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Sexta-feira, 10 de Fevereiro de 1995

II Série-A — Número 21

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

SUMÁRIO

Projectos de lei (n.» 461/VI, 495/Vl e 496W1):

N.° 46I/VI (Apreciação das contas dos partidos políticos pelo Tribunal de Contas):

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias................ 296

N.° 495/VI — Criação da freguesia do Tojeiro no concelho de Montemor-o-Velho (apresentado pelo Deputado do

PSD Luís Pais de Sousa).................................................. 297

iV.°4967V[ — Indemnizações às vítimas de contágio pelo vírus da sida na sequência de transfusões sanguíneas e ministraçüo de medicamentos derivados do plasma humano (apresentado pelo PS)................................................. 298

Propostas de lei (n." 1167VI e 121/VI):

N.° 116/V1 (ALRA) (Autorização para contracção de empréstimos externos):

Relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano.................................................................... 300

N.° 121/VI — Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Civil.................................................................... 301

Proposta de resolução n." S67VI (Aprova, para ratificação, o Acordo Relativo à Modificação do Acordo entre a República Portuguesa e a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, Respeitante à Utilização pela República Francesa de Certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores):

Relatório e parecer das Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional 305

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PROJECTO DE LEI N.2 461/VI

(VISA QUE A APRECIAÇÃO DAS CONTAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS SEJA FEITA PELO TRIBUNAL DE CONTAS)

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Nos termos regimentais, alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentaram à Mesa da Assembleia da República um projecto de lei que pretende dar ao Tribunal de Contas competência para este apreciar as contas dos partidos políticos, o que foi admitido e baixou à 1." Comissão em 17 de Novembro de 1994.

Tendo-nos sido distribuído em reunião de 21 de Novembro de 1994, sobre ele cumpre elaborar relatório e parecer, o que passamos a fazer nos termos adiante articulados:

Da fundamentação

1.° O projecto sob análise, em consonância com o confessado no seu espaço preambular, aspira à definição de regras claras de funcionamento dos partidos, mas muito designadamente das condições do financiamento destes.

2.° Só assim, acrescenta-se, através da fixação de regras precisas e inequívocas neste domínio, é que se poderão ver, com sucesso, erradicados factores eventualmente propícios ao tráfico de influências, clientelismo ou corrupção...

3.° Nessa esteira, propõem um controlo judicial aos gastos e financiamento dos partidos que seja, não só transparente mas igualmente, seguro, célere e eficaz...

4.° Conclui, pois, o Grupo Parlamentar proponente que a apreciação das contas dos partidos políticos deve ser efectuada, não pelo Tribunal Constitucional, que a Lei n.° 72/93, em vigor, sufragou...

5.° Mas sim pelo Tribunal de Contas, por, no entender dos Srs. Deputados subscritores, estar este órgão judicante tecnicamente mais apto e apetrechado para o desempenho dessa tarefa fiscalizadora.

6.° Eis, em síntese, as razões de fundo que motivaram a autoria intelectual do projecto, levando, logicamente, os seus subscritores a propor uma nova redacção para o actual artigo 13.° da Lei n.° 72/93, de 30 de Novembro.

7.° O projecto em foco comporta uma grande e substancial modificação e que consiste em substituir, no inciso do n.° 1 do artigo 13.°, in fine, o Tribunal Constitucional pelo Tribunal de Contas.

8.° Todas as demais alterações (duas, mais precisamente) são laterais, já que constituem uma decorrência lógica da nova redacção proposta para o n.° 1 do aludido artigo 13.°

9." Ou seja, o título que encima o preceito, ao invés de «Apreciação pelo Tribunal Constitucional» passaria a ser: «Apreciação pelo Tribunal de Contas».

10.° E no artigo 14.°, n.°2, onde, actualmente, se lê: «A competência para aplicação das coimas é do Tribunal Constitucional» passaria a ler-se: «A competência para aplicação das coimas é do Tribunal de Contas».

Oo histórico

12.° A este propósito, vem a talhe de foice recordar que, entre nós, o Decreto-Lei n.° 595/74, de 7 de Novembro, que regulamenta a actividade dos partidos políticos, e a Lei n.° 77/88, de 1 de Julho (Lei Orgânica da Assembleia

da República), prevêem a possibilidade de os partidos poderem auferir de financiamentos públicos e privados.

13." Mais tarde, com data de 30 de Novembro de 1993, este regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, em texto de substituição elaborado por esta Comissão, foi substancialmente alterado e melhorado com base nos projectos de lei n.05 57/VI (PS), 319/V1 (já depois ampliado e absorvido pelo 332/VI, ambos do PCP), 329/VT (PSD) e 322/VI (CDS-PP).

14." E, nessa altura, foi, por todos assumido que tão relevante matéria carecia de profunda e urgente revisão por se considerar que as soluções legais então vigentes eram arcaicas, desajustadas e manifestamente insuficientes, viabilizando e permitindo, no que toca, inclusive, a hipocrisia e mentira políticas.

15.° Ao controlo judicial da conta e contabilidade corrente dos partidos políticos, agora, na presente iniciativa, como outrora no seu já mencionado projecto n.° 57/VI, o Grupo Parlamentar do PS, coerentemente, volta a defender que o mesmo deve ser da competência do Tribunal de Contas, que a deve apreciar e julgar.

Do mérito

16." Ora, ninguém ignora que os partidos, actualmente, em sede de fiscalização das suas receitas e despesas, estão subordinados a um duplo controlo.

17.° A saber:

A sindicância interna, efectuada no seio da sua própria organização democrática e estruturação orgânica, em conformidade com os ditames do Decreto-Lei n.° 595/74, atrás aludido;

A sindicância externa, a cargo do Tribunal Constitucional (cf. artigo 13.° da Lei n.° 72/93), que, no caso de irregularidades, deverá accionar os mecanismos de apuramento de responsabilidades (artigo 14.° da mesma lei).

18.° De resto, o projecto sub judice, na simplicidade da sua estatuição, traz de novo à baila a acesa polérmca, i& então travada em Plenário, quando, em conjunto e na generalidade, teve lugar o debate dos projectos dos quatro grupos parlamentares com assento na Câmara, aludidos no artigo 13.° deste relato.

19.° E já nessa ocasião o hemiciclo pôde assistir, no que toca à fiscalização, apreciação e julgamento da conta dos partidos, a alguns consensos e a algumas divergências.

20.° Quer dizer, quanto à essência, isto é, ao fim em vista, qual seja o de assegurar a lisura e transparência na gestão financeira dos partidos políticos, a unanimidade de vistas foi total.

21.° Contudo, a convergência já não foi possíve) no momento de fazer a opção pelo órgão judicante (Tribunal Constitucional ou Tribunal de Contas) responsável por tal tarefa de sindicância.

22.° Exceptuando a iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PSD (projecto n.° 329/VT), todas as demais defendiam que tal competência devia ser atribuída ao Tribunal de Contas, sobretudo pelas razões que a seguir se explicitam.

23." Em primeiro lugar, porque consideravam o Tribunal de Contas dotado de competência técnica especializada, sem esquecer que aos partidos são atribuídos vultosos dinheiros que têm a sua origem nos cofres do Estado.

24." E, porque assim é, encontra-se estruturado e municiado dos meios materiais, técnicos e humanos necessários ao bom e cabal desempenho da aludida tarefa fiscalizadora.

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25.° Estes factos, acrescidos da sua experiência e aptidão neste domínio específico, tornavam-no, na ideia das oposições, o melhor meio instrumental para o exercício daquela função de apreciação da conta dos partidos políticos...

26.° Única forma, em seu entendimento, de assegurar um controlo judicial eficaz e, assim, assegurar determinados valores vitais de vida democrática como sejam o da transparência efectiva, do rigor e da isenção.

27.° Por seu lado, o projecto da maioria, que acabou por fazer vencimento, defendeu que tal controlo judicial devia ingressar no horizonte de competências do Tribunal Constitucional.

28.° Porquanto, desde 25 de Abril de 1974, que a vida dos partidos, entre nós, decorre toda ela muito ligada ao Tribunal Constitucional.

29.° Efectivamente, tal acontece logo que nascem e se constituem, passando pela sua institucionalização, existência, vida, até ao momento em que aquele órgão declara a sua morte, ou seja a sua extinção!

30." Mas, para além do elemento histórico, aduziu-se também o facto de não ser conveniente confundir partidos políticos, dimanados da sociedade civil, com Administração Pública.

31.° Isto porque o Tribunal de Contas é o órgão, por excelência, fiscalizador das finanças e contas públicas, sendo certo que os partidos políticos são associações de direito privado sem fins lucrativos, não obstante a dignidade e peso constitucional de que beneficiam.

32.° Findo o debate, para o grupo da maioria parece ter prevalecido com alguma força simbólica, neste terreno, o desejo de separar as águas, não misturando no mesmo saco a Administração do Estado com a administração dos agentes políticos, que são os partidos.

33." Feito, pois, um excurso, ainda que breve, temático e cronológico, da questão fulcral que informa e está no centro do projecto de lei ora em foco, restará concluir de imediato este relatório...

34.° O que fazemos, trazendo à colação o disposto no artigo 216.°, n.° 1, da constituição política, que permite ao Tribunal de Contas sindicar as «contas que a lei mandar submeter-lhe».

Consequentemente e nos termos expostos, somos do seguinte parecer:

O projecto de lei n.°461/VL da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de subir a Plenário e ser objecto de debate e apreciação.

Palácio de São Bento, 2) de Janeiro de 1995. — O Deputado Relator, Cipriano Martins. — O Deputado Vice--Presidervte da Comissão, José Eduardo Vera Jardim.

Nata. — O parecer foi aprovado por unanimidade (PSD, PS, PCP, CDS-PP e Os Verdes).

PROJECTO DE LEI N.9 495/VI

CRIAÇÃO DA FREGUESIA DO T0JEIR0 NO CONCELHO DE MONTEMOR-O-VELHO

O desenvolvimento sócio-económico, crescimento demográfico e condições geográficas da área que ficará a pertencer à nova freguesia, a sair de dentro da actual freguesia de Arazede, justificam plenamente a criação da freguesia do Tojeiro.

A criação desta nova unidade administrativa e autárquica, um anseio já manifestado há longos anos pela população local, permitirá uma maior participação dos seus habitantes na gestão dos seus próprios recursos e interesses.

Esta desanexação não afectará a freguesia-mãe e provocará um redimensionamento mais adequado às actividades de ambas as freguesias, que assim sairão beneficiadas.

A nova freguesia, com cerca de 2500 habitantes e 1800 eleitores, englobando os lugares dc Tojeiro, Pelicanos, Resgatados, Catarruchos, Bizarros, Pelichos, Arneiro Tecelão e Volta da Tocha, tem verificado um significativo crescimento, encontrando-se dotada de escolas primárias, capelas, rede de transportes, inúmeras salas de ordenha (dado que é uma zona de grande produção leiteira), centro de assistência e cultura, etc.

O seu movimento comercial e industrial é de grande vulto, encontrando-se a futura freguesia do Tojeiro equipada com diversos estabelecimentos comerciais para as actividades mais diversas: restaurantes, cafés, mercearias, peixarias, talhos, farmácia, drogarias, alfaiatarias, barbearias e cabeleireiros, oficinas auto, serração de madeiras, construção civil, automóveis de aluguer, etc.

Considerando os motivos justificativos expostos e o disposto na Lei n.° 8/93, de 5 de Março, e sendo certo que a futura circunscrição preenche todos os requisitos exigidos naquele normativo, o Deputado do Partido Social-Demo-crata abaixo assinado apresenta à Assembleia da República o seguinte projecto de lei:

Artigo 1." É criada no distrito de Coimbra, concelho de Montemor-o-Velho, a freguesia do Tojeiro, com sede na povoação com o mesmo nome, cuja área, delimitada no artigo seguinte, está integrada na freguesia de Arazede, da qual será desanexada.

Ait. 2° Os limites da freguesia de Tojeiro são definidos, conforme planta cartográfica anexa, da forma seguinte:

Tem o seu início nos marcos de delimitação dos concelhos de Montemor-o-Velho e Cantanhede no lugar do Feitoso, Sanguinheira;

Segue pelo limite dos citados concelhos até ao marco que delimita os mesmos junto à Escola C+S da Tocha;

Segue pelo limite dos ditos concelhos até ao lugar de Bizarros, onde encontra o limite com o concelho da Figueira da Foz e a freguesia de Ferreira-a-Nova, numa extensão de 100 m;

Segue pelo limite da freguesia de Liceia até ao limite da freguesia do Seixo do concelho de Montemor-o-Velho;

Continua pelo limite da freguesia do Seixo até encontrar o caminho do Parisol, no lugar de Resgatados;

Segue o dito caminho até ao CM 1081. Volta por este caminho, numa extensão de 100 m, até encontrar o caminho que passa junto à residência do Sr. António Pisco, seguindo por este dito caminho até à EM 582, junto à residência do Sr. João Amaro. Numa extensão de 100 m, segue esta estrada até encontrar caminho do lado esquerdo, por onde segue em direcção a norte, passando junto à residência do Sr. Avelino Loureiro, seguindo em linha recta até à bifurcação do caminho ao lado da residência do Sr. Elias Moleiro, seguindo por esse caminho até ao caminho do Mato do Povo. Seguindo este caminho atravessa a EM 582 até aos Pelicanos, junto à residência do Sr. Francisco Gomes. Aqui volta à direita em linha recta até ao poste n.° 151 da linha de transporte eléctrica de 400 000 WT (Estarreja-Ba-talha). Daí segue em linha recta as instalações da UNITAL no Arneiro Tecelão, junto à EN 335-1. Daí segue novamente em linha recta até aos marcos de delimitação dos concelhos de Montemor-o-Velho e Cantanhede, no lugar de Feitoso, já citados.

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Art. 3." A comissão instaladora da nova freguesia será constituída nos termos e no prazo previstos no artigo 9.° da Lei n.° 8/93, de 5 de Março.

Art 4.° A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Art. 5.° As eleições para a assembleia da nova freguesia realizar-se-ão de harmonia com o disposto no artigo 11." da Lei n.° 8/93, de 5 de Março.

Palácio de São Bento, 8 de Fevereiro de 1995. — O Deputado do PSD, Luís Pais de Sousa.

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

PROJECTO DE LEI N.*496/VI

INDEMNIZAÇÕES ÀS VÍTIMAS DE CONTÁGIO PELO VÍRUS DA SIOA NA SEQUÊNCIA DE TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS E MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS DERIVADOS DO PLASMA HUMANO.

Exposição de motivos

Logo na primeira sessão da presente legislatura, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou uma iniciativa legislativa —o projecto de lei n.° 146/VI— prevendo e regulando a atribuição de indemnizações às vítimas de contágio pelo vírus da sida na sequência de transfusões sanguíneas.

A maioria inviabilizou então esse projecto, que colocava à disposição dos lesados uma resposta indemnizatória

rápida e eficaz, fazendo com que Portugal também neste domínio se atrasasse e isolasse no contexto dos países europeus e impedindo que o Estado honrasse atempadamente as suas responsabilidades, como se impunha.

Embora «reconhecendo que o normal funcionamento dos mecanismos da ordem jurídica não providenciaria de forma adequada a reparação devida», o Governo só em 3 de Julho de 1993 faria publicar o Decreto-Lei n.° 237/93, autorizando a celebração de convenções de arbitragem com o Estado, nos termos das quais — ao que se dizia num prazo máximo de três meses — qualquer pretensão contra o Estado seria resolvida segundo a equidade.

As expectativas de celeridade com que se justificou essa discutível opção não tiveram confirmação: decorrido mais de ano e meio ainda não foram fixadas e pagas quaisquer indemnizações, num caso em que era manifestamente exigível da parte de um Estado pessoa de bem um especial grau de prontidão na administração de justiça, como o tem aliás reconhecido a jurisprudência europeia.

Sucede que o Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho, não só não veio clarificar, como cumpria, o fundamento do dever de indemnizar por parte do Estado — dessa forma pactuando com um panorama em que os mecanismos normais da ordem jurídica são dados como incapazes de providenciar respostas adequadas — como consagrou soluções insuficientes, discriminatórias e iníquas.

É o caso, nomeadamente, da restrição aos hemofílicos e seus herdeiros legais do acesso ao tribunal arbitral, com a inerente e inaceitável desigualdade de tratamento em relação a outras vítimas de contágio, designadamente portadores de outras patologias; da fixação de um limite máximo, aliás claramente insuficiente, para as indemnizações; da omissão de soluções justas no domínio da distribuição do ónus da prova; do cerceamento do direito de recurso, através da menção pura e simples à equidade; da exigência de prévia desistência do pedido, e não apenas na instância, em acção pendente em tribunal judicial.

Estas são, entre outras, graves e intoleráveis limitações, que já mereceram a censura reiterada do provedor de Justiça, sem que o Executivo e a maioria revelassem, até ao momento, abertura às suas recomendações. Esta entidade dirigiu aliás à Assembleia da República uma recomendação específica sobre esta matéria, nos termos dos artigos 20.°, n.° 1, alíneas a), e b), e 38.°, n.° 5, do estatuto aprovado pela Lei n.°9/91, de 5 de Abril.

A presente iniciativa legislativa, para além de clarificar os fundamentos do dever de indemnizar por parte do Estado — que assim finalmente assumirá, em sede de direito constituído, a sua responsabilidade, pondo termo à posição evasiva que até hoje, inaceitavelmente, tem sido a sua — procura aproveitar a experiência arbitral em curso, expuT-gando-a das iníquas limitações que à partida lhe foram impostas, e procurando reconduzi-la a padrões mais conformes com os princípios e valores constitucionais (nomeadamente os da confiança, da responsabilidade, da igualdade de tratamento, da justiça e da solidariedade).

Na verdade, embora se tenha considerado indispensável deixar esclarecidos os pressupostos do direito de acesso aos tribunais — de forma a pôr termo à reconhecida e intolerável dificuldade de adequação do norma\ funcionamento dos mecanismos da ordem jurídica ao tratamento da situação — pareceu desaconselhável, irrealista e fonte de maiores incómodos e demoras para os interessados desaproveitar e inutilizar a actividade processual já desenvolvida perante o tribunal arbitral, na sequência de publicação do Decreto-Lei n.° 237/93. Daí que pragmaticamen-

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te — e no que se julgou ser o interesse dos próprios lesados que aderiram à proposta de convenção arbitral apresentada pelo Governo, apesar das suas limitações — se não tenha insistido na solução proposta em 1992 e então rejeitada pela maioria.

A presente iniciativa é pois concebida, como o impõe o espírito de responsabilidade, tendo presente a situação hoje existente em consequência das opções legislativas consagradas pela maioria, visando, nesse quadro, minorar o sofrimento e o tempo de espera dos lesados, com observância de padrões elementares de justiça e de solidariedade. E é, no essencial, inspirada pela preocupação de reconduzir a postura do Estado Português à de uma pessoa de bem — isto é, a de alguém disponível para assumir em tempo útil as suas responsabilidades e incapaz de extrair benefício das insuficiências e obscuridades da ordem jurídica que ele próprio cria, se não mesmo da sua própria incúria.

Nestes termos, ao abrigo das normas constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Responsabilidade do Estado

1 — Para efeitos de efectivação de responsabilidade, as transfusões de sangue e a ministração de medicamentos derivados do plasma humano constituem actividades que se revestem dos requisitos de perigosidade previstos no artigo 8." do Decreto-Lei n.°48 051, de 21 de Novembro de 1967, constituindo a contaminação com o vírus da sida que delas resulte e os danos de qualquer natureza derivados dessa contaminação prejuízos especiais e anormais, que ao Estado cumpre indemnizar.

2 — A disposição constante do número anterior tem natureza interpretativa.

Artigo 2.° Titularidade do direito a indemnização

Presumem-se titulares do direito a indemnização todos os que, tendo recebido transfusão sanguínea ou medica-mento derivado do plasma humano em território nacional, e bem assim os respectivos cônjuges e filhos, tenham sofrido contágio, salvo se para este for alegada e provada causa diferente.

Artigo 3.° Indemnização provisória

Perante prova sumária que revele probabilidade séria da existência do direito a indemnização, o tribunal, a pedido dos interessados, fixará indemnização provisória, com eficácia imediata, por conta da indemnização a fixar posteriormente.

Artigo 4.° Indemnização em renda

A requerimento dos lesados, o tribunal dará à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia, passível de modificação nos termos previstos no artigo 567° do Código Civi).

Artigo 5.° Sub-rogação

0 Estado fica sub-rogado nos direitos dos lesados em matéria de responsabilidade civil, até ao limite da indemnização prestada.

Artigo 6.° Gratuitidade

1 —Os processos para efectivação da responsabilidade referida no artigo 1° são isentos de preparos e custas!

2 — São igualmente gratuitos todos os documentos necessários à instrução dos pedidos.

Artigo 7." Prescrição

0 direito de indemnização prescreve no prazo e termos previstos no artigo 498.° do Código Civil, mas nunca antes de decorridos três anos desde a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 8.°

Autorização para celebração de convenção arbitral

1 — O Estado pode celebrar convenções de arbitragem com todas as pessoas que invoquem o direito a obter uma indemnização pelos danos referidos no artigo 1.° ou seus herdeiros legais.

2 — Para os efeitos previstos no número anterior, o Estado é representado pelos Ministros das Finanças, da Justiça e da Saúde.

Artigo 9.° Tribunal arbitral

1 — A resolução do litígio que é objecto da convenção, bem como o apuramento de eventual indemnização, é confiada a um tribunal arbitral instalado no Centro de Arbitragem Voluntária da Ordem dos Advogados, cuja constituição obedece às regras estabelecidas no respectivo regulamento.

2—Na convenção de arbitragem devem os Ministros das Finanças, da Justiça e da Saúde designar o árbitro que representa o Estado, com vista à constituição do tribunal arbitral.

Artigo 10.°

Convenção de arbitragem

1 — As convenções de arbitragem a que se refere o artigo 3.° são celebradas pelos Ministros das Finanças, da Justiça e da Saúde, devendo nelas ser estabelecida:

a) A concessão aos árbitros de poderes para a escolha das regras de processo a observar na arbitragem;

b) A fixação do prazo de três meses, contados de acordo com a lei processual, para a decisão do tribunal arbitral;

c) A desistência da instância, caso esteja pendente em tribunal judicial ou administrativo acção cuja causa de pedir seja a mesma daquela que o tribunal arbitral deve decidir;

d) A garantia de recurso.

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2 — Para os efeitos previstos na alínea c) do artigo anterior, deve a parte que pretenda instaurar a acção no tribunal arbitral instruir a petição com certidão da sentença homologatória que tenha incidido sobre a desistência da instância.

Artigo 11.°

Proposta de convenção de arbitragem

1 — O Governo apresentará para adesão dos interessados proposta de convenção de arbitragem e bem assim proposta de alteração das convenções já celebradas, com observância do disposto na presente lei, no prazo de um mês a contar da sua entrada em vigor.

2 — A proposta de convenção referida no número anterior caduca no prazo de três anos, sem prejuízo da subsistência das convenções que entretanto tenham sido estabelecidas.

Artigo 12.° Declaração de adesão

1 — Consideram-se estabelecidas as convenções de arbitragem mediante simples declaração de adesão de um ou mais interessados em conjunto à proposta de convenção apresentada pelos Ministros das Finanças, da Justiça e da Saúde, desde que:

a) A declaração seja subscrita por pessoa devidamente identificada ou pelo seu legal representante, que invoque o direito à indemnização pelos danos referidos no artigo 1.°;

b) Na declaração se exprima a vontade de aderir a esta convenção e se indique, desde logo, o árbitro de parte que integrará o tribunal arbitral, ou se aceita como árbitro de parte pessoa que esteja designada como tal noutro processo arbitral que tenha sido instaurado ao abrigo da presente lei ou do Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho.

2 — O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à adesão à proposta de alteração de convenção já celebrada a que se refere o artigo 11,°, n.° 1.

Artigo 13.°

Estipulações contrárias à presente lei

Sem prejuízo da validade das convenções celebradas ao abrigo do Decreto-Lei n.° 237/93, de 3 de Julho, têm-se por não escritas as estipulações delas constantes que contrariem ou restrinjam o alcance do disposto na presente lei, designadamente as que estabeleçam limites máximos para as indemnizações e as que envolvam renúncia a recurso.

Artigo 14.°

Alteração do pedido em acções pendentes

Os que já tenham instaurado acção, que esteja pendente em tribunal arbitral ou outro, para efectivação de responsabilidade pelos prejuízos referidos no artigo 1.° dispõem do prazo de sessenta dias, a contar da entrada em vigor da presente lei, para, se assim o entenderem, modificarem o pedido, devendo ao mesmo tempo requerer todas as diligências e juntar todos os documentos destinados a provar os factos alegados.

Os Deputados do PS:—Jaime Gama—Alberto Martins — Eurico Figueiredo — Rosa Albernaz — José

Magalhães — Almeida Santos — Júlio Henriques — Miranda Calha — Jorge Lacão — José Reis — José Vera Jardim — Ferro Rodrigues — José António Seguro.

PROPOSTA DE LEI N.e116/VI

(AUTORIZAÇÃO PARA CONTRACÇÃO DE EMPRÉSTIMOS EXTERNOS)

Relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano

1 — A Assembleia Legislativa Regional dos Açores (ALRA) apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei solicitando autorização para contracção de empréstimos externos junto de instituições internacionais, até ao montante de 10 000 000 de contos.

O recurso ao endividamento torna-se necessário para cobrir o défice previsto no Orçamento da Região Autónoma dos Açores, uma vez que a estimativa da receita é insuficiente para cobrir a despesa orçamentada.

2 — Pelas mesmas razões, propostas de lei com o mesmo objectivo têm sido apresentadas a esta Assembleia da República e têm sido sempre aprovadas.

Os empréstimos externos (42 %) contraídos pela Região Autónoma dos Açores na sequência da aprovação das referidas propostas de lei adicionados aos empréstimos internos (58%) perfaziam em 31 de Dezembro de 1994 um montante de 79 524 milhares de contos (100%).

3 — A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 229.°, n.° 1, alínea f), e a Lei n.°9/87, de 26 de Março, no artigo 32.°, n.° 1, alínea /), conferem às Regiões Autónomas competência para apresentar à Assembleia da República propostas de lei.

Nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 101.° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.° 9/87, já referida), pode a Região contrair empréstimos internos e externos, carecendo estes últimos de autorização da Assembleia da República, após audição do Governo.

O Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 1994, aprovado na Assembleia Legislativa Regional, prevê um recurso ao crédito no montante total de 16141 Wfò contos.

A Lei n.° 75/93, de 20 de Dezembro — Orçamento do Estado para 1994, no n.° 2 do artigo 59.°, fixa para a Região Autónoma dos Açores um acréscimo líquido de endividamento global directo de 17 milhões de contos.

O serviço da dívida total no Orçamento da Região para 1994 não excede 25 % das receitas correntes da Região, quedando-se pelos 19 %, cumprindo, assim, o que preceitua o n.° 2 do artigo 20." do Decreio-Lei n.° 336/90, de 30 de Outubro.

4 — Aprovada que esteja esta proposta de lei, a Região Autónoma dos Açores estará em condições de obter recursos financeiros no mercado externo para financiar investimentos do Plano e dos programas operacionais ou de outros empreendimentos especialmente reprodutivos.

Conclusão

A proposta de lei n.° H6/V1, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, tem fundamento legal.

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A contracção do empréstimo ou empréstimos até ao montante de 10000000 de contos resultante da aprovação desta proposta de lei não poderá ser feita em condições mais desfavoráveis do que as correntes nos mercados de capitais em matéria de prazo, taxa de juro e demais encargos.

Parecer

Assim sendo, a proposta de lei n.° 116/VI (ALRA), uma vez ouvido o Governo, estará em condições de subir a Plenário para apreciação e votação.

Assembleia da República, 7 de Fevereiro de 1995. — O Deputado Relator, Luis Amado. — O Deputado Presidente da Comissão, Manuel dos Santos.

Nota. —O relatório e parecer foi aprovado por unanimidade (PSD e PS).

PROPOSTA DE LEI N.9121/VI

AUTORIZA O GOVERNO A REVER 0 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Exposição de motivos

A presente autorização legislativa visa, antes de mais, permitir a concretização e densificação, no domínio do processo civil, do direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa e que, como vem sendo repetidamente afirmado pela doutrina e jurisprudência constitucionais, envolve a obtenção, em prazo razoável, de decisão judicial que dirima o litígio, bem como a plena consagração, como princípios estruturantes de todo o processo civil, dos princípios da igualdade das partes e do contraditório.

Tais princípios fundamentais — que se pretendem consagrar expressamente nas disposições introdutórias da lei de processo — funcionam como matriz de muitas das mais relevantes alterações a introduzir na execução da presente autorização legislativa, designadamente a afirmação de que o respeito pelo contraditório envolve, em qualquer instância, a necessária audição das partes antes da prolação da sentença ou do acórdão sobre quaisquer questões de facto ou óe direito suscitadas, com o consequente desaparecimento das «decisões-surpresa», de modo a facultar plenamente aos interessados a dedução em juízo das suas razões, bem como a restrição ou eliminação de alguns efeitos cominatórios gravosos ou claramente desproporcionados, máxime o efeito cominatório pleno, inelutavelmente associado às situações de revelia.

Pretende-se, de igual modo, prever expressamente como princípio ordenador de todo o processo civil o princípio da igualdade das partes, devendo estas gozar, ao longo de todo o processo, de um estatuto de plena paridade, de total equidistancia relativamente ao tribunal, não podendo qualquer delas ser injustificadamente privilegiada ou prejudicada em relação à outra no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa ou na aplicação de quaisquer cominações ou sanções processuais. Justificará tal princípio, nomeadamente, que a legislação que se pretende emitir ao abrigo da presente autorização propenda a generalizar a q\ia\quer das partes certas «prerrogativas» até agora exclusivamente concedidas ao Ministério Público, quando tal

se justifique objectivamente, em particular a possibilidade de obter a prorrogação do prazo para apresentação da contestação e articulados subsequentes.

A legislação processual que se pretende elaborar com base na presente autorização legislativa procurará, por outro lado, reflectir, no âmbito do processo civil, a específica fisionomia de acções em que são interessados uma pluralidade indefinida de sujeitos e cujo objecto se reporta a bens jurídicos de forma necessariamente colectiva, o alargamento da legitimidade para desencadear providências cíveis destinadas à tutela de interesses difusos na área da saúde pública, do ambiente e qualidade de vida, do ordenamento do território e do património cultural, quer ao Ministério Público, como representante do interesse da colectividade, quer às associações de defesa dos interesses em causa, quer aos próprios cidadãos.

A estruturação e concreta tramitação do processo civil — respeitados que sejam os aludidos princípios constitucionais do Estado de direito democrático, do acesso à justiça, da igualdade das partes e do contraditório — configura-se, no essencial, como matéria situada fora da área da competência reservada da Assembleia da República, enunciada pelos artigos 167° e 168.° da Constituição. Como vem sendo explicitamente reconhecido pela jurisprudência constitucional, a Constituição não impõe um modelo predeterminado para o processo judicial entre particulares, gozando, consequentemente, o legislador ordinário de uma ampla margem de discricionariedade no delinear da respectiva tramitação, segundo considerações de oportunidade, eficácia e celeridade, desde que se verifique um cumprimento minimamente satisfatório daqueles princípios fundamentais e se observem as exigências de um due process of law na resolução dos litígios de natureza privada.

Por esta razão, a presente autorização legislativa incide sobre áreas ou matérias conexas ou estreitamente ligadas às tipificadas no artigo 168." da Constituição, inseridas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República.

A primeira delas reporta-se ao tema da «competência dos tribunais», procurando-se, na legislação a elaborar ao abrigo desta autorização, operar a indispensável adequação funcional das disposições da lei de processo aos preceitos constantes das leis de organização judiciária, que, ao instituírem o tribunal de círculo, vieram criar a figura da competência em razão da estrutura. Esta figura irá substituir o arcaico conceito de competência em razão do valor, pensado para reflectir as relações entre o tribunal de comarca e os há muito extintos tribunais municipais, subvertendo a tradicional e rígida distinção entre os regimes da incompetência absoluta e relativa; ao mesmo tempo que se procurará expurgar do Código de Processo Civil a regulação de matérias já tratadas pelas leis de organização judiciária, evitando sobreposições e, acima de tudo, eventuais dissonâncias de regimes.

Relativamente às matérias de competência internacional e de competência interna em razão do território — cuja regulamentação é tradicionalmente deferida pelas leis de organização judiciária ao Código de Processo Civil —, a disciplina jurídica que se pretende instituir faz eco de algumas críticas doutrinárias ao regime vigente (máxime no âmbito da competência internacional), ao mesmo tempo que se acolhem algumas soluções já constantes do anteprojecto do Código de Processo-Civil.

Na mesma perspectiva, opera-se a conciliação do quadro processual da intervenção principal do Ministério Pú-

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blico em representação de incapazes e equiparados — demasiadamente restritivo, face ao teor do artigo 15." do Código de Processo Civil, apenas pensado para a representação passiva dos absolutamente revéis — ao estatuído na Lei Orgânica do Ministério Público, que claramente admite a intervenção principal activa do Ministério Público em representação de incapazes e ausentes, propondo quaisquer acções em nome deles com vista a suprir eventuais e injustificadas inércias dos respectivos representantes legais.

Finalmente — e numa área conexa com o Estatuto dos Magistrados —, pretende-se ampliar o âmbito dos impedimentos previstos na lei de processo em vigor, alargándoos a todas as situações em que seja parte na causa qualquer pessoa que com o magistrado conviva em economia comum.

Procura conciliar-se, em termos proporcionais e adequados, o direito de defesa — ínsito no princípio do contraditório — com as necessidades de eficácia e celeridade no chamamento ao processo do réu ou do executado.

Assim — e em consonância como o propugnado no anteprojecto do Código de Processo Civil —, pretende ampliar-se às pessoas singulares a possibilidade de citação por via postal, inserindo-a num quadro especial de garantias que envolve, designadamente, o alargamento dos casos de nulidade por falta de citação, considerando-a verificada sempre que o citando, sem culpa, desconheça a realização do acto.

No âmbito da acção executiva, entende dever estender--se o formalismo típico da execução sumaríssima — com dispensa prévia da citação do executado, já condenado por decisão transitada em julgado — a todas as execuções fundadas em decisão judicial que condene no pagamento de quantia certa.

E, como reflexo do princípio da cooperação, admite-se, em termos absolutamente inovatórios no nosso ordenamento jurídico, a possibilidade de a citação ser feita sob a direcção e responsabilidade do próprio mandatário judicial do autor.

As alterações a introduzir no Código de Processo Civil ao abrigo da presente autorização legislativa visam ainda realizar — em termos inovadores na área do processo civil — uma ponderação justa, adequada e proporcional entre o direito à reserva da intimidade da vida privada, resultante do estatuído no artigo 26.°, n.° 1, da Constituição, e a indispensável salvaguarda de direitos e interesses constitucionalmente protegidos da contraparte — desde logo, o próprio direito de acesso à justiça e aos tribunais, proclamado pelo artigo 20.° da lei fundamental, perspectivado como implicando a obtenção de uma justa composição do litígio e a efectivação, no plano prático, da decisão judicial que o dirime. Não se trata, deste modo, de tutelar direitos da Administração, mas de realizar um juízo de proporcionalidade entre direitos dos cidadãos e não reparáveis senão por via da adequada limitação do direito ao sigilo. Pretende-se ainda consagrar, no âmbito do processo civil, e como decorrência do princípio da administração ou do arquivo aberto, contemplado no n.° 2 do artigo 268° da Constituição, a regra da publicidade e da tendencial liberdade de acesso ao processo — do mesmo modo que deverá ser consentido ao juiz, quando tal se revele indispensável à realização da tarefa constitucional de administrar a justiça civil, oficiosamente ou a requerimento das partes, o acesso a quaisquer elementos à guarda de entidades públicas, ainda que se trate de matérias reservadas ou confidenciais.

Tem-se como ponto incontroverso a relevância e necessidade de tutela do direito à privacidade dos cidadãos — o que, desde logo, implica que, em matérias abrangidas por qualquer dever de sigilo ou confidencialidade, o «segredo» não possa, em nenhuma circunstância, ser quebrado sem precedência de uma decisão judicial que, face às circunstâncias concretas do caso, realize um juízo de ponderação, eticamente fundado, entre aquele direito e as necessidades da administração da justiça e a retevância dos interesses ou direitos da parte contrária inefutave/mente atingidos pela prevalência do sigilo.

A tutela do direito à privacidade não deverá, porém, mesmo no âmbito das acções cíveis, configurar-se como um valor absoluto, devendo a lei de processo prever, em certas circunstâncias, a existência de limitações ou de restrições a tal direito — naturalmente em conformidade com o estatuído no artigo 18.° da Constituição —, nomeadamente em áreas relacionadas, não com a esfera pessoal íntima, mas com a esfera privada simples, envolvendo a obtenção de dados referentes à situação económico-finan-ceira de alguma das partes em causa, quando tal releve decisivamente para a ponderada e justa decisão do litígio ou seja condição indispensável à realização prática dos direitos da parte contrária.

Desta sorte, e como decorrência do citado n.° 2 do artigo 268." da lei fundamental, pretende atribuir-se ao juiz — para além da regra da publicidade do processo civil — a faculdade de determinar a prestação de informações por quaisquer serviços administrativos, sobrepondo à mera confidencialidade de tais dados o dever de administrar justiça, sempre que tal se revele indispensável ajusta dirimição do litígio ou à efectivação, em via executiva, de direitos legalmente reconhecidos. Do mesmo passo, pretende-se instituir mecanismos que obstem à eventualidade de aos elementos obtidos ser dado destino diverso do que ditou a sua requisição, ao mesmo tempo que se estabelece, para os intervenientes processuais, um dever de não divulgação, para fora do processo, de tais elementos.

Só tal regime poderá, na prática, responder a duas fundamentais alterações ao estatuído no Código de Processo Civil em vigor: desde logo, no que se refere à averiguação da residência ou paradeiro do citando, substituindo o arcaico procedimento consistente em formular mero pedido de informação à autoridade policial competente pela requisição aos serviços públicos, que devem averbar ta) residência dos elementos pertinentes, apenas se passawfc* à citação edital quando tais diligências se frustrem; para além disto, e em nome, mais uma vez, do princípio da cooperação, permitindo que o tribunal, a solicitação do exequente, possa realizar diligências tendentes a apurar com verdade a situação patrimonial do executado, e a consequente existência de bens ou rendimentos penhoráveis.

Em idêntica perspectiva — e no que se refere agora à tutela de deveres de sigilo profissional que transcendam a mera «confidencialidade» de dados à guarda de serV\ço% inseridos na Administração Pública —, a solução que se propugna como mais adequada à realização do princípio da proporcionalidade passa pela transposição para o processo civil do regime instituído no Código de Processo Penal, nomeadamente no preceituado nos artigos 135.° a 137.°

Cumprirá, deste modo, sempre a um tribunal superior decidir da eventual quebra de tal segredo, após audição do organismo representativo da profissão com ele relacionada, incumbindo-lhe realizar uma ponderação adequada,

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proporcional e eticamente fundada, que tenha em conta as exigências da função constitucionalmente cometida aos tribunais de proceder à justa composição do litígio, a natureza e relevância dos direitos privados em conflito (que, em muitos casos, poderão ser, eles próprios, direitos ou interesses de natureza pessoal, constitucionalmente tutelados) e o direito à privacidade ou intimidade da contraparte.

Na área dos recursos, as modificações que se pretende introduzir na sequência desta autorização legislativa visam essencialmente —e, desde logo, como consequência da criação de um verdadeiro segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto — proceder a uma redistribuição racional das competências funcionais das relações e do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista.

Importa, no essencial, alcançar um compromisso equilibrado e adequado entre a indispensável tutela do direito ao recurso — o direito ao controlo jurisdicional por um tribunal superior, permitindo amplamente aos sujeitos processuais reagir contra decisões que ilegitimamente os prejudiquem — e as necessidades de celeridade e eficácia, obstando, nomeadamente, ao abuso do direito de recorrer e às demoras ocasionadas pela acumulação de sucessivos graus de jurisdição incidindo sobre as mesmas questões.

Nesta perspectiva, se o objecto do recurso se reportar exclusivamente a questões de direito, pretende instituir-se a possibilidade de recurso per saltum da 1." instância para o Supremo Tribunal de Justiça, a requerimento de alguma das partes e quando o valor da causa ou da sucumbência o permitir, evitando a passagem do processo pela apreciação intermédia da 2.* instância.

Ampliam-se significativamente os poderes do relator, permitindo-se-lhe, inclusivamente, decidir os recursos que tenham por objecto questões simples ou que se revelem manifestamente infundados.

Propende-se a expurgar do Código de Processo Civil os numerosos preceitos dispersos que tipificam como crimes ou sancionam penalmente determinados comportamentos das partes ou de terceiros — muitas vezes em clara desarmonia com a lei penal vigente—, subsistindo apenas os casos que se afiguram justificados.

A única excepção a esta tendência consiste na proposta de tipificação como desobediência qualificada dos comportamentos que infrinjam providência cautelar judicialmente decretada — solução, aliás, já adoptada pelo anteprojecto do Código de Processo Civil e que se configura como perfeitamente idónea para garantir quer o prestígio da própria decisão judicial, quer o direito à tutela efectiva do requerente da providência.

Assim:

Nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 200." da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da Republica a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica o Governo autorizado a rever o Código de Processo Civil, o Código Civil e as leis de organização judiciária, nos termos e com o âmbito resultantes da presente lei.

Art. 2° As alterações a introduzir na execução desta autorização visam concretizar, no processo civil, o direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, consagrando que tal direito envolve a obtenção, em prazo razoável, de uma decisão de mérito e afirmando como princípios estruturantes do processo civil o princípio do contraditório, designadamente na medida em que pressupõe que, em momento prévio à decisão, tenha sempre lugar a audição das partes sobre as questões de direito ou de facto suscitadas, e o princípio da igualdade das partes.

Art. 3.° Na Lei de Processo será consagrada a legitimidade para a tutela de interesses difusos nas acções que visem a defesa da saúde pública, do ambiente e qualidade de vida, do ordenamento do território e do património cultural, conferindo-a ao Ministério Público, às associações de defesa dos interesses em causa e aos cidadãos.

Art. 4.°. No quadro dos princípios enunciados nos artigos anteriores, as alterações a introduzir na Lei de Processo, em matérias conexas com a competência dos tribunais e do Ministério Público, deverão contemplar:

a) A adequação plena à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais das normas de competência interna em razão da hierarquia, da matéria e da estrutura, procedendo, designadamente, à revogação dos artigos 63.° e 64.° do Código de Processo Civil e adaptando a competência para as questões reconvencionais à articulação entre tribunais de comarca e de círculo;

b) A articulação da competência para o cumprimento de cartas precatórias com a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, esclarecendo, designadamente, os casos em que a competência é do tribunal de círculo ou do tribunal de comarca, bem como as hipóteses em que tal competência pertence a tribunais de competência especializada;

c) A regulação da competência internacional dos tribunais, aproximando e adequando tal matéria ao previsto na Convenção de Bruxelas e reformulando o regime dos pactos privativos e atributivos de jurisdição, bem como as condições de validade da eleição do foro;

d) A ampliação dos casos de competência territorial determinada em função da situação dos bens, por forma a abranger as acções referentes a direitos pessoais de gozo sobre imóveis, e a adequação de tal competência à eliminação das acções de arbitramento como categoria de processo especial, subsistindo apenas a divisão de coisa comum;

e) A ampliação da competência territorial determinada em função do lugar do cumprimento das obrigações aos casos de resolução por incumprimento, consagrando-se a possibilidade de escolha do credor entre os tribunais do local do cumprimento ou do domicílio do réu;

f) A clarificação do regime da competência territorial no caso de inventário por óbito dos cônjuges, quando vigore o regime de separação de bens, e a regulação expressa da atribuição de competência no caso de cumulação de inventários;

g) A adequação das normas sobre competência territorial para o processo de falência ao diploma que instituiu o processo especial de recuperação de empresas e de falência;

h) A integração da lacuna relativa à determinação da competência territorial no caso de cumulação de pedidos para que sejam competentes tribunais diversos, estabelecendo, como regra, o critério da escolha do autor, salvo nos casos de dependência dos pedidos ou de incompetência territorial de conhecimento oficioso para algum desses pedidos;

i) A clarificação do âmbito da competência dos tri-■ bunais judiciais no que respeita ao decretamento

do embargo de obra nova realizada por entidades públicas, articulando-a com o estabelecido na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos;

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j) A adequação das disposições da lei processual e)

civil à competência conferida ao Ministério Público pela respectiva lei orgânica para representar em juízo, do lado activo, os incapazes, propondo acções adequadas à defesa dos seus interesses, e a definição dos efeitos processuais • da oposição a tal intervenção principal, quando

.-' deduzida pelo representante legal do incapaz; f)

l) A ampliação dos casos de impedimento do juiz às situações em que é parte na causa qualquer pessoa que com ele conviva em economia comum, adequando em conformidade o regime relativo às acções em que é parte o juiz ou seus familiares.

Art. 5.° As alterações a introduzir no regime da citação, no quadro dos princípios enunciados nos artigos 1.° a 3.°, contemplarão:

a) O alargamento às pessoas singulares da possibilidade de citação por via postal, sem prejuízo das garantias do citado;

b) A previsão da possibilidade de a citação ser realizada pelo mandatário judicial ou por pessoa por ele indicada, regulando-se o respectivo regime.

Art. 6.° As alterações à lei processual deverão consagrar o dever de cooperação para a descoberta da verdade, a par da necessidade de uma adequada ponderação, em termos de proporcionalidade, eticamente fundada, entre o direito à reserva da intimidade da vida privada e a obtenção da verdade material e os direitos e interesses da contraparte, dentro do seguinte quadro:

a) Previsão, como regime geral, da legitimidade da recusa, quando o cumprimento de tal dever de cooperação possa importar violação da integridade física ou moral das pessoas, intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações ou violação do sigilo profissional e de outros deveres de sigilo previstos na lei;

b) No caso de invocação de sigilo profissional, remissão, com as adaptações impostas pela natureza civil dos interesses em causa, para o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado;

c) Em situações de mera confidencialidade de dados ■que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e à identificação da entidade empregadora, ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes, atribuição ao juiz da causa da faculdade de, em despacho fundamentado, e com vista, designadamente, à realização da citação ou à efectivação da penhora, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio;

d) Relativamente ao exercício da faculdade prevista na alínea anterior, restrição da utilização dos elementos obtidos à medida indispensável para a realização dos fins que determinaram a sua requisição, excluindo a sua divulgação injustificada e a possibilidade de constituírem objecto de ficheiros de informações nominativas;

Admissão como causa de recusa legítima â 06-por como testemunha da existência de segredo profissional ou de outro legalmente tutelado, desde que o depoimento se reporte a factos abrangidos pelo dever de sigilo, remetendo-se, no que respeita a eventual quebra do segredo, para as disposições gerais sobre o direito probatório; Regulação da matéria da publicidade, consulta e acesso ao processo, articulando o interesse do requerente com a tutela de eventuais direitos à reserva e intimidade das partes ou de terceiros.

Art. 7." No que se refere ao regime dos recursos, as alterações a introduzir situar-se-ão dentro do seguinte quadro:

a) Ampliação dos poderes do relator no que se refere ao julgamento dos recursos, conferindo-se--lhe competência para proferir despachos interlocutórios e sobre incidentes suscitados e para julgar sumariamente o objecto do recurso quando a questão a decidir for simples, designadamente por ter já sido apreciada de modo uniforme e reiterado pela jurisprudência, ou quando manifestamente infundado, sem prejuízo de a parte vencida reclamar para a conferência;

b) Instituição da possibilidade de recurso per saltum da 1." instância para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o valor da causa e da sucumbência for superior à alçada da relação, circunscreven-dò-se o objecto do recurso à decisão de questões de direito, se alguma das partes requerer a subida directa do recurso àquele Supremo Tribunal;

c) Restrição, relativamente ao regime de agravo em 2." instância, do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça às decisões da relação que hajam confirmado as proferidas em 1 .* instância, quando o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito;

d) /relativamente ao que dispõe a alínea anterior, salvaguardar o regime de recurso das dccÁsões referentes ao valor da causa e daquelas a que se referem o n.°2 do artigo 678.° e a alínea a) do n.° 1 do artigo 734." do Código de Processo Civil, bem como das decisões a que se refere o artigo 621.°, quando declarem a inexistência de uma excepção peremptória;

é) Ampliação da competência das secções cíveis reunidas para, no âmbito de um julgamento ampliado de revista, proceder à uniformização da jurisprudência, oficiosamente ou a requerimento das partes, revogando, para tanto, a alínea b) do artigo 26.° da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.

Art. 8.° Relativamente à acção executiva, fica o Governo autorizado a:

d) Rever o regime da penhorabilidade e impenhorabilidade dos bens, articulando-o com a lei substantiva, distinguindo as hipóteses de penhorabilidade absoluta, relativa, parcial e subsidiária e. suçrin-

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do as lacunas referentes à penhora de depósitos bancários, estabelecendo o dever de comunicação ao tribunal do saldo da conta e regulando os termos da respectiva indisponibilidade pelo executado, e à penhora do estabelecimento comercial;

b) Alterar ó Código Civil, eliminando a moratória forçada prevista no n.° 1 do artigo 1696.° e adequando a Lei de Processo a tal alteração;

c) Ampliar o formalismo da execução sumaríssima a todas as execuções fundadas em decisão judicial condenatória, dispensando-se a citação do executado previamente à realização da penhora.

Art. 9.° — 1 — Fica o Governo autorizado a expurgar do Código de Processo Civil preceitos avulsos que estabeleçam, desnecessariamente ou em colisão com a lei penal vigente, a tipificação como crimes de determinados comportamentos das partes ou de quaisquer intervenientes processuais.

2 — No âmbito previsto no número anterior, compreende-se na presente autorização:

a) A revogação dos segmentos dos artigos 243.°, n.°2, 850.°, n.°2, 1399.°, n.° 3, 1491.°, n.°2, 1493.°, n.°2, 1496.°, n.°2, 1499.°, n.°2, e 1501.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, na parte em que cominam sanções de natureza criminal;

b) A regulação da matéria de falta de restituição do processo pelo mandatário a quem foi confiado, reduzindo para cinco dias o prazo para entrega voluntária e prevendo que, findo tal prazo, o Ministério Público accionará o procedimento pelo crime de desobediência;

c) A adequação da tipificação como desobediência já estabelecida no n.°4 do artigo 235." à nova regulamentação da citação com hora certa;

d) A tipificação como crime de desobediência qualificada de todos os comportamentos que infrinjam a providência cautelar judicialmente decretada, eliminando, consequentemente, a referência à responsabilidade criminal do dono da obra que consta do n.° 2 do artigo 420.°;

e) A atribuição ao juiz, nos casos de impossibilidade ou de grave dificuldade de comparência no tribunal, da faculdade de autorizar que o depoimento da testemunha seja prestado por escrito, datado e assinado pelo seu autor, devendo dele constar relação discriminada dos factos a que assistiu ou que verificou pessoalmente e das razões de ciência invocadas e devendo ainda o depoente declarar expressamente que o escrito se destina a ser apresentado em juízo e que está consciente de que a falsidade das declarações dele cons\anves o fará incorrer em sanções penais;

f) A tipificação como crime de falso testemunho da conduta de quem, nos termos da alínea anterior, prestar depoimento falso.

An. 10.° A presente autorização legislativa caduca no prazo de 120 dias.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Janeiro de 1995.—O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva. — O Ministro da Justiça, Alvaro José Brilhante Laborinho Lúcio. — O Ministro Adjunto, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.9 56/VI

(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, 0 ACORDO RELATIVO À v MODIFICAÇÃO DO ACORDO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA FRANCESA, ASSINADO EM : LISBOA A 3 DE ABRIL DE 1984, RESPEITANTE À UTILI-ZAÇÂ0 PELA REPÚBLICA FRANCESA DE CERTAS FACILIDADES NA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES.)

Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, - Comunidades Portuguesas e Cooperação

O Governo apresentou à Assembleia da República, nos termos constitucionais, para aprovação uma proposta de resolução que aprova o Acordo Relativo à Modificação do Acordo entre a República Portuguesa c a República Francesa, assinado em Lisboa a 3 de Abril de 1984, Respeitante à Utilização pela República Francesa de Certas Facilidades na Região Autónoma dos Açores.

Esta modificação é feita pelos mecanismos previstos no artigo 25.° do Acordo de 1984 e consubstancia-se na desistência pela Parte Francesa das facilidades concedidas na ilha das Flores, que garantiam a observação e a medição das trajectórias de engenhos balísticos franceses sem ogiva nuclear.

Contínua em vigor o Acordo de 1984 no restante, nomeadamente nas facilidades concedidas pela República Portuguesa na ilha de Santa Maria.

São, consequentemente, corrigidos, para menos, os auxílios monetários concedidos a Portugal, mantendo-se, contudo, a proporcionalidade dos fundos destinados ao desenvolvimento económico da Região Autónoma dos Açores e os destinados a material francês para as Forças Armadas Portuguesas.

Com o abandono pela República Francesa das instalações na ilha das Flores, pôs-se a questão da entrega à República Portuguesa, nos termos previstos no Acordo de 1984, das infra-estruturas aí existentes e de equipamentos e bens móveis, o que ficou resolvido nos' anexos i e n à modificação, agora apresentada para ratificação.

Um anexo ni dispõe no consonante às medidas de acompanhamento social em benefício do pessoal português empregue pela França na ilha das Flores e agora dispensado.

E de realçar que foi acordado, para além das indemnizações previstas na lei portuguesa, um complemento calculado na base da antiguidade em serviço e ainda formação profissional geral específica.

As modificações do Acordo de 1984 produziram efeitos a partir de 1 de Julho de 1993 e entraram em vigor em Novembro do mesmo ano.

Considera, assim, a Comissão de Negócios Estrangeiros que o Acordo está em condições de subir a Plenário para discussão e votação.

Palácio de São Bento, 7 de Fevereiro de 1995. — O Deputado Relator, José Reis Leite.

Relatório da Comissão de Defesa Nacional

Ao abrigo do Acordo celebrado entre a República Portuguesa e a República Francesa assinado em Lisboa em 3 de Abril de 1984 e aprovado, para ratificação, em 5 de Julho de 1985 (cf. Diário da República, I." série, n.°215, de 18 de Setembro de 1985), a República Francesa pôde

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fazer no território dos Açores observações e medições de trajectórias de engenhos balísticos sem ogiva nuclear, lançados no Atlântico a partir das costas ou águas francesas. As instalações e terrenos de onde essas observações eram feitas situavam-se principalmente na ilha das Flores, mas há também cedência de instalações e terrenos na ilha de Santa Maria, podendo ainda os navios franceses usar portos nacionais e realizar observações nas águas territoriais portuguesas situadas em torno do arquipélago dos Açores. As aeronaves francesas podiam usar o Aeroporto de Santa Maria e o Aeródromo das Flores (e, em caso de necessidade, os outros aeroportos e aeródromos dos Açores). Existem também facilidades para comunicações. Por acordo prévio da República Portuguesa, para além das instalações atrás referidas, a República Francesa poderá ainda colocar outras instalações em quaisquer outros pontos do território das ilhas dos Açores.

O Acordo tinha uma vigência de 12 anos a partir da data de entrada em vigor (1.° dia do 2.° mês seguinte à data da troca dos instrumentos de ratificação). Embora na documentação enviada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros não haja qualquer referência à data desta troca de instrumentos de ratificação, ela nunca pode ter ocorrido antes da data da publicação no Diário da República do acto de aprovação (Diário da República, de 18 de Setembro de 1985). Pode deduzir-se que o Acordo deveria vigorar pelo menos até Dezembro de 1997.

O Acordo assinado em 10 de Setembro de 1993 entre o Governo Português (representado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros) e o Governo Francês (representado pelo Embaixador de França em Portugal) altera o Acordo acima descrito.

Lamentavelmente, não foi cumprido o disposto no artigo 137°, n.os 1, alínea d), e 2, do Regimento da Assembleia da República (aplicáveis por analogia), pelo que, para além do texto do Acordo e seus anexos i e u, não há qualquer outra explicação sobre as razões desta alteração e sobre a justificação do seu conteúdo, incluindo aqui a matéria referente às consequências das alterações nos planos humano e material.

Existe parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional, mas, também lamentavelmente, o parecer nada diz sobre as razões da posição assumida. É pena que, ao contrário do que sucedeu quanto a outras propostas, a comunicação social desta vez não tenha descrito os debates ocorridos na reunião do Conselho, caso em que a informação desta Comissão seria então maior.

Há parecer favorável da Comissão de Política Geral e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa Regional dos Açores. O parecer justifica a alteração com o «desejo da República Francesa de abandonar as instalações na ilha das Flores em resultado da evolução tecnológica na área das telemedidas». Vale, assim, à Assembleia da República a informação fornecida pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Bem haja!

No essencial, a proposta em consideração consubstancia aquele «abandono» da utilização da ilha das Flores desde a data de produção de efeito do Acordo (1 de Julho de 1993).

A República Francesa acorda repor à disposição de Portugal em bom estado de conservação as instalações e empreendimentos imobiliários a cujo usufruto ou utilização renuncie. O montante das contrapartidas passa para

dois quintos do valor anterior (mantendo-se a distribuição: 60 % para a Região, 40 % para a aquisição de material militar francês pelas Forças Armadas Portuguesas). Há cedência gratuita de alguns bens móveis e outros equipamentos, enquanto os outros serão retirados pela República Francesa, podendo, no entanto, ser vendidos ou cedidos localmente.

Quanto aos trabalhadores despedidos, há o pagamento das indemnizações legais, a que acresce um complemento (valor total de 1,13 MF). Os trabalhadores a prazo recebem indemnizações calculadas da mesma forma que os trabalhadores com contrato de duração indeterminada. Está prevista formação profissional geral e formação específica.

Segundo relata a imprensa (v., por exemplo, O Semanário, de 13 de Fevereiro de 1993), foi precisamente o problema dos trabalhadores que provocou maior atraso na conclusão do Acordo. É óbvio o impacte negativo que teve de ter a saída dos franceses da ilha das Flores.

Os principais problemas que este Acordo levanta não se situam, assim, na área da política de defesa. A cedência feita em 1984 (em continuação do Acordo de 1977) levantava já interrogações, pelo que a diminuição dos encargos sobre Portugal resultantes dos ensaios militares da República Francesa só pode ser positiva (e, mesmo assim, ainda permanecem muitos encargos, todos os que não se relacionavam especificamente com a ilha das Flores). As questões que efectivamente se levantam situam-se nas consequências que advêm para o desenvolvimento e para as condições sócio-económicas da Região Autónoma dos Açores deste «jogo» da expansão, seguida da contracção, dos acordos militares. A ilha das Flores foi agora particularmente atingida, como outras ilhas o podem vir a ser, dependentes como estão de um acordo com os Estados Unidos da América. O que se impõe é fazer sustentar o processo de desenvolvimento nestas ilhas (como era o caso das Flores) não nos acordos militares, mas em actividades que permaneçam para além desses acordos e que sejam deles independentes. A situação de «acordo dependente» nunca poderá ser favorável a nenhuma das ilhas da Região. Neste quadro, levanta muitas dúvidas que as contrapartidas do Acordo, nesta nova fase, não revertam integralmente para a Região Autónoma dos Açores, para aplicações no desenvolvimento da ilha das Flores. Os 40 % das contrapartidas que vão (indirectamente) para o orçamento da defesa são uma gota de água neste orçamento, que com um pequeno esforço nacional poderiam ser aí compensados. Mas, aplicados nas F/ores, teriam um efeito muito positivo, se se direccionassem para o apoio e promoção do emprego e do desenvolvimento.

Parecer

A proposta de resolução está em condições de ser apreciada pelo Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições.

Palácio de São Bento, 7 de Fevereiro de 1995. — O Deputado Relator, João Amaral. — O Deputado Presidente da Comissão, Miranda Calha.

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