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Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 1996
II Série-A — Número 21
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
2.º SUPLEMENTO
SUMÁRIO
Projecto de revisão constitucional n.° I/VII:
Despacho n.º 6/VII, de admissibilidade ........................... 324-(18)
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II SÉRIE-A — NÚMERO 21
Despacho do Presidente da Assembleia da República n.º 6/VII, de admissibilidade do projecto de lei n.9 1/VII.
I — A primeira questão que importa dilucidar é a de saber se o presente projecto de revisão constitucional é atempado, no sentido de apresentado no momento próprio, ou seja, após aquele em que a Assembleia da República assumiu poderes constituintes.
A questão parecerá sem sentido aos olhos de quem recorde que, já na última sessão legislativa da última legislatura, a Mesa da Assembleia recebeu projectos de revisão, constituiu uma comissão eventual para os discutir e deixou que esta funcionasse até que a perspectiva de eleições gerais aconselhou a interrupção dos trabalhos.
Os anteriores projectos de lei de revisão caducaram com o fim da legislatura, mas todos estamos de acordo com o facto de que não caducaram os poderes constituintes da Assembleia da República, se esta os tinha no momento da caducidade daqueles projectos.
Não quero, porém, desconhecer que eminentes constitucionalistas defenderam, à data da reabertura do período de revisão, que este só poderia ser reaberto cinco anos volvidos sobre a revisão de 1992, sob pena de «inconstitucionalidade pretérita», na terminologia de Miguel Galvão Teles.
O argumento principal neste sentido invocado é o de que saber se a revisão de 1992 interrompeu ou não o quinquénio que à data decorria desde a revisão de 1989 depende da norma constitucional aplicável. Se essa norma é a do artigo 284.°, na redacção da Lei n.° 1/89, a revisão de 1992 interrompeu o prazo de cinco anos e só em 1997 pode ocorrer nova revisão.
De outro modo — alega-se com lógica — a interpretação contrária equivaleria a aplicar a disciplina da nova redacção dada àquele dispositivo na revisão de 1992, ao próprio momento em que a alteração ocorreu. Esta consideração chocaria especialmente os defensores da teoria da dupla revisão, entre os quais me conto. Escreveu-se a esse respeito, e em abono desse entendimento, que «a relevância jurídica de uma revisão não pode aferir-se pelas normas constitucionais que dela resultaram, mas pelas normas constitucionais de que [a revisão] resultou».
Inversamente: se a norma aplicável puder ser a do artigo 284.", na redacção dada pela lei de revisão de 1992, esta revisão não terá interrompido o prazo de cinco anos a decorrer desde a revisão de 1989.
Se algo é claro neste domínio é o facto de o legislador de 1992 ter querido evitar precisamente a conclusão retirá-vel da redacção vigente em 1989. Figurei entre os legisladores, e sei por conhecimento pessoal — embora isso seja agora irrelevante — que foi com esse propósito que se introduziu no texto do artigo 284." a distinção — que já vinha da doutrina e de anteriores constituições — entre revisão ordinária e revisão extraordinária, para o efeito de ficar cla-- ro que as revisões extraordinárias não interrompem os quinquénios contados a partir das ordinárias. E se é irrelevante a memória da minha concreta intenção, não o é o sentido objectivo (ou mesmo subjectivo) retirável da discussão havida e registada em acta.
Foi sem dúvida generalizada a convicção de que já assim devia entender-se. apesar da expressão «qualquer revisão». Mas, colocado em face da primeira revisão extraordinária na vigência da Constituição dc 1976 c do risco de isso vir a ser posto em dúvida, o legislador introduziu no texto uma formulação interpretativa no sentido daquele entendimento.
Mas não interrompiam, desde quando? Essa questão não foi considerada, pelo que a referida interpretação é possível.
Não resisto à tentação de algum pragmatismo. Se a intenção do legislador foi a que se viu; se a abertura do período de revisão, em 1995, foi julgada atempada e constitucional; se estamos em face de um limite temporal de revisão de natureza temporal, logo não material nem substantiva, sendo que se justifica aqui um distingui, é possível e é sensato admitir que o projecto de revisão constitucional em apreço é atempado, logo constitucional, no que concerne à economia do prazo da sua apresentação.
2 — No mais, o projecto foi apresentado com total cumprimento dos requisitos formais de admissibilidade.
3 — Tendo sido apresentado, com nota de entrada, em 26 de Janeiro de 1996, quaisquer outros projectos de revisão constitucional terão de dar entrada, sob pena de caducidade do correspondente direito, «no prazo de 30 dias». É o que se deduz do disposto no n.°2 do artigo 285.° da Constituição, redigido, sem margem para dúvidas, em termos de o referido prazo dever contar-se desde a data da apresentação do que primeiro tiver sido apresentado.
4 — Um projecto que se destina a rever a própria Constituição não pode ser, pela natureza das coisas, inconstitucional.
Ou melhor: só poderá sê-lo se contiver propostas que não respeitem qualquer dos limites materiais de revisão constantes do artigo 288.° da Constituição, na linha do entendimento que merece a preferência dos constitucionalistas, e também a minha, segundo o qual só uma dupla revisão poderá arredar o obstáculo consistente nos mencionados limites. Numa primeira revisão alteram-se os limites, arredando o obstáculo; numa segunda leva-se a efeito a alteração anteriormente limitada .
Contra este razoável entendimento situam-se, nomeadamente, duas teses extremistas e contraditórias: a que nega qualquer valor aos limites e a que lhes reconhece valor absoluto.
Na linha da primeira, a norma limitativa seria irrelevante. Na linha da segunda, os limites seriam inultrapassáveis ad aeternum.
Sendo que a primeira se enreda no obstáculo sem justificação possível de termos de admitir uma norma constitucional írrita e nula, a latere de todas as demais, e a segunda no pressuposto de que, apesar de a vida ser movimcvtto, só por ruptura constitucional poderia ser alterada a norma consacratória dos limites materiais de revisão, tenho por equilibrada, razoável e sensata a lese da dupla revisão.
5 — Fiel a essa tese, seria levado a considerar inconstitucionais — por fendentes de limites materiais de revisão expressos — muitas das alterações constantes do projecto de Deputados do CDS-PP.
Algumas dessas inconstitucionalidades seriam, em meu entender, frontais e incontornáveis. Outras consistiriam em violações de limites materiais que protegem a garantia de liberdades e direitos com registo na Constituição e que o projecto claramente desrespeita, formulando propostas em que tais liberdades e direitos são ou eliminados ou mitigados.
Estariam, nomeadamente, entre as primeiras as propostas de alteração que desrespeitam, em matéria eleitoral, o sistema da representação proporcional e nomeadamente a sua aplicação à conversão de votos em mandatos [limite material constante da alínea h) do artigo 288.° da Constituição).
Este limite inviabilizaria, nomeadamente, as propostas de círculos uninominais de candidatura e de recurso ao sistema maioritário a duas voltas (propostas constantes dos artigos 152.°, n.°6, 156.°, n.°4, 232.°, n.°2, e 241.°).
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Estariam entre as segundas, ainda a título de exemplo, propostas que eliminam o registo de direitos que a Constituição reconhece aos cidadãos em geral — por constituírem direitos, liberdades e garantias — ou especificamente aos trabalhadores, sendo que os direitos que a Constituição lhes garante se revestem — directamente ou por analogia — da natureza daqueles.
Ora é limite material de revisão o respeito pelos «direitos, liberdades e garantias» [artigo 288.° alínea ¿0]. e não menos o respeito pelos direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais [artigo 288.°, alínea e)].
São numerosas as propostas do projecto em apreciação que desrespeitam os mencionados limites. A título de exemplo, mencionam-se as consistentes na eliminação do artigo 90." e na redacção proposta para os artigos 54.°, 57.°, 59." e 63.°, para não sair dos casos mais frisantes.
De outro ângulo: se o limite material de revisão que manda respeitar «a autonomia das autarquias locais» se reporta a todas as previstas na Constituição—já que só se pode respeitar a sua autonomia respeitando a sua existência —, violará aquele limite o apagamento da prevista constituição de regiões administrativas.
Resta a consideração de que a inclusa proposta de revisão dos actuais limites materiais pode, em si, ser de duvi-
dosa constitucionalidade, na medida em que se considere que se propõe a eliminação de limites estruturantes da Constituição material.
Seria, tipicamente, o caso — eventualmente além de outros — do limite material constante da alínea/?) do artigo288.°
6 — Eis quanto bastaria para, segundo um critério de apreciação menos flexível, poder recusar a admissão do projecto em apreço.
Mas é óbvio que os seus autores perfilharam um dos pontos de vista que têm sido defendidos quanto ao grau de respeito devido aos limites materiais de revisão constitucional.
Bastaria essa circunstância — a de estarmos num domínio em que a interpretação da lei tem sido questionada — para me considerar no dever de admiti-lo, como admito, ainda que com as mencionadas reservas.
Registe-se, publique-se e notifique-se. Aguarde-se deliberação sobre se se constitui, como de hábito, uma comissão eventual para a apreciação de todos os projectos de revisão apresentados. A ser assim, como se espera, baixe a essa Comissão.
Palácio de São Bento, 30 de Janeiro de 1996. — O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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