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II SÉRIE — NÚMERO 71

Por sua vez, a participação dos interessados na gestão efectiva dos serviços administrativos tem sofrido uma preocupante anemia, tanto no tocante à criação de formas de gestão que assegurem a representação das comunidades em que os serviços estão inseridos, como no que diz respeito à instituição de estruturas consultivas c formas de auto--administração.

Impressiona, porém, particularmente, que continue letra morta a imposição constitucional dirigida ao legislador no sentido da elaboração de uma lei sobre o «processamento da actividade administrativa». É ceno que cm 25 dc Maio de 1979 a Assembleia da República aprovou por unanimidade o projecto de lei n.9 144/1, do PCP, sobre processo administrativo não contencioso. A respectiva aprovação final veio, no entanto, a ser inviabilizada pela ocorrência de dissolução, não tendo a iniciativa, apesar dc sucessivamente reapresentada, logrado conduzir à publicação dc uma lei. Continua, por outro lado, inerte nos arquivos burocráticos o projecto de código de processo administrativo gracioso divulgado em 1980, a nível governamental, suscitando urna vasta polémica, que três anos depois conduziu a uma segunda versão, não menos questionada. Que nenhuma outra tenha vindo a público desde 1983 exprime bem o perigoso marasmo em que se acha a reforma da Administração Pública, situação que precisamente se visa quebrar com a apresentação do conjunto dc iniciativas que se começou por enunciar.

2. Ao regular o acesso aos documentos públicos, o presente projecto dc lei pretende instituir um mecanismo fulcral para dar corpo ao disposto no artigo 268.9, n.8 1, da Constituição, que estabelece:

Os cidadãos têm o direito dc ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos cm que sejam directamente interessados, bem como o dc conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

Tanto o direito à informação sobre o andamento dc processos como o direito ao conhecimento das decisões c o direito de participação nos processos administrativos decorrem de uma concepção visceralmente democrática do Estado e dos direitos dos cidadãos. Essa concepção, constitucionalmente consagrada, postula uma administração pública moderna, participada, aberta. A transparência documental tem dc ser uma característica dessa administração, tal qual é configurada pelos artigos 266.°, 267." e 268." da lei fundamental, constitui uma imporuinic garantia de participação política —uma vez que a obtenção dc documentos pode constituir condição do exercício dos direitos dc representação, petição ou queixa perante os órgãos de soberania ou qualquer autoridade (artigo 52." da Constituição) — e representa um dos mais relevantes meios de esclarecimento sobre a gestão dos assuntos públicos, direito fundamental dc todos os cidadãos, indispensável a uma real participação na vida pública (artigo 48.9).

Dito isto, bom será dc ver que a inovação que o PCP propõe é nula face ao que dispõe a Constituição c profundíssima face à realidade. Com efeito, onde a Constituição exige abertura a prática consagra ainda descabidíssimas formas de secretismo. A Administração (leia-sc, especialmente, a administração central), que deveria ter a iniciativa de informar, suscitar opiniões c críticas, conservou o costume dc fechar a sete chaves dados elementares para a formação da opinião pública, quando não

os sonega, para evitar a defesa eficaz de direitos que atacou. É tal o enraizamento dc velhas concepções burocráticas que quase provoca surpresa e escândalo afirmar que o segredo não deve ser «a alma» dos negócios públicos e que é Ião retrógado querer fazer assentar nele a vida administrativa como questionar o princípio da legalidade por «tolher a Administração».

Com efeito, a publicidade é um princípio constitucional basiliar e ninguém, seriamente, pode deixar de reconhecer que a maioria dos processos são susceptíveis de consulta pública, só em raros casos se justificando restrições ao acesso para garantia dc interesses públicos ou da intimidade da vida privada. O «segredo da Administração», tal como vem sendo entendido e aplicado, é uma entorse gravíssima à realização do Estado dc direito democrático. Propiciando múltiplas formas dc violação impune das normas, que impõem à Administração uma actuação legal, justa e imparcial e métodos dc decisão participados e concertados, os secrelismos reinantes são um resquício do passado que imporia acabar dc enterrar com urgência.

Diz-se «acabar de enterrar» porque com razão se observará que com o 25 dc Abril foram dados passos inestimáveis no sentido da transparência: o restabelecimento das liberdades c, em especial, a abolição da censura c a garantia da liberdade dc imprensa; a difusão dc informações e documentos da Administração requeridos e obtidos por deputados ou pela própria Assembleia da República; a criação (insuficiente, embora) dc mecanismos legais tendentes a permitir aos cidadãos a obtenção dos documentos necessários para recorrer junto dos tribunais contra as ilegalidades c prepotências da Administração; a publicação, regular ou não, dc documentos pelos ministérios c outros departamentos públicos, com graus dc difusão variáveis (ampliados, todavia, pela imprensa); a aplicação flexível das normas sobre sigilo profissional dos funcionários c agentes da Administração — todos estes factores permitiram que fossem quebradas «zonas dc silêncio» outrora impenetráveis.

Devem assinalar-se como especialmente relevantes neste rumo dc abertura dois diplomas:

A Lei dc Imprensa (Dccrcto-Lci n.9 85-C/75, dc 26 dc Fevereiro, alterado pelo Dccrcto-Lci n.B 181/76, dc 9 dc Março, que no seu artigo 5.9 estabeleceu, designadamente, que:

a) Á imprensa periódica será facultado acesso às fontes dc informação pela Administração Pública c pelas empresas cm que haja estatutariamente participação maioritária dc pessoas colectivas dc direito público c ainda, no que respeita ao objecto da exploração ou concessão, pelas empresas que explorem bens do domínio público ou sejam concessionárias dc serviços públicos, segundo normas a definir que preservem o funcionamento dos serviços;

b) O acesso às fontes dc informação, nos casos do número anterior, não será consentido cm relação aos processos cm segredo dc justiça, aos factos c documentos considerados pelas entidades competentes segredos militares ou segredos dc Estado, aos que sejam secretos por imposição legal, aos que afectem gravemente a posição concorrencial das empresas referidas no n.e 1 e ainda aos que digam respeito à vida íntima dos cidadãos;

c) Os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes dc informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta. Os directores e as empresas não poderão revelar tais fomes, quando delas tiverem conhecimento.