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Quarta-feira, 24 de Fevereiro de 1988

II Série — Número 49

DIÁRIO

da Assemmbleia da República

V LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

SUMÁRIO

Resolução:

Dá assentimento à viagem sem carácter oficial do Presidente da República a Marrocos................. 946

Propostas de lei (n.M 16/V, 23/V, 29/V e 31/V a 33/V):

N.° 16/V - Alterações à Lei n.° 24/87, de 24 de Junho (regime disciplinador da alienação de participações ou bens e instalações detidas pelo Estado em empresas de comunicação social):

Propostas de eliminação, de substituição e de aditamento (apresentadas pelo PCP).............. 946

N.° 23/V (atribui ao Ministério dos Negócios Estrangeiros competência para verificar a autenticidade dos documentos destinados à execução em Portugal de decisões que constituam título executivo proferidas em virtude da aplicação dos Tratados dos Instituintes das Comunidades Europeias):

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta

de lei ....................................... 946

N.° 29/V (suspende, com efeitos, a partir de 1 de Janeiro de 1988, a aplicação do artigo 2.° da Lei n.° 26/84, de 31 de Julho):

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta

de lei ....................................... 947

N.° 31/V — Lei de Bases da Reforma Agrária .... 948 N.° 32/V — Autoriza o Governo a aprovar o Regime

Geral do Arrendamento Rural................... 954

N.° 33/V — Autoriza o Governo a aprovar as Bases Gerais do Emparcelamento e Fraccionamento de Prédios Rústicos e de Explorações Agrícolas......... 960

Proposta de resolução a.° 2/V (aprova para ratificação a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984):

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação ... 966

975

Projectos de lei (n.M 189/V a 191/V):

N.° 189/V — Elevação de Aldeia do Carvalho à categoria de vila (apresentado pelo PSD)............. 967

N.° 190/V — Alteração do artigo 2." da Lei n.° 103/85, de 4 de Outubro, sobre a criação da freguesia de Além da Ribeira, no concelho de Tomar

(apresentado pelo PSD e PS).................... 968

N.° 191/V — Aprova o Plano Nacional de Educação Artística (apresentado por Os Verdes)............ 968

Projecto de resolução:

Recusa de ratificação do Decreto-Lei n.° 387-D/87, de 29 de Dezembro, que altera diversos artigos do Código das Custas Judiciais, com repristinação da legislação em vigor à data da publicação do referido decreto-lei (apresentado pelo PS)...........................

Ratificação n.° 11/V:

Requerimento do PS solicitando a apreciação pela Assembleia da República do Decreto-Lei n.° 19/88, de 21 de Janeiro (aprova a Lei de Gestão Hospitalar) 975

Inquérito parlamentar n.° 3/V:

Com vista ao completo apuramento da existência de ilegalidades e anomalias e outros factores de alarme da opinião pública nas colheitas e transfusões de sangue (apresentado pelo PCP)..................... 975

Interpelação ao Governo n.° 3/V:

Abertura de um debate de política geral centrado na situação da agricultura portuguesa, designadamente sobre a política agrícola e a legislação agrária..... 988

Voto n.° 20/V:

De pesar às famílias das vítimas que pereceram em dois recentes naufrágios.............................. 988

Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa:

Relatório da delegação portuguesa sobre a terceira

parte da 39.* sessão ordinária daquela Assembleia ... 989

Pessoal da Assembleia da República:

Aviso relativo à nomeação de dois técnicos auxiliares

'de administração de 2." classe do quadro de pessoal 994

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Il SÉRIE — NUMERO 49

Resolução

Vagem do Praàdents da Ropútica a Marrocos

A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 132.°, da alínea b) do artigo 166.° e do n.° 4 do artigo 169.° da Constituição, dar assentimento à viagem sem carácter oficial do Presidente da República a Marrocos, entre os dias 26 de Fevereiro e 7 de Março de 1988.

Aprovada em 11 de Fevereiro de 1988.

O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereira Crespo.

PROPOSTA DE LEI N.° 16/V

ALTERAÇÕES A LB N.s 24/87. DE 24 DE JUNHO (REGIME DISCIPLINADOR OA ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES OU BENS E INSTALAÇÕES DETIDAS PELO ESTADO EM EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL).

Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam as seguintes propostas de eliminação, de substituição e de aditamento:

Proposta de eliminação do artigo 1.°

São eliminadas as alterações propostas para os artigos 3.°, n.° 1, 6.°, n.° I, e 10.°, todos do Decreto--Lei n.° 358/86, de 27 de Outubro.

Proposta de substituição do artigo 2.a

Os artigos 1.°, n.M 1 e 2, e 2.°, n.° 1, do Decreto--Lei n.° 358/86, de 27 de Outubro, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.° 24/87, de 24 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 1.° — 1 — A alienação de quaisquer partes, quotas ou acções que o Estado ou qualquer entidade pública detenha em empresas de comunicação social, bem como do título dos seus órgãos ou de certo conjunto de bens e instalações que constituem o respectivo estabelecimento comercia], quando admissível nos termos da Constituição e da lei, só poderá ter lugar com vista à reestruturação e salvaguarda das finalidades próprias do sector público de comunicação social.

2 — Redacção do actuai n.0 3.

Art. 2.° — 1 — O disposto no artigo anterior é aplicável ao reforço, oneraçâo ou alienação do capital social das empresas públicas de comunicação social, quando admissível nos termos da Constituição e da lei.

2— .....................................

3 — .....................................

4— .....................................

Proposta de eliminação do artigo 2.°

São eliminadas as disposições constantes do artigo 2.° da proposta de lei n.° 16/V, relativas à alteração dos artigos 4.°, n." 1, 2 e 3, e 7.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 358/86, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 24/87, de 24 de 3unho.

Proposta de eliminação do artigo 4.°

É eliminado o artigo 4.° da proposta de lei n.° 16/V.

Proposta de aditamento ao artigo 6.°

Ao artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 358/86, de 27 de Outubro, é aditada a seguinte alínea i):

a)......................................

b)......................................

c)......................................

d)......................................

e)......................................

f)......................................

8)......................................

h)......................................

0 Regime de exercício do direito de preferência.

Proposta de aditamento dos artigos 11.°A e 11.°-B

Ao Decreto-Lei n.° 358/86, de 27 de Outubro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 24/87, de 24 de Junho, são aditados os seguintes novos artigos ll.°-A e ll.°-B:

Art. 11.°-A — 1 — Serão integralmente publicados, no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei, os inventários do património das empresas públicas de comunicação social, com menção da sua origem e valores devidamente actualizados, segundo as indicações e recomendações da Inspecção-Geral de Finanças.

2 — 0 disposto no número anterior constitui condição da prática dos actos a que se refere a presente lei.

Art. ll.°-B. Qualquer cidadão eleitor pode intentar as acções judiciais necessárias para manter, reivindicar ou reaver para o sector público participações ou outros bens do Estado que hajam sido alienados com desrespeito pelo preceituado na presente lei.

Assembleia da República, 4 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PCP: (Assinaturas ilegíveis.)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.° 23/V (atribui ao Ministério dos Negócios Estrangeiros competência para verificar a autenticidade dos documentos destinados à execução em Portugal de decisões que constituam titulo executivo proferidas em virtude da aplicação dos Tratados dos Instituir)-tes das Comunidades Europeias).

1 — Na Comunidade Económica Europeia, o Conselho e a Comissão, no âmbito das atribuições que lhes são conferidas, tomam decisões obrigatórias, em todos os seus elementos, para os destinatários que eles designarem (cf. artigo 189.° do Tratado de Roma).

2 — Ora, nos termos do artigo 192.° do Tratado de Roma, «as decisões do Conselho ou da Comissão que imponham uma obrigação pecuniária a pessoas que não sejam Estados constituem título executivo». E os «acór-

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CABIdâos do Tribunal de Justiça têm força executiva, nos termos do artigo 192.°», segundo o artigo 187.° do citado diploma.

3 — Assim, «a execução» das decisões do Conselho e da Comissão e dos acórdãos do Tribunal de Justiça «é regulada pelas normas de processo civil em vigor no Estado em cujo território se efectuar.

A fórmula executória é aposta, sem outro controle além da verificação da autenticidade do título, pela autoridade nacional que o Governo de cada um dos Estados membros designará para o efeito e de que dará conhecimento à Comissão e ao Tribunal de Justiça.» (Artigo 192.° cit.)

4 — «Após o cumprimento destas formalidades a pedido do interessado este pode promover a execução, recorrendo directamente ao órgão competente, em conformidade com a lei nacional.» (Artigo 192.° cit.)

5 — A proposta de lei em apreço (n.° 23/V) tem como objecto a verificação da autenticidade dos documentos que se destinam à execução em Portugal de decisões que constituam título executivo proferido em virtude da aplicação dos tratados das Comunidades.

6 — E propõe, uma vez verificada a autenticidade dos documentos, que estes serão transmitidos, pelo Ministério da Justiça, ao tribunal da relação do distrito judicial do domicílio referido, a quem cabe o exe-quator.

7 — A acção executiva processar-se-á nos termos do Código de Processo Civil, sendo territorialmente competente o tribunal de 1." instância determinado por aquelas normas.

8 — A solução adoptada reporta-se, assim, às competências para a verificação da autenticidade e para a aposição da forma executiva e às leis aplicadas no processo executivo e tribunal competente.

9 — E insere-se em solução paralela do Código Civil, cujo artigo 365.° reproduz o princípio locus regit actum, o qual significa o reconhecimento do valor e eficácia das leis e regras estrangeiras na ordem interna, quando tal for exigido pela natureza da relação jurídica, o que aliás sempre se verificaria no caso por força do n." 2 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa.

10 — O artigo 540.° do Código de Processo Civil, ainda neste âmbito, considera legalizados «os documentos autênticos passados em países estrangeiros, na conformidade das leis deste país [...] desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo».

Aos documentos particulares exige-se um processua-lismo similar.

11 — Aliás «a legalização não é hoje requisito da autenticidade do documento passado em país estrangeiro, pois só se torna necessária quando se levantam fundadas dúvidas sobre essa autenticidade» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1974, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 240).

12 — Quanto à aposição da fórmula executória, esta compete ao presidente do tribunal da relação do distrito judicial em que esteja domiciliado o requerido nos termos do artigo 2.° da proposta de lei em apreço.

A solução apresentada retoma o disposto no artigo 1095.° do Código de Processo Civil, quanto à matéria

respeitante à revisão e confirmação de sentença, o qual considera como competente o tribunal da relação do domicílio do requerido.

13 — No que respeita à acção executiva a proposta de lei remete para as normas aplicadas do Código de Processo Civil definindo como o tribunal territorialmente competente para o efeito o de l.a instância, nos termos das disposições especiais sobre execuções (artigos 90.° a 95.° do Código de Processo Civil).

14 — A proposta de lei n.° 23/V dá cumprimento às obrigações de Portugal decorrentes da adesão às Comunidades, precisando o processualismo de averiguação de autenticidade dos documentos, de aposição de fórmula executiva e de decurso de processo executivo.

As soluções apresentadas têm, como se viu, pleno paralelismo com soluções já contidas no nosso ordenamento.

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emite parecer no sentido de que nada obsta à subida da proposta de lei a Plenário.

Palácio de São Bento, 23 de Fevereiro de 1988. — O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.° 29/V (suspende, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1988, a aplicação do artigo 2.° da Lei n.° 26/84, de 31 de Julho).

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias reuniu no dia 12 de Fevereiro de 1988 para analisar na especialidade a proposta de lei n.° 29/V, a qual obteve a seguinte votação:

Aprovado na especialidade o artigo 1.°, com os votos favoráveis do PSD e abstenções do PS e do PCP.

Rejeitada a proposta de substituição do n.° 1 do artigo 2.°, apresentada pelo PCP. Votou a favor o PCP, absteve-se o PS e o PSD votou contra.

Aprovada a proposta de alteração do n.° 2 do artigo 2.°, apresentada pelo PSD. Votou a favor o PSD e abstiveram-se o PS e o PCP.

Aprovados na especialidade os n.os 1 e 3 do artigo 1.° da referida proposta de lei. Votou a favor o PSD e absteve-se o PS e o PCP.

Palácio de São Bento, 12 de Fevereiro de 1988. —O Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

TEXTO FINAL

Artigo 1.° É suspensa, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1988, a aplicação do artigo 2.° da Lei n.° 26/84, de 31 de Julho.

Art. 2.° — 1 — O Governo apresentará à Assembleia da República uma proposta de lei de ajustamento da legislação relativa ao estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos, tendo em consideração a legislação que aboliu a isenção de imposto profissional de que eram beneficiários os funcionários e agen-

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tes da Administração do Estado, bem como os titulares de cargos políticos, e a que alterou o regime de fixação dos vencimentos do pessoal dirigente da Administração Pública.

2 — 0 ajustamento referido no número anterior respeitará o regime de indexação ao vencimento do Presidente da República e fixará numa percentagem desse vencimento o limite máximo das remunerações que, a qualquer título, podem ser auferidas pelo exercício de cargos ou funções públicas.

3 — A proposta de lei referida nos números anteriores será presente à Assembleia da República no prazo de 30 dias e reportará os respectivos efeitos a 1 de Janeiro de 1988.

Palácio de São Bento, 12 de Fevereiro de 1988. —O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

PROPOSTA DE LEI N.° 31/V

LEI OE BASES DA REFORMA AGRARIA

Exposição de motivos

Decorreram mais de dez anos cobre a vigência da Lei n.° 77/77, de 29 de Setembro, e diversas razões impõem a sua substituição por uma nova Lei de Bases da Reforma Agrária, por considerável alteração das circunstâncias em que aquela foi elaborada e aprovada.

Com efeito, depois da entrada em vigor da Lei n.° 77/77 tiveram lugar significativas alterações à Constituição. E embora os artigos especialmente alusivos à reforma agrária hajam mantido a sua redacção, esta passou a ter de ser interpretada noutro contexto e à luz de outros princípios constitucionais, dos quais se esbateu alguma parte da carga ideológica estatizante mais sectária, com uma consequente maior abertura aos mecanismos de mercado e ao sector privado e seus direitos económicos.

No mesmo sentido, a adesão à CEE entretanto ocorrida e aprovada por vasta maioria determina uma reconsideração dos princípios enformadores da reforma agrária, pois pressupõe a exclusão ou atenuação de medidas de excessivo dirigismo, não compagináveis com o sistema de mercado vigente na Europa Ocidental.

Aliás, ainda que a plena participação de Portugal nas Comunidades não implicasse modificação dos princípios, sempre ela imperiosamente reclama, em termos práticos, para a nossa agricultura, uma rápida melhoria da capacidade empresarial e dos níveis de gestão e um mais forte contributo da iniciativa privada, impossíveis de obter no regime contido na actual Lei de Bases da Reforma Agrária.

Também a longa e agitada experiência de execução da Lei n.° 77/77, com todas as inúmeras dificuldades de efectivação e de opção por regras teóricas por vezes distantes das realidades praticas e concretas, aconselha uma profunda inovação legislativa.

Perturbada a sua aplicação, como foi, em especial nos anos decisivos iniciais, pela resistência à competente autoridade por parte de algumas organizações de ideologia totalitária que ilegalmente se haviam apoderado do controle de bens a sul do Tejo e impediam ou embaraçavam o devido exercício da soberania por parte do Governo e dos funcionários, aquele importante diploma não pôde ser executado com o mínimo de oportunidade, de eficácia, de coerência global e de realismo em função dos condicionalismos técnicos, geográficos e

sociais. E, em consequência, foram-se adicionando e acumulando erros, problemas e injustiças, impossíveis de superar cabalmente nos termos daquela lei.

Acresce que nem o Estado dispôs de meios para resolver em tempo e de modo satisfatório a questão das indemnizações relativas às numerosas terras e outros bens que se transferiram para o domínio estatal, nem foi possível tirar partido globalmente frutuoso da entrega aos beneficiários das áreas expropriadas. A reestruturação fundiária e distribuição em exploração não produziram os resultados positivos para que apontava a Lei n.° 77/77.

E a verdade é que subsistiu um constante clima de instabilidade, nada propício ao indispensável desenvolvimento do mundo rural na zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA).

Finalmente há que dar sequência ao Programa do Governo, que aponta para a melhoria de estrutura fundiária, através da revisão de legislação relativa ao arrendamento rural e florestal, ao emparcelamento rural e à revisão do Estatuto do Uso e Posse da Terra na ZIRA.

A prossecução de tais objectivos, na sociedade moderna e desenvolvida que queremos construir, não se compadece, pois, com situações de precariedade, de incerteza jurídica ou de inviabilidade económica no tocante ao uso e à propriedade da terra, o que se visa através da presente iniciativa legislativa e se intenta definitivamente evitar.

A presente proposta visa pois uma completa remodelação das bases da reforma agrária, no sentido da sinplificação dos critérios de aplicação, da ampliação de alguns dos máximos apontados para a propriedade privada, da eliminação de zonas de discricionariedade, da revisão de regras injustas ou comprovadamente irrealistas e da consolidação de situações factuais juridicamente precárias. Excluíram-se também numerosos preceitos, mais adequados a outros diplomas, e reuniram-se neste apenas os princípios fundamentais da intervenção na política agrícola e na reestruturação da propriedade rústica, quer em razão da dimensão, quer em função do mau uso, bem como as regras relativas à sua entrega em exploração a beneficiários e as que demandam um forte incremento do fomento hidroagrí-cola, imperativo do desenvolvimento da agricultura com íntimas implicações no regime fundiário.

Houve, porém, o cuidado de evitar um corte com o passado mais recente, mantendo-se assim diversas normas características da ossatura da Lei de Bases e garantindo-se a continuidade e a consolidação das situações em que o Estado, para execução da reforma agrária, entregou terras em exploração a numerosos beneficiários, ajudando a criar uma nova geração de agricultores, em cujo dinamismo continua a apostar.

Nestes termos, o Governo, usando da faculdade que lhe é conferida pelo n.° 1 do artigo 170.° e pela alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° Objecto

A presente lei integra as bases da reforma agrária, nos termos da Constituição.

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Artigo 2.° ZIRA

É mantida a composição da zona de intervenção da reforma agrária (ZIRA), constante do Decreto-Lei n.° 236-B/76, de 5 de Abril.

Artigo 3.° Definições

Para efeitos do presente diploma entende-se por:

1) Prédio rústico — urna parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica;

2) Estabelecimento agrícola — a universalidade de bens e serviços organizada distintamente com vista ao exercício da actividade agrícola por urna empresa agrícola;

3) Empresa agrícola — a entidade singular ou colectiva que coordena factores de produção para exercer, por conta própria, a exploração de um ou mais estabelecimentos agrícolas;

4) Agricultor autónomo — a empresa agrícola constituída por uma pessoa singular que, permanente e predominantemente, utiliza a actividade própria ou de pessoas do seu agregado doméstico, sem recurso ou com recurso excepcional ao trabalho assalariado;

5) Agricultor empresário — empresa agrícola constituída por uma pessoa singular que, permanente e predominantemente, utiliza a actividade de pessoal contratado;

6) Exploração de campanha — contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, transfere para outra, chamada «companheiro», ou «seareiro», a exploração de culturas num ou mais prédios rústicos ou parte deles, por um ou mais anos, até ao máximo de um ano agrícola por cada folha de cultura;

7) Agregado doméstico — o conjunto de pessoas que vivem habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum, ligadas por relação jurídica ou de facto;

8) Actividade agrícola — toda a actividade agrícola, em sentido estrito, pecuária e florestal;

9) Cooperativa complementar de produção agrícola — a associação de empresas agrícolas para prestação aos associados de bens ou serviços relativos à produção, a montante ou jusante desta, ou para a exploração, segundo os princípios cooperativos e sem perda de autonomia, de sectores dos seus estabelecimentos agrícolas.

Artigo 4.° Politica agrária

A política agrária visa prosseguir os seguintes objectivos:

a) O reforço e aperfeiçoamento da ligação do homem com a terra;

b) A melhoria das condições de trabalho e a garantia dos direitos dos trabalhadores e dos pequeuos t médios agricultores;

c) A optimização do aproveitamento dos recursos para aumento da produção e da produtividade;

d) A protecção dos recursos naturais e o aumento do fundo de fertilidade dos solos;

e) A adequação dos recursos existentes aos objectivos da política agrária comum.

Artigo 5.° Principio geral do uso da terra

0 uso da terra pautar-se-á por sistemas de produção adequados às características ecológicas da respectiva região, de modo a atingir índices de produtividade consentâneos com a sua capacidade.

Artigo 6.°

Iniciativas directas

1 — O Estado, ou qualquer pessoa colectiva pública, no âmbito das suas atribuições, pode efectivar iniciativas directas de fomento agrário que, por motivo ponderoso ou pela sua natureza, não possam ser realizadas por empresas agricolas de direito privado.

2 — A actividade prevista no número anterior pode reger-se total ou parcialmente por normas de direito privado.

Artigo 7.°

Fomento agrário

O fomento agrário tem como finalidade:

ff) O aumento da produção e da produtividade da agricultura, pela sua intensidade, modernização e diversificação, com benefício do fundo de fertilidade dos solos e do equilíbrio ecológico;

b) A promoção do associativismo;

c) A melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores.

Artigo 8.° Medidas incentivadoras

São medidas incentivadoras da actividade de empresas agrícolas:

a) Concessão de crédito;

b) Concessão de subsídios não reembolsáveis;

c) Seguros inerentes à actividade agrícola, nomeadamente os relativos a acidentes climatéricos e fitopatológicos;

d) Condições preferenciais e facilidades no fornecimento de sementes, propágulos, fertilizantes, pesticidas, rações para gado, maquinaria e outros materiais necessários à produção;

è) Facilidades na elaboração de projectos de investimento e de estudos económicos;

f) Concessão do uso de equipamento;

g) Celebração de contratos-programa;

h) Incentivos fiscais.

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Artigo 9.° Medidas e iniciativas integradoras

São medidas e iniciativas integradoras da actividade agrícola:

a) O aperfeiçoamento de infra-estruturas de transportes, comunicações, armazenagem, conservação e distribuição;

b) Benfeitorias de interesse colectivo não compreendidas na alínea anterior;

c) Regulação dos circuitos de distribuição;

d) Apoio à industrialização complementar dos produtos agrícolas ou com a sua participação;

e) Generalização da extensão rural e desenvolvi-■ ' mento do ensino e da formação profissional

agrícola;

f) Desenvolvimento da investigação científica ao serviço da produção agrícola;

g) Implementação do sistema de segurança social dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores;

h) Desenvolvimento de instituições, estruturas e actividades destinadas a elevar o nível social e cultural das populações rurais.

Artigo 10.° Zonas de maior potencialidade produtiva

As zonas de solos de maior potencialidade produtiva devem ser preservadas contra a expansão urbana e a degradação.

CAPÍTULO II Reestruturação fundiária

Artigo 11.° Âmbito das expropriações

Ficam sujeitos a expropriação o prédio ou o conjunto de prédios rústicos localizados na zona de intervenção da reforma agrária que correspondam a pontuação superior à estabelecida para o direito de reserva e sejam propriedade de:

d) Pessoa singular ou colectiva privada;

b) Duas ou mais pessoas em contitularidade, comunhão ou herança indivisa;

c) Duas ou mais sociedades, se forem coligadas ou se tiverem sócios comuns em posição dominante;

d) Uma pessoa singular e uma ou mais sociedades de que aquela seja sócia em posição dominante.

Artigo 12.° Prédios não expropriáveis

1 — Não são, porém, expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios rústicos na medida em que sejam propriedade de:

d) Agricultores autónomos;

b) Cooperativas agrícolas;

c) Instituições particulares de interesse público.

2 — Não são expropriáveis, qualquer que seja a sua pontuação, os prédios referidos no artigo anterior que, no seu conjunto, tenham área inferior a 60 ha.

3 — Se a parte do prédio ou prédios rústicos excedente da áreas de reserva for inferior à dimensão mínima dos estabelecimentos agrícolas susceptíveis de entrega para exploração/beneficiários, acrescerá à respectiva reserva, deixando de ser expropriável.

Artigo 13.° Direito de reserva

Aos proprietários dos prédios expropriados é atribuído o direito de reserva de propriedade de uma área determinada nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 14.° Conteúdo do direito de reserva

1 — A concessão do direito de reserva implica, para todos os efeitos, a constituição de um novo direito de propriedade, nos termos da lei civil.

2 — A execução da decisão final proferida nos processos de reserva regulados pela presente lei é considerada prioritária e de grave urgência para a realização do interesse público.

3 — O despacho de atribuição do direito de reserva terá força probatória plena, nomeadamente para a primeira inscrição no registo predial.

Artigo 15.° Pontuação da reserva

1 — O direito de reserva é equivalente a 91 000 pontos.

2 — A pontuação é fixada tendo em atenção o rendimento fundiário com base no cadastro oficialmente em vigor em 29 de Setembro de 1977.

3 — No cálculo da pontuação não serão consideradas as benfeitorias existentes nos prédios rústicos, bem como plantações agrícolas e povoamentos florestais, exceptuando as realizadas pelo Estado ou outra pessoa colectiva pública.

4 — A pontuação de áreas de reserva não será alterada depois da sua demarcação.

Artigo 16.° Localização da reserva

1 — As áreas de reserva localizam-se nos prédios expropriados ou sujeitos a expropriação.

2 — Sempre que possível e mediante a anuência do reservatário, a área de reserva localiza-se em zona onde o proprietário ou possuidor do prédio haja realizado recentes investimentos.

3 — Quando no prédio expropriado ou sujeito a expropriação exista um prédio urbano onde o reservatário tenha residência ou onde esteja instalada a sede de lavoura, a área de reserva deve ser contígua ou circundante ou o mais próximo possível deste, salvo vontade em contrário manifestada pelo reservatário.

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Artigo 17.° Contitularidades, heranças indivisas e sociedades

Às contitularidades, heranças indivisas e sociedades cabe mais de uma reserva, nas condições seguintes:

a) As reservas são tantas quantas as partes, quinhões hereditários, quotas ou participações no capital social, de cuja percentagem sobre o total da pontuação do prédio resulte área ou pontuação superior a 60 ha ou 91 000 pontos, podendo, porém, os contitulares, herdeiros ou sócios agrupar-se para efeitos de atingirem essa percentagem, mediante simples assinatura, em conjunto, do requerimento de reserva;

b) Para efeitos do disposto na alínea anterior, os cônjuges são considerados um só titular quanto aos bens comuns;

c) São abrangidos pelo disposto na alínea a) os casos de heranças indivisas verificadas à data do despacho atributivo de reserva ou da conclusão do processo de reserva, na vigência da lei anterior;

d) A produção de efeitos da atribuição das reservas que excederem uma, nos casos previstos na alínea d), fica sujeita à condição de, no prazo de um ano a contar do despacho que as atribuiu, elas serem juridicamente separadas, por divisão, partilha ou cisão, e não tornarem a ser

. juridicamente reunificadas, sendo eficazes os actos ou contratos necessários àquela separação.

Artigo 18.°

Alternativa dos reservatórios

Aos reservatários é conferido o direito de optarem entre a área equivalente à pontuação da respectiva reserva e uma área até 60 ha, independentemente da pontuação.

Artigo 19.° Titulares de direitos reais e rendeiros

1 — O direito de reserva cabe ao anterior titular do direito de propriedade, mas é respeitada a posição jurídica dos titulares de outros direitos reais ou dos arrendatários, relativamente à área de reserva, sem prejuízo do disposto no artigo 21.°

2 — 0 disposto no número anterior não se aplica aos contratos de exploração de campanha, «de seara», de parceria pecuária e parceria agrícola.

Artigo 20.°

Actos Ineficazes

1 — Para efeitos da presente lei são ineficazes os actos ou contratos relativos a prédios já expropriados praticados depois do início do processo de expropriação dos quais resulte diminuição de área expropriável.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior considera-se iniciado o processo de expropriação com a primeira das seguintes formalidades que tenha ocorrido:

á) Publicação da portaria que opere a expropriação;

b) Publicação da declaração de utilidade pública para expropriação;

c) Comunicação ao interessado para demarcação da reserva a atribuir no âmbito da presente lei.

Artigo 21.°

Limite máximo de exploração e extinção de direitos reais e do arrendamento

1 — Ficam sujeitos a extinção os direitos de usufruto, de superfície, de uso e de arrendamento incidentes sobre áreas dos prédios rústicos a que corresponda pontuação superior à estabelecida para o direito de reserva, cabendo ao respectivo usufrutuário, superficiário, usuário ou rendeiro o direito de ser indemnizado pelo beneficiário dessa extinção.

2 — À extinção prevista no número anterior aplica--se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores.

Artigo 22.° Frutos pendentes

Os frutos dos prédios expropriados, percebidos ou pendentes à data da posse administrativa pertencem aos que nessa data sejam ou fossem seus legítimos possuidores.

Artigo 23.° Domínio privado do Estado

Os prédios expropriados passam para o domínio privado indisponível do Estado.

Artigo 24.°

Processo das expropriações

0 Código das Expropriações rege as expropriações previstas nesta lei, incluindo a matéria relativa às indemnizações das que de futuro venham a efectuar--se, em tudo quanto nela não esteja especificamente regulado.

Artigo 25.° Declaração de utilidade pública

1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação declarar a utilidade pública das expropriações previstas.

2 — A declaração de utilidade pública é obrigatoriamente precedida de demarcação da reserva.

Artigo 26.°

Natureza urgente

As expropriações previstas nesta lei são consideradas urgentes.

Artigo 27.°

Demarcação da reserva

1 — Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação aprovar a demarcação das reservas previstas nesta lei.

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2 — A demarcação da reserva é obrigatoriamente precedida da audiência dos que tenham sido regularmente constituídos beneficiários da entrega em exploração dos prédios em causa, dos titulares de direitos de usufruto, superfície, uso e arrendamento sobre os mesmos prédios e ainda dos trabalhadores permanentes efectivos ao serviço dos prédios expropriados.

3 — A audiência prevista no número anterior pode ser efectuada por edital publicado, ainda que sem identificação pessoal dos interessados, em pelo menos dois números de um jornal diário de grande tiragem nacional.

Artigo 28.° Reservas em áreas entregues para exploração

1 — Os beneficiários da entrega em exploração de áreas nacionalizadas ou expropriadas, desde que regularmente constituídos como tais por acto administrativo expresso, mantêm os seus direitos relativos a essas áreas.

2 — Não podem ser atribuídas reservas nem reverter prédios nas áreas referidas no n.° 1, salvo se:

a) Os beneficiários concordarem na transferência da sua área de exploração para outros terrenos do Estado;

b) Os beneficiários e os titulares do direito de reserva celebrarem entre si contrato pelo qual aqueles mantenham a posse útil da área de exploração.

Artigo 29.° Reversão

1 — Pode ser determinada a reversão dos prédios rústicos expropriados que à data da publicação da presente lei estejam na posse material, na posse útil ou na simples detenção dos seus anteriores titulares ou de quem lhes haja sucedido ou na posse e exploração directa do Estado.

2 — A reversão é operada por portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

Artigo 30.°

Indemnizações

As indemnizações pelas expropriações e requisições já efectuadas continuam a reger-se por lei especial.

Artigo 31.°

Aplicação a reservas já demarcadas

A aplicação das disposições do presente capítulo aos casos em que as reservas não tenham sido requeridas ou cujo requerimento haja sido extemporâneo e às já demarcadas, no âmbito da lei anterior, depende de requerimento dos interessados, apresentado até 90 dias após a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 32.°

Prédios nacionalizados

O disposto no presente capítulo aplica-se aos prédios rústicos nacionalizados nos termos do Decreto-Lei n.° 407-A/75, de 30 de Julho, salvo o disposto no artigo 29.°

Artigo 33.°

Delegação de competência

A competência atribuída pelo presente diploma ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação pode por este ser delegada nos termos da lei geral.

CAPÍTULO III Uso e mau uso dos solos agrícolas

Artigo 34.° Do uso da terra

1 — A terra, como suporte físico, fundamental da comunidade, é valor eminentemente nacional, qualquer que seja a forma da sua apropriação.

2 —No uso dos solos agrícolas deverão ser respeitadas as suas potencialidades e capacidade de regeneração, as técnicas mais adequadas e a função social da terra, no quadro dos condicionalismos ecológicos, sociais e económicos do País.

3 — O regime do uso da terra é imperativo relativamente aos prédios expropriados e nacionalizados.

Artigo 35.° Regime do uso da terra

1 — Os prédios rústicos declarados por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação em situação de abandono ou mau uso podem ser objecto de arrendamento forçado ou expropriação.

2 — O arrendamento forçado ou a expropriação não podem ser declarados se o proprietário, após aviso, apresentar, vir aprovado e executar correctamente um plano de exploração.

3 — Nos casos de arrendamento forçado, o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação definirá previamente o plano de exploração, que constituirá pane integrante do contrato.

CAPÍTULO IV

Destino das áreas expropriadas e nacionalizadas

Artigo 36.° Beneficiários da entrega para exploração

1 — Os prédios expropriados ou nacionalizados são entregues para exploração a beneficiários constitucionalmente susceptíveis de recebê-los e aptos a contribuírem para os objectivos da política agrícola.

2 — O Estado, ou qualquer pessoa colectiva pública, pode, sem se constituir na obrigação de indemnizar, resolver unilateralmente o contrato ou rescindir a relação jurídica pela qual qualquer entidade com a exploração de um prédio expropriado ou nacionalizado infringe o regime imperativo do uso da terra e inexe-cuta os planos de exploração aprovados.

3 — 0 disposto no número anterior é aplicável aos casos em que as entidades que as exploram tenha/n abandonado total ou parcialmente ou cedido a outrem a sua exploração ou os respectivos estabelecimentos agrícolas ou se achem em situação de inviabilidade ou insolvência económica.

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Artigo 37.° Casos especiais

Os prédios expropriados ou nacionalizados podem igualmente ser geridos pelo próprio Estado ou por outra pessoa colectiva pública, desde que para fins de investigação agrária, de extensão rural ou de formação profissional agrária.

Artigo 38.° Competência

Compete ao Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ouvidos os trabalhadores permanentes e efectivos em serviço nos prédios expropriados ou nacionalizados, determinar para efeitos da entrega para exploração:

a) A área dos prédios que serão afectos a cada estabelecimento agrícola;

b) O tipo de empresa agrícola beneficiária;

c) A empresa agrícola à qual será entregue o esta-blecimento agrícola;

d) O tipo de contrato, as condições e os termos em que deve ser efectuada a exploração.

Artigo 39.°

Tipos de contrato para entrega de exploração

1 — A entrega para exploração dos prédios expropriados ou nacionalizados pode ser efectuada mediante:

a) Concessão de exploração;

b) Licença de uso privativo;

c) Arrendamento rural;

d) Exploração de campanha.

2 — Todos os contratos para entrega de exploração obrigam o beneficiário ao pagamento de uma contrapartida ao Estado.

3 — Os contratos de arrendamento rural referidos na alínea c) do n.° 1 regulam-se pela legislação de arrendamento rural.

4 — 0 Governo regulamentará, em decreto-lei, as entregas de exploração previstas nas alíneas a), b) e d) do n.° 1 do presente artigo.

Artigo 40.° Limites

1 — A área dos prédios afectos a cada estabelecimento agrícola resultante da entrega para exploração a entidades singulares e colectivas, independentemente da pontuação, terá como base uma racional articulação entre a dimensão e o rendimento fundiário e respeitará determinados limites máximos e mínimos.

2 — 0 Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação regulamentará mediante portaria os limites estabe-

ísàdos tio número anterior.

CAPÍTULO V Fomento hidroagrícola

Artigo 41.° Fomento hidroagrícola

0 Estado promoverá o estudo e a realização de obras de fomento hidroagrícola que, pelo seu interesse económico e social, se mostrem úteis ao desenvolvimento e reconversão agrárias.

Artigo 42.° Obras de fomento hidroagrícola

1 — São consideradas de fomento hidroagrícola as obras de aproveitamento de águas do domínio público para rega, enateiramento ou colmatagem, drenagem, enxugo e defesa dos terrenos para fins agrícolas, adaptação ao regadio das terras beneficiadas, melhoria de regadios existentes e a conveniente estruturação agrária.

2 — As águas particulares ou por qualquer título sujeitas ao seu regime podem também, mediante indemnização prévia, ser aproveitadas para obras de fomento hidroagrícolas.

Artigo 43.° Audição dos agricultores

É obrigatória a audição prévia dos agricultores abrangidos por obras de fomento hidroagrícola de interesse nacional ou regional e a aprovação maioritária dos agricultores abrangidos por obras de interesse local ou particular.

Artigo 44.°

Expropriação por utilidade pública

Para a realização de obras de interesse nacional ou regional e subsidiárias destas, nomeadamente para efeitos de reestruturação agrária, podem ser expropriados por utilidade pública, nos termos gerais, os prédios rústicos e urbanos, as águas particulares, os direitos que lhes sejam inerentes, num e noutro caso, e os direitos adquiridos sobre as águas públicas.

Artigo 45.° Regime financeiro

Os beneficiários de cada obra de fomento hidroagrícola suportarão integralmente as despesas de conservação e ficam obrigados ao reembolso de, pelo menos, parte do custo da obra.

CAPÍTULO VI Disposições finais

Artigo 46.° Regulamentação

1 — Os limites e directivas do uso da terra e o cumprimento da função social da propriedade serão defi-

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nidos pelo Governo mediante decreto-lei, no prazo de 90 dias.

2 — 0 Governo regulamentará a presente lei no que se torna necessário à sua execução.

Artigo 47.° Pressupostos da suspensão da eficácia

1 — A suspensão da eficácia de actos administrativos que, no âmbito da reforma agrária, determinem a entrega de reservas ou reconheçam não ter sido expropriado ou nacionalizado determinado prédio rústico só pode ser decretada judicialmente se, estando preenchidos os requisitos de lei, o requerente explorar o prédio abrangido mediante concessão de exploração, licença de uso privativo, arrendamento rural ou exploração de campanha e a execução do acto afectar em mais de 20 % a pontuação total dos prédios que se encontrem na posse do requerente.

2 — A entidade ou entidades que beneficiem da execução dos actos referidos no n.° 1 serão notificadas, simultaneamente com o seu autor, para, no mesmo prazo, invocar e demonstrar, se quiserem obstar a que a suspensão seja decretada, que ela lhes causa um prejuízo de mais difícil reparação do que aquele que da execução do acto adviria para o requerente.

3 — Para efeitos do número anterior, será indicada no requerimento de suspensão a entidade a quem a suspensão da eficácia do acto pode directamente prejudicar.

Artigo 48.° Disposição revogatória

É revogada a Lei n.° 77/77, de 29 de Setembro, bem como toda a legislação que a regulamentou ou que se mostrar incompatível com as normas da presente lei, mantendo-se, porém, em vigor as tabelas de pontuação aprovadas no domínio do Decreto-Lei n.° 406-A/75, de 29 de Julho.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 18 de Fevereiro de 1988. — Aníbal António Cavaco Silva — António Capucho — Fernando Nogueira — Alvaro Barreto.

PROPOSTA DE LEI N.° 32/V

AUTORIZA 0 GOVERNO A APROVAR 0 REGIME GERAL DO ARRENDAMENTO RURAL

Exposição de motivos

Pretende-se, com o presente diploma, harmonizar os objectivos da política agrícola do Governo com as realidades fundiárias e tradicionais do Pais, e bem assim conciliar os legítimos direitos e interesses dos proprietários das terras com os dos cultivadores, de acordo com a dimensão e a natureza, muito variada, das respectivas explorações agrícolas.

O objectivo de proporcionar aos legítimos proprietários das terras as garantias mínimas indispensáveis

que os estimulem a arrendá-las é consubstanciado no presente diploma, onde também se corrigem deficiências de mecanismos da legislação vigente que se mostraram desajustados, e de que são exemplo as comissões concelhias de arrendamento rural.

Finalmente, mantém-se o denominado arrendamento ao agricultor autónomo, ainda que contendo determinadas especificidades mais adequadas a quem cultiva por si ou com o seu agregado familiar, o que vem constituir um passo dado no sentido da instituição da empresa agrícola familiar.

Assim: O Governo, usando da faculdade conferida pelo n.° 1 do artigo 170.° e pela alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica o Governo autorizado a legislar:

a) Com o objectivo de aprovar o Regime Geral do Arrendamento Rural, nomeadamente no que concerne ao respectivo âmbito, forma do contrato de arrendamento, estipulação da renda, respectivas tabelas e alterações, situações de mora, subarrendamento, transferência, benfeitorias, indemnizações, denúncia, resolução, caducidade e transmissão do contrato, caducidade por expropriação, regime de preferência, cláusulas contratuais nulas, regime processual decorrente da especificidade do arrendamento rural e regime de parceria agrícola;

b) No sentido de criar um regime fiscal de incentivo ao arrendamento rural.

Art. 2.° A autorização concedida por esta lei tem a duração de 90 dias contados a partir da sua entrada em vigor.

Art. 3.° A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Vista e aprovada em Conselho de Ministros de 4 de Fevereiro de 1988. — Cavaco Silva.

Projecto de decreto-iel

Pretende-se, com o presente diploma, harmonizar os objectivos da política agrícola do Governo com as realidades fundiárias e tradicionais do País, e bem assim conciliar os legítimos direitos e interesses dos proprietários das terras com os dos cultivadores, de acordo com a dimensão e a natureza, muito variada, das respectivas explorações agrícolas.

O objectivo de proporcionar aos legítimos proprietários das terras as garantias mínimas indispensáveis que os estimulem a arrendá-las é consubstanciado no presente diploma, onde também se corrigem deficiências de mecanismos da legislação vigente que se mostraram desajustados, e de que são exemplo as comissões concelhias de arrendamento rural.

Finalmente, mantém-se o denominado arrendamento ao agricultor autónomo, ainda que contendo determinadas especificidades mais adequadas a quem cultiva por si ou com o seu agregado familiar, o que se deseja constituir um passo dado no sentido da instituição da empresa agrícola familiar.

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Assim, no uso da autorização concedida pela Lei -n.0.../..., de ... de o Governo decreta, nos termos da alinea i) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o seguinte:

Artigo 1.°

Noção

1 — A locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuaria, nas condições de uma regular utilização, denomina-se «arrendamento rual».

2 — Presume-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respectivas circunstâncias não resulte o contrário.

3 — Para efeitos don." 1 deste artigo são consideradas explorações pecuárias aquelas em que o empresário faça exploração do gado com base predominante forrageira própria.

4 — Não são incluídas no âmbito da presente lei as explorações pecuárias sem terra.

5 — Estão incluídos na presente lei os contratos de arrendamento rural previstos na Lei de Bases da Reforma Agrária.

Artigo 2.° Âmbito

1 — O arrendamento rural, além do terreno e vegetação permanente de natureza não florestal, abrange ainda as construções destinadas habitualmente aos fins próprios da exploração normal dos prédios locados e também à habitação do arrendatário.

2 — Salvo cláusula expressa em caso contrário, não se considera compreendido no arrendamento:

a) O arvoredo existente em terrenos destinados a corte de matos;

b) As árvores florestais dispersas;

c) A cortiça produzida por sobreiros existentes nos prédios locados;

d) Quaisquer outros produtos, que existindo nos prédios locados, não satisfaçam os fins referidos no número anterior.

3 — A presente lei não se aplica a arrendamentos para fins florestais, os quais deverão ser objecto de legislação especial.

Artigo 3.°

Forma do contrato

1 — Os arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito.

2 — O senhorio entregará o original do contrato na repartição de finanças da sua residência habitual e uma cópia, nos respectivos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, no prazo máximo de 30 dias após a respectiva celebração.

3 — Os contratos de arrendamento rural não estão sujeitos a registo e são isentos de selo ou de qualquer

outro imposto, taxa ou emolumento.

Artigo 4." Prazos de arrendamento

1 — Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por prazo inferior a dez anos, a contar da data em que tiverem início, valendo aquele se houver sido estipulado prazo mais curto.

2 — Os arrendamentos ao agricultor terão prazo de duração mínima de um ano.

3 — Findos os prazos estabelecidos nos números anteriores, ou o convencionado, se for superior, entende-se renovado o contrato por períodos sucessivos de três anos ou de um ano, no caso de agricultor autónomo, enquanto o mesmo não for denunciado nos termos da presente lei.

4 — O senhorio não pode opor-se às cinco primeiras renovações, no caso do agricultor autónomo, excepto se for emigrante e satisfizer cumulativamente as seguintes condições:

a) Ter sido ele quem arrendou o prédio ou o tenha adquirido por sucessão;

b) Necessitar de regressar, ou ter regressado há menos de um ano, a Portugal;

c) Querer explorar directamente o prédio arrendado.

Artigo 5.° Alteração dos prazos

1 — Sempre que uma exploração agrícola objecto de arrendamento venha a ser reconvertida pelo arrendatário, em termos a definir por lei, o contrato tem a duração mínima fixada na decisão que aprove o respectivo plano de reconversão.

2 — Sobre o plano proposto será obrigatoriamente ouvido o senhorio, e se este apresentar objecções ou sugestões, devem as mesmas ser tomadas em conta na aprovação ou rejeição.

3 — O prazo referido o n.° 1 não pode exceder 25 anos, devendo na sua fixação ser considerados o tenrçyj já decorrido desde o início ou renovação do contrato, o valor económico da reconversão, o volume do investimento a fazer e o benefício resultante para o proprietário findo o contrato.

4 — Findo o prazo fixado nos termos deste artigo, só por acordo expresso das partes pode haver continuação do arrendamento, a qual vale então como novo arrendamento.

5 — A decisão aprobatoria do plano será obrigatoriamente comunicada ao senhorio e ao arrendatário, considerando-se tacitamente aceite se as partes, no prazo de 60 dias, não interpuserem recurso directo para o tribunal administrativo de círculo.

Artigo 6.°

Renda

1 — A renda será sempre estipulada em dinheiro, a menos que as partes a fixem expressamente em géneros e em dinheiro simultaneamente.

2 — Caso a renda seja fixada em géneros, estes não podem ir além de três espécies produzidas no prédio ou prédios arrendados.

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3 — Uma vez fixado o sistema de estipulação de renda, este não poderá ser alterado na vigência do contrato ou da sua renovação.

4 — A renda é anual, só pode ser alterada nos termos do presente diploma e em caso algum pode ser convencionada a antecipação do seu pagamento.

5 — A renda em dinheiro será paga em casa do senhorio, salvo convenção das partes em contrário.

6 — Caso a renda seja fixada, total ou parcialmente, em géneros, estes serão entregues ao senhorio na sede da exploração agrícola do prédio arrendado.

Artigo 7.°

Actualização de rendas

As rendas convencionadas em dinheiro serão actualizáveis anualmente por iniciativa de qualquer das partes, não podendo, contudo, ultrapassar os limites fixados nas tabelas referidas no artigo 8.°

Artigo 8.° Tabelas de rendas

1 — Os Ministros das Finanças e da Agricultura, Pescas e Alimentação estabelecerão por portaria as tabelas de rendas máximas nacionais, com base nos géneros agrícolas predominantes em cada região, na evolução dos seus preços correntes, na diferente natureza dos solos, nas formas do seu aproveitamento e quaisquer outros factores atendíveis, ouvidas as associações de agricultores.

2 — As tabelas previstas no número anterior serão estabelecidas por regiões agrícolas e zonas agrárias, se estas existirem, e serão revistas com intervalos máximos de dois anos.

3 — Se o contrato abranger edifícios, dependências, instalações ou outros equipamentos fixos, o valor da renda dos mesmos será referido expressamente no contrato, com destaque das restantes parcelas.

4 — A portaria a que se refere o n.° 1 deste artigo pode referir o valor máximo da renda das partes a que se refere o número anterior, reportando tais valores à unidade de área.

Artigo 9.° Redução de renda

1 — Quando no prédio arrendado, por causas imprevisíveis e anormais, resultar, com carácter duradouro plurianual, diminuição significativa da capacidade produtiva do prédio, ao arrendatário assiste o direito de obter a resolução do contrato ou a fixação de nova renda, salvo se essa diminuição tiver sido resultante de práticas inadequadas de exploração.

2 — Consideram-se causas imprevisíveis e anormais, além de outras, inundações, acidentes geológicos e ecológicos e pragas de natureza excepcional, excluindo deste número todos os acidentes que estejam cobertos pelo seguro, nos termos da legislação portuguesa.

Artigo 10.°

Procedimento a adoptar para a redução ou fixação de nova renda"

1 — Os pedidos de redução de renda devem ser dirigidos ao senhorio, neles mencionando o arrendatário a renda que considera dever ser paga.

2 — Os pedidos são formulados por escrito, no prazo máximo de 30 dias após o termo dos eventos causais do resultado invocado ou, se continuados, no decurso deles.

3 — Presume-se que os referidos eventos não são fundamento para a redução da renda se o arrendatário não proporcionar ao senhorio a verificação dos sinais da sua ocorrência e os seus resultados.

4 — No caso de os contratantes, nos 30 dias seguintes à formulação do respectivo pedido, não chegarem a acordo sobre a redução de renda, poderão recorrer ao tribunal, o qual fixará no despacho saneador a renda a vigorar transitoriamente até decisão final do pleito.

5 — Enquanto não for proferida decisão judicial transitada em julgado, o senhorio não pode requerer a resolução do contrato com base em falta de pagamento de renda, salvo aquela que o arrendatário propôs no pedido de redução até ao saneador, sendo-lhe, porém, devida a importância correspondente ao complemento da renda que lhe vier a ser fixada por decisão judicial, acrescida dos respectivos juros.

Artigo 11.0 Mora do arrendatário

1 — Se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios, o senhorio, decorridos 90 dias após a data de vencimento, tem direito a obter a resolução do contrato, sem perda da renda em falta, acrescida de juros de mora à taxa prevista no artigo 559.° do Código Civil.

2 — Os juros de mora a que se refere o número anterior são calculados para a totalidade do valor da renda anual, contabilizando-se os géneros aos preços oficiais ou, na falta destes, aos preços correntes na região, nos casos em que aqueles produtos figurem na renda estipulada.

Artigo 12.°

Subarrendamento

Salvo acordo escrito do senhorio, ao arrendatário é proibido subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a terceiros a sua posição contratual.

Artigo 13.° Benfeitorias

1 — O arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes.

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2 — 0 senhorio só pode fazer as benfeitorias úteis que sejam consentidas pelo arrendatário ou, na falta de consentimento escrito deste, aprovadas pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes.

3 — As benfeitorias referidas non." 1 poderão implicar alteração do prazo do contrato e as constantes do n.° 2 poderão fazer alterar o prazo do contrato e o montante da renda, alterações que serão acordadas entre as partes e, em caso de discordância, por força da decisão aprobatoria do plano.

4 — Quando as benfeitorias referidas no n.° 2, pedidas pelo senhorio, importem alteração sensível do regime de exploração do prédio ou o arrendatário se não conformar com o eventual acréscimo de renda, tem este a faculdade de proceder, no prazo de 30 dias, à denúncia do contrato, a qual só produz efeitos no fim do respectivo ano agrícola.

5 — A decisão dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação será obrigatoriamente comunicada ao senhorio e ao arrendatário, considerando-se tacitamente aceite se as partes, no prazo de 60 dias, não interpuserem recurso directo para o tribunal administrativo de círculo.

Artigo 14.° Indemnização por benfeitorias

1 — Quando houver cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio.

2 — A indemnização, quando a ela houver lugar, será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento de cessação do contrato.

3 — Quando ocorrer a cessação antecipada da relação contratual por força do artigo 20.°, o arrendatário terá direito a exigir do senhorio indemnização, no caso de benfeitorias necessárias e úteis, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, pertencendo %o senhorio dizer se as benfeitorias úteis podem ser levantadas sem detrimento da coisa.

Artigo 15.°

Indemnização por deterioração oa dano

0 senhorio tem direito a exigir do arrendatário, quando ocorrer a cessação da relação contratual, indemnização relativa a deterioração ou danos causados nos prédios arrendados, ou coisas neles integradas por facto imputável ao mesmo arrendatário, ou como consequência de este não haver cumprido com as obrigações normais de cultivador.

Artigo 16.° Denúncia do contrato

1 — Os contratos de arrendamento a que se refere este diploma consideram-se sucessiva e automaticamente

renovados se não forem denunciados nos termos seguintes:

a) O arrendatário deve avisar o senhorio, mediante comunicação escrita, com a antecedência mínima de um ano, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação, ou de seis meses, se se tratar de arrendamento a agricultor autónomo;

b) O senhorio deve avisar também o arrendatário pela forma referida na alínea anterior, com a antecedência mínima de dezoito meses, relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação, ou de um ano, se se tratar de arrendamento a agricultor autónomo.

2 — A denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objecto.

Artigo 17.°

Oposição á denúncia

1 — O arrendatário pode obstar à efectivação da denúncia do contrato mediante decisão judicial desde que os prédios arrendados se destinem a ser objecto de novo arrendamento.

2 — O arrendatário só pode obstar à denúncia desde que proponha a acção no prazo de 60 dias após a notificação e prove cumulativamente:

a) Que vive exclusiva ou predominantemente da actividade agrícola juntamente com o seu agregado familiar;

6) Que a efectivação da denúncia põe em risco a sua subsistência económica;

c) Que a exploração agrícola do prédio obedece aos parâmetros previstos na legislação sobre os níveis mínimos de aproveitamento do solo.

Artigo 18.° Denúncia para exploração directa

1 — Quando o senhorio pretenda denunciar o contrato para, após o seu termo ou qualquer renovação, passar ele próprio ou filhos que satisfaçam as condições de jovem agricultor estipuladas na lei a explorar directamente o prédio ou prédios arrendados, o arrendatário não pode opor-se à denúncia.

2 — O senhorio que invocar o disposto no número anterior fica obrigado, salvo caso de força maior, à exploração directa por si ou pelos sujeitos referidos no n.° 1 durante o prazo mínimo de três anos.

3 — Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o arrendatário cujo contrato foi denunciado tem direito a uma indemnização e à reocupação, se assim o desejar, iniciando-se outro contrato.

4 — A indemnização prevista no número anterior, a pagar pelo senhorio, será igual ao triplo das rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário esteve ausente e nos termos do estipulado no contrato denunciado.

5 — O disposto nos n.os 2, 3, e 4 aplica-se igualmente ao senhorio que use da faculdade prevista no n.° 4 do artigo 4.°

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Artigo 19.° Termo de denúncia e efeito da dedsào

1 — A denúncia prevista no artigo anterior pode ser judicialmente requerida com, pelo menos, seis meses de antecedência em relação ao termo do prazo ou sua renovação.

2 — 0 despejo do prédio arrendado não pode, porém, ter lugar antes do termo do ano agrícola posterior à sentença.

3 — Se o arrendatário não entregar o prédio arrendado no prazo referido no número anterior, pode o senhorio requerer que se passe mandado para a execução do despejo.

Artigo 20.° Resolução do contrato

0 senhorio só pode pedir a resolução do contrato no decorrer do prazo do mesmo se o arrendatário:

a) Não pagar a renda no tempo e lugar próprios;

b). Faltar ao cumprimento de uma obrigação legal, com prejuízo directo para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio;

c) Utilizar processos de cultura comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos

solos;

d) Não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam no prédio arrendado;

é) Subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a sua posição contratual nos casos não permitidos ou sem o cumprimento das obrigações legais;

f) Não atingir os níveis mínimos de utilização do solo estabelecidos na legislação em vigor ou não observar injustificadamente o que for determinado nos planos a que se referem os artigos 5.° e 13.°

Artigo 21.°

Caducidade do contrato

1 — O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio.

2 — Quando cesse o direito ou findem os poderes de administração com base nos quais o contrato for celebrado, observar-se-á o disposto no n.° 2 do artigo 1051.° do Código Civil.

Artigo 22.° Transmissão por morte do arrendatário

1 — O arrendamento rural não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se ao cônjuge sobrevivo, desde que não divorciado ou separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto, e a parentes ou afins, na linha recta que com o mesmo vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo.

2 — A transmissão a que se refere o número anterior defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo;

b) Aos parentes ou afins da linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais remoto.

3 — A transmissão a favor dos parentes ou afins, segundo a ordem constante do número anterior, também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.

4 — Pode haver duas transmissões mortis causa, nos termos do número anterior, ou apenas uma, quando a primeira transmissão se operar a favor das pessoas referidas na alínea b) do n.° 2.

Artigo 23.° Desistência do direito á transmissão

1 — Os titulares do direito à transmissão conferida nos termos do artigo anterior que não queiram exercer esse direito comunicarão a sua vontade por escrito ao senhorio no prazo de 90 dias após a morte do arrendatário, ficando responsáveis pelos prejuízos que causarem se não o fizerem.

2 — Sob pena de caducidade, os titulares que queiram exercer aquele direito comunicarão a sua vontade por escrito ao senhorio no prazo de 180 dias após a morte do arrendatário.

Artigo 24.° Caducidade por expropriação

1 — A expropriação do prédio ou prédios arrendados por utilidade pública importa a caducidade do arrendamento.

2 — Se a expropriação for total, o arrendamento é considerado encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante.

3 — Na indemnização, além dos valores dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, atende-se ainda ao valor das benfeitorias a que o arrendatário tenha direito e aos demais prejuízos emergentes da cessação do arrendamento, calculados nos termos gerais de direito.

4 — Se a expropriação for parcial, o arrendatário, independentemente dos direitos, facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela redução proporcional da renda.

5 — Não se aplica, porém, o disposto no número anterior se a parte expropriada for superior em, pelo menos, dois terços relativamente à parte não expropriada, caso em que ocorre igualmente caducidade com a aplicação dos n.°* 2 e 3 deste artigo.

Artigo 25.° Trabalhos preparatórios e colheitas de frutos pendentes

3 — No decurso do último ano do arrendamento, o arrendatário não se pode opor à realização dos trabalhos indispensáveis ao normal aproveitamento da terra, a efectuar pelo novo cultivador.

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2 — Reciprocamente, o novo cultivador não pode impedir a realização de todas as práticas necessárias à colheita, utilização e transformação dos frutos pendentes, ainda que fora do prazo do arrendamento cessante.

Artigo 26.°

Preferência

1 — No caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão.

2 — O direito de preferência do arrendatário cede perante o exercício desse direito por co-herdeiro ou comproprietário.

3 — Sempre que o arrendatário exerça o direito de preferência referido no presente artigo, tem de cultivar o prédio directamente, como seu proprietário, durante, pelo menos, três anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado.

4 — No caso de exercício judicial desse direito, o preço será pago ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento.

5 — No caso de procedência do direito de preferência há isenção de sisa.

6 — Ficam também isentas de sisa todas as transmissões onerosas de prédios, a favor dos respectivos arrendatários rurais, desde que exista contrato escrito há, pelo menos, três anos com assinaturas reconhecidas notarialmente ou autenticadas pelos serviços oficiais competentes.

7 — As transmissões de prédios a que se refere o presente artigo estão sujeitas ao estabelecido no n.° 2 do artigo 3.°

Artigo 27.° Arrendamento de campanha

0 Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação pode autorizar mediante portaria, por tempo limitado e em condições expressamente definidas, arrendamentos de campanha ou outras formas transitórias de exploração de terras alheias por períodos inferiores a um ano, sempre que condicionalismos de ordem económica e social o justifiquem.

Artigo 28.° Arrendamento para fins de emparcelamento

Os prédios adquiridos para fins de emparcelamento podem ser arrendados por prazos inferiores aos estabelecidos no artigo 4.° deste diploma.

Artigo 29.° Parceria agrícola

1 — Nos contratos de parceria agrícola só podem ser objecto de divisão entre o parceiro proprietário e o parceiro cultivador no máximo os três principais produtos habitualmente produzidos nos prédios objecto de contrato.

2 — A divisão nunca pode fazer-se atribuindo ao parceiro proprietário quota superior a metade da produção, de acordo com o número anterior.

Artigo 30.° Contratos mistos

Nos contratos mistos de arrendamento e parceria só um dos produtos poderá ser objecto de divisão e dois de renda.

Artigo 31.° Legislação aplicável

Aos contratos de parceria agrícola e mistos aplicare, com as adaptações necessárias, tudo quanto respeita aos arrendamentos rurais.

Artigo 32.°

Extinção da parceria agrícola

A parceria agrícola manter-se-á até que o Governo, por decreto-lei, estabeleça as normas transitórias adequadas à sua efectiva extinção.

Artigo 33.° Cláusulas nulas

São nulas as cláusulas contratuais em que:

á) O arrendatário se obrigue a vender as colheitas, no todo ou em parte, a entidades certas e determinadas;

b) O arrendatário se obrigue ao pagamento de prémio de seguro contra incêndios de edifícios, bem como de contribuições, impostos ou taxas que incidam sobre prédios compreendidos no arrendamento e que sejam devidos pelo senhorio;

c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir denúncia ou resolução do contrato e às indemnizações que forem devidas nos casos de violação de obrigações legais ou contratuais;

d) O arrendatário renuncie ao direito de renovação do contrato ou se obrigue antecipadamente à sua denúncia;

é) O arrendatário se obrigue por qualquer título a serviços que não revertam em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários;

f) As partes subordinem a eficácia ou validade do contrato a condição resolutiva ou suspensiva.

Artigo 34.° Formas de processo

1 — Os processos judiciais referidos no artigo 26.° têm carácter de urgência, seguem os termos de processo ordinário ou sumário, consoante o valor, e, enquanto estiverem pendentes, não pode efectivar-se a entrega do prédio ao senhorio com base em denúncia do contrato.

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2 — Os restantes processos judiciais referentes a arrendamentos rurais têm carácter de urgência e seguem a forma de processo sumário, salvo se outras forem expressamente previstas.

3 — É sempre admissível recurso para o tribunal da relação quanto à matéria de direito, sem prejuízo dos recursos ordinários, consoante o valor da acção, tendo sempre efeito suspensivo o recurso interposto da sentença que decrete a restituição do prédio.

4 — Nos casos previstos no artigo 10.°, n.° 4, aplica--se o processo previsto no artigo 1429.° do Código de Processo Civil, que reveste também carácter de urgência, não havendo recurso da decisão.

5 — Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.

Artigo 35.° Âmbito de aplicação da presente lei

1 — Aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime nela prescrito.

2 — Ficam totalmente isentas de custas as acções instauradas ao abrigo de normas anteriores quando as partes desistam das mesmas ou se verifique a inutilidade superviente da lide.

3 — O novo regime previsto no artigo 3.° da presente lei apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989.

4 — Esta lei não se aplica aos processos pendentes em juízo que à data da sua entrada em vigor já tenham sido objecto de decisão em 1." instância, ainda que não transitada em julgado, salvo quanto a normas de natureza interpretativa.

5 — Esta lei não é aplicável aos terrenos localizados na área dos planos directores, superiormente aprovados e publicados no Diário da República.

6 — Até ao termo do prazo, em curso, dos contratos validamente celebrados ao abrigo do artigo 36.° da Lei n.° 76/77, de 29 de Setembro, não se aplica o disposto no artigo 12.° do presente diploma.

Artigo 36.°

Incumprimento pelos serviços oficiais

Se os serviços do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação não proferirem as decisões previstas neste diploma dentro dos prazos estabelecidos, podem os interessados interpor recurso para o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de dez dias, considerando-se o pedido deferido se nos 90 dias subsequentes não for proferida decisão.

Artigo 37.° Tribunais arbitrais

Poderão ser criados em cada comarca tribunais arbitrais, com a constituição e as competências que legalmente lhes venham a ser conferidas, para o julgamento de questões emergentes do contrato de arrendamento rural.

Artigo 38.° Legislação aplicável nos Açores

A legislação sobre arrendamento rural aprovada pela Assembleia Regional dos Açores mantém-se em vigor nesta Região Autónoma.

Artigo 39.° Definições

Para os efeitos da presente lei consideram-se adoptadas as definições constantes da Lei de Bases da Reforma Agrária.

Artigo 40.° Disposições revogatórias

1 — São revogadas as Leis n.os 76/77, de 29 de Setembro, e 76/79, de 3 de Dezembro.

2 — São igualmente revogados os Decretos-Leis n.™ 32/79, de 28 de Fevereiro, com as alterações constantes da Lei n.° 24/79, de 26 de Julho, e 130/81, de 28 de Maio.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de ...

de ____— (O Primeiro-Ministro) — (O Ministro das

Finanças) — (O Ministro da Justiça) — (O Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação).

PROPOSTA DE LEI N.° 33/V

AUTORIZA 0 GOVERNO A APROVAR AS BASES DO

EMPARCELAMENTO E FRACCIONAMENTO 0E PKÉB3QS RÚSTICOS E DE EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS.

Exposição de motivos

O progresso da agricultura portuguesa, que se pretende orientar, por um lado, no sentido de aumentar a produção do sector agroalimentar, em ordem a satisfazer as necessidades do País e a reduzir o volume de bens importados, e, por outro lado, de modo a rendibilizar os meios de produção para que a actividade agrícola aumente a sua competitividade e proporcione à população rural um nível de vida mais aproximado dos padrões verificados noutros sectores de actividade, tem sido retardado por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimen-ção insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução.

Com efeito, segundo o último recenseamento agrícola, mais de dois terços das explorações têm dimensão inferior a 2 ha, sendo a média geral de apenas 6,6 ha. Além disso, verificam-se elevados graus de fragmentação e dispersão, traduzidos em valores médios de 1,05 ha por parcela e de 6,3 blocos por exploração.

Esta fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas tem sido sempre uma condicionante negativa à qual, preenchendo o longo vazio de medidas legislativas adequadas, desde os primeiros projectos de Oliveira Martins, em 1887, e Elvino de Brito, em 1899, passando pelo primeiro diploma publicado mas nunca regulamentado, que foi o Decreto n.° 5705,

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de 10 de Maio de 1919, até aos anos 60, se procurou fazer face com a publicação da Lei n.° 2116, de 14 de Agosto de 1962, e do Decreto n.° 44 647, de 26 de Outubro do mesmo ano.

Contudo, desde a definição do regime jurídico do emparcelamento da propriedade rústica em 1962, os resultados conseguidos são demasiado modestos, visto que: em três perímetros com a área total de 446 ha as operações concluídas revestiram, por assim dizer, carácter experimental; as acções em perímetros de maior extensão, em especial nos campos do Mondego (15 000 ha), foram interrompidas em 1974 e somente retomadas cinco anos mais tarde; e outras intervenções de maior vulto, na Cova da Beira, nos regadios do Algarve e no Baixo Vouga, só viriam a ser recentemente iniciadas como componentes de projectos de desenvolvimento agrícola no âmbito da cooperação técnica e financeira com países europeus.

Embora o inêxito tenha muito a ver com dificuldades, tais como as condições específicas da estrutura fundiária no País, aliadas à persistência de um elevado índice de população activa na agricultura, cedo se revelaria a inadequação de algumas disposições da lei a um trabalho eficaz e a impossibilidade de o Estado, por si só, realizar os objectivos da lei.

Com a presente proposta de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas procura-se, portanto, adaptar o regime jurídico das operações de emparcelamento ao quadro constitucional vigente e introduzir as alterações que a experiência na aplicação da actual legislação de emparcelamento aconselha, tendo em vista os seguintes objectivos:

Redifinir o conceito de emparcelamento, alar-gando-o a operações que transcendem ou completam as previstas no regime em vigor, de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas dentro dos limites a estabelecer, e articulando-o com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica [cf. o artigo 66.°, n.° 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, a Directiva n.° 85/377 (CEE), de 27 de Junho de 1985, e o artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente)];

Melhorar o processo de execução das operações de emparcelamento, tornando simultaneamente mais precisos e flexíveis os termos em que se opera a remodelação predial nas suas diferentes modalidades;

Conferir às autarquias locais e à iniciativa privada a faculdade de elaborar e executar projectos de emparcelamento, reservando ao Estado apenas a sua aprovação;

Facilitar a constituição de reservas de terras e conferir maior eficácia à sua utilização como «banco de terras», em apoio quer ao redimensionamento dos prédios rústicos e das explorações agrícolas quer à criação de novas e bem dimensionadas unidades de exploração;

Eliminar dificuldades de articulação das competências dos vários organismos com intervenção

principal ou acessória nas operações de remodelação predial e incompatibilidades aparentes ou reais de disposições legais quanto à finalização dos actos de emparcelamento;

Conferir maior força executória às operações de emparcelamento mais importantes, sem o menor prejuízo de participação e da manifestação da vontade dos proprietários e empresários agrícolas directamente interessados;

Aperfeiçoar e ampliar os mecanismos reguladores do fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, sem prejuízo de preservação dos recursos naturais, nomeadamente através de intervenção disciplinadora dos organismos do Estado competentes na matéria, sempre que se reconheça necessário exercê-la para melhorar a estrutura fundiária e mediante mais adequada fixação e graduação do direito de preferência nas transmissões de prédios e de explorações agrícolas economicamente viáveis;

Criar, aperfeiçoar ou proporcionar a criação de incentivos fiscais e outros para serem alcançados os objectivos da lei aplicados, designadamente, ao redimensionamento aconselhável dos prédios rústicos e das explorações agrícolas e à indivisão de unidades de exploração economicamente viáveis.

Assim:

O Governo, usando da faculdade conferida pelo n.° 1 do artigo 170." e pela alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1."

Fica o Governo autorizado a legislar:

á) Com o objectivo de aprovar as bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, nomeadamente no que concerne ao respectivo âmbito, competência para as iniciativas das operações de emparcelamento, bem como para o incentivo e coordenação dessas mesmas operações, formas que podem assumir as operações de emparcelamento, constituição de reserva de terras, regime de equivalência dos terrenos emparcelados, transferência de direitos, ónus e encargos decorrentes das operações de emparcelamento, publicidade das operações, exploração e conservação das obras conexas do emparcelamento, direitos de preferência, fraccionamento e troca de prédios rústicos, fraccionamento de exploração agrícola e limites mínimos de superfície dos prédios rústicos;

b) No sentido de criar um regime especial de apoio financeiro e um regime fiscal aplicável às operações de emparcelamento ou de fraccionamento.

Artigo 2.°

A autorização concedida por esta lei tem a duração de 90 dias contados a partir da sua entrada em vigor.

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Artigo 3.°

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Fevereiro de 1988. — O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro dos Assuntos Parlamentares, António d'Orey Capucho.

Projecto de decreto-lei

O progresso da agricultura portuguesa, que se pretende orientar, por um lado, no sentido de aumentar a produção do sector agroalimentar, em ordem a satisfazer as necessidades do Pais e a reduzir o volume de bens importados, e, por outro lado, de modo a rendibilizar os meios de produção para que a actividade agrícola aumente a sua competitividade e proporcione à população rural um nível de vida mais aproximado dos padrões verificados noutros sectores de actividade, tem sido retardado por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução.

Com efeito, segundo o último recenseamento agrícola, mais de dois terços das explorações têm dimensão inferior a 2 ha, sendo a média geral de apenas 6,6 ha. Além disso, verificam-se elevados graus de fragmentação e dispersão, traduzidos em valores médios de 1,05 ha por parcela e de 6,3 blocos por exploração.

Esta fragmentação e dispersão da propriedade e das explorações agrícolas tem sido sempre uma condicionante negativa à qual, preenchendo o longo vazio de medidas legislativas adequadas, desde os primeiros projectos de Oliveira Martins, em 1887, e Elvino de Brito, em 1899, passando pelo primeiro diploma publicado mas nunca regulamentado, que foi o Decreto n.° 5705, de 10 de Maio de 1919, até aos anos 60, se procurou fazer face com a publicação da Lei n.° 2116, de 14 de Agosto de 1962, e do Decreto n.° 44 647, de 26 de Outubro do mesmo ano.

Contudo, desde a definição do regime jurídico do emparcelamento da propriedade rústica em 1962, os resultados conseguidos são demasiado modestos, visto que: em três perímetros com a área total de 446 ha as operações concluídas revestiram, por assim dizer, carácter experimental; as acções em perímetros de maior extensão, em especial nos campos do Mondego (15 000 ha), foram interrompidas em 1974 e somente retomadas cinco anos mais tarde; e outras intervenções de maior vulto, na Cova da Beira, nos regadios do Algarve e no Baixo Vouga, só viriam a ser recentemente iniciadas como componentes de projectos de desenvolvimento agrícola no âmbito da cooperação técnica e financeira com países europeus.

Embora o inêxito tenha muito a ver com dificuldades, tais como as condições específicas da estrutura fundiária no País, aliadas à persistência de um elevado índice de população activa na agricultura, cedo se revelaria a inadequação de algumas disposições da lei a um trabalho eficaz e a impossibilidade de o Estado, por si só, realizar os objectivos da lei.

Com o presente diploma procura-se, portanto, adaptar o regime jurídico das operaç

ao quadro constitucional vigente e introduzir as alterações que a experiência na aplicação da actual legislação de emparcelamento aconselha, tendo em vista os seguintes objectivos:

Redifinir o conceito de emparcelamento, alar-gando-o a operações que transcendem ou completam as previstas no regime em vigor, de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas dentro dos limites a estabelecer, e articulando-o com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica [cf. o artigo 66.°, n.° 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, a Directiva n.° 85/377 (CEE), de 27 de Junho de 1985, e o artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente)];

Melhorar o processo de execução das operações de emparcelamento, tornando simultaneamente mais precisos e flexíveis os termos em que se opera a remodelação predial nas suas diferentes modalidades;

Conferir às autarquias locais e à iniciativa privada a faculdade de elaborar e executar projectos de emparcelamento, reservando ao Estado apenas a sua aprovação;

Facilitar a constituição de reservas de terras e conferir maior eficácia à sua utilização como «banco de terras», em apoio quer ao redimensionamento dos prédios rústicos e das explorações agrícolas quer à criação de novas e bem dimensionadas unidades de exploração;

Eliminar dificuldades de articulação das competências dos vários organismos com intervenção principal ou acessória nas operações de remodelação predial e incompatibilidades aparentes ou reais de disposições legais quanto à finalização dos actos de emparcelamento;

Conferir maior força executória às operações de emparcelamento mais importantes, sem o menor prejuízo de participação e da manifestação da vontade dos proprietários e empresários agrícolas directamente interessados;

Aperfeiçoar e ampliar os mecanismos reguladores do fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, sem prejuízo de preservação dos recursos naturais, nomeadamente através de intervenção disciplinadora dos organismos do Estado competentes na matéria, sempre que se reconheça necessário exercê-la para melhorar a estrutura fundiária e mediante mais adequada fixação e graduação do direito de preferência nas transmissões de prédios rústicos e de explorações agrícolas economicamente viáveis;

Criar, aperfeiçoar ou proporcionar a criação de incentivos fiscais e outros para serem alcançados os objectivos da lei aplicados, designadamente, ao redimensionamento aconselhável dos prédios rústicos e das explorações agrícolas e à indivisão de unidades de exploração economicamente viáveis.

Assim, no uso da autorização concedida pela Lei n.° .../..., de ... de .... o Governo decreta, nos termos

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da alínea 6) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I

Do emparcelamento

Artigo 1.° Âmbito

1 — Nas regiões onde a fragmentação e a dispersão da propriedade rústica e da empresa agrícola determinam inconvenientes de carácter económico-social deverão realizar-se operações de emparcelamento destinadas a melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

2 — Poderão também realizar-se operações de emparcelamento com o objectivo de assegurar a conservação da natureza e o correcto ordenamento do território.

3 — Considera-se ainda no âmbito do emparcelamento a realização de melhoramentos fundiários e rurais de carácter colectivo que sejam indispensáveis à remodelação predial ou que, realizados, simultaneamente com esta, contribuam para a valorização económica da respectiva zona ou para a promoção das populações rurais.

Artigo 2.° Iniciativa

1 — As operações de emparcelamento são da iniciativa dos particulares interessados, das autarquias locais ou do Estado.

2 — Compete às comissões de coordenação regional incentivar e coordenar as operações de iniciativa dos particulares e das autarquias locais.

3 — Compete à Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, em colaboração com a direcção regional de agricultura da zona, promover e coordenar as operações de iniciativa do Estado, aprovar os projectos de emparcelamento de iniciativa particular ou autárquica e fiscalizar a sua execução.

Artigo 3.° Operações de emparcelamento

As operações de emparcelamento podem assumir as seguintes formas:

a) Emparcelamento integral;

b) Emparcelamento simples;

c) Emparcelamento de exploração;

d) Redimensionamento de explorações agrícolas;

e) Troca de terrenos e árvores.

Artigo 4.° Emparcelamento integral

1 — O emparcelamento integral consiste na substituição de uma estrutura predial defeituosa de propriedade rústica por outra que, associada à realização de melhoramentos fundiários, permite:

a) Concentrar a área de prédios ou suas parcelas pertencentes a cada proprietário no menor

número possível de prédios, com transferência de direitos, ónus e encargos; b) Aumentar a superfície dos novos prédios mediante a incorporação de terrenos da reserva de terras.

2 — Sem prejuízo do objectivo definido no número anterior, o emparcelamento integral visará ainda o reagrupamento de parcelas que, pertencendo embora a diversos proprietários, sejam exploradas em conjunto.

Artigo 5.° Emparcelamento simples

0 emparcelamento simples consiste na correcção da divisão parcelar de terrenos pertencentes a pelo menos dois proprietários, com a finalidade de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração através da concentração, do redimensionamento, da rectificação de estremas e da extinção de encraves e servidões.

Artigo 6.° Emparcelamento de exploração

1 — O emparcelamento de exploração consiste na concentração das parcelas dispersas de uma mesma empresa agrícola, ainda que pertencentes a proprietários diferentes, e executa-se, sempre que possível, simultaneamente com o emparcelamento integral ou simples.

2 — A execução das operações de emparcelamento de exploração deverá subordinar-se às condições seguintes:

á) Não agravar a fragmentação da propriedade;

b) Ser possível assegurar a duração igual dos contratos de arrendamento que incidam ou venham a incidir sobre os terrenos abrangidos por períodos não inferiores a treze anos contados a partir do ano agrícola em que se conclua a remodelação parcelar.

Artigo 7.° Redimensionamento de explorações agrícolas

1 — O redimensionamento de explorações agrícolas consiste no aumento, até aos limites que forem definidos para cada região, da sua superfície, de modo a melhorar a rentabilidade dos factores de produção.

2 — O objectivo referido no número anterior poderá ser alcançado por qualquer das modalidades seguintes:

a) Aquisição ou arrendamento de prédios confinantes ou próximos de outros integrados nas explorações a redimensionar;

b) Aquisição ou arrendamento pelos interessados de terrenos da reserva de terras.

Artigo 8.° Troca de terrenos e árvores

1 — A troca de terrenos e árvores visa a eliminação de encraves e direitos de superfície, a correcção da forma ou da estrutura das explorações agrícolas ou o reforço da sua produtividade.

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2 — Para efeitos do disposto no número anterior podem ser expropriados:

a) Os prédios encravados ou as árvores implantadas em terreno alheio;

¿7) Os prédios ou parcelas que tenham estremas comuns de extensão superior a 70% dos respectivos perímetros;

c) Os prédios ou parcelas situados entre prédios de um mesmo proprietário que, numa extensão superior a 30% do seu perímetro, tenham, isoladamente ou em conjunto, estremas comuns com aqueles prédios;

d) As parcelas subtraídas à exploração do prédio de que fazem parte por sobre elas incidirem direitos reais menores ou de arrendamento de que sejam titulares outras pessoas, desde que se situem naqueles prédios em condições idênticas às referidas na alínea anterior.

3 — Em qualquer dos casos previstos no número anterior é necessário que a área total dos terrenos a permutar ou expropriar seja inferior a um terço da área daquele ou daqueles em que se destinam a ser integrados, ou que separam, e ainda que, quando se trate de árvores, o respectivo valor seja inferior a um terço do valor do prédio em que se situam.

Artigo 9.° Órgãos de emparcelamento

1 — As operações de emparcelamento integral serão acompanhadas por uma comissão de apreciação e, quando da iniciativa do Estado, por uma comissão de trabalho.

2 — É facultativa a constituição dessas comissões nas outras operações de emparcelamento.

3 — 0 Governo regulamentará, no quadro do dis^ posto no artigo 24.° do presente diploma, a estrutura, composição e forma de funcionamento das comissões previstas nos números anteriores.

Artigo 10.° Reserva de terras

1 — A Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, em colaboração com a direcção regional de agricultura da zona, promoverá nas zonas a emparcelar, qualquer que seja a entidade responsável pela iniciativa, a constituição de uma reserva de terras com as finalidades seguintes:

a) Incorporação nos prédios resultantes de operações de emparcelamento;

b) Redimensionamento de explorações agrícolas por venda, permuta, arrendamento ou subarrendamento;

c) Criação de novas unidades de exploração em propriedade ou arrendamento;

d) Afectação a fins de valorização económica e social de carácter colectivo.

2 — A reserva de terras será composta por:

a) Terrenos adquiridos ou arrendados pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola;

b) Terrenos cedidos por agricultores empresários ou autónomos cessando as suas actividades nessa qualidade;

c) Terrenos que integrem o domínio público ou privado do Estado e das autarquias, excepto baldios, mediante acordos a celebrar com as entidades a que estiverem afectos e sem prejuízo da legislação que regula a desafectação e cessão de bens sujeitos àquele regime;

d) Parcelas sobrantes de terrenos expropriados por utilidade pública;

é) Terrenos expropriados por utilidade pública para fins de reestruturação agrária no âmbito das obras de fomento hidroagrícola.

3 — Os terrenos declarados em situação de abandono ou mau uso, nos termos da legislação aplicável, podem ser integrados na reserva de terras quando de tal facto depender a viabilidade de operações de emparcelamento.

Artigo 11.° Equivalência dos terrenos emparcelados

1 — Os prédios e as unidades de exploração resultantes das operações de emparcelamento integral, simples ou de exploração devem ser equivalentes em classe de cultura e valor de produtividade aos que lhes deram origem, excluído o valor das parcelas da reserva de terras neles incorporadas.

2 — A equivalência estabelecida nos termos do número anterior não se considera prejudicada quando a diferença não exceder 5 % do valor exacto que deveria ser reatribuído.

-3 — Essa equivalência poderá ser afastada se houver acordo entre as partes.

4 — A diferença de valor entre os terrenos que vierem a ser utilizados para melhoramentos fundiários de carácter colectivo e aqueles que forem desafectados de tal utilização será deduzida ou acrescida, proporcionalmente, a todos os beneficiários do emparcelamento.

5 — Na impossibilidade de se estabelecer a equivalência em terreno ou em benfeitorias de igual espécie, poderão ser efectuadas compensações pecuniárias desde que não seja afectada a unidade de cultura, haja acordo dos interessados ou, na ausência de acordo, nos seguintes casos:

a) As compensações não excederem mais de 20% do valor dos terrenos, acrescido do das benfeitorias;

b) O valor das benfeitorias a compensar não atingir 20% do valor dos prédios.

Artigo 12.° Transferência de direitos, ónus e encargos

1 — Os prédios atribuídos a cada proprietário ficam sub-rogados no lugar dos que lhe pertenciam antes do emparcelamento.

2 — Transferem-se para os prédios resultantes do emparcelamento todos os direitos, ónus ou encargos de natureza real, bem como os contratos de arrendamento que incidiam sobre os prédios anteriormente pertencentes ao mesmo titular, salvo o disposto no número seguinte.

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3 — Caducarão os contratos de arrendamento cuja transferência a Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola declare prejudicial aos objectivos do emparcelamento, ficando obrigada a indemnizar os rendeiros, nas condições previstas na legislação sobre arrendamento rural para os casos de expropriação por utilidade pública.

4 — Quando os direitos, ónus, encargos ou contratos referidos no n.° 2 não respeitarem a todos os prédios do mesmo proprietário, delimitar-se-á a parte equivalente em que ficam a incidir.

5 — A transferência dos contratos de arrendamento rural, quando corresponder a uma efectiva substituição dos terrenos sobre os quais incidam, constitui fundamento bastante para a sua rescisão pelos respectivos rendeiros.

6 — As servidões que tenham de permanecer passarão a incidir sobre os prédios resultantes do emparcelamento mediante a consequente alteração dos prédios dominante e serviente.

Artigo 13.°

Alterações da situação jurídica

São ineficazes, para efeitos de emparcelamento, as transmissões entre vivos dos prédios abrangidos pelas operações de emparcelamento, desde a aprovação ou autorização para elaboração do projecto até à sua execução, salvo reconhecimento expresso pela Direcção--Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola de que não prejudicam a elaboração ou execução do projecto.

Artigo 14.°

Publicidade das operações de emparcelamento e comunicação dos respecUvos actos

1 — A todas as decisões com interesse geral para as operações de emparcelamento será dada publicidade por anúncios nos jornais e pela afixação de editais nos lugares do estilo nos municípios e freguesias em que se situem os terrenos abrangidos.

2 — Todos os actos respeitantes às operações de emparcelamento que interessem individualmente a proprietários ou titulares de direitos sobre os terrenos a emparcelar serão notificados aos interessados.

Artigo 15.° Prejuízos causados pelos estudos e trabalhos

1 — Os proprietários ou possuidores por qualquer título de terrenos em que tenha de proceder-se a estudos ou trabalhos de emparcelamento ficam obrigados a consentir na utilização desses terrenos ou na passagem através deles, necessárias à afectuação desses estudos e trabalhos.

2 — Os proprietários e possuidores referidos no número anterior têm direito a ser indemnizados pelos prejuízos efectivamente causados nos seus terrenos ou explorações pelos mencionados estudos e trabalhos.

Artigo 16.°

Aprovação pelos interessados

A realização de operações de emparcelamento carece de aprovação maioritária ¿tos pioprietarios, arrendatá-

rios e titulares de direitos reais menores dos prédios abrangidos.

Artigo 17.° Exploração e conservação das obras conexas

1 — A exploração e a conservação das obras conexas do emparcelamento ficam a cargo dos beneficiários respectivos, sem prejuízo das atribuições conferidas por lei às autarquias locais e outros organismos públicos.

2 — Aprovado o projecto de emparcelamento, a Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola promoverá a constituição de uma associação ou junta de agricultores, que, em representação de todos os beneficiários, assegure a exploração e conservação das obras, salvo se estes deliberarem integrar-se numa associação de beneficiários já existente.

Artigo 18.° Direito de preferência

1 — Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.° do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura.

2 — Os preferentes referidos no número anterior não gozam do direito de preferência em relação aos terrenos que, integrados numa área a emparcelar, sejam adquiridos pela Direcção-Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola, para fins de emparcelamento, após a aprovação ou a autorização para elaboração do respectivo projecto.

CAPÍTULO II Do fraccionamento

Artigo 19.° Fraccionamento e troca de prédios rnsUcos

1 — Ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal aplicam-se, além das regras dos artigos 1376.° e 1379." do Código Civil, as disposições da presente lei.

2 — Na execução das operações de emparcelamento as transmissões que se verifiquem e a transferência de direitos a que se refere o artigo 12.° fazem-se independentemente dos limites das unidades de cultura.

3 — Quando todos os interessados estiverem de acordo, as situações de indivisão poderão ser alteradas, no âmbito do emparcelamento, pela junção da área correspondente a alguma ou todas as partes alíquotas a prédios que sejam propriedade de um ou de alguns comproprietários.

Artigo 20.° Fraccionamento de exploração agrícola

1 — A divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se:

a) Para efeitos de redimensionamento de outras explorações operada nos termos da presente lei;

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b) Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada;

c) Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica;

d) Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica.

2 — O disposto no número anterior aplica-se à partilha de herança de que façam parte prédios nas condições nele referidos.

Artigo 21.° limites mínimos

1 — Os limites mínimos de superfície dos prédios rústicos, designados por unidades de cultura, e os limites mínimos das explorações agrícolas serão fixados para as diferentes regiões do País e, dentro destas, para as zonas em que se verifiquem particulares condições económico-agrarias e sociais, por diploma do Governo a publicar no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do presente decreto-lei.

2 — Nos perímetros de emparcelamento podem ser fixados, simultaneamente com a aprovação do projecto, limites mínimos especiais.

CAPÍTULO III Disposições finais e transitórias

Artigo 22.° Apolo financeiro e regime fiscal

1 — O Governo estabelecerá o regime de apoio financeiro às operações de emparcelamento ou resultantes da aplicação do disposto no capítulo H do presente decreto-lei.

2 — O regime de isenções fiscais aplicável às operações previstas no presente diploma será fixado por lei.

Artigo 23.°

Legislação aplicável nos Açores

A legislação sobre emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas aprovada pela Assembleia Regional dos Açores mantém-se em vigor nesta Região Autónoma.

Artigo 24.° Legislação complementar

O Governo regulamentará a matéria do presente diploma no prazo de 60 dias mediante decreto regulamentar.

Artigo 25.°

Legislação revogada

São revogados a Lei n.° 2116, de 14 de Agosto de 1962, e o Decreto n.° 44 647, de 26 de Outubro de 1962.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de____—

(O Primeiro-Ministro) — (O Ministro das Finanças) — (O Ministro da Justiça) — (O Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação).

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre a proposta de resolução n.° 2/V — Aprova para ratificação a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984.

1 — O Governo, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 200.° da Constituição, apresentou a Assembleia da República uma proposta de resolução, admitida com o n.° 2/V, que aprova para ratificação a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 17 de Dezembro de 1984.

2 — A Convenção, cuja aprovação para ratificação é proposta pelo Governo à Assembleia da República, baseia-se nos seguintes considerandos:

Em conformidade com os princípios enunciados na Carta das Nações Unidas, o reconhecimento de direitos iguais e inalteráveis de todas as pessoas é o fundamento da Uberdade, da justiça e da paz no mundo;

Tais direitos resultam da dignidade inerente ao ser humano;

Os Estados devem, em conformidade com a Carta, em especial com o seu artigo 55.°, encorajar o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais;

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos preconizam que ninguém deverá ser submetido a tortura ou a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;

A Declaração sobre a Protecção de Todas as Penas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adoptada pela Assembleia da ONU a 9 de Dezembro de 1975;

O desejo dos Estados de aumentar a eficácia da luta contra a tortura e outras penas e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes em todo o mundo.

3 — O texto da Convenção visa a prevenção e proibição dos actos de tortura, a incriminação e punição dos seus autores e a reparação das suas vítimas.

O texto aparece dividido em duas partes, estabelecendo a primeira que a prática da tortura não pode ser justificada por nenhuma circunstância excepcional, comprometendo-se os Estados partes a tomar as necessárias medidas, administrativas, judiciais ou outras, destinadas a impedir tal prática.

A segunda parte da Convenção estipula a criação de um Comité contra a Tortura, ao qual competirá a fiscalização do seu cumprimento pelos Estados signatários, nomeadamente através da apreciação de relatórios a apresentar pelos Estados sobre as medidas tomadas neste domínio, bem como através da análise de comunicações apresentadas pelos Estados partes ou por particulares relativas à violação, por outro Estado parte, de aJguma disposição da Convenção. A competência do Comité para conhecer estas últimas comunicações está dependente de uma declaração expressa de cada um dos Estados partes nesse sentido.

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4 — A Constituição da República Portuguesa consagra, no capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias pessoais, o direito à integridade pessoal (artigo 25.°), nos termos do qual «a integridade moral e física dos cidadãos é inviolável» (n.° 1) e que «ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos» (n.° 2). No mesmo capítulo o artigo 32.°, relativo às garantias de processo criminal, estipula no seu n.° 6 que «são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações».

Ao consagrar tais princípios, a Constituição veio expressamente prevenir e recusar a possibilidade de, no Portugal democrático do pós-25 de Abril, se reimplantarem acções de tortura e outras práticas desumanas que marcaram a actuação do regime da ditadura.

5 — Pelo que fica dito, verifica-se que a proposta de resolução n.° 2/V respeita os princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa, pelo que a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação considera estarem reunidas as condições para a sua apreciação pelo Plenário, sendo de parecer que a mesma deve merecer a aprovação da Câmara.

Palácio de São Bento, 25 de Janeiro de 1988. — O Presidente da Comissão, Dias Loureiro. — O Relator, Jorge Lemos.

PROJECTO DE LEI N.° 189/V

ELEVAÇÃO DE ALDEIA 00 CARVALHO A CATEGORIA DE VILA

A freguesia de Aldeia do Carvalho é considerada como integrada no núcleo urbano principal do concelho da Covilhã.

Subcentro polarizador de fixação demográfica e sócio-económica do concelho, tem vindo a aumentar a sua população de forma significativa: em 1911 tinha 2246 habitantes e hoje tem cerca de 5500. Apontam as últimas projecções demográficas para uma população de 14 000 habitantes no ano 2000 e 19 300 habitantes no ano 2010.

O desenvolvimento da área urbana com maior expressão nos pólos da Aldeia do Carvalho, Lameirão, São Domingos, Pousadinha e Lanhoso é obra do esforço quotidiano dos seus naturais, trabalhando na indústria, no comércio, na agricultura e nos serviços.

Desde sempre a indústria têxtil aqui teve algumas das suas unidades, cuja continuidade e expansão foi bloqueada, designadamente pela carência de vias de acesso adequadas. Hoje, torna-se fundamental, para a exploração das potencialidades em domínios como a silvicultura e recursos minerais, que sejam resolvidos os bloqueamentos em infra-estruturas.

Desta freguesia saíram alguns dos melhores técnicos e operários que em múltiplos sectores afirmaram capacidades notáveis e mesmo os que «mi^aiam, pro-

curando melhores condições de vida, ao regressarem à sua terra, vão contribuindo para a renovação da vida urbana, económica e social da Aldeia do Carvalho.

A cultura e espírito associativo são valores bem vivos: desde a Banda Filarmónica, fundada em 1908, ao Rancho Folclórico; do Carvalhense ao Grupo Águias do Canhoso e Grupo Estrelas da Pousadinha.

O Cruzeiro à Independência e a Igreja Antiga situam no tempo a Aldeia do Carvalho como freguesia muito antiga.

Algumas das suas lendas apontam que romanos e mouros viveram no seu perímetro. Os restos de um castro mostram que os lusitanos habitaram esta povoação.

E se é crível que o seu nome tem origem num grande carvalho que aqui existiria, julga-se, todavia, que asserção plausível se encontra também no conhecimento das muralhas que em tempos remotos rodearam a Covilhã: essas muralhas teriam portas de acesso ao exterior, e numa dessas portas chamava-se Porta do Carvalho, situada a nascente, ou seja, na direcção de Aldeia do Carvalho.

Seja ou não pleito fantasioso, possível de dirimir noutra sede, o certo é que Aldeia do Carvalho é autêntico «varandim mágico», que da encosta da serra da Estrela, cortada por correntes frias que vão engrossar o Zêzere, contempla a rica baixa que se prolonga pela Cova da Beira.

A elevação de Aldeia do Carvalho a vila tem plena justificação, já que os requisitos legais exigidos pela Lei n.° 11/82 (artigo 12.°), são largamente excedidos, quanto aos equipamentos colectivos existentes em Aldeia do Carvalho.

De facto existem:

Posto de assistência médica;

Farmácia;

Casa do Povo;

Transportes públicos colectivos; Escola pré-primária (uma sala); Escolas primárias (três); Biblioteca na Casa do Povo; Fábricas de tecelagem e preparação de fibras têxteis;

Oficinas de mecânica e bate-chapas (nove);

Padarias (três);

Mercado aberto;

Mercearias;

Restaurantes (dois);

Filarmónica;

Colectividades de cultura e recreio (quatro);

Escola de música;

Cemitério;

Telefone público;

Rede de esgotos.

Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, o deputado abaixo assinado apresenta à Assembleia da República o seguinte projecto de lei:

Artigo único

É elevada à categoria de vila a freguesia de Aldeia do Carvalho, no concelho da Covilhã.

Palácio de São Bento, 9 de Fevereiro de 1988. — O Deputado do PSD, Carlos Pinto.

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PROJECTO DE LEI N.° 190/V

ALTERAÇÃO 00 ARTIGO 2.« DA LEI N.' 103185, DE 4 OE OUTUBRO - CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE ALEM DA RIBEIRA. NO COHCELHO OE TOMAR.

ARTIGO 1.°

O artigo 2.° da Lei n.° 103/85, de 4 de Outubro, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 2.°

Os limites da freguesia de Além da Ribeira são os seguintes:

A norte — extremo do concelho de Tomar com o de Vila Nova de Ourém, freguesia de Formigais, e com o extremo do concelho de Ferreira do Zêzere, freguesia de Chãos;

A nascente — extremo da freguesia de Casais, definido por ribeira da Fervença, até ao Açude do Curto; inflecte para leste primeiro e depois para sul, seguindo o caminho da Fonte do Curto, até às proximidades do lagar de azeite, sito no Casal de Baixo. A cerca de 100 m, antes do referido lagar, prossegue em linha recta, norte-sul, até ao caminho proveniente dos Calvinos, continuando por este até desembocar no caminho do Cairrão. Este caminho passa a constituir o limite da freguesia até ao cruzamento com o antigo caminho que ligava Casais à Fonte da Milheira. A partir deste cruzamento a demarcação segue por um caminho de pé-posto que vai desembocar no caminho municipal n.° 1096, seguindo por ele até a estrada municipal n.° 526 e dai seguindo até à Ponte do Prado pela berma sul;

A sul — freguesia de Pedreira, rio Nabão; A poente — freguesias de Sabacheira e Pedreira, rio Nabão.

ARTIGO 2.°

Esta lei entra imediatamente em vigor.

Assembleia da República, 18 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados: Casimiro Pereira (PSD) — Gameiro dos Santos (PS).

PROJECTO DE LEI N.° 191/V

APROVA 0 PLANO NACIONAL 0E EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

O Partido Ecologista Os Verdes tem a honra de poder submeter à apreciação da Assembleia da República um projecto de lei que visa a aprovação do Plano Nacional de Educação Artística. Trabalho realizado por diversas personalidades do nosso meio pedagógico, artístico e cultural, nomeadamente os professores Ana Máscolo, Dr. Arquimedes da Silva Santos, Dr. Artur Nobre de Gusmão e Constança Capdeville, pela encenadora Luzia Maria Martins e pelo realizador de

cinema Alberto Seixas Santos, grupo a que presidiu a Dr.8 Madalena de Azeredo Perdigão e que contou com a participação de outras individualidades representantes de concelhos científicos e pedagógicos das diversas escolas de ensino artístico, Secretarias de Estado, companhias de teatro e Fundação Gulbenkian, entre outros.

1 — Sendo objectivo desta nossa iniciativa, que mereceu o incentivo, o aval e a aprovação de elementos do grupo de trabalho, nomeadamente da sua presidente, fazer consignar na lei portuguesa as aspirações e o labor dos que entendem que uma politica de educação tem de atender ao indivíduo na plenitude do seu ser, tem de assegurar a todos e a cada um a possibilidade e a oportunidade de desenvolver as suas qualidades e tem de responder às exigências da sociedade, entendida como uma sociedade dinâmica e em transformação.

Uma política de educação tem de assentar num projecto cultural e deve servir esse projecto.

2 — O projecto cultural que parece recomendar-se para o nosso país é o da democracia cultural.

País em desenvolvimento, com uma vasta diáspora, possuidor de um património cultural rico e diversificado, podendo orgulhar-se de formas de cultura popular do maior interesse, convém-lhe um projecto cultural aberto e em que caiba o respeito por todas as culturas.

A democracia cultural implica a preservação e a valorização do património nacional, reserva lugar às tendências e expressões minoritárias, com vista à diversificação do aspecto cultural, e não privilegia quaisquer formas de cultura ou correntes estéticas.

Conceitos em que cabem os princípios da descentralização, da democratização, da divulgação e do apoio à criação artística, a democracia cultural não se esgota com a observância de nenhum nem de todos estes princípios. A sua aplicação só é possível numa sociedade democrática e pluralista.

3 — A educação artística, considerada na sua verdadeira e mais lata dimensão, tem um papel relevante a desempenhar num projecto de democracia cultural.

Na verdade, um tal projecto não pode deixar de pretender desenvolver, ao nivel do indivíduo, a criatividade, a imaginação e a sensibilidade e, ao nivel da sociedade, a não passividade, a participação, a convergência dos interesses do homem e dos grupos sociais, a coexistência harmoniosa destes a multiplicidade das expressões e das práticas culturais.

A educação artística propicia a consecução destes objectivos. Urge, portanto, reconhecer-lhe a importância que de facto detém no processo de desenvolvimento cultural do País.

4 — Considerando a educação artística no seu sentido lato. Não apenas identificada à formação de artistas profissionais, nem muito menos como um complemento supérfluo de educação em geral.

Assim, a educação artística deve ser, em primeiro lugar, a formação do homem, do homem pleno, a que é facultada a possibilidade de desenvolver todas as suas potencialidades, e, em segundo lugar, a formação do artista, tal como este actualmente se define.

Quer isto dizer que terá de ser introduzida na educação geral do povo português uma nova dimensão, a partir da educação pré-escolar.

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Os educadores não deverão limitar-se a procurar desenvolver no educando as chamadas faculdades intelectuais puras, não deverão preocupar-se apenas em transmitir-lhes conhecimentos memorizáveis, métodos e técnicas.

Por outro lado, terá de haver uma articulação estreita entre os vários intervenientes no projecto cultural, por forma a assegurar uma presença das artes na educação extra-escolar, nos programas de educação permanente e de apoio à terceira idade, a nível sócio--profissional, etc.

Sendo o segundo grande objectivo da educação artística a formação dos artistas profissionais, interessará reflectir sobre a definição do perfil do artista que a nossa época impõe.

Deixando de parte os génios, que cedo ou tarde vêm a ser reconhecidos e que por definição escapam às sistematizações, assim como os amadores de arte e os artistas amadores, que todos devem ter o seu lugar num meio cultural pluriforme, haverá que considerar a profunda modificação que se verificou ultimamente no conceito de artista.

A evolução do pensamento, os progressos vertiginosos da ciência, da técnica e da tecnologia, a transformação da sociedade moderna, foram factores que influenciaram decisivamente o perfil do artista de hoje.

Exige-se-lhe actualmente não apenas o domínio das técnicas no seu campo específico, mas também a compreensão da totalidade dos problemas inerentes ao exercício da sua profissão, cultura geral e abertura de espírito relativamente aos outros ramos do conhecimento e aos restantes campos de actividade.

«Este» artista tem funções relevantes a desempenhar num projecto de democracia cultural. Será um criador de beleza e um operador da transformação da sociedade. Constituirá garantia de que o património cultural da humanidade será enriquecido com novas obras de arte e que estas serão comunicadas aos homens do presente e transmitidas às gerações vindouras. Será o autor, o operador, o intérprete, o professor.

Artistas plásticos, músicos, actores, arquitectos, designers, técnicos de comunicação áudio-visual, bailarinos, museólogos, técnicos de ambiente, encontram--se cada vez mas confrontados com as solicitações de uma sociedade que evolui e que lhes exige um conhecimento alargado da área tecnológica, da área das ciências humanas e sociais e das áreas artísticas que cruzam ou circundam a área em que os próprios artistas actuam.

A uma tão elevada exigência de funções tem de corresponder uma formação igualmente exigente. Por isso os problemas de educação artística se revestem de tão grande importância num país que se quer em progresso.

E não se julgue que se trata de problemas menores ou que as medidas a tomar são de alcance diminuto.

Além do aspecto, já focado, de a educação artística dever contribuir, em primeiro lugar, para formar o «Homem» e desse modo afectar a generalidade dos portugueses, há o aspecto, mais imediato, de a arte e os artistas serem indissociáveis do dia-a-dia de todos nós.

Parece, portanto, indiscutível a necessidade de se reconhecer aos problemas da educação artística a acuidade e a relavância que de facto têm e extrair do facto

*A

0 texto básico do grupo de trabalho para a reestruturação do ensino artístico, que, com algumas alterações, o Partido Ecologista Os Verdes tem o privilégio e a honra de apresentar, conta no seu articulado com 42 artigos, podendo e devendo ser ainda enriquecido pelo debate público, que certamente será travado em torno do mesmo.

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.°

Finalidades gerais do Plano Nacional de Educação Artística

1 — A presente lei estabelece as bases gerais do Plano Nacional de Educação Artística.

2 — 0 Plano Nacional de Educação Artística tem por fim assegurar o direito à educação artística a todos os portugueses (residindo ou não em território nacional, sem distinção de descendência, sexo, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social e independentemente da idade, saúde mental e física e aptidões artísticas reveladas).

3 — O Plano Nacional de Educação Artística constitui um processo permanente e diversificado de facultar educação artística a todos os portugueses através de um conjunto de normas e de medidas articuladas com o sistema educativo geral e com as estruturas sócio-culturais do País.

Artigo 2.° Objectivos

São objectivos do Plano Nacional de Educação Artística:

a) Contribuir para o desenvolvimento integral da personalidade;

b) Garantir a todos os portugueses a possibilidade de desenvolverem as suas potencialidades artísticas, com a extensão e até ao nível que desejarem;

c) Sensibilizar para a arte e desenvolver a imaginação e a capacidade criativa e crítica;

d) Detectar e estimular aptidões artísticas;

e) Proporcionar a aquisição de métodos e técnicas que habilitem a uma carreira profissional;

f) Facultar a todos os portugueses os meios de contribuírem para a melhoria da qualidade de vida em todo o território nacional, considerados os seus perfis regionais;

g) Contribuir para o desenvolvimento cultural do País, tendo em atenção os valores patrimoniais e as tradições artísticas do povo português, com vista à instituição de uma democracia cultural.

Artigo 3.°

Estrutura

O Plano Nacional de Educação Artística compreende:

d) A educação pela arte;

b) A educação para a arte;

c) Outcos meios de educação artística.

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CAPÍTULO II Educação pela arte

Artigo 4.° Objectivos

1 — A educação pela arte tem por objectivo o desenvolvimento harmónico da personalidade.

2 — A educação pela arte processa-se através de um conjunto de actividades de expressão artística pedagogicamente adequados.

3 — A educação pela arte constitui:

a) Ao nível da educação pré-escolar, a única forma generalizada da educação artística;

b) Ao nível do ensino elementar, uma forma de educação artística que, para além dos seus objectivos próprios, favorece a revelação de vocações para a arte;

c) Na educação especial, uma actividade central, tendente a contribuir para a integração progressiva das crianças e jovens deficientes no sistema educativo normal.

Artigo 5.° Estabelecimentos de ensino

A educação pela arte será ministrada:

a) Ao nível da educação pré-escolar, nos jardins--de-infância e outras instituições que se ocupem de crianças deste grupo etário, por educadores de infância e educadores pela arte;

¿7) Ao nível do ensino elementar, em escolas do ensino elementar —que podem revestir a tipologia das actuais escolas primárias, das actuais escolas preparatórias e ainda de escolas destinadas ao funcionamento de todos os anos de escolaridade integradas no ensino elementar—, por professores deste grau e educadores pela arte;

c) No que respeita à educação especial, nos estabelecimentos regulares de educação, com o apoio dos serviços de educação especial, sempre que possível, ou ainda, quando tal não for aconselhável, definitiva ou temporariamente, nas estruturas específicas criadas para o efeito, por professores deste ramo e educadores pela arte.

Artigo 6.° Educadores peia arte

Os educadores pela arte exercerão a sua acção:

a) Como residentes, nas escolas cuja dimensão e estrutura o justifique;

b) Como itinerantes, prestando apoio a escolas de pequena dimensão em áreas de âmbito regional, e ou a centros de actividades para áreas escolares e ou na educação especial.

Artigo 7." Escolaridade obrigatória

A educação pela arte será adoptada oficialmente a nível da escolaridade básica obrigatória.

CAPÍTULO III Educação para a arte

Secção I Objectivos gerais Artigo 8.°

Ensino artístico

1 — A educação para a arte processa-se através do ensino artístico, conjunto de actividades formalmente estruturadas e articuladas com o sistema educativo geral.

2 — A educação para a arte compreende outras formas específicas de acção, as quais serão objecto deste capítulo.

Artigo 9.°

Objectivos

São objectivos gerais do ensino artístico:

d) Detectar e estimular aptidões artísticas;

b) Desenvolver a imaginação e as capacidades criativa e critica;

c) Facultar a aquisição de métodos, de técnicas e de conhecimentos que conduzam à formação de artistas profissionais, professores e investigadores em todos os domínios de actividade artística;

d) Contribuir para a divulgação de conhecimentos artísticos do passado e do presente;

e) Promover a investigação e a experimentação artísticas;

J) Prestar serviços especializados às diversas comunidades e ao Pais.

Artigo 10.° Níveis de ensino

0 ensino artístico abrange os diferentes níveis da educação escolar: ensino elementar, médio, superior politécnico e umversitário.

Artigo 11.°

Planos de estudo

1 — Os planos de estudo e os programas do ensino artístico serão elaborados e fixados em conformidade com as disposições legais vigentes.

2 — Os planos de estudo e os programas referidos no número anterior terão uma base de aplicação a todo o território nacional e integrarão componentes adaptáveis à diversidade regional.

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Artigo 12.° Rede escolar

1 — O Estado garante a existência de urna rede de estabelecimentos em que seja ministrado oficialmente o ensino artístico e que cubra progressivamente as necessidades de toda a população.

2 — Os estabelecimentos referidos no número anterior deverão ser de preferência vocacionados, consoante as realidades sócio-culturais locais, em ordem à descentralização e regionalização progressivas do ensino.

3 — As instalações e o equipamento que integram a rede a cada nível de ensino serão adequados às respectivas finalidades.

4 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, será admitida a utilização das mesmas instalações para mais de um nível de ensino.

Artigo 13.° Educação de adultos

1 — Serão criados cursos de ensino artístico para adultos, de nível equivalente ao dos ensinos elementar médio, com programas e planos de estudo adequados.

2 — Os cursos referidos no número anterior poderão realizar-se nos estabelecimentos em que se ministre o ensino artístico oficial, nas modalidades e com estruturas a fixar pelo Governo.

Artigo 14.° Ensino artístico particular e cooperativo

As modalidades de apoio aos estabelecimentos de ensino artístico particular e cooperativo constarão de diploma próprio, a elaborar no quadro da regulamentação da presente lei, ouvidas as organizações interessadas.

Secção II Ensino artístico elementar Artigo 15.°

Objectivos

São objectivos do ensino artístico elementar:

à) Sensibilizar para as artes visuais;

b) Detectar vocações para a música e para a dança e permitir uma primeira opção vocacional nestas áreas;

c) Estimular a exploração, o conhecimento e a transformação equilibrada do meio físico e cultural;

d) Colaborar com as famílias no esclarecimento do processo vocacional artístico.

Artigo 16.°

■oído

1 — O ensino artístico elementar inicia-se no 5.° ano da escolaridade, nas áreas de Música, Dança e Artes Visuais.

2 — Sem prejuízo do que consta do número anterior, poderá haver no 4.° ano de escolaridade um curso prévio de Dança, com duas aulas semanais, regido por professores especializados, sempre que as circunstâncias o permitam.

3 — Sem prejuízo do que consta do n.° 1, poderá haver cursos de iniciação musical e de iniciação a um instrumento no 1.° ano de escolaridade sempre que as circunstâncias o permitam.

Artigo 17.°

Estabelecimentos de ensino

Nas áreas de Música e Dança o ensino artístico elementar será ministrado:

a) Sob a forma de ensino paralelo, em escolas de ensino elementar — que podem revestir a tipologia das escolas primárias, das actuais preparatórias e ainda de escolas destinadas ao funcionamento de todos os anos de escolaridade integrados no ensino elementar —, por professores do ensino artístico quer residentes em grandes aglomerados populacionais quer itinerantes, de apoio periódico a escolas locais;

b) Em escolas de ensino artístico integrado com adequada adaptação curricular;

c) Em escolas do ensino artístico especializado, sem prejuízo do cumprimento da escolaridade obrigatória.

Secção III Ensino artístico médio Artigo 18.°

Objectivos

São objectivos do ensino artístico médio:

a) Aprofundar a formação artística geral;

b) Proporcionar uma formação profissional visando a escolha esclarecida da futura via profissional ou o prosseguimento de estudos a nível superior;

c) Desenvolver as capacidades de percepção, de expressão e de comunicação;

d) Favorecer a criatividade e a formação de um sentido crítico;

é) Facultar contactos e experiências com o mundo do trabalho, fortalecendo a aproximação entre a escola e a vida.

Artigo 19.° Estrutura

1 — O ensino artístico médio compõem-se de dois cursos: geral e complementar.

2 — O primeiro desses cursos, designado por curso geral de ensino artístico médio, organiza-se segundo um plano curricular unificado e integra áreas vocacionais de Música e Dança.

3 — O segundo desses cursos, designado por curso complementar do ensino artístico médio, organiza-se por áreas de estudo integrando três componentes de formação: geral, específica e vocacional.

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4 — As componentes vocacionais integradas nas áreas de estudo referidas no número anterior são Artes Visuais, Música, Dança, Teatro, Cinema e Comunicação Áudio-Visual.

Artigo 20.° Estabelecimentos de ensino

1 — O ensino artístico médio poderá ser ministrado em escolas médias sempre que para tal existam, comprovadamente, as indispensáveis estruturas, tanto humanas como funcionais, adequadas.

2 — 0 ensino artístico médio poderá ser ministrado em escolas de ensino artístico integrado nas áreas de Música, Dança e Artes Visuais.

3 — 0 ensino artístico médio poderá ser ministrado em escolas de ensino artístico específico no que respeita ao curso complementar.

Artigo 21.° Certificados

1 — A conclusão com aproveitamento do curso geral do ensino artístico médio confere o direito à atribuição de um certificado.

2 — 0 certificado referido no número anterior permite o prosseguimento de estudos artísticos, ou a reintegração noutro tipo de ensino ou o encaminhamento para uma formação vocacional nas áreas previstas para as artes visuais e para as profissões ligadas ao espectáculo, à rádio e à televisão.

Artigo 22.° Carta de corso

1 — A conclusão com aproveitamento do curso complementar do ensino artístico médio confere o direito à atribuição de uma carta de curso, de que constará a natureza do mesmo.

2 — A carta de curso referida no número anterior dá lugar a saídas directas para a profissão e ou acesso a cursos superiores.

Secção IV

Ensino artístico superior

Subsecção 1

Princípios gorais

Artigo 23.° Objectivos

São objectivos gerais do ensino artístico superior:

á) Formar profissionais nas diferentes áreas do conhecimento e da expressão artística com vista à sua inserção nos diversos sectores da actividade artística e técnico-artística, da docência e da investigação;

b) Programar e realizar trabalhos de investigação e de expressão artística;

c) Organizar cursos de aperfeiçoamento e de actualização destinados à valorização de profissionais nos diferentes domínios de actividade artística;

d) Promover a divulgação dos conhecimentos culturais, artísticos e técnicos do passado e do presente;

é) Prestar serviços especializados às várias comunidades e suscitar o desejo de aperfeiçoamento cultural e profissional em ordem à melhoria da qualidade de vida do povo português.

Artigo 24.° Estrutura

1 — O ensino artístico superior organiza-se em dois cursos: o superior politécnico e o universitário.

2 — O ensino superior politécnico, de natureza profissionalizante, visa a formação de profissionais qualificados nos diversos domínios da actividade artística e de docentes de nível médio e superior de curta duração.

3 — 0 ensino superior universitário visa a formação de profissionais cuja preparação exija maior número de anos, de docentes de nível superior e de investigadores nos diversos domínios da arte.

Artigo 25.° Acesso

1 — Ao ensino superior terão acesso os indivíduos habilitados com o curso complementar do ensino médio ou equivalente.

2 — Terão ainda acesso ao ensino superior indivíduos maiores de 25 anos qué, embora não possuindo aquela habilitação, demonstrem, através de provas especiais, capacidade suficiente para a sua frequência.

Subsecção II Ensino artístico supsw poGtócnJco

Artigo 26.° Ensino artístico superior politécnico

1 — O ensino superior politécnico será ministrado em estabelecimentos de ensino de âmbito predominantemente regional, com a denominação de escolas superiores artísticas e escolas superiores de educação.

2 — 0 Governo definirá por decreto-lei as condições em que determinados estabelecimentos do ensino artístico serão reconvertidos em escolas superiores artísticas e ou escolas superiores de educação.

3 — O Governo criará por decreto-lei os novos estabelecimentos de ensino superior politécnico que vierem a ser considerados necessários, de âmbito nacional ou regional, nas diversas áreas de expressão artística e para fins de formação de docentes, tendo em conta as condições artistico-culturais das diversas regiões do País.

4 — As escolas superiores artísticas poderão integrar unidades de prestação de serviços nas áreas respeitantes aos cursos nelas professados.

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Artigo 27.° Escolas superiores artísticas

As escolas superiores artísticas terão por objectivos:

a) Formar profissionais qualificados de nível superior;

b) Formar monitores e professores de ensino artístico para fins de docência em escolas elementares e médias e ou em escolas de ensino artístico integrado;

c) Formar professores do ensino artístico para fins de docência em estabelecimentos de ensino artístico de nível médio e politécnico;

d) Organizar cursos de aperfeiçoamento e actualização destinados à valorização de profissionais ligados aos domínios de actividade da escola;

é) Organizar cursos de reciclagem para professores do ensino artístico nas escolas elementares e médias e ou em escolas de ensino artístico integrado e para professores dos estabelecimentos de ensino artístico de nível médio e politécnico;

f) Promover a investigação educacional e a investigação artística dentro do âmbito da escola, designadamente no sentido da busca, preservação e valorização de formas de expressão artística genuínas do povo português.

Artigo 28.° Escolas superiores de educação

As escolas superiores de educação, para além dos objectivos legalmente previstos, terão ainda os seguintes:

a) Formar professores e monitores de educação pela arte;

o) Organizar cursos de reciclagem para educadores de infância e professores primários com vista à sua integração nos princípios e métodos de educação pela arte;

c) Desenvolver investigação educacional dentro do seu âmbito;

d) Organizar seminários de pesquisa de reeducação expressiva e cursos de especialização no domínio do ensino especial.

Artigo 29.°

Corsos

Os cursos ministrados nas escolas superiores artísticas e nas escolas superiores de educação terão uma duração compreendida entre quatro a seis semestres e serão estabelecidos e estruturados em função das necessidades nacionais e regionais, nomeadamente no que concerne à superação de carências de artistas profissionais qualificados, de educadores de infância e de professores de ensino elementar orientados no sentido da educação pela arte, e com vista ao desenvolvimento das actividades artístico-culturais existentes, ou a criar, a nível nacional ou regional.

Artigo 30.°

Diplomas de estudos superiores

1 — As escolas superiores artísticas e as escolas superiores de educação conferem o diploma de estudos superiores.

2 — Ao diploma de estudos superiores corresponderá sempre um título profissional.

3 — 0 valor do diploma referido no n.° 1, para efeito de funções públicas, não será inferior ao bacharelato.

Artigo 31.° Ensino nocturno

0 ensino nocturno será assegurado nos estabelecimentos de ensino superior politécnico sempre que o número de candidatos ao mesmo o justifique.

Artigo 32.° Cursos afins

1 — O Governo regulamentará, para cada curso do ensino superior politécnico, as condições que possibilitem o prosseguimento de estudos em cursos afins do sistema universitário.

2 — 0 Governo regulamentará as condições de acesso às escolas superiores artísticas ou superiores de educação dos estudantes que tenham frequentado outros estabelecimentos de ensino superior ou universitário.

subecçâo III

Ensino artístico umvsrsrtâno

Artigo 33.° Estabelecimentos de ensino

0 ensino superior artístico de nível universitário será ministrado em:

á) Institutos universitários de artes; b) Faculdades e ou departamentos de artes criados e ou a criar nas universidades existentes.

Artigo 34.° Institutos universitários das artes

1 — Os institutos universitários das artes (IUA) serão constituídos por departamentos correspondentes aos diferentes domínios de actividade artística, entendida num sentido lato, incluindo aqueles sectores em que existe uma forte componente técnica.

2 — Os IUA terão vocação interdisciplinar.

3 — Os IUA conferirão os mesmos graus que as universidades e os graus equivalentes, conforme for definido por diploma próprio, atendendo à especialidade de cada domínio artístico.

4 — Os IUA poderão integrar institutos de apoio nas suas respectivas áreas.

5 — Os IUA regular-se-ão, na parte que lhes for aplicável, pelas disposições do Decreto-Lei n.° 402/73, de 12 de Agosto.

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Artigo 35.° Criação

1 — Serão criados, numa primeira fase, os institutos universitários à medida que vierem a ser considerados necessários, tendo em conta as condições sócio--culturais, a existência de estruturas de apoio e as possibilidades de instalação de equipamentos.

Artigo 36.° Regime transitório

O Governo definirá, por decreto-lei, as condições em que as actuais escolas e ou cursos de nível superior serão reconvertidos em departamentos dos IUA ou em departamentos ou faculdades das universidades existentes.

CAPÍTULO V Outros meios de educação artística

Artigo 37.° Educação artística extra-escolar

1 — O Governo promoverá a educação artística extra-escolar através de um conjunto de actividades e serviços apoiados, quando necessário, nas estruturas do sistema escolar.

2 — As acções e serviços referidos no n.° 1 serão orientados por uma intenção de globalidade e de continuidade, na perspectiva da educação permanente.

3 — No planeamento das actividades e serviços referidos no n.° 1 serão consideradas as necessidades nacionais e regionais, a evolução sócio-cultural e o desenvolvimento dos diversos domínios da arte.

Artigo 38.°

Objectivos

Serão objectivos gerais da educação artística pré--escolar:

a) Complementar a acção desenvolvida pelo sistema escolar formal em ordem a favorecer o aperfeiçoamento das tendências, aptidões e interesses de cada um;

b) Substituir ou colaborar com o sistema escolar formal para garantir igualdade de oportunidades aos que não tenham frequentado aquele sistema ou o tenham abandonado precocemente, nomeadamente em actividades de iniciação artística e animação cultural;

c) Contribuir para a progressiva adequação da capacidade profissional da população activa à satisfação das exigências da sociedade;

d) Assegurar a ocupação de tempos livres de jovens e adultos segundo formas organizadas e de iniciativa diversificada.

Artigo 39.° Meios de acção

A educação artística extra-escolar desenvolver-se-á, designadamente, através de:

a) Cursos de sensibilização e de iniciação artística; 6) Cursos de reciclagem;

c) Actividades artísticas de grupo;

d) Oficinas.

Artigo 40.° Apolo oficial

1 — O Governo criará uma rede de associações infantis e juvenis, centros culturais, casas de cultura e outros organismos afins que cubra progressivamente as necessidades da população.

2 — Os organismos referidos no número anterior poderão constituir secções de determinados estabelecimentos de ensino e estar nestes localizados.

3 — 0 Governo auxiliará as actividades extra--escolares existentes e estimulará o aparecimento de novas actividades deste tipo apoiadas no sistema escolar.

4 — O Governo apoiará as associações infantis e juvenis, centros culturais, casas de cultura e outros organismos afins existentes no País.

Artigo 41.° Iniciativas governamentais

O Governo estimulará as acções artístico-culturais que contribuam para a educação artística do povo português através de iniciativas próprias e em colaboração com:

á) O departamento governamental responsável pela área da cultura e outros organismos oficiais;

b) As autarquias e organizações culturais locais;

c) Os meios de comunicação social para intercâmbio de informações e realização conjunta dos projectos integrados;

d) As instituições particulares que contêm total independência de orientações, para garantir a vivificação e a diversificação do espaço cultural português.

CAPÍTULO V Disposição final e transitória

Artigo 42.° Regulamentação

A regulamentação da presente lei será efectivada, no prazo de 180 dias, mediante decreto-lei e estabelecerá os regimes de transição necessários à sua plena entrada em vigor.

Assembleia da República, 18 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados de Os Verdes: Maria Santos — Herculano Pombo.

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Projecto de resolução

Os deputados do Partido Socialista abaixo assinados apresentam, ao abrigo do artigo 163.°, alínea c), da Constituição e para os efeitos previstos nos artigos 172.°, n.° 3, da Constituição e 1%.° do Regimento da Assembleia da República, o seguinte projecto de resolução:

É recusada a ratificação do Decreto-Lei n.° 387-D/87, de 29 de Dezembro, que altera diversos artigos do Código das Custas Judiciais, sendo repristi-nada a legislação em vigor à data da publicação do referido Decreto-Lei.

Assembleia da República, 23 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PS: Jorge Sampaio — Almeida Santos — Jorge Lacão.

Ratificação n.° 11/V

Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República:

Nos termos do n.° 1 do artigo 172.° da Constituição da República e do artigo 192.° do Regimento da Assembleia da República, requer-se a V. Ex.a a sujeição a ratificação do Decreto-Lei n.° 19/88, de 21 de Janeiro, publicado no Diário da República, 1." série, n.° 17 (3.° suplemento), que aprova a Lei de Gestão Hospitalar.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do Partido Socialista: Ferraz de Abreu — José Castel--Branco — Eduardo Pereira — Gameiro dos Santos — Jorge Sampaio — Lopes Cardoso — Arons de Carvalho (e mais três subscritores).

Inquérito parlamentar n.° 3/V, com vista ao completo apuramento da existência de ilegalidades e anomalias e outros factores de alarme da opinião pública nas colheitas e transfusões de sangue.

As transfusões de sangue têm sido tema de primeira págima nos órgãos de comunicação social nos últimos dias.

A problemática das transfusões de sangue em Portugal apresenta um desenvolvimento complexo, com respostas nitidamente insuficientes.

O Despacho n.° 49/82 da Secretaria de Estado da Saúde, proibindo a comercialização do sangue e derivados, tem, segundo investigação de jornalistas e declarações do ex-presidente do INS, sido clara e frontalmente violado.

A situação que se vive no sector privado, que foi largamente denunciada por órgãos de comunicação social, deixa-nos motivos para fortes preocupações. As deficientes condições em que se realizam a selecção dos dadores e respectiva avaliação médica, os métodos de recolha e o posterior controle laboratorial são designadamente algumas das acusações dirigidas ao sector privado.

A criação do INS visaria, entre outros aspectos, controlar esta situação. No entanto, são os seus responsáveis os primeiros a afirmar a insuficiência de meios técnicos e humanos colocados ao seu dispor, bem como a insuficiência ao seu financiamento.

No dia 9 do corrente mês de Fevereiro o então presidente do INS, Dr. Benvindo Justiça, denuncia, na comunicação social, factos considerados extremamente graves para a saúde pública, dos quais salientamos:

«O INS apenas controla 9% das 170 000 colheitas de sangue/ano» — in Diário Popular, de 10 de Fevereiro de 1988;

«As transfusões de sangue são, frequentemente, administradas aos doentes sem que antes sejam feitas as análises laboratoriais determinadas pela OMS» — in Jornal de Notícias, de 9 de Fevereiro de 1988;

«O INS não tem, de facto, órgãos de controle, não dispõe de quaisquer meios humanos e materiais para o fazer» — in Jornal de Notícias, de 9 de Fevereiro de 1988.

Tais declarações conduziram à exoneração do Dr. Benvindo Justiça e divulgação de uma nota oficiosa do Governo.

Afirmações contidas nessa nota oficiosa foram desmentidas pelo Dr. Benvindo Justiça, ao referir que realizou reuniões periódicas com o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, desde Setembro de 1987, que apresentou propostas de despachos normativos de reestruturação total de serviços, bem como uma proposta de criação de um serviço nacional de sangue.

A falta de resposta adequada do Governo foi o motivo invocado pelo Dr. Benvindo Justiça ao apresentar o seu pedido de demissão em 2 de Fevereiro do corrente ano.

A gravidade da situação que foi denunciada é alarmante em termos de saúde pública e necessitará de medidas urgentes e criteriosas, tendo em vista o apuramento rigoroso da situação e a criação de condições de segurança e estabilidade para os utentes destes serviços. Este esclarecimento não poderá ser certamente prestado através de inquéritos-relâmpagos de restritíssima dimensão e é inaceitável que antes deste apuramento rigoroso se exonere quem denuncia tal situação. Não parece, por outro lado, a melhor solução nomear dois inspectores assessores da IGSS para chefiar um serviço de tal responsabilidade a nível nacional.

Estas tomadas de posição do Governo causaram surpresa geral e posições críticas de várias entidades, de que destacamos a Ordem dos Médicos, assembleias do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, Sindicato dos Médicos da Zona Norte, Sindicato Independente dos Médicos, médicos do Serviço de Hematologia do Hospital de Santa Maria, Federação Portuguesa de Dadores de Sangue e direcção da União dos Hemofílicos Portugueses.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da Lei n.° 43/77, de 18 de Junho, propõe a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito com vista ao apuramento em toda a extensão:

d) Da veracidade das graves acusações do ex--presidente do INS;

b) Da responsabilidade do Governo, no âmbito da política nacional de sangue, no acompanhamento e controle dos serviços prestados por instituições oficiais e privadas de saúde.

Assembleia da República, 18 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PCP: Fernando Gomes — Vidigal Amaro — Apolónia Teixeira — Luísa Amorim — António Mota — João Amaral — José Magalhães.

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ANEXOS

Utentes de dois prédios portuenses onde se procede à colheita de sangue, incomodadíssimos com o «péssimo aspecto e estranho comportamento» dos indivíduos que lá vão oferecer as veias em troca de dinheiro, contactaram o repórter, ao qual expressaram a sua indignação e exprimiram as suas dúvidas.

Uns e outros não se conhecem. De comum, só a mesma inquietação e, em face dela, o recurso ao mesmo jornalista.

Foi o começo. A partir desse lamiré, o JN andou a investigar o que se passa no nosso país em matéria de colheitas e transfusões de sangue: em muitas circunstâncias, concluiu-se logo nos primeiros passos estarmos em presença de um monstruoso crime que atenta contra a vida dos doentes, muito embora abafado no mais sepulcral dos silêncios! ...

Inicialmente, dedicámos especial cuidado à situação vivida nas casas de saúde particulares, uma vez que para elas é canalizada a totalidade do sangue vendido clandestinamente ... ainda que mais ou menos às claras. Com efeito, pelo Despacho n.° 49/82 da Secretaria de Estado da Saúde, «não é permitida a comercialização de sangue humano, seja qual for a natureza, oficial ou privada, da entidade que realiza a colheita ...».

À medida que avançámos com a investigação conhecemos também a realidade verificada em pequenos hospitais de província e dependentes do procrio Ministério da Saúde.

Por aquilo que nos foi dado averiguar, ficámos estarrecidos, com os cabelos em pé! O aviso é urgente, urgentíssimo: os Portugueses andam completamente enganados, não fazendo a mais pequena ideia dos extraordinários riscos que correm quando, em casas de saúde particulares e em pequenos hospitais do Estado, são sujeitos a transfusões de sangue! ...

As pesquisas que realizámos, ao longo de longos meses, permitiram-nos concluir que, neste Portugal da CEE, tanto em clínicas privadas como em estabelecimentos hospitalares oficiais, são feitas transfusões sem-que haja qualquer garantia de que o sangue ministrado não irá pôr em perigo a vida dos doentes! ...

E não há qualquer garantia, uma vez que muito desse sangue não é submetido ao necessariamente indispensável prévio estudo! ...

De posse desta certeza, fundamentada em testemunhos e em investigação própria, interpelámos o actual director do Instituto Nacional de Sangue (INS), organismo do Ministério da Saúde, ao qual compete, precisamente, uma missão de controle.

Perante o que havíamos investigado, a partir da nossa (ignorada) presença em laboratórios da cidade, o Dr. Benvindo Justiça não pôde, em consciência, deixar de reconhecer:

Na verdade, na maior parte do País, tanto em estabelecimentos hospitalares privados como do Estado, as transfusões de sangue são, frequentemente, administradas aos doentes sem que antes sejam feitas as análises laboratoriais determinadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)! ...

Dito de outra maneira, o próprio director do INS, entidade pública que superintende na matéria, implicitamente reconhece que as doenças transmissíveis pelo

sangue, como, por exemplo, a sífilis, hepatites, sida e, obviamente, a morte, podem atingir os doentes sujeitos a transfusões — por falta de estudo do sangue nelas utilizado! ...

Porque conhecerá, como ninguém em Portugal, tão dramática realidade, o Dr. Benvindo Justiça é a imagem da inquietação:

É terrível! Os Portugueses estão a correr grandes perigos quando, em algumas casas de saúde particulares, em hospitais privados e mesmo em hospitais do Estado, recebem transfusões de sangue, pois grande percentagem dele não é devidamente estudado!

Temos consciência de que estamos a incomodar o leitor. Mas, perante situação tão dramática, sentimo-nos socialmente obrigados a abalar a opinião pública, de forma que ela saiba, em toda a extensão, os perigos que está a correr. E a dolorosa verdade, reconhecida pelo insuspeito e renomado hematologista director do INS, quando o jornalista lhe pôs a faca da realidade ao peito, não admite mais contemporizações.

Ainda segundo ele, nas actuais condições, em que impera a mais completa anarquia no sector, onde cada um faz o que muito bem lhe dá na real gana, com a certeza antecipada da total impunidade, é, necessariamente, inevitável que os doentes estejam a correr grandes riscos:

Sem sombras de quaisquer dúvidas. Morrem dia-ramente em Portugal doentes por receberem transfusões de sangue não estudado!...

Pese embora a dramaticidade da afirmação, o repórter sentiu-se recompensado pelos esforços desenvolvidos e riscos assumidos na descoberta da escondida verdade, razão pela qual exultou com a coragem e seriedade demonstradas pelo Dr. Benvindo Justiça, que nos reafirmou:

Têm que morrer, todos os dias, doentes por receberem sangue de dadores que não deveriam ter recebido! E morrem também ainda por falta de sangue!

Porque muito documentado, porque muito idóneo, o director do INS não pactua:

Temos mais que provas.

Fervendo de indignação, o recém-nomeado director do INS não se detém:

O País tem de saber. Morre-se em Portugal por causa de transfusões de sangue! De sangue cuja proveniência não foi devidamente seleccionada!

Estamos, afinal, em presença de, até agora, crimes silenciados, que não constam das estatísticas, que as famílias não imaginam, que as autoridades ignoram. Deste tipo de assassínio diário, ocorrido em casas de saúde onde o internamento fica muito caro e, inclusivamente, em hospitais do Estado, os jornais também não têm dado notícia.

Porém, como entre nós os certificados de óbito são, frequentemente, uma fraude (conforme, recentemente, denunciámos, em reportagem sob a designação gené-

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rica «Abutres no hospital»), em Portugal ninguém morre oficialmente «por causa» das transfusões de sangue ...

A investigação que realizamos permitiu-nos ainda descobrir que no nosso pais não existe nenhum controle do sangue usado nas transfusões — muito embora essa importantíssima missão esteja oficialmente cometida ao INS.

O seu director confirma:

O Instituto não tem, de facto, órgãos de controle, não dispõe de quaisquer meios humanos e materiais para o fazer. Não exerce qualquer tipo de controle.

Nem o INS nem ninguém. Está-se com o sangue a ameaçar a vida dos Portugueses. E com revelações tão incríveis, o leitor já estará a esta hora, tal como então aconteceu connosco, com os cabelos arrepiados.

Bastará lembrar-se do folheto que, há meses, recebeu em casa, editado pelo próprio Ministério da Saúde, sobre «Sida — o que todos devem saber».

Nesse desdobrável, no capítulo dedicado à explicação «como se transmite o vírus», pode ler-se, entre as cinco causas apontadas, que ele se transmite, nomeadamente, por «transfusão de sangue não correctamente seleccionado» e por «produtos derivados do sangue, não devidamente tratados» ...

Todavia, em letras gordas, os cidadãos portugueses são tranquilizados: «Em Portugal, o sangue usado nas transfusões e os produtos dele derivados para tratamento são devidamente controlados.»

Isto não é verdade, nada mais falso! — pese embora a advertência do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, para os seus Estados membros, chamando-lhes a atenção para a imperiosa necessidade do mais rigoroso cumprimento do controle às transfusões de sangue, perante o alastramento da já chamada «doença do século», a sida ...

Instado pelo jornalista a comentar a veracidade da afirmação contida naquele documento do Ministério da Saúde, segundo a qual «em Portugal o sangue usado nas transfusões é devidamente controlado», o director do INS, mais uma vez, em obediência à verdade dos factos, enfrentou a realidade:

No nosso país, talvez só cerca de metade do sangue utilizado nas transfusões será controlado. A outra metade seguramente que não o é.

Temos, assim, que em Portugal, por falta de testes obrigatórios a todos os dadores de sangue, as transfusões não controladas constituem uma verdadeira auto--estrada por onde os doentes se arriscam a morrer no mais imediato, ou mais a prazo, sem ou com sida! ... — Aurélio Cunha.

(Jornal de Noticias, de 9 de Fevereiro de 1988.)

Precisamente quando começámos a redigir esta série de reportagens, iniciava-se em Londres, ao mais alto nível, uma conferência mundial sobre a sida. Portugal esteve representado pela própria Ministra da Saúde.

Independentemente dos grandes compromissos que o nosso país vier a assumir perante a comunidade internacional, eles de nada valerão se antes:

Quaisquer medidas, por mais espectaculares, que venham a ser tomadas de nada valerão se a minis-

tra Leonor Beleza não assumir, como prioridade das prioridades, a satisfação da mais elementar exigência.

Que tão-somente a garantia de que, no futuro imediato, o Ministério da Saúde garantirá que em Portugal o sangue utilizado nas transfusões passará a ser, efectivamente, controlado! ...

Se na referida conferência internacional de Londres Se imaginasse o que cá se passa em matéria de transfusões de sangue, a delegação portuguesa fugiria de vergonha ou, possivelmente, nem lá tinha posto os pés.

(Jornal de Notícias, de 9 de Fevereiro de 1988.)

Num prédio da Rua de Fernandes Tomás, muito próximo do mercado do Bulhão, no Porto, foi-nos dito que, logo de manhã cedo, aparecem por lá uns sujeitos de «péssimo aspecto». Ficam por ali durante horas. Manhãs ou tardes à espera da senhora que lhes fará as colheitas de sangue.

«Sujam tudo. Uns cheiram a vinho, outros dão a ideia de estarem drogados», lamentam-se os locatários. «Deitam-se pelo chão, impedem o acesso ao elevador. Quase temos de pedir licença para passar.»

Mais desesperados, porque a afluência é ainda bem maior, estão os inquilinos de um prédio da Rua de Pedro Hispano (situado mesmo defronte da antiga porta da «Urgência» de uma casa de saúde portuense). Aí funciona, ainda que sem qualquer identificação exterior, um outro local de colheita de sangue.

Inquilinos desabafaram com o repórter:

Sentimo-nos absolutamente impotentes para pôr cobro a isto. Tipos completamente bêbados, marginais, drogados, mendigos, cadastrados não nos largam a porta.

Dizem terem recorrido para tudo quanto é autoridade, nomeadamente à esquadra da PSP de Francos, sem que a situação, até hoje, se tenha alterado:

Saímos do elevador e deparamos, de caras, com essa gente. Até urinam e defecam dentro do prédio, enquanto esperam pelo médico.

As senhoras e as crianças são as mais assustadas com a presença desses indivíduos, que «entram de manga arregaçada e saem com algodão na mão».

para poder contar como é, o repórter juntou-se a esses escorraçados da sociedade. Andou com eles nos copos, vagueou pelas esquinas, partilhou da mesma sopa dos pobres. Perdeu com eles horas a fio à espera de poder tirar sangue. E ao tornar-se um dos deles, o jornalista ganhou a reportagem.

Hoje tiram sangue aqui, depois vão vendê-lo acolá e na próxima vão fornecê-lo a outro lado, pois não faltam, no Porto e em Lisboa, médicos que compram sangue, dado haver uma extraordinária carência dele.

O espaço de tempo entre duas colheitas nunca dever ser inferior a três meses — sob pena de o dador poder prejudicar a sua própria saúde.

Mas a total falta de dinheiro, a «crise», como eles dizem é que dita o intervalo de tempo que separa as várias picadelas no braço. Uns dizem ter de fazê-lo, por vezes, «quase todas as semanas», outros de «quinze

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em quinze dias», ou «mês a mês». Haverá os mais comedidos, que só arregaçam a manga de «60 em 60 dias».

A explicação é simples:

Se estamos mais à rasca de dinheiro, vimos mais vezes.

Os vendedores do seu próprio sangue, gente marginalizada ou no desemprego, tantas vezes sem qualquer outra fonta de receita, escondem a verdade aos compradores; mas a estes, muito mais interessados na matéria-prima, convém-lhes a mentira ... E por causa desta conjugação de interesses não se lhes mede as tensões, ignora-se, deliberadamente, a sua hemoglobina. O fornecedor diz que «vende saúde», que «nunca esteve doente», e o médico que compra o sangue acredita piamente ...

Da primeira vez que o tiram é-lhes feito aquilo a que eles chamam «análises», «p'ra ver a marca» (o grupo sanguíneo). Mas depois de o seu nome constar como dador no ficheiro do médico, tiram-no «sem qualquer análise» — ainda de acordo com a generalizada versão dessa gente. É seu convencimento que, «se da primeira vez o sangue estiver bem, das outras vezes também está».

Afirmou-nos um enfermeiro que já procedeu a colheitas, durante o período de férias de um médico hematologista, estar também convencido de que não eram feitas análises de rotina. «Depois da primeira vez, só muito esporadicamente» ...

Tempos depois, o repórter teve a oportunidade de confirmar essa falta de controle, de resto já confirmada na nossa edição de ontem, através das desassombradas declarações do próprio director do INS, Dr. Benvindo Justiça.

Entre os fornecedores há quem julgue que ter bom ou mau sangue é tudo uma questão de «nascença». E ainda de acordo com essa falta de conhecimentos, tendo nascido bem o sangue não se deteriora mais — a não ser em caso de «venéreas» ...

E não havendo «venéreas» não há motivos, ainda segundo esse seu desconhecimento, para novas análises de cada vez que o vão vender, como se esse sangue não fosse utilizado em transfusões ...

De salientar também que, sendo o sangue humano absolutamente insubstituível para o tratamento dos doentes e não havendo indústria que o fabrique, o preço pago entre nós a quem precisa de o vender é ... miserável!

Mil e quinhentos escudos foi a cotação mais baixa e três mil a mais alta por nós detectada no mercado do Porto. Mas o pagamento é a pronto. «Sangue lá, düvtaüo cá.»

A propósito de tostões, desabafa um deles:

É um dinheiro chorado. Faz jeito, mas não se vê ...

Um tinha apenas 7$50 e o outro 25S. Como o «mata--bicho» dessa manhã ficará por conta de quem tivesse mais dinheiro no bolso, coube-nos a nós pagar o maduro branco e a cachaça com que eles quebraram o jejum.

De regresso da tasca, a caminho, outra vez, da sala da colheita de sangue, um dos compinchas procurou

tranquilizar-nos, ao aperceber-se do nosso indisfarçável nervosismo:

Você parece que está à rasca. Aquilo que não custa nada. É como levar uma picadela.

Ajuda o outro:

É só um bocado. Tira-se pr'aí meio quartilho. É mais ou menos um copo de vinho.

Como o médico não aparecia e o meio-dia já estava perto, foi mais seguro ir à sopa dos pobres, oferta da casa de saúde, que para muitos deles constitui o único alimento garantido do dia.

Mas um quarto de hora depois, já com a barriga composta, outra vez a mesma seca a espera da chegada do médico, na desesperada tentativa de conseguir o conto e quinhentos.

É, afinal, esta gente, tida como a escória da sociedade, que acaba por garantir o sangue necessário à vida daqueles que têm dinheiro para o internamento em casas de saúde e hospitais particulares.

Nas actuais circunstâncias, em que não existe um órgão a nível nacional que garanta para todo o país a satisfação de tão vital necessidade, os médicos trans-fusionistas recorrem, para os doentes internados em clinicas privadas, a esse sangue como única alternativa — por mais suspeito que ele possa ser ... É isto porque se não for desse não terão à mão qualquer outro ... pois só esses indivíduos, pelas razões já apontadas, se dispõem a vendê-lo.

E não havendo, como não há, qualquer garantia, oficial ou outra, de que o sangue utilizado nas transfusões foi devidamente seleccionado — já se sabe como é. Os doentes correm riscos de morte.

O director do Instituto Nacional de Sangue é peremptório quando afirma:

Diariamente há portugueses que morrem por receberem transfusões de sangue não estudado e outros falecem por falta dele.

No momento actual, há entre nós um vazio legislativo muito grande. Não existe lei nenhuma que estabeleça quais são as análises que obrigatoriamente deverão ser feitas aos dadores de sangue.

Os serviços médicos minimamente responsáveis seguem o que está internacionalmente defendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas normas da CEE. Há que fazer um hemograma, e as análises para rastreio da sífilis, hepatite e da sida.

Porém, contrariamente ao que acontece em todo o mundo civilizado, em Portugal nada acontece aos médicos que não fizerem esses exames. Pode-se atentar contra a vida das populações, por falta desse rastreio, omissão verdadeiramente criminosa, que ninguém é incomodado, quanto mais penalizado pela Justiça!

Aos preços actuais só o estudo de cada unidade de sangue colhido, que permitirá saber se a sua utilização será fonte de vida e não causa de doenças ou mesmo de morte, andará pelos seis mil e quinhentos escudos — informou-nos o Dr. Benvindo Justiça.

E esse estudo, absolutamente indispensável para a defesa da saúde dos cidadãos, só se torna, na prática, viável nos hospitais centrais do Estado, onde a situação é controlada, e em desenvolvidos serviços particulares já com apreciável movimento.

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É uma rotina bastante cara, que não está ao alcance dos pequenos laboratórios que pululam por aí e onde as colheitas diárias são reduzidas. O equipamento é de tal modo dispendioso, os gastos são de tal modo elevados, que essas análises tornam-se imcomportáveis para serviços pequenos.

Ora, com um movimento muito limitado de colheitas, não se justifica fazer, em termos meramente económicos, as análises uma a uma, razão pela qual, em tais laboratórios, se aguarda que se completem grupos de dez amostras. Daqui resulta que, inevitavelmente, muito desse sangue é, obviamente, como o reconheceu o director do INS, administrado aos doentes sem prévia realização dos exames. Quando os resultados chegam a ser conhecidos, já esse sangue corre, com os riscos daí resultantes, nas veias dos enfermos ...

Como se isso já não fosse grave, demasiadamente grave, os perigos não se ficam por aqui. O País está cheio de pequenos laboratórios, tanto a nível oficial como privado, tecnicamente impossibilitados (por carência de instrumentação adequada) de fazer o correcto e rigoroso despiste da sida no sangue a utilizar — mas nem por isso as transfusões deixam de ser feitas! ... — Aurélio Cunha.

(Jornal de Notícias, de 10 de Fevereiro de 1988.)

«O Instituto Nacional de Sangue apenas controla 9% das 170 000 colheitas anuais em Portugal, por falta de quadros técnicos e meios materiais» — afirmou esta manhã ao Diário Popular o Dr. Benvindo Justiça, director do INS, a propósito de uma reportagem inserida na edição de ontem do Jornal de Notícias. Esta apontava para o perigo das transfusões efectuadas em casas de saúde privadas e hospitais distritais.

A situação, que não é nova, vem, no entanto, provocar justas inquietações e alarmes justificados. Ontem mesmo, a Ministra da Saúde deu instruções à Ins-pecção-Geral dos Serviços de Saúde que actuasse com «a maior rapidez» para apurar a veracidade e responsabilidade dos factos, no sentido de se tomarem as providências que se impõem nestes casos.

Benvindo Justiça considerou, igualmente, haver a possibilidade de se contraírem infecções víricas pelo facto de ainda se proceder em Portugal a colheitas de dadores remunerados, em contravenção com a lei que proíbe tal prática. Apenas o plano nacional de sangue (em poder da Ministra da Saúde) poderá vir a dar, no futuro, uma resposta adequada em termos de proteger a saúde dos cidadãos — acrescentou.

Acerca da possibilidade de se verificarem óbitos devido a eventuais anomalias, Benvindo Justiça não excluiu a possibilidade de que tal aconteça, muito embora admita ser a sua opinião produto de um raciocínio lógico e não porque objectivamente tenha conhecimento de factos.

Por seu turno, o anterior director do INS, Dr. Pedro Franco, contactado igualmente pelo Diário Popular, confirma o facto de o Instituto ter lutado sempre com falta de meios técnicos e humanos. Pedro Franco, na situação de aposentado, diz-nos não pretender entrar em polémica seja com quem for, mas assegura que todo o trabalho então efectuado no Instituto era absolutamente garantido.

{Diário Popular, de 10 de Fevereiro de 1988.)

A Ministra da Saúde anunciou, ontem, no Porto, a substituição do presidente do Instituto Nacional de Sangue (INS) e a constituição de uma comissão instaladora, na sequência da denúncia pública de que em Portugal se fazem transfusões de sangue sem que este seja submetido à análise anti-sida.

Leonor Beleza afirmou aos jornalistas estar convencida de que a «esmagadoria maioria das pessoas que fazem transfusões é sujeita àquela análise» e admitiu processar os responsáveis por alguma situação anómala que for detectada.

Este assunto foi, entretanto, motivo de uma nota oficiosa do seguinte teor:

Alguns órgãos de comunicação social reproduziram declarações alarmistas da responsabilidade do ex-director do Instituto Nacional de Sangue, a propósito de supostas irregularidades no controle de sangues, eventualidade que anteriormente nunca fizera chegar ao conhecimento do Governo.

De imediato a Ministra da Saúde nomeou uma comissão instaladora para aquele Instituto, constituída por dois inspectores-assessores da Ins-pecção-Geral dos Serviços de Saúde', com o objectivo de assegurar o eficaz e correcto funcionamento daquele importante instituto público.

Foi igualmente mandado instaurar por aquele membro do Governo um inquérito para, com a maior rapidez e o maior rigor, apurar do cumprimento da legislação em vigor, que obriga à análise por métodos adequados de todos os sangues utilizados em transfusões nas instituições de saúde públicas e privadas.

É oportuno salientar que não existe, até ao momento, qualquer registo de transmissão de sida por via de transfusão de sangue.

O Governo actuará com a maior firmeza perante eventuais situações irregulares que venham a ser detectadas.

(Diário de Notícias, de 11 de Fevereiro de 1988.)

A Ministra da Saúde anunciou, ontem, no Porto, que exonerou das funções de director do Instituto Nacional de Sangue (INS) Benvindo Justiça, por este ter «posto em causa a segurança das transfusões de sangue realizadas em Portugal».

Leonor Beleza, que se reuniu com os jornalistas no Governo Civil do Porto, onde decorreu o acto de posse dos membros do Conselho de Oncologia, anunciou também que nomeou já uma comissão instaladora, composta por dois subinspectores encarregados de averiguar o funcionamento do INS.

Em declarações a um matutino portuense, publicadas na edição de terça-feira, Benvindo Justiça afirmou, designadamente, que «morrem diariamente em Portugal doentes por receberem transfusões de sangue não seleccionado.

A população corre sérios riscos, nomeadamente de transmissão do agente da sida, por inexistência de qualquer controle de sangue transfundido», lê-se na mesma entrevista.

O ex-director do Instituto Nacional de Sangue denuncia — na mesma entrevista — que «só metade do produto sanguíneo é controlado e que o INS não tem órgãos de controle, não dispondo de quaisquer meios humanos e materiais para o fazer».

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Por seu turno, o director exonerado do Instituto Nacional de Sangue declarou que a sua nomeação fora «um facto nunca desejado» e que nunca tivera condições mínimas para o exercício do cargo.

Benvindo Justiça disse que desde Setembro de 1987 mantinha contacto, primeiro semanal e depois quinzenalmente, com o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, Joaquim Faria e Almeida, ao qual apresentou documentos sobre «a grave situação» do INS, que não tem financiamento para melhorar as suas instalações.

Declarou, ainda, que apresentara proposta de despachos normativos para o Instituto e propostas de reestruturação de todos os serviços. Por outro lado, sublinhou que propusera a criação de um serviço nacional de sangue, aprovado pelo Secretário de Estado, mas que nunca teve financiamento.

Benvindo Justiça disse também que no dia 2 de Fevereiro tinha pedido a exoneração, por falta de financiamento para o INS, e observou que quase tudo o que disse na entrevista desta semana era já do conhecimento geral, pois que o sector do sangue, em Portugal, desde há anos que está em crise.

Entretanto, a Ministra da Saúde mandou instaurar um inquérito ao Instituto Nacional de Sangue «para, com a maior rapidez e com o maior rigor, apurar do cumprimento da legislação em vigor» nas análises, segundo uma nota oficiosa do Gabinete do Primeiro--Ministro.

A nota surge como resposta a «declarações alarmistas» do ex-director do INS «a propósito de supostas irregularidades no controle de sangues», eventualmente que — escreve-se no texto — anteriormente o ex--responsável do Instituto «nunca fizera chegar ao conhecimento do Governo».

De acordo com a nota, a legislação em vigor «obriga à análise por métodos adequados de todos os sangues utilizados em transfusões nas instituições de saúde públicas e privadas».

(A Capital, de 11 de Fevereiro de 1988.)

Benvindo Justiça acaba de ser exonerado do cargo de director do Serviço Nacional de Sangue. A decisão tomada pela Ministra da Saúde tem a ver com as declarações deste médico ao Jornal de Noticias sobre a inoperância da instituição e de que ressaltam afirmações como estas: «Em Portugal morrem diariamente doentes por receberem sangue não estudado» e «o Instituto não tem órgãos de controle nem quaisquer meios humanos e materiais para o fazer».

Contactado pelo Diário Popular na sequência do afastamento, Benvindo Justiça afirmou já ter pedido no dia 2 deste mês a demissão do lugar devido à insuficiência da verba de 90 000 contos atribuída à instituição que dirigia e da qual 80 000 contos era gasta em ordenados. E referiu também ter entregue, por várias vezes, relatórios ao Secretário de Estado sobre a gravidade da situação.

O ex-director do Serviço Nacional de Sangue disse igualmente não ter provas de haver óbitos devido a transfusões de sangue, mas deixou implícita a ideia de que tal possa ter acontecido devido a denúncias da Associação de Dadores Benévolos e a textos publicados no Diário Popular. Benvindo Justiça, por último, não confirmou nem desmentiu as outras declarações

que lhe foram atribuídas no Jornal de Notícias e declarou terem sido as mesmas «tratadas sob o ponto de vista jornalístico».

Mas as acusações do Dr. Benvindo Justiça foram mais longe. Ele referiu igualmente a possibilidade de algumas doenças, como a sida, poderem atingir os doentes transfundidos, por apenas metade do sangue colhido ser testado pelos organismos oficiais, o que põe em causa toda a estrutura montada para combater a terrível enfermidade que tem custado centenas de milhares de contos ao erário público.

Contactado o Prof. Machado Caetano, responsável pela cátedra da Imunologia da Faculdade de Medicina de Lisboa e membro do grupo de trabalho da sida, fomos informados de que o Ministério da Saúde promoveu, em devido tempo, todos os meios legais, de apoio técnico e financeiro para garantir que todo o sangue recolhido nos hospitais fosse testado em termos de risco de sida e de outros vírus, como a sífilis e a hepatite B.

O catedrático lamentou a demissão do Dr. Benvindo Justiça, a quem reconhece elevada competência técnica, mas salientou o dever de aquele colega interditar a acção dos serviços de sangue suspeitos (e até referenciados pelo Jornal de Notícias), proceder aos inquéritos necessários, como entidade responsável pela fiscalização, e estabelecer contactos com o Ministério da Saúde para serem instaurados processos disciplinares. E salientou:

Isto no caso de haver conhecimento dos factos, o que, infelizmente, parece não ter acontecido.

Machado Caetano disse também não haver qualquer justificação para o Instituto Nacional de Sangue não fazer todos os testes. E acentuou:

O Instituto foi dotado de dezenas de milhares de contos o ano passado para fazer testes de sida. Este ano, o Dr. Benvindo Justiça pediu mais 30 000 contos para estudo de anticorpos nas amostras de sangue. Não é verdade haver falta de verbas para que tudo isso não seja feito.

Machado Caetano afirmou, depois, ter seguido toda a actuação do Ministério da Saúde no combate à sida e poder testemunhar, publicamente, o empenhamento pessoal da titular daquela pasta para que tudo corresse bem, sem olhar a verbas despendidas com técnicos e equipamento. E sublinhou:

Eu não digo que não haja médicos em falta no cumprimento da lei. E considero até que esses casos pontuais devem ser denunciados para esses indivíduos serem severamente punidos pela sua acção criminosa.

Machado Caetano manifestou-se convencido de que em todas as instituições hospitalares está a ser feito o teste da sida desde que começou a ser comercializado em Portugal. E vai mais longe ao afirmar:

O Hospital de São José, que abastece a rede dos hospitais civis, já testou, desde 1985, 40 000 dadores e todos os positivos foram rejeitados. A percentagem eliminada foi de 5 para 10 000 (igual à média europeia). No Hospital de Santa Maria atingiu-se já os 30 000 testes, com uma positividade de 6 para 10 000 pesquisados.

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O cientista é também director de um serviço de sangue e especialista em hematologia clínica. Nessa qualidade contactou os seus colegas dos hospitais de Egas Moniz e da Cruz Vermelha Portuguesa, que lhe garantiram ser ali feita a despistagem de anticorpos da sida e outras doenças infecciosas. E acrescentou:

Todo o sangue colhido no Hospital da Cruz Vermelha é testado no Instituto e no Egas Moniz procedeu-se ao exame de 3000 pessoas, com uma percentagem de positividade igual à média europeia.

Machado Caetano também é um perito na área dos transplantes e garantiu-nos que os cadáveres são previamente testados antes de lhes ser retirado qualquer tecido ou órgão. No entanto, mostra-se reservado sobre o que se passa nas pequenas unidades de saúde:

Não posso confirmar ou desmentir o que não sei. Mas custa-me a admitir tal facto, pelo que ele representa de repugnante e criminoso. A lei obriga até a testes em relação à história clínica dos dadores. Se nos aparece algum que teve sífilis, hepatite ou qualquer outra doença infecciosa deve ser imediatamente eliminado. Se há directores de serviço que não cumprem estas normas devem ser identificados e punidos.

Machado Caetano diz-nos ter informações de que o sangue está a ser testado duas vezes com contraprova e não vê qualquer justificação para haver fugas a essa norma. E a razão é simples:

Todos os exames são automatizados e pagos pelo Ministério da Saúde. Também não conheço dificuldades nesse sentido postas a nível superior. Mas se houvesse médicos que dissessem não poder observar esses princípios, por falta de meios, o problema era logo resolvido. Nós em Portugal fazemos o mesmo que o resto da Europa em termos de profilaxia da sida.

A terminar, o catedrático considerou «lamentável e de um alarmismo cego» a ocorrência que envolveu o Dr. Benvindo Justiça e relevou como da maior importância a informação veiculada pela comunicação social se ela for critica e verdadeira, porque, em sua opinião, «num país como o nosso, em que cultural e cientificamente as coisas surgem com algum atraso, há necessidade de combater a ignorância e os medos injustificados». E aproveitou para deixar a seguinte mensagem:

Os Portugueses devem confiar nos serviços de saúde. Mas também devem exigir aos técnicos qualidade e responsabilidade dos seus actos, quando for caso disso.

David Lopes. (Diário Popular, de 11 de Fevereiro de 1988.)

A Ministra da Saúde mandou instaurar um inquérito ao Instituto Nacional de Sangue (INS) para, com a maior rapidez e o maior rigor, apurar do cumprimento da legislação em vigor nas analises — informou ontem, em nota oficiosa, o Gabinete do Primeiro-Mi-nistro.

Simultaneamente, Leonor Beleza exonerou das funções de director do Instituto Benvindo Justiça, por este ter posto em causa a segurança das transfusões de sangue realizadas em Portugal.

Esta decisão foi divulgada pela Ministra no Governo Civil do Porto, onde decorreu o acto de posse dos membros do Conselho de Oncologia. Refira-se que esta medida ainda não tinha chegado ao conhecimento das redacções quando foi divulgada pela Direcção-Geral da Comunicação Social a nota oficiosa que denominava já de ex-director do INS Benvindo Justiça.

A nota oficiosa ontem divulgada surge como resposta a declarações alarmistas a alguns órgãos de comunicação social por parte do ex-director do INS a propósito de supostas irregularidades no controle de sangues, eventualidades que anteriormente nunca fizera chegar ao conhecimento do Governo.

Leonor Beleza nomeou também uma comissão instaladora para o INS, constituída por dois inspectores--assessores da Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde, com o objectivo de assegurar o eficaz e correcto funcionamento daquele importante instituto público.

De acordo com a nota, a legislação em vigor obriga à análise por métodos adequados de todos os sangues utilizados em transfusões nas instituições de saúde públicas e privadas.

É oportuno salientar que não existe até ao momento qualquer registo da transmissão de sida por via de transfusão de sangue — assegura ainda a nota oficiosa.

O Governo actuará com a maior firmeza perante eventuais situações irregulares que venham a ser detectadas — conclui.

Recorde-se que Benvindo Justiça, em declarações a um matutino portuense na terça-feira, afirmara que morrem diariamente em Portugal doentes por receberem transfusões de sangue não seleccionado e que a população corria sérios riscos, nomeadamente de transmissão de sida, por inexistência de qualquer controle de sangue transfundido.

O ex-director do INS diria ainda que só metade do produto sanguíneo era controlado e que o Instituto não tinha órgãos de controle, nem dispunha de quaisquer meios humanos e materiais para o fazer.

(Correia da Manhã, de 11 de Fevereiro de 1988.)

O director do Instituto Nacional de Sangue foi demitido pela Ministra da Saúde na sequência de declarações feitas por Benvindo Justiça ao Jornal de Notícias do Porto, no qual aquele responsável alertava para «sérios riscos» que a população corre em Portugal, quanto à sida, nas transfusões sanguíneas. O ex-titular do INS disse objectivamente que «morrem diariamente em Portugal doentes por receberem transfusões de sangue não seleccionado».

Leonor Beleza não gostou que Benvindo Justiça fizesse tal afirmação — pelos vistos não gosta que se fale verdade sobre saúde em Portugal — e exonerou-o. De uma assentada, nomeou uma comissão instaladora, composta por dois inspectores encarregados de averiguar o funcionamento do INS. Fê-lo no Porto, na posse dos membros do Conselho de Oncologia, ao mesmo tempo que uma nota oficiosa do Gabinete do Primeiro-Ministro assinalava ter a Ministra da Saúde mandado instaurar um inquérito ao Instituto Nacional

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de Sangue, de modo, e com a maior rapidez e o maior rigor, a apurar do cumprimento da legislação em vigor. Depois da casa roubada, trancas na porta.

Benvindo Justiça disse entretanto que a sua nomeação fora «um facto nunca desejado» e que não dispusera, no exercício das funções de director do INS, de «condições mínimas».

O ex-director do Instituto Nacional de Sangue acrescentou que desde Setembro de 1987 mantinha contacto, primeiro semanal e depois quinzenalmente, com o Secretário Adjunto da Ministra da Saúde, Faria e Almeida, no qual apresentou documentos sobre «a grave situação do INS, que não tem financiamento para melhorar as suas instalações».

Exonerado na sequência da entrevista concedida há três dias a um matutino portuense, Benvindo Justiça declarou haver apresentado propostas de despachos normativos para o Instituto e propostas de reestruturação de todos os serviços. Afirmou ainda que propusera a criação de um serviço nacional de sangue, aprovado pelo Secretário de Estado, mas que nunca teve financiamento.

Benvindo Justiça sublinhou que no dia 2 do corrente mês tinha pedido a exoneração por falta de financiamento para o INS. Por outro lado, observou que quase tudo o que disse na entrevista desta semana era já do conhecimento geral, pois que o sector do sangue, em Portugal, desde há anos que está em crise.

Acentuou nunca ter falado em sida durante as declarações ao Jornal de Notícias e manifestou a opinião de que o entrevistador teria extrapolado algumas das suas afirmações quanto ao sangue que é ou não é controlado. Mas reafirmou que morrem diariamente em Portugal doentes por receberem transfusões de sangue não seleccionado.

«A população corre sérios riscos, nomeadamente de transmissão do agente de sida, por inexistência de qualquer controle de sangue transfundido», lê-se na mesma entrevista.

O ex-director do Instituto Nacional de Sangue denuncia — na mesma entrevista — que «só metade do produto sanguíneo é controlado e que o INS não tem órgãos de controle, não dispondo de quaisquer meios humanos e materiais para o fazer».

«O INS não exerce qualquer tipo de controle», observou. A Ministra, que considerou «alarmistas tais declarações», disse que desde 1986, em Portugal, o sangue usado nas transfusões bem como os produtos dele derivados são devidamente controlados.

Respondendo a algumas perguntas dos jornalistas, a Ministra disse, relativamente à revisão das carreiras médicas, que está a proceder a recolha de dados até ao próximo Verão, esperando que a classe médica participe nela.

No que diz respeito às escolas de enfermagem, Beleza disse que elas iriam passar do Ministério da Saúde para o Ministério da Educação.

{Diário de Lisboa, de II de Fevereiro de 1988.)

Eis, na íntegra, o texto da nota:

«Alguns órgãos de comunicação social reproduziram declarações alarmistas da responsabilidade do ex--director do Instituto Nacional de Sangue, a propósito de supostas irregularidades no controle de sangues, eventualidade que anteriormente nunca fizera chegar ao conhecimento do Governo.»

De imediato, a Ministra da Saúde nomeou uma comissão instaladora para aquele Instituto, constituída por dois inspectores-assessores da Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde, com o objectivo de assegurar o eficaz e correcto funcionamento daquele importante instituto público.

Foi igualmente mandado instaurar por aquele membro do Governo um inquérito para, com a maior rapidez e o maior rigor, apurar do cumprimento da legislação em vigor, que obriga à análise por métodos adequados de todos os sangues utilizados em transfusões nas instituições de saúde pública e privada.

É oportuno salientar que não existe, até ao momento, qualquer registo de transmissão de sida por via de transfusão de sangue.

O Governo actuará com a maior firmeza perante eventuais situações irregulares que venham a ser detectadas.

(Diário Popular, de 11 de Fevereiro de 1988.)

O director exonerado do Instituto Nacional de Sangue (INS), Benvindo Justiça, declarou hoje à Lusa que a sua nomeação fora «um facto nunca desejado» e que nunca tivera condições mínimas para o exercício do cargo.

Benvindo Justiça disse que, desde Setembro de 1987, mantinha contacto, primeiro semanal e depois quinzenalmente, com o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, Joaquim Faria e Almeida, ao qual apresentou documentos sobre «a grave situação» do INS, que não tem financiamento para melhorar as suas instalações.

O director exonerado, na sequência de uma entrevista saída há dois dias num matutino portuense, declarou que apresentara propostas de despachos normativos para o Instituto e propostas de reestruturação de todos os serviços.

Benvindo Justiça afirmou, ainda, que para além do que disse ao Diário Popular, que propusera a criação de um serviço nacional de sangue, aprovado pelo Secretário de Estado, mas que nunca teve financiamento.

Por outro lado, observou que quase tudo o que disse na entrevista desta semana era já do conhecimento geral, pois que o sector de sangue, em Portugal, desde há vários anos que está em crise.

O ex-director do INS acentuou nunca ter falado em sida durante as declarações ao Jornal de Notícias e manifestou a opinião de que o entrevistador teria extrapolado algumas das suas afirmações, quanto ao sangue que é ou não controlado.

(Diário Popular, de 11 de Fevereiro de 1988.)

O Conselho de Ministros publicou uma nota oficiosa sobre a situação no Instituto Nacional de Sangue, na qual se confirma a exoneração do respectivo director, Dr. Benvindo Justiça.

O director exonerado do Instituto Nacional de Sangue (INS), Benvindo Justiça, declarou à Lusa que a sua nomeação fora «um facto nunca desejado» e que nunca tivera condições mínimas para o exercício do cargo.

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Benvindo Justiça disse que desde Setembro de 1987 mantinha contacto, primeiro semanal e depois quinzenalmente, com o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, Joaquim Faria e Almeida, ao qual apresentou documentos sobre «a grave situação» do INS, que não tem financiamento para melhorar as suas instalações.

O director exonerado na sequência de uma entrevista saída há dois dias num matutino portuense declarou que apresentara propostas de despachos normativos para o Instituto e propostas de reestruturação de todos os serviços.

Afirmou ainda que propusera a criação de um serviço nacional de sangue, aprovado pelo Secretário de Estado, mas que nunca teve financiamento.

Benvindo Justiça disse à Lusa que no dia 2 de Fevereiro tinha pedido a exoneração, por falta de financiamento para o INS.

Por outro lado, observou que quase tudo o que disse na entrevista desta semana era já do conhecimento geral, pois que o sector do sangue, em Portugal, desde há anos que está em crise.

Acentuou nunca ter falado em sida durante as declarações ao Jornal de Notícias e manifestou a opinião de que o entrevistador teria extrapolado algumas das suas afirmações quanto ao sangue que é ou não é controlado.

(O Diário, de 12 de Fevereiro de 1988.)

A notícia fez tremer os alicerces do Ministério da Saúde. O caso não era para menos: sangue não controlado mata diariamente em Portugal. A afirmação, nua e crua, foi feita ao Jornal de Noticias pelo director do respectivo Instituto, Benvindo Justiça, e confirmada ontem, ao fim da tarde, ao Tempo, pelo mesmo responsável. «Sobretudo na província, tanto em estabelecimentos hospitalares privados como do Estado, as transfusões são administradas sem que antes sejam feitas as análises laboratoriais determinadas pela OMS.» Terrível, sem dúvida.

A situação parece grave. Embora um documento do Ministério da Saúde sobre a sida afirme que «em Portugal, o sangue usado nas transfusões e os produtos dele derivados para tratamento são devidamente controlados», a investigação levada a cabo pelo Jornal de Notícias terminou com um resultado bem diferente: não são.

«As pesquisas que realizámos ao longo de muitos meses permitiram-nos concluir que tanto em clínicas privadas como em estabelecimentos de saúde oficiais são feitas transfusões sem que haja qualquer garantia .de que o sangue ministrado não irá pôr em perigo a vida dos doentes», escreveu Aurélio Cunha no matutino portuense.

Diante dos dados recolhidos pelo repórter daquele jornal, o director do Instituto Nacional de Sangue, Benvindo Justiça, não hesitou, o mesmo acontecendo ontem à tarde, quando o contactámos pelo telefone:

O País tem de saber. Morre-se em Portugal por causa de transfusões de sangue. De sangue cuja proveniência não foi devidamente seleccionada.

Homem de grande coragem (qual será o preço da factura a pagar, agora?), Benvindo Justiça, que assumiu há relativamente pouco tempo a direcção do INS,

continua decidido a não pactuar. Derrubando as últimas pedras do muro de silêncio levantado à volta do problema, ele confirma-nos mais um dado: «Isto nunca foi denunciado.»

Com efeito, o seu antecessor, Pedro Franco, deu sempre garantias de que não havia motivo para alarme em relação ao sangue utilizado nas transfusões ministradas nos estabelecimentos de saúde do País. Será capaz de o provar, agora, caso algum cidadão requeira a intervenção da justiça?

O actual titular do lugar, esse garante que pode demonstrar as suas afirmações, segundo as quais «grande parte do sangue utilizado em Portugal (cerca de metade, seguramente) não é devidamente analisado». Daí que «morram diariamente doentes por receberem transfusões» daquele líquido.

«Nos hospitais centrais não há riscos, mas em alguns hospitais pequenos, privados ou do Estado, e em casas de saúde o controle do sangue não existe ou é muito pouco eficaz, situação que põe em perigo a vida das pessoas», adiantou o Dr. Benvindo Justiça.

Mais: «O Instituto Nacional de Sangue só é responsável por 9% ou 10% do sangue usado em todo o país», sendo ainda certo que o mesmo organismo «não dispõe de órgãos de controle nem de meios humanos e materiais para o fazer. Não exerce qualquer tipo de controle.»

O Jornal de Notícias foi mais longe, através das suas investigações, tendo afirmado na sua edição de anteontem que «nem o INS nem ninguém», embora a tarefa de controlar esteja oficialmente cometida a esse Instituto.

Se se «morre diariamente em Portugal por causa de transfusões de sangue», que o Ministério da Saúde diz que é controlado, mas não é, então, como observa o matutino portuense, estamos em presença de «crimes silenciados».

Recorde-se, mais uma vez, que, num folheto daquele Ministério sobre a transmissão do vírus da sida, a «transfusão de sangue não correctamente seleccionada» é apontada como um dos meios de contrair a terrível doença, além de outras, como a sífilis e as hepatites.

Noutro tipo de letra e a negro, para saltar bem à vista, o mesmo documento tranquiliza a população ao referir, mais abaixo, que «em Portugal, o sangue usado nas transfusões e os produtos dele derivados para tratamento são devidamente controlados». Nada mais falso, pelos vistos.

Agora, confessando-se surpreendida pelo teor da reportagem do Jornal de Notícias, por «nunca o director do INS lhe ter dado conta» de tal situação (ver comunicado noutro local), a Ministra da Saúde deu instruções à Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde no sentido de «apurar a veracidade de casos concretos».

É grave que a Ministra venha a público manifestar--se supreendida com o resultado da investigação jornalística. Como titular de uma pasta ministerial, Leonor Beleza tem obrigação de saber o que se passa em «sua casa». Ela é a primeira responsável, exactamente por ser órgão de tutela.

Depois, a Ministra não pode invocar desconhecimento em relação a um problema para o qual várias entidades a têm alertado, assim como a outros respon-

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sáveis pelos destinos da saúde, como era o caso do ex--director do INS, Pedro Franco, que esteve à frente deste organismo durante cerca de 30 anos, e nunca teve a coragem de dizer a verdade.

Ainda recentemente, uma representante da Associação dos Deficientes disse, no programa televisivo Já Está, que o sangue utilizado em Portugal não inspirava grande confiança aos associados da sua instituição.

Sinais de alarme têm soado também, com alguma frequência, do lado dos hemofílicos — ou não constituíssem eles um grupo de alto risco por via das transfusões que periodicamente lhes são ministradas.

Leonor Beleza não pode desconhecer igualmente que o sangue está a ser comercializado em Portugal «clandestinamente», é claro, sendo a maior parte das colheitas feitas nestas circunstâncias canalizadas para casas de saúde particulares.

Como recorda o Jornal de Notícias na edição já referida, por despacho da Secretaria de Estado da Saúde (n.° 49/82), «não é permitida a comercialização de sangue humano, seja qual for a natureza, oficial ou privada, da entidade que realiza a colheita [...]».

Parece-nos, pois, importante dizer, sem intenções sensacionalistas, que o sangue está a ameaçar a vida da população doente. O País exige uma explicação. — F. Castro.

_ (Tempo.)

Comunicado da Ministra

1 — A Ministra da Saúde ficou surpreendida com as declarações divulgadas pelo Jornal de Notícias porque nunca o director do Instituto Nacional de Sangue lhe havia dado conta que entendia que era essa a situação.

2 — Foram imediatamente dadas instruções à Ins-pecção-Geral dos Serviços de Saúde para actuar com a maior rapidez e com o maior espírito de rigor no sentido de apurar a veracidade de casos concretos, uma vez que o director do Instituto Nacional de Sangue fala com base em presunções.

3 — No que respeita ao caso concreto da sida, a Ministra da Saúde tem concedido todos os meios que lhe têm sido solicitados pelo grupo de trabalho liderado pela Prof." Laura Ayres.

(Tempo.)

Entre os militares é que vigora, como apanágio, a regra da fala consentida. A fala é característica natural, admite-se, mas o seu uso carece de rigoroso e minucioso quadro disciplinar. Primeiro e apreciado efeito do normativo é o de nem sempre terem algo para dizer os investidos no privilégio de falar.

O poder civil não reivindica, quanto a isto, precedência sobre as Forças Armadas; imita-as. Estamos assistindo à implantação perseverante do silêncio oficial, manto que progressivamente se estende à mais anódina ocorrência. E pune-se quem desafia a regra, não pelo que diz, mas por o ter dito. «O calado é o melhor» e «Pela boca morre o peixe» são ditados populares, logo sábios, que vão ganhando dignidade constitucional, e os jornalistas encontram-se particularmente bem colocados para o comprovar: ora respondem em tribunal, ora procuram informar-se para informar e regressam de mãos vazias, ora, ainda, mastigam a

amargura de terem objectivamente concorrido para o castigo de quem se dispôs a informá-los. Acumulam--se exemplos de tão doentia prática adulteradora da democracia, nem todos pertencentes ao domínio da anedota: há tempos foi demitido o gestor da EPAL, agora o director do Instituto Nacional de Sangue. Não tardará, persistindo esta avassaladora alquimia do silêncio em ouro, que o polícia a quem perguntemos as horas nos remeta para o comandante da corporação. O COMIBERLANT não é mais impenetrável do que a nossa Administração Pública. Falta estatuir a qualidade de segredo de Estado para as juras de amor no Dia de São Valentim.

O caso do sangue assassino já conheceu o episódio típico de certas denúncias de interesse nacional: o Dr. Benvindo Justiça, director do INS, foi demitido por ter afirmado, com todo o peso da sua autoridade científica e do lugar que ocupava, que grande parte do sangue transfundido não é devidamente controlado. Posteriormente, revelou ter sucessivamente alertado o Ministério da Saúde para as deficiências do Instituto e as fugas à lei reguladora da colheita e análise de sangue. O Secretário de Estado da Saúde garantiu-lhe, assevera, que deu à Ministra conhecimento das suas queixas: a Ministra mostrou-se surpreendida com as revelações. A questão será provavelmente esclarecida, mas é secundária: será possível alguém ignorar o comércio de sangue, as denúncias nos jornais, o pânico dos hemofílicos? Terá realmente o Dr. Benvindo Justiça anunciado em primeira mão o que mais longe andava do pensamento público? A Ministra da Saúde parece desmentir a nota oficiosa do Governo ao reconhecer, segundo o Jornal de Notícias, que o director do INS foi demitido por ter falado, não pelo que disse. Estaremos a erigir em regra de conduta a defesa das aparências em desfavor do confronto com as realidades?

O Dr. Benvindo Justiça prestou um duplo serviço à saúde portuguesa: avisou-nos do risco que corremos e imolou-se a um inquérito indispensável. O pânico dos hemofílicos, as notícias dos jornais, não mereceram tal empenhamento. A quebra da regra do silêncio fez o milagre. Louvado seja o ex-director do INS!

{Diário Popular, de 12 de Fevereiro de 1988.)

Decorreu ontem um inquérito-relâmpago ordenado pelo Ministério da Saúde junto de responsáveis pelos serviços de sangue dos Hospitais Civis. Segundo fontes oficiais, é possível já concluir que «a maior parte do sangue utilizado em Portugal está em condições». A acção foi determinada pela necessidade de combater o «alarmismo» que as reportagens publicadas pelo Jornal de Notícias sobre os serviços de sangue tenha causado. O inquérito deixou de fora, em princípio, apenas os hospitais e clínicas privadas. Finalmente, soube--se que foi ordenada uma «rigorosa inspecção» a uma clínica privada do Norte, onde há suspeitas de que o sangue não é devidamente analisado antes de ser utilizado em transfusões.

O Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, presidido pelo antigo Secretário de Estado da Saúde Costa e Sousa, manifesta-se publicamente solidário com o director do Instituto Nacional de Sangue, Benvindo Justiça, exonerado por Leonor Beleza. O di-

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rector deste órgão manifesta-se perplexo e apreensivo por o Ministério resolver as críticas «calando os técnicos que as produzem através da exoneração ou represálias semelhantes».

Prevendo que, a partir de agora, todos se calarão, receosos da «censura» ministerial, o Conselho denuncia o facto de o especialista ter sido substituído no cargo por dois inspectores, não médicos, que «poderão ser excelentes polícias, mas que de medicina ou de sangue nada percebem».

(Expresso, de 13 de Fevereiro de 1988.)

Benvindo Justiça, exonerado esta semana do cargo de director do Instituto Nacional de Sangue (INS), afirmou ao Expresso ter mantido informado o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde, Faria e Almeida, «sobre o estado caótico dos serviços de sangue hospitalares». O ex-director do INS contestava assim a justificação oficial para o seu afastamento, sublinhando: «Se a Ministra não estava informada, o problema não é meu.»

A nota em que o Ministério anuncia a exoneração dizia que a Ministra Leonor Beleza não tivera «conhecimento prévio» do teor das declarações feitas por Benvindo Justiça ao Jornal de Notícias, que tem publicado uma série de reportagens sobre a falta de segurança nas transfusões de sangue nos hospitais portugueses.

O ex-director (cargo para que fora indicado pelo antigo director-geral dos Hospitais Jacinto Magalhães) exibiu ao Expresso um documento datado de 10 de Outubro do ano passado, dirigido ao Secretário de Estado, em que traçava uma panorâmica da situação e fazia uma proposta de reorganização global dos serviços. Aí, a determinada altura, afirmava que em Portugal se fazem «transfusões imediatas, após a colheita e sem qualquer estudo».

Este terá sido o ponto a que Leonor Beleza se terá mostrado mais sensível, nas reportagens efectuadas a propósito pelo Jornal de Notícias, em que se realçou que os testes de detecção da sida não ofereciam garantias de segurança. «Houve, de facto, uma extrapolação jornalística, legítima, neste ponto», referiu Benvindo Jutiça, acrescentando que, «quando se diz que isso acontece em metade dos hospitais nacionais, não se pode concluir daí que metade do sangue não é analisado, já que os hospitais centrais asseguram a maior parte da recolha». Segundo os seus cálculos, será de cerca de 15% o sangue recolhido e utilizado em condições deficientes.

Sobre o «alarmismo» de que é acusado pelo Ministério, Benvindo Justiça disse que durante meses tentara «dissuadir» o Jornal de Notícias de publicar a reportagem que deu origem à sua exoneração, «por pensar» que a sua «actuação à frente do INS acabaria por eliminar os factores que a justificavam».

«Quando me convenci que de facto nada mudava, e numa altura em que o jornalista já sabia mais do que eu, no concreto, não fiz mais do que confirmar o que já se sabia», declarou. «Quem levanta o problema é o jornalista, como ia eu desmentir o seu trabalho, quando era verdade?»

Confirmando a informação de que já tinha pedido a sua demissão em 2 de Fevereiro («num cartão pessoal enviado a Faria e Almeida»), o ex-director do INS

disse que encarava a sua «tarefa como um serviço, que nunca foi remunerado», e que a situação se apresenta «insustentável», opinião que também deu a entender várias vezes ao Secretário de Estado.

«Se não há especialistas, técnicos responsáveis e dinheiro para que todos os hospitais possam fazer análises, não é com despachos que as questões se resolvem», afirmou Benvindo Justiça, acrescentando que, ao dizer-se que «em metade dos hospitais» não se fazem análises «está-se a ser optimista».

Quanto aos casos de sida (em Portugal foram detectados cerca de 90 e nenhum por transfusão sanguínea), declarou que as probabilidades de a contrair são pequenas, mas que «temos tido sorte». Isso «não impede que a única situação correcta seja a de garantir que todas as recolhas de sangue sejam analisadas», concluiu.

O Ministério da Saúde anunciou, entretanto, a constituição de uma comissão de gestão do INS, com dois assessores da Inspecção-Geral de Saúde, que estão a levar a cabo um inquérito sobre a situação. «Espera--se que os resultados desse inquérito estejam prontos a ser divulgados no princípio da próxima semana», garantiram ao Expresso fontes governamentais. — Rogério Gomes.

(Expresso, de 13 de Fevereiro de 1988.)

Os dois inspectores que, por determinação da Ministra Leonor Beleza, foram substituir no Instituto Nacional de Sangue o Dr. Benvindo Justiça poderão ser «excelentes polícias», mas de medicina «nada percebem».

A opinião pertence ao Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, que, através de um comunicado ontem divulgado, critica aquela decisão da responsável do Ministério da Saúde.

Também a assembleia do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, reunida no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa, aprovou uma moção na qual se denuncia a «atitude prepotente» do Ministério da Saúde e manifesta solidariedade para com Benvindo Justiça, pela sua atitude «digna e corajosa».

(«Fim de Semana», edição de O Diário, de 13 de Fevereiro de 1988.)

O Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos afirmou ontem que a Ministra da Saúde substituiu, no Instituto Nacional de Sangue, um médico especialista por dois inspectores, que poderão ser «excelentes polícias», mas que de medicina ou de sangue «nada percebem».

«A sida não se neutraliza nem se destrói com processos disciplinares», conforme se sublinha num comunicado distribuído pelo Conselho.

Depois de considerar que Benvindo Justiça foi punido «por ter alertado» a opinião pública sobre os eventuais perigos para a saúde resultantes das deficiências do Instituto que dirigia, aquele Conselho manifesta «perplexidade e apreensão» por o Ministério da Saúde resolver as críticas de carácter técnico «calando os especialistas».

«A partir de agora, os técnicos de saúde não se atreverão a alertar os Portugueses sobre os perigos que os ameaçam, sob pena de se tornarem vítimas da censura ministerial», denuncia o Conselho.

E conclui: «Assim vai o Ministério da Saúde.»

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Entretanto, os médicos reunidos na assembleia do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, no Hospital de D. Estefânia, aprovaram uma moção através da qual denunciam a «atitude prepotente» do Ministério da Saúde, e se solidarizam com Benvindo Justiça, pela sua «atitude digna e corajosa».

(«Fim de Semana», edição de O Diário, de 13 de Fevereiro de 1988.)

A Ministra da Saúde, Leonor Beleza, exonerou o Dr. Benvindo Justiça das funções de director do Instituto Nacional de Sangue (INS) por ele ter reconhecido publicamente que muita coisa anda mal no sector do sangue, nomeadamente no que diz respeito a colheitas, classificação e transfusões.

As declarações do Dr. Benvindo Justiça foram veiculadas pelo jornalista Aurélio Cunha numa série de reportagens que tem vindo a publicar no Jornal de Notícias e onde aqueles problemas foram denunciados.

Benvindo Justiça disse ontem no Porto a O Jornal que a razão da exoneração é falsa, «porque tudo o que o Jornal de Notícias denunciou e eu confirmei ao jornalista já havia sido por mim denunciado ao meu superior hierárquico, o Dr. Faria e Almeida, Secretário de Estado Adjunto da Ministra desde Setembro do ano passado».

A reportagem de Aurélio Cunha referia especialmente que o sangue utilizado para transfusões em doentes internados em casas de saúde «é oriundo de alcoólicos, pedintes, desempregados, marginais e drogados».

Leonor Beleza quis que o Dr. Benvindo Justiça desmentisse o jornalista, mas o médico alegou que «não podia desmentir o que ele vira e constatara».

Os médicos do Serviço de Hematologia do Hospital de Santa Maria, de Lisboa, enviaram ontem, quinta--feira, um telegrama de solidariedade a Benvindo Justiça. — Germano Silva.

(O Jornal, de 12 de Fevereiro de 1988.)

Ainda não satisfeito por o haver demitido do cargo de director do Instituto Nacional de Sangue (INS), em consequência da sua coragem em reconhecer ao Jornal de Notícias que em Portugal se correm riscos mortais com transfusões, o Ministério da Saúde terá feito intoleráveis pressões sobre o Dr. Benvindo Justiça para que ele desminta as nossas reportagens. Agora, as ameaças visariam o próprio desemprego do hospital onde trabalha, o Hospital de Santo António (HSA), no Porto!...

Por causa deste tipo de pressões, que as fontes hospitalares que no-las revelaram classificam de autêntica chantagem, o Dr. Benvindo Justiça terá sido coagido a prestar o «esclarecimento» publicado na nossa edição de sábado passado.

De facto, o dito «esclarecimento» do Dr. Benvindo Justiça ao nosso jornal — de que foram remetidas fotocópias pelo próprio Ministério ao semanário Expresso e à Agência Lusa mesmo antes de chegar às nossas mãos!... — foi para nós uma tristíssima surpresa, na medida em que o conjunto das reportagens tinha sido meticulosamente estudado, todas as palavras longamente ponderadas, o jornalista tivera a comprovação de que nenhuma vírgula estava a mais...

E, perante esta certeza antecipada, o nosso espanto pela carta do Dr. Benvindo Justiça.

Mas, depois de lermos as declarações do demitido director do INS aos semanários O Jornal e Expresso publicadas nas suas últimas edições, percebemos a razão dessa atitude.

O Dr. Benvindo Justiça, tal como nos havia segredado fonte hospitalar, fora, certamente, objecto de fortes pressões no sentido de se retractar — caso não quisesse ir para a rua, agora na sua qualidade de médico do próprio Hospital de Santo António...

Vejamos as palavras de Benvindo Justiça ao jornalista Germano Silva insertas no último número de O Jornal: «Benvindo Justiça, razão da exoneração é falsa.» Nesse local escreve-se, no terceiro parágrafo, que o demitido director do INS dissera àquele semanário que a razão da exoneração «é falsa, porque tudo o que o Jornal de Notícias denunciou e eu confirmei ao jornalista já havia sido por mim denunciado ao meu superior hierárquico, o Dr. Faria e Almeida, Secretário de Estado Adjunto da Ministra desde Setembro do ano passado».

No penúltimo parágrafo, escreve-se:

Leonor Beleza quis que o Dr. Benvindo Justiça desmentisse o jornalista, mas o médico alegou que não podia desmentir o que ele vira e constatara.

Sintomaticamente, no dia seguinte, o Expresso publica «Justiça desmente Beleza», numa notícia assinada por Rogério Gomes, que cita o documento (já anteriormente publicado pelo Jornal de Notícias) entregue ao Secretário de Estado Dr. Faria e Almeida sobre o «estado caótico dos serviços de sangue hospitalares».

Mais se afirma que o próprio Expresso também teve acesso ao tal documento, entregue em 10 de Outubro do ano passado, e no qual se afirma, nomeadamente, que em Portugal se fazem «transfusões imediatas após a colheita e sem qualquer estudo».

Refere o semanário de Pinto Balsemão que «este terá sido o ponto a que Leonor Beleza se terá mostrado mais sensível», nas reportagens efectuadas a propósito pelo Jornal de Notícias.

«Houve, de facto, uma extrapolação jornalística legítima neste ponto», referiu àquele semanário Benvindo Justiça.

A respeito do alegado «alarmismo» de que é acusado pelo Ministério, o ex-director do INS disse que «durante meses tentara dissuadir o Jornal de Notícias de publicar a reportagem que deu origem à sua exoneração, por pensar que a sua actuação à frente do INS acabaria por eliminar os factores que a justificavam».

Escreve depois o Expresso:

«Quando me convenci que de facto nada mudava e numa altura em que o jornalista já sabia mais do que eu no concreto, não fiz mais do que confirmar o que já se sabia», declarou.

«Quem levanta o problema é o jornalista; como ia eu desmentir o seu trabalho, quando era verdade?»

Depois de referir que a situação se apresenta como «insustentável», Benvindo Justiça comenta:

Se não há especialistas, técnicos responsáveis e dinheiro para que todos os hospitais possam fazer análises, não é com despachos que as questões se resolvem.

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Acrescenta o ex-director do INS que ao dizer-se que «em metade dos hospitais» não se fazem análises «está--se a ser optimista»...

Ora, só depois de tão expressivas e categóricas declarações do demitido director do INS àqueles dois semanários, como, de resto, já havia prestado declarações idênticas a F. Castro, de o Tempo, surge, inopinadamente, o «esclarecimento» do Dr. Benvindo Justiça e transcrito com todo o relevo na edição do passado sábado. Mas que, em substância, pouco mais esclarece.

É caso para perguntar: o que o teria feito escrever aquela carta ao nosso jornal? E como explicar o envio desse dito «esclarecimento» pelo próprio Ministério para a comunicação social?...

O mistério ser-nos-ia, depois, desvendado por fontes do próprio hospital onde o Dr. Benvindo Justiça dirige um modelar serviço de sangue, que deveria servir de exemplo para todo o pais: as tais referidas ameaças de desemprego.

Perante isto, o Jornal de Notícias solicitou ao Gabinete da Ministra da Saúde um comentário. Até ao momento em que redigíamos este texto ainda não nos havia sido dada qualquer resposta.

Mas do que não restam dúvidas, a confirmarem-se tais pressões, como até a própria lógica indica, o caso merece, de facto, uma adequada resposta... — Aurélio Cunha.

(Jornal de Notícias, de 16 de Fevereiro de 1988.)

O Ministério da Saúde está a proceder a um inquérito-relâmpago junto de hospitais do Estado. Neste fulminante inquérito, o Ministério está a inquirir se estão a ser feitas as respectivas análises ao sangue dos dadores antes das transfusões aos doentes.

A resposta, segundo o que nos confidenciariam, tem sido absolutamente categórica: evidentemente que sim!

Infelizmente, porém, para os doentes a realidade é bem diferente. Tanto assim que, por informação confirmada junto da Federação Portuguesa dos Dadores Benévolos de Sangue, já houve casos em que apesar de o hospital dizer oficialmente que sim, que os despistes eram feitos, elementos desses mesmos estabelecimentos hospitalares confidenciariam que tais exames nem sempre eram realizados, ou então que não eram mesmo feitos.

Dado o sucedido ao Dr. Benvindo Justiça, obviamente que ninguém estará para arriscar o emprego. Mas, perante a opinião, o inquérito vai garantir que o jornalista é que é um malandro, anda a alarmar injustificadamente as populações...

Como o sangue não fala...

(Jornal de Notícias, de 16 de Fevereiro de 1988.)

A Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo tornou pública uma carta enviada ao Dr. Benvindo Justiça, na qual diz ter-se apercebido «rapidamente dos tortuosos caminhos da angariação, colheita e distribuição do sangue no nosso país. Não só o sangue colhido era insuficiente para as necessidades dos doentes, como as vias de angariação de dadores não asseguravam a inocuidade para os que o recebiam»!

Ora, «tratando-se de um grave problema de âmbito nacional», aquela Liga promoveu uma ieflexão con-

junta, em Novembro de 1986, na qual estiveram presentes mais de uma vintena de associações de todo o país, bem como médicos especialistas de vários hospitais, incluindo os hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra, enfermeiros, assistentes sociais, bem como, obviamente, dadores.

Apesar de convidada, a Ministra da Saúde «não esteve presente nem se fez representar» e agora a sua alegada surpresa perante a gravidade dos factos denunciados pelas reportagens do Jornal de Notícias, muito embora as conclusões das jornadas tenham sido enviadas ao Ministério da Saúde e ao próprio INS.

Acrescenta a Liga dos Amigos do HVC que a posterior nomeação de Benvindo Justiça para director do INS «era uma garantia de que aquele projecto, elaborado conjuntamente por profissionais responsáveis e dadores de sangue, ia ser levado à prática. As propostas que apresentou no exercício das suas funções são disso prova clara.»

Mas a sua recente exoneração do cargo, conclui aquela Liga, «representa uma profunda machadada na esperança dos que anseiam pela existência de um INS que satisfaça realmente as necessidades dos doentes portugueses».

(Jornal de Notícias, de 16 de Fevereiro de 1988.)

A demissão de Benvindo Justiça de director do INS, como castigo do crime do seu diagnóstico relativamente aos perigos que os Portugueses estão a correr em consequência de transfusões de sangue sem quaisquer análises dos dadores, desencadeou um coro de protestos na classe médica — que não desperdiçou tão soberana oportunidade para criticar a Ministra Leonor Beleza.

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM), em nota distribuída à imprensa, «protesta energicamente face à demissão do director do INS e à sua substituição por dois inspectores.

É inacreditável que a Ministra da Saúde tenha demitido um médico que teve a coragem de denunciar uma situação grave, em vez de demitir o Secretário de Estado da Saúde, que nada fez para sanar a referida situação.

É inacreditável que, quando o médico director do INS afirma que em Portugal não se cumprem as normas da OMS quanto à análise de sangue para transfusões, a Ministra da Saúde se limite a alegar que está convencida do contrário.»

O Sindicato Independente dos Médicos diz ainda ser «inacreditável» que a Ministra coloque «dois inspectores tecnicamente ignorantes» a dirigir o INS e que atribua em 1988 uma verba de 90 000 contos ao Instituto, quando este só em pessoal gasta 80 000.

Conclui o SIM que, «dada a inversão de valores regulada pela Ministra da Saúde, neste caso somos obrigados a reconhecer existir algo de patológico no seu comportamento».

O Sindicato dos Médicos do Norte também tomou posição, para quem «o que marca o perfil da Ministra Leonor Beleza é a propaganda política, a prepotência e a incompetência administrativa».

Acusando-a de «campanhas de intoxicação pública» e de se rodear de «yes-men», aquele Sindicato refere que os «escândalos se foram acumulando».

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Cita o caso do Hospital de São Francisco Xavier, «que mesmo antes de funcionar em pleno já saltou para as páginas dos jornais da corrupção, depois é a proposta de alienação do Hospital de Júlio de Matos sem qualquer estudo credível que a justifique e sem que estejam, de algum modo, definidas alternativas».

Relativamente à exoneração do Dr. Benvindo Justiça, o Sindicato dos Médicos do Norte afirma que a demissão de um médico que, «não fazendo mais do que dar cumprimento aos seus deveres éticos, tem a coragem de vir a público denunciar a situação alarmante em que se encontra a transfusão em Portugal, o que a equipa ministerial parece apostada em continuar a esconder», é tida como o último «escândalo» de Leonor Beleza.

Termina aquele Sindicato: «Tenha o bom senso de se demitir.»

A indignação da classe perante a demissão de Benvindo Justiça foi igualmente tornada pública pela assembleia do Sindicato dos Médicos do Sul, que considerou «prepotente» a atitude do Ministério da Saúde.

Em assembleia realizada no Hospital de D. Estefânia, em Lisboa, os médicos afirmaram que a demissão de Benvindo Justiça se deveu ao facto de ter cometido «o delito de opinião de denunciar a ineficácia desse serviço».

Os médicos «solidarizaram-se com a atitude digna e corajosa do colega, exigindo que seja reposta a verdade».

Particularmente significativa foi a tomada de posição dos directores dos serviços de acção médica do Hospital de Santo António e do próprio director do HSA, Dr. Paulo Mendo.

Aqueles responsáveis, presentes na reunião mensal de Fevereiro, manifestaram «a maior consideração pelas qualidades científicas do Dr. Benvindo Justiça e reiteram-lhe total confiança e admiração pelo trabalho que vem desempenhando como director do Serviço de Hematologia» do HSA.

Acrescentam que das suas «qualidades pessoais, do seu dinamismo e da sua dedicação muito têm beneficiado as populações e muito prestígio tem resultado» para aquele Hospital.

Enquanto pertencentes a uma estrutura do próprio Ministério, não podem, evidentemente, sob grave risco de processos disciplinares, criticar a Ministra Leonor Beleza. Mas já ninguém os pode proibir de prestar justiça ao trabalho desenvolvido pelo Dr. Benvindo Justiça, que a surgir neste preciso momento aparece, obviamente, como uma critica, de luva branca, a quem o exonerou do cargo de director do INS...

(Jornal de Notícias, de 16 de Fevereiro de 1988.)

INTERPELAÇÃO AO GOVERNO N.° 3/V

Abertura de um debate de politica geral centrado na situação da agricultura portuguesa, designadamente sobre a política agrícola e a legislação agrária.

Considerando o agravamento da situação da agricultura portuguesa e as suas repercussões negativas para o desenvolvimento económico do País e para as condições de vida da população em geral, e, em particular, para os agricultores, rendeiros, seareiros, compartes e assalariados rurais;

Considerando que a política agrícola do Governo se reduz exclusivamente à aplicação das directivas da CEE e se pauta pela ausência de uma verdadeira política agrícola, definida com autonomia e na base dos interesses nacionais, provocando distorções graves, desequilíbrios estruturais, regionais e sectoriais, o agravamento do défice da balança agro-alimentar e uma crescente dependência de interesses externos;

Considerando os novos perigos e graves ameaças decorrentes da legislação agrária anunciada pelo Governo, nomeadamente a proposta de lei do arrendamento rural, a proposta de lei do emparcelamento, o projecto de lei sobre os baldios e as propostas de liquidação da reforma agrária;

Considerando que o conjunto dessa legislação (o chamado «pacote agrícola») se irá traduzir em maior ins-talabilidade e desrespeito dos direitos adquiridos pelos agricultores, rendeiros, assalariados rurais e povos serranos, compartes de baldios, tudo conduzindo ao agravamento das condições de vida dessas camadas sociais e ao bloqueamento da nossa agricultura;

Considerando que persistem e se anunciam novas ilegalidades e abusos de poder, no quadro da liquidação das UCPs/cooperativas da zona da reforma agrária e de reconstituição do latifúndio alentejano e ribatejano;

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, ao abrigo dos artigos 183.° da Constituição da República Portuguesa e 239.° do Regimento, propõe, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de um debate de política geral centrado na situação da agricultura portuguesa, designadamente sobre a política agrícola e a legislação agrária.

Assembleia da República, 4 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PCP: Carlos Brito — Álvaro Brasileiro — Rogério Brito — Lino de Carvalho — João Amaral — Octávio Teixeira.

VOTO N.° 20/V

Têm-se sucedido as tragédias marítimas na costa norte, envolvendo diversas embarcações, mas nos mais recentes há a lamentar dez vítimas, sete das quais pescadores que tinham no mar o seu ganha-pão e das suas famílias e três que navegavam numa embarcação de recreio.

Ao mesmo tempo que lamentamos o ocorrido, importa reflectir que meios de apoio existem para as circunstâncias de maior perigo. A verdade é que neste caso era essencial a intervenção de meios aéreos, que deveriam estar colocados ao longo da costa de forma a poderem intervir eficientemente.

O País não pode continuar a perder vidas desta maneira, nem se pode estar à espera horas e horas de socorros, como aconteceu com estes naufrágios.

Os Socorros a Náufragos têm de estar equipados com recursos e meios adequados a diferentes situações, têm de conseguir fazer uma cobertura eficiente da Zona Norte, o que não acontece actualmente.

Nestes termos, a Assembleia da República lamenta e manifesta o seu profundo pesar às famílias dos náufragos que pereceram nestes acidentes e manifesta-se pela adopção de medidas tendentes à resolução dos problemas de segurança marítima na nossa costa.

Assembleia da República, 18 de Fevereiro de 1988. — Os Deputados do PCP: António Mota — Ilda Figueiredo.

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ASSEMBLEIA PARLAMENTAR 00 CONSELHO DA EUROPA

Relatório da terceira parte da 39." sessão ordinária

Participaram na sessão realizada em Estrasburgo de 25 a 27 de Janeiro passado os Srs. Deputados: do PSD: Manuel Soares Costa, presidente da delegação, José Silva Marques, José Mendes Bota, Joaquim Fernandes Marques, Licínio Moreira, Fernando Conceição, Fernando Amaral, Carlos Alberto Pinto, António Lacerda de Queirós; do PS: Carlos Candal, vice-presidente da delegação, António Esteves, Armando Vara, José Carlos Mota Torres, e do PCP, Carlos Carvalhas.

No dia 25 de Janeiro, depois da reunião da Mesa da Assembleia, teve lugar o encontro dos grupos políticos, Grupo Democrático Cristão, Grupo dos Democratas Europeus, Grupo Socialista, Grupo Liberal e o Grupo Comunista, tendo o deputado Carlos Carvalhas sido eleito presidente deste Grupo.

Na abertura da sessão plenária, o deputado Jung (França), presidente da Assembleia, fez um voto de paz e fraternidade para o ano de 1988.

Em seguida procedeu-se à verificação dos poderes dos novos representantes e suplentes das delegações de Portugal, Espanha, Suíça e Turquia.

Teve lugar a eleição de um vice-presidente da Assembleia, tendo sido eleito o deputado Pecchioli (Itália) em substituição do deputado Giust.

A Assembleia ratificou as candidaturas apresentadas pela delegação portuguesa às seguintes comissões:

Comissão Permanente:

Efectivos — Manuel Soares Costa e Carlos Candal.

Suplentes — José Silva Marques e Armando Vara.

Comissão dos Assuntos Políticos:

Efectivos — Manuel Soares Costa e Carlos Candal.

Suplentes — António Lacerda de Queirós e José Carlos Mota Torres.

Comissão dos Assuntos Económicos e do Desenvolvimento:

Efectivos — Carlos Pinto e Carlos Carvalhas. Suplentes — Joaquim F. Marques e José Mendes Bota.

Comissão dos Assuntos Sociais e da Saúde:

Efectivos — António Lacerda de Queirós e Joaquim F. Marques.

Suplentes — Fernando Conceição e José Carlos Mota Torres.

Comissão dos Assuntos Jurídicos:

Efectivos — Fernando Amaral e António Esteves.

Suplentes — Licínio Moreira e Carlos Candal.

Comissão da Cultura e da Educação:

Efectivos — Fernando Conceição e António Esteves.

Suplentes — António Lacerda de Queirós e Armando Vara.

Comissão da Ciência e da Tecnologia:

Efectivos — Licínio Moreira e Carlos Carvalhas.

Suplentes — Fernando Conceição e Armando Vara.

Comissão do Ambiente, do Ordenamento do Território e dos Poderes Locais:

Efectivos — José Silva Marques e José Mendes Bota.

Suplentes — Armando Vara e António Esteves.

Comissão das Migrações, dos Refugiados e da Demografia:

Efectivos — José Mendes Bota e José Carlos

Mota Torres. Suplentes — Licínio Moreira e Carlos Pinto.

Comissão do Regimento:

Efectivo — José Silva Marques. Suplente — Joaquim F. Marques.

Comissão da Agricultura:

Efectivo — Manuel Soares Costa. Suplente — Carlos Carvalhas.

Comissão das Relações com os Países Europeus não Membros:

Efectivo — José Carlos Mota Torres. Suplente — Carlos Pinto.

Comissão das Relações Parlamentares e Públicas:

Efectivo — Fernando Amaral.

Suplente — António Lacerda de Queirós.

Comissão do Orçamento e do Programa de Trabalho Intergovernamental:

Efectivo — Armando Vara. Suplente — Joaquim F. Marques.

A Assembleia votou nominalmente uma proposta de directiva, apresentada pela Mesa, sobre o encerramento da sessão do dia 27, que foi adoptada, com 125 votos a favor, 5 contra e 18 abstenções (Directiva n.° 435).

Os parlamentares tomarem conhecimento do relatório de actividades da Mesa e da Comissão Permanente (doe. 5829).

Foram adoptados três documentos sobre os acidentes nucleares: Recomendação n.° 1086, Resolução n.° 888 e Directiva n.° 436.

Após a sessão, reuniram ainda os grupos políticos.

Nos dias 26 e 27 teve lugar o debate dedicado à Campanha Pública Europeia sobre a Interdependência e Solidariedade Norte-Sul, organizada pelo Conselho da Europa, a qual tem como objectivo sensibilizar os países desenvolvidos e, sobretudo, a opinião pública para os evidentes contrastes dos países do Norte e do Sul e o profundo desregulamento dos mercados internacionais, monetários e comerciais — testemunhando, nomeadamente, pela situação de afrontamento dos países em vias de desenvolvimento, depois de uma crise de individamento que os bloqueia, as flutuações do dólar e a queda de matérias-primas.

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O debate da Assembleia bem como as conclusões das diversas conferências e mesas-redondas que as organizações internacionais irão realizar, no seio da Campanha, serão aproveitadas pela Conferência Europeia dos Parlamentares e das Organizações não Governamentais, a realizar em Madrid em Junho próximo, onde se fará o balanço da Campanha e se estabelecerá um programa de acção.

O ponto alto dos trabalhos foi a intervenção de Sua Majestade João Carlos I, rei de Espanha, a quem o Comité Europeu para a Campanha atribuiu a Presidência de Honra.

Na sua alocução, o rei de Espanha referiu que, com esta iniciativa, o Conselho da Europa reafirma o carácter universal das suas aspirações, chamando a atenção dos europeus para o verdadeiro conceito de interdependência, pois nenhuma nação pode desvendar a origem dos seus problemas e encontrar eventuais soluções limitando-se à sua própria realidade e história, sendo que qualquer povo e qualquer homem faz parte de um todo — passado, presente e futuro — partilhado por toda a humanidade. O rei João Carlos I formulou votos no sentido de, graças à Campanha, os Europeus virem tomar consciência da interdependência que caracteriza o nosso mundo, o que poderá abrir espaços à solidariedade individual e colectiva, cimentando as bases de um mundo futuro mais livre e mais justo.

A Assembleia assistiu, depois, a uma mensagem áudio-visual do Presidente do Senegal, Abdou Diouj, e à apresentação, em vídeo, da canção da Campanha Norte-Sul, executada pelo grupo Sting.

Contribuição da Assembleia para a Campanha

O relatório da Comissão dos Assuntos Económicos e do Desenvolvimento, sobre «Interdependência e solidariedade Norte-Sul», que inclui os temas «dívida externa, relações comerciais, emprego e ajuda ao desenvolvimento», foi apresentado pelo deputado Holtz (RFA).

Foi referido que as estruturas de consumo e os sistemas de produção são concebidos para responder às necessidades do Norte, onde a procura é simultaneamente mais estável e mais dinâmica que a do Sul, o que torna este mais dependente do Norte. Quanto à dívida externa, terá de se colocar o problema não apenas no plano económico mas também nos seus aspectos políticos e sociais.

Concluiu-se pela promoção, entre os países do Norte e do Sul, de um dialogo exaustivo e construtivo, complementado por uma forte acção.

O relatório da Comissão da Ciência e da Tecnologia, sobre «Transferências de tecnologia», foi apresentado pelo deputado Harry Aarts (Holanda) e sublinha o facto de, no domínio das tecnologias avançadas, a interdependência e solidariedade Norte-Sul se manifestar de forma espectacular, nomeadamente através dos seguintes exemplos:

Telecomunicações — há mais telefones em Tóquio que no conjunto dos países africanos;

Novos materiais (biotecnologia) — 90% do capital biótico (o potencial de diversidade genética) do planeta encontra-se nas regiões tropicais e subtropicais, factos que as políticas industriais dos países desenvolvidos devem ter em conta.

O relatório propõe que o papel da AIEA (Viena) seja reforçado a fim de tornar disponíveis, em qualquer lugar que se tornem necessárias, as tecnologias nucleares, mas com a maior segurança e performatividades. Sugere ainda que seja efectuado um acordo, tipo «Lomé», em matéria de ciência e tecnologia, a fim de as políticas industriais e comerciais terem a melhor percepção das perspectivas, a longo prazo, dos recursos do nosso planeta.

O relatório da Comissão das Migrações, dos Refugiados e da Demografia, sobre «Movimentos populacionais do Terceiro Mundo: um problema mundial», foi apresentado pela deputada Anita Persson (Suécia), sublinhando os factores que desencadeiam aqueles movimentos — conflitos armados, guerras civis e violações dos direitos do homem.

O relatório da Comissão dos Assuntos Políticos, sobre «Interdependência e solidariedade Norte-Sul — aspectos políticos», foi apresentado pelo deputado Angel Martinez (Espanha).

Sublinhou que o desenvolvimento do Terceiro Mundo releva não apenas de um ideal mas também de um interesse político preciso ou, mesmo, de uma necessidade política.

O relatório da Comissão do Ambiente, do Ordenamento do Território e dos Poderes Locais, sobre «O ambiente na interdependência e a solidariedade Norte--Sul», foi apresentado pelo deputado Llibert Cuatre-casas (Espanha). Foca a questão dos grandes projectos de industrialização no Terceiro Mundo e a exploração inconsiderada dos recursos naturais, apontando o exemplo do devastamento de florestas. Refere a necessidade de assegurar a protecção eficaz às espécies animais e vegetais ameaçadas. Considera como grande objectivo da Campanha a sensibilização da opinião pública para os problemas ecológicos no Terceiro Mundo.

O relatório da Comissão da Cultura e da Educação, sobre «A educação para o desenvolvimento», foi apresentado pela deputada Leni Fischer (RFA) e incide na dimensão cultural da cooperação Norte-Sul e do papel da educação nesse contexto, a qual só poderá ser melhorada na compreensão, a nível mundial, das condições sociais, económicas e políticas. Expõe as actividades do Conselho da Europa e de outros organismos internacionais (Comunidade Europeia, UNESCO, UNI-CEF) e indicou domínios prioritários, perspectivando uma acção futura.

O relatório da Comissão da Agricultura, sobre «As políticas alimentares dos estados africanos e a ajuda para o desenvolvimento», foi apresentado pela deputada Inger Lise Gjorv (Noruega). Foram sublinhados os erros cometidos, no domínio agrícola, tanto nos países africanos como nos industrializados, o que proporciona lições para o futuro, no sentido de a assistência a prestar aos primeiros poder ser melhor coordenada e adaptada às condições de cada região. Merecem atenção especial a situação das mulheres nas áreas rurais, bem como a investigação agrícola especificamente orientada para as necessidades africanas.

O relatório da Comissão da Agricultura, sobre «O potencial da pesca nos países em desenvolvimento», foi apresentado pelo deputado Kinnoull (Reino Unido). Refere que as «zonas exclusivas» e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar oferecem, nos países em vias de desenvolvimento, a preciosa oportu-

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nidade para «agarrar» os seus próprios recursos haliêu-ticos — por vezes subutilizados, outras cegamente explorados por outras nações —, nomeadamente desenvolvendo as frotas pesqueiras e as indústrias de transformação, em colaboração com os países industrializados. Adianta que o Norte deve ajudar o Sul na orientação de políticas responsáveis de captura. Mereceram menção a pesca artesanal em pequena escala, a criação de infra-estruturas, estimulando o comércio local e regional (como a conservação de frio a bordo e em terra), e a formação profissional de pescadores. O relatório conclui que é preciso ajudar o Sul com uma assistência apropriada, bem concebida e generosa, dado que «os recursos haliêuticos de vários países do Terceiro Mundo constituem um trunfo importante para matar a fome do mundo».

Durante a sessão intervieram os deputados portugueses Soares Costa e Silva Marques.

O deputado Soares Costa congratulou-se com o facto de a declaração final da Conferência Norte-Sul, realizada em Lisboa em 1984, ter sido a inspiradora da maioria dos relatórios apresentados nesta sessão da Assembleia, sobre o tema da interdependência e solidariedade Norte-Sul.

Para evitar que os países em desenvolvimento se tornem perpetuamente dependentes da assistência internacional, a ajuda deve ser dirigida prioritariamente ao desenvolvimento económico em vez de ser mal utilizada para outros fins.

O objectivo a atingir deve ser de que a ajuda ao desenvolvimento seja utilizada para possibilitar que estes países alcancem o auto-abastecimento e sejam capazes de produzir alimentos suficientes para as suas populações. O desenvolvimento deve ser dirigido à pessoa humana, já que o factor humano deve ser motivado no processo de desenvolvimento. Mas é necessário reconhecer e preservar a identidade cultural de cada povo e os desejos e aspirações de cada nação, disse.

Finalmente acentuou que o processo de desenvolvimento económico nunca deve decorrer contra as normas de protecção do ambiente.

Acentuou que, tal como é afirmado no relatório da Comissão Bruntland, ambiente e desenvolvimento não são necessariamente desafios distintos.

Qualquer estratégia de desenvolvimento económico deve ser ecologicamente durável. Há que proteger as necessidades das gerações futuras e por isso a utilização dos recursos naturais renováveis não deve fazer-se a uma taxa superior à da sua própria regeneração. Os estudos de impacte ambiental são uma necessidade absoluta na avaliação de qualquer programa de desenvolvimento em zonas tropicais. A única atitude correcta face ao ambiente é a de «prever e evitar» em vez de «reagir e remediar», afirmou ainda na sua intervenção o deputado Soares Costa.

O deputado Silva Marques, sublinhando a grande importância da iniciativa do Conselho da Europa, disse tratar-se de uma contribuição essencial e que a Campanha ficará como um dos grandes serviços prestados à humanidade.

Esperando ser entendido numa linguagem algo metafórica, adiantou «que não há a questão 4Norte-Sul'. De uma certa forma, nós somos todos do 'Sul'. Não se trata, apenas, da questão geográfica do globo, mas também de uma questão moral e política».

Ainda no dia 26 teve grande impacte a comunicação sobre as actividades do Comité dos Ministros, proferida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo, Jacques Poos, presidente em exercício daquele Comité, a qual foi seguida de um vivo debate.

Mencionou os resultados obtidos pelas acções desenvolvidas pelo Conselho da Europa, o que permite antever com optimismo o quadragésimo aniversário daquela organização. O «peso» da idade os «21» representam um potencial não negligenciável na perspectiva de um «grande mercado interno europeu» que possa oferecer os fundamentos indispensáveis para os princípios democráticos, o respeito dos direitos do homem e os primados do direito e da identidade cultural.

Compete aos países membros fazer um uso optima-lista da estrutura multilateral do Conselho da Europa, no interesse de uma contribuição eficaz da organização para a construção europeia e visando o reforço das suas finalidades humanistas.

Dois dossiers mereceram a particular atenção do Comité — o relacionamento Este-Oeste e a situação na América Central. Quanto ao primeiro, os ministros manifestaram a esperança de uma verdadeira política de cooperação, instaurada sobre as novas bases de confiança, e sublinham a importância de complementar a CSCE com um documento final e equilibrado da reunião de Viena que refira as acções desenvolvidas na linha dos compromissos subscritos na Acta Final de Helsínquia. Salientou que os progressos nos domínios militares e de segurança deveriam ser paralelos a outros, efectivos, na dimensão humana da CSCE.

No que concerne à situação da América Central, os ministros reiteram o seu desejo de ver os problemas resolvidos através de uma solução global, regional e negociada. O Plano Arias representa um passo importante no estabelecimento de um clima de confiança, necessário ao desenvolvimento pacífico daquela região. Os ministros lançaram um apelo urgente à comunidade internacional, sobretudo aos países que mantêm laços e interesses com a América Central, no sentido de contribuírem para os esforços da região, que visam proporcionar a paz, a democracia e o desenvolvimento económico. Na óptica específica do Conselho da Europa, foi sublinhada a contribuição que o Plano Arias pode proporcionar, no que diz respeito aos direitos do homem e ao desenvolvimento das instituições democráticas na América Central, tendo os ministros saudado as medidas já tomadas na aplicação daquele Plano.

O apelo dos ministros dos «21» vem juntar-se e reforçar uma declaração dos «Doze» no mesmo sentido, tendo forte impacte junto dos responsáveis pela paz naquela região.

Jacques Poos fez ainda menção ao orçamento para 1988, que possibilita um maior dinamismo à Comissão e ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sublinhando que os Estados Membros reconhecem agora o direito de recurso individual.

Outros temas merecem ainda a sua atenção, nomeadamente o ambiente, a procriação artificial, o Protocolo adicional à Carta Social Europeia, uma política europeia de luta contra a sida e a Convenção Cultural, regozij ando-se com a adesão da Jugoslávia a esta Convenção.

A concluir a sua intervenção sobre a Campanha Norte-Sul, referiu que a Europa deve não apenas contribuir para o progresso do desenvolvimento e do diá-

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logo Este-Oeste, mas também manifestar a sua solidariedade com os Estados em vias de desenvolvimento. A segurança dos países não é apenas militar: depende igualmente da estabilidade da economia mundial, que deve encontrar fórmulas para um crescimento mais harmonioso, devendo a contribuição dos países desenvolvidos ser à medida das situações e com a amplitude das necessidades.

Lançando a Campanha, o Conselho da Europa imprime uma nova dimensão à vocação humanitária que é a sua. Representando forças económicas das mais importantes do planeta, esta instância deve assumir uma responsabilidade particular no sentido de, no «horizonte 2000», tudo estar accionado para impedir a desigualdade injustificável que separa o nível de vida de uma criança nascida a 26 de Janeiro de 1988 no Luxemburgo, na Austrália ou na Noruega de outra vinda ao mundo na Sahel, na Eritreia ou no golfo de Bengala.

O Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa convidou a delegação portuguesa a assistir à entrega da medlaha de mérito e do diploma de membro associado do Conselho da Europa ao deputado Manuel Alegre, facto que a delegação não pode deixar de assinalar e com ele regozijar-se.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 1988. — A Secretária da Delegação, Maria Teresa Borges.

Comissões Assuntos discutidos durante a sessão plenária

Dia 25, segunda-feira:

Comissão da Cultura e da Educação:

Aprovou o relatório sobre o comércio da arte, apresentado pelo deputado Rodota (Itália), e adoptou, por unanimidade, um projecto de recomendação sobre a protecção internacional dos bens culturais e a circulação das obras de arte;

Aprovou o relatório relativo ao Ano Europeu da Música, apresentado pela deputada Hennicot--Schoepges (Luxemburgo), e adoptou, por unanimidade, o projecto de recomendação;

Concordou com as alterações apresentadas pela deputada Fischer (RFA) ao projecto de recomendação sobre a educação para o desenvolvimento (doe. 5832);

Discutiu questões relativas ao debate da sessão de Maio sobre a cooperação cultural europeia (relator, deputado Gunther Muller, da RFA);

Discutiu o programa de trabalho para 1988;

Foi informada dos preparativos da mesa-redonda entre representantes da juventude e parlamentares da Europa de Leste e Oeste (2 de Outubro de 1988, Estrasburgo).

Comissão das Relações com os Países Europeus não Membros:

Trocou impressões sobre os contactos com os Estados europeus não membros da Europa de Leste;

Ouviu a exposição do deputado Hassler (Listens-taina), relator sobre a situação dos judeus na União Soviética, e da sua viagem a Israel (13 a 15 de Janeiro);

Decidiu reunir em Viena (21 e 22 de Março) as subcomissões da CSCE (Comissões das Relações com os Países Europeus não Membros e dos Assuntos Políticos). O deputado Carlos Alberto Pinto foi nomeado para aquela subcomissão;

Decidiu elaborar um relatório sobre a situação das minorias étnicas e muçulmanas na Bulgária;

Decidiu nomear o deputado Atkinson (Reino Unido) relator sobre a situação das liberdades religiosas na Europa de Leste;

Foi informada das próximas visitas a Estrasburgo de alguns países da Europa de Leste.

Dia 26, terça-feira:

Comissão das Migrações, dos Refugiados e da Demografia:

Trocou impressões sobre o anteprojecto de recomendação sobre as actividades do Fundo de Restabelecimento do Conselho da Europa, apresentado pelo deputado Eisma (Holanda), relator;

Aprovou um projecto de relatório sobre as jornadas europeias «Ousemos Viver Juntos» (Estrasburgo, 25-27 de Novembro de 1987), apresentado pela deputada Luuk (RFA), relatora;

Foi informada das iniciativas, pelo seu presidente, junto da Mesa da Assembleia relativas ao problema colocado sobre a expulsão da França de refugiados iranianos e turcos;

Examinou um projecto de relatório sobre a situação dos refugiados da Palestina, apresentado pelo deputado Atkinson (Reino Unido), relator, e tomou conhecimento da sua intenção de empreender uma visita aos campos de refugiados em Israel, Síria e Jordânia e aos territórios ocupados de Gaza e da Cisjordânia, entre 8 e 14 de Março, e convida-o a fazer o relatório da visita durante a próxima reunião;

O deputado José Mendes Bota foi nomeado membro da Subcomissão dos Refugiados;

Decidiu ter a sua próxima reunião em Portugal (Algarve), de 14 a 16 de Março próximo, e foi informada, pelo deputado José Mendes Bota, do programa da reunião.

Comissão da Agricultura:

Preparou a sua contribuição para o debate sobre a interdependência e a solidariedade Norte-Sul;

Trocou impressões com o Sr. M. F. Albanese, director do Ambiente e dos Poderes Locais, sobre a actual Campanha Europeia para o Mundo Rural;

Trocou impressões sobre a preparação da conferência «A Agricultura Europeia enquanto Fornecedora da Indústria — Um Meio para Sair da Crise?», propondo a sua realização em Munique, em Setembro próximo;

Designou o deputado Bosh (Áustria) relator sobre os excedentes e o comércio agrícolas na Europa.

Comissão dos Assuntos Económicos e do Desenvolvimento:

Designou o deputado Blenk (Áustria) relator sobre as actividades da OCDE em 1987;

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No âmbito da Campanha Europeia sobre a Interdependência e a Solidariedade Norte-Sul, faz-se representar nas seguintes mesas-redondas:

Sobre a ajuda ao desenvolvimento (Berger, 8-10 de Fevereiro de 1988);

Sobre a dívida externa, as finanças e a interdependência Norte-Sul (Londres, 15-16 de Fevereiro de 1988);

Sobre o comércio (Bruxelas, 15-18 de Fevereiro de 1988);

Sobre o emprego (Paris, 10-11 de Março de 1988);

Sobre as trocas comerciais, as finanças e a cooperação para o desenvolvimento (Antaba, 16-18 de Março de 1988);

Colóquio sobre a cultura (Lisboa, 7-8 de Abril de 1988);

Nomeou o deputado De Vicente (Espanha) relator sobre a política turística europeia;

Nomeou o deputado Carlos Alberto Pinto membro da Subcomissão «Norte-Sul: o Papel da Europa».

Comissão das Relações com os Países Europeus não Membros:

Audição dos Refuseniks — judeus a quem são recusados os vistos na União Soviética.

Comissão das Relações Parlamentares e Públicas:

Trocou impressões sobre a preparação da reunião

em Roma, em 15-17 de Março próximo; Nomeou os seguintes relatores:

32.° relatório de actividades — deputado Shel-

ton (Reino Unido); Selecção de textos — deputado Roman

(Espanha);

Relações da Assembleia com as organizações internacionais não governamentais — deputado Bichet (França);

Política do Conselho da Europa em matéria de informação — deputado Buchner (RFA);

Relações da Assembleia com os parlamentos nacionais — deputada Harns (Dinamarca);

Estado das assinaturas e das ratificações das convenções — deputado Redmond (Reino Unido);

Ouviu uma exposição do Sr. Scraepler, chefe do Serviço de Imprensa, sobre a política de informação do Conselho da Europa e trocou impressões sobre este assunto.

Comissão dos Assuntos Jurídicos:

Ouviu uma exposição do Sr. Leuprecht sobre a Convenção da Radiodifusão Transfronteiriça do Conselho da Europa;

Ouviu uma exposição do Sr. Muller, do Comité das Igrejas para os Trabalhadores Migrantes (Bruxelas), sobre o direito de residência permanente daqueles trabalhadores.

Dia 27 de Janeiro, quarta-feira: Comissão dos Assuntos Políticos:

Trocou impressões sobre o projecto de relatório relativo ao comércio de armas e direitos do homem, apresentado pelo deputado Speed (Reino Unido), relator;

Discutiu a preparação do colóquio (9 de Março de 1988, Luxemburgo) com o presidente em exercício do Comité de Ministros — Ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo —, tendo designado três porta-vozes para os seguintes temas:

Progresso da cooperação europeia — deputado Lied (Noruega);

Relações Este-Oeste — deputado Steiner (Áustria);

Próximo Oriente — deputado Martinez (Espanha).

Subcomissão «Norte-Sul: O papel da Europa» (da Comissão dos Assuntos Económicos e do Desenvolvimento):

Discutiu a preparação da Conferência Europeia dos Parlamentares e das Organizações não Governamentais sobre a Interdependência e a Solidariedade Norte-Sul (1-3 de Junho de 1988, Madrid).

Comissão dos Assuntos Sociais e da Saúde:

Adoptou o projecto de recomendação sobre a protecção da infância, apresentado pelo deputado Oehler (França), relator;

Trocou impressões sobre o projecto do Código Europeu de Segurança Social (revisto), apresentado pelo deputado Bohl (França), relator;

Ouviu a exposição do deputado Pini (Suíça), relator do anteprojecto do relatório sobre a política de família.

Subcomissão da Juventude e do Desporto (da Comissão da Cultura e da Educação):

Trocou impressões com o grupo de relatores dos delegados dos ministros sobre as questões de juventude:

Discutiu a participação no Colóquio e na 2.a Conferência dos Ministros da Juventude (10-12 de Abril de 1988, em Oslo);

O Deputado Adriaensen (Bélgica) apresentou o seu projecto de relatório sobre o papel da Assembleia na cooperação no domínio da juventude.

Comissão do Ambiente, do Ordenamento do Território e dos Poderes Locais:

Concordou com o projecto de relatório sobre a protecção do mar do Norte contra a poluição e designou o deputado Ahrens (RFA) relator;

Examinou o projecto de relatório sobre a protecção do solo contra a poluição de origem agrícola, industrial e urbana; foi nomeado relator o deputado Brincat (Malta);

Designou o deputado José Mendes Bota representante da Comissão no Comité Internacional de Organização da Campanha para o Mundo Rural, em substituição do deputado Carlos Lilaia;

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Nomeou o deputado António Esteves para a subcomissão ad-hoc para a mesa-redonda «Ambiente», no quadro da Campanha Norte-Sul, a realizar em Berlim, de 8 a 11 de Março próximo.

Dia 28, quinta-feira:

Comissão do Orçamento e do Programa de Trabalho Intergovernamental:

Discutiu o orçamento de 1988 e a preparação do projecto de orçamento para 1989 com base na exposição do Sr. Adinolfi, secretário-geral--adjunto;

Ouviu a exposição do Sr. Stegen, chefe da Divisão do Plano, sobre o programa intergovernamental de actividades para 1988;

Discutiu a preparação do colóquio subordinado à comparação dos estatutos dos agentes do Conselho da Europa, da Comunidade Europeia e das organizações da família das Nações Unidas com os estatutos das funções públicas nacionais nos países democráticos;

Designou relatores para o orçamento — programa relativo ao funcionamento da Assembleia em 1989, deputada Palacio (Espanha), e para as contas gerais e os orçamentos do Conselho da Europa relativos a 1986, 1988 e 1989, deputado Oehler (França).

A delegação portuguesa apresentou a sua candidatura às seguintes subcomissões:

Subcomissão das Relações com os Estados Unidos da América (da Comissão dos Assuntos Políticos);

Subcomissões da Carta Social Europeia, do Emprego e das Questões Bioéticas (da Comissão dos Assuntos Sociais e da Saúde);

Subcomissões dos Direitos do Homem, do Direito Penal, da Criminologia e do Terrorismo (da Comissão dos Assuntos Jurídicos);

Subcomissões dos Assuntos Universitários, da Juventude e do Desporto (da Comissão da Cultura e da Bducação);

Subcomissão da Política Energética (da Comissão da Ciência e da Tecnologia);

Subcomissões do Prémio da Europa, do Ambiente, do Ordenamento do Território, dos Poderes Locais e Regionais, das Regiões da Bacia Mediterrânica e das Questões Transfronteiriças (da Comissão do Ambiente, do Ordenamento do Território e dos Poderes Locais);

Subcomissão das Migrações (da Comissão das Migrações, dos Refugiados e da Demografia);

Subcomissão das Pescas e das Relações com a FAO e o PAM (da Comissão da Agricultura).

Lisboa, 5 de Fevereiro de 1988. — A Secretária da Delegação, Maria Teresa Borges.

Aviso

Por despachos de 22 de Dezembro de 1987 do Presidente da Assembleia da República:

Luís Fernando Ferreira Correia Mendes e Raimundo Brites Cardoso — nomeados técnicos auxiliares de administração de 2." classe do quadro de pessoal da Assembleia da República. (Vistos, TC, de 4 de Fevereiro de 1988 e 22 de Dezembro de 1987, respectivamente. São devidos emolumentos.)

Direcção-Geral dos Serviços Parlamentares, 15 de Fevereiro de 1988. — O Director-Geral, José António G. de Souza Barriga.

Depósito legai n." 8819/85

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