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Sexta-feira, 4 de Outubro de 1996

II Série-A — Número 65

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.a SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

sumário

Projectos de lei (n.« 208/VH, 209/Vn, 215/VTI e 216/VH):

N.° 208/VII (Criação de vagas adicionais no ensino superior, reposição de justiça no acesso ao ensino superior):

Recurso de admissibilidade interposto pelo PS e parecer elaborado sobre o mesmo pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.................................................................................. .1526

Relatório.e parecer elaborado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura............................................... 1529

N.° 209/VII (Cria vagas adicionais para os estudantes que - realizaram a 2.* fase dos exames nacionais):

V. Projecto de lei n." 208/VÜ.

N.° 215/VII (Criação de vagas adicionais no acesso ao ensino superior):

Idem.

N.° 2167VII — Regime de promoção do uso de papel reciclado (apresentado por Os Verdes)............................ 1531

Proposta de lei n.° 58/VH:

Visa criminalizar condutas susceptíveis de. criar perigo para a vida e integridade física, decorrente do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou desportivas.................. 1532

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II SÉRIE-A — NÚMERO 6S

PROJECTO DE LEI N.9 208/VII

(CRIAÇÃO OE VAGAS ADICIONAIS NO ENSINO SUPERIOR, REPOSIÇÃO DE JUSTIÇA NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR).

PROJECTO DE LEI N.9 209A/II

(CRIA VAGAS ADICIONAIS PARA OS ESTUDANTES QUE REALIZARAM A 2/ FASE DOS EXAMES NACIONAIS)

PROJECTO DE LEI N.9 215/VII

(CRIAÇÃO DE VAGAS ADICIONAIS NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR)

Recurso de admissibilidade interposto pelo PS

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 139.°, n.° 2, do Regimento, os Deputados signatários vêm recorrer da admissão dos projectos de lei em epígrafe, porquanto as normas que propõem, com vista a alterar o regime jurídico do numerus clausus legalmente vigente:

a) Violam o disposto no artigo 76.°, n.° 2, da Constituição da República, que consagra a autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira das universidades;

b) Não sendo por definição aplicáveis a estudantes que, pressupondo a estabilidade do regime em vigor, viram consumadas já as suas opções de ingresso no ensino superior, insütuiriam inconstitucionalmente — com preterição do disposto nos artigos 13.° e 76.°, n.° 1, da Constituição—vagas adicionais que só poderiam ser preenchidas por alguns candidatos da 2.° fase do concurso.

Acresce, quanto ao projecto de lei n.° 208/VJT, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, que as normas propostas acarretam despesas orçamentais não inscritas nos instrumentos financeiros em vigor, violando o disposto no artigo 170.°, n.° 2, da Constituição.

Pelo que devem os projectos de lei em causa ver recusada a admissão, para todos os efeitos constitucionais e regimentais.

Os Deputados do PS: António Braga — José Magalhães — Jorge Lacão.

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

1 — Introdução

Vários Deputados do Partido Socialista recorreram, nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 139." do Regimento, da admissão pelo Sr. Presidente da Assembleia da República dos projectos de lei n.<« 208/VJJ (PSD) e 209/ Vil (PP), que visam a criação de vagas adicionais no ensino superior público para estudantes que realizaram a 2.° fase dos exames nacionais para acesso a este grau de ensino.

Invocam os requerentes que as normas propostas com vista a alterar o regime jurídico do numerus clausus legalmente vigente:

a) Violam o disposto no n.° 2 do artigo 76.° da Constituição da República, que consagra a autonomia universitária;

b) Na medida em que visam instituir vagas adicionais que só poderiam ser preenchidas por a/guns candidatos da 2.° fase do concurso, violam o disposto nos artigos 13.° e 76.", n.° 1, da Constituição.

Acresce, quanto ao projecto de lei n.° 208/VÍI, que as normas propostas acarretam despesas orçamentais não inscritas nos instrumentos financeiros em vigor, violando assim o disposto no n.° 2 do artigo 170.° da Constituição.

Cumpre, portanto, apreciar cada uma das questões suscitadas.

2 — Sobre a eventual violação do n.9 2 do artigo 76.° da Constituição

Na opinião dos Deputados recorrentes, os projectos de lei n.os 208/VII e 209/VII violam o disposto no n.° 2 do artigo 76.° da Constituição, referente à autonomia das universidades.

Dispõe esta norma constitucional que «as universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira».

Trata-se de saber se o que propõem as iniciativas legislativas sob recurso — que sejam criadas vagas adicionais nos estabelecimentos de ensino superior público caso tal se revele necessário para garantir o ingresso no próximo ano lectivo de todos os estudantes que tenham obtido na época de Setembro nota de candidatura igual ou superior à do último colocado na 1fase no mesmo par curso/estabelecimento — pode ser determinado por lei da Assembleia da República sem incorrer em violação da citada disposição constitucional.

A autonomia universitária está, portanto, nos termos constitucionais, sujeita a reserva de lei, cabendo à íei definir os seus limites, não podendo, porém (J. Gomes Ca-notilho e Vital Moreira, in Constituição da Repúòftca Portuguesa Anotada, 1993, p. 374), deixar de «garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a poder salvaguardar-se o núcleo essencial da autonomia universitária».

Este conceito de autonomia universitária vem densificado na Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro, sobre autonomia das universidades, nas suas diversas componentes:

Autonomia estatutária (artigos 3." e 4.°), traduzida no direito de elaboração dos respectivos estatutos (embora sujeitos a homologação ministerial), que devem conter as normas fundamentais da sua organização interna, nos planos científico, pedagógico, financeiro e administrativo, bem como o regime das autonomias das respectivas unidades orgânicas;

Autonomia cienüTica (artigo 6.°), que confere às universidades a capacidade de livremente definir, programar e executar a investigação e demais actividades científicas e culturais;

Autonomia pedagógica (artigo 7.°), no uso da qual as universidades gozam da faculdade de criação, suspensão e extinção de cursos, tendo igualmente autonomia na elaboração dos planos de estudo e programas das disciplinas, definição dos métodos de ensino, escolha dos processos de avaliação de conhecimentos e ensaio de novas experiências pedagógicas;

Autonomia administrativa e financeira (artigo 8.°>, a exercer no quadro da legislação geral aplicável, envolvendo designadamente a dispensa de visto

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prévio do Tribunal de Contas, excepto nos casos de recrutamento de pessoal com vínculo à função pública, o direito a dispor do seu património, a gerir livremente as verbas que lhes sejam atribuídas nos Orçamentos do Estado, a transferir verbas entre as diferentes rubricas c capítulos orçamentais, a elaborar programas plurianuais, a obter receitas próprias e a geri-las, bem como a arrendar directamente edifícios indispensáveis ao seu •funcionamento.

'Não decorre portanto da Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro, que a matéria relativa à determinação do número de vagas disponíveis em cada estabelecimento universitário público se inclua no âmbito da respectiva autonomia. Pelo contrário, o regime de acesso ao ensino superior e concretamente o número de vagas existente em cada estabelecimento de ensino universitário não é algo que se encontre apenas na disponibilidade do próprio, no âmbito da sua autonomia, sendo antes uma matéria objecto de regulação autónoma, por forma a salvaguardar princípios que a própria Constituição enumera no n.° 1 do artigo 76.°

A autonomia universitária, tal como se encontra desenhada nos termos constitucionais e legais, não contempla o direito das universidades a definir unilateralmente o número de vagas de que dispõem em cada ano, embora implique, indeclinavelmente, um direito de participação nessa definição.

A matéria relativa ao acesso ao ensino superior não é um assunto exclusivamente interno das instituições deste grau de ensino. Não é algo que se possa incluir no «núcleo essencial» da autonomia universitária. É a própria Constituição que dispõe, no n.° 1 do seu artigo 76.", que «o regime de acesso à universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País».

Assim, na definição do regime de acesso ao ensino superior hão-de contar não apenas critérios autónomos das instituições de ensino superior mas também critérios de política educativa constitucionalmente consagrados, cuja salvaguarda cabe fundamentalmente aos órgãos de soberania.

Por imperativo constitucional, a determinação legal do regime de acesso ao ensino superior deve, portanto, reportar-se aos objectivos de garantir a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades de quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e cienüTico do País. São, aliás, estes os objectivos que constam da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro), no seu artigo 12.°, n.° 3, que dispõe que «o acesso a cada curso do ensino superior deve ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País, podendo ainda ser condicionado» — acrescenta-se — «pela necessidade de garantir a qualidade de ensino».

Acrescenta ainda este diploma, no n.° 4 do artigo 12.°, que «o Estado deve criar as condições que garantam aos cidadãos a possibilidade de frequentar o ensino superior, de forma a impedir os efeitos discriminatórios decorrentes das desigualdades económicas e regionais ou de desvantagens sociais prévias».

Resulta claro do disposto que em matéria de acesso ao ensino superior, quer globalmente considerado quer no que

se refere a cada curso, estão em causa incumbências do Estado, cujo cumprimento deve ser assegurado em primeira linha pela Assembleia da República e pelo Governo, não sendo algo que se encontre na disponibilidade absoluta de cada estabelecimento de ensino.

O Decreto-Lei n.° 28-B/96, de 4 de Abril, que presentemente vigora em matéria de acesso ao ensino superior, estabelece um regime de determinação de vagas no ensino superior público sujeito a limitações quantitativas (artigo 3.°) decorrentes do número de vagas que são fixadas anualmente pelos órgãos de cada instituição e que são comunicadas ao Ministério da Educação, podendo o Ministro determinar a sua simples divulgação, ou aprovar as mesmas com alterações, se entender que tal se justifica, tendo em vista a respectiva adequação à política educativa. Caso em que, tal fixação se processa por portaria ministerial (v. artigo 5.°).

Pode questionar-se com fundadas razões a adequação à Constituição de regimes de acesso ao ensino superior assentes em limitações quantitativas globais (vulgo nume-rus clausus) determinadas, não tanto em função das necessidades em quadros qualificados ou da elevação do nível educativo, cultural e científico do País, mas, sobretudo, de acordo com disponibilidades físicas dos estabelecimentos de ensino. O que já não parece questionável do ponto de vista constitucional é que a determinação das vagas existentes seja estabelecida por proposta das instituições, sujeita embora a uma decisão governamental eventualmente correctiva que assegure a sua adequação à política educativa globalmente definida e inclusivamente ao cumprimento dos imperativos constitucionais em matéria de acesso ao ensino superior.

É mesmo a própria Lei n.° 108/88 (autonomia universitária) que estabelece no seu artigo 28." que o Governo exerce o poder de tutela sobre as universidades tendo em vista a salvaguarda dos interesses nacionais, a garantia da integração de cada universidade no sistema educativo e a correcta articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura, incluindo tal poder a competência para, nos termos da alínea b) do n.° 2, «aprovar, tendo em vista a respectiva adequação à política educativa e ao interesse nacional, o número máximo de matrículas anuais, sob proposta das universidades».

Sendo esta uma competência conferida ao Governo por acto legislativo da Assembleia da República, nada impede esta Assembleia, enquanto órgão de soberania que detém o primado da competência legislativa, que detém inclusivamente a reserva absoluta de competência legislativa em matéria de definição de bases dos sistema de ensino [artigo 167.°, alínea i), da Constituição da República Portuguesa] e que possui competência legislativa genérica em matérias não reservadas pela Constituição ao Governo [artigo 164.", alínea d), da Constituição da República Portuguesa], de determinar por via legislativa uma actuação governamental no sentido da criação eventual de vagas adicionais para acesso ao ensino superior por forma a reparar situações de injustiça geradas por erros imputáveis à Administração.

Tanto mais quanto a criação de vagas adicionais para o acesso ao ensino superior não é algo de estranho ao nosso ordenamento jurídico. Basta reparar no n.° 1 do artigo 41.° do Regulamento do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 1996-1997, aprovado pela Portaria n.° 241/96, de 4 de Julho, para verificar que, «quando, por erro não imputável directa ou indirectamente

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ao candidato, não tenha havido colocação, ou tenha havido

erro na colocação, este é colocado no curso e estabelecimento em que teria sido colocado na ausência do erro, mesmo que para esse fim seja necessário criar vaga adicional».

Ora, se o Governo pode, em determinadas circunstâncias, criar vagas adicionais, sem que alguma vez tenha sido invocada a inconstitucionalidade de tal possibilidade, por que razão não poderá a Assembleia da República — por via legal — prever igual dispositivo noutras circunstâncias que também decorrem, aliás, de erros não imputáveis aos candidatos?

Sendo certo, porém, que a aprovação de legislação sobre tal matéria carece de audição do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, nos termos do n.° 1 do artigo 4.° da Lei n.° 108/88, cuja preterição poria seguramente em causa um princípio participativo basilar, inscrito no artigo 77." da Constituição.

3 — Sobre a eventual violação dos princípios constitucionais da Igualdade de oportunidades (artigo 76.*, n.* 1) e da Igualdade (artigo 13.a da Constituição da República Portuguesa).

Invocam os Deputados requerentes que, não sendo por definição aplicáveis a estudantes que, pressupondo a estabilidade do regime em vigor, viram consumadas já as suas opções de ingresso no ensino superior, as normas propostas instituiriam inconstitucionalmente vagas adicionais que só poderiam ser preenchidas por alguns candidatos da 2." fase do concurso.

Vejamos então.

O princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, constante do artigo 13." da Constituição, consiste essencialmente, seguindo Gomes Canoülho e Vital Moreira (op. cit., p. 127), na proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever, bem como na proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever.

Quando se propõe que os estudantes candidatos ao ingresso no ensino superior que, na sequência dos exames de Setembro de 1996, tenham obtido nota de candidatura igual ou superior, em cada par curso/estabelecimento, ao último colocado para o mesmo par curso/estabelecimento na 1.* fase tenham direito ao ingresso pretendido nó ano lectivo de 1996-1997, ainda que, para o efeito, seja necessário criar vaga adicional, trata-se de saber se estamos perante um privilégio atribuído a alguns candidatos perante os demais, ou se, por outro ângulo, alguém se pode considerar prejudicado por ser excluído da aplicação do regime proposto.

De entre os candidatos ao ensino superior nas várias fases em que se processa o concurso de acesso para o próximo ano lectivo, facilmente se verifica que os únicos excluídos da aplicação do regime proposto são precisamente os candidatos já colocados na 1 .* fase do concurso. Todos os demais — incluindo os candidatos não colocados na 1.' fase, os estudantes que, embora reunindo condições de candidatura no prazo de apresentação das candidaturas da 1.' fase, a não apresentaram e os estudantes que só reuniram as condições de candidatura após o fim do prazo de apresentação das candidaturas da 1 .* fase — podem apresentar-se à 2.° fase do concurso.

Assim é neste ano lectivo como tem sido, aliás, nos anteriores. A novidade constante do regime proposto consiste em determinar que, de entre os candidatos na 2.* fase,

têm acesso assegurado todos aqueles que se apresentem

com uma nota dé candidatura igual ou superior à nota do último colocado no mesmo curso na 1." fase. Trata-se afinal de considerar tal nota como um limiar mínimo de ingresso, a garantir, se necessário, através da criação de vagas adicionais.

Assim, nenhum dos candidatos ao ensino superior já colocados na 1 .* fase vê a sua situação de alguma forma preterida. Quanto aos candidatos na 2.° fase, é-lhes atribuída uma garantia de acesso condicionada à obtenção de determinada nota, não como situação de privilégio mas como reparação decorrente do reconhecimento de que a classificação que obtiveram na 1.° fase de candidatura pode ter sido afectada negativamente por erros e deficiências dos exames nacionais do ensino secundário realizados na primeira época.

E não se afirme que a instituição de um regime como o proposto viria instituir privilégios com que os estudantes já colocados na 1." fase não poderiam contar. Ao contrário. A falta de instituição de um regime destinado a reparar injustiças criadas pelos erros dos exames nacionais do ensino secundário é que seria susceptível não apenas de manter tais injustiças como de gorar legítimas expectativas quanto à sua reparação.

Importa efectivamente lembrar que, logo após a realização dos exames nacionais do ensino secundário, a Comissão Permanente da Assembleia da República, em deliberação unânime amplamente difundida pela comunicação social, recomendou expressamente ao Governo a adopção de medidas que permitissem «a todos os estudantes que o desejem e para efeitos de melhoria de nota uma última oportunidade [...] por forma a minorar as consequências dos erros verificados», recomendando ainda a adequação em conformidade do calendário do concurso de ingresso no ensino superior.

Verificado o incumprimento desta recomendação por parte do Executivo, parece não restar à Assembleia da República mais do que uma de duas soluções: ou aceitar passivamente a frustração de uma expectativa legítima que a sua deliberação unânime criou em todos os estudantes ou, pelo contrário, aprovar medidas legislativas que corrijam os efeitos negativos do referido incumpvimeuto. Não parece que a segunda opção, nos termos em que é proposta, seja susceptível de privilegiar injustificadamente uns ou preterir direitos de outros. Não se vislumbra, portanto, qualquer violação do princípio da igualdade perante a lei ou do princípio da igualdade de oportunidades consagrados na Constituição.

4 — Sobre a eventual violação do n.a 2 do artigo 170.a da Constituição

Quanto ao projecto de lei n.° 208/VII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, entendem os recorrentes que as normas propostas acarretam despesas orçamentais não inscritas nos instrumentos financeiros em vigor, violando o disposto no n.° 2 do artigo 170.° da Constituição.

Dispõe esta norma constitucional que os Deputados ou grupos parlamentares não podem apresentar projectos de lei que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento.

A questão é, portanto, a de saber se a criação de vagas adicionais no acesso ao ensino superior, caso se revele necessária, implicaria um aumento de despesas públicas não previstas no Orçamento do Estado para 1996, caso em que seria manifestamente inconstitucional.

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Paxa responder a esta questão importa desde logo equacionar a relação existente entre a determinação do número de vagas disponíveis em cada estabelecimento de ensino superior público para um dado ano lectivo e a elaboração e aprovação dos respectivos orçamentos anuais. Por outras palavras, importa saber se, quando o Orçamento do Estado para 1996 — no que se refere à dotação de cada estabelecimento de ensino superior — foi elaborado e aprovado, teve em linha de conta o número de vagas disponíveis para o ano lectivo de 1996-1997. Não teve, nem poderia ter tido, na medida em que a determinação do numerus clausus para o ano lectivo seguinte é posterior à aprovação do Orçamento do Estado para o ano em que tal determinação se processa.

Assim, a determinação das vagas para o ano lectivo de 1996-1997 diz respeito, sobretudo, ao exercício orçamental de 1997, que não poderá deixar de tê-las em conta. Se a fixação do numerus clausus para cada ano lectivo fosse condicionada pelas verbas inscritas no Orçamento do Estado vigente no momento da fixação, tomar-se-ia inconstitucional qualquer aumento de vagas para o ano seguinte, por violação do artigo 170.°, n.° 2, da Constituição, o que conduziria, obviamente, ao absurdo.

A situação de relativa indeterminabilidade do número de alunos no ano lectivo seguinte, dada a não coincidência entre o ano lectivo e o ano orçamental, é algo com que a elaboração dos Orçamentos do Estado tem sempre de contar, dentro de certos limites. Não é de supor que tais limites sejam ultrapassados com a eventual criação das vagas adicionais que, nos termos propostos, se revelem necessárias.

5 — Conclusão

De onde se conclui que a criação de vagas adicionais para acesso ao ensino superior público nos termos constantes dos projectos de lei n.<* 208/VTJ e 209/VII:

a) Não violam o n.° 2 do artigo 76.° da Constituição, dado que a competência para a determinação do número de vagas de acesso a cada es-

» tabelecimento de ensino universitário público não se insere no âmbito próprio da autonomia universitária, tal como a Constituição e a lei a definem;

b) Não violam o princípio constitucional da igualdade de oportunidades e da igualdade perante a lei (artigos 13.° e 76.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), na medida em que, visando corrigir situações de eventual injustiça, não representam a atribuição de quaisquer privilégios injustificados, nem se vislumbra que impliquem o (prejuízo de quaisquer direitos ou expectativas de outrem;

concluindo-se de igual modo que o projecto de lei n.° 208/VTI não viola o n.° 2 do artigo 170." da Constituição, na medida em que os encargos financeiros decorrentes das vagas adicionais eventualmente criadas por força da sua aplicação não poderão deixar de ser considerados na elaboração e aprovação do Orçamento do Estado para 1997, sendo os seus eventuais efeitos financeiros no ano te \996 uma consequência necessária da falta de coincidência entre o ano lectivo e o ano orçamental.

Nestes termos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que os projectos de lei n.os 208/VJJ. e 209/VJT não enfermam de

inconstitucionalidades, estando, portanto, em condições de ser admitidos nos termos regimentais.

Palácio de São Bento, 2 de Outubro de 1996. — O Deputado Relator, António Filipe. — O Deputado Presidente, Alberto Martins.

Nota. — O parecer foi aprovado, com votos a favor do PSD, PP e PCP e votos contra do PS.

Relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura

I — Analisa sucinta dos factos, situações e realidades que respeitam à matéria abordada nos projectos de lei n.°» 208/VII (Criação de vagas adicionais no ensino superior, reposição de Justiça no acesso ao ensino superior) (PSD), 209/VII (Cria veges adicionais para os estudantes que realizaram a 2.a fase dos exames nacionais) (PP) e 215/VII (Criação de vagas adicionais no acesso ao ensino superior) (PCP).

As iniciativas legislativas dos Grupos Parlamentares do PSD, PP e PCP versam sobre o acesso ao ensino superior.

Com estas iniciativas pretendem os proponentes a criação de vagas adicionais no acesso ao ensino superior por forma a permitir a colocação no curso/estabelecimento dos estudantes que venham a obter nota igual ou superior (projectos do PSD e do PCP) ou apenas superior (projecto do PP) à do último candidato colocado no mesmo curso/estabelecimento na 1.* fase.

Enquanto o projecto de lei do PSD tem apenas um artigo único que estabelece a criação de vagas adicionais, já o do PP prevê ainda que as vagas adicionais serão criadas por portaria, e explicita que o âmbito de aplicação do diploma respeita exclusivamente à matrícula e inscrição no ensino superior no ano lectivo de 1996-1997.

Por seu lado, o projecto de lei do PCP estabelece que o Ministério da Educação, em colaboração com as instituições universitárias, respeitando a autonomia universitária, deve tomar as medidas adequadas à criação das vagas adicionais.

Pretende ainda assegurar àqueles estudantes para os quais não seja possível criar vagas adicionais a ocupação voluntária das vagas livres noutros pares curso/estabelecimento ou a sua colocação, caso se afigure ainda assim necessário, extraconcurso no próximo ano lectivo no mesmo curso/estabelecimento em que se deveriam ter matriculado no corrente ano.

No que respeita aos motivos explicitados, que estiveram na base da apresentação das presentes iniciativas legislativas, são coincidentes e podem resumir-se aos seguintes:

A 1." fase dos exames de acesso ao ensino superior ficou marcada por erros de concepção e de execução, por omissões e com distorções na avaliação, prejudicando milhares de jovens estudantes;

Não obstante as deliberações aprovadas pela Comissão Permanente da Assembleia da República dirigidas ao Governo no sentido da adopção de medidas que reponham a justiça aos estudantes prejudicados, o Governo não acatou tais deliberações, situação que justifica, segundo os seus autores, a apresentação das iniciativas legislativas em apreço.

De acordo com os autores, a criação de vagas adicionais no ensino superior constitui-se como um mecanismo

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de reposição de justiça, tendo em consideração as vicissitudes que envolveram a 1." fase de candidatura ao ensino superior.

Relativamente às circunstâncias em que decorreram os exames do 12.° ano:

1) Na realização das provas finais do 12.° ano, na 1época, 1." chamada e em algumas disciplinas, detectaram-se incorrecções e erros nos seus textos;

2) Esses erros e incorrecções contribuíram para o estabelecimento de um clima de insatisfação e eventualmente poderiam ter influenciado de forma negativa o decurso dos exames para os alunos;

3) Aos alunos que foram confrontados com essas situações foi dada a oportunidade de realizar o mesmo exame na 2." chamada, 1." época;

4) Foi ainda permitido aos mesmos alunos optar entre a classificação obtida nas 1." e 2.' chamadas;

5) Nas restantes provas de exames não se verificaram erros ou incorrecções.

(I — Dos antecedentes

Os projectos de lei em análise não têm quaisquer antecedentes em legislaturas anteriores.

Somente na presente legislatura, por meio dos projectos de lei ora em análise, se apresentam iniciativas no sentido da criação de vagas adicionais no ensino superior para os estudantes, candidatos em 2." fase ao ingresso no ensino superior que na 2.° época de exames finais do 12.° ano de escolaridade obtenham média final de ingresso igual ou superior para o mesmo curso/estabelecimento à do último candidato aí colocado na 1." fase de candidatura.

Contudo, a Comissão Permanente já havia aprovado duas deliberações — respectivamente, a deliberação n.° 18--CP/96, de 18 de Julho, que recomendava ao Governo a adopção de medidas sobre os exames finais do ensino secundário (anexo), e a deliberação n.° 21-CP/96, de 12 de Setembro, que recomendava textualmente ao Governo que procedesse à criação de vagas adicionais no ensino superior, deliberação essa suportada, na sua fundamentação, na anterior recomendação.

Ill — Enquadramento legal e doutrinário

A matéria objecto dos projectos de lei vertentes, ou seja, a criação de novas vagas nas universidades para o ano lectivo de 1996-1997, uma vez que pretende alterar o nume-rus clausus, deve ser devidamente apreciada à luz do disposto no artigo 16° da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, o n.° 1 do referido artigo estabelece que «o regime de acesso à universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País».

Ainda no mesmo artigo, o n.° 2 consagra expressamente a autonomia universitária, estatuindo que «as universidades gozam, nos termos da lei, da autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira».

De acordo com a doutrina, designadamente segundo J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o regime de acesso ao ensino superior é uma concretização do direito ao

ensino, aplicado ao mais alto nível escolar, embora deixando entender a autonomização de limites à frequência do ensino superior, através de limitações ao acesso». E acrescentam: «Resta saber se essas limitações podem revestir a forma de limitação quantitativa ou contingen-tação (numeras clausus), para o que a Constituição não fornece nenhuma indicação. Contudo, a não ser ilícito à partida, o numerus clausus deve respeitar os requisitos constitucionais:

a) Deve ser justificado apenas por razões de excesso de quadros qualificados em relação as necessidades do País, e não por razões de saturação escolar;

b) Os critérios de acesso dentro do contingente definido devem ter em conta a igualdade de oportunidades e a democratização do ensino;

c) Consequentemente, e nos cursos a que deva aplicar-se, deve abranger igualmente as escolas públicas e as escolas particulares, pois só assim se pode controlar a produção de quadros qualificados e, sobretudo, observar o próprio princípio da igualdade.»

De acordo com a Constituição da República Portuguesa, as universidades gozam de autonomia estatutária, cientifica, pedagógica, administrativa e financeira, nos termos da lei.

IV — Contributos recebidos por entidades 'com intetesse na matéria em apreciação

Os projectos de lei em apreço foram remetidos, com pedido de parecer, ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, à Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), à Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE), à Federação Nacional dos Professores (FENPROF), ao Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), ao Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP) e às associações académicas do ensino superior público.

Recebeu esta Comissão parlamentar um ofício do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas que nos remete apenas para a «posição assumida» num comunicado daquele órgão emitido em 19 de Setembro do corrente ano.

Na posse desse comunicado, podemos sintetizar a posição pública do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas no seguinte:

1) «Tomou conhecimento dos referidos projectos via comunicação social»;

2) Os referidos projectos são «lesivos do exercício da autonomia universitária», porquanto «a fixação das vagas vem anualmente a ser feita em diálogo entre o Governo e as universidades, tendo em conta as políticas definidas e as capacidades das instituições»;

3) Consideram que estas medidas avulsas não têm em conta esta prática e são, «por isso, inaceitáveis, não só em termos de princípios» mas ainda por serem de «consequências imprevisíveis»;

4) Colidem com o «princípio da igualdade», porquanto, segundo afirmam, os alunos que concluíram na 1." época o 12.° ano «e ficaram com a

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convicção de que teriam uma alta probabilidade de ingressar no ensino superior, podem ter decidido não se candidatar na época de Setembro para melhoria de nota», uma vez que não estava prevista nenhuma alteração do calendário de candidaturas e por se encontrarem disponíveis apenas as vagas sobrantes, o que «impossibilitava, à partida, a candidatura à maioria dos cursos»;

5) Pervertem as regras gerais dos alunos colocados na 1." fase ao possibilitarem a colocação dos alunos que realizaram as provas finais do 12.° ano de escolaridade em Setembro, no par curso/estabelecimento da sua escolha, desde que tenham nota de candidatura superior à do último colocado. Fundamentam-se no facto de «só uma percentagem de 48,3 %» ter obtido colocação na 1." opção e por isso se dar «uma vantagem aos que realizaram exame na época de Setembro, uma vez que serão colocados na 1." opção, criando injustiças flagrantes»;

6) Referem, ainda: os alunos que não obtiveram nota de candidatura que lhes permitisse colocação na 1 .* fase e que, não tendo conhecimento de «quaisquer alterações das regras», optaram por «tentar a sua sorte no próximo ano poderão muito justamente reclamar contra esta legislação de que não poderão beneficiar»;

7) Finalmente referem ainda a denominada «lei travão», no que se refere ao projecto de lei do PSD, e afirmam que a solução proposta pelo PP no sentido de evitar incorrer na alçada da referida «lei travão» é «impraticável, pois as universidades consideram inaceitável iniciar o ano lectivo em Janeiro de 1997, não podendo também aceitar mais alunos impostos por decreto-lei do Governo se não tiverem as condições mínimas para um ensino de qualidade»;

8) Deste modo, e com «estas razões, é opinião do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas que os dois projectos de lei não devem ser aprovados».

O facto de esta Comissão ter sido remetida para o comunicado impediu conhecer a opinião do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas relativamente ao projecto de lei do PCP.

V —Conclusões e parecer

Centrada a matéria que nos ocupa, de forma sucinta, no ponto de vista do seu enquadramento legal e doutrinário e ainda dos factos que lhe deram origem, importa concluir, para enformar o parecer:

1) Que os proponentes identificam como principal motivação a garantia de entrada no ensino superior dos estudantes que obtiveram, na sequência dos exames de Setembro, nota de candidatura igual ou superior às que permitiram a entrada na 1.' fase;

2) Que, para o efeito e quando necessário, se criem vagas adicionais;

3) Com a preocupação de colmatar as situações de injustiça criadas pelo surgimento de erros, gralhas

e incorrecções na realização das provas da 1.° chamada dos exames finais do ensino secundário, foi garantida pelo Governo a possibilidade de os alunos directamente atingidos por essas lamentáveis situações realizarem uma segunda prova ainda na 1." época; 4) A criação de vagas adicionais altera as regras no final do concurso de ingresso no ensino superior justificada pelos autores por forma a correspon-• der à deliberação da Assembleia da República de 18 de Julho.

Os grupos parlamentares reservam as suas posições substantivas sobre a matéria para a discussão no Plenário.

Nestes termos, os projectos de lei n.os 208/VII (PSD), 209/VI3 (PP) e 215/VII (PCP) encontram-se em condições para serem apreciados em Plenário.

Palácio de São Bento, 3 de Outubro de 1996. — O Deputado Presidente, Pedro Pinto. — O Deputado Relator, António Braga.

PROJECTO DE LEI N.s 216/VII

REGIME DE PROMOÇÃO DO USO DE PAPEL RECICLADO

Nota justificativa

A crescente procura de papel, em grande medida, exigida pelos padrões de crescimento consumista das sociedades, a que não corresponde um proporcional reaproveitamento do papel já utilizado, torna ainda mais urgente a adopção do princípio da reciclagem como forma de garantir a preservação dos recursos naturais e o futuro do Planeta.

Com efeito, não só do ponto de vista ecológico a reciclagem se justifica plenamente como forma de poupar a floresta, reduzir significativamente o consumo de água e energia gastos na produção de papel e evitar a expansão desmedida de espécies de crescimento rápido, com inegáveis impactes ambientais negativos, como também do ponto de vista económico se justifica ao combater o desperdício, reduzir a importação de matérias-primas e evitar a deposição de mais um resíduo sólido supérfluo, assim transformado em matéria-prima secundária.

Também em Portugal — exemplo paradigmático da deficiente gestão dos produtos recicláveis — a questão se coloca com peculiar pertinência.

Assim, embora a reciclagem do papel tenha vindo a aumentar em volume, a diversidade de produtos disponíveis é ainda bastante limitada.

Mais: a percentagem de papel velho recolhido continua longe do desejável, situando-se a utilização de papel usado em reciclagem a um nível ainda mais baixo.

Obstáculos de vária ordem contribuem para esta situação: dificuldades na recolha, separação e armazenamento do papel usado, a estrutura da produção, falta de apoio tecnológico, mecanismos de mercado e a deficiente informação sobre as próprias vantagens da reciclagem do papel, e valorização do seu uso.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 65

É neste contexto, e verificado que, contrariamente à experiência de outros países europeus (França, Alemanha, Reino Unido, Dinamarca) ou instituições (Parlamento Europeu), a Administração em Portugal não se tem empenhado activamente no apoio à organização da recolha de papel usado, no incentivo à produção e no consumo de papel reciclado, que o presente projecto de lei se insere, contribuindo para alterar a actual situação.

Assim, considerando a importância que a Administração Pública, como grande consumidor, pode ter na regulação dos mercados, mas fundamentalmente pelo papel pedagogizante e pelo exemplo que à sociedade deve dar, procedendo à recolha do seu papel usado, e utilizando papel reciclado nos seus serviços, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes abaixo assinadas apresentam o seguinte projecto de lei sobre o regime de promoção do uso de papel reciclado:

Artigo 1.° O Estado, através dos organismos competentes, criará as condições necessárias ao incremento da produção e comercialização de papel e cartão reciclados com vista à generalização do seu uso.

Art. 2." Incumbe ao Estado adoptar um conjunto de medidas de apoio, designadamente financeiras e ou fiscais, com o objectivo de promover o mercado da reciclagem.

Art. 3.° Todos os organismos da Administração Pública, central, regional e local, e das Regiões Autónomas procederão à separação do papel e cartão usados dos restantes resíduos produzidos e garantirão o destino adequado com vista a satisfazer os objectivos definidos nos artigos anteriores.

Art. 4.° Os organismos da Administração Pública promoverão aos diversos níveis campanhas de informação, sensibilização e educação especificamente dirigidas aos objectivos da reciclagem.

Art. 5.° 1 — Todos os produtos de papel utilizados nos organismos e serviços da Administração Pública deverão ser progressivamente substituídos por produtos em papel reciclado.

2 — Para efeitos do número anterior ficam estabelecidas as seguintes metas:

a) Até final do ano de 1998, dos produtos utilizados em papel, 60 % deverão ser reciclados;

b) Até final do ano 2000, dos produtos utilizados em papel, 80 % deverão ser reciclados.

Art. 6." Os produtos de papel reciclado adquiridos pela Administração Pública devem conter mais de 60 % de fibra reciclada, bem como ter impressa de forma visível a indicação dessa percentagem.

Art 7." O Ministério do Ambiente elaborará e publicará anualmente um relatório de avaliação da aplicação do presente diploma.

Art. 8.° A presente lei entra em vigor no dia imediato à sua publicação, sem prejuízo da regulamentação posterior onde se revele necessária.

Assembleia da República, 27 de Setembro de 1996. — As Deputadas de Os Verdes: Isabel Castro — Heloísa Apolónia.

PROPOSTA DE LEI N.B 58/VII

VISA CRIMINALIZAR CONDUTAS SUSCEPTÍVEIS DE CRIAR PERIGO PARA A VIDA E INTEGRIDADE FÍSICA, DECORRENTE DO USO E PORTE DE ARMAS E SUBSTÂNCIAS OU ENGENHOS EXPLOSIVOS OU PIROTÉCNICOS, NO ÂMBITO DE REALIZAÇÕES CÍVICAS, POLÍTICAS, RELIGIOSAS, ARTÍSTICAS, CULTURAIS OU DESPORTIVAS.

Exposição de motivos

A tutela de bens jurídicos pessoais, como a vida, a integridade física e a liberdade, constitui a primeira condição do livre desenvolvimento da personalidade de crianças e jovens e da liberdade de ensino, consagrados nos artigos 70.° e 74.°, respectivamente, da Constituição. Nesta perspectiva, assume especial importância o incremento da segurança dos estabelecimentos de ensino, pretendendo-se garantir que nas suas instalações não entrem instrumentos ou substâncias passíveis de criar perigo para aqueles bens jurídicos.

Por outro lado, a realização de grandes espectáculos, sobretudo desportivos e musicais, suscita igualmente especiais problemas de segurança. O rigoroso controlo do acesso e a adequada acomodação da assistência — aliás composta, em muitos casos, por crianças e jovens — constituem, sem dúvida, requisitos indispensáveis à salvaguarda da liberdade, da integridade física e da própria vida dos participantes naquelas realizações. Mas também no plano sancionatório importa tomar medidas que promovam eficazmente a defesa dos bens jurídicos ameaçados por actos de vandalismo, cuja gravidade e frequência têm vindo a assumir dimensões preocupantes.

Assim, o presente diploma legal vem criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a vida e a integridade física, ao prever o uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou desportivas. São igualmente contempladas as hipóteses de agravação pelo resultado, sujeitas à genérica exigência de negligência (artigo 18.° do Código Penal), quando o agente causar ofensa corporal ou morte de qualquer pessoa. Estas condutas são sancionadas com a pena principal de prisão ou multa e com a pena acessória de proibição de frequência de estabelecimentos de ensino ou recintos de espectáculos — um ou mais —, que se afigura especialmente adequada para a prevenção especial de futuras infracções.

É certo que o uso e o porte de armas e substâncias explosivas ou análogas já são incriminados nos termos do artigo 275." do Código Penal. Tal disposição, porém, apenas respeita a armas proibidas,.excluindo, nomeadamente, pistolas e revólveres cujo catibie não exceda 6,35 mm e 7,65 mm, respectivamente. Por outro lado, a introdução ou utilização de material produtor de fogo-de--artifício ou objectos similares no restrito âmbito das manifestações desportivas é hoje sancionada apenas com coima de 10 000$ a 50 000$, nos termos do n.° 2 do artigo 16." do Decreto-Lei n.° 270/89, de 18 de Agosto. Ora, tal conduta merece sanção mais severa e de natureza penal, atendendo aos perigos que potencia para bens jurídicos pessoais.

Com uma finalidade preventiva, obriga-se o organizador de espectáculos a publicitar a proibição de introduzir nos recintos armas e substâncias ou engenhos explosivos

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ou pirotécnicos. A violação deste dever determina a aplicação de coimas cujos limites se contêm no regime geral consagrado no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro. Finalmente, no plano das medidas cautelares e de polícia, contempla-se, expressamente, a realização de buscas e revistas tendentes a detectar a introdução e a presença de armas e substâncias explosivas ou pirotécnicas.

As normas constantes do presente diploma legal têm a pretensão de complementar as restantes normas incriminadoras, sendo subsidiárias das incluídas na lei penal geral sempre que estas considerem penalidades mais severas.

Assim:

Nos termos da alínea d) do artigo 200.° da Constituição, o Governo apresenta a Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.°

Uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos em recintos públicos

1 — Quem, sem estar autorizado para o efeito, transportar, detiver, trouxer consigo ou distribuir arma de fogo, arma de arremesso, arma destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes ou corrosivas, arma branca, substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos, em estabelecimentos de ensino ou recinto onde ocorra manifestação cívica, políüca, religiosa, artística, cultural ou desportiva, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 — No caso de fazer uso de qualquer das armas, substâncias ou engenhos referidos no número anterior, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 2."

Agravação pelo resultado

\ — Se dos factos previstos no n.° 1 do artigo anterior resultar para alguma pessoa:

a) Ofensa à integridade física simples, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias;

b) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias;

c) A morte, o agente é punido com pena de prisão de l a 6 anos.

2 — Se do facto previsto no n.° 2 do artigo anterior resultar para alguma pessoa:

a) Ofensa à integridade física simples, o agente é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias;

¿7) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 4 anos;

c) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 7 anos.

Artigo 3.° Pena acessória

1 — O condenado pela práüca de crime previsto nos artigos anteriores é passível de uma pena acessória de proibi-

ção de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram as manifestações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, pelo período de um a cinco anos.

2 — Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força- de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.

3 — Para garantir a execução da pena acessória prevista no n.° 1, o tribunal pode, no caso de proibição de frequência de recintos, impor ao condenado a obrigação de se apresentar nas instalações da força de segurança da área da sua residência, nas quais permanecerá durante o tempo indispensável à respectiva identificação, em dias e horas em que ocorrerem as manifestações cuja frequência lhe é proibida, tomando em conta as suas obrigações profissionais e necessidades de deslocação.

Artigo 4.° Publicidade

1 — As entidades organizadoras das manifestações referidas no n.° I do artigo 1.° devem afixar junto às bilheteiras e às entradas dos recintos avisos para informar o público de que é proibido introduzir armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos no seu interior.

2 — A violação do disposto no número anterior constitui contra-ordenação sancionada com coima de 20 000$ a 200 000$.

3 — A aplicação das coimas cominadas no número anterior é da competência do governador civil do distrito ou, no caso das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, do Ministro da República para a região onde foi praticada a contra-ordenação, sendo o respectivo montante afectado, em partes iguais, ao reforço da segurança em recintos públicos e à indemnização das vítimas dos crimes previstos nos artigos 1.° e 2.° do presente diploma legal, nos termos do Decreto-Lei n.° 423/91, de 30 de Outubro, e na Lei n.° 10/96, de 23 de Março.

Artigo 5.°

Buscas e revistas

Sempre que haja fundadas suspeitas, as forças de segurança podem realizar buscas e revistas tendentes a detectar a introdução ou presença de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou pirotécnicos nos estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram as manifestações referidas no n.° 1 do artigo 1.°

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 12 de Setembro de 1996.—O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres. — O Ministro da Presidência, António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino. — O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, Mário Fernando de Campos Pinto. — O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, Artur Aurélio Teixeira Rodrigues Consolado. —O Ministro da Administração Interna, Alberto Bernardes Costa. — O Ministro da Justiça, José Eduardo Vera Cruz Jardim.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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