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II Série — Suplemento ao número 70

Segunda-feira, 27 de Abril de 1987

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)

SUMÁRIO

Proposta delein.851/IV(LeiOrgânica dos Tribunais Judiciais):

Aclas das reuniões de 24 e 26 de Março de I987 da Subcomissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garantias.

Actas das reuniões de 24 e 26 de Março de 1987 da Subcomissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Reunião do dia 24 de Março de 1987

O Sr. Presidente (Licínio Moreira da Silva): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 43 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início à rcuniüo para análise da proposta de lei n.9 51/IV, sobre a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que será apresentada no Plenário no próximo dia 2 de Abril, com a audição do Sr. Procural--Gcral da República. Desejo manifestar ao Sr. Procurador--GcraJ os meus respeitosos cumprimentos c o agrado que sempre temos cm recebe-lo nesta Casa para o esclarecimento dc assuntos que dizem respeito à justiça.

Gostaríamos que o Sr. Procurador-Gcral fizesse uma análise geral sobre este diploma, sobre os aspectos que lhe merecem algum reparo positivo ou negativo c depois entraríamos nas perguntas c pedidos dc esclarecimento.

Tem a palavra o Sr. Procurador-Gcral da República.

O Sr. Procurador-Geral da República (José Narciso Rodrigues): — Sr. Presidente c Srs. Deputados: E sempre com muito prazer que venho a csia Assembleia. Não só para contactar com VV. Ex.as, que representam o que dc melhor tem a democracia neste país, como lambem porque tenho tido sempre oportunidade dc aprender alguma coisa.

Os tribunais süo um pequeno sistema da vida democrática deste país, que ultimamente ganhou ênfase c importância no discurso político, o que penso ser perfeitamente justificado. Tudo o que se possa fazer para acentuar o interesse c a alcnçüo que merecem os tribunais c urgente c importante.

Confesso que lenho alguma dificuldade em falar da lei orgânica dos tribunais porque ela representa, dc algum modo, um trabalho cm que cu participei não nos últimos tempos, mas há quatro ou cinco anos. Como os Srs. Deputados sabem, houve um anteprojecto de lei orgânica que foi preparado cm 1982 ou 1983 no qual participei. Este, tanto quanto me apercebo, em traços gerais, segue aquilo que foi feito, embora tenha uma nota que penso dever sublinhar trata-sc de um projecto apresentado quatro ou cinco anos depois, portanto, perante condicionalismos diferentes.

O Governo teve a amabilidade dc me ouvir quanto a este projecto. Manifestei a minha posiçüo e algumas soluções reflectem já a opiniüo que expendi. Outros nüo.

Pcrmito-mc dizer, cm traços muito gerais, que um projecto desta natureza pode fazer-sc segundo três vectores: um, a que chamaria dc flexibilidade; outro, a que chamaria dc programático, c um terceiro, a que chamaria, com uma conouiçüo um tanto ou quanto pejorativa, um projecto pouco claro. Seria flexível sc o projecto contivesse soluções dc tal modo concebidas que cm cada momento sc pudessem ajustar às necessidades concretas.

É assim que as coisas tem sido feitas nalguns países. As leis orgânicas dos tribunais süo muito genéricas c permitem adapüir-sc cm cada momento às soluções que os governos preconizam para resolver os problemas do sistema judicial. Outras vezes, trata-sc nüo tanto dc deixar uma grande margem dc manobra a soluções conjunturais, mas sim dc estabelecer linhas programáticas c consequentemente muito genéricas que os diplomas regulamentares irào desenvolver. Uma terceira via, que seguramente penso que nüo será esla, corresponde àqueles casos cm que os projectos náo correspondem a ideias muito claras c, portanto, contem uma serie dc soluções que süo, na maioria das vezes, contraditórias, pouco conseguidas c dc difícil leitura.

Creio que esle projecto —c digo isto a título meramente pessoal — pretende deixar ao regulamento a maior parte das soluções. Por isso mesmo é um projecto dc difícil leilura. Seria muito mais fácil analisá-lo se viesse acompanhado do diploma regulamentar.

Gostaria muito rapidamente dc salientar cinco ou seis pontos cm que este projecto é permissivo. No arligo 48.9 diz-sc que o tribunal colectivo pode ler ou nüo juizes privativos, depois no artigo 51.8 diz-sc que o tribunal colectivo pode ou nüo funcionar como tribunal dc círculo, depois no n." 2 do mesmo artigo diz-sc que o tribunal dc

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círculo pode ou não ser especializado, depois no n.9 1 do artigo 80.* diz-se que os tribunais podem ou nüo desdobrar--se, no n.8 2 diz-sc que os tribunais podem ler um ou mais juízes c no n.c 3 diz-sc que os juízes podem ou nüo trabalhar num só tribunal. Noutro artigo diz-sc ainda que os tribunais podem ou não ler presidente.

Isto significa que, sem o regulamento, nüo só c difícil ler este projecto como c difícil emitir uma opinião.

O projecto pode ser óptimo, pode ser bom, mas confesso que, como procurador-geral, preferiria que ele fosse acompanhado do regulamento ou então que tomasse opções muito claras sobre qualquer dos pomos que aqui estão preconizados. Não teria dificuldade cm emitir a minha opinião sobre as soluções que este projecto contem cm alternativa c que cu preferiria que contivesse apenas uma solução ou cnulo que viesse acompanhado de um regulamento.

Quanto ao tribunal colectivo, penso que deve ter sempre juízes privativos, a nüo ser numa hipótese que admitiria residualmente; isto 6, naqueles casos cm que não há juízes cm número suficiente. Nos casos cm que existam juízes cm número suficiente o tribunal colectivo deve ler juízes privativos, porque se se admite que nuns casos o Conselho Superior da Magistratura fixe juízes privativos para o tribunal colectivo c noutros não lixe, iremos ter grandes dificuldades de gestão, como já csuimos a ter, c poderemos alé ler dificuldade a nível de ideia de juiz natural.

Por outro lado, a ideia de que os juízes podem trabalhar cm mais de um tribunal c uma ideia que aceito, como técnico, a título transitório, mas que penso ser uma má solução cm termos definitivos. Os juízes devem trabalhar num só tribuna/.

Noto também neste projecto —c digo-o com todo o respeito para com os seus autores — uma cena confusão a nível dogmático. Por exemplo, no artigo 10.*, fala-se de divisão judicial c no n." 4 adianta-se logo que haverá tribunais de círculo com jurisdição nas comarcas limítrofes; isto 6, põe-sc num artigo que se refere à divisão judicial matéria que se refere à competência dos tribunais. Ora, coisas do mesmo género aparecem muitas vezes neste projecto. Dá-me ideia que isto corrresponde a uma intenção que penso ser de louvar c que c tornar o sistema llcxívcl c disponível para um bom regulamento, mas dá ao interprete uma grande dificuldade de leitura.

Em relação às soluções de fundo, tenho para mim como líquido que hoje não sc podem organizar tribunais senão através de uma ideia de diferenciação de instâncias, indo para um sistema cm que haverá tribunais que julgam casos menos graves c tribunais que julgam casos mais graves. Isso não pode corresponder a uma ideia simplista de organização de tribunais. Tem de corresponder a uma ideia integrada. Os tribunais que julgam questões menos graves tem de ler um sistema processual diferente, fundamentalmente baseado nas ideias de citação directa c oralidade, têm de ter um sistema de acesso diferente à justiça. São naturalmente vocacionados para dirimir pleitos cm que as panes têm menor capacidade económica, tem de ter uma maior proximidade cm relação ao litígio c um sistema de custas diferente. Os tribunais que julgam as grandes causas lem dc ser tribunais a que corresponde uma forma de processo mais solene, têm dc ser tribunais com um ritual processual mais rígido, devem ser tribunais cm que a ideia dc acesso à justiça possa ser temperada, cm matéria dc custas, dc uma maneira mais gravosa para as partes.

Por tudo isto, um juízo sobre este projecto tem que ver com uma concepção integrada dc justiça que passa por vectores como é o processo, o Estatuto dos Magistrados,

custas, acesso ao direito, etc. Só a partir dessa análise integrada é que sc poderá fazer um juízo sobre a bondade do projecto.

Posso adiantar dois ou três pontos que penso serem mais importantes. Anuncia-se aqui o princípio dc diferenciação dc instâncias, mas isso c feito dc uma forma ulo flexível que o leitor fica um tanto ou quanto baralhado acerca das soluções que vão ser preconizadas. Por exemplo, fala-se cm tribunais dc competência específica. Nos tribunais de competência específica contam-se os juízes cíveis, os criminais, os dc polícia c os dc tribunais de pequenas causas, mas, ao certo, não fica uma ideia muito concreta quanto ao modo como esses tribunais vão ser distribuídos pelo território.

Vou dar-lhes um exemplo concreto: diz-se aqui que os juízos dc polícia julgarão processos relativos a transgressões, ainda quando o infractor lenha sido preso cm flagrante delito, c o julgamento dos recursos das decisões das autoridades administrativas. Ora, fico sem saber quem é que vai julgar os processos sumaríssimos que o Código dc Processo Penal prevê. Depois fala-se cm tribunais dc pequenas causas dc uma forma que também me deixa alguma dúvida sobre qual irá ser a competência desses tribunais. Em matéria penal, qual irá ser a sua competência sc os processos sumaríssimos forem julgados nos juízos dc polícia? E sc não forem julgados aí, qual será o critério pelo qual estes processos serão atribuídos aos tribunais dc pequenas causas?

Sem ser negativo quanto ao projecto, que penso corresponder a soluções equilibradas c hoje quase inelutáveis cm matéria dc organização judiciária, queria deixar a ideia dc que o projecto tem a ver com as soluções que forem implementadas a nível do regulamento.

No artigo 35.9 está algo que penso ser importante c que são os assessores no Supremo Tribunal dc Justiça. Preconizo essa ideia — tive já ocasião dc manifestar essa opinião, que não foi acolhida—, mas penso que reservar a assessoria do Supremo Tribunal apenas a juízes de direito é uma ideia errada. Sou muito pela ideia dos assessores, mas não por uma ideia dc assessores que sejam referendários reservados a magistrados. Sei que há países que têm preconizado essa solução, mas ela tem riscos. Seria, sim, por uma ideia dc assessores juristas que poderiam ser juízes, magistrados do Ministério Público, advogados ou assistentes. Mas ao dizer a lei que estes assessores apenas serão extraídos dc juízes dc direito, pode correr-sc o risco que sc correu, por exemplo, nos EUA, cm que a dccalage entre os juízes do Supremo Tribunal Federal c os assessores era dc tal modo grande, mesmo cm termos etários, que a partir dc certa allura quem decidia não eram os juízes, mas sim os assessores. Esse risco é potenciado quando se cria uma magistratura dupla — a dos assessores que são magistrados c a dos juízes do processo.

Preferiria, pessoalmente, uma solução muito mais aberta c que seria a que já referi. Os assessores seriam juristas. Sc, por exemplo, houvesse um corpo dc dez assessores, haveria, por hipótese, dois ou três magistrados, ires assistentes, dois advogados. Mas haver uma espécie dc corpo paralelo, recrutado dc uma magistratura inferior cm termos dc hierarquia, que funciona no Supremo Tribunal c que todos sabemos ser constituído por juízes no fim da carreira, pode ter perigos. Digo isto aqui sem qualquer ideia pejorativa quanto à grande qualidade que têm os senhores juízes do Supremo. E apenas uma questão dc princípio c dc organização. Não é uma questão pontual relativa aos magistrados que hoje compõem o Supremo Tribunal.

Volto a referir o n." 2 do artigo 48.ç, que diz que «no tribunal dc círculo, o colectivo é constituído lOlã) OU

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parcialmente por juízes privativos». Sc nüo dissermos que há juízes privativos no tribunal colectivo voltaremos a ler os problemas que sempre tivemos c que 6 a concessão dc que haja no colectivo juízes que fazem outras coisas c que, portanto, nüo são juízes privativos, com todos os riscos que isso tem para a eolegialidade do tribunal.

Quanto ao artigo 51.9, tenho dúvidas quanto à própria dcsignaçüo dos tribunais e à cspccializaçüo dos tribunais dc círculo, mas isso nüo 6 o mais importante.

No artigo 74.9 tenho a tal dúvida quanto aos tribunais dc pequenas causas que gostaria de voltar a salientar. Nüo sei o que irá ser dado a estes tribunais e a minha prcocupaçüo nüo é meramente teórica. Já ouvi dizer — c nüo tenho qualquer acesso a dados oficiais — que havia a ideia dc criar cm Lisboa tribunais dc pequenas causas dc bairro. Tendo cu perguntado o que 6 que iam fazer esses tribunais dc pequenas causas, disseram-mc que iriam julgar o que julgam os corrcccionais c os juízes cíveis. Perguntei, já um pouco maliciosamente, quantos tribunais sc pensava criar cm Lisboa c responderam-mc que muito poucos, que qualquer andar daria para instalar um desses tribunais. Fazendo contas, muito por alto, concluí que seriam necessários tribunais com a dimcnsüo do dc Braga c nüo chegariam.

A ideia que lenho do tribunal dc pequenas causas nüo 6 dc modo algum um tribunal que corresponda ao nosso tribunal correccional c muito menos ao nosso juízo cível. Sc for essa a ideia, parccc-mc profundamente errada, na medida cm que isso não vai resolver o problema da dcsconccntraçüo dos tribunais nem muito menos das garantias que devem ser dadas às pessoas que demandaram os tribunais.

No artigo 101.9 há uma solução que nüo só parece como é progressista, mas que tem grandes riscos. Sou a favor da ideia de sc aumentar a competência dos secretários judiciais, mas essa ideia, aliás, como todas, tem dc ser aberta, tem dc partir do princípio dc que há uma formação correcta dos funcionários dc justiça. Há uma coisa que até hoje não tem sido perfeitamente equacionada c que é importante fazê-lo: cada vez mais temos dc tornar claro que os tribunais süo uma área privilegiada para licenciados cm Direito, que hoje começamos a ter cm excesso. Nota-se muito pouca concorrência dc licenciados cm Direito a lugares dc funcionários dc justiça, porque esses lugares não estão prestigiados a nível da função c da imagem que têm na opiniüo pública.

Esse 6 um passo importante que sc deveria dar c penso que dando-o, desde que temos licenciados cm Direito, é possível caminhar no sentido dc delegar nos secretários judiciais muitas tarefas. Mas o que vejo delegar aqui? Vejo delegar decisões sobre matéria dc custas, o que penso ser inconstitucional. No sistema cm vigor, a materia dc custas é a parte integrante da sentença, que 6 uma funçüo jurisdicional. Portanto, ou há uma soluçüo dc processo que torne claro que as custas nüo fazem parte da sentença, que süo uma matéria apenas dc contabilidade, dc pura aplicaçüo dc operações materiais c os secretários judiciais podem ter acesso a ela ou então é inconstitucional. Mas mais do que isso, penso que este sistema que dá aos secretários judiciais competência para decidir sobre custas c que permite reclamar do secretário para o juiz vai complicar tudo. Hoje, grande número dos nossos secretários tem competência para fazer contas, mas não tem preparação jurídica para decidir sobre reclamações ou sobre custas.

Parccc-mc que a maior parte dos nossos secretários não lem, neste momento, preparação jurídica para decidir sobre custas. Têm, sim, competência mais do que comprovada

para fazer contas c operações de custas. Este sistema, aparentemente avançado c progressista, neste momento e nesta conjuntura, pode ser perigoso, embora eu admita que com o evoluir do tempo teremos de caminhar nesse sentido.

Srs. Deputados, fundamentalmente era isto que queria dizer. Estou à vossa disposição para as perguntas que quiserem formular-me.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Procurador-Gcral da República, gostaria dc lhe colocar apenas uma dúvida. Comungo inteiramente da apreciação que V. Ex.! fez quanto à pouca clareza deste texto e da necessidade dc ter vindo acompanhado dc um regulamento que o esclarecesse. Dificilmente sc consegue chegar a uma conclusüo. Por exemplo, só depois dc sc apontar tudo quanto se diz num artigo c cortar determinadas coisas noutros artigos, é que sc consegue chegar à conclusüo dc que os tribunais dc comarca süo tribunais singulares, que os tribunais dc círculo é que süo colectivos ou dc júri, etc. Há toda uma série dc indicações que primitivamente dão a entender que os tribunais são várias coisas c depois essas coisas vão sucessivamente sendo eliminadas até sc tirar uma conclusão. O texto está confuso c arrevesado, sendo necessário fazer uma leitura muito acompanhada para sc poder tirar uma conclusüo. Sc ele tivesse vindo acompanhado do regulamento a clareza seria maior.

A minha crítica ó esta: criam-se tribunais colectivos que passarão a funcionar como tribunais dc círculo para apreciar as causas mais importantes com os inconvenientes que isso implica para as partes, para as testemunhas e para os peritos que terão dc sc deslocar das suas comarcas ao local onde funcionaram os tribunais dc círculo. Nüo coloco o problema cm relação às grandes cidades onde isso não tem qualquer significado, mas sim cm relação à província, onde muitas vezes as pessoas residem a quilómetros c quilómetros da sede do futuro tribunal dc círculo, e isso irá ter implicações dc vária natureza: a dificuldade dc transporte, o encarecimento das deslocações e sobretudo o encarecimento da justiça para as panes mais débeis.

Compreendo a necessidade que teoricamente sc possa sentir no sentido dc os tribunais colectivos funcionarem com juízes efectivos c que estejam a julgar a tempo inteiro, mas contra essa bondade do sistema antepõe-sc as dificuldades graves c o encarecimento da justiça para as partes.

Daqui ainda sc pode tirar coutra conclusão. Funcionando os tribunais dc círculo normalmente nas sedes dos distritos, isto irá fazer com que sejam apenas os advogados que têm os seus escritórios nas sedes dos círculos que irão ser os advogados das causas mais importantes, pois as partes tenderão a encontrar um advogado que seja mais cm conta, que nüo obrigue a despesas dc deslocação.

Süo estas as críticas que, para já, coloco aos tribunais dc círculo, conforme aqui estuo previstos.

O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Prcocurador-Gcral da República.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado Armando Lopes, esse foi um dos aspectos que tive ocasião dc ponderar. Os argumentos que V. Ex.! invoca süo, de facto, impressionantes. É evidente que os custos têm dc ser analisados.

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Há anos, üvc ocasião de investigar esta matéria e concluí que éramos o último País na Europa que linha uma solução dc justiça itinerante. Já di/ia um grande autor italiano que «juiz que viaja é juiz que não trabalha». Efectivamente, a partir de determinada altura, só cm Inglaterra, c episodicamente, 6 que sc manteve a figura de juiz itinerante.

Em termos dc custos, quando há anos fiz o levantamento da situação, concluí que a justiça que unhamos c ainda temos é extremamente cara, pois as partes não sc deslocam a longas distâncias, mas deslocam-se sete, oito, nove, dez vezes à sede do município. São frequentes sete, oiio, nove, dez adiamentos numa acção cível ou porque o vogal do colectivo está impedido noutro julgamento ou porque o juiz marca três julgamentos para o mesmo dia. Com o actual tribunal colectivo, que é um tribunal itinerante, as partes têm dc sc deslocar muitas vezes à sede da comarca.

Há tempos, tive ocasião dc falar com um ilustre advogado que me deu conta dc quanto custava um adiamento. Não custa cm termos processuais, mas custa muito, pois, como todos os Srs. Deputados sabem, a parte paga às suas testemunhas — isso é um dado sociológico deste país—, paga-lhes não só a viagem dc camioneta como também o almoço c um dia dc trabalho. Com o actual sistema, que é aparentemente barato, as parles gastam consideráveis somas dc dinheiro.

Sc conseguirmos ir para um sistema cm que o julgamento sc faça c não seja adiado, a parle só paga uma vez a deslocação c será preferível deslocar-se uma vez a 70 km do que deslocar-se sele, oito ou dez vezes a 20 km. Claro que isto tem dc ser dito cum granno saiis, pois tudo depende do mapa judiciário que for encontrado. Não pode ficar tudo cm sedes dc disirito. Não poderei aceitar, dc modo algum, que sc crie um tribunal dc círculo apenas na sede dc distrito. Tem dc ser encontrados círculos mais pequenos, embora a nível europeu os nossos círculos judiciais representarem já hoje uma grande proximidade das populações. Tive ocasião dc verificar que mesmo cm países pequenos é frequente haver círculos com muito mais espaço. Não podemos comparar tudo sem fazermos uma avaliação dos meios dc comunicação, dos níveis dc vida, etc. Mas tudo isso depende, como já disse, do modo como for feita a divisão do território.

Por outro lado, temos uma experiência importante que é a dos tribunais dc trabalho que funcionaram quase sempre na sede do círculo.

Têm funcionado com excepções. Como sabem, há comarcas que têm competência cm matéria laboral, mas no mapa do País a grande regra é funcionarem como tribunal dc círculo. As partes não sc queixam. Mais do que isso: as partes são trabalhadores, são pessoas com pouca capacidade económica, mas preferem esse sistema que vai funcionando — houve, dc facto uma época crítica cm que esses tribunais estiveram bloqueados, mas, felizmente, está ultrapassada. Portanto, é preferível uma deslocação a maior distância, mas que garanta às partes que o julgamento será feito cm boas condições.

Quanto aos senhores advogados, a ideia que lenho é que isso não irá ler grande impacte na distribuição das procurações. As partes querem o advogado cm quem confiam c não é por ele ter dc viajar 30 km ou 40 km que os honorários serão aumentados. O que o advogado contabiliza — c os Srs. Deputados sabem isso muito melhor do que cu — são os dias que perde com uma acção que não é julgada. Sc, por exemplo, for sete vezes ao tribunal c não sc fizer o julgamento, o advogado perdeu o dia c contabiliza isso.

Portanto, trata-sc dc questões de eficiência, de sistema que não podem ser analisados isoladamente. Se vamos para um sistema cm que esses tribunais funcionam, não adiam os julgamentos, passa a haver um sistema integrado de acesso à justiça, continuando as partes que não podem pagar despesas judiciais a ler assistência judiciária, ou seja, a ter as suas despesas participadas ou garantidas.

Por outro lado, sc formos para um sistema em que, em casos pontuais, e o projecto prevê isso, o tribunal sc desloca —e cu admito que haja casos desses porque, por exemplo, no Nordeste Transmontano não 6 possível que as pessoas sc desloquem dc Miranda do Douro a Bragança, até porque cm Miranda do Douro deve haver por ano apenas cinco ou seis julgamentos que exigem tribunal colectivo—, não só não vejo que haja dificuldades para lai como não vejo outra alternativa, pois teríamos dc ter descoberto um sistema ideal que outros países não descobriram c eu fico sempre com dúvidas quando pretendemos ser originais. Embora pense que devemos optar por um sistema integrado, penso também que o nosso país tem de seguir por este caminho.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Procurador-Gcral da República, cm relação aos adiamentos, devo dizer que continuo a não concordar com o que foi aqui referido, porque entendo que os adiamentos lanio podem ser feitos nos tribunais dc comarca como nos tribunais dc círculo, ou seja, podem fazer-sc sempre. Portanto, não vejo que o Código dc Processo Civil tenha sido alterado, pelo que os motivos dc adiamento tanto funcionam num lado como no outro, pondo-sc sempre a questão de que as deslocações são sempre caras.

Quanto à experiência dos tribunais do trabalho, o Sr. Procurador-Gcral da República vai desculpar-me — e não tome isto como uma espécie dc crítica à exposição que fez, porque a missão é precisamente a dc apreciar os argumentos para sc poder lirar algumas conclusões —, mas parece-me que csics tribunais criaram às populações o hábito dc sc terem dc deslocar ao tribunal, pelo que, neste caso, sc tratará apenas dc uma simples continuidade dc um sistema já adquirido.

Por outro lado, a explicação que o Sr. Procurador-Gcral da República deu sobre esta questão levanta-me outro tipo dc dificuldade. Dc facto, embora sc diga que os tribunais sc podem deslocar — e a lei permitc-o —, a verdade é que muiuis vezes, quer cm matéria civil, quer cm matéria crime, os juízes sentem necessidade dc ver ou o local onde as coisas aconteceram ou o objecto da dispuia. Ora, para quem põe acções muito longe da sede do tribunal do círculo judicial, isso implica novamente uma deslocação mais dispendiosa, que seria evitada sc os tribunais estivessem mais próximos, pois uma coisa é uma deslocação dc 3 km, 4 km ou 5 km c outra é uma deslocação dc 50 km.

Estas são, para já, as observações que quero fazer cm relação à teoria expendida, mas sempre digo que a nossa originalidade já criou raízes. Aliás, lanio quanto me lembro — c já lá vão mais dc 40 anos —, trabalhei sempre com tribunais que funcionam nas comarcas. Portanto, poderemos ser originais, mas a nossa originalidade tem profundas raízes numa tradição que estava perfeitamente aceite por toda a geme, o que poderá, sim, acontecer é surgir o perigo dc querermos alcançar situações estranhas que não sc conjuguem muito bem com o nosso modo dc ver c úc ana/úar os problemas em Portugal.

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Portanto, cm minha opiniüo, original seria, sim, a alteração de tudo o que já deu provas dc ser uma fonte de situações gravosas para as pessoas que tem vivido num clima jurídico diferente daquele que este projecto vai criar.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Procurador--GcraJ da República.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, recebo sempre com agrado c com grande prazer intelectual as críticas que fazem aos meus argumentos, mas dc facto não se trata dc, cm homenagem a uma certa originalidade, proceder à alteração do sistema, irata-sc, sim, dc fazer um diagnóstico dos males que acometeram o sistema judicial português.

Como o Sr. Deputado Armando Lopes sabe, há, por exemplo, tribunais colectivos que sc têm dc deslocar a áreas que ficam a cerca dc 100 km da sede, o que implica uma viagem dc cinco horas. Ora, quando esse tribunal colectivo chega à comarca, apenas lhe resta adiar o julgamento. Sc o Sr. Deputado pedir —c não sei sc, neste momento, o Ministério dispõe dc elementos— um mapa dos adiamentos dos tribunais colectivos, coisa que existia há anos c que tive ocasiüo dc estudar, verá que é impressionante o número dc adiamentos. Esses adiamentos ficam a dever-sc ao facto de o vogal do tribunal colectivo ter tido um réu preso c nüo ler podido fazer o julgamento ou ao facto dc o presidente do colectivo ter marcado um julgamento que náo pode realizar por ter surgido um outro cm que havia um réu preso ou ao facto dc o iribunal sc ler deslocado a uma comarca que dista 100 km, o que nüo lhe permitiu fazer o julgamento, etc.

Portanto, trata-se dc uma qucstüo dc organizaçüo c dc método c nüo dc uma qucstüo dc filosofia, porque é evidente que sc fosse possível dotar cada tribunal colectivo com um helicóptero para o deslocar todos os dias para a comarca, cu era apologista do sistema dc julgamento à porta dc casa.

Creio que a discussüo estaria um bocadinho viciada sc cu fosse aqui interpretado como vindo defender que a justiça que sc distancia das pessoas é uma boa justiça. Não sc trata disso, pois cu sou por uma justiça tanto quanto possível ao pó da porta. No entanto, cm termos da organizaçüo c dc método, sc fizermos uma análise científica das questões, veremos que hoje isso ainda não é possível.

Por outro lado, é verdade que há casos cm que o tribunal sc deve deslocar ao local do crime para fazer uma vistoria, uma inspecção, mas esses casos representam uma percentagem relativamente pequena. Aliás, hoje, há uma grande gama dc acções, como, por exemplo, acções sobre o estado das pessoas, que sc sc passarem na sede do círculo implicam um trabalho dc pouca duração, mas sc sc passarem na comarca podem implicar um dia dc trabalho. Inclucm-sc nesta gama dc acções as acções dc divórcio por mútuo consentimento, as dc divórcio litigioso cm que não haja dificuldade dc apreciação dc prova, etc. Enfim, são acções que o juiz julga, ás vezes, numa hora ou cm duas, podendo nesse dia fazer mais três ou quatro julgamentos, o que já não acontecerá sc os juízes fizerem uma deslocação dc 100 km, com a qual gastam cinco horas dc viagem.

Esta questão está tão estudada que seria fácil à Assembleia da República pedir ao Ministério os elementos existentes sobre a matéria. Todavia, queria que ficasse bem claro no espírito dos Srs. Deputados que cu não defendo uma justiça distanciada das populações. Só que, neste momento, náo encontro alternativa para uma certa organização que tem a ver com a gravidade, com a dimensão c com a própria estruturação processual das acções.

Por outro lado, cm termos dc direito comparado, penso que continuaríamos a ser originais — o que é bom — se conseguíssemos manter círculos com uma dimensão relativamente concentrada. Nüo sou, de modo nenhum, apologista dc ideia do distrito, mas penso que haveria um ccrlo equilíbrio se conseguíssemos organizar círculos relativamente concentrados na base, por exemplo, dos 40 km, 50 km ou 60 km.

Hoje, com as actuais vias de comunicação e meios dc transporte, uma distância de 50 km representa apenas cerca dc uma hora e meia dc viagem, o que nüo vai encarecer extraordinariamente a justiça.

O Sr. Deputado Armando Lopes disse também que os adiamentos tanto se fazem na comarca como no círculo, o que é verdade. Simplesmente, por motivos inerentes à estrutura do tribunal, um diagnóstico da situação leva-nos a aceitar que sc fazem muito mais adiamentos quando o tribunal colectivo ou nüo tem juízes privativos ou se tem dc deslocar. Naturalmente que se ele se vai deslocar para uma comarca dc periferia por causa dc um julgamento dc réu preso c o referido réu nüo é apresentado a julgamento ele não pode fazer outro julgamento, pois nüo teve tempo para o agendar.

No entanio, isto é muilo mais uma questão dc organizaçüo c dc método do que dc filosofia dc sistema. Nós estamos, fundamentalmente, dc acordo com os princípios, mas talvez estejamos cm ligeira discordância quanto às soluções práticas que têm a ver com o esludo sobre o terreno. Queria deixar muito claro que concordo que haja um tribunal colectivo cm Bragança ou em Braga, devendo--sc fazer um estudo c erigir, como princípio fundamental, a comodidade dos povos c a organização do tribunal, admi-lindo-sc, residualmente, a deslocação do tribunal nos casos cm que a própria organizaçüo judiciária nüo puder abranger estes princípios.

Dc resto, estes princípios que citei nüo süo novos c cslüo consagrados numa dcclaraçüo dc princípios da ONU sobre tribunais c a organizaçüo judiciária. Essa dcclaraçüo dc princípios, que é muilo pouco conhecida no nosso país, dá como assenic que as soluções da organização judiciária têm dc ser mais ou menos desconcentradas, sendo necessário alender aos casos dos povos que vivem isolados cm ilhas ou cm territórios que têm dificuldades dc comunicação. Ora, isso é que tem dc ser visto aqui no terreno c, portanto, longe dos princípios que nós temos estado aqui a arquitectar muito teoricamente.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Sr. Procurador-Gcral da República, gostaria, cm primeiro lugar, dc expressar o prazer que tenho cm vê-lo aqui novamente. Em segundo lugar, gostaria dc salientar que a qucstüo levantada pelo Sr. Deputado Armando irá ser, cm termos das grandes linhas desta Lei Orgânica dos Tribunais, o pomo fundamental dc uma eventual discórdia. No fundo, a grande novidade que esta Lei Orgânica nos traz c a da criação dos tribunais dc círculo c a da substituição do juiz itinerante ou do corregedor ou do presidente do círculo, como ultimamente sc chamava.

Não deixa dc ser curioso o facto dc uma experiência semelhante poder levar a juízos opostos, c a prova disso é a opinião dada pelo Sr. Deputado Armando Lopes, que lerá aproximadamente uma experiência idêntica à minha. Dc facto, parece-me que a soluçüo seguida até hoje da existência dc um juiz itinerante era, por várias razões, uma má

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solução c cra-o não só porque ele perdia muilo lempo pelo caminho, como lambem linha de marcar uma série de julgamentos para o mesmo lempo, adiando-os de seguida, porque apenas podia fazer um deles.

A este propósito, permito-me discordar de uma das observações que o Sr. Deputado Armando Lopes fez. Isto é, creio que a alteração do sistema, indcpcndcntcmcnic da alteração do Código dc Processo Civil, pode levar a uma redução do número dc adiamentos. Adiamentos esses que aconteciam muitas vezes porque os juízes corregedores marcavam vários julgamentos para o mesmo dia, cxaciamcnie na esperança dc aproveitarem melhor o tempo.

Na verdade, a maior parte dos juízes corregedores com quem tive oportunidade dc trabalhar faziam um pouco o contrário do que o Sr. Procurador-Gcral da República dizia há pouco quando referiu que muilas vezes estava marcado, por exemplo, um julgamento dc querela, que, ao não fazer--sc, estragava o dia ao juiz, que já não linha tempo dc ir a oulra comarca.

Bom, muitos dos juízes corregedores com quem trabalhei para obviarem a este inconveniente faziam outra coisa, que era marcar três ou quatro julgamentos para aquela comarca no mesmo dia na esperança dc que um deles se havia dc fazer. Só que se acontecia que as partes dos vários julgamentos queriam todos elas que o julgamento se fizesse, eram, por via do tribunal, adiados ires ou quairo julgamentos.

Por outro lado, havia ainda uma oulra fonte dc adiamento que linha a ver com o juiz singular. Ou seja, como o juiz singular era «a asa» do uribunal colectivo c, como os julgamentos que exigem tribunal colectivo linham prioridade sobre os julgamentos singulares, todos os julgamentos marcados para aquele dia para serem realizados pelo juiz singular eram adiados. Portanto, creio que esta separação pode efectivamente determinar uma redução considerável do número dc adiamentos que até aqui linham lugar por força do funcionamento do próprio tribunal c não por vonladc das partes.

Em relação ao argumento expendido sobre as despesas que as partes têm dc fazer pelo facto dc a justiça não ser ião ao pé da porta, devo dizer que muiuis vezes me interrogo se há 40 ou 50 anos não seria mais difícil as pessoas dcslo-carem-sc à sede do concelho do que hoje se deslocarem à sede do círculo, sobretudo se estes círculos forem reduzidos.

Note-se que os círculos também não podem ser muito reduzidos, porque o argumento da proximidade começa a ser reversível, ou seja, sc se fizerem círculos muilo pequenos, com distâncias não superiores aos lais 40 km, talvez já não fosse assim táo inconveniente que o juiz sc deslocasse.

Por outro lado, parece-me que é necessário ver por que é que certas acções icm dc ser julgadas cm tribunal colectivo, pois a utilização exclusiva do critério do valor é uma solução basianic má. Aliás, estou a pensar sobretudo na parte da exposição cm que o Sr. Deputado Armando Lopes sc referia à necessidade que o tribunal tem dc sc deslocar para colher determinadas informações que são necessárias para a formação do seu juízo c que assumem particular relevância no caso dos acidentes dc viação, cm que o tribunal tem, cm regra, dc sc deslocar ao local do acidente para o icniar reconstituir c formular um juízo sobre a culpa.

Bom, só que cu entendo que os acidentes dc viação têm dc ter necessariamente — c têm por ioda a Europa — uma forma dc julgamento diferente da que c por nós utilizada. É que sc, dc facto, sc vai continuar a entender que os julgamentos dos acidentes dc viação têm dc ser entregues ao tribunal colectivo, podendo demorar x anos nos tribunais c não sc encontra uma forma rápida c expedita úc ik julgar

— como creio que acontece por toda a Europa, com excepção dc Portugal — então, neste caso, já nüo parece correcto que eles devam ser confiados a esse tribunal.

E evidente que todos os argumentos são respeitáveis e eu compreendo que é fácil argumentar num sentido ou noutro, mas para tornar mais útil esta presença do Sr. Procurador--Gcral cu queria esclarecer duas ou três dúvidas que ficaram da exposição que V. Ex.9 fez. Uma delas tem a ver com o n.9 2 do artigo 48.9 da proposta de lei cm questão. Aliás, V. Ex.s disse — c bem — que este diploma deixa muitas dúvidas no ar c, por exemplo, como dizia o Sr. Deputado Armando Lopes, a questão da sede do tribunal do circulo é algo que nem sequer está claramente expresso na proposta dc lei, decorrendo apenas da sua leitura.

Como dizia, no n.9 2 do artigo 48.° da proposta dc lei, V. Ex.s criticou o uso da expressão «total ou parcialmente», pois isso daria a ideia dc que o tribunal colectivo nem sempre seria constituído por juízes privativos. É curioso que esta expressão não me magoou nada porque entendi — c não sei cm que medida é que o meu entendimento é correcto — que a expressão «parcialmente» linha a ver com os juízes sociais. Na verdade, ncsla Lei Orgânica prevê-se dois tipos dc tribunais colectivos. Ou seja, prevê--sc não só o tribunal colectivo constituído por dois juízes c pelo presidente como também o que é constituído por juízes sociais, como no caso das questões dc trabalho c no caso das questões que tenham a ver com o arrendamento rural.

Assim, a dúvida que sc me põe é se esta expressão «parcialmente» não terá a ver exclusivamente com esse tipo dc tribunais colectivos. É claro que sc essa é a intenção do legislador, mas há outras formas mais claras para o dizer c importava que fosse dito.

A propósito da questão dos juízes sociais c do facto dc o artigo 66.° da proposta dc lei sc referir aos tribunais dc trabalho, gostava dc dizer que uma das coisas que alé agora tem magoado muilo os juízes dos tribunais judiciais é precisamente a dc sc ter entendido que o juiz do tribunal do trabalho deve ganhar mais do que o juiz da comarca, o que é injusto, porque normalmente nos tribunais do trabalho há menos trabalho do que nos tribunais judiciais c levava alguns magistrados a criticarem essa situação dc privilégio cm que sc encontravam os juízes do tribunal do trabalho.

Ora bem, creio que este diploma mantém essa situação dc privilégio do juiz do tribunal do trabalho e agora com esta agravante dc a decisão das questões dc trabalho poder ser tomada noutro tribunal quando for caso disso c, portanto, nem sequer sc reata aquela tradição, a que o Sr. Procurador-Gcral da República há pouco sc referia, no sentido dc as questões dc trabalho serem decididas, dc facto, no tribunal do trabalho, o que já daria mais algum trabalho.

Em suma, cu gostaria dc ouvir um comentário dc V. Ex.? sobre a questão que levantei, porque me dá a ideia dc que era uma injustiça que existia c que, segundo creio, se mantém, sendo, porventura, agravada.

Há uma última questão que gostaria dc abordar, embora V. Ex.s não sc tivesse referido a ela, c que se prende com o fació de, no artigo 103.9 da proposta dc lei, sc dizer a dado passo que «os juízes do tribunal colectivo são nomeados cm comissão dc serviço», dizendo-se inclusivamente no n.w2 do mesmo artigo que os actuais presidentes do tribunal colectivo sc consideram nomeados cm comissão dc serviço. Mas cies são nomeados cm comissão dc serviço com base cm que categoria? Pergunto isio porque os actuais presidentes dc círculo não tem mais nenhuma categoria a não ser a dc presidente dc círculo, dc modo que sc agora passam a sor considerados como nomeados cm comissão dc

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serviço n3o fica resolvida a qucstüo dc saber qual 6 a categoria a que regressarão quando terminar a comissüo dc serviço.

Estas eram para já as questões dc que desejava esclarecimentos.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Procurador--Gcral da República.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado Andrade Pereira, cm relação às objecções c dúvidas que apresentou lenho uma posição que 6 muito consoante com aquela que V. Ex.9 exprimiu. Eu defendo que a competência dos tribunais nüo tem a ver só com critérios dc valor da causa ou da gravidade da pena, c o próprio Código dc Processo Penal já reflecte, dc algum modo, essa ideia, embora dc uma forma muito l/mida.

Dc facto, penso que a competência dos tribunais devia inflccür rapidamente no sentido dc dar mais relevância à estrutura dos pleitos do que à gravidade da pena c ao valor da causa. Neste sector, englobo o caso dos acidentes dc viação, que são casos paradigmáticos, o caso do cheque sem cobertura c, portanto, penso que sc, efectivamente, as soluções processuais fossem implementadas nesse sentido a dificuldade que esta Lei Orgânica apresenta poderia ser muilo atenuada.

Por outro lado, cu tenho quanto a este projecto uma dúvida que evidentemente ficará afastada com o regulamento quando ele for conhecido, mas que neste momento merece ponderação. É que cu nüo sei até que ponto é que o projecto preconiza uma soluçüo para as áreas metropolitanas c outra para os meios rurais. Ora, penso que seria importante definir: isto porque a organizaçüo judiciária das áreas metropolitanas, sobretudo dc Lisboa c Porto, não pode ser ponderada como uma solução paralela aos casos das comarcas c dos círculos rurais como Bragança ou Braga ou Viana do Castelo c havia estudos no Ministério que, dc facto, apontavam para aí.

Tenho a impressão dc que este projecto não define claramente o que é que sc vai fazer. Pelo contrário, dá a ideia dc que as soluções são iguais c que haverá tribunais do círculo cm Lisboa c no Porto como há na província. Sc for assim, cu não vejo como é que isto sc poderá desenvolver.

Quanto às questões concretas que foram colocadas pelo Sr. Deputado Andrade Pereira sobre o n.v 2 do artigo 48.5, devo dizer que, cm minha opinião, este número tem a intenção dc estipular que nos tribunais dc círculo haverá nuns casos juízes privativos c noutros só os haverá parcialmente, c pretende corresponder a uma certa ideia dc gestão gradualista do sistema. Poderá não sc mostrar necessário, mas náo icm a ver com os juízes sociais que constam dc um capítulo diferente c que são referidos cm contraposição com o tribunal colectivo.

Creio que nuns casos o tribunal colectivo será constituído por juízes privativos c noutros não será totalmente constituído por juízes privativos. Trata-se, cm minha opinião, dc uma solução errada, pois seria preferível que houvesse sempre juízes privativos.

Penso que só nos casos cm que não há possibilidades dc sc fazer o total preenchimento dos lugares, que c a hipótese do n.9 3, c que seria admissível haver outro juiz que fizesse parte do colectivo. No entanto, cm princípio, ele deveria ter juízes privativos.

Em relação ao artigo 66." da proposta dc lei, devo dizer que se trata dc mais um caso cm que sc nota a adopção, por esta proposta, dc soluções assimétricas, pois não só não prevê a hipótese dc ser nomeado um presidente para o

tribunal dc círculo de trabalho, como também o tribunal colectivo não possui juízes privativos. Ora, não havendo, neste caso, juízes privativos, fico sem saber quem são os vogais, ou seja, se süo os vogais de outro tribunal colectivo, do tribunal dc círculo ou se são os juízes dc comarca. Penso que era necessário saber isso para sc poder fazer uma análise sobre o rigor da solução, mas nada se pode concluir da proposta, restando-nos aguardar pelo regulamento.

Quanto ao artigo 103.9, que tem que ver com a querela que verifiquei existir —c que é muilo pertinente— da figura do presidente do tribunal colectivo, devo dizer claramente, aló para que a minha posição possa ser censurada como eventualmente mereça ser, que hoje nüo tenho dúvidas dc que a figura do presidente do tribunal colectivo tem dc ser reintroduzida, valorizada c devidamente situada cm termos estatutários. Porque hoje, na magistratura portuguesa, o sistema é dc tal modo horizontal, que há uma total diluição dc responsabilidades. E, nüo falando cm responsabilidades estatutárias, mas cm responsabilidades processuais, fica-sc sem saber muitas vezes quais süo os poderes do presidente do tribunal colectivo, quais os poderes que ele tem cm matéria processual c cm matéria estatutária.

Isto não é tão teórico quanto sc possa pensar, porque sei existirem hoje presidentes do tribunal colectivo que têm até dificuldades cm agendar julgamentos, uma vez que é questionável quais sejam os seus poderes. Por outro lado, está hoje relativamente demonstrado que a dirccçüo dc uma audiência não tem apenas que ver — ou tem, por vezes, muito pouco que ver— com o saber do magistrado, estando muilo menos relacionado com o seu grau dc conhecimentos técnicos que com a sua experiência. Dc facto, hoje temos tribunais colectivos com um presidente com dois ou três anos dc carreira, enquanto os respectivos vogais têm 20 anos, havendo desequilíbrios que são manifestos c que penso lerão dc ser ultrapassados. Portanto, parccc-mc ser boa ideia que este projecto, ou oulro qualquer, valorize c esclareça processualmente quais süo os poderes do presidente do tribunal colectivo.

Esta solução que vejo aqui apontada é uma soluçüo que aparece como transitória c dá-mc ideia dc que pretende obviar a uma falta dc prccisüo do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Julgo que a ideia será a dc que os magistrados judiciais que neste momento são presidentes dc círculo sc mantenham nesse círculo cm comissüo dc serviço e que, finda essa comissão, ou requeiram outro Jugar, sendo nomeados, ou fiquem na disponibilidade. É isto o que resulta da articulação deste preceito com o Estatuto dos Magistrados, mas o que não sei é sc será uma boa solução.

Dc facto, a valorização do presidente do tribunal colectivo é urgente —disso não tenho dúvidas—, tanto mais que esta não tem entre nós as conotações nem os perigos que tem na maior parte dos países, países onde o presidente do tribunal colectivo é um fiscal c um superior hierárquico dc todos os juízes. Aqui não é esse o sistema, pois os poderes disciplinares c os poderes dc gestão pertencem ao Conselho Superior da Magistratura c a ideia é dar ao presidente do tribunal colectivo uma garantia dc experiência — cu diria dc sabedoria, para não ser mal entendido ou mal interpretado, pois não sc trata dc mais conhecimentos, mas dc mais experiência —, dando-lhe uma posição susceptível dc poder ter sobre os vogais os poderes dc direcção c dc audiência que lhe são necessários. Não sc traia, portanto, dc qualquer posição dc supremacia da decisão da causa — pois aí o colectivo é unitário—, mas dc uma posição dc direcção c dc audiência que tem que ver com a própria condução dos trabalhos, com o agendamento das audiências c com os adiamentos.

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Digo isto porque lenho ouvido, de facto, colegas magistrados di/.crcm-mc que 6 desconfortável —c cu admito que seja — que um tribunal colectivo seja presidido por um juiz que tem às vezes meses de carreira, havento vogais com 20 anos dc carreira. Aqui, em Lisboa, verificou--sc isso há pouco tempo, visto que havia juízes com 25 c 30 anos de carreira que eram vogais dc um tribunal colectivo que é presidido por um juiz que tinha acabado dc sair do CEJ.

Dc facto, não me parece que isso traga benefício nem para o tribunal, nem para as parles, nem para a imagem que o tribunal deve ter na opiniüo pública c penso que actualmente um grande número dc males que acomete o sistema judicial passa por esta questão. Por exemplo, a própria organização c os métodos dc trabalho dos tribunais colectivos é posta cm causa hoje por um certo número dc advogados que se queixam do atraso com que começam as audiências. Claro que a culpa não é dc ninguém, mas é evidente que o Sr. Juiz Corregedor chega à comarca e encontra os colegas sempre atarefadíssimos com os seus julgamentos. Sc o juiz-prcsidcntc do tribunal é um juiz muito mais novo, então direi que há até um icmor reverenciai e, nesse caso, ele terá muito mais dificuldade cm conseguir que os colegas abandonem o trabalho que estão a fazer para começar a audiência.

Portanto, penso que é um bom princípio, mas há que evitar que ele se traduza posteriormente numa hierarquia de facto, o que tem acontecido cm alguns países. Refiro-me, pois, ao facto dc que é um bom princípio que sc crie a figura do tribunal colectivo, que sc garanta ao presidente do tribunal colectivo um estatuto que lhe dc uma supremacia em lermos estatutários c dc direcção dos trabalhos, mas nunca no aspcclo da decisão da causa, porque nesse pomo há uma total independência do tribunal, c que sc resolva transitoriamente a questão que está aqui equacionada, ou seja, o que é que sc fez aos actuais presidentes colectivos, bem como àqueles magistrados que, não sendo presidentes dc tribunais dc círculo, são, porém, dc tribunais colectivos, cm Lisboa c no Porto.

Dc facto, há uma questão suscitada pelo Sr. Deputado Andrade Pereira que tem levantado uma certa polémica. Rcfiro-mc ao facto dc, no Porto c cm Lisboa, haver juízes com 3 anos dc serviço que auferem mais que um juiz da província, com eventualmente muito maior carga dc trabalho.

Penso, todavia, que, nesta allura, qualquer solução não poderá ser implementada sem custos, pois haverá actualmente uma categoria dc magistrados que vai ser prejudicada. Aliás, já não vejo que seja possível resolver a conicnio geral este problema, depois dc uma ecria assimetria dc soluções que foram implementadas.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): —Sr. Procurador-Gcral da República, gostaria lambem dc sublinhar —o que é uma praxe — o facto dc podermos contar sempre com a sua contribuição para os trabalhos da Subcomissão. Em todo o caso, creio que não sairemos daqui muito aliviados, ainda que seguramente esclarecidos, porque creio que V. Ex.e veio reforçar cm termos significativos algumas das preocupações que se podem suscitar legitimamente cm relação à reforma legislativa que temos entre mãos neste momento.

Ora, por um lado, penso que, cm termos gerais, o diagnóstico dos males não só está feito há, infelizmente,

bastante tempo, como é partilhado largamente, segundo penso, por todas as forças políticas com assento na Assembleia da República.

Na verdade, a questão ccnira-se mais no facto dc sc desenhar, cm termos que desejavelmente haveriam de ser consensuais, uma alternativa neste campo, dado o que está envolvido.

Por outro lado, propõe-se.uma metodologia adequada para definir essa alternativa e a levar à prática. Portanto, creio que é quanto a estes dois pontos, uma vez que são, infelizmente, os cruciais, que considero que não só não estamos no bom caminho, como estaremos, em termos prováveis, num caminho bastante íngreme e perigoso. Aliás, depois dc ouvir V. Ex.!, mais vi reforçada esta impressão que temos a nível do meu partido e do meu grupo parlamentar.

Digo isto, porque, por um lado, como sublinhou —c permita-mc que faça esta consideração geral —, a proposta não é cm bom rigor dc teor material, pois, na minha opinião, não passa, quanto muito, dc uma autorização legislativa gorda, nutrida c, pior que isso, disjuntiva.

O Sr. Procurador-Gcral da República diz que tem um certo horror cm relação à generalidade de, pelo menos, certas inconstitucionalidades; pela minha parte, acompanho--o nessa opinião. E, na verdade, esta proposta de autorização legislativa tem realmente um horror genuíno. De facto, uma lei disjuntiva é —ensinavam-me em tempos— algo dc horrendo. São, pois, normas disjuntivas as que referem, por exemplo, o seguinte: «Maiarás ou não matarás», «farás ou não farás». E para além daquilo que o comando jurídico tem sempre dc fluido, as normas disjuntivas que encontro e qualquer pessoa «topa» na lei, como seja, o haver juízes privativos ou não, tribunais sediados que sc deslocarão ou não, etc., consubstanciam uma lei com uma monomanía obsessiva dc normas com essa natureza, lalvez, até, porque sc lenha apostado tudo no regulamento. Contudo, não era esta a questão que mc preocupava.

Ora, gostaria dc o questionar um pouco sobre a questão das condições da reforma. Lcmbro-mc, c certamente lodos nos lembramos, dc como pudemos reflectir cm conjunto sobre esla matéria quando sc debateu o Código de Processo Penal c, antes disso, quando discutimos o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais c a Lei Orgânica do Ministério Público. Nessa allura, obtemperou-se, quanto a mim, com razão, que as reformas a empreender deveriam sê-lo numa óptica integrada. Portamo, não faz sentido definir o senlido do Estatuto dos Magistrados Judiciais dc forma desligada do mundo cm que sc vão inserir. Dc facto, se sc fizer isso, pagar-sc-á um preço — c creio que isso vai acontecer —, embora estejamos a tempo de rcmcdiá-lo cm determinados pontos. Talvez não muito, mas espero que isto não seja pessimismo excessivo.

No entanto, a metodologia das reformas que foi adoptada pelo poder político cm determinadas circunstâncias históricas, que, aliás, ainda vivemos, faz pagar ao sistema judiciário, aos seus aciorcs-agcmcs c, naturalmente, aos cidadãos um preço bastante elevado.

Entretanto, creio que sc está a exagerar — c gostaria que sc pudesse reflectir um pouco sobre isto— nessa desintegração, porque, como V. Ex.* sublinhou, é impossível perspectivar a questão da orgânica, cm senlido lalo, dos tribunais judiciais, sem ter cm conta várias outras questões muito práticas c, dc resto, decorrentes do estudo aprofundado do terreno. Rcfiro-mc às questões dc saber quais c quantas as comarcas que queremos, se as que existem estão bem, sc é preciso criar novas comarcas ou, ao invés, extinguir algumas e quais.

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Ora, supunha-se que o legislador linha um juízo sobre isto e, para tanto, precisava da adequada informação, a Hm de fazer uma ponderação.

De facto, pretende saber-se quais os círculos que queremos, com que dimensão, quais são os parâmetros que vamos adoptar, que sedes 6 que devem ter, que ideias é que retiramos da experiência pretérita, designadamente da dos tribunais do trabalho c dos tribunais de execução criminal, que nos dão bons campos de reflexão sobre péssimas experiências quanto às sedes e à distância cm relação às populações, aliás, com alguns exemplos particularmente chocantes.

Qucsiionar-se-á também sobre a articulação disto ludo com a questão dos equipamentos judiciários c como é que pensamos o próprio assunto das instâncias. De facto, quantos tribunais de 2" instância é que precisamos? Os nossos tribunais dc relação estão bem sediados? Será que chegam? Necessitamos dc mais? Com que colocação? Quantos juízes são precisos para os servir? Quantos juízes tem o Supremo Tribunal dc Justiça c quantos é que precisaria face ao novo modelo dc organização judiciária? Quantos possuem os tribunais dc relação c quantos deveriam ter?

Um outro eixo dc reflexões para uma visão integrada 6 o respeitante às leis dc processo. Pergunto, pois, o seguinte: que articulação é que há com as revisões da legislação processual? Por exemplo, V. Ex.s sublinhou que não se «topa» qual seja a articulação disto com ecrios aspectos da reforma do Código de Processo Penal, que está iminente a entrar cm vigor daqui a uns meses. Pergunto, dc facto, como é isso possível. Talvez isto seja excessiva preocupação pela planificação, mas creio que o contrário dela é o caos c isto é o que lemos lido dc mais nesta área.

O mesmo se passa cm relação à revisão da lei processual civil. Dc facto, ludo será dc uma forma sc a lei for uma, ludo será dc outra sc a lei for revista c adequada.

Um outro motivo dc reflexão respeita, como é evidente, ao estatuto do pessoal. Dc facto, circulam na Assembleia da República versões, que não sc sabe sequer sc são apócrifas, dc um novo regulamento das sccrciarias judiciais c do csLuiuio do pessoal. Contudo, este órgão dc soberania não tem ainda conhecimento institucional dc qualquer articulado sobre esla matéria. Todavia, é bom dc ver que é muito difícil perspectivar esta reforma com um olho fechado sobre a questão do pessoal que há-dc executá-la c servi-la numa vertente fundamental que, por acaso, é aquela da qual depende praticamente ludo cm lermos dc realização. Aliás, não lhe posso formular nenhuma pergunta sobre essa matéria, porque, pura c simplesmente, não sabemos sequer, pela forma institucional c adequada, o que vai acontecer relativamente ao quadro dc pessoal próprio do Ministério Público. Rcfiro-mc, pois, ao facto dc saber sc vai surgir autonomamente, sc constará dc diploma próprio, sc sc integrará num diploma sobre o cstaiuto geral do pessoal c qual é o calendário da aprovação dessa peça fundamental da engrenagem, etc. Gostaria, porém, dc lhe fazer essa pergunta na parte que seja rcspondívcl naturalmente pela Procuradoria-Gcral da República.

Finalmente, haveria sempre algumas outras perguntas sobre as inicrconcxõcs, ou seja, como é que isto joga com o modo dc exercício da advocacia cm Portugal, com o actual Estatuto dos Magistrados portugueses c, até, com o próprio sistema penitenciário. Porém, talvez não seja necessário ir tão longe, designadamente cm relação à questão do sistema penitenciário, mas creio que é penoso perspectivar uma reforma desintegrada das respostas a estas perguntas que deixei enunciadas.

Além disso, impressiona-me também a questão do risco de sc fazer aquilo a que eu chamaria dc «reformas sectoriais por atacado». De facto, esta lei não é uma reforma, mas, sim, um feixe dc reformas sobre áreas que, só por si, colocam a questão de reformas sectoriais, isto é, lemos de responder à questão da justiça dos menores, dos tribunais dc execução de penas, cuja configuração é perfeitamente anacrónica, que, dc resto, se mantém na proposta dc lei, tanto quanio me foi possível apreciá-la, bem como da implantação desses tribunais, do número de juízes, dos meios ao seu serviço, das suas relações com a administração penitenciária, das suas competências. Na verdade, a reforma dos tribunais dc execução dc penas exigiria, só por si, um debate aprofundadíssimo, atendendo às perspectivas dc uma grande alteração da situação existente no sector.

Devo realmente dizer que me impressiona que não se faça islo e que a proposta dc lei nos apareça aqui, tal qual a descreveu, cm termos que considero rigorosos, objectivos e, porventura, inquestionáveis. Esta é, quanto a mim, a questão geral que é colocada por esta reforma legislativa c pela sua dcsplanificação. Direi igualmente que encaramos com alguma apreensão todo este processo, porque não sendo a proposta dc lei reformulada, como provavelmente o não será; não sendo a proposta dc lei acompanhada ao menos dc uma comunicação informativa dc regulamento, embora tenhamos convocado a comissão governamental que preparou o articulado c que nos facultará, pelo cerio, informações sobre qucslõcs que serão alvo da intenção do Govcmo cm fazer constar do regulamento; insistindo o Governo cm considerar que as soluções constantes do diploma süo excelentes no mínimo; não querendo os partidos dc oposição ficar amarrados ao pelourinho da obstrução a uma reforma que é considerada como saJvífica e um nec plus ulira; perante isto, creio que sc corre o risco muito sério, cm Portugal, dc se assistir a uma coisa que penso ser também original c que é uma espécie de experiência gigantesca no terreno, que, será, sem dúvida, a delícia dc qualquer perilo dc sociologia judiciária. Isto é, dc facto, inédito. Aliás, somos um país pequeno c propício a esse tipo dc coisas. Acontece, porém, que isso tem um preço muito grande para os agentes da reforma e para os cidadãos, ou seja, há o risco dc enfrentarmos uma situação daqui a uns meses dc caos indescritível, quando sc cruzar a entrada cm vigor do Código dc Processo Penal, nos termos que são conhecidos, com uma lei com estas características e nos moldes cm que estamos a assistir, com um regulamento das secretarias judiciais, que ninguém sabe como é que está a ser parturejado, c com as alterações avulsas ao Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Gostaria, pois, dc lhe pedir não naturalmente um juízo apocalíptico, mas a sua ideia dc como encara as panaceias c os remédios para um cenário deste tipo que tracei.

Posteriormente, formular-lhc-ia umas dez, onze ou doze perguntas dc especialidade.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Procurador--Gcral da República.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado José Magalhães, fico sempre preso ao brilhantismo do seu discurso, mas ele é mais dc natureza política do que técnica, pelo que lerei óbvias dificuldades cm responder às questões ínsitas na sua exposição.

No cntanio, poderei dizer que nas afirmações produzidas por V. Ex.*, que inserem vectores técnicos e dc Estado, estou fundamentalmente dc acordo com cias.

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Na verdade, a ideia que me dá 6 que esla proposta de lei corresponde a um pano de fundo que nüo está afirmado na exposição de motivos, isto 6, no preâmbulo, mas que já hoje existe, embora um tanto ou quanto perdido atomislica-mente numa série dc soluções sectoriais que foram implementadas. Ora, todo o sistema judicial tem vindo a ser acompanhado nos últimos anos, mais propriamente desde há quinze ou vinte anos, com soluções que tendem para a centralização de meios. Poderia, até, enumerar alguns meios, como seja, ao nível do sistema das magistraturas, o tribunal dc instrução criminal, o Procurador-Gcral da República, o juiz corregedor, que, entretanto, desapareceu c voltou a ser criado, mas que é realmente uma figura dc juiz centralizado.

A nível do sistema penitenciário, temos o abandono das cadeias comarcas, que passaram a ser regionais, como ainda os serviços dc reinserção social, que tendem para uma certa desconcentração, mas nunca a nível dc comarca.

Há também o tribunal dc execução dc penas, que é dc cariz central, c o tribunal dc menores. Portanto, há uma série dc soluções que foram implementadas no terreno que correspondem não a uma afirmação consciente dc uma política virada para a diferenciação dc tribunais, mas talvez a um método subconsciente ou subliminar dc trabalho.

Entretanto, mesmo a nível da lei processual, referi há bocado que este projecto não reflecte algumas soluções do Código dc Processo Penal, mas abrange outras. Dc facto, este Código admite ou impõe — c, aliás, rclcrc-sc isto no próprio preâmbulo — que o tribunal colectivo tenha juízes privativos. Admite, além disso, uma composição do tribunal colectivo que não é mais compatível com a ideia do juiz itinerante, porque se trata dc um órgão judicial fixado, logo, com juízes próprios. Aliás, a própria competência do tribunal colectivo, firmada no Código dc Processo Penal, tem a ver com uma concepção que vai na linha do que disse há bocado o Sr. Deputado Andrade Pereira, ou seja, passa a julgar os crimes por cheques sem cobertura, os crimes que cm abstracto seriam da competência do tribunal colectivo, mas vão, cm concreto, ser julgados pelo juiz singular. Portanto, há uma ideia dc competências que já não radica somente no valor abstracto ou na gravidade da pena, mas noutros factores. Isto tem, pois, a ver com a natureza do crime c as circunstâncias concretas do julgamento.

Significa, então, que nos últimos anos foi feita uma série dc reformas que tinham subliminarmcnlc esta ideia dc que algo ia mudar na estrutura judiciária do País.

Ora, o que não há, porventura, é uma definição muito clara dc quais são os objectivos c as metas a atingir, que, aliás, poderá eventualmente ser completamente pelo discurso político que será feito na Assembleia da República, mas que, como técnico c como Procurador-Gcral da República, tenho alguma dificuldade cm ver.

Entretanto, no respeitante a objectivos, não penso que as soluções que estilo preconizadas ncsic projecto, sem embargo dc elas poderem ser corrigidas c melhoradas, devam ser analisadas dc uma forma negativa, porque ludo o que possa fazer-sc no caminho que está a lrilhar-sc não virá, segundo penso, agravar as coisas.

Aliás, disse, na outra vez que aqui estive presente, que para pior já bastava o que estava. Neste momento, quase que poderia rccdiiar essa afirmação.

Assim, cm matéria dc funcionários, por exemplo, é evidente que esse sistema exige secretarias privativas para os tribunais judiciais dc círculo. Não sei, porém, se isio está ou não a ser estudado, mas penso que é uma solução factível, ou seja, não c uma coisa que não se possa lazer.

Dc facto, esse sistema impõe que em matéria dc equipamentos se pense a sério nas soluções que vão ser implementadas a nível dc salas dc audiência, dc estruturas ambientais para o funcionamento do tribunal colectivo. Igualmente a nível da preparação e formação dc pessoal, dá--mc a ideia que as dificuldades sflo menores.

V. Ex.5 colocou-me o problema dos tribunais superiores. Devo dizer-lhe que isto também exige um redimensionamento dessa categoria dc tribunais. No entanto, isso já está ponderado a nível do Código dc Processo Penal, pois este não pode entrar cm vigor sem que seja efectivada qualquer desconcentração de meios a nível, por exemplo, dos tribunais dc relação.

Portanto, embora não haja um programa afirmado dc intenções que possa ser perfeitamente claro para o intérprete, julgo que todas as reformas que têm sido feitas nos últimos anos conduzem a uma ideia dc desconcentração dc tribunais, mas numa linha dc diferenciação de instâncias.

Penso, na verdade, que seria muito interessante ouvir o que o Sr. Ministro da Justiça tem para dizer a este propósito, porque dá-me a ideia, com toda a franqueza — c é isto que se exige da minha posição c do cargo que desempenho —, que da leitura desta proposta dc lei não é fácil retirar quais são os objectivos. Contudo, desde que cia seja explicada c que se possa ver qual vai ser a sua implementação no terreno, talvez não seja difícil pcrccbc-la.

Pela minha parte, penso que é fundamental definir o que se vai fazer a nível das áreas metropolitanas c da província, pois as soluções terão dc ser diferentes, como igualmente no respeitante às regiões autónomas — o que é um aspecto a ponderar. O mesmo se passa com Macau, problema esse agudíssimo que não tem sido equacionado, mas c importante resolver.

Ora, é crucial saber não só qual vai ser a sede dc cada um dos tribunais, mas também os meios dc que serão dotados. Rcfcrc-sc, por exemplo, a ideia dc especializar os tribunais judiciais dc círculo. É, dc facto, uma ideia aceitável, mas que não consigo descobrir na sua total clareza. Sc se vai para a ideia dc especializar todos os tribunais judiciais dc círculo então não há minimamente capacidade dc resposta, porque não existem meios a nível dc magistrados, dc funcionários c mesmo dc estruturas. Sc, ao invés, a ideia é dc especializar os tribunais judiciais dc círculo cm Lisboa, no Porto c cm Coimbra já vejo que seja aceitável. No entanto, verifico que a proposta dc lei refere que haverá tribunais judiciais dc círculo especializados cm matéria penal c cível, mas já não se debruça sobre matéria dc família, dc comercial, como eventualmente se poderia pensar. Dc facto, não sei qual vai ser no terreno a implementação deste diploma.

Entretanto, penso —c gostaria dc deixar uma nota positiva quanto a este propósito— que é fundamental o caminho que cie trilha. E embora não enuncie cm toda a sua plenitude quais são as soluções, elas já estão implícitas no sistema.

Portanto, a ideia que lenho é esta: concentrar meios a nível dc círculos judiciais, que teriam a ver com a Polícia Judiciária, com o Ministério Público, com os serviços penitenciários, com os serviços dc reinserção social c, eventualmente, com estruturas dc apoio, como sejam os serviços dc medicina legal. Teríamos, pois, dc encontrar uma unidade, isto é, o círculo judiciai, mais ou menos concentrado, que teria essas valências: serviços penitenciários; Ministério Público com o procurador da República; serviços penitenciários com uma cadeia regional; serviços dc reinserção social c polícia judicial. O acompanhamento informático do sistema leria nesse campo o seu pólo dc gestão dc círculos.

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Nas áreas metropolitanas de Lisboa c do Porto, o sistema leria de ser afeiçoado de modo a contemplar a ideia dos tribunais de pequenas causas, mas que seria um pensamento que não debitava a ideia dos juízos c dos tribunais corrcccionais. Teria, pois, de ser uma ideia muito mais desenvolvida, que respeitaria eventualmente a acções sumaríssimas c os processos sumaríssimos cm matéria penal, mas com um sistema processual diferente — o chamado «sistema de citação directa c oralidade».

Seriam, pois, as pequenas causas que não podem estar afastadas dos litigantes c cm que se exigiria um esforço processual muito pequeno. De facto, isso tenderia não para uma justiça gratuita, mas totalmente acessível às populações. E digo isto, porque um tribunal de círculo cm Lisboa ou no Porto, dimensionado à moda do de Castelo Branco ou do de Bragança, é uma coisa que não faz sentido, uma vez que são áreas totalmente diferentes, com problemas, fluxos populacionais c vias de comunicação diversos. Assim, iria para uma ideia de implementação dos círculos, que lem a ver com as vias dc comunicação, com as necessidades dos povos, cm que num caso dc 50 km poderia ser muito c, noutros, pouco.

Portanto, são critérios que tem a ver com a explicitação que pode ser feita —c sc-lo-á com certeza— deste projecto. NSo estou realmente tão pessimista quanto o Sr. Deputado José Magalhães, a não ser, como c evidente, quanto à dificuldade, que é um bocadinho crónica neste país, dc se implementarem as soluções.

Na verdade, relativamente aos funcionários do Ministério Público, não lenho nenhuma dificuldade cm dizer que, alé a esic momcnlo, dá-me a ideia dc que o Ministério da Justiça tem um projecto pronto, mas não foi ainda apresentado cm Conselho dc Ministros.

E, pois, uma dificuldade que vamos ter com a entrada cm vigor do Código dc Processo Penal. Dc facto, esta proposta dc lei quando entrar cm vigor exige evidentemente estruturas que não é difícil equacionar c que era urgente fazc--lo. Tenho, aliás, a noção —isso pode ser mais um sentimento dc natureza psicológica que técnica —que neste momento ou há uma cooperação entre a administração central c as autarquias ou não existem soluções possíveis.

Dá-mc a ideia dc que isto passa um bocadinho pela Assembleia da República, pois o diploma contempla no seu final uma outra norma que timidamente avança um pouco esta ideia. No entanto, não falo cm custos, porque as autarquias não podem, nem devem, suportar os encargos da administração da justiça. Falo cm iniciativa c cm acompanhamento.

Daí que pense que se for a administração central que implanta neste momento o sistema, só o poderá fazer com uma macrocstrulura, o que não é fácil implementar a curto prazo. E, mais do que isso, tem perigos c riscos que são conhecidos. Dc facto, uma macrocstrulura deste tipo gera problemas dc transparência, dc corrupção. E se criássemos um grande departamento que tratasse das obras públicas ao nível dos tribunais, esse órgão, pela permanência cm que nos encontramos devido às obras que têm dc ser implementadas a curto prazo, leria dc possuir uma estrutura financeira c processual gigantesca c flexível cm matéria dc concursos públicos, dc empreitadas, etc. Penso, pois, que isso não é viável, pois gera grandes perigos.

Julgo que, neste momcnlo, uma solução dc emergência passaria exactamente por uma cooperação entre a administração central c as autarquias, ficando os custos a cargo do Orçamento do Esiado. Contudo, as autarquias possuem hoje departamentos técnicos que permitiriam apoiar um trabalho deste tipo. Daí que caso estivessem interessadas.

tinham possibilidades dc fazer o diagnóstico, pelo que era possível a curto prazo dotar o País dc meios. E refiro isto, porque penso que, pelo menos, em dois anos era perfeitamente viável resolver o problema das estruturas judiciais, desde que houvesse objectivos muito claros e calendários muito bem definidos.

Na verdade, a banca resolve esses problemas rapidamente e, até, dc uma forma muitas vezes supérflua. Há, aliás, outros sectores do País que lambem resolvem isso.

Tenho a ideia dc que qualquer ministério da justiça — e o que tem sido feito é «esgrimir contra moinhos dc vento» — não lem capacidade dc resposta para este tipo de objectivos. É cvidcnic que o discurso político, tanto do Governo como da oposição, será a um outro nível, isto é, muito mais elaborado que o meu, que é, no fundo, um discurso dc Estado ou pretende ser, mas qualquer solução dc emergência passa por meios financeiros e por uma cooperação entre o Estado c as autarquias. Se ela for conseguida, não vejo que haja dificuldades.

Quanto aos tribunais da relação, a preparação dc estruturas para implementar o Código dc Processo Penal passa pela existência dc secretarias c dc salas dc audiências. Isso não é, dc facto, uma coisa cm abstracto impossível, mas o Ministério da Justiça não tem agora a possibilidade, segundo penso, dc implementar rapidamente isso.

Trala-sc dc um processo burocrático moroso, porque há estruturas difíceis c complicadas, mas é extremamente fácil pedir a uma câmara municipal para, cm seis meses, arranjar um espaço dc 250 m2. E seria a custos mais baixos, sem os riscos da burocracia, da macrocomposiçâo dc interesses que muitas vezes tem fenómenos marginais que são conhecidos. Portanto, o que é necessário é que se encontre por via legislativa essa solução. Sc cia for encontrada fico com um optimismo moderado; se o não for, compartilho das dúvidas c do pessimismo do Sr. Deputado José Magalhães, porque não é cnião possível concretizar essas medidas.

Ora, embora o calendário dc construções no Ministério da Justiça tenha sido relativamente cumprido nos últimos tempos, não é construindo um palácio dc jusiiça em três ou quatro anos que se resolvem as carências tremendas existentes. Isto pode desembocar rapidamente num sistema dc degradação do aparelho judicial, bastando, para isso, que os magistrados — c não quero fazer qualquer juízo dc intenção a esse propósito— realizem aquilo que não é justificado, mas que c natural: assumircm-sc na sua dignidade funcional.

Dc facto, há hoje situações que são calamitosas, como seja, os casos dc magistrados que efecluam julgamentos à chuva, sentados praticamente nos colos uns dos outros, cie. E já não abordo a situação dos magistrados do Ministério Público, cm que o problema se coloca dc um modo menos directo, pois não há audiências. No entanto, ainda continuo a ter magistrados que trabalham numa área inferior a 4 m2, dispondo dc gabinetes dc uma área dc 19 m2 partilhada por quatro colegas.

Ainda há dias aconteceu uma cena quase «dc faca c alguidar» cm que uma senhora delegada foi esbofeteada por uma pessoa. Essa foi julgada c condenada a um mês dc prisão, mas a senhora delegada farta-se dc dizer que está com escrúpulos dc consciência, pois, sc calhar, a pessoa que lhe bateu «linha razão» ...

Vcri ficou-se que a senhora que a agrediu entrou no gabinete onde eslava uma serie dc pessoas a serem ouvidas com a presença dc alguns magistrados c funcionários. A senhora foi acareada, mas como estava muito nervosa deu duas bofetadas na senhora delegada do Ministério Público. Estamos perante um sistema que permite isto.

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Já não falo em cenas hoje usuais nos tribunais, de testemunhas que injuriam e agridem verbalmente os magistrados, porque elas não se assumem na sua qualidade de litigantes perante o juízo. Elas entram numa repartição atafulhada de papéis, onde estuo três pessoas a serem ouvidas pelo mesmo número de funcionários, mais dois ou três senhores sentados num local cheio de processos e com o tecto a cair... De facto, não 6 assim que se pode trabalhar nos tribunais.

Penso, pois, que a Assembleia da República c o Governo têm de nos dar uma resposta urgente, cabal c concertada com as autarquias.

Aliás, penso que neste domínio devia ser encontrada uma solução com grande consenso partidário, já que 6 uma questão de Estado. No entanto, o que se passa neste momento a esse nível d que temos situações que são de rotura. E VV. Ex.as, que são advogados, sabem-no melhor do que cu.

Todos os dias recebo queixas c tenho conhecimento de situações que não posso explicar apenas com evasivas ou com explicações tcorélicas sobre a postura psicológica c cívica do povo português. Trata-se de facto da questão do sistema judicial.

Todos os dias temos o problema dc pessoas que não comparecem nos tribunais, que desobedecem, que insultam os magistrados, que não cooperam com a justiça, donde resulta que a justiça esteja a ver a sua imagem degradada. E isto tem a ver não só com questões funcionais, como com questões dc estruturas independentes. Este problema, que não tem que ver só com este projecto, mas sim com todo o sistema c com questões que se arrastam há muitos anos, tem dc ser resolvido. E penso que este projecto poderia ser uma belíssima oportunidade para a Assembleia da República c o Governo o conseguirem.

Não sei sc a minha ideia será viável, mas, se o nüo for, que seja encontrada outra. Não será necessário que o Orçamento do Estado conceda muitos milhões dc contos, bastará alguns, para se resolverem muitos problemas. Há comarcas onde a solução seria arrendar uma casa ou adquirir um andar espaçoso. Há soluções que são perfeitamente viáveis.

Aliás, posso dizer que conheço países muito mais ricos do que o nosso c que encontraram facilmente essas soluções. A Holanda 6 um caso paradigmático, onde muitos tribunais funcionam cm andares ou vivendas — não é necessário o palácio da justiça.

Sc isso fosse feito, Sr. Deputado Josó Magalhães, penso que seria possível implementar este projecto rapidamente. Para tal bastaria que houvesse um grande consenso político quanto aos objectivos c capacidades dc animar as soluções no terreno. Penso que não seria difícil, ate porque as autarquias estão empenhadíssimas c são elas que mais sentem o problema da administração da justiça.

É claro que, com as soluções clássicas, como a do palácio dc justiça, que 6 projectado hoje c que ó inaugurado daqui a cinco ou seis anos, com pompa c circunstância c depois dc muitos trabalhos preparatórios, dc muitos projectos que vão c vem c depois dc varias discussões, não conseguimos estes objectivos que são imediatos c que têm que ver — peço desculpa por repetir — com uma situação que, neste ponto, c dc rotura — não tenho qualquer dúvida —, no que respeita à dignidade c à postura institucional dos tribunais, como também já disse, todos os dias recebo mensagens a este propósito.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Creio que teremos outras ocasiões para aprofundar o debate sobre esta questão, designadamente sobre os pressupostos dc uma reforma integrada da justiça, tal qual ela pudesse ser concebida e aplicada no nosso país, com as características que tem.

Penso que isso suporia um programa, concretamente debatido e configurado, assim como calendários, meios financeiros, cooperação institucional alargada, isto é, vista não apenas na esfera do Estado, na sua dimensão dc administração central ou dc órgãos dc soberania, mas na dimensão descentralizada que tem o Estado democrático português, e suporia naturalmente a capacidade de empenhar e mobilizar os magistrados e os trabalhadores judiciais.

O Sr. Procurador-Geral falou-nos dc vários «ses». Dc facto, creio que estamos muito distantes dessa meta que era desejável. Enquanto deputado, faço —é o meu dever enquanto tal— afirmações políticas que têm subjacente uma determinada visão técnica do panorama judiciário português c dc saídas para ele, embora com as limitações que possam ter. Dc qualquer forma, creio que, neste momento, infelizmente para todos c particularmente para os magistrados c para a Procuradoria-Gcral da República, não estão reunidas no nosso país as condições para que sc possa verificar uma alteração substancial e positiva. Pelo contrário, gizadas nestes termos c impulsionadas como estão a ser, reformas deste tipo podem contribuir para concretizar a tal apreensão dc que, para pior, já basta assim.

Alguns remédios serão encontrados e isto poderá ser mitigado, mas considero inquietante que, estando nós no mês dc Março c havendo um Código dc Processo Penal que era suposto entrar cm vigor no mês dc Junho, o procurador--gcral da República, com a específica posição que tem, não possa fornecer ao Parlamento dados tranquilizadores sobre as condições da sua implementação.

A Assembleia da República aprovou uma autorização legislativa cm determinadas condições quanto à entrada cm vigor do próprio Código, ou seja, pressupostos materiais, logísticos, organizativos, que, no mês de Março, não estão organizados sequer ao nível mais elementar da formação do pessoal. Quantos funcionários do Ministério Público era necessário ter preparado e ter neste momento cm formação c rotina para desempenharem as funções que é suposto o Ministério Público assumir a partir dc Junho? Esses cursos estão a ser realizados? Que cu saiba, nem estão a ser realizados nem há sinais dc que o venham a ser a curto prazo. Assim, que funções assumirá, no mês dc Junho, o Ministério Público, escorado por quem c com que tipo dc formação?

Estuo, sequer, destrinçadas as funções dos funcionários do Ministério Público, da Polícia Judiciária e a repartição recíproca das respectivas competências? É que estamos a três meses da entrada cm vigor da reforma ... a menos que sc espere q uc a Assembleia da República venha providencialmente a adiar a sua entrada cm vigor, coisa que, neste jogo c na guerra institucional que está cm curso, bem pode não vir a acontecer. Será uma forma dc punir o Governo? Quanto a mim, será uma forma lamentável dc o punir, já que cm primeira análise são punidos os cidadãos, o Ministério Público c os magistrados judiciais. Mas tudo isto são considerações que, infelizmente, considero realistas c que têm a ver com o grande «sc» que o Sr. Procurador-Geral da República entendeu enunciar c que mc parece perfeitamente honesto c adequado, sc mc é permitido um juízo sobre esta matéria.

Quanto às questões concretas da cooperação institucional com as autarquias locais, também não posso deixar de observar que, nas presentes condições, aqw)o QUC SC CSIá a

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discutir na Assembleia nüo 6 a cooperação, mas sim a dcvoluçüo às autarquias dc uma quaniidudc dc competências em matéria dc reparação, dc manutenção c, até, dc construção dc edifícios judiciários. Acontece, no entanto, que a resposta das autarquias locais, nas presentes circunstâncias, é pura e simplesmente «nüo». Isto 6, nüo aceitam ser os «bodes expiatórios» dos atrasos na conslruçüo dos edifícios judiciais — quanto sei, 6 o que se passa cm vários municípios. Aliás, vamos falar com a Associação Nacional de Municípios directamente sobre esta matéria. É que isso suporia um pacto, um consenso — aliás, como o Sr. Pro-curador-Gcral da República sublinhou —, que supõe, naturalmente, contrapartidas. É o clássico: «Tu fazes, cu dou--tc.» É impossível sair daqui, já que as autarquias nüo podem assumira responsabilidade dc passarem a sereias as imputadas pelo atraso da conslruçüo, por exemplo, do famoso tribunal dc Vila Praia da Vitória, dc que tradicionalmente falamos nas nossas conversas aqui.

Por outro lado, também nüo se podem resignar com o facto dc ser o Orçamento do Estado o portador dc uma verba dc 711 0(X) contos para resolver o problema da conslruçüo dos tribunais cm Portugal — é a situaçüo actual. Aliás, esse é o preço dc um palácio dc justiça dc tipo clássico. E com esta verba que o Ministério tem dc gerir a magra qucstiJo das construções c reparações. É claro que c possível enunciar uma quantidade dc projectos, mas quem lá anda verá o que acontece no terreno.

Tudo isto süo circunstâncias que dificultam muito a perspeclivaçüo da qucstüo.

Concretamente cm rclaçüo à estrutura da proposta governamental, linha algumas perguntas específicas a fazer, sobre as quais penso que era útil ouvir a opiniüo do Sr. Procurador-Gcral da República.

A propósito do tribunal colectivo c da sua configuração, devo dizer que nos tem surgido dc vários sítios a obscrvaçüo dc que, sendo reconhecidos por toda a gente os inconvenientes da justiça itinerante, tal como é praticada cm Portugal, será bem possível imaginar aquilo que por aí sc chama um sistema dc dupla corregedoria, sendo o julgamento colectivo feito por dois juízes dc círculo c pelo juiz do processo, decorrendo tudo na comarca, o que seria uma forma dc aproximação cm rclaçüo às populações que comporia várias modalidades que procuram conciliar as vantagens da proximidade com as da permanência. Creio que é um terreno cm que talvez seja possível inovar, sem os riscos da solução que está na proposta.

Em rclaçüo à qucstüo da distância, c nüo reproduzindo o que disse o Sr. Deputado Armando Lopes, por mim, estou convencido que os «ses» dc que o Sr. Procurador-Gcral da República fez depender o êxito do sistema estuo longe dc sc verificar. Isto é, nem o sisicma dc acesso nos termos que seriam desejáveis, nem os «ses» respeitantes à revisão do Código dc Processo Civil, nem cm rclaçüo às excepções às votações do colectivo que, para mim, süo uma charada c uma incógnita —nüo as conhecemos—, nem relativamente ao funcionamento da advocacia. Quer dizer, nenhum desses «ses» está preenchido nem c previsível que sc preencha na situaçüo política portuguesa mais próxima.

Também estamos preocupados cm rclaçüo às alçadas c às custas. Francamente, parccc-mc que o aumento que c proposto é totalmente absurdo, por excessivo, sobretudo no que respeita à justiça do trabalho.

Em rclaçüo ao artigo 11.8 c à rcslauraçüo das três classes dc comarcas, 6 evidente que isso teve uma espécie dc sinal dc abertura do Esialulo dos Magistrados Judiciais, mas creio que a soluçüo para um mal nüo será propriamente a dc

estabelecer um precedente maligno e depois dizer «Está feilo, continuemos pela mesma via.»

Se o Sr. Procurador-Gcral da República se pudesse pronunciar sobre a solução constante do artigo 11 muito lhe agradecia.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, desculpe que o interrompa, mas gostava de dizer alguma coisa a propósito dc uma afirmação que fez a respeito da dupla corregedoria. Na verdade, esse sistema é um saudosismo que aparece à superfície dc vez em quando e que nüo é original. Dc facto, o Prof. Varela sempre teve como objectivo a dupla corregedoria, a qual já vem enunciada no Estatuto Judiciário dc 1962 como o sistema ideal. Todavia, penso que ele padece dc todos os defeitos do sistema dc justiça itinerante com uma possível atenuação, na medida cm que sc Irala de dois juízes privativos em vez de um só. Mas, quanto a ser itinerante, a justiça padece dos mesmos vícios.

A propósito do artigo ll.e, queria dizer que sempre estive — c várias vezes üve ocasião dc o dizer c escrever — conira esse sistema das três classes. Simplesmente, penso que esse problema das classes das comarcas nunca foi equacionado neste país com serenidade.

Quando, em 1977, a questão foi levantada, havia uma grande crispação que linha a ver com a carga ideológica que sc estava a viver. Então, as conotações eram sempre de tipo político. Quer dizer, não eram conotações intelectuais, eram ideológicas.

Não conheço nenhum sistema dc classes deste tipo e sou exactamente pela ideia dc que o acesso dos magistrados pode e deve ser feito segundo categorias ou escalões profissionais, mas que isso nüo deve ter a ver com o lugar geográfico onde exercem funções. É que, por exemplo, um tribunal dc polícia cm Lisboa, comarca dc acesso, pode, porventura, ser mais simples do que um tribunal dc competência genérica cm Vila Verde.

Quer dizer, a ideia dc organização judiciária, quando abordada cm termos dc escalões profissionais, deve sê-lo com referência à categoria dos tribunais e nunca à categoria das comarcas. Admitia perfeitamente que houvesse tribunais considerados dc ingresso, tribunais considerados de acesso e dc acesso final — que é uma categoria que me parece elaborada demais para a minha compreensão. No enlamo, o que me choca — não csiou a afirmar nada de novo, pois já o disse cm várias instâncias — é que sc tenha represtinado a ideia da comarca como espaço geográfico. É que, assim, o que sc vai afirmar é que o tribunal dc pequena causa na comarca dc Lisboa é um lugar dc acesso ou, então, será um lugar dc ingresso numa comarca dc acesso ou será um lugar dc ingresso numa comarca dc acesso final, o que é uma confusão diabólica. Portanto, penso que isto deverá obedecer a uma reflexão que tem preconceitos de ordem ideológica, positivos ou negativos, não me compele a mim qualificá-los, mas que não lem que ver com uma racionalização do sisicma.

Sc vamos para a ideia dos escalões profissionais, penso que o mais defensável seria dizer que há tribunais dc acesso c tribunais dc ingresso. Sc formos para essa solução, admito perfeitamente que um magistrado deva começar num tribunal dc competência genérica c dc pequena instância c só depois vá para um tribunal dc grande instância.

Mas sc pensarmos nos tribunais dc círculo, eles serão um lugar dc ingresso ou dc acesso? E o que será um tribunal dc pequena causa? Um juízo correccional será um lugar dc acesso ou dc ingresso? Nada disto aqui está dito c falia dizê-lo.

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Tive ocasião dc dizer várias vezes —as minhas ideias n2o foram, c porventura justamente, acolhidas — que se continua a laborar numa ideia, às vezes com explicações dc direito comparado que são erradas ... Muitas vezes respondem-mc: «Mas na Bélgica 6 assim!» ou «Mas cm França é assim!» c cu penso que isso não corresponde à realidade, uma vez que a ideia que lá fora motiva muito as diferenciações é precisamente a dc escalonamento dos tribunais.

Por exemplo, cm Espanha, há a categoria do juez, que corresponde ao juiz singular, c do magistrado, que corresponde ao tribunal colegial. São, portanto, categorias diferentes. No entanto, pode haver, c há, cm Madrid o juez, que 6 o tribunal singular, c o magistrado, lai como há lambem um magistrado cm pequenas vilórias, desde que aí esteja sediada uma audiência provincial.

Em suma, por razões dc ordem científica c técnica c nüo de ordem política, nüo perfilho esta ...

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Penso que V. Ex.8 está a fazer a crítica ao regulamento que julga que se vai seguir, tendo por base esta lei. É que, segundo o que aqui está escrito, esta lei comporta perfeitamente aquilo que o Sr. Procurador-Ccral da República acaba dc dizer que era preferível. Isto é, está aqui dito que se criarão categorias dc tribunais c não categorias dc comarcas. Ou melhor, o n.9 3 do artigo 11,° tem a ver com a categoria dc tribunais, que o Sr. Procurador-Gcral acaba dc defender, c nüo com a categoria dc comarcas, que acaba dc criticar.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, acho muito oportuna a sua intervenção, porque nem sequer linha atentado na altcraçüo. Dc facto, nüo era assim inicialmente, mas Deus queira que assim seja c que o meu ponto dc vista vá avante.

O Orador: — Uma das grandes vantagens dc escrever um preceito nestes termos 6 que ninguém pode, à puridade, sustentar uma coisa ou outra.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Nüo 6 assim, Sr. Deputado.

Inicialmente, o Ministério era muito peremptório cm que havia comarcas dc ingresso c comarcas dc acesso. Eu andei muito tempo a dizer o contrário, mas fui sempre ...

Sem dúvida que é uma boa notícia que me dá, já que a leitura que fazia era um tanto pessimista.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — E cu estava preocupado porque julguei que o Sr. Procurador-Gcral linha já alguma notícia sobre o regulamento que, face a esta norma, sc iria fazer.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Nüo lenho. É que, como ando há muitos anos a tentar que seja esta a soluçüo adoptada, não linha, dc facio, reparado que aqui sc fala cm tribunais. Na versão anterior — penso que tiveram oportunidade dc ver — falava-se cm comarcas. Portanto, sc isto corresponde à ideia dc tribunal, muito bem, mas, nüo querendo ser pessimista, não me parece que o Ministério tenha infícetido a sua posição. Aliás, a ideia dominante era que devia falar-se cm comarca c, como disse, na vcrsüo anterior falava-se cm «comarcas ou lugares dc ingresso» c «comarcas ou lugares dc acesso».

Mas sc a ideia for dc tribunais, estou totalmente dc acordo com cia, desde que isso tenha que ver com a complexidade do tribunal, cm termos dc escalonamento pro-

fissional do magistrado c que nüo tenha que ver, por exemplo, com o facto dc o tribunal se sediar na província ou numa sede urbana.

A este respeito, posso referir-lhe exemplos curiosos. Antes do 25 dc Abril, por exemplo, as comarcas que eram sede dc distrito eram sempre comarcas dc 1.?, o que fez com que Bragança c Castelo Branco fossem dc 1.', enquanto Matosinhos, Loures e Vila Nova dc Gaia eram de 2.», com as consequências que daí resultaram e que hoje sc conhecem.

Volto a agradecer-lhe a sua intervenção, porque, de facto, não linha reparado na altcraçüo. Portanto, estou dc acordo se realmente for tribunais.

O Orador: — Penso que é melhor pensarmos que é uma alegria breve ou, pelo menos, uma alegria sob condição suspensiva, sob pena dc poder haver dentro dc poucas horas alguma decepção colectiva c individual.

Em relação ao artigo 18.s, gostava dc perguntar ao Sr. Procurador-Gcral da República sc considera que esta solução dc deslocação dc uma causa dc um tribunal para outro, sempre que não esteja cm causa o julgamento conjunto com outros processos, lhe parece constitucional, face ao n.° 7 do artigo 32.9 da Constituição.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Bem, a Constituição rcfcrc-sc apenas a causas crime.

O que lhe posso dizer a este propósito é que talvez este preceito esteja elaborado dc uma forma muito genérica. Mas há casos cm que a causa crime foi desaforada e o Tribunal Constitucional não o censurou. É o caso cm que há obstrução ao exercício da função jurisdicional. Penso que é isso que o artigo quer dizer. Como disse, há pelo menos esse caso cm que uma causa crime pode ser desaforada do juiz natural.

O Orador: — Então, neste caso, lratar-sc-ia apenas dc garantir que a remissão fosse precisa quanto a que sc trate dos casos limitados que não signifiquem desaforamento.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sim. Penso que isso talvez devesse ser explicitado. Dc resto, penso que, cm matéria cível, isso nüo c inconstitucional.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Aliás, este artigo 6 a reprodução quase textual do artigo 19." da amiga Lei Orgânica dos tribunais. Houve apenas a mudança dc «salvo» para «a não ser por». Assim, sc é inconstitucional, essa inconstitucionalidade já era anterior.

O Orador: —Certo, mas coloco este problema dc saber o que é que sc entende desta frase: «a nüo ser nos casos especialmente previstos na lei.»

O Sr. Procurador-Geral da República:—É um tanto inócua.

O Orador: — Pode ser inócua ou não. É uma norma puramente remissiva numa matéria especialmente melindrosa, até por causa da questão das competências dos tribunais criminais, cm que, como sc sabe, a questão do desaforamento propicia soluções dc excepção que, sendo perigosas, tem que ser avaliadas dc per si c caso a caso, com a específica delincação que tenham.

Relativamente ao artigo 20.9 c à questão do contencioso do Conselho Superior da Magistratura, manicr-sc-á a actual situação ou passará a ser o Supremo Tribunal Administrativo?

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O Sr. Procurador-Geral da República: —Sem dúvida que será o Supremo Tribunal Administrativo — aliás, a qucstüo nem sequer 6 dc ordem constitucional. Pela minha parte, sempre sustentei que deveria ser o Supremo Tribunal Administrativo, só que politicamente essa ideia não tem podido vingar.

O Orador: — Quanto ao artigo 24.°, o Sr. Procurador--Gcral da República considera que é dc admitir a presença do Ministério Público na conferência?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Nüo. Ou melhor, entendo que se devem distinguir os casos cm que há um contencioso dc mera legalidade, c aí é dc admitir o Ministério Público, dos casos cm que o contencioso é dc jurisdição plena, cm que o Ministério Público pode ser tido como representante dc interesses, nüo é dc admitir a sua presença. Em rclaçüo a tribunais judiciais, apenas a admitiria no caso do contencioso do Conselho Superior da Magistratura, se vingar a ideia dc que ele fica no Supremo Tribunal dc Justiça. E que, dc outro modo, penso que há uma violação do princípio da igualdade das partes.

Curiosamente, os Srs. Juízes que, cm alguns casos, süo considerados como fazendo obstrução ao Ministério Público — o que tem mais a ver, ainda, com reminiscências dc uma certa crispaçüo que houve há anos, do que com a realidade —, neste ponto, são muito abertos à parúcipação do Ministério Público c penso que se viessem a votar csia matéria, prefeririam ter o Ministério Público na conferência. Todavia, cu entendo que é inconstitucional ou que, pelo menos, viola a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, penso que o Ministério Público só deve ser admitido nos casos cm que há um contencioso dc mera legalidade ou naqueles casos cm que ele não c pane ou não representa interesses. É o que sc passa no Supremo Tribunal Administrativo cm que não representa interesses nem uma parte.

Nas questões que têm a ver com tribunais judiciais, só é dc ressalvar este aspecto da competência do contencioso do Conselho Superior dc Magistratura.

O Orador: — Em relação ao artigo 27.v, no que toca ao habeas corpus, o Código dc Processo Penal ensejou cenas soluções nesta matéria, que, neste momento, constituem dc certa forma o parâmetro legal.

Em todo o caso, não encara a possibilidade dc uma certa descentralização da competência quanto ao habeas corpus para facilitar dc alguma forma o acesso dos cidadãos que sc encontrem numa situação que legitime a sua evocação?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Trata-se, dc facto, dc uma matéria muito delicada. A ideia que tenho é que, apesar da distância, é o Supremo Tribunal que está melhor posicionado para decidir o habeas corpus, já que ele tem quase sempre relação com a competência c com as funções dc um magistrado dc 1.' instância.

Assim, parccc-mc que, pelo carácter excepcional da providência, é o Supremo Tribunal que está melhor posicionado e que pode responder dc uma forma mais cabal aos interesses do habeas corpus. Daí que prefira a solução que aqui está.

O Orador: — Em relação à questão dos assessores, que é colocada pelo artigo 35.9, o Sr. Procurador-Geral já sc pronunciou cm termos que não mc deixaram qualquer dúvida.

Quanto ao artigo 37.°, a solução que aqui foi aventada c que sc relaciona com a matéria que debatemos no início é uma solução dc compromisso. Isto é, os tribunais dc círculo têm sedes mas têm também possibilidade dc ter secções. Ninguém pergunte que secções seriam, quantas seriam criadas ou cm que circunstâncias, pois, só por optimismo, poderei dizer que a resposta está no regulamento. Mas o Sr. Procurador-Geral não considera que uma solução deste tipo pode contribuir para algum congestionamento? Isto é, nüo seria mais directo, melhor e mais eficaz resolver de frente a qucstüo dc mais relações?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, devo di/.cr-lhc que sou o autor moral do preceito c, portanto, tudo o que disser a este propósito é contra mim.

Dc facto, o Sr. Ministro, já há muito tempo, ouviu-me sobre isto. Há grandes dificuldades porque nüo temos estatísticas sobre o funcionamento dos tribunais e, portanto, é muito difícil definir, neste momento, com rigor o que vai ser o trabalho dc uma sccçüo da rclaçüo. Por outro lado, torna-se premente criar secções cm matéria penal para implementar o Código dc Processo Penal.

Esta solução foi implementada com muito êxito na Itália. Em vez dc criarem relações, o que implica toda uma estrutura burocrática, administrativa c processual, esta solução pode ser pragmática. Naturalmente que a criação de uma sccçüo destacada irá desaguar, a prazo, numa relação ou, pelo contrário, poderá eliminá-la. No entanto, a meu ver, esta solução teria neste momcnlo grandes virtualidades porque mc parece que, por exemplo, cm matéria cível não vai sc possível evoluir no sentido dc um julgamento cm imediação com as partes. Julgo saber que os trabalhos dc reforma cm matéria processual civil vão manter neste ponto muito do actual sistema. Portanto, sendo o julgamento escrito, sendo a audiência à porta fechada, não mc parece que haja grande diferença entre ser feito no Porto, cm Vila Real ou cm Bragança.

O problema põe-sc no processo penal c aí esta solução poderá ser pragmática, tanto cm termos dc permitir um rápido funcionamento do sistema como cm termos dc custo. Como disse, uma relação implica toda uma estrutura, um presidente, um secretário, um corpo autónomo dc juízes, uma estrutura burocrática, uma estrutura processual, enquanto uma secção destacada poderá representar, cm lermos dc instalação, um secretário, um escriturário c três juízes que sc deslocam. Isto não quer dizer que, depois, com o aumento do movimento c da experiência cia não possa ser convertida. Portanto, parccc-mc que esta poderá ser uma solução feliz. Não é original, não saiu da minha cabeça, os italianos ainda hoje a tem, c embora como solução transitória, consta do mapa da divisão territorial da Itália. Penso que neste momento c no nosso caso seria a solução indicada.

O Orador: — Penso que isso pré-responde a uma pergunta que tencionava fazer-lhe a propósito dos tribunais dc círculo, tal qual como são delimitados no artigo 51.° Aí, a observação poderia ser a dc que há, ou pode haver, riscos dc uma concentração do funcionamento do tribunal dc círculo c correspondentemente do júri na sede dos círculos, o que obriga a uma dc duas coisas: ou a grandes alterações da actual organização, c criar-sc-iam mais círculos mais pequeninos, ou, então, haverá um fenómeno dc concentração que criará enormíssimas distâncias. Como encara o Sr. Procurador-Geral da República a solução do artigo 51."?

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O Sr. Procurador-Geral da República: — É um problema do círculo. Penso que 6 possível fazer um esforço cm lermos dc nüo alargar muilo as áreas dc dcslocaçüo das pessoas. Creio que há csiudos sobre isso no Ministério.

Hoje, já lemos ao nível das áreas dc Lisboa, dc Coimbra c do Porto círculos relativamente concentrados. Por exemplo, na área do Porto lemos o do Porto, dc Vila do Conde, dc Viana do Castelo, dc Esposende, dc Vila Real, dc Matosinhos. Agora, onde há dificuldades é no Alentejo, cm Trás-os-Monics e aí 6 perfeitamente possível, embora com algum sacrifício dc meios, criar novos círculos. É o caso dc Chaves, dc Aveiro, dc Seia; no ceniro há a hipóicsc dc Águeda ou de Anadia c no Alentejo também podcrüo ser criados mais um ou dois círculos. Portanto, nüo vejo que haja grandes dificuldades nesta matéria.

Na solução que aqui consta, que fala dc varas c dc juízos penais, é que já há alguma coisa que me preocupa. É que a ideia dc varas c dc tribunal criminal era uma ideia elaborada no tempo do Estatuto Judiciário para o Porto c para Lisboa, muilo na base dos tribunais das áreas metropolitanas.

Vejo-a aqui elaborada cm termos genéricos. Nüo me custa nada a admitir que cm Braga haja um tribunal criminal c um tribunal cível dc círculo. Não me custa admitir isso.

No entanto, isso nüo corresponde à ideia que eu linha da competência dos tribunais das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

Portanto, nüo vejo dificuldades cm sc conceber — nüo sei se está ou nüo feito o respectivo estudo — uma dimensão para os círculos judiciais que nüo seja atentatória do direito dos cidadüos, ou seja, o mais acessível c próxima.

O Orador: — Sr. procurador-Gcral da República, cm relação à questão da alínea d) do artigo 54.° gostava dc lhe perguntar sc entende que a alínea 6 dc manter ou dc eliminar c sc nüo deveria haver tribunais dc instrução criminal que abrangessem lodo o País. Como é que compatibiliza esta questão com o novo Código dc Processo Penal?

O Sr. Procurador-Geral da República: — A ideia que tenho sobre a matéria é esta: entendo que devem haver tribunais dc instrução criminal cm todo o País. Tenho a impressão que este projecto não prejudica essa solução.

Simplesmente, o que penso é que os tribunais dc instrução criminal que sc criaram neste país foram criados tendo cm vista este projecto c o aclual Código dc Processo Penal. Devo dizer que houve uma total dissintonia c desagregação das reformas administrativas.

Assim, o actual tribunal dc instrução criminal é um órgão que funciona cm todos os casos, mas neste caso o que vai acontecer é o seguinte: num inquérito, os actos jurisdicionais, lais como a validação dc capturas c buscas, são praticados pelo juiz da respectiva comarca c não pelo juiz de instrução.

Repare, Sr. Deputado Andrade Pereira, que isto está aqui redigido no n.° 2 do artigo 54.", que diz o seguinte: «Quando a lei dc processo determinar o impedimento do juiz dos tribunais dc competência genérica, o processo é julgado pelo seu subiilulo legal.» Este é muilo o sistema que sc pratica cm alguns países.

As hipóteses cm que o juiz da comarca ficará impedido por essa via são hipóteses muilo limitadas, ou seja, são hipóteses relativas a um processo cm que haja um réu preso. Nesse caso, sc o juiz da comarca con validar a prisão ele fica impedido para o julgamento c será o seu substituto que intervirá.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Parece-me que isso face ao aclual Código dc Processo Penal não pode acontecer, pois ele não prevê a possibilidade dc ser outro juiz que não o juiz dc instrução criminal a praticar esses actos jurisdicionais.

O Sr. Procurador-Geral da República:—Por isso mesmo 6 que esse projecto deveria dizer que, neste caso, o juiz dc instrução é o juiz da comarca, mas não o diz.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): —Já confessei que tinha dito que estaria dc acordo em que esta alínea d) de projecto devia, pura c simplesmente, ser eliminada.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Não, Sr. Deputado. Repare que sc deve proceder à instrução e subsequentemente decidir quanto a pronúncia onde houver um tribunal dc instrução criminal. Portanto, neste caso, quem é juiz dc instrução é o juiz da comarca. Penso que é esta a filosofia do projecto. Porque sc assim não for os malefícios do tribunal dc instrução maniêm-sc totalmente.

Portanto, quanto aos processos que implicam instrução criminal, devo dizer que eles serão enviados para os respectivos tribunais dc instrução criminal, para as sedes dos círculos judiciais. Como o Sr. Deputado sabe, a instrução criminal funciona apenas a partir da acusação; os casos pontuais irão para a sede do círculo c o juiz de instrução ou marca a audiência ou dcslocar-sc-á à comarca para proceder à audiência preliminar que lá está prevista.

Esia é a leitura que faço deslc projecto, embora seja o primeiro a reconhecer que ele é pouco esclarecedor. Ele diz claramente no artigo 54.° que é o tribunal dc competência genérica, com um juiz singular —c não o tribunal dc instruçüo—, que procede à instrução onde não houver tribunal de instrução criminal. Não 6 assim?

O Orador: — Sim, isso é rigorosamente o que está no texto, mas penso que penetrar no sentido rigoroso do dispositivo, c sobretudo articulá-lo com o Código de Processo Penal, suscita as dificuldades que acabam de ser equacionadas, as quais são muito sérias.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Não há aqui um artigo que refere a prática dos actos relativos ao inquérito? Penso que também há aqui um artigo que indica quem pratica os actos jurisdicionais relativos ao inquérito.

O Orador: — É o artigo 58.e, que diz o seguinte: «Compete aos tribunais dc instrução criminal proceder à insirução criminal, decidindo subsequentemente quanto à pronúncia ou proferindo despacho equivalente, c exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos.»

Só que creio que a circulação entre o que aqui está escrito c o artigo que foi comentado primeiramente não permite e nüo legitima a inlcrprctaçüo feita nos termos cm que ...

O Sr. Procurador-Geral da República: — Nüo, Sr. Deputado, a ideia que está expressa é esta: qualquer comarca cm que nüo haja um tribunal dc instruçüo criminal quem actua é o juiz da comarca, da competência genérica, c c)c ficará impedido nos termos do n.° 2.

Esia c que 6 a filosofia implícita aqui, e, sc nüo for esta, então não entendo. Penso que o que está aqui dito é claramente isio: numa comarca onde nüo existe um tribunal dc instrução, aí o juiz da comarca pratica os actos ditos dc instrução. Esta c um solução com a qual não concordo mas é o que está aqui diio. AJém disso, esse juiz pralica lambem os

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acios relativos ao inquérito c fica impedido dc proceder a julgamentos. No entanto, nüo era essa a soluçüo que cu adoptaria.

A -solução que eu preconizaria era a seguinte: num tribunal de comarca, sempre que houvesse a necessidade dc praticar actos que exigissem a intervenção dc um juiz num inquérito seria o juiz da respectiva comarca a actuar. Isto referc-se a casos muito pontuais, ou seja, casos dc réus presos, buscas, etc. E dc lembrar que esse juiz ficaria impedido dc presidir ao respectivo julgamento. Mas, sc houvesse uma instrução, ela seria sempre feita pelo juiz dc instrução, que é o juiz dc círculo.

No entanto, essa ideia não é a que está aqui expressa, o que o texto faz entender é que há uma estrutura dupla dc intervenção da instrução, a qual não compreendo. Há aqui um juiz dc instrução na sede dc círculo c há um outro juiz dc instrução nas comarcas.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Entüo o que é que o juiz dc instrução está a fazer na sede dc círculo? Sc é só para a ...

O Sr. Procurador-Geral da República: — É só para a comarca sede. Não era essa a ideia que estava preconizada. Essa ideia esvazia totalmente dc senúdo o sistema.

O inquérito veio um pouco para corresponder às dificuldades geradas pela figura do juiz dc instrução, temos de reconhecê-lo. Portanto, seria o juiz dc comarca que iria intervir naqueles casos pontuais cm que é necessário intervir um juiz. Aliás, o Sr. Prof. Figueiredo Dias sustenta que em muitos casos o juiz não gera o impedimento, mas tenho dúvidas porque, dc facto, a Constituição refere o juiz dc instrução.

Dc qualquer modo, a ideia que perfilho é a de que é sempre necessário um juiz dc instrução, mas que o juiz dc comarca interviria como o juiz dc instrução nesses casos dc inquérito. Estes são casos muito pontuais c, dc qualquer forma, eles levariam ao impedimento do juiz dc comarca para realizar o respectivo julgamento. No entanto, sempre que houvesse uma instrução cm sentido próprio, ou seja, aquela que gera a audiência premente, então seria o tribunal dc instrução a realizá-la. E aí estaria justificada a manutenção do tribunal dc instrução.

Esta é a minha ideia, mas da leitura deste projecto rcalmcnífc não retiro esta ideia.

O Orador: — Devo dizer que suscitei esta questão precisamente por isso c porque mc parece que quem redigiu a fase final dele não estava, pura c simplesmente, conexionado com a reforma do Código dc Processo Penal, cm relação ao qual tem as ressonâncias que são conhecidas.

Mas, cm termos dc escrita, muito provavelmente o que sc quis dizer foi que nas comarcas onde não houver tribunal dc instrução criminal as funções jurisdicionais relativas ao inquérito são asseguradas pelo juiz que lá estiver. Era isto que sc diria num português adequado acerca desta matéria.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Penso que a ideia correcta seria esta: nas comarcas onde houver juiz dc instrução criminal as funções relativas ao inquérito são asseguradas pelo juiz dc comarca, o qual funciona como o juiz dc instrução para esse efeito.

O Orador: — Exacto. Naturalmente que essa solução suscita objecções dc uma ou outra natureza quanto ao próprio sistema c no que respeita à reflexão sobre os impedimentos. Porque creio que fazer-sc uma revisão

constitucional implícita ou por forma inadequada em relação à reforma do Código dc Processo Penal já é bastante grave, mas somar-lhe ainda algumas revisões de terceiro grau quanto aos outros impedimentos levar-nos-á bastante longe.

Devo dizer que acerca desse ponto tenho posições totalmente opostas à prática que tem sido seguida.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Lamento interrompê--lo, mas gostaria apenas de tirar uma dúvida que lenho e talvez o Sr. Procurador-Geral da República possa esclarecer-me, ou talvez cu esteja a ler mal.

Ela é relativa à alínea c) deste mesmo artigo 54.° onde se diz que compele aos tribunais dc competência genérica, funcionando como tribunais singulares, «julgar os processos dc natureza penal relativos a crimes a que seja abstrac-lamcntc aplicável pena dc prisão superior a três anos». Ou será não superior a três anos?

O Sr. Procurador-Geral da República: — É superior a três anos, ou seja, rcfcrc-sc aos casos relativamente aos quais o Ministério Público entenda que a pena aplicada deve ser dc três anos.

O Orador: — O Código dc Processo Penal estabelece isso.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Isto é da competência dos tribunais singulares.

O Sr. Produrador-Geral da República: — Mas esta matéria é julgada pelos tribunais singulares.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Mas depois eslabclccc--sc na alínea a) do n." 1 do artigo 76." o seguinte: «Compete ao tribunal colectivo julgar os processos (...] cuja pena máxima abstractamente aplicável for superior a três anos dc prisão.»

O Orador: — Sim, mas excepto cm certos casos, que são os previstos no Código dc Processo Penal.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Os que não

devem ser julgados pelo tribunal singular. O Código dc Processo Penal responde a isso.

Vozes.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Mas isso não esiá claro!

O Orador: — Esla questão rcfcrc-sc ao artigo 52.9, nomeadamente ao n.° 2 que lá está previsto. Este número prevê intervenções fora da área territorial dc competência, c isto é naturalmente um desvio a um princípio básico da competência territorial.

Sr. Procurador-Geral da República, gostaria dc lhe perguntar sc encontra alguma justificação para este sistema.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado José Magalhães, a grande dificuldade do juiz dc instrução no nosso país é decorrente dc termos acolhido a ideia desse tipo dc juiz numa altura cm que ela já não estava na pureza original cm muitos países. E não fomos para a ideia do juiz dc instrução mas para a ideia do tribunal dc instrução.

Portanto, temos que opiar claramente ou pelo tribunal dc instrução ou pelo respectivo juiz. Sc seguirmos a ideia c

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optarmos pelo tribunal dc instrução, leremos dc definir regras muito rígidas dc competência territorial. Sc optarmos antes pelo juiz, então ele terá dc ser um juiz livre, como 6 cm muitos países, ou seja, o juiz que tenha o respectivo dossier pode praticar actos cm qualquer ponto do País.

Assim, aqui não há qualquer violação da ideia do juiz natural. Desde que o juiz tenha competência para instruir um processo ele pode ir a qualquer ponto do País para ins-lruí-lo.

Agora, este projecto, tal como a nossa tradiçáo, é um tanto ou quanto misto porque nuns casos vai ao encontro do tribunal dc instrução criminal, perfilhando ideias dc competência fechada, c noutros casos vai dc encontro à ideia do juiz dc instrução, adoptando a ideia dc um juiz que tem o seu processo c que não tem regras dc competência territorial.

Portanto, penso que tecnicamente esta solução poderá não ser talvez primorosa mas não viola qualquer princípio. Na prática, contudo, sou apologista dessu ideia.

Em iodo o caso, penso que o nosso sistema não 6 coerente. A ideia dc um juiz dc instrução criminal c a dc um juiz que fez a instrução num processo. A ideia do juiz natural não 6 aplicável — como o Sr. Deputado sabe melhor do que cu — ao juiz dc instrução como a ideia do juiz dc julgamento, mas tem algumas conouiçõcs.

Agora, não há nenhuma questão cm que o juiz dc instrução criminal seja competente para um processo c possa praticar actos cm todo o país no que sc lhe refere.

Assim, a dúvida que apresento 6 pertinente, ela icm que ver um pouco com esta disfunção que há cm toda a proposta dc lei entre o tribunal dc instrução c o juiz dc instrução criminais.

O Orador: — Exacto. Isso cria dificuldades que só podem ser superadas ou num regulamento ou cm sede da própria lei, fazendo-scas precisões adquadas, desde que haja para tal esforço c vontade.

A dúvida seguinte prende-sc com a questão da intervenção das comissões dc protecção dc menores. Elas lerão sido para alguns uma esperança c para ouiros uma grande decepção. Em lodo o caso, a proposta dc lei varre essas comissões c deixa-as reduzidas ao grau zero dc intervenção. Assim, a questão que sc coloca é a dc saber sc não sc poderia realmente pô-las a intervir, designadamente no que respeita a certos casos como as medidas aplicáveis a menores víümas dc maus tratos, dc abandonos, dc desamparo, etc, c também cm relação a medidas como estas que aqui estão enunciadas no n.tf 1 do artigo 61.*, nomeadamente as questões dc inadaptação, ou seja, mendicidade, vadiagem c inclusivamente os casos dc acção criminosa.

Assim, perguntaria sc a experiência da Procuradoria--Gcral da República vai no sentido dc considerar que não há nenhuma esperança a ler cm qualquer estrutura, o que é um dos poucos resquícios da participação popular na administração da justiça.

O Sr. Procurador-Geral da República: — A ideia a ler cm consideração aqui não c talvez uma ideia dc participação popular na administração da justiça, a qual tem muitas vezes conotações ideológicas que têm prejudicado uma visão objectiva das coisas, ou seja, ela será outra.

Devo dizer que sou muito favorável às comissões dc protecção dc menores c penso que foi lamentável que não sc tivesse implementado o sistema. Sou por uma visão, tanto quanto possível, alargada da intervenção dessas comissões, com uma restrição que julgo que resulta da sua própria constituição, ou seja, não pode haver oposição por parte

dos pais. Desde que os pais aceitem a intervenção dessas comissões, defendo que cias devem intervir sempre preferencialmente aos tribunais.

Neste sentido, creio que na anterior proposta de lei havia uma norma que considero salutar, ou seja, sempre que menores com menos dc 9 anos tivessem praticado um crime c não ficasse provado que o haviam praticado com discernimento interviria a comissão de protecção de menores.

Dc modo que creio que todos esles casos estariam muito melhor entregues nessas comissões do que no respectivo tribunal. Em tribunal só devia intervir, como último ratio, cm relação a menores que sc dedicam à vadiagem e que têm uma dificuldade séria dc adaptação.

Portanto, a solução aqui seria os Ministérios da Justiça, da Educação, da Saúde e do Trabalho e Segurança Social fazerem um esforço no sentido dc apoiarem c implementarem essas comissões, mas nunca rcliror-lhcs competência.

Assim, só seriam abrangidos os casos de menores com mais dc 9 anos, os casos dc menores com menos dc 9 anos que tivessem praticado crimes relativamente aos quais sc demonstrasse que linha havido discernimento por parte do praticante, c os casos — que já referi — cm que sc verificasse a oposição dos pais. Entendo que sc os pais não querem que os menores sejam examinados por uma comissão dc protecção dc menores cies lêm o direito a que um tribunal sc pronuncie porque é uma protecção lhes dá constituição. PorLanio, não concordo, de modo nenhum, com a restrição que aqui foi feita nesta matéria.

O Orador: — Em relação à alínea r) do artigo 63.° «Competência dos tribunais dc trabalho», gostaria dc lhe perguntar sc pensa que a respectiva redacção faz sentido. Ela suscila-mc alguma perplexidade, porque não sc alcança bem sc é inienção fazer com que sejam os tribunais dc trabalho a conhecer as questões eleitorais respeitantes às comissões dc trabalhadores c às respectivas comissões cordenadoras. Não sei sc a Procuradoria-Gcral da República foi ouvida sobre esta matéria.

O Sr. Procurador-Geral da República: —Não, não foi.

O Orador: — O que é que sc alcança dc uma redacção que refere das «questões entre comissões dc trabalhadores [...]»?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Penso que esta alínea — também me interroguei sobre isto — poderá ter sido aditada merce dc casos pontuais que foram a tribunais dc trabalho com alguma frequência, tendo-sc sugerido aqui

Dc facto, também não sei fazer a leitura disto.

O Orador: — Sr. Procurador-Gcral da República, cm relação ao artigo 64.Q, «Competência contravencional», gostaria dc lhe perguntar sc entende que é uma boa altura para sc atribuir aos tribunais dc trabalho, ou sc clarificar que caibam a estes, as competências para conhecer as infracções à Lei das Comissões dc Trabalhadores?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Penso que havendo a necessidade dc dizer quais são os tribunais competentes que os tribunais dc trabalho estarão, cm princípio, mais vocacionados c sensibilizados para essas matérias.

O Orador: — Isso vem sugerido por alguns sectores. É precisamente aos tribunais dc trabalho que compete julgar

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em matéria contravencional, como 6 o caso das infracções contravencionais relativas à greve. Nüo há grande diferença estrutural entre estas infracções c as infracções relacionadas com o estatuto presente ou futuro das comissões dc trabalhadores. Creio que elas sc situam par a par.

Em lodo o caso, não sabia sc esla qucstüo linha sido colocada à Procuradoria-Gcral da República, mas 6 uma das questões que sc colocam.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — O Sr. Deputado está a levantar a questão de ser o tribunal dc trablho a ler competência para julgar as contravenções dc acluação das comissões dc trabalhadores. É que isso nüo sc refere cá cm lado nenhum.

O Orador: — Não, para conhecer as infracções à Lei das Comissões dc Trabalhadores, ou seja, á Lei n.° 46/79. Quer dizer, as comissões dc trabalhadores tem certos direitos c deveres. A infracção, a violação das normas que tulclam esses direitos ...

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — O Sr. Deputado eslá a criticar a omissão?

O Orador: — Exactamente. Lamento, não mc exprimi bem. A crítica aqui nüo 6 relativa a soluções mas cm rclaçüo a uma omissão.

Sr. Deputado, repare que 6 uma omissão no sentido exacto dc que não há precisão, porque há uma cláusula remissiva dc carácter genérico, ou seja, a alínea J), que diz o seguinte: «As demais infracções dc natureza contravencional cujo conhecimento lhes seja atribuída por lei.»

Todavia, como a Lei n.9 46/79 é insuficientemente rigorosa quanto à qucstüo da competência para o conhecimento das contravenções respectivas, ou sc aproveita este ensejo para clarificar este aspecto ou cnulo flutuaremos entre os tribunais dc trabalho c os comuns para dirimir um conflito desta natureza. E creio que, a ser assim, seriam os tribunais dc trabalho os mais indicados para este efeito.

Mas, enfim, esta é uma soluçüo que está cm aberto, c devo dizer que procuram apenas indagar sc linha havido alguma reflexão relativamente a cia.

Em relação ao artigo 68.9, devo dizer que a questão que há aqui é a que cu linha começado por enunciar, ou seja, a mesma questão da competência dos juízes dc execução dc penas. Portanto, creio que nüo há razüo nenhuma para partilhar uma visão muito restritiva das competências do juiz dc execução dc penas c que não deveria perder-sc esta oportunidade quanto ao seu alargamento.

Isso tem-nos sido suscitado na Assembleia da República, na primeira comissüo, pelo trabalho dcscnvlovido cm torno do sistema penitenciário c das visitas a prisões, o qual conduziu a um melhor conhecimento da situação actual dos juízes dc execução dc penas.

Assim, talvez seja esta a altura dc alargar a competência desses juízes, designadamente quanto ao conhecimento dc determinados actos da administração penitenciária, sobretudo cm matéria disciplinar, pois creio que cia csiá concebida cm termos extremamente restritivos. Alem disso, parccc-mc que a solução que vem aqui referida na proposta quanto a essa competência é muito restritiva.

Por outro lado, a intervenção do Ministério Público, que c considerada ínfima c quase indigente — sem ofensa —, poderia c deveria ser alargada, nomeadamente, a casos como os que estão previstos nas alíneas c) c d) para as saídas precárias, questão fulcral para os reclusos, cm relação aos

quais as garantias dc legalidade são muito importantes, bem como a luicla contra a não discriminação.

Além disso, a intervenção do Ministério Público pode ser imporianic em rclaçüo às decisões disciplinares, não só a estas que apliquem sanções dc internamento em sala disciplinar, mas a outras cujo alargamento nüo deve ser, naturalmente, imprudente para nüo bloquear o sistema.

No entanto, não se pode continuar numa situação cm Portugal cm que a administração penitenciária continua a desfrutar dos privilégios da antiga administraçüo rcgalista c do nüo conhecimento jurisdicional da maior parte das suas decisões, designadamente no respeitante às matérias mais melindrosas, as quais significam a diferença entre um inferno penitenciário c uma existência cm que um mínimo dc dignidade humana é reconhecida aos reclusos.

Lamento estas considerações, mas creio que era importante apurar um ponto dc equilíbrio para alterar a situaçüo actual.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — A alínea b) do artigo 68.° contempla isso.

O Orador: — Mas, Sr. Deputado, o que está cm causa süo as decisões disciplinares. Como sabe, estas decisões podem ser introduzidas na aplicação dc uma grande escala dc sanções c a única decisão disciplinar que aqui é sindicável nesta óptica é a que aplique sanção dc internamento cm cela disciplinar por tempo superior a oito dias.

Creio que esta é a sétima ou a oitava sanção prevista no respectivo diploma legal. Todas as demais estão furtadas ao conhecimento do juiz dc cxccuçüo dc penas. Isto é um absurdo c viola o próprio direito dc recurso.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Lamento este diálogo, mas estamos aqui com o objectivo dc nos esclarecermos. Devo dizer que nüo faço essa leitura. Entendo que só sc deu dignidade dc recurso a essas sanções, mas isso não impede que um recluso que sc considere molestado por um outro tipo dc sanção disciplinar, ao abrigo da alínea b), ponha a questão ao juiz dc cxccuçüo dc penas.

O Orador: —Julgo que há aqui um equívoco quanto à alínea b) que estamos a citar.

A alínea b) que refiro é a do artigo 68.*, que diz «apreciar por ocasião da visita I...J», isto é, da visita que o juiz dc execução dc penas faz ao estabelecimento penitenciário «|...J as pretensões que para o efeito sc inscrevam cm livro próprio».

Mas isso não significa. Limo quanto entendo, c tenho entendido c feito a exegese destes diplomas, a mínima possibilidade dc interferência no cumprimento das decisões disciplinares normalmente aplicadas, no exercício dc poderes legais, pela administração penitenciária.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, sc mc permite, diria que na altura cm que colaborei na feitura do Código dc Processo Penal mc apercebi, bem como a respectiva comissão, que esta é uma das grandes lacunas dc que enferma lodo o sistema.

O nosso sistema dc execução dc penas era muito avançado na época cm que foi congeminado — elc foi ainda fruto das lições do Prof. Beleza dos Santos —, ou seja, na altura eslava na poma do progresso mas dc repente iransformou-sc num processo csclcrosado.

Assim, haveria que reformular todo o sistema de execução dc penas c dc competência do respectivo tribunal, porque há a considerar o aspecto referido pelo Sr. Deputado

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José Magalhães rclaüvo à omissão da intervenção do Ministério Público, ou seja, defrontamo-nos todos os dias com situações extremamente polémicas nas quais nüo temos direito a intervir, nüo temos capacidade para recorrer nem somos ouvidos.

Por outro lado, verifica-se uma siluaçüo ao nível do referido tribunal que é, dc algum modo, problemática: o juiz nuns casos intervém como membro dc uma comissüo administrativa e noutros casos intervém como juiz; nuns casos é uma espécie dc provedor de justiça c noutros é um juiz para o qual sc pode recorrer. Além disso, há uma série de decisões da administração penitenciária que nüo süo susceptíveis dc recurso.

Agora, penso que isto passaria por uma reformulação dc todo o sistema relativamente ao qual este projecto nüo pretende responder. Qucrdizer.dcvcr-sc-ianüosó reformular a lei que organiza o tribunal dc execução dc penas, como todo o processo dc cxccuçüo dc penas.

Tenho a imprcssüo dc que não é ambição desta proposta a dc responder a estas necessidades, as quais são prementes c que tenho constatado no quotidiano da minha função.

O Orador: — Sr. Presidente, gostaria dc formular mais duas ou três perguntas acerca desta matéria.

O artigo 72.8 envolve um problema, ou seja, pressupõe que haja casos cm que não seja o juiz dc instrução criminal a proferir a pronúncia.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Penso que há aqui um problema dc nomenclatura, porque nos casos cm que não há instrução também não há, em bom rigor, um despacho de pronúncia, isto é, há um despacho que designaria para julgamento. O que sc verifica aqui 6 pouco rigor na formação.

Creio que é isso que resulta do Código dc Processo Penal. Ou há instrução c pronúncia ou nüo há instrução c o juiz designa para julgamento. Portanto, nüo há o despacho dc pronúncia clássico que existe no aclual sistema.

Mas esta é uma leitura que faço um tanto ou quanto comprometido com o código cm que intervim, dc modo que não posso dizer sc é essa a leitura que deve lazer qualquer intérprete.

Em lodo o caso, devo dizer que há um despacho pelo qual o juiz ainda icm competência para fazer uma certa triagem dc nulidades, etc, mas rigorosamente não há um despacho dc pronúncia. Poderá talvez haver é uma dessintonia entre csic artigo c o Código dc Processo Penal. Não tenho aqui o Código, senão rapidamente sc verificava isso.

O Orador: — Sim, este é um ponto cm relação ao qual vamos seguramente ter dc procurar apurar qual é o senlido do proponente legislador. Devo confessar que também não alcanço esse senlido, embora para mim o parâmetro seja mais simples, porque aqui lralar-sc-ia dc confiar ao juiz dc instrução criminal o que eslá excluído pelo Código dc Processo Penal.

O Sr. Procurador-Gcral da República: — Não, aqui diz que a pronúncia compele aos juízes criminais nos casos cm que não lenha havido período dc instrução.

O Orador: — O problema é o dc saber o que é que sc entende aqui por juízes criminais.

O Sr. Procurador-Geral da República: —Na filosofia desta proposta, são os juízes dc julgamento.

Mas isto nüo pode ser considerado uma pronúncia em senlido iccnico, pois não tinha coerência. A meu ver, seria despacho que designaria para julgamento, o qual não corresponde ao actual despacho que designa para julgamento nem ao aclual despacho de pronúncia, ou seja, irata-se de uma nova filosofia inserta no Código dc Processo Penal, que diz que, quando não há instruçüo, o juiz marca um dia para o julgamento depois de verificar se há nulidades, sc o iribunal é competente, etc. Portanto, refiro um despacho sui generis que não tenha esta conotação.

O Orador: —Em relação ao artigo 82.*, devo dizer que sc suscita aqui a questão dc saber se a magistratura do Ministério Público não csiará discriminada nesta solução, uma vez que nesse artigo sc está a discutir a presidência para efeitos exclusivamente administrativos.

Entende admitir que seja confiada a presidência, nesta óptica c para csic efeito, a um magistrado do Ministério Público?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Essa é uma pretensão sindical c considero que ela é muito respeitável.

Dc qualquer maneira, penso que o paralelismo deve existir até onde deva existir. Creio que o presidente dc um tribunal deve ser um juiz.

Dc facto, há um caso que conheço que aflora a ideia dc que o Ministério Público pode presidir a acios, que é o italiano. Quando o juiz for impedido, por motivos dc obstrução ao julgamento ou dc ordem pública, dc presidir a um julgamento, substituí-lo-á na presidência o magistrado do Ministério Público. Houve, inclusivamente, a dada altura, por parte da Comissão Revisora do Código dc Processo Penal, a ideia dc sc inserir esse aspecto no respectivo Código.

Isso existe na Ilália, país cuja Constituição prevê que só haja uma magistratura. E só pelas funções que cada magistrado exerce é que ele é magistrado do Ministério Público ou magistrado judicial, ou seja, não há nenhuma diferenciação.

Contudo, nós não temos esse sistema, c devo dizer que não tenho qualquer dúvida cm defender que o presidente dc um tribunal deve ser um juiz; naturalmente é o juiz que delém a função jurisdicional. O paralelismo existe cm lermos estatutários, não cm termos dc funções.

Assim, sou claramente a favor da solução dc que a presidência seja do juiz, porque não vejo realmente onde é que o paralelismo possa justificar que o Ministério Público presida, para efeitos administrativos, a um tribunal.

O Orador: — Sr. Procurador-Gcral da República, gostaria dc lhe fazer uma pcrgunla «melindrosa» relativamente ao n.° 2 do artigo 93.°: a lei deve dizer que o Ministério Público é representado no Supremo Tribunal dc Jusliça ou deve-sc acrescentar a referência aos procuradorcs--gcrais-adjunios?

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o problema 6 simultaneamente dogmático c prático.

A ideia, tal como foi recebida cm todos os países europeus, é uma ideia dc magistratura indivisível.

Todos os magistrados representam a mesma instituição, que é o Ministério Público.

Por isso, cm lodos os países da Europa —já nem falo dos da América — que conheço existe a ideia do substituto. Penso que no nosso país essa ideia já foi subvertida, mercê dc um remendo que sc fez à Lei Orgânica, na qual sc diz que

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na primeira instância representam o Ministério Público os delegados c os procuradores. Ou seja, a ideia de que o magistrado era um substituto ou delegado do procurador está hoje diluída.

Nos supremos tribunais —c nüo é uma questão pessoal, até porque, se hoje sou procurador-geral da República, amanha deixarei de o ser—, penso ser fundamental que se mantenha a ideia de que os magistrados substituem o procurador-geral. Isto porque, nesse caso, a ideia da indivisibilidade é uma ideia muito mais premente. Os supremos tribunais existem para dar coerência c uniformidade às decisões e para se garantir o princípio da igualdade dos cidadãos perante os tribunais.

A ideia de unidade de acção é, portanto, uma ideia muito mais premente, o que quer dizer — c as coisas não existem apenas por exigências estatutárias, mas por princípios dogmáticos e científicos— que deve ser uma pessoa, o procurador-geral, a dar unidade à acçüo dos magistrados. Os magistrados süo seus substitutos.

Penso que isso nüo é menos dignificante para os magistrados c que, por outro lado, representa cm termos práticos uma ideia que é importante, ou seja, a de que nüo é a vontade deles que determina a actuaçüo que têm nos processos, mas sim que representam um procurador-geral, sem prejuízo de lodos os princípios consignados na Lei Orgânica, nomeadamente o de cies nüo serem obrigados a agir contra a sua convicção c o de nüo deverem obediência a ordens ilegais. Contudo, quem deve fixara unidade de intervenção nos supremos tribunais é o procurador-geral.

O Orador: — Em relação à qucslão das secretarias judiciais referidas no artigo 101.°, o Sr. Procurador-Gcral da República já teceu algumas considerações, designadamente quanto à proposta competência, prevista no alínea c) do n.9 2, para proferir todas as decisões sobre custas c à virtual inconstitucionalidade dc uma solução deste tipo, pelo menos nos lermos cm que está redigida c com o alcance que 6 razoável atribuir-lhe.

Pergunto-lhe apenas se considera dc incluir aqui alguma disposição que salvaguarde especificamente o direito do Ministério Público c as estruturas específicas c próprias dc apoio, coisa que aqui se encontra omitida ou, pelo menos, não pressuposta. Não se percebe bem qual a articulação dc tudo isto com o funcionamento do quadro dc pessoal próprio do Ministério Público.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado José Magalhães, não sou muito sensível a uma certa guerrilha corporativa que por vezes aflora quanto ao Ministério Público.

A propósito desta lei, não posso deixar dc contar um episódio que tem o seu quê dc ridículo.

Há uns cinco anos, pediram-mc que fizesse um projecto sobre a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, que elaborei c enviei ao Governo. O Governo caiu c mudou o titular do Ministério da Justiça. O novo titular do Ministério pediu depois a outras pessoas que reelaborassem o meu projecto. Quem ficou encarregue dessa tarefa foi muito simpático comigo c não alterou nada, a não ser ter cortado iodas as normas que se referiam ao Ministério Público. Nenhuma dessas normas, mesmo a que diz que o Ministério Público représenla o Estado nos tribunais, ficou no projecto. Cortou tudo!

Penso que não há necessidade dc se referir que o Ministério Público tem órgãos dc apoio, o que já consta da Lei Orgânica do Ministério Público. Embora possa constar da lei — o que abunda não falta —, não vejo que isso seja

indispensável, desde que o Governo cumpra, como penso que vai cumprir, aquilo que ficou a constar da Lei Orgânica.

Há aqui uma norma de que hoje não falamos, mas que tem o seu quê dc polémico, que é a que diz que o procurador--gcral falará na sessão inaugural da abertura do ano judicial. Esta foi uma norma que deu lugar a guerras tremendas c foi proposta c cortada umas «mil» vezes, porque não era aceite. Trata-se do artigo 8.9

Dc resto, devo dizer que não faço muita questão nisso, embora cu lenha sido sempre apologista de que este projecto contivesse alguma coisa sobre a abertura do ano judicial. Isto porque as magistraturas vivem hoje num regime dc grande autonomia a que, segundo penso, deve corresponder uma grande responsabilidade.

Actualmente, não há porta-vozes perante a opinião pública c o poder político da responsabilidade que incumbe aos magistrados e aos seus órgãos gestores. Penso que seria imporlanlc que, pelo menos uma vez no ano, os titulares da gestão das magistraturas pudessem dizer perante a opinião pública aquilo que foi a gestão que fizeram e que não fizeram, para se exporem à censura pública e ao debate político sobre essa qucslão.

Todavia, sempre que esta norma era incluída, havia alguém que censurava discretamente o procurador-geral da República que nunca punham a falar. Um dia, o Sr. Ministro perguniou-mc o que cu pensava, e envici-lhe recortes dc leis estrangeiras nos lermos das quais o procurador-geral podia falar. Para que não dissessem que isso era apenas uma pretensão minha. Aliás, o Sr. Ministro, muito amavelmente, cila no preâmbulo a lei orgânica do poder judicial espanhol, na qual sc diz que o fiscal-gcral fará uma exposição.

Islo é muito contestado pelos magistrados judiciais, havendo episódios que não vale a pena aqui coniar cm pormenor mas que são interessantes.

Cito-lhes, por exemplo, o caso dc durante dois anos o ano judicial ter sido inaugurado no Porto sem nunca ter sido convidado o procurador-geral. Só era convidado o Presidente do Supremo Tribunal. A certa altura, os magistrados do Ministério Público disseram que não compareciam cm massa c, cnulo, o Sr. Presidente da Relação convidou o Sr. Presidente do Supremo Tribunal c o procurador-geral, mas não fez a mínima alusão ao Ministério Público, antes tendo feito dc conta que não estava presente o procurador-geral. Embora pessoalmente tivesse sido muito amável.

São pequenos fait-divers que não têm nada a ver com a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, mas que representam alguma coisa que às vezes é mais importante do que sc lê nas entrelinhas.

Há hoje um grande sector da magistratura judicial que entende que o Ministério Público nem sequer deveria trabalhar no edifício do tribunal, mas sim ter um edifício próprio. Não sc trata dc uma questão meramente portuguesa, porque isso sc verifica um pouco por todo o lado, embora —devo dizer, cm abono da verdade— sobretudo cm países cm que há uma grande ligação do Ministério Público ao poder político. É, por exemplo, o caso da Bélgica, cm que realmente os magistrados judiciais não vêem com bons olhos os magistrados do Ministério Público, dizendo que eles são privilegiados, têm uma grande ligação ao poder político, gozam dc benesses, são condecorados c apanham bons lugares.

Penso que no nosso país esta ideia já estará excluída, mas que uma vez por outra aparece uma certa reminiscência dela. Esla norma consta da proposta c representa uma

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grande carga histórica, porque várias vezes foi proposta e várias vezes retirada.

Houve uma altura cm que se dizia que, na scssüo solene a que se refere o número anterior, o Presidente do Supremo e o procurador-geral apresentariam uma memória sobre o estado dos tribunais. Essa norma desapareceu várias vezes, mas está agora contida aqui, com esta redacção.

Confesso que não faço nenhuma questão fechada disto, embora pense ser importante que o nome do Ministério Público não seja literalmente excluído desta lei orgânica, por questões que podem ser interpretadas como correspondendo a uma vontade política desta Assembleia.

O Orador: — Creio ter sido positivo que, por conexão, essa questão tivesse sido suscitada, embora cu tencionasse suscitá-la cm último lugar. Não creio que as questões simbólicas sejam tão irrelevantes como isso, na actual situação do funcionamento do sistema de justiça.

Designadamente, creio que essa norma do artigo 8.° poderia, cm bom rigor, ser complementada — se havemos de copiar alguma coisa, que copiemos uma coisa que é positiva — com uma norma que de alguma forma especificasse o conteúdo dessa cerimónia, que pode ser uma cerimónia basiantc útil se significar uma abertura aos cidadãos c aos agentes da administração da justiça. E uma prestação de contas, em certo sentido, com o sentido adequado que isso tem, pode ser útil.

Dc resto, considero ser absurdo que, por exemplo, o relatório do Ministério Público seja um documento considerado reservado, confidencial c dc circulação restrita. É absolutamente absurdo —permita-sc-mc agora o enxerto— que um documento que é porventura o único levantamento rigoroso c integral dos dados quantitativos, c não só, sobre o funcionamento da justiça, num quadro cm que não há um anuário da justiça, c um documento demasiado precioso c importante para os cidadãos, investigadores, deputados c lutti quanti, possa ser, para além do volumoso calhamaço, dc resto bem elaborado, que é, um documento dc circulação restrita.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sr. Deputado José Magalhães, o problema que se coloca quanto ao relatório é o dc que não lenho meios financeiros para o publicar. Mesmo para o publicarmos nos lermos cm que ele é publicado, somos confrontados com algumas dificuldades.

Mas esse relatório não é dc circulação restrita. Temos enviado o relatório a todos os sectores que o tem pedido, apenas com um constrangimento, que é o do número dc exemplares.

O Orador: — Sr. Procurador-Gcral, a alteração do regime dc difusão será, porventura, para além dc ser inquestionável, um mérito resultante dc uma determinada orientação c interpretação dc gestão, que começou, sc bem me lembro, com o exercício dc funções pelo Sr. Procurador--Gcral da República.

O Sr. Procurador-Geral da Rep úhlica: — Tenho enviado à Assembleia um número dc exemplares ...

O Orador: — Anteriormente, não.

E posso afirmar terminantemente que a sua comunicação à Assembleia da República é também uma novidade no relacionamento enire csia c o actual procurador-geral da República, que não linha precedente no passado.

O Sr. Procurador-Geral da República: — E não há sequer qualquer constrangimento por parle do Governo. Não tenho nenhuma dificuldade desse tipo.

A única dificuldade que tenho é dc tipo orçamental. Se tivesse meios para publicar um número dc exemplares razoável do relatório, como, aliás, se faz em todos os países, publicá-lo-ia e ele teria a difusão que fosse considerada necessária.

Não há dificuldades, quer pela minha parte quer por parte do Governo. Nunca o Governo me disse que não gostaria que eu divulgasse o relatório da Procuradoria-Gcral, até porque, se o fizesse, talvez isso não fosse bem recebido da minha parte.

É claro que há aspectos da intervenção do Ministério Público que são reservados, como, por exemplo, acções dc Estado c interesses relativos a consultas que o Governo solicita. Tirando isso, penso que tudo aquilo que, com a ajuda dos meus colaboradores, exponho no relatório pode ler divulgação que for entendida necessária.

O Orador:—Creio que neste número não haverá desvantagem nenhuma nisso.

Não sc tratará, naturalmente, da produção pública do relatório, porque essa cerimónia arriscar-sc-ia a ser um filme do Manoel dc Oliveira. Mais do que um discurso formal ou dc circunstância, porventura brilhante e eloquente, deverá pelo menos conter lambem um extracto, um resumo ou uma síntese dos aspectos principais da gestão durante o ano anterior. Creio que, sc conseguirmos fazer essa inovação c dar-lhe carácter público, isso será muito positivo para as magistraturas e para o prestígio do sistema tal qual cie é exigível nas presentes circunstâncias.

A última pergunta que coloco refere-sc à questão da comissão dc serviço.

Ouvi com muita atenção as observações do Sr. Procurador-Gcral da República, mas creio que a preocupação cm relação ao exercício dc funções cm sistema dc comissão dc serviço por um período dc ires anos, renovável, nas condições cm que está previsto no artigo 103.°, pode conduzir a uma situação dc precarização c a uma situação dc introdução dc um elemento fiduciário, que é dc lodo cm lodo indesejável no funcionamento do nosso sistema.

Sei que no preâmbulo da proposta dc lei sc sublinha, cm todos os tons imagináveis, a siluação dc desprovimenio dc poderes do Ministério da Justiça português cm relação às magistraturas. Sei também que sc considera no preâmbulo que essa siluação é inédita, porventura cm termos planetários, para já não falar da galáxia.

Em lodo o caso, creio que isso é um produto inteligente da construção cm Portugal dc um sistema para a nossa realidade c que, neste ponto, o regresso ao passado é loialmcntc impossível. Creio é que são possíveis determinadas aproximações a esse regresso, que, todavia, são indesejáveis. E esta pode ser uma delas, porque, como sublinhou o Ministério da Jusliça, mais uma vez no preâmbulo, chegou-sc a uma situação que é qualificada como um «drástico apagamento institucional» do Ministério da Jusliça no domínio da administração da justiça, com aquilo que é considerado como uma situação quase caricatural no n.° 6 do artigo 150.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

Creio que, por um lado, isto não icm correspondência na realidades portuguesa — passo a liberdade de expressão — c que há drásticos apagamentos que são muito bons — piores são as omnipresenças—, mas que, por outro Jado, pode ler manifestações secundárias que não são menos perigosas, porque são, sobretudo, menos aparentes c menos

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visíveis. A mão pesada de um ministro é por todos criticada, mas já a precarixação da situação do presidente de um tribunal colectivo pode ser menos observada.

Gostaria de o ouvir sobre isto c sobre a questão final, que não foi objecto de discussão entre nós, mas que mereceria só por si um debate, da organização judiciária nas regiões autónomas.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Quanto a este aspecto, Sr. Deputado, confesso-lhe que não conheço bem os modos de gestão da magistratura judicial, havendo mesmo aspectos que aparentemente compreendo mal.

Sei que neste momento as inspecções judiciais estão regionalizadas c que não são feitas como o eram classicamente, ou seja, que há agora um inspector que se encontra permanentemente numa área, mesmo a de Lisboa, num conjunto de tribunais. Compreendo mal esse esquema. Mais: penso que a magistratura judicial tem sido de uma enorme compostura, paciência c aceitação ao reconhecer esse sistema c não sei até que ponto é que ele não implica com a ideia da independência do magistrado judicial.

Também compreendo mal a ideia da comissão de serviço tal como está aqui desenhada. O que cu disse há pouco foi que cia parece corresponder a uma dificuldade transitória.

A ideia que para já penso ser importante é a de que os magistrados que vão exercer essas funções tenham experiência c uma qualificação. Acho muito bem que se exija que tenham dez ou doze anos de serviço c um Bom com distinção ou um Muito bom.

Poderia, porventura, ser bastante que o requisito de classificação fosse mantido. Sc fosse assim, talvez não fosse necessária a comissão de serviço. Ou seja, enquanto sc mantivesse esse requisito de classificação cies poderiam ficar.

Também não vejo com bons olhos a ideia da comissão dc serviço, tanto mais que o que hoje sc passa a nível das inspecções pode dc repente degradar o sistema.

Não quero ser crítico a este propósito, porque não conheço bem o que sc passa. No entanto, ainda há pouco tempo mc disseram que havia cm Lisboa um senhor inspector «que linha sido colocado na Boa-Hora». Posso não ler razão — c estou quase seguro dc que não a lenho, até porque sc Irala dc inspectores dc grande qualidade —, mas, sc cu fosse juiz, não gostaria dc ler um inspector sediado no tribunal onde exercia funções. Penso que isso choca com a independência dos magistrados judiciais.

E isio tem a ver com o Ministério Público. Há uma hierarquia c o procurador tem dc estar no tribunal, podendo estar sentado no mesmo gabinete a ver o que o delegado faz. O que não sc passa relativamente aos juízes.

Admito, por isso, que com todos estes pequenos avanços c recuos cm relação à independência dos juízes, esta comissão dc serviço possa vir a funcionar mal.

Acho é muito bem que haja garantias objectivas, como o tempo dc serviço c a classificação, até porque o Conselho Superior da Magistratura é um órgão colegial, com garantias dc isenção c dc objectividade. Acho muito bem que, sc um certo senhor foi nomeado corregedor, mas depois não prestou bom serviço c deixou dc ler a classificação dc Bom com distinção para passar a ler a dc Bom, perca o direito ao lugar no fim do triénio. Não teria objecções a que ficasse aqui prevista qualquer ideia neste sentido.

Mas esta lambem mc choca um pouco, sc ela não corresponder a qualquer necessidade transitória, que desconheço.

O Orador: — Amalgamei duas questões. A questão da regionalização ficou amalgamada, por brevidade.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Quanto às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, tenho ideia dc que sc impõe uma organização judiciária específica, que não tem nada a ver com aquilo que por aí se diz, ou seja, com a existência de um conselho superior da magistratura autónomo ou de um corpo dc juízes diferente, porque isso seria puramente inconstitucional.

O que é perfeitamente possível é afeiçoará Madeira c aos Açores as regras da organização judicial do território.

Já entendo quanlo aos Açores, onde não há continuidade geográfica, um sistema dc justiça itinerante. Costumava dizer que o nosso sistema de justiça iünerante estava ultrapassado no continente, mas era perfeitamente actual nos Açores, porque nesta região, como é evidente, as dificuldades dc deslocação das pessoas são totalmente insuperáveis c, mais do que isso, o movimento processual das comarcas 6, cm muitos casos, reduzido.

O sistema dc justiça itinerante adequa-sc aos Açores, embora deseje que não aconteça o que já aconteceu, que foi o seguinte: aqui há muitos anos, o Ministério da Justiça perguntou ao corregedor dc Ponta Delgada dc que lipo de automóvel necessitava para visitar o círculo. Quando o que ele precisava era dc um barco. Desde que sc conheçam as necessidades dos Açores, esse sistema é adequado.

Portanto, os Açores têm dc ler uma divisão judicial específica c os seus tribunais dc grande instância e dc pequena instância tem de ter uma estrutura diferente. A própria ideia dc jurisdição plena pode ser aplicável nos Açores. Admiio perfeitamente que a justiça administrativa c fiscal nessa região possa não justificar uma separação dc instâncias, mas estar a funcionar cm termos dc tribunal judicial pleno.

Já a situação c diferente quantio à Madeira, em relação à qual apenas temos como específico o caso dc Porto Santo. Onde admito a existência dc particularidades é na divisão do território c na diferenciação dc instâncias, particularidades que penso serem perfeitamente justificadas.

O Orador: — Muito obrigado, Sr. Procurador-Geral da República.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Sr. Procurador-Geral da República, gostaria dc saber, quanlo ao artigo 8.9, qual é a justificação para que o ano judicial coincida com o ano civil.

O Sr. Procurador-Geral da República: — A ideia que tem vindo cada vez mais a ser aplicada cm todos os países é a dc sc reduzir as ferias judiciais.

O Orador: — A questão apenas se suscita no meu espírito cm virtude da sessão solene dc abertura dos tribunais, que abrem cm Outubro.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Em Espanha, o ano judicial começa efectivamente cm Setembro.

No nosso país, já há muitos anos que o ano judicial coincide com o ano civil, por arrastamento com o ano económico c com o ano social.

Talvez até houvesse mais vantagem cm o ano sc iniciar cm Outubro, porque haveria tempo para preparar as estatísticas, a introdução do ano, cie.

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O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Sim, seria mais importante que se iniciasse cm Outubro. Não vejo qualquer vantagem cm o ano judicial coincidir com o civil.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Sc a Assembleia pedisse a minha opinião, manifcslar-mc-ia claramente no sentido de o ano judicial ter o seu início cm Outubro.

A experiência forense vai, aliás, nesse sentido. Todos nós sentimos que o ano judicial começa cm Outubro e não cm Janeiro.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Exactamente. Muito obrigado, Sr. Procurador-Gcral da República.

O Sr. Presidente: — Sr. Procurador-Gcral da República, já estamos muito atrasados cm relação à audição do Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura, que já se encontra aqui à espera há uns largos minutos.

Como a maior parte das perguntas que queria colocar-lhe já foi colocada pelos meus colegas, passo de imediato a formular as restantes questões que tenho para colocar, sobre as quais gostaria de obter rapidamente a opinião do Sr. Procurador-Gcral da República.

A primeira questão rcfcrc-sc às férias judiciais. Tem-se controvertido muito sobre a proposta de que o período das férias judiciais sc mantenha nestes 85 dias, que a proposta de lei mantém.

A outra pergunta que lhe coloco é a de saber se a existência dos assessores que o Sr. Procurador-Gcral da República defendeu para as secções especializadas do Supremo Tribunal de Justiça não deveria lambem ser alargada às próprias relações existentes no nosso país.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Quanto à questão das férias judiciais, ó evidente que actualmente o período de férias com a duração de dois meses é qualquer coisa de inadequado.

Distingo entre férias dos tribunais e férias dos magistrados.

Quanto às férias dos tribunais, o facto de estes encerrarem durante dois meses já não é muito justificado cm termos dc sistema. Penso, todavia, que os principais destinatários desta norma são os advogados. É que o tipo dc advocacia que sc pratica no nosso país, os meios processuais que se encontram ao dispor dos advogados c o tipo dc intervenção dos aparelhos auxiliares dos tribunais estão dc lai modo organizados que, sc os tribunais não estiverem encerrados durante dois meses, os advogados quase não podem ler ferias. Mas, enfim. VV. Ex.« avaliarão este facto muito melhor do que cu.

Admitiria que viessem um dia a ser alterados a contagem dc prazos, o meio dc notificação dos advogados, a forma dc intervenção nos tribunais, etc. Penso é que seria extremamente penoso alterar-se dc rcpcnic a duração das férias judiciais para um mes.

Mesmo nos países que alteraram para um mês a duração das férias judiciais, os tribunais encerram durante um mês, mas, por via dc regra, os magistrados têm mais dc um mês para as suas férias. Por essa Europa fora lenho notado que, cm regra, os magistrados têm um mês c meio dc férias.

Sc for possível conciliar as férias dos tribunais com o tipo dc advocacia que é feito no nosso país, penso que o ideal seria reduzir para um mês o período dc férias dos tribunais. Hoje, nada justifica que os tribunais estejam encerrados durante dois meses, a não ser devido aos móloúos dc trabalho, ao processo que temos c à própria vida forense,

cm que o advogado, com os tribunais encerrados por dois meses, icm um mês para encerrar o seu expediente e preparar as acções que vai introduzir no mês seguinte. Mas isso releva muito mais da posição dos advogados do que da minha.

Quanto ao problema dos assessores, penso que também sc justificariam nas relações, embora não veja que dc imediato seja muito viável implementar o sistema, até por falia dc estruturas c dc meios.

Pcrmito-mc — mas até nem sei sc será legítimo da minha parte — colocar uma questão que não releva da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, mas muito mais da Lei Orgânica do Ministério Público, c que já coloquei a esta Subcomissão através do relatório que lhe enviei. É uma questão que não é pessoal, mas que não posso deixar de colocar aqui. Trata-se da questão do estatuto protocolar do procurador-geral da República.

Penso que devo dar conhecimento a esta Subcomissão — c propunha-me dá-lo à Comissão, mas talvez não sc exija essa forma tão solene — do seguinte: o procurador--gcral da República foi colocado, há doze anos, na lista dc precedências num lugar que, evidentemente, não é desonroso, mas que pode ser questionado. Foi colocado, nomeadamente, depois do governador civil, do presidente da câmara municipal c do presidente do Conselho Nacional do Plano, o que me leva a concluir que o protocolo do Estado, por velocidade adquirida, possa colocar muitas vezes o procurador-geral, por exemplo, depois do comandante dos bombeiros-sapadores, embora todas essas sejam entidades muito respeitáveis.

Já coloquei a questão ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Presidente da República, que dc imediato acharam que cu linha inteira razão, tendo-me, aliás, respondido com grande gentileza. Inclusivamente, o Sr. Primeiro-Ministro mandou que fosse estudado c rectificado o protocolo, mas este tem entendido que o problema é muito complicado c que é necessário estudar isto c aquilo.

Fiz questão dc tornar claro que vou deixar de comparecer a cerimónias públicas. É evidente que nunca cometerei a dcsclcgância dc deixar dc dar uma explicação aos órgãos que me convidarem.

Não sc trata — repito— dc uma questão pessoal. Pessoalmente, gostaria até dc não ir a nenhuma cerimónia, porque esses são, geralmente, os acios cm que lenho mais dificuldade cm participar. Mas entendo que há limites para tudo. Dc facto, tem havido cerimónias, como foi o caso da que comemorou a integração dc Portugal no Mercado Comum, nas quais, cm 400 lugares, o procurador-geral deve ler ficado lá para o 395.8 lugar, na penúltima fila, depois,designadamente, dos ajudanics-dc-campo dos senhores generais.

E uma questão que é dc Estado. A Constituição diz que a legalidade é o fundamento do Estado, c o procurador-geral lem uma certa postura dentro do sistema constitucional. Entendi que linha atingido o limite da minha espera.

Não há qualquer conflito nem qualquer guerrilha, tendo cu recebido dc todas as entidades a que coloquei o problema a maior receptividade. Inclusivamente, já me responderam do protocolo do Estado que iriam, particularmente, alterar aquilo. Simplesmente, não me posso contentar com soluções particulares nem quero que a questão seja equacionada a esse nível.

Coloco aqui a questão porque, sc daqui a algum icmpo a Assembleia da República me convidar para uma cerimónia, seja a da comemoração do 25 dc Abril ou a da vinda a Portugal do Sr. Presidente François Miicrrand, terei dc dizer, amavelmente, ao Sr. Presidente da Assembleia que

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nüo estarei presente, a não ser que a Assembleia me diga que o procurador-geral está bem colocado no lugar cm que está, já que, evidentemente, a questão nüo é pessoal. Sc o Sr. Primciro-Ministro ou o Sr. Presidente da República acharem que o protocolo está correcto, acatarei isso. Só que todos me disseram que ele estava incorrecto e que era necessário corrigi-lo. Desde há ano e meio, altura cm que coloquei o problema, que o protocolo nüo foi corrigido.

Por isso, continuarei a vir cá falar com VV. Ex." e discutir todos os problemas, mas não poderei estar presente nas festas desta Casa, porque entendo que o protocolo nüo está correcto.

O Sr. Presidente: — Sr. Procurador-Gcral da República, agradcço-lhc a amabilidade que teve cm vir cá mais uma vez.

O Sr. Procurador-Geral da República: — Dc nada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: —Srs. Deputados, vou interromper os trabalhos por alguns minutos, para os retomarmos depois com a audição do Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura.

Está suspensa a reunião.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 19 horas e 3 minutos.

Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura, gostaria dc reiterar as minhas desculpas e as desta Subcomissão por o ter feito esperar tanto tempo mas, como já foi dito, estivemos ató há momentos numa reunião com o Sr. Procurador-Gcral da República versando precisamente esta proposta dc lei n.a 51/IV.

Mais uma vez temos entre nós o Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura, o Sr. Conselheiro Augusto Victor Coelho, e ó sempre com muito agrado, pela minha parte c por parte dc toda a Subcomissão, que o recebemos aqui.

Seguindo o sistema usado cm anteriores reuniões, caso não exista qualquer objecção por pane dos Srs. Deputados, pediríamos ao Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura que fizesse uma pequena exposição sobre o carácter geral deste diploma, entrando depois nos pedidos dc esclarecimento por parte dos Srs. Deputados.

Tem a palavra o Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura (Augusto Victor Coelho): — Sr. Presidente: É com o maior prazer que me encontro uma vez mais junto dc vós. Devo dizer que não mc foi possível, desta vez, escrever, ainda que esquematicamente, os meus apontamentos — c por isso peço desculpa—, mas já vinha a contar com a presença aqui dc um gravador que substitui com vantagem a actividade que cu pudesse desenvolver c, desde já, fica o pedido feito dc que, oportunamente, me fosse fornecida uma fotocópia da acta desta reunião.

Entretanto, na apreciação da Lei Orgânica dos Tribunais que o Governo acabou dc apresentar à Assembleia da República, o primeiro comentário que tenho a fazer 6 dc

ordem pessoal. Tal como ioda a gente, nós aspiraríamos a uma justiça ao pé da porta que, efectivamente, pudesse analisar todos os problemas que aí se desenrolassem e que desse às populações o maior número dc comodidades possível nessa matéria. Simplesmente, quatro anos dc Conselho Superior da Magistratura obrigaram-me a ver outras realidades, realidades essas que ultrapassam este desejo que todos nós temos e que hoje me colocam na posição pessoal de dizer que, efectivamente — tal como em 1978 já se reconhecia ao publicar a anterior Lei Orgânica dos Tribunais —, o problema da justiça ao pé da porta está em crise. Já o estava nessa altura, e a crise hoje é de tal forma mais acentuada que tenho como inevitável que teremos que alterar algo na orgânica dos tribunais por forma a tomá-la mais acessível no aspecto de esta poder proporcionar uma justiça tüo pronta quanto possível, sabendo-se que, cm toda a parte do mundo, a justiça é sempre lenta.

Nesse aspecto, devo dizer, numa opinião sintética que este projecto corresponde àquilo que é possível realizar neste momento cm prol da justiça que nós desejamos e a sua nota mais saliente é a da criação dos tribunais dc círculo, que é naturalmente o ponto que pode suscitar maiores perplexidades. Até agora, tivemos uma justiça itinerante que ia ao encontro das populações, e que o fazia com mil c uma dificuldades, mas o sistema apresentado é precisamente o oposto. Iremos assistir à criação de tribunais, perante os quais sc desenrolará todo o processo judicial c, neste processo judicial — que eu digo por vezes ser uma luta judicial —, nós assistimos a que, dos seus seis intervenientes, talvez hoje a magistratura judicial seja aquela que se encontra mais apta a responder às necessidades deste diploma.

Na verdade, olhando para os magistrados judiciais do Ministério Público, para os funcionários, para as instalações, advogados e partes, talvez se possa dizer, com relativa tranquilidade, que a magistratura judicial está preparada para assegurar a execução deste diploma c que por isso sc mc afigura que este diploma é perfeitamente exequível. É certo que poderíamos dizer que seria mais cómodo para as populações que fosse a justiça a caminhar até elas c não estas para a justiça, mas isso talvez seja apenas uma primeira aparência porque todos nós, que lidamos com os tribunais, sabemos hoje que os adjuntos dos tribunais colectivos têm a maior dificuldade cm comparecer nos julgamentos, na qualidade e na condição dc adjuntos, pois sentem —todos o sabemos— ser tempo perdido para os seus afazeres do dia-a-dia e para as suas obrigações como juízes singulares aquele em que se encontram como adjuntos no tribunal colectivo, pois criam-se problemas relativamente à dificuldade de o juiz compatibilizar o seu serviço do dia-a-dia com a sua actuação no colectivo, como adjunto na própria comarca ou como adjunto que sc desloca. E posso dar testemunho dc que, todas as semanas, recebemos ali pedidos dc juízes no sentido dc serem dispensados dc intervir nos tribunais colectivos, por vezes até nos próprios tribunais colectivos da comarca onde sc encontram, onde se utilizam com frequência, caso existam, os juízes estagiários ou, porventura, os auxiliares.

Quanto aos corregedores —c pcrmiiam-me que eu, desde já, trate assim os juízes presidentes dc tribunal colectivo, pois a designação é tradicional no nosso país e confesso que tenho por cia muita simpatia—, devo dizer que a sua vida também sc modificou c que o corregedor, que dantes sc deslocava num automóvel do Ministério da Justiça para ir fazer julgamentos às comarcas, necessita

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hoje de sc deslocar ou cm carro próprio ou em carro alugado, menos vezes cm transportes colectivos, com todo o inconveniente das deslocações, aparecendo muitas vezes no julgamento da parte da tarde — porque os juízes têm que fazer da parte da manhã — com uma certa pressa no regresso e com um desejo de voltar à sua casa para ter o merecido repouso. Esta dificuldade c uma dificuldade real que embaraça, efectivamente, o funcionamento da justiça.

. Colocados, portanto, nesta situação cm que, de um lado, sc encontra o corregedor, com adjuntos que sc deslocam as comarcas, e, do outro lado, as instalações de um tribunal dc círculo onde sc possa desenvolver a actividade dc juízes privativos desse tribunal, cu não hesito na minha preferencia por esta última solução por ser a mais adaptada às realidades da vida dc hoje, embora, como disse, esta possa não corresponder àqueles anseios da justiça perfeita que seria levada até quase à casa dc cada um. Para isso nós precisamos dc ter os tribunais devidamente instalados c providos dc magistrados c permilia-mc sugerir que, nos artigos IO.9 c 48.9, pudéssemos ver estabelecida a designação dc corregedor para os juízes presidentes do tribunal colectivo c que fosse aceite a solução, preconizada no artigo 103.9, de que estes magistrados exerçam as suas funções cm comissão dc serviço.

Pode dizer-se que isto assim coloca, eventualmente, o magistrado na contingência dc, ao fim dc algum tempo, não poder continuar no tribunal dc círculo onde foi colocado, mas devo dizer que entendo não poder ser dc outra forma, pela seguinte razão: sc o juiz não estiver cm comissão, pode acontecer que o juiz presidente do tribunal colectivo, cm certo momento, por virtude da diminuição do seu ritmo dc trabalho ou da qualidade do serviço prestado, mereça, não a classificação dc Muito bom, que seria desejável para todos os juízes presidentes dc tribunal colectivo, mas, por hipótese, a dc Bom ou, porventura, a dc Suficiente. Ora, sc o juiz nestas condições não estiver cm comissão dc serviço, não pode ser dali deslocado porque a classificação dc Suficiente não implica, nem pode implicar, a transferência dc um magistrado, c teríamos, portanto, uma justiça que, à partida, seria dc qualidade inferior cm virtude da inferior qualificação daquele magistrado.

A comissão dc serviço é, portanto, um remédio, mas é também preciso não dar demasiado tratamento ao doente para o curar porque o podemos piorar, c os magistrados fizcram-mc saber que esta disposição podia ser temperada sc sc acrescentasse ao arügo 103.9 um n.9 3, que diria que a renovação seria obrigatória quando o magistrado mantivesse a classificação mínima dc Bom com distinção.

Assim, teríamos salvaguardados dois interesses: por um lado, a manutenção da comissão dc serviço c, por outro lado, o assegurar que o magistrado não veria prejudicada a suaactuação.dcsdcqucmaniivcsscrcgularidadcnaqual idade do serviço prestado.

Este aditamento ao artigo 103.9 parece-me perfeitamente razoável c permitiria que os restantes juízes fossem distribuídos — c dcsculpcm-mc o atropelo com que estou a falar, mas 6 para não os fazer perder muito tempo — pelas comarcas dc ingresso dc primeiro acesso c dc acesso final. Suponho que esta c matéria já adquirida, porque no Estatuto dos Magistrados Judiciais já foi feita referência expressa aos tribunais dc primeiro acesso c dc acesso final c, hoje, temos já juízes cm quantidade suficiente —c espero que cm qualidade — para acudir às necessidades deste diploma c às necessidades dos magistrados judiciais c dc outras magistraturas.

Na verdade, pelo menos ate 1990, será o Conselho Superior da Magistratura quem terá dc abastecer o Supremo

Tribunal Administrativo e os tribunais administrativos c tributários da maior parte dos seus juízes e teremos dc encarar a colocação dc magistrados nos tribunais que forem criados, designadamente nos tribunais marítimos; teremos dc encarar também as alterações que foram impostas pela entrada cm vigor do Código dc Processo Penal e a necessidade dc actuar no aperfeiçoamento da Lei Orgânica. Para o efeito, dispomos hoje de cerca dc 1100 juízes, mas, por facilidade dc raciocínio, diremos que temos 1000juízes. Ora, sc nós precisarmos, para as comarcas de ingresso, primeiro acesso c acesso final, dc 400 juízes cm números redondos c sc precisarmos, para os tribunais dc círculo, também cm números redondos, dc 200 a 210 juízes —o que representaria a criação dc 70 círculos cm contraposição aos 37 que hoje existem —, poderíamos contar ainda com 200 juízes nas relações c, eventualmente, com 50 juízes no Supremo e, consequentemente,- cm quantidade, teríamos juízes suficientes.

Quanto à qualidade, temos dc ter esperança nos jovens juízes que agora começam as suas carreiras e nos que, neste momento, com pouco mais dc três anos dc actividade profissional cm alguns casos, vão já quase atingir o número dc 400, pois acabámos dc colocar 85 juízes novos que vão começar a sua actividade no próximo mês dc Junho. Portanto, podemos encarar com certo optimismo esta situação, embora, evidentemente, a criação do tribunal de círculo tenha dc ser desdobrada c multiplicada por todo o País, por forma que um dos inconvenientes que sc lhe aponta — que é o da distância entre a sede do tribunal e o local onde as pessoas residem — não seja dc molde a tornar essa deslocação demasiado gravosa. Eu aponto como possível a criação c a instalação dc 50 a 70 círculos, pois temos dc contar que Lisboa absorve uns tantos. Temos, portanto, que, cm meios humanos, podemos fazê-lo.

Dir-mc-ão que, assim, algumas comarcas verão diminuída a categoria da sua actuação, mas devo dizer que me impressionaria mais sc não contemplasse os seguintes números: temos, neste momento, 217 comarcas c 91 concelhos que não são sede dc comarca, ou seja, já há vários concelhos que, efectivamente, não dispõem da justiça ao pé da porta c alguns deles veem até a sua área distribuída por três comarcas, pois há casos cm que o mesmo concelho sc vê entre a influência dc três comarcas. Consequentemente, entendo que a comodidade das populações tem dc ser aferida cm relação às comarcas c também o poderá ser — o que vai com certeza acontecer— cm relação às sedes dos círculos. Claro que o funcionamento do tribunal dc círculo c das comarcas exige também que estas últimas não fiquem desprovidas dc competência c, para isso, vejo como um complemento desta filosofia do tribunal dc círculo o problema das alçadas.

As alçadas vêm reguladas no artigo 19.9 deste projecto, cm termos que, aparentemente, podem parecer excessivos, visto que sc passa dc um número muito baixo para um número que, eventualmente c cm termos relativos, poderá parecer alto, mas reparemos que cias não são revistas há largos anos c que, neste momento, ainda continuam a chegar ao Supremo Tribunal dc Justiça processos no valor dc 80 contos. Este é um número que impressiona c, portanto, seria bom sc houvesse possibilidade dc sc introduzir uma disposição segundo a qual as alçadas fossem revistas dc dois cm dois anos cm portaria do Ministro da Justiça, uma vez ouvido o Conselho Superior da Magistratura c tendo cm conta a inflação entretanto verificada, pois isso permitiria uma certa adaptação das alçadas à vida real.

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Outra ideia seria a dc termos alçadas em termos móveis, por exemplo, alçada cm função do salário mínimo nacional, mas isso leria talvez algumas dificuldades dc aplicação prática, havendo que saber a partir dc que momento é que sc operavam as modificações c sendo também necessária uma eventual discussão sobre qual o valor da inflação, porque, ao contrário de ouiros países, nós não temos propriamente um organismo encarregado dc fazer a respectiva fixação. No entanto, dc qualquer forma, solicitava a vossa compreensão para o facto dc o problema das alçadas andar dc certo modo ligado ao funcionamento das próprias comarcas, que, com uma alçada relativamente folgada, ficarão com uma competência para um número bastante grande dc processos, visto que nem em lodos os processos sc verifica a intervenção do tribunal colectivo. Uma alteração destas produzirá inevitáveis consequências c uma delas seria a da perturbação ou, porventura, a dc uma relativa anarquia sc a transição fosse brusca ou imediata c se não fosse pensada.

O diploma icm uma disposição que permite que, efectivamente, haja uma transição adaptada às circunstâncias, que é o n.9 3 do artigo 12.9, quando nos diz que, no decreto-lei referido no n.91, pode cstabclcccr-sc que a entrada cm vigor dc alguns dos preceitos da presente lei possa ser deferida com vista a permitir a aplicação gradual das medidas previstas dc acordo com as circunstâncias c com os recursos disponíveis. Esta disposição talvez pudesse manter-se ou, então, ser adaptada a um outro pensamento que está ínsito nela c que é o seguinte: cm primeiro lugar, a transição do actual ordenamento judiciário para o previsto nesta lei dependerá, cm cada caso, da existência dc instalações adequadas c da possibilidade dc provimento dos quadros dc magistrados c dc funcionários, c, cm segundo lugar, serão feitos os anúncios respectivos por portarias do Ministro da Jusliça, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura c a Procuradoria-Gcral da República.

Assim, poderíamos ir fazendo uma transição da siluação actual para aquela que esta Lei Orgânica nos apresenta, sem sobressaltos, com segurança, c tendo sempre cm conta os diversos interesses cm jogo, designadamente os das populações c os dos magistrados c dos advogados. Tenho a impressão dc que esta disposição permitiria evitar que, sobretudo dc início, sc cometessem algumas precipitações que não seriam cm nada vantajosas.

Há ainda o problema dos vencimentos dos magistrados presidentes dc tribunal colectivo, cm relação ao qual, dc harmonia com o cstaiuio dos magistrados judiciais — o n.9 3 do arügo 22.9 —, talvez pudéssemos agora, sc assim o cnicndcsscm, lazer a devida adaptação, dizendo que o n.9 3 do artigo 22.9 da Lei n.9 21/85. dc 30 dc Julho, passaria a ter a seguinte redacção:

O vencimento mensal dos juízes corregedores corresponde ao vencimento referido no n.9 1, incorporado dc quatro diuturnidades especiais c acrescido dc 5 % sobre a referida remuneração.

Ou seja, haveria realmente a dignificação que a lei pretende introduzir relativamente ao presidente do tribunal colectivo — o corregedor. Isto parccc-mc ser, cm traços largos, o que sc verifica na primeira instância.

Quanto aos tribunais superiores, temos como novidades a criação do presidente dc secção, que é também imposta por necessidade, designadamente do Código dc Processo Penal, passando assim a ser possível que o Supremo Tribunal dc Jusliça passe a ter audiências frequentes, uma vez que 6 impensável exigir ao presidente desse Tribunal que assista a todas as audiências. Assim, segundo o que nos

diz o artigo 22.", elas serão presididas pelo presidente dc secção, que será o juiz mais antigo, apenas para efeitos de funcionamento.

Outra novidade deste projecto é a criação de assessores no Supremo Tribunal dc Jusliça. Nós, de vez em quando, temos modas e a primeira moda nesta matéria surgiu no Tribunal Constitucional com a criação de assessores. Depois, na Lei Orgânica dos Tribunais Administrativos e Tributários, a moda é também retomada com a possível criação dc assessores, c também nós, desta vez, iríamos ler no Supremo Tribunal dc Justiça essa figura, só que com uma diferença: enquanto no Tribunal Constitucional c eventualmente nos tribunais administrativos se tratará de uma carreira, aqui iriam para assessores apenas magistrados judiciais. Ou seja, cm vez dc sc criar um assessor que ficaria eternamente no serviço nessa categoria, teríamos a categoria dc assessores recrutados entre magistrados judiciais com a classificação dc Muito bom. Seria uma experiência a tcniar, veríamos os frutos que dava c linha, pelo menos, a vantagem dc não comprometer a eventualidade de sc ter cometido o erro de instalar, num tribunal onde os juízes permanecem pouco tempo porque sc vão embora muito cedo, visto, que a carreira dc um juiz conselheiro é muito rápida, um órgão permanente, neste caso o de assessor. Assim seria uma primeira tentativa que me parece razoável.

Há lambem uma disposição, que é nova, para a qual não deixarei dc chamar a vossa aicnção, que é a do artigo 20.9, quando este nos diz que o juiz do Supremo Tribunal dc Jusliça ao fim dc cinco anos deixa dc preencher vaga. É um sistema dc actualização periódica dos quadros do Supremo, em que o juiz que atinge os cinco anos continua a trabalhar como até aí, mas cm que o quadro do Supremo se veria acrescido dc mais uma unidade por efeito dos cinco anos dc permanência. Esta disposição não é nova no nosso ordenamento jurídico c, com o devido respeito, é a que sc verifica nos serviços militares quando um general com, salvo erro, seis anos dc posto deixa dc preencher vaga. E uma ideia a tentar c que mc parece dever ser consagrada.

É claro que uma reforma destas tem problemas financeiros, mas, sc VV. Ex." acolherem a minha sugestão dc que só deve fazer-se a transição à medida que houver instalações adequadas, estou convencido dc que o problema será ultrapassado, atendendo a que o Orçamento do Estado lerá que passar a contribuir com aquilo que for razoável — c suponho haver um levantamento feilo dc que seriam precisos 16 ou 20 milhões dc comos (não sei bem) para as instalações judiciais. No entanto, deveremos considerar que não sc constrói tudo no primeiro ano c não poderemos esquecer isso. Assim, sugeria o acrescentamento dc um artigo que diria que o Governo fica autorizado a tomar as providências orçamentais necessárias para a execução da presente lei, devendo, para o efeito, nos primeiros cinco anos, inscrever uma adequada dotação global.

Peço desculpa por estar a invadir uma esfera que mc não pertence como simples juiz, mostrando estas preocupações dc ordem financeira, mas elas condicionam, cm boa parte, o exilo desta Lei Orgânica, porque, efectivamente, se não tivermos instalações adequadas, magistrados qualificados c funcionários preparados não haverá reforma nem lei que resista. Foi isto o que, cm traços largos, mais feriu a minha susceptibilidade, mas gostaria ainda dc, muito brcvcmcnic, locar ires pontos. O primeiro é o da inauguração do ano judicial, referido no artigo 8.9 Compreendo as boas intenções do que está consagrado nesse artigo, mas, salvo o devido respeito, não seria preciso dizer ao Sr. Presidente do Supremo Tribunal dc Jusliça que,

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quando csüvcr presente o Sr. Presidente da República, é csic quem preside à cerimónia. Tenho a impressão de que não será preciso dizer isso, pois todos nós sabemos o que 6 a figura do Presidente da República c o presidente do Supremo nüo poderia ter outra atitude. Mas, enfim, se quiserem deixar consagrada esta nota para revestir a inauguração do ano judicial da importância que ela merece, também com isso não virá mal nenhum ao mundo.

Diz-se ainda nesse artigo que usarão da palavra, de pleno direito, o presidente do Supremo e o procurador-geral da República. Será de consagrar numa lei o protocolo de uma cerimónia destas? Talvez o Ministro da Justiça devesse intervir também nesta cerimónia e eslou-mc a lembrar de que pelo menos se imporia ouvir nesta cerimónia um mestre dc Direito ou, porventura, um magistrado conceituado, talvez o representante ou o bastonário da Ordem dos Advogados. Não sei sc deveríamos deixar esta matéria da organização da cerimónia do ano judicial ao critério do presidente do Supremo Tribunal dc Justiça, pois esse merece, sem dúvida, todo o nosso aplauso.

Há um outro aspecto que fere a minha sensibilidade cm sentido positivo que é o seguinte: a construção e a conservação dos tribunais c das casas dc magistrados a cargo do Estado é uma realidade que não tem tido exilo na vida prática. Na verdade, a administração feita, a partir dc Lisboa, das casas situadas nos diversos concelhos e comarcas tem-se mostrado uma máquina pesada c lenta, que tem tido consequências menos desejáveis. A lei aponta para a comparticipação das autarquias nesta matéria c parecc-me ser, na prática, aquilo que tem dado melhores resultados. É sempre com prazer que sc é convidado para assistir à inauguração dc um tribunal quando esse convite é feito pelo presidente da câmara, pois isso dcsvanccc-nos, uma vez que é simpático e mostra o interesse das autarquias pela instalação do seu tribunal e, porventura, dos seus magistrados. Tenho a impressão dc que é neste scniido que devemos caminhar, embora, evidentemente, o Estado tenha que comparticipar com os municípios, como é dc prima razão, no suporte dc tais encargos. Parccc-mc, portanto, que os artigos 97.° c 110." merecem essa aceitação.

Outra nota que aqui vem referida c relativa a uma experiência muito cautelosa, mas que cu ainda gostaria dc ver com mais cautela, quanto ao alargamento da competência do secretário judicial. Nós sabemos que há tribunais onde a figura do sccrclário-gcral judicial é uma figura dc grandíssima relevância — por exemplo, os secretários dos tribunais das comunidades são doutores cm Direito; simplesmente, entre nós, a figura do secretário judicial ainda não está suficientemente estabelecida. Para nós o cargo dc secretário judicial é um termo dc carreira c, muitas vezes, o secretário vai lá só para ver sc sc aposenta, pois tem as suas dificuldades c, sc a minha intervenção não estivesse aqui a ser gravada, até talvez me atrevesse a dizer que há secretários que nem sabem fazer contas nos processos.

Mas, quanto a isto, deixo apenas esta nota, no scniido dc que ela possa contribuir, como esperança, para que a preparação que está a ser iniciada no Ministério da Justiça no que respeita à formação dos funcionários da justiça possa dar os seus frutos.

Para evitar dificuldades ou colisões entre os magistrados c os secretários, talvez mc atrevesse a sugerir que no n.9 2, alínea e), do argigo 101.9 sc diga:

Compete ao secretário judicial proferir cm processos, dc acordo com o que neles for úclcgudo pelo juiz, os despachos dc mero expediente.

Todos nós sabemos as dificuldades que, por vezes, há cm reconhecer num despacho a característica de mero expediente. Penso que devemos evitar uma possível colisão dc competências entre um e oulro e isto pode contribuir para o bom funcionamento dos tribunais.

Peço desculpa pela ignorância manifestada e pelo tempo que vos tirei. A partir deste momento fico ao vosso dispor.

O Sr. Presidente: —Tem a palalvra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Vice-Presidcnte do Conselho Superior da Magistratura, vou apenas fazer umas ligeiras observações aos comentários que V. Ex.8 fez à proposta dc lei.

V. Ex.8 abordou, cm primeiro lugar, o tema dos tribunais dc círculo. Referiu as dificuldades que existem para os juízes-adjuntos c para os corregedores na missão que lêm dc constituir os tribunais colectivos. Como advogado que sou, não posso deixar dc chamar a atenção de V. Ex.1 para a antinomia dc posições que existe entre os interesses da magistratura e das partes que sc dirigem aos tribunais. Compreendo perfei lamente q uc haja dificuldades da parte dos juízes, mas gostaria que V. Ex.' sc pronunciasse sobre isto.

Tenho a impressão dc que um sistema judiciário útil será aquele que sirva mais os interesses das parles do que os interesses do juízes. V. Ex.* desculpará com certeza a crueldade do dilema que estou a colocar, mas parece-me que é assim. Portanio, tenho dificuldade cm aceitar nesta proposta dc lei os tribunais dc círculo, na medida cm que não sei o que é que vai acontecer. V. Ex.! diz que neste país existirão possivelmente 50, 60, 70 tribunais de círculo, mas nós, Assembleia da República, não lemos conhecimento disso. Talvez esta seja uma falha deste projecto, na medida cm que ele devia ser esclarecido com outros elementos úteis que o pudessem fazer compreender. Não há nada que garanta que sejam 50, 60 ou 70 tribunais dc círculo. Podem ser muito menos! Os interesses das partes poderão ou não estar bem representados dessa maneira. Hoje, com os tribunais dc círculo que existem, sabemos que há comarcas que cslâo longe das sedes desses tribunais. Ora, isto implica despesas para as parles, que se têm dc deslocar às sedes desses tribunais. Há despesas com essas deslocações, com as testemunhas, com os peritos e com os advogados. Tudo isso conta para os interessados sempre que lêm dc enfrentar um tribunal, o que, naturalmente, vai condicionar o exercício dc uma acção judicial. As pessoas podem estar cheias dc razão e, numa situação económica desfavorável, cncolhcm-sc. Como não podem suportar essas despesas, perdem tudo.

A todos estes problemas juniam-sc outros. Por exemplo, cm processos dc natureza criminal há muitas vezes necessidade dc ir ao local ver como é que o crime sc desenrolou, onde ó que sc encontravam as testemunhas, etc. Em acções cíveis hoje cm dia é quase ápolílico dizer que quando sc discuic uma questão de propriedade os tribunais vão vê-las. Dc qualquer forma, os tribunais vão ao local para ver o que é que sc passa. É isso que fazem os advogados. Como advogado que sou, c há muitos anos, gabo--mc do seguinte: nunca internei uma acção em tribunal dc natureza cível sem primeiro ir ao local analisar a situação, para assim a poder compreender. Isto, naturalmente, impõe-se muitas vezes aos juízes. Se os juízes estão perto dos locais a deslocação também 6 cómoda, fácil c rápida. Sc estão longe a deslocação é mais lenta e mais dispendiosa para lOílos. Portanto, isio leva-mc a não apoiar cm nada esta solução.

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Depois há um outro argumento que tem menos importância.

Os tribunais dc círculo estuo mais ou menos sediados nas capitais de distrito. Sc continuassem aí sediados, as panes seriam tentadas a escolher não os advogados das suas zonas mas sim aqueles que estivessem sediados nas sedes dos círculos judiciais. Isso seria uma questão pouco equitativa cm relação à posição que neste momento os advogados têm, porque alteraria completamente o panorama.

Portanto, este é o primeiro grupo dc objecções que vejo que é possível opor a csic sistema criado dc novo. Poderão dizer que nós temos dc acompanhar estas novidades que vêm da Europa. Não sei sc temos ou não. Talvez o que fosse bom era manter o sistema tradicional português, que tem dado bons resultados. É certo que existem algumas dificuldades, mas também não há nenhum sistema que seja óptimo. É um sistema que já deu provas cm relação aos interesses das panes.

V. Ex.! referiu que existe uma disposição nesta proposta dc lei —o n.* 3 do artigo 112.*— que permite que haja uma certa transição c que, portanto, sc vão adaptando estes preceitos aqui criados às situações reais que poderão condicionar a aplicação, mais ou menos desenvolvida, dc todas esias normas que estão inseridas nesta proposta dc lei. Não sei sc com isto quis dizer que a criação dos tribunais dc círculo também seguia esle mesmo princípio dc transição. Não sc criavam dc repente todos os tribunais dc círculo, mas tão-só à medida que fossem sendo necessários. Gostaria que V. Ex.s me explicitasse melhor o seu pensamento.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Vicc-Presi-dente do Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura: — Sr. Deputado Armando Lopes, quando digo que os juízes têm hoje dificuldade cm cumprir a sua missão, tal como está estabelecida a justiça itinerante, estou a pensar mais nas panes do que nos juízes. É que quem sofre com essas dificuldades não são propriamente os juízes mas sim as partes. A justiça tarda, torna-se mais lenta, não fica mais barata. Portanto, isto prejudica mais as partes c até os advogados do que propriamente o juiz. O juiz exerce a sua missão, mas não consegue produzir todo o trabalho que sc esperaria dele. Quem sofre não é propriamente ele, mas sim as partes que demandaram a justiça cm tribunal. O sistema, lai como está, convida à lentidão, à demora. É um sistema dc que os juízes não gostam, precisamente porque têm cm vista os interesses das partes. Quando o juiz diz que o facto dc estar a perder lempo no colectivo lhe impede dc despachar os outros processos, está, ao mesmo tempo, a dizer que tem um trabalho que considera não ser demasiadamente útil para o fim cm vista c que, simultaneamente, está a prejudicar as partes no seu serviço. Portanto, o que está aqui cm causa é mais a defesa dos interessados que sc dirigem ao tribunal do que propriamente a comodidade dos juízes.

Por outo lado, as deslocações lêm-sc verificado entre nós e até para sectores populacionais economicamente débeis. No nosso país é tradição, com raríssimas excepções, os tribunais dc trabalho estarem sediados não nas comarcas mas; sim nos distritos administrativos.

É assim que funciona há muitos anos. Posso ainda acrescentar que hoje cm dia os trabalhos que funcionam melhor são precisamente aqueles que sc situam cm áreas maiores do que a comarca. Em matéria laboral estamos a assistir, neste momento, ao seguinte: ao lado dc uma diminuição notável dc processos laborais distribuídos nos

tribunais portugueses —dc tal forma que hoje temos menos processos distribuídos do que em 1973 —, verificamos que os tribunais dc trabalho estão a cumprir razoavelmente a sua missão. As partes que se deslocam ao tribunal de trabalho são, normalmente, entidades economicamente débeis — sobretudo do lado dos trabalhadores — e nunca sofreram, ao longo dos tempos, dificuldades nesta deslocação.

Por outro lado, pode acontecer que nestas deslocações ao tribunal de círculo a diferença de quilómetros não seja expressiva. Estou convencido dc que os representantes do Ministério da Justiça vos darão números relativos a esta matéria, através dos quais se verá que as incomodidades dc deslocação para as populações não são grandes. Há um ou outro aspecto cm que, seguramente, o Sr. Deputado terá razão. Em todo o caso, verificamos que hoje cm dia há concelhos que não tem comarcas e onde o número dc advogados tem subido dc forma notável. Lembro-me, por exemplo, da minha ierra, Nazaré, que pertence à comarca dc Alcobaça e que, neste momento, já tem quinze advogados. E evidente que há comarcas, sobretudo as que estão próximas dos grandes centros, que vão buscar advogados para os seus pleitos. Os processos que vão para os tribunais dc círculo são, normalmente, os dc maior volume. Por via de regra, não são as entidades mais débeis que litigam nesses processos, embora, por vezes, o sejam. Isto é um problema dc facilitação do acesso ao direito, que também já vai existindo. Acresce que, por exemplo, a deslocação das testemunhas causa embaraço à parte que as apresenta, quer sc desloquem a 20, 30 ou 40 km. A diferença não é grande. Parece-me, portanto, que pode haver incomodidades. Como diz o Sr. Deputado Armando Lopes, não há nenhum sistema que seja óptimo, lodos têm os seus prós e coniras. O que digo é que, pesando os prós e os contras desta lei, chego à conclusão dc que ela é mais adaptada às realidades dc hoje. Por exemplo, cm relação à matéria crime que referiu, assistimos hoje ao seguinte: cm virtude da diminuição dos estabelecimentos prisionais, os presos andam a ser transportados dç um lado para o outro. Isto também tem estes problemas. É claro que os presos são levados nas carrinhas adequadas, mas nem por isso deixam dc ser transportados. A dificuldade que existe na deslocação das testemunhas c até na sua apresentação ó um facto que sc verifica hoje, mas isso é um ónus. Sc, efectivamente, os tribunais dc círculo puderem, como espero, ser instalados cm condições não muito violentas para as partes, esse grande obstáculo desaparecerá.

As idas ao local já estão previstas ncsic diploma. Isto é, sempre que isso sc justifique, o iribunal pode deslocar-se. Aliás, os tribunais já hoje fazem isso. Há muitos processos, nomeadamente os mais vultosos em numerário, que não demandam idas ao local. Uns demandam e outros não.

Por outro lado, cm relação à fase de transição, leio o n.° 2 do artigo 112.9 como representando uma adaptação progressiva dos círculos. Seria impensável criar dc repente círculos cm ioda a parte. Aliás, isso seria um desastre na aplicação desta lei. A aplicação tem que ser feita com muito cuidado, icm que ser muito pensada, olhando para os interesses das populações, para as localizações dos tribunais c procurando dotá-los não só dc instalações condignas mas também dos respectivos equipamentos cm funcionários c magistrados. Portanto, este artigo I12.5 destina-se precisamente a permitir uma transição adaptada às circunstâncias. Não há a preocupação dc caminhar velozmente. Em relação ao Conselho Superior da Magistratura estou convencido dc que tudo sc fará para que, efectivamente, caso a caso, tudo seja devidamente pensado. Quando há 30 anos

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se criaram as corregedorias também nao sc procedeu à sua instalação imediata. Elas foram criadas pouco a pouco. Portanto, é este sistema que se tem dc seguir.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): —Sr. Vicc-Prc-sidente do Conselho Superior da Magistratura, a este propósito gostaria dc lhe fazer a seguinte pergunta: o Conselho Superior da Magistratura recebeu, porventura, dados dos responsáveis do Ministério da Justiça acerca dos trabalhos dc preparação dos estudos quanto à distribuição dos tribunais dc círculo? É que a nossa preocupação é a seguinte: o próprio projecto admite, cm princípio, a concretização dc boas soluções, mas, como 6 indefinido, abre também a porta para as más possíveis soluções. Corre-se o risco dc sc fazer um mau uso dc um bom princípio.

O Sr. Vicc-Prcsidcnic diz que, relativamente aos tribunais dc círculo, é possível uma distribuição que venha a compensar as possíveis dificuldades que aqui foram sugeridas pelo Sr. Deputado Armando Lopes c refere a possibilidade dc sc instalarem 50, 60 ou 70 tribunais dc círculo. Isto é, esta própria incerteza do número parece que reflecte exactamente a falta dc dados, mais ou menos pacíficos, acerca da instalação desses tribunais dc círculo. Isto porque, fazendo uma análise pura c simplesmente estatística, falar cm 70 tribunais dc círculo pode ser, cm princípio, bastante cm relação ao número, mas insuficiente ou errada relativamente à distribuição. Quando sabemos que essa distribuição vai obedecer, naturalmente, a uma concentração das chamadas grandes comarcas, quando sabemos que vai, necessariamente, rcpcrculir-sc na distribuição relativamente a outras zonas, ficamos, à partida, com um sério problema no que diz respeito ao número c já não quanto à distribuição. Isto porque o que me parece estranho não é o afirmar-se que há ou não estudos, mas sim que entidades altamente responsáveis não tenham ainda na sua posse esses dados. Pensamos que os responsáveis do Ministério da Justiça deveriam ler feito os estudos que precederiam essa distribuição ou essa solução. Sc os fizeram mas não apresentaram esses dados também me parece que está errado. O que c importante é que esta visão dc um tratamento mais ou menos uniforme do próprio país periférico está errada. Por exemplo, relativamente à minha zona, distrito dc Viana, há distâncias até à sede do círculo dc cerca dc 101 km. Simplesmente, estes 101 km são, pura e simplesmente, teóricos porque cm 40 km, que são os que vão por exemplo dc Valença a Mclagaço, há cento c tal curvas, há neve no Inverno, não há transportes, não há possibilidade dc acesso nem dc transporte das pessoas aos próprios tribunais.

Resumindo: o Conselho Superior da Magistratura tem elementos acerca do possível programa dc implantação dos tribunais dc círculo?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Vicc-Prcsi-dente do Conselho Superior da Magistratura.

O Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura: — Sr. Deputado Agostinho dc Sousa, a minha resposta é frontal: o Ministério da Justiça não forneceu ao Conselho Superior da Magistratura elementos concretos dc estudo. No entanto, sabemos que os tem. Uma das razões desse não fornecimento talvez esteja numa maneira dc trabalhar que pode ser criticável, mas que respeito. Há que respeitar as divisões dc competências. Nós, Conselho

Superior da Magistratura, temos por função gerir aquilo que temos à nossa disposição c não temos como competência fazer previsões dc instalações. Isso pertence a outras entidades. No entanto, sei que o Ministério da Justiça tem acompanhado a elaboração deste projecto com a feitura dc elementos estatísticos c com divisões. Nós temos procedido com mais pragmatismo. Por exemplo, Viana do Castelo é um dos círculos que tem merecido a nossa particular atenção, como, aliás, é certamente do vosso conhecimento. Ensaiámos um sistema —que, segundo parece, foi péssimo — dc pedir a três juízes do Porto que fossem fazer colectivos a Viana do Castelo. Rcvclou-se caro, não foi tão eficaz como seria desejável, foi apressado e fonte dc certas perturbações. Depois ensaiámos um outro sistema e, neste momento, lemos dois corregedores cm Viana do Castelo, que dividem entre si as áreas respectivas. Isto é, fez-se uma espécie de ensaio preliminar do que seria uma divisão dc Viana do Castelo cm dois círculos. O sistema utilizado foi este: um ficou com um certo número dc comarcas a seu cargo c outro com outras.

Portanto, verifica-se o seguinte: as parles vão ter muitas dificuldades cm sc deslocar à sede do círculo e os juízes vão ter muitas dificuldades cm sc deslocar as sedes das comarcas. As dificuldades são iguais. No outro dia fui assistir à inauguração dc um tribunal cm Oliveira dc Frades. Os 30 km que vão desde Albergaria-a-Velha a Oliveira dc Frades nunca mais acabam. Quando o juiz acaba dc fazer estes 30 km já vai cansado. É um ser humano que iodos os dias se desloca para aqui c para ali c faz centenas dc quilómetros por mês, o que 6 um molivo dc perturbação. Quando o juiz chega à comarca já vai cansado física c espiritualmente. O mesmo sc diga cm relação aos advogados. As testemunhas irão, com certeza, menos cansadas. Como sc trata dc uma viagem ocasional, isso ale pode ser motivo dc conversa c dc agrado. Além disso, c-sc testemunha uma ou duas vezes na vida. O juiz percorre lodos esses caminhos com frequência. Como vem ficar a casa, no dia seguinte faz o mesmo caminho para um lado e para o outro, o que também é fonte dc perturbação. Entendo que essa é uma das razões a favor deste projecto que estamos a ensaiar timidamente cm relação a alguns círculos. Depois veremos qual o resultado da experiência. É o caso dc Viana do Castelo, dc Santa Maria da Feira c dc Vila Real. Já desdobrámos o círculo dc Portimão c o das Caldas da Rainha. Vamos desdobrar o círculo dc Beja. Verificámos uma coisa curiosa: como estamos habituados a não dar instruções aos juízes, já que cies são independentes, estamos, neste momento, a assistir ás experiências mais variadas. Em Viana do Castelo dividiu-se a área cm duas c cada corregedor tem a sua área. Em Leiria está a cnsaiar-sc um sistema diferente: os dois corregedores vão a todas as comarcas, dividindo entre si o serviço. Até há pouco tempo dividiam Leiria pelos dois, depois dividiam as comarcas dos cículos por duas partes. Agora estão a ir os dois às mesmas comarcas. Em meu entender, eles representam uma duplicação, mas ate pode ser que a experiência seja melhor que a outra.

A divisão entre Vila Real e Chaves vai ser, naturalmente, feita dc modo diferente. Talvez um dos corregedores sc instale cm Chaves e fique com aquela zona norte. Isto porque Vila Real fica no extremo do dislrilo c é muito difícil a deslocação para Chaves. Pelo contrário, a deslocação dc Chaves a Tabuaço é fácil. Isto é, cada grupo dc comarcas vai ser, cm si, um problema. O Ministério da Justiça tem os elementos estatísticos.

Nós, seguramente, também os possuímos através do número dc julgamentos que tem cada círculo. É claro que é

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possível que no início e devido à elevação das alçadas diminua esse número dc julgamentos. Sc nos ativermos apenas nos elementos estatísticos actuais, poderemos correr o risco dc fazer uma coisa muito bonita para agora, mas que cm breve poderá estar dasaciualizada. Recordo-me, por exemplo, de que em relação ao numero dc vagas, temos, neste momento, um excesso dc 100 juízes. E temos um excesso dc 100 juízes precisamente porque não olhámos apenas para os números estatísticos mas também para algumas grandezas com uma ordem diferente do número exacto. Assim, quando há quatro anos apontámos a necessidade dc 70 juízes para 1987, não nos baseámos nas estatísticas, já que não sabíamos que vinha aí um código penal nem que iam ser criados os tribunais administrativos e que, dentro cm breve, iam ser instalados os tribunais marítimos. Aqui tem que haver sempre uma certa dose de pragmatismo ou dc adaptação às circunstâncias. Os estudos exactos em relação a esta matéria são sempre muito difíceis. Em todo o caso, posso dizer-lhes que o Conselho Superior da Magistratura não tem esses elementos. Podíamos, com os elementos dc que dispomos, fazer um estudo nessa matéria, mas elc seria sempre aproximado. Nesta matéria, o Ministério da Justiça está mais informado que nós. No entanto, experiências como aquela que estamos a ensaiar cm Viana do Castelo dizem-nos que, efectivamente, sc torna necessário assegurar uma certa distância entre os diversos círculos, porque, por exemplo, cm relação aos dois juízes sediados cm Viana, um percorre mais quilómetros do que o outro. Isso são coisas que, inevitavelmente, irão acontecer. Em relação à Beira c ao Alentejo, o caso já é diferente. Estamos a pensar, por exemplo, que dc Beja a Santiago dc Cacém é muito longe. Portanto, embora Santiago do Cacém não tenha muitos processos, teremos que fazer uma certa divisão nesta matéria. É por isso que digo que o número é apontado simplesmente neste estilo. Peço desculpa por não poder aprofundar todos os aspectos deste diploma. Como viram, tenho sobretudo a preocupação dc saber cm que medida é que os juízes podem corresponder a estas alterações. Foi por isso que apresentei O número 210 juízes para os tribunais dc círculo.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): — Sr. Vicc-Prc-sidente do Conselho Superior da Magistratura, c claro que, quando coloquei a questão, tive cm conta o respeito das competências. Porém, referia-mc mais a um plano dc cooperação. É evidente que um projecto destes, que vai necessariamente rcflccür-sc cm várias áreas da jusliça, deve partir de uma base dc colaboração. É por isto que coloco uma outra questão: tendo conhecimento das experiências que estão a ser levadas a cabo cm Viana do Castelo pelo Conselho Superior da Magistratura, pergunto sc, por exemplo, os responsáveis do Ministério da Jusliça, dentro dc um espírito dc cooperação c não dc invasão dc competências, já tiveram a preocupação dc recolher os dados experimentais do próprio Conselho Superior da Magistratura para, inclusive, poderem utilizá-los cm lermos conjugados.

Há pouco não fui claro c, portanto, vou fazer um esclarecimento adicional: quando coloquei o problema da deslocação das partes, rcporici-mc a um plano dc tratamento dc justiça. Queria, portanto, estender as dificuldades aos próprios magistrados. Fiz a observação sob esse prisma c com o respeito dessa situação.

O Orador: —Sr. Deputado, o Ministério da Jusliça tem conhecimento dc toda esta matéria através do seu Gabinete dc Planeamento. Eles estão a aperfeiçoar as estatísticas cm

termos tais que vão à minúcia da idade dos réus, da natureza das acções, onde foram intentadas, etc. Isto é, neste momento os elementos estatísticos são fornecidos pelo Gabinete dc Estudos c Planeamento do Ministério da Jusliça e, suponho, são do conhecimento da Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários e do Gabincie dc Gestão Financeira, que é quem suporta estes corregedores auxiliares. O Ministério da Justiça tem, necessariamente, conhecimento da siluação, designadamente quanto ao problema da estatística. Efectivamente, compulsando os elementos estatísticos do Gabincie de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, vemos que de ano para ano eles aperfeiçoam a recolha e que depois tratam. Eles tratam o problema cm termos dc secretarias judiciais, o que tem natural reflexo nos magistrados.

Ora, na medida em que eles se preocupam com as secretarias judiciais, aproveitamos depois a experiência deles também para efeitos de colocação dos magistrados. Há, portanto, colaboração.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura, agradeço-lhe as observações e as informações que nos trouxe.

Creio que a tarefa que a Assembleia da República tem entre mãos neste momento é um pouco mais difícil, apesar dc tudo, do que aquilo que depreendi, através do Sr. Vicc--Prcsidcntc, ser o estado dc espírito do Conselho Superior da Magistratura sobre esta matéria.

Na verdade, se ela fosse reduzida às proporções que aqui nos trouxe, então aquilo que este instrumento legislativo diria era qualquer coisa do género: «São criados, a título experimental, nos anos dc 1987 e 1988, quatro, cinco ou seis tribunais dc círculo cm Lisboa c Porto, os quais têm as seguintes competências, etc.» Daqui a um ano vollar-sc-ia a abordar o assunto. Acontece, porém, que só por desgraça a proposta dc lei n.9 51/IV não refere nada disto.

Portanto, aquilo que podemos fazer é, porventura, interpretações morigeradoras, correctivas, reclificadoras, limitativas, rcintcrprciadoras, etc, o que rcalmcnic é algo que sc pode efectuar cm sede dc interpretação, mas não pode o legislador no preciso momento cm que tem entre mãos a grande massa da qual sc faz o elemento legislativo.

Daí que cu esteja inteiramente dc acordo com as interrogações até agora feitas pelos meus colegas sobre algumas questões comezinhas, ou melhor, inteiramente mesquinhas, mas da maior importância para sc poder apurar que criatura é que faríamos sc realizássemos precisamente com este ou aquele retoque aquilo que nos vem proposto.

Ora, não encontrámos, até à data, resposta para perguntas fulcrais, como sejam: quantos círculos é que haverá, com que grau dc implantação é que sc fará a sua criação c instalação, cie. No cnianto, amanhã falaremos com a comissão governamental que estudou este aspecto e que nos facultará certamente alguns elementos informativos que não estão connosco. Esta é, dc facto, uma palavra mágica, pois lembramo-nos dc que da reforma anterior dos tribunais judiciais, c cm vigor neste momenio, estão criados tribunais que não estão ainda instalados nesic preciso momento c a esta hora.

Dc facto, a gloriosa reforma está feita c jaz nas páginas do Diário da República, mas o certo é que a instalação dos tribunais falece. Esta é uma questão fulcral c uma forma péssima dc reformar o que quer que seja.

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De facto, as perguntas comezinhas que sc formulam giram à volta dc saber quantas comarcas vai haver, sc aumentam ou diminuem, sc sc fundem, sc sc extinguem ou, ainda, sc se alteram. Será que as sedes continuam a ser as que são ou passam a ser outras? Neste caso, dentro de que regras?

Além disso, pode perguntar-se: quantos tribunais da relação vamos ter? Com que estruturas? Será que haverá secções nesse tipo de tribunais? Com que distribuição territorial e com que critérios? Qual o aparato burocrático que reúne isso? Essa criatura chamada «secção da relação» o que será? Tem carros, casa, ou é uma coisa mais modesta, isto é, uma espécie dc «rclaçãozinha», no sentido mau, que onde devia haver um palácio há uma choupana ou um anderzeco? Qual é a regra?

Na verdade, não temos respostas para estas perguntas nem para a questão dc saber qual será a articulação disto tudo com o Código de Processo Penal. E esta pergunta não é ambiciosa. Porém, formulo, dc imediato, uma outra que já é ambiciosa: qual é a relação disto com o Código dc Processo Civil revisto? Não há igulamcntc resposta neste momento, cm termos de programação dc reformas, para esta questão. Ela tem, porventura, um destinatário, mas não uma resposta possível.

Ora, é assim que o legislador com os atributos constitucionais que lhe são reconhecidos, mas não na prática, há-dc fazer o seu raciocínio sobre a reforma a empreender. Perante isto, o Sr. Vice-Prcsidcnte do Conselho Superior da Magistratura há-dc compreender a preocupação que nos tolhe neste momento. Além disso, isto é agravado por um outro facto, ou seja, a proposta dc lei, ao contrário do que pode resultar dc um certo entendimento daquilo que nos transmitiu, é disjuntiva, como, aliás, eu disse há bocado. E afirmei-o, porque esse diploma refere que os tribunais podem desdobrar-se ou não em juízos, pode haver nos tribunais judiciais dc círculo juízos privativos ou não, pode ser total ou parcialmente, podem ter secções ou não, etc. É, portanto, uma proposta dc lei inteiramente disjuntiva, o que deve maravilhar quem estudar o direito comparado e a experiência portuguesa neste campo. Contudo, a situação é pior do que isso, facto que é frisado pelas considerações que V. Ex.! acaba dc fazer, ou seja, a proposta dc lei, além dc ser disjuntiva quanto ao conteúdo, é inteiramente vaga — c nisto estou a ser gentil — no respeitante ao calendário, mais propriamente quanto à sua aplicação no tempo, que é uma das vertentes fundamentais para a questão da aplicação da lei.

Portanto, faria agora uma pergunta honesta c simples face ao problema dc saber sc os tribunais dc círculo são o pior mal do século ou, ao invés, o maior bem: onde é que há tribunais judiciais dc círculo c quais os critérios para a sua instalação?

V. Ex.' folheará rapidamente lodos os artigos da proposta dc lei e verificará que não encontrará nenhum *ritério. Mais ainda: encontrará no úllimo preceito esta norma, que, cm minha opinião, também deve ser emoldurada, ou seja, dc que o regulamento desta lei, que carimbássemos nos termos que vêm sugeridos, deveria estabelecer que a entrada cm vigor dc alguns dos preceitos da presente lei — atire-se uma moeda ao ar para sc determinar quem é que estamos a designar através desta fórmula genial — seria diferida. Mas até quando? Até ao século xxi ou xxn? É possível, pois a lei assim o estabelece.

E cm que termos? Também não sc especifica. E quanto a que? Também não sc pormenoriza.

Ora, creio que V. Ex.' compreenderá a preocupação cm relação a um esquema deste tipo, como também que me

impressione particularmente que se possa sustentar que uma reforma judídica desta importância sc realize pedindo ao legislador, ao nível dc exercer uma prerrogativa que lhe está dc todo cm todo reservada em termos constitucionais, para fazer uma reforma nestes moldes.

Além disso, pede-se que a Assembleia da República, enquanto entidade legisladora, emita a autorização para que o Governo inclua nos próximos cinco anos as verbas necessárias para este efeito. E isso cabe na competência deste órgão dc soberania, pois é ele que aprova obrigatoriamente o Orçamento do Estado — poder esse de que não nos podemos despojar. Contudo, será que a Assembleia da República poderá emitir uma autorização que não contém nenhum calendário num domínio tão fulcral?

Além disso, há um outro aspecto para o qual lhe peço que produza um comentário. É o seguinte: não lenho dúvidas dc que há um efeito que esta lei produz tal como eslá gizada. Rcfiro-mc as altas alçadas e às custas mais elevadas. Porém, admito que alguém tenha «a cabeça que cabe dentro deste chapéu». Admito, pois, que essa lei seja monstruosa, mas isto não passa dc uma opinião meramente pessoal.

Devemos também dizer francamente que o problema do funcionamento dos tribunais portugueses passa por um safanão nos cidadãos. Isto é evidente, pelo que devemos assumi-lo. No entanto, como a magistratura é uma estrutura, não vai assumir esse problema, pelo que suspirará dc alívio. Mas também não creio que seja aí que esteja a resolução dos problemas da magistratura portuguesa, dos tribunais onde cai chuva, dos magistrados que aspiram à limitação dc um número dc processos e a condições melhores de trabalho, etc.

Entretanto, a maior preocupação que incide sobre nós resulta dc um tipo de justiça que decorre de um sistema judicial que será implementado nos termos sugeridos no úllimo preceito da referida proposta dc lei, reforçado também, segundo creio, pelas considerações que V. Ex.! produziu. Ora, nessa altura, já não teremos sequer uma justiça a duas velocidades, mas sim a não sei quantas velocidades. Dc facto, teríamos a justiça das pequenas e das grandes causas, a dos julgados dc paz c a dos tribunais profissionais, a dc Macau c a do resto do território português propriamente dito, a das regiões autónomas, que sc continuaria a reger pela Lei n.9 85/77, e a do continente. E dentro desta haveria ainda a justiça dos sítios onde as reformas tivessem sido aplicadas aos bocejos c a dos locais onde tal ainda não houvesse chegado, incluindo sítios onde não cxislcm tribunais dc pequenas causas c outros onde isso sc verifica, locais onde há tribunais judiciais de círculo e outros onde não.

Entendo que um forma dc implementação de uma reforma legislativa dcsia naioreza, que sc configurasse nestas condições, além de provaivclmente violar o princípio do acesso ao direito c aos tribunais, acabaria por violar fatalmente o da igualdade e introduzir uma tal polaridade dc justiça que restariam poucos princípios constitucionais basilares sobre a aplicação da justiça.

Gostaria, pois, que V. Ex.1 nos pudesse facultar uma reflexão sobre estes aspectos, dado os conhecimentos específicos que tem e a própria importância que o Conselho Superior da Magistratura reveste. E faço-lhe este pedido porque é fácil dizer que nesta proposta de lei está a resolução dc tudo, bem como que isto é a pior coisa do mundo.

Em lodo o caso, penso que deveríamos saber que remédios é que poderão ser encontrados para que o caos não sc agrave, visto que ele é já suficientemente grave para lodos, quer sejam magistrados, advogados, cidadãos, etc.

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O Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura:— Sr. Deputado José Magalhães, podemos dizer que temos aqui três entidades igualmente interessadas no problema da justiça: a Assembleia da República, que tem nesta matéria competência exclusiva, o Governo c, numa fase apenas dc execução dc um sexto das suas responsabilidades, o Conselho Superior da Magistratura. Os números, os elementos, os preços, as dificuldades c os custos destas matérias serão certamente fornecidos pelo Governo à Assembleia da República. Aliás, sobre isso não tenho qualquer dúvida. Isto é, o Governo saberá responder a todas as sua objecções, que são pertinentes. Penso que seria desejável estabelecer um esquema que fosse dc aplicação imediata. Já seria preciso ter um certo cuidado sc, neste momento, sc estabelecesse um esquema rígido c sc dissesse o seguinte: «São criados círculos aqui, ali c acolá no prazo dc um ou dois anos.» Nessa altura, podíamos correr o risco dc, nesse momento, não termos instalações que o permitissem. Creio, no entanto, que o problema mais grave que lemos hoje na magistratura c no funcionamento dos tribunais é o das instalações. Isio é, enquanto ncsic momento podemos dizer que eslamos suficientemente habilitados dc magistrados, não podemos dizer o mesmo relativamente às instalações. Qual será a cadência com que o Estado ou as câmaras municipais nos podem fornecer nessa matéria?

Olhando para o PIDDAC deste ano, verificamos que a contribuição para instalação dc tribunais é bastante modesta. Daí que, naquele riimo, dificilmente poderíamos conseguir alguma coisa. Agora, sc efectivamente o Ministro da Justiça dispuser, como estou convencido dc que dispõe, dc um esquema dc tribunais dc círculo a instalar, dc comarcas a instalar ou a manter...

Já agora, arrisco exprimir a minha opinião pessoal: por mim, não extinguiria nenhuma das comarcas actualmente existentes porque, embora algumas delas sc não justifiquem, a verdade 6 que sc criaram situações que é muito difícil apagar.

Quanto à criação dc novas comarcas, vemos que, dc vez cm quando, surgem pretensões cm relação a comarcas cm que não se pensaria há anos atrás. Estou a lembrar-mc, concretamente, dc que pertenço a uma zona — Nazaré — onde nunca se sonhou com um tribunal, até que, há relativamente pouco tempo, o Sr. Presidente da Câmara expôs cm Assembleia Municipal o desejo dc uma comarca. Dc facto, a Nazaré jamais teve pretensões dc ser comarca, mas, neste momento, cm que já lá estão os lais quinze advogados, começa a surgir um movimento visando a instalação dc uma comarca como processo dc evitar aquilo que seria inevitável: a criação dc um 3.B juízo.

Também é verdade que, nesta matéria, lemos que contar um pouco com umas previsões a curto prazo c com outras a longo prazo. Ora, como não nos compete a nós a instalação dc tribunais, não temos lido a preocupação dc recolher esses elementos. No entanto, podemos dizer que à medida que vamos olhando para as necessidades do momento, vamos colocando aí os nossos juízos. Agora, a criação c instalação dc tribunais já nos escapam, mas estou convencido dc que o Ministério da J usüça lem resposta para essas suas observações, que são, na verdade, da maior importância.

O saber cm que termos é que a Assembleia da República pode marcar com extremo rigor esse calendário ou sc tem dc deixar ao Governo uma certa margem dc adaptação às

circunstâncias, claro que é um problema que nos transcende. Mas suponho que é inevitável. E quase impossível estabelecer uma lei destas em que com segurança se dissesse quais seriam os tribunais necessários para os próximos dez, quinze ou vinte anos. Pode ter-se uma determinada ordem dc grandeza ou podem as circunstâncias alicrar-sc. Por exemplo, a determinada altura foram criados alguns tribunais de trabalho, nomeadamente na Maia. Na altura em que foi pensado justificava-se, mas hoje talvez já não. Porquê? Porque, entretando, por virtude da diminuição dos poderes centrados nos tribunais dc trabalho, hoje os tribunais do Porto chegam e sobram. Talvez não se tenha justificado o tribunal da Maia. Mas ainda estavam pensados mais dois — o dc Valongo c o de Gondomar. Hoje seria uma asneira instalar tribunais dc trabalho nessas zonas.

A vida encarrega-se dc, cm breves momentos, fazer flectir as previsões por mais científicas que sejam no momento cm que são feitas. Não tenho problemas com o Ministério da Justiça, mas tem dc haver uma certa compreensão para este aspecto, pois por vezes as circunstâncias impõem-nos a adopção de certas medidas c é preciso que os serviços encarregados dc as fazer possam dispor dc medidas nesse momento. Por exemplo, sc amanhã livcnnos necessidade dc criar um determinado tribunal dc círculo, sc não ficarmos com uma certa liberdade dc actuação, não há dúvida dc que o mecanismo para o criar será dc tal forma complicado que levaremos anos para o conseguir e arriscamo-nos a que, quando conseguirmos obter a satisfação dessa pretensão, ela já esteja desactualizada.

Claro que seria muito útil a sua criação, mas tudo o que se atinja para um largo espectro dc tempo tem esses inconvenientes. É o caso dos tribunais que neste momenio estão criados mas que ainda não estão instalados. Quanto a alguns, talvez até já nem sc justifique a sua instalação. Por exemplo, há anos pensávamos nos tribunais dc instrução criminal c começou a germinar no nosso espírito a ideia dc que qualquer dia leríamos dc instalar tribunais dc instrução criminal cm comarcas. Pois vejam, por exemplo, o Tribunal dc Instrução Criminal da Guarda, com catorze comarcas ao seu dispor, para pouco mais serve do que para o juiz fazer milhares dc quilómetros por mês. Mas se o Código dc Processo Penal entrar cm vigor, teremos dc rever a actuação dos tribunais dc trabalho. Isto é, circunstâncias externas obrigam-nos às vezes a adaptar os nossos processos dc gcslâo.

Numa matéria destas compreendo que tenha dc haver um mínimo dc previsão, mas também compreendo que tenha dc haver um mínimo dc adaptação às circunstâncias que vão surgindo. Do entendimento entre estas duas posições, suponho que será fácil à Assembleia da República c ao Governo terem um entendimento. Creio lambem que o Governo nos fornecerá os elementos dc estudo que tem nesta matéria c que, segundo me informaram, já são muitos, mas dos quais não disponho. Não disponho porque, habituado a um certo pragmatismo, vou olhando para aquelas necessidades que nos vão surgindo e para a maneira dc as resolver. Não nos compete talvez fazer esla previsão a longo prazo. Por exemplo, queremos saber quantos juízes vão ser precisos para os tribunais administrativos c não há processo científico dc o saber. E para os tribunais marítimos serão precisos quinze juízes ou menos? Não lemos possibilidades dc o saber, até porque não podemos dizer ao ccrlo o que irá surgir cm matéria dc navegação.

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Tem dc haver sempre uma certa dose dc adaptação às circunstâncias. É impossível, nesta matéria, a fixação exacta dc números c dc localizações.

O Sr. José Magalhães (PCP): —Sr. Conselheiro, dá--mc licença que o interrompa?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Conselheiro, gostaria que não concluísse o seu raciocínio antes dc ponderar uma questão que lhe vou colocar. Admita-se que o diploma a elaborar deve ler uma certa flexibilidade. É uma questão dc bom senso c toda a gente admitirá que o diploma não pode estabelecer rigidissimamenic um determinado programa c que esse programa deve ser traçado cm condições mais flexíveis. Mas é o próprio diploma, no seu artigo 102.9, que estabelece que no prazo dc 90 dias após a publicação — note-se que não é do regulamento mas sim do diploma, da lei — o Conselho Superior da Magistratura deverá deliberar, para os efeitos do n.9 3 do artigo 20.9, o número dc juízes que compõem cada secção do Supremo Tribunal dc Justiça c depois do n.9 3 do artigo 48."

Aqui entramos numa coisa que, cm minha opinião, é vcrdadcirmcntc «charanesca»: o Conselho Superior da Magistratura, 90 dias após a entrada cm vigor desta lei — c não do regulamento —, há-dc ter dc ponderar a designação dos juízes que faltarem cm relação ao tribunal colectivo, no tribunal dc círculo, que há-dc incluir, ele próprio, juízes privativos, total ou parcialmente.

Gostava dc saber, como é que o Conselho Superior da Magistratura pode executar esta operação.

O Orador: — É fácil, Sr. Deputado. Quanto ao artigo 20.9, o prazo dc 90 dias é a partir da publicação desta lei c não do regulamento. Pelo menos isto tem dc entrar cm vigor. Quanto à composição do Supremo Tribunal dc Justiça, os 90 dias vão ser utilizados da maneira que adiantarei. Por enquanto temos um quadro dc 30 juízes c desses 30 um c o presidente, portanto ficam 29. Neste momento, temos dezoito juízes nas secções cíveis, sete nas

criminais c quatro nas sociais.

Como logo dc princípio foi reconhecido que a secção social não podia funcionar com quatro juízes, foi para lá um juiz auxiliar. Portanto, há cinco juízes auxiliares, dezoito na secção cível c sete na criminal. Como nesse prazo dos 90 dias deve entrar cm vigor o Código dc Processo Penal, pelo qual sc prevê um recurso directo dos tribunais dc 1.' instância para o Supremo cm matéria criminal c o Supremo Tribunal dc Justiça vai passar a ter audiências, podemos prever com uma certa margem dc segurança que essas audiências só irão começar no Supremo Tribunal dc Justiça cm Novembro ou Dezembro. Como o Código dc Processo Penal sc aplica apenas aos factos que forem denunciados a partir dc 1 dc Junho c o recurso para o Supremo é da decisão final, estamos a pensar cm julgamentos dc réus presos que nos surgirão lá para Novembro c Dezembro.

Como as secções têm dc funcionar com o presidente da secção, o relator c três juízes, temos cinco pessoas por secção criminal. Como o Código dc Processo Penal já lala cm secções penais, seguramente que leremos dc obter a boa colaboração do Ministério da Jusliça para que o quadro dos juízes da secção criminal seja acrescentado dc três unidades, por forma que, logo à partida, tenhamos dez juízes na SCCÇÜo crimina), formando com cies duas secções. Mais

difícil será o local para a realização das audiências, visto que no Supremo Tribunal dc Justiça só lemos uma sede, aliás muito bonita, mas única. Sc as duas secções trabalharem lodos os dias, falta-nos uma sala. São estes os lais problemas.

Quanto à fixação das secções não me parece que tenhamos grandes dificuldades.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Dá-mc licença que o interrompa, Sr. Conselheiro?

O Orador: — Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Ainda há outra secção, que é a do contencioso.

O Orador: — Essa está formada por natureza: é o mais antigo dos juízes dc cada uma das outras secções. É dc funcionamento rotativo. Não tem juízes privativos, é constituída pelos outros juizes.

Quanto ao artigo 48.°, as coisas também são fáceis. No prazo dc 90 dias ainda não estará constituído nenhum tribunal dc círculo, portanto é fácil ao Conselho Superior da Magistratura verificar que nesse momento ainda não há nenhum tribunal dc círculo com falta de juízes.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Conselheiro, desculpe-me interrompê-lo, mas, para efeitos de acta, gostaria dc registar o meu espanto. Então, nesse caso, n3o faria sentido inserir ncsia norma o n.9 3 do artigo 48.9...

O Orador: — Talvez não, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): —... porque é uma previsão inteiramente ficücia.

O Orador: — Pois é. Este artigo vai funcionar quando houver tribunais dc círculo que não tenham os três juízes privativos. Então, nessa altura, é que teremos de intervir.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Mas, então, qual é o sentido dc exigir que no prazo dc 90 dias sc exerça uma competência que não tem virtualmente objecto a não ser daqui a alguns anos?

O Orador: — A sua pergunta está muiio bem colocada, mas a resposta é simples: no Conselho Superior da Magistratura não temos qualquer preocupação a esse respeito porque, não havendo tribunais dc círculo nesse momenio, ou esta citação estará porventura deslocada — o que não mc parece — ou terá sido pensada, por exemplo, para 90 dias a partir da entrada cm vigor da lei. Como é a partir da publicação —c esta lei cnlra cm vigor no dia cm que cnirar cm vigor o diploma regulamentar—, sc o Governo tem 90 dias para publicar o diploma regulamentar, nós leremos os mesmos 90 dias para nos pronunciarmos sobre a matéria do artigo 48.9 Nessa allura ainda não teremos dificuldades.

Quanto ao n.° 2 do artigo 66.°, que diz que o Conselho Superior da Magistratura designa os vogais que faltem para constituir o tribunal colectivo, pois essa é a nossa missão dc todos os dias, isto é, dc vez cm quando designar os vogais que faltam para os colectivos, c, como temos sempre actualizado o problema dos tribunais colectivos, é-nos muito fácil, às vezes até por cfciio dc movimentos, cumprir.

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O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Conselheiro, mas isso não tem um âmbito dc aplicação um pouco distinto? O suprimento das faltas verifica-se não cm relação a todas as causas mas apenas relativamente a algumas referidas no artigo 63.9 Portanto, as menções que o Sr. Conselheiro acabado fazer...

O Orador: — É o artigo 66.«, n.° 2.

O Sr. José Magalhães (PCP):— Certo. Mas o artigo 66.fl, n.9 2, regula uma situação específica.

O Orador: — É a dos tribunais dc trabalho.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Exacto. É cm relação a este aspecto que o Sr. Conselheiro considera não haver problemas?

O Orador: — Não há dificuldades cm designar os vogais para o tribunal colectivo porque neste momento os tribunais dc trabalho têm os seus elementos com os quais constituem os colectivos c, abstraindo ate do facto dc haver relativamente poucos colectivos cm tribunais dc trabalho, o problema tem sido resolvido utilizando ou os juízes indicados para o efeito ou os juízes estagiários. Traia-sc, pois, dc uma tarefa que desempenhamos no nosso dia-a-dia.

Também não temos dificuldade cm cumprir esses 90 dias, até porque antes desse prazo é possível que tenhamos dc fazer alguma coisa nessa matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP):— Nesse caso, qual a razão dc uma norma especial sobre isto no prazo dc 90 dias sc esse é o dta-a-dia do Conselho, sc resulta do exercício dos seus poderes legais e é, no fundo, um dever? Porquê fixar um prazo especial como sc fosse uma tarefa transitória e dc emergência?

O Orador: — Sr. Deputado, olhei para o prazo dc 90 dias que vem no diploma c pensei que era absurdo licarcm--nos 90 dias antes dc o diploma entrar cm vigor; no entanto, não tirei conclusões, pois tentei ver sc isto teria algo que não pudéssemos cumprir. Verifiquei, porém, com satisfação, que com a legislação actual c até com o espírito desta não leríamos dificuldades cm proceder à respectiva execução. Não lemos dificuldade.

Finalmcnic temos o n.9 2 do artigo 100.9 As secretarias judiciais existentes asseguram, nos lermos estabelecidos pelo Conselho Superior da Magistratura, o expediente relativo à preparação dc processos, que vem previsto no n.9 2 do artigo 76.9 Aqui substituía a expressão «quando» por «[...] enquanto não sejam criadas secretarias para o efeito». Isto para que, quando começar a haver tribunais dc círculo, nós possamos dizer qual é a secretaria ou quais são os elementos que vão assegurar o processamento dos respectivos processos. Portanto, isto é um problema que não nos surge nos primeiros 90 dias ...

O Sr. José Magalhães (PCP): — Portanto, isso é uma outra norma cujo âmbito dc utilidade eventual não sc situa nos primeiros 90 dias.

O Orador: — Isto é, esta norma fica-nos apenas para execução, ou seja, para assegurar que o Supremo Tribunal dc Justiça passe a dispor logo dc mais três unidades, fazendo o tal número dc dez juízos nas sessões criminais do Supremo Tribunal dc Justiça.

Mesmo que esta norma não lenha conteúdo, esta matéria é da nossa obrigação. Em todo o caso, é uma norma que interpreto do seguinte modo: para além dos 90 dias, sempre que surja a necessidade, o Conselho Superior da Magistratura tem dc o fazer.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Vicc-Prcsidcntc, queria colocar-lhe uma última pergunta: considera compatível com um entendimento razoável do princípio da igualdade esse processo dc implantação faseada e, para além do critério, casual, ou eleitoralista, sem critério visível? Como bem compreenderá, pode ser muito interessante para o Governo anunciar a criação dc um tribunal dc círculo num sítio muito bonito. Penso que anunciar a criação deste ou daquele tribunal no sítio Y ou Z ou até de uma comarcazinha, que é algo razoável c justo, pode ser útil. Esta é uma óptica possível, que não é, obviamente, a do Conselho Superior da Magistratura.

Creio que a criação dc comarcas c a repartição do território é uma questão tão relevante como a regionalização a qualquer título, como a criação dc vilas, dc cidades, dc freguesias, etc. Portanto, não é só uma questão dc pena ou dc estandarte, dc vaidade pessoal dc um presidente dc câmara ou dc aspiração irrealista desta ou daquela população, que gostará dc ter ao pé dc si coisas que são precisas. É uma questão dc racionalização dc recursos c dc satisfação dc aspirações justas.

Como é que consegue encarar o respeito por um tralamcnia não discriminatório das várias regiões c, por outro lado, o respeito pelo meu direito, enquanto cidadão, à igualdade, isto é, não a uma justiça dc 3.*, dc 4.! ou dc 5.' aqui c dc 1.! c dc 2' ali? Como é que isso sc consegue com este processo dc implantação caótico c dc moeda ao ar, que não está, como é evidente, nas intenções do Conselho Superior da Magistratura, mas que é um risco? Como é que consegue conciliar estas duas coisas?

O Orador: — Sr. Deputado José Magalhães, ainda bem que não sou político. Essa c uma pergunta que deveria ser feita aos políticos.

E evidente que não sei sc a criação dc um tribunal tem ou não efeitos eleitoralistas. É uma questão cm que nunca penso. Quando sugiro ao Ministério da Justiça que procure criar um 2." juízo no Tribunal do Trabalho dc Leiria, não estou a pensar nem cm problemas eleitoralisias do Conselho, nem do Ministro da Justiça, nem do Governo. Sc admitirmos que tudo na vida tem um aspecto político, então seguiremos uma política dc poder servir o melhor possível as populações que demandam os tribunais.

A criação dos tribunais é um problema que, felizmente, nos é alheio. Seria extraordinariamente difícil para um Conselho Superior da Magistratura pronunciar-sc sobre matéria tâo delicada como esta. Por exemplo, cria-se ou não o Tribunal dc Nelas? Cria-se ou não o Tribunal da Nazaré? Extingue-se ou não o Tribunal dc Monchique? Sc não extinguirem os tribunais, cies continuarão a ser abastecidos dc juízes c nós faremos o possível por ter aí funcionários. A criação dc tribunais não c, felizmente, da competência do Conselho Superior da Magistratura. Então dc quem é? Aí tem uma palavra a Assembleia da República c o Governo. É claro que dos 91 concelhos que ainda não têm tribunal talvez uns sc justifiquem tanto ou mais do que outros que existem. Não vejo que aí sc viole o princípio da igualdade. É impossível, dc um dia para o outro, dizer: «Esta reforma passa a aplicar-se amanhã dc manhã.» Isso é impossível! Ainda que venham a discriminar, com toda a clareza, os tribunais que vão criar, têm dc estabelecer um calendário

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para o fazer. Isto devido às instalações. Nüo vejo que, pelo facto dc sc criar aqui ou ali um tribunal, isso seja uma ferida para qualquer população ou rcgiüo. Por que é que fizemos agora o desdobramento do círculo dc Beja e nüo outro? Foi um critério dc oportunidade que esteve presente. O juiz mostrou-nos as suas dificuldades, mandou os seus mapas estatísticos c verificámos que, efectivamente, estavam ultrapassadas as possibilidades humanas dc o fazer. Porém, aqui nüo é ferido nenhum princípio da igualdade. As pessoas têm direito a justiça de 1.' c deveriam ter direito a que os seus recursos sc eternizassem até lhes ser dada razüo. Porém, aqui tem dc haver também um princípio dc certeza. Assim, a partir de um determinado momento há que dizer «agora nüo há mais recursos».

O ordenamento judiciário do País é uma matéria dc alto melindre, que, felizmente, nos escapa c, suponho, que a Assembleia da República e o Governo o saberão cumprir. Tenho uma certeza: sempre que esses dois órgüos tomarem uma posiçüo, o Conselho Superior da Magistratura tudo fará para prover, como lhe cumpre, dc magistrados judiciais a circunscriçüo que foi criada. Imaginemos, por hipótese, que este diploma nüo era aprovado c que continuaríamos tal como até aqui. Nós, seguramente, continuaríamos com o nosso propósito da divisüo dc círculos, o que, aliás, está previsto, com o mesmo ar vago, no diploma anterior. O diploma anterior já permite o desdobramento das circunscrições. Este diploma tem-sc utilizado com alguma frequência. Temos dc continuar a fazer isso, mas sempre com este propósito. Umas vezes aniccipamo-nos aos acontecimentos c outras vezes süo estes que nos empurram.

A qucslüo dc a criação dc tribunais ser ou nüo devida a processos eleitoralistas é, felizmente, algo que nos escapa.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Tinha a absoluta certeza disso.

Gostaria também dc perguntar sc o Conselho Superior da Magistratura tenciona, cm tempo útil, reunir cm plenário para emitir algum parecer sobre esta legislação. Isto, dada a importância que esta vai revestir para o travejamento do ordenamento nesta área.

O Orador: — Sr. Deputado, o processo legislativo cm Portugal é muito complexo. A verdade é que sc fôssemos a entender o termo «diálogo» nos seus devidos parâmetros passávamos a vida a ser ouvidos sobre todas as circunstâncias. O que tem acontecido é que, efectivamente, dc vez cm quando somos surpreendidos pela publicação dc determinados diplomas. Ainda há pouco tempo fomos surpreendidos com a publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos, que cerceou a nossa competência. Já fizemos o nosso protesto.

Recentemente, também houve a discussão dc outras matérias cm que não fomos ouvidos. Por exemplo, agora está na moda equiparar determinadas actividades a actividades dc juízes do Supremo Tribunal dc Justiça. Também ninguém nos ouviu cm relação a essa matéria. Inclusivamente, fomos surpreendidos com uma circunstância curiosa: os professores universitários foram equiparados aos magistrados judiciais do Supremo Tribunal dc Justiça. A lei foi mais longe c atribuiu aos professores universitários, para além dc um vencimento igual ao nosso, diuturnidades, o que nós não lemos. A diferença traduz-sc cm 30 contos por mês. Enfim, também não fomos ouvidos acerca desta matéria.

Hoje o Diário da República traz a equiparação dos investigadores a ju/zcs-consclhciros do Supremo Tribunal

dc Justiça, esquecendo-se dc que estes são os mais mal pagos juízcs-consclhciros deste país, já que ganham menos que os outros. Nem sempre lemos sido ouvidos nas matérias que nos dizem directamente respeito.

Por outro lado, a nossa designação não corresponde ao nosso corpo dc actuação. A uma designação, Conselho Superior da Magistratura, correspondem instalações num modesto 3.e andar, com um gabinete no l.9 andar, onde trabalham dez pessoas c apenas dois juízes. O Conselho Superior da Magistratura, que tem também personalidades designadas pela Assembleia da República, reúne uma vez por mês. Portanto, é constituído por pessoas que não fazem daquela actividade a sua profissão. Sempre que temos sido ouvidos pelo Governo nestas matérias temos seguido o seguinte critério: por via da regra, estas coisas lêm o seu quê dc urgência e, como não nos é fácil voltar a reunir passado algum tempo, temos combinado entre todos juntar as nossas observações parciais c fazê-las canalizar. Outras vezes, com uma certa usurpação dc funções, tem sido o vjee--prcsidcntc quem icm procurado emitir um certo número dc opiniões, mas depois submete a sua actuação aos restantes membros do Conselho. A minha actuação, certamente por uma questão dc delicadeza, não tem merecido reparos. Porém, talvez os devesse merecer porque, efectivamente c cm boa verdade, o Conselho deveria ter reunido c produzido um texto completo. Isso não tem acontecido. Houve diversas versões desta Lei Orgânica e lemos procurado distribuir os exemplares. Em certa altura deparámos com o último exemplar. Ontem foi-mc facultado um que já contém a exposição dc motivos. Até ontem não tínhamos conhecimento disso. Pergunto: valerá a pena o Conselho Superior da Magistratura reunir c produzir, como órgão colegial, qualquer observação a este respeito? Devolvo-vos as nossas preocupações. Isto é, estará a Assembleia da República disposta a pautar a sua aciuação, a marcação das suas diligencias, na dependência do Conselho Superior da Magistratura? Como é evidente, isso não é possível. A Assembleia da República c o Governo lêm mais que fazer do que estar preocupados com os pareceres que nós possamos emitir. Talvez não venha daí nenhum mal para o mundo porque, por um lado, lemos procurado interpretar c cumprir as leis que tem sido publicadas e, por outro lado, talvez a nossa posição não altere muito a actuação desses dois órgãos dc soberania. Porianio, reconheço que a nossa aciuação tem sido bastante discreta. Também reconheço que, por exemplo, cm Ilália há 40 membros do Conselho Superior da Magistratura a tempo inteiro e que apenas sc limitam a dar pareceres porque não têm actividade de gestão dc magistrados, nem dc pessoal, nem sequer têm o poder dc disciplina sobre quaisquer entidades. Excepto no caso de o Ministério da Justiça entender que é de aplicar uma pena dc transferência a um magistrado é que ouve o Conselho Superior da Magistratura. É claro que, numa actuação destas, seria possível aos conselheiros do Conselho Superior da Magistratura c aos outros membros produzir trabalhos dc pareceres. Não é, felizmente, o nosso caso. Temos mais uma actuação dc gestão imediata c dc dia a dia. A nossa posição, como órgão dc consulta, tem sido basianic modesta, mas não temos possibilidades humanas dc ir mais além. Nesta matéria nem sequer me atrevo a perguniar-vos sc pensam que valerá a pena, na reunião do próximo dia 7, tentarmos emitir a nossa opinião cm relação a lodos csics artigos. Tenho a impressão dc que não valerá a pena.

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O Sr. José Magalhães (PCP): — A reunião é no dia 7 .de Abril?

O Orador: — Sim, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Presidente, ainda no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garantias, propunha que ponderássemos se esta questão se pode suscitar cm termos de solicitar ao Conselho Superior da Magistratura que ainda desenvolva esforços neste sentido.

O debate na generalidade está marcado para o dia 2 dc Abril. O debate na especialidade não poderá ser, quanto a mim, nem adiado nem fulminante.

Creio que é do maior interesse para todos nós conhecer a opinião do Conselho Superior da Magistratura, isto é, conhecer o aprofundamento da opinião, uma vez que esta última acaba dc nos ser transmitida cm termos que, creio, não merecerão a discordância substancial do Conselho. Em lodo o caso, se fosse possível fazer um apuramento c uma formalização, creio que a Assembleia da República teria ludo a ganhar com isso. Creio que a opinião será cuidadosamente ponderada.

O Orador: — Sr. Deputado, live o cuidado dc começar por dizer que ia transmitir-vos uma opinião pessoal. Pelos delizes cometidos, apresento-vos as minhas desculpas.

Se desejarem, procurarei que no próximo dia 7 o Conselho emita uma opinião sobre esta matéria. Nessa altura seria, então, a opinião do Conselho c não a dc Victor Coelho.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Provavelmente são idênticas.

O Orador: — Talvez não, Sr. Dcpulado. A opinião do Victor Coelho é uma opinião do observador interessado c atento. A opinião do Conselho é mais esclarecida c até mais dividida por todos os nossos membros.

A matéria é realmente séria. A contemplação dc que, neste momento, a imagem da magistratura não é muito favorável pesa muito no nosso espírito.

Sc nada me disserem até ao dia 7, vou procurar que se faça, cm conjunto, uma reflexão sobre o texto.

O Sr. Presidente: —Sr. Vicc-Prcsidcntc, muito obrigado pela sua presença.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 20 horas e 55 minutos.

Estiveram presentes os seguintes Srs. Deputados:

Licínio Moreira da Silva (PSD). Armando dos Santos Lopes (PS). Agostinho Correia dc Sousa (PRD). José Manuel Santos Magalhães (PCP). José Maria Andrade Pereira (CDS).

REUNIÃO DE 26 DE MARÇO DE 1987

O Sr. Presidente (Licínio Moreira da Silva): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, vamos iniciar os trabalhos dc hoje ouvindo, cm primeiro lugar, o Sr. Adjunto do Procurador--Gcral da República e o Sr. Director de Estudos do Centro dc Estudos Judiciários, a quem agradeço o facto dc lerem aceite o nosso convite.

E hábito desta Subcomissão, sempre que aparece um diploma do teor deste da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, ouvir diversas entidades ligadas ao mesmo. Já fizemos isso cm relação ao Sr. Procurador-Gcral da República, ao Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura e, logo à tarde, lambem virão junto de nós os elementos do grupo dc trabalho criado para a reforma da organização judiciária. Também é nosso hábito ouvir primeiramente os convidados numa exposição geral sobre o diploma, fazendo os Srs. Deputados, posteriormente, as intervenções que entenderem.

Sendo assim, tem a palavra o Sr. Adjunto do Procurador--Gcral da República.

O Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República (Álvaro Laborinho Lúcio):—Sr. Presidente, Srs. Deputados, começaria por agradecer o faclo dc csia Subcomissão ter convidado o Centro dc Estudos Judiciários para emitir também aqui a sua opinião acerca desta proposta dc lei, o que nós faremos com todo o prazer e também com o interesse, que suponho ser recíproco, de conhecermos as vossas dúvidas, dc abordarmos convosco as vossas questões c dc nos enriquecermos também com este diálogo.

Obviamente que cu não iria fazer uma exposição acerca do diploma, mas, sc me permitissem, limiiar-mc-ia a enunciar alguns tópicos que lambem constituem alguma preocupação, quer do ponto dc vista positivo quer eventualmente do ponto dc vista crítico, relativamente à proposta dc lei.

Creio que, porventura, o que dc mais significativo há a extrair, cm termos da inovação que aqui é proposta, sc traduz ou sc concretiza na criação dos chamados tribunais dc círculo c aí a posição do Centro dc Estudos Judiciários — c concretamente a minha própria — é dc total apoio a esta nova postura diante da organização judiciária portuguesa.

Sabemos também que não foi com grande entusiasmo que ela foi acolhida por todos os sectores, nomeadamente até por alguns sectores da própria magistratura que optariam pelo sistema da dupla corregedoria c não pelo da criação dos tribunais dc círculo.

Nesse sentido, invocavam-sc —ou invocam-sc— a favor da dupla corregedoria três argumentos essenciais, sendo um dc ordem financeira, que não imporia um investimento cm imobiliário para a fixação dos tribunais dc círculo, outro que seria o dc um mais fácil acesso das populações c, portanto, dc uma justiça mais próxima dos cidadãos, c outro ainda que veria na criação dos tribunais de círculo — da forma como eles estão organizados e lendo cm conta a competência que lhes é atribuída— uma diminuição do prestígio do juiz da comarca ou do juiz singular.

Creio que nenhum dos argumentos, sem deixar dc ser argumento, é um argumento impórtame, pois o investimento financeiro, apenas numa leitura a curto prazo, poderá levar a concluir que a dupla corregedoria seria preferível, visto que nós vamos ler na dupla corregedoria uma movimentação diária, constante, dc dezenas dc magistrados a perceberem ajudas dc custo c, portanto, a breve trecho, o investimento, que ainda por cima não é um investimento reprodutivo nesse sentido, que o Estado teria que fazer acabaria por ser superior àquele que, a médio c a longo prazo, vem a fazer com a instalação dos tribunais.

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Por ouiro lado, relativamente ao acesso das populações à jusliça, parccc-mc que o facto dc ser possível, c dc estar prevista, a deslocação do próprio tribunal dc círculo vai resolver os problemas mais candentes c mais difíceis, pois é o próprio tribunal que sc desloca junto das populações c não as populações que tem, necessariamente, dc ir ao tribunal, embora cu entenda que, na própria filosofia dc criação dos tribunais dc círculo, sc não deva considerar que essa seja a regra, mas sim a excepção. Dc qualquer modo, ela existe e, portanto, pode ser gerida, pontualmente, caso por caso.

Além disso, 6 evidente que hoje, felizmente, a melhoria dos transportes vem, dc alguma maneira, resolver o problema c cu creio mesmo que com o tribunal dc círculo nós não agravamos significativamente o problema das deslocações, porque a maior dificuldade dc deslocações ainda sc verifica da pequena aldeia ate à sede da comarca c não da sede da comarca à sede do círculo, onde o tribunal funcionará. É evidente que o problema pode existir, mas creio que não 6 tão grave como uma leitura mais apressada eventualmente pode levar a concluir.

Finalmente, também penso que sc deve ler cm conta que as populações não vão tantas vezes ao tribunal quanto isso c, portanto, a ideia dc uma jusliça muito próxima das populações — c não vou agora desenvolver esse tema — chega a ter lambem alguns efeitos perversos. Como disse, as pessoas não vão muitas vezes a tribunal, pois, quando muito, vão uma, duas ou três vezes na vida, pelo que o problema não é, a meu ver, tão grave como isso.

Relativamente ao desprestígio do juiz singular, devo dizer que nüo creio que isso aconicça c nós não devemos construir uma organização judiciária pensando no prestígio das pessoas que, cm concreto, administram jusliça; ternos, sim, que conceber a organização judiciária pensando na melhor forma dc administrar a justiça, independentemente do prestígio pessoal c profissional que daí advenha para os agentes dessa administração.

Dc qualquer maneira, esses argumentos, sendo, a meu ver, rebalíveis, não deixam dc ser argumentos c creio que só devem cair quanto contrapostos a outros que sc mostrem mais vantajosos relativamente àqueles. Por um lado, o significado do círculo judicial, que tem tradições culturais entre nós, embora não tenha lido um desenvolvimento, cm termos dc acção, muito expressivo, é, na minha perspectiva, a grande pedra dc toque da filosofia da administração da jusliça desic diploma.

Além disso, hoje cada vez mais sc rciém a ideia dc que a administração da justiça é uma actividade interdisciplinar c, portanto, cada vez mais sc conclui que a interdisciplinaridade não pode funcionar cm pequenas células dc intervenção judiciária, tendo dc possuir centros nucleares dc acção c dc instalação a partir dos quais possa, depois, desenvolver a sua capacidade dc aproximação às realidades locais.

Ora, cu creio que o círculo judicial, justamente pela tradição cultural que lem entre nós c pela vocaçüo que tem para ser um ceniro dc força centrípeta relativamente a essa actividade interdisciplinar, pode constituir, nesta lei ou nesic diploma, grande base da modificação dc filosofia dc estar c dc administrar a justiça dos tribunais. Imaginem, por exemplo, o que pode vir a ser, não evidentemente no imediato mas progressivamente, um círculo judicial onde está instalado o respectivo tribunal dc círculo que tem, na área da sua acçüo, os serviços dc informática, que podem, por sua vez, depois icr o desenvolvimento apenas cm lermos dc terminal para os tribunais dc comarca, que têm uma biblioteca central. Portanto, a própria informatização

documentada estará ligada a esse núcleo centrai, que será o tribunal dc círculo, c, depois, haverá os serviços de medicina legal, da Polícia Judiciária, dc reinserção social, do serviço social c, sc quiserem, os serviços médico-psiquiátricos dos tribunais c as assessorias técnicas previstas para acções dos próprios tribunais judiciais.

Isto é possível cm termos dc círculo judicial, mas é possível sc o círculo judicial for alguma coisa de fisicamente constalávcl e não apenas o dormitório dos juízes dc círculo ou dos delegados procuradores da República, como tem sido até aqui. É necessário, de facto, uma instalação física, uma filosofia de acção centrada nesse círculo judicial c, depois, a possibilidade da extensão dessas potencialidades dc serviço aos tribunais dc comarca.

Por outro lado, creio também que a distinção das causas quanto ao seu significado social, sc é que foi isso que determinou a distinção entre o tribunal dc círculo e o tribunal dc comarca, acaba por vir permitir que sc ultrapassem alguns efeitos negativos, como cu referi há pouco, da excessiva solcnização atribuída a determinado tipo dc processos. Aí não são os processos que são solenizados, mas o próprio tribunal dc comarca, que, tendo toda a solcnização normal das várias causas que por ele passam, acaba por atribuir também a situações de menor importância social, uma solcnização c uma aparência que tem os lais efeitos que hoje sc estudam muito no domínio dos resultados criminógenos da intervenção do tribunal c dos efeitos não aculiurados ou não assimilados da própria intervenção do tribunal.

Creio que é por isso que, cm termos gerais, as vantagens superam largamente os inconvenientes — sc é que sc pode mesmo falar cm inconvenientes— e, portanto, a nossa posição é francamente favorável à criação dos tribunais dc círculo.

Para além disso, e exactamente porque mc parece ser mais importante ouvir as vossas questões c tentar encontrar algumas respostas para elas, cu limitar-mc-ia a referir agora alguns dos aspectos que mc parecem essenciais nesta proposta dc lei. Por exemplo, um dos pontos debatidos tem a ver com a criação dc categorias dc comarcas previstas no artigo 11.*, onde sc fala nos tribunais dc ingresso, dc primeiro acesso c dc acesso final.

Como sabem, não sc trata dc uma criação desta proposta dc lei, pois ela já constou do Esiatulo dos Magistrados Judiciais. Penso que sc está aqui a tentar restaurar, por via diferente, a amiga distinção entre 1.', 2.» c 3.' classes. Relativamente a este ponto, a nossa posição é a dc que não parece ser dc aceitar esta proposta no que respeita ao artigo 11.°, porque, no fundo, entendemos que há uma progressão normal, que não é uma progressão cm termos dc promoção, mas que resulta dc uma experimentação que vai ser adequada à capacidade dc resposta do novo magistrado c à exigência que sc lhe faz cm cada momento.

Suponho que, ultrapassado o preconceito que tinha razão dc ser há uns tempos atrás, restaurar uma distinção deste tipo nas comarcas dc 1.' instância não é mais do que consagrar aqui o que já está consagrado no estatuto. Aliás, suponho também que ele tem efeitos positivos que anulam largamente esses eleitos eventualmente negativos que, neste momento, sc supõe serem mais preconceituosos do que dc outra natureza.

Apesar dc tudo, já lenho algumas reservas, embora perceba a intenção, quanto ao artigo 19.", onde sc fixam as novas alçadas, c adiantaria, inclusivamente, um raciocínio que reflecte uma posição um pouco cm cima do acontecimento, cm que não houve uma total reflexão, pelo que não é dogmático nem definitivo. Dc facto, embora possa

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parecer-vos estranho, nós optaríamos por manter a alçada da relação, isto é, admitimos os 2500 contos na alçada da relação, mas baixaríamos a alçada da 1.* instância para 500 ou 600 contos.

É evidente que poderão dizer que haveria depois um desfasamento muito grande entre a alçada da 1.* instância e a alçada da relação, mas nós entendemos que esse desfasamento é justificado porque parece que o 1.° grau dc recursos 6 sempre dc admitir c, portanto, o número dc possibilidades dc o cidadão ver os seus interesses reapreciados uma vez por um tribunal superior deve ser, dc certo modo, a regra. Assim, o facto dc se subir já significativamente os actuais 120 contos para 500 ou 600 contos permitiria uma actualização que levaria algum tempo.

Entendemos também que o recurso para o Supremo Tribunal dc Justiça deve ser, dc facto, limitado a questões que tenham um interesse bastante mais sólido c bastante mais definitivo. Por isso, não vos seja estranha a possibilidade dc dar um salto qualitativo c quantitativo tão grande entre, por exemplo, os 500 contos — sc aí viesse a lixar--sc a alçada dc 1.* instância— c os 2500 contos previstos para o Supremo Tribunal dc Justiça. Todavia, na nossa perspectiva, este é um preceito que, repito, sendo evidentemente bem intencionado na sua precisão, talvez não deixe dc merecer alguma reflexão c, porventura, alguma revisão.

No que respeita aos assessores que agora farão parte dos quadros do Supremo Tribunal dc Justiça c que estão previstos no artigo 35.9, também não temos nenhuma reserva quanto à possibilidade dc o Supremo Tribunal dc Justiça vir a ser assistido por assessores; mais do que isso, nós entendemos que o facto dc a lei prever a participação dc assessores na recolha dc elementos necessários ao exame c à decisão dos processos no Supremo Tribunal dc Justiça será apenas um primeiro passo para aquilo que nós entendemos ser o ideal que será a previsão dc assessores também para os tribunais da relação, os tribunais dc círculo c ate, eventualmente, para os tribunais dc acesso final.

Já agora, sc permitem, fazia rapidamente um parêntese, pois entendo que há que fazer uma reformulação da própria Lei Orgânica das Secretarias Judiciais c, como estou a emitir uma opinião pessoal, gostaria dc a assumir como tal. Creio que, dc uma vez por todas, seria necessário reformular a perspectiva dc organização das secretarias judiciais dc tal maneira que os tribunais sc analisassem um pouco numa concepção empresarial no sentido dc terem pessoal dirigente, pessoal técnico c pessoal administrativo, visto que actualmente o juiz c o delegado procurador da República exercem actividades que inequivocamente não deviam caber na área das suas atribuições.

Por outro lado, não creio que a solução do secretário judicial seja a melhor solução, embora pontualmente ela pudesse funcionar. A solução adequada seria, sim, a da existência dc um quadro técnico, constituído, evidentemente, por técnicos juristas, que progressivamente, nas várias instâncias, trabalhariam preparando os processos para a intervenção do magistrado judicial.

Daí que, cm lermos gerais, seja dc aplauso a forma como o Centro dc Estudos Judiciários sc coloca diante deste artigo 35.8, embora sc conteste a forma dc escolha c dc preenchimento deste lugar. Em nosso entender, embora isto fique sujeito a uma reflexão mais profunda c mais ponderada, esles assessores não deviam ser magistrados.

Digo isto por vários motivos. Por um lado, porque a entrada destes assessores como não magistrados seria, dc facto, o primeiro passo para a constituição dc uma carreira técnica que, evidentemente, não seria preenchida pelos magistrados, sob pena dc estarmos a criar depois um con-

flito interno quanto à própria estrutura das carreiras de apoio aos serviços judiciários. Por outro lado, porque o facto dc sc tratar dc magistrados não deixará dc ser pelo menos um risco que é o dc estes assessores sc transformarem progressivamente nuns pré-julgadores e, portanto, não fazerem apenas um trabalho dc recolha e de apoio, mas começarem a antecipar a própria decisão e começarem a apresentar o projecto dc decisão. Finalmente, porque seria uma realidade com alguma perversão dentro da própria magistratura que iria criar uma competitividade para ascender a lugares desta natureza c, no fundo, haveria aqui a constituição dc um certo dclfinato relativamente ao acesso posterior ao Supremo Tribunal dc Justiça que se deveria evitar.

Para além disso, entendemos que é bastante significativo o facto dc o n.' 2 deste artigo dizer que estes assessores serão juízes dc direito que serão escolhidos de entre juízes com mais dc dez anos dc antiguidade e classificação de Muito bom. tendo cm conta que o trabalho que vão exercer c o recolher elementos necessários ao exame c decisão dos processos num tribunal que julga dc revista, o que revela que a grande importância que sc continua a dar ao magistrado é a que resulta da sua qualidade técnico-jurídica. Nós entendemos que, cada vez mais, o magistrado é hoje um composto dc formação técnico-jurídica e dc conhecimento cultural da realidade que o permite levar a um correcto julgamento da matéria de facto, pois também entendemos que é no julgamento da matéria dc facto que está a distinção entre a boa c a má justiça que entre nós sc faz.

Por isso, não nos parece que esta norma seja, enquanto pedagógica, uma norma que vai nessa linha. Embora apoiemos a existência dc assessores que, mais tarde, sc estenderiam aos tribunais dc relação c a tribunais dc l.! instância, pensamos que cies deveriam ser recrutados um pouco à maneira do que acontece com os assessores do Tribunal Constitucional c não dc entre magistrados judiciais ou do Ministério Público.

Relativamente ao tribunal colectivo previsto no artigo 48.9, lemos algumas reservas apenas quanto ao n.9 4 deste artigo que icm a ver com a nomeação do presidente do tribunal colectivo pelo Conselho Superior da Magistratura. Aliás, esla reserva prende-sc um pouco com o que veremos, mais larde, no artigo 103.9, quanto às nomeações, cm comissão dc serviço, para os tribunais dc círculo, pois nós preferíamos que o tribunal colectivo fosse presidido pelo juiz do processo.

No fim dc contas, este tribunal dc círculo é constituído normalmente por ires juízes titulares do próprio tribunal c cada juiz tem o seu processo pela forma dc distribuição que a própria lei consagra. Como não há diferença dc categoria entre cies, entendemos que, cm cada caso, o presidente do tribunal colectivo deve ser o juiz do próprio processo, c não um juiz dc entre eles ou um outro juiz a nomear pelo Conselho Superior da Magistratura com critérios que não estão directamente plasmados aqui na lei c que, portanto, não sc conhecem objectivamente. Por outro lado, sc sc adoptasse a solução dc que o presidente do tribuinal colectivo seria o juiz do processo, seria desnecessário depois o n.9 5, segundo o qual, na falia do presidente, o tribunal é presidido pelo juiz do processo.

Ainda a propósito do tribunal dc círculo, gostaria dc citar o artigo 51.9 da proposta dc lei c peço-vos desculpa por não vos dar uma indicação cm termos, inclusivamente, dc terminologia, mas depois explicarei por que o faço. Embora o texto actual do n.9 2 deste artigo diga que os tribunais dc círculo poderão funcionarem juízos especial izados quandoo

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volume e a complexidade do serviço o justifiquem, nós diríamos que isso poderia acontecer quando o volume, a complexidade do serviço c a natureza deste o justificassem. Somos desta opinião porque, também cm relação ao n.g 3 do mesmo artigo, cm vez de dizer que os juízos especializados dos tribunais de círculo se designam, respectivamente, por varas c juízos penais, nós diríamos também que os juízos especializados dos tribunais de círculo se designam, respectivamente, por varas, juízos de menores c de família e juízos penais, conforme compreendam matéria civil, de menores, de família ou penal.

Isto é, nós admitiríamos a possibilidade de haver tribunais de círculo especializados para o domínio dos menores c da família, situação que não está prevista aqui na lei. Aliás, o facto de a criação dc tribunais especializados resultar apenas do volume, da complexidade do serviço c dc o n.* 3 falar apenas cm varas para juízos cíveis c juízos penais parece deixar excluída a possibilidade dc se criarem tribunais dc círculo dc competência especializada para a área dos menores c da família que hoje são cada vez mais necessários.

Já agora, uma vez que estamos a falar cm matéria dc menores, daria cm salto lógico c chamaria a atenção para o que está previsto no artigo 61." Embora, mais tarde, o Sr. Dr. Armando Leandro possa expor com mais pormenores a nossa posição sobre o assunto, gostaria dc salientar que a competência dos tribunais dc menores aqui prevista nos deixa reservas quanto ã antecipação da competência desses tribunais para os 9 anos dc idade. Dc facto, entendemos que ela deve manicr-sc nos 12 anos, tal como acontece agora, devendo encontrar-se outras soluções comunitárias para este tipo dc jovens.

É evidente que achamos que, nas ressalvas previstas no n.e 3, a intervenção pode ter outra natureza, mas, dc qualquer forma, como princípio, este abaixamento da idade para os 9 anos não nos parece correcto, pois, hoje, há cada vez mais apelo ü intervenção c à responsabilização da comunidade neste tipo dc matéria, pelo que seria um retrocesso reduzir para 9 anos a idade para a atribuição dc competências dos tribunais dc menores.

As soluções podem ser as dc comissão dc protecção que já foram tentadas anteriormente, ou outras quaisquer, mas sempre no seio da comunidade com a participação c o empenhamento desta e não num cada vez maior distanciamento da comunidade com uma intervenção judiciária um pouco à maneira dc Kafka, desinteressando, por efeito negativo, a intervenção da própria comunidade.

Passando para o artigo 74.", devo dizer que encontramos aí os tribunais dc pequenas causas c mais uma vez, tal como aconteceu cm alguns preceitos anteriores, a nossa posição é a dc concordância com o princípio c dc algumas reservas quanto à maneira como ele está formulado, pois o nome não nos parece muito feliz, embora devamos confessar que não trazemos nenhuma alternativa para esta designação. Todavia, creio que valeria a pena reflectir sobre cie, porque o tribunal dc pequenas causas pode ter logo um estigma negativo quer quanto ao magistrado que exerce funções — que poderia ser ultrapassado pelos argumentos que invoquei há pouco, não deixando, contudo, dc ser um estigma — quer quanto ao próprio significado dc causa.

Isto não significa que estas pequenas causas não tenham uma expressão social importante, porque, se não a tivessem, não seriam previstas pelo direito c ficariam atribuídas a outro tipo dc normas dc conduta c dc comportamento que não fossem jurídicas. Sc o direito as prevê, c porque não são pequenas no sentido dc não terem significado, pelo que haveria que encontrar outra designação

para este tipo dc tribunais. Concordo que eles não sc chamem tribunais dc bairro, pois isso poderia vir a suscitar algumas intervenções jocosas, nomeadamente quanto à designação do juiz, que seria, por exemplo, o juiz do Bairro Alto, o juiz dc Alfama, etc. Portanto, essa não será a designação mais adequada, mas dc qualquer maneira parece que valeria a pena procurar outra designação.

Por outro lado, parece que a lei deveria dizer qual o local ou qual a zona onde estes tribunais devem actuar, ou onde devem ser instalados, coisa que não acontece. Creio que também valeria a pena ir um pouco mais longe na definição das próprias causas que estes tribunais julgariam e não dizer apenas causas que, «pela forma dc processo utilizada c pela simplicidade das matérias que estejam em causa, não justifiquem a intervenção dos restantes tribunais judiciais». No fundo, tudo isto é muito abstracto, muito amplo c conviria que fosse um pouco mais objectivado nesta proposta dc lei.

Finalmente, abordaria o artigo 103.a da proposta dc lei, cm relação ao qual temos algumas reticencias. Compreendemos que cie tem um objectivo e uma intenção que é dc aplaudir, mas cremos que, dc qualquer maneira, este modo dc preenchimento destes lugares previsto neste artigo 103.9 vai ao arrepio daquilo que é a tradição do regime democrático da organização judiciária portuguesa. No fundo, a nomeação dc juízes para tribunais dc círculo, com a importância que nós lhes atribuímos, em comissão dc serviço por três anos renovável vai criar uma situação dc instabilidade psicológica no próprio magistrado, colocando-o, ainda que teoricamente, numa área dc possível dependência.

Notc-sc que a própria instabilidade psicológica dc quem não sabe sc sc mantém ou não, sc vai continuar ou não, não sc adequa àquilo que é, no fundo, a exigência dc serenidade c dc estabilidade do magistrado. Como também entendemos que os magistrados destes tribunais devem ser recrutados dc forma a darem garantias dc qualidade técnico--jurídica, éramos capazes dc propor que a sua nomeação não fosse feita cm comissão dc serviço, mas sim como uma nomeação normal para tribunais de círculo que tivesse como condicionante três requisitos essenciais. O primeiro desse requisitos seria o da exigência dc dez anos dc exercício, o segundo seria o da exigência dc duas classificações dc Bom com distinção, classificações essas sucessivas c últimas, c o terceiro seria o da exigência de recrutamento dc acordo com as regras da antiguidade. Isto é, sempre que surgisse uma vaga cm tribunais de círculo, seria chamado o magistrado mais antigo que tivesse nas duas últimas inspecções a classificação dc Bom com distinção.

Creio que as duas classificações já dariam uma garantia dc estabilidade c dc qualidade que uma só eventualmente pode não dar, os dez anos dc exercício dariam a garantia dc experiência c o facto dc serem escolhidos os mais antigos dava, no fundo, a garantia dc projecção dc carreira por via da antiguidade desde que fosse garantida essa qualidade que era dada pelas duas classificações sucessivas de Bom com distinção.

Poderá dizer-sc contra isto que nada nos garante que esse magistrado não venha, enquanto juiz do tribunal colectivo, a perder qualidade, mas isso é um risco que nós iremos encontrar ao longo dc toda a carreira, visto que nada nos garante que um juiz desembargador ou um juiz conselheiro não venha a perder qualidade depois dc nomeado como tal. Ju/go que, no fundo, uma medida destas pcmWa uma progressão cm termos dc carreira e garantia a estabilidade,

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nâo deixando as nomeações na dependencia de um órgüo administrativo que simultaneamente classifica c renova ou não as comissões de serviço dos respectivos magistrados.

É óbvio que nao é necessário dizer que isto nüo envolve qualquer crítica ao Conselho Superior da Magistratura, pois estamos a falar em termos puramente abstractos c nüo cm termos concretos.

Evidentemente quo sempre que houvesse empate, quer em termos de antiguidade quer cm lermos de classificação, preferir-se-ia sempre o melhor classificado.

Srs. Deputados, esta era a nossa intcrvcnçüo cm lermos muito gerais c superficiais, que, no fundo, linha mais o objectivo de introduzir o debate do que, como vos disse inicialmente, fazer uma análise exegética da proposta dc lei que nüo estaríamos evidentemente cm condições dc fazer. Daí que cu terminasse voltando a renovar o nosso agradecimento c eolocande-nos à vossa disposição.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Director de Estudos do Centro dc Estudos Judiciários.

O Sr. Director de Estudos do Centro de Estudos Judiciários (Dr. Armando Leandro): — Sr. Presidente, gostaria apenas dc prestar uns esclarecimentos complementares sobre os tribunais dc especialidade dc menores e dc família. Relativamente aos tribunais dc círculo especializados cm matéria dc família/gostaria dc dizer que eles süo uma necessidade social cada vez mais sentida.

Notc-sc que, na semana passada, estivemos num colóquio cm Coimbra, no qual a criaçüo dos tribunais dc família nos locais cm que a incidencia problemática era maior foi vivamente defendida por todas as pessoas presentes, visto que é necessário chamar a alcnçüo da comunidade para os seus jovens c para as suas crianças.

Relativamente ao facto dc a airibuiçüo dc competência dos tribunais dc menores se situar entre 9 c os 16 anos, creio também que isso seria um retrocesso na evolução da forma como esses problemas têm sido abordados, pois hoje cada vez se fala mais na necessidade do empenhamento comunitário, através dos seus representantes, para a rcsoluçüo desses problemas, que süo também cada vez mais complexos.

Há quem diga que as comissões dc protecção falharam, mas cu nüo estou dc acordo com esta ideia, porque a experiência das comissões dc protccçüo nüo foi ainda devidamente explorada c suponho que faltam mesmo alguns elementos como, por exemplo, os representantes das autarquias, dos centros regionais da Segurança Social, etc, que deveriam fazer parte dessas comissões. Comissões essas que deveriam ser mais regionalizadas para haver uma consciência mais completa c mais global dc cada rcgiüo, o que permitiria uma intcrvcnçüo com unitária mais adequada c mais coordenadora. Sc estas comissões trabalhassem cm colaboração com os tribunais regionais dc família c dc menores, isso levaria, sem dúvida, a uma grande melhoria deste sector.

O Sr. Presidente: —Muito obrigado pela sua expo-siçüo.

Tem a palavra o Sr. Dcpulado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS):—Quero, antes dc mais, agradecer a vossa colaboração, que é preciosa.

Entendo, como VV. Ex.as, que a pedra dc loque deste diploma está na criaçüo dos tribunais dc círculo. Eu, que sou advogado há muitos anos, tenho uma perspectiva diferente da dos magistrados, o que nüo é para estranhar.

Peço desculpa pela posiçüo que tomarei e que é diferente da vossa, mas é ditada pela minha própria experiência e creio que mais justa. Temos de testar as afirmações dc ambas as partes para chegarmos a uma conclusão.

Entendo que as vantagens da justiça ao pé da porta se sobrepõem largamente às vantagens que adviriam deste sistema. Este sistema pode ser a transcrição para Portugal de sistemas que existem cm legislações de outros países, mas o nosso actual sistema foi testado durante muitos anos, temos uma larga experiência dc tribunais dc corregedores, portanto dc circunscrições mais alargadas do que simples comarcas, e temos uma outra experiência anterior, dc tribunais colectivos formados dc outra maneira mas que funcionavam sempre junto dos interessados.

Vejo neste nosso actual sistema uma vantagem muito grande, pois nüo süo só as partes que esülo perto dos tribunais que hüo-dc julgar as suas questões como süo também os tribunais que estuo perto das questões. Ainda hoje é frequente, diria quase sistemático, nas acções cíveis que versem sobre matéria, por exemplo, de direitos reais, dcslocarcm-sc os tribunais ao local para apreciar os problemas, tal c qual como os advogados fizeram antes de proporem as respectivas acções ou de as contestarem. Muitas vezes até acontece que uma deslocação não chega, é preciso fazer outra c, como se está perto, vai-se lá. Os tribunais deslocam-se c as partes também.

Num tribunal dc círculo já é mais complicado. As sedes dos tribunais ficam longe dos locais onde as questões se passam c isso obrigará a maiores despesas dc deslocação. Entre as despesas para os juízes ou as despesas para as partes, cu encarreiro o meu pensamento no sentido dc favorecer as partes, porque me parece que o interesse da justiça é naturalmente satisfazer os interesses daqueles que se apresentam nos tribunais. Além da deslocação das partes, há a deslocação das testemunhas. Estas, se ficarem a 5, 6, 7 km, dcslocam-sc facilmente, até dc bicicleta motorizada, mas, se tiverem dc sc deslocar a 100 km, já não o farão.

Com este problema prende-sc um outro: esta proposta dc lei parccc-sc cm muitos aspectos com uma proposta dc lei dc autorizaçüo. Fica tudo ou quase tudo reservado para o decreto regulamentar que está previsto no artigo 102.° Naturalmente que VV. Ex.« nada têm a ver com isio, trata-se dc um problema que o Governo coloca c que temos c encarar tal como ele é apresentado, mas, sc tivéssemos acesso a esse decreto regulamentar que, ao fim c ao cabo, irá entrar cm vigor simultaneamente com esta proposta dc lei, poderíamos ajuizar dc todos os cambiantes do diploma. Isto prcndc-sc, neste momento concreto, com os tribunais dc círculo. Quais süo os tribunais dc círculo? Como é que sc criam? Quantos serão? Onde se localizarão? É muito importante saber isso.

Outro dia ouvimos o Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura dizer que possivelmente seriam 50 ou 60 ou 70. Bem, mas isso só não chega. Quantos ficarão cm Lisboa? E no Porto? Quantos ficarão no rcsio da província? É muilo importante saber isto porque assim poderemos saber qual é a densidade dos tribunais c apreciar a área que cada um deles cobrirá na província. Em Lisboa é perto, toda a geme fica situada junio do tribunal, portanto, nesse caso não haverá dificuldades, o mesmo acontecendo no Porto, cm Coimbra ou mesmo cm Braga. Mas, sc nos alargarmos para o resto do País, como irá ser? Em Bragança? Na Guarda? Em Viseu? No Alentejo? Nesses sítios há distâncias longas a percorrer pelos interessados. Como é que isso sc irá processar? A dificuldade desta proposta dc lei começa logo por aqui. Há dificuldades quer

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para as testemunhas quer para os peritos. Muitas vezes é preciso levar peritos c lá vão eles para as sedes dos tribunais de círculo.

Contra esses tribunais lambem se pode utilizar outro argumento que 6 o seguinte: se formos localizar os tribunais de circulo só cm cidades ou meios grandes, iremos dar um benefício, uma «prenda de anos» aos advogados que exercem a sua função na sede desses tribunais de círculo, pois as partes terão tendência a arranjar um advogado no local onde o tribunal funcionar. Mas isso ainda 6 o que tem menos importância.

Quanto aos argumentos apresentados pelo Sr. Dr. Laborinho Lúcio, pois têm importância c uns terão mais do que outros. Por exemplo, o dc os serviços dc informática poderem localizar-sc nos grandes centros: será mesmo nos grandes centros? Tudo depende do decreto regulamentar. Os tribunais dc círculo localizar-sc-ão só nas capitais dc distrito ou lambem nas vilas? Mas, se assim for, como 6 que esses serviços dc informática irão para lá? E por que não para os outros tribunais? Não poderá haver extensão dos serviços, nomeadamente terminais, que permitam que os próprios tribunais dc comarca possam ser servidos pela informática?

Quanto aos institutos dc medicina legal, podem localizar--sc nas sedes dos distritos, mas, se formos criar tribunais dc círculo noutras terras, não lemos nada que diga respeito aos institutos dc medicina legal a não ser os delegados concelhios, os médicos, que, ao fim c ao cabo, são os que irão funcionar como peritos. Quanto à Polícia Judiciária, passa-se o mesmo. Pode haver Polícia Judiciária nas sedes de distrito, mas já não numa comarca interior onde se venha a localizar um tribunal dc círculo.

Por todas estas razões parccc-mc haver argumentos importantes. A criação dc tribunais dc círculo com a obrigação dc as partes, as testemunhas c os peritos se deslocarem a essas sedes será vantajosa para o Estado, pois este terá menos despesas. Os juízes estarão sediados, portanto não terão dc se deslocar, não terão ajudas dc custo, etc. No entanto, cm compensação, irão aumentar gravemente as despesas das partes que lerão dc fazer essas deslocações. Entre o interesse do Estado visto por esse prisma c o interesse dos cidadãos, votarei mais pelo interesse dos cidadãos.

Também foi aqui referido o problema das alçadas. Achei interessante c razoável a sugestão avançada pelo Sr. Dr. Laborinho Lúcio quanto à hipótese dc sc fixar a alçada dos tribunais da relação cm 2500 contos c a dc baixar a dos tribunais dc l.* instância para 500 contos, embora sc possa sempre dizer que, sc neste momento existe desproporção entre 120 e 400 contos, a desproporção futura entre 2500 c 500 comos passará a ser muito maior.

Claro que isto não significa nada c cu compreendo perfeitamente que os tribunais superiores só sc debrucem sobre processos dc valor muito importante c que as partes possam ver os seus interesses mais protegidos sc diminuírem o valor da alçada dos tribunais dc 1.' instância. Portanto, concordo com a sugestão apresentada.

Quanto aos assessores, o problema já aqui foi levantado c houve quem defendesse a sugestão dc que estes não deveriam ser apenas juízes, mas também assistentes da Faculdade dc Direito c advogados dc reconhecida probidade. O Sr. Dr. Laborinho Lúcio sustenta que não deveriam ser magistrados —exclui-os logo à partida— pelo risco dc serem pré-julgadorcs. Concordo inteiramente com isso, mas penso que esse argumento é um pouco perigoso na medida cm que sc poderá dizer que, sc podemos considerar os magistrados pré-julgadorcs, também podemos considerar pre--julgadorcs os juristas que não são magistrados c, nesse

caso, ao fim c ao cabo, correríamos o risco dc atribuir o pré--julgamcnlo a pessoas que nem sequer magistrados são.

Este argumento pode ler alguma importância, embora eu também reconheça que o lugar dc assessor não se deva limitar a magistrados. Mas poder-se-ia encontrar uma solução intermédia no género da que já foi apresentada c que é a que propõe que os assessores possam ser, além de magistrados, assistentes da Faculdade de Direito e advogados.

Tinha ainda outras questões a colocar, mas, por enquanto, ficarei por aqui.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra a Sr.5 Deputada Odete Santos.

A Sr.8 Odete Santos (PCP): — Muitas das questões que cu queria colocar já foram expostas pelo Sr. Deputado Armando Lopes, nomeadamente cm relação aos tribunais dc círculo. Penso que uma das grandes dificuldades está no facto dc sc atirar tudo para um decreto regulamentar sem que tenhamos conhecimento do seu conteúdo, embora pareça que cie já está preparado.

Com um sistema dc justiça como este, longe da porta, iremos correr um grande risco. Sobre os tribunais colectivos impende já um odioso que advém do sistema da oralidade pura c que tem contribuído para que através dos tempos estes tribunais tenham sentido duras críticas.

O facto dc ficarem longe das pessoas será um factor acrescido nesse odioso. Penso que os locais onde exerço a advocacia aló nem serão dos sítios onde haverá mais dificuldades dc transporte, mas faço notar que para sc ir do Torrão, que pertence neste momento ao círculo dc Setúbal, a Setúbal, uma testemunha lerá dc se levantar às cinco c meia da manhã, depois pagar cm transportes c alimentação — ida c volta — à rala dc 4 contos, c regressar antes das 19 horas, que é quando tem o úllimo autocarro. Sc o julgamento não for efectuado no dia marcado, terão dc repetir lodo este percurso, o que representará para as parles uma oncrosidade extraordinária. Sc colocarem o Torrão no círculo dc Santiago do Cacém, ainda será pior.

Por tudo isto, não sou adepta da solução preconizada na proposta dc lei. Além disso, com a dificuldade que existe neste momento, cm termos dc funcionários judiciais capazes — há alguns mas não têm preparação — há muita dificuldade cm trabalhar nos tribunais, há citações muito mal feitas, etc. Também não sei dc que maneira poderá haver resposta à criação destes tribunais com um quadro dc pessoal próprio. Tenho muitas dúvidas acerca disso.

Creio que o Sr. Dr. Laborinho Lúcio disse que o facto dc os tribunais estarem ao pé das pessoas poderia provocar efeitos perversos. Não sei sc isso significa que inccnüva o recurso ao tribunal por tudo c por nada. Pela minha parte, penso que o facto dc os tribunais estarem longe das pessoas tem o efeito perverso dc muitas das relações sc passarem na mais plena antijurisdicidade: as pessoas não vão a tribunal c resolvem os problemas à sua maneira.

Não me debruçarei sobre os tibunais dc pequenas causas, uma vez que concordo com as afirmações que foram feitas. A proposta dc lei não indica exactamente o que c este tribunal dc pequenas causas — tenho bastante dificuldade cm entender o que será —, mas cm relação à questão das alçadas atrever-mc-ia a dizer que mesmo a alçada para o tribunal da relação é muito grande c irá onerar imenso os preparos c as custas, nomeadamente cm acções que estão extremamente vulgarizadas como indicam os dados estatísticos c que são as acções dc divórcio, que terão

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aumento de preparos na ordem dos 67 %. Isso fomentará muito o recurso à assistência judiciária, que ainda por cima é um sistema também a precisar dc ampla reformulação. Parece-me que, mesmo assim, o valor da alçada é exagerado.

Por outro lado, gostava dc ouvir a opiniüo do Sr. Doutor. Julgo que o artigo diz que este valor das acções se aplica já aos processos pendentes. Sc assim for, tudo isto será uma coisa nunca vista c irá frustrar as expectativas das pessoas que propuseram acções quando ainda era admissível recurso para o Supremo Tribunal dc Justiça c que com esta disposição verão frustrada essa expectativa.

Em minha opinião, essa solução é altamente criticável, independentemente dc sc estudar algum aumento dc alçadas.

Relativamente à questão dos tribunais colectivos, estive presente numa reunião dc magistrados judiciais cm Santiago do Cacém c vi que eram favoráveis ao sistema da dupla corregedoria, mas uma das coisas por que batalharam muito foi a questão das comissões dc serviço por três anos. Parccc-mc que isto coloca o juiz na possibilidade dc ser afastado por motivos que não sejam apenas técnicos. Pelo menos coloca-os na posição dc não terem um vínculo estável. Por outro lado, penso que para sc ser juiz da relação é apenas necessário a classificação dc Bom, mas neste exige--sc o Bom com distinção. Por que razão para estes juízes se há-dc exigir o Bom com distinção c para os outros apenas o Bom?

Outra questão que queria colocar tem a ver com as classificações dc comarcas. Estas três comarcas vêm já no Estatuto dos Magistrados Judiciais c nós opusemo-nos a isso. Mas agora o que gostaria dc saber é sc à formulação dada no artigo ll.9 quanto à categoria das comarcas, permitindo que a classificação seja feita pelo Ministro da Justiça, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura c a Procuradoria-Gcral da República, não seria preferível que o parecer do Conselho Superior da Magistratura fosse vinculativo c ouvida a Procuradoria-Gcral da República.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho dc Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): — Sr. Presidente, antes dc mais queria apresentar os meus cumprimentos ao Sr. Dr. Laborinho Lúcio pela sua presença c colaboração.

Vamos ter dc nos pronunciar sobre esta proposta dc lei. Não cabe ao CEJ essa responsabilidade — tem outras — c portanto certo tipo dc crítica que até poderia ser oportuna, pelas circustâncias cm que nos encontramos, acaba por não ser. Mas isso não significa que, até para reflexão mútua, não deixemos dc fazer ligeiras considerações prévias.

Este diploma enferma à partida daquilo que poderemos considerar desvios dc princípio: é vago — por um lado, não está regulamentado tanto quanto seria necessário c, por outro, dcscnvolvc-sc cm condições dc grande preocupação. Tivemos já oportunidade dc salientar que as grandes linhas dc orientação são dc disjuntiva. Diz-se «pode-sc fazer isto», «pode-sc», «pode-sc». Há uma série dc situações que começam por ser a primeira grande razão dc preocupação.

Mas, independentemente disso, o artigo 103.9 vem reforçar estes receios, estas preocupações. Fala, inclusivamente, na entrada cm vigor dc alguns dos preceitos. Quer dizer, as dúvidas, a insegurança, a incerteza, a falta dc dados para sc trabalhar um juízo fundamentado agravam-sc substancialmente nestas circunstâncias. Creio que isto será

uma preocupação para todas as pessoas que andam envolvidas na resolução dos problemas da justiça cm Portugal.

Nesta altura não temos elementos que nos permitam prespectivar a forma dc aplicação c dc desenvolvimento do diploma. Não é ao CEJ que vamos pedir essas informações. Simplesmente, se as estamos a adiantar, é única e exclusivamente por uma questão de cooperação recíproca para uma reflexão cm comum.

Há várias perguntas que quero dirigir ao Sr. Dr. Laborinho Lúcio, como representante do CEJ, que entendo poderem ajudar a esclarecer ou a reforçar as nossas dúvidas e preocupações. Uma das questões fundamentais é a dos tribunais dc círculo, Neste aspecto do diploma não podemos deixar dc verificar a incidência ou a repercussão dc todas estas ambiguidades c indefinições. Isso concretiza-se no seguinte: haverá, possivelmente, 50, 60 ou 70 tribunais dc círculo, o que significa que, por um lado, ficamos com a consciência relativamente descansada quanto à circunstância dc não haver uma adequação dos círculos aos distritos, mas, por outro lado, ficamos com esta grande dúvida, pois entre 50 c 70 vai uma grande diferença.

Por outro lado, creio que só a comissão revisora está cm condições dc fornecer os dados e cu não sei sc o CEJ terá, porventura, elementos que lhe permitam fundamentar a sua própria convicção de que esta solução será melhor do que a da itincrância.

Sc assim for, gostaria dc saber sc haveria possibilidades dc nos fornecer elementos acerca do critério que irá presidir à distribuição geográfica desses tribunais, ao faseamento da própria instalação, à forma como ela sc irá processar dentro da disponibilidade dc meios quer financeiros quer logísticos quanto a uma possível cooperação, inclusivamente dc autarquias, ou sc, no fundo, está, como nós, confrontado com uma situação que tem ainda muito dc vago c que nos obriga a um juízo dc abstracção que é perigoso.

Estamos convencidos dc que há princípios, que até podíamos admitir como bons, mas a verdade é que, nestas circunstâncias, deles sc pode fazer um mau uso. É esta a nossa preocupação. Podemos discutir sc a itincrância deve prevalecer sobre a outra solução e até poderemos chegar a soluções teóricas que tanto podem dar para um caso como para outro, mas perante a falta dc dados lenho sérias preocupações. Por exemplo, o caso do distrito dc Viana do Castelo. Diz-se que sim, que sc tende a harmonizar e a aproximar as soluções deste país com soluções que têm já uma longa tradição lá fora no estrangeiro. Em relação a isso, respondo que há que acautelar as próprias soluções internas que não podem deixar dc reflectir aquilo que é uma situação dc fundo, dc estrutura c que condiciona a aplicação dc qualquer lipo dc critério. Digo isto cm termos de assimetrias: as assimetrias têm também aqui a sua própria reflexão, nomeadamente com o problema dos transportes, das deslocações, da própria riqueza — ou pobreza — média local.

Tudo isto tem muita importância. Por exemplo, cm Viana do Castelo, uma distância dc 20 km para norte representa qualquer coisa como 70 ou 80 km onde há uma aulo-csirada, onde há estradas cm linha recta, transportes permanentes, etc. Para percorrer 70 km dc comboio são necessárias quatro horas! Um indivíduo que entre num comboio um Monção chega a Viana depois dc quatro horas dc viagem. Na estrada dc Valença para Monção ou dc Monção para Melgaço há, pelo menos, uma centena dc curvas, neve no Inverno c por aí adiante.

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Claro que islo icm oulro lado, que 6 o das facilidades do transporte da justiça. Também é um encargo para os magistrados, um grande sacrifício que terá repercussões cm termos da qualidade, da eficiência c até das facilidades da justiça. Mas nüo há dúvida dc que, sc isso nüo for acautelado — c nüo sei sc nesta altura o CEJ possui alguns elementos que ajudem a esclarecer esta preocupação —, lor-nar-sc-á num caso muito sério, nomeadamente cm termos de ónus, dc responsabilidade e dc custos. É necessário ter em conta também os chamados custos indirectos e saber o que significa, por exemplo, a deslocação dc um grupo dc testemunhas, dc dcclarantcs, dc interressados para uma comarca que fica a 50 ou 60 km, numa zona cm que os meios dc transporte süo maus c correndo, ainda, o risco de aí terem dc ficar para o dia seguinte. É evidente que tudo isto se vai repercutir no próprio custo social da acçüo.

Era exactamente sobre estes considerandos que gostava que o CEJ sc pronunciasse, uma vez que penso que lerá elementos que lhe permitem encarar com certo optimismo a adopçüo deste critério.

Finalmente, queria dizer que nüo pude csiar presente mais cedo, mas creio que sc terá falado nos efeitos perversos dos assessores magistrados...

A Sr.8 Odete Santos (PCP): — Falou-se nos efeitos perversos da proximidade dos tribunais.

O Orador: — Eniüo fiz confusüo. Penso que o Sr. Deputado Armando Lopes falou no argumento reversível do pré-julgador, islo é, do risco que há cm os assessores sc tornarem pré-julgadorcs.

Ora, penso que, quando o Sr. Dr. Laborinho Lúcio chama a atenção para csic risco, o faz lambem cm funçüo daquilo que scrüo as funções dos próprios assessores e a delimitação do seu campo dc intervenção. Dc qualquer modo, agradecia-lhe que, sc fosse possível, sc pronunciasse sobre isso.

O Sr. Presidente: —Já agora, aproveito lambem para apresentar as minhas próprias questões.

Em primeiro lugar, queria perguntar ao Sr. Dr. Laborinho Lúcio sc, ao falar na categoria dc comarcas, sc referia às comarcas propriamente ditas ou, antes, à categoria dos tribunais, já que mc parece que é o que a nova lei consagra. Isto é, não sc rege tanto pela categoria da circunscrição mas, sim, pela do tribunal, o que revela uma filosofia um tanto diferente daquela a que estávamos habituados.

Quanto às alçadas, concordo com a sugestão que o Sr. Dr. Laborinho Lúcio deu, no sentido dc a alçada da relação descer para 500 a 600 contos. É que entendo que cm certas causas devia haver sempre possibil idade dc recurso. Já não digo, como outros colegas fazem, que lodo o processo deveria ser susceptível dc recurso, uma vez que sc assim fosse, teríamos dc ter talvez dez vezes mais juízes c tribunais.

Quanto aos assessores, lambem me parece que nüo sc deve circunscrever só aos magistrados judiciais, pelo perigo que tal pode acarretar.

Quer dizer, na prática, c cm muitos casos, esses assessores poderão transformar-se cm julgadores.

Todavia, como deu a entender o Sr. Dr. Laborinho Lúcio, entendo que os magistrados não devem ser excluídos.

Como disse o Sr. Deputado Armando Lopes, deviam ir buscar-sc juristas, quer fossem advogados, magistrados do Ministério Público, magistrados judiciais, assistentes ou professores das faculdades dc Direito.

Ainda a propósito dos assessores, também me parece que não deviam ficar só pelo Supremo Tribunal dc Justiça. Aliás, também não percebo por que é que a lei só prevê a sua existência relativamente às secções especializadas, exeluindo-as, assim, da chamada secção criminal.

Não foi aqui suficientemente esclarecido um oulro aspecto que é importante, sobretudo para aqueles que entendem que a pedra dc loque desta lei é a criação do tribunal dc círculo. Penso que o artigo 85.8 dá uma resposta satisfatória às dúvidas que aqui têm sido levantadas, uma vez que, segundo ele, cm regra, os tribunais funcionam na sede da circunscrição, embora nalguns casos — e explicita, pelo menos, dois — possam funcionar noutra área do círculo ou da comarca ou alé fora da própria circunscrição, no caso em que o desaforamento é possível.

Embora não tenha aprofundado este estudo, suponho que isto dará grande satisfação àquelas pessoas que entendem que a dificuldade das comunicações é o grande contra da cstaiuição do tribunal dc círculo.

Finalmente, gostava que me dissessem o que pensam acerca da manutenção das férias judiciais. Como sc sabe, é tradição portuguesa que haja férias judiciais cm Agosto c Setembro, na Páscoa c no Natal. Acontece que há muita gente que hoje contesta este privilégio dos magistrados c do pessoal ligado à administração da justiça, na medida em que hoje toda a gente usufrui dc um mês dc férias, e não dc dois. Aliás, estive a fazer as contas c verifiquei que, a continuar assim, os magistrados ficarão com 85 dias dc férias.

Efectivamente, não vemos que o trabalho dos tribunais sc prolongue pela noite fora, como acontecia há 20 ou 30 anos, dc forma a justificar estas férias. Pelo contrário, a tendência é hoje no sentido dc fixar uma certa contingentaçüo dc processos que cada magistrado deve resolver.

Agradecia, pois, que comentassem lambem esle aspecio.

O Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República: — Sc o Sr. Presidente mc permite vou começar por aquela que é, porventura, a questão que acaba por nos tornar solidários nas preocupações, embora possivelmente divergentes nas opiniões. Rcfiro-mc àquilo que consubstancia a grande modifeação que este diploma vem introduzir c que tem que ver com a criação dos tribunais dc círculo.

Há pontos cm que todos nós estamos dc acordo, nomeadamente o que foi referido pelo Sr. Deputado Armando Lopes, quando disse que considera mais importantes as despesas para as pessoas que as despesas para os juízes ou com a administração da justiça. Para nós também é assim, simplesmente as despesas, aqui, não existem pelo prazer que uns ou outros têm em gastar dinheiro num determinado dia do ano. Elas existem porque esse dinheiro vai ser investido nalguma coisa que sc vai tentar obter, c é aí que centro a minha alcnçüo, isto é, numa melhor administração da justiça c, portanto, num melhor produto final cm termos da sua administração. Nesta óptica, o investimento passa a ler uma natureza relativa que não tem à partida, quando fazemos as comas quanto a saber sc devemos investir mais na deslocação dos juízes ou na deslocação das partes. O investimento é dirigido ao resultado final, que é uma melhor justiça a administrar aos cidadãos, c é aí que devemos atcniar, justamente porque assim respeitamos, dc uma forma porventura mais profunda, aquilo que é a despesa investida por cada uma das partes ou das pessoas que têm dc sc deslocar ao tribunal.

O que acontece no sistema tradicional do juiz corregedor, do tribunal colectivo c da justiça ambulatória é que, no

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fundo, temos uma magistratura dc pessoas, mas sem organização. Isto é, os dois corregedores, constituindo a dupla corregedoria, são, quer queiramos quer não, juízes sem lugar, sem organização c sem um ponto estrutural dc apoio.

Sinto-me perfeitamente à vontade, porque, pessoalmente, sou contra o sistema dc ir ao estrangeiro para copiar c aplicar cá. Entendo que não devemos estar fechados às experiências exteriores, mas devemos caldeá-las com uma passagem profunda por aquilo que 6 a silhueta cultural da realidade portuguesa. No entanto, 6 preciso saber por que motivo é que, ao longo dc todos estes anos, mantemos um sistema que sc afastou muito dc outros, como, por exemplo, o francês, cm que sc caminhou muito para este tipo de tribunais.

Todos sabem melhor do que cu que, felizmente, a justiça portuguesa tem uma imagem que lhe vem da capacidade objectiva c dc independência dc estar no Mundo c na vida, mas muito estribada numa objectividade c independência que tem como suporte essencial a lei. Quer dizer, numa concepção positivista, legalista, formalista, normaiivisia, que, no fundo, aponta para um valor importante, que 6 o da segurança jurídica, mas que, dc alguma forma, tem sido exercida com algum padecimento ou entorse relativamente a uma justiça concreta. Essa justiça concreta ou 6 defendida, como o foi tradicionalmente, por todas aquelas escolas que conhecemos c que, com maior ou menor duraçüo, fizeram o seu tempo, mas que caíram cm desuso por incapacidade dc resposta, ou d defendida através dos novos modelos de administração dc justiça concreta, que passam por uma perspectiva interdisciplinar. Ora, a interdisciplinaridade supõe a interinstitucionalidade, o sistema c a organização.

A grande questão que, neste momento, sc coloca, sendo teórica, não deixa dc ser importante. Isto é, ou queremos, dc facto, passar para uma administração dc justiça que sc suporia cm traves mcsiras dc sistema c dc sistema organicamente estruturado ou vamos continuar a lazer apelo a valores que são incontestavelmente muito importantes na vida comunitária, social c individual, mas que muitas vezes não passam das intenções. Ou seja, vamos continuar a ter uma máquina judiciária que leva junto das populações, porventura com mais facilidade, um produto que, lodavia, está longe do produto optimizado, como hoje podia ser.

Evidentemente que os dois corregedores ambulatórios não são mais pessoas que tenham uma estrutura dc apoio que lhes permita cm cada momento ter o próprio trabalho do processo. Mais que isso, vamos ter a situação dc que cada vez mais há o juiz que não conhece o processo, que não o prepara nem acompanha c que surge apenas para o julgar a final. Trata-se hoje dc uma situação que, cm termos internacionais c também, creio, cm termos nacionais, sc deve superar. Compreendo que as críticas que colocaram, c que não deixam dc constituir para nós um motivo dc reflexão muito importante, lenham a ver essencialmente com a distância da justiça relativamente às populações. Aliás, a intervenção do Sr. Presidente vem na linha do que tinha dito inicialmente quando analisei os inconvenientes da dupla corregedoria. É que, quando sc defende a dupla corregedoria a favor das populações, pode dizer-sc que hoje o tribunal dc círculo também sc pode deslocar. Aliás, o artigo 85.8 preve-o expressamente c não argumenta com as despesas dc deslocação do tribunal, que podem ser superiores à despesa com a deslocação das partes. No cnianto, a lei diz expressamente que cia lerá lugar quando «conjugado com as dificuldades dc meios dc comunicação ou com outros factores atendíveis». E, nessa altura, será o próprio tribunal a dcslocar-sc. Mas será o tribunal no seu

todo: é o tribunal que dirigiu o processo, o tribunal com lodos os juízes, isto é, é o conjunto do tribunal estruturado na sua organização que vai ao local, ou porque o próprio local exige a sua presença, ou porque as dificuldades da deslocação ou a natureza específica da acção o exigem.

Portanto, creio que, de um lado, a lei, ao definir, do ponto dc vista filosófico e teorético, uma opção, o fez naquilo que me parece ter sido a melhor corrente dc decisão ncsie momento, c, por outro lado, ao dar-se conta das dificuldades do pomo de vista antropológico, sociológico, que a solução criaria, não deixou dc encontrar no artigo 85.fl a resposta que permite criar o equilíbrio entre aquilo que é um desejo teórico c aquilo que são as dificuldades dc implantar na prática a consecução desse desejo teórico.

Evidentemente que quando sc põe o problema dc direitos reais é óbvio que, havendo necessidade dc fazer o julgamento no local, é o tribunal que vai ao local fazer o julgamento.

O que sc pode dizer é que a experiência dos corregedores nunca foi posta cm causa, mas, infelizmente, há muita coisa na administração da justiça portuguesa que nunca foi posia cm causa c que talvez devesse sê-lo. Não estou a pensar cm qualquer tipo dc perseguições ou dc análises críticas sensórias. Aliás, creio — é um juízo pessoal, mas permilam-mc dizê-Io — que muiuis vezes perdemos muito tempo à procura dc culpa, quando devíamos concentrar à procura das causas. As culpas tendem sempre a ser subjectivadas e a porem-nos uns contra os outros, enquanto as causas, porque são objectivadas, normalmente deixam-nos no mesmo lado para analisar aquilo que nelas merece ser analisado cm lermos dc possibilidade dc mudança.

Ora, há muita coisa na administração da justiça portuguesa que deve ser reflectida c mudada. Sc vamos pegar no sistema legislativo dc organização judiciária c vamos arranjar um outro papel celofane que embrulhe o mesmo sistema, possivelmente ele brilhará dc forma mais incandescente, mas continuará a não funcionar. No fundo, o grande problema é que, antes dc resolvermos um problema dc eficácia da justiça, temos dc resolver o problema dc fundo, que é o problema da justiça. Temos dc começar por fornecer ao sistema judiciário instrumentos capazes dc administrar bem a justiça, c a seguir iremos procurar soluções para o problema da eficácia, que é muito importante. Agora o que não podemos é hesitar naquilo que, no fundo, nos vai dar a grande afirmação cm termos de implementação teórica do sistema.

É curioso verificar quem, há relativamente pouco tempo, contestava os tribunais dc instância c quem, dc alguma maneira, os contesta hoje — há aqui uma inflexão completa que, devo dizer, me escapa um pouco.

É que, realmente, continuo a ver os tribunais dc ins-lância, concretamente os tribunais dc círculo, como o grande salto qualitativo c o grande salto cultural da organização judiciária portuguesa.

Dir-mc-üo que é uma perspectiva cultural, não antropológica, porque, no fundo, é uma perspectiva cultural superior, filosófica c especulativa, mas não é assim. Há pouco o Sr. Deputado Agostinho dc Sousa referiu, por mero acaso — é também por mero acaso que o cito —, a situação dc Monção. Pergunto-lhe quantas querelas sc irão julgar cm Monção. Aliás, as próprias acções ordinárias a julgar lá serão também poucas. No fundo, cada uma delas terá uma pessoa, que irá uma vez a tribunal, donde rcsulia que esse aspecto gravoso sc lhe põe uma vez na vida. Isto contra todos os ouiros aspectos gravosos, que são, no quotidiano dos dois corregedores, o terem que sc deslocar sistematicamente a Monção, a Valença, a Melgaço...

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Em suma, na vida dc cada pessoa essa deslocação pode acontecer duas ou três vezes, o que é, porventura, um aspecto negativo. Admito que o seja, mas, não sendo assim, cair-sc-ia numa siluaçüo absurda, que era a dc nüo aceitarmos aquilo que o Código dc Processo Penal vem hoje a admitir, e que ó, por exemplo, a repetição da matéria dc facto no tribunal da relação, que fica muito mais longe. E as testemunhas lá terão dc ir, quando for requerida essa repetição ou quando for requerida a presença dc algumas delas para que sc faça o julgamento na 2.' instância.

Neste caso, aquilo que, no fundo, é a razão dc ser da repetição, c portanto a garantia dc um duplo grau dc jurisdição, é mais importante do que o prejuízo que, no concreto, isto é, naquela situação atomística da vida daquela pessoa, é a sua deslocação a Coimbra, ao Porto, a Lisboa ou a Évora. E a deslocação é muito maior, já que teve dc ir ao tribunal dc círculo c depois ao tribunal da relação.

É um problema dc conflito dc interesses? Penso que não. É um problema dc sobreposição dc interesses c dc conflito dc sacrifícios. Isto é, há uma série dc sacrifícios que entram cm conflito c cuja opção deve ser feita cm função do resultado final, ou seja, daquilo que sc pretende obter, c não da solução pontual c casuística daquele conflito antropológicamente situado.

Para acabar este tipo dc argumcntaçüo rcsia-mc dizer que, quando há pouco referi o problema financeiro, nüo o fiz para justificar positivamente os tribunais dc círculo. Rcfc-ri-o para justificar negativamente as duplas corregedorias. Isto c, quando sc diz que a dupla corregedoria é mais barata do que o tribunal dc círculo, cu digo que esse argumento nüo serve, já que só é mais barata no imediato c a médio prazo é mais cara. Mas não vou buscar um argumento financeiro para justificar os tribunais dc círculo. Na minha perspectiva o tribunal dc círculo é sempre justificado a partir dc um princípio fundamental: garante uma melhor administração da justiça — digo melhor no sentido do seu conteúdo c daquilo que, como produto final, sc pode proporcionar ao cidadão.

No trajecto para sc conseguir essa melhor administração é possível que sc lenha dc pedir ao cidadão um sacrifício maior que aquele que leria sc tivesse o tribunal ao pé da porta, caso cm que lhe ficaria mais barato, mas que lhe dava um produto final porventura desproporcionado ao investimento financeiro que linha dc fazer.

É evidente que estou dc acordo quando dizem que esta proposta dc lei é uma proposta à procura do seu regulamento ou que exige o regulamento que nela devia estar ínsito, devendo, portanto, ser mais objectiva. Pela minha parte também nüo conheço o regulamento c, portanto, nüo posso fornecer os elementos que o Sr. Deputado me pediu, uma vez que nüo os conheço, nem quanto ao regulamento nem quanto a uma leilura dc levantamento cstatísúco-socio-lógico que me permita dizer sc nessa perspectiva a solução dos tribunais dc círculo c preferível à solução da dupla corregedoria. Volto a dizer que a sua defesa é aqui feita pelo CEJ cm nome do princípio, mas com uma profundíssima convicção dc que ele vai ser posto cm execução cm Portugal tão tarde, quando comparado com a evolução cultural da Europa, que, só por isso, sc justifica que o seja. Realmente, a nossa questão neste momento é a dc saber sc vamos ficar mais tcm|x> atrasados relativamente a unia nova forma dc administrar justiça, isto c, sc vamos continuar a gerir uma justiça que quase classificava dc tereciro--mundi.sta, não na qualidade ou no empenhamento das pessoas que a exercem, mas quanto à sua estrutura orgânica dc apoio, ou sc, pelo contrário, vamos, ainda que com alguns riscos, avançar um salto qualitativo que, ou sc toma

agora porque estamos diante dc uma nova lei, ou apenas sc tomará quando, daqui a vários anos, entendermos que c altura dc alterar a lei. Na minha perspectiva este c o momento cm que não devia haver hesitações nesse sentido.

Não tenho qualquer dúvida cm fazer esta afirmação quanto ao conteúdo, ao fundo, ao que há dc substantivo nesta proposta.

Relativamente ao problema dos assessores, a minha ideia dc que eles não devem ser magistrados não é uma ideia fechada. Aliás, não é tanto pelo efeito negativo do pre--julgamcnto. Esse é um efeito que sc deve ponderar c é menos possível que sc verifique sc estivermos diante dc um nüo magistrado. Aqui funciona um pouco a deformação profissional dc quem faz c dc quem pede a consulta. Era bem possível que o juiz do tribunal superior dissesse ao colega, que já está habituado a julgar, que lhe desse uma opinião.

Há sempre um «já que» que acaba por permitir sempre que os lais efeitos perversos, que afinal talvez encontrássemos também nos assessores, possam funcionar mais facilmente do que sc estivermos a funcionar com um ou outro elemento dc uma categoria profissional diferente c que não nos deixa tão à vontade para tal o «já que».

Mas há outro aspecto que também me parece importante. É que o que está aqui cm jogo é uma filosofia dc carreiras c uma filosofia orgânica. O que precisamos dc saber c sc os assessores constituem, ou não, um quadro dc serviço dc apoio, isto é, sc vamos configurar os serviços dc apoio aos tribunais numa perspectiva moderna. Quer dizer, ou vamos ficar agarrados aos oficiais dc justiça, aos oficiais judiciais, ao escrivão, ao adjunto c ao secretário judicial ou vamos fazer nos tribunais, c dc uma vez por todas, o que hoje não deixa dc acontecer na mais modesta empresa, c que é ter um serviço lécnico, um serviço administrativo c um serviço dirigente. Um serviço dirigente será constituído pelos magistrados, ao serviço administrativo correspondem as actuais secretarias, a meu ver reformuladas, c o serviço lécnico dc apoio jurídico, ao qual pertencem os assessores. Sc for esta a filosofia, então os assessores não devem ser magistrados; sc não for esta a filosofia, então os assessores podem ser tudo, desde que sejam licenciados cm Direito, magistrados judiciais ou do Ministério Público, advogados, assistentes, etc.

E outra vez uma questão dc filosofia dc fundo, é preciso saber que tipo dc sloff dc apoio queremos prestar aos magistrados c que tipo dc organograma queremos propor para um funcionamento judicial. Pessoalmente, c não sendo um legalista, entendo que a lei nunca consegue impedir as suas próprias perversidades, continuando a utilizar o mesmo termo. Penso que aqui, embora não tenha havido a intenção dc criar o quadro lécnico dc apoio aos tribunais, podemos permitir que a lei o crie ao nível do Supremo Tribunal dc Justiça c progressivamente o venha a estender às relações c eventualmente a alguns tribunais dc 1.* instância, onde, dc facto, mc parece que sc põe o grande problema.

Já agora, sc mc permitem um pequeno parênteses, que, não tendo directamente a ver com este problema, no fundo, talvez tenha, referir-mc-ia à questão da contingcniação dc processos. Hoje parece evidente que a contingcniação tem dc existir. No entanto, penso que cia não pode deixar dc ser considerada na perspectiva da reformulação dc toda a legislação que tem a ver com a orgânica judiciária portuguesa. É que, no fundo, a contingcniação leva a que o juiz continue a fazer exactamente a mesma coisa que faz cm menos processos. Ora, pergunto sc nüo seria preferível, sem diminuir .significativamente o número dc processo, que sc diminuísse aquilo que o juiz faz nos processos. Isto é, sc

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o juiz livcr uma intervenção judiciária que lenha a ver com a dignidade da função que sc lhe deve pedir c para a qual cie deve estar preparado c sc muito daquilo que ele faz for entregue ao tal outro, que não tem dc ser necessariamente o secretário judicial, repito que esta parccc-mc uma solução dc recurso, mas não a ideal. Assim, seriam os tais membros da carreira técnica que preparavam o processo c que decidiriam cm várias áreas que, ale aqui, são da intervenção do juiz e cuja judicialização sc podia garantir pela via da reclamação. Nesse caso, poderíamos ler praticamente o mesmo número dc juízes, o que, do ponto dc vista financeiro, seria interessante, porque certamente sc pagaria menos aos assessores do que aos juízes. O problema da coniingcnutçáo passava também a ter uma perspectiva completamente diferente c o juiz passava a trabalhar com um staff organizativo que lhe permitia mais uma vez responder cm lermos dc qualidade dc fundo da justiça que cie tem por missão administrar cm nome da comunidade.

E por isso que a opção quanto a saber quem é este assessor é uma opção que nos poderá dar abertura à solução do problema que sc segue, no sentido dc saber sc queremos, cm lermos dc organograma, criar um quadro, mais larde diferido no tempo, dc carreira técnica, que podia ser constituído por técnicos c assessores, ou sc não o pretendemos c sc, portanto, o que queremos é ter o apoio dado por magistrados, advogados, assistentes, etc, independentemente da sua origem, apoio esse que é dado por pareceres ou através da recolha dc elementos para o exame c para a decisão do processo ao magistrado do tribunal superior.

Aliás, seria até interessante — isto fica como mera referência—, criada que fosse a carreira dos técnicos juristas do tribunal, rever, por exemplo, a forma dc acesso à magistratura c admitir, por hipótese, que a cia ascendessem, por um lado, directamente, os rcccm-liccnciaclos pela via dirccla das comarcas dc ingresso c, indirectamente, aqueles que da carreira dc técnicos juristas ou assessores poderiam vir a frequentar o CEJ, entrando na magistratura já num plano mais adiantado da carreira. Isto permitiria procurar uma alternativa para a críüca que hoje sc faz, creio que um pouco apressadamenic, dc que uxla a magistratura está a ser excessivamente jovem. Ora, podia ser temperada por esta via. Aqui fica um dos efeitos não perversos desta opção da criação dc uma carreira dc técnicos juristas no organograma da organização judiciária.

Em relação ao que foi dito pela Sr.' Deputada Odete Santos não vou dizer muito mais, pois creio que dei uma resposta abrangente, como hoje sc chama.

Dc qualquer modo, focou um aspecto sobre o qual uilvcz valha a pena reflectir — digo reflectir—, ate porque não tenho nenhuma ideia sobre isto. É que não sei sc o odioso do colectivo não está um pouco ligado aos velhos juízes dc fora, o que permitiria devolver um pouco a crítica c dizer que, sendo eles juízes dc dentro, talvez alguma parte do odioso pudesse desaparecer. Sinceramente não sei. Creio que o odioso do colectivo tem um pouco a ver com o odioso que sentimos sempre cm relação aos abcessos. Dc facto, o colectivo, tal como existe, tem sido sempre um abcesso na administração da justiça portuguesa, já que é algo que não tem a ver nem com aquele local nem com outro. É um juiz que vem não sc sabe donde, que normalmente preside ao julgamento c que sc vai embora não sc sabe bem para onde, não tem radicação cm parte nenhuma. É o juiz dc todas as comarcas, mas que não é dc nenhuma. No fundo, é o tal juiz dc fora, que criou sempre o grande dcscncanlamcnto do povo português c do Heinrich von Klcist, que sobre ele tem as posições conhecidas.

Por outro lado, quanto ao problema das custas c preparos, pela extraordinária subida da alçada da relação, admitiria pcrfcitamcnlc que sc entendesse que as acções que são sempre susceptíveis dc recurso até ao Supremo, como é o caso das acções dc Estado, tivessem uma tributação completamente diferente c excepcional. Isto é, sc, no fundo, o valor lhe é atribuído mais pela natureza e ordem pública do objecto, parece que não deve recair sobre a sua parte o encargo financeiro dc ter dc suportar esse valor que lhe é legalmente atribuído. Seria sempre a possibilidade dc encontrar a excepção que permitisse, por um lado, afirmar o princípio como justo c, ao mesmo tempo, a excepção que não permitiria que, como princípio, tivesse a excepção injusta dc ter dc fazer tributar as partes relativamente a esse aspecto.

Quanto à possibilidade, que parece bizarra, dc os juízes ascenderem a relação com a classificação dc Bom c aos tribunais dc círculo só com Bom com distinção, devo dizer que, apesar dc tudo, não a considero tão bizarra como isso, embora não saiba bem sc o argumento que vou utilizar não é, cie próprio, também um pouco bizarro. Dc qualquer forma, peço alguma benevolência para a hipótese dc isso acontecer. É que, no fim dc contas, o tribunal dc círculo não surge como um degrau dc carreira, surge dentro dc toda a 1.* instância como alguma coisa que, por essa via, o legislador entendeu dever tratar cm comissão dc sc viços. Ora, penso que o problema não deve ser colocado assim. Isto é, creio que não deve obsiacular-sc a progressão na carreira a um juiz classificado dc Bom. Por definição, se ele é classificado assim, deve prosseguir normalmente a sua carreira. Simplesmente num determinado sector dessa carreira, na l.! instância, há um determinado tipo dc tribunais que, pela sua complexidade, pela sua natureza, podem permitir que apenas juízes dessa instância, com uma especial classificação, venham a exercer as respectivas funções. Creio que o argumento teria toda a razão dc ser sc tivéssemos uma progressão cm termos dc carreira. Então, não sc percebia que para um grau inferior dessa carreira fosse necessário o Bom com distinção c depois, para um grau superior, fosse necessário só o Bom. Mas, uma vez que sc trata dc um desvio dessa progressão dc carreira, não me parece muito bizarro que, para esse desvio, dada a sua especial natureza c complexidade, sc seja mais exigente na respectiva colocação, visto que isso não vai dc modo nenhum contender com a progressão na carreira, coisa que não poderia desejar-sc.

Quanto ao problema da definição da categoria das comarcas c ao parecer vinculativo do Conselho Superior da Magistratura sobre a decisão do Ministro da Justiça creio que estamos, mais uma vez, a pôr uma questão que deve ser uma questão dc fundo.

No quadro actual não vejo que haja grande crítica a fazer a esta previsão.

O problema, que é da filosofia dc fundo, é o dc saber que competências devem ser atribuídas definitivamente, ou não, ao Conselho Superior da Magistratura. A questão que hoje sc coloca é no sentido dc saber sc cie deve ser apenas um órgão, embora dc autogoverno da magistratura, virado exclusivamente para as pessoas, c essas são apenas os magistrados, ou sc, pelo contário, deve ser um órgão dc gestão do próprio órgão dc soberania, que são os tribunais. E, nessa medida, já não sc trataria dc dar um parecer vinculativo ao Ministro da Justiça, pois seria uma decisão própria do Conselho Superior da Magistratura, que deveria estar equipado com toda uma outra serie dc instrumentos c dc capacidade dc intervenção que agora não tem. Penso que o problema não é saber sc nesta lei está bem ou mal. Aliás,

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ncsia lei, teoricamente está bem, porque está dc acordo com lodo o sistema. O problema é saber sc o sistema, cm si, deve continuar a ser como 6 ou sc deve ser reformulado, cm termos dc dar ao Conselho Superior da Magistratura a categoria dc órgüo dc gcstüo dos tribunais, enquanto órgüo dc soberania, e não apenas a categoria dc órgão dc gestão dos magistrados, como ele 6 — não faço qualquer juízo dc censura ou dc valor relativamente a esse ponto.

Não sei sc lerei deixado escapar alguma das vossas questões — tão interessado que estava cm ouvi-las, que, porventura, não fui capaz dc as registar todas c talvez tenha deixado dc responder a alguma.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho dc Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD):—Concordo inteiramente que há que modificar sistemas que sc consideram ultrapassados, mas a minha preocupação — penso que o Sr. Doutor percebeu perfeitamente— não é propriamente a dc tomar aqui uma opção. É que, lai como o documento sc nos apresenta, c salvo o devido respeilo, continuo a pensar que o artigo 85.° não resolve as questões dc dúvida que sc susciiam. Penso que deveríamos encontrar no diploma, pelo menos, um critério que objectivamente definisse a distribuição geográfica, o faseamento da instalação c que não a deixasse, pura c simplesmente, como uma porta aberta. Na verdade, é uma porta aberta institucional, mas que tem um carácter subjectivo.

Não quero pôr em dúvida a utilização que vai ser feita pelos tribunais. Aceito que os tribunais vão aplicar o princípio dc acordo com aquilo que seja, no seu entender, a melhor forma de resolver o problema. Simplesmente, como observador estranho à própria justiça, entendo que sc deveria moderar a solução através dc um melhor encontro dc critérios subjectivos e objectivos.

O Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República: —

Sr. Deputado, na sua intervenção há um aspecto que considero extraordinariamente positivo. Repare que é porque acredito nesse princípio que a minha preocupação, neste momento, é demonstrar —sc for capaz— que ele eslá certo. A partir do momento cm que acertamos que o princípio está certo passo a estar perfeitamente dc acordo quanto aos mecanismos intermediários para o fazer funcionar. O artigo 85.° não resolve todos os problemas, c aceito perfeitamente que a lei deve ser revista no sentido dc ela própria passar já a conter cm si garantias de funcionamento, já que isso é útil para a defesa do princípio. A minha perspectiva é justamente a dc demonstrar a validade e a bondade do princípio. A partir daí qualquer outra solução dc lei positiva que o torne ainda mais efectivo tem, com certeza, lodo o meu apoio c concordância.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Presidente, a minha crítica ao artigo 85.° é a seguinte: o que são circunstâncias ponderosas? Quando é que os juízes dos tribunais dc círculo invocam essas circunstâncias ponderosas? Ponho aqui as minhas reticências. Um juiz que csuí instalado numa capital dc distrito fica à espera que as partes lá vão c que sc faça o julgamento. Pode ser que csia seja uma apreciação um pouco pessimista cm relação aos interesses da justiça. Dc resto, o artigo 85.' não diz o que são circunstâncias ponderosas, o que já dá pano para mangas.

Porém, a minha ordem dc considerações é, neste momento, outra. O Sr. Dr. Laborinho Lúcio talvez possa dar--nos a seguinte informação: falou-se aqui na possível criação dc 50 a 70 tribunais dc círculo, o que implica, naturalmente, a existência dc mais juízes. Quantos juízes estão, neste momenio, disponíveis? Quantos poderá haver daqui a um certo tempo? Esta era uma informação preciosa para podermos apreciar este problema que nos é colocado.

Uma outra questão que se prende ainda com este problema dos tribunais dc círculo é a seguinte: sc há juízes para criar os tribunais dc círculo, então por que não distribuir esses juízes pelo território? Por que é que não vão? Por exemplo, cm vez dc ficarem no distrito dc Viseu, por que é que não vai um para Tondela, outro para São Pedro do Sul, outro para uma comarca mais afastada, dc modo que as delegações deles também sejam mais pequenas, que possam deslocar-se mais facilmente c não sc apresentem tão cansados? Sc csião perto das populações, então já não chegarão cansados. Como há mais juízes, os processos que estão parados podem ser desbloqueados pela criação desses lugares. Os juízes que iam julgar eram mais c, portanto, eram já soluções dc desbloqueamento.

Oulro problema que sc prende ainda com este é o seguinte: não sei precisamente qual é o sentido do n.9 2 do artigo 48.9, mas talvez o Sr. Dr. Laborinho Lúcio mc possa explicar. O n.9 2 do artigo 48.9 refere o seguinte:

No tribunal de círculo o colectivo é constituído, total ou parcialmente, por juízes privativos.

O que é que significa «parcialmente por juízes privativos»? Afinal criam-se juízes privativos ou não? Quem süo os outros? Que juízes são estes? Sinceramente, não percebo! Sc calhar islo será dilo no decreto regulamentar, mas nós não sabemos qual é nem o que sc lá diz.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República.

O Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República:— Sr. Deputado Armando Lopes, sou um pouco suspeito para responder à primeira questão. E sou um pouco suspeito porque sou um defensor extremo dos conceitos indeterminados. Acredito firmemente na magistratura portuguesa c entendo que a vida hoje c tão complexa na sua dinâmica que sc a lei for muito fechada a cena altura acabaremos por não ler conceito nenhum, nem um conceito indeterminado nem um conceito determinado. Creio que, por isso, os conceitos indeterminados são uma boa aquisição do sistema legislativo português actual. Para a concepção que tenho —e que, suponho, o Sr. Doutor conhece — das relações a estabelecer entre os magistrados c os advogados creio que os conceitos indeterminados serão qualquer coisa, porventura, capaz dc vir ainda a ler também um dia mundial, mas daqueles que vale a pena comemorar numa celebração conjunta entre advogados c magistrados.

Portanio, não lenho medo das «circunstâncias ponderosas» nem da interpretação que os magistrados venham a fazer delas. Isto por duas razões muito simples: uma tem que ver com a confiança técnica c dc honorabilidade que deposito nos magistrados. Portanio, acredito que eles sejam capazes dc perceber que no domínio das circunstâncias ponderosas há que ler cm conta exactamente estas dc que estivemos aqui a falar. Creio que cada vez mais tendemos para uma magistratura c para uma justiça realmente preocupada com as pessoas cm concreto. Cada vez mais saímos da relação do A que matou o B c passamos à relação

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individual do Sr. Amónio, do Sr. Francisco que maiou a Sr.' Maria Joaquina. Portanto, essa relação da tal interdisciplinaridade, cm que o direito não tem apenas umas ciências auxiliares dc que recorre, mas sim uma série dc ciências que hoje são parte integrante da sua estrutura enquanto ciência, vai, com certeza, permitir que cada vez mais nós saibamos interpretar e preencher estes conceitos indeterminados sem riscos. Sc é que é possível fazer algum humor cm tudo isto, diria que os juízes, ao saberem hoje que ficaram dispensados dc tantas quotidianas deslocações, não deixarão dc ler um problema dc consciência sempre que tenham dc definir o conteúdo das circunstâncias ponderosas c, certamente, decidirão pela positiva para sc considerarem legitimados eticamente para esta solução.

Quanto ao problema das deslocações mais pequenas c, portanto, da colocação dos juízes cm outras comarcas, que levariam a que o tribunal dc círculo acabasse por sc deslocar em zonas mais próximas, não aconselharia essa solução porque ela viria, outra vez, a pôr cm causa o sistema. O sistema continuaria a ser o dc pequenos núcleos, quando me parece que deve haver um núcleo alargado dc sede do tribunal dc círculo.

Fala-se no problema da informática. É evidente que, por exemplo, podemos ter um terminal no círculo c outro na comarca. Agora o que podemos ter no círculo é uma boa biblioteca c uma informática documental da mesma c depois ler um terminal para a própria comarca. Podemos ter também um serviço dc medicina legal instalado no círculo.

O Sr. Doutor sabe muito melhor do que cu que hoje sc paga mal aos médicos, que são, normalmente, maus peritos. Sc nós tivéssemos um, dois ou três na sede dc círculo, a quem, pagando menos do que sc paga à totalidade dc lodos os outros, pagaríamos bem, teríamos peritos qualificados. Como sabe, isso hoje praticamente não existe nas comarcas. O mesmo sc pode dizer, por exemplo, com a instalação dos serviços dc reinserção social, que podem realmente ler uma expansão muito maior. Inclusivamente, podem vir a enconuar nestes técnicos dc serviço social a longa manus do próprio serviço c uma interinstitucio-nalidadc ao nível do círculo, cm que podemos ler os técnicos dc serviço social a darem apoio aos tribunais dc menores c dc família c a funcionarem como extensão do Instituto dc Reinserção Social. Portanto, aí haveria uma interinstitucionalizaçâo, cm vez dc uma separação dc instituições. Aliás, é isto que temos feito até aqui c, muitas vezes, essas instituições são cópias dc si mesmas. Creio que não é, necessariamente, este o problema. Aliás, mesmo para esse problema o inúmero dc juízes actualmente cm stock é, felizmente, mais do que suficiente. O Centro dc Estudos Judiciários, contra expectativas visíveis c que itxlos conhecem, acabou por responderem quantidade c q uai idade a lodos esses problemas. Temos centenas dc magistrados colocados como auxiliares c que não têm vagas. Isso já é um problema dc gestão do próprio Conselho Superior da Magistratura. O CEJ respondeu, cm lermos dc quantidade, a uma projecção dc três anos. Portanto, hoje é tranquilamente que sc pode fazer entrar cm vigor o Código dc Processo Penal na organização judiciária porque, do ponto de vista humano, a resposta está suficientemente garantida. Não há aí qualquer obstáculo. Há uma ligeira deficiência no domínio dos quadros do Ministério Público, mas que já está a ser superada. Essa deficiência resultou das opções que, evidentemente, não podem ser compulsivamente feitas. Portanto, até hoje as pessoas optaram mais pela magistratura judicial do que para o Ministério Público. Isso levou a que ainda hoje haja uma deficiência dc resposta, cm lermos dc quantidade, no domínio da magistratura do

Ministério Público. Não é por aí que o legislador tem dc ser forçado a uma ou outra opção. Pode optar como entender, porque a resposta está garantida nesse domínio.

Em relação ao n.c 2 do artigo 48.B, não tenho conhecimento do que fundamentam as opções legislativas. Penso que a alusão que este n.° 2 faz à constituição total ou parcial do tribunal colectivo por juízes privativos tem a ver com a forma do próprio preenchimento dos lugares prevista no artigo 103." No fundo, são lugares preenchidos por escolha, são comissões dc serviço. Por outro lado, como o próprio presidente é nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, pode acontecer que cm fases transitórias haja nomeações dc juízes privativos c dc outros que ainda não estejam nomeados. Portanto, nessa altura o tribunal será parcialmente constituído por juízes não privativos. Presumo que é isto. É por isso que entendo que sc o n.9 4 fosse substituído c sc dissesse que o presidente do tribunal colectivo é o juiz do processo, então teríamos os tribunais colectivos, cada um deles com três juízes, que seriam nomeados nos termos da proposta que apresentámos para a reformulação do artigo 103.Q Portanto, iodos os juízes seriam privativos, a não ser, obviamente, que houvesse problemas da carências dc vagas ou dc concurso c cm que, nessa altura, tivéssemos dc ter juízes não privativos do tribunal colectivo. Suponho que o problema ficaria ultrapassado por essa via. Isto sc esta é, dc facto, a interpretação que cabe ao n.° 2 do artigo 48.°

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Director dc Esludos do Centro dc Estudos Judiciários.

OSr. Director de Estudos do Centro de Estudos Judiciários: — Da minha experiência como juiz, designadamente como juiz dc menores, tenho a profunda convicção dc que sem os tribunais dc círculo não podemos avançar com a compreensão global dc um elemento fundamental para a justiça, que c aquilo que diz respeito à interdisciplinaridade c inicrinslitucionalidadc. Os juízes queixam-sc disso, c a verdade é que a premência dos problemas sociais, designadamente uma grande marginalidadcc umagrande fragilidade social, chega cada vez mais ao tribunal. Nós não estamos preparados para dar resposta a esses problemas. Sou extremamente sensível aos argumentos que os Srs. Deputados apresentaram sobre as dificuldades das populações. Penso que o n.g 3 do artigo 85.8 já é um começo da concretização dc critérios. Creio que a magistratura tomará isso cm consideração c penso que as vantagens serão muito maiores. Estamos a fazer um grande esforço para conseguir ler .serviços sociais junto dos tribunais, para que estes possam compreender os problemas dos menores, da família, mas não há solução. A solução seria a regionalização desses serviços. Somos demasiadamente pobres para ter cm cada comarca esses serviços. Sem esses serviços, sem essa colaboração institucional, sem o conhecimento das pessoas, sem a colaboração com as comunidades c com as autarquias não pode haver justiça, não sc pode entender a criança c no que é que cia sc tornou, porque não se consegue compreender porque é que ela está abandonada. Enfim, não podemos saber qual a solução que lhe vamos dar. Alastamo--nos porque não conseguimos compreender a situação.

Creio que a criação dos tribunais dc círculo é um instrumento pixleroso para a compreensão do facto.

A própria coordenação dos meios comunitários já daria uma resposta mais capaz.

Também concordo que sc podem concretizar mais os critérios para que não haja um sacrifício indevido das populações. Creio que com isso, cm termos dc produto

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final da justiça, ganhávamos muito. E ganhávamos em outro aspecto, que, para mim, 6 evidente c que diz respeito à celeridade, à justiça pronta. É evidente que o tribunal colectivo estará muito mais disponível para apreciar c para decidir em tempo útil. Como sabem, a justiça que não é pronta não é, muitas vezes, justiça. Esse é um aspecto relevante que nós deveríamos considerar. O próprio juiz passará a conhecer bem o processo. Também é importante a orientação e a formação que os magistrados tem em conhecer a realidade. Ainda este ano os juízes foram fazer a primeira fase de formação para a comarca. O auditor de justiça tem dc ir para a comarca, contactar não só com os aspectos técnico-jurídicos, mas também com os aspectos sociais da própria comarca. Creio que isso é uma tendência reversível, que levará os magistrados a conhecerem o seu círculo e a não ficarem apenas instalados na sua sede. Quem quer ser magistrado por gosto quer compreender as pessoas e a vida. Portanto, nao pode ficar só instalado no seu cadeirão. Isso é uma questão dc pedagogia, dc política judiciária. É preferível isso do que colocar um juiz isolado numa comarca, sem meios dc actuação. É isso que sucede hoje c que acontecerá sempre, já que nós nunca conseguiremos fazer isso, por exemplo, cm cada comarca dc Viana do Castelo. Se não houver estruturas a nível dc círculo não pode haver uma resposta aos problemas das próprias comarcas, que são cada vez mais urgentes, mais prementes, mais complexos.

Defendo os tribunais dc circulo temperados com um critério que atenda, sobretudo, aos interesses das populações. Esse interesse das populações é o da justiça.

Relativamente aos menores c à família isso é básico, é essencial até para o aprofundamento das questões c para que elas não sejam menorizadas.

Quanto às alçadas c relativamente aos divórcios sou sensível àquilo que disse a Sr.a Deputada Odete Santos, mas o problema hoje até já sc pode resolver nos lermos do artigo 8.° do Código das Cusías. O juiz pode c deve dar um valor tributário diferente do valor da alçada. O valor da alçada é para assegurar a possibilidade dc discussão c o valor tributário pode c deve ser diminuído. Portanto, não há aqui nenhum obstáculo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Pcsidcntc, só queria referir que aceito a criação dos tribunais dc círculo para a família e menores. Parccc-mc que é uma boa medida. Sc alargássemos o leque dos possibilidades dos tribunais dc círculo também aos menores c à família isso seria correctíssimo. Peço desculpa por não ter respondido há pouco a muitas questões que foram colocadas. Não o fiz porque, pura c simplesmente, concordava com cias.

O Sr. Presidente:—Tem a palavra a Sr.a Deputada Odete Santos.

A Sr." Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, a intervenção do Sr. Dr. Armando Leandro foi extremamente útil. Aliás, nesta conversa trocaram-se argumentos que nos podem levar a pensar cm outras questões.

Dc qualquer forma, cm relação à intervenção do Sr. Dr. Laborinho Lúcio gostaria dc dizer que os juízes desses tribunais ainda são mais dc fora do que os outros. É que os outros ainda lá iam. Estes poderão ir naqueles casos excepcionais, que nós nem sequer sabemos quais são. Dc qualquer maneira, penso que estamos até muilo condicionados

pelos orçamentos para os tribunais. Vejo sempre os secretários judiciais aflitos porque não tem verba para transportes, para pagar os táxis quando é preciso ir fazer uma inspecção judicia], para ajudas de custo, etc. Há pouco tempo havia juízes com atrasos de ajudas de custo, e tudo isto é um grande ponto de interrogação daquilo que vem nesse artigo.

Penso que os argumentos apontados nao tornaram a situação vantajosa. O país real que temos não tem, ao contrário daquilo que se diz no preâmbulo da proposta, essa facilidade de transportes. Penso que os argumentos apontados não tornaram vantajosa esta questão da justiça sediada numa sede e afastada das populações.

As questões que o Sr. Dr. Armando Leandro aqui levantou colocaram alguns problemas em que ainda não tínhamos pensado. O Sr. Doutor disse que era necessário conhecer o facto. Ora, se os juízes estão longe das populações como é que eles poderão ter conhecimento concreto dos factos, da vivência daquela comunidade para, em casos como o dos menores — cm que, realmente, é preciso ter um grande conhecimento —, poderem proferir uma decisão justa?

Em relação à questão da regionalização desses estabelecimentos dc assistência social penso que isso não tem muito a ver com os tribunais dc círculo porque, dc qualquer maneira, lemos centros regionais dc segurança social a que os juízes recorrem para fazerem tais inquéritos sobre a situação dos menores. Existem os serviços, mas não estão devidamente estruturados. Não são como os da CNR c os da PSP, o que seria uma catástrofe, mas também não estão devidamente estruturados. Portanto, é um esquema que deveria ter sido posto a funcionar devidamente. Não percebo é como é que isso está dependente dos tribunais dc círculo.

Era só isto que gostaria que mc esclarecesse.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Director dc Estudos do Centro dc Estudos Judiciários.

O Sr. Director de Estudos do Centro de Estudos Judiciários: — Sr." Deputada Odete Santos, os serviços estão, dc facto, ainda um pouco dc costas uns para os outros. Houve agora cm Coimbra um colóquio sobre «Segurança social c justiça, que colaboração?» c chegou-se à seguinte conclusão: é necessário que os tribunais tenham uma estrutura mínima dc serviço social, que faça a ligação com o serviço social da comunidade. Caso contrário, teremos apenas acções atomísticas c que não resolvem nada. Por exemplo, cm relação à assessoria técnica há um grupo permanente dc análises, que reúne sobre a coordenação do Centro dc Estudos Judiciários, que tem procurado prestar assessoria técnica aos tribunais dc menores c dc família dc Lisboa, Cascais, Almada, Sintra, etc. Isso tornou-se possível graças ao voluntarismo dos técnicos a quem nos dirigimos. Estabelecemos contactos pessoais com um técnico dc terapia familiar c com um técnico do Centro dc Saúde Mental Infantil.

Perguntámos aos juí/.cs sc queriam ou não esses técnicos. Isto tem dc ser institucionalizado porque as pessoas têm direito a verem a sua situação completamente esclarecida c a ser ajudados. Nós não podemos ter cm cada comarca um psiquiatra, um psicólogo, etc., mas já os podemos ter no círculo. Quando a situação familiar ou a do menor for mais complexa o juiz já poderá fazer alguma coisa. Este sistema que estamos a criar é dc recurso c pode ter algum interesse cultural c dinamizar futuras instituições. Porém, é preciso instilucionalizar-sc isto dc acordo com o Pa/s que lemos. Sc fôssemos um país rico talvez fosse

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preferível que houvesse cm cada comarca esses serviços. Creio que isso, do ponió dc visla social, seria muilo úlil c mais económico. Aliás, nao era preciso criar muilo mais coisas para que isio fosse socialmente rcmávcl.

Em relação à questão dc sc conhecer ou não os lacios, creio que isso 6 um problema cultural do juiz. Sc o juiz não tiver a apetência cultural para conhecer a realidade da sua comarca então não há nada a fazer. É tudo uma questão de apetência. Elepodc perfeitamente conhecer essa realidade, mas desde que tenha essa apetência, desde que tenha meios c contactos com técnicos dc outras ciências sociais c com a comunidade cm si própria. É evidente que assim cie pode vir a compreender melhor a realidade. É uma qucsião cultural, dc sc lhe facultar meios. Sc cie souber que pode ouvir o psicólogo, o sociólogo, a assistente social, etc., c sc sc habituar a sentar na mesa com o advogado para discutir o problema é evidente que essa posição c essa perspectiva ajudá-lo-á a compreender melhor a situação não só dc Viseu como também dc São Pedro do Sul.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Adjunto do Procurador-Gcral da República.

O Sr. Adjunto do Procurador-Geral da República: — Sr. Presidente, peço-lhe dceulpa por não ter respondido às suas questões.

É evidente que o artigo 11rclcrc-sc aos tribunais, c não às comarcas. Portanto, isto aqui é um pouco o vício adquirido dc arrastamento, mas é óbvio que são categorias dc tribunais, c não dc comarcas.

Em relação ao problema das férias judiciais lenho alguma dificuldade cm emitir uma opinião. Quando falamos cm férias judiciais sentimos sempre 2000 magistrados atrás dc nós. Por outro lado, estou numa situação dc lotai liberdade para falar sobre o assunto, porque desde que estou no CEJ tenho o estatuto dc funcionário público c nem 30 dias dc férias tenho por ano. Dc maneira que isio permite--mc fazer uma apreciação do problema cm lermos porventura um pouco diferentes — não tão classistas como leria sc continuasse a exercer a magistratura — c talvez também demasiado libertários para quem não está agora comprometido com esse tipo dc acção quotidiana profissional. Creio que, mais uma vez, o problema é o dc saber sc, dc facto, no concreto, o magistrado csui sujeito a um trabalho durante o ano que lhe retira aquele tempo dc disponibilidade pessoal a que cada cidadão normalmente tem direito. Portanto, ele é ou não compensado com as férias judiciais? Creio que isto tem muilo a ver com um trabalho que, porventura, o Gabinete dc Estudos Jurídico-Sociais do Ccniro dc Estudos Judiciários venha a fazer. Emendemos que é oportuno fazer um estudo sobre o levantamento sociológico da magistratura c da sua actuação. Portanto, a partir daí passaremos a ter muitos mais elementos dc informação c que não sc reduzem às conjecturas que normalmente fazemos à volta dcsics temas.

Por outro lado, creio que as férias judiciais, enquanto personalização, devem ser discutidas no sentido dc sc saber sc o magistrado deve ou não icr direito, nomeadamente no Verão, aos dois meses dc férias ou apenas a um. Suponho que as férias judiciais, enquanto instituição, sc devem manter, isto é, o tribunal não deve funcionar nestes dois meses porque, por um lado, os advogados lambem tem interesse nisso c, por ouiro lado, porque era bom que sc começasse a fazer um plano dc actividades para os tribunais, que ainda não existe. Mas como é que sc pode fazer um plano dc actividades sc ninguém sabe que acções vai ter? É que o tribunal lem ele próprio um serviço, que deve ser

sistematicamente repensado. Creio que o mês dc Setembro é óptimo para isso. Hoje cm dia os magistrados têm poucas vindimas para fazer c, portanto, têm possibilidade dc adaptar a sua disponibilidade nesse mês a toda uma planificação dc actividades para o ano dc trabalho que sc vai seguir. Portanto, creio que podíamos repensar assim a qucsião: ou, pura c simplesmente, não tocamos no problema ou repomos o problema. Neste último caso várias opções sc colocam, nomeadamente a de saber se, no fundo, as férias são simultaneamente pessoais c institucionais ou apenas pessoais. Para que servirá esse mês dc Setembro? Que tipo dc trabalho é que sc deveria executar durante esse mês? Não estou aqui a tentar estabelecer um paralelismo, mais ou menos eufemístico, com o que aconteceu com os professores, que têm um período que não é dc férias, mas dc administração, c durante o qual nada fazem. O problema não é o dc arranjar uma forma dc ler uma lei que exteriorize uma realidade, a que depois não sc refere. Há que pegar cm toda a grande organização judiciária c organizá-la, teorizá-la, saber o que sc pretende com ela, qual o seu objectivo, c depois aplicar um conjunto dc regras que sejam dc gestão por objectivos c não que estejam ligadas a uma tecnologia dc eficácia, porque estamos a lidar com coisas extremamente importantes, do ponto dc vista humano, e que devem sempre ter a prioridade. Dc qualquer forma, há que organizar sistematicamente o pensamento cm termos da consecução desse objectivo.

Era nessa perspectiva dc fundo que colocaria o problema das férias judiciais.

Em relação à intervenção da Sr.§ Deputada Odeie Santos c ao problema dos tribunais de círculo permitam-mc fazer um trocadilho. Não é pelo facto dc termos um país real que vamos optar por uma justiça feudal. Creio que este país real não está por oposição ao republicano. Ponanio, este país real que temos icm as suas características próprias. Creio que os senhores deputados que invocaram os argumentos cm nome do país real que lemos csqucccram-sc do seguinte: a pequena comarca não deixaria dc ter o seu tribunal c o seu juiz. Para quê? No fundo, para aquilo que é a grande maioria das relações intersubjectivas da comunidade.

Eu traria à colação a leitura que a Sr." Deputada Odete Santos fez, há pouco, dc uma coisa que terei dito muilo a correr, o que a levou a dar-lhe uma outra interpretação. Dc facto, há muita gente que defende a ideia — c devo dizer que não a advogo — dc que o tribunal tem um efeito perversor. O que cu referi foi um outro tipo dc efeitos perversos, pois entendo que este diploma pode vir a provocar um conjunto dc reacções cm cadeia. No entanto, com a existência dos tribunais dc círculo certamente que olharemos, por exemplo, a reforma do processo civil cm perspectiva diferente, pois será uma reforma que, nesse caso, terá dc ser vista também pelos olhos da própria organização judiciária. Será que vamos manter toda a mesma estrutura adjectiva civil para os tribunais dc comarca? Ou vamos deixá-la para os tribunais dc círculo? Esta é uma questão que não interessa saber como vai ser resolvida, mas que passa a ser posta cm termos diferentes, embora isto não queira dizer que seja uma questão nova.

Devo dizer que sou — c ate sou acusado por isso — um defensor da solenidade, porque a defendo pela via do simbolismo c emendo que, sc os juízes administram justiça cm nome do povo, têm dc ter uma carga representativa c simbólica relativamente a isso. Sou, portanto, a favor da solenidade, só que há solenidades c solenidades. E dou-vos um exemplo: sc tivermos uma comarca — que normalmente será uma comarca com uma conllilualidadc social perfeitamente estabilizada no domínio das regras normais

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dessa mesma csuibilidadc— será prcícrívcl que aquele homicídio excepcional que lá foi cometido seja julgado lá ou que seja julgado na sede dc círculo? Nüo 6 que islo seja um argumento que nos leva a optar por uma ou por ouira das soluções, mas, depois dc optarmos por uma das soluções, evidentemente que todos leremos, psicologicamente, tendência dc ir encontrar os bons argumentos que a venham legitimar a posteriori. No fundo, o tribunal dc comarca funciona para aquilo que 6 o típico da comarca, com uma ou outra relação, que agora irá trazer um outro clcmcnlo que mc parece importante.

Devo dizer que nüo lenho nada a ideia dc que os tribunais dc círculo possam provocar um perigo, perigo esse que, porventura, pode estar no vosso espírito — c enquanto perigo estará bem —, dc que a justiça sc torne cada vez mais uma realidade isotérica dc uns senhores que nüo sc conhecem, com uma grande instituição, onde as pessoas, no fundo, nüo scrüo mais do que peças dc uma máquina que elas próprias nüo dominam. Islo seria assim sc tudo fossem tribunais dc círculo, mas nüo é esse o caso, pois o tribunal dc comarca passa a ler uma intcrvcnçüo comunitária bastante mais significativa, c devo dizer que defendo cada vez mais a intcgraçüo do juiz na comunidade c que a independência nüo é um estado dc alma, mas um produto dc um trabalho intelectual permanente. Assim, entendo que nüo haverá uma maior ou menor independência pelo facto dc haver maior ou menor intromissüo na vida quotidiana da comunidade, mas que isso será muilo mais próprio daquele juiz, ou daquele delegado do Ministério Público, dc uma comarca hiperdimensionada que, no fundo, tem capacidade dc resposta para problemas que praticamente nüo existem c que nüo süo problemas definidores dessa mesma comarca. Creio que ainda aí poderemos encontrar justificação para retirar da sede da comarca uma série dc acções c dc processos crime que, no fundo, scrüo julgados por uma ou outra máquina, digamos mesmo, mais sofisticada dc justiça, c que garanta uma maior capacidade dc resposta. Ou seja, através dos tribunais dc círculo poderemos ler uma justiça mais popularizada, nüo cm termos dc justiça, mas no sentido dc mais imediatamente transparente, mais directamente ligada à comunidade, mais solene, servida por instrumentos dc maior capacidade dc resposta, c, com a síntesedestasduas realidades,quem ganha inequivocamente, no meu ponto dc vista, süo as populações.

O Sr. Presidente:—Já agora fazia-lhe só mais uma pergunta, dc que mc esqueci há momentos, no sentido dc saber sc concorda cotn o artigo relativo à abertura do ano judicial, pois o que vem referido nesse artigo vem já da anterior lei orgânica c penso estar um pouco ao arrepio daquilo que consideramos o ano judical. As propostas actual c anterior deste artigo referem que o ano judicial corresponde ao ano civil, ou seja, que começa cm Janeiro dc cada ano, enquanto toda a imprensa refere ser cm Outubro que sc inicia o ano judicial. Assim, gostaria dc saber o que pensa sobre este assunto.

O Orador: — A minha posiçüo sobre isso é também uma posiçüo definida, muito mais pela via empírica do que pela via dogmática. Acontece que a abertura do ano judicial coincide com a do ano civil há uma série dc anos c continuo sempre a pedir desculpa porque todos os anos mc engano, o que significa que, pelo menos, do ponto dc vista psicológico, nunca interiorizei a mudança c que lenho alguma dificuldade cm fazer uma abertura do ano judicial

cm Janeiro, pois dá-me sempre a scnsaçüo dc que estou a abrir qualquer coisa que tem a fechadura emperrada c que só muilo icmpo depois sc conseguiu abrir.

Por oulro lado, tenho também, relativamente a isto, uma outra motivação, essa exterior, que é a seguinte: a Lei Orgânica do Centro dc Estudos Judiciários diz que o ano dc actividades vai dc Outubro a Julho, o que faz coincidir com o antigo ano judicial. Assim, temos variadíssimos anos, o que nüo é mau cm termos de comemoração, mas que, cm termos dc ajustamento mental, é um pouco difícil...

Creio que o ano judicial deveria ser dc Outubro a Julho, até pela razão dc que toda a abertura é uma alegria e uma esperança, seja ela qual for — c isto é a minha vertente poética, que mc permitirão certamente exprimir—, e, ainda por uma leitura sociológica, é o nosso ano de preocupações, ou seja, aquele cm que todos estamos cm comum a partilhar dessas mesmas preocupações. Suponho que para o cidadão com um será absolutamente indiferente que a data dc abertura do ano judicial seja neste período ou cm qualquer outro, mas é evidente que estou convencido dc que a ideia da marcação desta daia foi outra, embora cu, francamente, não saiba qual o motivo. Presumo que a ideia terá sido a dc não criar a noção dc que os meses dc Agosto e dc Setembro não fazem parte do ano judicial, pois, embora o ano judicial fosse dc Outubro a Outubro, poderia dar a ideia dc que o facto dc este começar cm Outubro significaria que acabava cm Julho, nüo tendo sentido aqueles dois meses. Assim, marcando a abertura para Janeiro, esses dois meses aparecem no meio do ano, tendo-sc, portanto, a noção dc que os tribunais continuam a funcionar, não havendo, consequentemente, qualquer quebra.

No entanto, creio que isso sc resolverá, mais pela via cultural, do que pela via legislativa, e, do ponto dc vista sociológico, será mais comum o ano judicial ser dc Outubro a Outubro do que dc Janeiro a Janeiro. Ora, como nesse artigo sc refere que o início dc cada ano é assinalado pela realização dc uma sessão solene, entendo que este início deveria ter lugar na altura cm que sc reinicia a actividade efectiva do tribunal. Assim, pugnaria realmente pela data dc Outubro, mas com receio dc estar a dizer um grande disparate, pois realmente não sei qual foi a razão dc ser que sustentou csia opção, c, sc livesse direito a pedir para desgravar uma intervenção, pediria para desgravar esta!

Risos.

O Sr. Presidente: — Gostaria, mais uma vez, dc lhes agradecer o facto dc aqui terem vindo prestar-nos os vossos esclarecimentos, c julgo que todos lucrámos com isso.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 17 fwras e 46 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a rcuniüo. Eram 7

Sr. Dirccior-Gcral dos Serviços Judiciários (Sr. Dr. José Manuel Borges Soeiro), Sr. Dr. Juiz Gonçalves da Costa c Sr.° Dr." Maria Francisca Rcbordão, cm nome da Subcomissão organizada no âmbito da primeira comissão, c que decidiu estabelecer contactos com várias entidades, apresento-lhes os nossos cumprimentos por cá terem vindo, certo dc que os esclarecimentos que, porventura, nos virão a dar serão valiosos para o trabalho que vamos fazer acerca desta proposta dc lei do Governo sobre a organização judiciária dc Portugal. E sempre com profundo prazer que esta Subcomissão recebe entidades relacionadas com a

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feitura das icis c, neste caso concreto, naturalmente que a opinião do Sr. Dircclor-Gcral dos Serviços Judiciários teve importância decisiva dentro do grupo dc trabalho organizado pelo Ministro para a feitura desta lei c sobretudo no decreto que virá regulamentar esta proposta dc lei, no caso dc ela vir a ser aprovada. Daí, a grande expectativa c interesse com que todos nós, os deputados desta Subcomissão, estamos em o ouvir, bem como ao Sr. Dr. Juiz Gonçalves da Costa c Sr.* Dr.! Maria Francisca Rcbordão, que foram também elementos desse grupo dc trabalho.

Agradeço-lhes, portanto, o facto dc terem vindo até nós e, no caso dc não verem nisso inconveniente, pediria, cm primeiro lugar, ao Sr. Dircclor-Gcral que nos desse uma panorâmica desta proposta dc lei c seguidamente ao Sr. Dr. Juiz Gonçalves da Costa c Sr.' Dr." Maria Francisca Rcbordüo. Depois entraríamos directamente nas perguntas que os Srs. Deputados entenderem por bem fazer.

Tem a palavra o Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários (Dr. Borges Soeiro): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, cm primeiro lugar gostaria dc agradecer as amáveis palavras do Sr. Presidente, pois é sempre com o maior gosto que tenho aqui vindo —cm vezes anteriores acompanhando o Sr. Ministro c o Sr. Secretário dc Estado— prestar dos esclarecimentos que esta Assembleia julgue por bem pedir.

Relativamente à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, devo dizer que foi, dc facto, constituído um grupo dc trabalho pelo Sr. Ministro c que nüo estão presentes todos os elementos desse grupo dc trabalho, pois o Sr. Ministro entendeu que talvez não fosse necessária a presença a aqui dos cinco elementos que constituíam esse grupo dc trabalho para que esta Assembleia possa ficar esclarecida. Quanto às linhas mestras da Lei Orgânica, talvez seja um pouco redundante da minha parte estar a dizer quais são, pois os Srs. Deputados certamente que já tiveram a oportunidade dc ler atentamente o diploma c, consequentemente, cu referiria fundamentalmente as dirccü/.cs que foram seguidas, apenas para enquadrar as traves mestras do diploma que está cm discussão nesta Assembleia. Assim, devo dizer que, depois dc ter sido feita uma reflexão prolongada — c que não nasceu agora, uma vez que a Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários pelo menos há três anos vem reflectindo sobre a problemática da organização judiciária c sobre a alteração do status quo existente neste momento —, o grande vector da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais a que chegámos foi o da separação muito nítida entre o tribunal colectivo c o tribunal unipessoal. Marcou-se, portanto, uma diferenciação orgânica profunda nestes dois tipos dc tribunais, c isto porque sc chegou — depois dos aludidos estudos a que me referi há pouco — à conclusão dc que o sistema a funcionar como funciona actualmente, com os juízes dc círculo a perderem, pelo menos, metade do seu tempo útil por semana c os juízes vogais dos tribunais colectivos a perderem, pelo menos, um terço do seu tempo útil por semana a calcorrearem as comarcas do País, não era um sistema que funcionasse eficazmente.

Consequentemente, tomámos consciência disso —c devo dizer que, além dc dircctor-gcral, sou também, cm funções dc serviço, juiz dc direito, não estando dc forma nenhuma a dirigir-mc aos juízes portugueses, pois também pertenço ao seu número— c pensámos estabelecer uma estrutura orgânica diferente. Não exactamente o tribunal dc grande instância francesa, pois esses tribunais, como os Srs. Deputados sabem, julgam também cm recurso as decisões da própria primeira instância, mas o tribunal dc

círculo, que tem a vantagem dc ser constituído tendencialmente por juízes privativos, o que significa que os juízes do tribunal colectivo só julgarão em tribunal colectivo, ou seja, só lhes serão distribuídos processos com intervenção cm tribunal colectivo c, por outro lado, acompanharão o processo desde o seu início. Como os Srs. Deputados sabem, actualmente o juiz presidente dos tribunais colectivos toma conhecimento do processo já numa fase adiantada, designadamente apenas na marcação do dia para o julgamento, c na proposta dc lei cm causa esse estado dc coisas allcra-sc. Assim, o juiz, por exemplo, relativamente à acção civil, uma vez proferido o despacho de citação, faz o despacho saneador, o julgamento c a sentença. Acontecerá o mesmo com o processo crime, ou seja, o juiz receberá o processo desde que haja o despacho dc pronúncia ou equivalente. Haverá, portanto, um verdadeiro conhecimento do processo desde o início c, a meu ver c segundo o parecer do grupo dc trabalho, o tribunal passará a ler grandes possibilidades dc ser muito mais rentável do que acontece actualmente.

Devo dizer que essa rentabilidade foi uma opção nossa, bem como o aproveitamento dc recursos humanos mais eficazes, cm troca dc uma justiça demasiadamente descentralizada c que não atendia aos problemas graves que as populações querenrver resolvidas nos tribunais. Claro que lodos lemos consciência dc que existe o inconveniente dc isto provocar uma maior deslocação das populações, c devo dizer que a comissão teve consciência disso c que leniou, cm sede dc proposta dc lei, diminuir esse obstáculo, criando a possibilidade —mas uma possibilidade que é excepcional — dc, cm algumas situações, o tribuna! colectivo poder dcslocar-sc às comarcas, como sejam, por exemplo, o caso da comarca estar muito distante da sede do tribunal dc círculo c caso a grande maioria das testemunhas seja essencialmente residente nessa comarca longínqua.

Relativamente ao regulamento da lei orgância dos tribunais devo dizer que este ainda não saiu da Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários c que, portanto, não foi ainda presente ao Sr. Ministro. Assim sendo, não posso dc forma nenhuma divulgar as propostas que irão ser apresentadas, mas posso, cm termos genéricos, dizer que sc vai lambem mitigar esse obstáculo, propondo a criação dc novos círculos judiciais, que lerão lugar atendendo, predominantemente, a dois problemas diversificados: serão desdobrados ou criados novos tribunais dc círculo nas zonas cm que os actuais juízes dc círculo sc encontram já assoberbados dc processos, ou seja, serão criados novos tribunais dc círculo para desbloquear situações já dc ruptura ou dc pré-ruptura, c serão também criados tribunais dc círculo naquelas zonas do País, como é o caso dc Trás-os-Montes c do Alentejo, cm que o acesso das populações às sedes dos círculos, ou por dificuldade dc transportes c dc trajectos ou pela distância dos mesmos, seja mais penoso c moroso.

Assim, a nível dc regulamentos, vai ser proposta a criação dc onze novos círculos judiciais, precisamente tendo cm mente estes inconvenientes que acabei dc referir. Gostaria dc referir ainda que uma outra linha mestra da proposta dc lei orgânica tios tribunais é a criação dos tribunais dc pequenas causas. Esta linha c importante porque o juiz da comarca vai ficar, nalguns casos, sem um número razoável dc processos que até agora lhe eram distribuídos (acções ordinárias c os processos dc querela), processos esses que passarão para os tribunais dc círculo. Ou seja, o juiz dc comarca vai ficar como que desonerado dc um número importante dc processos —c digo importante porque podem não ser muitos, mas são normalmente processos complexos— c, por outro lado, vai-sc-lhe tentar retirar,

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sobrciucio a nível dc grandes ceñiros, aquelas «breque-lagcns» penais ou cíveis que poderão ser endossadas aos tribunais dc pequenas causas. Portanto, mesmo a nível dc tribunais dc comarca, vai haver uma preocupação muito grande dc redimensionar os recursos humanos c dc redimensionar essas convocações judiciais existentes, por forma a criar uns tribunais mais equilibrados.

Ainda uma linha importante — c essa, como disse há pouco ao Sr. Presidente c aos Srs. Deputados, não a posso divulgar, por uma questão até dc ética, mas adiantarei que estamos a trabalhar nisso c que os respectivos csiudos estão já bastante avançados— é a dc sc aproveitar a regulamentação da lei orgânica para, no decreto regulamentar, os tribunais ficarem equilibrados com o número dc juízos, juízes c funcionários que, dc facto, são necessários, entrando cm linha dc conta com o número dc processos c com a pontuação que advém dessa saída dc processos para os tribunais dc círculo ou, eventualmente, para os tribunais dc pequenas causas. Neste caso, a meu ver, a regulamentação vai ser um tcxio fundamental para a organização do espaço judicial português.

Para além disso, devo dizer que o tribunal dc círculo tem, a nível da organização judiciária, a enorme vantagem dc poder vir a ser, cfccivamcntc, um pólo judicial. É essa a ideia que temos cm mente, há uma proposta dc diploma que está já cm fase avançada — c, aliás, lerá dc ser entregue na Assembleia da República proximamente—, que é a das perícias médico-lcgais, pois é um diploma que está cm csircita ligação com o Código dc Processo Penal, diploma esse onde sc propõe a criação dc gabinetes médico-lcgais, c, quando propomos a criação desses gabinetes, estamos a pensar já nos tribunais dc círculo.

Quanto à reinserção social, devo dizer que, sc os tribunais dc círculo forem aprovados, haverá pólos a nível desses mesmos tribunais, sendo feito aí o apoio sociológico, psicológico c psiquiátrico c, consequentemente, teremos, a nível dc tribunais dc círculo, pólos dc atracção, a meu ver. fundamentais. Ainda nesse aspecto, direi que sc vai trabalhar com muita veemência na informatização dos tribunais. É óbvio que não poderemos informatizar 217 comarcas, que são as que existem actualmente no País, mas que poderemos informatizar 40 tribunais dc círculo. Consequentemente, a informatização dos tribunais estará cm estreita ligação com a estrutura que sc apontar na proposta dc lei orgânica dos tribunais.

O Sr. Presidente: —Tcin a palavra o Sr. Dr. Gonçalves da Cosia.

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Gostaria dc adiantar, ainda a propósito do tribunal dc círculo, que o novo Código dc Processo Penal supõe essa separação absoluta entre o juiz singular c o tribunal colectivo dc que falou o Sr. Dr. Borges Soeiro. É, portanto, uma medida que o novo Código supõe que irá ser adoptada, pois as várias disposições desse novo Código apontam para esse sentido. Devo dizer uimbém que neste último trabalho sc ponderaram os inconvenientes para as populações, que terão dc sc deslocar cm consequência da instituição desses tribunais, mas que, por isso mesmo, sc acrescentou ao projecto inicial a norma que prevê a possibilidade dc o tribunal optar pela deslocação à comarca onde residam a maior parte das testemunhas quando a deslocação destas sc mostrar dc lodo incomportável.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra a Sr.a Dr.a Maria Francisca Rcbordâo.

A Sr.? Dr.a Maria Francisca Rebordão: — Gostaria dc referir que nos trabalhos dc elaboração da actual Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais sc partiu muito da realidade, ou seja, dos problemas concretos que afectam os nossos tribunais c que foi, a partir daí, que procurámos dar soluções c encontrar a melhor via para o melhor funcionamento da administração da justiça cm Portugal. Ainda nessa linha, c além daquilo que o Sr. Dr. Borges Soeiro e o Sr. Dr. Gonçalves da Costa já disseram em relação aos tribunais dc círculo, gostaria dc acrescentar que houve a preocupação dc que fosse feita a especialização dos tribunais na actual Lei Orgânica. Isto está previsto nesta lei através da possibilidade dc especialização dos juízes a nível geral do País, quer dos juízes dos tribunais dc círculo, quer dos juízes dos tribunais dc comarca. Prcviu-sc ainda, nessa linha dc especialização, a possibilidade dc, nas circunscrições judiciais onde não sc justifique a existência por si só dc um tribunal dc competência especializada, este tribunal poder agregar u si outras matérias — como será, por exemplo, o caso da polícia c o caso criminal — através da criação dc tribunais dc competência especializada mista, bem como a possibilidade da criação dc tribunais dc competência específica mista, nomeadamente através da criação dc tribunais dc menores c dc tribunais dc família.

Gostaria ainda dc salientar que houve a preocupação dc retirar aos juízes — c isto lendo cm vista ainda um melhor funcionamento — funções que poderão eventualmente ser entregues, nomeadamente, aos secretários judiciais c que houve ainda a preocupação dc criar meios alternativos dc justiça judicial. Prcviram-sc os julgados dc paz c a possibilidade da arbitragem c da conciliação.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Dircctor-Gcral, ouvi a sua exposição, mas sinceramente devo dizer que há problemas que não estão ainda perfeitamente claros no meu espírito c que por isso gostaria dc esclarecer essas dúvidas que lenho. E para começar pelo fim, gostaria dc referir — c uilvcz seja esta a questão fundamental, como V. Ex.° compreende, porque colaborou também na feitura desta proposta dc lei — que toda cia está feita cm moldes dc abertura ao desconhecido. Temos uma disposição, o artigo 112.°, que diz o seguinte: «O Governo regulamentará a presente lei por decreto-lei no prazo dc 90 dias. Esta lei entrará cm vigor no dia cm que entrar cm vigor o diploma que a regulamentar», o que significa, como já aqui também foi dito por V. Ex.", que o Governo, ao mesmo tempo que elaborou esta proposta dc lei, está a elaborar o decreto regulamentar que há-dc preencher o vazio das disposições que, para nós, não sc entendam sem esse mesmo decreto regulamentar

Assim, a primeira qucslão que gostaria dc lhe colocar é a da necessidade que sentimos dc saber intcrprclrar esla proposta dc lei, airaves do decreto regulamentar que a há-dc concretizar, cm lermos lais que toda a gente possa entender o que é que ela quer dizer.

Sc fosse preciso — mas não o 6 — poder-lhe-ia citar inúmeros exemplos dc disposições que constam desta proposta dc lei c que só serão perfeitamente compreendidas quando percebermos, através do tal decreto regulamentar, o que c que está no pensamento do legislador. Isto, aliás, é uma tendência que não sc justifica muito bem, porque, já aqui foi também dito, quando sc começou a discutir o novo Código dc Processo Penal, sc encontravam aí disposições que pressupunham outras disposições. Esla forma dc

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legislar é, do meu pomo dc visia, um pouco irregular, porque, se sc pressupõe qualquer coisa quando sc legisla, essa «qualquer coisa» deveria cslar também referida, pois dc outra forma nüo sc entende bem aquilo que sc está a legislar. Consequentemente, neste caso concreto, o decreto regulamentar c fundamental c fazia desde já um apelo ao Sr. Dircctor-Gcral — no caso dc, porventura, esse decreto já estar feito, ou cslar cm vias dc claboraçüo, sendo já possível ter acesso a ele —, para que o seu texto nos fosse fornecido, dc forma que pudéssemos perceber o que é que sc quer dizer cm muitas das disposições que aqui constam.

Em segundo lugar, gostaria dc lhe colocar uma outra qucslüo, também conexa com esta, que é a seguinte: V. Ex.8 referiu que será proposta a criaçüo dc onze novos círculos judiciais — c isto certamente que também constará do decreto regulamentar—, mas devo dizer que ouvimos aqui um perito nestes assuntos que prestou o seu contributo aos trabalhos desta Comissão c que falou na hipótese da criaçüo dc 50, 60 ou 70 tribunais dc círculo. Nüo sei o que é que estará por detrás dc tudo isto, ou seja, sc ainda não assentaram devidamente qual o número dc tribunais dc círculo que sc vão criar, sc já assentaram, onde é que eles sc localizam —cm Lisboa, sc no Porto, sc na província—, quantos cm Lisboa, quantos no Porto c quantos na província.

É necessário sabermos isto para podermos averiguar sc, efectivamente, há uma cobertura que lenha alguma justificação. Por outro lado, há que saber sc, pelo contrário, os encargos c os ónus que sc vierem a atribuir às populações para sc deslocarem aos centros onde sc localizam os tribunais dc círculo terão ou não justificação. Sc, efectivamente, tivermos um tribunal dc círculo cm Viseu c virmos que as pessoas dc, por exemplo, Oliveira dc Frades tem que lá sc deslocar, isio terá dc ler uma justificação enorme. O mesmo acontece, por exemplo, cm Bragança. Sc alguém dc Allãndcga da Fé tiver dc ir a Bragança, lem dc percorrer muitos quilómetros. Sc, por exemplo, o tribunal dc círculo sc localiza cm Vila Real, uma pessoa dc Boticas que lá tiver dc ir tem dc percorrer lodo o distrito, que são umas dezenas dc quilómetros. Isto é, a apreciação, cm lermos concretos, da bondade ou não deste diploma cm relação à criação dc círculos judiciais depende muilo dc nós sabermos o que é que está por detrás do pensamento do legislador c, cm concreto, do decreto regulamentar que pensa publicar. Esiabclccc-sc aqui que o decreto regulamentar será publicado na mesma altura cm que entrará cm vigor este diploma.

Por outro lado, V. Ex.? disse que este tribunal dc círculo nüo é uma repetição do tribunal dc grande instância francês. E disse que nüo é uma repetição porque o tribunal dc grande instância é um tribunal dc recurso c este não é. A minha pergunta é, então, a seguinte: sc não tem correspondência com o tribunal dc grande instância, o que é. afinal, este tribunal dc círculo cm lermos dc direito comparado? É uma criação nossa? Somos nós que estamos u criar unia novidade judicial? Haverá algum país que também tenha esta novidade? Quais foram os resultados do que aconteceu nesse país? Isto também mc parece imporiamc cm termos dc direito comparado para podermos apreciar, na prática, aquilo que nós não temos. Temos dc legislar, temos de aprovar ou rejeitar este diploma c, portanto, temos necessidade dc saber sc cie já foi testado nalgum país c sc teve bons ou maus resultados.

Ainda cm relação aos tribunais dc círculo, gostaria dc colocar uma outra questão: V. Ex." disse que no sistema actual o juiz dc círculo só tem conhecimento dos processos numa fase adiantada. Não sei sc isto é bom ou mau.

Encontro-mc um pouco afastado das lides processuais, porque só posso dar a minha contribuição durante os fins-dc--semana. No entanto, encontro os processos já mais ou menos elaborados.

Como advogado que sou, não sinio dificuldades nenhumas cm pegar nos processos. O juiz dc circulo vai encontrar o processo já pronto para julgamento. Portanto, já tem disposto lodo o processo, sem ler tido os incómodos de o ler instruído c dc o ler orientado até lá. Não sei sc isto terá alguma repercussão no seu conceito sobre a verdade ou a falsidade das afirmações feitas nos articulados. Suponho que nüo, porque isso só surge mais tarde, ou seja, na allura do julgamento. Portanto, também não vejo grande dificuldade cm que sc mantenha esse sistema por esse preço c com esse argumento.

V. Ex.' também referiu que o n.8 3 do artigo 85.* desta proposta dc lei permite que os tribunais dc círculo funcionem excepcionalmente nos locais onde as questões têm a sua origem. Porem, estabeleceu como ponto dc referência possível para essa deslocação que as comarcas estejam muito distantes c que as testemunhas residam todas lá. Percebi agora o que é que significam estas «circunstâncias ponderosas». Aliás, dc outra fornia não o conseguiria perceber. São estas as únicas que constam do decreto regulamentar? Há outras condições? É preciso que alguém requeira que o juiz tome cm consideração estas circunstâncias? E, pelo contrário, o juiz dc círculo que vai, espontaneamente, decidir destas circunstâncias?

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários:—O

Sr. Dcpuüido Armando Lopes referiu aqui que esta proposta dc lei é como que uma abertura ao desconhecido. Discordo desta afirmação, Sr. Deputado. E discordo porque estamos, fundamentalmente, perante uma lei dc bases, que marca com nitidez as grandes linhas da organização judiciária portuguesa. Não é cm sede dc proposta dc lei, mas sim em sede dc decreto regulamentar que, por hipótese, vamos classificar as comarcas, que vamos definir quais são as comarcas a criar c as que são para extinguir, que vamos determinar que a comarca A é dc acesso final ou dc primeiro acesso ou sc é dc ingresso, que vamos ver sc os círculos judiciais sc mantêm tal c qual com o número das freguesias existentes na actual legislação ou sc a freguesia do concelho Y vai para o concelho X. Portanto, julgo que uma proposta dc lei deste nível tem sempre a suportá-la um decreto regulamentar minucioso, feito, tecnicamente, com dados estatísticos. Se assim não fosse, leríamos uma lei orgânica dos tribunais que desceria a pormenores técnicos dc tal modo ínfimos que desvirtuaria aquilo que pretende ser uma lei dc bases.

É claro que teria muilo gosto cm entregar à Assembleia da República c ao Governo o projecto dc regulamento. Efectivamente, o decreto regulamentar só pode ser apresentado a partir do momento cm que esta proposta dc lei seja aprovada.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Isso é um sofisma!

O Orador: — Não é sofisma, Sr. Deputado. A Assembleia da República pode c deve fazer algumas alterações. Qualquer alteração que sc faça tem, obviamente, implicação no regulamento. Porianto, um regulamento não pode ser leito antes da aprovação dc uma lei de bases. E por essa

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razão que nem o Sr. Ministro tem ainda acesso ao texto do decreto regulamentar. Nós nao temos ainda nenhuma realidade entre mãos.

Relativamente aos novos círculos judiciais, o Sr. Deputado Armando Lopes disse que foi aqui afirmado que ficaríamos com 70 ou 80 círculos. A única coisa que lhe posso dizer ó o seguinte: neste momento temos 37 círculos judiciais c será proposta a criação dc 11 novos círculos judiciais. Isto exceptuando os tribunais dc círculo dc Lisboa c do Porto. Nos tribunais dc círculo dc Lisboa c do Porto haverá, dc harmonia com a proposta dc lei, uma diferenciação entre varas cíveis c juízos penais. Portanto, haverá um certo número dc varas cíveis cm Lisboa c no Porto c um certo número dc juízos penais cm Lisboa c no Porto. Exceptuando os tribunais dc círculo dc Lisboa c do Porto, será proposta a criaçüo dc mais 11 círculos judiciais. Nessa proposta de criaçüo teve-sc a prcocupaçüo dc evitar a menor carga dc incómodos c dc ónus para as populações.

Relativamente a distâncias, posso dizer aos Srs. Deputados que 40 % das comarcas distarão, tal como está proposta a regulamentação, menos dc 25 km das sedes dos tribunais dc círculo. Por outro lado, 42 % das comarcas dis-tarüo cerca dc 25 km a 50 km das referidas sedes. Daqui rcsului que 82 % das comarcas distarão menos dc 50 km das sedes dos tribunais dc círculo. Só 18 % 6 que cstarüo a mais dc 50 km. Muitas destas comarcas distarão, dc facto, os 50 km. Portanto, ó rara a comarca que distará uma distância relativamente elevada. Dc qualquer forma, dois terços das comarcas distarüo menos dc 38 km das sedes dos tribunais dc círculo. Penso que este número c importante. Conforme podcrüo verificar, tivemos aqui a máxima preocupação, porque pensámos que o tribunal dc círculo c efectivamente importante, mas que pode haver incómodos para as populações. Tentámos minimizar ao máximo esses incómodos. Julgo que 38 km nos tempos dc hoje não será uma realidade muito excessiva c penosa.

O Sr. Deputado Armando Lopes também perguntou o que é o tribunal dc círculo. O tribunal dc círculo é um tribunal dc 1." instância dc competencia genérica, mas que também pode ter competências especializadas. Pcrguniou--inc também sc lá fora, no estrangeiro, existem tribunais dc círculo. Posso-lhe dizer que há tribunais com as características do tribunal dc círculo, mas que nüo têm forçosamente essa designação. Rcfcriu-sc há pouco o Tribunal dc Grande Instância cm França. Em Itália também há uma diferenciação, ou seja, há o juiz pretor, que julga cm instrução criminal a parte civil. Em Espanha há os tribunais dc distrito, que julgam acções sumaríssimas até 400 000 pesetas e têm também instrução criminal, c os julgados provinciais.

Portanto, a nível europeu o tribunal dc círculo está bem acampanhado. Como podem verificar, a experiência não tem sido má. Creio que esta é a forma mais rentável dc aproveitar os recursos humanos que temos, quer a nível dos magistrados, quer dc oficiais dc justiça. Há que localizar os julgamentos do tribunal colectivo na sede do círculo. É este o entendimento do grupo dc trabalho. Relativamente à última questão colocada pelo Sr. Deputado Armando Lopes, gostaria dc dizer o seguinte: o Sr. Deputado perguntou sc seria desvantajoso o juiz instruir o processo. O problema não sc levanta cm processo penal, porque aí não é o juiz dc julgamento que instrói o processo, mas sim o juiz dc instrução criminal. Relativamente ao processo civil, julgo que há uma grande vantagem cm o juiz do cível instruir o processo. Quando o juiz vai hoje lazer um julgamento tem, por exemplo, a especificação c o questionário leito por um

colega. Até que entre na forma do colega sc exprimir, dc escolher os factos, dc quesilar perde mesmo muilo tempo, já que isso é difícil, lento c demorado.

Sc o juiz fizesse toda a instrução do processo, se seguisse todos os incidentes da instância, sc fizesse a especificação c o questionário, enfim, sc conhecesse o processo desde o seu início, estaria numa situação muito mais favorável para o julgamento do que aquele que não seguiu o processo desde o seu começo. Como juiz dc cível que sou, falo por experiência própria!

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Queria, antes dc mais, aprcscniar cumprimentos a VV. Ex.M, que tiveram a gentileza dc vir aqui prcslar-nos alguns esclarecimentos. Gostaria dc pedir ao Sr. Dircctor-Gcral e à Sr.* Dr.* Maria Francisca Rcbordão que não levem a mal que ncsla palavra dc cumprimentos preferencie o Dr. Gonçalves Costa, que conheço há muitos anos c por quem nutro sentimentos dc estima c dc admiração.

É óbvio que a questão essencial que esta lei orgânica levanta é a que diz respeito à criação dos tribunais dc círculo. Como já tive ocasião dc exprimir, considero que esta é uma boa solução. Isto não lanio pela razão que o Sr. Dirccior-Gcral preferenciou para defender a solução, mas sim porque considero que a qucslão dc ser um juiz que participa no julgamento a instruir o processo não é novidade nenhuma. Até aqui só era um dos juízes do colectivo que instruía o processo c que depois participava no julgamento. Creio que com a solução dos tribunais colectivos lambem passará a haver um juiz do processo. Portanto, cm relação a essa posiçüo nada sc modificará substancialmente. O que acontecerá é que haverá um juiz a instruir o processo c que só faz aquele tipo dc julgamentos. Assim, cie não lerá dc sc dispersar por muitos outros julgamentos, como, aliás, acontecia ale aqui. Creio que neste domínio não há uma alteração qualitativa. Süo outras razões — a que já fiz referência — que mc levam a pensar que isto é realmente uma boa soluçüo.

Parccc-mc até que já nüo há razões para pôr cm dúvida a bondade da soluçüo, na medida cm que ao aprovarmos a lei dc autorização legislativa do Código dc Processo Penal já estamos a apontar claramente para uma solução deste tipo. Dc resto, isto já foi salientado pelo Dr. Gonçalves da Costa. Todos nós tínhamos, dc algum modo, essa percepção. Sabíamos que, pelo menos no domínio penal, o próprio Código dc Processo Penal apontava para uma solução deste tipo.

É claro que esta solução será melhor, c para além da reforma do Código dc Processo Penal, sc houver rapidamente uma reforma do Código dc Processo Civil.

Tenho alguma dificuldade cm ver esle tribunal colectivo a julgar acidentes dc viação. Isto porque nesse tipo dc julgamentos há necessidade dc sc fazer deslocações ao local, lendo cm vista, lanio quanto possível, reconstituir o acidente. Entendo que, por exemplo, este tipo dc processos dc acidente dc viação carecem rapidamente dc uma outra forma dc processo mais rápida c expedita. Aliás, é islo que acontece um pouco por toda a Europa.

Era bom que todo este conjunto dc problemas pudesse ser articulado numa reforma mais global que contemplasse, desde logo, a qucslão do Código dc Processo Civil.

Fui perfeitamente sensível a argumentação que o Sr. Dircclor-Gcral apresentou dc que não era possível apresentar à Assembleia da República o projecto dc regula-

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mento. Isto porque este tem dc ser uma decorrência da lei c enquanto não houver lei não sc pode fazer o regulamento. Porém, sc sou sensível a este tipo dc argumento, a verdade é que, então, há necessidade dc clarificar algumas das disposições inseridas nesta proposta dc lei. São legítimas muitas das dúvidas em relação a algumas dessas disposições. A postura dc cada um dos grupos parlamentares dependerá, eventualmente, do sentido exacto que normas tão vagas e algumas disjuntivas podem ter.

O Sr. Dircclor-Gcral disse que os tribunais dc círculo seriam tendencialmente constituídos por juízes privativos. É isso que, no fundo, sc diz no n.v 2 do artigo 48.9 da proposta dc lei, onde sc refere «[...] serão, total ou parcialmente, constituídos por juízos privativos». O que é que isto significa? Isto é uma disposição tão csuanha que, numa primeira leitura que fiz desta proposta dc lei, até me permiti fazer uma interpretação que, neste momento, já sei que não é certa. Pensei que o «parcialmente» sc referia aos tribunais colectivos que comportam juízos sociais. Isto é, entendia que todos os tribunais colectivos deveriam ser constituídos por juízes privativos c o «parcialmente» estaria aqui apenas para contemplar essas hipóteses. Hoje já sei que não é assim. O Sr. Dircctor-Gcral, ao exprimir essa ideia dc que só eram tendencialmente constituídos por juízes privativos, demonstrou, uma vez mais, o erro daquela minha primeira interpretação. Sc assim c, então o que é o tendencial? Quando é que serão só por juízes colectivos? É nas grandes cidades? Nas regiões rurais, porventura, assim já não será? Mantém-se o sistema actual? Sc assim é, a reforma não 6 tão importante quanto parecia ser nem há uma alteração significativa. Isso poderia esvaziar bastante o conteúdo da reforma. Portanto, há que tornar mais precisa esta disposição c saber o que é que sc pretende com cia.

Ainda cm relação a esta criação dos tribunais colectivos, o artigo 86.*, referindo-sc obviamente a lodos os juízes, determina como é que csics são substituídos. A primeira indicação que nos dá c que são substituídos por outros juízes. No que diz respeito aos tribunais colectivos, por quem é que cies são substituídos? É pelos juízes dos tribunais singulares? Sc assim for, esta será, cnião, uma outra limitação ao conteúdo da reforma.

Dc uma passagem da exposição do Sr. Dircclor-Gcral ficámos a saber que havia csia distinção entre áreas metropolitanas c rurais. Precisou que a questão das varas só sc referia a Lisboa c ao Porto. Ora, do texio da proposta não resulta isso. É já uma interpretação regulamentar da proposta? Quando na proposta dc lei sc refere que sc podem criar varas, isso significa que tal só é possível, exclusivamente, cm Lisboa c no Porto?

Depois rcfcrc-sc, por exemplo, o tribunal das pequenas causas. E o que são pequenas causas? Não são, com certeza, as acções sumaríssimas cm processo penal, porque estas são da competência dos tribunais criminais. Haverá tribunais dc pequenas causas só nas áreas metropolitanas para descongestionar os outros tribunais ou poderão existir tribunais dc pequenas causas cm qualquer outro ponto do País? O que são exactamente pequenas causas? Em relação a isto a proposta dc lei não nos dá qualquer critério interpretativo.

Por outro lado, temos a questão dc ser o secretário a julgar cm matéria dc custas. Será que esta actividade, que é jurisdicional, vai ser atribuída ao secretário, ao não juiz constitucional? Em relação aos tribunais do trabalho, o artigo 66.° levanta uma questão, que não é suscitada por alguns magistrados, c que diz respeito ao problema dos juízes dos tribunais do trabalho, que, neste momento, presidem a colectivos. Eles continuarão, nos termos desta

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reforma, a presidir. Isto significa que irão ser equiparados a juízcs-prcsidcntcs do tribunal dc círculo. Sabemos que os juízes dos tribunais do trabalho, pelo menos nas áreas rurais, têm menos trabalho do que os juízes dos tribunais singulares. Isto não criará uma injustiça relativa?

Uma outra questão que gostaria dc levantar diz respeito ao artigo 103.9 Nos termos do artigo 103.9 os juízes dos tribunais dc círculo são nomeados cm comissão dc serviço. Os actuais corregedores passarão, automaticamente, a ser presidentes dos tribunais dc círculo. A comissão dc serviço pressupõe que exista um lugar dc origem. Em relação aos actuais corregedores não há um lugar dc origem. Para onde é que cies vão depois dc terminada a comissão dc serviço? Isto para não falar da questão de saber se a comissão dc serviço sc deve ou não manter.

A própria exigência dc ler dez anos dc serviço classificado como dc Muito bom para poder fazer pane do tribunal colectivo levanta uma questão dc ordem prática e que é a seguinte: há muitos magistrados que cm dez anos não conseguem ver classificado o seu serviço. Isto porque mudaram dc comarca, as inspecções não sc processaram com a regularidade dc vida, etc. Isto também não será uma outra fonte dc injustiça?

Em suma: não obstante a minha adesão à solução dc toda esta reforma c à criação dos tribunais dc círculo, gostaria dc preguntar como é que vai ser implantada a reforma. Refiro-me as questões práticas, aos meios materiais, às instalações, etc. Sc esta reforma for aprovada e implantada como é que irão funcionar os tribunais dc círculo? Aliás, sc sc mantiver o propósito dc pôr cm vigor o Código dc Processo Penal cm Junho, esta reforma terá dc ser rapidamente aprovada c implementada.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — O Sr. Deputado Andrade Pereira referiu, cm primeiro lugar, que o sistema actual já comporia a possibilidade dc o juiz que faz a preparação do julgamento poder estar presente no tribunal colectivo. Isto é verdade. O que sc passa no aclual sistema é o seguinte: o juiz da comarca, o juiz-vogal que prepara o julgamento não preside normalmente ao colectivo nem elabora a sentença cível.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Mas na proposta dc lei também não o faz, Sr. Dircclor-Gcral. O juiz do processo é um dos ires juízes do tribunal.

O Orador: — Sr. Deputado, nos termos da proposta, o processo é distribuído por um dos três juízes. O juiz que recebe o processo é o que vai presidir ao tribunal colectivo.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Mas só quando não esliver o presidente, Sr. Dirccior-Gcral.

O Orador: — Exacto, Sr. Deputado.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Portanto, só é assim excepcionalmente.

O Orador: — Sr. Deputado, a intenção da Comissão foi a dc fazer coincidir sempre a figura do presidente do tribunal colectivo com a do juiz do processo. Os n.os 4 c 5 do artigo 48.w da proposta dc lei configuram aqueles casos cm que, por vezes, há necessidade dc instituir um juiz-pre-sidenie no tribunal. Nesses casos, o Conselho Superior da

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Magistratura poderia nomear o vice-presidente. Reconheço que a redacção não c feliz, pois no artigo 41.", n.9 4, cm vez dc sc dizer que o presidente do tribunal colectivo «c nomeado» pelo Conselho Superior da Magistratura deveria dizer-sc «pode ser nomeado». Deveria dizer-sc que ao Conselho Superior da Magistratura sc pode dar, cm certos casos, sobretudo cm caso dc julgamentos dc natureza penal — o Código dc Processo Penal aponta para aí— a faculdade dc instituir a figura dc presidente do tribunal colectivo. Mas toda a construção da proposta dc lei orgânica toma como ponto dc partida que o juiz a quem c distribuído o processo 6 o juiz-prcsidcntc do julgamento, aquele que dá a sentença c que dirige os trabalhos da audiência.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): —Como V. Ex.? reconhecerá, isso c o contrário do que aqui está.

O Orador: — Sr. Deputado, o n.9 4 nüo 6 feliz, mas nesse caso a responsabilidade já nüo 6 do grupo dc trabalho. Este c um dos números cuja redacção deverá ser apurada.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Dr. Gonçalves da Costa.

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Srs. Deputados, ainda ontem à noite estive a confrontar o texto definitivo saído do grupo dc trabalho com este c a redacção que tínhamos pensado apontava no sentido dc o presidente do tribunal colectivo ser o juiz do processo c apenas isso.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dircclor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: —

Quanto aos restantes pontos que o Sr. Deputado Andrade Pereira referiu, posso dizer-lhe que o grupo dc trabalho teve a preocupação dc estarem estreita colaboração com a reforma do Código dc Processo Civil. Muitas das disposições desta lei orgânica, no que diz respeito ao Processo Civil, estão elaboradas dc harmonia com as conclusões a que a comissão dc reforma já chegou.

O Sr. Deputado também perguntou qual era o critério para, nuns casos, os tribunais dc círculo poderem ser constituídos só por juízes privativos c noutros casos parcialmente por juízes privativos. A destrinça resulta do seguinte: ao nível dc lei orgânica apontamos para unia bitola entre os 150 c os 200 processos por ano por cada juiz do tribunal dc círculo...

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Disse 200?

O Orador: — Sim. O máximo dos máximos serão 200. Ora, alguns círculos judiciais não têm movimento para possuírem três juízes privativos, portanto, o número de juízes privativos dos tribunais dc círculo será lixado dc harmonia com o movimento dos respeclivos tribunais dc círculo. Assim, a regra é serem três juízes privativos, mas há casos cm que, pelas razões que referi, não poderão ler esse número dc juízes privativos. Terão dois ou, excepcionalmente, apenas um.

A substituição dos juízes dos tribunais dc círculo é feita segundo as regras gerais c com a intervenção do Conselho Superior da Magistratura.

Quando há pouco referi a possibilidade dc serem criadas varas c juízos penais ao nível dc tribunal dc círculo, rclcria--mc aos casos dc Lisboa c Porto, que são os mais flagrantes. Pessoalmente não mc repugna que seja alargado a

outras comarcas onde o volume c a complexidade dc processos o justifique. Efectivamente, o projecto dc lei orgânica não diz que é só cm Lisboa c no Porto, fala cm Lisboa e no Porto mais para as comarcas limítrofes. Mas, cm relação às varas c aos juízos penais, não fala cm Lisboa c no Porto. Portanto, esta questão pode ser alargada a outras grandes comarcas do País. Nada repugna a isso c até é uma vantagem da maleabilidade com que está redigido o projecto.

O Sr. Deputado Andrade Pereira também perguntou o que são pequenas causas. Nós não as definimos — o que dizemos c que a qualificação dc pequenas causas está aferida pela forma dc processo empregue. Isso já quer dizer alguma coisa. Significa que —c até é uma salvaguarda que sc pretendeu ao nível dc direitos, liberdades c garantias— só podem ser criados tribunais dc pequenas causas aferindo-sc à [ormu íle processo utilizada. Por exemplo, os processos menos solenes como o processo sumaríssimo ou mesmo o sumário do Código dc Processo Penal ou o processo sumaríssimo do Código dc Processo Civil deverão ser endossados aos tribunais dc pequenas causas. A única referência que fazemos é quanto à forma dc processo empregue.

Quanto ao problema dc os secretários julgarem matéria dc custas, tenho as mesmas dificuldades do Sr. Deputado relativamente aos problemas que levantou, sobretudo quanto à constitucionalidade. A meu ver, há duas interpretações possíveis: a que considera que a condenação cm custas faz parte integrante da sentença c, sc faz, é um acto jurisdicional, não podendo ser endossado ao secretário judicial, c a que considera que cia é algo já estranho à sentença, pois esta acaba quando condena ou absolve. Pessoalmente, sigo mais a tese dc que a parte das custas deve ser expurgada do teor condenatório ou absolutório da sentença c que pode ser endossada ao seercuírio. Reconheço, porem, que sc trata dc uma matéria discutível.

Relativamente aos tribunais do trabalho, o artigo 51.', n.9 1, diz o seguinte: «O tribunal colectivo c o tribunal dc júri funcionam nos tribunais dc círculo, salvo os casos cm que aquele deva intervir cm tribunais dc competência especializada.» Com a frase «salvo os casos cm que aquele deva intervir cm tribunais dc competência especializada» quis-se precisamente referir que os tribunais dc competência especializada — pensava-sc designadamente nos do trabalho — não integram o tribunal dc círculo. Portanto, não obstante poderem os tribunais do trabalho funcionar cm tribunal colectivo, não integram o tribunal dc círculo. O tribunal dc círculo será o tribunal dc julgamento cível c dc julgamento crime.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Mas a questão não é essa. É que o artigo 66.9, n." 1, diz que o tribunal colectivo deve intervir acompanhado por dois juízes sociais.

O Orador: —Certo, Sr. Deputado. Foi o que cu disse. O tribunal do trabalho funciona com um juiz singular c cm julgamento colectivo. Agora, o tribunal do trabalho não integra o tribunal dc círculo. Este último é apenas para julgar matéria cível c matéria crime precisamente pela excepção que está comida no artigo 51.°, n.p 1.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Só que há tribunais colectivos ...

O Orador: — Mas não constituem o tribunal dc círculo.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): —Certo, só que a minha i/ucsião 6 dc ordem mais prática: o problema das remunerações. A verdade é que eles continuam equiparados ...

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O Orador: — E não ficam a ser considerados juízes dc tribunal dc círculo.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Mas são juízes que presidem a tribunais colectivos ...

O Orador: — Mas que não são tribunais dc círculo.

Relativamente ao artigo 103." c no tocante às comissões de serviço, prctcndcu-sc que fosse o Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão dc gestão dos magistrados, a nomear os magistrados cm comissão dc serviço, nomeação essa que não 6 discricionária c está sujeita aos requisitos da antiguidade c da classificação.

A dificuldade que o Sr. Deputado referiu relativamente ao facto dc haver a possibilidade dc magistrados com dois anos dc serviço não lerem classificação ou terem uma classificação baixa, penso que hoje sc não coloca, uma vez que as classificações estão a ser feitas dc dois cm dois anos. Posso dizer-lhes que cm quinze anos dc magistratura fui inspeccionado seis vezes c não sou um caso excepcional.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — isso c para dar a média dos dois anos.

O Orador: — Dá dois, ires anos. Ao nível dc implantação da reforma, pois recursos humanos existem, como o Sr. Deputado já reconheceu, lemos um superavit dc magistrados judiciais que ronda os 90. Ao nível dc oficiais dc justiça, abrimos agora um curso para escrivães c irão ser chamados 120, portanto a este nível também não temos problemas. Quanto a instalações, poderá haver alguns problemas. No entanto, penso que a orgânica criada ao nível dc tribunais com a criação dc tribunais dc círculo é pouco pesada, pois a maior parle dos círculos cxistcnics já está a funcionar com dois juízes — há um juiz c outro auxiliar. Portanto, lemos dois gabinetes para juízes dc círculo. Será necessário mais um gabinete para um juiz c mais uma pequena secção dc processos.

O número dc processos distribuídos aos tribunais dc círculo não será superior a 200 por magistrado.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — Sr. Dircctor-Gcral, mas isso parte do princípio dc que a criação dos tribunais dc círculo fará diminuir os juízes singulares.

O Orador: — Nalguns casos pode diminuir.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): — É que cslar a contar com o gabinete dos juízes singulares supõe mesmo ...

O Orador: — Não, Sr. Deputado. Falei dos juízes--presidentes dc círculo. Actualmente, ao nível dc círculos, a grande maioria está com dois juízes — o juiz-presidenic do círculo c o juiz auxiliar. Porianlo, será necessário mais um gabinete c uma pequena secção dc processos, onde normalmente não serão necessárias mais dc quatro ou cinco unidades.,

A sua subpergunta também é verdadeira: pelo facto dc sc criarem tribunais dc círculo vai haver comarcas, c não vão ser poucas, que irão ver diminuído o seu quadro dc magistrados. Isso está fora dc dúvida.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. .José Magalhães (PCP): — Antes dc mais, queria agradcccr-lhcs pelas informações que nos deram c que

resultaram não só dc perguntas feitas pelos Srs. Deputados como também daquilo que consideraram pertinente transmitir.

Não é dc estranhar que a Comissão lenha manifestado particular interesse cm debater convosco toda a problemática relacionada com a nova organização judiciária, uma vez que foi, cm grande medida, do vosso trabalho e dos estudos preparatórios desenvolvidos no âmbito da Comissão que terão resultado algumas das opções que são propostas à Assembleia da República. Em lodo o caso, aquilo que já nos disseram e aquilo que vos dissemos cm iroca ter--vos-á dado conta das nossas dificuldades face a alguma coisa que conhecemos com dados que, ao contrário do que acontece com a Comissão, não estão na nossa posse.

A Comissão tem sobre nós a enorme vantagem dc ter as projecções, os estudos preparatórios, a fundamentação concreta dc algumas das opções que sendo puramente disjuntivas são dc perspeclivaçáo muilo difícil sem os elementos que vos solicitamos. Por outro lado, apcrccbi-mc dc que não sendo a reforma articulada com outras reformas c tendo cia aparecido até depois da elaboração do Estatuto dos Magistrados Judiciais, da Lei Orgânica do Ministério Público c até da aprovação do Código dc Processo Penal, surge, cm vosso entender, dc certa forma articulada com essas reformas. Há certas soluções que aqui pressupõem outras, algumas das quais, neste momento, não são lei, mas que VV. Ex." esperam que seja lei sólida. Compreenderão, porém, que a Assembleia da República não pode ter a mesma solidez na definição dc pressupostos desse lipo. Devo dizer que mc impressiona um pouco o modo como a proposta vem fundamentada, isto é, leria esperado que o preâmbulo ou, pelo menos, um estudo preparatório acompanhando a proposta dc lei nos fornecesse alguns desses elementos que agora vos estamos a pedir.

Sc nos é proposta uma nova ossatura básica dc organização judiciária c sc nos é dito, como o Sr. Dr. Borges Soeiro sublinhava no outro dia numa tribuna pública, que essa ossatura é para aplicar dc forma sistemática no lodo nacional —o que, creio, só será verdade numa óptica dos anos 80-90, mas não no plano imediato— c que implicará o redimensionamento dc comarcas, a alteração do quadro dc magistrados, etc, o mínimo que a Assembleia da República pode fazer é perguntar que quadros dc magistrados serão alterados, que profundas mudanças haverá cm relação à própria dimensão do território c por aí adiante. Tenho alguma dificuldade cm formular as especificações necessárias porque, por um lado, há opções que aparecem, com bastante melindre, na proposta, c somos sensíveis a algumas das observações que nos tém sido transmitidas sobre esta matéria por magistrados c funcionários. Há opções melindrosas c algumas dessas já foram afloradas na exposição do Sr. Dircctor--Gcral. Haver tribunais colectivos ao pé da porta tem vantagens, mas também tem desvantagens. Por exemplo, a participação do juiz singular nos colectivos tem inconvenientes, mas também tem vantagens: forma os juízes singulares. Não é dispiciendo. Sc cortamos isso, o que é que acontece aos nossos juízes? A Comissão ponderou suficientemente nas consequências do novo estatuto do juiz singular? Quais serão? Isto é aquilo que cu chamaria uma opção melindrosa. Há outras opções melindrosas deste tipo: colectivos com magistrados privativos têm vantagens, mas iaml)éin pode significar a marginalização dos juízes singulares para além dc significar aquilo que tem sido sublinhado pelos Srs. Deputados, designadamente maior distancia, dificuldades, audiências que sc prolongam, etc. A imagem agradável c simpática dc um julgamento que sc

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realiza no próprio dia, cm que as testemunhas vem com os novos meios dc transporte, chegando no bom dia, lendo garantia do julgamento c indo cm paz com a justiça feita, pode muilo bem nüo acontecer. As audiências podem pro-longar-sc, as testemunhas podem ter dc ficar presas nos 38 km que, todavia, significam alojamento, despesas dc transporte, dc alimcntaçüo, etc. O que ó que isto significa? E uma opçüo melindrosa.

Outras opções melindrosas süo, por exemplo, os tribunais dc pequenas causas. É possível, sabc-sc que é um meio típico de descongestionamento. Devo dizer-lhe que não temos nenhum preconceito ideológico contra os tribunais dc pequenas causas, apenas sabemos que, cm certas circunstâncias, podem funcionar como elementos dc justiça dc segunda, dc terceira ou dc quarta c dc profunda injustiça, sobretudo sc nüo for acessível, sc nüo for gratuita ou quase c sc nüo tiver certas garantias dc dignidade, dc eficácia, cie. É uma opçüo melindrosa. Está na proposta, mas nüo suficientemente fundamentada, até porque não sc diz o que sejam, cm concreto, os tribunais dc pequenas causas. É suposto que venham a ser delineados c, como bem saberão, no sistema constitucional que temos 6 a Assembleia da República que tem competência para fazer essa opçüo c esse delineamento. Propõem-nos, no entanto, que o façamos cm tennos completamente vagos. Considero que aqui, mais do que uma opção melindrosa, 6 uma opçüo que, feita inconsideradamente, pode ser perigosa, 6 uma opçüo que, cin abstracto, seja sedutora c ate meritória. Em concreto, pode ser uma pcrvcrsüo.

Nüo vale a pena enunciar muitas mais, mas, por exemplo, cm rclaçüo ao princípio da especialização, longe dc nós considerar que esse princípio 6 negativo. Pelo contrário, a cvoluçüo dc uma justiça adequada, competente c eficaz aconselhará um grau determinado dc especialização. Mas isso pode significar, no funcionamento concreto da justiça portuguesa, a truncagem da carreira dc uma quantidade dc juízes, pode significar o conlinamcnlo dc certo tipo dc juízes aos tribunais dc polícia, outros aos círculos c outros aos tribunais onde foram parar. Creio que poderá introduzir uma divisão perigosa no seio das magistraturas c colocar problemas dc gcstüo do sistema também bastante perigosas.

Estas perguntas que vos fazemos c que apelam a clarificações, nomeadamente saber cm que medida ponderaram as implicações por vezes ambíguas dc certas escolas que aqui estão, procuram apenas situar-vos quão difícil é o trabalho da Assembleia da República — que, no fundo, tem a responsabilidade dc decisão — sc o papel que nos colocam não for instruído com fundamentações que dêem resposta, pelo menos, a algumas das interrogações que fizemos. O segundo grupo dc dificuldades que mc impressiona mais do que o primeiro é perspectivar as consequências dc certas opções do texto. O Sr. Dr. Borges Soeiro há pouco dizia «dêem-nos as grandes opções c nós damo-vos o regulamento», mas não podemos dar grandes opções sem ter consciência exacta das consequências. E nesse sentido precisamos dc conhecer alguns dos vossos trabalhos, não certamente o texto do regulamento na sua perfeição final, mas algumas das projecções que a Comissão terá dc ter feito para responsavelmente poder propor o que propôs.

Compreendo que isso seja difícil, porque, por um lado, as formulações cslüo cm disjuntiva c não é por acaso que o Sr. Deputado Andrade Pereira exibiu há pouco o manancial interrogativo que exibiu c com o qual estou dc acordo cm muitos aspectos. O bónus pater famílias, 0 bom legislador ou o bom leitor terá dificuldades daquele tipo.

Não está discutido sc o legislador pode ser tão disjuntivo quanto isto, ou melhor, sc é recomendável, cm lermos dc modelo legislativo, que o legislador seja assim disjuntivo. É que isso implica — sobretudo conjugado com o último artigo da proposta dc lei que o Sr. Deputado Armando Lopes citou — que não só o modelo que o Sr. Dr. Borges Soeiro vem dizendo que é dc aplicação dc forma sistemática ao lodo nacional c que é uma nova ossatura básica poderá não ser dc aplicação nacional como lambem a ossatura básica poderá ser uma para, por exemplo, Trás-os-Monics, outra para as arcas metropolitanas, outra para as regiões autónomas, outra para Macau c isto pode criar não só problemas dc desigualdade como até problemas constitucionais. Temos dc perspectivar isso. Por outro lado, não consigo perceber dc onde vem a ideia dc procurar inventar uma norma que sem a mínima cspccificaçüo prevê que alguns «indcspccilicados» preceitos possam ver diferida a sua entrada cm vigor, segundo um calendário não especificado nem revelado c segundo critérios que também não constam da lei. Digamos que a Assembleia da República alé está tolhida constitucionalmente nos lermos do artigo 168.° dc conceder autorizações legislativas cm branco, lambem não deixará dc estar tolhida dc conceder, através dc um mecanismo dc vacalio ou dc mediação dc entrada cm vigor, aquilo que seria uma verdadeira autorização cm branco, uma vez que certas partes do dispositivo legal configurado poderiam não entrar cm vigor.

Não sei sc os senhores problematizaram islo. Gostaria dc saber sc o fizeram. Como é que ponderaram este artigo? O que presidiu a ele para além da vontade dc fazer um grande regulamento muito específico c muilo bonito?

Quanio à questão do regulamento específico c minucioso c da dignidade da lei, devo dizer que tenho uma opinião frontalmente divergente cm relação à que foi expressa, c não tenho problema algum cm dizê-lo. Como este diploma vai bulir com a qucslão da organização judiciária, lambem no que diz respeito às comarcas, c vai implicar a criação dc certas comarcas — não sei sc é intenção da Comissão ou sc há propostas no sentido dc extinguir comarcas, mas gostaria que também mc esclarecessem sobre csic aspecto — como entendem que vai ler dc haver mobilidade dos diversos agentes judiciários, estas questões, isto é, a divi.são do icrriiório, a mobilidade dos magistrados, etc., não são dc somenos importância. Constitucionalmente, lambem há uma responsabilidade que a Assembleia da República ou assume directamente ou atribui ao Governo, mus nas condições do artigo 168." da Constituição. Não podemos pura c simplesmente delegar o calendário c a implantação sem, pelo menos, fixarmos critérios, instrumentos c mecanismos.

Sc os senhores dissessem, por exemplo, que anualmente até 31 dc Janeiro c cm função dos recuros inscritos no Orçamento do Estado é publicado no Diário da República, mediante decreto-lei, a lista dos tribunais das categorias A, B, C c D a criar no ano respectivo, os quadros dc funcionários, os diversos pressupostos, incluindo as instalações, etc, aí csiaria uma coisa que leria cabimento c que obedeceria às regras mínimas. Não digo que politicamente estivesse dc acordo com isso, mas provavelmente do ponlo dc vista técnico seria razoável. Mas a proposta não faz nada disso. Diz, pura c simplesmente, que haverá tribunais que poderão ser desta ou daquela maneira, que poderão ter elementos cm full-iimc c elementos cm pan-iimc, que os colectivos serão isio, mas lambem serão aquilo. Mas, dc acordo com que calendário, com que ritmo? Não sabemos. Portanto, sc a Assembleia aprovasse isto não csiaria a aprovar unia grande opção, mas sim um grande mistério.

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Para além destas interrogações c destas reflexões, as perguntas concretas que tenho são as seguintes: quantas relações pensam que 6 necessário criar? Onde pensam criar secções dc relações? Como pensam dar cumprimento às exigências do Código dc Processo Penal cm matéria dc juízes dc instrução criminal, cm matéria dc competências do Ministério Público, cm matéria dc competência dos tribunais comuns, na parte cm que possam lê-los? Como estamos em matéria dc instalações judiciárias para dar cumprimento àquilo que imaginam ou entendem desejável como calendário dc aplicação daquilo que aqui pretendem que seja autorizado? Que quantificações há sobre o número dc magistrados necessários para ir cxccutanto nos projectos dc 1987, 1988 c 1989 os diversos programas?

No fundo, todas estas perguntas sc resumem numa: qual é o programa dc cxccuçüo da reforma cm 1987, cm 1988 c cm 1989, com o horizonte temporal que tenham utilizado? É que sem isso poderemos até fazer perguntas que lhes parcccrüo insólitas, o que resulta pura c simplesmente da textura c das características da proposta dc lei.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.' Deputada Odete Santos.

A Sr.« Odete Santos (PCP): — Sr. Presidente, irei colocar questões muito concretas. Uma delas, que diz respeito à qucslão da instalaçào dos tribunais, ocorreu-mc durante uma intervenção do Sr. Dircctor-Gcral. O Sr. Dircctor--Gcral disse que havia sítios onde já era possível instalar o tribunal colectivo, sendo fácil criando uma secção dc processos, etc. Ora, a pergunta que lhe faço é a seguinte: c a respeito dc instalações para salas dc audiências? Será que continuaremos a assistir a que a sala seja para o tribunal colectivo c que os juízes singulares façam os julgamentos nos gabinetes? Isto foi pensado?

Ainda cm relação às distâncias, o Sr. Dircclor-Gcral falou cm percentagens consoante os quilómetros, c cu gostava dc saber sc foi feito algum estudo cm relação à facilidade ou dificuldade dc meios dc transporte. É que pode haver comarcas que distem 20 km ou 30 km c haja muito mais dificuldade dc transporte do que uma que diste 50 km, 60 km ou 70 km. Pode fomecer-nos esses dados?

Relativamente à questão das alçadas c como o Sr. Dircclor-Gcral disse que esta proposta tinha sido feita com base cm dados muito objectivos, gostava dc saber a razão dos valores dela constantes, como é que eles foram atingidos c que repercussão isto irá ter relativamente aos recursos para os tribunais da relação c para o Supremo Tribunal dc Justiça. Pela minha parte, estou convencida dc que cies vão diminuir substancialmente, o que me preocupa muito sobretudo cm relação às questões dc trabalho, visto que o recurso lhes vai ser vedado c c nele que muitas vezes sc discutem questões dc direito melindrosas.

Por outro lado, também me parece que é a primeira vez que surge uma disposição dizendo que as alçadas são aplicáveis já aos processos pendentes. Deste modo, frustram-se as expectativas das pessoas que propuseram as acções, julgando que iam ter o direito ao recurso c afinal, sc a proposta vier a ser aprovada, ver-sc-ão sem esse direito.

Há lambem a questão do encarecimento dos preparos c das custas. Que estudos é que foram feitos c o que se apurou que tenha determinado o encarecimento da justiça para os cidadãos.

Por fim, gostava dc saber —há pouco foi colocada uma questão semelhante— que motivo levou a que sc

lixasse na proposta que os juízes dos tribunais colectivos deveriam Ficar cm comissão dc serviço. Dc facto, não entendo por que há-dc ser assim sc, até agora, nunca foi.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — Sr. Presidente, sc concordasse, seria o Sr. Dr. Gonçalves da Costa a responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Magalhães, que sc relacionam com as repercussões a nível do Estatuto do Magistrado.

Quanto às outras questões que o Sr. Deputado colocou, posso dizer que a nível de grupo dc trabalho tivemos que tomar opções melindrosas. Tivemos consciência disso c dc que estávamos a trabalhar para apresentar uma proposta dc uma organização judiciária que sc aplicasse ao todo nacional, que fosse absolutamente diversa da vigente c que sc apresentasse de uma forma coerente. Com essa preocupação tivemos também cm mente que toda a organização judiciária entrasse cm vigor cm bloco c não escalonadamente, a menos que não haja possibilidades dc ordem económica para lhe dar resposta, o que não me parece. Além disso, esta questão sai completamente das capacidades deste grupo dc trabalho.

O artigo 113.°, que referiu, que diz que a nova organização judiciária poderá ser aplicada escalonadamente no tempo é uma norma cautelosa, visto que, dc acordo com cia, sc, por acaso, houver obstáculos dc ordem financeira, podemos avançar com a proposta parcialmente, não impossibilitando, portanto, a sua aplicação naquilo que é mais urgente c mais premente. No entanto, a intenção do grupo dc trabalho foi aplicar todo este conjuno dc normas, sc vier a ser aprovado pela Assem blcia da Rcpúbl ica, ao lodo nacional.

O Sr. José Magalhães fJPCP): — O problema com que estamos defrontados resulta da circunstância dc a Assembleia da República ter aprovado o Orçamento do Estado para 1987, no qual sc prevê uma verba dc 3,5 milhões dc contos para o PIDDAC do Ministério da Justiça. Ora, o PIDDAC não é elástico. Por outro lado, no que toca às construções judiciais, prcvècm-sc cerca dc 711 000 contos. Quer dizer, é com este dinheiro — suponho — que a reforma vai ser aplicada, a não ser que — foi por isso que lhe fiz a pergunta— o Governo entenda, c a Comissão esteja informada, fazer determinados reforços dc verbas cm certas áreas.

Era precisamente isso que gostava dc saber, isto é, sc estão previsto reforços dc verbas, por exemplo, para construções ou para instalações ad hoc para dar cumprimento ao Código dc Processo Penal. Aliás, a própria lei dc autorização legislativa do Código dc Processo Penal não permite a sua entrada cm vigor sem a verificação dc determinados pressupostos dc carácter logístico, material, etc. Isto significa que a Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários c o Ministério vão dispor dc outros meios?

O Orador: — Sr. Deputado, cm primeiro lugar, devo dizer-lhe que a Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários não tem o pelouro da instalação dos tribunais. Essa atribuição cabe à Sccrcutria-Gcral c, portanto, não estou dentro do assunto. Dc qualquer forma, estou convencido dc que não vai haver problemas dc ordem económica.

Sei que, aquando da preparação do PIDDAC, sc teve cm consideração a possibilidade c a necessidade dc ampliar edifícios. Por isso mesmo, como certamente o Sr. Dcpu-

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lado sc recordará, foi decidido que um loic avultado dc serviços dc registo c notariado fosse desanexado dos tribunais, o que permitirá a sua ampliação. Portanto, a Sccrc-taria-Gcral teve presente que estava cm preparação uma nova lei orgânica que determinaria a necessidade dc novas instalações. Aliás, amanhã mesmo vou com o Sr. Sc-crciário-Gcral ver lodo o espaço cxisicnic cm Lisboa c que 6 propriedade do Ministério da Jusúça para tcniar instalar tribunais c tribunais dc instrução criminal, os quais, cm consequência da entrada cm vigor do Código dc Processo Penal, ficarão afectos ao Ministério Público. Portanto, o Ministério da Justiça está, dc facto, preocupado cm resolver o problema.

Agora, quando o Sr. Deputado mc pergunta sc será necessário que a Assembleia da República vote um reforço dc verbas, não mc cabe a mim responder, mas sim ao Sr. Ministro. Todavia, julgo que o PIDDAC da Sccrclaria-Gcral, sc for bem administrado, chegará para pôr cm execução esta lei orgânica — é, pelo menos, a minha convicção.

Outra opção melindrosa que o Sr. Deputado referiu, c que também foi por mim abordada no início desta reunião, tem a ver com a deslocação das populações. Sem dúvida que é melindrosa c que foi ponderada várias vezes c por diversas pessoas, com estudos, com sugestões, cie.

Dc facto, chegou-sc à conclusão dc que, apesar de ludo, era a melhor forma dc fazer um redimensionamento dc recursos humanos dc todos os que estão envolvidos na máquina da justiça.

Como também tive ocasião dc dizer, há um ónus, um maior sacrifício para as populações, mas pode perguntar-se quantas vezes na vida é que um cidadão vai a um julgamento cm que intervém o tribunal colectivo, a menos que seja uma testemunha crónica. E pode perguntar-se quantas vezes tem que sc deslocar ao hospital para consultar um especialista, embora a comparação não possa fazer-se, pois vai certamente mais vezes ao hospital distrital do que ao tribunal.

Foi, portanto, uma opção que sc assumiu. E certo que tem os seus riscos, mas foi ponderada c creio que é a melhor solução.

Quanto ao tribunal dc pequenas causas, dc facto, não é uma norma cm branco, já que a lei afere a competência do tribunal pela lorma dc processo utilizada. Como o Sr. Deputado sabe, irão para esses tribunais aqueles processos que tem uma forma menos solene c a lei dc processo civil c dc processo penal determinam essas formas dc processo que existem na nossa legislação. Actualmente, com o novo Código dc Processo Penal, são o processo sumaríssimo c o sumário c, no processo civil, a acção sumaríssima. Portanto, os tribunais dc pequenas causas julgarão os casos cm que a forma dc processo é menos solene.

A propósito da afirmação dc que tínhamos consciência dc que estávamos a alterar toda a organização judiciária portuguesa, o Sr. Deputado disse que na semana passada cu linha escrito algures que o redimensionamento das comarcas eslava lambem atinente a toda esta temática. Realmente é assim, porque, sc tiramos às comarcas as acções ordinárias c as querelas c as endossamos para o tribunal de círculo, temos que as classificar, temos que ver qual c o número dc juízes, dc juízos, dc oficiais dc justiça, temos que as classificar cm comarcas dc ingresso, dc primeiro acesso c dc acesso final, temos, cm suma, dc arranjar o espaço judiciário dc uma forma cocrcnlc c global. É essa a grande preocupação que sc está a ler cm sede dc decreto regulamentar.

O Sr. José Magalhães (PCP): —Temos consciência dc que esta pergunta não tem resposta. Isto é, a resposta seria abrir a pasta c facultar-nos o texto, mas, sc ele não existe, não é, obviamente, facultávcl.

Todavia, o que nos inquieta profundamente é que sc responda que a criação dc tribunais dc círculo vai implicar, sem dúvida, uma alteração nos fluxos processuais c, consequentemente, vão ser necessários menos funcionários, menos magistrados c vai ser necessário rcafcciar. Aliás, há comarcas que lalvcz deixem dc sc justificar c possivelmente seria melhor cxlingui-las.

Ora, csiou a ouvir esta conversa, que está a passar-se aqui, cm Elvas, cm Campo Maior ou cm Trás-os-Monlcs, sem icr exactamente este lom. Quer dizer, sei que não podemos fazer guerras dc campanário, nem tencionamos fazê-las, cm lorno da questão das comarcas, já que não sc criam comarcas como sc abre, por exemplo, um fontanário. Aliás, mau seria que sc optasse por uma política dc criação dc comarcas irracional c movida por intuitos que não tivessem a ver com a organização judiciária. Todavia, esta questão toca profundamente as populações c loca a rebate. Portanto, estamos a ponderar a questão do reordenamento com a frieza c com a assepsia que, porventura, poderia justificar-se. Quando diz, por exemplo, que certas comarcas deixarão dc existir, isso tem um profundo significado c a Assembleia da República não pode deixar dc ponderar ludo, ou seja, que comarcas é que vamos — sc é que vamos — extinguir c, sobretudo, que comarcas novas c que sc justificará criar, sc é que, no entender da Comissão responsável pelo diploma, há justificação para criar novas comarcas, já que a questão sc pode pôr cm termos dc fusão c dc criação dc novos espaços. Aliás, como bem compreenderão, essa 6 uma das opções mais melindrosas, porque é aquela que mexe directamente com as populações c estas dificilmente poderão aceitar que lhes digam: «Já que os senhores têm grandes problemas com a saúde, agora também passam a penar cm relação à justiça!» Só que, ao contrário da cabeça rachada, do tumor no cérebro ou dc outros males, cm relação a questões deste tipo as pessoas poderão pura c simplesmente não ir à sede, o que significa a denegação dc justiça.

É evidente que não podemos discutir extensamente esta questão — peço descupa por o ler interrompido —, mas creio que vamos precisar dc mais informação c dc conhecer o desenho final do decreto-lei para sabermos quais vão ser as comarcas que os senhores entendem que devem ser encerradas c quais vão ser as diminuições dos efectivos dc magistrados. Penso que a Assembleia da República não poderá fazer a ponderação que é necessária cm termos nacionais sc não tiver uma visão equilibrada. É que podem parecer discriminações.

O PCP entende, por exemplo, que a forma dc implantação territorial da Polícia Judiciária ressenliu-sc terrivelmente dc critérios que têm pouco a ver com uma organização razoável da polícia como tal. Quer dizer, foram criadas inspecções ou subinspecções, por vezes cm sítios que lalvcz não sc justificassem, enquanto ao lado ou mais abaixo havia necessidades griianics. Não lemos Polícia Judiciária cm Viseu, cm Évora, c devíamos ler, c temos zonas recobertas. Penso que isto sc poderá passar também cm relação aos tribunais.

O Orador: — Sr. Deputado, logo no início, tive ocasião dc dizer que este grupo dc trabalho, que funcionou a nível do Ministério da Justiça, teve a preocupação dominante dc ser um grupo dc trabalho essencialmente lécnico.

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Foi com esse carácter que chegou a diversas conclusões, as quais, na sua maioria, foram plasmadas na proposta dc lei orgânica dos tribunais.

Ora, esse esforço essencialmente técnico está a ser continuado a nível dc regulamentação da Lei Orgânica dos Tribunais. Mas como o Sr. Deputado sabe, o que sc faz numa dirccçáo-gcral cm sede dc regulamentação da Lei Orgânica tem que ser proposto ao Sr. Ministro da Justiça, que avaliará da bondade das soluções proposuis c avançará as que considere mais convenientes a nível dc Conselho dc Ministros.

Posso dizer-lhe que, tecnicamente, c possível que haja uma dúzia dc comarcas que não sc justifica — foi um assunto ponderado a nível dc regulamentação. Agora daí para diante, já não posso dizer-lhe mais, uma vez que a decisão escapa a este grupo dc trabalho, que, repito, leve uma perspectiva eminentemente técnica. Não estivemos a ver as susceptibilidades da comarca A, B ou C.

Quanto â criação dc novas comarcas, sc isso vier a acontecer, seguir-sc-á o mesmo critério lécnico. Justifica-se que seja criada determinada comarca sc isso permitir desbloquear outra que está cm estado dc ruptura ou dc pre-rup-tura ou sc evitar a criação dc um novo juízo num tribunal que não tem instalações para tal. É este critério que lemos utilizado na Dirccção-Gcral.

Relativamente à questão dos transportes — endosso ao Sr. Dr. Gonçalves da Costa a parte relativa aos magistrados—, a Sr.* Deputada Odete Santos perguntou sc, para além da qucsião quilométrica, tínhamos dado relevância aos transportes públicos. Dc facto, demos. Oficiamos até à Dirccção-Gcral dc Transportes Terrestres c temos o mapa c horário dc todos os transportes públicos c privados do País. Portanto, muitos dos arranjos dc círculos judiciais — há casos cm que uma comarca ficou a pertencer a um cm vez dc ser a outro — resultaram precisamente do facto dc termos atendido à maior facilidade dc transportes. Foi uma diligencia que fizemos.

Quanto ao número dc magistrados, Sr. Deputado José Magalhães, posso dizer-lhe que o siock que temos é perfeitamente suficiente para tornar esta lei exequível. Pelas contas que fizemos, há actualmente um excedente de X5 magistrados judiciais, ficará a haver 30 c, portanto, serão necessários mais 57.

Relativamente as relações, propomos, também dc um ponto dc vista técnico, a existência dc mais unia. Se vier a ser criada aquela que aponuimos, isso permitirá o redimensionamento dc lodo o espaço judiciário português. Tirar-sc-ia uma fatia ü Relação do Porto, outra a Coimbra, outra a Lisboa c finalmente outra a Évora.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Não há sede escolhida?

O Orador: — Há, mas, por enquanto, é confidencial. A proposta aponta para a criação dc uma relação autónoma, c não dc uma secção dc uma relação já existente.

Relativamente ao problema das alçadas, creio que ele é essencialmente político. Penso até que o grupo dc trabalho não apontou nenhum valor...

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa:—Tenho presente que tínhamos apontado para os 400 0(X)S como a alçada do tribunal dc comarca c para 1 50()()(X)S como alçada do tribunal da relação. Foram estes os valores sugeridos pelo grupo dc trabalho.

O Sr. Presidente: — Sc quiser responder a outras questões, faça o favor dc continuar, Sr. Doutor.

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Relativamente às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado José Magalhães que tenho anotadas, penso que nenhuma cm especial reclama a minha intervenção. No cnlanlo, nos considerandos que antecederam essas perguntas, pareceu-me ouvi-lo afirmar que a criação dos tribunais dc círculo poderá prejudicar a formação dos juízes que permanecerão nos tribunais singulares. É certo que é um possível «senão» da criação do tribunal dc círculo, tal como está concebido.

Todavia, também será bom ponderarmos que, dessa forma, sc evita o inconveniente da intervenção do juiz impreparado na decisão dc causas dc particular importância c dificuldade. Assim, penso que há inconvenientes, mas que também há vantagens. É uma opção.

Quanto à afirmação dc que a justiça dos tribunais dc pequenas causas pode ser uma justiça dc segunda, não sei sc sc poderá fazer esta qualificação. O tribunal dc pequenas causas pode, ate, funcionar como fase vestibular na magistratura. Quer dizer, o magistrado menos experiente começará por julgar causas dc menor dificuldade, o que mc parece que pode ler vantagens. Qualquer das soluções adoptadas corresponde a uma opção c que, como todas as opções difíceis, sc poderá defender segundo uma perspectiva c atacar dc acordo com outra.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sc mc permite aprofundar a pergunta neste específico ângulo cm que a contribuição do Sr. Dr. Gonçalves da Costa poderia ser particularmente relevante...

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Preferia até que essas perguntas fossem melhor concretizadas para saber cm que medida posso, com utilidade, responder.

O Sr. José Magalhães (PCP):—É que o impacte da reforma c o cxiio que ela poderá ter numa área como esta passa, evidentemente, pela reacção da magistratura. Quer dizer, como é que a magistratura encara o articulado que vem proposto, não só a ossatura básica como as suas implicações.

É ceno que as magistraturas terão ocasião dc sc exprimir organicamente, sc assim o entenderem, junto da Assembleia da República. Aliás, uma delas já sc exprimiu, pelo menos mandando através da sua organização sindical um parecer formal à Assembleia da República c, quanto à outra, recebi há pouco um tcxlo com o posicionamento da Associação Sindical dc Magistrados Judiciais Portugueses c uma noia explicativa dc um conjunto dc propostas dc alteração, que não sei sc já vos foi remetido.

Compulsando os dois documentos que acabei dc referir, não encontro qualquer reacção positiva nem uma atitude dc acolhimento caloroso da proposta dc lei c devo dizer que isso mc preocupa profundamente. E que, por exemplo, csias dúvidas c interrogações sobre as consequências da reforma para a magistratura são postas por nós na óptica do legislador, ponderando o interesse nacional c os interesses que estão a cargo dos que administram a justiça com a natural compreensão para os seus problemas, mas não tenho qualquer dúvida dc que, sc o esquema aprovado colidir fortemente com aquilo que seja a visão que a própria magistratura tem da melhor forma dc administração da justiça, a reforma soçobra c isso, na situação portuguesa, cm que já há tantos problemas c cm que os tribunais têm as dificuldades lamentáveis que todos conhecemos, pode ser muilo grave.

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Prcocupa-mc o facto dc estarmos no cruzamento dc várias reformas c ao mesmo tempo no cruzamento dc várias curvas dc crise, crise dc penúria dc equipamento, dc funcionários, crise processual, crise dc acumulações, etc.

Será que esta reforma vai ajudar ou, pelo contrário, vai desajudar? Quanto a mim só pode c deve ajudar, porque — como alguém dizia — para pior já basta assim.

Em suma, a minha pergunta é a seguinte: por que é que os juízes dizem que estes preceitos, que os senhores propõem, tendem a criar, mesmo a nível dc 1.* instância, juízes de 1.* categoria, dc elite, dc coturnos c juízes menores do quadro geral? Por que é que dizem que há preceitos atentatórios da inamovibilidade dos juízes? Este aspecto ainda percebo, se pensarmos na comissão dc serviço, nos termos cm que vem proposta — aliás, ao que parece, já sofreu várias correcções; o próprio Sr. Vicc-Prcsidcntc do Conselho Superior da Magistratura alvitrou-nos ontem uma correcção que parece reunir consenso dc outros sectores, incluindo o dos proponentes. Quer dizer, a proposta já nüo é estática, pois já nos surge aqui glosada c alterada.

Pergunto, pois, como vê o impacte disto na magistratura. Será que sente alguma apreensão cm rclaçüo à maneira como os juízes portugueses sc dividirão face aos mecanismos que aqui csião previstos? É que nüo tenho qualquer dúvida dc que haverá logo di visüo entre aqueles que cstüo no continente c os que estâo nas regiões autónomas. E nüo mc parece que essa divisão seja boa, porque daí resultará a aplicação dc regimes jurídicos diferentes, visto que estarão sujeitos a orgânicas diferentes, o que também não mc parece bom, para além das especificidades que as regiões exigem.

Dc facto, tinha grande empenhamento cm ser esclarecido neste aspecto.

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Vou começar pelo fim, falando da divisão que resultaria da aplicação desta reforma c confrontando as reacções dos juízes que estão nas regiões autónomas com as dos juízes que estão no continente.

O modelo adoptado, que seria a tal ossatura válida para lodo o País, seria impraticável, por exemplo, nos Açores, mas acontece que o modelo aí praticável, que é o modelo actual do País, já não serve. Só servia nos Açores, porque não era possível outra solução.

O tribunal colectivo que temos hoje, sobretudo a nível dc província, funciona mal c está condenado. O juiz dc círculo já muilo dificilmente responde às exigências do cargo que tem dc desempenhar. Está assoberbado dc trabalho c perde imenso tempo nas deslocações.

O juiz da comarca vizinha ou do oulro juízo vê lambem muito prejudicado o rendimento do seu trabalho pela permanência durante longo tempo cm colectivos. Portanto, este sistema não dá resultado.

Sc nos deslocarmos aos grandes centros — c o caso dc Lisboa — c sc pensarmos nos juízes dos tribunais criminais, temos dc concluir que o sistema já falhou. É certo que sc podia pensar num alargamento dc quadros, mas um juízo criminal já não dá vazão a mais dc um terço dos processos que recebe. Depois, implica o sacrifício, durante, num mínimo, duas tardes por semana, dc dois juízes que csülo vocacionados para o julgamento cm singular c que nem sequer vêem classificado o trabalho que desenvolvem no colectivo. Por tudo islo, linha dc sc pensar num oulro modelo dc colectivo c esse modelo, para os dias dc hoje, c que fosse capaz dc dar uma resposta rápida c cabal a questões mais difíceis, só podia ser um colectivo constituído por juízes «rodados» —pcrmilam-mc o termo—, que já deram provas. Daí que, por este ângulo, considere

csic modelo defensável. O único inconveniente que lhe vejo — aliás, à partida tive alguma resistência justamente por ponderar este aspecto— é o da incomodidade para as populações. Mas, sc virmos bem, veremos que há comarcas onde sc tem dc percorrer distâncias bem maiores do que as que, cm geral, terão dc ser percorridas para as pessoas sc deslocarem à sede do tribunal dc círculo.

Quanto à reacção da classe, não sei sc essa reacção, a que o Sr. Deputado José Magalhães sc referiu, pode ser considerada como reacção da magistratura judicial.

Tem havido certa movimentação e algumas reuniões no Norte, no Sul, por vezes dc grupos bem pequenos — ainda há dias houve uma rcuniüo cm Santiago do Cacém que terá reunido no máximo um dúzia dc juízes. Apresentam um texto que, para quem o ler, fica a sensação dc que houve ali uma grande concentração dc magistrados c que sc formaram grupos dc trabalho. Não estou aqui a fazer um processo dc intenção, mas esse texto traduz fundamentalmente a preocupação dc dois ou três juízes que foram os anfitriões. Acontece que tenho discutido com muitos colegas — aliás, como sou membro do Conselho, vem ler comigo c, dc algum modo, vào-mc responsabilizando por saberem que fiz paric deste grupo — c, pelo menos, dc entre aqueles que mc parecem melhor ler ponderado a questão, colho a ideia dc que progressivamente sc foram predispondo a aceitar este modelo que o grupo dc trabalho acabou dc desenhar no projecto da proposta. Ouvi alvitrar muitas vezes uma outra solução — é curioso que já ninguém aceita, pelo menos, convictamente o modelo actual — que seria a dupla corregedoria, mas esse tem o enorme dcfciio dc, quando os dois juízes dc círculo sc emendem, impor a lodo um círculo uma dada jurisprudência, já que os outros juízes estão vencidos à partida.

Tem não só este grande inconveniente, como tem também o inconveniente dos custos da deslocação permanente dc dois juízes com ajudas dc custo, despesas dc transporte, etc, c o da subalternização sistemática do juiz do processo, que será normalmente um juiz mais novo, que estará numa comarca cm que funcionará como juiz singular.

Por conseguinte, parece-me que o modelo aclual não serve, a dupla corregedoria tem o gravíssimo defeito que aponlci c, progressivamente, vejo as pessoas que mais sc têm debruçado sobre o problema a mostrarem preferência por csic outro modelo do tribunal dc círculo com juízes privativos.

Claro que há aqui na proposta dc lei certas normas redigidas dc forma menos feliz, que poderão dar lugar a dúvidas como aquela que o Sr. Deputado Andrade Pereira colocou. No entanto, devo dizer que no projecto do grupo dc trabalho quem preside é o juiz do processo, ou seja, o juiz que melhor conhece o processo, tal como hoje acontece no juízo cível ou no juízo criminal.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dcpuuido Armando Lopes.

O sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Presidente, cu iaml)cm quero exprimir as minhas preocupações pelo estado dc espírito cm que ficarão os juízes desic país quando sc aperceberem — c com certeza já sc aperceberam — da situação cm que vão ficar com a entrada cm vigor deste diploma. Digo isto porque os juízes que sc encontram nos acluais tribunais dc comarca julgavam até agora ludo o que aparecia, mas agora vão ter que julgar causas que entram, digamos, por baixo c por cima, ou seja, entram por baixo as causas que vão ser atribuídas aos tribunais dc pequenas causas c entram por cima as qucrcJas c as acções ordinárias.

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Posto isto, pergunto sc isto não c fazer diminuir substancialmente a importância relativa que os juízes julgam que tem — c tem — no actual panorama da jurisdição portuguesa, pois enquanto que até aqui os juízes julgavam acções sumárias, querelas c intervinham cm todos os julgamentos, agora, deixam repentinamente dc intervirem cortas acções c passaram a ler uma capilis dinánutio segundo a proposta dc lei. Esta ó uma questão que vai no seguimento das considerações que o Dr. José Magalhães fez c que me parece também preocupante.

No entanto, cu linha uma série dc perguntas concretas a fazer para entender melhor este diploma c começaria pelo artigo 10." da proposta dc lei. O n.u 1 deste artigo diz que o território sc divide cm distritos judiciais, círculos judiciais c comarcas c o n." 3 diz que, ouvido o Conselho da Magistratura c a Procuradoria-Ccral da República, pode o Ministro da Justiça proceder, por portaria, ao desdobramento dc circunscrições.

Ora, não sc define o que sejam circunscrições c como cu entendo que circunscrições serão naturalmente os distritos judiciais, os círculos judiciais c as comarcas, penso que tudo isto eslará sujeito a desdobramentos. Será assim? Ou os desdobramentos serão só para os distritos judiciais? E os círculos c as comarcas? Bom, suponho que a resposta a isto será encontrada num decreto regulamentar.

Depois, no n.u 4 do artigo 10.° da proposta dc lei diz-sc o seguinte: «Nas áreas urbanas cuja densidade populacional o justifique são criados, no diploma legal a que sc refere o n.9 1 do artigo 112.°, tribunais de círculo com jurisdição nas comarcas limítrofes.» Imaginemos que cm Lisboa e no Porto são criados vários tribunais dc círculo. Pergunto: lodos eles tom jurisdição nas comarcas limítrofes? São só alguns? Não há igualdade? Quer dizer, alguns dos juízes dos tribunais dc círculo julgam só na cidade c outros julgam lambem nas comarcas limítrofes?

Por outro lado, no n.u 1 do artigo 16.° da citada pro|M>sia dc lei diz-se que: «O Supremo Tribunal de Justiça tem jurisdição cm lodo o território, as relações no respectivo distrito judicial c os tribunais dc 1.* instância na área das respectivas circunscrições.» E sc houver desdobramento das relações? Não seria conveniente estabelecer aqui que. no caso dc desdobramento, a competência territorial c limitada à área dc cada um dos desdobramentos?

Além disso, dc acordo com a alínea li) do n." I do artigo 27.°, compete ao plenário das secções criminais do Supremo Tribunal dc Justiça julgar os recursos dc decisões proferidas, cm 1." instância, pela secção. Pergunto: intervêm os juízes que julgaram anteriormente a causa? Os juízes julgam em recurso as suas próprias decisões? Bem, pode ser que tudo isto tenha uma explicação c que isto esteja perfeitamente aceitável, só que não estou a ver exactamente como c que as coisas sc vão passar c, portanto, gostaria dc ser informado sobre este ponto.

No n.° 2 do artigo 37.u diz-sc: «Quando razões justificadas dc administração da justiça o determinem, podem ser criadas, por portaria do Ministro da Justiça, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria-Geral da República, secções destacadas da sede do tribunal.» Comoé que se organizam estas secções do tribunal? Tem um presidente? Têm quantos juízes? Têm funcionários? Tem área própria de julgamento? Julgam cm icxla a área?

Eu peço muita desculpa por estas dúvidas que provavelmente não são pertinentes, mas cias surgem-me da leitura que fiz do diploma c, portanto, gostaria de as esclarecer. Sendo assim, vou passar à análise do n.° I do artigo 46.°, onde sc diz que «os tribunais judiciais de 1." instância são. consoante a área territorial em que exercem a

sua competência, tribunais dc comarca, tribunais dc círculo c tribunais dc distrito». Em suma, como sc está aqui a definir a organização dos tribunais dc 1.* instância, inirodu-zem-sc também aqui os tribunais dc distrito, o que sc explica talvez por cies julgarem cm 1.* instância.

Todavia, as secções do Supremo Tribunal dc Justiça também julgam, cm 1.* instância, algumas causas, isto é, quando sc trata dc acções que dizem respeito aos juízes do próprio Supremo Tribunal dc Justiça.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo, mas trata-se dc tribunais dc competência especializada, como é o caso do Tribunal dc Execução dc Penas dc Évora.

O Orador: — Eu percebi, mas gostaria dc tirar estas dúvidas.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — A

primeira pergunta que o Sr. Deputado Armando Lopes fez referia-sc ao número ou à qualidade dc processos que ficava nas mãos do juiz dc comarca, dizendo que havia uma certa competência que saía para os tribunais dc círculo c outra que saía para os tribunais dc pequenas causas. É certo que o juiz da comarca vai ficar sem as acções que cm princípio serão distribuídas aos tribunais dc círculo, mas já cm relação aos tribunais dc pequenas causas julgo, até pelo teor do próprio artigo, que estes tribunais só sc justificam nos grandes centros urbanos, onde normalmente há tribunais de competência especializada, isto c, onde há juízos cíveis c juízos penais.

Portanto, esse aparente esvaziamento das funções ou dos píxlcrcs decisórios do juiz não vai ser real porque um juiz que julga hoje um cível p(xlc não julgar as acções sumaríssimas, mas julga o resto do cível c um juiz que julga hoje lodo o crime pode não julgar os processos de transgressão, mas julga os processos corrcccionais. Assim, julgo que o problema dc haver uma diminuição ou um esvaziamento do poder funcional ou do conteúdo funcional do poder do juiz de comarca não vai surgir.

Relativamente ao desdobramento das circunscrições, previsto no artigo 1(1." da proposta dc lei, devo dizer que este desdobramento abrange quer o distrito judicial, quer o círculo judicial, quer a comarca. Portanto, a norma é deliberadamente ampla para permitir que quem detenha o poder de organizar a justiça deste país, ou seja, o poder dc realizar a organização judiciária deste país, disponha dc mecanismos maleáveis facilmente alteráveis dc harmonia com as circunstâncias que sc vivem.

Em resumo, é possível desdobrar uma relação tal como é possível desdobrar um círculo judicial ou unia comarca. Dc lacto, o que sc tentou fazer foi dar uma maleabilidade bastante grande a toda a organização judiciária.

Relativamente ao n.u 4 do artigo 10." da proposia dc lei, devo dizer que. a nível do regulamento que sc está a fazer nesic momciuo, a intenção é a de aplicar este regime do n.° 4 do artigo 10.° às comarcas limítrofes de Lisboa c Porio. Precisando melhor, posso dizer que cm Lisboa serão criados tribunais de círculo nas comarcas de Almada, Oeiras e Loures c no Porio serão criados tribunais de círculo nas comarcas de Vila Nova de Gaia c Matosinhos, sem embargo de se lazer o mesmo cm relação a outros centros populacionais importantes. No entanto, actualmente só sc prevê a criação destes tribunais nas áreas de Lisboa c do Porto.

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O Sr. Deputado Armando Lopes rclcriu-sc lambem à alínea b) do n.u 1 do artigo 27." da proposta dc lei, mas, sc o Sr. Presidente o permitisse, cu endossaria a resposta a este assunto para o Sr. Dr. Gonçalves da Costa, que está mais dentro da matéria do novo Código dc Processo Penal, matéria que sc prende directamente com a que estamos a analisar.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Dircclor-Gcral, desculpe interrompe-lo, mas cu lambem me referi ao n.u 1 do artigo 16.°

O Orador: — Exacto, sc houver um desdobramento dc uma relação, a sua área dc competência cm razão do território maniem-sc. No caso do Tribunal da Relação dc Lisboa sc desdobrar c ser criada uma secção cível ou criminal, por hi|x)tcsc, cm Vila Franca dc Xira ou em Setúbal ou cm Santarém, a área a nível de competência territorial continua a cingir-sc ao distrito judicial dc Lisboa. Portanto, nüo vejo onde esteja a dificuldade porque o lacto de elc funcionar fisicamente noutro local do País não significa que sc altere a sua competência cm razão do território, que está marcada à partida.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Desculpe, Sr. Director--Gcral, mas cu estou a aventar a hipótese dc haver um desdobramento do distrito judicial.

O Orador: — Exactamente, será uma secção do tribunal, mas a competência cm razão do território é do tribunal.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Perdão, Sr. Direetor--Gcral, mas o n.u 3 do artigo l().u rclcrc-sc ao distrito judicial.

O Orador: — Ao tribunal da relação.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Mas o território divide--se cm distritos judiciais, portanto, trata-se de um desdobramento do território.

O Orador: — Não, Sr. Deputado, o que |xkIc luivcr c um desdobramento do tribunal da relação. Uni tribunal da relação tem uma área de competência c mantem-na, embora fisicamente possa funcionar noutro local.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Enlão. serei cu que estou a ler mal. Mas, dc facto, no n.° I do artigo 10." da proposta dc lei diz-sc que o território sc divide cm distritos judiciais, círculos judiciais c comarcas c no n." 3 do mesmo artigo diz-sc que, ouvido o Conselho Superior da Magistratura c a Procuradoria-Gcral da República, pode o Ministro da Justiça proceder, por portaria, ao desdobramento dc circunscrições. Portanto, há um desdobramento do território.

O Orador: — Eu agora estava a rclcrir-nie ao artigo 16."

O Sr. Armando Lopes (PS): — Mas o artigo 1

Isto c, sc sc desdobrar o território, a competência dos tribunais de relação passa a ser diferente.

O Orador: — Sr. Deputado, este c outro artigo, |x>r-lanto, houve a preocupação —c cu não digo que isto seja

uma medida que possa ser introduzida a curto prazo — dc esta proposui dc lei ser maleável c facilmente, digamos, executável. Esta c mais uma norma onde esse carácter dc maleabilidade dc soluções está vincado, embora, a nível dc todos os estudos que sc estão a fazer sobre a lei orgânica, nós não tenhamos ainda sequer pensado na hipótese dc desdobramento dc circunscrições.

Como há pouco disse, julgo que para organizar judicialmente o País cm termos adequados — c já fizemos uma projecção dos recursos dc harmonia com as novas alçadas c os novos Códigos dc Processo Civil c dc Processo Penal — é necessário um novo tribunal dc relação, não só pelo número dc processos pendentes, mas lambem para adequar o território às necessidades judiciárias do País.

Ora. sendo necessário um novo tribunal dc relação, não sc poi á, digamos, a cuno ou a médio prazo, o problema dos desdobramentos das circunscrições, o que não significa que a lei não os preveja de modo a permitir uma maleabilidade a nível da construção da estrutura judiciária do País.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Aqui o defeito é o contrário, aqui o deleito é o dc os senhores conhecerem perfeitamente o decreto regulamentar, não sc prevendo nesse decreto a criação dc desdobramento das relações. O mal é esse.

O Orador: — Não, Sr. Deputado, o que sc pretendeu foi. digamos, não fechar csia lei cm quatro paredes, ou seja, permitiu-se que a proposta dc lei tivesse soluções inovadoras — lalvcz até ousadas — mas que não fosse constrangedora. Este c um dos artigos onde essa preocupação c manifesta.

Relativamente ao n.ü I do artigo 46.", devo dizer que este número tem, dc facto, causado alguma confusão, por referir que os tribunais dc I." instância também poderão ser tribunais dc distrito. Este c precisamente o caso dos tribunais dc coni|XMcncia especializada dc execução dc penas c de menores, que poderão ler a sua área dc competência, cm razão do território, circunscrita a um distrito judicial. É por isso que no n.u l do artigo 46.° há a menção aos tribunais de distrito.

Notc-sc que a referencia neste artigo aos tribunais dc distrito leni cm vista os tribunais dc competência especializada, como, por exemplo, o Tribunal dc Execução dc Penas do Exora c o Tribuna) dc Menores dc Faro, que têm a sua competência cm razão do território circunscrito a um distrito judicial. Portanto, houve necessidade dc sc mencionar um tribunal dc l." instância com uma área territorial dc harmonia com o distrito.

Relativamente ao n.° l do artigo 27." da proposta dc lei e a outras considerações que fosse oportuno fazer, endossaria, sc o Sr. Presidente o permitisse, a resposta ao Sr. Dr. Gonçalves da Costa.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dr. Gonçalves da Costa.

O Sr. Dr. Gonçalves da Costa: — Eu pedia licença ao Sr. Presidente c ao Sr. Deputado Armando Lopes para, antes ilo mais, completar a resposta que dei ao Sr. Deputado Jose Magalhães no tocante ao artigo 103." da proposta dc lei que se prende com o problema da comissão dc serviço. Evidentemente que é um problema delicado, que, aliás, foi debatido numa espécie dc mesa-redonda, que sc rcali/.ou no Tribunal da Boa-Hora c creio que neste momento já ninguém defende a solução que está aqui formulada. Inciusivainonio. a Associação dc Magistrados, que nessa

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allura era presidida pelo vicc-presidcnic do Conselho Superior da Magistratura, anunciou que iria apresentar uma proposta dc emenda, salvo erro, no sentido de que a comissão dc serviço se teria como renovada enquanto o Conselho Superior da Magistratura não retirasse, digamos, a confiança ao juiz que ocupasse o lugar.

Ora, a verdade é que se tem dc encontrar um meio dc assegurar a qualidade dos juízes que integram o colectivo do círculo. Sc cia não for assegurada através da comissão dc serviço, lerá sempre dc haver um limite de lempo dc permanência, podendo ser a nomeação renovada a pariir dc um concurso. Mas nesse caso quem ocupa o lugar sabe que, findo esse tempo, vai sofrer a concorrência dos colegas c a pressão que até ali esperava da parte do Conselho Superior da Magistratura poderá vir dc ouiro lado, ou seja, da ambição dc um colega que o quer desalojar do lugar.

Deste modo, não se vc muilo bem como c que se pode evitar uma solução destas, porque, sc não sc adoptar a fórmula da comissão dc serviço, corre-sc o risco dc o magistrado, que à partida icm as condições para ocupar o lugar, dormir sobre os louros conquistados c ficar eternamente no lugar, não respondendo às exigências dele. Uma solução possível seria a do concurso.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Creio que essa é a solução que existe para os juízes desembargadores.

O Orador: — Para os juízes desembargadores não há, infelizmente, solução nenhuma.

Portanto, uma solução possível seria a da nomeação com base cm concurso por certo tempo c, lindo esse tempo, quem ocupasse o lugar suportaria a concorrência dos colegas. No entanto, essa solução tem praticamente o mesmo vício da comissão dc serviço, não sendo, pois, fácil encontrar uma resolução para este problema. Não sei sc o Sr. Deputado José Magalhães deseja obter mais alguns esclarecimentos sobre este ponto.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Bem, esse ponto daria longas horas dc discussão, para a qual nós não temos tempo.

O Orador: — No entanto, Sr. Deputado, gosiaria dc dizer que hoje já ninguém —c tenho a impressão de que até poderei falar cm nome dos componentes do grupo de trabalho criado para o efeito — defenderia a solução que aí está consagrada.

Respondendo, agora, ao Sr. Deputado Armando Lopes, gostaria dc salientar que esta alínea h) do n.u 1 tio artigo 27.° da proposta dc lei é nada mais nada menos do que a reprodução da alínea ra com algum vício de redacção, pois enquanto no citado artigo do novo Código de Processo Penal aparece a palavra «secções», neste artigo tia proposta dc lei aparece a palavra «secção».

Dc facto, na alínea l>) tio n.u 1 do artigo 11." do novo Código dc Processo Penal diz-se que compele ao plenário do Supremo Tribunal dc Justiça julgar, cm matéria penal, os recursos das decisões proferidas cm I." instância pelo tribunal das secções, havendo também uma norma correspondente para os tribunais dc relação.

Depois, há aqui, na pro|x>sta de lei, unia remissão para csic arligo 27.", o que leva a pensar que se tratou apenas dc um ajustamento ao que já está cm letra dc lei no novo Código de Processo Penal.

Gosiaria ainda dc dizer ao Sr. Deputado Armando Lopes que não vejo que com a criação do tribunal dc círculo seja diminuída a figura do juiz singular.

O Sr. Armando Lopes (PS): —Sr. Dr., desculpe interrompô-lo, mas gostaria dc saber sc o juiz que julga a causa intervém depois no recurso.

O Orador: — Ora bem, parece resultar da lei dc processo |x;nal que há essa possibilidade.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Isso é mau.

O Orador: — Pois será.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Esse problema escapou-me porque senão linha levantado na allura as questões que agora estou a levantar.

O Orador: — Mas, então, terá dc ser corrigida a lei dc processo penal.

O Sr. Armando Lopes (PS): — O que quer dizer que esse juiz estará a julgar cm causa própria.

O Orador: — Pois está, visio que já integrou a secção que julgou a 1." instância. Só que a revisão deste problema implica também que sc retoque o Código dc Processo Penal. Todavia, no Código dc Processo Penal já foi introduzida uma norma, que é salutar, segundo a qual o juiz do tribunal superior, seja do Supremo Tribunal dc Justiça, seja dos tribunais da relação, a quem coube, por sorteio evidentemente, intervir como juiz dc instrução já não intervém cm qualquer acto subsequente.

No entanto, no ariigo 40." do citado Código, infelizmente apenas sc declara o impedimento sc esse juiz tiver intervindo no debate insiruiório. Ora, isto pode levar a uma solução aberrante, que é a seguinte: admitamos que certo juiz realiza toda a instrução, é, depois, substituído por qualquer razão, acabando, por último, por intervir no julgamento do processo que instruiu. Penso que devia ser criada para os tribunais dc 1." instância uma norma semelhante à que existe para os tribunais superiores, isto é, uni juiz que interviesse cm qualquer momento da instrução não poderia intervir cm acios subsequentes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Portanto, trata-se do artigo 54."

O Orador: — Não, Sr. Deputado, cu estava a referir-mc a outro arligo, mas neste momento não o consigo localizar.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Mas, então, cu posso citar o arligo 54.°, n.u 1, alínea d), da proposta dc lei.

O Orador: — Sim, no qual sc diz a dado passo «proceder à instrução c subsequentemente decidir quanto à pronúncia onde não houver tribunal dc instrução criminal».

O Sr. Armando Lopes (PS): — Depois, o juiz julga, não é verdade?

O Orador:— Sim. Isso é que sc tem que evitar corrigindo a norma do artigo 4(1." do Código dc Processo Penal. Nesse arligo diz-se que nenhum juiz pode intervir cm recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou cm que liver participado ou no jul-

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II SÉRIE — NÚMERO 70

gamenio de processo, a cujo debate instruiório liver presidido. Quer dizer, se uin juiz tiver realizado toda a instrução, sendo substituido na presidencia do debate instruiório, não fica impedido, pelo laclo de ter realizado a instrução, de intervir no julgamento, o que vai contra o espirito do próprio novo Código de Processo Penal no sentido de separar cm absoluto o juiz de instrução do juiz de julgamento. Não há dúvida de que isto está errado.

Relativamente à questão de que o juiz singular verá a sua figura pela criação do colectivo de círculo, cu diria, reforçando o que já foi afirmado pelo Sr. Dr. Borges Soeiro, que 6 certo que se retiram à intervenção do juiz. singular as causas que o Sr. Dr. Borges Soeiro referiu, mas, por outro lado, não podemos esquecer de que se eleva a alçada do tribunal de comarca, o que faz recair sobre o juiz a responsabilidade de julgar causas de cena monta.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Isso tem sido sempre fciio.

O Orador: — Mas, neste momento, pelo menos num prazo considerável, o juiz vai ter uma gra/idc responsabilidade sobre os ombros. Aliás, se analisarmos o campo penal veremos que o juiz singular pode aplicar penas ate dez anos de prisão, no caso dos cheques sem provisão.

Por outro lado, tendência será para lhe serem confiados pelo Ministério Público muitos processos desses e, aí, haverá talvez um problema dc inconstitucionalidade, na medida cm que o juiz não pode reagir, podia c deixou dc poder porque caiu —não sei porquê— um número do artigo respectivo. Todavia, passará a julgar a maior parte dos processos relativos a frutos qualificados, o que está correcto, visto que a maioria dos frutos são muitas vezes qualificados por circunstâncias dc somenos importância.

Assim, sc o Ministério Público entender que no caso concreto não caberá uma pena superior a três anos. será o juiz singular a julgar a causa, o que aponta no sentido de um juiz singular bastante responsável c dignificado. Digo isto porque talvez tenhamos até que ultrapassar o preconceito dc que dignifica mais lazer parte do tribunal colectivo dado que a responsabilidade deste tipo elc tribunal é apenas devida ao facto dc sc julgarem aí causas de maior delicadeza, pois a dignidade está no modo como sc julga, seja cm tribunal singular, seja cm tribunal colectivo.

O Sr. Presiden le: —Sr. Dircclor-Gcral dos Serviços Judiciários, Sr. Dr. Borges Soeiro, embora a hora já soja tardia, gostaria dc lazer apenas duas perguntas que não foram feitas no decurso desta reunião.

Nos trabalhos preparatórios desta pro|X)sta de lei não foi lido cm conta que hoje já há uma dinâmica de vida totalmente diferente dos lempos ultrapassados dc há 30. 40 anos.'

Nos tribunais onde trabalho verifico que uma grande percentagem das pessoas que lá sc dirigem não residem naquelas comarcas c têm que trazer as testemunhas dc fora. Hoje todos reconhecemos que mais dc um lerço das questões judiciais estão ligatlas a acidentes de viação. As pessoas que sc dirigem a essas comarcas não lêm normalmente qualquer ligação com ela. Pergunto: isto foi tido cm conta nos trabalhos preparatórios'.'

Estão aqui presentes dois ilustres juízes, os Srs. Drs. Borges Soeiro c Gonçalves da Costa. Como advogado que sou, sei que, muitas vezes, os próprios presidentes dos tribunais colectivos não conhecem mini-mainenic o processo que vão julgar. Recordo-mc que há pouco tempo um juiz corregedor não conhecia o processo

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que estava a julgar c que só depois dc duas horas é que sc conseguiu integrar nele. O juiz do processo deve, na minha opinião, presidir ao colectivo. O Sr. Deputado Armando Lopes disse há pouco que nos podemos integrar facilmente no processo. O que é certo é que sc for o próprio juiz a fazer o despacho dc citação, portanto a conhecer, desde logo, a petição do processo, sc for ele a elaborar o despacho dc saneamento, a especificação c o questionário não há dúvida nenhuma que quando sc chegar à sentença ele dominará totalmente o processo. Parece-me que isto é muito importante para que possa ser instituído o tribunal dc círculo.

Estes dois pontos foram lidos cm conta nos trabalhos preparatórios deste grupo dc trabalho?

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Dirccior-Gcral dos Serviços Judiciários.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — O primeiro as|xxto que o Sr. Deputado referiu esteve sempre na nossa mente porque partimos do princípio dc que haveria uma menor fixação das populações nos diverssos centros e, portanto, que haveria uma maior mobilidade das populações. Isto face aos transportes c às estradas, que csião a ser melhorados c aperfeiçoados. Da nossa pane houve, dc facto, a visão que estávamos a apresentar um trabalho que não era para os anos trinta, quarenta ou cinquenta, mas sim para os anos oitenta c noventa c, portanto, com hábitos diferentes c com novos meios dc transporte ao alcance das |X)pu)açõcs. Houve, dc facto, essa sensibilidade.

Em relação à segunda parte da intervenção do Sr. Presidente, gosiaria dc dizer o seguinte: como já tive oportunidade dc referir no início da minha intervenção, uma das grandes vantagens do tribunal colectivo é exactamente a dc o juiz-presidente conhecer o processo desde o seu início. Nós que andamos nos tribunais vemos que, infelizmente, alguns juízcs-prcsidenics só conhecem o processo no momento cm que sc sentam na cadeira para julgar. Já fui testemunha de casos desses c não foram poucos.

Este novo sistema permite c exige que o juiz acompanhe o processo desde o despacho dc citação c que laça o saneador, a especificação c o questionário, que é uma peça fundamental no processo cível. Um juiz. que faça a especificação c o questionário vai para o julgamento completamente à vontade, o que não sucedia até agora. Essa c uma das grandes vantagens da institucionalização do tribunal dc círculo.

O Sr. Presidcnle: — Sr. Director-Geral, mas o que gostaria dc sabor é se o grupo de trabalho teve cm conta a circunstância dc que hoje cm dia as causas que sc discutem nos tribunais do País não dizem propriamente respeito a residentes na comarca, mas sim a pessoas dc fora. E isso o que sucede com os acidentes dc viação. Todos nós sabemos que nas comarcas que sc situam nos grandes eixos rodoviários mais dc um terço dos processos dizem respeito a acidentes dc viação. E o que sucede c que estes processos não dizem res|iciio a residentes dessa comarca.

Dada a mobilidade que hoje as pessoas tem cm todo o território português, muitas causas não dizem respeito aos residentes, aos habitantes da circunscrição a que a comarca diz rcs|KÍio. Isto foi lido cm conta?

O Orador: — Sr. Presidente, foi por sc ter presente que a mobilidade das populações é hoje muito maior do que há alguns anos atrás que julgámos que não sc justificava a chamada «justiça ao pc da porta» c que sc iHxlcria imuriar

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27 DE ABRIL DE 1987

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tribunais dc círculo afastados dessas populações. O caso que o Sr. Presidente referiu 6 um dos exemplos da possibilidade dc mobilidade das populações. Assim, teve-se cm conta as pessoas que têm dc ser testemunhas c que não residem no local onde o julgamento ocorrerá.

Portanto, isso esteve sempre presente a nível dos trabalhos preparatórios.

O Sr. Presidente: —Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): — Sr. Dircctor-Gcral, esses dois argumentos não devem pesar muito. E porquê?

O questionário lerá ou não importância consoante os trabalhos da Comissão Revisora do Código dc Processo Civil. Nós não sabemos sc irá ou não haver questionário, quem 6 que o fará, etc. Portanto, esse problema está cm aberto. Quando sc mexer no sistema jurisdicional do País convinha que tivéssemos uma visão total dc tudo c não só dc parle. Estamos aqui a discutir sem saber como é que vai funcionar o Código dc Processo Civil no que diz respeito ao questionário c estamos a adiantar um argumento que não me parece que seja muito qualificado.

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Deputado, vai continuar a funcionar com questionário.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — Sr. Deputado Armando Lopes, Ia-lo o juiz a quem tiver sido distribuído o processo.

O Orador: — Por enquanto c assim, Sr. Dircctor-Gcral.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: — E na

proposta dc lei também é assim, Sr. Deputado.

O Orador: — Oxalá que continue a ser, Sr. Dircctor--Gcral!

Por outro lado, gostaria dc lhe perguntar o seguinte: os acidentes dc viação continuarão ou não a ser julgados pelo tribunal colectivo? E que sc os acidentes dc viação passarem a ser julgados pelo juiz singular, então, o argumento desaparece.

O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários: —

Sr. Deputado, cm relação a isso não tenho qualquer informação.

O Sr. Presidente: — Antes dc terminar a reunião, gostaria de agradecer a vossa presença nesta Subcomissão. Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 20 horas e 35 minutos.

O Orador: — Mas quem é que o faz, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): — Sr. Deputado, é evidente que sc pressupõe a manutenção do questionário c da especificação.

O Orador: — Mas quem é que o faz, Sr. Deputado? Como?

Estiveram presentes os seguintes senhores deputados:

Licínio Moreira da Silva — PSD. Armando dos Santos Lopes — PS. Agostinho Correia dc Sousa — PRD. Jose Manuel Santos Magalhães — PCP. José Maria Andrade Pereira — CDS.

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