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Sábado, 23 de Maio de 1998

Número 53

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1997-1998)

SUPLEMENTO

SUMÁRIO

Proposta de lei n.° 157/VII (Altera o Código de Processo Penal):

Relatório e parecer da Comissüo de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias......................... II 60-(2)

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PROPOSTA DE LEI N.º157/VII

(ALTERA 0 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

I — Nota preliminar

1 — O XIII Governo Constitucional tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que altera o Código de Processo Penal.

2 — Essa apresentação é efectuada nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 197.° da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.° do Regimento da Assembleia da República.

3 — A proposta de lei reúne à partida os requisitos formais previstos no artigo 137.° do Regimento, com as necessárias adaptações, pelo que nada parece obstar à sua admissibilidade.

4 — Por despacho de 26 de Janeiro de 1998 de S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República, a proposta vertente desceu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para emissão do respectivo relatório e parecer.

5 — Por decisão da Conferência de Líderes, a proposta de lei n.° 157/VII foi agendada para discussão na generalidade para a sessão plenária de 25 de Março de 1998, tendo sido adiada para o dia 20 de Maio de 1998. Nessa mesma sessão plenária será igualmente objecto de discussão na generalidade a proposta de lei n.° 113/VH, relativa ao Estatuto do Ministério Público.

6 — Dada a importância da iniciativa em apreço e de que se reveste sempre a alteração do direito codificado e, no caso vertente, do direito processual penal, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias organizou um conjunto de audições públicas sobre a revisão do Estatuto do Ministério Público e do Código de Processo Penal, que decorreram nos dias 21 e 22 de Abril, onde foram auscultadas as seguintes entidades:

Procurador-Geral da República;

Bastonário da Ordem dos Advogados;

Conselho Superior da Magistratura;

Conselho Superior do Ministério Público;

Director-geral da Polícia Judiciária;

Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais e

Informatizados; Associação Sindical dos Juízes Portugueses; Sindicato dos Magistrados do Ministério Público; Associação Portuguesa dos Direitos dos Cidadãos; Fórum Justiça e Liberdade;' Associação de Mulheres Juristas.

7 — Registe-se ainda a assinalável iniciativa da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que realizou no dia 7 de Maio uma conferência parlamentar subordinada ao tema da «Revisão do Código de Processo Penal», onde foram abordados temas como:

«Projecto de revisão do Código de Processo Penal»,

pelo Ministro da Justiça; «Princípios estruturantes do processo penal», por Jorge

de Figueiredo Dias; «Para um processo penal europeu», por Mireille

Delmas-Marty; «Oportunidade e consenso no Código de Processo

Penal», por Manuel da Cosia Andrade;

«Julgamento na ausência», por Teresa Pizarro Beleza;

«Recursos», por Germano Marques da Silva;

«A celeridade no processo penal — Uma visão de direito comparado», por Anabeta Miranda Rodrigues.

II — Oo objecto e da motivação

8 — O Conselho de Ministros de 4 de Dezembro aprovou a proposta de lei vertente, enviando-a posteriormente à Assembleia da República, a qual visa alterar o Código de

Processo Penal, uma vez que a experiência de aplicação deste Código revela que não foi possível alcançar os objectivos de celeridade e eficácia prosseguidos pela reforma de 1987.

9 — Ao longo dos seus quase 10 anos de vigência foram introduzidas algumas alterações que não atacaram os pontos de estrangulamento que têm contribuído para a ineficácia e morosidade da justiça penal.

10 — O objectivo das alterações agora propostas ao Parlamento é restituir a confiança no sistema de justiça penal, introduzindo os aperfeiçoamentos adequados à efectiva prossecução do combate à criminalidade e à protecção das pessoas e da sociedade contra o crime.

11 — As alterações reforçam os princípios estruturantes do processo, como sejam os princípios do acusatório, da verdade material, do contraditório e da igualdade de meios enquanto componentes indivisíveis da equitatividade do processo.

12 — Clarificam-se os papéis das autoridades judiciárias, reforça-se o estatuto do arguido e o direito de defesa e racionalizam-se aspectos da tramitação processual.

13 — Destacam-se, entre as alterações estruturais, as seguintes:

1) Modificação do regime de conexão do processo no sentido de permitir a organização de um só processo e julgamento conjunto das infracções cometidas na mesma comarca, independentemente da relação existente entre elas;

2) Alteração do regime do pedido de indemnização civil, pela clarificação da intervenção do Ministério Público, pela possibilidade de intervenção directa do lesado e pela possibilidade conferida ao tribunal de, oficiosamente, poder arbitrar uma reparação quando o imponham particulares exigências de protecção de vítimas carenciadas;

3) Flexibilização do actual regime de segredo de justiça, conciliando os interesses protegidos, nomeadamente os da investigação e da presunção da inocência do arguido;

4) Alargamento dos casos em que é possível a audiência na ausência do arguido, opção que a Constituição acolhe agora expressamente, sem prejuízo da regra geral de obrigatoriedade da sua presença, criando-se as condições necessárias à superação de um dos principais factores de bloqueio, que constitui reconhecida causa de desprestígio da justiça penal;

5) Simplificação dos mecanismos relativos à pequena e média criminalidade, nomeadamente através da criação de um processo abreviado, da reestruturação do processo sumaríssimo e de alterações ao processo sumário;

6) Alteração do regime de recursos, estabe)ecendo-se a regra do recurso para os tribunais da Relação, admitindo-se o recurso para o Supremo Tribunai

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de Justiça restrito a questões de direito e a flexibilização do actual regime de fixação da jurisprudência.

Ill — Dos antecedentes legais e parlamentares

14 — Da Lei n.° 43/86, de 26 de Setembro (autorização legislativa em matéria de processo penal). — Em 1986, o Governo apresentou uma proposta de autorização legislativa (proposta n.° 21/VII — Diário da Assembleia da República, 2° série, n.° 49, suplemento, de 4 de Abril de 1986), que visava substituir integralmente o diploma homónimo vigente na altura, bem como parte da legislação complementar sobre tal matéria.

Essa proposta foi objecto de um primeiro relatório e parecer da 1." Comissão, que se debruçou sobre problemas de inconstitucionalidade suscitados por alguns normativos constantes no projecto de diploma {Diário da Assembleia da República, 2.° série, n.° 64, de 16 de Maio de 1986, parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), especialmente os respeitantes ao regime de buscas, revistas e apreensões, medidas cautelares e de polícia, certas competências a atribuir ao Ministério Público, medidas privativas da liberdade e garantias de defesa do arguido.

Tendo ponderado os problemas decorrentes da necessidade de compatibilização da eficácia das medidas de processo penal com as garantias constitucionais aplicáveis, a Comissão deliberou que, «estando em causa o futuro Código de Processo Penal, cuja necessidade e urgência é unanimemente reconhecida [...] o esclarecimento da delimitação do que é constitucionalmente consentido e do que*pode ferir a letra e o espírito dos normativos constitucionais depende fulcralmente do debate na generalidade da própria proposta de lei», devendo «qualquer texto a aprovar na especialidade, mesmo sob a forma de autorização legislativa, assegurar o cumprimento das disposições constitucionais atinentes às garantias individuais de processo penal definido na lei fundamental».

Sublinhando que assiste à Assembleia da República uma ampla capacidade conformadora dos poderes legislativos a que o Governo vai aceder por força de lei de habilitação, desde logo na definição do objecto, do sentido, da extensão e na própria estatuição de limites adicionais, quer através de normas proibitivas, a 1.° Comissão entendeu que, não sendo todos os casos apreciados merecedores, à partida, de igual juízo de censurabilidade, importará em todos eles acautelar soluções que garantam a plena jurisdicionalidade do processo e a cabal salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

No relatório de apreciação à proposta de lei (Diário da Assembleia da República, 2." série, n.° 91, de 18 de Julho de 1986) a Comissão considerou unanimemente urgente a revisão sistemática e global do ordenamento processual pe-naV Tratava-se de um aspecto absolutamente consensual, fruto de uma avaliação das disfunções ao sistema até então vigente.

A codificação proposta foi entendida como uma peça ■ fundamental de uma reforma que deve ser integrada para ser eficaz.

Refere-se nesse relatório que «o trabalho preparatório desenvolvido no âmbito da 1." Comissão comprovou amplamente os inconvenientes do actual quadro legal, cuja vigência, encetada em 1929, foi assinalada por profundas mudanças, incluindo alterações de concepção do próprio Estado e dos direitos da pessoa humana, com sequelas

inevitáveis no tocante à coerência, funcionalidade e adequação do quadro legal e até do programa político-criminal a executar pelos órgãos de soberania».

Tendo-se debruçado sobre os principais estrangulamentos e distorções do sistema vigente, a Comissão considerou necessária a proposta de alteração do quadro legal e dos meios colocados ao serviço da justiça penal sem o que não se logrará uma justiça tempestiva e eficaz, a que os cidadãos têm direito e o Estado se encontra constitucional e internacionalmente obrigado.

A 1." Comissão considerava ainda necessário alterar com urgência a situação vigente em 1986 de baixa expectativa de punição, e que exigia um conjunto de medidas articuladas no tocante à magistratura judicial, ao Ministério Público, à intervenção das polícias, à capacidade de detecção e tratamento de indícios, à intervenção atempada dos tribunais, à moralização e transparência do funcionamento dos serviços, à eficácia do sistema penitenciário, bem como a adequada articulação entre os responsáveis pela concepção e execução da política criminal.

E assim que no uso de autorização conferida pela Lei n.° 43/86, de 26 de Setembro, foi originado o Decreto-Lei n.° 78/87, que procedeu à aprovação de um novo Código de Processo Penal.

Consta da extensa exposição de motivos deste diploma que de entre as condicionantes endógenas se evidenciou, em primeiro lugar, o relevo que no presente Código quis atribuir--se à tradição processual penal portuguesa:

Procurou-se, com efeito, que a busca da inovação e da modernidade se não fizesse com sacrifício indiscriminado de instituições e de princípios que, apesar de tudo, devem ser preservados como sinais identificadores de uma maneira autónoma de estar no mundo, de fazer história e de criar cultura.

O sistema ora proposto perspectivou um processo de estrutura basicamente acusatória. O Código optou decididamente por converter o inquérito, realizado sob a titularidade e a direcção do Ministério Público, na fase geral e normal de preparar a decisão de acusação ou de não acusação. Por seu tumo, a instrução, de carácter contraditório, é dotada de uma fase de debate ora) — o que implicou o abandono da distinção entre instrução preparatória e contraditória —, que apenas terá lugar quando for requerida pelo arguido que pretenda invalidar a decisão de acusação ou pelo assistente que deseje contrariar a decisão de não acusação.

Inovador a muitos títulos foi o regime de recursos previstos nesse Código. Com as inovações introduzidas procurou obter-se um duplo efeito: potenciar a economia processual numa óptica de celeridade e de eficiência e, ao mesmo tempo, emprestar efectividade à garantia contida num duplo grau de jurisdição autêntico.

15 — Lèi n.° 90-B/95, de 1 de Setembro (autoriza o Governo a rever o Código de Processo Penal — Decreto-Lei n.° 317/95, de 28 de Novembro). — Por força das alterações ao Código Penal introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 48/95, o XII Governo Constitucional optou por alterar igualmente o Código de Processo Penal, uma vez que este se continuava a revelar instrumento adequado à prossecução da política do Governo -no tocante ao combate à criminalidade, não podendo deixar de reflectir essas alterações.

Na discussão da generalidade (Diário da Assembleia da República, 1." série, n.° 79, de 25 de;Maio de 1995) da

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iniciativa que esteve subjacente a essa alteração ao Código de Processo Penal o Governo referia que se «optou por proceder aos ajustamentos indispensáveis ditados pela revisão do Código Penal».

Tal como consta na exposição de motivos, afigurou-se adequado proceder estritamente aos ajustamentos ditados pela revisão do Código Penal, relegando-se para próxima oportunidade uma revisão mais global do processo penal, na qual, nomeadamente, a problemática dos adiamentos sistemáticos por falta do arguido — importante factor de

bloqueio da justiça penal — se espera possa ser enfrentada

sem os constrangimentos de ordem constitucional que vêm inibindo o legislador ordinário de intervir nesta matéria. As principais alterações foram as seguintes:

Reequacionou-se a competência do tribunal singular (prisão até cinco anos) e do colectivo determinada em 'função da moldura penal aplicável de modo a reservar a intervenção deste último aos casos de maior gravidade;

Reformulação do regime da execução da pena suspensa;

As alterações em sede de liberdade condicional visaram clarificar alguns aspectos da respectiva tramitação, de modo a conferir-lhe maior eficácia e a adequada às modificações decorrentes da revisão do Código Penal;

No tocante à execução das penas acessórias, reflectiu--se no direito adjectivo a inovação decorrente da consagração expressa no texto do Código Penal da proibição de conduzir veículos;

Clarificação de qual o tribunal competente para declarar a extinção da execução, bem como a extensão do regime de contumácia, previsto para o condenado que se exime à execução de medida de internamento.

O Decreto-Lei n.° 317/95, de 28 de Novembro, procede deste modo à alteração dos artigos 1.°, 13.°, 14.°, 16.°, 104.°, 107.°, 135.°, 187.°, 209.°, 220.°, 224.°, 242.°, 280.°, 287.°, 313.°, 315.°, 342.°, 367.°, 370.°, 375.°, 409.°, 469.° a 509.° e 521° do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto--Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro.

IV — Enquadramento constitucional

16 — Lei fundamental, porque hierarquicamente superior, é a Constituição, cujos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando as entidades públicas e privadas.

São muitas as normas da Constituição que respeitam, directa ou indirectamente, ao processo penal.

17 — O artigo 32.° enumera os princípios fundamentais a que deve obedecer a estrutura processual penal. O n.° 5 do artigo 32." dispõe que «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».

18 — Muitas outras disposições dispersas na Constituição são igualmente importantes: artigos 13.°, n.° 1 (princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei), 25.° (direito à integridade pessoal), 27° (direito à liberdade e segurança), 28.6 (prisão preventiva), 29.°, n.K 5 e 6 (princípio do non bis in idem e direito à revisão de sentença e indemnização por condenação injusta), 31." (habeos corpus), 33.° (expulsão, extradição e direito de asilo), 34.° (inviolabilidade do domicílio e da correspondência), 35.° (utilização da

informática), e 38.° (liberdade de imprensa), imunidades, organização dos tribunais e fiscalização da constitu-cionalidade.

19 — Vejamos ainda de forma mais desenvolvida alguns dos preceitos supracitados.

A Constituição da República Portuguesa consagra no

artigo 27.° o direito à liberdade e à segurança. As restrições ao direito à liberdade que se traduzem em medidas de privação total ou parcial dela só podem ser as previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 27.°, não podendo a lei criar outras: princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas/ restritivas da liberdade. Estas medidas ao constituírem restrições a um direito fundamental integrante da categoria dos «direitos, liberdades e garantias» estão sujeitas às competentes regras do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.

20 — Em princípio (excepções no n.° 3), as medidas de privação da liberdade, seja total, seja parcial (prisão, semidetenção, regime de prova, liberdade condicional, internamento, etc), só podem resultar, conforme os casos, de condenação de acto punido com pena de prisão, ou de aplicação de medida de segurança.

Atente-se ainda ao disposto no artigo 29.° da Constituição da República Portuguesa (aplicação da lei criminal), o qual consagra, na expressão feliz de Gomes Canotilho e Vital Moreira, o «essencial do regime constitucional da lei criminal», isto é, da lei que declara criminalmente punível uma acção ou omissão, definindo um determinado crime e prevendo a respectiva pena (a propósito da Constituição penal (cf. artigos 3.°, 9.°, 10.° e 11.° da DUDH; artigos 9.°, 14.° e 15.° do PIDÇP; artigos 5.°, n.° 5, e 7.° da CEDH, e 7.° Protocolo da CEDH, artigos 2.°, 3.° e 4.°).

21 —Embora existam muitos bens constitucionais cuja desprotecção penal não seria compreensível (direito à vida, à integridade pessoal, ao bom nome e reputação), a verdade é que, traduzindo-se as penas num sacrifício imposto ao condenado, é a penalização que normalmente carecerá de justificação, quanto à sua necessidade e quanto à proporcionalidade da medida da pena, devendo enterider-se desde logo que só podem ser objecto de protecção penal os direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Entende--se ainda que só deve haver sanção criminal quando tal se mostre necessário para salvaguardar esses bens constitucionais.

22 — Os princípios constitucionais básicos em matéria de punição criminal são o princípio da legalidade (só a lei é competente para definir crimes e respectivas penas), o princípio da tipicidade (a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime, bem como tipificar as penas) e o princípio da não retroactividade (a lei não pode criminalizar factos passados nem punir mais severamente crimes anteriormente praticados).

23 — O artigo 30.° da Constituição da República Portuguesa é também um eixo basilar da Constituição em matéria penal, estabelecendo este preceito os limites das penas e das medidas de segurança, vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da humanidade das penas. Todavia, o texto constitucional pouco diz sobre as próprias penas. Para além das penas privativas da uberdade (artigo 27.°, n.° 2), a Constituição não define positivamente quais podem ser as outras penas.

24 — A Constituição impõe limites às penas que resultam expressa ou directamente de certas figuras da Constituição, mas confere um amplo campo à discricionariedade legislativa em matéria de definição das penas.

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O princípio geral de limitação das penas e dos seus efeitos é inquestionavelmente o princípio constitucional da necessidade e da proporcionalidade.

25 — Os autores da Constituição da República Portuguesa Anotada supra-referidos colocam de forma pertinente a questão de sabermos, porém, se tal proibição de penas perpétuas ou de duração limitada ou indefinida é extensível às demais penas, sempre que elas se traduzam em amputar ou restringir, de modo perpétuo ou indefinido, a esfera dos direitos das pessoas, quanto mais não seja por efeito do princípio do Estado de direito democrático (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 355/86).

26 — Problemática neste contexto é também no seu entendimento a questão de saber se a proibição de penas de duração indefinida deixa margem para as penas relativamente indeterminadas, previstas na lei penal (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 43/86).

27 — Do texto constitucional, e tal como a maioria da doutrina defende, ressalta a ideia de que o direito penal só deve intervir, só deve querer aplicar-sè, só deve tomar conta de um certo tipo de actuações ou de actos quando isso for por um lado eficaz e por outro necessário.

Na esteira do entendimento de Teresa Pizarro Beleza (Direito Penal. vol. t, pp. 35 e segs., ed. AAFDL, 1984), «só vale a pena, só tem sentido tomar certos actos crimes, e portanto ameaçá-los com uma pena que pode ser mais grave, quando não forem suficientes um outro tipo de medidas. Por outro lado é necessário também que essa incriminação seja eficaz».

28 — Está subjacente a essa asserção o princípio da intervenção mínima do direito penal.

E porque os direitos que estão em causa são fundamentais • — o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à liberdade, o direito à propriedade — pode afirmar-se que «a segurança é condição e guarda avançada da liberdade e da própria vida».

29 — O direito penal funda-se na Constituição no sentido de que as normas que o constituem ou são elas próprias normas formalmente constitucionais ou são autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituição da República Portuguesa não contém normas penais completas, isto é, normas que para acções ou omissões nelas previstas estatuem penas, medidas de segurança ou outras medidas jurídico-penais. Mas contém disposições de direito penal que determinam em parte o conteúdo de novas penas.

30 — As opções axiológicas constitucionais devem ser respeitadas pelas normas penais e orientar a sua interpretação. Mais, são elas que definem os'valores fundamentais da vida em sociedade que o direito pena) visa proteger.

A Constituição estabelece assim, através da definição dos direitos, liberdades e garantias, o quadro de valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

V — Da revisão constitucional — Reflexos no âmbito da Constituição penal

31 —A Lei Constitucional n.° 1/97, de 20 de Setembro, veio reconhecei aos cidadãos de novos direitos, que passamos a identificar (excerto retirado do resumo das principais alterações operadas pela 4.° revisão constitucional subscrito pelo Deputado José Magalhães — servidor do GP/ PS na Internet):

Direito a fazerem-se acompanhar por um advogado

perante qualquer autoridade; Direito, a decisão em prazo razoável e mediante

processo equitativo das causas em que intervenham;

Direito a procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos;

Consagração do direito ao «desenvolvimento da personalidade»; imposição ao legislador da obrigação de «garantir a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica»;

Clarificação dos casos em que suspeitos de crimes (e apenas estes!) podem ser detidos para efeitos de identificação nos casos estritamente necessários e pelo tempo estritamente necessário; garantia às pessoas portadoras de anomalia psíquica de que o seu internamento para efeitos terapêuticos está sujeito a intervenção de um juiz para garantia dos seus direitos (transpondo-se neste ponto o regime decorrente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem);

Previsão constitucional de que a lei deve definir e assegurar a adequada protecção do segredo de justiça;

Melhorias constitucionais em matéria de processo criminal;

Garantia do direito de recurso;

Garantia de assistência por advogado;

Possibilidade de dispensa da presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento (por forma a impedir os adiamentos sucessivos);

Protecção dos direitos das vítimas de crimes;

Novas regras' decorrentes da liberdade de circulação e, designadamente, da construção de um espaço judiciário europeu;

Admissão de excepções ao princípio de não extradição de cidadãos portugueses;

Manutenção da regra segundo a qual não há extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa de liberdade com carácter perpétuo, admitindo-a a título excepcional em condições estritas;

Manutenção das regras estritas que proíbem a

extradição em casos em que o extraditando possa

incorrer em pena de morte; Nova proibição de extradição quando o extraditando

possa incorrer em pena de que resulte lesão

irreversível da integridade física; Modernização e reforço da protecção dos dados

pessoais e do quadro aplicável ao uso da

informática;

Garantia de que a protecção de dados pessoais implica a existência de autoridade administrativa independente que vele pelos direitos fundamentais, com simultânea flexibilização dos procedimentos aplicáveis;

Previsão de que a informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a origem étnica;»

Consagração do direito de acesso dos cidadãos às redes informáticas de uso público.

VI — A Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

32 — Por força do disposto no artigo 8." da Constituição da República Portuguesa e preenchidas as condições nele

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referidas, as normas de direito internacional comum ou convencional vinculativas do Estado Português vigoram na ordem interna com a mesma relevancia das normas de direito interno.

33 — De entre essas normas é de destacar, pela sua particular relevância para o processo penal,- a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma no dia 4 de Novembro de 1950 e ratificada em Portugal pela Lei n.° 65/78. De entre as disposições da Convenção mais relevantes, destacamos:

a) O artigo 3.°, segundo o qual «ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes»;

b) O artigo 5.°, que admite a privação da liberdade pessoal com o fim de que o preso ou detido seja apresentado a autoridade judicial competente «quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido»;

c) O artigo 6.", que atribui o direito a um julgamento equitativo e célere, à presunção de inocência e reconhece ao acusado um conjunto de direitos;

d) O artigo 13.°, que atribui a qualquer pessoa, cujos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção tiverem sido violados, o direito a recorrer perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuaram no exercício das suas funções oficiais.

34 — A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, além da sua importância como fonte legal de direito processual penal, sendo, por isso, de imediata aplicação pelos tribunais portugueses, reveste um significado muito especial ao instituir órgãos próprios de tutela internacional contra as violações que em concreto se verifiquem no interior dos Estados signatários.

VII—Tipos históricos de processo penal

35 — Podemos falar, fundamentalmente, em dois tipos de processo penal: o inquisitório e o acusatório.

Ora, devemos começar por compreender aqueles tipos partindo da ideia de contraposição entre o carácter público ou privado da realização da justiça penal:

O carácter público do direito penal vem-nos fundamentalmente do direito romano;

O carácter privado do direito e do processo penal é tradição dos direitos germânicos.

36 — A determinada altura, os direitos germânicos foram dominantes no continente europeu, sendo progressivamente subsútuídos, com o ressurgimento das instituições do direito „romano.

37 — Nos direitos germânicos a realização da justiça oenal, isto é, a punição do crime, era antes de mais uma coisa que respeitava à pessoa que tinha sofrido o crime. Ao realizar a justiça, esta surgia antes de mais como vingança, reagindo ele ou a sua família contra o agressor ou a família deste. Esta concepção influenciou algumas regras do processo penal, que ainda hoje encontramos.

Processo penal inquisitório

38 — Surge na Idade Média e tem a sua máxima expressão no processo da Inquisição, em que a realização da justiça é vista como coisa pública, confiada, apenas e só, a um magistrado.

O Prof. Doutor Curado Neves, caracteriza-o assim:

d) O processo consiste essencialmente num inquérito. O processo é todo organizado como uma investigação, que se inicia a partir do momento em que alguém denuncia o crime;

b) Não há distinção entre a fase de investigação e a fase de julgamento;

c) Não há qualquer reparação entre a função de acusação e a de julgamento;

d) Ausência de qualquer defesa; é) E um processo escrito.

39 — Deve falar-se em denúncia, pois qualquer pessoa pode denunciar a prática de um crime, uma vez que a realização da justiça, dentro deste ponto de vista, é um assunto da comunidade ou do Estado.

Processo penal acusatório

40 — Tem origem nos direitos germânicos e, numa forma mitigada, vamos hoje encontrá-lo nos direitos inglês e dos EUA. É mais de cariz privado que o anterior e assenta na ideia de que o juiz, tal como em processo civil, vai compor um litígio.

Este processo traduz-se:

a) Necessidade de queixa;

b) O juiz é apenas um árbitro, imparcial, como tal não tem de dirigir qualquer inquérito ou fazer qualquer investigação;

c) A acusação pode ser realizada pela própria vítima do crime ou por quem a represente, mas também pela polícia ou pelo Ministério Público;

d) O aspecto fundamental do processo desloca-se da fase de investigação para a fase de decisão; quanto à sua estrutura, o processo já .não é uma investigação, pois o juiz nada tem de investigar;

e) A fase principal do processo é a fase de julgamento; então a acusação e a defesa aparecem perante o juiz em condições rigorosamente iguais;

f) O processo é oral, o'que significa dar ao réu todas as garantias de defesa, traduzidas, nomeadamente, na ideia de contraditoriedade.

41 — O processo penal actual evoluiu de um processo de tipo inquisitório (que encontramos em Portugal e no conjunto dos países da Europa até à Revolução Francesa), recolhendo uma série de características do processo de tipo acusatório, a ponto de neste momento ser ta/vez mais parecido com este último do que propriamente com o processo de tipo inquisitório.

O surgimento de processo actual deve ser entendido em termos históricos, em particular das criticas ao processo de tipo inquisitório e do surgimento do Ministério Público.

42 — O Prof. Doutor Figueiredo Dias define actual o modelo processual português como sendo uma «estrutura basicamente acusatória, integrada por um princípio de investigação».

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VIII — Do conteúdo da proposta de lei

43 — Por despacho de S.Ex.° o Ministro da Justiça de 27 de Março de 1996, foi constituída uma Comissão para Reforma do Código de Processo Penal, com a incumbência de apresentar propostas de natureza legislativa que, sendo legal e constitucionalmente admissíveis, potenciassem uma maior celeridade, eficiência e eficácia da justiça penal.

44 — A Comissão veio assim a elaborar um anteprojecto de revisão do Código de Processo Penal, que veio a ser divulgado e apreciado pelas mais diversas instâncias e entidades interessadas da área judiciária, e não só, tendo sido recolhidos os contributos de todos quantos quiseram pronunciar-se sobre aquele anteprojecto.

45 — Do confronto de outras propostas então recebidas, o texto inicial sofreu reformulação em vários pontos do anteprojecto da Comissão e, após nova fase de discussão pública a que se seguiu e a aprovação em Conselho de Ministros, foi o mesmo remetido à Assembleia da República.

46 — Refira-se que no âmbito da elaboração da presente proposta se procedeu à audição do Gabinete do Ministro da Administração Interna, do Conselho Superior da Magistratura, da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Superior do Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, da Câmara dos Solicitadores, da Comissão de Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas, do Conselho de Acompanhamento da Justiça (UGT, Civitas, CCP, CGTP, CAP, CIP, Associação para o Progresso do Direito, Associação Portuguesa dos Direitos do Cidadão e Fórum Justiça e Liberdade), do Instituto de Reinserção Social, pronunciando--se ainda o Gabinete da Alta-Comissária para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família, a Associação das Mulheres Juristas e diversas personalidades a título individual.

47 — A presente proposta de lei compõe-se de seis artigos, ao longo dos quais se introduz um conjunto de alterações ao Código de Processo Penal, dispondo-se no artigo 1." a alteração dos seguintes artigos: l.°, 11.°, 12.°, 13.°, 16.°, 23.°, 24.°, 25.°, 26.°, 28.°, 30.°, 35.°, 36.°, 39.°, 43°, 49°, 51.°, 52.°, 57°, 58.°, 59.°, 61.°, 62.°, 64.°, 66.°, 68.°, 72.°, 75.°, 76.°, 77.°, 78.°, 79.°, 86.°, 89.°, 97.°, 103.°, 104.°, 107.°, 109.°, 111.°, 113°, 114.°, 116.°, 117.°, 139.°, 141.°, 144.°, 156.°, 159.°, 160.°, 178.°, 181°, 182.°, 185.°, 194.°, 196.°, 200°, 201.°, 206.°, 209.°, 213.°, 214.°, 215.°, 227.°, 246.°, 249.°, 250.°, 251.°, 254.°, 264°, 268.°, 270.°, 272.°, 275.°, 276.°, 277°, 278.°, 281.°, 283.°, 284.°, 285.°, 286.°, 287.°, 289.°, 290.°, 291.°, 297.°, 300°, 303.°, 307°, 308°, 309.°, 311°, 312°, 313.°, 314.°, 315.°, 318.°, 328.°, 330.°, 332.°, 333.°, 334.°, 335.°, 336.°, 337°, 338.°, 339.°, 342.°, 344.°, 348.°, 350.°, 356.°, 358.°, 362.°, 364.°, 370.°, 372.°, 373.°, 374.°, 375.°, 376.°, 377.°, 381.°, 382°, 386.°, 387.°, 389.°, 390.°, 392°, 393.°, 394°, 395°, 396°, 397.°, 398.°, 400.°, 401.°, 403.°, 404.°, 408.°, 409.°, 410.°, 411.°, 412.°, 413.°, 414.°, 417°, 419.°, 420.°, 421.°, 425.°, 426°, 428.°, 429.°, 430°, 431.°, 432°, 433.°, 437.°, 439.°, 440.°, 441°, 442.°, 445.°, 446.°, 454°, 455.°, 456°, 462.°, .463°, 469.°, 484.°, 485.°, 487 °, 489.°, 490.°, 495.°, 496.°, 498.°, 500.°, 508°, 509.°, 511.°, 512.°, 514.°, 518.°, 521°, 522°, 523.°, e 524° do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/ 87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 212/ 89, de 30 de Junho, 387-E/87, de 29 de Dezembro, e 317/ 95, de 28 de Novembro.

48 — Vejamos seguidamente as grandes alterações que a proposta vertente introduz na matriz processual penal.

Definições legais

49 — A nova redacção do artigo I.° vem aperfeiçoar a definição do conceito de relatório social e cria a figura da informação dos serviços de reinserção social.

50 — Esta nova definição de relatório social visa prosseguir objectivos de racionalidade e economia.

São definidas de forma taxativa as situações em que o relatório ou a informação são admissíveis, tomando como balizas o princípio de inocência e privacidade do arguido, que não poderá ser coarctada para além do estritamente necessário em função das finalidades do relatório.

Sujeitos processuais

51'— As competências do Supremo Tribunal de Justiça são reestruturadas, restringindo-se aos juízes das secções criminais a competência para julgamento de entidades públicas (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e Primeiro-Ministro) pelos crimes praücados no exercício das suas funções, face ao princípio da especialização dos juízes que integram o Tribunal (artigo 11 °).

52 — Considera-se que o funcionamento das secções criminais dos tribunais superiores será mais eficaz com as alterações introduzidas, ao estabelecer-se que o julgamento a que tenham de proceder se efectue em tribunal colectivo consütuído por três juízes (artigos 11.°, n.°4, e 12.°, n.°3).

53—Com carácter inovador surge também a alteração da faculdade de o arguido e assistente requererem a intervenção do tribunal de júri (artigo 13°, n.°3).

54 — Adaptam-se as normas da competência do artigo 10.° ao novo regime de punição da emissão de cheques sem provisão, sem prejuízo de uma disposição final transitória quanto a crimes puníveis com pena superior a cinco anos.

. Ainda em sede do livro i podem identificar-se as seguintes alterações:

Elimina-se no artigo23° a referência ao arguido, por colisão com as regras dos artigos 11.° e 12.°;

Altera-se o artigo 26.°, eliminando-se a referência aos tribunais militares, tendo em conta as alterações introduzidas neste domínio pela última revisão constitucional, e permitindo-se o funcionamento da conexão subjectiva quanto a crimes cometidos por magistrados;

Criação do impedimento de exercício funcional para o juiz que viva com pessoa em condições análogas às dos cônjuges (artigo 39.°);

Estabelece-se fundamento de recusa para a hipótese de intervenção do juiz noutro processo ou em fase anterior do mesmo processo fora da situação prevista no artigo 40°;

O novo artigo 49.°, n.° 3, vem permitir um aditamento ao. elenco dos titulares do direito de queixa do mandatário;

Obrigatoriedade de prestação de termo de identidade e residência logo que o arguido adquira essa qualidade;

Reafirmação do princípio de que a nomeação de defensor ao arguido deve fazer-se através da escolha de advogado ou advogado estagiário, cessando a preferência declarada por lei de advogado estagiário — artigo 62.°, n.° 2;

Adapta-se devidamente o artigo 68." ao Código Penal e alarga-se a possibilidade de constituição de assis-

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tente a crimes sobre vítima de maior danosidade social;

Adapta-se o artigo 72.° às alterações do novo Código de Processo Penal no tocante à intervenção de terceiros e ao novo regime dos tribunais militares, bem como às alterações introduzidas na tramitação do pedido de indemnização civil, permitindo-se a dedução do pedido em separado sempre que forem omitidas a informação ao lesado ou a notificação para dedução do pedido no processo penal.

Dos actos processuais (livro n)

55 — No regime dos actos processuais pretendeu-se introduzir um reforço do direito de informação relativamente a processos atrasados, prevendo-se a clarificação do dever de comunicação das decisões relativas aos incidentes de aceleração processual (artigo 109.°, n.° 6).

56 — A prática de acto intempestivo é suprimida, aliás, anómala em processo penal, permitindo-se em contrapartida que o juiz prorrogue os prazos para a prática de actos vitais, tais como o requerimento de instrução, a contestação penal e a contestação do pedido de indemnização civil, em situações de excepcional complexidade (artigo 107.°, n.° 5).

57 — A comunicação dos actos processuais (artigo 111.0) sofre uma alteração significativa por forma a incluir e a reflectir a mais-valia propiciada pelas novas tecnologias agora aplicadas ao processo; nesta linha também o regime de notificações do artigo 113.° se reforça e aperfeiçoa. O regime de justificação de faltas é alterado, antecipando-se o momento de o fazer (artigo 117.°).

Prova (livro ih)

58 — Prevê-se com carácter inovador que será regulada em lei especial a protecção das testemunhas e de outros intervenientes no processo contra formas de ameaça, pressão ou intimidação, nomeadamente nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada.

59 — Consagra-se a imposição do conhecimento do local de trabalho do arguido como elemento constitutivo da sua identificação e estabelece-se o princípio da possibilidade de o juiz deferir pedidos de esclarecimento do Ministério Público ou do defensor relativamente às respostas dadas pelo arguido no decurso do interrogatório (artigo 141.°, n.° 6).

60 — Procede-se posteriormente a aperfeiçoamentos nos seguintes artigos:

Artigo 156.°, relativamente à utilização de elementos necessários à perícia;

Adapta-se a redacção do artigo 159.°, n.° 1, à nova lei de organização do sistema médico-legal;

Artigo 185.°, n.° 1, alterando-se a redacção do preceito de forma a abranger a apreensão de documentos em estabelecimento bancário;

Artigo 185.°, passando a prever-se expressamente as medidas de conservação e manutenção necessárias a decretar pelas autoridades judiciárias quanto a coisas deterioráveis apreendidas;

Artigo 246.-°, eslabelecendo-se um dever de informação sobre os procedimentos a adoptar na sequência da denúncia por crime particular;

Artigo 251.°, permitindo-se a revista de segurança quanto a pessoas que tenham de participar ou queiram assistir a acto processual, alterando-se nesse sentido o artigo 251.°

61 — O regime de apreensões, enquanto meio de obtenção da prova, é alterado tendo em vista, por um lado, uma maior eficiência no combate ao crime e, por outro lado, a necessidade de reforçar, a tutela do direito de propriedade enquanto direito fundamental.

Medidas de coacção (livro iv)

62 — Neste capítulo introduzem-se alterações visando uma maior exigência do dever de fundamentação da prisão preventiva, realçando-se um especial dever de especificação dos motivos de facto da decisão (artigo 194.°, n.° 3) por forma a facilitar um adequado controlo do bem fundamento do despacho que a impõe.

63 — Introduzem-se alterações ao termo de identidade e residência, atendendo as suas especiais incidências no regime do julgamento na ausência (artigo 196°).

64 — No artigo 200.° procede-se a uma alteração no sentido de incluir no n.° 1, alínea a), a obrigação de não permanecer na residência onde tenha sido cometido o crime ou habitem o ofendido ou pessoas sobre quem possam ser cometidos novos crimes.

65 — Prevê-se a possibilidade de utilização de meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da obrigação de permanência na habitação (artigo 201°).

66 — Possibilita-se o arresto preventivo nos casos em que o arguido não preste caução, não incompatível com a natureza e o regime daquele instituto.

Medidas cautelares de polícia (livro vi)

67 — No respeitante às medidas cautelares e de polícia, o artigo 250° é reformulado por forma a eliminar ambiguidades numa matéria que se prende directamente com direitos fundamentais.

68 — Consagra-se a possibilidade de os órgãos de polícia criminal procederem também à revista de suspeitos, na hipótese de detenção, e quando tenham de participar em qualquer acto processual sempre que haja razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam pratica actos de violência, igualmente sem prévia autorização judiciária (artigo 251.°, n.° 1).

69 — No que respeita ao inquérito, clarifica-se a aplicação das regras de conexão (artigo 264.°, n.° 4) e altera-se o artigo 270.° no sentido de permitir ao Ministério Público delegar nas autoridades de polícia criminal a faculdade de ordenar a efectivação de perícia relativamente a determinados tipos de crime.

70 — Ainda no que respeita ao inquérito, consagra-se a obrigatoriedade tendencial da notificação ao defensor do arguido, havendo-o com vinte e quatro horas de antecedência em relação à diligência, com excepção dos casos de extrema urgência (artigo 272°, n.° 4).

71 —Consagra-se ainda a obrigatoriedade de realização de interrogatório como arguido de pessoa contra quem o inquérito seja dirigido, salvo se o suspeito não puder ser notificado.

72 — Revestirá natureza obrigatória a comunicação do despacho de arquivamento também a quem no processo tenha manifestado o propósito de deduzir pedido cível (artigo 277.°, n.° 3).

73 — Estabelece-se ainda a imperatividade de nomeação, pelo juiz de instrução, do defensor ao arguido que não tiver advogado constituído ou defensor nomeado no pnxxssn, no despacho de abertura de instrução.

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74 — Estabelecem-se restrições à faculdade de delegação de actos de instrução nos órgãos de polícia criminal, durante a instrução, atenta a natureza desta (artigo 290.°) e restringe-se o número de testemunhas que podem ser indicadas no requerimento de instrução.

75 — No artigo 291.° passa a proibir-se a audição de testemunhas sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e conduta anterior, de modo a prevenir-se o desvirtuamento de finalidade dessa fase do processo.

76 — O artigo 289.°, n.° 2, passa a estabelecer a regra de que na instrução apenas o debate tem natureza contraditória e esclarece-se o regime de recursos na fase de instrução (artigo 291°, n.° 1) de modo a eliminarem-se incertezas no regime vigente.

Julgamento (livro vi)

77 — Fixa-se no artigo 311.° a obrigatoriedade de pronúncia sobre a questão das nulidades, no despacho judicial de saneamento do processo.

Ainda nesta sede passa a estabelecer-se no artigo 313.° a obrigatoriedade da marcação de duas datas para a audiência de julgamento, no despacho que designa dia para esse efeito.

78 — Passam ainda a admitir-se as seguintes inovações:

Admite-se a possibilidade de leitura, em audiência, das declarações prestadas perante o Ministério Público, nos mesmos termos e com os mesmos efeitos da leitura das prestadas perante o juiz (artigo 356.°);

Estipula-se a inclusão, na acta de julgamento dos requerimentos e- decisões relativas à restrição e exclusão de publicidade, nos termos em que a lei os prevê;

Admite-se a possibilidade de declaração de voto de vencido em matéria de direito.

Custas (livro xi)

79 — Adapta-se a terminologia do Código em matéria de custas e taxa de justiça à actual formulação do novo Código das Custas Judiciais, que inclui a taxa de justiça no conceito de custas e introduziu o conceito de encargos.

80 — Passa a eliminar-se a referência do artigo 522.° ao pagamento da taxa nos tribunais superiores face à sua abolição no actual Código das Custas Judiciais.

Soluções legislativas visando a superação de bloqueios 1 — Julgamento à revelia

81 — O projecto de diploma optou pelo alargamento dos casos em que é possível a audiência na ausência do arguido (artigo 334.°, n.° 2).

Alteração, aliás, possibilitada pela última revisão constitucional (artigo 32.°, n.° 6) (debate de 16 de Julho de 1997, in Diário da Assembleia da República, 1° série, n.°95, de 17 de Julho de 1997), que passou a prever que «a lei define expressamente os casos em que, assegurando os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento».

82 — O abandono do carácter taxativo dos motivos que fundamentam o requerimento ou o consentimento para a audiência ocorrer sem a presença do arguido permitiu o alargamento desta situação (artigo 334.°, n.° 2). Admite-se agora que a audiência ocorra na ausência do arguido, sempre

que este tenha prestado termo de identidade e residência e ainda que tenha justificado falta anterior à audiência.

83 — É concedida uma panóplia significativa de garantias de defesa ao arguido ausente, conciliando-se a celeridade processual com os seus direitos fundamentais.

2 — Qualificação jurídica dos factos

84 — O legislador esclareceu na letra da lei que à qualificação jurídica dos factos não se aplica o regime de alteração, substancial ou não, dos factos.

Assim, consagra-se no artigo 339.°, n.° 4, que «sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.° e 369.°».

85 — Estamos obviamente perante uma opção doutrinaria que se aproxima da jurisprudência do Tribunal Constitucional.

3 — Nova forma de processo especial — o processo abreviado

86 — A reforma dos processos simplificados, anunciada como um dos objectivos do processo de revisão do Código de Processo Penal, compreende-se não só no programa mais vasto da Comissão de Reforma de Transformação do CPP «num instrumento adequado à prossecução do combate à criminalidade e à realização de uma justiça célere, eficiente e eficaz» mas ainda no desenvolvimento da resposta global visada pela revisão do Código Penal de 1995, pois não é no quantum das penas abstractas mas na qualidade e celeridade da resposta penal que se revela o funcionamento da justiça.

87 — Conforme é destacado por diversos autores, a especificidade da reacção processual penal contra a pequena criminalidade relaciqna-se com três ordens de objectivos: maximização da eficácia, optimização político-criminal e alívio da justiça, e é em face da conjugação desses objectivos com os outros princípios do processo penal, em especial com o princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado das decisões condenatórias, que se deve compreender o processo sumaríssimo, regulado nos artigos 392.° e seguintes do Código de Processo Penal Português.

88 — Por outro lado, a existência de certos processos céleres, como o processo sumário previsto nos artigos 381.° e seguintes do Código de Processo Penal, relaciona-se não só com as especificidades das reacções das instâncias de controlo formais à criminalidade menos grave, mas ainda com a exigência de uma justiça célere e eficaz. Com o processo sumário visa-se, pois, em primeira linha, responder às necessidades de «celeridade, imediatismo e eficácia da reacção jurídico-criminal».

89 — O novo processo agora consagrado, o processo abreviado, será aplicado aos casos de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou de crime punível com pena de multa, da competência do tribunal singular, com o desiderato último de levar o processo a uma rápida submissão a julgamento.

90 — Ao nível dos pressupostos exige-se:

Juízo sobre a existência de prova evidente do crime; Identificação do seu agente; Se não tiverem decorrido mais de 60 dias após o cometimento do crime.

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91 —Deverão, em suma, ser casos de prova indiciária sólida e inequívoca que fundamenta, face ao auto de notícia ou perante um inquérito rápido, a imediata sujeição do facto ao juiz, concentrando-se, desta forma, o essencial do processo na sua fase crucial, que é o julgamento.

4 — Processo sumaríssimo

92 — O número de processo tramitados na forma sumaríssima é irrelevante, sendo aliás essa uma das razões por que não constam das estatísticas judiciárias.

93 — Os pressupostos para a tramitação em processo sumaríssimo são a existência de crime punível com prisão até seis meses, ainda que com multa, ou só multa, com natureza pública ou semipública, entendendo o Ministério Público que ao caso deve ser só concretamente aplicada pena de multa, inibição de conduzir ou medida de segurança não detentiva

Este tipo de processo não pode ser confundido com a pleabargaining do processo do direito americano, quer pela diferente organização judiciária dos dois países e em particular do Ministério Público, quer, sobretudo, pela diferença de fundo decorrente de no processo sumaríssimo não se verificar uma negociação sobre o crime, factos e pena, mas tão-só o reconhecimento pelo arguido dos factos e crimes imputados, bem como a aceitação das sanções propostas (que mereceram a concordância do juiz).

94 — No requerimento para processo sumaríssimo, o Ministério Público deve indicar os factos que considera indiciados, o(s) crime(s) preenchido(s) e, de forma precisa, as sanções cuja aplicação concreta propõe, bem como a motivação de facto e de direito dessa proposta. Recebido o requerimento, o juiz pode rejeitá-lo (por divergência quanto aos factos indiciados, o enquadramento jurídico ou as sanções propostas) e determinar a remessa dos autos para a forma comum. Sendo recebido o requerimento, o tribunal convoca o arguido, dá-lhe a conhecer a proposta do Ministério Público e, caso o arguido formule uma declaração de concordância, é então proferido despacho de concordância, que vale como sentença condenatória que transita imediatamente em julgado. Caso o arguido não concorde, não compareça ou não se faça representar, o processo é remetido para a forma comum.

95 — No âmbito deste tipo de processo estabelecem-se alterações significativas, sendo admissível o julgamento em processo sumaríssimo quando o crime for punível com pena de prisão não superior a três anos ou só com pena de multa, se o Ministério Público entender que, no caso concreto, deve ser aplicada pena ou medida de segurança não privativas de liberdade, na hipótese de crime particular e após obtenção de concordância dos assistentes.

96 — [ntroduzem-se alterações que visam fundamentalmente rentabilizar soluções processuais típicas de pequena e média criminalidade já existentes. É disto exemplo o alargamento dos casos de suspensão provisória do processo, que passa a abranger os crimes puníveis com pena de prisão até cinco anos e a ser aplicável também na fase de instrução.

5 — Conexão de processos

97 — Torna-se mais clara a situação de conexão prevista no artigo 24.°, mas rejeita-se o alargamento irrestrito de conexão subjectiva em moldes idênticos aos previstos no arttenOT Código de 1929, passíveis de gerar situações de autêntico desaforamento.

98 — Procede-se a um alargamento da conexão subjectiva, independentemente da verificação dos pressupostos previstos no artigo 24.°, mas contém-se a competência no tribunal sediado na comarca em cuja área foram praticados os factos

(artigo 25.°), possibilitando-se o princípio de que a conexão de processos ocorra, igualmente, quando o mesmo agente tiver cometido vários crimes cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.

6 — Segredo de justiça

99 — O regime do segredo de justiça é flexibilizado e visa a conciliação dos interesses protegidos, nomeadamente o interesse de investigação e o da presunção da inocência do arguido.

100 — Mantém-se na fase do inquérito o regime vigente, mas confere-se publicidade à instrução quando e a partir do momento em que esta for requerida pelo arguido, a não ser que este, no requerimento de abertura de instrução, se oponha à publicidade.

101 — Estando o processo em segredo de justiça, possibilita-se a prestação de esclarecimentos públicos a pedido de pessoas postas em causa relativamente a processos pendentes:

Quando necessário ao restabelecimento da verdade; ou Oficiosamente, em termos excepcionais, quando e na medida do estritamente necessário para a reposição da verdade sobre factos publicamente divulgados, para garantir a segurança de pessoas e bens e para evitar a perturbação de tranquilidade pública.

102 — Quanto à divulgação de actos pelos meios de comunicação social, introduzem-se duas alterações ao artigo 88.°: alargando a possibilidade de reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo a partir de sentença de 1.° instância; restringindo a transmissão ou registo de imagens e tomada de som relativamente a pessoa que a tal se opuser, tutelando, desta forma, o direito à própria imagem.

7 — Recursos

103 — Os recursos contam-se entre as matérias em que o actual Código mais inovou, pelo que na proposta de lei as alterações introduzidas não pretendem consagrar uma inversão de concepções básicas.

Assim, prevê-se:

Admissibilidade alargada de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas, em recurso, pelas relações, que não sejam irrecorríveis, nos termos do disposto no artigo 400.°, e dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo visando, exclusivamente, o reexame da matéria de direito;

Consagração do princípio de que, relativamente ao tribunal de júri, o recurso interposto para o Supremo ' Tribunal de Justiça pode ainda ter como fundamento o erro notório na apreciação de prova, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum;

Admissibilidade de recurso para fixação de jurisprudência, também na hipótese de um acórdão do Tribunal da Relação se encontrar em oposição com outros acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça;

Suspensão dos termos do recurso, na hipótese de. oposição de julgados, reconhecida até ao julgamento do recurso em que primeiro se tiver concluído pela oposição;

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Eficácia restrita no processo onde o recurso foi interposto e no processo cuja tramitação tiver sido suspensa de decisão que resolver o conflito de acórdãos, deixando de constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais, sem embargo de estes deverem fundamentar as divergência relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

Parecer

Atentas as considerações produzidas, somos de parecer que a proposta de lei n.° 157/VII reúne os requisitos constitucionais, legais e regimentais necessários, pelo que está em condições de subir a plenário para discussão na generalidade.

Assembleia da República, 20 de Maio de 1998.— O Deputado Relator, Nuno Baltazar. — O Deputado Presidente da Comissão, Alberto Martins.

Nota. — O relaiôno foi aprovado com os votos a favor do PS. CDS--PP, PCP e Os Verdes e a abstenção do PSD e o parecer foi aprovado por unanimidade.

ANEXO N.° I

confederação da indústria portuguesa

Assunto: Conselho de Acompanhamento do Sector da Justiça.

Na sequência da reunião do Conselho de Acompanhamento do Sector da Justiça havida no passado dia 31 de Outubro, encarrega-me o vice-presidente da CIP, e seu representante no referido Conselho, Dr. João Mendes de Almeida de, conforme estabelecido, enviar, junto a V. Ex.a, notas sobre o projecto de proposta de Jei de revisão do Código de Processo Penal e sobre o projecto de lei da saúde mental.

24 de Novembro de 1997. — o Chefe do Gabinete da Direcção, Pedro Maria de Alvim.

Nota

Previamente à formulação de quaisquer observações ou comentários sobre o projecto de proposta de lei em epígrafe, deve assinalar-se que, ao contrário do que sucedeu com o anterior projecto elaborado pela Comissão de Revisão do Código, o texto actual é antecedido de uma completa e pormenorizada exposição de motivos, na qual se enunciam os princípios básicos em que assenta a projectada revisão do Código, se indicam os fundamentos para as soluções adoptadas e se explicita o sentido e alcance das principais alterações do projecto.

Conhece-se, portanto, desde logo, a finalidade subjacente à iniciativa legislativa que o projecto visa concretizar, o que, naturalmente, reveste a maior importância para a respectiva apreciação e para a elaboração de qualquer juízo critico sobre o mesmo.

Reincide-se, porém, quanto à exiguidade do prazo concedido à CIP para a comunicação dos respectivos comentários e, desta forma, inviabiliza-se uma crítica rigorosa, na especialidade, do projecto em apreço.

Assim, centrar-se-á a nossa atenção nas grandes linhas que presidiram à elaboração do projecto e ater-se-á a análise critica às principais alterações de fundo que o mesmo intenta consagrar.

Numa apreciação global do texto em análise dir-se-á, desde logo, que o mesmo não suscita, em geral, especiais objecções ou comentários de fundo.

Percorrendo o conjunto das alterações, projectadas, começaremos por nos deter no objectivo fundamental do texto em questão, tal como ressalta das respectivas considerações preambulares (p. 6) — conferir à justiça penal celeridade, eficiência e eficácia. Trata-se, portanto, de um objectivo essencial que, naturalmente, merece inteira concordância.

Do conjunto de soluções propostas, consideram-se igualmente de sentido positiyo o projectado alargamento dos casos em que é possível a audiência na ausência do arguido (artigo 334.°, n.°s 2 e 3).

A compatibilização que se pretende, no regime do projecto, entre a celeridade processual e as garantias de defesa do arguido parece-nos pertinente.

O mesmo se diz quanto à assistência obrigatória por parte do defensor a este sujeito processual (artigos 64.° e 334.°, n.°6).

Daqui resulta que a declaração de contumácia passará a ter, caso o projecto se converta em lei, e como, aliás, se refere no respectivo preâmbulo, um «carácter meramente residual» (artigos 335.° e 336.°).

A respeito da declaração de contumácia, afirmou-se em anterior nota crítica da CIP formulada sobre o projecto elaborado pela Comissão de Revisão do Código que se considerava desejável a criação de qualquer serviço ou organização que permitisse o acesso automático e expedito ao conhecimento das declarações em causa, porventura noutra sede de legislação que não a do processo penal.

Assim se beneficiaria a actividade.

Reitera-se, por isso, tal pretensão.

Ainda a propósito da declaração de contumácia, deve referir-se que o anterior projecto eliminava de entre os respectivos efeitos a regra da anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados pelo arguido depois dessa declaração.

Tal solução pareceu-nos então susceptível de obviar a muitos inconvenientes que decorrem do regime em vigor para a normal fluência dos negócios.

No projecto em apreço caiu essa alteração e prevê-se, portanto, a manutenção do regime • vigente, ou seja, a consideração da anulabilidade dos negócios celebrados nas condições previstas como um dos efeitos da declaração de contumácia.

Continuamos a pensar que tal previsão tem muitos inconvenientes e é criticável.

Referência especial nos merece também a prevista criação do chamado processo abreviado (artigos 391.°-A e seguintes) e as projectadas alterações ao regime do processo sumaríssimo.

Está aqui em causa a introdução e reforço dos mecanismos de simplificação e aceleração processual aplicáveis à criminalidade menos grave, o que pode ter consequências muito positivas no âmbito do sistema.

O regime relativo ao pedido de indemnização civil visa melhorar a protecção do lesado no âmbito do processo penal e considera-se positivo.

Também as alterações projectadas em matéria de segredo de justiça se consideram isentas de reparos.

Quanto às inovações previstas em relação ao regime dos recursos deve referir-se que as mesmas não suscitam igualmente especiais objecções.

Os princípios em que assentam tais inovações — o Supremo Tribuna] de Justiça com função de tribuna! que conhece apenas de direito, a consagração (parcialmente) do

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chamado princípio da «dupla conforme», a alteração do regime do recurso para uniformização da jurisprudência, entre outros — não merecem reparos.

Por último, deve aludir-se ainda a dois aspectos.

O primeiro aspecto reporta-se ao projectado alargamento de muitos dos prazos previstos para a práüca de determinados actos processuais (lembra-se, a este propósito, que no projecto anterior se previa mesmo o aumento do prazo geral para a práüca de qualquer acto processual) (artigo 105." do projecto).

O regime do projecto actual não suscita objecções.

De facto, nos casos em que está em causa a prática de actos por parte do arguido, assistente, lesado, partes civis ou outros intervenientes particulares no processo, o alargamento projectado permitirá uma melhor organização da defesa dos respectivos interesses, o que não se valora de modo negativo.

Nas hipóteses relativas a actos das autoridades judiciais ou de polícia criminal, o previsto aumento dos prazos revela grande realismo.

Deve, porém, exigir-se o rigoroso cumprimento desses prazos, caso o regime do projecto se concretize.

O outro aspecto a salientar refere-se à prevista adaptação das normas de competência do artigo 16.° ao novo regime de punição do cheque.

A alteração de fundo em questão decorre, naturalmente, da modificação da lei substantiva, que é, como se sabe, mais «benévola» do que a lei anterior.

27 de Outubro de 1997.

CONFEDERAÇÃO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA

Assunto: Projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal.

Na sequência do envio, no ano transacto, de uma nota da CIP sobre o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, encarrega-me o Dr. João Mendes de Almeida, vice-presidente da CEP e seu representante no Conselho de Acompanhamento do Sector da Justiça, de enviar, junto a V. Ex.*, nota da CD? sobre a* nova versão do projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, que apresenta diferenças consideráveis em relação à anterior.

11 de Maio de 1998. — O Chefe do Gabinete da Direcção, Pedro Maria de Alvim.

Nota

1 — A nova versão do projecto de proposta de lei em epígrafe vem introduzir um conjunto muito vasto de alterações ao último texto sobre a mesma matéria que foi anteriormente enviado à CD?.

Muitas dessas alterações têm natureza meramente formal e visam o aperfeiçoamento dos dispositivos legais em questão, outras assumem antes um carácter substancial e inserem-se no escopo fundamento do projecto — conferir à justiça penal celeridade, eficiência e eficácia.

Mantêm-se, porém, nas suas grandes linhas, as principais reformas que já o texto anterior consagrava (v. g. o alargamento dos casos em que é possível a realização da audiência na ausência do arguido — artigo 334.° —, a criação do cha-

mado processo abreviado —artigos 391.°-A e seguintes—, o regime de recursos — artigos 400.° e seguintes — e, por isso, em termos gerais, o texto não merece reparos.

2 — De entre as inovações que o actual projecto apresenta em relação ao último de que tinha havido conhecimento, referem-se as seguintes:

Assim:

a) Prevê-se no artigo 1.° uma nova figura —a informação dos serviços de reinserção social — e possibilita-se, no regime do preceito, a substituição do relatório social por esta informação. Esclarecen-se, também, alguns aspectos do regime do relatório;

b) Reestruturam-se as competências do Supremo Tribunal de Justiça, restringindo-se aos juízes das secções criminais a competência para julgamento do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República e do Primeiro-Ministro por crimes praticados no exercício das suas funções (artigo 11.°);

c) Estabelece-se, quanto à competência das secções criminais das Relações, que os julgamentos a que tenham de proceder se efectuam em tribunal colectivo, constituído por três juízes (artigo 12.°,

. n.°3);

d) Altera-se o artigo 35.° no sentido de uma melhor especificação e identificação dos termos do conflito de competências;

e) Excepcionalmente, em caso de urgência, admite-se que seja nomeado defensor do arguido «pessoa idónea, de preferência licenciado em Direito, que cessa funções logo que seja possível nomear advogado ou advogado estagiário» (artigo 62.°, n.°2);

f) Alarga-se a possibilidade de constituição de assistente a crimes sem vítima de maior danosidade social (tráfico de influência, favorecimento pessoa\ praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, entre outros) (artigo 68.°);

g) No âmbito do regime da notificação, que se aperfeiçoa, admite-se a requisição de funcionário (artigo 114.°);

h) Confere-se previsão legal à protecção de testemunhas e de outros intervenientes no processo contra ameaças, pressões e intimidações, designadamente em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada (artigo 139.°);

0 Adapta-se a redacção do artigo 159.°, n.° 1, à nova lei de organização do sistema médico-legal;

j) Esclarece-se a necessidade de decisão judicial relativamente à elevação dos prazos de prisão preventiva (artigos213.° e 215.°, n.°2);

k) Restringe-se (a 20) o número de testemunhas que podem ser indicadas no requerimento de instrução, sem prejuízo dos poderes do juiz neste domínio (artigos 288.° e 290.°);

f) Esclarece-se o regime de recursos na fase de instrução (artigo 291.°, n.° 1);

m) Admite-se como causa de adiamento da audiência, a necessidade de realização do relatório sotM "aos, termos do artigo 370.° (artigo 328.°);

n) Estabelece-se o dever de reexame da situação do arguido, quando for proferida sentença condena-

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tória, de modo a adoptarem-se as medidas adequadas à execução da decisão (artigo 375.°);

o) Mantém-se o regime actual quanto aos casos que devem seguir a forma de processo sumário (flagrante delito por crime punível com pena de prisão com limite máximo não superior a três anos). No projecto anterior este limite estava fixado em cinco anos (artigo 381.°);

p) No processo abreviado, altera-se a tramitação e prevê-se a possibilidade de realização de debate instrutório, a requerimento do arguido [artigo 391.", alínea c)]. '

3 — O conjunto das alterações que o actual projecto apresenta em relação ao anterior não suscita, como já atrás se referiu, especiais observações ou comentários.

Convém acentuar, por outro lado, que se mantém a principal crítica da CIP quanto ao anterior projecto.

De facto, a consideração da anulabilidade dos negócios de natureza patrimonial celebrados nas condições previstas como um dos efeitos da declaração de contumácia (artigo 337.°, n.° 1) é um aspecto que se mantém no projecto agora em análise.

15 de Março de 1998.

anexo n.° 2

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Tenho a honra de comunicar a V. Ex* que na sessão do plenário do CSM realizada em 4 de Novembro de 1997 foi tomada a deliberação do seguinte teor:

Oficiar ao Gabinete do Sr. Ministro da Justiça comunicando que o CSM não se pronunciará formalmente sobre o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, por para tal ser impeditivo o prazo concedido.

Com efe/to, o poder político tem a legitimidade para decidir, não se pode é deixar, mais uma vez, de dar conhecimento da necessidade e prazo aceitável para que o CSM, atempadamente, se possa pronunciar.

Com os melhores cumprimentos.

13 de Novembro de 1997. — O Juiz-Secretário, Pedro Gonsalves Mourão.

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Em conformidade com a deliberação do plenário do CSM de ontem, 9 do corrente, junto se envia, para os efeitos tidos por convenientes, o parecer deste órgão, aprovado, por unanimidade, na referida sessão, à excepção dos artigos 303.°, 334.°, n.° 2, 358.°, 359.° e 411.°, n.° 4, estes aprovados por maioria, seguindo em anexo a declaração de voto.

Com os melhores cumprimentos.

10 de Dezembro de 1997. — O Juiz-Secretário, Pedro Gonsalves Mourão.

Comentários às alterações ao texto do projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal

Propostas de outras soluções e outras soluções não propostas

Artigo 1.° — Define-se, agora, mais prosaicamente o relalório social como uma informação, e não já como um documento, sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborado pelos serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz — n.° l, alínea g).

Artigo 12.° (não contemplado no projecto) — Por manifestas razões de paralelismo da hierarquia dos tribunais e de uniformidade de princípios, não se justifica que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações e os magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais ou equiparados sejam julgados pelo plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto pelo artigo 11.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Penal, enquanto os processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e delegados do procurador da República são julgados pelas secções criminais das Relações, ou seja, na filosofia deste projecto, por quatro juízes.

Assim sendo, o tratamento equitativo das situações homólogas imporia que o artigo 12.°, n.° 2, alínea a), passasse a ter a seguinte redacção:

a) Julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e delegados do procurador da República (procuradores-adjuntos), funcionando em plenário.

Artigo 13.° — No n.° 3, consagra-se, também, a possibilidade de apresentação do requerimento de abertura da instrução, como via suplementar de dedução do pedido de intervenção do tribunal do júri, por parte do arguido, eliminando-se, por seu tumo, quanto a este, a aludida faculdade, ora vigente, a contar da notificação da acusação.

Assim se quer significar que o arguido não pode pedir a intervenção do tribunal do júri, anteriormente ao despacho de pronúncia se, previamente, não houver requerido a instrução, mantendo-se a situação actual, relativamente ao Ministério Público, representando para este a dedução da acusação a única hipótese possível, atento o disposto pelo artigo 287.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, enquanto para o assistente essa faculdade tem lugar no prazo da dedução da acusação, conjuntamente com esta, ou no prazo de oito dias, a contar da notificação da pronúncia, se a houver.

Artigo 16.°—Propõe-se o desaparecimento do actual n.°2, por razões de sistematização formal, quanto à alínea c), agora alínea b), face ao teor do artigo 14.°, n.° 2, alínea b), e à alínea a), pelo facto de a generalidade da moldura penal abstracta correspondente aos crimes constantes do capítulo n do título v do livro li do Código Penal ser igual ou inferior a 5 anos de prisão e, quanto aos dois restantes ilícitos, em que é superior (auxílio de funcionário à evasão — artigo 350.°, n.° I — é motim de presos — artigo 354.°), por ter resultado de natural opção legislativa, e, finalmente, em relação à alínea b), por ter subjacente o projecto de alteração do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro, segundo o qual a moldura penal abstracta máxima aplicável ao crime de emissão de cheque sem provisão é de cinco anos de prisão.

Artigo 17° — Importava que fosse mantido o texto do

projecto da Comissão, segundo o qual a substituição do

exercício das funções jurisdicionais relativas ao inquérito

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pelas respeitantes às fases preliminares, COITIO actOS da competência material do juiz de instrução, dever-se-ia à necessidade de acentuar a jurisdicionalização do processo, desde o momento da realização do primeiro interrogatório judicial até ao final da decisão instrutória, despacho de pronúncia ou não pronúncia, inclusive, ou até à prolação do despacho que designa dia para julgamento ou que rejeita a acusação, exclusive.

Artigo 23.° («Processo respeitante a magistrado») — É congruente a eliminação da hipótese do «arguido», no elenco das personagens incluídas no título «Processo respeitante a magistrado», porquanto só nas restantes situações ainda subsistentes se justifica o regime aí estabelecido, sendo certo que, quando for arguido, vigoram as normas dos artigos 11.°, n.° 2, alínea a) (juízes das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça), e 12.°, n.° 2, alínea a) (juízes de direito).

É, igualmente, coerente a rectificação do titulo do artigo, com a exclusão «ou seus parentes» por desapropositada.

Artigo 24.° — É negativa a continuação da manutenção do actual n.° 2, que prevê que a regra da conexão de processos só possa operar, relativamente àqueles que se encontrem, simultaneamente, na fase de inquérito, de instrução ou julgamento, em virtude de algumas desvantagens que poderão andar associadas à não rectificação em causa, mormente ao nível da celeridade processual, face às inevitáveis esperas que a tramitação de alguns processos sofrerá com o conhecimento de outros ser, largamente, compensada através da realização de um julgamento conjunto, com apreciação global da situação envolvente e a reflexa diminuição de hipóteses de impunidade criminal.

Artigo 25.° («Conexão de processos da competência de tribunais com sede na mesma comarca») — Acrescenta-sé às hipóteses de conexão previstas no artigo antecedente a situação em que o mesmo agente tiver cometido vários crimes, cujo conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca.

Artigo 26.° — Reproduz, correctivamente, eliminando-se a referência aos tribunais militares, ao Supremo Tribunal de Justiça e às Relações, o correspondente texto do artigo do Código de Processo Penal actual.

Artigo 28.° («Competência determinada pela conexão») — Acrescenta-se, tão-só, a expressão «ou com sede na mesma comarca», com vista a uniformizar o texto com aquele que está proposto para o artigo 25."

Artigo 30.° — Mantém-se o texto do Código de Processo Penal, consagrando-se, porém, agora, a hipótese suplementar de o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.

Artigo 36.° — Ocorre, tão-só, uma correcção do respectivo n.° 3, onde, por lapso, constava «respostas» em vez de «comunicação».

Artigo 39." — Introduz-se, como única novidade, a figura da pessoa que viva com o juiz, em condições análogas às dos cônjuges, enquanto circunstância suplementar determinante de impedimento do exercício da função.

Porém, o n.° 3 deveria incluir também a hipótese de «não poderem exercer funções, a qualquer título, no mesmo processo, juízes que [...] vivam em condições análogas às dos cônjuges», por se tratar de situação actual, com expressão processual concreta na vida judiciária nacional.

Artigo 40.° —1 Receia-se que a eliminação da proposta do projecto da Comissão, onde se alargava o impedimento de participação em julgamento, determinado pela intervenção do juiz, nas fases de inquérito ou de instrução, salvo tratando--se de prolação de despachos de mero expediente, enquanto,

no Sistema actuai, o impedimento de participação em julgamento se restringe e decorre da presidência do debate instrutório, por, aparentemente, ter esquecido os mais recentes avisos do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, venha a constituir, a curto prazo, causa de estrangulamento do sistema processual penal.

Artigo 43.° — A novidade proposta consta do n.° 2, onde se vai recuperar o texto perdido do artigo 40.° do projecto da Comissão, optando-se pela solução da recusa, em vez da do impedimento.

Porém, a preferência deveria ter sido pela solução do impedimento, porquanto inexiste prazo para arguir a recusa e, consequentemente, obviar-se-ia à prática de eventuais actos inúteis.

Artigo 49." — Acrescentou-sc ao etenco dos Ululares do direito de queixa o mandatário judicial, independentemente de não se achar munido de procuração com poderes especiais (n.° 3).

Não se deveria ter eliminado o texto do projecto da Comissão, onde, no respectivo n.° 4, se clarificou a questão da legitimidade do Ministério Público, quer nas hipóteses de não apresentação de queixa, por quem de direito, quer quando os respectivos titulares declaram, em qualquer altura da causa, sem prejuízo do prazo de extinção do direito de queixa, pretenderem que se tome conhecimento do facto em juízo.

Artigo 51.° — Trata-se de uma ligeira alteração, proveniente do alargamento do prazo (n.° 3).

Acrescentou-se o n.° 4 para consagrar a notificação edital, como forma de dar conhecimento ao arguido cujo paradeiro é ignorado da possibilidade de deduzir oposição à desistência.

Artigo 52° — Contém uma alteração, relacionada com o alargamento do prazo constante do respectivo n.° 2. Porém, introduziu-se uma modificação mais profunda, porquanto dispensou-se a pronúncia expressa quanto à intenção de ser deduzida acusação, nos casos de concurso de crimes, em relação aos quais o crime por que o Ministério Público pode promover o processo é o de menor gravidade.

Artigo 58.° — Acrescentou-se um novo n.° 3, que prevê a entrega ao arguido de um documento donde constem os seus direitos e deveres processuais.

Artigo 61.° — Apenas se adita uma nova alínea c) ao n.° 3, nos termos da qual recai sobre o arguido o dever de prestar termo de identidade e residência logo que assuma essa qualidade.

Artigo 62.° — Em vez da previsão da nomeação de defensor ao arguido, de preferência advogado estagiário, de duvidosa adequação às finalidades visadas pela necessidade de se encontrar, substancialmente, representado em juízo, fala-se agora em «advogado ou advogado estagiário».

No n.° 3, prevê-se agora a hipótese de a autoridade de polícia criminal, além do Ministério Público, poder nomear defensor ao arguido, em certas situações de interdição, inabilitação ou incapacidade de relacionamento com a língua portuguesa ou a escrita, e, pelo Ministério Público, no despacho de encerramento do inquérito, quando contra ele for deduzida acusação.

No n.° 4, prevê-se a possibilidade de o arguido nomear mais de um advogado para o defender.

Artigo 64.° — Dever-se-ia manter o texto do projecto da Comissão, onde se alterou a redacção da alínea c) do n.° 1 por forma a precisar-se a obrigatoriedade de assistência do defensor, em qualquer acto processual, quando o arguido for menor de 18 anos (hoje, 21 anos), ou for portador de ano-

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malia psíquica (hoje, quando se suscitar a questão da sua inimputabiiidade ou da sua imputabilidade diminuída).

A alteração justifica-se, em absoluto, relativamente à desnecessidade de assistência do arguido, cidadão maior, mas com menos de 21 anos, em qualquer acto processual, por defensor, e compreende-se quanto à situação da anomalia psíquica, por ser conceito mais abrangente e unívoco do que os da inimputabiiidade ou da imputabilidade diminuída.

Acrescentou-se uma nova alínea f), nos termos da qual é obrigatória a assistência do defensor, também, na audiência de julgamento realizada na ausência do arguido.

Estabelece-se ainda a obrigatoriedade da nomeação ao arguido que o não tenha de defensor, no despacho de encerramento do inquérito, quando contra ele for deduzida acusação (n.° 3).

Artigo 66.° — No n.° 1 consagrou-se a notificação ao arguido da pessoa do defensor nomeado, para além deste, como já acontece no presente.

Artigo 68." — Alargou-se o elenco das situações susceptíveis de qualquer pessoa se poder vir a constituir assistente, aos casos dos crimes contra a paz e a humanidade, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação e participação económica em negócio.

Contudo, o alargamento deveria generalizar-se a todos os crimes contra a realização da justiça, contemplados no capítulo in do título v do livro n do Código Penal, e não, tão--só, em relação ao crime de denegação de justiça, como vem proposto.

No n.° 2 previu-se a situação dos crimes de natureza particular, hipótese em que o requerimento a solicitar a intervenção de assistente terá lugar, no prazo de oito dias, a contar da apresentação da denúncia.

No n.° 3 definiu-se como princípio genérico e momento temporal relevante para a constituição de assistente o prazo de cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento.

Por seu turno, continuando a ser possível a sua intervenção, em qualquer altura do processo, ela só é admitida para um acto processual concreto, desde que solicitada, até cinco dias antes do seu início.

O n.° 4 reproduz, na sua essência, a doutrina do actual n.° 3, especificando-se, porém, que o arguido só tem a faculdade de deduzir oposição ao pedido de consumição de assistente, nas fases posteriores ao inquérito, o que se afigura constituir injustificada preterição do princípio do contraditório, numa fase processual de recolha da prova, em que, para além do Ministério Público, poderá já existir o assistente constituído.

Introduziu-se ainda a novidade, contida no n.° 5, segundo o qual e durante o inquérito a constituição de assistente e os incidentes a ela respeitantes podem correr em separado, com junção dos elementos necessários à decisão.

Artigo 72.° — Na alínea b) do n.° 1 consagrou-se a faculdade de dedução do pedido cível em separado, quando o procedimento criminal se tiver extinto antes do julgamento, em vez de, como sucede hoje, esse facto ocorrer antes de a sentença transitar em julgado, o que vale por significar que a eficácia extintiva do procedimento criminal não releva, se acontecer após o início da audiência de discussão e julgamento.

Na alínea f) substituiu-se a referência ao incidente do chamamento à demanda pela do incidente da intervenção principal, por razões provenientes das alterações introduzidas ao Código de Processo Civil.

Aditou-se uma nova alínea — /') — que consagra a faculdade de o pedido cível ser formulado, em separado, pelo lesado que não tiver sido informado da possibilidade de o deduzir no processo penal, ou notificado para o fazer, nos termos do disposto pelo artigo 75.°

Dever-se-ia manter o texto do n." 2 do projecto da Comissão, onde se acrescentava o qualificativo «prévia» à expressão «dedução do pedido perante o tribunal civil», no caso de o procedimento depender de queixa ou acusação particular, como forma de significar, inequivocamente, que a precedência do procedimento cível equivale à renúncia ao procedimento penal.

Artigo 75." — O n.c 1 representa a mesma formulação doutrinária do corpo do actual artigo 75.°, embora sujeita a diversa redacção.

O n.° 2 constitui consagração do princípio definido no n.° 1, sendo certo, porém, que se deveria manter o texto do n.° 3 do projecto da Comissão, que traduzia a concretização prátíca dessa ideia ao estabelecer a notificação do lesado que tiver declarado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil do encerramento do inquérito, para formular, querendo, o pedido cível.

Artigo 76.° — O n.° 1 absorve o actual n.° 2 do artigo 76.° e acrescenta-lhe a obrigatoriedade e o lesado se fazer representar por advogado, desde que o pedido cível seja deduzido em separado e sempre que fosse imperativa a sua consumição, nos termos da lei processual civil,

O n.° 2 reitera a obrigatoriedade de os demandados e intervenientes se fazerem representar por advogado, acrescen-tando-lhe agora o enquadramento jurídico de que tal aconteça, nos termos da lei processual civil, mas não renovando o princípio de que, se não o fizerem, serão representados por defensor nomeado pelo juiz.

Por outro lado, especifica-se a possibilidade, neste momento em vigor, de o Ministério Público formular o pedido de indemnização, não ao lesado que lho requeira, mas antes em representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja prossecução lhe seja atribuída por lei (n.° 3).

Artigo 77." — No n.° 2 prevê-se o aumento do prazo de apresentação do pedido cível, cujo início se faz reportar à data da notificação do despacho de acusação ou, se o não houver, do despacho de pronúncia, quando exista.

Novidade significativa está contida no n.° 3, nos termos do qual, quando a formulação do pedido em separado não reclame, face ao seu valor, a constituição obrigatória de advogado, poderá o lesado, dentro dos prazos consagrados para a sua dedução, pelo n.° 2 deste preceito, requerer, por mera declaração no processo, que lhe seja arbitrada a indemnização civil, independentemente de formalidades especiais.

Artigo 78.° — Consagra-se, como única alteração, o alargamento do prazo da contestação, no respectivo n.° 1.

Artigo 79.° — O n.° 2 estabelece o número máximo de testemunhas que o requerente, demandado ou interveniente podem arrolar, de 10 ou de 5, consoante o valor do pedido exceda ou não a alçada da relação em matéria cível, respectivamente.

Artigo 82.°-A («Reparação da vítima em casos especiais») — Trata-se de disposição nova, inteiramente de saudar, que representa o regresso ao regime dos artigos 34.° e 450.°, n.° 5, do Código de Processo Penal de 1927.

Artigo 86.° — No n.° 1 prevê-se a novidade de o arguido dever especificar, no requerimento da abertura da instrução apenas por si solicitada, se se opõe â publicidade, en-tendendo-se que o processo é público, a partir de então, se nada disser ou se não se opuser.

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Por seu turno, no n.° 3 consagra-se que a publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não

constituam meios de prova, especificando a autoridade

judiciária os elementos relativos aos quais se mantém o segredo de justiça.

E no n.° 7 alargam-se as situações em que a autoridade judiciária pode autorizar a passagem de certidão de acto ou documento em segredo de justiça, quando necessária a processo de natureza criminal, à instrução de processo disciplinar de natureza pública ou à dedução do pedido de indemnização civil, enquanto, no presente, tal apenas é consentido, na medida estritamente necessária à dedução em separado de pedido de indemnização.

No n.° 8 prevê-se que a autoridade judiciária autorize a passagem de certidão de auto de notícia de acidente levantado por entidade policial, para efeitos de composição extrajudicial do litígio, em que seja interessada entidade seguradora para a qual esteja transferida a responsabilidade civil.

Acrescentou-se um n.° 9, no qual se consagra uma manifestação do princípio janela, permitindo-se que, durante a instrução ou o inquérito, possam ser prestados esclarecimentos públicos, úteis, para restabelecer a verdade e compatíveis com o desenvolvimento do processo, quer a pedido de pessoas publicamente postas em causa, a propósito de processo pendente naquelas fases, quer, excepcionalmente, quando a respectiva autoridade judiciária o entender por bem, na medida estritamente necessária para a reposição da verdade, para garantir a segurança de pessoas e bens ou para evitar a perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

Artigo 88.° — No n.° 2 continua a cominar-se com a pena de desobediência simples a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados em processos, até à sentença de J.° instância, assim se clarificando o actual conceito de processos pendentes, e, bem assim, a transmissão de imagens ou tomadas de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência, aditando-se, agora, também, o registo de imagens, excepto no caso de a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som serem autorizadas por despacho da respectíva autoridade judiciária, desde que não haja oposição de qualquer dos sujeitos processuais.

Artigo 89.° («Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais») — No n.° 2 concretiza--se a ideia, já existente, de que, não se tratando de crime de natureza particular, e se o Ministério Público ainda não houver deduzido acusação, o arguido, o assistente e as partes civis só podem ter acesso ao auto na parte respeitante a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados e a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em que devessem intervir, hipóteses, aliás, já constantes da letra da lei.

Artigo 97.° — Acrescentou-se ao respectivo n.° 4 a obrigatoriedade da especificação dos motivos, de facto e de direito da decisão.

Artigo 103.° — Exceptua-se uma nova situação em que os actos processuais se praticam fora do horário normal das secretarias, nos dias úteis ou dentro do período das férias judiciais, quando se trate de «actos de mero expediente, bem como as decisões das autoridades judiciárias, sempre que necessário», o que representa a reparação legislativa de um lamentável excesso de surrealismo garantístico que o quotidiano dos tribunais, desde sempre, se encarregou de esvaziar.

Artigo 104." — Consagrou-se, expressa e inequivocamente, no n.° 2, que os prazos relativos a processos, nos

quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 103.° — actos que contendem com detidos, presos Ou com a garantia da liberdade das pessoas e aqueles onde for reconhecida, por despacho, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem interrupção —, correm em férias, afastando-se, de modo inequívoco, a actual ressalva de um eventual prejuízo da defesa.

Considerando que a formulação actual do n.° 2 não é suficientemente abrangente da totalidade das situações que o legislador quis consagrar, por se não encontrarem, directamente, contempladas nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 103.°, como acontece sempre que utiliza a expressão, hoje, crescentemente, generalizada, de «correm durante as férias judiciais», designadamente nos crimes de abuso de liberdade de imprensa, propõe-se a seguinte redacção para o mesmo: \

2 — Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo anterior e, bem assim, aqueles que a lei, expressamente, declare que correm como tal.

Artigo 107.° — Eliminou-se o respecúvo n." 5, onde se previa a faculdade da prática de actos, independentemente de justo impedimento, nos termos e com as consequências do processo civil, o que poderá ser um sinal, mas não de significado inequívoco, da natureza publicístíca do processo penal.

De todo em todo, consagra-se agora, no novo n.° 5, a possibilidade de o juiz prorrogar, até ao limite máximo de 20 dias, quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos do disposto pelo artigo 215.°, n.° 3, em determinadas situações especificadas, o prazo para a práüca do acto.

Artigo 109.° — No n.° 6 consagrà-se, igualmente, a notificação ao requerente do pedido de aceleração processua) sobre a decisão final proferida.

Artigo 110." —Seria desejável a recuperação da alteração proposta para o presente artigo, nos termos da qual a condenação do requerente de pedido de aceleração processual julgado manifestamente infundado só aconteceria, na única acepção que se concretizou, quando fosse apresentado antes de haverem sido excedidos os prazos previstos na lei para a duração de cada fase processual.

Artigo 111.° — No n.° 3, alínea c), prevêem-se, como formas adicionais de comunicação entre os vários servvjos de justiça, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, o aviso, a carta e a telecópia.

Artigo 113." — A modalidade de notificação através da via postal aparece agora decomposta em duas subespécies', via postal registada e via postal simples — alíneas b) e c) do n.° 1.

Nos n.05 2, 3 e 4, disciplina-se o regime —momento e requisitos exteriores — da notificação por via postal registada e por via postal simples, em sintonia, quanto ao primeiro referencial, com a situação homóloga do processo civil.

Na alínea c) do n.° 4 define-se a hipótese em que o destinatário não é encontrado, sendo, então, a carta ou aviso entregue a pessoa que com ele habite ou trabalhe, com menção, pelos serviços postais, do facto e identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso.

Prevê-se a impossibilidade da notificação, por via postal registada, através dos procedimentos discriminados, hipótese em que os serviços postais cumprem o disposto nos respec-

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tivos regulamentos, devendo indicar a natureza da correspondência, a identificação do tribunal e do serviço remetente, sempre que deixem aviso.

No n.° 5, alínea b), procede-se à correcta remissão para o lugar próprio do n.° 2 do artigo 112.° e prevê-se a

confirmação telegráfica, também, através de telecópia, da via telefónica, previamente, utilizada.

No n.° 1 determina-se a obrigatoriedade de a notificação do arguido, do assistente e das partes civis dever ser feita, pessoalmente, independentemente da notificação ao respectivo defensor ou advogado, também no caso de dedução do pedido de indemnização civil, que se aditou ao elenco das situações típicas, já contempladas no presente.

Porém, omitem-se soluções para questões fundamentais que o legislador deverá atacar, sem novas tibiezas, que já se arrastam há alguns anos, como sejam as de saber se as notificações que devem ser feitas, pessoalmente, aosisujeitos processuais também o têm de ser aos advogados respectivos e, sendo afirmativa a resposta, como se propende, qual delas determina o início do prazo para a prática de qualquer acto processual subsequente, entendendo-se, neste particular, que deverá ser a notificação ao advogado ou defensor, face à sua natureza de especialista da técnica jurídico-processual.

Finalmente, no n.° 9, define-se, expressamente, o formalismo da notificação edital, sem recurso ao regime subsidiário integrador do processo civil.

Artigo 114.° — Revela-se de bons augúrios a proposta de alteração do regime de notificação de pessoa que dependa de superior hierárquico, constante do respectivo n.° 2.

De facto, retoma-se parcialmente a tradição jurídica anterior ao Código de Processo Penal de 1987, prevendo-se a possibilidade de aquela notificação ser feita, mediante requisição ao respectivo serviço, sendo certo que a comparência do notificado não carece de autorização do superior hierárquico.

Na hipótese de a notificação não se efectivar pela via da requisição, então o notificado deve informar, imediatamente, o seu superior da notificação e apresentar-lhe documento comprovativo da comparência.

Artigo U7.° — No n.° l ensaia-se uma nova definição da situação da justificação da falta, em termos mais simples, mas menos conceitualmente elaborados.

No n.° 2 consagra-se a obrigatoriedade de comunicar uma previsível impossibilidade de comparecimento, com a antecedência de cinco dias, ou, se imprevisível, de a dar a conhecer no dia e hora designados para a prática do acto.

A comunicação deverá conter, sob pena de injustificação da falta, a indicação do motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração previsível do impedimento.

No n.° 4 prevêrse que na hipótese de apresentação de atestado médico para justificar alegada doença a autoridade judiciária possa ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer" verificar, por outro médico, a veracidade da invocação da doença.

Lamenta-se a retirada do n.° 7, onde se consagrava a responsabilidade penal daquele que, contrariamente à verdade dos factos, alegasse uma situação de doença, tanto quanto tal era suposto constituir um indício da vontade firme do legislador no afrontamento de uma das mais graves causas do descrédito do funcionamento dos tribunais.

Artigo 133.° — Também aqui se lamenta a não inclusão do correspondente texto do projecto da Comissão, na medida em que contribuía para a clarificação da situação, ao determinar o aparecimento do impedimento de depor como testemunha dos ofendidos, e já não, tão-só, como sucede hoje, das pessoas que se tiverem constituído assistentes, pois,

por um lado, são aqueles o subsctracto natural da figura de parte assistente, e, por outro, não faria sentido que, para não inviabilizar o depoimento de uma «testemunha», se não provocasse a constituição do ofendido como assistente.

141* — Entende-se que deveria ser mantida a redacção do n.° 1, constante do projecto da Comissão, segundo a qual se impunha a obrigatoriedade de o arguido detido, que não devesse ser julgado em processo sumário, ser sempre interrogado pelo juiz de instrução, assim se obviando qualquer interrogatório por distinta autoridade judiciária.

O n.° 3 impõe, como elemento de identificação do arguido, o conhecimento do seu local de trabalho, o que, sendo novidade, representa um avanço no sentido de melhor ser equacionada a medida de coacção pertinente.

Estabelece o n.° 6, como novidade, a possibilidade de o juiz deferir pedidos de esclarecimento do Ministério Público ou do defensor relativamente às respostas dadas pelo arguido, no decurso do interrogatório, e, bem assim, de, findo este, poderem aqueles formular as perguntas que entendam relevantes para a descoberta da verdade.

Saudando-se a inovação, entende-se, inversamente, inexistirem razões para que o requerimento não haja de ser feito na presença do arguido, por não se afigurar razoável que o juiz deva decidir, na ausência daquele, se importa que seja formulado.

Artigo 143.° — Impondo-se como obrigatório, no artigo 141.°, n.° 1, como se defende no presente parecer, o interrogatório de arguido detido pelo juiz de instrução, quando não deva ser, imediatamente, julgado, mal se compreenderia, então, a gritante contradição que consiste na manutenção da redacção do n.° 1 do actual artigo 143.°, ao continuar a prever que aquele seja apresentado ao Ministério Público, que o poderá ouvir, sumariamente, quando não tiver sido interrogado pelo juiz, em acto seguido à detenção.

Quer isto dizer que a questão não reside na eliminação do advérbio de tempo «sempre» do texto do n.° 1 do artigo 141.°, mas antes no afastamento da faculdade contida no n.° 1 deste artigo 143."

Artigo 144." — Na redacção projectada para o n.° 2, desaparece, com realce positivo, a possibilidade de os interrogatórios do arguido, preso ou em liberdade, serem feitos por órgão de polícia criminal, por delegação do juiz de instrução, realizada no âmbito de actos de instrução.

Porém não se afigura saudável o retrocesso em relação ao texto do projecto da Comissão, quanto à alteração do n.° 3, onde se previa a situação em que, na hipótese de discrepâncias sensíveis entre o teor do interrogatório judi- . ciai e o de qualquer outro posterior, o novo interrogatório devesse ser, necessariamente, judicial.

Artigo 145." («Outras declarações») — Lamenta-se o desaparecimento do texto do projecto da Comissão, neste particular, onde, nos seus vários números, se previa a solução de ao ofendido, também, poderem ser tomadas declarações, em equiparação formal às figuras do assistente e das partes civis, como já acontecia quanto a estas, a requerimento dos próprios e do arguido, o que agora se não prevê em relação a este último, assim se instituindo uma espécie de «depoimento de parte», por auto-solicitacão.

Por outro lado, o regime proposto pelo projecto da Comissão era coerente com a alteração projectada para o artigo 133.°, alínea b), onde se introduziu o impedimento, até ao momento inexistente, de o ofendido poder depor como testemunha.

Artigo 156.° — No n.° 4 precisa-se melhor, através de uma

redacção conceituaJmente adequada, que os elementos de que

o perito tome conhecimento, no exercício das suas funções,

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so podem ser utilizados dentro do objecto e das finalidades da perícia.

Artigo 159.°—Pensa-se continuar a justificar-se o texto do projecto da Comissão, em relação ao n.° 3, onde se facultava o requerimento de perícia psiquiátrica, em qualquer

fase do processo, ao representante legal, familiares próximos

do arguido ou pessoa que com este vivesse em condições análogas às dos cônjuges.

Artigo 160.° — No n.°2 estabelece-se, genericamente, que a perícia deve ser deferida a institutos especializados, desaparecendo a referência explícita a entidades institucionais concretas, tais como os serviços de reinserção social ou os institutos de criminologia.

Artigo 178.° — Reformulou-se o n.° 3 e criaram-se novos números, de 4 a 7, por forma a definir as entidades hábeis para determinar, autorizar ou validar as apreensões e a susceptibilidade da declaração de perda, a favor do Estado, daqueles objectos.

Artigo 181." — No n.° 1 prevê-se, agora, também, a apreensão de documentos depositados em bancos, instituições de crédito ou cofres individuais.

Contudo, dever-se-á limitar ao juiz, e não reportar-se à autoridade judiciária, lato sensu, a competência para realizar a apreensão, sob pena de flagrante contradição com o texto da alínea c) do n.° 1 do artigo 268.°

Artigo 182.° — («Segredo profissional ou de funcionários e segredo de Estado») — Consagra-se, neste artigo, também, agora, expressamente, a situação do segredo profissional de funcionário, regime que se encontrava já implícito, através da remissão existente para o artigo 136.°, e bem assim, pelo título do artigo 182.° actual, embora não, igualmente, mediante remissão directa, como acontece no texto do projecto, para a situação do segredo de Estado.

Artigo 185.° — Prevê-se a situação de a apreensão se reportar também a coisas deterioráveis, hipótese em que, ao contrário do texto do projecto da Comissão, em que, tão-só, o juiz, e não já a autoridade judiciária, tal como agora se recupera a letra da lei, pode ordenar o seu destino e, igualmente, as medidas de conservação ou manutenção necessárias.

Artigo 188.° — Não se compreende a falta de acolhimento do texto do projecto da Comissão relativamente a este normativo, onde, no respectivo n.°3, se previa a situação segundo a qual, desde que não houvesse prejuízo para as finalidades do inquérito ou da instrução e antes de a respectiva fase se encerrar, o arguido, o assistente ou as pessoas cujas conversações tivessem sido escutadas, seriam notificados de que poderiam examinar o auto e escutar as gravações correspondentes, eliminando-se, consequentemente, o texto do actual n.°4.

Por seu turno, surgia, então, um novo n.° 4, em que se preceituava que o juiz podia ordenar a destruição dos elementos juntos, não relevantes para a prova, e o cancelamento das correspondentes transcrições, no respectivo auto.

Artigo 190.° — Igualmente, não se compreende que não tenha logrado consagração a proposta da Comissão, neste particular, em que se estabelecia a universalidade da aplicação do disposto nos artigos 187.°, 188.° e 189.° a quaisquer conversações, sem discriminação.

Artigo 194.° — No n.° 1 fica expressa a excepção de que a medida de coacção do termo de identidade e residência é a única que não depende de exclusiva aplicação de despacho judicial.

Adita-se um novo número — n.° 3 —, nos termos do qual o Ministério Público, em caso de detenção em flagrante delito, pode solicitar a elaboração de relatório social, a fim

de fundamentar o requerimMO rjaxa âpítcaçãQ çrisão

preventiva.

Por outro lado, não encontra suficiente razão explicativa o desaparecimento da proposta da Comissão, sob o n.° 5, nos termos do qual se consagrava a obrigatoriedade de fundamentação do despacho judicial que fixa as medidas de coacção ou de garantia patrimonial, aquele sem o indispensável cabimento racional, atenta a crescente exigência pública de transparência das decisões judiciais.

Artigo 196.° — Consagra-se a possibilidade de também o órgão de polícia criminal sujeitar o arguido à vinculação da medida de coacção do termo de identidade e residência, complementando-se o rol de obrigações que sobre ele incumbem, designadamente, que o incumprimento dos deveres tradicionais a que está associada aquela medida determina, entre outras, a notificação edital da data designada para a audiência de julgamento, prevista no artigo 334.°, n.° 3, e a realização da audiência, ainda que tenha justificado a falta anterior à audiência.

Porém, desaparece, sem suficiente razão convincente, a solução consagrada no texto do n.° 4 do projecto da Comissão, segundo o qual o juiz poderia ordenar a prestação de caução, por violação das obrigações referidas no n.° 2, independentemente de o crime não ser punível com pena de prisão.

Artigo 200.° — Elencou-se o elemento identificador da «residência» às hipóteses de eventual proibição de permanência do arguido — n.° 1, alínea d).

Artigo 201° — Estabelece-se, como novidade, um n.°2, que prevê a utilização de meios técnicos de fiscalização à distância, nos termos previstos na lei, do cumprimento da obrigação de permanência na habitação.

Artigo 206°'■— Prevê-se um novo número — n.°4 —, nos termos do qual a não prestação de caução é passível de desencadear a aplicação do arresto preventivo.

Artigo 209.° — Desaparece, por inteiro, o catálogo taxativo dos crimes relativamente aos quais o juiz deveria pronunciar-se sobre os motivos que o tivessem levado a não aplicar ao arguido a prisão preventiva, reduzindo-se essa tomada de posição, genericamente, aos casos em que o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

Artigo 214.° — Institui-se um n.°4, segundo o qual se a medida de coacção for a de caução e o arguido vier a ser condenado em prisão, aquela só se extingue com o início da execução da pena.

Artigo 215.° —No n.°3 prevê-se a elevação dos prazos referidos no n.° 1, cujos quantitativos aumentam, correspondentemente, quando o procedimento respeitar a crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos e se revelar de excepcional complexidade.

Artigo 227.° — A única alteração é a que contende com o n.° I, mas, mesmo este, tão-só, foi sujeito à eliminação da expressão «imposto de justiça», por já não ter consagração legal, e ainda porquanto o sucedâneo da «taxa de justiça» faz hoje parte do conceito de custas, por força do Decreto--Lei n.°224-A/96, de 26 de Novembro, conceito esse que se encontra abrangido naquele número do artigo revisto.

Artigo 246.° — Precisa-se, no respectivo n.°4, que a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita, verbalmente, nas hipóteses de crime de natureza particular, deve advertir o denunciante da obrigatoriedade da constituição como assistente e dos procedimentos a adoptar.

Artigo 249° — Atribuição aos órgãos de polícia criminal de maior amplitude de poderes, nomeadamente de proceder

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a apreensões no decurso de revistas ou buscas, ou em caso de urgência ou perigo da demora.

Artigo 250.° — No n.° 1 faz-se a pormenorização das situações passíveis de identificação pelos órgãos de polícia criminal —qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial —, sempre que sobre ela recaiam funàaàas suspeitas da prática de

crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permanecido, irregularmente, no território nacional ou da existência contra si de mandado de detenção.

Nos n.o* 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 aperfeiçoa-se o sistema de pré-identificação e identificação dos suspeitos pelos órgãos de polícia criminal.

Artigo 251."— Estabelece-se uma nova situação em que os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos, ou seja, na hipótese de detenção, para além de se introduzir, como novidade, a possibilidade de aqueles órgãos procederem à revista de pessoas que tenham de participar em qualquer acto processual, sempre que haja razões para crer que ocultam armas ou outros objectivos com os quais possam praticar actos de violência, também sem prévia autorização da autoridade judiciária.

Artigo 254." — A detenção fora de flagrante delito destina-se, também, nos termos do projecto, a que o visado seja presente à autoridade judiciária competente, em termos imediatos ou no prazo máximo de vinte e quatro horas — n.° 1, alínea b).

E, quando detido fora de flagrante delito, para aplicação ou execução da prisão preventiva, será sempre apresentado ao juiz, com vista ao primeiro interrogatório, nos termos do artigo 141.° (n.°2).

Artigo 262.° — Altamente lamentável foi o desaparecimento do texto constante do projecto da Comissão relativamente a este artigo.

Efectivamente, importante inovação foi registada com o aparecimento do n.° 3 daquele projecto, nos termos do qual, nos processos por crime de natureza semipública ou particular, punível com pena de prisão, cujo limite máximo não fosse superior a cinco anos, se com a queixa se juntasse prova documental suficiente do crime objecto da queixa e da responsabilidade do seu agente, o Ministério Público, após interrogatório do arguido, requeria a sua imediata submissão a julgamento, sem necessidade de realização de quaisquer outros actos de inquérito ou a instrução.

E nos n.os 4 e 5 previa-se que, nos processos por crime de natureza particular, punível com pena de prisão, cujo limite máximo não fosse superior a cinco anos, a queixa pudesse ser acompanhada de acusação particular, onde o pedido de indemnização civil seria deduzido, simultaneamente, desde que se juntasse prova documental bastante da prática do crime e da responsabilidade do seu agente. Nesse caso, o Ministério Público, após interrogatório do arguido, se entendesse que os documentos juntos constituíam prova indiciária suficiente, requeria a imediata realização de julgamento, sem haver lugar a quaisquer outros actos de inquérito ou a instrução.

Artigo 268.° — Na alínea e) do n.° 1 consagra-se a competência material exclusiva da juiz de instrução para declarar a perda, a favor do Estado, de bens apreendidos, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito, nos termos do disposto pelos artigos 277.°, 280.° e 282."

Artigo 270.° — Prevê-se a faculdade de o Ministério Público delegar em autoridades de polícia criminal a

realização de perícia, em caso de urgência ou perigo na demora, com excepção da autópsia médicò-legal, a prestação de esclarecimentos complementares e a efectivação de nova perícia, nos termos do preceituado pelo artigo 158.° (n.°3).

Por outro lado, consagra-se a possibilidade de o Ministério Público efectuar uma delegação genérica nos órgãos de

polícia criminal, com» referência aos tipos de crime ou aos limites das penas aplicáveis aos crimes em investigação.

Artigo 272.° («Primeiro interrogatório e comunicação ao arguido») — Estabelece-se como novidade, embora já resultasse da tradição jurídica portuguesa, anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, o princípio, consagrado no n.° 1, segundo o qual é obrigatório interrogar como arguido a pessoa contra quem o inquérito seja dirigido, salvo se o suspeito não puder ser notificado.

No n.° 4 consagra-se a obrigatoriedade da notificação ao defensor do arguido, havendo-o, com vinte e quatro horas de antecedência em relação à diligência, exceptuando os casos de extrema urgência, sempre que haja fundado motivo para recear que a demora possa prejudicar o asseguramento de meios de prova, quando o arguido dela prescindir ou no primeiro interrogatório não judicial de arguido detido.

Artigo 275.° — Introduz-se a fórmula de «auto redigido por súmula», já com assento no Código de Processo Penal.

Artigo 276.° — As únicas alterações propostas resultam agora da remissão necessária para o disposto no artigo 215.°, n.°3, e, bem assim, do alongamento do respectivo prazo de encerramento do inquérito.

Artigo 277.° — No n.° 3 prevê-se que o despacho dè arquivamento do inquérito seja, também, comunicado a quem, no processo, tenha manifestado o propósito de deduzir pedido civil.

No n.° 4 prevêem-se formas de efectuar a comunicação, aludida no número anterior.

Artigo 278.° — Mantém-se o princípio da intervenção hierárquica do Ministério Público, não obstante a alteração do respectivo teor literal.

Artigo 281.° — Prevê-se o alargamento da possibilidade de suspensão provisória do processo, no caso de o crime ser punível com pena de prisão não superior a cinco anos (hoje, três anos). Prevê-se, igualmente, a consagração da possibilidade de o juiz de instrução ou do Ministério Público recorrerem também a órgãos de polícia criminal e às autoridades administrativas, para além dos serviços do Instituto de Reinserção Social para fiscalizarem e acompanharem o cumprimento das injunções e regras de conduta impostas.

Artigo 283.° — Trata-se, quase em exclusivo, de uma alteração formal da redacção do respectivo articulado, embora se estabeleça, no correspondente n.° 1, pela primeira vez, o prazo para o Ministério Público deduzir a acusação.

Impor-se-ia, contudo, que, na respectiva alínea d) do n.° 3, se limitasse o número das testemunhas a arrolar a 10 e 20, consoante se trate de processo comum singular ou de processo comum colectivo, correspondentemente.

Embora não seja esta omissão a causa geradora de muitos dos desequilíbrios do processo penal, há que encarar de frente a situação e evitar os desregramentos, sendo certo que ao juiz continua aberta a faculdade contemplada pelo artigo 340.°, que lhe consente a produção de outros meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade.

A alteração proposta valerá, a fortiori, para as situações remissivas dos artigos 284.° («Acusação pelo assistente») e 287.° («Requerimento para abertura da instrução»).

Relativamente à hipótese de impossibilidade da notificação pela via postal registada ou do contacto pessoal, afasta-se,

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aqui e agora, a solução da notificação edital, com o prosseguimento do processo (n.°5).

Artigo 284.° — Prevê-se, no n.° 1, um alongamento do prazo, traduzindo-se as modificações introduzidas, nos n.051 e 2, numa reordenação literal do respectivo teor.

Artigo 285.° — Prevê-se, como única alteração, o alargamento do prazo da dedução da»acusação particular.

Artigo 287." — Prevê-se, no n.° 2, que o requerimento do assistente para a abertura da instrução obedeça aos requisitos constantes das alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 283.°, quanto à acusação pelo Ministério Público.

Porém, com vista a obviar-se a eventuais declarações de nulidade, por força do disposto no artigo 309.", impor-se-ia que, na hipótese de o requerimento para abertura da instrução ter sido formulado pelo assistente, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 287.°, o mesmo observaria, com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a g) do n.° 3 do artigo 283.°

Dever-se-ia continuar a propor, igualmente, que o juiz de instrução convidasse o requerente a aperfeiçoar o pedido, sob pena da sua rejeição, enquanto, no n.°4, se consagra a obrigatoriedade de designação de defensor ao arguido, que não tiver advogado constituído ou defensor nomeado no processo, no despacho de abertura da instrução.

Por seu turno, no n.° 5 estabelece-se o regime da notificação aos interessados do despacho de abertura da instrução.

Artigo 288° — Entendeu-se, como medida muito positiva, á alteração prevista no texto do n.° 1 do projecto da Comissão, ao eliminar-se a possibilidade de, na direcção da instrução, que compete ao juiz de instrução, este ser assistido pelos órgãos de polícia criminal, muito embora, seguidamente, no artigo 290." ...

Artigo 290.° («Actos de instrução») — Continua-se a esclarecer que o juiz pode conferir a órgãos de polícia criminal o encargo de procederem a quaisquer diligências e investigações relativas à instrução, com excepção do interrogatório do arguido, da inquirição de testemunhas e de actos que por lei sejam cometidos, em exclusivo, à competência do juiz.

Artigo 291." — Saúda-se a inadmissibilidade do depoimento de testemunhas, nesta fase processual, versando sobre aspectos ligados à personalidade do arguido (n.° 3).

Artigo 292.°—Na redacção do projecto da Comissão para o n.° 3, consagrava-se o princípio de que, durante a inquirição das testemunhas oferecidas, o Ministério Público, o defensor e o representante do assistente têm a faculdade de argiiir nuíidades, mas só com a permissão do juiz lhes é lícito suscitar pedidos de esclarecimento das respostas dadas.

Porém, finda a inquirição, podem requerer ao juiz que formule as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade.

Tratava-se de uma alteração que, coerentemente, se harmonizava com a filosofia global do processo penal e que, por consequência, se deveria manter.

Artigo 297.° — As únicas alterações propostas circunscrevem-se à eliminação do texto do actual n.° 3, porquanto, segundo a redacção do projecto, é no despacho de abertura de instrução que se nomeará defensor do arguido, que o não haja constituído —artigo 287.°, n.° 4, do projecto— e à remissão para o disposto pelos artigos 293.° e 116.°, n.os V e 2, do Código de Processo Penal.

Artigo 300.° — A única alteração contende com o n.° 3, mas, mesmo assim, tão-só, com o alongamento de um prazo.

Artigo 303." — No n.° 1 estabelece-se, como única alteração, um alongamento do prazo.

Porém, é deveras significativa e de aplaudir a modificação proposta para um novo n.° 4, ao consagrar-se, de modo

inequívoco, que a alteração da qualificação jurídica. do,S factos, ainda que agravativa do limite máximo da sanção aplicável, não é configurável como hipótese de alteração dos factos que importe para o juiz a obrigação de a comunicar

ao defensor do arguido e, bem assim, de sobre a mesma interrogar este último.

Artigo 307.° — As alterações contendem com o espaçamento do prazo previsto no respectivo n.° 4 e, bem assim, com a aplicação à decisão instrutória, mutatis mutan-

dis, do regime específico da suspensão provisória do processo (n.° 2).

Por seu turno, estabeleceu-se um novo número —n.°5—, nos termos do qual a circunstância de a instrução apenas ter sido requerida por um dos co-arguidos não prejudica o dever de o juiz retirar dela as consequências legalmente impostas relativamente a todos os demais.

Finalmente, prevê-se a aplicação subsidiária do disposto pelo artigo 283.°, n.° 5, quanto à notificação do lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, quando não for assistente.

Artigo 308.° — Desaparece a faculdade, contida no n.° 4, de o juiz solicitar a elaboração de relatório social ou a actualização do existente, mesmo que o considere conveniente, atento o julgamento posterior.

Trata-se de um infeliz retrocesso da filosofia processual, considerando, nomeadamente, o princípio do reexame trimestral dos pressupostos da prisão preventiva, consagrado pelo artigo 213.°, n.° 1, deste Código de Processo Penal.

Artigo 309.° — Estabelece-se, como única alteração, o alargamento do prazo, previsto no respectivo n.° 2.

Artigo 310.° («Recursos») — Acrescenta-se uma nova hipótese de recorribilidade, qual seja a do despacho que rejeite o requerimento,, para a abertura da instrução, enquanto, por outro lado, se estabelece a irrecorribilidade dos despachos proferidos durante a instrução.

Artigo 311.° — No n.° 1 adita-se a pronúncia do presidente quanto à questão das nulidades de que possa, desde logo, conhecer.

No n.° 2 confere-se ao presidente, agora, também, o poder de não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público, quarfdo importem uma alteração substancial dos factos daquela constantes.

Finalmente, no novo n.° 3, estabelecem-se as hipóteses em que a acusação se deverá considerar, manifestamente, infundada. Trata-se, sem dúvida, de avanço legislativo assinalável, tendente a ultrapassar situações de interpretação mais equívoca.

Artigo 312.° — Consagra-se um novo n.° 2, onde se prevê que o despacho que designa data para a audiência indicará, desde logo, o dia em que a mesma terá lugar, em caso de adiamento, nos termos do disposto pelo artigo 333.°, n.° 1.

É, indiscutivelmente, um avanço criador de substanciais ganhos de celeridade cujas raízes próximas se poderão encontrar na sequência de práticas processuais decorrentes do Decreto-Lei n.° 14/84, de 11 de Janeiro.

Contudo, importaria converter em dias o prazo que, no respectivo n.° 1, vem expresso em meses, para evitar a disfunção manifesta com o prazo estabelecido no n.° 2 do artigo seguinte — artigo 313.°—, que se exprime em dias.

Artigo 313.° — Estabelece-se, como única alteração, % obrigatoriedade de notificação, igualmente, ao defensor do arguido do despacho que designa dia para julgamento, através de contacto pessoal ou por via postal registada (n.° 2).

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Impõe-se aditar um novo número (n.° 4), onde se consagre que «A contestação e o rol de testemunhas são sempre notificados ao Ministério Público e ao assistente», por forma a contribuir para uma maior transparência da evolução processual, obviando-se, o mais possível, manifestações do efeito surpresa das decisões.

Artigo 314.° — Prevê-se, como única alteração, o alargamento do prazo contido no respectivo n.° 3.

Artigo 315.° — No n.° 4 prevê-se a aplicação remissiva do preceituado pelo artigo 283.°, n.° 3, alínea d).

Entende-se, por manifesto simetrismo com a situação do número de testemunhas de acusação, que também a contestação se deverá limitar a apresentar 10 ou 20, consoante se trate de processo comum singular ou processo comum colectivo, correspondentemente.

Artigo 318.° — No n.° 5 estabelece-se, como regra, que a tomada de declarações aos residentes fora da comarca se realiza em simultâneo com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicação em tempo real, sempre que estiverem disponíveis os indispensáveis recursos técnicos.

Porém, na hipótese de inexistência desses meios logísticos, o conteúdo das declarações é reduzido a auto, as quais serão reproduzidas, integralmente oq pôr súmula, face à disponibilidade dos meios de registo e de transcrição, aludidos no artigo 101." do Código de Processo Penal.

Artigo 328.° — No n.° 4 estabelece-se, como única alteração, o alongamento do respectivo prazo.

Artigo 330." — No n.° 1 prevê-se que, na falta de defensor do arguido, o presidente lhe nomeie, em substituição, outro advogado ou advogado estagiário, em vez de pessoa idónea, como acontece na versão do texto em vigor.

Artigo 332.° — No n.° 1 procede-se à remissão para o conteúdo do artigo 334.°, n.05 1, 2 e 3, na hipótese de falta do arguido à audiência.

No n." 8 determina-se a aplicação do disposto pelo artigo 116.°, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Artigo 333.°—Prevê-se, no n.° 1, que se o arguido não estiver presente na hora designada para o início da audiência, e não for possível obter a sua comparência imediata, a mesma seja odiada em virtude de desaparecer a alternativa da sua interrupção, como sucede na versão actual, quando seja de crer que o comparecimento se poderá verificar no prazo de cinco dias.

Então, voltando a faltar, e não sendo possível obter a sua comparência imediata, de novo será a audiência adiada, com a cominação de que, tornando a faltar, aquela terá lugar na sua ausência (n.° 2).

Propõe-se, porém, a seguinte redacção:

1 — Sempre que o arguido se encontre, regular e pessoalmente, notificado, nos termos do disposto pelo artigo 113.°, n.° 1, alíneas a) e b), da data designada para o julgamento e, faltando, não requerer, fundamentadamente, por si ou pelo seu defensor ou advogado constituído, o adiamento da audiência, esta realizar-se-á em nova data a designar pelo juiz, que o fará notificar de que o julgamento terá lugar, como se estivesse presente.

2 — Ao requerer o adiamento da audiência, nos termos do número anterior, deverá o arguido indicar a causa do impedimento e a data previsível da sua cessação.

3 — Se o juiz acolher os fundamentos apresentados pelo arguido, designará a nova data do julgamento, em conformidade com as indicações fornecidas, caso não entenda dever socorrer-se do disposto no n.° 2 do artigo 334.°

Artigo 334.° («Audiência na ausência do arguido») — No n.° 2, retoma-se, quase ipsis verbis, a doutrina do actual n.° 2, com a única alteração de que o facto de o arguido se encontrar, praticamente, impossibilitado de comparecer à audiência é objectivada, nomeadamente, pelas situações ín-

diCÊ dele Constantes e Bâó, taxativamente, como sucede na versão actual, pelos mesmos pressupostos.

Entende-se, porém, que o legislador deveria ter avançado ou, se não for caso disso, precisado, fazendo uma interpretação autêntica da lei, por incorporação dos princípios civi-lísticos aplicáveis, que o consentimento poderá assumir a forma expressa ou tácita. Efectivamente, a doutrina equipara o consentimento expresso ou real ao consentimento presumível, hipotético ou tácito do titular do bem jurídico disponível, como é, indiscutivelmente, o direito de estar presente em audiência de discussão e julgamento.

No n.° 3 estabelece-se que, não sendo possível notificar o arguido, sujeito a termo de identidade e residência, do despacho que designa dia para julgamento, ou executar a detenção ou a prisão preventiva, o arguido será notificado daquela data, através de editais, com a cominação de que o julgamento terá lugar na sua ausência, caso não esteja presente.

No n.° 4 prevê-se a situação de, no decurso da audiência, o tribunal ordenar a comparência do arguido, se a considerar útil para a boa decisão da causa (absolutamente imprescindível), na versão em vigor.

No n.° 8 consagra-se a solução de que, caso o arguido seja julgado como ausente, com excepção das hipóteses previstas nos n.<*-\ e 2, será notificado da sentença, logo que detido ou se apresente, voluntariamente.

Propõe-se, porém, a seguinte redacção:

1 — (Redacção proposta.)

2 — (Redacção proposta.)

3 — O consentimento pode ser expresso ou tácito.

4 — Opondo-se o arguido à realização da audiência na sua ausência, o juiz apreciará os fundamentos apresentados e designará o julgamento com a presença do arguido, desde que se não suscite a questão da sua inimputabiiidade.

5 — (Redacção do actual n.° 3.)

6 — (Redacção proposta para o n." 3.)

7 — (Redacção proposta para o n." 4.)

8 — (Redacção proposta para o n." 5.) 9— (Redacção proposta para o n." 7.) 10 — (Redacção proposta para o n." 8.)

Artigo 335.° («Declaração de contumácia»)■— Os n.<* 1 e 2, rompendo com a concepção do projecto da Comissão, retomam, na íntegra, a versão do Código de Processo Penal, introduzindo uma remissão suplementar para o preceituado pelo n.° 3 do artigo 334.°

E os n.05 3 e 4 reproduzem, totalmente, o disposto nos n.m i e 2 do artigo 336."

Artigo 336.° («Caducidade da declaração de contumácia») — O n.° 1 constitui a reprodução do n.° 3 anterior.

Nos n.05 2 e 3, prevê-se a situação de o arguido se apresentar ou ser detido, hipótese em que se lhe aplicará a me-dida de coacção adequada e, se o processo tiver prosseguido, será notificado da acusação, podendo requerer a abertura da instrução.

Artigo 337.° — Novidade a registar consiste no facto de a declaração de contumácia implicar para o arguido a passagem imediata de mandato de detenção, para efeitos de lhe ser aplicada a adequada medida de coacção, incluindo a prisão preventiva, se for caso disso, para além do que já acontece, actualmente, isto é, a anulabilidade dos negócios jurí-

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dicos de natureza patrimonial celebrados após aquela declaração (n.° 1).

Artigo 338.° — No n.° 1 dever-se-ia acrescentar a decisão sobre a questão das nulidades, acerca das quais ainda não tenha havido apreciação, como constava do texto do projecto da Comissão.

Artigo 342.° — No n.° 1 prevê-se também a inclusão do local de trabalho no elenco dos elementos de identificação do arguido.

Importa, porém, reequacionar a problemática da identificação do arguido.

Saliente-se, neste capítulo, que o Decreto-Lei n.° 317/95, de 28 de Novembro, eliminou do texto do artigo 342.° do Código de Processo Penal, subordinado ao título «Identificação do arguido», o respectivo n.° 2, norma que impunha ao juiz que preside à audiência que perguntasse ao arguido sobre os seus antecedentes criminais e por qualquer outro processo penal que contra ele, então, pendesse.

Porém, inexiste fundamento legal ou critério de coerência sistemática para consagrar a abolição do supracitado normativo, de importância vital para a apreciação dos antecedentes criminais dos arguidos e, através deles, para classificar a infracção, determinar ou graduar a responsabilidade dos seus agentes ou conhecer se foram, entretanto, pronunciados ou julgados por outras infracções.

Efectivamente, o conhecimento pelo Tribunal dos antecedentes criminais do arguido, no acto do julgamento e no momento da prolação da sentença, revela, particularmente, para efeitos de concretização da opção legal pela medida alternativa da pena não privativa de liberdade (artigo 70.° do Código Penal), da determinação da medida concreta da pena (artigo 71.° do Código Penal), da atenuação especial da pena (artigo 72.° do Código Penal), da dispensa da pena (artigo 74.° do Código Penal), da qualificação da reincidência (artigo 75° do Código Penal) ou da definição do concurso de crimes (artigo 77.° do Código Penal).

E não se diga que a restauração da vigência do normativo questionado representa uma violação indirecta do princípio da presunção de inocência do arguido, face a uma hipotética e alegada possibilidade sociológica de o julgador presumir a culpa daquele, ao indagar dos seus antecedentes criminais, no início do julgamento. Por outro lado, também, não se diga que, com semelhante comportamento processual, se impõe ao arguido a obrigação de participar, coactivamente, na produção de prova, violando-se, igualmente, os direitos de declaração e de silêncio.

É que o Código de Processo Penal de 1987, ao contrário do anterior Código de Processo Penal de 1926, determina, como requisito integrante da sentença, o da obrigatoriedade da fundamentação, que consta da enumeração e narração dos factos provados e a indicação dos não provados, bem como de uma exposição completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com exame crítico de todas as provas de que o tribunal cumpra conhecer — artigo 374.°, n.° 2, respectivo. ' Por seu turno, para além da novidade processual em que se traduz este específico dever de fundamentação, por parte do juiz, importa ainda referir que as partes, desde que o desejem, requererão, até ao início das declarações do arguido, previstas no artigo 343.°, que a prova prestada, oralmente, em audiência seja documentada na acta — artigos 363.°, n.° 1, e 3.64.° do Código de Processo Penal.

Assim, não se alcança como poderão as partes suscitai reservas sobre a fidedignidade da factualidade dada como assente pelo julgador, a menos que, mesmo assim, se pre-

tenda atacar a dignidade e a honestidade intelectual deste

último...

Finalmente, o invocado direito ao silêncio prende-se, tão--só, com a matéria da culpa, que está balizada pelo despacho de pronúncia, que fixa o objecto do processo e, consequentemente, os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado, nos termos do disposto pelos artigos 368.°, n.° 2, e 84° do Código de Processo Penal, em nada contendendo com a recolha dos antecedentes criminais do arguido, que revelam em momento processual distinto (Prof. Beleza dos Santos, «A sentença condenatória e a pronúncia em processo penal», Revista de Legislação e de Jurisprudêneuj, ano 63.°, pp. 385 e segs., Prof. Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. ih, pp. 47 e segs.).

Propõe-se,\ pois, a seguinte formulação do artigo:

1 —(Redacção do projecto.)

2 — Em seguida, o presidente pergunta ao arguido se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado, em que tribunais e por que crimes, e por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra, lendo-lhe ou fazendo que lhe seja lido, se necessário, o certificado do registo criminal.

3 — (Redacção do actual n." 2.)

Artigo 344.° — Exceptuou-se da relevância da confissão do arguido, integral e sem reservas, a hipótese de o crime ser punível com pena de prisão superior a cinco anos, o que representa, tão-só, uma adaptação da moldura penal de três para cinco anos [n.° 3, alínea c)].

■ Artigo 346.° — Dever-se-ia manter a previsão constante do n.° 1 do texto do projecto da Comissão, por forma a garantir, também, a possibilidade da tomada de declarações aò ofendido, pelo presidente ou por qualquer dos juízes.

Artigo 348.° — Adicionou-se um n.° 7, onde se prevê a aplicação à inquirição das testemunhas do regime vigente para o arguido, quanto à possibilidade de \he serem mostradas quaisquer pessoas, documentos ou objectos relacionados com o tema da prova, bem 'como peças anteriores do processo, atento o disposto pelo artigo 345.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.

Artigo 350.° — Adicionou-se ao n.° 2 a previsão da aplicação às declarações de peritos e consultores técnicos do regime vigente para o arguido, quanto à possibilidade de lhe serem mostradas quaisquer pessoas, documentos ou objectos relacionados com o tema da prova, bem como peças anteriores do processo, atento o disposto pelo artigo 345.°% n.° 3, do Código de Processo Penal, o

Artigo 352.° — Dever-se-ia manter, igualmente, a previsão constante da versão do projecto da Comissão, por forma a consagrar-se a eliminação do elenco das situações em que o tribunal determina o afastamento do arguido da sala de audiência, durante a prestação de declarações de menor de 16 anos, se houver razões para crer que a sua audição, na presença do arguido, poderá prejudicá-lo gravemente.

Artigo 353° — Afigura-se pertinente a continuação do texto do projecto da Comissão, segundo o qual se acrescentava o «ofendido» ao conjunto das pessoas que só" podem abandonar o local da audiência, por ordem ou com autorização do presidente.

Artigo 356.° — Aditou-se ao elenco das situações que consentem a leitura em audiência as declarações anteriormente prestadas perante o Ministério Público.

Artigo 358° — De relevo assinalável constitui a inclusão do respectivo n.° 3, nos termos do qual não ocorre a situação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação

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ou na pronúncia, quando o tribunal se limitar a modificar a qualificação jurídica dos mesmos, ainda que esta alteração agrave o limite máximo da sanção aplicável.

Artigo 359° — Com idêntico propósito clarificador de soluções jurisprudenciais, e, portanto, de aplaudir, representa a inclusão do correspondente n.° 4, nos termos do qual não se verifica a situação da alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, quando o tribunal se

limitar a modificar a qualificação jurídica dos mesmos, ainda que esta alteração agrave o limite máximo da sanção aplicável.

Artigo 362.° — Prevê-se a alteração da alínea d) do n.° 1, nos termos da qual a acta da audiência contém, também, a indicação de todas as provas produzidas ou examinadas em audiência, da alínea e), por forma a referir a decisão da exclusão ou restrição da publicidade, e, finalmente, da alínea/), onde se prevê que sejam incluídos na acta os requerimentos, as decisões e outras indicações pertinentes.

Acrescentou-se um n.° 2, por forma que todos os requerimentos ou protestos verbais devam constar da acta da audiência, podendo o presidente ordenar que a respectiva transcrição seja feita, somente, depois da sentença, se os considerar dilatórios.

Artigo 363.° — Propõe-se a seguinte redacção para o artigo:

As declarações prestadas, oralmente, na audiência são documentadas na acta, em regra, mediante gravação sonora, sem prejuízo do uso de meios áudio--visuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor, nos casos em que a lei, expressamente, o impuser.

Tem em vista a alteração proposta adaptar, coerentemente, as npvas disponibilidades técnicas de gravação sonora com a natureza não obrigatória, por via de regra, da documentação da audiência, face ao teor literal do artigo em análise.

Artigo 364.° («Audiência perante tribunal singular ou na ausência do arguido») — A documentação da prova, quando ocorra, realizada, por via de regra, através de gravação sonora, dispensaria a intervenção do tribunal colectivo, em paralelismo com a situação homóloga contemplada pelo artigo 646.°, n." 2, alínea c), do Código de Processo Civil.

Esta solução, sem representar qualquer diminuição no sistema de garantias da recolha de prova, teria a vantagem suplementar de permitir libertar alguns juízes da constituição dos tribunais colectivos, com a consequente afectação a outras funções, e, bem assim, de fazer sustar a constante massificação dos quadros de magistratura judicial.

Propõe-se, pois, um novo número, com a seguinte redacção:

4 — O julgamento segundo a estrutura da audiência em processo comum colectivo, quando requerida ou for obrigatória a documentação das declarações prestadas, oralmente, será realizado pelo juiz que deveria presidir.ao tribunal colectivo, na hipótese de a documentação não ter

tJugar.

5 — (O actual n.° 3.)

Artigo 368.° — Entende-se positiva a manutenção do texto do projecto da Comissão, neste particular, onde se previa o acréscimo dos n.os 4 a 8, reguladores da disciplina da reabertura da audiência para produção complementar de prova, sempre que, no decurso da deliberação, se suscitem dúvidas que, só por essa forma, possam ser previsivelmente, esclarecidas.

Artigo 371 ° — Afigura-se injustificada a não consagração do texto do projecto da Comissão quanto ao n.° 3, onde se procede à remissão para o disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 368.° relativamente à questão da culpabilidade.

Artigo 372." — Novidade muito importante vem proposta neste normativo, ao permitir-se que a elaboração do acórdão possa caber ao juiz mais antigo dos que constituem o tribunal colectivo e tiverÊm feito vencimento, na hipótese de o presidente ficar vencido.

Por seu turno, o juiz que votar vencido pode agora declarar, com precisão, os motivos dó seu voto, quanto à matéria de direito.

No n.° 5, prevê-se que, após o depósito do acórdão na secretaria, da aposição da data e da subscrição da declaração do depósito pelo secretário, este entregue cópia aos sujeitos processuais que o requeiram.

Artigo 373." («Leitura da sentença») — Não obstante a impropriedade do título, que deveria antes ser corrigido para «Leitura da sentença em casos de especial complexidade», prevê-se agora o seu deferimento para o prazo de 10 dias subsequentes, quando não for viável proceder de imediato à sua feitura. •

Consagra-se, também, a hipótese de o arguido não se encontrar presente, considerando-se, porém, notificado da sentença, depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.

Artigo 374.° — A alteração proposta para o n.° 4, ao eliminarem-se os conceitos de imposto de justiça e de honorários, contende com a nova disciplina do Código das Custas Judiciais.

Artigo 376.° —A alteração projectada para o n.° 2, ao eliminarem-se os conceitos de imposto de justiça e de honorários, tem a ver com a nova disciplina do Código das Custas Judiciais.

Artigo 379.° — O projecto da Comissão consagrava inovações, a este propósito, cuja eliminação se não afigura pertinente.

Assim, no n.° 1, aditava-se uma nova causa de nulidade da sentença, que acontecia quando o tribunal deixava de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.

Acrescentava-se, então, um n.° 2, que previa que as nulidades da sentença deviam ser arguidas ou conhecidas, em sede de recurso, sendo lícito ao tribunal recorrido suprimas na hipótese de arguição, aplicando-se o disposto no artigo 414.°, n.° 4.

E, relativamente aos despachos judiciais, quando irrecorríveis, propunha o n.° 3 que as nulidades só podia ser conhecidas por despacho irrecorrível, através de requerimento deduzido perante o tribunal que proferiu a decisão.

Artigo 380.°-A («Ausência e novo julgamento») — Prevê--se o regime e a disciplina da interposição de recurso ou do requerimento de novo julgamento, na hipótese de audiência realizada na ausência do arguido, quando este tiver sido condenado.

A impropriedade do título deste artigo resulta bem evidente da análise do respectivo teor, devendo antes estar encimado por «Recurso ou requerimento de novo julgamento a solicitação de arguido ausente».

Artigo 381.°—Prevê-se, muito positivamente, que o julgamento em processo sumário abranja os crimes puníveis com pena de prisão, cujo limite máximo não seja superior a cinco anos, quando a audiência, em relação aos detidos em flagrante delito, por qualquer autoridade judiciária ou entidade policial, se possa iniciar, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, sem prejuízo do seu

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adiamento, até ao limite do 30." dia posterior à detenção, na situação contemplada pelo artigo 386.°

Consagra-se igualmente, a solução da aplicação subsidiária

áo dispôs^ pelo artigo 16 ti.9 3, dO CÓdigO de PlOCSSSO Penal, que representa, se utilizada, criteriosamente, um potencial instrumento para a resolução célere de um alargado âmbito da criminalidade quotidiana.

Por seu turno, desaparece a proibição de realizar julgamentos em processo sumário, quando o arguido não tiver ainda, ao tempo do facto, completado 18 anos.

Artigo 382.° — No n.° 3 prevê-se a possibilidade da tramitação dos autos, cujos prazos de julgamento em processo sumário não poderiam ser respeitados, sob outra forma processual, e não já, necessariamente, sob a forma comum, atendendo às novas modalidades processuais criadas por este projecto.

Artigo 383.° — Neste artigo omitiu-se, contudo, uma formalidade essencial.

De facto, nos termos do disposto pelo artigo 58.°, n.™ 1, alínea d), e 2, é obrigatória a constituição como arguido, logo que for levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, com explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.°

Assim sendo, impor-se-ia, coerentemente, que o respectivo n.° 2 contivesse, também, a aludida informação, atinente à constituição como arguido.

Artigo 386.° — Consagra-se o adiamento da audiência, dentro do figurino do processo sumário, até ao limite do 30.° dia posterior à detenção.

Se a audiência for adiada, o juiz adverte o arguido de que aquela prosseguirá na data designada, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor.

Artigo 387 ° — Solução muito positiva revela-se a da hipótese de a detenção ter lugar fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial, situação em que a entidade policial que tiver procedido à detenção sujeita o arguido a termo de identidade e residência, liberta-o e notifica-o para comparecer, perante o Ministério Público, no 1,° dia útil seguinte, à hora que lhe for designada, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência.

E se o arguido não comparecer e o Ministério Público não proceder, nos termos do disposto pelo artigo 382.°, n.° 3, requer ao juiz a sua detenção, quando a audiência ainda puder ter lugar nas quarenta e oito horas posteriores à detenção, levantando-se auto de notícia, que servirá de acusação pelo crime de desobediência, a julgar conjuntamente com os outros crimes, se o processo mantiver a forma sumária.

Artigo 389.° — No n.° 1 propõe-se que, se o Ministério

Público não estiver presente, no início da audiência, e não puder comparecer, de imediato, o tribunal proceda à sua substituição legal, afastando-se a figura da nomeação de pessoa idónea.

Dever-se-ia manter o texto do n.° 3 do projecto da Comissão, onde se consagrava que o Ministério Público só podia substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que úvesse procedido à detenção quando esta fosse efectuada por autoridade judiciária ou entidade policial.

Artigo 390." — O tribunal pode decidir pela remessa dos autos ao Ministério Público, para tramitação sob outra forma processual, no âmbito dos pressupostos objectivos já constantes do texto em vigor, com excepção da situação da complexidade da causa, sendo certo que a condição da necessidade da realização de diligências de prova para a

descoberta da verdade tem agora o horizonte temporal máximo previsível de 30 dias, após a detenção.

Artigo 391.°-A («Quando tem lugar») — Prevê-se que, SentíO O ClimC puni YP} PPJ7) pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos ou cabendo à situação

medida de segurança não privativa de liberdade, existindo prova evidente da verificação do crime e da pessoa do seu agente, o Ministério Público possa requerer o julgamento em processo abreviado, face ao auto de notícia, ou realizado inquérito sumário, desde que não tenham decorrido mais de 60 dias sobre a data em que o crime foi cometido e não haja lugar à aplicação de medida de coacção privativa de liberdade.

Artigo 391.°-B («Requerimento») — O requerimento do Ministério Público deve obedecer aos requisitos atinentes à acusação, nos termos do disposto pelo artigo 283.°, n.° 3, sendo certo que se estiver em causa crime de natureza particular, aquele requerimento só poderá ser formulado depois de deduzida a acusação particular.

Artigo 391.°-C («Saneamento do processo») — Se o juiz não rejeitar o requerimento, o que implicará a devolução dos autos ao Ministério Público e a tramitação sob outra forma processual, designa dia para julgamento, com faculdade de dedução de pedido de indemnização civil, podendo o arguido apresentar a defesa em audiência.

Artigo 391.°-D («Julgamento») — O julgamento obedece às disposições relativas ao julgamento em processo comum, com possibilidade de ser requerida a documentação, apresentando o Ministério Público e o arguido, através do seu defensor, a acusação e a defesa, oralmente, em audiência, em substituição das exposições introdutórias, sendo a sentença proferida, verbalmente, e ditada para a acta.

Artigo 392.° — Prevê-se agora que o Ministério Público requeira ao tribunal o julgamento, sob a forma do processo sumaríssimo, quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 3 anos ou só com pena de multa, se o Ministério Público entender que, no caso concreto, deve ser aplicada pena ou medida dc segurança não privativa de liberdade, desde que, na hipótese de crime particular, haja concordância do assistente.

Artigo 393." («Partes civis») — Propõe-se agora que não seja permitida a intervenção de partes civis em processo sumaríssimo.

Artigo 394.° — Desaparece, no respectivo n.° l, a possibilidade de o Ministério Público indicar, no requerimento, as razões pelas.quais entende não dever ser, concretamente, aplicada ao arguido medida de segurança de internamento, por razões de coerência normativa e sistemática.

E, no n.° 2, desaparece a faculdade de o requerimento do Ministério Público propor o pedido de indemnização civil, por razões de conjunção com os princípios que resultam da proposta de alteração ao artigo 76.°

Artigo 395.° — Prevê-se a rejeição do requerimento para julgamento em processo sumaríssimo, quando aquele for, manifestamente, infundado ou o procedimento for, legalmente, inadmissível.

Artigo 396.° («Notificação e oposição dó arguido»)—<• Caso o juiz não rejeite o requerimento para julgamento, nomeia defensor oficioso ao arguido que não tenha ou tâc> haja constituído advogado e determina a notificação de ambos para deduzirem oposição à proposta do Ministério Público.

Artigo 397° («Decisão»)—Prevê-se que o juiz profira despacho de concordância com o requerimento do Ministério Público, que valerá como sentença condenatória e transitará,

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de imediato, em julgado, desde que o arguido se lhe não oponha e o juiz não discorde.

Artigo 398.° («Prosseguimento do processo») — Na hipótese de o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para a forma comum, equivalendo à acusação o requerimento do Ministério Público.

Se o juiz discordar da sanção proposta, é designado dia para a audiência de julgamento.

Arúgo 400.° — Prevê-se, no n.° 1, não ser admissível recurso, para além das situações do texto legal em vigor, também nas hipóteses de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, que não ponham termo à causa, de acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão proferida em 1.° instância, de acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.°, n.° 3, e de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão proferida em 1." instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, ainda que em caso de concurso de infracções.

Por outro lado, a bem do princípio da harmonia do ordenamento jurídico, a fim de que pedidos de igual montante pecuniário não dêem origem a distintas tomadas de posição, na jurisdição penal ou na jurisdição cível, quanto à admissibilidade de recurso, impor-se-ia que, para além da referência a que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente, em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido, se consagrasse, igualmente, que o valor do pedido seja superior a essa alçada.

Artigo 401.° — Restabelece-se, muito positivamente, o título, actualmente em vigor, «Legiümidade e interesse em agir», e, coerentemente, recupera-se o respectivo n.° 2, onde se fala que «não pode recorrer quem não tiver interesse em agir». Vale isto por dizer que o legislador pronunciou-se pela consagração da tese processualista da legitimidade substancial, materializada num interesse concreto em agir do recorrente, ou seja, num estado de carência para solicitar e conseguir a tutela jurisdicional pretendida.

Artigo 403." — Propõe-se, na alínea d) do n.°2, uma_nova situação definidora de autonomia entre a parte recorrida e a parte não recorrida de uma decisão, no caso de comparticipação criminal, se se referir a cada um dos arguidos, excepto sendo o recurso interposto por um dos arguidos, que aproveitará aos restantes, ou pelo responsável civil, que aproveitará ao arguido, não estando em causa, em qualquer das situações, motivos estritamente pessoais do recorrente.

Artigo 404." — Estabelece-se, como única alteração, o alargamento do prazo constante do respectivo n.°2.

Artigo 408.° — Aditam-se duas novas situações em que os recursos suspendem os efeitos da decisão recorrida, quando do despacho que modifique as condições de execução da pena, desde que implique privação da liberdade, e quando do recurso de despacho que considere sem efeito, por falta de pagamento de taxa de justiça, o recurso da decisão final condenatória.

Artigo 409.° — Propõe-se a eliminação, do âmbito das excepções ao princípio de reformatio in pejus, da situação da aplicação de medida de segurança de internamento, se o tribunal superior a considerar pertinente, nos termos do artigo 91." do Código Penal — respectivo n.° 2.

Por seu turno, prevê-se no n.° 3 que, se a decisão do tribunal superior for irrecorrível, este, quando proceda à

alteração da qualificação jurídica dos factos, não possa modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.

Artigo 410." — No n.°2, estabelece-se, também, como fundamento do recurso, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, desaparecendo, porém, a situação do erro, notório ou não, na apreciação da prova, o que, nesta última hipótese, se afigura lapso carecido de urgente rectificação.

Artigo 411." — No n.° 1, estabelece-se, como única alteração relevante, o espaçamento do prazo.

No n.° 3, comina-se, expressamente, a sanção da não admissão do recurso, como consequência da falta de motivação do respectivo requerimento de interposição. Por outro lado, alarga-se, também, o prazo de apresentação da motivação.

Novidade absoluta constitui a constante do n.°4, segundo a qual, no requerimento de interposição do recurso, restrito à matéria de direito, o recorrente pode requerer que, havendo lugar a alegações, elas sejam produzidas por escrito.

Artigo 412.° («Motivação do recurso e conclusões») — Na alínea c) do n.°2 estabelece-se que as conclusões do recurso, versando matéria de direito, devem indicar, na hipótese de alteração jurídica dos factos, sob pena de rejeição, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

No n.c 3 estabelecem-se os requisitos indispensáveis à procedência da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, agora já sem a cominação da rejeição, consagrando-se, nomeadamente, a indicação das provas que devem ser renovadas.

No n.° 4 prevê-se que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações respeitantes às provas que devem ser renovadas e às provas que impõem decisão diversa da recorrida fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.

Finalmente, no n.° 5 prevê-se a situação da existência de recursos retidos, hipótese em que o recorrente deverá especificar, obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse, mas dever-se-ia ter acrescentado, sob cominação de, não o fazendo, se entender que desiste dos recursos retidos.

Num novo n.° 6 dever-se-ia prever a possibilidade de o relator convidar o recorrente a apresentar, completar, esclarecer ou sintetizar conclusões, sob pena de não conhecimento do recurso na parte afectada.

E num novo n.° 7 dever-se-ia propor a notificação dos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso sobre a apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, a fim de poderem responder no prazo de 10 dias.

Artigo 413.° — Consagra-se o alargamento do prazo e procede-se à remissão, também, para o disposto nos artigos 411.°, n.° 5, e 412.°, n.° 3.

Artigo 414.° («Admissão do recurso») — Estabelece-se o momento, modo, regime e efeitos da admissão dó recurso.

Artigo 417.°—No n.° 2 propõe-se que o arguido seja notificado para responder, querendo, quando o Ministério Público não se limite a apor o seu visto, no momento anterior ao da apresentação do processo ao relator.

Nos n.** 5 e 6 prevê-se que, não devendo o recurso ser julgado em conferência, por não haver lugar à elaboração de projecto de acórdão, ou por não se tratar de questão que aí possa ser resolvida, e devendo o processo prosseguir,

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havendo algum dos recorrentes ou- recorridos solicitado alegações escritas, após exame preliminar, o relator fixa o prazo para alegações,, que não pode exceder 10 dias, enunciando as questões que merecem exame especial.

Artigo 418.° — No n.° 1 dever-se-ia prever que, concluído o exame preliminar ou decorrido o prazo para a apresentação de alegações escritas, conforme os casos, o processo fosse a visto dos restantes juízes-adjuntos, acompanhado de projecto de acórdão e, seguidamente, à conferência, na primeira sessão que tivesse lugar.

Artigo 419.° — Propõe-se uma mera alteração semântica, ao prever-se, expressamente, que o presidente só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e dos juízes-adjuntos.

No n.° 4 dever-se-ia propor ainda que o recurso seja julgado em conferência, quando nenhum dos recorrentes ou recorridos tenha requerido alegações orais e não seja necessário proceder à renovação da prova, nos termos do artigo 430.°, n.° 3.

Artigo 420.° — No n.° 1 consagra-se, igualmente, o princípio de que q, recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência, quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.

Artigo 421.° — No n.° 3 consagra-se que as notificações, com excepção do Ministério Público, são feitas por via postal.

Artigo 425° — No n.° 2 precisa-se que a admissibilidade da declaração de voto se restringe à matéria de direito, sendo redigida pelo vencido ou pelo primeiro dos vencidos.

No n.° 3 propõe-se que, se não for possível lavrar, imediatamente, o acórdão, é publicada a decisão, depois de registada num livro de lembranças, que os juízes assinam.

No n.° 4 prevê-se a aplicação aos acórdãos proferidos em recurso do disposto nos artigos 379.° e 380.°, sendo o acórdão nulo, quando for lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento.

Artigo 426.° — No proposto n.° 1 retoma-se a doutrina contida no corpo da redacção actual do mesmo, omilindo--se a referência à extensão do objecto do processo ou às questões, concretamente, identificadas na decisão do reenvio.

E, no proposto n.° 2, na hipótese de existência de processos conexos, o tribunal superior faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns, para efeitos de novo julgamento, quando o vício referido no número anterior recair apenas sobre eles.

Artigo 426.°-A («Competência para o novo julgamento») — No n.° 1 determina-se que, na hipótese de reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal mais próximo, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, considerando-se que o julgamento compete ao tribunal que resultar da distribuição, quando na mesma comarca existam mais de dois tribunais da mesma categoria e composição.

Artigo 428.° — No n.° 2 procede-se a uma remissão correcúva dos comandos legais.

Artigo 429.° — No n.° 1 prevê-se a composição do tribunal de relação na audiência, em que intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos.

Artigo 430.° («Modificabilidade da decisão de facto») — Consagram-se as situações em que a decisão do tribunal de 1." instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação, com renovação dos meios de prova produzidos na 1." instância, quando não tiver havido renúncia ao recurso, se do processo constarem todos os elementos de prova que

lhe serviram de base, e. tendo ocorrido registo de prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do disposto pelo artigo 412.°, n.° 3, e quando o julgamento tiver ocorrido em

l.8 instância, com ausência, não requerida ou consentida, do

arguido.

Artigo 431.° («Renovação da prova») — A renovação da prova, hos termos do n.° 3 do artigo anterior, realiza-se em audiência, hipótese em que o arguido é sempre convocado para a audiência, sem dar lugar ao adiamento desta, caso falte e haja sido regularmente convocado, salvo decisão em contrário do tribunal.

Artigo 432.° — Para além das situações consagradas no texto actual, prevêem-se ainda como recorríveis para o Supremo Tribunal de Jusüça as decisões proferidas, em recurso, pelas Relações que não sejam irrecorríveis, nos termos do artigo 400.°, os acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, visando, exclusivamente, o reexame de matéria de direito.

Porém, registe-se que as alterações projectadas para a alínea d), onde se fundem as actuais alíneas, b) e c), vêm repor a dignidade perdida pelo Supremo Tribunal de Justiça, com a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, reconduzindo-o à sua vocação natural de tribunal de revista.

Nesta medida, surge-nos um novo grau de instância de recurso, em processo penal, reservando-se o Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação dos acórdãos proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo sobre o reexame exclusivo da matéria de direito.

Assim sendo, os tribunais da Relação renascem como a inicial instância de.recurso de todas as decisões proferidas pelos tribunais de l.° instância, o que se saúda, muito positivamente, pelo desbloqueamento subsequente que conhecerá o Supremo Tribunal de Jusüça.

Propõe-se, igualmente, com vista a alcançar o princípio da harmonia do ordenamento jurídico, bem jurídico fundamental do sistema, respeitando os valores imanentes ao mesmo, sem provocar grandes contradições nas várias espécies de jurisdição, que seja admissível recurso de acórdãos das Relações, proferidos sobre sentenças da 1.° instância, relativamente a pedidos de indemnização cível, quando o seu valor ultrapasse a alçada do Tribunal da Relação.

Respeitar-se-á, assim, o sistema de equilíbrios que deve existir na ordem jurídica, sem esquecer as exigências decorrentes da consagração do princípio da adesão da acção civil ao processo penal.

Artigo 433.° — Prevê-se, neste normativo, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa, exclusivamente, o reexame da matéria de direito, enquanto, em relação ao tribunal do júri, pode ainda ter como fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Artigo 436.° — (Eliminado).

Artigo 437.° — No n.° 2 prevê-se a admissibilidade de recurso para fixação de jurisprudência, nos termos do número anterior, igualmente, quando um acórdão de um tribunal da Re/ação estiver em oposição com outro do Supremo Tribunal de Justiça, sem dele ser admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Artigo 439.° — Estabelece-se, como única alteração, o alargamento do prazo constante do n.° \.

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Artigo 440.° — Estabeleceu-se, como única alteração, o alargamento dos prazos constantes dos n.os 1 e 4, acrescentando-se a remissão para o artigo 418.°, n.° 2, do Código de Processo Penal no respectivo n.° 5.

Artigo 441.° — No n.° 2 propõe-se que, se a oposição de julgados já tiver sido reconhecida, os termos do recurso são suspensos até ao julgamento do recurso em que primeiro se tí ver concluído pela oposição.

Artigo 442." — Estabelece-se, como única alteração, o espaçamento do praio constante do respectivo n.° 1.

Artigo 445." — Nos n." 1 e 3 propõe-se que a decisão que resolver o conflito tem eficácia, igualmente, nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa, nos termos do artigo 441.", n." 2, deixando, porém, de constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, embora estes devam fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

Artigo 446.° («Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça») — A alteração do título actual, «Recursos de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória», traduz uma decorrência natural do desaparecimento do instituto da jurisprudência obrigatória com reflexos na eliminação da correspondente expressão contida no respectivo n.° 1, tendo sido introduzido o n.° 3, no qual se prevê que o Supremo Tribunal de Justiça possa limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame, se entender que está ultrapassada.

Artigo 454.° — A única alteração proposta contende com o alargamento do prazo fixado no corpo do artigo.

Artigo 455." — A única alteração proposta contende com o alargamento dos prazos fixados nos respectivos n.05* 1 e 2, acrescentandp-se a remissão para o disposto pelos artigos 418.°, n.° 2, e 443.°, n.° 2, do Código de Processo Penal, no respectivo n.° 6.

Artigo 456.° — A única alteração proposta contende com o desaparecimento da expressão «imposto de justiça», por exigências decorrentes das normas do Código das Custas Judiciais.

Artigo 462.° — A única alteração proposta contende com o desaparecimento da expressão «imposto de justiça», por exigências decorrentes das normas do Código das Custas Judiciais.

Artigo 463.° — A única alteração proposta contende com o desaparecimento da expressão «imposto de justiça», por exigências decorrentes das normas do Código das Custas Judiciais.

Artigo 469.° — A única alteração proposta contende com o desaparecimento da expressão «imposto de justiça», por exigências decorrentes das normas do Código das Custas Judiciais.

Artigo 489°—A única alteração proposta refere-se ao alargamento do prazo fixado no respectivo n.° 2.

Artigo 490.° — A única alteração proposta refere-se ao alargamento do prazo fixado no respectivo n.° 4.

Artigo 500.° — A única alteração proposta refere-se ao alargamento do prazo fixado no respectivo n.° 2.

Artigo 511.°—Altera-se a ordem dos pagamentos definida, eliminando-se, também, por razões normativas e de sistematização, o imposto de justiça e as custas a favor de entidades diversas, passando a hierarquia dos pagamentos pelas multas penais, as coimas, a taxa de justiça, os encargos liquidados a favor do Estado, do Cofre Geral dos Tribunais e do Serviço Social do Ministério da Justiça, os restantes encargos, proporcionalmente, e as indemnizações, corresponden temente.

Artigo 514.° («Responsabilidade do arguido por encargos») — Correspondendo à alteração do título, procedeu-se a substituição do termo «custas» por «encargos» e, também, do «imposto de justiça» por «taxa de jusüça», por razões oriundas da aplicação das novas regras tributárias.

Artigo 518.° («Responsabilidade do assistente por encargos») — Correspondendo à alteração do título, procedeu-se a substituição do termo «custas» por «encargos» e, também, do «imposto de justiça» por «taxa de justiça», por razões

oriundas da aplicação das novas regras tributárias.

Artigo 519.° — Importava que se concretizasse a alteração ao n.° 2, por forma a proceder à substituição do conceito «imposto» por «taxa», esta última por razões motivadas nas alterações das regras tributárias.

Artigo 520.° («Responsabilidade das partes civis e de outras pessoas») — Dever-se-ia manter o texto do projecto da Comissão^ estabelecendo-se que pagam custas, mas omitindo-se a referência a «imposto de justiça», por razoes de coerência com os novos princípios tributários, igualmente, as partes civis, ainda que sejam assistentes ou arguidos e se deva entender que lhes deram causa, segundo as normas do processo civil.

Efectivamente, inexistem quaisquer razões de coerência lógica ou sistemática pára não responsabilizar pelo pagamento das custas, tão-só, as partes civis que não sejam assistentes ou arguidos, desde que se entenda que deram causa às custas, segundo as normas do processo civil.

Artigo 521.° — A única alteração consiste na eliminação da referência a «taxa de justiça», por óbvias razões decorrentes dos novos princípios tributários.

Artigo 522.° («Isenções») — Recupera-se, quase na íntegra, o texto do artigo 523.°, incluindo o respectivo título, com excepção de duas alterações, uma decorrente da eliminação do conceito de «imposto de justiça», face à sua compreensão no conceito de custas, devido às exigências das novas regras tributárias, e, também, da substituição do termo «imposto de justiça» por «taxa de justiça», por idêntica motivação normativa, enquanto a segunda se traduz na supressão do princípio em vigor, segundo o qual o benefício da isenção pão aproveita aos arguidos que recuperem a liberdade, ainda que sob caução já prestada, pelo simples facto da interposição de recurso.

Artigo 523.° («Custas no pedido cível») — Prevê a aplicação das normas do processo civil à responsabilidade por custas relativa ao pedido de indemnização civil.

Artigo 524.° — Estabelece-se como alteração a eliminação da expressão «em matéria de responsabilidade por imposto de justiça e por custas», por duas razões, ditadas em função de princípios de coerência, formal e sistemática, com as novas regras tributárias, e com a óbvia aplicação destas à disciplina da responsabilidade por custas penais.

Grandes princípios enformadores do projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal

A apagada afirmação do juiz de instrução

O aprofundamento da competência material do juiz de instrução, cujo exercício funcional se objectivava, nos termos do projecto da Comissão, em toda a actividade jurisdicional pretérita à da designação da data para julgamento, quer ao nível da instrução, quer do inquérito, quer da fase preliminar a este, propriamente dita, a partir do primeiro interrogatório judicial do detido, aliás, de natureza obrigatória, salvo havendo lugar a julgamento em processo sumário, constitui agora, analisado o texto do projecto de proposta de lei,

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incipiente manifestação do princípio de que a direcção da instrução ainda pertence, em exclusivo, ao juiz de instrução.

E nem, em contrapartida, a eliminação do impedimento do juiz para participar em julgamento de processo onde tenha intervindo, em qualquer dessas fases preliminares ao

julgamento, com excepção da prolação dos despachos de expediente, e a sua substituição pelo incidente da recusa do juiz, poderá constituir refugio de sã consciência jurídica, íanto mais que o tributo a pagar aos princípios da independência e da imparcialidade objectiva do juiz e do acusatório em processo penal, na sequência de recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, de todo desaconselhavam esta perigosa, quão temerária, inflexão.

Saliente-se,i neste capítulo, que o alargamento das situações em que é admissível a constituição de assistente, sem esquecer que o adicionamento sugerido neste texto, relativamente a todos os crimes contra a realização da justiça, representava um potencial de hipóteses em que o arquivamento do inquérito teria, necessariamente, de passar pela comprovação judicial, através do requerimento da abertura da instrução, e; consequentemente, pela intervenção do juiz de instrução, a final, aquando da prolação do despacho de pronúncia ou de não pronúncia.

Nestes termos, urge recriar os juízes de instrução criminal, como forma de proteger o juiz do julgamento do aumento em espiral das situações de impedimento/recusa, embora com a antecipada convicção de que, continuando a alastrar a componente garantística da criação do direito ou da sua declaração — criação jurisprudencial —, ainda se trata de instrumento, apesar de tudo, insuficiente.

Complementarmente, estabelece-se o princípio da afectação exclusiva ao juiz de instrução da declaração de perda, a favor do Estado, dos bens apreendidos, quando o Ministério Público proceder ao arquivamento do inquérito, e, bem assim, o princípio da obrigatoriedade da apresentação ao juiz, para efeitos de primeiro interrogatório, de arguido detido, fora de flagrante delito, com vista à aplicação ou execução da prisão preventiva.

A este nível, impõe-se ainda enfatizar que desaparece a faculdade de o juiz de instrução delegar interrogatórios de arguido, preso ou ém liberdade em órgãos de polícia criminal, no âmbito dos actos de instrução.

Cidadania da justiça

No âmbito da cidadania da justiça, despontam alguns afloramentos concretos da sua expressão prática.

Assim, consagra-se a possibilidade de serem prestados esclarecimentos públicos, úteis para o restabelecimento da verdade ou para garantia de segurança de pessoas e bens, nas fases da instrução ou do inquérito, enquanto manifestação do principio janela, ao-.nível do instituto do segredo de justiça, e, bem assim, a faculdade de o arguido ou assistente requererem a passagem de certidão de acto ou documento em segredo de justiça, à competente autoridade judiciária, ou certidão do auto de notícia de acidente levantado por entidade policial, para efeitos de composição extrajudicial do litígio, em que seja interessada entidade seguradora, e, igualmente, o estabelecimento do princípio da proibição de transmissão de registo de imagens ou da tomada de som relativos a pessoa que a-tal.se oponha.

Também releva, neste particular, a obrigatoriedade de realização de interrogatório como arguido da pessoa contra quem o inquérito seja dirigido, salvo se o suspeito não puder ser notificado, o princípio da obrigatoriedade de registo em acta da decisão de exclusão ou restrição da publicidade em

audiência de julgamento e a concessão do benefício de isenção de taxa de justiça aos arguidos presos que, por força da interposição de recurso, recuperem a liberdade.

Institucionalizou-se ainda, como princípio tendencial, que ao arguido deva ser feita entrega de documento, donde

constem a identificação do processo, do seu defensor e dos

seus direitos e deveres fundamentais, no acto da sua constituição nessa qualidade, consagrou-se a obrigatoriedade de nomear defensor ao arguido, logo no despacho de encerramento do inquérito, quando contra ele for deduzida acusação, a faculdade de constituição como assistente, ainda durante o inquérito, e o princípio da oficiosidade do arbitramento ao lesado de uma quantia, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, em caso de condenação, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

Eficácia e celeridade processuais

No capítulo da eficácia e da celeridade processuais, vertente, simultaneamente, do interesse da administração da justiça, de particular acuidade num Estado de direito, e dos cidadãos individuais, enquanto sujeitos e destinatários de direitos e deveres, impõe-se acentuar a consagração do princípio da obrigatoriedade de comunicação de uma previsível impossibilidade de comparecimento à audiência, com a antecedência de cinco dias, ou na ocasião do acto designado, se imprevisível.

Na mesma linha de entendimento se situa a admissibilidade de a tomada de declarações aos residentes fora da comarca se realizar, em simultâneo, com a audiência de julgamento, com recurso a meios de telecomunicação em tempo real, sempre que estiverem disponíveis os indispensáveis recursos técnicos.

Igualmente, e, ao mesmo nível, encontra-se o estabelecimento do princípio de que o incumprimento das obrigações gerais que impendem sobre o arguido determina a notificação edital da data designada para a audiência, eventualmente, na sua ausência, a consagração do princípio de que, não sendo possível notificar o arguido, sujeito a termo de identidade e residência, do despacho que designa dia para julgamento, ou executar a detenção ou a prisão preventiva, será notificado da data, editalmente, com a cominação de que o julgamento se fará, na sua ausência, mesmo que não compareça.

Acresce, nesie particular, a institucionalização do princípio de que o despacho que designa dia para a audiência indicará, desde logo, a data em que a mesma terá lugar, em caso de adiamento, desde que não seja possível a comparência imediata do arguido.

Também o princípio de que, não havendo gravação das provas, as especificações respeitantes àquelas que devem ser renovadas e às que impõem decisão diversa da recorrida se faz por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição, representa manifestação inequívoca do mesmo vector.

Finalmente, a reapreciação pelo tribunal da Relação dos meios de prova em que assentou a parte impugnada da decisão, quando não tiver .havido renúncia ao recurso, se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base, ou, se tendo havido registo de prova, esta tiver sido impugnada, e quando o julgamento em J.' instância tiver ocorrido com ausência, não requerida ou consentida, do arguido, são outras tantas expressões da mesma tónica da eficácia processual.

Por seu turno e corri o mesmo significado, refira-se a admissibilidade do julgamento em processo sumário em relação aos crimes puníveis com pena de prisão, cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, com possibilidade de

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adiamento, até ao 30.° dia posterior ao da detenção, sem excluir a aplicação subsidiária da faculdade contida no artigo 16.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.

Por outro lado, registe-se, igualmente, a admissibilidade do julgamento em processo sumaríssimo, por crime punível com pena de prisão não superior a três anos ou só com pena de multa, obtida que seja a concordância do assistente, desde que o crime assuma natureza particular, se o Ministério

PÚblico entender qtte ao caso deve ser, concretamente, aplicada pena ou medida de segurança não privativa de liberdade.

Acresce a instituição da nova formulação do processo abreviado, quando o crime for punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos ou cabendo à situação medida de segurança não privativa de liberdade, desde que não tenham decorrido mais de 60 dias sobre a data da prática dos factos. .

Finalmente, a inadmissibilidade legal de recurso dos acórdãos das Relações — quando absolutórios confirmem sentenças da 1." instância, sendo aplicável pena de prisão não superior a seis anos, e quando condenatórios confirmem decisões da 1.* instância em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos — representa uma contenção sustentada no ultragarantístico sistema jurfdico-processual penal português.

Nota final

Apesar da natureza instrumental do Código de Processo Penal, característica que partilha com todos os demais diplomas adjectivos, mas que reveste, não obstante, uma específica dignidade normativa, face ao seu carácter de direito constitucional aplicado, não atingirá a finalidade última de contribuir para a optimização da administração da justiça se, conjugadamente, não tiver subjacente a tríade de valores composta pelo garantismo dos direitos, liberdades e garantias individuais do arguido, pela defesa da segurança colectiva e da paz pública dos cidadãos e pela redução do percurso processual que conduz a uma decisão final atempada.

0 significativo contributo que o projecto de proposta de lei contém, máxime, na sua vertente da celeridade e da eficácia, face aos inquestionáveis avanços, no âmbito da realização da audiência de discussão e julgamento, sem a presença do arguido, o verdadeiro sinal de alarme do sistema, obtida que foi a indispensável luz verde, em sede de revisão constitucional, e esconjurada também a preocupante inovação em matéria de recursos, no campo da renovação da prova, e do, então, preconizado regime de audição do conjunto dos meios de prova produzidos, por certo constituirão o concretizar das muitas expectativas que, ao longo de 10 anos de má experiência de aplicação do Código de Processo Penal, justificadamente, se criaram.

Lisboa, 4 de Novembro de 1997.

Declaração de voto

1 — Atenta a «estrutura acusatória» atribuída ao processo criminal, o aditamento do n.° 4 aos artigos 303.° e 359.°, tal como proposto, parece uma alteração sensível e de não acolher, até por violar o contraditório.

O n.° 4 do artigo 358.° parece desnecessário porque não se está face a uma alteração substancial. O Vogal, Gil Moreira dos Santos.

2 — A dignidade, celeridade e custo do julgamento, demais que o recurso exige a intervenção de mandatário ou advogado/advogado estagiário defensor, levam a que se deva consagrar como regime regra o das alegações por escrito.

•As alegações orais, em qualquer instância, salvo se houve renovação de prova, só quando requeridas deviam ser admissíveis.

O Vogal, Gil Moreira dos Santos.

3 — Quanto à admissibilidade do «consentimento tácito», para alargamento das hipóteses do n.° 2 do artigo 334.°, entende-se dever ser de reflectir sobre as consequências da «omissão» no que respeita a um «direito-dever», que é o de comparência do arguido à audiência.

Os Vogais: Gil Moreira dos Santos—José Miguel Júdice.

ANEXO N.° 3

ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES

Parecer sobre o projecto de revisão do Código de Processo Penal apresentado pelo Ministério da Justiça

Partindo do anteprojecto elaborado pela Comissão de • Revisão, o projecto agora apresentado introduz alterações a esse projecto que, sobretudo em sede de inquérito, merecem um total desacordo.

Assim e desde logo no que respeita ao regime da conexão de processos, restringiu-se agora a solução adoptada pela Comissão, que na sua essência nos parecia correcta. A ser aprovado o regime agora proposto, continuarão a manter-se inúmeras dificuldades na realização de julgamentos relativos a vários crimes por factos praticados por um mesmo arguido.

Desde logo é completamente absurda a posição adoptada quanto ao regime dos impedimentos, que nesta versão não sofre qualquer alteração contrariamente à jurisprudência do Tribuna] Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça.

E sublinha-se o absurdo porque, constatando o legislador a necessidade de resolver o problema, remete a solução para o capítulo das suspeições e recusas (artigo 43.°, n°2, do projecto).

O que deve ser tratado como um princípio relativo à imparcialidade dos juízes e tribunais e como tal não sujeito a qualquer discricionariedade de qualquer sujeito processual, é agora deixado ao critério, sempre passível de ser criticado, do próprio juiz.

A solução adoptada pela Comissão, embora pressupondo a consagração de alguns tribunais de instrução criminal em todo o País, sob pena de ruptura do próprio sistema, é sem dúvida aquela que compatibiliza todos os interesses em jogo.

Incompreensível é também a consagração como dever do arguido, no artigo 61.°, à prestação de termo de identidade e residência — uma medida de coacção.

Uma das preocupações suscitadas ao longo dos 10 anos de vigência do Código de Processo Penal prende-se com a questão do controlo jurisdicional do arquivamento do inquérito.

Se à partida os mecanismos estabelecidos nos artigos 277.°, 278.° e 279.° do Código permitem um controlo directo e indirecto por parte dos interessados sobre a actuação do Ministério Público quando termina o inquérito, há uma situação onde isso não acontece.

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Trata-se da inadmissibilidade de controlo jurisdicional do despacho do procurador que denega a reabertura do processo, nos termos do artigo 279.°, n.° 2.

Mais uma vez não se altera esta situação, o que permite

ver encerrado um inquérito pelo Ministério Público sem que alguém com interesse possa sindicar judicialmente esse despacho.

De igual modo é para nós inaceitável que nos crimes em que o lesado é o Estado não exista controlo jurisdicional dos arquivamentos. Trata-se do único caso conhecido na Administração em que um verdadeiro «acto administrativo» não tem qualquer controlo jurisdicional.

Não se pretendia aqui obrigar ou não o Ministério Público a exercer a acção penal, mas, antes, a abrir a porta a um possível recurso do despacho de arquivamento, nas situações de divergência entre o Ministério Público e o juiz de instrução sobre esse mesmo arquivamento.

Quanto ao regime estabelecido para o segredo de justiça e nomeadamente o papel que aí se impõe ao juiz de instrução no novo n.° 8 do artigo 86.°, a solução adoptada pela Comissão parece-nos mais acertada que a versão agora apresentada.

Mantendo-se o processo secreto até à decisão instrutória, permitia-se ao juiz de instrução criminal, durante a instrução, e ao Procurador-Geral da República, durante o inquérito, que divulguem «comunicados ou peças do processo que julguem úteis para restabelecer a verdade e compatíveis com o desenvolvimento do processo:

a) A pedido de pessoas publicamente postas em causa a propósito de processo pendente naquelas fases;

b) Excepcionalmente, quando o considerarem necessário para a manifestação ou descoberta da verdade ou para evitar a perturbação da ordem e tranquilidade públicas».

Tratava-se de uma tentativa de compatibilização dos interesses contraditórios ínsitos na matéria, apostando-se, porventura correctamente, num modelo de concordância prática:

Questão que mereceu anotação e aplauso, porque modificava o regime até agora vigente numa perspectiva garantística referida, era a competência que se atribuída ao juiz de instrução de «decidir, por despacho irrecorrível, as questões relativas ao reconhecimento efectivo de direitos processuais do arguido ou do assistente que se suscitarem no decurso do inquérito» — artigo 268.°, alínea e), do presidente da Comissão.

Reforçava-se com isso a garantia do cidadão perante a prática de actos nulos durante o inquérito, que, a não ser na fase instrutória ou mais tarde no julgamento, não são passíveis de controlo.

Inexplicavelmente tal normativo é eliminado.

É ainda inaceitável a stipressão do n.° 2 do artigo 209.°, porquanto isso vem praticamente quase inviabilizar a investigação dos crimes anteriormente aí previstos, nas situações de arguido detido, dados os prazos de prisão preventiva do artigo 215.° conexionados com o referido preceito.

Contrariamente à solução do projecto, é nosso entendimento que deveriam ser alargados os prazos de prisão preventiva relativamente aos crimes de burla, falsificação, fraude na obtenção de subsídio e ainda burla e fraude informática, com a sua inclusão no actual n.° 2 do artigo 209."

A investigação de tais crimes é de especial complexidade, que não se compadece com os curtos prazos de prisão preventiva estabelecidos.

Veja-se, a título de exemplo, o que se passa com os

chamados crimes de «facturas falsas* e. «Fuwlo SoCÁa.( Europeu».

Defende-se, pois, a não eliminação do n.° 2 do artigo 209." e a sua inclusão dos ilícitos supra-referidos no mesmo preceito, assim se dando um passo decisivo no combate à criminalidade económica e organizada.

Não se concorda com a solução do projecto na parte em que.não permite a rejeição de acusação pelo juiz de julgamento quando estamos na presença de falta de indícios.

A posição consagrada no projecto em que se define legalmente o conceito «acusação manifestamente infundada», não incluindo em tal definição a falta de indícios, é contra a jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça (Assento n."4/93, de 17 de Fevereiro, in Diário da República, 1." série-A, de 26 de Março de 1993) e traduz--se na admissibilidade prática.de alguém ser submetido a julgamento ainda que nenhum indício conste do inquérito contra si. A solução consagrada é uma violência para o cidadão e está ao arrepio de toda a tradição do nosso direito processual penal.

Admitindo que o problema do legislador é evitar que o juiz do julgamento sindicalize os indícios para não colocar em crise a sua própria imparcialidade no acto de julgamento, tal desiderato sempre seria conseguido se a acusação fosse sempre recebida pelo juiz de instrução apenas sendo remetidos os autos ao juiz de julgamento para agendamento de audiência.

A equiparação das declarações prestadas pelo arguido perante o juiz e as declarações perante o Ministério Público, para efeitos de valorização das mesmas em audiência de julgamento, não é aceitável.

O princípio da igualdade de armas é notoriamente posto em causa, por um lado, e, por outro, as garantias na obtenção das declarações são diferentes.

Por isso, a solução consagrada na versão actual não pode ser alterada.

A solução consagrada nos artigos 358.°, n.° 3, e 359.", n.° 3, não merece a concordância da ASJP.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma solução contrária à jurisprudência já fixada e que resultou de uma ampla discussão no Supremo Tribunal de Justiça e no Tribunal Constitucional.

No essencial são as garantias de defesa do arguido, com a solução agora estabelecida, que são notoriamente postas em causa.

Importaria também aproveitar a revisão para incluir no Código toda a panóplia de actos processuais que se encontram em legislação avulsa e são por vezes incongruentes.

É doutrinalmente aceite que a fragmentação que o direito processual tem vindo a sofrer, porque se trata de matéria que se prende com os direitos fundamentais dos cidadãos, não se compadece com a necessidade de tais restrições graves de direitos obedecerem a um único critério interpretativo que tenha como parâmetro um só quadro normativo.

Não se repensando a situação, constituirá por isso tn¿& uma oportunidade perdida. É este o nosso parecer.

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ANEXO N.° 4

UNIÃO GERAL DE TRABALHADORES

Assunto: Parecer da UGT sobre o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal.

Na sequência da reunião do Conselho de Acompanhamento do Sector de Justiça realizada no dia 31 de Outubro de 1997, vimos apresentar por escrito algumas das reflexões apresentadas oralmente pela UGT durante o decorrer da reunião.

Assim:

I — Na generalidade

1 —Somos da opinião que é necessária uma reforma profunda do Código de Processo Penal, e não apenas mais uma revisão, apesar de acentuada, do actual Código de Processo Penal. O legislador nesta revisão poderia e deveria ter ido mais longe, nomeadamente em questões essenciais como sejam as referentes à flagrante desigualdade de armas entre a acusação e a defesa em processo penal.

2 — As soluções que se apresentam neste projecto vão mais no sentido, de resolver questões de carácter prático e de simplificação de procedimentos em matéria de funcionamento do processo penal e dos tribunais, respondendo aos problemas levantados pela magistratura, do que no sentido de equilibrar e modernizar efectivamente o processo penal, tendo em conta os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos.

3 — Uma revisão com estas características é apenas e só mais uma revisão e, apesar de concordarmos plenamente com algumas das soluções práticas vertidas e configuradas no projecto de proposta de lei, entendemos que não se irá resolver o problema de fundo e poderá ser um elemento desincentivador ao surgimento de uma verdadeira reforma do Código de Processo Penal.

II —Na especialidade

Artigo 24.° (alargamento das situações de conexão processual) — Apesar de esta solução vir simplificar o trabalho dos magistrados, na prática vai originar os chamados «megaprocessos», susceptíveis de serem mediatizados pela comunicação social, criando assim um sentimento de insegurança e de acréscimo do volume de crimes na sociedade portuguesa. Este artigo pode assim ter efeitos perversos, apesar das boas intenções.

Artigo 58.° e seguintes (constituição de arguido) — No acto de constituição de arguido deve-lhe ser sempre (e não «sempre que possível» como refere o projecto de lei) entregue um documento do qual constem a identificação do processo e do defensor nomeado, os direitos e deveres processuais, bem como uma indicação sumária dos factos que levam a existir um inquérito a correr contra o arguido.

Assim, de igual forma, correndo inquérito contra pessoa determinada, não poderá o mesmo cidadão ser chamado a prestar declarações sem ser constituído arguido e ou caso o seja (designadamente nos casos em que só no decurso ou no final da declaração resultarem indícios que condicionem a constituição como arguido) as declarações produzidas anteriormente deverão ser anuladas; é, pois, manifestamente insuficiente a alteração proposta para o artigo 272.°

Artigos 61.° e 86.° (direitos e deveres do arguido) — O arguido deverá passar a ter direito a conhecer todos os

actos processuais e estar presente em todos aqueles que lhe digam directamente respeito, independentemente da fase processual, admitindo-se obviamente que a autoridade judiciária possa, fundamentadamente, apresentar reserva durante o inquérito a esse direito de conhecimento;

Artigo 141° (primeiro interrogatório do arguido) — Caso o juiz decida sobre a irrelevância das perguntas formuladas pelo defensor, mantendo este despacho a condição de irrecorribilidade (já hoje consagrada), deverá no mesmo

despacho fundamentar a irrelevância tendo em conta o conteúdo das perguntas formuladas pelo mandatário do arguido.

Artigos 178." e 181.° (apreensão de objectos e pressupostos)— A validação a posteriori destas diligências nos termos propostos não é aceitável. A autoridade judiciária deverá apenas excepcionalmente e fundamentando tal excepção validar no prazo de vinte e quatro horas qualquer apreensão de objectos não autorizados.

Artigos 202.° e seguintes (prisão preventiva) — O actual regime devia ser alterado, de forma que a manutenção ou não de prisão preventiva não ficasse apenas à discricionariedade do juiz.

Artigo 310.° (irrecorribilidade dos despachos proferidos durante a instrução) — Não é aceitável a consagração da irrecorribilidade deste-tipo de despachos. Até o próprio despacho de pronúncia devia ser objecto de recurso, solução que a nosso ver seria mais adequada ao Estado de direito democrático em que vivemos.

Artigo 356.° (leitura permitida de autos e declarações) — Não é aceitável passar a permitir-se a leitura de declarações do arguido prestadas perante o Ministério Público. As fases do inquérito e da instrução não devem, por regra, ser exibidas durante a audiência de discussão e julgamento.

Artigos 391.°-A e seguintes (processo abreviado) — Toda esta parte deveria ser reformulada, porque a forma como está proposta desrespeita os mais elementares direitos fundamentais dos cidadãos.

.0 princípio do processo abreviado é aceitável, mas nunca para crimes com pena correspondente até cinco anos de prisão e desde que os direitos individuais dos cidadãos sejam respeitados.

Artigos 399.° e seguintes (recursos) — Todo este capítulo devia ser reformulado e repensado, no sentido de tornar mais eficaz a acção dos tribunais de recurso (nomeadamente as secções criminais das Relações), de forma a ser possível a regra da renovação da produção de prova contribuindo-se assim para uma melhor administração de justiça e da descoberta da verdade material.

São as reflexões que nos oferece referir a este projecto de proposta de lei da revisão do Código de Processo Penal.

O Secretário Nacional Executivo, João de Deus.

ANEXO N.° 5

TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LISBOA

Os juízes em exercício de funções no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, tendo tido conhecimento do projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal elaborado pelo Ministério da Justiça, vêm, por este meio, apresentar a V. Ex.a algumas sugestões e manifestar também algumas preocupações, essencialmente sobre a parte

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relativa à instrução em processo pena), constatando, infelizmente, que a proposta agora apresentada veio eliminar alguns aspectos positivos que o anterior projecto da Comissão continha,

1 — Carácter facultativo da instrução—tendo a instrução

carácter facultativo, tal como dispõe o artigo 286." do Código de Processo Penal, manifestamos desde já a nossa completa surpresa por não constar da referida proposta algo que foi plenamente aceite por todos, e sem discussões, na reunião havida entre a Comissão Revisora e os magistrados judiciais e do Ministério Público deste Tribunal de Instrução Criminal em Fevereiro passado: que, em qualquer momento da instrução, o requerente desta, seja arguido ou assistente, e seja qual for o crime, possa desistir da mesma, o que implicará, sem mais formalismos, ou o arquivamento dos autos (caso tivesse sido requerida por assistente) ou a remessa dos autos ao tribunal de julgamento (caso requerida pelo arguido) sem qualquer necessidade de se proceder ao debate instrutório e ao proferimento de uma decisão, que se afiguram perfeitamente inúteis. Aliás, existem vários casos de processos em fase de instrução «mortos» (designadamente aqueles em que a mesma foi requerida por assistente) em que ninguém está já interessado no prolongamento da instrução e muito menos em qualquer decisão instrutória, pelo que esta solução, em plena harmonia, aliás, com o carácter meramente facultativo da instrução, permitiria solucionar eficazmente tais situações, sem prejuízo para ninguém.

Não compreendemos, sinceramente, a continuação desta omissão por parte do actual projecto de proposta.

2 — Impossibilidade de proceder-se ao primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, por doença ou por impossibilidade de se arranjar intérprete idóneo, nas quarenta e oito horas seguidas à sua detenção, tendo em vista a aplicação da prisão preventiva — trata-se de um assunto que infelizmente, não chegou a ser discutido na reunião entre a Comissão e este Tribunal de Instrução Criminal e que levanta alguns melindres. Com efeito, estabelecendo quer a lei processual penal quer a Constituição um prazo máximo de quarenta e oito horas, que fazer nos dois casos atrás apontados, especialmente no caso de crimes cuja gravidade não levanta a mínima dúvida sobre a necessidade da aplicação da prisão preventiva, verificados, claro está, os respectivos pressupostos desta (artigos 202.° e 204.° do Código de Processo Penal)? É que, no caso dos arguidos que não podem ser presentes por doença ao juiz de instrução criminal, em quarenta e oito horas, corre-se o risco de os mesmos se furtarem à acção da justiça, pois, estado internados em hospitais civis, passadas as quarenta e oito horas não ficam sujeitos a qualquer tipo de vigilância policial, podendo assim encetar a fuga mal tenham alta ou até antes. A possibilidade de se lhes aplicar desde logo a prisão preventiva, verificados os pressupostos desta, obviaria a este perigo, já que, desde logo, poderiam ficar internados num hospital-prisão, sendo certo que mal tivessem alta teriam, obrigatoriamente, que ser presentes ao juiz de instrução criminal para primeiro interrogatório e reavaliação da prisão preventiva.

Já o caso dos intérpretes poderá suscitar maiores reservas: pense-se no caso de um cidadão que cometa um crime para o qual a única medida de coacção adequada seja a prisão preventiva, cidadão esse pertencente a qualquer país distante e falando uma língua para a qual, pratica ou efectivamente, não exista qualquer intérprete em Portugal (pense-se, por exemplo, nos inúmeros dialectos africanos ou

asiáticos) ou, quando exista, não seja possível fazê-lo comparecer em quarenta e oito horas. Que fazer? Soltar, sem mais o arguido, que pode ter cometido um crime hediondo? Parece-nos que terá de se arranjar também uma solução para estes casos, que poderá ser semelhante à atrás apontada para

os casos de doença, ou seja, a aplicação imediata da prisão preventiva (verificados,'é claro, os respectivos pressupostos)

com a obrigatoriedade da apresentação imediata ao juiz de instrução criminal para primeiro interrogatório e reavaliação da referida medida assim que se consiga o intérprete, consagrando-se, talvez, um prazo máximo para se conseguir a presença desse intérprete (pense-se num caso em que o mesmo terá de vir do estrangeiro), de modo a evitarem-se situações prolongadas de prisão preventiva de arguidos não sujeitos ao primeiro interrogatório judicial por causas, digamos, estranhas aos mesmos.

Parece-nos, pois, ser de toda a conveniência arranjar-se uma solução para os dois casos atrás apontados e que quer o projecto da Comissão Revisora quer a actual proposta não contemplam, como sucede, aliás, com a actual redacção do Código de Processo Penal.

3 — A não limitação do número de testemunhas na fase de instrução, ao contrário do que sucedia no antigo Código de Processo Penal — constatamos que também o actual projecto de proposta de lei apenas contempla a possibilidade de limitação do número de testemunhas para a acusação [artigo 283.°, n.° 3, alínea d) do Código de Processo Penal] e para a contestação (artigo 315.°, n.° 4, do Código de Processo Penal), mas apenas, e tão-somente, quanto àquelas que devam depor os aspectos referidos no n.° 2 do artigo 128." do Código de Processo Penal, ou seja, as chamadas testemunhas abonatórias, sem terem incluído tal dispositivo na fase de instrução, uma vez que do projecto e relativamente à nova redacção a dar ao n.° 3 do artigo 287.° do Código de Processo Penal apenas se fala nas alíneas b) e c) do artigo 283.° do Código de Processo Penal. Ora, entendemos que, para além desta omissão, sem qualquer justificação, haveria que encarar a possibilidade de se limitar o número de testemunhas, mesmo as que não sejam só abonatórias, que cada sujeito processual poderia apresentar na fase de instrução, de modo a evitar-se o protelamento desnecessário desta fase, já que, como é sabido, tem-se usado e abusado do número de testemunhas a ouvir (às vezes são indicadas mais de uma centena de testemunhas ...) para se fazer prolongar, desnecessariamente, a instrução, não havendo, ainda por cima, qualquer limitação quanto ao número de testemunhas a ouvir sobre cada facto, ao contrário do que sucedia no Código de Processo Penal de 1929. Parece-nos, pois, que, tendo em vista uma maior eficácia e celeridade processuais, há que repensar esta questão.

4 — A introdução de um novo n.° 5 para o artigo 307." do Código de Processo Penal — salvo o devido respeito, a redacção proposta continua a suscitar-nos dúvidas sobre a questão de se saber se, tendo a instrução sido requerida apenas por um ou por algum dos arguidos, se deverão convocar para o debate instrutório e logo abranger pela decisão instrutória, por exemplo, de pronúncia, os restantes arguidos que não a requereram. Cremos assim que esta questão deveria ser devidamente clarificada num sentido ou noutro.

5 — A alteração do n.° 2 do artigo 290.° do Código de Processo Penal, visando retirar ao juiz de instrução criminal a possibilidade de delegar, praticamente, todos os* actos de instrução em órgãos de polícia criminal — salvo o desvia

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respeito, não encontramos qualquer razão válida para se retirar este poder ao juiz de instrução criminal e achamos que o artigo 290.° se deveria manter inalterável, uma vez que a solução proposta acarretará, obviamente, inúmeros prejuízos e inconvenientes de toda a ordem, designadamente em matéria de eficácia de celeridade processuais.

Isto é tanto mais evidente se pensarmos que existem apenas em Portugal • dois Tribunais de Instrução Criminal com quadro e funcionários próprios (Lisboa e Porto) e que

nas restantes comarcas de algum movimento existem apenas juízes afectos à instrução criminal, sem funcionários próprios (ao que sabemos, servem-se dos funcionários judiciais dos juízos criminais respectivos), é manifesto que tal alteração irá agravar, obviamente, o tempo de duração das instruções, pois se há casos evidentes, dada a sua complexidade, gravidade, etc., em que não se justifica e é até completamente desaconselhável a delegação, outros há em que a mesma não causa qualquer problema e permite até poupar tempo, deixando o juiz de instrução criminal com mais tempo livre para os processos de maior complexidade e gravidade. Assim, as agendas irão, mais do que provavelmente, duplicar, em termos de agendamento das diligências a realizar, mal entre em vigor a redacção ora proposta. Basta pensar que no caso do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa existem apenas 10 juízes para mais de 60 (!) magistrados do Ministério Público, isto só na comarca de Lisboa, uma vez que a área de competência' se estende a Loures e Oeiras. Como é sabido a pendência processual, e, designadamente, no caso das instruções, tem-se vindo a agravar de ano para ano, tendo até o próprio CSM reconhecido as crescentes dificuldades com que se debatem os magistrados judiciais deste Tribunal de Instrução Criminal. Por outro lado, tem aumentado, cada vez mais, o número de casos de enorme complexidade, pelo que é fácil de adivinhar como será a situação quando não for possível, de todo, delegar actos de instrução em órgãos de polícia criminal. Quanto à situação nas restantes comarcas, já atrás a expusemos. Sinceramente, achamos que se devia manter a possibilidade de o juiz de instrução criminal poder delegar em órgãos de polícia criminal a realização de determinados actos de instrução, de modo a evitar-se o aumento do tempo de duração da instrução, que, inevitavelmente, irá resultar da alteração ora proposta. E os argumentos que terão levado a Comissão (e porventura agora o Ministério) a propor tal alteração, salvo o devido respeito, não convencem e poderiam facilmente ser tratados de outra maneira. Com efeito, constou-nos que a razão fundamental (se não a única) para a actual proposta da Comissão era a de que havia o «perigo» (?) de que o mesmo agente do órgão de polícia criminal procedesse às diligências tanto na fase de inquérito com na fase de instrução... Ora, salvo o devido respeito, não vemos qualquer perigo ou inconveniente, a não ser que se parta sempre de um juízo de desconfiança ou de suspeita sobre a idoneidade ou a imparcialidade do dito agente do órgão de polícia criminal que realize as diligências que foram delegadas. Aliás, é bom não esquecer que, ao delegar a realização de determinados actos de instrução, o juiz de instrução criminal indica que actos são esses, e a finalidade a que se destinam, sendo certo que quer os mandatários do assistente e do arguido quer o Ministério Público são notificados para as diligências, a elas assistindo e podendo intervir, se necessário, pelo que dificilmente poderá haver «espaço de manobra» para que um agente de um órgão de polícia criminal possa, dolosamente, realizar as diligências de forma ilegal, injusta ou parcial...

Mas, mesmo aceitando, por mera hipótese, a objecção levantada pela Comissão, sempre se dirá que a mesma poderia ser facilmente resolvida de outra maneira: proibindo--se, pura e simplesmente, que fosse o mesmo funcionário (ou funcionários) do órgão de polícia criminal em causa a realizar as diligências em ambas as fases processuais. Assim, todo o agente do órgão de polícia criminal que tivesse realizado diligências em sede de inquérito ficaria

automaticamente impedido de proceder a diligências em sede

dc instrução, assim se ultrapassando, de forma racional e eficaz, as objecções agora levantadas nesta sede e que, em nosso entender, não se justificam.

Entendemos, pois, que o actual artigo 290.° do Código de Processo Penal se deverá manter inalterável, sob pena de, a vingar a alteração ora proposta, se assistir ao completo «afundamento» dos tribunais de instrução criminal e ao aumento desmesurado e inevitável do tempo de duração das instruções, com o alongamento excessivo das agendas, com os consequentes prejuízos e inconvenientes numa justiça penal que todos desejam mais célere e eficaz, sendo certo que a actual redacção proposta agora pelo Ministério, na prática, nada difere da anterior proposta da Comissão, pois é evidente que os interrogatórios e as inquirições de testemunhas constituem, como é sabido, mais de 90 % dos actos de instrução a realizar, pelo que, salvo o devido respeito, dificilmente se conceberá quais são então os actos de instrução e diligências de prova que «restam» para se poder delegar nos órgãos de polícia criminal (será que é o caso das declarações do assistente, que não é testemunha, tal como resulta do artigo 145.° do Código de Processo Penal?!).

6 — A eliminação da proposta da Comissão Revisora quanto a passar as apreensões bancárias para a competência do Ministério Público [artigo 268.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal] — não compreendemos, sinceramente, o «recuo» neste aspecto, nem descortinamos quaisquer razões válidas para se manter tais situações na exclusiva competência do juiz de instrução criminal.

7 — A não alteração do artigo 143.° do Código de Processo Penal, visando impor a obrigatoriedade de o Ministério Público ouvir sumariamente os arguidos detidos — retomamos aqui as críticas já feitas e as razões apresentadas no nosso anterior ofício de 30 de Junho de 1997, que oportunamente remetemos a V. Ex."

8 — A eliminação da proposta da Comissão Revisora quanto à introdução de um novo n.° 4 ao artigo 287." do Código de Processo Penal no sentido de o não aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução implicar, também, a rejeição desta — não compreendemos, também, o «recuo», neste aspecto, tanto mais que consideramos a proposta da Comissão muito positiva neste campo e achamos que, ao não ser acolhida, tal continuará a trazer dificuldades e, sobretudo, morosidade processual, uma vez que, não estando a situação contemplada nas causas específicas de rejeição, tal implicará, necessariamente, que se continue, nos termos da actual jurisprudência, a ler que designar um debate instrutório perfeitamente supérfluo, uma vez que de antemão já se sabe que conduzirá a um despacho de não pronúncia por falta de objecto processual. Interrogamo-nos sobre se esse Ministério terá porventura a ideia de que tal situação poderá também constituir um caso de inadmissibilidade legal, uma vez que o actual n.° 3 do artigo 287.° do Código de Processo Penal é alterado no sentido de um maior rigor quanto ao seu formalismo, tal como, aliás, é salientado na própria exposição de motivos do actual projecto de

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proposta de lei. Se assim é, achamos que tal facto devia ser

devidamente clarificado.

São estas, em resumo, as sugestões e preocupações que vimos manifestar, sabendo desde já que V. Ex.° lhes dará a devida atenção e, certamente, bom acolhimento.

Com os melhores cumprimentos.

Os Juízes de Direito: Sérgio Corvacho — Conceição Oliveira — Paula Verdelho — Filipa Valentim — Brígida Sousa e Silva—Joaquim Salgueiro—Ana Teixeira e Silva — Anabela Simões — Avelino Frescata — Margarida Gaspar — Fernando Pina — Paulo de Albuquerque.

ANEXO N.° 6

ordem dos médicos

Tomou a Ordem dos Médicos conhecimento de que se encontra em discussão pública o projecto de diploma do Código de Processo Penal.

No âmbito de tal discussão julgamos oportuno e até urgente acrescentar ao referido documento o nosso contributo, aliás fundamentado em expressas preocupações de membros desta insütuição, cujo desempenho profissional tem vindo, com maior frequência, a ser posto em causa.

Ora, é sabido que os progressos da medicina têm vindo a gerar uma especialização técnica cada vez mais diferenciada, sendo que muitas vezes os problemas que se colocam não são devidamente equacionados e esclarecidos, precisamente por causa da grande tecnicidade de que se revestem.

Assim, quando os mesmos são levados a tribunal, não raras vezes tem acontecido que a matéria em juízo não é esclarecida de forma suficientemente diferenciada e com a abrangência adequada a exprimir as diversas correntes científicas que possam existir para a abordagem do caso concreto.

Julgamos, pois, que seria imprescindível para se alcançar a verdade material, e, consequentemente, uma maior justiça nas decisões judiciais, que a Ordem dos Médicos, através dos seus órgãos técnicos competentes, fosse chamada a emitir o seu parecer.

De resto, esta nossa pretensão teve, em tempos, consagração legal por via do artigo 29.° do Decreto-Lei n." 32 171, de 29 de Julho de 1942.

Nesta conformidade e pelas razões já expostas, propõe--se, salvo melhor opção metodológica, que V. Ex.° certamente suprirá, que sejam acrescidos os n.05 3 e 4 do artigo 152.° do Código de Processo Penal, coma seguinte reoacção:

3 — Sempre que esteja em causa a apreciação técnica de actos médicos, os autos deverão ser instruídos com parecer emitido pelos órgãos próprios da Ordem dos Médicos, sem prejuízo de outros que possam vir a ser solicitados a entidades diversas.

4 — A Ordem dos Médicos terá de emitir o referido parecer em 30 dias a contar da sua notificação, prazo que só poderá ser prorrogado por uma vez, mediante requerimento devidamente fundamentado.

Certos da vossa melhor atenção e de que a nossa proposta será devidamente atendida, subscrevemo-nos, apresentando a V. Ex.° os nossos mais respeitosos cumprimentos.

O Presidente, Carlos Ribeiro.

ANEXO N.° 7

SINDICATO DOS MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Parecer sobre o projecto de proposta tie lei de revisão

do Código de Processo Penal I) Considerações gerais

Depois da leitura do projecto de proposta de lei deve-se, antes de mais, reiterar a concordância do SMMP com as linhas gerais do diagnóstico e prioridades da reforma do Código de Processo Penal, lapidarmente sintetizadas no despacho n.° 54/MJ/96, publicado no Diário da República, 2." série, de 17 de Março de 1996.

Dado que o projecto de proposta de lei, de uma forma geral, respondeu de forma coerente aos objectivos que presidem à reforma, sendo notória na maioria das propostas uma salutar preocupação de rigor técnico-jurídico, em termos globais o projecto merece aplauso.

Nas linhas que se seguem, vamos, tão-só, formular algumas notas sobre aspectos que, na nossa perspectiva, deviam merecer alguns ajustamentos ou clarificações, o que não põe em causa a nossa concordância com a maioria das alterações e opções constantes do projecto de proposta de lei em análise.

Entre as propostas cujo mérito merece ser enfatizado podemos destacar:

Inovações tecnicamente adequadas e em consonância com os princípios gerais do processo penal e do processo de revisão, casos dos artigos 42.°, n.° 3, 62.°, n.°3, alínea b), 64.°, n.°3, 68.°, n.° 1, 76.°, 86.°, 104.°, n.°2, 178.°, n.°5, 209.°, n.°2, 250.°, 290.°, n.°2, 333.°, 334.°, 337.°, n.M, 356.°, n.°3, 364.°, n.c 3, 372.°, n.os 1 e 2, e dos novos regimes dos processos especiais;

Respostas juridicamente fundamentadas a alguns problemas práticos, casos dos artigos 51.°, n.° 4, 68.°, n.°s4 e 5, 72.°, alínea /), 77.°, 113.°, n.°8, e 117°;

Determinadas clarificações, em regra, no sentido das interpretações mais correctas à luz do texto vigente, por exemplo os artigos 214.°, n.° 4, 303.°, n.°4, 307.°, n.°5, 311.°, n.°3, e 362.°, n.° 1, alínea d).

II) Análise de algumas questões específicas

Artigo 27.° — Concórda-se com o sentido das propostas em matéria de competência territorial por conexão, sugere-se que, em coerência com a estrutura das diversas fases processuais e com o preceituado no artigo 283.°, n.°4, se clarifique no artigo 27.° (ou no artigo 264.°, v. infra) que a competência para a separação dos processos compete à autoridade judiciária que dirige a concreta fase processual.

Artigo 62.°, n.° 2, alínea b) — Salvo melhor opinião, e por força do princípio da coerência sistemática, pensamos que só por lapso (aliás natural) não se terá referido neste preceito o caso previsto no artigo 39l.°-A, n.° 3 (de outra forma era posta em causa a promoção tempestiva do processo abreviado).

Artigo 86.° — Concorda-se com o sentido das alterações propostas em matéria de segredo de justiça, que dão uma resposta sensata e equilibrada a alguma pressão social (nem sempre fundada) nesta matéria.

Neste ponto apenas um pequeno pormenor nos parece merecedor de uma clarificação que se sugere: uma referência

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à autoridade judiciária no n.° 9, em coerência com as redacções dos n.º 7 e 8 do mesmo preceito que tratam de restrições menos relevantes ao princípio do segredo de justiça no inquérito.

Artigo 109.°, n."2 — Devia-se aproveitar o presente processo de revisão para uma correcta técnica da redacção originária do Código de Processo Penal, substituindo-se a referência ao Ministério Público por magistrado do Ministério Público, pois a Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público, e não um elemento estranho ao Ministério Público (tal como o Conselho Superior da Magistratura é o órgão superior da magistratura judicial).

Artigo 113.°— Não se vislumbra utilidade à nova norma constante da alínea c) do n.° 4 do artigo 113.°

Artigo 114.° — O artigo 114.°, n.°2, introduz um regime inútil, porque a requisição ali prevista não tem efeito cominatório, e incorrecto, pois a obrigação de comparecer é da pessoa convocada, e não do serviço onde a mesma se encontre inserida. Acresce que não se compreende a redacção da parte final, que contém um mero preceito regulamentar, mais próprio da orgânica onde se insere o notificando e decorrente das obrigações deste último enquanto subordinado hierarquicamente a outrem.

Artigo 194.° — No que concerne à aplicação de medidas de coacção entendemos que se deveria consagrar expressamente o princípio, defendido pela generalidade da doutrina e reconhecido em direito comparado, de que durante o inquérito do juiz de instrução criminal não pode aplicar medida de coacção ao arguido mais gravosa do que a proposta pelo Ministério Público.

Refira-se que esse princípio, na nossa perspectiva, já decorre do preceituado pelo artigo 194.°, n." 1, mas é necessária a aludida clarificação, em virtude da existência de jurisprudência contraditória, que aliás põe em causa de forma grave direitos, liberdades e garantias e o próprio princípio constitucional do acusatório [trata-se, pois, de uma proposta que se insere nos objectivos constantes da alínea h) do n.° 3.2 do despacho n.° 54/MJ796 e a que a proposta de lei deu grande atenção, cf. os artigos 214.°, n.°4, 303.°, n.°4, 307.°, n.°5, 311.°, n.°3, e 362.°, n.° 1, alínea d)). Pois não se compreende que sem a existência de culpa formada (o que, de acordo com a doutrina do Tribunal Constitucional, só acontece com a dedução de acusação), possam ser impostas por um órgão incompetente para o exercício ex oficio da acção penal medidas mais graves do que as promovidas pelo titular da acção penal. A entender-se que o juiz de instrução criminal tem competência para, no inquérito, impor medida mais grave que a requerida pelo Ministério Público, pode-se dar origem a situações em que o juiz de instrução criminal imponha medidas de coacção extremamente gravosas para o arguido (máxime a prisão preventiva) em casos em que o Ministério Público entende que nem sequer existem indícios suficientes da prática de crime que torne, abstractamente, admissível essas medidas, vindo a arquivar posteriormente o inquérito (o que não seria caso original), ou aplicação de medidas mais graves que as requeridas em situações em que o titular do inquérito as considere prejudiciais para a investigação e, inclusive, para a manutenção ou obtenção da prova.

Artigo 215.°, n.°3 — Pensamos que a alteração aqui proposta (determinada pela eliminação, que se aplaude, do n.° 2 do artigo 209.°) devia ser melhor ponderada, sob pena de se pôr em causa alguns dos objectivos do projecto do Governo. Com efeito, impedir o prolongamento de prazos previstos no artigo 215.°, n.° 3, designadamente nos processos por crimes de associação criminosa, contra a soberania

nacional (por exemplo, artigos312.°, 315.°, n.°2, e 333.° do Código Penal), de furto ou falsificação de veículos, de falsificação de moeda ou de títulos de crédito, de burla qualificada (designadamente através do sistema bancário ou informático) de excepcional complexidade devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime, pode pôr em causa o sucesso da repressão criminal de alguma da criminalidade mais grave. Acresce que esta norma quase fica esvaziada de sentido, pois, além dos crimes relativos ao tráfico de estupefacientes, são poucos os crimes com penas superiores a 8 anos de prisão subsumíveis aos requisitos do n.°3 do artigo 215." (em que, existindo presos preventivos, o procedimento se revele de excepcional complexidade). Pelo exposto, sugere-se que:

1) Se reproduz o elenco do actual artigo 209.°, n.°2 (acrescido da referência às burlas qualificadas através do sistema financeiro), ou se substitua a proposta pela referência a crimes com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;

2) Estabeleça-se a regra de que o prolongamento dos prazos ali referidos apenas deve ocorrer após despacho fundamentado do juiz nesse sentido.

Artigo 264.° — Entendemos que se deve fazer coincidir a regra de competência territorial constante do artigo 274.° com a que resulta da do artigo 19.°, a fim de evitar uma inútil querela conceptual sobre a distinção entre o lugar do cometimento e o lugar da consumação do crime (v. ainda o comentário supra ao artigo 27.°).

Artigo 268.°, n.°l, alínea c) — Entende-se que se deve aproveitar a presente revisão para resolver a incongruência sistemática da conjugação do artigo 181.°, n.° 1 (onde se refere que a competência é da autoridade judiciária, Ministério Público ou juiz, conforme a fase), com a alínea c) do n.° 1 do artigo 268.°, que apenas devia referir-se ao n.° 2 do artigo 181." [embora, à luz do texto vigente, seja defensável, e na nossa perspectiva a mais correcta, a interpretação que limita a necessidade de intervenção do juiz de instrução criminal aos casos do n.°2 do artigo 181.°, a actual redacção da alínea c) do n.° 1 do artigo 281.° pode colocar dúvidas a muitos aplicadores].

Artigo 270.°, n.° 3 — Entende-se que, tendo em atenção o valor probatório das perícias (muito diferente dos exames, por exemplo), a possibilidade de delegação em autoridades de polícia criminal da «faculdade de ordenar a efectivação da perícia relativamente a determinados tipos de crime», é incompatível com as garantias de defesa adequadas a um Estado de direito. Aliás, essa intervenção policial, que, frise-se, põe em causa direitos de defesa do arguido ou suspeito, não tem fundamento na protecção de quaisquer valores de ordem constitucional, pois vai além das (justificadas constitucionalmente) competências policiais em matéria de medidas cautelares. Acresce que se se estiver a pensar na efectivação de perícias por organismos inseridos nas orgânicas de determinados órgãos de polícia criminal, não se justifica a delegação (que aliás não pode ser genérica) da faculdade de ordenar a efectivação da perícia, pois a decisão da realização desse acto deverá competir sempre à autoridade judiciária competente. Em face do exposto, entende-se que apenas deve ser admitida a possibilidade (que já resulta do n.° 1) de delegar as diligências necessárias para a efectivação da perícia em órgãos de polícia criminal, mas nunca a de a ordenar.

Artigo 278.°—Entende-se que, salvo o devido respeito, não tem fundamento a alteração proposta para este preceito.

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Com efeito, não se pode condicionar o dies ad quem do termo de um prazo a uma circunstância que não se verifica na maioria dos processos (a existência de assistente). Acresce que o problema da intervenção hierárquica (por princípio um procedimento oficioso de controlo — terminologia feliz adoptada pelo Sr. Procurador-Geral da República na Revista

do Ministério Público, ano 16.°, n.°62, p. 24), não se deve

confundir com a impugnação jurisdicionalizada do despacho do Ministério Público, pelo que o dies ad quem do prazo que lintita aquela intervenção deve existir por referência ao acto, dependendo a efectivação e termos desse controlo da organização e funcionamento do Ministério Público, enquanto magistratura hierarquizada.

Artigo 330.° — Concorda-se integralmente com a alteração quanto à obrigatoriedade da substituição de defensor ter de ser realizada por advogado ou advogado estagiário.

Já no que concerne à substituição do magistrado do Ministério Público, entende-se que se impõem algumas alterações, em coerência, aliás, com a ocorrida para o defensor:

1) O caso não é de substituição do Ministério Público órgão de justiça, mas de magistrado do Ministério Público, já que, para todos os efeitos, o substituto legal representa o Ministério Público;

2) Tendo em atenção a dignificação da audiência de julgamento, a autonomia das magistraturas, o princípio do acusatório, a existência de uma estrutura organizada do Ministério Público com órgãos responsáveis pelo seu funcionamento, entende-se que, se não estiver presente no início da audiência o magistrado do Ministério Público, deverá ser contactada, pela via mais célere, a procuradoria-geral distrital para indicar o magistrado ou outro substituto legal, ao qual se pode conceder, se assim O requerer, algum tempo para examinar o processo e preparar o julgamento.

Artigo 336.°, n.° 3 — Apenas se alerta para um pequeno lapso, pois certamente pretendeu-se referir o n.° 5 do artigo 283.°, e não o n.° 3.

Artigo 373.°— Atendendo à existência de jurisprudência em sentido contrário, entende-se que, por maioria de razão, se deve enfatizar que à leitura da sentença (pelo menos quanto à matéria de facto) se aplica o princípio da continuidade e o prazo peremptório do artigo 328.°, n.° 6.

Artigo 374.°, n.° 2 — Tendo em atenção a obrigatoriedade constitucional da motivação das sentenças, a doutrina quase unânime nesta matéria e a existência de jurisprudência em sentido contrário, entende-se que se deveria manter a clarificação constante da alínea b) do n* 2 do artigo 374." do anteprojecto dá comissão revisora, isto é, a fundamentação da sentença deve conter:

a) Enumeração e narração dos factos provados e não provados; -----

b) Motivação de facto, com exame crítico de todas as provas que ao tribunal cumpra conhecer;

c) Motivação de direito.

Processo sumário — Concorda-se globalmente com as propostas relativas ao regime do processo sumário, apenas com três ressalvas:

a) Deveria manter-se a impossibilidade legal de os menores de 18 anos serem sujeitos a tal forma de

processo abreviado (artigo 381.°, n.° 2, da redacção originária do Código de Processo Penal);

b) Pensamos que o artigo 387.°, n.° 2, da proposta de revisão tem de ser corrigido ou clarificado; com efeito, desse preceito pode inferir-se que, ocorrendo uma detenção entre as 18 e as 9 horas, a entidade

policial deve em lodos os casos libertar 0 arguido

(sendo que há casos de crimes puníveis com prisão até 5 anos que justificam, em concreto, a imposição de prisão preventiva), notificando-o para comparecer perante o Ministério Público. É nossa opinião que, caso essa solução fosse adoptada, em moldes genéricos e automáticos, seria geradora de alguma insegurança pública, pelo que propomos que se proceda aos ajustamentos pertinentes que obviem a essa eventual crítica;

c) Atenta a tramitação deste processo abreviado, em que, nomeadamente, «o Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia», entende-se que se o Ministério Público não estiver presente na audiência e não puder comparecer de imediato, o processo deve ser remetido para a fase comum, sob pena de violação dos princípios constitucionais do acusatório e da titularidade do exercício da acção penal, o que, além do mais, se traduz na violação de garantias fundamentais com consagração constitucional. Pelo que se propõe a seguinte alteração do artigo 389.°, n.° 1:

Se o Ministério Público não estiver presente na audiência e não puder comparecer de imediato, o tribunal remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

Sendo certo que, como resulta também nos

casos do artigo 390.", o Ministério Público pode exercer a acção penal sob a forma de processo abreviado, estando devidamente salvaguardado o princípio do acusatório.

Processo abreviado — Aplaude-se a inovação constituída pelo processo abreviado, que é um dos aspectos mais meritórios do projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal.

Temos, contudo, uma objecção à circunstância de se adoptar uma terminologia inadequada a esta forma de processo, herdada do sistema jurídico anterior ao Código de Processo Penal de 1987, «requerimento acusatório».

Na nossa perspectiva:

l)Dado o inequívoco carácter decisório do acto do Ministério Público que determina a tramitação sob a forma de processo abreviado (aliás no n.° 4 do artigo 391.°-A fala-se expressamente em decisão, «sentido da decisão»), o mesmo deve ser definido como despacho, quer por força da interpretação sistemática do Código de Processo Penal quer por força do artigo 97.°, n.° 2, que define como despachos todos os actos decisórios do Ministério Público;

2) Aliás, esse acto, além de um despacho, é uma acusação, sendo equivalentes os respectivos requisitos (cf. artigo 391.°-B, n.° l);

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3) Sendo seguida de um despacho judicial de saneamento equiparado ao do artigo 311.º (artigo 391.°-C);

4) Acrescente-se que esse acto é diferente do requerimento no processo sumaríssimo, em que o Ministério Público requer que seja aplicada uma determinada pena e não se limita ao exercício da acção penal nos termos da lei do processo.

Em face do exposto, e em coerência com a ratio do instinto concebido na proposta de lei do Governo, entende-se que as referências a «requerimento» (artigos 391.°-A, n.ºs 1 e 3, 391.°-B, epígrafe e n.os 1 e 2, e 391.°-C, n.° 2), devem ser substituídas por «decisão» e ou «despacho» do Ministério Público.

Lisboa, 29 de Outubro de 1997. — A Direcção.

ANEXO N." 8

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE MULHERES JURISTAS

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, após ter analisado o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, formulado pela respectiva Comissão, vem expor a V. Ex.° as observações que seguem:

1 — Considerações de ordem geral

Ninguém contesta, hoje, a afirmação comummente produzida que o direito processual penal tem a natureza de Direito Constitucional aplicado.

Na verdade, as questões da regulação do processo criminal, os modos e as formas de as equacionar e resolver, não são por ninguém encaradas como meras questões de técnica processual desprovidas de qualquer opção ideológica. Antes se considera que aquelas representam os modos e as formas pelas quais a lei adjectiva garante aos cidadãos e cidadãs a fidelidade aos princípios fundamentais do sistema jurídico em que se insere.

No ordenamento processual penal vigente no nosso país, a manutenção da paz cívica, do direito e da democracia assumem-se como objectivos maiores. Sendo a paz cívica garantida pela celeridade processual, o direito pela conformidade aos princípios constitucionais e a democracia pela composição dos interesses, conseguida através do respeito da dignidade humana.

A recente revisão da Constituição da República veio, aliás, reafirmar e desenvolver estes objectivos e valores.

Cabe salientar que a consagração da promoção da igualdade entre homens e mulheres como tarefa fundamental do Estado, constante da nova alínea h) do antigo 9." da Constituição da República Portuguesa—de acordo com a proposta de alteração constitucional apresentada pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas em 26 de Abril de 1996—, impõe que todo o ordenamento jurídico se conforme a este novo comando constitucional.

Foi, assim, em função destes valores e da sua conjunção com os seus objectivos estatutários que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas examinou o presente projecto de.proposta de lei de revisão do Código de Processo Pena).

2 — Legitimidade para constituição de assistente

Tendo em consideração as recomendações constantes do capítulo 4-D da Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pela IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, em Setembro de 1995, explicitadas no relatório de 12 de Fevereiro de 1997 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (documento E/CN.4/1997/47), submetido à 53." Sessão dessa Comissão por Ms. Radhika Coomaraswamy, Special Rapporteur on Violence Against Women, entende a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que no artigo 68.° do Código de Processo Penal deveria ou ser incluída a norma constante do artigo 12.° da Lei n.° 61/91, de 13 de Agosto, ou do seu articulado constar uma expressa referência àquela outra norma.

Considera, ainda, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que a nova redacção dada à alínea e) deveria contemplar o crime de tráfico de pessoas previsto no artigo 169." do Código Penal.

Entende também a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que esta norma deveria garantir uma adequada representação processual das crianças no Processo Penal. Com efeito, a intervenção processual do Ministério Pública, porque essencialmente direccionada para a acção penal, ou seja, para prossecução do interesse público, muitas vezes não tem em conta os interesses privados, isto é, civis, da criança vítima de crime, pelo que se considera que o artigo 68.° deveria também prever a possibilidade de as entidades, públicas e privadas, de acolhimento e apoio às crianças poderem intervir como assistentes.

3 — Medidas de coacção

Tendo em atenção os mesmos pressupostos considera a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que o capítulo i do título ii do livro iv do Código de Processo Penal deveria ou ser acrescido de um artigo que reproduzisse o disposto no artigo 16.° da Lei n.° 61/91, de 13 de Agosto, ou aditar essa matéria às alíneas do n.° 1 do artigo 200.° do Código de Processo Penal.

Considera ainda a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que se deveria consagrar uma idêntica previsão para as situações em que a vítima daqueles crimes seja uma criança.

4 — Princípio de oportunidade do Ministério Público

Face à redacção que se propõe para o artigo 281.°, e atenta a moldura penal dos crimes previstos nos artigos 152.°, 166.°, n.° 1, 167.°, 170.°, n.° 1, 172.°, n.« 3 e 4, 173.°, n.<* 2 e 3, 174.°, 175.° e 176." do Qódigo Penal, receia a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que a concreta aplicação dessa norma em processos respeitantes àqueles crimes, conhecida que é a especial fragilidade (pessoal, emocional e económica) das pessoas que mais vezes são vítimas desses crimes, possa vir a potenciar o efeito vitimizador do processo e obstaculizar os propósitos de repressão da violação dos bens jurídicos tutelados por aquelas normas.

Pelo que, se considera que a redacção proposta para aquele artigo, deveria conter uma norma que excepcionasse os crimes a que se fez referência.

5 — Da protecção das testemunhas

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas estranha que do projecto ora em análise não conste nenhuma proposta de alteração que dê execução à Resolução do Conselho da União Europeia de 23 de Novembro de 1995, relativo à

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protecção das testemunhas no âmbito da luta contra o crime organizado internacional, tendo em atenção, muito especialmente, as mulheres e as crianças que são vítimas do crime p.,r''sto no artigo 169." do Código Penal.

Estas são as observações sobre o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, formulado pelas respectiva Comissão, c¡ue a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas entendeu dever apresentar a V. Ex.°

Certas da sua melhor atenção.

29 de Outubro de 1997. — A Presidente da Direcção, Maria Teresa Féria de Almeida,

associação portuguesa de mulheres juristas

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, após ter analisado o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, formulado pela respectiva Comissão, vem expor a V. Ex." as observações que seguem:

1 — Considerações de ordem geral

Ninguém contesta, hoje, a afirmação comummente produzida que o direito processual penal tem a natureza de Direito Constitucional aplicado.

Na verdade, as questões da regulação do processo criminal, os modos e as formas de as equacionar e resolver, não são por ninguém encaradas como meras questões de técnica processual desprovidas de qualquer opção ideológica. Antes se considera que aquelas representam os modos e as formas pelas quais a lei adjectiva garante aos cidadãos e cidadãs a fidelidade aos princípios fundamentais do sistema jurídico em que se insere.

No ordenamento processual penal vigente no nosso país, a manutenção da paz cívica, do direito e da democracia assumem-se como objectivos maiores. Sendo a paz cívica

garantida pela celeridade processual, o direito pela conformidade aos princípios constitucionais e a democracia pela composição dos interesses, conseguida através do respeito da dignidade humana.

A recente revisão da Constituição da República veio, aliás, reafirmar e desenvolver estes objectivos e valores.

Cabe salientar que a consagração da promoção da igualdade entre homens e mulheres como tarefa fundamental do Estado, constante da nova alínea h) do antigo 9.° da Constituição da República Portuguesa — de acordo com a proposta de alteração constitucional apresentada pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas em 26 de Abril de 1996—, impõe que todo o ordenamento jurídico se conforme a este novo comando constitucional.

Foi, assim, em função destes valores e da sua conjunção com os seus objectivos estatutários que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas examinou o presente projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal.

2 — Legitimidade para constituição de assistente

Tendo em consideração as recomendações constantes do capítulo 4-D da Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pela W Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, em Setembro de 1995, explicitadas no relatório de 12 de Fevereiro de 1997 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas (documento E/CN.4/1997/47), submetido à 53." Sessão dessa Comissão por Ms. Radhika

Coomaraswamy, Special Rapporteur on Violence Against Women, entende a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que no artigo 68.° do Código de Processo Penal deveria ou ser incluída a norma constante do artigo 12.° da Lei n.° 61/91, de 13 de Agosto, ou do seu articulado constar uma expressa referência àquela outra norma.

Considera, ainda, a Associação Portuguesa de Mulheres

Juristas que a nova redacção dada à alínea e) deveria contemplar o crime de tráfico de pessoas previsto no artigo 169.° do Código Penal.

Entende também a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que esta norma deveria garantir uma adequada representação processual das crianças no Processo Penal. Com efeito, a intervenção processual do Ministério Pública, porque essencialmente direccionada para a acção penal, ou seja, para prossecução do interesse público, muitas vezes não tem em conta os interesses privados, isto é, civis, da criança víúma de crime, pelo que se considera que o artigo 68.° deveria também prever a possibilidade de as entidades, públicas e privadas, de acolhimento e apoio às crianças poderem intervir como assistentes.

3 — Princípio de oportunidade do Ministério Público

Face à redacção que se propõe para o artigo 281.°, e atenta a moldura penal dos crimes previstos nos artigos 152.°, 166.°, n.° 1, 167.°, 170.°, n.° 1, 172.°, n.°s 3 e 4, 173.°, n.<* 2 e 3, 174.", 175.° e 176." do Código Penal, receia a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas que a concreta aplicação dessa norma em processos respeitantes àqueles crimes, conhecida que é a especial fragilidade (pessoal, emocional e económica) das pessoas que mais vezes são vítimas desses crimes, possa vir a potenciar o efeito viúmizador do processo e obstaculizar os propósitos de repressão da violação dos bens jurídicos tutelados por aquelas normas.

Pelo que, se considera que a redacção proposta para aquele artigo, deveria conter uma norma que excepcionasse os crimes a que se fez referência.

4 — Oa protecção das testemunhas

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas estranha que do projecto ora em análise não conste nenhuma proposta de alteração que dê execução à Resolução do Conselho da União Europeia de 23 de Novembro de 1995, relativo à protecção das testemunhas no âmbito da luta contra o crime organizado internacional, tendo em atenção, muito especialmente, as mulheres e as crianças que são víumas do crime previsto no artigo 169.° do Código Penal.

Estas são as observações sobre o projecto de proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal, formulado pelas respectiva Comissão, que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas entendeu dever apresentar a V. Ex.°

Certas da sua melhor atenção.

30 de Outubro de 1997.—A Presidente da.Direcção, Maria Teresa Féria de Almeida.

ANEXO N.º 9

gabinete da alta-cõmissária para as questões da promoção da igualdade e da família.

Assunto: Projecto de proposta de lei de revisão ào ÇíAvj,q. de Processo Penal.

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Em resposta ao solicitado no ofício n.°4467, de 14 de Outubro de 1997, relativo ao assunto em epígrafe, encarrega--me a Sr." Alta-Comissária de informar V. Ex.* que louva a introdução do artigo 82.°-A. Contudo, entende que os interesses das crianças vítimas ficariam melhor defendidos através da intervenção supletiva do Ministério Público, tal como foi evidenciado no parecer n.° 23/97 deste Gabinete, enviado através do ofício n.°903, de 25 de Setembro de 1997.

Do mesmo modo, entende ser essencial a inclusão nas demais medidas de coacção a do afastamento do agressor da residência pelas razões expostas no mencionado parecer, que o projecto continua a não contemplar.

Pelo Chefe do Gabinete, (Assinatura ilegível.)

GABINETE DA ALTA-COMISSÁRIA PARA AS QUESTÕES DA PROMOÇÃO DA IGUALDADE E DA FAMÍLIA.

Assunto: Medidas de coacção. Representação de menores para efeitos de indemnização cível.

Tenho a honra de enviar a V. Ex.°, para os efeitos tidos por convenientes, um parecer elaborado pela assessora jurídica Carla Fonseca, o qual mereceu o seguinte despacho por parte da Sr.° Alta-Comissária:

Concordo inteiramente com as duas propostas feitas na última página deste parecer, por me parecerem pautadas por princípios que a Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo nosso país, propugna, as quais, além disso, estão imbuídas do mais elementar bom-senso e de grande sentido de respeito pelas crianças.

O Chefe do Gabinete, António Pedro Pires.

Informação/parecer

A Resolução do Conselho de Ministros n.° 49/97, estabelece, entre outros objectivos, o de «prevenir a violência e garantir protecção adequada às mulheres vítimas de crimes de violência» — objectivo 2.

E entre as medidas de protecção destinadas a alcançar este objectivo, determina a «criação de mecanismos que permitam a redução do período que decorre entre a apresentação da queixa pela vítima,de crime de violência doméstica e a promoção, em tempo útil e quando se entender adequado, ' da medida de coacção que se traduz no afastamento do agressor da residência comum, pelo magistrado competente, nos termos da lei do processo» — n.° 6.

Esta medida de coacção — afastamento da residência — está prevista na Lei n.° 61/91, de 13 de Agosto.

Porém, como é sabido, esta lei nunca foi regulamentada.

E embora os artigos 15." e 16.° estejam em vigor, por não dependerem de regulamentação, a verdade é que a referida medida de coacção tem tido escassa aplicação.

Acresce que, não estando prevista no Código de Processo Penal, esta medida é de aplicação restrita: aplica-se apenas

relativamente aos crimes mencionados naquela lei (crimes cometidos contra mulheres, quando a motivação resulte de atitude discriminatória).

Estão, assim, excluídos da eventualidade de aplicação desta medida de coacção os agentes dos crimes, cometidos no seio da família, contra as crianças, como sejam os de abuso sexual e de maus tratos.

O Código de Processo Penal irá ser objecto de revisão, tendo a Comissão dela encarregue elaborado já o respectivo projecto.

Entende-se, neste contexto, vantajoso que a medida de coacção em causa fosse incluída entre as demais medidas de coacção no capítulo i do título ii do Código de Processo Penal.

O que teria a vantagem de a tomar aplicável não só aos agentes dos crimes referidos no n.°2 do artigo 1.° da Lei n.° 61/91, mas também aos agentes dos crimes de maus tratos e abusos sexuais, a menores, consigo residentes.

É chocante qtie uma criança maltratada ou violentada por um familiar seja levada para fora de sua casa, separada dos restantes familiares (tantas vezes da mãe) do meio onde vive, da escola que frequenta, enquanto o agressor aí se mantém, situação frequente no nosso país.

A Convenção dos Direitos da Criança, no seu artigo 19.°, impõe aos Estados partes «assegurar o apoio necessário à criança (vítima dê maus tratos ou exploração, incluindo a violência sexual) e àqueles a cuja guarda está confiada».

No nosso país, nos casos, frequentes, de violação ou maus tratos perpetrados pelo pai ou padrasto, ou pela mãe ou madrasta, o apoio prestado à criança implica que esta seja retirada de casa, excepto quando ao agressor é aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, o que raramente se verifica na prática.

Parece-nos não ser este «o apoio necessário» a que o direito convencional nos obriga.

Pelo que fica dito, entendemos ser importante incluir nas medidas de coacção fixadas pelo Código de Processo Penal a medida de afastamento da residência, obviamente quando a relação familiar ou de proximidade física são subjacentes à prática do crime.

O que o projecto não faz.

Sugere-se também, relativamente à representação dos lesados (artigo76° do projecto) que, sendo estes menores, a sua representação para efeitos de dedução do pedido de indemnização cívelseja cometida ao Ministério Público, sempre que o respectivo representante legal não manifeste no processo a sua intenção de o fazer (artigo 75.° do projecto) ou, tendo-a manifestado, não a venha a concretizar.

O superior interesse da criança deve prevalecer à inércia ou à falta de informação e de diligência de quem legalmente a representa.

Em conclusão, propomos:

1) Que a medida de coacção afastamento da residência (artigo 16.° da Lei n.° 61/91) seja incluída nas medidas de coacção previstas no projecto;

2) Que, para efeitos de dedução do pedido de indemnização cível, os menores sejam representados pelo Ministério Público quando não houver dedução desse pedido pelo respectivo representante legal.

À consideração superior.

A Assessora Jurídica, Carla Fonseca.

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ANEXO N.° 10

Parecer da Prof.° Teresa Beleza

Projecto de revisão do Código de Processo Penal

(sessão do Conselho Superior do Ministério Público de 7 e 8 de Julho de 1997)

Declarações de voto da vogal Maria Teresa C. Pizarro Beleza

Artigo 57." («Constituição de arguido») — À semelhança do que acontece em alguns países e na esteira do que tem sido projectado e discutido em fora internacionais com competências neste campo, julgo que será de consagrar a necessidade da entrega ao detido de um documento escrito de que constem, pelo menos, os direitos e deveres processuais dos arguidos. Creio que esse facto toma mais tangível e efectivo o conhecimento, por parte do detido, do que «lhe está a acontecen> e daquilo que pode fazer para se defender ou para minorar os efeitos pessoais de insegurança e desconforto inevitáveis em tais situações.

A comunicação e ou explicação orais dos motivos da detenção e dos inerentes direitos e deveres — como agora o Código de Processo Penal impõe (artigo 58.°, n.° 2) — podem ser altamente voláteis e insistentes para alguém que provavelmente se encontrará numa situação difícil, de alguma perturbação. Os acontecimentos (infelizmente reais) de pouco respeito pela integridade física e moral das pessoas em alguns encontros com a polícia ou em situações de permanência nas esquadras policiais .em Portugal (referidos nos relatórios da Amnistia Internacional) tomam porventura esta exigência mais premente.

Para o cidadão comum, não jurista (e mesmo para este, em certos casos), pode não ser nada evidente, mesmo depois de uma explicação oral, o que pode ou não fazer em seguida a uma detenção.

A efectivação dos princípios do Estado de direito democrático só teria e ganhar com essa prática.

As situações de impossibilidade real, fáctica, do cumprimento dessa obrigação — «agentes da polícia [...] em situações de emergência[...] fora de serviço» (parecer da Procuradoria-Geral da República) ou, por exemplo, a detenção por parte de cidadãos comuns [nos termos do artigo 255.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Penal) — estarão cobertas por princípios gerais de direito: a obrigação de cumprir um dever pressupõe a efectiva possibilidade de cumprimento desse dever (independentemente de se discuür se essa obrigação existiria ab initio para os cidadãos comuns, o que pode parecer um contra-senso). Situações de emergência, de necessidade, estão, como se pode exemplificar com disposições dos actuais Código Penal e Código de Processo Penal, sujeitas a princípios de excepção.

Artigo 61.° («Direitos e deveres processuais») — É minha convicção de que os antecedentes criminais do arguido só deveriam ser conhecidos do julgador no momento posterior à condenação, para efeitos de sentencing. Por isso, e independentemente da aceitação de um modelo que implique uma verdadeira cesure na audiência de julgamento, acompanharia os avanços no texto do Código —r bem sei que nem o projecto irá tão longe— que signifiquem uma progressiva aproximação desse «ideal».

Assim sendo, parece-me de saudar a redacção proposta para a alínea c) do n.°4 do artigo 61.°

Artigo 68.° («Assistente») — Independentemente da razão histórica da atribuição ao juiz da competência para decidir

sobre a constituição de assistente, julgo que esta regra deve ser mantida, ao contrário do entendimenio que fez vencimento no Conselho.

Por um lado, entendo que a descrição do estatuto processual do assistente como mero «colaborador do Ministério Público» peca por defeito, pese embora a redacção (a manter, segundo o projecto) do artigo 69." do Código de

Processo Penal. Basta pensar nos importantíssimos poderes

que este sujeito processual detém no nosso sistema —— nomeadamente o poder de requerer abertura de instrução como forma de «impugnar» uma decisão de arquivamento ou de acusação «parcial» (no sentido de «incompleta», na perspectiva do assistente) por parte do Ministério Público.

Por outro, é para mim evidente que a constituição de assistente num processo crime toca inevitavelmente a posição processual do arguido. Se assim não fosse, aliás, a sua existência seria espúria ... Por esta mesma razão, julgo que é ao juiz que deve caber o poder da sua constituição.

Seja qual for a redacção adoptada para o artigo 268.", n.° 1, alínea e) (no projecto: «[...] reconhecimento efectivo de direitos processuais do arguido ou do assistente», penso que o juiz deve continuar a ser a autoridade judiciária com poderes de decisão em matérias fundamentais para assegurar ao máximo as suas possibilidades reais de defesa.

Admitir ou recusar que alguém se constitua assistente num processo é certamente uma dessas decisões.

Artigo 88." («Meios de comunicação social») — O projecto prevê a possibilidade de «oposição de qualquer dos sujeitos processuais interessados» ao registo de imagem ou som e sua transmissão.

0 Conselho entendeu por maioria que deveria sugerir a eliminação desta possibilidade, deixando nas mãos da autoridade judiciária a decisão, precedendo consulta aos sujeitos processuais.

Os principais argumentos parecem ser:

1) O carácter público dos actos processuais (constitucionalmente exigido quanto à audiência de julgamento, enquanto garante da democraticidade e legitimação da justiça penal);

2) A inexistência de um direito à imagem a preservar nessas circunstâncias (como consequência da publicidade do acto);

3) A desigualdade político-social que adviria necessariamente da possibilidade de oposição (os arguidos «poderosos» tenderiam a opor-se à exposição mediática, os arguidos humildes teriam mais dificuldade em fazê-lo, por ignorância, falta de iniciativa ou de à-vontade, etc).

Sobre estes argumentos, oferece-se-me dizer o seguinte:

1 — Não creio que o carácter público de quaisquer actos implique necessariamente o seu carácter mediatizável (passe o neologismo ...). Também a celebração de casamento e a prestação de provas académicas são por lei públicas e certamente ninguém defenderá que essa característica implique, necessariamente, a obrigação de suportas a exponenciação da publicidade que uma transmissão televisiva implica. Além disso, a consciência de que se é filmado, gravado ou simplesmente fotografado constitui, para a generalidade das pessoas — ainda que habituadas, por ofício ou notoriedade, a tal exposição — um impotvavNXe. condicionamento psicológico do seu comportamento. Não creio que a justiça ganhe com esse acréscimo de pressão sobre os actores envolvidos. Porventura, a humaníssima tentação de vedetismo por parte de alguns magistrados

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acentuará a dificuldade de assegurar decisões «sensatas» em matéria tão delicada — ainda mais quando se tratar de decisões insindicáveis.

2 — O facto de ser arguido ou participar num processo, ou estar presente num tribunal em qualquer outra qualidade, não significa necessariamente que se tenha perdido o controlo sobre a própria imagem, ou que o direito a esta tenha desaparecido ou ficado insuportavelmente comprimido pelas circunstâncias. Salvo o devido respeito por opiniões contrárias, parece-me haver aqui um resvalar porventura inconsciente, para uma atitude «punitiva» de exposição pública de quem terá prevaricado. Além de ser bom não esquecer que a Constituição obriga, entre outras razões pela presunção de inocência, a não comprimir os direitos do arguido para além do inevitável e justificado e exigido pelas estritas necessidades processuais, nada legitima, em meu entender, a «pena acessória» de humilhação pública que a exposição mediática significa. Para quem ainda não foi condenado, a injustiça é evidente: a condenação pública pode ser absolutamente devastadora para a sua vida e a da sua família. Para quem já o foi, a lei deverá especificar quando essa «pena acessória» se justifica — como o faz, por exemplo, em matéria de crimes contra a economia. Nada disso põe em causa, do meu ponto de vista, o direito (e o dever, até talvez) de informar por parte dos profissionais da comunicação social. Apenas significa, em meu entender, um razoável equilíbrio entre interesses conflituantes — e julgo que é importante lembrar que um deles é a «boa administração da justiça ela própria».

3 — Não me parece que a desigualdade possível justifique a solução proposta pelo Conselho. Em primeiro lugar, porque ela está já constituída nos próprios pressupostos da questão, em perspectiva inversa: é também quando se trata de arguidos «poderosos» que os media — muito compreensivelmente, aliás— são mais ávidos. E é também nesses casos que a sobreexposição pública pode causar o máximo dano, como julgo evidente. Não creio que o predomínio político-social — real ou imaginado — das pessoas deva ser «punido» com o nivelamento por baixo que poderia materialmente surgir com a solução aceite pelo Conselho. A igualdade formal de muitos princípios processuais (liberdade de escolha de defensor, por exemplo) não se materializa em igualdade substancial, retirando ou diminuindo direitos existentes, mas tornando-os efectivos para quem tenha menos meios ao seu alcance para os exercer.

Todas as regras processuais, aliás, pressupõem que o defensor, constituído ou nomeado, assegurará os direitos de defesa do arguido — e porque é sobretudo deles (arguidos) que aqui se trata, por que razão seria diferente quanto a decidir sobre a oposição à gravação de uma audiência, por anionomásico exemplo?

Artigo 89.° («Consulta de auto e obtenção de certidão por sujeitos processuais») — Sobre a redacção proposta para o n.° 2, alínea c), o Conselho mostrou justificada preocupação com o perigo para a investigação que poderá significar o acesso por parte do arguido aos elementos constantes dos autos que «fundamentarem) a aplicação de uma medida de coacção».

Julgo, no entanto, que a necessária sindicabilidade de uma decisão que aplique máxime uma medida de prisão preventiva implica o conhecimento da base factual que permite concluir pela existência de fortes indícios da prática de um crime com as características legalmente exigidas, por um lado. E que, por outro, as exigências por lei tipificadas para, em geral, a aplicação de medidas (perigo de fuga, etc.)

devem também ter fundamento controlável, sob pena de se «legitimar» a prática jurisprudencial portuguesa, altamente «irregular», para não dizer anticonstitucional, de aplicar medidas de prisão preventiva por mera invocação asséptica da gravidade do crime indiciado e de disposições como o (actual) artigo 209.°

Outras sugestões

(aqui em separado apenas por não terem sido verbalizadas enquanto voto no decorrer da sessão)

Artigo 40." («Impedimento por participação em processo»)— Ao contrário do que foi entendimento generalizado no Conselho, julgo que a redacção proposta para o artigo 40.° é de saudar.

A existência de razões alargadas de impedimento de magistrados nos termos propostos dá consistência efectiva à garantia constitucional de imparcialidade do julgador e de respeito pela presunção de inocência do arguido. Não creio que virtuais dificuldades de ordem prática (parecer da Procuradoria-Geral da República) devam «arrumar», sem mais, a questão.

Duas considerações de ordem geral

1.* São frequentemente invocadas razões de excepção paia justificar soluções substantivas ou processuais com essa característica (criminalidade de alta violência e ou associada ao tráfico de droga, nomeadamente). Como já há anos repetidamente comentou F. Dias, inspirando-se em críticas de autores alemães às legislações de exceção que proliferaram na Europa dos anos 70 (em especial pela preocupação com o terrorismo), é preciso evitar a todo o custo que o Estado de direito seja derrotado, «vá ao tapete», perdendo legitimidade e porventura eficácia numa luta à partida justa e consensual.

Sobretudo, é importante que regras do tipo do actual artigo 209." do Código de Processo Penal — que desaparece na proposta, mantendo-se em alguma medida a sua lógica quanto à duração de prazos de prisão preventiva, mas não quanto à espúria (e inconstitucional, em bom rigor) necessidade de adicional justificação de uma não aplicação — não cubram escalas de valores penais pouco consentâneas com a real ponderação dos interesses em causa.

2.* Outro argumento recorrente nas discussões desta natureza centra-se no respeito pelos direitos das vítimas, contrapondo-se ao «excesso de garantismo» visto como uma benesse de indivíduos que, tudo leva a crer, a não merecem. Não só cabe lembrar, mais uma vez, que pode estar em causa o julgamento de um inocente — e quem o compensa dos danos de toda a ordem que um processo injusto pode provocar? —, mas também que, mesmo tratando-se de prováveis ou reais culpados, a sua defesa e integridade deve ser assegurada nos termos constitucionais. O tão falado princípio da igualdade de armas é uma dolorosa ironia em muitas situações processuais — é aliás interessante e significativo, em meu entender, que a «Declaração» de dois colegas meus no Conselho, magistrados, o contestem, invocando (e bem) a qualidade de autoridade judiciária do Ministério Público em processo penal (p. 7, «Declaração»).

Mas, sobretudo, parece-me importante acentuar que não é diminuindo as garantias dos arguidos que se protegem as vítimas, mas sim levando a sério e efectivando os direitos destas — por exemplo, não permitindo que se arrastem situações como a da não regulamentação, ao longo de anos, da lei de protecção às mulheres vítimas de vioíêncía «discriminatória», que terá servido, ainda que incorrecta-

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mente do ponto de vista técnico-jurídico, de pretexto para a sua escassíssima aplicação. Boaventura de Sousa Santos já escreveu sobre as formas diferenciadas de negociação de soluções para conflitos sociais, que podem implicar uma abstenção selectiva de legislação ou de mera regulamentação de leis já publicadas. Salvo o devido respeito, tenho a convicção de que a contraposição entre os direitos dos arguidos e

os das vítimas tende a ser ingénua ou, na pior das hipóteses, demagógica.

Nota. — A referência (parecer da Procuradoria-Geral da República) diz respeito ao parecer sobre o projecto de revisão do Código de Processo Penal apresentado por S. Ex.a o Conselheiro Procurador-Geral da República. Dado que algumas questões foram discuúdas em «diálogo argumentativo» com o texto desse parecer, julgo pertinente essa remissão expressa.

A referência («Declaração») remete para o documento apresentado pelos Ex.mos Magistrados vogais do CSMP Srs. Drs. Rui Bastos e Luís Felgueiras sob o título «Projecto de reforma do Código de Processo Penal — Declaração». Presumo a sua junção aos documentos a apresentar a S. Ex.° o Sr. Ministro da Justiça.

15 de Julho de 1997. — Teresa Pizarro Beleza.

Parecer do Prof. Figueiredo Dias

Sr. Ministro da Justiça:

Quis V. Ex." conhecer a minha opinião sobre o projecto da reforma do Código de Processo Penal, que o Ministério da Justiça decidiu empreender. É dessa opinião — expressa em termos necessariamente gerais e sumários— que me proponho dar conta nesta carta.

1 — Começarei por assinalar que, de um ponto de vista substancial, a reforma tem um volume e uma extensão menores do que poderia depreender-se do número de artigos que deverão ser modificados. Isto fica a dever-se, em boa parte, à circunstância de muitas das alterações se traduzirem exclusivamente numa modificação da duração do prazo para a prática de actos processuais, na sequência da modificação da lei processual civil quanto ao modo de contagem dos prazos (v. g., artigos 36.°, 41.°, 45.°, 51.°, 52.°, 77.°, 106°, 109.°, 165.° e 300.°) e de um bom número de outras radicarem também, exclusivamente, na actualização terminológica a que convida no novo Código das Custas Judiciais (v. g., artigos 227.°, 376.° e 377.°). Quanto a este último ponto, nada se me oferece dizer; quanto ao relativo aos prazos, creio — se interpreto correctamente a situação das coisas — que em" muitos casos a extensão da duração dos prazos terá ido longe demais; o que, se pode ser bem acolhido pelos advogados, .não deixará de se estranhar de uma Comissão que unha como ponto fulcral do seu mandato, se não como primeiro mandamento, obter encurtamentos significativos na duração do processo penal.

2 — Alterações se verificam, no articulado proposto, que contam com a minha total concordância, indo muitas delas ao encontro da proposta da. última Comissão Revisora do Código de Processo Penal, a que tive a honra de presidir; proposta que seguramente V. Ex.° conhece, embora, ao que julgo, dela não tenha nunca chegado a ser dado conhecimento público. Refiro, a título de exemplos, as alterações agora propostas para os artigos 23.°, 24.°, alínea a), 52°, 88°, n.° 2, 178°, n.°* 5, 6, 7 e 8, 206°, 214°, 291 °, 307.°, n.° 4, etc. Mas permito-me insistir em que também outras propostas

inovadoras da Comissão Revisora nomeada por V. Ex." contam com a minha concordância. Assim, por exemplo, as que contendem com os artigos 16.°, n.° 2, 39.°, 62.° e 330.° (no que toca à opção pela defesa técnica), 64.°, 389.°, n.° 1, e 511.°

3 — Propostas há, no entanto, que me suscitam ora fundas reservas ora a mais frontal discordância. E se tentar lançar sobre um denominador comum aproximativo a generalidade destes casos, direi que as reservas e discordâncias radicam em duas ordens de razões. Por um lado, porque contendem com a estrutura fundamental do processo penal português pressuposta no Código vigente; por outro lado porque estou convicto de que, apesar do preço altíssimo a pagar assim, tais modificações não farão do Código — e permito-me citar o teor do despacho de V. Ex.a que nomeou a Comissão Revisora— «um instrumento adequado à prossecução do combate da criminalidade e à realização da justiça, que se pretende célere, eficiente e eficaz».

Exemplo paradigmáúco do primeiro tipo é consumido pela doutrina proposta para o artigo 40." Sempre pensei, escrevi e defendi —em Portugal, como em foros internacionais — que a prática pelo juiz de instrução de actos isolados (por exemplo, os actos dos artigos 268° e 269.°) não constitui nem deve consütuir causa de impedimento, mas tão-só, como prevê a lei vigente, motivo de eventual suspeição (artigo 43.°). E isto porque só a decisão que o juiz de instrução toma a final — a decisão de pronunciar ou de não pronunciar o arguido— contende directa e necessariamente com o objecto do processo, por isso que também a pronúncia serve para limitar e fixar os poderes de cognição do tribunal de julgamento (artigos 358° e 359°).

Dito de outra forma, só um mecanismo como o da suspeição, em meu parecer, responde satisfatoriamente — porque dependente de uma avaliação das circunstâncias concretas da intervenção do juiz de instrução num momento anterior ao julgamento — à razão de ser da não intervenção deste juiz no julgamento: a garantia da imparcialidade e da objectividade da decisão final, a garantia afina), que está mesmo no cerne do princípio da acusação. Por mais que me esforce, não consigo divisar que «direitos, liberdades e garantias» do arguido serão assim mais justamente defendidos, face à tensão em que estes têm de existir e à composição em que têm de entrar com as necessidades de realização do ius puniendi estadual e com as exigências da sua eficiência e efectividade num processo justo e equitativo.

Pergunto-me: que sentido «garantístico» para as liberdades do arguido pode ter que um juiz de instrução que condene um faltoso em UC, nos termos do artigo 116°, n.° 1, ou mesmo que lhe aplique uma medida do coacção processual (por definição, bem se deve saber, uma medida meramente cautelar, e não a priori sancionatória) na fase de inquérito, na sequência de requerimento do Ministério Público, fique automaticamente impedido de participar o futuro julgamento? Falar aqui em que o juiz fica (automaticamente, logo, necessariamente) preso a pré-juízos é, do meu ponto de vista —com todo o respeito evidentemente por opinião diferente—, um pré-juízo tão grande, pelo menos, como pretender que o juiz do julgamento ficará agarrado ao pré--juÍ2o que lhe advém do facto de já um outro juiz, o juiz de instrução, ter pronunciado o arguido.

4 — No fundo — e aqui julgo eu divisar o essencial e o mais preocupante —, uma solução como a acabada de encarar (toda e qualquer intervenção do juiz de instrução é causa de impedimento) mal encobre a atribuição ao juiz de instrução de um papel que o Código actual intencionalmente decidiu nãó lhe conferir, um papel que vai muito para além

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do que lhe é fixado no artigo 17." e se mostra mesmo, a muitos títulos, com ele incompatível. Uma solução, esta, dizendo-o franca e abertamente, que deixa a descoberto um outro modelo de juiz de instrução. O que, aliás, se revela em outras propostas de alteração, nomeadamente na introdução de uma nova alínea no artigo 268.°, n.° 1; e na nova redacção que se pretende dar ao artigo 311.°

4.1 — Quanto à primeira — para além da dificuldade, que apesar dos meus melhores esforços não fui capaz de vencer, de saber o que possam ser «questões relativas ao reconhecimento efectivo de direitos processuais do arguido ou do assistente que se suscitarem no decurso do inquérito» —, não vejo que tenha outro sentido que não seja o de conferir à magistratura do Ministério Público uma capitis deminutio

— chamemos as coisas pelo seu nome: um estatuto de inferioridade— em relação à magistratura judicial; na medida em que revela não considerar suficientes os mecanismos de controlo da actividade processual da magistratura do Ministério Público que o Código vigente prevê: a arguição de nulidades e de irregularidades e o requerimento para abertura da instrução. Devo declarar que, sem prejuízo de todos os melhoramentos que possam ser introduzidos na intervenção processual do Ministério Público, o modelo português contínua a parecer-me o mais perfeito que até hoje foi ensaiado. E tendo eu dito e defendido isso mesmo, para além de outras ocasiões, no Congresso da ONU do Cairo de 1995, foi com gosto que pude ver como um tal modelo foi saudado e admirado, embora a maior parte dos países sinta que não está ainda em condições de o impor, pela rejeição que ele decerto mereceria dos executivos respectivos. Receio bem que não possa haver ruídos da rua ou vozearias corporativas que me façam mudar de opinião quantq a este ponto fulcral do modelo do processo penal; e sinto-me confortavelmente acompanhado, nacional e internacionalmente, nesta convicção.

4.2 — No que respeita ao artigo 311.", o que pessoalmente esperava era que a proposta de revisão deixasse claro

— contrariando a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.° 4/ 93, de 17 de Fevereiro, do Supremo Tribunal de Jusüça — que não é processualmente admissível uma rejeição da acusação por manifesta insuficiência da prova indiciária, dando à al/nea a) do n.° 2 a redacção correspondente. Na circunstância de tal não ter acontecido, julgo eu divisar mais um sinal de se ter querido pôr em causa a estrutura fundamental do Código de Processo Penal vigente: uma estrutura acusatória em que a partilha das funções de investigação, de acusação e de julgamento é feita entre magistraturas distintas, em obediência, de resto, ao disposto na Constituição da República, tal como sempre a li. De se ter querido pôr em causa esta estrutura fundamental... sem se ter sabido ou podido substituí-la por outra diferente e supostamente melhor.

4.3 — Toda esta «atitude» culmina num pequeno exemplo, todavia esclarecedor: o do proposto artigo 86.°, n.° 8, que, independentemente da bondade ou maldade da solução — e direi, por amor à verdade, que ela me suscita as mais fundas reservas— equipara o juiz de instrução ao Procurador-Geral da República V. Ex.° não me levará a mal, espero, que, até por pudor, eu não comente mais longamente esta equiparação.

5 — Também quanto à matéria do segredo de justiça as alterações propostas se traduzem em modificações profundas. A solução de desvincular do segredo o arguido — apesar de, por certo, se não ter esquecido que aquele segredo não existe só para tutela da presunção de inocência— e todas as pessoas que tiverem tomado contacto com o processo e

conhecimento de elementos a ele pertencentes, esta solução acarretará na prática, quanto a mim, a plena publicidade do processo penal. O que se torna, se possível, ainda mais evidente quando se atenta no novo número proposto para o artigo 89.°, o qual só consegui compreender, confesso, como forma, agora legalmente «legitimada», de pressionar o Ministério Público a respeitar o prazo máximo de duração do inquérito. O que me parece, digo-o ainda uma vez, revelador da já referida atitude de suspeição relativamente a esta magistratura: e não constitui, se bem penso, forma adequada de atingir o objectivo de uma razoável composição dos interesses do arguido e da pretensão punitiva estadual, pelos prejuízos que efectivamente pode acarretar para a investigação em curso.

Não será, de resto, para não insistir mais neste ponto, a aludida atitude de suspeição que levou a que se tenha retirado ao Ministério Público o poder de reformular o pedido de indemnização civil relativamente a lesado que lho requeira, passando tal função a caber, em regra, a advogado? Receio que esta solução, numa ordem jurídica que não conhece a figura do «defensor público» ou outra equiparada, acabe por prejudicar os mais carecidos do ponto de vista não só económico, como sócio-cultural.

6 — Alterações estruturais são também introduzidas em tema de processo sumário, quando se atenta, por um lado, na possibilidade de a audiência ser adiada até ao limite do 60.° dia posterior à detenção, e, por outro, na sua aplicabilidade aos casos de detidos em flagrante delito por pessoa que não seja autoridade judiciária ou entidade policial.

6.1 — Quanto ao primeiro ponto, a minha crítica vai no sentido de considerar excessivo e injustificável o prazo de 60 dias posteriores à detenção. No código vigente (artigo 328.°, n.° 6) o prazo de 30 dias não é arbitrário, embora, é claro, valha o que vale qualquer prazo limite: é fruto de investigações criminológicas segundo as quais depois desse período a frescura da prova, nomeadamente testemunha], perde-se definitivamente, pelo que o carácter sumário do processo, nomeadamente a ausência de investigação, passa a revelar-se por inteiro inadequado. Se um tal prazo se excede mantendo-se a sumaridade processual, então dá-se voz à prevalência absoluta de considerações de eficientismo e de pragmaticidade sobre a finalidade de se lograr a justiça material. E, sendo assim, porquê 60 dias? Por que não 90, meio ano ou um ano?

6.2 — Ainda mais futida é, porém, a objecção que devo transmitir quanto ao segundo aspecto acima evidenciado. Toda a estruturação sumária do processo assenta numa detenção em flagrante delito efectuada por autoridade judiciária ou por entidade policial. E é bom que assim seja, porque só assim se pode, com razoável segurança, prescindir das fases de inquérito e de instrução. É em minha opinião um erro — e um erro que, dada a sua capacidade expansiva e a carga demagógica que inevitavelmente se liga à distinção maniqueísta entre os maus (todas as autoridades) e os bons (os destituídos daqueles poderes), pode vir a revelar-se perigoso — o esbatimento da distinção, fundamental nos quadros do Estado de direito, entre quem detém legitimamente e quem não detém poderes de autoridade estadual. Erro que pode chegar a assumir, no que aqui interessa, proporções desastrosas, máxime quando o particular que efectuou a detenção seja simultaneamente o ofendido (real ou autopresumido) pela acção que vai constituir objecto de processo sumário.

7 — Ainda quanto a alterações estruturais, devo fazer referência à possibilidade de o arguido ser julgado à revelia. Peço licença para lembrar o que já escrevi a propósito e me

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atrevo a repetir só porque o argumento corresponde à minha mais funda e segura convicção: julgar e condenar um ausente é coisa que pode apaziguar a consciência dos magistrados à

responsabilidade de quem se encontra um processo, mas que em nada satisfaz a necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma infringida; e é esta estabilização, não o apaziguamento da consciência individual dos juízes (e ainda menos, é claro, a conveniência

em maquilhar o rosto da estatística relativa a processos pendentes), que constitui um propósito básico de toda a política criminal, não só substantiva, como processual. Por isso penso há muito — depois da experiência, que tenho de considerar em larga medida falhada, do Código vigente em tema de contumácia — que nesta matéria a solução estaria em tomar efectivos mecanismos que a lei prevê já para desincentivar a ausência do arguido, para garantir a presença deste em acto processual e para assegurar produções antecipadas de prova; não em cair na solução tão fácil, quanto ineficaz, de julgar o arguido na ausência.

7.1 — A opção no sentido de eliminar a regra da presença do arguido na audiência de julgamento acarreta, na proposta da Comissão, a eliminação da declaração de contumácia, nesta fase do processo e com os objectivos que aí lhe são assinalados; tendo sido uma tal declaração colocada entre o inquérito e o julgamento para os casos residuais a que se destina. Trata-se, em meu juízo, de solução geradora de atrasos processuais inevitáveis, entre outras razões porque permite, depois daquela declaração, o requerimento para abertura de instrução. Um tal regime apresenta-se-me ainda mais criticável por as hipóteses abrangidas nem sempre serem casos em que deveria ter lugar a declaração de contumácia: esta pressupõe necessariamente uma subtracção dolosa ao exercício da justiça penal, não a mera circunstância de o arguido não ter sido notificado da acusação. Outra coisa só poderia pretender quem supusesse — erradamente, como é evidente — que à não notificação do arguido corresponde obrigatoriamente uma subtracção dolosa ao exercício da justiça penal.

7.2 — Para além das referidas alterações relativas à revelia ' e à contumácia, a proposta da Comissão introduz algumas

modificações em matéria de justificação de faltas a actos processuais, nomeadamente quanto à justificação com alegação de doença. Em rigor, nada tenho contra estas alterações, singularmente consideradas; mas receio bem que elas não possibilitem uma inversão da situação que presentemente se vive nesta matéria e, assim, que elas acabem por não contribuir para uma justiça mais célere, eficiente e eficaz. E escoro este meu receio, desde logo e além do mais, na circunstância de as magistraturas, para o efeito, não terem lançado mão, ao menos de forma sistemática, de muitas das possibilidades que, na matéria, lhes são oferecidas já pela lei vigente.

8 — A propósito ainda de celeridade, de eficiência e de eficácia na aplicação da justiça penal, outras soluções da Comissão não devem passar sem referência.

8.1 — Não compreendo, desde logo, o que possa justificar alterações introduzidas em matéria de nulidades, nomeadamente a regra de que todas as nulidades passam a ser de conhecimento oficioso. Doutrina esta que, para além de fazer tábua rasa da possibilidade de consenso processual, acarretará inevitáveis delongas no processamento.

8.2 — Quanto ao processo sumaríssimo, se por um lado foi alargado o seu âmbito de aplicação — e devo dizer abertamente que soluções como a do seu alargamento aos crimes puníveis com pena de prisão até 3 anos, a da possibilidade de aplicação nele de outras penas não privativas

da liberdade além da pena de multa e a da sua extensão aos crimes particulares em sentido estrito, me merecem irrestrito aplauso —, por outro restringiu-se a possibilidade prática da sua verificação, com a introdução de requisitos adicionais como o da concordância do assistente e do lesado e a da representação do arguido por defensor constituído. No que toca às restrições devo confessar com igual abertura que discordo delas, que me parecem injustificáveis e que provavelmente virão a determinar que as finalidades que se propôs esta forma de processo não venham minimamente a ser alcançadas.

9 — O exemplo mais flagrante de obstáculo ao encurtamento da duração dos processos — e uma das soluções estruturais que me merece mais claro repúdio — vejo-o eu, porém, nas alterações (na verdadeira revolutio, que significa o percorrer de toda a circunferência para se regressar ao ponto de partida) que se pretendem introduzir em matéria de recursos. A minha objecção, como sugeri já, funda-se não apenas na questão relacionada com a duração dos processos— celeridade que, por exemplo, eu creio necessariamente prejudicada com o disposto no artigo 364.°, n.° 2, se lembrarmos as condições reais de trabalho dos nossos tribunais—, mas também com a questão de fundo; numa palavra, com os méritos da criação de uma 2.a instância de facto, através do registo da prova produzida em 1.' instância perante o tribunal do júri, o tribunal colectivo ou o singular. A solução proposta representa, a meus olhos, um níüdo retrocesso do nosso direito processual penal; e para jusüficar esta afirmação peço vénia para recorrer ao essencial do que já há muito escrevi a propósito e continuo a julgar válido, a saber: que a apelação penal está hoje sob o fogo cerrado da crítica, é considerada uma espécie «má» de recurso, uma vez que, qualquer que 'possa ser a perfeição e a fidelidade técnicas do registo da prova, o tribunal de recurso não dispõe nunca das mesmas possibilidades de descoberta da verdade material de que gozou o tribunal de 1.* instância. Com efeito, os princípios da oralidade e da imediação dão os seus melhores frutos somente no decurso de uma audiência, pe\o que se corre o risco de a apelação contribuir para a diminuição da qualidade da justiça prestada em 1.a instância: ela representará sempre um convite implícito tanto a um menor cuidado na apreciação dos factos a troco de um ganho de tempo, como a uma injustificável atitude sistemática àe favor reum com que o tribunal de 1." instância procurará antecipar a situação, sem dúvida mais favorável, em que o arguido se apresentará perante o tribunal de apelação.

10 — Eis, Sr. Ministro, o que de mais essencial me pareceu merecer consideração na minuciosa proposta que V. Ex." entendeu por bem submeter à minha apreciação. De muitas outras soluções poderia falar: desde, por exemplo, o acordo que me merece a possibilidade de voto de vencido em 1 .* instância restrito às questões de direito (artigo 372.°, n.° 2); às reservas que me suscitam a «fuga para a frente» que representa a eliminação da doutrina hoje constante do artigo 209.° ou o alargamento dos casos em que o recurso é julgado em conferência [artigo 419.°, n.° 4, alínea d)]; até à discordância absoluta com soluções como a de equiparar o ofendido com o assistente, acabando com a figura ds> assistente-testemunha (artigos 133.°, 346.°. 353.° e 356.°) ou como a de restringir a intervenção dos jurados à matéria de facto (artigo 363.°, n.° 6). Mas tenho funda consciência de que não devo ir mais longe e que esgotei já, se não ultrapassei, o droit de regará que a amabilidade de V. Ex." me concedeu. Impõe-se-me, por isso, que fique por aqui. Só me atrevendo a solicitar que, não podendo porventura ser atribuída procedência às minhas considerações, em todo o

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23 DE MAIO DE 1998

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caso me seja creditada a mais límpida intenção de corresponder, pela melhor forma de que fui capaz, à gentileza e ao honroso interesse de V. Ex."

Peço-lhe, Sr. Ministro, queira aceitar a expressão da minha maior e mais respeitosa consideração.

30 de Maio de 1997. — Figueiredo Dias.

Sr. Ministro da Justiça:

Quis V. Ex." conceder-me o honroso encargo de submeter de novo à minha apreciação a proposta de alteração ao Código de Processo Penal. Dessa opinião me permito aqui dar conta sumária; e se o não fiz mais cedo foi apenas porque só na terça-feira regressei de Itália, onde participei numa reunião internacional com vista à preparação do próximo Congresso da ONU sobre a prevenção do crime e da delinquência.

Numa primeira apreciação do documento que V. Ex." houve por bem submeter à minha análise, o que revela de imediato é que,' em bom rigor, o texto de que agora tomei conhecimento em muito pouco (se é que em alguma coisa) tem a ver com o primeiro apreciado, bem se podendo afirmar que esta é uma nova proposta de alteração do Código de Processo Penal. É uma nova proposta que, ao contrário da anterior, deixa praticamente intocada a estrutura fundamental do processo penal português vigente. Saliente-se assim, como exemplos significativos, e para manifestar desta vez a minha total concordância:

A redacção proposta para o artigo 43.°, n.os 2 e 4;

A eliminação da alínea que propunha que o juiz de instrução decidisse as questões relativas ao reconhecimento efectivo de direitos processuais dó arguido ou do assistente que se suscitassem no decurso do inquérito (artigo 268.°);

A regulamentação do segredo de justiça, especialmente no que diz respeito aos artigos 86.°, n.** 1, 2 e 4, e que vem em certa medida ao encontro da posição que eu logo defendi na Comissão que elaborou o Projecto donde resultou o Código de 1987, segundo a qual o segredo de justiça poderia terminar logo que o Ministério Público deduzisse acusação;

A recuperação do artigo 209.°;

A estruturação do processo sumário, ao voltar a assentar na detenção em flagrante delito efectuada por uma autoridade judiciária ou entidade policial e ao permitir o adiamento da audiência apenas até ao 30.° dia, à semelhança das regras sobre a continuidade da audiência;

A manutenção do actual regime das nulidades;

A redacção proposta para o n.° 3 do artigo 311.°, que, ao contrariar a jurisprudência já fixada a propósito, acentua os desejáveis traços acusatórios do processo penal português;

As modificações introduzidas em matéria de processos especiais, ao procurarem dar maior efectividade ao mandamento politico-criminal do tratamento processual distinto da pequena e média criminalidade, mandamento que claramente enforma o Código vigente.

Quanto a este último ponto permito-me apenas anotar que o campo de incidência do processo sumaríssimo continua a aparecer, a meus olhos, demasiado restritivo — até por

referência a soluções semelhantes .do direito comparado, nomeadamente do direito processual penal alemão—, ao permitir somente a aplicação de penas de multa (por que não todas as sanções não privativas da liberdade?) e ao excluir do seu âmbito os crimes particulares em sentido estrito. Por outro lado, a opção deveria ser claramente a da notificação ao arguido da sanção proposta, com a necessária possibilidade de oposição e de exercício efectivo do direito de defesa — solução próxima do Strafbefehlsverfahren —, ou a da aceitação ou não da sanção proposta em audiência informal de julgamento (a opção vigente entre nós). E não a

solução contida nos artigos 395°-A e 396°, que prevêem a

audiência na hipótese de o arguido se opor, com a possibilidade de o juiz aplicar uma sanção menos grave do que a proposta pelo Ministério Público; o que para além do mais, me levanta as objecções habitualmente feitas às soluções de «negociação da pena».

Se acima afirmei que a proposta deixa praticamente (e não, em todo o caso, completamente) intocada a actual estrutura fundamental do processo penal português, foi porque ela admite o julgamento na ausência do arguido e o duplo grau de recurso, opções relativamente às quais não valerá a pena certamente que eu repita as reservas que já em análises anteriores manifestei. Mas seja como for, importa reconhecer os méritos das soluções agora propostas, quando comparadas com as anteriormente idealizadas.

Assim, no que respeita ao julgamento de ausentes, devo referir-me positivamente (e trata-se tão-só de dar alguns exemplos) ao momento processual da declaração de contumácia, que continua a ser, como hoje, o da audiência de julgamento; à possibilidade de serem julgados na ausência aqueles que faltam justificadamente à audiência anterior; e à solução de as declarações anteriormente prestadas na audiência realizada na ausência do arguido valerem como declarações para memória futura na nova audiência. E isto afirmo sem prejuízo de eu continuar a pensar que, aceitando--se em certos casos o julgamento de ausentes, então o sistema preferível seria o de o julgar concedendo-lhe todas as possibilidades de defesa mas não aceitando, em caso algum, o novo julgamento.

No que toca à modificação (porque, pelo menos na lei escrita, é de uma verdadeira modificação que se tratará) do sistema de recursos, devo sublinhar positivamente a manutenção das regras sobre a documentação das declarações prestadas oralmente perante o tribunal de julgamento. Declarações que, quando prestadas perante o tribunal colectivo, serão documentadas apenas se o tribunal puder dispor dos meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, o que na prática vai muito provavelmente significar que raros serão os casos em que haverá duplo grau de recurso. Para mais se se tiver em conta, por um lado, que se recorre directamente para o Supremo Tribunal de Justiça quando se visa exclusivamente o reexame da matéria de direito; e, por outro lado, os casos de irrecorribilidade propostos no artigo 400.° Se for assim, se afinal o duplo grau de recurso for meramente aparente ou, em todo o caso, persistir uma acentuada distonia entre a law in lhe books e a law in action, talvez seja aconselhável reflectir ainda se vale a pena introduzir uma alteração deste tipo, que legitimará sempre a critica do desfasamento entre a lei e os meios disponíveis para a executar.

Exemplos de alterações que claramente contendem com o modelo vigente são já, porém, as propostas para os artigos 194.° e 285.°

A primeira porque, ao permitir ao juiz, durante a fase de inquérito, a realização de inquérito urgente sobre a

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II SÉRIE-A — NÚMERO 53

verificação dos pressupostos de aplicação de medida de coacção privativa da liberdade, subverte o relacionamento que deve existir entre este e o Ministério Piíblico: o Ministério Publico requer e o juiz aplica ou denega a medida solicitada com respeito pelo princípio do pedido, devendo pois o juiz limitar-se, na matéria, a um controlo formal da verificação dos pressupostos da medida de coacção requerida. £ ao Ministério Publico que deve caber realizar as diligências necessárias para a instrução do requerimento, sob pena de o juiz considerar que não estão verificados, no caso, os pressupostos de aplicação da medida de coacção. Para além disto, aliás, a solução proposta passa a legitimar a opinião daqueles que defendem que o juiz fica necessariamente prejudicado na sua imparcialidade quando impõe uma medida de coacção. O que — continuo a pensar—, para além de constituir um erro, terá consequências que podem vir a tornar-se dramáticas em matéria de organização judiciária mas que, pelos vistos, ainda se não divisam claramente.

A segunda porque vai ao arrepio do que se quis [cf. artigo 287.°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Penal] e se deve consagrar em matéria de crimes particulares em sentido estrito: é ao particular que deve caber decidir sobre a suficiência dos indícios da verificação do crime, a ele cabendo inteiramente, por conseguinte, tomar a decisão de submeter ou não a causa a julgamento.

Uma última palavra me seja permitida ainda sobre dois problemas particulares: a reintrodução das perguntas sobre

os antecedentes criminais no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e a questão da reparação da vítima em casos especiais. Quanto ao primeiro ponto, a palavra, é de aplauso, pena sendo que não tenham sido reintroduzidas aquelas perguntas na audiência de julgamento (artigo 342.°, n.° 2, da versão original do Código), já que tenho para mim

que a solução não só não viola nenhum princípio de natureza Constitucional, como é imposta pelo direito penal substantivo vigente e por regras de natureza processual penal. O aplauso estende-se também ao segundo ponto, i. e., à redacção proposta para o artigo 82.°-A, uma vez que, deixando intocado o princípio do pedido em matéria de indemnização civil, abre caminho para a valorização da reparação emergente de um crime como elemento fundamental da política criminal.

Eis, Sr. Ministro, a súmula dos resultados a que conduziu o estudo que pude fazer do texto que V. Ex.* teve a subida amabilidade de propor à minha consideração. Agradecendo, ainda uma vez, a honra que quis dar-me trazendo ao meu conhecimento e à minha consideração um texto reformador de tão relevante significado, solicito-lhe, Sr. Ministro, aceite os meus mais vivos sentimentos de respeitosa consideração.

9 de Outubro de 1997. — Figueiredo Dias.

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