O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1365

Sexta-feira, 25 de Maio de 1990

II Série-A — Número 44

DIARIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

SUMÁRIO

Projectos de lei (n." 473/V e 515/V):

N.° 473/V (lei orgânica do regime do referendo):

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias........ 1366

N.° 515/V (lei do referendo):

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias........ 1367

Propostas de lei (n." 11S/V, 119/V e 142/V):

N.° 115/V (autoriza o Governo a legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões):

Texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.................................. 1369

N.° 119/V (autoriza o Governo a legislar em cooperação judiciária internacional em matéria penal):

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias............... 1369

N.° 142/V (2.* revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores):

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias............... 1369

Projecto de resolução n.° 55/V:

Constituição de uma comissão da Assembleia da República destinada a acompanhar a implementação da Resolução n.° 19/88, que decidiu que se procedesse à trasladação dos restos mortais do general Humberto Delgado para o Panteão Nacional..... 1371

Página 1366

1366

II SÉRJE-A — NÚMERO 44

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 473/V (lei orgânica do regime do referendo).

(A)

1 — O artigo 118.° da Constituição consagra hoje, após a revisão de 1989, o referendo, instituto através do qual os cidadãos eleitores podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.

Trata-se de uma das mais relevantes inovações da 2." revisão constitucional. Com efeito, estamos perante uma questão organizatória importante que faculta um instrumento de intervenção directa, ou semidirecta, se se quiser, na vida pública.

E, ao abordarmos esta problemática, logo pressentimos que, de iege ferenda, ela se afigura controversa.

Com o que se reafirma a todo o momento a indispensabilidade da mediação dos mecanismos da democracia representativa num estado moderno e com a nossa concreta escala.

Só que é patente a complementaridade do instituto do referendo — o seu previsível papel de aperfeiçoamento da sociedade democrática —, com pleno respeito pelos órgãos de soberania e pelo estatuto dos partidos políticos.

Daí que se nos afigure igualmente impreterível a adopção pela futura «lei orgânica» do referendo de um conjunto de cautelas de natureza processual, aliás na esteira do próprio articulado constitucional.

Dir-se-á, é certo, que, ao menos em tese, sempre permanecerá um risco de conversão em instrumento de poder pessoal, de pressão política, ou mesmo de «perversão plebiscitária».

Como escreve Maurice Duverger, o referendo «é censurado tradicionalmente em França por se transformar em «plebiscito» [... ] o risco é real e a prática do Primeiro e do Segundo Impérios e depois a da V República ilustram-no». E diz ainda que, apesar de tudo, «o referendo apresenta também a grande vantagem de permitir ao conjunto dos cidadãos resolverem eles próprios os problemas importantes e evitar que os seus «representantes» açambarquem todo o poder político (in Os Grandes Sistemas Políticos, edição de 1985, vol. I, pp. 68 e 69).

2 — Por outro lado, o referendo constitui um instituto comum no direito comparado.

Nascido de dentro da Revolução Francesa, o referendo moderno inspira-se na evocação das democracias antigas e nas ideias de Rousseau.

Mas, num primeiro plano, surge a Suíça, onde, a partir da Constituição de 1848, o mecanismo é utilizado nos seus vários níveis: iniciativa popular, referendo constitucional obrigatório, e referendo legislativo prévio e derrogatório.

Também os países escandinavos e a Austrália conhecem o referendo desde o fim do século xix.

Por sua vez, a Itália, desde a Constituição de 1947, é já tradicionalmente apontada como favorável ao instituto, tendo-o consagrado a título de veto popular resolutivo.

O mesmo se diga da França e da Espanha, que consagraram o referendo constitucional, sendo certo que a lei fundamental espanhola de 1978 fixou ainda o instituto no nível da iniciativa popular.

3 — No direito português, a ideia do referendo de âmbito nacional aparece em 1872 num projecto de lei de reforma da Carta Constitucional, da autoria de José Luciano de Castro, o qual não vingou.

Com o advento da República, a Constituição de 1911 consagraria, no n.° 4 do seu artigo 66.°, o referendo ao nível das «instituições locais administrativas», embora com remissão para a lei ordinária.

Já no consulado de Salazar, Portugal assistiria à experiência «perversa» do «plebiscito nacional» sobre o projecto da Constituição de 1933.

Finalmente, com a experiência constitucional precipitada pela Revolução de 1974, desde logo em sede de elaboração da actual lei fundamental a problemática do referendo seria objecto de propostas partidárias, bem como de profunda discussão.

Todavia, só com a revisão de 1982, a Constituição de 1976 viria a fixar-se, no n.° 3 do artigo 241.°, a possibilidade de serem efectuadas «consultas directas aos cidadãos eleitores» por parte dos órgãos das autarquias locais. Aliás, esta faculdade acabaria por não'conhecer até à data o necessário e consequente desenvolvimento legislativo.

(B)

4 — O legislador constituinte (derivado) fez, assim, consagrar em 1989 na lei fundamental, como justificadamente escrevem os autores do projecto de lei n.° 473/V, «o referendo facultativo, de âmbito nacional, de eficácia vinculativa, de incidência legislativa e de iniciativa parlamentar ou governativa».

E, com as margens constitucionais plasmadas no novo artigo 118.°, não deixaram os constituintes de efectuar uma prevenção geral no que concerne a eventuais abusos de utilização do instituto, embora, de facto, muito venha a depender daqueles que em cada momento histórico protagonizarem os órgãos de soberania co-envolvidos.

O artigo 118.° da nossa Constituição consagrou, assim, o referendo deliberativo e tão-só como incidente facultativo prévio à aprovação «de convenção internacional ou de acto legislativo».

Mais se refere, como se adverte na exposição de motivos do projecto de lei em causa, que ficam excluídas do objecto do referendo «as matérias incluídas na competência político-legislativa e na reserva absoluta da Assembleia da República, bem como os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro» (cf. n.° 3 do artigo 118.° da Constituição).

Contudo, no tocante à delimitação do objecto do referendo, o projecto de lei do Partido Socialista limita--se a repetir literalmente o estipulado no n.0 2 do mencionado artigo 118.° da lei fundamental, designadamente no que respeita à imprecisa fórmula «questões de relevante interesse nacional».

Poderá, é certo, aduzir-se que o legislador ordinário nada deverá acrescentar quanto à desmontagem daquela «cláusula geral». Todavia, somos de parecer que, embora exemplificadamente, deveria o legislador, por uma fundamental razão de segurança jurídica, arrolar algumas «questões de relevante interesse nacional», o que poderá ser prosseguido através de sucessivas aproximações densificadoras daquele conceito indeterminado, face à ausência de tradição do referendo no direito público português.

Página 1367

25 DE MAIO DE 1990

1367

5 — A Constituição acautela ainda, no seu novo articulado, a iniciativa ou processo de desencadeamento do instituto em causa, atribuindo tal faculdade a mais de um órgão de soberania e parametrando o exercício de tal competência.

E, de novo, o projecto de lei em apreço se limita ao texto da lei fundamental, se confrontarmos o n.° 2 do artigo 118.° da Constituição da República Portuguesa com o n.° 1 do artigo 2.° do projecto.

Face a esta formulação algo vaga, poderá questionar--se se o Governo pode suscitar, à margem da Assembleia da República, um referendo que vincule eventualmente o Parlamento ao exercício de determinada forma dos seus poderes. Como é igualmente possível problematizar as situações em que a Assembleia da República proponha um referendo sobre matéria da competência do Executivo.

6 — Pese embora o elevado grau de pormenorização com que o projecto de lei n.° 473/V regulamenta entre outras matérias a actuação processual do Tribunal Constitucional, omite-se (cf. artigo 16.°) a regulamentação subsequente à eventual declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade por aquele Tribunal. Nestas situações, quid júris?

A questão, a colocar em sede de especialidade, não é despicienda, tanto mais que a intervenção do Tribunal Constitucional, no momento anterior à decisão do Presidente da República, só pode ser, no caso de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, a de concluir pela impossibilidade de realização do referendo.

Dito de outro modo, a omissão que se alcança a partir da leitura do artigo 16.° do projecto de lei do Partido Socialista, deverá ser suprida com um inciso no sentido de que, naquele caso, o Presidente da República é obrigado a recusar o projecto de referendo.

Dito isto, é altura de concluir que, nos termos regimentais, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o projecto de lei n.° 473/V se encontra em condições de subir a Plenário para aí ser objecto de debate e ulterior decisão.

Palácio de São Bento, 23 de Maio de 1990. — O Deputado Relator, Luís Pais de Sousa. — O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

Nota. — O parecer foi aprovado por unanimidade.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei n.° 515/V (lei do referendo).

1 — O artigo 118.° da Constituição da República corresponde a uma importante e significativa inovação da 2." revisão constitucional ao consagrar o referendo nacional deliberativo.

Nele se exprime a adesão a um mecanismo participativo de auscultação pública vinculativo sobre questões de «relevante interesse nacional». Podem ser objecto de referendo matérias que devam ser decididas, pela Assembleia da República, ou pelo Governo, através de aprovação de convenção internacional ou acto legislativo.

2 — São expressamente excluídas pelo legislador constituinte do âmbito do referendo, sem prejuízo de outras exclusões da parte do legislador ordinário, as

matérias referentes à competência política e legislativa da Assembleia da República (artigo 164.° da Constituição da República Portuguesa) — desde logo, e significativamente à revisão constitucional — e à sua reserva absoluta de competência legislativa, bem como as questões e actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro.

3 — A lei que aprova o referendo é uma lei orgânica e, por isso, no quadro da hierarquia dos actos normativos, assume um valor reforçado, nos termos constitucionais (artigo 115.°).

O regime de referendo, porque assume a forma de lei orgânica, está sujeito a votação obrigatória na especialidade no Plenário da Assembleia da República e, nos termos do artigo 171.°, n.° 5, a sua votação final global carece de aprovação por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Do mesmo modo, e como solução inovadora, a fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer lei orgânica pode ser solicitada pelo Presidente da República, pelo Primeiro-Ministro, ou por um quinto dos deputados da Assembleia da República em efectividade de funções (artigo 278.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa).

4 — A convocação do referendo só pode ser feita pelo Presidente da República, sob proposta da Assembleia da República, ou do Governo, tendo o Presidente da República um autêntico poder de veto, ou de recusa definitiva, válida por sessão legislativa, salvo se ocorrer nova eleição da Assembleia da República, ou, até à demissão do Governo (artigo 118.°, n.° 5).

5 — São aplicáveis ao referendo com as adaptações nec"S"árias os princípios e as normas gerais de direito ele* o.al e tem paralelismo legal com as regras respeitantes à iniciativa legislativa (artigo 120.°). Exceptua--se desse paralelismo o facto de as assembleias legislativas regionais não disporem de iniciativa do referendo ao contrário da iniciativa legislativa perante a Assembleia da República.

6 — O referendo está, por sua vez, sujeito à fiscalização preventiva obrigatória de constitucionalidade e de legalidade, por iniciativa do Presidente da República, quer as propostas lhe sejam remetidas pela Assembleia da República ou pelo Governo.

7 — O enquadramento constitucional do referendo revela uma preocupação vincada de conformação essencial do instituto, conferindo-lhe um carácter de meio de consulta utilizável em situação de consonância institucional entre os órgãos de soberania, Assembleia da República ou Governo, e o Presidente da República, e sem prejuízo das competências próprias daqueles.

A este cuidado e precisão não terá sido estranha a inexistência de prática de consulta popular autêntica em Portugal, a não ser a referência histórica, e autoritária, do plebiscito de 1933 que procurou legitimar a ditadura.

Diga-se, aliás, que, ao nível comunitário, a prática referendária é diversa, constituindo Portugal, com a Grécia e a Alemanha, os países onde a sua existência tem sido nula até ao presente. No entanto, na Dinamarca, Espanha, França, Irlanda, Grécia e Luxemburgo há disposições constitucionais que permitem uma consulta deste tipo. O instituto do referendo, na maior parte dos países comunitários, desse carácter consultivo, e apenas em certas condições ele é vinculante, como

Página 1368

1368

II SÉRIE-A — NÚMERO 44

na Dinamarca, França e Irlanda. E só tem o carácter de acto normativo revogatório, total e parcial, de leis-ordinárias, em Itália, e, mesmo aí, naturalmente sem colisão com leis fiscais, orçamentais e das que conferem autorização para ratificação de tratados internacionais. .

8 — No quadro do regime constitucional estabelecido, o projecto de lei n.° 515/V restringe o âmbito do referendo, de acordo com o que permite o texto constitucional, a matérias respeitantes à organização e funcionamento da Assembleia da República, Governo e tribunais, e, consagra a delimitação da sua iniciativa expressamente, quer à Assembleia da República, quer ao Governo sem prejuízo das competências próprias e da respectiva reserva de competência.

9 — Ao dispor sobre a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade ou da ilegalidade do referendo o projecto de lei em apreço fá-lo de modo que suscita fundadas dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Assim, quando, na sequência do n.° 2 do artigo 19.° do projecto n.° 515/V, se afirma que «a Assembleia da República ou o Governo poderão, porém, reapreciar a sua proposta, expurgando-a da inconstitucionalidade ou da ilegalidade e reformulando a respectiva resolução» e se diz, no n.° 3, que «no prazo de cinco dias após a nova publicação da proposta de referendo, o Presidente da República poderá requerer, de novo, a apreciação preventiva da constitucionalidade e da legalidade ou a convocação do referendo», está a afastar--se uma exigência constitucional expressa.

A identificação da inconstitucionalidade e o seu expurgo não é só por si gerador de conformidade constitucional ou legal, podendo, pelo contrário, gerar novas inconstitucionalidades. Em nosso entender, toda a alteração de uma proposta configura, para este efeito, a existência de uma nova proposta, o que exige a nova apreciação preventiva obrigatória pelo Tribunal Constitucional.

10 — O artigo 29.° do projecto em apreço reitera uma velha questão já amplamente discutida nesta legislatura, atinente à capacidade eleitoral activa.

Assim, ao prescrever que «gozam do direito de participação no referendo os cidadãos portugueses maiores de 18 anos», demarca-se da exigência constitucional precisa que atribui essa participação aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional (artigo 118.° da Constituição da República Portuguesa).

A Lei do Recenseamento Eleitoral, n.° 69/78, por sua vez, prescreve que os cidadãos eleitores são inscritos no local de funcionamento da entidade recenseadora da unidade geográfica da sua residência habitual.

Daqui decorre que a capacidade eleitoral activa, isto é, o universo eleitoral, abrange os cidadãos eleitores residentes no território nacional. Dado que os cidadãos que residam no estrangeiro só poderão estar recenseados na terra onde habitam, e para onde emigraram, e não na terra da sua naturalidade.

Note-se que, face à Constituição, existe, como nos diz o Acórdão n.° 320/89, processo n.° 72/89, do Tribunal Constitucional, in Diário da República, 1." série, n.° 78, de 4 de Abril de 1989, «um princípio de diferenciação entre residentes e não residentes no que respeita a capacidade eleitoral activa».

«De todas as eleições previstas na Constituição, em nenhuma está explicitamente garantido o voto dos não residentes. Ele está excluído explicitamente na eleição

do Presidente da República e na dos órgãos locais e implicitamente nas eleições dos órgãos das regiões autónomas. É implicitamente admitido nas eleições para a Assembleia da República, mas aí também em termos diferenciados, sendo exercido em círculos eleitorais próprios com possibilidade de elegerem menos deputados do que aqueles que proporcionalmente caberiam ao número dos respectivos eleitores.

Quanto ao segundo aspecto acima enunciado, é de reter que o direito ao sufrágio é um dos direitos fundamentais, sendo constitucionalmente reconhecido como um dos 'direitos, liberdades e garantias de participação política' (artigo 49.°); mas, por outro lado, é também princípio constitucional que os cidadãos portugueses que residam no estrangeiro gozam dos direitos 'que não sejam incompatíveis com a ausência do país' (artigo 14.°). Repete-se aqui agora em geral, quanto ao exercício de direitos fundamentais, a ideia da especificidade da situação do não residente.

Uma coisa é, porém, certa: a 'constituição eleitoral' não só não garante em geral o direito de sufrágio dos não residentes como, ao contrário, estabelece uma clara diferenciação entre residentes e não residentes. Por isso, pode dizer-se, com Jorge Miranda, que em matéria de direito de sufrágio o princípio constitucional da universalidade abrange apenas 'todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal' (ob. cit., p. 466).»

Retenha-se neste domínio, ainda, que as leis orgânicas têm prevalência sobre os demais actos legislativos; por tal, conduzem a um efeito revogatório sobre o regime do recenseamento, alterando, por esta via, as regras fundamentais do exercício eleitoral.

11 — Quanto à matéria respeitante ao veto político, ou por inconstitucionalidade, do Presidente da República, o artigo 244.° do projecto consagra a proibição do seu exercício no que respeita à recusa de ratificação de convenção ou promulgação do acto legislativo correspondente às perguntas submetidas a referendo.

Ora, este dispositivo suscita claras dúvidas sobre a sua constitucionalidade. O que o referendo visa alcançar é formulação de juízos sobre questões colocadas aos cidadãos e não sobre a forma legal em que essas respostas se vão verter no plano legislativo. «O referendo versa sobre questões concretas e não sobre textos legislativos.»

Como nos diz de modo lapidar António Vitorino in Constituição da República Portuguesa, AAFDL, 1989:

A redacção do artigo 118.°, especialmente o seu n.° 4, aponta para que não se trata de acolher nem a figura do referendo legislativo (referente à aprovação de um dado acto legislativo ou convenção internacional) nem do referendo revogatório (tendente a decisão sobre a manutenção em vigor ou a revogação de um acto legislativo ou de uma convenção internacional). O referendo versa sobre questões (e em cada referendo apenas sobre uma só matéria), as quais deverão ser resolvidas em termos de sim ou não e o sentido da resposta, ao abrigo dos órgãos de soberania, é que deverá ser traduzido em actos legislativos ou de direito internacional nos termos e condições que os próprios órgãos competentes o determinarem, com a latitude que lhes assiste enquanto órgãos representativos ou legitimados democraticamente, embora sempre de acordo com o sentido da vontade popular expressa no referendo.

Página 1369

25 DE MAIO DE 1990

1369

12 — Do mesmo modo é de duvidosa constitucionalidade a proibição do mecanismo de fiscalização preventiva do artigo 244.°, n.° 2, protegendo-se, por hipótese, uma lei que, correspondendo ao sentido das respostas dadas, contenha, por hipótese, normas inconstitucionais.

«Os condicionalismos de efectivação dos referendos estão dependentes da respectiva lei do regime do referendo e sobre cada referendo cabe sempre designação preventiva obrigatória da constitucionalidade e legalidade.» (Cf. artigo 118.°, n.os 1, 4 e 6, A. Vitorino, ob. c/7.)

13 — Parecem extensíveis ao artigo 245.° as reservas interpretativas colocadas nos artigos anteriores.

Em conclusão: Ressalvadas as dúvidas sobre a constitucionalidade de alguns preceitos, cuja clarificação ou eventual rectificação pode ser alcançada em fase ulterior, o projecto de lei 515/V está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade.

Palácio de São Bento, 23 de Maio de 1990. — O Relator, Alberto Martins. — O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

Nota. — O parecer foi aprovado por unanimidade. (O PSD aprovou apenas as conclusões).

PROPOSTA DE LEI N.° 115/V

AUTORIZA 0 GOVERNO A LEGISLAR SOBRE PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CONTRAVENÇÕES E TRANSGRESSÕES

Texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Artigo 1.° Objecto

É concedida ao Governo autorização para legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões.

Artigo 2.° Sentido e extensão

1 — O diploma a elaborar regulará, de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas pelas contravenções e transgressões.

2 — Serão tidos em conta e desenvolvidos os seguintes princípios:

cr) A concessão de fé em juízo a autos de notícia levantados por autoridade ou agente de autoridade policial que, no exercício das suas funções, presencie ou constate contravenção ou transgressão;

b) A obrigatoriedade de defensor quando a infracção for punível com pena de prisão ou medida de segurança;

c) A possibilidade de pagamento voluntário quando a infracção for punível unicamente com multa ou com medida de segurança não deten-tiva;

d) A não obrigatoriedade da presença do arguido v em julgamento por infracção que não seja punível com pena de prisão;

e) Nos casos em que for obrigatória a comparência do arguido em julgamento, a falta deste, desde que notificado, determinará o adiamento da audiência sob cominação de, se faltar, ser representado por defensor e julgado como se estivesse presente;

f) Salvo se o infractor tiver menos de 18 anos, a detenção em flagrante delito por contravenção ou transgressão a que corresponda pena de prisão determinará, em princípio, o julgamento em forma sumária;

g) Só será admissível recurso da sentença do despacho que puser termo ao processo e do despacho que, não recebendo a acusação, não designar dia para julgamento;

h) O direito processual penal será subsidiariamente aplicável.

Artigo 3.°

Duração

A autorização concedida por esta lei tem a duração de 90 dias, contados da data da sua entrada em vigor.

Palácio de São Bento, 14 de Maio de 1990. — O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

Nota. — O texto final foi aprovado com votos a favor do PSD e do PS e a abstenção do PCP.

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.° 119/V (autoriza o Governo a legislar em cooperação judiciária internacional em matéria penal).

Depois de examinada por esta Comissão Parlamentar, a proposta de lei n.° 119/V (autoriza o Governo a legislar em cooperação judiciária internacional em matéria penal) foi aprovada por unanimidade.

O Presidente da Comissão, Mário Raposo.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.° 142/V (2.* revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores).

(D

1 — Foi o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Estatuto) aprovado pela Lei n.° 39/80, de 5 de Agosto, tendo sido revisto pela Lei n.° 9/87, de 26 de Março, e com esta publicado integralmente.

Apresenta agora a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, nos termos do artigo 228.° da Constituição, a presente proposta de lei, para uma 2." revisão do Estatuto.

4

Página 1370

1370

II SÉRIE-A — NÚMERO 44

2 — São os estatutos das regiões autónomas leis da Assembleia da República, dotados de valor reforçado, supralegislativo, que as tornam prevalecentes sobre as restantes leis da República; estas estarão feridas de ilegalidade se as contradisserem, por aplicação dos artigos 280.° e 281.° da Constituição (Gomes Canotilho — Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 2." ed., 1985, p. 353; Margarida Salema, «Autonomia Regional», em Nos Dez Anos da Constituição, 1986, p. 278; Paz Ferreira, As Finanças Regionais, 1985, p. 172; Jorge Miranda, A .Constituição de 1976, 1978, p. 443, e Manual de Direito Constitucional, III, 1983, p. 231).

Compreender-se-á, assim, que estejam sujeitos a um processo legislativo próprio, estabelecido naquele artigo 228.° da Constituição.

3 — Na presente circunstância, as alterações propostas são, em parte, decorrentes da 2.a revisão constitucional (nova redacção dada aos artigos 228.°, 229.°, 232.°, 233.°, 234.° e 235.° da Constituição).

4 — Quanto àquelas que não dimanam dessa 2." revisão, é de as encarar sumariamente, para aferição da sua comportabilidade constitucional, no quadro dos princípios e valores inscritos no artigo 227.°

(II)

5 — Fixa-se a sede da Assembleia Legislativa Regional na Ilha do Faial, prevendo-se a criação de delegações nas restantes ilhas (artigo 4.°). Trata-se de uma opção, que em nada colide com aqueles princípios e valores, equivalendo, aliás, em substância, à fórmula do actual n.° 1 do artigo 4.° do Estatuto.

O mesmo é de dizer quanto ao artigo 5.°, que explicita o que no presente nele se contém, embora aceitando-se a prevalência da representação da Região pelo Presidente da Assembleia Legislativa.

6 — No referente ao novo artigo 8.°, ele diz, por outras palavras, o que já dispõe o actual. Acentua, no entanto, o carácter nacional da organização judiciária, embora adaptada às necessidades próprias da Região. A alteração beneficia, sem dúvida, a intencionalidade da norma e a integração do sistema judiciário no todo nacional, embora adaptado às características específicas (designadamente de ordem geográfica) da Região.

7 — Como se elucida na exposição de motivos da proposta de lei, a actual divisão dos círculos eleitorais, apesar das correcções feitas em 1987, ainda não dá resposta adequada à regra da representação proporcional, contida no n.° 5 do artigo 116.° da Constituição.

Daí a nova solução encontrada no n.° 2 do artigo 11.° do Estatuto, que, por certo, terá resultado de uma prévia análise da geografia eleitoral, em função das realidades regionais.

8 — É o conceito de «residência habitual» um conceito infixo, que se presta a dificuldades de interpretação e a uma consequente subjectividade exegética. Esta, obviamente, resulta indesejável, quando se trata da atribuição do direito de sufrágio.

A noção de residência, é, só por si, unívoca; pressupõe um vínculo com a comunidade que define a pessoa colectiva territorial que é a região autónoma.

O que, por certo, resultaria inconstitucional, até porque afectaria o princípio da igualdade, seria o requisito da residência na Região há mais de um ano, por exemplo. Tratar-se-ia, então, de uma exigência excessiva.

A fórmula encontrada para o novo artigo 13.° parece, pois, curial e a que melhor se compagina com os

princípios fundamentais de direito eleitoral. Não restringe a capacidade eleitoral; pelo contrário, alarga-a, tornando-a mais certa.

9 — A nova redacção dos artigos 36.° (com a consequente eliminação do artigo 38.°), 37.°, 45.°, 47.° e 72.° do Estatuto tem a ver com o funcionamento da Assembleia Legislativa Regional, cabendo no âmbito dispositivo que naturalmente lhe deverá ser próprio.

10 — O mesmo se dirá quanto à composição do Governo Regional (artigos 42.° e 43.°) e quanto à nova redacção do artigo 84.° Esta, congregada com a eliminação do actual artigo 83.°, implica a suspensão da figura do «delegado do Governo Regional», aliás compreensível.

11.1 — No n.° 1 do artigo 95.°, alínea í), inclui-se entre as fontes de receitas regionais «o produto das privatizações». Será, ao que se crê, de interligar este novo preceito com o que consta dos artigos 104.° e 105.°

No texto de 1987 o artigo 95.° tinha apenas um corpo. É agora dividido em dois números, no 2.° dos quais se comete ao Governo competência para, mediante decreto-lei, estabelecer, com base em critérios de capitação, o modo de definição da participação da Região no montante global das receitas fiscais do Estado e das regiões autónomas, para efeitos das alíneas c) e d) do n.° 1 desse artigo 95.°

Pertinente será a indagação se essa competência se enquadra na alínea f) do n.° 2 do artigo 168.° da Constituição, que, de qualquer modo, é matéria de competência relativa da Assembleia da República. No sentido de que não está em causa a «criação de impostos» ou o «sistema fiscal», qua tale, é aduzível que se trata apenas de uma repartição de receitas fiscais, sem pôr em causa a unidade do sistema tributário.

11.2 — Quanto ao n.° 1 do artigo 101.°, eleva-se a percentagem de 10 % movimentável, sem quaisquer encargos de juros, junto do Banco de Portugal, para fazer face a dificuldades de tesouraria da Região, para 20 %. Trata-se de um critério que envolve, necessariamente, uma opção quanto ao regime financeiro da Região.

O mesmo se dirá, quanto ao novo n.° 3 do mesmo preceito.

(III)

12 — Denota o novo artigo 76.°-A o visível propósito de assegurar a participação da Região na fase preparatória de planos e processos que, sendo de relevo nacional, tenham incidência regional.

Tratar-se-á de uma situação análoga à já prevista, aí sob a forma de colaboração permanente, no artigo 74.° da actual versão do Estatuto.

Será aqui de atentar no que explicitamente dispõem as alíneas q), r) e s) do n.° 1 do artigo 229.° da Constituição.

13 — Quanto à criação de um círculo eleitoral para o Parlamento Europeu (artigo 82.°-A) ela implica, obviamente, uma opção política.

(IV)

14 — Pelo que sumariamente se deixa exposto, afigura-se que a proposta de lei está em condições de ser objecto de debate em Plenário.

Palácio de São Bento, 22 de Maio de 1990. — O Relator e Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Mário Raposo.

Página 1371

25 DE MAIO DE 1990

1371

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.° 55/V

CONSTITUIÇÃO 0E UMA COMISSÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DESTINADA A ACOMPANHAR A IMPLEMENTAÇÃO DA RESOLUÇÃO N.° 19/88, QUE DECIDIU QUE SE PROCEDESSE A TRASLADAÇÃO DOS RESTOS MORTAIS DO GENERAL HUMBERTO DELGADO PARA O PANTEÃO NACIONAL

Pela sua Resolução n.° 19/88 decidiu a Assembleia da República se procedesse à trasladação dos restos mortais do general Humberto Delgado para o Panteão Nacional.

25 anos decorridos sobre a sua morte, julgou-se chegado o momento de executar esta resolução.

Para acompanhar o programa e organização das cerimónias que serão efectivadas aquando da trasladação, os deputados abaixo assinados, ao abrigo dos ar-

tigos 40.° e 41.° do Regimento, submetem à apreciação da Assembleia da República o seguinte projecto de resolução:

Artigo único. Constitui-se uma Comissão Eventual, formada por 15 deputados, para acompanhar o programa e organização das cerimónias que serão efectivadas aquando da trasladação dos restos mortais do general Humberto Delgado para o Panteão Nacional.

Os Deputados: Montalvão Machado (PSD) — António Guterres (PS) — Carlos Brito (PCP) — Marques Júnior (PRD) — Narana Coissoró (CDS) — Herculano Pombo (Os Verdes) — Ferreira de Campos (PSD) — Silva Marques (PSD) — Manuela Aguiar (PSD) — Costa Andrade (PSD) — Leonor Beleza (PSD) — Licínio Moreira (PSD) — Américo Sequeira (PSD) — José Luís Nunes (PS) — Raul Rêgo (PS) — Mário Cal Brandão (PS) — Alberto Martins (PS) — Octávio Teixeira (PCP), e mais dois subscritores.

Página 1372

DIÁRIO

da Assembleia da República

Depósito legal n." 8819/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P. AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica--se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

PORTE PAGO

1 — Preço de página para venda avulso, 5j; preço por linha de anúncio, 104$.

2 — Para os novos assinantes do Diário do Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 — Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 diás à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 40$00

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×