12.° ano e que se vêem desamparados, desiludidos e desempregados quando descobrem que foram enganados pelo sistema.

A quinta medida consiste na reestruturação do sistema de acesso à universidade. Um sistema que regule o acesso e não apenas o ingresso. Um sistema que pressupõe a correcção dos vícios das fases educativas precedentes e que valorize as capacidades dos jovens.

Estas cinco medidas não esgotam evidentemente o rol de necessidades do nosso depauperado sistema educativo. Parecem-nos, no entanto, verdadeiramente nucleares de qualquer projecto educativo global.

De certo, temos para nós, que só na educação é possível combater eficazmente o processo de decadência que temos vindo a viver. Diz o ditado popular: «Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.» Em termos de desenvolvimento, bem se poderá dizer: «Diz-me que educação tens, dir-te-ei que país és!» É precisamente neste «exame» que se pretende que Portugal não «chumbe», para que possamos rasgar horizontes.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Luís Filipe Pinto, da JS.

O Sr. Luís Filipe Pinto (JS): — Companheiros, Portugal é um país que, tomando em referência os índices de alfabetização, em nada se diferencia dos países mais atrasados do Terceiro Mundo. Estamos, neste aspecto, na cauda mais longínqua da Europa.

Se queremos —e queremos mesmo— entrar para essa Europa, necessitamos urgentemente, mais do que em qualquer outro sector, de investir na educação. Poder-se-á falar na introdução de novas tecnologias, designadamente a informática, num país em que grande parte da população é analfabeta? Ou queremos nós apenas perpetuar a elitização da sociedade? Ê indubitável que a educação é essencial para o desenvolvimento, mas, antes de mais, importa preparar toda a população para esse impacte que representa o desenvolvimento e, no caso concreto, a entrada para a CEE.

Assim, defendemos uma educação integrada que tome em consideração os modelos e clivagens próprios da nossa sociedade. É sabido que uma população ignorante não causa tantas perturbações e tanta contestação, sendo muito mais maleável e dirigível.

É contra isto que entendemos necessária e urgente a educação. Ê assim, tornando as pessoas críticas — porque podem conhecer mais do que o seu horizonte— que se pode falar em desenvolvimento e, aí sim, num desenvolvimento concertado e firme e não em lutas contra moinhos de vento, ao sabor de cada uma das estratégias partidárias.

De facto, falar em desenvolvimento passa necessariamente por mudar a discussão e, sobretudo, a acção. Não devemos, nem podemos, copiar os modelos este-riotipados que nos dão aqueles que acusamos de não resolver os nossos problemas. Na realidade, não é este ou qaulquer outro Governo o único culpado da situação desagradável e preocupante em que se encontra a juventude portuguesa. Todos nós temos igualmente responsabilidades, não só individualmente mas também no colectivo, nos nossos grupos, partidos e organizações.

De facto, se me permitem, lembro ao nosso companheiro da JCP que a brilhante intervenção que teve a Sr." Deputada Helena Cidade Moura poderá servir-nos de conselho e até permitir que futuras intervenções possam efectivamente colaborar, de uma forma mais construtiva, para o desenvolvimento da nossa sociedade e para a resolução dos problemas da juventude. Aquilo que realmente se nos afigura preocupante é o tipo de intervenção que se faz e as autêtnticas cópias de discursos que políticos fazem aqui ao lado, as quais nada contribuem para o desenvolvimento do nosso país, mas apenas para uma desestabilização e para a continuação dos problemas da juventude e do País em geral.

Realmente, esse desenvolvimento consegue-se através do diálogo, de ideias novas, de um outro conceito, de uma outra forma de estar, consegue-se sendo nós, aqui e noutros locais, porta-vozes ou representantes de uma juventude que tem efectivamente preocupações. Mas não nos podemos servir da juventude para prosseguirmos campanhas que não têm nada a ver com a juventude e que em nada servem o nosso país.

É, pois, através de uma forma de participação desinibida que podemos transformar e desenvolver a nossa sociedade. Nós, jovens e organizações juvenis, temos hoje a responsabilidade, por ura lado, de inovar e

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renovar as mentalidades daqueles mais velhos e, por outro, de preparar um futuro não só para nós, mas também, como já aqui alguém disse, para aqueles que vierem depois de nós.

Portanto, temos de criar novos valores não só quando nos deslocamos a locais de discussão entre grupos, como este, em que estão presentes diversos jovens de diversas tendências ou ideologias, temos sempre de ter a preocupação fundamental não de resolvermos o nosso problema exclusivo, mas de resolvermos o problema na globalidade, o problema do País. Temos de apostar num novo discurso e saber dialogar abertamente, para que possamos contribuir para um Portugal melhor, mais justo e fraterno.

De facto, não podemos continuar a criticar os empréstimos ou a acção do Governo aqui ou acolá se, logo a seguir, viermos propor, como resolução de problemas da juventude, que os medicamentos sejam gratuitos, quando sabemos que isso implica investimentos, importações, riqueza que o nosso país não tem. O que temos de fazer é contribuir para a criação de uma riqueza que posteriormente possamos distribuir mais justamente por todos.

Não fujamos, pois, às nossas responsabilidades. Ê este o apelo que aqui deixo, para que, no seguimento deste debate, ultrapassemos um pouco a formalidade que, muitas vezes, se utiliza na Casa onde estamos e possamos dizer e discutir abertamente aquilo que pensamos, sempre numa perspectiva de renovação de discursos. . .

Aplausos.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho.

O Sr. Carlos Miguel Coelho (Comissão de Juventude da AR — PSD): — Gostaria de dizer algumas coisas, referindo, no entanto, três questões prévias.

A primeira questão prévia é a de que falar nesta altura tem as suas vantagens: muito está dito e julgo que é sempre um gesto inteligente não nos repetirmos. Sem querer hierarquizar as intervenções, gostaria de salientar, em relação ao enquadramento das questões de educação, as intervenções da Sr." Deputada Helena Cidade Moura e do Sr. Luís Mil-Homens, com as quais concordo, pelo que me escusarei de as repetir.

O segundo pressuposto prévio é o seguinte: penso que, em questões de educação, devemos fugir à tentação de partidarizar o debate. Provavelmente, muito do que aqui já foi feito e do que tem sido feito em salas contíguas a esta e noutras sedes é partidarizar era excesso um problema que só interessa despartida-rizar. Não quero dizer com isto que a discussão deva ser apolítica ou que a ideologia não tenha a ver com a forma como concebemos a estrutura do sistema de ensino. O que quero dizer é que muitas das nossas preocupações colectivas poderiam ter sido ultrapassadas se já tivéssemos conseguido encontrar consensos em campos onde eles são possíveis, recuando face às tentações da política fácil e da parridarite aguda.

O terceiro e último pressuposto é o de que as poucas reflexões que vou colocar têm a ver com uma perspectiva muito negativa, que é a minha, pessoal, e que julgo ser partilhada pela organização de juven-tudo em que me integro.

Portanto, vou tentar também responder a alguns apelos que já se fizeram ouvir nesta Sala no sentido de não se trazer para aqui a cassette do discurso oficial de um partido qualquer.

Julgo que não valerá a pena tornarmos a colocar as questões sobre o fundo da educação em termos do seu sentido útil para a comunidade que somos. A educação é, com certeza, uma coisa importante na formação da personalidade de cada um e na elevação do nível cultural das populações. Fortalece a democracia, porque esta faz-se com pessoas inteligentes.

Gostaria de sublinhar quatro oposições. A primeira oposição seria educação/vida activa; a segunda, educação/futuro; a terceira, educação/formação de docentes; a quarta, educação/estratégia de desenvolvimento.

Julgo que se analisarmos a questão do insucesso escolar, mais do que qualquer outra, detectamos uma causa fundamental, que é a de que a educação não reage aos desafios do nosso tempo. Hoje, sobretudo ao nível do ensino secundário, para já não falar dc nível superior (sobre o qual me debruçarei mais à frente), qualquer pessoa constata uma frustração acentuada. No ensino secundário, os programas, os currículos e o tipo de ensino estão totalmente desfasados quer do apelo mais imediato da inserção na vida activa, quer, inclusive, daquilo que podemos considerar a formação intelectual básica para o prosseguimento dos estudos.

Se houve coisa que se tentou fazer e falhou, foi a unificação dos sistemas de ensino. Já aqui a Sr.a Deputada Helena Cidade Moura disse que o perfil social dos estudantes no terminus do ensino secundário não havia mudado substancialmente. Se o que se pretendia com a unificação do sistema era evitar a elitização do sistema de ensino, a fórmula que se encontrou talvez tenha apontado para figurinos que acabam praticamente por conduzir à mesma situação.

Não estou a dizer que não haja, nas preocupações que levaram à introdução deste sistema, intenções válidas, que devemos subscrever. O que quero dizer é que a fórmula que foi encontrada não serviu o objectivo fundamental, tendo conduzido a uma situação grave na estrutura do sistema de ensino que temos.

Se constatarmos que o sistema de ensino já não dá resposta aos apelos da vida de hoje, gostaria de pôr em comum a reflexão que tantas vezes fazemos: como é que esse sistema de ensino vai dar resposta às necessidades do mundo do amanhã? Uma criança que entre com 6 anos no 1.° grau da escolaridade, ou seja, no 1.° ano da !.° fase (a antiga l.a classe), sairá do sistema de ensino provavelmente passados 6 anos e, se fizer os S anos de escolaridade, praticamente daqui a uma década. E não me quereria deter agora cora aqueles que vão até ao 11.° ou ao 12.° anos, que saem do sistema de ensino daqui a 12 anos ou mais.

Se constatemos que o sistema de ensino que temos não dá resposta hoje e quisermos problematizar para que é que estamos a formar as pessoas, chegamos à constatação de que o sistema de ensino que hoje temos está menos preparado para dar resposta àquelas crianças e jovens que vão sair do sistema de ensino 10 anos depois. Que sociedade portuguesa teremos daqui a 10 anos? Que tipo de mercado de trabalho em perspectiva podemos definir?

Ao fim c ao cabo em que sentido, em que vectores, com que intenções é que estamos a organizar o sistema de ensino?

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Um sistema de ensino que é, todo ele, neste momento, uma manta de retalhos porque produto de alterações sucessivas em alterações sucessivas, de políticas ministeriais conjunturalmente tomadas. O que vimos foi que cada ministro, cada governo, inventou um novo ano, os quais colados, muitas vezes sem sequência e sem coerência, dão o conjunto de frustrações acumuladas que o sistema de ensino hoje representa. E se fizermos um desvio para o ensino superior a perspectiva não é muito mais brilhante. No entanto, arriscaria dizer que a degradação pedagógica não é tão acentuada. Arriscaria mesmo dizer que o cancro do nosso sistema de ensino está efectivamente no ensino secundário e não no ensino superior. Mas sabemos hoje o que é que o ensino superior representa, as gerações de frustrações acumuladas que representam licenciados sem emprego e o facto de o problema social de ingresso no ensino superior marcar hoje, inclusive, a nossa vida política. E o problema do ingresso no ensino superior não seria certamente de forma alguma tão acentuado, se outros problemas, como o do emprego, estivessem resolvidos.

Hoje há a ideia de que ninguém consegue emprego se não tiver um «canudo universitário», passe o termo. Mas o que é certo também é que mesmo ao nível do sistema de ensino continua a não haver alternativas ao ingresso na vida universitária e que essas alternativas deviam existir não principalmente para descomprimir socialmente o problema do ingresso, mas porque o desenvolvimento do país precisa de técnicos formados numa via — a que poderemos chamar de universitário politécnico ou superior politécnico— o que persistentemente se continua a não encetar. Inclusive, em governos anteriores —e já lá vão muitos anos— chegou-se a cometer o «crime» de não se aproveitarem verbas internacionais —nomeadamente do Banco Mundial — por ausência de projectos, que, nas circunstâncias, seriam praticamente custeados graças à ajuda internacional.

Se tentei referir estas oposições foi para tentar provocar um certo abalo. Até agora — provavelmente depois de mim outros falarão, pelo menos já vi a inscrição da Sr.a Deputada Luísa Cachado— estivemos, nesta Casa, a discutir educação, sem prejuízo do mérito de muitas das intervenções, algumas delas eu próprio tive ocasião de assinalar, como se os problemas não fossem tão graves. A Sr.a Deputada Helena Cidade Moura disse alguma coisa, que, aliás, todos nós constatámos ontem: é que nesta Conferência, em que os jovens falam, provavelmente estaremos a adquirir os mesmos «tiques» formais de uma classe política que vimos constantemente atacando.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): —V. Ex.a já os tem!...

Risos.

O Orador: — Espero bem que os consigamos corrigir, se é verdade que já os temos.

Mas o que é certo, António Eloy, o que é certo, é que, quando olho para a educação, vejo um cenário tão desastroso, tão grave e tão problemático que julgo que o formalismo devia ser ultrapassado com uma certa revolta. Na verdade, se a introdução de algumas medidas não for feita com a coragem e com a rapidez

que os problemas exigem, provavelmente também aqui, na educação, estaremos a adiar sistematicamente o futuro de todos nós.

Gostaria de dizer, a propósito das formas de resolver isto — porque não ganhamos nada em fazer desta Casa um muro de lamentações —, que há algumas coisas que são, para mim, de fundamental importância. Gostava de enumerar três, a primeira das quais é a Lede Bases do Sistema de Ensino.

Por várias vezes esta lei tem sido adiada. Por várias vezes na discussão dos orçamentos do Estado as verbas de educação têm sido prejudicadas, como outros — e muito bem — já aqui salientaram. Mas é importante ver por que é que isto sucede, por que é que ainda hoje não temos em Portugal uma lei de bases e por que é que as verbas da educação são continuamente cortadas.

Julgo que é muito fácil acusar um governo qualquer. Mas isto tem uma raiz mais profunda. Ê que, na sociedade que somos, a educação ocupa um papel memorizado. Na sociedade que somos a educação não consegue ser vista como um dos instrumentos fundamentais da política de desenvolvimento do País. Todos nós, na socieadde em que vivemos, olhamos para a escola como uma instituição de prestação de serviços: os pais querem que a escola tenha lá os meninos, esperam que ela forme as pessoas mais ou menos, mas mais longe do que isto não se vai. Não se vai, por exemplo, ao ponto de dizer que hoje, provavelmente a par da crise económica, a maior das crises que temos é a crise educativa.

Na consciência colectiva —e isso vê-se em sondagens, em inquéritos, em trabalhos que vários têm feito—, a educação não é apontada como o principal problema, excepto por aqueles que directamente o vivem: professores ou alunos.

Julgo que a principal responsabiídade que colectivamente cai sobre nós é tentarmos despertar a sociedade portuguesa para esta realidade. £ que se continuarmos com o sistema de ensino que temos, estamos a frustrar várias gerações, a adiar o futuro e o desenvolvimento do País que somos. E essa é uma preocupação e um desafio colectivos que se abatem sobre iodos nós.

Muitas vezes se tem posto a pergunta sobre o que será mais importante: se um gerente de uma dependência bancária, que lida com alguns milhões e que na concessão de crédito tem alguma importância para o desenvolvimento de uma determinada região, se um professor que pode modelar ou influenciar uma personalidade.

Sem cair em demagogia, foi de propósito que escolhi um exemplo extremado. O que é certo é que os docentes, a sua formação, a dotação de verbas para a educação, a organização do sistema de ensino, continuam a ser áreas memorizadas nas nossas preocupações colectivas.

Mas passemos às formas de resolver isto, a primeira das quais é aprovarmos uma lei de bases. Julgo que é altura de o fazer e queria aqui elogiar publicamente a atitude do MDP/CDE de pressionar a discussão da lei de bases, fazendo o seu agendamento para o mês de Junho. Aliás, quero também aproveitar a ocasião para dizer que a Juventude Social-Demccrata, na linha de contribuição positiva para a resolução dos problemas do País, irá apresentar, na terça-feira próxima, ao Grupo Parlamentar do PSD, o seu projecto de Lei de

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Bases do Sistema de Ensino, de forma que o PSD possa apresentar na Mesa da Assembleia da República a sua contribuição para que no debate do dia 4 possamos ter os projectos do MDP/CDE, os projectos do PCP, os projectos do PS, o nosso e o de todos aqueles que, até lá, vierem ser apresentados.

Julgo que esta é uma forma positiva de evitar uma vez mais o adiamento de uma questão que já foi por de mais adiada.

A segunda reflexão que queria aqui trazer quanto às formas positivas de resolvermos estes problemas é que não podemos dissociar educação do modelo de desenvolvimento que quisemos para o País e que não podemos deixar de conceber a educação como um dos instrumentos fundamentais para o desenvolvimento do País.

Se há exemplo que, não podendo embora ser adaptado a Portugal, não deixa por isso de me chocar é o exemplo do Japão: país que, destruído pela Segunda Guerra, com graves encargos do pós-guerra, conseguiu, apostando na inteligência e no desenvolvimento do know-how, tornar-se numa potência mundial!

Dir-se-á que os Japoneses não são os Portugueses, que o Japão não é Portugal e que havia outras condições. Mas o que é certo é que, em termos de riquezas naturais, os Japoneses são provavelmente à sua escala mais pobres do que nós. E se alguma coisa podemos tirar do seu exemplo é a aposta na educação como estratégia do desenvolvimento e a aposta no know-how. Ê que a nossa investigação científica continua a ser uma investigação científica descoordenada; cada um faz aquilo que quer com as verbas do Estado, cada universidade faz a investigação que quer. Ainda há pouco um professor universitário me falava de um projecto muito importante de inventariação de espécies de borboletas que estava a ser feita numa universidade portuguesa. E sem prejuízo de que cada unidade do saber deve prolongar as suas actividades no sentido de ultrapassar as barreiras do conhecimento, julgo que os dinheiros do Estado, ao financiarem os projectos de investigação científica, devem ser vocacionados prioritariamente para aquelas áreas que mais directamente têm a ver com o desenvolvimento do País. Temos de fazer uma investigação científica estratégica no sentido de que os nossos recursos são poucos, os quadros que temos são poucos, as instalações universitárias que temos não abundam e temos de concentrar os poucos recursos de que dispomos naquilo que, sob o ponto de vista do mais imediato ou do mais produtivo, possa ter interesse para o nosso país.

Se o não fizermos continuaremos a delapidar recursos que são escassos.

A terceira e última reflexão —para não perder muito tempo— é que há uma série de acções pequeninas que têm a ver com a funcionalidade disto tudo:

1 — Alterações no sentido de descentralizar a pesada máquina administrativa do Ministério da Educação.

Ê impensável querermos uma educação dinâmica, uma educação flexível se continuarmos com a máquina administrativa que temos no Ministério da Educação. Esta máquina tem de ser descentralizada, tem de ser partida. A burocracia da Avenida de 5 de Outubro é um dos principais responsáveis pela situação que temos no sistema de ensino.

2 —A língua portuguesa: se há capital que nós temos como país pequenino aqui metido num canto

dc continente europeu é a língua portuguesa. Não sei quem, mas alguém o disse há tempos, as línguas portuguesa e espanhola, juntas, são faladas —se não estou em erro — por um terço da população mundial.

A língua portuguesa, quer no conjunto da realidade que é a nossa emigração, quer nos países que falam português, pode ser um dos principais capitais de afirmação de Portugal no mundo.

ê um capital importante a não desprezar, e para isso Cem de ser preservado no sistema educativo. E inibir--me-ia de aqui referir o que é que no actual sistema de ensine tem sido feito à língua portuguesa. Julgo que todos nós temos — alguns de nós temos provavelmente por experiência própria— uma experiência muito clara e nem sempre boa do que é o ensino da Língua Portuguesa no sistema educativo.

Talvez tenha sido mais formal do que queria, mais atabalhoado do que pretendia, menos concreto do que porventura alguns esperavam. Julgo, no entanto, que há um último obstáculo a evitar nestas questões da educação e, voltava como comecei, à partidarização.

Ê muito difícil no terreno parlamentar ou no terreno social entendermos quem tem perspectivas muito diferentes da vida, da sociedade e do Estado. Mas o que é certo é que não conseguiremos encontrar ume estrutura sólida para o nosso sistema de ensino que consiga sobreviver às evoluções conjunturais dos governos da República —e nós sabemos quão rapidamente eles se sucedem uns aos outros— se não encontrarmos o maior consenso possível entre forças políticas e forças sociais.

Os agentes educativos têm aqui uma palavra a dizer — refiro-me aos professores, estudantes, associações de pais...

Creio que se todos nós quisermos — e talvez o consigamos querer no dia 4 nesta Assembleia —, talvez todos possamos encontrar no ir.aior consenso possível, finalmente!, o pano de fundo do sistema educativo, a partir do qual será possível singrar para um ensino melhor.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem & palavra o Sr. António Eloy.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Começaria por dizer — e peço ao Carlos Coelho que não me íeve a mal uma pequena alfinetada que dei ao seu formalismo, que, aliás, é um formalismo extremamente bem humorado e até com algum brilhantismo— que discordo profundamente dele e gostava de não ter entendido mal como entendi uma vez quando, numa reunião da CN|, eie referiu que um elemento da JS devia ser «queimado». Obviamente que ele disse isso com alguma ironia, e cemo eu estava a fazer a acta da reunião, e na acta ficam as ironias, ele depois ficou levemente assarapantado ao íê-la.

Gostava de discordar e de querer ter entendido mal a referência que ele fez à democracia. Ele disse que a democracia se faz com inteligentes — pelo menos foi isso que percebi.

Bem, eu digo que felizmente a democracia não se faz com «inteligentes»; a democracia faz-se com toda a gente, e por isso também temos a oportunidade de aqui ouvir discursos «quadrados» ou, melhor, «rectangulares», que é o formato das cassettes.

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Já ouvimos aqui discursos rectangulares, discursos que, inclusivamente como disse a Sr." Deputada do MDP/CDE, já se ouviram ou já se leram muitas vezes.

Em relação à deputada do MDP/CDE, gostava de esclarecer que, embora tendo achado a sua intervenção interessante, considero que pecou pelo facto de, na sua declaração prévia, desconhecer factos da realidade e, nomeadamente, o facto de a Juventude ou a Organização de Juventude do MDP/CDE —e não sei se existe— não ter assento no CNJ, por razões que são claras e que são as mesmas por que não está aqui presente, o que é lamentável.

Lamentável é tcmbém o facto de a Juventude do MDP/CDE não ter acompanhado, desde o princípio, o processo de constituição do CNJ e, no momento em que formalmente este vai ser instituído, apareça a tomar lugar num barco em que certamente virá tomar lugar, mas numa fase posterior.

Ainda sobre o que me parece ser um ódio visceral aos passarinhos e talvez também às borboletas, gostava de dizer que, para nós, um sistema de educação tem de ser um sistema de educação integrado no meio natural e no meio cultural em que as pessoas vivem.

Por isso, é importante que as pessoas conheçam o seu meio natural, é importante que as pessoas conheçam os seus passarinhos e as suas borboletas.

Ê igualmente importante —e parece-me que a referência também já aqui foi feita— falar de bichos--da-seda. De facto, fala-se de bichos-da-seda como se estes não tivessem nenhuma importância, mas eles têm uma grande importância económica. E devo dizer que os bichos-da-seda criam mais emprego do que projectadas barragens ali na zona do Guadiana que, além da sua inviabilidade económica, da inexistência técnica de condições aquíferas para a sua construção, vão constituir um desastre natural de proporções assinaláveis.

Assim, não me parece de modo nenhum que seja a forma mais adequada de desenvolver essa zona do País a construção de um projecto que, indo criar estruturas centrais, não vai, minimamente, abastecer de água as zonas do Alentejo que prioritariamente devem ser irrigadas.

Gostava de referir ainda, porque se falou aqui na Lei de Bases do Sistema Educativo, que nós, os Amigos da Terra, apresentámos há 2 anos, antes das eleições legislativas, um questionário a todos os partidos.

Um dos pontos desse questionário era sobre o sistema de educação. Muito concretamente, destinava-se a chamar a atenção para a necessidade de uma lei de bases do sistema educativo se adequar concretamente à realidade do País e, sobretudo, permitir a maior autonomia não só dos agentes de ensino, mas também aos directamente atingidos, que são as pessoas que vão beneficiar, a curto ou a médio prazo, de um sistema de ensino, que inclusivamente, como temos vindo a verificar, não se integra, minimamente, na sociedade em que vivemos.

Passando a outra questão, direi que para nós há milagrosos poderes e maravilhosas actividades como, por exemplo, tirar a água do poço ou cortar a lenha.

Muitas vezes quando se fala do sistema de ensino está-se a falar de um sistema de ensino académico, formal, que não tem muito a ver com coisas essenciais nem com o nosso país; têm, sim, a ver, um

pouco, com os desejos de uma elite que é a elite que está aqui e que pretende ter noções exactas para apresentar programas globais e as visões mais adequadas para o desenvolvimento.

Ora, isso não é verdade. Não há, neste momento, um projecto global para adequar à realidade portuguesa.

Inclusivamente, entendemos que uma lei de bases do sistema educativo deve claramente privilegiar os enfoques local e regional, deve claramente privilegiar uma educação alternativa e, sobretudo, uma educação que tenha a ver com a realidade, com o país que somos.

Havia ainda aqui algumas questões para levantar, sobretudo porque muitas questões que já foram suscitadas por várias intervenções têm a ver com o que é o tema global deste painel —o «Desenvolvimento» —, embora passem já para outro âmbito que é o do emprego, o da formação profissional e o do meio ambiente.

Inclusivamente, uma realidade que nós não podemos esquecer é a realidade dos determinantes económicos.

Parece-me, igualmente, que quando se discute sistema de ensino se deve ter muito em conta a realidade económica do País que somos e, sobretudo, adequar um sistema de ensino à economia e à pequena escala que nós queremos dar à economia.

Para terminar, há ainda outras questões que ficaram no ar e que têm a ver um pouco com a solidão em que muitas vezes estamos — solidão em que estamos, felizmente! E digo felizmente porque nós não só não trocamos as nossas posições de princípio, éticas e filosóficas, nem sequer um prato de lentilhas, como não nos acomodamos a posições que possam ser interpretadas como sugestões de poder. Achamos que há que criar realidade através de outros meios.

Pausa.

Isto de não se trazer um discurso escrito de casa é um bocado aborrecido, porque depois uma pessoa perde-se no meio ...

Mas ainda havia alguns pontos que eu gostaria de abordar e que têm a ver com a questão que também passou aqui de lado e que vai ser tema certamente mais aprofundado no painel de amanhã.

De facto, fala-se aqui muito em verbas, verbas que não existem para a educação, etc. O Jorge Ferreira disse que elas não existiam para a educação, mas que existiam para estes gigantes consumidores dos dinheiros públicos que são as ditas empresas públicas.

Lamentavelmente não se falou aqui do que me pareceu ser um dos grandes cancros consumidores de verbas neste país e que é o serviço militar, o sistema de defesa nacional.

Devo dizer que, infelizmente, pessoas que falam muito de paz recusaram-se a assinar uma petição que os Amigos da Terra apresentaram à Assembleia da República. Não falo da Juventude Centrista, que tem posições peculiares sobre a paz, mas falo da Juventude.Comunista, pois, para ela, paz parece que é um conceito que serve para fazer propaganda, mas que tem muito pouco a ver com a realidade, isto é, quando se trata deste país, quando se trata de medidas concretas para fazer o caminho da paz neste país.

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Achamos que levantar aqui a questão das verbas militares é importante porque, segundo o articulado da petição que teve o apoio da Juventude Socialista e da Juventude Social-Democrata, há que racionalizar a atribuição das verbas para a defesa no Orçamento do Estado. E há que racionalizá-las, atribuindo uma maior importância a actividade como a educação e a saúde.

Parece-nos que, falando de verbas para a educação, há que referir estes pontos, há que referir concretamente os pontos que são os buracos do Orçamento do Estado.

Muito mais haveria para dizer; no entanto gostava de lamentar que aqui haja muito pouco de fluidez de debate. Entendo que se não há essa fluidez é porque as pessoas trazem a cábula de casa, cábula essa que pode ter o texto muito cuidadosamente preparado e muitas vezes, devo dizer, brilhante — como reconheço ter sido o caso do texto que a Fernanda apresentou ou da alocução que o Mário proferiu sobre educação. •>

Apesar de achar isso brilhante, não me parece que esse modo de para aqui trazer as questões permita um mais adequado fluir do debate, sobretudo porque este último é o confronto de ideias e quando estas são codificadas em papel tornam-se muito claras, muito transparentes, pouco eficazes para a discussão. Talvez a maior liberdade de fluição e circulação de ideias a partir daquilo que pensamos, das ideias que temos e da reflexão que somos capazes de construir tivesse muito mais interesse e se revelasse muito mais positivo para nós aqui também darmos um exemplo diferente, nomeadamente aos Srs. Deputados. Devo dizer que a referência à deputada do PS não quer dizer que façamos nenhumas tenções de vir ocupar um lugar ali ao lado, na Câmara dos Deputados!... Repito isto só a título pessoal, porque muitas vezes é capaz de haver ideias bizarras noutras cabeças ...

Risos.

Gostava de dizer que se deve adoptar maior liberdade de discussão, não devendo tal liberdade ser armadilhada, seja em cábulas, seja em papéis, pois, independentemente de as ideias estarem lá bem ou mal sistematizadas, elas cerceiam bastante a livre discussão.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — A Mesa está confrontada com um pequeno problema que eu penso ser de resolução simples.

São, neste momento, 12 horas e 55 minutos. Tínhamos previsto o encerramento dos nossos trabalhos para as 13 horas. De qualquer maneira, em relação à primeira fase das intervenções, havia ainda dois oradores inscritos, respectivamente a Sr.a Deputada Luísa Cachado, do PCP, e o Paulo Mil-Homens, da ALOOC.

Colocaria aos presentes o problema de se prolongar a sessão da parte da manhã, até ao fim das intervenções iniciais. Alerto desde já, porque me parece que há alguns participantes interessados em usar da palavra pela segunda vez ou em produzir intervenções no segundo período da sessão, da possibilidade que a Mesa está neste momento a estudar e pensa concretizar-se, de termos a segunda fase para debate even-

tualmente de 45 minutos a 1 hora, anulando com isso o intervalo da parte da tarde ou reduzindo-o ao mínimo possível, para que todo este debate, que nos parece estar a ter bastante interesse e produtividade, poder ser complementado com intervenções mais acaloradas e certamente também com bastante importância.

Nesse sentido, presumo que nãó há obstáculos da parte dos presentes em continuarmos a sessão por mais 15 minutos. Pela ideia que tenho das intervenções que há ainda para fazer, seria cerca de 15 minutos para além do horário estipulado, findos os quais recomeçaríamos os nossos trabalhos às 15 horas com a discussão deste tema, com um tempo útil para segundas intervenções limitado a um período máximo de 5 minutos. Iniciaríamos depois por volta das 15 horas e 30 minutos ou 15 horas e 45 minutos o tema «Emprego e formação profissional».

Pausa.

O Sr. Paulo Mil-Homens (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência): — Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Paulo Mil-Homens, peço-te desculpa, mas antes tenho ainda uma informação a dar.

Dentro de uma certa lógica, que a Mesa pretendeu imprimir, de rotatividade entre organizações políticas ou partidárias e não partidárias, tentámos fazer alguns acertos na ordem das inscrições em função das intervenções. Assim, pergunto ao PauJo Mil-Homens se, embora a Sr.a Deputada Luísa Cachado se tenha inscrito posteriormente a ele, não se importa de trocar a sua ordem de precedência com ela ou se faz questão de intervir desde já.

O Sr. PauEo Mil-Homens (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência): — Não, Sr. Presidente. Em relação a isso não me importo nada. O que tinha a propor à Mesa, ou melhor, o que queria perguntar a todos os presentes era se não quereriam antes ir já almoçar e intervirem depois de almoço.

Por mim, não me importo nada de intervir após o almoço.

O Sr. Presidente: — Não, Paulo Mil-Homens. O que desejava era que interviesses ainda antes do almoço.

O Sr. PauSo Mil-Homens (ALOOC): —Por mim, não há obstáculos!

O Sr. Presidente: — Neste caso, tem a palavra a Sr.a Deputada Luísa Cachado.

A Sr.a Luísa Cachado (Comissão de Juventude da AR—PCP): — Permitam-me, antes de introduzir a minha participação nesta conferência, duas pequenas referências prévias.

Após as intervenções a que assisti, de ontem e de hoje —e ontem não estive presente durante todo o dia—, parece-me perfeitamente evidente que a degradação do sector educativo tem obtido um largo consenso dos participantes, e tal é algo estranho. Talvez esta mesma degradação, explicitada em muitas das intervenções, justifique aquilo que agora aparece

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como crítica velada e simulada e a apetência facilitada para a repetição, que se torna muitas vezes incómoda, o que é também natural, porque a verdade sempre foi incómoda. Contudo, a degradação aparece — e aqui é estranheza— como uma entidade metafísica, quase como um jogo de marionettes, com o devido respeito por tal jogo.

Os responsáveis parecem não existir e isto é evidente. Talvez não seja tão estranho como à primeira vista possa parecer. É o reflexo de um governo que não governa e dos partidos políticos que o apoiam, que não existem porque não se assumem, porque não se responsabilizam perante nada e ninguém.

Tenho assistido como deputada na Comissão de Ensino e Cultura a cenas destas, muitas e muitas vezes, em muitas escolas deste país.

Permitam-me ainda uma segunda referência à minha participação nesta Conferência. Irei, porventura, tornar eufemística já algumas participações aqui referenciadas, mas farei questão de que a minha intervenção seja objectiva e concreta e que não esteja dependente de qualquer identidade também metafísica, não possível, não palpável, não existente.

Começaria por dizer que falar de jovens, de progresso, de educação constitui hoje no nosso país, por exclusiva obediência à verdade — a tal que incomoda—, um libelo acusatório à política governamental.

Não chega que os responsáveis por essa política façam a listagem, como têm vindo a fazê-lo, ontem e hoje, da degradação.

É preciso que esclareçam que nada fizeram até hoje para a minimizar. Isto efectivamente não foi ainda dito. Quer através de medidas de primeira página ou de meros faits divers, o governo PS/PSD produz e reproduz ataques à democracia e aos ideais de Abril. Ê a sintomatologia do desespero, é a agonia dos dias contados, é a certeza de quem não vislumbra o futuro.

Mas, nesta luta contra o tempo, o caos instala-se e onera particularmente todos os que lutam pela defesa da independência nacional e de um futuro não hipotecado.

A política governamental degrada a degrada-se. Fomenta a restauração de antigos privilégios, caminha ao invés do desenvolvimento económico, da justiça social, da liberdade. O Parlamento, aqui ao lado, cauciona estas medidas.

Numa atitude de tal submissão ao Fundo Monetário Internacional, efectuam-se drásticos cortes em sectores sociais fundamentais, como a educação, a saúde e a habitação. E as consequências desta política de desastre aí estão, não se fazem esperar: é o aumento' do desemprego e a inexistência de novos postos de trabalho, que atingem milhares de famílias portuguesas e particularmente os jovens.

Em 1980. em 320 000 desempregados, 53,4 % procuravam o primeiro emprego e, do total de desempregados, 65,5 % tinham menos de 25 anos.

Todos os que contactam com a juventude verificam os reflexos sociais e psicológicos desta situação, de que resultam uma grave crise de valores e a ausência de perspectivas de futuro.

São os salários em atraso, a gradual perca do poder de compra, a fome e a miséria que se instalam em muitos lares. Mas isto o Governo e os partidos que o

apoiam não conhecem. Faz parte da entidade metafísica.

O sector educativo é no seio deste painel mais um alvo de ataque, mais uma síndrome da incompetência.

Possuímos a mais baixa taxa de escolarização da Europa. Os números falam por si. Apenas 11 % do grupo etário dos 3 aos 6 anos frequenta a educação infantil; cerca de 20 % dos jovens não completa a escolaridade obrigatória de 6 anos; 45 % não chega a completar o 9.° ano; 67 % não prossegue estudos para além do 9." ano e só 8 % a 10 % prossegue estudos do ensino superior. Dos deficientes menores de 16 anos somente 4 % são abrangidos pelo serviço de educação e ensino especial e cerca de 20 % da população maior de 15 anos é liberalmente analfabeta.

Mais de meio milhão de crianças e jovens terminam o ano escolar sem sucesso.

O abandono do sistema de ensino atinge elevadíssimas taxas, penalizando, quer um quer outro, as crianças e os jovens oriundos de sectores sociais mais carenciados.

E apenas um exemplo, porque muitos haveriam com certeza, o dos trabalhadores-estudantes, sujeitos a um regime que, pelo menos, é desumano e bárbaro.

Os respectivos programas são iguais aos do ensino diurno, mas o número de horas de aula é menor. As matérias e manuais foram elaborados para alunos com idades muito mais baixas. A taxa de desistência é enorme. Qualquer professor sabe que, de uma turma de 30, restam, no fim do ano, 2 ou 3 alunos, quando nenhum.

Temos um sistema desajustado da realidade e das necessidades sócio-económicas, incapaz de proporcionar ao jovem uma formação profissional que lhe permita uma correcta inserção no mundo do trabalho.

Mais de 2 milhões de estudantes, mais de 100 000 professores e perto de 4 milhões de pais e encarregados de educação são atingidos diariamente por uma política de rotundo fracasso, alheia ao caos que prolifera dentro e fora da comunidade escolar.

Ê a superlotação das aulas; são as instalações escolares que não funcionam por falta de condições; são as bibliotecas e as instalações gimno-desportivas que se extinguem; são os pátios de recreio que subitamente são invadidos por pavilhões pré-fabricados; são as escolas inacabadas e já inauguradas.

O início de cada ano lectivo é sempre sinónimo de dezenas de milhares de alunos sem aulas, dezenas de escolas sem condições para abrir, de professores e funcionários por colocar.

As construções e reparações funcionam como publicidade pré-eleitoral, e só quando a desgraça bate à porta, como aconteceu na Escola Secundária do Cartaxo, se tomara medidas, apressadas e quase sempre incorrectas.

A escola é hoje, indesmentivelmente, um local de frustração, insegurança e desmotivação, mas fora da escola a situação não é melhor. Cada vez mais, estudar é privilégio de alguns e não direito de todos.

Marginalizados do sistema de ensino, os jovens encontram as únicas opções que não lhes são recusadas, antes consentidas e fomentadas. A droga, a prostituição, a delinquência, o suicídio são caminhos percorridos infelizmente por muitos. E não se diga que a responsabilidade por tal situação não pode ser assacada ao actual governo.

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Este governo está em funções há 2 anos e não pode deixar de ser responsabilizado pelo agravamento dos problemas do sector educativo. E é bom lembrar ainda que nos últimos 8 anos a pasta da educação tem viajado das mãos do Partido Socialista para o PSD. E é bom não esquecer que o PSD é o fracassado timoneiro deste barco há mais de 5 anos.

E a que temos assistido, para além daquilo que já referimos, quer o Ministro se chame Victor Crespo, José Augusto Seabra ou João de Deus Pinheiro? À adopção de medidas avulsas e contraditórias, mas que têm mantido, como traço comum e dominador, o constante acentuar do. carácter de classe no acesso à educação, a reconstituição de um sistema elitista a cujos graus mais elevados de formação apenas têm direito sectores restritos e privilegiados da sociedade portuguesa.

Vejamos alguns traços gerais destes últimos 8 anos, da responsabilidade do Partido Socialista e do PSD. Ê o desrespeito dos princípios constitucionais, de que são exemplos escandalosos o diploma sobre a escolaridade obrigatória do ministério Seabra, diploma que despenaliza os empregadores do trabalho infantil e fomenta o abandono da escolaridade obrigatória, entregando a autorização da dispensa dessa mesma escolaridade ao critério de uma qualquer autoridade sanitária e escolar.

O 12.° ano de escolaridade é um produtor por excelência de desempregados e de candidatos a uma sempre adiada entrada nas universidades. Muitos dos alunos que se inscreveram na via profissionalizante do 12.° ano fiaram-se nas promessas governamentais de que os 33 cursos que constituíam esta via dariam acesso ao ensino politécnico, só que a rede do politécnico não foi instalada, como havia sido garantido, e continua, ainda agora, a aguardar vez, enquanto milhares de jovens a quem se criaram expectativas se viram e vêem atirados para um beco sem saída, sem que lhes sejam apontadas possibilidades que não seja começar o processo de novo.

O segundo traço tem que ver com o embarateci-mento dos custos de ensino, de que são exemplo as verbas cada vez mais diminutas, para lhes não chamar insignificantes, atribuídas à educação. Em 1985, Ano Internacional da Juventude, as verbas para a educação representam 9,7 % do total das despesas públicas, enquanto em 1975 —e mais uma vez as verdades incomodam — a educação contou com cerca de 17 %.

O terceiro traço é a degradação do ensino público em prol do ensino privado. As verbas consignadas no Orçamento do Estado testam esta opção.

Um outro traço delinea-se no controle ideológico do sistema educativo, quer através de alterações dos conteúdos programáticos, mesmo quando o ano lectivo já se iniciou e os encarregados de educação já compraram os livros, quer com a extinção pura e simples de algumas disciplinas, consideradas também elas incómodas, como, por exemplo, a Introdução à Política.

A consecução da política de facto consumado, procurando a limitação máxima de possibilidade de intervenção democrática, tem constituído outra dominante destes últimos 8 anos. Assiste-se à proliferação de despachos normativos, de circulares, questionando direitos adquiridos, extinguindo experiências pedagógicas sem qualquer avaliação prévia. E contínua a afirmar-se que vivemos em crise 1

Cabe aqui referir o simulacro do lançamento da formação profissional com o aparecimento do Despacho Normativo n.° 194-A/83.

Mais uma medida votada ao fracasso. O denominado «técnico-profissional», que já possui medalha póstuma, para evitar problemas de autoria, aparece num momento crucial em que os jovens, principalmente, enfrentam o desemprego, confrontados com a inutilidade dos 12 anos de escolaridade obrigatória, incapazes de assegurar quer a entrada no ensino superior quer a obtenção de um posto de trabalho. Ê uma operação conduzida sem o menor respeito por aqueles que visa iludir.

Como último traço, referíamos a diminuição dos níveis de formação dos professores, quer inicial quer contínua. Provam-no as percentagens elevadíssimas de professores provisórios e eventuais que asseguram a docência, particularmente no ensino preparatório e secundário. Provam-no ainda a total inércia do Ministério da Educação relativamente ao apoio pedagógico aos docentes, desresponsabilizando-se, mesmo quando vinculado por legislação própria.

A equipa ministerial actual, numa atitude de facto consumado, prepara todo um pacote legislativo disposto a garantir o abaixamento da formação dos professores e a consequente desqualificação do ensino ministrado. Deve ser uma medida previamente determinada, programada e planificada, atempadamente, para premiar os jovens socialistas e sociais-democratas no Ano Internacional da Juventude!...

Ê este o esfarrapado tecido educativo que veste a escola portuguesa. É um presente vendido a retalhos.

Há que encontrar a alternativa possível. O País exige-a. Essa alternativa está contida nas numerosas propostas que o Partido Comunista Português tem apresentado e que têm no nosso projecto de lei de bases a sua total expressão.

O esforço de reconstrução é urgente e possível e tem de começar pela identificação das necessidades e das aspirações da sociedade portuguesa em relação ao ensino e pela mobilização dos nossos recursos, mas esta tarefa implica uma política de diálogo efectivo que não tem sido realizado.

Há que promover o cumprimento da escolaridade obrigatória e perspectivar a sua extensão e, simultaneamente, criar um verdadeiro sistema de educação de adultos, abrangendo a alfabetização e o ensino nocturno.

Outra tarefa é a reorganização curricular e programática. São mais de duzentas as opções e as disciplinas do nosso sistema de ensino.

Há que actualizar o ensino, ligá-lo à vida, ajustá-lo às necessidades do País.

S preciso dinamizar a produção nacional de material didáctico, diminuir o seu custo, isentá-lo de taxas absurdas como o IVA.

£ indispensável impulsionar a investigação científica, na senda do progresso e da paz.

é urgente envidar todos os esforços no sentido de impedir o ressurgimento de privilégios educacionais e culturais.

Este governo, relativamente a tudo o que dissemos, já demonstrou que não sabe ou não quer resolver os problemas da educação. Democratizar a escola, criando condições de acesso, sucesso e participação democrática dos intervenientes, é hoje o projecto político que a realidade impõe.

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A educação não é a análise estática do presente; não é também a abstracção do futuro; é antes a interacção capaz de integrar o progresso do passado, construindo um amanhã real e livre.

Aplausos da fCP.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Paulo Mil-Homens.

O Sr. Paulo Mil-Homens (Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência): — Prometo só ir falar durante 3 minutos, porque já está tudo amarelo com fome.

Risos.

Penso que não se pode falar do tema da educação sem falar do da educação para a paz — e aqui vou puxar um pouco a brasa à minha sardinha.

A educação para a paz deverá ser, fundamentalmente, uma preocupação pela paz que sejamos capazes de transmitir ao mundo que nos rodeia, uma construção quotidiana de paz e de desejo pacífico que comece dentro de nós mesmos e consigamos levar aos que connosco convivem. Ou seja, não se trata apenas de pensar a paz, mas também de amar a paz. E urgente ir além da dimensão racional das coisas.

Assim sendo, um trabalho de educação para a paz deve permitir o desafio, a subversão, a inovação.

A educação para a paz não deverá encerrar-se no sistema educativo formal, o que seria limitador, como não deverá ignorá-lo. Será, pelo contrário, de o utilizar como dinamizador, aproveitando para o dinamizar.

Lançamos algumas pistas para reflexão: primeiro, educação para a paz — uma revolução na escola; segundo, educação para a paz — processo social.

No primeiro (educação para a paz — uma revolução na escola), apontamos: formas alternativas de organização do espaço físico na escola; formas alternativas de organização social dentro da escola; subversão das estruturas hierárquicas do sistema formal; intervir nos conteúdos programáticos, integrando em todas as disciplinas um propósito de educação para a paz.

No segundo (educação para a paz — processo social): a sociedade de indivíduos organizados e atentos não necessitaria das escolas para fazer o seu trabalho de auto-educação para a paz. No entanto, tem o direito de exigir da escola um contributo, uma colaboração, um esforço. Tem o direito de procurar que a escola seja aberta e comunicante e de actuar nesse sentido. Isto exige da população escolar um esforço: o de definir como objectivo procurar aprender e descobrir os elementos que não participam dela.

Substituir a autoridade científica do professor pelo papel cultural da população, substituir o complexo de superioridade pela experiência das limitações e das mudanças a empreender.

Assim, desdramatizando o saber, estaremos não só a fazer educação para a paz, mas também a melhorar a comunidade participativa. O que, afinal, não é separável e, além do mais, tornaria clara a dimensão cívica insubstituível da iniciativa popular.

No âmbito da educação para a paz, os organismos populares deverão ganhar a oportunidade de fazer exigências à escola. Ê, então, salutar que disponham da escola no sentido de ela colaborar na investigação de todos os assuntos que esses organismos estudam de

interesse sobre o tema. Deverão ter a oportunidade de solicitar material informativo, receber colaboração na organização de actividades pela paz, de participar nas actividades da própria escola, de intervir no'seu planeamento e de conhecer e avaliar os seus resultados.

A escola tem o dever de se colocar ao serviço do movimento cultural que a extravasa.

Para terminar, é justo afirmar que o que acabei de dizer é um resumo de palavras escritas por alguém que não teve oportunidade de vir aqui dizê-las, de uma forma até mais completa. Refiro-me ao Porfírio Silva, e considero uma lacuna não se referir este tema. Todos os participantes tiveram acesso ao trabalho, e aconselho que o leiam e que reflictam sobre ele.

Muito concretamente, poderei acrescentar que na prática já alguns professores, e muitos deles objectores de consciência, por essas escolas do País incluem na sua forma de leccionar, seja qual for a disciplina, uma actuação no sentido da educação para a paz.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Meus caros amigos, antes de dar por encerrada esta primeira parte da ordem de trabalhos, desejamos dar duas informações: a primeira das quais, e por solicitação da Sr." Deputada Helena Cidade Moura, é a de que a juventude do MDP/CDE, na primeira reunião do CNT, se fez representar pelos seus militantes Maria da Graça Cidade Moura e Ramiro de Freitas; a segunda é mais um pedido no sentido de que sejamos pontuais, pois, de acordo com as contas que nós próprios podemos fazer, para o período da tarde será imperioso que todos estejamos presentes impreterivelmente às 15 horas. E isto pelo seguinte: pensamos que o debate do tema «Educação» ainda poderá possibilitar a muitos de nós intervenções válidas, que certamente gostariam que fossem feitas não sob a forma de intervenções iniciais mas sob a forma de debate.

Nesse sentido houve já algumas pessoas que manifestaram o seu interesse em intervir durante o período da tarde, pelo que a mesa considerou a possibilidade de durante aproximadamente 1 hora continuarmos o debate deste tema incluído no painel do desenvolvimento, tendo início, no máximo, pelas 16 horas e seguindo a ordem inicialmente programada o tema «Emprego e formação profissional». Por volta das 18 horas e 30 minutos, faremos um interregno de 15 minutos, no máximo, para imediatamente a seguir começarmos o tema «Ambiente», porque, pelo menos no que respeita ao final dos trabalhos, devemos ser rigorosos, pois há compromissos a cumprir, nomeadamente com os serviços de apoio, pelo que os trabalhos terão de finalizar pelas 20 horas.

Agradeço que, se alguém deseja manifestar desde já à mesa o seu interesse em intervir durante o período da tarde, para a discussão e por um período máximo de 5 minutos, sobre o tema «Educação», o fizesse, com o fim de podermos fazer uma programação horária do mesmo. O mesmo se poderá fazer para as intervenções do tema «Emprego», e para aquele período inicial máximo de 15 minutos. Correspondendo ao apelo do Paulo Mil-Homens, desejo-vos um bom almoço e espero que estejamos aqui todos às 15 horas.

Está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

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No recomeço da reunião assumiu a presidência o Sr. Presidente da Comissão da Juventude da Assembleia da República, Jorge Goes.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, Srs. Conferencistas: Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, vamos recomeçar os nossos trabalhos com a brevidade que estabelecemos antes do almoço.

Até às 16 horas continuaremos a abordar o tema relativo à educação.

Antes de dar a palavra ao primeiro conferencista inscrito, gostaria de dizer que, desde o início dos trabalhos, houve consenso no sentido de que questões processuais ou de metodologia não fossem levantadas em plenário, sem prejuízo, no entanto, de que, se alguém tivesse sugestões a fazer, as fizesse directamente à mesa para que não perdêssemos tempo com discussões desse tipo, que, por serem polémicas, poderiam prejudicar o andamento dos trabalhos.

Peço, portanto, que se houver propostas desse tipo, sejam apresentadas directamente na mesa.

Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho.

O Sr. Carlos Miguel Coelho (Comissão da Juventude da AR — PSD): — Sr. Presidente, na sequência de um apelo particular que me fez o Sr. Deputado Laranjeira Vaz —certamente não se ofenderá por o referir—, não queria cansar muito as pessoas nem abusar da paciência com que me escutam.

Assim, limitar-me-ei a referir 3 questões que foram abordadas durante a manhã.

A primeira tem a ver com uma intervenção do Sr. Conferencista António Filipe, da JCP, em que verberou, com uma intensidade que não queria deixar de salientar e de agradecer, uma vez que gosto de ouvir falar este Sr. Conferencista sob a fSD, o facto de nós termos prometido que o Governo iria ouvir falar de nós se no prazo de 6 meses não cumprisse aquilo que considerávamos fundamental e que divulgámos num documento que entregámos ao Governo.

Ê certo que não o fizemos no sentido da resolução global dos problemas da juventude, pois entendemos, segundo uma perspectiva mais razoável que aquela que a JCP costuma utilizar na sua actividade política, que em 12 meses não se podem resolver todos os problemas da juventude.

No entanto, pensamos que em 12 meses, e sobretudo nos 12 meses do Ano Internacional da Juventude, é possível fazer qualquer coisa no sentido de atenuar circunstâncias assaz difíceis com que os jovens se defrontam no seu dia-a-dia.

Demos 6 meses ao Governo para o fazer e no fim desse prazo tivemos uma conversa com o Sr. Primeiro--Ministro, porque, por incrível que possa parecer, ainda acreditamos no diálogo. Essa conserva com o Sr. Primeiro-Ministro foi muito interessante.

Por razões de cortesia, escusar-me-ei de referir aqui alguns pormenores. Em todo o caso, o que ficou combinado foi o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro tem a consciência tranquila, pois o Governo tem feito muito

pela juventude e nós temos a consciência tranquila relativamente à justeza das posições que já anteriormente defendíamos e que continuamos a defender depois dessa conversa.

Ao que parece, também a JS tem a consciência tranquila — não estou aqui com procuração da JS — em relação às posições que tem defendido.

Assim, ficou combinado com o Sr. Primeiro-Ministro que faríamos uma interpelação ao Governo sobre matéria da juventude ainda no decurso desta sessão legislativa de forma que o Governo possa, no terreno parlamentar e perante a opinião pública, defender aquilo que tem feito em prol da juventude.

Nessa bancada —não porque é ilustre mas porque chega a muita gente— teremos oportunidade de poder dizer de nossa justiça em relação a essa actividade.

Julgo que assim nos entenderemos melhor, factos nos factos e em cima da mesa. Será melhor do que esgrimir-nos com frases e com palavras por vezes destituídas de sentido e sem grande interesse.

A segunda e penúltima questão —para sossegar toda a gente— que gostava de referir tem a ver com a interpelação, que agradeço, feita pelo Sr. Conferencista António Eloy a propósito da minha intervenção.

Ficámos a saber que os bichos-da-seda dão empregos. Não sei se o Governo tenciona contemplá-los com o estatuto de entidade empregadora ...

Em todo o caso, o que queria amigavelmente dizer ao Sr. Conferencista António Eloy — que muito tem ajudado à riqueza e à vivacidade do debate que aqui temos travado e com o qual estou,de acordo no essencial — é que, se o que eu disse a propósito da democracia foi mal interpretado, peço desculpa, pois provavelmente o erro foi meu em não me ter conseguido exprimir como pretendia.

Quando disse que a democracia se faz com inteligência não queria limitar, num censo qualquer, a habilitação da qualidade de cidadão eleitor àqueles que tenham um QI superior a um número que hipoteticamente gostaria de definir.

O que pretendi dizer foi que a democracia é um sistema — que, para mim, é o melhor —, mas é um sistema assaz difícil no sentido de dirigir os destinos colectivos — pressupõe o acesso à cultura e pressupõe, como é óbvio, inteligência no entendimento de que a educação é indissociável da prática da democracia.

A democracia não se faz sem educação — sabemos isso observando o globo, o que é bom, uma vez que estamos limitados a um bocadinho muito restrito desse globo ... Mas dizia eu que, se quisermos ver o globo, vemos que muitas vezes são os países com menor índice cultural aqueles que são mais atreitos a experiências antidemocráticas.

O acto da inteligência pressupõe a reciprocidade do direito de expressão, pressupõe que se aceite o outro, e isto, muitas vezes, só é dado pela educação.

A última coisa que gostava de referir prende-se com uma discussão que aqui foi travada sobre os sectores produtivos e os sectores não produtivos. Ora, gostava de deixar claro o meu entendimento segundo o qual também aqui devemos mudar a nossa linguagem.

Uma das coisas que nos tolhe —o grupo que esteve a almoçar comigo falou nesta questão— é a linguagem. Temos palavras que se tornaram herméticas. Por exemplo, a palavra «camarada» foi uma palavra

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«hermetizada» por uma utilização política. A expressão «encavacar», hoje, tem um sentido diferente daquele que tinha ainda há uma semana.

Risos.

Há ainda outras palavras que, por força da dinâmica desta luta política, adquirem um sentido diferente.

Em boa verdade, podemos dizer que, sob esse limitado ponto de vista, a política é perniciosa, pois retira do património linguístico, que é colectivo e que ninguém nos pode negar, a utilização de expressões que têm um significado mais nobre e mais elevado do que aquilo que, por vezes, a luta política nos obriga a tirar como primeira e mais imediata conotação.

Isto para dizer que a palavra «produtivo» ou «sector produtivo» é na sociedade para que estamos a caminhar um conceito que temos de redefinir.

Em boa verdade, não podemos dizer, por exemplo, que o bicho-da-seda é produtivo, mas a educação é improdutiva, ou que fabricar rolhas de cortiça é uma actividade produtiva, mas tratar da saúde é uma actividade não produtiva.

Não queria aqui trazer a leitura de Alain Tourraine, sociólogo francês, a propósito do que é um sector produtivo ou não produtivo, mas julgo que, mesmo na nossa produção colectiva e na produção da comunidade que somos, também temos que fazer uma redifi-nição.

Ê que, se ficarmos apenas com a concepção tradicional c, porventura, mais marxizante do conceito do que é ou não é produtivo, na nossa ordem de prioridades acabaremos por considerar que matérias que, de acordo com a nossa opinião, merecem um investimento significativo, como é o caso da educação, porque não as contemplamos no leque dos sectores produtivos, não terão direito a um lugar nobre nas nossas preocupações e no destino dos fundos do Estado.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao próximo orador inscrito, queria informar todos os participantes de que, de acordo com o critério que tinha ficado estabelecido antes do intervalo do almoço e de molde a podermos introduzir o debate sobre o segundo subtema deste painel, a mesa considera encerradas as inscrições para que não ultrapassemos o limite das 16 horas que nós tínhamos imposto.

Tem, agora, a palavra o Carlos José, da Juventude Comunista Portuguesa.

O Sr. Carlos José (JCP):—Antes de me referir a alguns aspectos que aqui foram tratados, queria fazer duas considerações rápidas.

Em primeiro lugar, tem-se dito aqui muito que a JCP e os comunistas portugueses têm a posição fácil de, perante os problemas, dizerem: «O Governo é o responsável.»

Segundo mentes mais avisadas e mais elaboradas, não é bem assim, pois o problema é da sociedade e tem a ver com as consciências e com as mentalidades.

Ora, o que nós perguntamos é para que serve um Governo e para que serve uma Assembleia da República manipulada. Ou seja, para que é que serve um Governo que tem medidas, que as aprova, as leva à prática e as impõe e para que é que serve uma Assem-

bleia da República com uma maioria que aprova um conjunto de leis que são, de facto, eficazes e que regem a vida do País.

Se, de facto, se entende que a situação está mal, perguntamos por que é que as pessoas que aqui dizem que a situação está mal não dizem na Assembleia da República: «O Governo está a agir mal. Não aprovamos isso, somos contra isso. O Governo que se vá embora e que faça outra política.»

De facto, a questão dos* responsáveis tem que ser desmistificada. Sem dúvida que entendemos que o Governo é o responsável.

Quando aqui se diz que «o problema é de toda a sociedade e por isso tem a ver connosco», nós perguntamos o que é que o Governo faz às propostas da sociedade, o que faz às propostas dos sindicatos, às propostas dos jovens, às propostas das associações de estudantes.

É que o Governo agarra nestas propostas e mete-as no cesto dos papéis ou, na melhor das hipóteses, na gaveta e nada faz com elas, isto é, faz ouvidos de mercador e continua a impor cegamente a sua política.

De facto, esta coisa de mascarar o problema dos responsáveis com elucubrações e discursividades abstractas e metafísicas não resolve coisa nenhuma.

Ê que dizer, no abstracto, que a sociedade é responsável está bem, mas há alguém que governa a sociedade e é o Governo o responsável pela política, é ele que governa, que impõe as medidas e que dispõe dos mecanismos repressivos para impor a sua política.

Portanto, é ele o responsável e não qualquer entidade metafísica.

Por outro lado, queria dizer que a JCP tem sido acusada de vir aqui para esta reunião com discursos preparados em casa, discursos vagos que não dizem nada de novo nem nada de concreto.

Ora, eu penso que a JCP tem dado a participação mais válida a esta reunião. Digo isto porque nenhuma organização tem apontado com tanta clareza e com tanta objectividade os reais problemas com que a juventude se debate.

Ê que os problemas com que a juventude se debate não são problemas de mentalidade, de consciência nacional ou problemas muito abstractos, mas são, sim, problemas muito concretos, muito terra-a-terra, começando logo desde tenra infância e indo por aí fora. E são tão simples, tão básicos, como ter dinheiro para comer, ter dinheiro para estudar e ter dinheiro para mais alguma coisa além disso.

Ora, estes não são problemas abstractos, são problemas muito concretos, são estes com que a juventude hoje se debate. Convém que as pessoas tenham a coragem de os assumir e de apontar quem são os responsáveis, quais são as causas e como é que se muda a situação.

Já agora, aproveito para dizer que a melhor forma de as pessoas quererem fugir às discusões é dizerem: «O discurso é velho, a linguagem é ultrapassada.» Isto é, nunca se discutem ideias, nunca se discute os que as pessoas realmente dizem, o que se discute é o discurso, a linguagem, as palavras. É a forma mais fácil.

Quando dizemos que o Governo é o responsável por esta situação, as pessoas não dizem que não é ele o responsável ou que até tem tido uma política de acordo com os interesses da juventude. Ninguém diz

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isso. O que se diz é que o Governo não é responsável, que é a sociedade que tem a culpa, que é a consciência nacional, que são aquelas coisas ...

Quer dizer, ninguém tem, de facto, a coragem de vir para aqui isto é, se no Parlamento as pessoas votam as leis contra as quais os jovens lutam, então, tenham a coragem de vir para aqui, de ir ter com os jovens e dizer-lhes: «Sim, senhor, o Governo tem uma política muito boa para a juventude.»

Definam-se! Das duas uma: ou tem uma política boa ou tem uma política má. Agora dizer que não tem nenhuma e que a culpa é da sociedade, de facto, isso não resolve coisa nenhuma.

Não se trata de maniqueísmo, nãol

Agora, queria referir alguns dos aspectos que aqui foram tratados. Parece que, agora, toda a gente acordou para a lei de bases do sistema educativo.

Desde há muito tempo que o PCP tem insistido para que a Assembleia da República discuta uma lei de bases do sistema educativo e ninguém se tem mostrado interessado nisso.

Agora, parece que é a panaceia completa. Toda a gente vai apresentar uma lei de bases do sistema educativo. Até a JSD —deve ter sido um resultado da conversa com o Sr. Dr. Mário Soares depois dos 6 ou dos 8 meses — apresenta um projecto de lei de bases do sistema educativo.

Cá ficamos à espera para ver o que é que ela dál

Outra questão: os responsáveis do PS e da JS têm falado muito na participação e na necessidade de que os jovens participem para resolver os seus problemas.

Lembro-me concretamente de uma coisa contra a qual os jovens e os estudantes nas universidades lutam bastante e que é o facto de o sistema de gestão que hoje temos ser um sistema que cerceia totalmente, ou em grande parte, a participação dos estudantes na decisão sobre os grandes problemas e o poder que o Sr. Cárdia depositou nas mãos dos doutores, nas mãos do conselho científico é, em grande medida, o poder contra o qual os estudantes, hoje em dia, lutam nas escolas. É bom que as pessoas não fujam às responsabilidades 1

A outra questão refere-se à liberdade de ensino.

Parece que a liberdade de ensino vai resolver grandes problemas.

O que pergunto é se a liberdade de ensino se traduz em uns não terem dinheiro nenhum e outros terem 10 contos por mês para pagar as suas propinas nas escolas privadas ou se a liberdade de ensino é tentar agora impor o aumento das propinas para verbas, que, como alguém já disse, serão de 10 contos por ano. Provavelmente, há a liberdade de uns terem e outros não terem!

Depois, houve uma frase muito bonita que aqui foi repetidamente referida: «educação como estratégia de desenvolvimento». Grande palavrão, grande chavão!

Ora, pergunto: quem foi que aprovou o Orçamento do Estado? Quem foi que aprovou as verbas para a educação inseridas nesse Orçamento do Estado?

Ê tão comezinho como isto: se as pessoas dizem que o Governo ou que os partidos do Governo não são responsáveis, se vêm para aqui dizer que é injusto que a educação tenha tão diminutas verbas ... — a talhe de foice, quero dizer ao colega da Juventude Centrista que não é em vão que a Nicarágua tem mais verbas para a educação do que Portugal.... mas essa será uma questão para discutirmos talvez amanhã.

Mas dizia que, se, de facto, se diz que não há responsáveis, esta é uma questão muito concreta: quem aprovou o Orçamento do Estado e as verbas para a educação?

Ê uma pergunta a que eu gostava que alguém me respondesse.

A propósito do ensino unificado, falou-se aqui bastante. Q problema é que a situação em que o ensino unificado, como outras coisas, hoje está é exactamente o resultado da política de destruição do ensino unificado começada logo a partir do ministro Cárdia.

Convém que as pessoas pensem nisto.

Só para terminar, há um outra frase muito bonita que também aqui foi dita: «A educação não reage aos desafios do tempo, do nosso tempo, que é um tempo de modernidade.»

Dou só um exemplo: existem no Ministério da Educação, há dois ou três anos, projectos de reestruturação das faculdades de letras, que são, neste momento, das faculdades mais atrasadas em termos curriculares, e o Ministério continua a não fazer literalmente nada para dar andamento a esses projectos.

Em compensação, nas reuniões, o Sr. João de Deus Pinheiro diz-nos, com aquela cara que o caracteriza, que neste momento o problema da adesão à CEE é este: Portugal tem três camiões de documentos para traduzir e não há tradutores. Portugal não tem tradutores que dêem vazão ao trabalho.

Então, nós perguntamos como é que num país destes, até sem tradutores ... neste sentido, a educação não reage aos desafios do tempo nem sequer aos desafios que o Governo tenta impor ao País.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista António Eloy.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Sr. Presidente, prescindo da palavra, para que possamos entrar mais rapidamente no outro painel.

O Sr. Presidente: — Tem então a palavra o Sr. Conferencista Alfredo Abreu.

O Sr. Alfredo Abreu (Inter-Cultura — AFS): — Sr. Presidente, tenho a palavra? Faço esta pergunta porque ainda agora me recusaram a oportunidade de me inscrever, e inscrevi-me porque reparei que ainda haveria tempo suficiente para isso.

Já agora, queria fazer um pequeno comentário: as organizações políticas estão aqui representadas por pessoas que estão habituadas a falar em público, principalmente em ambientes como este, que têm oportunidade de pensar rapidamente naquilo que querem dizer ou já trazem, inclusive, os discursos feitos de casa, e, portanto, estão aqui numa qualidade de dialogantes diferente da nossa, que temos muitas vezes de adaptar-nos ao discurso que aqui é feito e, assim, temos alguma dificuldade de apresentar as nossas ideias.

Quero dizer que admito perfeitamente a existência de um método, mas não me vou escravizar a ele. Seja qual for a altura e o tema, direi aquilo que tiver para dizer e achar útil — aliás, foi por essa razão que vim aqui!

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Desta vez, a minha contribuição é em relação ainda à educação, porque tenho uma proposta concreta a fazer aqui nesta Conferência, a qual vou explicar fazendo uma pequena introdução.

Desde ontem temos falado aqui da juventude e referido essencialmente os estudos que foram feitos e que apresentam uma grande quantidade de números que reflectem a situação dos jovens. De qualquer forma, queria dizer-vos que actualmente as pessoas já começam a pensar menos em termos de estatística e mais em termos de indivíduo, já que aquela tem alguma tendência para o esquecer.

Falámos aqui também nos diversos discursos e dissemos muitas vezes que eles são pouco jovens: as pessoas utilizam formas já usadas e existe uma certa convenção na fala. Existe muito pouca inovação!

De manhã, a deputada do MDP/CDE falou aqui de duas coisas que queria novamente sublinhar, pois acho-as importantes: desde há muitos anos existe em Portugal pouca evolução das vontades por parte da juventude e as pessoas continuam mais ou menos a querer a mesma coisa.

A Sr." Deputada disse também, segundo o que entendi, que as vocações da maior parte dos jovens são vocações contrariadas, que estamos condenados a fazer aquilo que não queremos no nosso país.

Por isso mesmo, venho apresentar uma proposta para que as pessoas que tenham capacidade de fazê-lo façam um retrato sociológico da juventude portuguesa. Não somos os jovens da geração de 60 ou de 70, a quem os políticos da actualidade se dirigem, mas sim da geração de 80; temos necessidade e desafios diferentes e queremos que nos conheçam como tal. Portanto, aquilo que temos feito aqui tem reflectido um pouco a herança que tivemos dos jovens das gerações anteriores a nós, no entanto temos coisas diferentes a dizer e é preciso saber por que é que as dizemos e por que o fazemos de uma maneira diferente. E, se nós não sabemos isso, acho que um estudo que fosse feito com esse objectivo específico poderia dar-nos algumas respostas, que seriam utilíssimas, por exemplo, no delinear de uma política relacionada com a juventude e com a lei de bases do sistema educativo.

A educação deve perpetuar a sociedade e deve fazer o possível por assegurar a continuação da cultura, mas também é verdade que se deve deixar um espaço vago para as pessoas intervirem, e actualmente aos jovens não é dado esse espaço!

Sugiro que, antes de se tomarem as decisões e as pessoas decidirem seja o que for sobre os jovens, tenham o cuidado de traçar o retrato da juventude de agora, a quaü irá assegurar a continuação da cultura.

Aplausos.

O Sr. Presidemte: — Permita-me esclarecer, em relação às palavras introdutórias do congressista Alfredo Abreu, da AFS, que, de facto, & mesa aceitou a inscrição que foi feita e foi exactamente por isso que ela ocorreu. Após a aceitação dessa inscrição, tendo em conta as limitações de tempo, a mesa avisou outros possíveis conferencistas que tivessem interesse em se inscreverem de que não haveria hipótese de usarem da palavra, pelo simples facto de haver uma limitação de tempo que temos necessariamente de ter em conta. Mas, de facto, a inscrição foi aceite e ela foi realizada exactamente em consonância com isso. Penso que

era importante esclarecer esta questão, porque me pareceu poderem restar algumas dúvidas das palavras com que introduziu a sua intervenção. Tem a palavra o Sr. Conferencista António Filipe.

O Sr. António Filipe (JCP): — A minha intervenção vai ser necessariamente breve, dado que o Carlos José, meu colega, falou há muito pouco tempo e disse algumas das coisas que eu queria aqui focar.

De qualquer maneira, não quero deixar passar duas coisas que foram aqui ditas de manhã e que se reportam à JCP e a esta Conferência.

Falou-se na responsabilização individuai, e o amigo da Juventude Socialista, depois da minha intervenção, disse que nós devíamos assumir também as responsabilidades que nos cabem no agravar da crise social dos homens portugueses.

Gostaria então de perguntar o seguinte: onde é que os jovens comunistas alguma vez neste país deixaram de se responsabilizar ou fugiram às responsaibilidades que lhes cabem no apontar de soluções dos problemas dos jovens portugueses? A não ser que o contributo que queiram que tenhamos aqui seja o de virmos dizer que, de facto, temos que reconhecer que esta política, afinal, até tem sido muito boa. Não sei se pretendem que seja essa a contribuição positiva que a JCP possa dar ou se, antes, ela deve ser no sentido de denunciar o que está mal — e onde! — e apontar aquilo que nos parece estar bem.

Uma outra questão que tem sido posta é a recusa desta Conferência em se identificar com o Parlamento, com a Assembleia da República, que funciona aqui ao lado.

Vê-se aqui uma negação da parte de muita gente em aceitar qualquer identificação —apesar de estarem aqui muitas pessoas que têm lá assento— com o que se passa ali.

Devemos dizer que não tememos qualquer identificação com os deputados do Partido Comunista Português na Assembleia da República. Não temos telhados de vidro em relação ao Parlamento!

Dos grandes problemas da juventude, daquelas leis que actualmente existem, das medidas governamentais que toda a gente reconhece que afectam o presente e o futuro da juventude, ninguém pode dizer que qualquer dessas iniciativas tenha passado com o aval dos deputados do Partido Comunista Português. Se olharem para as pastas e para a documentação que é distribuída à entrada desta Conferência, para além do projecto de lei de bases do sistema educativo — e os deputados comunistas desde há muito tempo têm insistido nesta questão! —, podem encontrar um projecto de lei que atribui licenciatura ao curso de Contabilidade, um outro destinado à criação de uma escola de pesca no Norte, um outro que garante a existência de instalações para educação física nas escolas do ensino secundário e ainda a proposta de criação de um faculdade de direito na cidade do Porto — e não há grupo parlamentar que não esteja de acordo. Só que, quando vêem, de facto, perto a sua efeciivaçãc, então, aí, todos recuam e ninguém está de acordo com a sue criação.

De facto, o que há aqui a perguntar é o seguinte: afinal, quem é que se serve de uma cassette? Quer» é que vem para aqui com diversos «quadrados», como nos criticaram, por esse facto, esta manhã? De facto, quem

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vem para aqui com a cassette estudada é quem não liga importância rigorosamente nenhuma às propostas que apresentamos e que preferem apenas dizer que isso não interessa, porque é sempre a mesma conversa. Ainda ninguém se debruçou aqui concretamente sobre qualquer uma destas iniciativas legislativas que os deputados comunistas tomaram. E também ainda ninguém se debruçou sobre nenhuma das propostas concretas que aqui tivemos oportunidade de apresentar esta manhã.

Só queria ainda referir mais uma pequena coisa e que se reporta à intervenção do nosso amigo da Tuventude Socialista. Falava da impossibilidade de satisfazer as condições de vida dos jovens e dava até o exemplo de como é que querem que os jovens tenham assistência medicamentosa condigna e condições de ensino. Dizia-se que não pode haver tudo, há que optar pelo desenvolvimento de um ou outro aspecto.

Aqui, nós só perguntamos como é que se pode conceber uma política de apoio ao benefício das condições de vida dos jovens sem se optar por uma política de desenvolvimento da capacidade produtiva! Não vimos como e gostaríamos que nos explicassem. Por outro lado, interessa saber como é que se pode conceber uma política de apoio ao benefício das condições de vida dos jovens sem se optar por uma política de desenvolvimento da capacidade produtiva. Não vimos como e gostaríamos que nos explicassem!

Como é que uma política que contribua para o aumento da capacidade produtiva pode ser contraditória com o melhoramento das condições de vida dos jovens? Isso não nos explicaram! Como é que çsta política pode contribuir, de alguma forma, para melhorar as condições de vida dos jovens? Por que razão não optam decididamente por uma outra política?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Conferencista Fernanda Garcia.

A Sr.° Fernanda Garcia (Associação de Promoção Cultural — APCC): — Queria apenas fazer um pequeno comentário ao que o Sr. António Felipe disse acerca da identificação desta Conferência com a Assembleia da República.

Preocupa-me bastante se esta Conferência se identifica, de algum modo — seja no tipo de discurso ou nas posições defendidas—, com a Assembleia da República. E isto porque estou aqui a representar uma associação não partidária, e sei que isto é diferente porque tenho aqui assento e posso falar. Talvez seja devido a um tipo de discurso, por exemplo o do Carlos José — a que não posso responder, pois tenta atribuir culpas —, que as associações não políticas aqui presentes não podem frequentemente aqui intervir. Não interessa estar aqui a discutir de quem é a culpa, mas gostava de discutir com todas as outras associações, políticas e não políticas, projectos e o que podemos fazer em conjunto, seja qual for o governo que esteja!

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (JS): — Peço desculpa por náo ter estado aqui presente esta manhã, mas não

foi, como disseram à entrada muitos de vós, por me ter deitado bastante tarde. Pelo contrário!

Risos.

De qualquer maneira, tal como ontem — e desde o início dos trabalhos, passando por esta manhã—, e embora não tenha estado presente, alguns amigos já me contaram o que se passou: a Juventude Comunista Portuguesa continua preocupada com aquilo que nós dizemos. E, de facto, a maior parte das intervenções que faz é para nos responder, pôr perguntas ou manifestar a sua preocupação. Óptimo!

A única coisa que queria pedir — não à Juventude Comunista Portuguesa, mas, por exemplo, ao Carlos José e ao António Filipe— era que me dissessem, à excepção de Portugal (em que eles tanto quiseram insistir!), Espanha, França —pelo menos, destes países onde já estive! —, Roménia e Checoslováquia (em que, na semana passada, dois camaradas da Juventude Socialista tiveram oportunidade de visitar aquilo que lhes deixaram), que me apontassem um país do mundo onde todas as vossas soluções aqui apontadas e, sobretudo, tudo aquilo que vocês aqui criticaram existe ou, pelo menos, está eliminado. Só peço um e há muitos países no mundo!

Torno a explicar: quero que vocês me apontem um país no mundo onde não haja desemprego, onde não haja tudo aquilo que vocês disseram que existe em Portugal — algumas das coisas até as ouvi aqui pela primeira vez! Penso que falar disso era reproduzir aquilo que se passa na sala ao lado!

De qualquer maneira, quero dizer-vos que não tenho nem temos nenhuma procuração para falar aqui em nome do Governo. Muitos tiveram oportunidade de criticar! Quer dizer: sem demagogia, fomos das primeiras organizações a defender uma mudança da política no Ministério da Educação quando era ministro o José Augusto Seabra! E dissemos que éramos contrários a que para este Ministério fosse, inclusivamente, um Seabra socialista. Isto quer dizer qualquer coisa!

Obviamente, não temos procuração nem do Governo nem do nosso camarada Sottomayor Cárdia para virmos aqui, num convívio destes, defendê-los de tudo aquilo que eles fizeram.

De qualquer maneira, quero lembrar que as situações são concretas e, quando o decreto sobre gestão foi elaborado —na altura era ministro da Educação o Sottomayor Cárdia —, com certeza que a realidade (e vocês não se esquecem tão cedo dela, pois estão sempre a falar dela) era inevitavelmente diferente. Mas terei oportunidade de lhes dizer que nós, JS, nomeadamente através de muitos dos nossos inscritos que fazem parte da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra — e, por exemplo, estão aqui duas dessas pessoas como observadores! —, estamos a trabalhar em proposta alternativa a esse decreto sobre gestão. Gostava que, muito sinceramente, vocês nos apresentassem as vossas propostas alternativas a isso!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Carlos José.

O Sr. Carlos José (JCP):—Em primeiro lugar, só uma coisa muito rápida.

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Com estes pequenos exemplos que aqui foram dados ficamos a perceber como é que em Portugal se deturpam as realidades de outros países. Posso dizer que estive em Praga com o camarada António Calado, da Juventude Socialista, e ele pôde andar por onde quis. No domingo, a partir das 17 horas —porque o resto do tempo estivemos em reunião —, estivemos em Praga e, na companhia do representante do CCPC, andámos por onde quisemos e, inclusivamente, o camarada António Calado andou por onde quis e ninguém o impediu. Por isso, é mentira! A partida foi na segunda--feira e vim como ele no avião!

Portanto, com estes pequenos exemplos ficamos a saber como é que se deturpam as imagens. Agora escusa de estar a desculpar-se!

Nós não nos coibimos de discutir projectos, propostas. Inclusive, na parte da manhã, na intervenção do António Filipe, foi apresentado um conjunto de propostas. Então que sejam discutidas! Se nós apresentámos um conjunto de propostas para resolver o problema da habitação, do emprego e do ensino, então que elas se discutam e que não se venha para aqui dizer que o problema é o do discurso e o da linguagem. Respeito muito a presença de outras associações não políticas nestas reuniões e acho que com a participação dessa's estruturas — e há aqui muitas que não estão presentes e que poderiam estar com liberdade de expressão para poderem dar as suas opiniões — só se enriquecia este debate. Queria, pois, deixar isto bem claro!

Portanto, o nosso problema não é não discutir projectos. Nós fazemo-lo! E apresentamo-los! Não nos desresponsabilizamos em relação aos problemas e soluções necessárias para eles.

De facto, sei muito bem qual era o tempo em que foi o ministro Sottomayor Cárdia; sei que, concretamente, na minha faculdade, o seu decreto permitiu que o conselho científico fosse constituído da forma como está agora e que grande parte dos problemas que nós hoje temos —todos os estudantes, e não só os comunistas ou seus amigos, da Faculdade de Letras e, inclusive, alguns dos socialistas que lá andam — derivam da política do ministro Cárdia, do decreto sobre gestão que impôs. Mas folgo por saber que se está a pensar mudar e espero que a mudança seja para melhor, porque estas coisas das mudanças têm sempre dois sentidos: a mudança para melhor e para pior.

O Sr. Presidente: — Encerrado que está o tema «Educação», iremos de imediato entrar na abordagem do segundo subtema da temática «Desenvolvimento», concretamente na matéria que diz respeito ao emprego e formação profissional.

Tem a palavra a Sr.a Deputada Margarida Marques.

A Sr.a Margarida Marques (Comissão de Juventude da AR — PS): — Começo esta minha intervenção referindo novamente os objectivos desta Conferência e talvez no seu decorrer venham a perceber melhor .por que o faço.

O objectivo fundamental desta Conferência é dialogar com as organizações de juventude que não têm lugar aqui no Parlamento.

Foi este o espírito que presidiu à aprovação, por unanimidade, no Plenário da Assembleia da República de uma proposta de resolução que levava à realização desta Conferência. Pretendia-se ouvir as propostas das organizações de juventude enquanto porta-vozes das as-

pirações de alguns grupos de jovens. Sublinho a palavra «alguns» porque a realidade do associativismo juvenil não se esgota nas organizações aqui presentes.

Procurámos alargar este debate convidando outras organizações de jovens — associações de estudantes e associações culturais —, mas, infelizmente, não foi possível que este último grupo de associações tivesse direito à palavra.

No entanto, não nos podemos esquecer de que a dinâmica do associativismo juvenil em Portugal está bem para além destas associações que referi. Destaco, nomeadamente, as dinâmicas culturais, recreativas e desportivas que existem espalhadas por todas as localidades do nosso país, que dão, de facto, uma vida diferente, associativa, à participação dos jovens na sociedade portuguesa.

Uma segunda questão que gostaria de abordar diz respeito aos problemas da juventude e, concretamente, à expressão «problemas da juventude».

Não podemos considerar os problemas dos jovens como os problemas de todos os jovens. Ê uma ilusão em que muitas vezes se cai.

A vida c bem diferente para os jovens que vivem no campo ou na cidade, que tiveram acesso ao sistema de ensino ou ficaram fora dele, que têm emprego ou que o procuram, para os homens e para as mulheres.

Estas circunstâncias geram realidades sociais bem diferentes, não nos permitindo considerar os jovens como um todo. Devem, por isso, ser analisadas de forma diferente, mas não discriminatória.

Neste aspecto é extremamente interessante analisar o inquérito aos jovens europeus elaborado pela Comunidade Económica Europeia e feito em todos os países da Europa. Trata-se de um inquérito cujas conclusões são extremamente importantes e seria bom que todas as organizações de juventude olhassem para elas, pois retratam muito a situação dos jovens em Portugal e demonstram bem quão ilusório é falar em jovens como grupo social, como classe, como consenso ou como um todo.

Gostaria de referir algumas afirmações que constam de um documento elaborado pelo meu partido, subordinado ao tema «Portugal, anos 80».

No capítulo «Abrir o futuro à juventude» diz-se:

Uma política que tenha como preocupação ir ao encontro dos problemas, aspirações e desejos dos jovens [...] deve ter como objectivos fundamentais: combater as discriminações económicas, sociais, culturais ou políticas motivadas pela idade, sexo ou herança familiar e social; estimular o desenvolvimento da solidariedade, da criatividade e do associativismo juvenil, fomentando a criação de empresas cooperativas [...] através das quais os jovens possam satisfazer as suas necessidades mais imediatas, tais como habitação, emprego, educação, acção cultural e desportiva; incentivar o serviço cívico e a participação dos jovens na rea lização dos problemas que lhes dizem respeito, reconhecendo efectiva capacidade negocial às organizações de juventude nos partidos nos órgãos de poder local e regional, no Governo e na Assembleia da República.

E, quanto a esta capacidade de afirmação das organizações de juventude como interlocutoras junto do poder político, refiro o papel extremamente positivo que pode vir a ter o Conselho Nacional de Juventude.

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Por isso mesmo, num dos projectos de lei que o Partido Socialista apresentou, e que o meu camarada Laranjeira Vaz terá oportunidade de referir seguidamente, propomos o Conselho Nacional de Juventude como interlocutor no Secretariado de Informação e Orientação Profissional.

Foi nesta perspectiva e com este conjunto de preocupações que ontem mesmo, aqui, na Assembleia da República, o Partido Socialista apresentou um conjunto de projectos de lei que procuram dar resposta a um dos problemas que se colocam hoje à juventude portuguesa e que para nós é fundamental: o desemprego.

Segundo as estatísticas do Instituto do Emprego e Formação Profissional, o número de desempregados em Fevereiro do corrente ano era de 402 000, dos quais 60 000 procuravam o primeiro emprego. Notem que tive a preocupação de dizer que se tratava de estatísticas oficiais, que têm o significado que normalmente o valor estatístico destes números tem.

Para nós, garantir o direito ao trabalho é assegurar a possibilidade de os jovens, homens e mulheres, realizarem o seu desejo de autonomia e de criatividade. Por isso mesmo, o desemprego juvenil é, em meu entender, uma das preocupações fundamentais, razão pela qual apresentámos um conjunto de projectos de lei que vou passar a expor e que têm como objectivo o combate a esse mesmo desemprego juvenil.

Dizia ontem o representante das Guias de Portugal que «as respostas tradicionais têm de dar lugar a novas respostas».

Também é essa a nossa opinião. Há que fomentar formas de solidariedade e cooperação entre os jovens desempregados ou à procura do primeiro' emprego e reconhecer a estes jovens o estatuto de parte interessada na discussão deste problema, a nível do Governo, da Assembleia da República e dos governos e assembleias regionais.

Ê necessário garantir a todos os jovens uma formação profissional adequada ao exercício de uma actividade profissional.

As iniciativas dos jovens desempregados que se associem para a realização de actividades produtivas ou culturais sob forma cooperativa ou autogestionária devem merecer particular apoio por parte do Estado e das autarquias locais.

Passo a referir o objectivo de um dos projectos de lei que apresentámos, relativo à criação de clubes de emprego de jovens.

Estes clubes de emprego não são, de facto, inovadores; podê-lo-ão ser em Portugal, onde não existem, mas em França têm tido um papel extremamente importante, sendo designados por boutiques de gestion.

Os clubes de emprego funcionarão como centros de atendimento, em instalações a ceder pelas autarquias, onde os jovens, em contacto uns com os outros e com a colaboração de técnicos com formação profissional adequada, serão acompanhados na execução dos seus projectos de emprego.

Não basta dizer-se aos jovens que é importante o desenvolvimento da sua capacidade e criatividade, é preciso criar condições para que a auto-organização dos jovens seja uma realidade. Isto porque não nos podemos esquecer de que compete ao Estado, no cumprimento do dever constitucional de garantir o direito ao trabalho, apoiar as iniciativas locais, criando condições à auto-organização dos jovens.

O segundo projecto de lei que apresentámos diz respeito às iniciativas locais de criação de emprego.

As iniciativas locais de criação de emprego têm como objectivo isso mesmo, ou seja, que a nível local se tomem iniciativas de criação de empregos. Mas nós não podemos pensar que os empregos são uma realidade abstracta, dissociados das realidades sociais e económicas. O objectivo das ILE aparece, assim, ligado a outros, como o desenvolvimento local e regional, a melhoria da ambiente e renovação urbana, a revitalização do tecido social, a satisfação das necessidades da população, a promoção cultural, o aproveitamento dos recursos naturais, das potencialidades energéticas ou dos desperdícios, entre outros. A realidade ILE tem já existência no nosso país, embora apenas com uma única iniciativa, que é a louvável iniciativa de Castanheira de Pêra.

Trata-se de verdadeiras iniciativas empresariais, associativas ou privadas, com viabilidade económica, que são iniciativas de fimbto local, o quer dizer que a sede de cada uma se situa na localidade onde reside a maioria dos seus promotores ou beneficiários, cuja acção se integra, regra geral, numa dinâmica participativa da população ou de alguns dos seus grupos. O seu objectivo é, como se pode ver, a criação de novos postos de trabalho.

Dentro daquilo que habitualmente se chama «respostas tradicionais» — eu diria que são mais respostas institucionais —, apresentámos também na Assembleia da República dois projectos de lei, um dos quais diz respeito à criação de novos postos de trabalho, tendo como preocupação fundamental a concessão de créditos especiais e de facilidades fiscais às empresas que criem novos postos de trabalho para jovens.

No entanto, nesta iniciativa de concessão, por parte do Governo, deste tipo de facilidades, quer fiscais, quer de concessão de crédito, é necessário ter presente um conjunto de preocupações fundamentais, pois muitas vezes os Portugueses são peritos em encontrar formas prevertidas de soluções interessantes.

Procurámos evitar que a existência de estímulos à criação de novos empregos fosse utilizada de forma a ter resultados contrários aos pretendidos.

Por exemplo, em França o patronato utilizou este sistema de subsídios estatais para despedir os seus trabalhadores e admitir jovens que lhes acarretariam menores encargos.

Teve-se também em conta a legislação inglesa ao pretender impedir-se que os patrões utilizassem os subsídios e logo após despedissem os trabalhadores.

Queremos que os apoios tenham como resultado a efectiva criação de novos postos de trabalho, e não uma forma de o Estado beneficiar, sem justificação, algumas empresas privadas.

Por isso, excluímos deste projecto, por exemplo, o recurso aos contratos a prazo para este tipo de postos de trabalho.

Ainda porque nos parece que, embora não sendo uma solução para o problema do desemprego, é uma questão interessante, tivemos em conta a possibilidade de atribuição de subsídio de desemprego aos jovens que procuram o primeiro emprego.

Em Portugal, os jovens com formação profissional que procuravam o primeiro emprego tiveram já, durante um curto espaço de tempo, direito a subsídio de desemprego. Infelizmente, uma das primeiras medidas que este governo tomou, um mês após a sua posse,

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foi suspender a atribuição de subsídio de desemprego a estes jovens. Parece-nos que isso é extremamente criticável e, apesar de eu pertencer a um dos partidos que integram o Governo, não deixei de na altura tomar publicamente posição contra esse procedimento.

Apresentámos, assim, um projecto de lei que mereceu a adesão do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, no sentido de alargar o subsídio de desemprego aos jovens com formação profissional que procuram o primeiro emprego.

Finalmente, e ainda dentro das medidas concretas que preconizamos, entendemos que deve o Governo desenvolver uma campanha pública de perspectivas e oportunidades de emprego.

Mas para nós isto é bem diferente de um programa de publicidade que o Governo ofereça aos jovens e que, muitas vezes, mais se enquadra em campanhas eleitorais. O que pretendemos é que haja uma campanha de informação das perspectivas e oportunidades de emprego, em que se diga aos jovens não só que cursos é que estão à sua disposição, mas também que saídas é que cada um desses cursos tem, que capacidades é que têm de recurso ao mercado de trabalho, que iniciativas é que os jovens podem desenvolver e como é que podem utilizar a sua formação profissional. Ê que, para além do gosto e da capacidade pessoal, outros factores, como a hipótese de emprego, casos bem sucedidos e casos mal sucedidos, estão muitas vezes presentes na preocupação dos jovens quando fazem as suas opções profissionais, porque, quando terminam os seus cursos de formação profissional, também se preocupam com o que é que podem, de facto, fazer.

Finalmente, e agora explicitando melhor, quando decidimos trazer-vos aqui os projectos de lei que apresentámos na Assembleia da República e que gostaríamos de ver discutidos na semana parlamentar da juventude, o que pretendemos é pôr-nos à disposição de todos os participantes nesta Conferência, no sentido de discutirmos estes projectos e, com as vossas propostas, enriquecê-los, para que, quando eles vierem a ser discutidos, reúnam consensos mais alargados e mais facilmente possam ser aplicados, transformando-se em realidades vivas, e não apenas em mais um conjunto de projectos que se aprovam na Assembleia, mas que não têm viabilidade prática e nunca serão executados.

Só assim, se for esta a contribuição desta Conferência — e, quando falo em relação a estes projectos, falo também em relação a outros que já surgiram aqui e ainda àqueles que, eventualmente, os próprios participantes na Conferência tenham a iniciativa de propor—, para além das questões mais vivas, menos vivas, mais interessantes, mais desmobilizantes, da forma como decorreu esta Conferência, só assim, dizia eu, esta Conferência pode ser consequente.

Gostaria ainda de fazer uma pequena referência ao pacote laboral.

O pacote laboral é apresentado aos jovens nesta perspectiva: «Tem de ser adoptada, essa legislação, tem de se facilitar os despedimentos para que vocês tenham acesso ao mercado de trabalho e consigam emprego.» Porém, isto não corresponde à verdade, pois o pacote laboral pretende a liberalização dos despedimentos e não traz qualquer tipo de vantagem para os jovens: não cria postos de trabalho e apenas permite a anulação de postos de trabalho e a diminuição dos existentes.

Era isso que tinha para vos dizer. Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista António Rodrigues, da Juventude Social-De-mocrata.

O Sr. António Rodrigues (Juventude Social-Demo-crata): — Sr. Presidente, Srs. Participantes: Antes de começar a minha intervenção gostaria de abordar duas questões prévias, a primeira das quais penso que constitui um aviso que deve ficar bem expresso em todos aqueles que estão aqui presentes.

Como já aqui foi frisado, esta Conferência destina-se a discutir os problemas dos jovens, a tentar chegar a consensos sobre a problemática juvenil, e não a virmos para aqui criticar quem quer que seja. Isto porque os problemas que atingem os jovens não são problemas de momento, não são problemas de conjuntura; são problemas mais globais e, como já aqui foi afumado ontem, são problemas que necessitam da definição de uma política global e integrada de juventude.

A segunda questão prévia que queria levantar diz respeito ao facto de eu ir ler uma comunicação. Foi aqui levantada a questão de que alguns traziam os trabalhos feitos em casa. Quanto a isto, quero apenas dizer, sem menosprezo para ninguém, que quis corresponder àquilo que a Comissão Parlamentar de Juventude pediu, ou seja que fossem entregues comunicações escritas até ao dia 10 deste mês, de modo que quando as pessoas aqui chegassem pudessem ler e não apenas ouvir de momento aquilo que tínhamos para dizer.

A comunicação que vou apresentar foi fruto de uma reflexão que tentei fazer; não são ideias que me tenham surgido à última da hora, alinhavadas à pressa sobre o papel.

Precisamente por isso, e com esta prevenção inicial, vou passar a ler a minha comunicação.

O emprego juvenil ou, melhor, a integração na vida activa é um problema que tem assumido, não só em Portugal como no mundo, contornos cada vez maiores e de consequências gravosas em termos sociais e económicos.

Devido à difícil conjuntura económica internacional, agravada no nosso país pelos efeitos de uma prolongada recessão económica, os tempos do desemprego flutuante e de período limitado têm sido substituídos por um aumento da taxa de desemprego na globalidade, sendo que a sua maior componente é de jovens. Cal-cula-se em 500 000 o número de desempregados (cerca de 8 % da população activa), sendo que dois terços desses são jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 25 anos e na sua maioria do sexo feminino.

As teorias de Keynes e de Veveridge da realização do pleno emprego vão longe. Isto em função da rápida transformação das estruturas económicas e sociais, da introdução de novas tecnologias, a par com a falta de investimento e o crescimento da população activa, em que o surgimento de milhares de jovens tem contribuído para o agravar desta situação.

O desemprego na CEE atingiu, no final de 1984, 13 milhões de pessoas, ou seja 11,6 % da população activa —e com tendência para aumentar—, pre-vendo-se que em 1990 cerca de 15 % da população activa se encontre desempregada.

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Esta situação resulta fundamentalmente da rigidez económica europeia, do estrangulamento dos mercados, do peso das actividades tradicionais e dos tipos de organização económica e relações sociais arcaicas.

Nos Estados Unidos e no Japão, ao contrário, a tendência lem sido para uma diminuição do desemprego. No caso concreto dos EUA, a taxa de desemprego reduziu-se em 2 % em apenas 2 anos, o que representa a criação de milhares de postos de trabalho.

Esta situação é deveras preocupante se levarmos em linha de conta que a grande maioria dos desempregados são jovens dos 14 ao 25 anos. Na Europa os jovens representam 20 % da população activa total, mas 40 % do total de desempregados.

Em Portugal acrescem à crise económica internacional condicionantes internas que levam ao agravamento deste problema. O regresso de milhares de pessoas das ex-colónias, a desmobilização dos contingentes militares, a desorganização da economia, a falta de confiança dos investidores e a falência de muitas empresas levaram a que, por um lado, o desemprego tivesse aumentado assustadoramente e que novos postos de trabalho não tivessem surgido para suprir este aumento da mão-de-obra disponível. Por outro lado, aumentou grandemente o número de jovens que buscam o primeiro emprego e que elevam a taxa de desemprego global de alguns milhares para cerca de 500 000 desempregados inscritos presentemente, constituindo os jovens cerca de dois terços desses desempregados. Este panorama tende a agravar-se se se efectivar o retorno de milhares de emigrantes, que irão engrossar o mercado de trabalho, aumentando, assim, a procura de emprego.

Tudo islo é preocupante, quando a grande maioria dos desempregados e dos que buscam o primeiro emprego não são possuidores de qualquer tipo de formação que os habilite a desempenhar adequadamente uma profissão.

Dizem as estatísticas que o desemprego em Portugal é menor que noutros países, embora com tendência para aumentar. Todos nós estamos conscientes das dificuldades financeiras do Estado Português, o que impossibilita um apoio total aos desempregados, quer através do subsídio de desemprego, quer através do seguro de desemprego.

Ê a constatação da falência do Estado-providência, como entidade capaz de socorrer todas as situações, substituindo-se aos agentes económicos e à sociedade e tornando-se a última instância de recurso a quem todos apelam. Hoje o Estado remete-se a um papel de parceiro, mais como coordenador da actividade dos agentes ou, na maioria dos casos, um mero espectador, por impossibilidade manifesta de resolver os problemas.

Como agir então perante este problema?

Todos estamos conscientes da gravidade do problema do desemprego, nomeadamente juvenil.

A definição de uma política de emprego encontra-se estritamente ligada à política económica e, enquanto não definirmos o modelo económico a prosseguir, a opção da política de emprego será desenquadrada da realidade e tenderá potencialmente a resolver no imediato para agravar no futuro.

Por outro lado, a política de formação profissional encontra-se emparedada por estas condicionantes. Só após a definição do modelo económico, ou seja, só depois de feita a escolha dos sectores onde vamos apos-

tar, é que saberemos quem formar, para quê e como. Neste sentido, torna-se urgente definir quais as grandes linhas económicas de evolução da economia portuguesa.

Referimos há pouco que os Estados Unidos e o Japão tinham conseguido baixar a taxa de desemprego. Mas como?

Primeiramente, com o crescimento do sector da construção civil, depois adoptando medidas concretas na redistribuição do tempo de trabalho, quer através do aumento do trabalho a tempo parcial, quer através da diminuição da prestação de trabalho extraordinário e ainda através da antecipação da idade de reforma.

Também a CEE tomou algumas medidas para resolver o problema do desemprego, que, como referimos, assume contornos preocupantes. Assim, a Comissão Europeia adoptou algumas resoluções no sentido de minorar o problema do desemprego e, especialmnete, o desemprego juvenil: estimulação do investimento, redução e reorganização do tempo de trabalho, promoção de iniciativas locais de emprego, apoio à criação de cooperativas de desempregados, modernização da formação, aposta na formação profissional e na sua modernização, através das novas tecnologias de informação e ainda através da acção do Fundo Social Europeu, que terá reservado 75 % das suas verbas para solucionar os problemas do desemprego dos jovens até aos 25 anos.

Ao abandonar o sistema educativo os jovens têm duas vias para ingressar no mundo do trabalho: a inscrição nos centros de emprego e a respectiva colocação ou o ingresso não oficial, geralmente por familiares ou por amizades.

A inscrição nos centros de emprego, na maioria dos casos, não tem seguimento, pois que a procura é em muito superior à oferta. Só em Abril de 1984 existiam 4356 ofertas de trabalho para 305 000 pedidos, dos quais 55 000 eram de jovens à procura do primeiro emprego. Em face da nula resposta dos serviços, a maioria dos jovens já não se dirige aos centros de emprego, tentando obter um emprego através de outras formas, quer respondendo a anúncios, quer através do tráfico de influências.

E neste campo o panorama agrava-se. Poucos são os jovens que alcançam um emprego como efectivos. Na maioria dos casos só através da celebração de contratos a prazo se empregam, o que se traduz para eles numa situação de instabilidade, uma vez que nunca sabem se o contrato irá ou não ser renovado.

O contrato a prazo passou a ser a regra, em vez da excepção que sempre deve constituir. O vínculo que liga o trabalhador à empresa torna-se precário, pesando sobre ele uma espada de Dâmocles, pronta a cair quando a entidade patronal entende não renovar o contrato.

Evoluímos, assim, para uma situação de admissibilidade dos despedimentos sem justa causa, situação que afecta em primeira linha aqueles que buscam o primeiro emprego ou que procuram reempregar-se.

Esta incerteza vai provocar instabilidade na relação de trabalho e aumenta a submissão do trabalhador em relação à entidade patronal. Os conflitos de interesses que apõem empregadores e trabalhadores não podem, em nome da justiça social, permitir a intervenção do princípio da liberdade contratual defendida pela doutrina civilista.

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Ê em razão da utilização abusiva dada à contratação a prazo e na defesa da sua única função legítima que se opõe a necessidade de rever o regime actualmente em vigor, de forma a terminar com situações injustas e que afectam sobretudo os jovens.

Em Portugal como fazer?

Antes de saber que medidas tomar para solucionar este delicado problema é preciso que em Portugal se definam os grandes objectivos da sua economia.

A solução do desemprego passa pela criação de novos postos de trabalho que respondam às necessidades do País.

Os mecanismos a criar para ultrapassar esta situação terão que ter presentes duas vertentes: o direito dos empregados ao emprego e o direito dos desempregados ao emprego. Significa isto que as medidas a tomar não poderão pôr em causa os empregos já existentes, mas que se deverá assumir como prioritária a criação de novos postos de trabalho, preferencialmente ocupados por jovens.

Não queiramos investir apenas por investir. A nossa aposta terá de ser feita na criação de novas empresas, em sectores inovatórios capazes de oferecer bens a outros países menos desenvolvidos e em sectores tradicionais pouco desenvolvidos — como a agricultura —, utilizando-se tecnologia avançada capaz de rentabilizar e produzir em suficiência para as nossas necessidades.

Isto passa pelo criar de novas condições para o investimento, passa pelo surgimento de novos empresários de espírito aberto e com uma formação adequada às novas realidades, tendo como objectivo não o lucro imediato e fácil mas a contribuição para a resolução dos problemas do País.

Não interessa criar novos postos de trabalho em empresas inviáveis, nem interessa criar novas empresas inviáveis que pouco tempo depois entrem em falência. Não interessa aos investidores, não interessa aos trabalhadores, não interessa ao País.

Interessa criar novas empresas em sectores não tradicionais, viradas para a inovação, aproveitando as mais recentes tecnologias e permitindo a melhor rentabilidade das empresas. Mas a inovação tecnológica custa caro, pelo que uma das apostas deve ser precisamente neste domínio, investindo na investigação, na criatividade e na imaginação, investindo na formação profissional como forma de qualificar e integrar os trabalhadores na vida económica, respondendo às necessidades das empresas.

Criar novos empregos é um objectivo prioritário.

Mas defina-se em primeiro lugar quais os objectivos do desenvolvimento em Portugal. Saibamos enquadrar a criação de emprego que absorva os cerca de 120 000 jovens que na próxima década irão ser lançados anualmente para a vida activa, mas saibamos perspectivar a ocupação desses jovens com a realização de actividades enquadradas com o desenvolvimento do País.

Neste quadro o Estado deve assumir a resolução do problema do desemprego como objectivo prioritário. Isto exige algumas medidas imediatas: criação de novos postos de trabalho, em que seja dada prioridade à admissão de jovens; apoio à criação de cooperativas de jovens desempregados ou em busca do primeiro emprego, fácilitando-lhes formação específica e apoio financeiro e técnico; apoio à criação de novas empresas, através de crédito bonificado, de isenção de alguns impostos ou de esquemas facilitados para o seu paga-

mento; fomento da informação e orientação profissional, de molde a que cada um escolha a sua profissão em função da sua própria vocação; definição de uma política de formação profissional adequada às necessidades do País e enquadrada com as aspirações de cad£ região; revisão da legislação laboral, nomeadamente dos contratos a prazo, garantindo o direito ao trabalho dos já empregados e permitindo o acesso aos desempregados; reorganização da duração de trabalho, designadamente do horário semanal de trabalho, da antecipação da idade de reforma, da penalização do trabalho suplementar, tendo sempre em conta a produtividade e a viabilidade das empresas.

O desemprego, e especialmente o dos jovens, tem de ser encarado como um objectivo fundamental. É necessário dar resposta àqueles que buscam no emprego uma forma de realização pessoal e profissional, para além da independência económica e familiar. Neste sentido, e porque valoramos o indivíduo e a sua perfeita integração social na comunidade, é preciso criar as condições para que o acesso ao mercado de emprego seja o menos traumatizante possível e que garanta a cada um não a mera ocupação de um lugar mas sim a descoberta de uma forma de contribuir utilmente para a sociedade.

Permitam-me que aorescente ainda a esta comunicação algumas palavras acerca da problemática da formação profissional, que penso não ter «agarrado» devidamente neste texto.

Enfatizando também aquilo que a Sr.a Deputada Margarida Marques já referiu, gostaria de dizer que, ao apostarmos na formação profissional como uma das formas prioritárias de qualificar os jovens e os trabalhadores deste País, tivemos sempre a perspectiva de que é necessário dar seguimento àqueles que vamos formar, sob pena de começarmos a criar traumatismos e frustrações na juventude.

Se não tivermos definido ainda que tipos de empregos é que vamos ter não saberemos que tipo de formação profissional vamos necessitar. Só depois de definirmos todos esses aspectos é que poderemos ter a certeza de que estamos a trabalhar enquadradamente, no sentido de ligarmos estes três grandes vectores: formação profissional, emprego e economia.

Apenas mais um parênteses para dizer que o Governo tem preparado há cerca de um ano e alguns meses um decreto-lei sobre o regime jurídico de aprendizagem virado essencialmente para os jovens.

Foi-nos prometido que esse regime, que já devia ter sido implementado, pelo menos no ano lectivo cue está quase a terminar, será implementado no próximo ano lectivo. Creio que deveria ser uma exigência nossa e também dos deputados da Assembleia da República que se fizesse uma interpelação ao Sr. Ministro do Trabalho sobre a necessidade da entrada em vigor do regime de aprendizagem como forma de dar formação profissional aos jovens.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz, do Partido Socialista.

O Sr. Laranjeira Vaz (Comissão de Juventude da AR — PS): — Meus amigos, por vezes há vantagem em usar da palavra depois de se ter ouvido muitas coisas,

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mas outras vezes há desvantagens, pois há várias observações que gostaria de fazer, só que já não vêm no momento oportuno.

Creio, pois, que seria importante analisarem-se afirmações que aqui têm sido feitas, como é o caso de uma que ontem foi referida e em que se disse que depois de 1974 existiram dois anos de verdadeira e autêntica política de juventude, e, designadamente, penso que se deveria analisar o serviço cívico. Porém, julgo que neste momento também não será oportuno analisar-se — o que lamento — o empenhamento do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português ao insistir na lei de bases do sistema educativo, quando foi o MDP/ CDE que usou o direito regimental de agendar a sua discussão para Junho.

Também gostaria muito de falar —mas a verdade é que esta não é a altura adequada — sobre o flagelo social que são os salários em atraso. Embora este seja um problema que indirectamente está ligado aos jovens, penso que não é o problema fundamental destes. Se os jovens nem sequer têm emprego, como é que podem ter salários em atraso?

O meu contributo a esta Conferência será o de dar algumas pistas sobre o que creio que deverá ser a formação profissional, a informação e a orientação escolar e profissional. No entanto, não poderei dar algum contributo quanto a esta matéria sem correlacionar estes dois aspectos com um projecto de desenvolvimento global para o País e para cada uma das suas regiões.

Por outro lado, é preciso que se note que um projecto de desenvolvimento regional não pode ser consequente sem tomar em consideração factores educativos, de orientação e de formação, cuja fragilidade e inadequação, muitas das vezes, levam a causas de estagnação ou à deterioração económica.

Se tivermos presente os contingentes humanos que saem anualmente do sistema escolar sem uma formação profissional adequada e sem esperanças de emprego, se tivermos presente que acabou aquilo que foi um fenómeno da década de 60 — a emigração —, que pôde absorver o excedente de mão-de-obra, se tivermos presente a previsível não absorção da mão-de-obra excedentária pelos centros urbanos, se também tivermos presente as novas realidades tecnológicas, as consequentes mutações dos perfis profissionais e a nossa adesão à CEE, onde o problema do desemprego ainda não foi cabalmente resolvido e 40 % do total de desempregados são jovens, parece-me evidente a necessidade de se avançar para uma política de criação de empregos fundamentalmente a partir dos recursos naturais de cada região.

Em minha opinião, impõe-se uma política articulada e adaptada de formação, informação e orientação escolar e profissional dirigida para o desenvolvimento e não para o emprego. Isto é, creio que neste momento será errado estarmos a perspectivar uma política de formação e de orientação para os empregos que hoje existem e não para o desenvolvimento, ou seja, para os empregos que existirão daqui a cinco, seis ou sete anos. Daqui a seis ou dez anos a realidade do mercado de trabalho será completamente diferente. Hoje a questão, por exemplo, já não se colocará muito —e desculpem-me este estereótipo— em ensinar um dactilógrafo a escrever em AZERT ou no teclado nacional, mas sim a ensiná-lo a colocar na memória da máquina o texto que ele próprio irá dactilografar.

Aliás, foi nesse sentido que o Grupo Parlamentar do PS apresentou na Assembleia um projecto de lei que cria um fundo de apoio à introdução de novas tecnologias na educação, ou seja, nos estabelecimentos de ensino, nos centros de formação profissional e nos centros tecnológicos.

Ora, uma política de formação e de orientação nestes termos deverá ter também em atenção os recursos naturais de cada região e ser implementada de acordo com os objectivos de desenvolvimento regional. Assim, parece-me que a formação e orientação para o desenvolvimento é um instrumento privilegiado na estratégia do desenvolvimento regional, já que se trata —e volto a frisar este aspecto—, num quadro de inovação tecnológica, de ir mais longe do que formar empregos tradicionalmente existentes. Trata-se, pois, de uma formação para actividades novas e diversificadas, assumindo-se como um projecto destinado a formar criadores de actividades e empregos.

Nesta perspectiva, temos de fazer um levantamento prévio dos recursos naturais subaproveitados em cada região. Há, pois, que definir as condições necessárias para autonomizarmos os recursos humanos, isto é, as condições em que esses recursos poderão ser dotados de competência e conhecimento que lhes permitam assumir um papel nas inevitáveis transformações que há a fazer e que vão sendo feitas. Nesta perspectiva, a abordagem regional em matéria de planificação da educação, da orientação e da formação aparece como correcta, tanto no plano teórico como no prático, apresentando-se como a única forma de reduzir as assimetrias regionais e, ainda, como um meio de lutar contra a prática centralizadora do Estado.

Se até há algum tempo a esta parte as tendências no domínio da educação e da formação reflectiram os limites tradicionais das políticas sectoriais que representaram uma determinada época, hoje tudo isso está a ser posto em questão por uma nova política de formação, orientação e educação, que terá de ser uma política necessariamente integrada. E isto porque os rápidos e constantes progressos da ciência e da tecnologia e a evolução social e culturai assim o exigem.

A perspectiva integrada destas questões terá de ter em conta a abordagem regional dos problemas do desenvolvimento.

Ê, pois, neste contexto que me parece importante referir algumas perspectivas de acção que possam responder às exigências da sociedade portuguesa nesta matéria. Urge reformular os curricula escolares, tendo em vista uma preparação mais dirigida à entrada na vida activa, urge reformular os curricula de formação profissional, com vista a assegurar uma maior polivalência e uma melhor preparação para a formação contínua, além de permitir uma maior racionalização de meios. ê que não nos podemos dar ao luxo de ter um conjunto de centros de formação profissional no litoral que estão apetrechados para dar, por exemplo, cursos de electromecânica e serralharia e que recrutam, por exemplo, pessoas de Castelo Branco ou de Viseu para íhes dar esses cursos, mas que quando regressam o mercado de trabalho não existe para essas qualificações profissionais.

Por outro lado, devemos ter em atenção que tipo de formação se pretende dar. É necessário saber se a formação actual dos centros de formação profissional é a mais correcta, a mais rentável e a que corresponde

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melhor às necessidades do País ou se não se terá de avançar para uma formação profissional em termos modelares. Também há que tomar medidas especiais em benefício dos jovens deficientes, da integração dos nossos jovens emigrantes ou dos que habitam em regiões subdesenvolvidas ou independentes.

Poderemos interrogar-nos como é que vamos fazer tudo isto e onde é que estão os meios necessários para implementar tudo isto, na eventualidade de o acharmos correcto. Creio que aqui também não poderemos ignorar a razão de ser do Fundo Social Europeu, cujo fim genérico é a promoção de emprego na Comunidade e que através de participações financeiras pode intervir em certas empresas de carácter educativo e na implementação de projectos demonstrativos inovadores no campo da formação e orientação.

Nesta perspectiva, é importante chamar-se a atenção para a utilização coordenada e eficaz dos instrumentos da Comunidade, designadamente para os instrumentos financeiros, que, no contexto de uma política de desenvolvimento regional, poderão desempenhar um papel fundamental e até determinante, na medida em que esses mecanismos pressupõem uma adaptação das políticas sectoriais e uma estratégia mais integrada no Mundo e numa situação em que as respostas sectoriais já não são operacionais.

Nesta base, poderemos assegurar a consecução de objectivos que penso corresponderem às necessidades impostas pelo desenvolvimento deste País, ou seja, uma boa formação de base da população activa, uma qualificação profissional de base, uma qualificação de quadros técnicos e profissionais, uma acção intensiva sobre os criadores de emprego, o que implicará a concretização de um programa intensivo de educação de base de adultos, inicialmente através da 6.* classe e, posteriormente, até ao 9.° ano. £ que nenhuma modernização será possível na ausência de um esforço notável neste domínio, quer se trate de actividades do sector primário, secundário ou terciário.

De facto, sem este tipo de formação não será possível a adaptação criativa às novas técnicas de modernização; sem esta educação de base não haverá forçosamente adaptação a novas tarefas, a novos métodos de gestão e de trabalho.

Há que referir, uma vez mais, a necessidade imperiosa de, a curtíssimo prazo, se resolver o problema das saídas profissionais para os jovens que frequentam ou abandonam o sistema escolar a partir do 9.° e 11.° anos de escolaridade, complementando-se a sua formação técnico-prática através de curses de formação.

Também é necessário referir que aos cursos a instituir deverão ter acesso tanto os jovens saídos do sistema escolar como os que têm experiência sócio-pro-fissional ou com o primeiro nível de formação escolar. Há que referir, ainda, & necessidade de tudo isto ser acompanhado por um sistema integrado de informação e orientação escolar e profissional.

A finalizar, direi que iodo o esforço financeiro, institucional, pedagógico ou outro, a realizar na implantação de um sistema global integrado e regional de formação e orientação, só poderá ser viabilizado pela concretização de duas pré-condições, que, a meu ver, são determinantes: em primeiro lugar, uma acção intensiva sobre a formação de base da população activa de cada região; em segundo lugar, uma busca sistemática de sistemas coordenadores de formação e orien-

tação entre os diversos ministérios e serviços e, entre estes, as empresas e as autarquias, tanto ao nível central como, e sobretudo, a nível regional, em função dos próprios programas de desenvolvimento regional. Isto para que um dia não possamos vir a ser confrontados com o facto de o Ministério do Trabalho e Segurança Social criar um centro de formação para calçado em Faro, o Ministério da Educação um curso técnico--profissional para calçado em Viana do Castelo, o Ministério da Indústria e Energia um centro tecnológico para calçado em Portalegre, sendo o centro e o mercado de calçado em São João da Madeira.

Inventar, criar e recriar o desenvolvimento regional é um desafio que questiona todos os poderes públicos e agentes sociais e que será determinante na definição do nosso futuro.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista José Rocha, do Departamento de Juventude da UGT.

O Sr. José Rocha (Departamento de Juventude da UGT): — Meus senhores, não vou ler nenhum trabalho de casa, mas vou apenas ser o porta-voz das conclusões que saíram do Encontro Nacional da Juventude da UGT, realizado em Março último, relativo aos temas em discussão neste momento, ou seja, o emprego e a formação profissional.

A mutação tecnológica e a inovação constante têm vindo a pôr em causa os postos de trabalho tradicionais e as próprias características do emprego e das carreiras profissionais, forçando os trabalhadores a reconversões da sua actividade profissional cada vez mais velozes.

Os grandes projectos industriais tradicionais, geradores de enormes quantidades de postos de trabalho, tendem a desaparecer com a introdução de novas tecnologias. Entretanto, os novos postos de trabalho que surgirão a montante dos velhos e grandiosos empreendimentos industriais, assim como a jusante, com a generalização das novas actividades e necessidades económicas, dificilmente acompanharão a imediata perca de postos de trabalho.

Por outro lado, a adaptação de Portugal à estrutura económica europeia, forçando uma reconversão de parte significativa das unidades empresariais portuguesas e uma adaptação da agricultura aos níveis de produtividade e às necessidades e potencialidades da Europa exige do Estado e da sociedade em geral um profundo sentido da sua não marginalização.

Não pode a juventude continuar a representar cerca de metade do actual desemprego. Não pode e juventude continuar a ser a mão-de-obra preferencial para o emprego instável.

Se já no passado apostar no ensino e na formação profissional era apostar no futuro, hoje, mais do que nunca, esta necessidade assume o seu cabal significado, nesta sociedade em que cada vez mais é essencial a posse de informação e de conhecimento.

O regime anterior ao 25 de Abril nunca se preocupou seriamente com a importância vital do ensino e da formação profissional, e daí os 20 % de analfabetos e os 92 % de trabalhadores com escolaridade até à 6." classe, ou equivalente, que hoje temos.

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Só uma juventude detentora de uma formação escolar moderna, adaptada aos conhecimentos e tecnologias actuais, será capaz de se adaptar ao mutantismo do actual tecido económico. Também só com uma juventude com essas capacidades poderemos modernizar a economia e a sociedade à velocidade que de nós é exigida, se quisermos acompanhar o ritmo de evolução das sociedades mais avançadas.

Assim sendo, as medidas concretas que o Departamento de Juventude da UGT gostaria de deixar aqui presentes são as seguintes:

Desenvolvimento da rede escolar e sua integração no tecido produtivo português, na agricultura e nas pescas, nos serviços e na indústria; Dinamização do ensino técnico-profissional adaptado às inovações tecnológicas; Dinamização da recuperação das actividades produtivas tradicionais (artesanato), parte do património técnico-cultural português;

Desenvolvimento da rede de formação profissional, orientada numa perspectiva de desenvolvimento regional e tendo em conta as necessidades do mercado de emprego, a aptidão vocacional dos instruendos, e com o contributo dos parceiros sociais envolvidos;

Uma formação permanente, habilitando os trabalhadores ao cabal desempenho das suas funções, tendo em conta as constantes mutações e evolução tecnológica;

Implementação efectiva de um sistema de aprendizagem profissional, com o concurso dos parceiros sociais e do Estado;

Inclusão nos livros das disciplinas de Português e de Ciências Sociais de textos versando temas e história do movimento sindical;

Implementação de regulamentação que fixe uma percentagem máxima de emprego instável, atendendo à actividade económica, bem como a informação prévia ao Ministério do Trabalho dos contratos a prazo celebrados, exigindo-se uma efectiva fiscalização por parte da Inspecção--Geral do Trabalho;

Flexibilização da idade de reforma e a ocupação dos postos deixados vagos por jovens à procura do primeiro emprego;

Estabelecimento de condições favoráveis ao investimento, beneficiando, em especial, os programas geradores de emprego;

Incentivos fiscais às empresas que criem postos de primeiro emprego estáveis;

Redução do horário de trabalho para um máximo de 40 horas semanais e a possibilidade de reduções mais acentuadas através de acordos entre os parceiros sociais;

Criação de um grupo de trabalho tripartido que regulamente a passagem das carteiras profissionais;

Criação da lei quadro do pessoal da empresa que regulamente a forma de determinar o número de trabalhadores efectivos necessários a cada empresa para laborar em condições normais.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Carlos José, da Juventude Comunista Portuguesa.

O Sr. Carlos José (JCP):—Nos últimos anos tem sido comum falar da mutação tecnológica, das novas tecnologias e da necessária reestruturação da economia em orderc a que Portugal fique no caminho do futuro, tal como se costuma dizer.

É uma característica do capitalismo —e não é de hoje— o desenvolvimento diferenciado dos sectores económicos. Aquilo que hoje estamos a dizer não é qualitativamente diferente daquilo que já se viveu durante o século xx. Ora, o que se passa é que perante a necessidade de continuar a manter o nível do lucro há a necessidade de, por parte dos detentores dos meios de produção, dar o salto em termos de tecnologia e passar a outro nível.

Pensamos que as novas tecnologias são importantes, mas elas nunca podem pôr em causa o desenvolvimento dos interesses nacionais. O País não se pode submeter a meia dúzia de senhores empresários e, como se diz agora, de investidores que, sob a pena da mutação tecnológics, despeçam metade dos trabalhadores para continuarem a manter o nível de lucro. Ora, não aceitamos isso e somos contra esse facto.

As novas tecnologias são importantes, mas têm que estar integradas dentro de uma política económica geral de desenvolvimento dos nossos recursos e de independência nacional. Por exemplo, a Colômbia, que é um dos países menos desenvolvidos da América Latina, produz tecnologia de ponta e computadores. Só compreendemos o estado de desenvolvimento da Colômbia se fizermos entrar dentro deste modelo outros elementos, como seja o desenvolvimento dos centros à custa da dependência das periferias.

Já aqui foi referido — e com toda a razão — que uma política de emprego tem que estar intimamente ligada com a definição de um modelo económico. Porém, com o que não concordamos é que o modelo económico seja a recessão do mercado interno e o endividamento crescente do País em relação aos países estrangeiros e aos centros capitalistas.

Tendo em atenção as diversas formações económicas de Portugal, o modelo económico deve trabalhar para a sua complementarização, e não para a sua destruição e deve ter uma política económica assente no desenvolvimento dos recursos e das capacidades que o País lem.

Não se venha dizer que, por exemplo, não se desenvolvem os grandes projectos nacionais, como o Plano Siderúrgico Nacional e outros, porque são sectores de tecnologia de «segunda vaga», porque já estão ultrapassados e porque daqui a alguns anos vamos debater-nos com o mesmo problema. Ora, isso é falso porque não os desenvolvemos, mas os estrangeiros desenvolvem-nos estão presentes nesses projectos e estão a retirar deles cs recursos que necessitam nos centros de desenvolvimento em termos internacionais. £ bom que isto fique claro!

Quanto a nós, a política económica tem que ser de desenvolvimento dos recursos e das capacidades que Portugai tem. Há pouco insinuou-se aqui que Portugal era um país pobre. Portugal não é um país pobre: é um país que não é muito rico, mas que tem grandes potencialidades, potencialidades essas que, em consequência de uma política de recessão, não estão a ser convenientemente desenvolvidas.

Ora, um modelo económico de desenvolvimento tem que contar cem as potencialidades e com os contributos

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de todos os sectores e, particularmente, dos trabalhadores na produção e no desenvolvimento. Um modelo económico de desenvolvimento não faz sentido sem a participação dos trabalhadores na produção e sem os ouvir sobre as suas propostas.

Não queiramos ter a veleidade — como há pouco se referiu — de irmos ensinar a democracia aos outros, pois, se calhar, os que estão fora desta sala é que têm de ensinar a muitos dos que aqui se encontram o que é o desenvolvimento e a democracia.

Na situação económica portuguesa há um sector nuclear fundamental para desenvolver, que é a agricultura. Portugal, na situação em que se encontra e para conseguir dar o seu salto no desenvolvimento, tem que desenvolver a agricultura, e esta não se desenvolve com a política actual nem com o asfixiamento financeiro e económico das cooperativas e das UCP nem com a entrega de terras a pessoas que nunca as trabalharam nem com a incentivação do desemprego nas zonas rurais. O desenvolvimento da agricultura não se consegue sem uma política de apoio aos jovens agricultores incentivando a sua participação e a sua actividade na agricultura.

Ê de um modelo económico de desenvolvimento que Portugal precisa, e não de um modelo económico de recessão, que, em última análise, vai contribuir para aumentar a dependência e a situação de periferia em que Portugal se encontra em relação aos centros capitalistas. Ora, é contra isto que nos manifestamos, pois pensamos que o modelo económico para Portugal deve ser de desenvolvimento independente, assente nos recursos nacionais e na livre cooperação com todos os países do mundo.

Portugal não pode continuar a agravar a sua situação de dependência em relação aos Estados Unidos. Uma esmagadora maioria das relações económicas que Portugal tem são com os Estados Unidos, o que agrava e prejudica profundamente a independência económica nacional.

A política económica externa deve ser de cooperação com todos os países-, e não é a CEE que vai resolver o problema. Aliás, devo dizer que fiquei muito contente ao saber que não somos só nós a dizer que Portugal, com o problema do desemprego que tem, vai entrar para uma comunidade que é a comunidade do desemprego e aquela que desde há uma data de anos não consegue resolver os problemas de desemprego; antes pelo contrário, os agrava.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Fernando Pais Afonso, da Juventude Centrista.

O Sr. Fenitfiaidto Pais Afonso (JC): — Em primeiro lugar, creio que é importante desmistificar um pouco o sentido que às vezes é dado no tratamento do problema do trabalho e do emprego.

O problema do trabalho não pode ser abordado independentemente da situação em que o País se encontra e da abordagem e formulação de um projecto económico claro. Portanto, pensamos que, com alguma realidade, este problema tem que ser inserido no problema da economia. Não há resolução dos problemas do trabalho sem se resolverem os problemas da economia. Ora, para mim é significativa a forma como às vezes se pretendem resolver esses grandes problemas do emprego.

O desvairamento legislativo em que o País parece cair é, afinal, a forma mais fácil de evitar a resolução dos problemas, porque se cria uma comissão a nível governamental para resolver o problema X, depois um outro diploma que é perfeitamente inexequível em termos do Fundo de Desemprego, etc.

Ê por isso que o problema do trabalho radica no problema da economia portuguesa. Hoje a situação é fruto de medidas e de caminhos que se trilharam de há uns anos para cá. Isso é inegável.

Este fenómeno do desemprego juvenil tem também, de facto, uma incidência gravíssima na juventude, mas não é só um problema da juventude. Aliás, hoje não há problemas específicos da juventude, pois os problemas do País são todos problemas da juventude. Os problemas que hipotecam o nosso futuro, os problemas da economia nacional são problemas específicos da juventude. Por isso, às vezes, não gosto de falar em desemprego juvenil como um problema específico da juventude, é que isso era retirar à juventude, habilmente, a capacidade para discutir e para pôr em causa todos os problemas nacionais, para os querer formular e equacionar, para os poder trabalhar e resolver.

Hoje, os problemas do País são todos problemas da juventude; é o nosso futuro que está em causa. Este é um desses problemas e é, de facto, um dos mais graves.

No que diz respeito à legislação laboral, entendemos que este é um dos problemas mais sensíveis da actualidade. Por exemplo, quem é que se atreve a, frontalmente, tentar discutir a actual legislação laboral? É que ela criou dois tipos de situações que são gravíssimas e que têm uma grande incidência no desemprego juvenil.

Por um lado, a actual legislação desrespeitou regras elementares do funcionamento da economia e não há novos empregos nem há mais empregos se a economia não for uma economia saudável. Enganam-se aqueles, de entre nós, jovens, que pensam que se resolve o nosso problema do futuro só através da legislação laboral ou da manutenção da actual legislação laboral. Não se resolvem assim os problemas do desemprego juvenil, pois se não houver mais empresas não haverá, de certeza absoluta, mais postos de trabalho.

Essa foi a primeira situação gravíssima que se criou.

Por outro lado, algumas empresas apresentavam e ainda apresentam situações de baixíssima produtividade. Porquê? Em nosso entender, porque o sistema protege os que já lá estão e essa é uma discriminação de que, às vezes, a juventude não se apercebe. Essa é que é, em nosso entender, a verdadeira discriminação: é que hoje, os jovens, os que andam à procura do primeiro emprego, é que são afectados pela contratação a prazo, pelo facto de as empresas não estarem dispostas a contratarem mais pessoas —o que é manifestamente ilegal —, a não ser a prazo. E os que estão fora do sistema são os mais atingidos. Ê uma discriminação gravíssima, é uma discriminação que nós, jovens, não podemos admitir. E é também a constatação de que algum radicalismo revolucionário conduziu a uma situação em que nós somos, de facto, os principais prejudicados e em que temos o futuro hipotecado.

Numa outra nota, queria dizer que aceitamos a lógica ou o princípio do subsídio de desemprego.

Simplesmente, não aceitamos uma outra discriminação actual gravíssima: é que os jovens que andam à procura do primeiro emprego também são desempregados, também têm necessidades como os outros, tam-

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bém precisam de comer e de casa. E esses não têm direito a receber o subsídio de desemprego nem têm qualquer ajuda. Ora, isso é uma situação inaceitável. De forma que o reconhecimento do princípio do subsídio de desemprego e da intervenção do Estado neste aspecto é reconhecer que o Estado e a sociedade têm por obrigação, assegurar igualmente a todos os desempregados — e verdadeiramente a todos os desempregados— meios mínimos de sobrevivência e de vida digna.

No que diz respeito à formação profissional, quero dizer apenas, em jeito de nota, que é um aspecto de importância fundamental.

Simplesmente, é um problema que também radica e está muito ligado àquela outra área de que tratámos há bocado, isto é, tem muito a ver com a educação e com o sistema educativo, como é óbvio.

Penso também que, nesta matéria, é altura de se reconhecer que o sistema implementado depois do 25 de Abril não serve as necessidades do País nem serve as necessidades dos jovens. O sistema educativo não prepara os jovens para a sua inserção na vida activa.

Às vezes, é caso para perguntar e para se pretender saber se quer que o sistema educativo prepare os jovens para a inserção na vida activa!

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, o Sr. Conferencista António Eloy, representante dos Amigos da Terra.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Srs. Conferencistas, espero que estejam todos bem acordados porque tem havido aqui algumas maravilhosas sonecas.

Risos.

Para despertar os espíritos, gostava de dirigir a toda esta distinta assembleia e a alguns conferencistas em particular um aforismo oriental, que diz o seguinte: «Como a espada que corta mas que não se pode cortar e como o olho que olha e não se pode olhar.»

O aforismo é curioso, como podem reconhecer, e o sentido é um sentido com vários sentidos.

Risos.

E para que a boa disposição não se tome demasiado dispersiva, vou abordar três ou quatro pontos que aqui referi como sendo algumas das propostas dos ecologistas em relação ao problema do emprego, da gestão industrial e à forma de organização da nossa economia.

Chamo a atenção para o facto de termos apresentado alguns textos, mas não antes do dia 10. Por incúria, preguiça e outras coisas que nós prezamos igualmente, sobretudo no que toca ao trabalho...

Risos.

... só aqui fizemos chegar esses textos em data bastante posterior a essa. Lamentavelmente, esses textos não foram incluídos nas pastas que nos foram distribuídas, mas encontram-se ali fora, à entrada, empilhados sobre uma mesa onde há imensa documentação.

Não vou ler os textos, embora ache que isso tem evidentes vantagens: por um lado, pessoas com dificuldades auditivas podem assim acompanhar o texto e, por outro lado, pessoas com eventuais problemas de leitura podem ouvir.

Risos.

Ê evidente que essas vantagens são óbvias. Inclusivamente, em termos de gestão do tempo, são vantagens assinaláveis, porque assim, independentemente de querermos ou não tomar conhecimento dos textos, eles são-nos aqui ministrados.

Começo por referir o primeiro ponto que assinalei e que não é uma resposta mas é, pelo menos, unia tentativa de aproximação dos ecologistas a este problema.

Nós defendemos outro tipo de industrialização. Somos, radicalmente, contra um tipo de industrialização baseada em estruturas pesadas, como, por exemplo, as que se preconizam — no caso de se vir a desenvolver, mas que está cada vez mais reduzido— no Plano Siderúrgico Nacional. £ que só conduziriam ao agravar de crise, ao agravar de uma situação de dependência económica e, então sim, ao agravar da submissão do nosso país a empórios financeiros e a diferentes multinacionais.

£ evidente que o Plano Siderúrgico Nacional tem vindo a ser ultrapassado, é reduzido de ano para ano. E é reduzido por razões muito óbvias: o PSN, tal como outros grandes empreendimentos industriais portugueses, data do último Plano de Fomento. £ curioso que um partido que, aparentemente, se opõe tanto a determinada política, seja exactamente o partido que, em Portugal, mais exímio é em defender os projectes do último Plano de Fomento, seja o PSN, seja a barragem do Alqueva, seja a implementação da energia nucíear no nosso pafs. Enfim, é uma conclusão fdvez demasiado forte, mas que nem por ser demasiado forte deixe de ser verdadeira.

Como eu dizia, os ecologistas defendes cuíro tipo de industrialização. Defendem um tipo de industrialização baseada noutro tipo de indústrias, de industries que estejam à dimensão do homem, onde o iraMhc se possa auto-organizar.

Defendemos, concretamente, o «produza você mesmo», que é uma ligação diferente da aclivtdsde agrícola à actividade industrial. Para isso, achamos fundamental a redimensionação das unidades agrícolas, achamos de todo improdutivas as actuais estruturas agrícolas, seja as que continuam a existir no Norte do nosso pafs seja as existentes no Sul. Nos dois casos existem constrangimentos enormes a uma adequação dos produios agrícolas ao mercado e existem constrangimentos enormes a uma industrialização apropriada.

Achastes que é necessário acabar com o proteccionismo do Esíedo, ou seja, acabar com o Estado social. Defendemos e achamos que, aqui m lado, a Assembleia devia legislar concretamente -este caso, com vista a permitir que os trabalhadores possam prescindir de parte do seu horário de trabalho quando quiserem e que possam prescindir dessa parte do horário de trabalho no sentido de se poderem dedicar a actividades não compatibilizáveis financeiramer.ee.

Parece-nos que isso seria um dos métodos adequados para se diminuir o desemprego, inclusivamente para se diminuir o flagelo dos salários em atraso.

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Parece-nos que os contratos de tempo parcial, adequados à vontade dos trabalhadores que assim o quisessem, seriam um método eficaz e adequado para outro tipo de economia, outro tipo de aproximação ao desenvolvimento.

Pensamos, igualmente —e como associação ecologista não poderíamos deixar de trazer aqui uma questão —, que no nosso país há uma área com uma rentabilização que talvez não seja còmpatibilizável em termos do Orçamento do Estado, mas que é uma área extremamente importante: é a área da conservação, como é o caso da conservação a nível industrial. Aqui, friso o aspecto da energia, pois é necessário implementar sistemas de co-geração com vista ao aproveitamento mais adequado da energia industrial.

Ê necessário criar emprego na área da conservação, nomeadamente no que se refere à conservação do nosso património.

Achamos que é uma área totalmente por explorar, que é uma área onde há hipóteses de rentabilização adequada. Volto a frisar que, para nós, a rentabilização não é còmpatibilizável unicamente em termos de numerário.

Foram três reflexões que vos queria trazer aqui. Parece-nos que não se trata de divagações nem resultam de nenhum programa elaborado, seja em que sede central for. São reflexões que temos vindo a desenvolver, são um pouco ideias que nos parecem adequadas a um mais eficaz desenvolvimento e uma maior adequação da nossa economia à nossa sociedade.

Pausa.

Ainda tinha outras questões para levantar aqui, mas os gatafunhos que tenho aqui não me permitem uma leitura adequada.

Não queria deixar de ... não dizer mais nada ...

Risos.

... mas não tenho muitas mais ideias.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, informo--vcs de que, tendo em conta o número de inscrições e as limitações de tempo, a mesa não poderá aceitar novas inscrições sobre o tema que estamos a debater neste

aucmento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Miguel Coelho.

O Sr. Carlos Miguel Coelho [Comissão de Juventude da AR (PSD)]: — Em princípio, não tinha pensado intervir neste debate. Só o faço, já nesta 2.* fase do debate, mais viva, uma vez que julgo merecerem

comeritérics algumas das questões aqui referidas.

GosSerie de me deter sobretudo nas intervenções do Carlos José Almeida, da fCP, e tío Fernando Pais Afonso, da rC, por razões diferentes, bem entendido.

Risos.

Em relação a esta segunda intervenção, o Fernando Pais Afonso disse, a propósito do desemprego, que não poderíamos desligá-lo da questão da vitalidade do sistema económico, no sentido de dizer que o problema

do desemprego só se resolve com mais empregos, com mais postos de trabalho, que só são criados se houver investimento.

Portanto, isso depende do facto de o sistema económico ser ou não um sistema saudável.

Gostaria de sublinhar isto, embora com uma reticência. E gostaria de sublinhar porque, efectivamente, é assim. Isto é, não pode haver empregos para jovens eternamente pagos pelo Estado, sob pena de cairmos numa lógica de funcionamento das instituições e da sociedade que não é a nossa, sendo duvidoso se o Estado Português, parco de recursos económicos como é, seria capaz de resolver os problemas, sustentando, por via de subsídios directos, o emprego dos jovens.

Mas não podemos cair numa lógica liberalizante, porque o problema do desemprego juvenil —como, aliás, o Fernando Pais Afonso referiu—, é um problema social, aliás como todos os problemas dos jovens, na sua generalidade. E, como problema social grave que é, o Estado não se deve demitir de intervir, seja com atitudes de fomento, seja com outro tipo de acções, como, por exemplo, alterando o quadro jurídico que norteia e enquadra o funcionamento dos agentes económicos.

Este era talvez o único sublinhado que pretendia fazer. Presumo que talvez tenha sido deficiência minha, mas julgo que isto não ficou bem expresso. Se era intenção do Fernando Pais Afonso dizê-lo, então estamos de acordo em relação a essa função social do Estado Português, que, aliás, creio ser uma visão muito social-democrata.

Risos.

Em relação à intervenção do Carlos José Almeida, da JCP, que disse que a lógica do capitalismo aponta para um desenvolvimento diferenciado dos sectores económicos (sic) e que, mais à frente, referiu que até na Colômbia se fazem computadores.

Gostaria de dizer duas coisas em relação a estas duas afirmações.

Primeiro: repito que, vivendo numa sociedade com parcos recursos e num Estado com recursos parcos, «não podemos ir a todas», se me permite a expressão.

E, como não podemos ir a todas, temos de definir prioridades. Julgo que o grande problema de quem tem que decidir é, precisamente, definir as prioridades. Sem dúvida, seria bonito dizer: «Vamos fazer um desenvolvimento igual para todos os sectores económicos.» Mas a minha pergunta é se essa é a opção mais saudável para o desenvolvimento do País ou se isso não acaba por nos arrastar para o imobilismo, a que desde há algum tempo parece estarmos condenados.

Em relação às novas tecnologias e aos computadores, etc., gostaria de recordar ao Carlos José que não são só computadores. Tenho visto muitos países subdesenvolvidos, ou países com dificuldades de desenvolvimento, a fabricarem tecnologia avançada. E também não é só na siderurgia que os estrangeiros vêm investir em Portugal. Também vêm investir, por exemplo, na celulose e noutras áreas.

O Carlos José referiu que estamos a dizer que são os gigantes brancos da «segunda vaga» que a siderurgia não é produtiva, mas que os estrangeiros vêm investir cá. Mas não é só na siderurgia, também na celulose e noutras coisas.

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Talvez o Carlos José não tenha pensado nas razões pelas quais eles vêm investir cá e não investem lá. Não é, com certeza, por filantropia; é porque lá essas indústrias já não são rentáveis, já não têm qualquer capacidade de sustentação económica ou financeira. E se a têm cá, é, porventura, por algumas circunstâncias, como o atraso no desenvolvimento, a mão-de-obra mais barata ou a energia mais barata.

Mas não vamos é dizer: se eles vêm cá investir, é porque a coisa é boa. Não, se eles vêm cá investir, a primeira suspeita que devemos ter é a de que a coisa é capaz de não ser tão boa, porque, se eles deixaram de o fazer lá e vêm só fazê-lo cá, é porque, se calhar, até não é tão bom quanto isso. E é uma hipoteca a prazo, se é que a hipoteca não foi já cumprida.

Ainda em relação à questão dos computadores e da Colômbia, gostaria de dizer que é muito fácil cairmos em raciocínios fáceis e dizer que há países menos desenvolvidos do que nós a produzirem tecnologia mais avançada do que aquela que nós produzimos.

Mas a questão não se põe na produção. A questão põe-se em quem lidera o quê. É que nós sabemos que no mercado internacional — porque estarmos na nossa quintinha é uma coisa muito fácil, mas num mundo em que cada vez mais as trocas comerciais e culturais se acentuam não podemos pensar que Portugal é uma ilha— até não é assim, em todos os sentidos, seja o geofísico, seja o cultural ou o económico. Estamos é talvez excessivamente dependentes de muitas coisas, mas não podemos é pensar que vamos viver isolados neste cantinho.

Portanto, vamos ter que aceitar que há uma lógica nova neste mundo, que é uma lógica de grandes interacções. E sabemos que nesses países menos desenvolvidos, onde é produzida a tecnologia de ponta, ela é produzida com know-how estrangeiro, com massa financeira estrangeira e, às vezes, com matéria-prima e com mão-de-obra especializada estrangeira. Ê que o investidor internacional vai buscar ao mercado internacional financeiro mais barato a matéria financeira de que precisa, vai buscar à universidade onde está a matéria humana mais barata os quadros recém-licenciados e vai trabalhar no palco onde os custos de estrutura são mais baratos. Vemos isso em muitos países subdesenvolvidos, ou seja, aquilo que, ao fim e ao cabo, podemos chamar um trabalho de grande cooperação internacional.

A questão é saber quem lidera quem, de quem é a propriedade, onde é que o know-how é desenvolvido e, em última instância, quem é que fica com o valor acrescido da massa financeira investida. E aquilo que dizíamos há pouco em relação à educação é válido aqui: Portugal tem de investir na investigação científica estratégia, de forma que, pelo menos em matérias restritas do conhecimento, possa liderar o know-how, para não estarmos a ver nas celuloses, nas siderurgias ou noutras indústrias quaisquer os estrangeiros virem cá apenas meter, conjunturalmente, algum dinheiro para retirarem muito mais.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o António Filipe, da JCP.

O Sr. António Filipe (JCP): — Queria íecer umas pequenas considerações, geralmente motivadas por intervenções anteriores.

Em relação ao António Eloy, penso que ficou provado, como diria uma pessoa muito conhecida em Portugal, que o verdadeiro ecologista é aquele que se esforça, provavelmente, por ser engraçadinho!

Referiu o António Eloy a improdutividade das nossas estruturas agrícolas, e é um facto que, actualmente, elas se encontram numa situação de subprodu-tividade, havendo hoje em dia muito mais terras desocupados do que há uns anos atrás. Não será alheia a este facto a situação de 50 000 desempregados que nos últimos anos se criaram na Zona de Intervenção da Reforma Agrária.

É curioso também que, das várias ideias que o António Eloy aqui refere e de que se vai lembrando de vez em quando, encontramos muitas coisas, mas não quaisquer projectos que se possam considerar produtivos e que possam dar algum contributo para melhorar a situação de emprego dos jovens portugueses.

Relativamente à intervenção do Carlos Coelho, congratulo-me com o facto de ele ter pintado um quadro relativamente correcto sobre a situação da dependência externa em que se encontram os países subdesenvolvidos face aos países capitalistas mais desenvolvidos.

O último comentário refere-se à situação laboral que se vive neste momento e que já foi aqui referida. Penso que é claro para toda a gente que a actual situação laboral não é isolada da situação de desemprego que se vive e da situação de recessão económica.

A legislação laboral, concretamente a que diz respeito aos contratos a prazo, tem aspectos que abrem o caminho a um grande conjunto de arbitrariedades a que hoje assistimos, mas o que podemos dizer neste momento é que a situação laboral que vivemos tem aspectos muito mais negativos do que a própria üegis-lação.

A situação laboral a que assistimos hoje em dia difere muito da que está consagrada na lei. Isto porque não há qualquer lei que justifique que ss encontrem trabalhadores a trabalhar sem receberem salário e que justifique o facto de muitos jovens trabalhadores trabalharem muito mais horas do que as fixadas pela legislação em vigor. Igualmente não há Lei que justifique a subexploração a que se assiste hoje em dia — e cada vez mais— do trabalho infantil, ben como de situações salariais extremamente baixas. Esta situação é um reflexo do momento de recessão económca que ss vive e da baixa oferta de emprego que existe ítoje esn dia na sociedade portuguesa.

Pensamos que esta situação se resolve, no plano imediato, pela tal vaga de legislação que já aqui alguém citou. Não se resolve certamente por aquela legislação que o Governo tem na mão, que tem sido chamada de pacote laboral, que, pelos vistos, consegue colocar toda a gente contra si, à excepção dos membros do Governo, e que mais não vem fazer do que ajudar a consagrar por via legislativa o que é, infelizmente, urna realidade em muitas empresas e sectores e que afecta grande parte da juventude.

Antes de terminar, gostaria ainda de dizer qus o melhoramento das condições de emprego dcs jovens é condicionado e também condicionante da opção peia tal política de desenvolvimento, que já muita gente hoje aqui referiu e que é necessária e urgente.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Jorge Ferreira, da JC.

O Sr. Jorge Ferreira (JC): — Vou apenas produzir dois breves comentários, um mais geral e outro suscitado pela última reticência levantada pelo Carlos Coelho à intervenção anterior do meu colega Fernando Pais Afonso.

A nota geral que gostaria de deixar aqui ficar é que acho extremamente interessante saber como é que as pessoas que afirmam aqui, neste debate, que o homem que temos hoje é apenas um resultado do processo histórico que o antecedeu conseguem engavetar, não sei bem onde, aqueles momentos em que foram os principais agentes do tal processo histórico. Ouvi há pouco aqui um enunciado dos governos que Portugal tinha tido depois do 25 de Abril e as combinações que surgiram: PS sozinho, PS acompanhado com o CDS, PS com o PSD e PSD com o CDS. O que eu gostava de saber é se as pessoas se esqueceram de 2 anos desse tal proceso histórico. Parece que há qualquer coisa psicológica que tende a fazer com que as pessoas que invocam sistematicamente a história se esqueçam, como por artes mágicas, de certos tempos em que também elas foram governo, e não tão pouco como isso. É, aliás, curioso ver como as mesmas pessoas que foram governo nessa altura —e estou-me a referir ao período entre 1974 e 1976— vêm agora criticar um modelo de desenvolvimento, ou de pseudo-desen volvi mento, ou de subdesenvolvimento, que tem, precisamente, origem em acções praticadas pelos governos onde o PCP esteve muito bem representado.

O comentário mais específico que eu queria fazer à intervenção do Carlos Coelho era no sentido de dizer que prescrevemos, evidentemente, uma função social da economia.

Entendemos que o lucro tem também de revestir uma certa função social e não abdicamos de entender que deve estar reservado ao Estado algum papel interventor na economia. Isto não quer dizer que, em nome dessa ressalva, que se deve fazer ao livre curso das leis de funcionamento da economia, ao abrigo dessa reticência, se continuem a criar serviços públicos para tudo e para nada e a imaginar secretariados de orientação para criar empregos como constava de um projecto apresentado recentemente na Assembleia da República, de acordo com o que ouvimos há pouco dizer à nossa amiga Margarida Marques. Não percebemos como é que se pode querer continuar a criar secretariados para criar empregos. Isto é a inversão total da ordem das coisas! Só é possível criar mais empregos, e, naturalmente, para jovens, se se deixar que a economia funcione, se se criarem condições para o investimento e se se fornecerem condições de confiança aos agentes económicos. Por muitos secretariados que haja, por muitos mais serviços públicos que a social-democracia que temos tido em Portugal crie, estamos convencidos de que essa reticência social, que se deve impor ao livre funcionamento da economia, conduzirá, necessariamente, em maior ou menor grau, à situação de asfixia com que nós, em termos de mercado de trabalho e de perspectivas de emprego para cs jovens e para cs Portugueses, em geral, continuamos a estar confrontados em Portugal.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Calado Lopes, do Corpo Nacional de Escutas.

O Sr. Calado Lopes (Corpo Nacional de Escutas): — Não sei se pela solenidade da sala, se por uma certa profundidade de várias intervenções que já foram aqui produzidas, confesso que hesitei em pedir a palavra, até porque a matéria do emprego não é fácil, podendo ser analisada de muitos ângulos. É, por isso, difícil situarmo-nos nesses ângulos e podermos dar algum contributo útil nesta matéria.

Ainda assim, resolvi a minha hesitação em intervir quando ouvi há pouco alguém dizer que os problemas do emprego não podem deixar de ter em consideração os problemas da economia do País e, se esta está em orise, é difícil resolvermos os problemas do emprego.

Creio que —e era um pouco este o sentido desta minha intervenção, que não é mais do que uma pequena partilha convosco, que espero seja feita com espírito jovem e em mangas de camisa — o problema do emprego não pode ser encarado de uma forma abstracta.

Penso que não podemos também perfilhar a ideia de que cabe ao Estado resolver os problemas de emprego em Portugal. Creio que é preciso alterar um pouco esta mentalidade e que a nova mentalidade face ao problema do trabalho deve estar um pouco mais para além da simples questão ds quem oferece empregos e onde é que se arranja emprego. Eu diria que uma nova mentalidade talvez possa passar por se olhar a questão do trabalho, não tanto nesta óptica de emprego, no sentido de saber quem dá e quem procura, mas sobretudo numa outra perspectiva que consistiria em criar iniciativas. Sinto que os jovens têm que se posicionar quanto a este problema do primeiro emprego, não tanto em saber onde é que o vão encontrar, mas antes numa perspectiva de irem eles próprios promovê-lo. Vamos criar iniciativas que permitam arranjar os empregos que não se encontram ou que, pelo menos, temos dificuldades em encontrar. Como é que isto pode ser feito? Naturalmente que terá de o ser aproveitando os recursos financeiros e humanos de que dispomos e que no nosso país não são muitos.

É preciso articular recursos financeiros do Estado com recurso financeiros a nível das autarquias, dos particulares e, portanto, a nível local. Ê preciso associar os gestores já experimentados com os jovens licenciados. Ê preciso, portanto, aproveitar e pôr em comum todos estes recursos financeiros e humanos, com vista a promover iniciativas, naturalmente pequenas ou médias empresas, que, porventura disper-sando-se pelo País, poderiam evitar uma certa concentração urbanística e promover um certo desenvolvimento regional. O que sinto é que o problema do emprego não pode ser encarado nesta óptica de quem dá e onde é que se arranjam postos de trabalho. Talvez precisemos de encontrar uma outra lógica mais própria daquilo que hoje se chama uma «3.° vaga» ou uma «nova vaga». E creio que para os jovens e para aqueles que procuram emprego o problema poderá estar, muito mais do que procurar emprego, em arranjar emprego, no sentido de promoverem iniciativas regionais. O Estado deverá contribuir para a promoção dessas iniciativas, quer seja a nível do aparelho público central, quer a nível das organizações locais, mas sinto sobretudo que não vamos encontrar solução

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dentro dos quadros convencionais da abordagem do emprego. Qual é a solução? Esse é que é o desafio e a interrogação que coloco a todos aqueles que têm a responsabilidade de assumir uma boa parte dos destines do nosso país.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o António José Seguro, da JS.

O Sr. António José Seguro (JS): — Era apenas para abordar duas ou três leves questões, porque penso que nenhum de nós velo para aqui preparado para trazer soluções milagrosas para os problemas do desemprego, nomeadamente os do desemprego juvenil, que assola o nosso país.

De qualquer maneira, não me vou referir a números, porque o fiz ontem, e queria simplesmente referir: um estudo que foi feito recentemente por uma das comissões coordenadoras, precisamente a da Região Norte, que aponta para que em cada 100 activos empregues actualmente existem 44 jovens, nos 10 próximos anos, que atingirão a idade do emprego. Se apenas 75 % tiverem ou demonstrarem vontade para pertencerem a essa população activa — quero dizer-vos que a tendência se cifra, actualmente, nos 85 % —, será necessário criar 121 000 novos postos de trabalho por ano. Atendendo ou fazendo uma simples estimativa de que atingirão a idade de reforma 49 500 habitantes portugueses por ano, significa isto que será necessário criar durante os próximos 10 anos, em cada um deles, 71,5 milhares de postos de trabalho.

Ê claro que, a somar a tudo isto, temos agora o emprego das novas tecnologias, e falo nelas, e não na «3.Q vaga», que até ao momento ainda não é geradora de emprego. Pelo contrário, leva a que as novas tecnologias venham a superar um pouco a geração do emprego, pelo menos no imediato, e que sejam substituídos alguns postos de trabalho, que têm sido desenvolvidos por humanos, por essas novas tecnologias. A isto também poderemos somar o retorno dos emigrantes. São apenas duas breves questões, e não as quero desenvolver.

Por outro lado, todos sabemos que o investimento em Portugal tem sido mal aplicado, que não temos uma mentalidade empresarial no nosso país, tal como não a tínhamos antes do 25 de Abril, quando os governos protegiam exageradamente as pessoas a que chamavam empresários, que não passavam de simples patrões. O que se passa hoje, depois do 25 de Abril, é que continua a não existir essa mentalidade empresarial: há patrões, o que não há é empresários!

Há pouco a minha camarada Margarida Marques frisou —e bem—, em relação às leis laborais, que os empresários estrangeiros que vêm a Portugal dizem que não necessitam nem da alteração nem da revogação das leis laborais para, se quiserem, poderem fazer despedimentos. Isto é que é a verdade. Portanto, por que ê que os empresários ou pseudoempresários portugueses vêm reclamar a revogação das leis laborais, invocando a necessidade de um maior desenvolvimento das próprias empresas?

Referi ontem que a JS tinha uma proposta concreta, não para eliminar completamente o desemprego, mas para poder minimizá-lo, sobretudo na sua componente juvenil. Não é ideia totalmente nova.

mas sim talvez um pouco o modelar de uma ideia que veio de alguns países, tendo sido, nomeadamente, implantada em França, e que são os travails d'utilité colective. Isto é, nós mostrámos que com apenas 332 C00 contos é possível criar durante 6 meses 5 000 postos de trabalho para jovens, e quero-vos dizer que estes 332 000 contos são menos de metade da verba que foi empregue durante os anos em que foi feito o programa de ocupação de tempos livres. Esse programa é simples e destina-se, simplesmente e tão-somente, acs jovens que procuram o primeiro emprego. Seriam trabalhos somente de utilidade social e colectiva, em que um jovem era «recrutado» para poder trabalhar junto a uma autarquia ou até mesmo junto a uma empresa, mas desde que visasse a utilidade social. Esse jovem permanecia nessa empresa por um período de 6 meses, em que teria uma remuneração, que apontávamos para 10 000$, podendo ser superior, tendo direito a subsídio de refeição. Durante esse tempo o jovem trabalhava e no final a entidade empregadora passava uma carta de referência ao jovem que procura o primeiro emprego. Este ponto é muito importante, porque muitos dos jovens que procuram o primeiro emprego têm muita dificuldade, precisamente, em obter referências para as novas entidades empregadoras. Trata-se de uma proposta concreta que a JS aqui quer deixar hoje nesta Conferência Nacional, que deixou ainda anteontem na Secretaria de Estado do Emprego e que é, simultaneamente, uma proposta em alternativa concreta a duas questões importantes: em primeiro lugar, a administração do Fundo Social Europeu; em segundo lugar, uma alternativa concreta a um programa execrável que a Secretaria de Estado do Emprego virá muito futuramente propor. Não vou dizer qual é esse programa, pois com certeza que o Sr. Secretário de Estado o fará e em sede própria. Só quero dizer que é execrável.

Em relação a uma questão que foi aqui falada sobre as iniciativas locais de emprego, penso que neste painel de desenvolvimento se poderia ter fixado mais tempo para falarmos em desenvolvimento regional, descentralização e regionalização. Será também uma das temáticas irreversíveis deste país, mas estou convencido de que outras alturas haverá para o fazer. Só que, como apaixonado desta temática, não poderia abandonar algumas reflexões que aqui necessariamente terei que fazer.

Das iniciativas locais de emprego, o exemplo mais acabado e único neste momento em Portugal está em Castanheira de Pêra, que é o símbolo e o exemplo de várias ccisss que aqui têm sido ditas.

A primeira é a de que não é necessário estar à especa dos eparelhos centrais para se poder fazer e desenvolver actividades, nomeadamente combater o emprego.

A segunda é a de que empresários, jovens, autarquias, codes cs organismos e pessoas que estão interessados enm desenvolver pela positiva qualquer programa útil para a sociedade portuguesa, podem congregar esforços, unindo-se naquilo em que se podem unir, afastando aquilo que os divide e fazendo qualquer coisa de útil a Portugal.

Penso que seria importante que também, em jeito de conclusão, a Comissão Parlamentar de Juventude da Ássercbleia da República pudesse organizar muito brevemente uma excursão a Castanheira de Pêra em que todos pudéssemos participar: associações -de esta-

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dantes, jovens autarcas e outras mais pessoas. Podíamos contribuir para isso, para que nessa excursão víssemos realmente como se pode combater, sem estar à espera do Estado central, o flagelo do desemprego em Portugal.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.a Deputada Margarida Marques.

A Sr." Margarida Marques (Comissão de Juventude da Assembleia da Republica — PS): — Como já estamos no período previamente fixado para o intervalo, queria apenas sugerir ao Jorge Ferreira —que penso que não ouviu bem o que eu disse— que leia os projectos de lei n.03 508/III, 509/III, 510/111 e 511/ III, que estão ali em distribuição, porque nenhum deles fala em secretariados para a criação de empregos.

Penso que o Jorge Ferreira confundiu aquilo que eu disse com um outro projecto que fala na criação de um secretariado, mas que não tem nada a ver com a criação de empregos. Não tem a ver com um novo instituto, com reforçar o aparelho burocrático do Estado, mas, antes pelo contrário, com a nossa preocupação em impedir que a burocratização do aparelho do Estado impeça que em Portugal se faça informação e orientação profissional e escolar.

O que acontece neste momento é que existem duas estruturas nacionais —uma no Ministério da Educação, outra no Ministério do Trabalho, dependentes destes dois Ministérios — que, em vez de fazerem o trabalho de orientação profissional, são estruturas concorrentes e muitas vezes o trabalho de uma anula o trabalho de outra.

A nossa perspectiva ao apresentarmos este projecto é de coordenação para que se faça um trabalho de orientação e informação escolar e profissional.

Relativamente a uma questão que também aqui foi levantada, segundo a qual o desemprego não é um problema específico dos jovens, queria dizer que é evidente que o desemprego não é um problema específico dos jovens, mes não podemos esquecer a realidade de que dois terços dos desempregados sBo jovens e uma íarga percentagem são jovens que procuram o primeiro emprego.

De qualquer forma, é natural que nesta Conferência seja fundamentalmente abordado o problema do desemprego juvenil, porque esta é uma Conferência organizada pela Comissão Parlamentar de Juventude da Assembleia, que tem esses problemas como preocupação dominante.

Aproveitava ainda para referir que, por exemplo, um dos projectos que apresentámos acerca das iniciativas locais de emprego não se restringe ses jovens, mas é um projecto — como disse o António José Seguro e como eu própria tinha referido ma minha primeira intervenção — que tem também como preocupação dominante o desenvolvimento regional e que procura criar empregos para todos e não apenas para os jovens.

O Sr. IPresítaJe: — Não havendo mais inscrições, iríamos suspender os nossos trabalhos até às 18 horas e 15 minutos para a partir daí até às 19 horas e 45

minutos encetarmos a abordagem do terceiro tema, que tem a ver com a temática do ambiente. Está suspensa a reunião.

Eram 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, está reaberta a reunião.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: — Vamos reiniciar os nossos trabalhos com o tema do ambiente, de forma a esgotarmos o painel sobre o desenvolvimento. Apelava desce já a todos os participantes que se quisessem inscrever sobre este tema a que o fizessem. Enquanto tomávamos nota das inscrições aproveitava para dar algumas informações, quer aos participantes quer às entidades convidadas.

Em primeiro lugar, hoje à noite, depois do fecho destes trabalhos às 19 horas e 45 minutos, haverá um jantar oferecido pela Assembleia da Republica, para o qual estão convidados não só os participantes nesta Conferência, como igualmente todas as entidades convidadas, nomeadamente os representantes das associações de estudantes que têm vindo a estar presentes ao longo destes trabalhos. Haverá no exterior da Assembleia 2 autocarros para assegurar o transporte de todas as pessoas.

Por outro lado —e esta era uma informação qu@ fornecia igualmente às entidades convidadas—, foi decidido reconhecer a essas entidades o mesmo estatuto dos participantes em termos de subsídios de deslocação e estadas.

Depois destas explicações, enquanto aguardamos novas inscrições, vou dar de imediato a palavra ao primeiro orador inscrito sobre este tema, para que os nossos trabalhos, que já estão algo atrasados, alo fiquem ainda mais prejudicados.

Tem a palavra o António Eloy, dos Amigos de Terra.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): —Como nota prévia embora efes não estejam cá, gostava de dizer que antes ecologista e divertido —o que aliás é, de certo modo, uma adjectivação pleonástica porque ser ecologista quer dizer pelo menos ser divertido, porque ser divertido é viver também ao ritmo da vida e das contradições que na vida todos os dias vamos atravessando— do que comunista e aborrecido.

Risos.

E como agora o tema do ambiente é de certo meão não só o tema em foco das actividades da nossa Associação, mas também o tema sobre o qual temos reaíszaác alguns trabalhos em concreto, talvez com o risco de vos aborrecer um pouco seja mais longo do «*ue das outras vezes.

Vou procurar apresentar aqui algumas árees em relação às quais a Associação Portuguesa de Ecologistas — Amigos da Terra tem realizado trabalhos, que vão desde a inventariação de problemas até à tentativa de problematização da sua resolução e igualmente algumas campanhas que temos procurado ievat a cabe.

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A Associação esteve activa a diversos níveis, levantando questões junto dos órgãos do Poder, e através da sua participação no grupo consultivo e de apoio ao já referido Plano Energético Nacional. Aí tivemos a ocasião não só de discutir os documentos que, depois de burilados e adequadamente trabalhados, vieram a constituir aquilo que é hoje o Plano Energético Nacional, do qual, segundo informações, foi dado sumiço depois de o Sr. Ministro Veiga Simão por diversas vezes ter, em Conselho de Ministros, tentado aprovar grandes opções que contradiziam as resoluções aprovadas que tinham passado pelo grupo consultivo e de apoio ao Plano Energético Nacional.

E sobre a nossa participação no Plano Energético Nacional queria tocar em diferentes níveis de aborda-dagem.

Por um lado, como sabemos, a constituição do grupo de trabalho sobre o Plano Energético Nacional deve-se a uma' coisa que é óbvia: no nosso pafs não há política energética, como aliás em muitos outros sectores.

E o sector energético é passível de uma forte capitalização financeira, existindo projectos que merecem a maior atenção por parte de algumas «eminências». São os projectos da instalação da indústria de produção energética a partir do nuclear, que estiveram na base daquilo que foi o primeiro lançamento do Plano Energético Nacional, ainda durante um governo da AD, e que na altura já provocou alguma controvérsia, nomeadamente as oposições antagónicas que o então Ministro da Qualidade de Vida, Ribeiro Teles, assumiu em relação a este documento.

Esse Plano revelou-se surpreendentemente inadequado e com projecções fantasiosas de consumo de energia assim que foi tornado público, o que é curioso e de certo modo sintomático da forma como no nosso país se tentam instalar determinadas unidades industriais e económicas.

De facto, as projecções de consumo energético que eram feitas nesse documento, que era da responsabilidade do então Ministro Baião Horta, revelaram-se logo inadequadas e fantasiosas

Nesse documento previa-se a construção de 15 centrais nucleares até ao fim deste século. Não podia haver maior disparate e hoje, a título de exemplo e só para fazer uma comparação entre esse Plano e o que nesíe momento está aprovado peio grupo consultivo, este grupo não prevê nenhuma instalação nuclear até ao ano 2010 e não prevê que seja tomada nenhuma resolução sobre essa forma de produção energética até eo ano de 1990.

A nossa participação no grupo do Plano Energético Nacional concentrou-se essencialmente em 2 campos. Um deles foi a crítica a 2 tipos de produção energética centralizada, concretamente à questão do nuclear. Devo dizer que em relação ao nuclear as nossas críticas situaram-se fundamentalmente no plano económico. O nuclear é, neste momento, uma indústria em crise em todo o lado: nos Estados Unidos desde 1978 que não há nenhuma encomenda de mais centrais nucleares; em França o plano de electrificação com base no nuclear sofreu uma derrogação praticamente absoluta, apesar dos fortes compromissos da electricidade em França; em Espanha o anterior Plano Energético Nacional viu-se subtraído em dois terços da sua capacidade nuclear instalada ou a instalar.

Por razões financeiras procurámos que os números que nos eram fornecidos fossem corrigidos. Ou seja, que os números que è partida nos estavam a ser fornecidos, que pecavam por serem demasiado baixos em relação às unidades a instalar, fossem corrigidos tendo, nomeadamente, em conta documentos da Agência Internacional da Energia Atómica.

Os números que inicialmente foram apresentados à Comissão eram números inferiores aos números apresentados pela própria Agência Internacional da Energia Atómica. Procurámos corrigir esses números referentes aos preços de financiamento e das taxas de disponibilidade. As taxas de disponibilidade que foram apresentadas eram de 70 % quando na realidade, neste momento, uma média optimista a nível mundial não chega a atingir os 60 %. Procurámos introduzir estas correcções, que oneravam de forma superior o consumo de electricidade a partir do nuclear.

Igualmente no que se refere à produção centralizada de energia tivemos a ocasião de manifestarmos a nossa discordância em relação ao modo como estavam a preparar o licenciamento das centrais a carvão. E isto porque não eram minimamente previstos mecanismos correctores do seu impacte no meio ambiente.

Temos hoje o caso da instalação de Sines, que foi feito sem qualquer mecanismo de controle e cujos efeitos que isso vai ter nessa região já extremamente degradada são extremamente graves. Pensamos que o exemplo que vai ser dado, se por um lado tem os aspectos negativos que não deixámos de apontar, por outro lado talvez tenha aspectos positivos, porque quando houver a formulação da intenção de instalar uma outra unidade em qualquer outra região do País, será muito fácil pagar uma viagem à população dessa zona para ir à região de Sines veriScar os efeitos desastrosos desta indústria no meio ambiente.

A nossa participação crítica centralizou-se, pois, em relação a estas duas megaestruturas, a instalação do nuclear e o modo como está preparada a instalação das centrais a carvão. A nossa participação crítica teve igualmente um vector de alternativa positiva. Não criticamos por criticar; criticamos e apresentamos alternativas.

As nossas críticas, bem como as nossas alternativas, tiveram um fundamento económico e ecológico, e apresentámos como alternativa essencialmente a racionalização do consumo de energia. Portugal é um dos países com maior consumo de energia por unidade de produto. Achamos que há que racionalizar o consumo de energia, há que instalar mecanismos de co-geração das indústrias, há que aproveitar ao máximo as potencialidades das energias aitemativas.

Eram estes três níveis de alternativas que definimos como de alternativa energética para o nosso país. Infelizmente, todos estes vectores foram aiai curados, inclusivamente nos documentos finais, e parece-nos que, se bem que haja uma declaração de boas intenções no que se refere à utilização mais racional da energia, se beirt que haja uma abertura à co-geração nesta versão do Plano Energético Nacional e uma maior disponibilidade para as energias renováveis e alternativas, estas ficam muito aquém daquilo que seria desejável.

Por outro lado, no Plano Energético Nacional continua a estar prevista para estudos e eventual — e do meu ponto de vista problemática — instalação de uma unidade de produção energética a partir do nuclear, uma verba muito superior àquilo que é dado para

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instalação de dispositivos de investigação e desenvolvimento das energias renováveis e alternativas.

Muito concretamente foi esta a nossa participação na Comissão do Plano Energético Nacional, que teve neste caso a vantagem de pela primeira vez um plano energético não ser discutido à revelia do conhecimento da população.

Obviamente que tornámos publico tudo aquilo que lá se passou e não só. Igualmente tornámos públicos documentos apócrifos que regularmente eram apresentados a Conselho de Ministros. Devo dizer que numa dessas reuniões houve inclusivamente um forte sururu quando apresentámos documentos que eram ignorados inclusivamente pelo director-geral de Energia e que tinham sido apresentados na semana anterior em Conselho de Ministros.

F. evidente que não vou referir como é que esses documentos nos vieram parar à mão; apenas posso dizer que nos chegaram à mão porque felizmente no Conselho dc Ministros havia pessoas com a disponibilidade de deixar os documentos em sítio onde eles pudessem ser alcançados por grupos de cidadãos.

Risos.

A actividade sobre ecologia, concretamente sobre o Plano Energético Nacional, foi, portanto, uma das actividades da Associação Portuguesa de Ecologistas no ano passado. E no ano passado começámos igualmente a desenvolver um trabalho que este ano, no dia 5 de [unho, iremos lançar com maior retumbância pública.

Também temos vindo desde há uma série de tempo a fazer alguma investigação no que se refere aos pesticidas de uso agrícola. Tem sido uma investigação com dois vectores. Por um lado, quanto ao estudo dos pesticidas que estão a ser utilizados, devo dizer que, infelizmente, não é unicamente relevante o facto de a regulamentação que há sobre esta matéria ser praticamente inexistente, e sobretudo contraditória e dispersa, mas que igualmente não há em Portugal, como aliás acontece em muitas outras áreas, nenhum mecanismo de fiscalização da legislação. O controle dos pesticidas de utilização agrícola é feito a posteriori, e não há igualmente nenhum mecanismo para regulamentação da sua utilização e do seu efeito na vida do trabalhador que os utiliza.

Inclusivamente, nos casos em que há muitas doenças profissionais derivadas desta utilização, elas não são aceites pela Segurança Social como sendo resultantes disso, porque o trabalhador não sofre lesões derivadas directamente da utilização dos pesticidas nos campos, mas sim posteriormente através de ingestão de substâncias onde lançou os pesticidas.

E a Segurança Social, paradoxalmente, não aceita o consumo dc produtos onde o trabalhador tinha anteriormente lançado pesticidas como uma doença profissional. Este é um assunto que tem merecido alguma análise e consideração por parte de centrais sindicais, o que nos apraz.

Dizia eu que em relação aos pesticidas temos feito uma campanha de recolha de informações e da legislação existente e que neste momento estamos à beira de lançar uma campanha que vamos designar pela campanha dos «doze sujos». Ê uma campanha que vai ser lançada a nível mundial e que cá em Portugal vai igualmente ter incidência sobre 12 pesticidas que estão

proibidos em alguns países, pelo que vamos lentar que as autoridades aqui em Portugal tenham conhecimento dos seus efeitos.

Era relação à questão dos pesticidas, temos igualmente — na medida em que os criticamos — tentado apresentar alternativas. E as alternativas que apresentámos já se encontram neste momento consubstanciadas numa associação que tem vindo a desenvolver um trabalho paralelo ao dos Amigos da Terra, que é a Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, que através de métodos de combate integrado a pragas e de desenvolvimento de agricultura biológica tem vindo a fornecer a base teórica e alguns projectes práticos de alternativa à utilização de químicos na agricultura.

Estas íoram duas das áreas de trabalho da Associação no ano passado. Este ano houve, como acontece aliás todos os anos, um reformular e um definir de novas campanhas. A Associação dos Amigos da Terra desde Janeiro deste ano definiu duas campanhas diversas: uma da paz e desarmamento e outra a da poluição industrial e utilização de químicos na indústria.

Estas campanhas centrais visam, como já referi, & recolha de informações, a tentativa de dar maior expressão a essas informações e procurar através de campanhas sectoriais alterar o estado da situação, dando o maior realce público possível a determinadas situações que nos parecem abusivas e lesivas do meio ambiente e do homem, procurando que essas campanhas possam ser concluídas com resultados concretos.

Por outro lado, continuamos a dar especial atenção à campanha pela redução das despesas militares no Orçamento do Estado, e estamos nesle momento em perspectiva de a transformar no início de uma campanha pela objecção fiscal.

Achamos que os direitos dos cidadãos consignados na Constituição dão um carácter bastante amplo à objecção de consciência, e que, como pensam aliás eminentes constitucionalistas, o facto de isso não estar regulamentado não deve impedir os cidadãos de utilizar todos os seus direitos.

Já temos levado a cabo outro tipo de objecção: objecção administrativa e, neste caso, a objecção fiscal. Qualquer cidadão que pague os seus impostos deve e pode, em termos constitucionais, recusar que a percentagem de imposto que lhe é tributada e que corresponde às verbas das despesas militares no Orçamento do Estado não seja por si aferida a despesas sociais produtivas.

Neste caso, seja a associações de cidadãos, seja, inclusivamente, com vista à criação de um instituto nacional da defesa não violenta. Parece-ncs que esta campanha que vamos lançar agora no mês de Junhc é um modo eficaz de dar cumprimento à legislação existente, e é igualmente neste caso, mais do que palavras, uma medida concreta com vista a, pelo menos, minorar o que nos parece ser um problema grave, que é o problema de as despesas militares no nosso país, além daquelas que estão consignadas no Orçamento do Estado, serem feitas um pouco é revelia inclusivamente dos órgãos de soberania com competência na meteria.

Sobre a campanha da paz e desarmamento, estou disponível para vos indicar outras vias que essa campanha vai assumir, que, tal como outras campanhas, passa em muitos casos pela exibição de filmes era diversas escolas, universidades ou partidos políticos, tentando articular as nossas posições com outras que a nível internacional têm vindo a defender a paz e os direitos civis de im modo mais adequado.

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 segunda campanha que definimos este ano como prioritária versa sobre a poluição industrial e químicos na indústria. Levantámos já há 2 anos a questão das chuvas ácidas, que têm a ver com dlôxidos lançados para a atmosfera e na altura muitas pessoas disseram-•nos que isso era uma utopia, que no nosso país isso não acontecia. Agora vemos com agrado que é o próprio Secretário de Estado que nos vem dizer que isso é de facto um problema grave, que resulta da percentagem excessiva de chumbo na gasolina, que em Portugal ê a mais elevada da Europa, e que agora que vamos aderir à CEE, que tem uma legislação bastante mais ponderada do que a nossa sobre a questão, tem de se analisar o problema.

E, por exemplo, inclusivamente nos trabalhos do Flano Energético Nacional, onde se discutiu esta questão, viemos a levantar este problema, que na altura não recebeu o melhor acolhimento.

Igualmente a produção de óxidos sulfurosos em indústria, sejs de cimentos seja de carvão ou inclusivamente a central térmica do Carregado, é um problema que foi por nós várias vezes analisado e chegámos mesmo a apresentar vários trabalhos ao Ministério da Qualidade de Vida que por julgar que foram devidamente ponderados hoje motivam algumas preocupações por parte da? referidas autoridades.

t, portanto, sobre estes aspectos da política química e industrial e igualmente sobre aspectos que têm que ver com a produção de químicos da indústria que nos «debruçamos. Creio que ainda a semana passada um deputado do PS levantou bastante por alto, sendo contudo uma tentativa válida, o problema dos químicos na zona de Estarreja, onde há um enorme vazio. Não diria que um vazio legislativo mas, mais uma vez, um vazio na aplicação da legislação, que muitas vezes continua dispersa. Mas sobretudo não existem organismos capazes de fazer uma análise eficaz dos produtos que são utilizados no nosso país.

Pensemos que com a integração na CEE alguma coisa havemos de beneficiar e temos de aproveitar os benefícios que dela podem resultar. Com uma legislação mais severa, restritiva do fabrico e da utilização de químicos ao nível da Comunidade Europeia é possível começarmos a preocupar as autoridades portuguesas — neste caso preocupar as autoridades porque os cidadãos, felizmente, já estão preocupados — sobre os produtos químicos que são fabricados no nosso país, sobretudo os que circulara pelas nossas vias de trânsito.

Ê que o risco de acidente é extremamente alto e seria muito grave um acidente que resolvesse qualquer produto químico ou petrolífero nas nossas estradas.

O Sr. PipsaJâenste: — Peço desculpa ao António Eloy por interromper a sua intervenção, mas tenho de cfoa-raar-lhe a atenção para o facto de o tempo máximo para cada intervenção ser de 13 minutos e ele já ter gasto 21.

Sugiro-lhe que, como parece ainda não ter esgotado a matéria da sua abordagem, se inscreva para uma segunda intervenção, de forma a permitir que, entretanto, outros oradores possam intervir.

Q ©poá©?: — Concluo já, Sr. Presidente.

Eu referi as duas principais campanhas que foram defirâdes a nível nacional pela Associação Portuguesa de Ecologistas, mas existem outras campanhas que estão a se? levedas a cabo por grupos locais.

Sobre essas, e no caso de haver interesse, posso esclarecer os seus enfoque e enquadramento. Posso igualmente explicitar melhor alguns dos aspectos das campanhas que referi e que estamos a levar a cabo.

Peço desculpa se fui demasiado longo e — tal como os deputados comunitas— aborrecido (risos), mas pareceu-me útil, neste aspecto, explanar alguns dos pontos de vista da nossa Associação e, sobretudo, apontar os aspectos negativos, mas igualmente o aspecto positivo que achamos que deve ser levado a cabo.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. José Rocha, do Departamento de Juventude da UGT.

O Sr. fosé Rocha (Departamento de Juventude da UGT): — A sociedade industrial é um dos principais responsáveis pela degradação dos sistemas ecológicos naturais dominantes do nosso planeta.

Depredando as riquezas naturais, a lógica crescimem-talistas tem vindo a destruir florestas inteiras e a par com as carecterísticas da agricultura industrial, qus estão na base da desertificação de extensas regiões s da destruição de espécies inteiras de seres vivos, pondo em causa o equilíbrio ecológico em cadeia. A poluição industrial-urbana, afectando gravemente a atmosfera, a poluição das águas, a utilização de sistemas energéticos mal estudados nas suas consequências futuras — como o nuclear — são gravíssimos acontecimentos, cuja solução caberá às gerações do futuro, a começar pela actual juventude.

A corrida aos armamentos —e o perigo que pesa sobre todos nós, qual espada de Dâmocles—, o holocausto nuclear. Em Portugal é ainda possível ultrapassar o perigo «sujo» que foi a era industrial com pouc03 custos.

Torna-se, por isso, e desde já, necessário desenvolvei o controle da poluição, segundo a tese de que quem polui deve pagar.

A dinamização de energias renováveis, a redução de poluição urbana, a protecção das águas, o desenvolvimento de uma florestação integrada no espaço português e não dominada pelos interesses das celuloses, não exigem, apesar de tudo, os elevados custos que seriam exigidos noutros países.

Assim sendo, o Departamento de Juventude da UG7 aponta as seguintes alternativas, devendo antes dizer que me esqueci somente de referenciar que entendemos por ambiente também o ambiente de trabalho, portanto, de todas as pessoas que exercem uma profissão: dinamização da Inspecção-Geral do Trabalho no âmbito da protecção da higiene c segurança no trabalho; obrigatoriedade de controle na instalação ce industriais especialmente poluidoras, exigindo o cumprimento ce regras de protecção do meio ambiente; controle de poluição, segundo a tese de que quem poluir deve ser drasticamente penalisado, ou levar mesmo ao encerramento da actividade poluente, até esta atingir uma percentagem de poluição próxima dos G %; uma planificação séria do ordenamento territorial, evitando a destruição das riquezas naturais e a construção desordenada em terrenos impróprios; implementação de um maior número de reservas naturais e sua efectiva protecção; obrigatoriedade de previsão de zccias verdes no planeamento ou execução de qualquer zona habite-

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cional; sejam feitas sérias tentativas no sentido da recuperação de áreas nas quais os índices de poluição já sejam alarmantes.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem, em seguida, a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro, do PSD.

O Sr. Luís Monteiro (PSD):—Alguns estranharão — eu próprio estranho— o facto de começais desde já a intervenção, até porque não sou propriamente um ambientalista, antes pelo contrário, fumo bastante. Sou, portanto, um ser poluente na consideração do nosso amigo António Eloy.

No entanto, parece-me que havia algumas coisas que aqui mereciam ser ditas neste tema, dentro do painel «Desenvolvimento», matérias essas que se prendem não só com a questão do ambiente, mas também, por um lado, com aquilo que poderemos considerar as novas concepções de qualidade de vida e, por outro lado, as nossas concepções de estratégias de desenvolvimento dentro da sociedade em que estamos envolvidos.

Isto porque ao üongo do dia de hoje, e após ter aqui ouvido algumas intervenções —lembro-me, nomeadamente, de quando foi abordada a problemática da educação como estratégia de desenvolvimento—, foram referenciados por várias vezes alguns conjuntos de problemáticas que, por um lado, tinham a ver com novas concepções de estilo de vida e, por outro lado, respeitavam à nossa própria inserção e vivência na sociedade industrial ou pós-industrial em que estamos envolvidos. Assim, há, fundamentalmente, duas considerações —pareceu-me a mim— sobre o tipo de sociedade em causa: em primeiro lugar, uma visão ligeiramente trotskista, que foi defendida estranhamente pelo representante da Juventude Comunista, baseando--se nos livros de Ernest Mandel, nomeadamente no Tratado de Economia Marxista —mas a ortodoxia já vai longe—, e, em segundo lugar, concepções, algumas delas aligeiradas, baseadas em leituras mais ou menos apressadas do Alvin Trôfíer ou, eventualmente, do Alain Tourainne.

Parecia-me importante abordar aqui a problemática do ambiente, da ecologia, da participação dos cidadãos, porque isto, a nosso ver, reflecte-se um pouco naquilo que consideramos ser o desenvolvimento da sociedade em que estamos inseridos e prende-se também com a qualidade ambiental da nossa própria: vivenda.

O António Eloy foi particularmente feliz há pouco a definir aquilo que os movimentos prcvambientali6tas iam fazendo em Portugal. Psrece-me destrinçar — e já iria lá— a diferença que hoje, em Portugal, tem de se começar a definir entre movimentos ambientalistas e ecologistas. Depois, até gostaria de entrar em polémica com o António Eloy acerca dessa matéria, pois parece-me que os Amigos da Terra são, actualmente, mais um movimento ambientalista, no sentido da protecção do ambiente, do que uni movimento ecologista, no sentido da definição de novas estratégias de desenvolvimento para a própria sociedade em que estamos inseridos. Contudo, isso é outra questão.

A nossa ideia é suscitar também um pouco o debate e animar essa própria «animação» do debate que vinha já surgindo. Portanto, isso deixaríamos para a 2." fase.

Há aqui diversas concepções e questões a definir: a sociedade em que estamos inseridos, a qualidade ambiental que pretendemos ou que queremos definir.

Na Assembleia e na própria vivência social que no dia a dia vamos estratificando, em termos de estratégia e de acção política, já algumas coisas foraaa feitas. Foi realizado, fundamentalmente, um alerta.

Parece-me a mim que ao longo destes últimos anos — em Portugal mais tarde do que noutros países,, mas realizou-se, de qualquer das maneiras—- se ss> meçou a definir um alerta em relação ao tipo de secie-dade em que estávamos inseridos e à forma de o transformarmos.

Se os Amigos da Terra, em Portugal, podem ser definidos como um marco, não só eles, mas também muitos movimentos autónomos de cidadãos ou movimentos ambientalistas a nível local o foram, há tambéra a concepção ou consideração de um outro ttpo de debate sobre estratégias alternativas de modos de vidão

Parece-me que isto poderia ser aqui incluído neste painel, na problemática do ambiente e da concepção global do tipo de sociedade. Digo isto, na medida ena que estamos a falar a nível de movimentos políticcsp pois todos os grupos que aqui estão, quer cheiram, quer não, são, de certa maneira, movimentos políticos, que tentam influir e interferir na acção do sedai @ do político, mas têm agido mais, no nosso entendimento, num mecanismo de retracção em relação ao tipo de sociedade que existe ou vai existindo, ao tip© de sociedade que não se vai alterando.

Os próprios poderes políticos —e disso fazemos a nossa mea culpa — não têm a capacidade autónoms, de análise e ponderação dos mecanismos de retracção social que os obriguem a alterar a sua própria acção, a nível político, ou a sua própria concepção, enquanto governos, da necessidade de alterações profundas o nível das políticas ambientalistas.

Se, como disse, os movimentos hoje em dia são cada vez mais de retracção, desde o movimento da protecçsc do lince na serra de Malcata, os movimentos de protecção de determinadas zonas florestais, oa cs anti--armamentistas, ou os ditos ecológicos, mas mais ambientalistas tudo tem sido feito no sentido da retracção em relação a determinadas políticas que tem vindo a surgir. A retracção, por exemplo, pode se? valorada em função da questão da energia nuclear e do desenvolvimento do nuclear em Portugaí.

Acho que era talvez altura — espero que o António Eloy intervenha depois acerca disso, bem como também os nossos amigos da JCP— de intervirem acerca da questão da concepção global de uma política ambientalista nova, a definir para o mundo de amanhã.

Isto porquê? Primeiro, porque —provocaedo os meus caros amigos da JCP— acho que não estamos já no mundo da luta de classes. O Marx viveu no século xix, assim como a Idade Média já passou, e, portanto, não temos já o problema da santa inquisição, bem como o problema dos guliags, peSc menos, entre nós.

As concepções globais do tipo de sociedade em qua estamos inseridos são radicalmente — e cada vez mais se começa a definir isso em todo o lado — diferentes. Digo isto porque, relativamente à questão da concepção da intervenção dos cidadãos na própria vida e na acção política —ao contrário do que foi aqui dito há pouco, quando se abordou essa problemática em relação à estratégia, por exemplo, da educação ou,

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inclusive, à estratégia laboral —, foram denotadas algumas perspectivas de evolução completamente diferentes daquilo que era a sociedade há 100 anos ou, se quisermos, em Portugal mesmo, daquilo que era a sociedade há 20 anos.

A sociedade há 20 anos era em Portugal uma sociedade em que a política de desenvolvimento industrial não tinha qualquer limitação, antes pelo contrário, o que se pretendia era, para além da criação da raais--valia, como definiriam os nossos caros colegas, também uma política de concentração industrial, a partir do Estado corporativo, bem como uma política de criação de postos de trabalho que não levantasse problemas de lutas sociais demasiado agudas, mas em que nunca houve aquilo a que, a nosso ver, era mais importante, ou seja a definição global de uma estratégia de desenvolvimento.

Por isso, peguei nesta matéria relativamente ao problema mais profundo que neste momento atravessamos.

Há pouco foram aqui definidas, em relação à estratégia do trabalho, duas perspectivas completamente diferentes. Uma de crescimento, definida por alguns dizendo que o que é necessário é criar mais postos de trabalho, a todo o custo —ou de qualquer maneira—, mais postos de emprego para os jovens, já que estes são os mais atingidos pela crise, etc, etc.

£ óbvio que tudo isso está correcto, mas tão-somente como política de crescimento. Meus caros amigos, já vimos isso no keynesianismo e vemos hoje na política norte-americana de crescimento desenfreado da economia, a qualquer custo, na política soviética de crescimento desenfreado, a qualquer custo, das taxas do PNB, sem qualquer perspectiva ou inter-relação com uma concepção global de desenvolvimento económico e social. E esse é o risco, porque, como disse há pouco, as perspectivas põem-se a dois níveis: na sociedade, em que se pretende, por um lado, o crescimento económico, o aumento da taxa de crescimento dos indicadores económicos e da população empregada e tantas outras coisas mais que dêem uma satisfação material aos cidadãos e, por outro lado, uma outra estratégia de desenvolvimento e acção política ao nível social, que, preocupando-se também com algumas dessas questões, dá, contudo, mais importância à questão da qualidade de vida ou — se assim lhe quisermos chamar — à protecção ecológica, no sentido de uma satisfação das necessidades não necessariamente materiais dos cidadãos.

Ê por isso que, relembrando alguns exemplos daquilo que vem sendo feito, é perplexo que as duas taxas mais elevadas de crescimento de suicídios ao nível europeu sejam, precisamente, as da Hungria e da Suécia. No caso da Suécia porque de há longos anos para cá os cidadãos já atingiram um crescimento económico desmesurado e, portanto, não têm mais qualquer esperança de vida. E procuram outras necessidades, que a própria sociedade não lhes dá. Quanto à Hungria, não me competirá a mim explicar, até porque nunca lá fui, ao contrário de alguns outros. De qualquer maneira, já estive em Berlim Leste e vô também a protecção aos cidadãos e as limitações & liberdade de passear, pelo menos para os turistas.

Por último, e para terminar —porque parece que já vou sendo longo—, vou referir-me à questão do pragmatismo versus ideologia que aqui foi sendo referenciada.

Já disse onleas à noite, numa discussão sobre a problemática dos movimentos sociais e dos partidos políticos ou das novas perspectivas de acção dos grupos de cidadãos em relação ao social, que havia determinados limites è acção pragmática dos grupos e à sua intervenção política que são concebidos tradicionalmente. Muitos dos que aqui estão, entre os quais nos podemos eventualmente incluir, fazem política —de uma determinada forma— inseridos dentro de uma estratégia que já vai sendo secular em termos de intervenção, de acção partidária; outros, que não nós — grupos poíítico-partidários —, vão fazendo acção política de uma forma diferenciada.

E, por isso, quando ontem estava na mesa a tentar moderar os debates, pensei que seria útil e válido da nossa parte ouvir aqueles que fazem acção política de uma forma diferenciada da nossa, no sentido de uma intervenção cultural e de participação dos jovens em determinados fenómenos. Estas perspectivas, sendo incluídas na acção daqueles que comummente são designados por movimentos sociais autónomos de cidadãos, têm muito mais a ver com a pedagogia da intervenção, da acção, no sentido ecológico, porque a ecologia é também a libertação, de certa maneira, do homem do Estado poluente em relação às ideologias políticas tradicionais. E não me importo de dizer que a maior parte delas já estão ultrapassadas, o que é, eventualmente, uma afirmação nada ortodoxa. Podemos é ponderar a necessidade de as reformular face à sociedade em que estamos inseridos. Mas isso também já foi aqui bastante dito e, portanto, não é por aí que existe o problema.

Por último, uma palavra em relação aos grupos ecológicos ou ambientalistas.

Em Portugal alguma coisa se tem falado sobre o problema dos grupos ambientalistas-ecológiccs e à sua intervenção política enquanto tais. Temos grupos que fazem intervenção política fora dos esquemas tradicionais partidários e outros grupos ecológicos que fazem intervenção política dentro dos moldes tradicionais. Qual estará correcto?

Não nos competirá analisar essa forma de intervenção. Acho, em termos de opinião pessoal, que uns são capazes de ter mais capacidade de intervenção e decisão ao nível do poder político do que outros. E são precisamente os grupos ambientalistas sem intervenção directa no aparelho político-partidário que têm maior capacidade de intervenção, ao contrário daqueles que se organizam enquanto partidos políticos, em que a sua capacidade de intervenção e de acção é praticamente nula. Mas poderemos pensar o que é que vai ser a nossa intervenção daqui para o futuro sobre ® problemática ambientalista.

Para já terminava por aqui: a minha intervenção foi mais no sentido de polemizar o debate, e parece, pelo número de braços levantados, que já consegui alguma coisa. Não me importo de entrar num conflito são e aberto acerca da problemática que aqui foi abordada.

/¿plausos.

Q Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr." Conferencista Elisabete Figueiredo.

A Sr.a Elisabete Figueiredo (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas): — Depois da

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brilhante intervenção do Eloy, o mínimo que posso fazer é ler o trabalho de casa, que nem sequer foi feito em casa, mas no autocarro!

Risos.

Por outro lado, acho que o meu discurso vai ser um bocado abstracto, mas, como aquilo que se tem feito aqui nesta assembleia tem sido também abstracto — pois ainda ninguém apresentou propostas concretas—, não me sinto deslocada.

O século em que vivemos é, de facto, um século em que cada vez mais se assiste à-degradação do ambiente. Não é só o ambiente que se degrada, mas também, e como consequência directa do anterior, o ambiente e as relações humanos. Ê um facto inegável que quase todos os indivíduos procuram, de uma maneira mais ou menos interessada, o acesso aos órgãos do Poder ou a outros que, não sendo do Poder, estão--Ihe muitos ligados.

Penso que todos, ou a grande parte dos homens, buscam evidenciar-se dos demais e todos eles correm o risco de, com isso, se tornarem pouco originais e não se evidenciarem tanto como o desejariam.

De facto, penso que todos nós, numa tentativa de mudar a sociedade e o ambiente natural e humano em que vivemos, devemos caminhar no sentido de atingirmos uma humildade que, penso, não ficará mal a ninguém. Essa humildade permitirá explorar os pontos que todos os seres humanos têm em comum, mas que, erradamente, consideram diferentes e diversos dos dos outros.

A humildade não quer significar a redução do ser humano a uma falta de personalidade. Penso que essa humildade poderá antes ser ponto de partida para o desenvolvimento de capacidades e de personalidades harmoniosas, equilibradas e orientadas para uma vida pacífica e natural.

A liberdade em que vivemos em Portugal desde há 11 anos é uma liberdade utilizada erradamente. Vivemos numa sociedade em que cada um faz o que muito bem entende, sem se preocupar com os calos do vizinho.

Quanto à degradação do ambiente natural, ele deve-se principalmente à exploração desenfreada das fontes de energia não renováveis e à sua má utilização. Deve-se também à industrialização mal concebida, que actualmente vemos proliferar por todo o lado, deve-se à utilização descuidada de materiais potencialmente recicláveis e reutilizáveis. Aliás, reciclar e reutilizar alguns materiais, como o papel e o vidro, por exemplo, é algo que já se faz um pouco em Portugal, mas é necessário implementar esse mecanismo de reciclagem para que se possam aproveitar assim melhor esses materiais e alguns outros. Reciclar e reutilizar o papel é, por exemplo, lutar contra o arboricídio, que em Portugal se faz a um ritmo assustador: d es troem-se e queimam-se muitos pinhais com o propósito de aí plantar depois os perigosos e esgotantes do solo eucaliptos. Aliás, a plantação exagerada de eucaliptos serve apenas a indústria de celulose, que, além disso, é uma das empresas nacionais que mais polui os rios e a atmosfera.

O aproveitamento de fontes de energia renováveis, como o são o sol, o vento e a água dos mares e rios, é algo que se deve pôr em prática em Portugal. Aliás, a

instalação de meios que propiciem esse aproveitamento das fontes energéticas renováveis não é tão dispendiosa como isso, se atendermos a que os estragos causados pela utilização de outro tipo de energia acata bastante mais caros e em alguns casos é mesmo impossível recuperar-se o que foi estragado.

Devemos defender o ambiente não só porque a ssíe ritmo morreremos asfixiados e tontos pelas nossas próprias mãos, mas porque é necessário pôr em prática uma vida alternativa e nova, utilizando para isso todos os meios alternativos de que dispomos.

O avanço tecnológico que se verifica em alguns países não nos serve. Sim, de que nos serve um tão grande avanço tecnológico se o desenvolvimento humano não o acompanhou?

Numa época em que se verifica cada vez mais a substituição do homem pela máquina, recuso —e penso que todos os amigos da Terra o recusam — ser substituída por uma máquina, ainda que o lugar que tenha na sociedade seja mínimo. Quando falo das coisas que se passam à minha volta e às quais sou sensível falo delas com amor, amor esse que gostaria que todos vocês partilhassem, amor esse que acredito ser impossível a uma máquina senti-lo!

Defender o ambiente é amar a natureza, a vida, e amar a vida é um acto de grande responsabilidade. Assumo essa responsabilidade perante todos vós e espero que todos a queiram também assumir! Amemos a vida!

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Carlos José.

O Sr. Carlos José (JCP): — Ia então dizer alguma coisa sobre este ponto do ambiente.

Em primeiro lugar, a questão ecológica e o problema da defesa do meio ambiente, em nossa opinião, devem ser perspectivados numa linha progressiva, e não de usk pretenso regresso às origens, que não é possível, pois é qualquer coisa de utópico e posta de parte. Portanto, rejeitamos essa perspectiva! Achamos que a defesa do meio ambiente deve ser encarada de uma forma progressiva e tendo em atenção o desenvolvimento progressivo das sociedades.

Em segundo lugar, a problemática ecológica e a política do ambiente são indissociáveis, em nossa opinião, do modelo económico, que envolve necessariamente esses problemas. E, nesta medida, temos duas grandes linhas: a grande rinha «tudo à custa do lucro», sacrificando tudo a ele, e uma outra, de planeamento geral, integrado nos vários sectores, preservando o meio ambiente e desenvolvendo de uma forma harmónica os vários sectores da economia.

Nesta medida, pensamos que há muito para fazer em Portugal no campo da defesa do ambiente. Muito do trabalho que se tem feito — e é bom que ss diga, porque a ecologia e a defesa do meio ambiente não são privilégio de ninguém— em torno desses problemas ' ainda não foi aqui focado. E essa experiência é muito rica e tem a ver com o trabalho das autarquias e do poder local.

Há ricas experiências de preservação do meio ambiente, de preservação do património histórico e cultural — o que, em nossa opinião, também tem a ver com o ambiente— que não têm sido referidas nesta Core-

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ferência. Posso dar-vos um exemplo concreto — e certamente que ss mentes mais avisadas dirão que «dá este novamente aquele com a paranóia dos responsáveis» — que, quer vocês queiram, quer não, prejudica milhares de pessoas. Estou a referir-me ao problema da lixeira da Boba.

O problema da lixeira da Boba é um problema que se arrasta desde há anos e a Câmara Municipal da Amadora tem feito sucessivas diligências para resolver a situação. Ainda há pouco tempo decidiu que não permitiria mais que a Câmara de Lisboa continuasse a vazar o lixo da cidade na lixeira da Boba, posição esta que consideramos extremamente importante.

Quanto a nós, este exemplo da lixeira da Boba é significativo quanto às políticas de defesa do ambiente que têm sido seguidas. De igual forma, há ricas experiências de tratamento de lixos e de defesa do meio ambiente ao nível das autarquias.

Outra questão que nos parece importante, em termos de ambiente, é a do planeamento urbanístico, que também tem merecido grande atenção por parte das autarquias.

Em nossa opinião, a questão da defesa do meio ambiente é indesligável da preservação do património histórico e cultural. Nós comunistas, orgulhamo-nos de termos uma rica e variada experiência na defesa do património histórico e cultural do nosso país, através dos nossos militantes e das pessoas que trabalham nas autarquias locais.

Para terminar, gostaria de fazer uma rápida referência a algumas afirmações que foram feitas.

Teria muito interesse —e digo-o sinceramente — em discutir aqui as teses de Mendel ou de Gunther Frank, mas penso que este não é o local indicado para o fazer. Reservar-me-ei para discuti-las daqui a mais uns minutos, com um copinho e com qualquer coisa para comer, porque estas discussões, às vezes, desgastam muito o estômago e convinha que pudéssemos conversar sobre isso com um maior substrato alimentício.

Mas o que eu queria dizer era que não fujo à discussão e estou aberto a conversar sobre essas questões.

Apltmsaa.

Q Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Conferencista Pedro Oliveira, da Associação dos Escuteiros

de Portugal

O Sr. Peápo Oliveira (Associação dos Escuteiros de Portugal): —Estive, faz um mês, em Estrasburgo num seminário organizado pelo Bureau Europeu do Escutismo e Gujdismo subordinado ao tema «Ecologia», tendo sido esbatidos vários assuntos.

Umas das coisas curiosas que aconteceu foi que, estando presentes 19 países, representando 41 organizações, todos eles foram unânimes em criticar de alguma forma a acção dos movimentos ecologistas nos vários países da Europa.

Quanto ao papel dos escuteiros, chegámos à conclusão de que a nossa intervenção no campo do ambiente deveria ser extremamente rica na área da educação e da sensibilização.

Uma das nossas ideias concretas —já que foi aqui dito que não foram formuladas nenhumas — era a de que se começasse a fazer, ao nível do ensino primário.

uma sensibilização aos jovens sobre a natureza, não só vegetal, que é um dos grandes problemas que nos preocupa, mas também animal, a qual ainda não foi aqui abordada.

Pensamos que se deveria fazer uma sensibilização sobre o relacionamento com a natureza diária, na cidade e no campo, e com os animais.

Estamos numa sociedade onde ainda hoje se anda às voltas com o direito animal, que ainda não está definido; estamos numa sociedade em que os problemas do lixo —que ainda agora foram levantados — continuam a ser graves em termos ambientais.

Por outro lado, também há os problemas ligados aos animais, nomeadamente o das caçadas, que continuam a ser realizadas sem um mínimo de controle. Por exemplo, os movimentos migratórios das aves estão a sofrer perturbações em virtude das caçadas, que desviam as aves das suas rotas habituais.

Ê também necessário criar-se um ambiente de vida, o que de certo modo é esquecido, a começar pelas escolas. Verifica-se que há uma falta de ambiente escolar que faz com que haja uma certa rejeição por parte dos jovens, que, quando saem das escolas, continuam a rejeitar todo o ambiente que encontram à sua volta.

Nas cidades, cada vez mais é esquecido o espaço para a natureza. Por isso, pensamos que através de uma sensibilização ao nível das escolas talvez se possa daqui a uns tempos encontrar jardins como encontramos em alguns países da Europa.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista António Eloy, dos Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas):—Vou começar por dirigir-me ao Pedro Oliveira, que referiu várias críticas que foram feitas aos movimentos ecologistas da Europa numa reunião de escuteiros.

Dado que não estive presente nessa reunião, e como somos um movimento ecologista que, igualmente, faz várias críticas aos movimentos ecologistas da Europa, penso que, se o Pedro Oliveira tivesse concretizado melhor a sugestão crítica que deixou no ar, talvez pudéssemos encontrar uma base de convergência.

De festo, criticamos fortemente uma determinada vertente do movimento ecologista que deu passos concretos em relação a uma certa actividade político-parti-dária.

Acítmcs que isso é nocivo para uma aproximação global dos problemas do ambiente, pois pensamoa que os problemas do ambiente não se devem enquadrar nums capelinha partidária, mas antes englobar uma área tão vasta quanto possível. Por isso, devo dizer que não há aecihum sectarismo da minha parte, e é com algum agrado que vos digo que tem havido alguma convergência da Associação Portuguesa de Ecologistas com câmaras APU. Acho que as cântaras APU têm, em muitos casos, feito um trabalho notável ao nível da preservação do património natural s cultural. Ê evidente que esta apreciação positiva de um trabalho que é feito nalgumas áreas não põe de parte críticas que, eventualmente, façamos em outros âmbitos.

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Parece-me que houve uma certa deficiência de leitura da parte do Luís Monteiro ao referir os Amigos da Terra como sendo uma associação ambientalista.

De facto, somos uma associação ambientalista e ecologista. Só que procuramos dar um âmbito social e político muito claro à nossa actividade ambientalista. Aliás, ele sabe-o bem, pelo que a sua sugestão de que seríamos uns ambientalistas tout court parece-me fantasiosa. E ele também sabe bem que é fantasiosa, porque há um enfoque político claro e há posições que procuramos sejam o mais transparentes possível na nossa actividade.

Lamento que sobre este painel do ambiente — a que, aliás, foi dado um tempo mais reduzido em relação aos anteriores— as associações políticas partidárias, que foram tão férteis noutros pontos do programa, usando e abusando da oratória, se tenham restringido a meros comentários quase de ocasião.

Pausa.

O Luís Monteiro está ali a protestar, mas eu incluo o seu comentário num comentário quase de ocasião.

Parece-me que, de facto, quando se começa a discutir aqui questões que têm mais a ver com o nosso dia-a-dia, com os jardins lá de fora, com a natureza e com o mundo em que vivemos, já não há algum passado para condenar tout court, já não há um presente para escal-pelizar-se e, quanto a ideias de futuro, parece que é mais importante discutir os problemas imediatos do que discutir os problemas de longo prazo, que são, igualmente, os problemas do nosso presente.

Queria ainda referir um pequeno dado que tinha aqui na algibeira, mas talvez seja melhor deixar isso para a minha próxima intervenção, até porque não sei se ainda há mais pessoas inscritas.

O Sr. Presidente: — Há, sim.

O Orador: — Então eu deixo isto para uma próxima oportunidade.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Pedro Passos Coelho, da Juventude Social--Democrata.

O Sr. Passos Coelho (JSD):—Sr. Presidente, vou fazer uma intervenção de circunstância, não obstante as objecções. Não queria ser o ponto de convergência deste debate, como também não queria ser o visionário do óbvio. No entanto, parece-me que há uma coisa que resultou bem — a menos que eu tivesse ouvido mal— das intervenções que ouvi: há um grande consenso à volta deste tema e das ideias e dos valores do ambiente.

O valor do ambiente é já bastante antigo e está associado mais à ideia de natureza do que de naturismo. Não é novidade para ninguém que a industrialização, a criação da cidade moderna e a emergência de novos grupos sociais vieram dar ao valor do ambiente uma conotação de um conteúdo difentes. Hoje em dia já não é apenas a iminência de uma catástrofe nuclear que preocupa as pessoas, já não é só a exploração desenfreada do mundo natural que preocupa as pes-

soas, bem como não é a falta de regulamentação da lei da caça, é a ecologia no seu todo, tanto vegetal, como animal, a poluição, a defesa da natureza.

Há dois valores importantes associados a este valor do ambiente que gostaria de salientar.

O primeiro é o de que não podemos pensar em conceber um modelo de desenvolvimento sem nos alienarmos deste valor do ambiente. O crescimento económico e a vida das pessoas já não estão desligados, nas suas consequências, dos modelos de desenvolvimento por que optarmos. Daí que, na transição para o século xxi, se temos de pensar num modelo de desenvolvimento do homem, teremos também de pensar num modelo de desenvolvimento em função da natureza e do quadro de vida em que o homem se deve mover. Neste aspecto, esta é a ocasião para perguntar por que razão é que se atrasa sistematicamente o plano de ordenamento do território. Por que é que isso não avança, tanto no aspecto legislativo como, por exemplo, no que se refere ao Ministério da Qualidade de Vida, que parece estar cada vez mais dependente dos negócios partidários do que do interesse nacional? É curioso criticarmos os ministros e os secretários de Estado quando há pessoas que podem realizar um bom trabalho ao nível do Governo e quando na prática as leis orgânicas não conseguem ser aprovadas, os orçamentos são canalizados em massa para sectores menos produtivos —nesta concepção moderna do que é um sector produtivo— e quando o valor do ambiente e as necessidades de ordenamento do território e de definição de prioridades de desenvolvimento estão presentes em todos nós.

O segundo valor que, a meu ver, está associado ao ambiente, à qualidade de vida e ao espaço físico em que o homem vive é o valor de solidariedade —há já bastante tempo que a JSD o defende — relativamente às gerações passadas e às futuras.

Em relação às gerações passadas, podemos sintetizar essa solidariedade referindo o caso do património cultural, histórico e natural, bem como outros que fazem parte da nossa vida e que não podemos rejeitar nem desprezar. Ê mau, por exemplo, recordar-me que ainda ontem havia quem dissesse que neste país havia pessoas que nunca tinham visto o mar. De facto, é ridículo que hoje em dia as pessoas tomem contacto com a natureza através de um ecrã. Não sei que valores e, inclusivamente, que suporte moral, que quadro de vida, que horizontes de consciência é que um contacto com a natureza através de um ecrã pode proporcionar a uma pessoa no século xxi.

Penso que a solidariedade em relação ao passado histórico e natural não pode deixar de estar presente na cabeça de todos nós e de uma forma activa. Portanto, quando admitimos que normalmente são estruturas partidárias e movimentos que orbitam mais na área esquerda do leque político português que têm uma maior actividade nesta matéria, sem suspeitarmos de outros interesses menos legítimos de aproveitamento da própria acção, cabe aqui perguntar às restantes forças partidárias, sociais e políticas — que têm legitimidade e consciência — por que razão é que não tomamos uma atitude mais activa em relação a esta matéria.

Eu sou um poluidor por natureza, pois fumo. Assim, poluo-me a mim e aos outros. De qualquer modo, estou na disposição de, à parte desta liberdade que me

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está associada, preservar também a liberdade das outras pessoas, noutras circunstâncias. Estarei sempre na disposição de trabalhar activamente tanto na preservação do mundo natural —não pegando, por exemplo, fogo às matas, facto que em Portugal não é tão líquido—, bem como noutro tipo de acções.

Finalmente, solidariedade para com o futuro, para com as gerações que nos sucederão, porque, se hoje já nos podemos culpar de termos uma cultura diminuída e de, sem fazermos um regresso às origens, nos termos desprendido e deixado de poder compreender as próprias origens, ofereceremos um futuro às gerações vindouras sem qualquer passado histórico.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conferencista Pedro Oliveira, da Associação de Escuteiros Portugueses.

O Sr. Pedro Oliveira (Associação de Escuteiros Portugueses): — Pedi a palavra apenas para dizer ao António Eloy que teremos todo o prazer em lhe apresentar as várias críticas que foram formuladas em Estrasburgo e em discutir os nossos pontos de vista num encontro com os Amigos da Terra. Pode ser que haja pontos de concórdia e que venha a existir um intercâmbio de acções e de actividades.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (JS): — Não queria falar novamente, mas, como não havia oradores inscritos, aproveito para responder a um apelo do António Eloy —julgo que foi assim—, dizendo que as organizações de juventude dos partidos teriam intervindo pouco neste tema.

A este propósito, quero apenas relembrar que no ano passado a Juventude Socialista fez uma campanha a favor da legislação do naturismo, em praias e zonas bem delimitadas, e já apresentou na Assembleia da República um projecto nesse sentido.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, não há mais inscrições.

O Sr. António José Seguro (JS): —Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. António José Seguro (JS): — Penso que há poucos momentos foi entregue pelo ecologista António Eloy, numa atitude ecológica, um requerimento à mesa assinado pela maior parte dos jovens aqui presentes neste momento.

Gostaria, pois, de interpelar o amigo Jorge Goes para saber o que se passa com esse requerimento.

O Sr. Presidente — Agradeço ter-me lembrado do facto, mas a mesa não quereria dar conhecimento do teor do abaixo-assinado que lhe foi entregue sem estar presente na sala o objecto desse mesmo abaixo-assinado.

Risos.

Uma vez que me parece que a expressão que acabei de utilizar terá sido mal interpretada, gostaria de explicar que «objecto» tem, em termos jurídicos, um sentido claro, que não pode dar azo à interpretação que me pareceu ter provocado a hilaridade da assistência.

Risos.

Tem a palavra o António Eloy.

O Sr. António Eloy (Amigos da Terra — Associação Portuguesa de Ecologistas):—Aproveito este intervalo enquanto esperamos a entrada do cidadão «objecto» (risos) para referir um ponto de que não falei por não ser uma actividade específica da Associação, mas que não queria deixar de referenciar aqui como sendo um dos grandes problemas que se colocam ao nosso ambiente. Trata-se da destruição progressiva de áreas naturais com a plantação de eucaliptos.

Ê extremamente grave que o nosso território esteja a ser infestado por essas árvores demoníacas. E é extremamente grave por duas razões: por um lado, porque os eucaliptos, de crescimento rápido —como todos sabem—, consomem uma quantidade enorme de água, e os recursos hídricos são um dos nossos recursos que se aproximam de níveis de degradação mais lamentáveis.

Por outro lado, porque a plantação de eucaliptos — sem, praticamente, qualquer regulamentação no nosso país — tem igualmente a ver com a política do progressivo alargamento das celuloses existentes, que é uma política que, de modo nenhum, nos parece ser a política industrial mais adequada a seguir-se.

Queria deixar este ponto como uma referência concreta, que julgo útil ficar em acta.

Queria ainda lembrar ao Luís Monteiro que gostava de ter os meus jornais de volta. Obrigado.

Aplausos.

Gostava de ter os meus jornais de volta porque assim as celuloses não venderiam mais papel e, eventualmente, haveria um decréscimo na plantação desses tais eucaliptos.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, não havendo mais inscrições, poderemos considerar encerrado o debate sobre este tema.

Em relação à outra questão levantada, a do abaixo--assinado, quero dizer-vos que foram feitas diligências no sentido de se assegurar a presença da pessoa visada. Todavia, parece que tal não é possível. De qualquer modo, e a pedido das pessoas que subscreveram o abaixo-assinado, a mesa vai dar conhecimento do seu teor à assistência:

Considerando a inexistência de intervenção por parte do representante, militante e dirigente da OMJ, Mário Franco;

Considerando que este facto é estranho, uma vez que não lhe foi imposta a «lei da rolha»;

Solicitamos à mesa que envide esforços no sentido de inscrever para uma intervenção o Sr. Mário Franco.

Em relação a esta matéria, a posição da mesa é a seguinte: obviamente, trata-se de uma pretensão que

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não pode ser resolvida pela mesa e que não pode deixar de caber no critério exclusivo da pessoas visada.

O Sr. António José Seguro (IS): — Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, Sr. António José Seguro.

O Sr. António José Seguro (JS): — Queria propor à consideração da mesa e dos restantes amigos aqui presentes que a nossa pretensão possa ser considerada válida até ao encerramento da Conferência.

Aplausos.

O Sr. Presidente: — Srs. Conferencistas, nada mais havendo a tratar, vamos encerar por hoje os nossos trabalhos, que continuarão amanhã, à hora aprazada.

Relembro-vos que se vai realizar, pelas 20 horas, um jantar oferecido pela Assembleia da República, para o qual estão convidados não só os participantes como todos os nossos convidados. Dois autocarros asseguram o nosso transporte para o local onde será servido o jantar.

Solicito-vos que estejamos aqui, amanhã, à hora prevista no programa distribuído, a fim de podermos esgotar em tempo útil o resto dos trabalhos.

Estão encerrados os nossos trabalhos.

Eram 19 horas e 40 minutos.

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Depósito legal n.° 8819/85

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E. P.

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