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31 DE JANEIRO DE 1998

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Ao ser agora reaberto este tema, sem aprofundar a ideia da oportunidade, é possível revigorar a actual legislação portuguesa, apesar de, em nossa opinião, o papel da Assembleia da República dever ser mais o de fiscalizar a exequibilidade da actual legislação de acordo com as promessas do Partido Socialista.

De qualquer modo, poder-se-á colocar a questão nestes termos: ou se mantêm as causas de exclusão da ilicitude tal como estão consagradas ou se alarga o seu âmbito por forma a criar condições efectivas de apoio à maternidade responsável, resguardando os actuais pressupostos éticos e princípios constitucionais.

Independentemente das convicções políticas, morais ou éticas que se possam vir a esgrimir, há que em termos objectivos efectuar uma breve análise e avaliação da situação em Portugal, a qual passaremos de seguida a descrever.

Apesar dos progressos que foram realizados no campo da saúde materna e do planeamento familiar, o aborto ilegal continua a ser actualmente um dos mais graves problemas da saúde das mulheres portuguesas.

Um estudo realizado pela Associação para o Planeamento da Família sobre a situação da interrupção voluntária de gravidez em Portugal, de Julho de 1993, revelou que uma percentagem elevada de mulheres fizeram um ou mais abortos ao longo da vida, como resultado de gravidezes indesejadas.

A avaliação sobre a resposta hospitalar aos pedidos de interrupção voluntária da gravidez revelou, por outro lado, que a interrupção voluntária da gravidez legal ocupa uma dimensão diminuta no conjunto das interrupção voluntária da gravidez realizadas em Portugal, devido, por um lado, às dificuldades institucionais na aplicação da lei, das quais sobressai a inexistência de critérios bem definidos e de serviços apropriados, e a objecção de consciência.

Todo este circunstancialismo provoca a continuação de um elevado número de abortos ilegais e, por isso, feitos sem quaisquer condições de higiene e cuidados médicos mínimos.

É, todavia, a problemática da interrupção da gravidez extremamente complexa, profundamente marcada pelos valores culturais dominantes, por razões psicológicas relacionadas com os sentimentos/valores morais da grávida. A vasta literatura científica nesta área alerta-nos para as sequelas psicológicas da interrupção da gravidez e para os coafíicos conjugais que pode proporcionar. Existe, também, sobretudo nos estratos sociais mais desfavorecidos, até pelas razões atrás referidas, mas igualmente por deficiente informação, uma enorme dificuldade em se assumirem decisões claras, fundamentadas e em utilizar a disponibilidade dos serviços públicos existentes.

Com efeito, ainda não foram definidas pelo Ministério da Saúde normas gerais de aplicação da Lei n.° 6/84, quer no que diz respeito à forma como os serviços se devem organizar para dar resposta aos pedidos, quer no referente aos critérios de aceitação dos pedidos de interrupção vo-iumária da gravidez e de seguimento da grávida, de molde a evitar as referidas disparidades de critérios e assegurar a existência de uma resposta tanto quanto possível eficaz.

Os autores do estudo supra-referido efectuaram algumas recomendações, designadamente:

1) Devem ser tomadas medidas no sentido de o direito à objecção de consciência não interferir com a capacidade dos serviços para dar resposta aos pedidos de interrupção voluntária da gravidez;

2) Neste processo devem ser ouvidas as organizações profissionais, científicas ou cívicas, relacionadas com interrupção voluntária da gravidez, nomeadamente as organizações não governamentais de mulheres;

3) Deverá ser fornecida uma adequada preparação aos profissionais de psicologia e serviço social dos estabelecimentos hospitalares para informação e supervisão, para apoio emocional pré e pós aborto;

4) A persistência de um elevado número de abortos ilegais coloca o país numa situação única em termos da CEE dado que 'na maioria dos países membros, geralmente as interrupção voluntária da gravidez são feitas legalmente em clínicas privadas e serviços do Estado.

Não existem dados reais que permitam avaliar com o rigor necessário quantos abortos clandestinos são praticados anualmente em Portugal. A dimensão real não é conhecida.

A questão do aborto arrasta uma teia de negócios altamente repugnantes e que cujos agentes operadores, o ordenamento jurídico não tem conseguido sancionar penalmente.

O aborto clandestino é, pois, uma realidade, apesar de vigorar uma norma legal que o proíbe. Embora todos considerem o aborto como sendo intrinsecamente um mal, as opiniões dividem-se quanto à forma de o combater dentro dos quadros éticos e constitucionais vigentes.

Mas a questão não pode ser equacionada em termos, já ultrapassados no nosso enquadramento legal, de se ser «a favor» ou «contra» a interrupção voluntária da gravidez.

Duas teses opostas têm vindo a ser defendidas da seguinte forma:

A ideia de uma capacidade jurídica apenas restrita do nascituro perde, em minha opinião, o carácter chocante, se se considera que o nascituro, enquanto já concebido, é já um ser vivo humano, portanto, digno de protecção, mas enquanto «não nascido» não é ainda um indivíduo autónomo e, nesta medida, é só um «homem em devir». [K. Larenz, Metodologia do Direito, p. 241, nota I I, tradução da 2.a ed., 1969, do original alemão por José de Sousa e Brito e José António Veloso, ed^ da Gulbenkian.]

Por outro lado, temos, por exemplo, o Dr. Bigotte Chorão, que escreveu a propósito do artigo 24.° da CRP:

[...] A conclusões diferentes levará obviamente uma hermenêutica conforme com a «natureza das coisas». É que a vida humana existe a partir da concepção podendo com Tertuliano asseverar-se que já é um homem que está em vias de o ser como também todo o fruto existe já na semente. O feto vivo não é, pois, uma coisa (res) simples parte do corpo da mãe (portio viscerurn matris), mas verdadeiro ser humano. Cabe, enfim, falar de um «direito ao nascimento».

Na Conferência de Tbilisi subordinada ao tema «Do aborto à contracepção», realizada naquela cidade em Outubro de 1990 e que teve o alto patrocínio da OMS, do Fundo das Nações Unidas para Actividades de População e da IPPF, foi observado que «as taxas de aborto podem ser substancialmente reduzidas através de programas de planeamento familiar universalmente acessíveis» e que «na Europa, tal como no resto do mundo, a gravidez não de-

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