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Quinta-feira, 13 de Janeiro de 2000 II Série A - Número 14
VIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1999-2000)
S U M Á R I O
Projectos de lei (n.os 21, 35, 37, 58 e 62 a 65/VIII):
N.º 21/VIII Violência contra a mulher na família - "crime público" (altera o artigo 152.ºdo Código Penal, revisto pela Lei n.º 65/98) :
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 35/VIII (Programa de redução dos gastos com medicamentos):
- Relatório e parecer da Comissão de Saúde e Toxicodependência.
N.º 37/VIII (Criação de farmácias públicas e medidas para o desenvolvimento e racionalização do Serviço Nacional de Saúde):
- Idem.
- Parecer n.º 1/2000 da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
N.º 58/VIII (Reforça as medidas de protecção às mulheres vítimas de violência):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 62/VIII - Reforma dos impostos sobre o rendimento (apresentado pelo PCP).
N.º 63/VIII - Estabelece o processo de sujeição a confirmação de actos de licenciamento de obras, loteamentos e empreendimentos (apresentado pelo PCP).
N.º 64/VIII - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (apresentado pelo BE).
N.º 65/VIII - Altera a Lei n.º 38/98, de 4 de Agosto (Estabelece medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência associadas ao desporto (apresentado pelo BE).
Propostas de lei (n.os 7 e 10/VIII):
N.º 7/VIII (Estabelece normas sobre a cooperação entre Portugal e os tribunais penais internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 10/VIII - Regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos.
Projectos de resolução (n.os 19 a 21/VIII):
N.º 19/VIII - Constituição de uma comissão eventual para a análise e fiscalização dos recursos públicos envolvidos na organização do EURO 2004 (apresentado pelo PSD).
N.º 20/VIII - Sobre a renegociação do acordo de pesca entre a União Europeia e a Gronelândia (apresentado pelo CDS-PP).
N.º 21/VIII - Concretização de medidas de protecção das vítimas de violência doméstica (apresentado pelo CDS-PP).
Propostas de resolução (n.os 2 a 5/VIII):
N.º 2/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Tunísia para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, assinada em Lisboa, a 24 de Fevereiro de 1999):
- Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
N.º 3/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção do UNIDROIT sobre bens culturais roubados ou ilicitamente exportados, assinada em Roma, a 24 de Julho de 1995):
- Idem.
N.º 4/VIII (Aprova, para adesão, o Tratado de Criação e Estatutos do Conselho Ibero-Americano do Desporto, assinado em Montevideu, a 4 de Agosto de 1994):
- Idem.
N.º 5/VIII (Aprova, para ratificação, o Tratado entre a República Portuguesa e a República Francesa relativo à cooperação no domínio da defesa, assinado em Paris a 30 de Julho de 1999):
- Idem.
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PROJECTO DE LEI N.º 21/VIII
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA FAMÍLIA - "CRIME PÚBLICO" (ALTERA O ARTIGO 152.º DO CÓDIGO PENAL, REVISTO PELA LEI N.º 65/98)
Relatório e parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias
Relatório
I - Do objecto e dos motivos
Este diploma tem por ratio a publicização do crime p.p. no Código Penal referente à violência contra a mulher na família.
Segundo os subscritores, "metade das mulheres portuguesas são vítimas de violência física, psíquica ou sexual (...). Dados recentes da APAV revelam que os maus tratos do marido ou companheiro são a principal forma de violência doméstica em Portugal".
Não obstante as recentes alterações ao artigo 152.º do Código Penal (Maus tratos e infracção de regras de segurança), operadas mediante a aprovação da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que prevê a intervenção do Ministério Público, continua-se a fazer depender da ofendida o prosseguimento ou não do processo até à acusação.
Consideram os proponentes que é necessário "consignar a violência contra a mulher na família como um "crime-público", à semelhança do que já acontece com a violência sobre as crianças". Só mediante este avanço legislativo será possível, no seu entendimento, desbloquear situações dramáticas de modo a preservar uma verdadeira autonomia das mulheres e afirmação da sua dignidade como seres humanos.
Assim, propõe-se num artigo único alterar o actual n.º 2 do artigo 152.º do CP, optando os autores por eliminar a 2.ª parte deste mesmo número, alteração essa que passará a conferir àquela disposição a natureza processual de crime público.
II - A tutela penal do crime de maus tratos infligidos ao cônjuge
O artigo 152.º do CP, com a alteração recentemente operada com a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, conferiu uma nova dimensão ao crime de maus tratos infligidos ao cônjuge:
"Artigo 152.º
(Maus tratos e infracção de regras de segurança)
1 - Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se o facto não for punível pelo artigo 144.º.
2 - A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos. O procedimento criminal depende de queixa, mas o Ministério Público pode dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida a acusação.
3 - A mesma pena é aplicável a quem, não observando disposições ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.
4 - Se dos factos previstos nos números anteriores resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a 10 anos."
Com a aprovação do novo Código Penal (Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro) o legislador veio permitir que o Ministério Público possa dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida acusação. Introduziu-se, assim, uma modificação relativa à natureza processual do crime praticado contra o cônjuge (crime semi-público).
No entendimento de Maia Gonçalves, no entanto, este tipo de crime, o crime de maus tratos a cônjuge, já desde a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95 revestia já a natureza de semi-público (vide Código Penal Português anotado e comentado por M. Maia Gonçalves, 9ª edição, Almedina Coimbra).
Ainda sob o escopo da protecção das mulheres incluiu-se no elenco taxativo do artigo 132.º (Homicídio qualificado) o homicídio praticado contra mulher grávida (artigo 132, alínea b)).
É ainda punido com pena de prisão de dois a 10 anos o sequestro quando praticado contra grávida.
Em sede de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, tipifica-se no crime de violação aquele que abuse da autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar cópula, coito anal ou coito oral (três anos).
Registe-se que no artigo 200.º, n.º 1, alínea a), do CPP está prevista em sede de medidas gerais de coacção, a do afastamento do agressor da residência comum, constituindo uma inovação do novo Código Processo Penal (Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto).
Igualmente no âmbito do Processo Civil é também possível em sede de providência cautelar prevista no artigo 401.º, n.º 2, do CPC, conseguir o afastamento do agressor, medida essa que é bastante frequente em sede de divórcios litigiosos e violentos: "quando alguém mostre fundado receio de outrém, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, se no caso não convir nenhum dos procedimentos regulados neste capítulo, as providências adequadas à situação, nomeadamente a autorização para a prática de determinados actos, a intimidação para que o réu se abstenha de certa conduta (...)".
O quadro legal não pode ser mais garantístico nesta matéria, pelo que a aplicação efectiva destas medidas começará certamente a ser efectivada pelos operadores judiciários a breve trecho. No âmbito civil já o é, conforme o provam inúmeras sentenças que concedem provimento a esse tipo de providência cautelar.
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De extrema importância é ainda o despacho da Procuradoria-Geral da República, de 10 de Fevereiro de 1998 (esse despacho surgiu antes da publicação do novo CPP, onde essa medida de coacção agora está expressamente prevista), que incide sobre a aplicação do artigo 16.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto (a qual garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência) e que ainda antes da publicação do novo CPP já fazia uma interpretação bastante actualista da lei, o qual, pela sua pertinência, nos permitimos transcrever na íntegra:
"1 - Suscitaram-se dúvidas quanto à aplicação do artigo 16.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto. As dúvidas fundam-se, para uns, na circunstância de a lei não ter sido regulamentada em conformidade com o disposto no seu artigo 17.º e, para outros, em razões que se prendem coma sua inconstitucionalidade material.
Mas sem razão.
2 - O artigo 16.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, é uma norma de direito processual penal que amplia o elenco das medidas de coacção previstas pelo Código de Processo Penal. E é, em si mesmo, imediatamente exequível.
Por outro lado, o tratamento diferenciado adoptado pelo legislador, visando proteger as mulheres vítimas de crime, não ofende o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, apresentando-se, aliás, como uma discriminação positiva imposta por aquele princípio na sua dimensão social.
Pelo exposto, no termos do artigo 10.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, determino que os magistrados e agentes do Ministério Público promovam a aplicação da referida medida, sempre que se mostrem preenchidos os requisitos legais"
III - A IV Revisão Constitucional e os direitos das mulheres
A promoção da igualdade em sede de revisão constitucional não se cingiu somente às inovações e mais-valias introduzidas no artigo 112.º. Foram também atingidos estes objectivos últimos através de alterações aos seguintes artigos, os quais, sublinhe-se, obtiveram maioria qualificada em sede de CERC:
1 - No artigo 9.º passou a considerar-se tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homem e mulher, bem como a igualdade de oportunidades;
2 - O artigo 26.º passa a consagrar a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação;
3 - O artigo 59.º passará a prever a consagração do direito à conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
4 - Consagra-se expressamente no artigo 67.º o direito a uma maternidade e paternidade conscientes.
5 - Registe-se ainda que o artigo 81.º, alínea b), passa a consagrar a promoção da justiça social e o assegurar da igualdade de oportunidades
IV - A dimensão internacional e europeia da violência conjugal
Dada a dimensão internacional destas questões, quer a ONU quer o Conselho da Europa e a União Europeia (vide relatório do Parlamento Europeu de 16 de Julho de 1997 sobre a necessidade de desenvolver na EU uma campanha de recusa total da violência contra as mulheres) têm vindo a debruçar-se crescentemente sobre a violência contra as mulheres e muitos são os documentos internacionais aprovados pelos Estados membros das várias organizações, entre os quais Portugal, que consideram este tipo de violência um atentado aos direitos humanos e, como tal, uma questão pública e política.
Desde o início que as Nações Unidas conferiram uma atenção particular à eliminação da discriminação das mulheres, de que se destaca a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação das Mulheres, adoptada em 18 de Dezembro de 1979, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em 1993 a Assembleia Geral das Nações Unidas vem a adoptar a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Esta declaração lança um apelo a todos os Estados membros a fim que estes tomem as medidas adequadas para a eliminação e a condenação de actos contra as mulheres.
A Conferência sobre os Direitos do Homem organizada em 1993 em Viena conferiu igualmente um forte impulso a esta causa. Esta Conferência veio reclamar uma integração mais forte quanto à aplicação dos direitos da mulher nos mecanismos dos direitos do homem das Nações Unidas. Assim, em sequência desta Conferência, na sua 50.ª sessão a Comissão dos Direitos do Homem designou, em 4 de Março de 1994, uma rapporteuse especial sobre a violência contra as mulheres.
A IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, que se realizou em Pequim em Setembro de 1995, adoptou uma Plataforma de Acção que, também ela, deu grande relevância a esta questão, propondo várias medidas.
Diversos instrumentos internacionais tratam da protecção das vítimas destes crimes. Para além dos citados no artigo 14.º da Lei n.º 61/91, podem ainda enumerar-se um conjunto de instrumentos de acção do Conselho da Europa, cujo papel nesta área tem sido de grande relevância.
Resolução (77) 27 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 28 de Setembro de 1977, sobre indemnização às vítimas de infracções penais;
Recomendação R (83)7, adoptada em 23 de Junho de 1983 pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, sobre a participação da população na política criminal;
Convenção Europeia sobre a Indemnização das Vítimas de Infracções Violentas, de 24 de Novembro de 1983;
Recomendação R (85) 4 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em 26 de Março de 1985, sobre a violência no seio da família;
Recomendação R (85) 11 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a situação da vítima no direito penal e no direito processual penal, adoptada em 28 de Junho de 1985;
Recomendação R (87) 21, adoptada em 7 de Setembro de 1987 pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa, relativa à assistência às vítimas e à prevenção da vitimização;
Recomendação R (91) 11 do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre a exploração sexual, a pornografia, a prostituição, assim como o tráfico de crianças e jovens adultos.
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V - Medidas adoptadas na política de protecção das mulheres (1995/99)
Realcem-se, como complemento dessa política de protecção, os seguintes instrumentos institucionais e legislativos:
A - Instituição dum Alto Comissariado para as Questões da Promoção da Igualdade e da Família:
No plano global para a igualdade de oportunidades, aprovado em Conselho de Ministro de 6 de Março de 1997, entre vários objectivos, destaca-se o seguinte:
Prevenir a violência e garantir protecção adequada às mulheres vítimas de crimes de violência;
B - A Lei de Associação de Mulheres e respectiva regulamentação:
A Lei n.º 10/97 veio reforçar os direitos das associações de mulheres, já consagrados na Lei n.º 95/88, de 17 de Agosto, por quanto não só reconheceu àquelas associações o estatuto de parceiro social como lhes concede o direito ao apoio para desenvolvimento de actividades, com vista à efectiva igualdade de oportunidades.
A protecção das mulheres contra todas as formas de discriminação passa também pela intervenção e reforço da actuação das associações de mulheres.
Através do Decreto-Lei n.º 246/98, de 11 de Agosto, o XIII Governo veio disciplinar o processo de reconhecimento de representatividade genérica, as formas de apoio técnico e financeiro e o registo das associações não governamentais de mulheres (ONGM).
C - Lei da Maternidade, Lei n.º 142/99, de 31 de Agosto:
Também uma efectiva protecção à maternidade poderá permitir à mulher cada vez mais conciliar família e profissão, conferindo-lhe a autonomia e independência económica que tantas vezes a leva a suportar os maus tratos e as humilhações de que é vítima.
Neste sentido alargou-se a protecção aos casos de adopção e confiança judicial ou administrativa, dando cumprimento ao imperativo constitucional de protecção dos órfãos; dos 120 dias de licença por maternidade, a mãe passa a gozar obrigatoriamente seis semanas a seguir ao parto; concede-se ao pai uma licença de cinco dias aquando do nascimento do filho; e permite-se aos avós de crianças filhas de pais adolescentes faltar até 30 dias consecutivos aquando do nascimento do neto.
D - Lei n.º 129/99, de 20 de Agosto - Aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal:
Este diploma procede à regulamentação do artigo 14.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, garantindo às mulheres vítimas de violência doméstica o adiantamento por parte do Estado da indemnização devida pelo agressor.
E - Resolução 47/97 - Aprova o Plano Global para a igualdade de oportunidades.
F - Resolução 55/99, do Conselho de Ministros - Plano Nacional contra a Violência doméstica:
Este Plano Nacional contra a Violência Doméstica terá uma vigência de três anos a contar da data da sua aprovação por resolução do Conselho de Ministros, devendo ser elaborados relatórios anuais para análise da sua execução que incluam a orçamentação dos meios financeiros adequados à execução das acções decididas.
VI - Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres:
Há largos anos que a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres se tem debruçado sobre a questão da violência especificamente dirigida contra as mulheres.
Este organismo ao longo de mais de duas décadas tem registado nos seus serviços de atendimento jurídico (Lisboa e Porto) um número significativo de mulheres que é ou foi alvo de diversas formas de violência física, psicológica ou sexual, incluindo o assédio sexual e a violação.
Num estudo (vide Nelson Lourenço e Manuel Lisboa in Inquérito Nacional - Violência contra as mulheres, de Julho de 1995) - encomendado pela CIDM ao Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, datado de 1995, é traçado um quadro da situação da violência contra as mulheres algo preocupante que assentou nas seguintes conclusões:
- As situações mais frequentes de violência correspondem a casos em que os autores são do sexo masculino;
- Quando as acções se fazem no espaço familiar, são sobretudo os maridos/companheiros que as praticam;
- O espaço onde a violência física contra as mulheres é mais frequente é o da casa/família;
- É notória em todas as situações a falta de reacção das mulheres aos actos de que são vítimas, ou o remeterem-se a simples reacções passivas;
- São muito pouco frequentes os caso de reacção violenta e de reacção jurídico-penal.
No inquérito em causa foi utilizada uma amostra de 1000 mulheres, residentes no Continente, com idade igual ou superior a 18 anos.
Numa primeira visão global dos resultados do inquérito verifica-se, por extrapolação, que a maioria das mulheres (52,2%), ou seja, 1 788 885 mulheres terá sido alvo de pelo menos de um acto de violência ou de discriminação. Entre estas, saliente-se que um elevado número de mulheres terá sido alvo de vários actos: 36,3% (1 244 300 mulheres); 21,9% (750 509 mulheres) com dois-quatro actos e 14,4% (493 486 mulheres) com mais de cinco actos.
Nesse inquérito é extremamente elevado o número de mulheres que diz ter sido alvo de pelo menos um acto indiciador de violência psicológica (37%). Em termos de violência física uma visão global sobre esses actos mostra que 13,7% (469 498) foram alvo de pelo menos um acto.
Um dado bastante interessante que ressalta desse estudo é o facto de as profissionais mais atingidas pela violência serem as operárias, logo seguidas dos quadros superiores e profissões liberais.
VII - Considerações finais sobre o projecto vertente
1 - A questão da violência doméstica é de âmbito social e psicológico. Tem as suas raízes no mais profundo dos indivíduos, mas também nas ideias, valores e mitos que estruturam a sociedade. Não se pode ignorar que a violência está presente desde os primórdios da vida. Impõe-se, pois, que a norma jurídica intervenha estabelecendo direitos e valorando factos e comportamentos.
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2 - A violência contra as mulheres constitui hoje uma problemática central, não necessariamente devido ao recrudescimento do fenómeno mas fundamentalmente às recentes transformações sociais e especificamente no campo da família (movimento de desinstitucionalização e privatização que contribuíram para o recuo da nupcialidade, aumento de famílias monoparentais, uniões livres e modelos de companheirismo) que teriam contribuído para a redefinição do papel social das mulheres e para a conquista de uma nova integração social.
3 - Pelo menos parte do aumento da violência familiar, hoje oficialmente registada em Portugal, deve-se ao repúdio de situações até então toleradas e a uma maior transparência das relações familiares, o que confere visibilidade a actos que até aqui ficavam escondidos no universo fechado em que a família se estruturava (segundo artigo do Diário de Notícias, de 9 de Março de 1999, de Outubro de 1998 a Janeiro de 99 a PSP e a GNR registaram 2889 casos de violência doméstica).
4 - A violência relativamente às mulheres tem sido objecto da atenção de sociólogos, sendo que diversos estudos, entre os quais se contam um realizado pela CIDM, analisam as diversas situações de violência. Sem que haja dados que permitam concluir se a violência dentro da família aumentou, regista-se que a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) revelou recentemente números que nos indicam que muitas famílias se tornam um palco privilegiado de violência. Segundo a referida Associação, sem contar com os pedidos de socorro pela linha telefónica recebidos em Lisboa, a mesma recebeu um total de 3126 vítimas, três quartos das quais eram mulheres, que em 45% dos casos indicaram o cônjuge como autor do crime, tendo 15% das mulheres identificado outro familiar como agressor. Encarando o problema pelo prisma oposto (mulher agressora), o estudo da socióloga Elsa Pais vem confirmar que no meio familiar é a mulher que é vítima de agressões, a que responde, por vezes, com o cometimento de um crime grave (e.g. homicídio conjugal).
5 - A aplicação do direito durante muito tempo reduziu-se exclusiva mente à esfera pública, auto-excluindo-se da esfera privada, do domínio da família e da conjugalidade;
6 - Actualmente o Código Penal aponta no sentido da violência ser considerada crime semi-público. Esta alteração constituiu um passo fundamental para a regulação social dos comportamentos do campo privado da família. A publicização ora proposta poderá contribuir para que a violência familiar saia do espaço privado em que se tem inscrito e se possa finalmente constituir como alvo de intervenção das instituições públicas que até há bem pouco tempo se demitiam das suas responsabilidades nesta matéria.
7 - Os avanços da lei, no sentido da igualdade, da não discriminação e da penalização das ofensas corporais, mesmo entre cônjuges, ainda não se integraram no quotidiano das pessoas, sendo muitas vezes as polícias a dissuadir as mulheres de prossecução da denúncia, como alerta Nelson Lourenço, em Violência contra as mulheres, edição da CIDM, por Nelson Lourenço, Manuel Lisboa e Elzas Pais.
8 - Na IV Conferência Internacional sobre a situação das mulheres de Beijing foi incluída a prevenção e o combate da violência contra as mulheres na sua plataforma de acção, tendo sido recomendado aos governos que "legislem, apliquem as leis e examinem-nas periodicamente com vista a assegurar que contribuem eficazmente para eliminar a violência relativamente às mulheres, pondo o acento na prevenção da violência e na perseguição dos delinquentes". Os governos deveriam ainda "assegurar a protecção das mulheres contra a violência, dar-lhes acesso a recursos justos eficazes, prevendo, nomeadamente, a indemnização e a readaptação das vítimas e a reinserção dos delinquentes e "fornecer as estruturas de acolhimento e de apoio financeiro às mulheres e às jovens vítimas de violências, assim como conselhos médicos, psicológicos e outros, tal como assistência judiciária gratuita ou pouco cara, em caso de necessidade, e dispensar-lhes a assistência pretendida para as ajudar a encontrar meios de subsistência".
9 - Se deveria existir um primeiro passo para prevenir a violência familiar dos homens este deveria consistir em reconhecer que esta violência não é um assunto de família. A doutrina da esfera privada protege de forma bastante evidente os agressores do controlo da sociedade. É certo que o direito de cada um à sua esfera individual é constitucionalmente irrefutável, mas esta exigência de cada indivíduo de ver o Estado respeitar a sua vida privada deve ser claramente limitada onde a intervenção do Estado é requerida para garantir os direitos fundamentais.
10 - Esta constatação que nos parece evidente de um ponto de vista dogmático, não o é na prática. São numerosos os funcionários de polícia que recusam imiscuir-se no que consideram ser "assuntos de família". Segundo a opinião geral, cada um é responsável pela organização da sua vida privada e logo de decidir com quem quer viver. As relações de família afiguram-se complexas e com alguma falta de transparência, razão porque alguém já afirmou que a "casa é um dos lugares mais perigosos das sociedades modernas".
11 - É a esse título que a política estatal é chamada a tomar uma posição inequívoca a fim que a intervenção policial nos casos de actos de violência no seio das famílias não dependa da apreciação pessoal destes últimos: a violência nas famílias não é um problema pessoal das pessoas implicadas mas, sim, um problema de segurança pública e logo das autoridades estatais responsáveis pela segurança e salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos.
12 - Isto significa igualmente que no seio da esfera familiar, como no exterior, as mulheres vítimas das violência de um homem não devem ficar entregues a si próprias, mas que têm o direito não somente de ajuda solidária mas também de medidas públicas a fim que a sua segurança e dignidade pessoal lhes sejam restituídas.
A iniciativa em apreço vem ao encontro das sugestões das entidades que lidam concretamente com esta temática, designadamente a CIDM e a APAV.
Sem me afastar da objectividade que um relatório desta natureza deve merecer, entendo que esta matéria deverá ser objecto de ponderada reflexão por parte de todas as entidades, organizações e especialistas na área, sugerindo-se que numa fase de especialidade a comissão competente (ou comissões competentes) organize uma audição parlamentar por forma a que se analisem de forma cuidada todas as implicações sociais e jurídico-penais que a questão encerra, questão, aliás, que não é pacífica, já que na reunião ocorrida no dia 10 de Janeiro de 2000 na sala do Senado, promovida pelo BE, sobre estas matérias esteve patente que existe alguma reserva por parte de certas associações quanto a publicização. Entendem estas que a medida proposta por si só nada resolve, dever-se-ia antes optar por responsabilizar o MP, as assistentes sociais, psicólogos para a utilização dos mecanismos legais existentes e para uma estratégia de prevenção junto das crianças por forma a quebrar o ciclo de violência.
A alteração da natureza processual deste tipo de crime é apenas um ponta do iceberg imenso que constitui o fenómeno
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da violência conjugal cuja complexidade implica um trabalho em diversas frentes e que é decisiva para a modernização da sociedade em que vivemos.
Parecer
Atentas as considerações produzidas somos de parecer que o projecto de lei n.º 21/VIII reúne os requisitos constitucionais, legais e regimentais necessários, pelo que está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade.
Assembleia da República, 12 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Joaquim Sarmento - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, CDS-PP, PCP e BE).
PROJECTO DE LEI N.º 35/VIII
(PROGRAMA DE REDUÇÃO DOS GASTOS COM MEDICAMENTOS)
Relatório e parecer da Comissão de Saúde e Toxicodependência
Relatório
Âmbito e objectivo
Sob o título "Programa de redução dos gastos com medicamentos", o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um diploma que visa, de acordo com o seu artigo 1.º, "a racionalização dos gastos públicos na área do medicamento".
Entende o PCP que, por responsabilidade dos interesses da indústria multinacional de medicamentos, se verifica no nosso país um "largo consumo de medicamentos desnecessários, ineficazes e dispendiosos (in preâmbulo)".
Face a isso o PCP propõe a adopção de um conjunto de regras, obrigatórias dentro do SNS, que prevê que a prescrição de medicamentos passe a ser feita através da indicação da sua substância, do seu nome genérico ou denominação comum internacional, seguida da duração e forma farmacêutica.
Se o prescritor optar por referir a marca comercial só pode fazê-lo após a referência aos elementos atrás descritos.
Nestes casos, se existir medicamento de comparticipação igual, e a preço mais baixo, recai sobre o farmacêutico a obrigação de informar o utente da sua existência, cabendo a este optar por qualquer deles. Se o medicamento escolhido for diferente do prescrito inicialmente deve esse facto ser inscrito em anexo à receita e assinado quer pelo farmacêutico quer pelo utente.
Prevê ainda o PCP a criação de um formulário nacional de medicamentos, que tenha em conta o custo e o benefício terapêutico do mesmo.
Ligado a este formulário surge a obrigação por parte do Ministério da Saúde de proceder à avaliação do custo/eficácia dos medicamentos e de suspender a comparticipação dos medicamentos manifestamente onerosos ou de eficácia terapêutica duvidosa.
Este diploma prevê ainda que incumbe ao Governo desenvolver "medidas de promoção activa da utilização de medicamentos genéricos" (artigo 5.º).
Refira-se ainda que este diploma consagra a dispensa gratuita aos utentes dos medicamentos cuja comparticipação pelo Estado seja mais dispendiosa do que a sua dispensa gratuita.
Note-se que, através deste diploma, se prevê ainda que incumbirá ao Governo promover a criação de farmácias do SNS nos hospitais, "de forma a permitir a distribuição de medicamentos aos utentes das urgências e das consultas externas", bem como a disciplinar a "publicidade de medicamentos nos grandes meios de comunicação social de forma a limitar as pressões sobre os profissionais de saúde e os consumidores".
Por último, é de referir que este projecto prevê a afectação dos ganhos previstos com estas medidas ao aumento dos níveis de comparticipação dos medicamentos essenciais.
Esta verba é de momento impossível de calcular, acima de tudo porque não é possível prever o alcance prático destas medidas sobre as prescrições dos médicos e a reacção dos utentes.
Parecer
O projecto de lei n.º 35/VIII, do PCP, reúne as condições regimentais e constitucionais pelo que está em condições de subir a Plenário e ser apreciado, na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Palácio de São Bento, 11 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Pedro Mota Soares - O Presidente da Comissão, Vieira de Castro.
PROJECTO DE LEI N.º 37/VIII
(CRIAÇÃO DE FARMÁCIAS PÚBLICAS E MEDIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO E RACIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE)
Relatório e parecer da Comissão de Saúde e Toxicodependência
Relatório
I - Do objecto e dos motivos
Com o presente projecto de lei pretende o Bloco de Esquerda (BE) estabelecer diversas medidas que visam "racionalizar e desenvolver o Serviço Nacional de Saúde com o objectivo de garantir aos seus utentes a melhoria da prestação dos cuidados de saúde".
Neste sentido a iniciativa legislativa do BE propõe uma alteração ao actual regime de prescrição e de acesso aos medicamentos, nomeadamente:
- Criação de farmácias no âmbito do Serviço Nacional de Saúde com acesso dos utentes do SNS, atendidos nas consultas externas e serviços de urgência;
- Elaboração de um formulário nacional de medicamentos;
- Promoção do mercado de genéricos e sua forma de prescrição.
II - Principal corpo normativo
O projecto de lei n.º 37/VIII apresenta no seu articulado alguns artigos dos quais destacamos:
- Artigo 2.º (Criação de farmácias no âmbito do Serviço Nacional de Saúde) - este artigo prevê a
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responsabilidade do Estado (Ministério da Saúde) vir a criar farmácias nos centros de saúde com idênticas responsabilidades às farmácias hospitalares.
- Artigo 3.º (Acesso às farmácias hospitalares) - este artigo prevê a venda aos utentes do SNS de medicação prescrita nas consultas externas e urgências, bem como o acesso à gratuitidade de medicamentos detentores do rendimento mínimo garantido, de pensões de reforma abaixo do salário mínimo nacional e de utentes com patologias especiais.
- Artigo 9.º (Formulário Nacional de Medicamentos) - este artigo prevê a elaboração de um formulário nacional de medicamentos que os designe pela substância activa ou nome genérico.
- Artigo 11.º (Medicamentos genéricos) - neste artigo prevê-se uma alteração à actual lei dos genéricos conseguida através da DCI ou pelo respectivo nome seguidos da dosagem de forma farmacêutica.
III - Parecer
O projecto de lei n.º 37/VIII, do BE, reúne as condições regimentais e constitucionais, pelo que está em condições de subir a Plenário e ser apreciado, na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Palácio de São Bento, 12 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, João Sobral - O Presidente da Comissão, Vieira de Castro.
Parecer n.º 1/2000 da Comissão Nacional de Protecção de Dados
S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República veio solicitar parecer sobre o projecto de lei n.º 37/VIII, relativo à criação de farmácias públicas e medidas para o desenvolvimento e racionalização do Serviço Nacional de Saúde.
I - Questão prévia
Estando agendada a discussão e apreciação na generalidade do projecto de lei em apreço, a CNPD dispõe de um tempo limitado para a emissão do parecer a que se refere o artigo 23.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro. Por isso, limitar-se-á a efectuar considerações sumárias sobre o diploma, manifestando, desde já, a sua disponibilidade para, em sede de debate na especialidade, poder aprofundar e reflectir sobre alguns aspectos mais gerais relativos ao enquadramento e à problemática do tratamento de dados relativos ao receituário, à gestão e controlo de medicamentos fornecidos aos doentes.
II - Questão de fundo
1 - A CNPD entende que a racionalização dos gastos no âmbito da prestação de cuidados de saúde, da gestão e controlo dos medicamentos fornecidos aos doentes é uma das preocupações que deve ser encarada. O projecto de lei é muito mais abrangente e aborda outras matérias - como a "política nacional do medicamento", o "acesso à farmácia hospitalar" e os "centros de saúde" - alheias às competências da CNPD. Porém, uma vez que se pretende um tratamento "integrado" da informação (cifra corpo do artigo 7.º ) e, reflexamente, uma "melhoria da qualidade da informação" (cifra exposição de motivos) estas matérias podem ter maiores implicações do que aquelas que, à primeira vista, se podem supor. Quando se pretende avançar com medidas que visam assegurar a realização destes objectivos a primeira interrogação que se coloca é a de saber quais os meios colocados à disposição das entidades.
Na era da sociedade de informação o recurso às novas tecnologias apresenta-se, desde logo, como uma das vias fundamentais. É inevitável, por isso, que a gestão da informação passe pela previsão legal de um "sistema informatizado e integrado com a gestão de doentes (corpo do artigo 7.ª) e pela "implementação do cartão de utente do SNS" (artigo 8.º).
Como estamos perante o registo de dados que podem indiciar ou evidenciar - ainda que de forma indirecta - o estado de saúde dos utentes, é necessário compatibilizar os direitos relativos à prestação de cuidados de saúde a que se refere o artigo 1.º (cifra artigo 64.º da CRP) com o direito à privacidade (cifra artigo 35.º da CRP).
2 - Não estamos aqui perante a regulamentação específica dos termos em que se processa o tratamento da informação nas farmácias, nos centros de saúde ou nas farmácias hospitalares - tarefa essa que competirá ao Ministério da Saúde (artigo 7.º) - mas perante princípios gerais que permitam delimitar os termos em que o Governo poderá regulamentar o "controlo dos medicamentos fornecidos aos doentes com utilização do cartão de utente do SNS" (alínea a).
A primeira questão que o artigo 7.º suscita tem a ver com a legitimidade para o tratamento desta informação. Nos termos do artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 67/98, o tratamento referente aos dados de saúde é permitido quando for "necessário para efeitos de medicina preventiva, de diagnóstico médico, de prestação de cuidados ou de tratamentos médicos ou de gestão de serviços de saúde, desde que o tratamento desses dados seja efectuado por um profissional de saúde obrigado a sigilo ... ".
Falando o corpo do artigo 7.º (de notar que os artigos 7.º e 8.º só se referem às "farmácias hospitalares", sendo omisso em relação às farmácias dos centros de saúde. Será que o sistema a adoptar nos centros de saúde é, igualmente, integrado?) que a informação será tratada em sistema "integrado com a gestão de doentes", parece não haver dúvidas de que o hospital onde está integrada a "farmácia hospitalar" tem legitimidade para o tratamento de dados pessoais dos utentes (com aproveitamento, até, dos elementos de identificação recolhidos na consulta externa ou na urgência), na medida em que a informação se integra no complexo das prestações oferecidas pelo hospital e o seu tratamento visa a gestão dos serviços de saúde (cifra artigo 7.º, n.º n.º 4, da Lei n.º 67/98) - o hospital, quando o seu sistema de informação está preparado para tratar a informação sobre consumo de medicamentos, já tem legitimidade (com fundamento no artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 67/98) para registar a medicação ministrada em caso de internamento.
E se o utente, fora do contexto da consulta externa ou do serviço de urgência (cifra o n.º 1 do artigo 3.º), se dirige à farmácia hospitalar - será que não pode fazê-lo junto do centro de saúde? - para adquirir medicamentos (veja-se o caso previsto no n.º 2 do mesmo artigo)?
Conforme se referiu na Deliberação n.º 10/99, de 9 de Março, a CNPD considera que o tratamento dos dados pelas farmácias não se enquadra na previsão do artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro. Por exclusão, o tratamento de dados só poderá ocorrer nos termos estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 7.º da Lei n.º 67/98.
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Estabelecendo o artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 67/98 que a legitimidade para o tratamento pode decorrer de "disposição legal" seria desejável que a lei fosse mais explícita em relação a dois aspectos fundamentais:
- Sobre os termos e as condições em que haverá legitimidade para tratar estes dados;
- As finalidades do tratamento.
3 - No momento em que está em curso a criação de um novo modelo de receita com o objectivo de permitir o controlo do receituário ao nível do SNS e de outros "subsistemas de saúde", a expressão "controlo dos medicamentos fornecidos aos utentes" pode ser demasiado vaga se, na norma habilitante, não forem concretizadas as condições e finalidades do tratamento.
A redacção formulada suscita as seguintes interrogações:
O tratamento e controlo dos medicamentos é feito, exclusivamente, ao nível de cada "farmácia hospitalar" ou farmácia do centro de saúde? Anota-se que o artigo 7.º só se refere às "farmácias hospitalares", não se sabendo se o mesmo regime é aplicável às farmácias e criar nos centros de saúde.
Os dados pessoais do utente - nome, número de utente e medicamento adquirido - podem ser centralizados ou comunicados a terceiros (vg. ao SNS, ADSE ou outros "subsistemas de saúde") com o objectivo exclusivo de facturação e pagamento das respectivas comparticipações ou poderão ser utilizados para outro tipo de "controlo"? Que tipo de controlo será admissível? Admitir-se-á a possibilidade de centralização de dados e sua conexão para apurar a existência de fraudes na aquisição de medicamentos? Ou o controlo será feito - exclusivamente - para efeito da simples "gestão de stocks" (cifra artigo 7.º, alínea a), in fine)?
A manter-se o texto proposto, sem qualquer concretização, afloura-se-nos que a norma habilitante é demasiado "aberta" e imprecisa, correndo o risco de deixar ao Governo a adopção de medidas legislativas que, embora possam assegurar o "controlo dos medicamentos fornecidos" (previsão do preceito), venham a originar uma intromissão indevida e desproporcionada na vida privada dos utentes. Por sua vez, a CNPD pode vir a ter algumas dificuldades - em sede de parecer sobre o diploma regulamentar - para estabelecer certos limites ao tratamento de dados em face da amplitude da norma habilitante.
Fazendo apelo ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, entende-se que devem ser concretizados os objectivos/finalidades do tratamento e, em seguida, estabelecidos os limites necessários para alcançar esse objectivo por forma a que as restrições impostas para assegurar a melhoria das prestações dos cuidados de saúde não aniquilem o direito à privacidade consagrado no artigo 35.º da CPP - cifra Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 3.ª edição, página 149.
4 - O artigo 8.º aponta no sentido de que deve ser "implementado o cartão de utente do SNS" para assegurar a aplicação do artigo 7.º, alínea a).
A leitura que fazemos do preceito é a de que o sistema informatizado integrado que se pretende instituir - e que integra as fases do registo do doente, da consulta, do diagnóstico, prestação de cuidados, aviamento da receita e controlo dos medicamentos fornecidos - será feito com o recurso aos elementos de identificação constantes do cartão de utente do SNS, assumindo o número de utente um papel fundamental na identificação e relacionamento da informação relativa ao titular dos dados.
A formulação do preceito deveria ser mais explícita, uma vez que, como se sabe, o cartão de utente já está ser utilizado na identificação dos utentes, estando pendente nesta CNPD um pedido de modificação do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 198/95 que, entre outras alterações, tem em vista consagrar a necessidade de apresentação do cartão quando os utentes "utilizem os serviços das instituições e serviços integrados no SNS ou com ele convencionado".
Conforme foi referido no parecer emitido em relação ao Decreto-Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, o qual aprovou o cartão de utente do SNS - Parecer n.º 1/95, de 15 de Março (2.º relatório da CNPD, 1995, página 166) -, o que se pretende proibir no artigo 35.º, n.º 5, da CRP é a atribuição de um "número informaticamente significativo", isto é, do qual se permita deduzir alguma informação de carácter pessoal sobre os elementos de identificação ou de caracterização do cidadão.
O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 198/95, na sequência de sugestão da CNPD, definiu a estrutura do número de utente, especificando que se trata de um número sequencial "constituído por nove dígitos, sendo o primeiro o indicador da administração regional de saúde emissora, os sete seguintes o número individual do utente e o último dígito de controlo".
A utilização do número de utente não se apresenta como susceptível de originar riscos de intromissão na vida privada dos titulares dos dados desde que seja processado no âmbito dos serviços prestadores de cuidados, na gestão de utentes, na gestão e controlo de receituário, isto é, no âmbito das mesmas finalidades ou finalidades compatíveis e desde que, sob o controlo da CNPD, sejam limitadas as interconexões e adaptadas normas de segurança adequadas.
Se forem especificados no projecto em análise as finalidades e condições do tratamento, conforme se sugeriu no ponto anterior, não se vê que - para já - haja obstáculos à utilização dos elementos do cartão de utente. Só no momento da regulamentação do preceito é que a CNPD está habilitada a pronunciar-se sobre eventuais perigos na utilização de dados do cartão de utente.
Em conclusão:
1 - Como estamos perante o registo de dados que podem evidenciar - ainda que de forma indirecta - o estado de saúde dos utentes, é necessário compatibilizar os direitos relativos à prestação de cuidados de saúde a que se refere o artigo 1.º (cifra artigo 64.º da CRP) com o direito à privacidade (cifra artigo 35.º da CRP).
2 - A expressão "controlo dos medicamentos fornecidos aos utentes" constante do artigo 7.º pode ser demasiado vaga se na norma habilitante não forem concretizadas as condições e finalidades do tratamento.
3 - Se essa especificação não existir corre-se o risco de deixar ao Governo, em sede de regulamentação, a adopção de medidas legislativas que, embora possam assegurar o "controlo dos medicamentos fornecidos" (previsão do preceito), venham a originar uma intromissão indevida e desproporcionada na sua vida privada dos utentes.
4 - Fazendo apelo ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, entende-se que devem ser concretizados os objectivos/finalidades do tratamento e, em seguida, estabelecidos os limites necessários para alcançar esse objectivo por forma a que as restrições impostas não aniquilem o direito à privacidade consagrado no artigo 35.º da CRP.
5 - A formulação do artigo 8.º do projecto deveria ser mais explícita, uma vez que, como se sabe, o cartão já está ser utilizado na identificação dos utentes. Deste modo, seria desejável concretizar se o objectivo da norma é a utilização,
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no sistema informatizado integrado, dos elementos de identificação constantes do cartão de utente do SNS, assumindo o número de utente um papel fundamental na identificação e relacionamento da informação relativa ao titular dos dados.
6 - Se forem especificados no projecto em análise as finalidades e condições do tratamento, não se vê que - para já - haja obstáculos à utilização dos elementos do cartão de utente. Só no momento da regulamentação do preceito é que a CNPD está habilitada a pronunciar-se sobre eventuais perigos na utilização de dados do cartão de utente.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2000. Amadeu Guerra (Relator) - Paula Veiga - João Simões de Almeida - Mário Varges Gomes - João Labescat (Presidente).
PROJECTO DE LEI N.º 58/VIII
(REFORÇA AS MEDIDAS DE PROTECÇÃO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Considerações iniciais
A questão da violência contra as mulheres tem sido, no âmbito parlamentar, um assunto recorrente nos últimos tempos. Com efeito, na última legislatura foi apresentado, quer pelos partidos políticos quer pelo Governo, um conjunto de iniciativas legislativas com o desiderato último de prevenir a violência e proteger as mulheres.
Já no decurso desta recente legislatura foi apresentado, pelo Bloco de Esquerda, o projecto de lei n.º 21/VIII, que visa alterar a natureza processual do crime de violência contra o cônjuge p.p no artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, conferindo-lhe natureza pública.
Em sequência deste projecto, que já está agendado para a reunião plenária de 13 de Janeiro de 2000, foi apresentada na Mesa da AR uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP com âmbito similar se bem que muito mais extenso em termos de objecto e efeitos jurídico-penais. Estamos a referir-nos ao projecto de lei n.º 58/VIII.
II - As propostas contidas no projecto de lei n.º 58/VIII
Para justificar esta iniciativa os seus proponentes procedem ao enquadramento internacional, europeu e nacional da matéria, invocando os seguintes instrumentos e acções:
- Conferências internacionais promovidas pelas Nações Unidas, que trataram a temática da mulher - Conferência de Viena sobre Direitos Humanos de 1993; Conferência do Cairo de 1994 sobre População e Desenvolvimento e a Conferência de Beijing de 1995 sobre a Situação das Mulheres no Mundo;
- Resolução A4/0250/97 sobre uma Campanha Europeia relativa à Violência contra as Mulheres;
- Programa Daphne, aprovado pela Comissão Europeia e o Parlamento;
- Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto (Garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência);
- Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto (Criação da rede pública de casa de apoio a mulheres vítimas de violência) - esta lei teve origem no projecto de lei n.º 620/VII - Criação da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência.
Consideram os autores da iniciativa que "o problema da violência radica, em primeiro lugar, na pobreza, pobreza que é construída politicamente através do sistema económico dominante no mundo- aliás, o único sistema económico vigente- o neoliberalismo".
O objectivo essencial deste projecto é, assim, o de proceder a um reforço das medidas de protecção às mulheres vítimas de violência, por forma a melhorar a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto.
O projecto de lei é composto por 22 artigos ao longos dos quais se pretende traçar um regime jurídico de reforço e prevenção da violência conjugal.
Em termos de técnica legislativa decidiram os subscritores do projecto por não alterar a Lei n.º 61/91 ou revogá-la, procedendo à incorporação dos princípios nela contidos e à inclusão das novas propostas legislativas contidas na iniciativa vertente.
Vejamos, então, as opções legislativas contidas no projecto de lei n.º 58/VIII:
Disposições gerais (artigos 1.º e 2.º)
O projecto de diploma em apreço acolhe, no fundamental, a definição do Conselho da Europa quanto ao conteúdo do termo violência sobre as mulheres, por forma a ficar claro que não são só as mulheres vítimas de crimes violentos a aceder à protecção e apoio constante das leis: beneficiam de protecção legal as mulheres vítimas de violência "ainda que nenhuma participação criminal tenha sido apresentada quando vítimas de qualquer acto, omissão ou conduta que lhes tenha infligido sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, directa ou indirectamente, atingido a sua dignidade humana, a sua liberdade ou autonomia sexual, a sua integridade física e psíquica, a sua segurança pessoal"
Medidas institucionais e organização administrativa
(Capítulo I)
O presente diploma propõe-se criar uma Comissão Nacional de Prevenção da Violência sobre as Mulheres, à semelhança do que acontece com a Comissão Nacional de Protecção às Crianças e Jovens em Risco, à qual foram atribuídas funções, nomeadamente de coordenação da prevenção e da protecção que funcionará na dependência dos Ministros da Justiça, da Igualdade e do Trabalho e da Solidariedade.
Esta comissão nacional visa planificar a intervenção do Estado e coordenar, acompanhar e avaliar a acção dos organismos públicos e da comunidade na protecção e apoio às mulheres vítimas de violência.
No artigo 5.º encontram-se elencadas as atribuições da comissão nacional, reconduzindo-se as mesmas a um papel consultivo, de coordenação e concertação.
A constituição da comissão nacional está prevista no artigo 6.º do projecto de diploma, incluindo a sua composição as seguintes entidades:
- Uma personalidade nomeada por despacho conjunto dos Ministros responsáveis, que será o presidente;
- Um representante da PCM (indicar pela Ministra da Igualdade);
- Um representante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade;
- Um representante do Ministério da Educação;
- Um representante do Ministério da Saúde;
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- Uma personalidade a indicar pelo PGR;
- Uma personalidade a indicar pelo Provedor da Justiça;
- Um representante a indicar pelo Provedor de Justiça;
- Um representante do Governo da Região Autónoma dos Açores;
- Um representante do Governo da Região Autónoma da Madeira.
Propõe-se ainda, no artigo 7.º e seguintes, a instituição em cada distrito e em cada região autónoma de uma Comissão de Protecção e Apoio às Mulheres Vítimas de Violência, a funcionar na dependência daqueles Ministros, sempre que necessário com um centro de atendimento, podendo, sempre que tal se justifique, ser criados núcleos de extensão da mesma.
A composição desta comissão segue de perto o modelo estabelecido na Lei n.º 144/99, embora com a ausência do tecido associativo.
As suas competências são também de carácter consultivo, informativo e de apoio.
A essas comissões foram cometidas atribuições nas seguintes áreas:
- Prevenção;
- Apoio às mulheres e ao agregado familiar;
- Atendimento (salvo se existirem centros de atendimento nos termos da Lei n.º 107/99, que serão integrados nestas comissões);
- Reinserção social do agressor.
No caso de inexistência destas comissões as suas funções ficam afectas ao Instituto de Reinserção Social.
Medidas de âmbito penal e processual penal (artigos 17.º a 20.º)
No respeitante ao artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, além de se alterar a natureza processual do tipo de crime de maus tratos contra o cônjuge (de crime semi-público para crime público), os proponentes alargam a sua tipificação por forma a contemplar situações como a de ex-cônjuges ou de pessoas que tivessem vivido em união de facto e, ainda, de pessoas que tenham em comum filhos. Nestes três casos o crime revestirá uma natureza semi-pública dado que depende de queixa, podendo o Ministério Público dar início ao procedimento se o interesse da vítima ou dos filhos menores de ambos o impuserem e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida acusação.
Julgamos que o alargamento deste tipo de crime às três situações supra descritas extravasa claramente o âmbito que o presente legislador penal quis conferir ao crime de maus tratos contra o cônjuge. Este tipo de crime distingue-se dos crimes de ofensas corporais tout court e autonomiza-se deste porque existe uma esfera privada e porque existe continuidade na agressão: o lar, espaço esse que, por ser de grande opacidade, manietava a defesa e segurança da vítima, ora nas situações referidas esse laço "espacio-geográfico" foi cortado, a coabitação deixou de existir, o perigo potencial de violência doméstica já não existe.
As agressões que possam vir a surgir devido ao relacionamento anterior poderão ser apreciadas com a devida relevância penal, à luz de outros tipos legais de crimes: ofensas corporais, ou injúrias etc. É certo que maus tratos não são ofensas corporais, maus tratos são ofensas corporais repetidas, e esse crime continuado ocorre quando existe coabitação se já não existe vínculo conjugal ou união de facto, essa vitimação continuada deixa eventualmente de existir.
Verifica-se ainda um lapso de redacção no artigo 17.º do projecto de lei, dado que se exige uma cumulação de maus tratos físicos e psíquicos (o "e" deverá ser substituído por "ou").
Prevê-se ainda a medida acessória de afastamento do condenado da residência da vítima, se não houver ou não se mantenha, a coabitação entre eles, pelo período de dois anos no caso de crime de maus tratos (artigo 18.º - vide artigo 16.º da Lei n.º 61/91 (Medidas de coacção).
Admite-se a suspensão provisória do processo a requerimento do ofendido mediante concordância do juiz de instrução (artigo 19.º, suspensão essa que não obsta à suspensão provisória prevista em termos gerais no artigo 281.º do Código Processo Penal - com as recentes alterações ao Código de Processo Penal, operadas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o artigo 281.º passou a permitir a suspensão provisória do processo para crimes com pena de prisão até cinco anos, dispondo-se no novo n.º 4 que para apoio e vigilância do cumprimento das injunções e regras de conduta podem o juiz de instrução e o Ministério Público, consoante os casos, recorrer aos serviços de reinserção social, a órgãos de polícia criminal e às autoridades administrativas.
Dispõe-se ainda que, uma vez aplicada a medida de coacção ou medida de injunção de afastamento da residência, ou a pena acessória de afastamento da residência da vítima, e sempre que vítima e agressor tenham filhos menores comuns, o tribunal comunicará o facto ao tribunal competente para a regulação do exercício do poder paternal, a fim de que se proceda à regulação do poder paternal em conformidade com as medidas aplicadas.
Disposições finais (artigos 21.º e 22.º)
Prevê-se que a regulamentação do presente diploma seja efectuada no prazo de 90 dias e que a entrada em vigor no tocante à matéria penal e processual penal seja efectuada no dia seguinte à publicação.
III - Considerações finais
Na sociedade portuguesa verifica-se a mesma tendência que nas outras sociedades ocidentais: a família alargada foi substituída pela família nuclear, com as consequentes mudanças ao nível dos papéis e dos estatutos dos seus membros. A dimensão do grupo familiar diminui, a família nucleariza-se, a privatização aumenta. Os electrodomésticos tornam-se habituais e o trabalho da mulher é menos pesado. Mas poucos são ainda os estudos sobre a família portuguesa que ajudam a perceber em que medida a organização interna da família é afectada pela modernização da vida social.
Tal como observa Luísa Ferreira da Silva - in Análise social, volume XXVI, 1991, 385-397 -, "a par da modernidade mantêm-se aspectos da mentalidade tradicional relativamente ao poder familiar de uso da força física". Com efeito, a estrutura familiar portuguesa continua a compreender o direito/dever dos pais punirem fisicamente os filhos. E, no que respeita ao acto de bater na esposa, ele não é considerado um acto desviante. "Sabe-se" que é relativamente frequente. O senso comum sobre esta questão fica bem representado pela frase: "Isso era dantes; as mulheres de agora levam muito pouca pancada", expressão que reconhece a mudança, ao mesmo tempo que reafirma a continuidade da tradição.
Tal como decorre da maioria dos estudos feitos sobre este assunto, a sociedade portuguesa, ainda fortemente assente sobre os valores tradicionais da família, mas impelida para
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uma ideologia de modernidade pós-industrial, é reveladora da contradição entre, por um lado, a tendência para a rejeição de um comportamento incoerente com os novos valores afirmados, e, por outro, a sua manutenção como suporte da estrutura social.
A questão da violência contra as mulheres não deve ser dissociada das transformações profundas que nos últimos anos se têm feito sentir ao nível dos processos sociais e dos modelos familiares, nomeadamente no que se refere ao papel social e familiar da mulher e às desigualdades entre os sexos, profundamente enraízadas no corpo social em que essas mudanças se operam.
A violência dos homens contra as mulheres constitui uma forma de exercício do poder e de preservação do status, podendo à virilidade e poder associar-se agressividade e violência.
Este tipo de violência que vivifica no seio da célula familiar só se tornou evidente depois de largos séculos de indiferença. As reacções começaram a fazer sentir-se, por um lado, no séc. XIX, com as progressivas necessidades de nuclearização do casal e da procura da intimidade e, por outro, nos anos 70 pelos movimentos feministas que contribuíram para a emergência social do tema, colocando sobretudo a tónica na violência dos homens contra as mulheres.
Contudo, rapidamente outro tipo de violências ganhou visibilidade, nomeadamente a exercida sobre as crianças e os idosos, onde, além dos homens, também as mulheres se assumiram como protagonistas relevantes.
Segundo as últimas estatísticas fornecidas pelo Ministério da Justiça (1998), foram constituídos 147 arguidos pelo crime p.p no artigo 152.º do CP, mas destes só 52 foram efectivamente condenados tendo ocorrido 69 desistências e 18 absolvições e três casos de prescrição do procedimento criminal (maus tratos, sobrecarga de menores ou entre cônjuges).
Quanto aos maus tratos entre cônjuges, foram constituídos somente 20 arguidos, tendo sido condenados 10. Ocorreram nove desistências e uma absolvição. Dessas agressões nove foram praticados pelo cônjuge do sexo masculino e uma pelo cônjuge do sexo feminino.
Ainda há relativamente pouco tempo foi alterado o direito penal primário (Código Penal) e o consenso gerado em torno do artigo 152.º - vide debate da proposta de lei n.º 271/VII, que aprova o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal (in DAR I Série n.º 84, de 13 de Maio de 1999; vide também debate da proposta de lei n.º 160/VIII, que altera o Código Penal, in DAR I Série n.º 48, de 13 de Março de 1998 - somente permitiu a alteração da natureza processual deste tipo legal (crime semi-público). Decorridos cerca de 22 meses a após esse debate as propostas aqui consubstanciadas incidem não somente na alteração da natureza processual do crime de maus tratos entre cônjuges mas também no alargamento de tipo legal para situações que extravasam a violência conjugal em sentido restrito, apontando os proponentes para situações em que a coabitação cessou. Esta terceira categoria ultrapassa toda a teoria penal.
São recentes as alterações ao Código Penal (artigo 152, n.º 2) e ao Código de Processo Penal (artigo 200.º) - afastamento do agressor da residência, pelo que nem sequer existe jurisprudência que permita avaliar as novas fórmulas consensualmente adoptadas.
Mas não se pense que a publicização dos crimes de violência contra as mulheres é matéria pacífica.
Na reunião ocorrida no dia 10 de Janeiro de 2000, na sala do Senado, promovida pelo BE, sobre estas matérias esteve patente que existe alguma reserva por parte de certas associações quanto à publicização. Entendem que esta medida por si só nada resolve. Dever-se- ia antes optar por responsabilizar o MP, as assistentes sociais, psicólogos para a utilização dos mecanismos legais existentes e para uma estratégia de prevenção junto das crianças por forma a quebrar o ciclo de violência.
Sem o poder de autoridade exercido pelas forças da ordem e das instâncias judiciais e sem estratégias de prevenção, as mulheres jamais encontrarão a protecção de que necessitam nem os autores do actos de violência as sanções que merecem, embora se deva sempre insistir na reeducação dos agressores, à semelhança do que tem sido defendido na Conferência de Viena de 1998.
Parecer
Atentas as considerações produzidas somos de parecer que projecto de lei n.º 21/VIII reúne os requisitos constitucionais, legais e regimentais necessários, pelo que está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade.
Assembleia da República, 11 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Joaquim Sarmento - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, CDS-PP, PCP e BE).
PROJECTO DE LEI N.º 62/VIII
REFORMA DOS IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO
À reforma dos impostos sobre o rendimento, de 1989, presidia o espírito de mais simplicidade, eficiência e eficácia do sistema tributário e, fundamentalmente, de maior equidade e justiça fiscal.
Porém, logo desde o início com os governos do PSD e mais recentemente com o Governo do PS, esse espírito foi progressivamente violado, quer pela via do favorecimento dos rendimentos e aplicações de capital, quer por políticas de privilégios ilegítimos através da concessão de benefícios fiscais, quer, ainda, pelo laxismo com que (não) foi encarada a crescente fraude e evasão fiscal.
O diagnóstico da situação a que chegou o sistema fiscal português é publicamente conhecido: a repartição da carga fiscal é profundamente iníqua, penalizando os rendimentos do trabalho dependente e privilegiando os rendimentos de capital. A carga fiscal é excessiva e injusta para os contribuintes cumpridores, os rendimentos de capital vivem num paraíso fiscal, a evasão e os benefícios fiscais atingem proporções insustentáveis.
Mas não só o diagnóstico é conhecido. Também o são as soluções. Contam-se por mais de uma dezena os relatórios oficialmente elaborados para dar resposta e conteúdo a uma reforma fiscal. Começando pelo relatório (publicado em Abril de 1996) da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal presidida pelo Dr. Silva Lopes, passando pelo relatório (publicado em 1998) da Comissão "de revisão do IRS" presidida pelo Prof. Doutor Rogério Fernandes Ferreira e por vários relatórios sobre diversos outros impostos, e acabando no "projecto de reforma da tributação do património",
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publicado em 1999 e elaborado por uma comissão presidida pelo Dr. Medina Carreira.
Pouco ou nada há, pois, para descobrir. Tal como, no plano das soluções técnicas, qualquer "síntese das sínteses" só serve para justificar mais atrasos e adiamentos.
O que há é opções políticas a fazer, a urgência em decidir e a necessidade de concretizar.
Mas a verdade é que todos esses relatórios, pareceres e propostas têm sido aprisionados e congelados pela ausência de vontade política dos governos e pela falta de coragem política para afrontar grupos de interesses ilegítimos.
O PCP nunca se conformou, e não se conforma, com este estado de coisas. Por isso, e ao longo de anos, tem vindo repetidamente a apresentar propostas concretas, em sede dos vários Orçamentos do Estado, para que se concretize a tão necessária quanto urgente reforma fiscal.
Também por isso o PCP apresenta, agora, este projecto de lei de reforma dos impostos sobre o rendimento.
A opção por dar prioridade aos impostos sobre o rendimento assenta no facto de ser neste âmbito que mais gritante é a política de "favores fiscais" que tem vindo a ser seguida e por ser nesses impostos que tal política mais gravemente afecta o princípio da igualdade e da justiça fiscal.
Neste projecto de lei privilegiamos o alargamento das bases de tributação, a opção por uma política de restrição dos benefícios fiscais (bases indispensáveis para promover uma moderação das taxas dos impostos a curto prazo) e o combate à fraude e à evasão fiscais.
Do conjunto de propostas constantes do presente projecto de lei, destacamos:
1 - No plano da luta contra a fraude e a evasão fiscais:
- O alargamento do acesso das autoridades fiscais às informações protegidas pelo sigilo bancário;
- A inversão do ónus da prova para as empresas que, em três anos consecutivos, declarem prejuízos ou resultados fiscais nulos;
- A redução do período para reporte de prejuízos e a exclusão da dedução aos lucros da actividade normal da empresa das perdas de capital imputadas a menos-valias mobiliárias;
- A revogação dos benefícios fiscais concedidos às actividades financeiras nas zonas francas;
- A aplicação de regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação dos rendimentos líquidos das profissões liberais e dos comerciantes e industriais em nome individual;
- A alteração do regime tributário dos pagamentos em espécie e das vantagens acessórias, designadamente das formas indirectas de remuneração de que usufruem os titulares de funções de administração, direcção ou gerência de pessoas colectivas com finalidades lucrativas, e a assunção da presunção de remuneração pelo exercício daquelas funções;
- A consideração como proveitos de todas as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que respeitam;
- A consagração do princípio da presunção de rendimentos pelo exercício de determinadas funções e nas operações entre uma sociedade e os seus sócios, administradores ou gerentes;
- A explicitação de rendimentos que, por o não estarem de forma clara, têm fugido à incidência de tributação;
- A melhor precisão do que se entende por "não residentes".
2 - No plano do alargamento da base tributária e de uma mais justa repartição da carga fiscal:
- A tributação efectiva dos resultados das instituições bancárias e seguradoras, eliminando as benesses afrontosas de que actualmente beneficiam sem qualquer justificação económica, designadamente no âmbito das provisões e das relações entre as sedes e as sucursais;
- A revogação do regime de excepção concedido às mais-valias mobiliárias, decorrentes da alienação ou troca das quotas ou acções de que são titulares as sociedades gestoras de participações sociais;
- A eliminação de múltiplos benefícios fiscais concedidos a rendimentos e operações financeiras;
- A eliminação de privilégios ilegítimos concedidos aos rendimentos provenientes de dividendos e juros, bem como a eliminação da possibilidade de distribuição de lucros pela via de alegados juros de suprimentos;
- A sujeição a tributação de todos os ganhos cambiais;
- O estabelecimento do princípio do englobamento dos rendimentos para efeitos fiscais, acabando com as taxas liberatórias que beneficiam os mais elevados rendimentos;
- A eliminação do privilégio concedido às mais-valias geradas na transmissão onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, submetendo esses ganhos ao regime geral de tributação;
- A fixação da dedução específica pelos rendimentos do trabalho em 80% de 12 vezes o valor mensal do salário mínimo nacional mais elevado;
- A alteração da tabela de taxas do IRS, reduzindo de forma degressiva a carga fiscal sobre os contribuintes e introduzindo-lhe uma maior progressividade;
- A consagração de um regime optativo de tributação separada dos cônjuges casados e não separados judicialmente de pessoas e bens.
Com a apresentação deste projecto de lei o PCP visa contribuir activamente para a reforma fiscal de que o País necessita e a justiça social impõe e forçar que essa reforma se concretize a curto prazo.
Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei de reforma dos impostos sobre o rendimento:
I - Código do IRS
Artigo 1.º
Alterações a artigos do CIRS
É alterada a redacção dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 10.º, 11.º, 17.º, 19.º, 23.º, 25.º, 26.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 46.º, 47.º, 48.º, 51.º, 54.º, 71.º, 74.º, 75.º, 80.º-C, 91.º, 92.º e 94.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e são aditados ao mesmo Código os artigos 1.º-A, 1.º-B, 2.º-A, 12.º-A, 25.º-B, 26.º-A e 93.º-A, nos termos seguintes:
"Artigo 1.º
Base do imposto
1 - O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) incide sobre o valor anual do rendimento obtido
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pelo respectivo titular, depois de efectuadas as deduções e os abatimentos legalmente previstos.
2 - O valor anual do rendimento sujeito a IRS é constituído:
a) Pelos rendimentos integrados nas seguintes categorias, ainda que sujeitos a taxas liberatórias ou a taxas especiais:
Categoria A - rendimentos do trabalho dependente;
Categoria B - rendimentos do trabalho independente;
Categoria C - rendimentos comerciais e industriais;
Categoria D - rendimentos agrícolas;
Categoria E - rendimentos de capitais;
Categoria F - rendimentos prediais;
Categoria G - mais-valias;
Categoria H - pensões;
Categoria I - outros rendimentos.
b) Pelos rendimentos imputáveis em conformidade com os regimes especiais da contitularidade, transparência fiscal e regimes fiscais privilegiados e outros que a lei consagre;
c) Pelos rendimentos resultantes da extinção de benefícios fiscais por verificação da condição resolutiva, quando estes tenham consistido em abatimentos ou deduções ao rendimento.
3 - Os rendimentos, quer em dinheiro quer em espécie, ficam sujeitos a tributação, seja qual for o local onde se obtenham, a moeda e a forma, incluindo a confidencial ou não documentada, por que sejam auferidos.
Artigo 1.º-A
Presunções gerais de rendimento
1 - Sem prejuízo da adopção do princípio da tributação do rendimento real como princípio fundamental da tributação em IRS, presumem-se susceptíveis de gerarem rendimentos sujeitos:
a) As prestações de trabalho pessoal, incluindo o exercício de funções de administração, direcção ou gerência, a entidades que prossigam finalidades lucrativas, bem como a cessão de bens ou direitos, incluindo a cessão da posição contratual, previstos nas diversas categorias;
b) As operações entre uma sociedade e os seus sócios, administradores ou gerentes, ou com os de outra sociedade que com ela esteja em relação de domínio, de grupo ou de simples participação, independentemente da sua localização, assim como com qualquer pessoa ligada àqueles por vínculo de parentesco ou de afinidade.
2 - As presunções previstas no número anterior são ilidíveis pelas formas previstas no n.º 5 do artigo 7.º.
Artigo 1.º-B
Qualificação de rendimentos
Na qualificação dos rendimentos sujeitos a tributação, designadamente nos rendimentos de capitais, prevalecerá, em caso de dúvida, o princípio da prevalência da substância sobre a forma.
Artigo 2.º
Rendimentos da categoria A
1 - (...):
a) (...);
b) Trabalho prestado ao abrigo de contrato de aquisição ou de prestação de serviços ou outro de idêntica natureza, sob a autoridade e a direcção da pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito activo na relação jurídica dele resultante;
c) (...);
d) Situações de pré-reforma com prestação de trabalho estabelecida de acordo com o regime do Decreto-Lei n.º 261/91, de 25 de Julho, de pré-reforma, com ou sem prestação de trabalho, estabelecido fora daquele regime, de pré-aposentação com prestação de trabalho ou de reserva;
e) De prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social aplicáveis para a passagem à situação de reforma, ou, mesmo que não subsista o contrato de trabalho, se mostrem subordinadas à condição de serem devidas até que tais requisitos se verifiquem, ainda que, em qualquer dos casos anteriormente previstos, sejam devidas por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora, excepto quando, verificando-se a extinção do contrato de trabalho, o titular dos rendimentos seja colocado numa situação equivalente à de reforma segundo o regime de segurança social legal ou convencional que lhe for aplicável.
2 - (...)
3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:
a) (...);
b) (...);
c) Os benefícios ou regalias auferidos pela prestação ou em razão da prestação do trabalho dependente, designadamente:
1) (...);
2) O subsídio de refeição na parte que exceder em 50% o limite legal estabelecido;
3) (...);
4) (...);
5) (...);
6) A atribuição do direito de aquisição de viatura, quando exercido pelo trabalhador, ainda que por interposta pessoa.
d) (...);
e) As ajudas de custo na parte em que excedam em 50% os limites legais, as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que excedam os limites legais, e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício;
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f) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação da relação jurídica de trabalho subordinado, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no n.º 4;
g) (...);
h) As gratificações, prémios ou quaisquer subsídios, auferidos pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídos pela respectiva entidade patronal ou quando atribuídos ao trabalhador, ou a pessoa a ele ligada por vínculo de parentesco ou de afinidade, por outra entidade que esteja em relação de domínio, de grupo ou de simples participação, independentemente da sua localização, com a entidade patronal.
4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 mas sem prejuízo do disposto na alínea e) do mesmo número quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista ou se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente de pessoa colectiva, as importâncias recebidas a qualquer título ficam sempre sujeitas a tributação na parte que exceda o valor médio da remuneração mensal fixa e permanente dos últimos 12 meses, correspondente a um mês e meio multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 12 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional, incluindo os resultantes de contratos de prestação de serviços, de intermediação ou de agência, com a mesma entidade ou com outra que com ela esteja em relação de domínio, de grupo ou de simples participação, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.
5 - (...)
6 - Os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado, observando-se, na sua determinação quantitativa, os regimes legais daqueles.
7 - (...)
8 - (...)
9 - (...)
10 - Não obstante o disposto na alínea c) do n.º 3, são excluídos da tributação:
a) Todas as prestações relacionadas exclusivamente com acções de formação e valorização profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela empresa quer por entidades terceiras por conta daquela;
b) O benefício imputável à utilização e fruição de realizações de utilidade social e de lazer mantidas pela própria entidade patronal ou asseguradas por entidades terceiras, por conta daquela, observados que sejam os critérios do artigo 38.º do Código do IRC;
c) As vantagens acessórias que, não estando expressamente previstas como tributáveis, resultem de rendimentos imputados, não tenham carácter de habitualidade e sejam de valor anual total, por titular, inferior a duas vezes o valor mensal do salário mínimo nacional mais elevado.
11 - As remunerações em espécie consideram-se pagas ou colocadas à disposição do respectivo beneficiário no momento em que a entidade devedora despende as correspondentes importâncias, no momento em que aquele exerce o correspondente direito ou usufrui os bens ou serviços, consoante os casos.
Artigo 2.º-A
Presunção relativa a rendimentos da categoria A
1 - O exercício de funções de administração, direcção ou gerência de pessoas colectivas ou entidades equiparadas, com finalidades lucrativas, presume-se remunerado, entendendo-se que a remuneração é devida a partir do início efectivo de funções.
2 - A presunção prevista no número anterior é ilidível pelas formas previstas no n.º 5 do artigo 7.º.
Artigo 3.º
Rendimentos da categoria B
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Consideram-se também rendimentos desta categoria:
a) Quaisquer rendimentos, incluindo os resultantes de qualquer tipo de indemnizações, conexos com a actividade exercida, ou com a mudança do local do respectivo exercício, bem como os resultantes de contratos de prestações negativas;
b) (...)
c) (...)
d) As mais-valias provenientes da cessão onerosa de arrendamento e outros bens e direitos afectos, de modo duradouro, ao exercício da respectiva actividade, incluindo a afectação permanente daqueles a fins diferentes.
6 - (...)
7 - Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde que pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, ou, tratando-se de rendimentos em espécie, quando a entidade despende as correspondentes importâncias, no momento em que aqueles exercem o correspondente direito ou usufruem os bens ou serviços, consoante os casos, excepto quando o titular possua, ou seja obrigado a possuir, contabilidade organizada, caso em que, sem prejuízo das regras de retenção na fonte e de pagamentos por conta, o rendimento sujeito a tributação é determinado segundo o regime geral de determinação da matéria colectável previsto no Código do IRC.
Artigo 4.º
Rendimentos da categoria C
1 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (..)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)
i) (...)
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j) (...)
l) (...)
m) (...)
n) A cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial.
2 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) As importâncias atribuídas a empresários individuais a título de indemnização pela extinção, suspensão ou redução da sua actividade ou pela mudança do local do respectivo exercício, bem como quaisquer outros rendimentos conexos com a actividade exercida;
f) (...)
g) (...)
h) (...)
3 - (...)
4 - (...)
Artigo 5.º
Rendimentos da categoria D
1 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d( (...)
e) (...)
f) (...)
g) A cessão de exploração de actividades agrícolas, silvícolas ou pecuárias.
2 - (...)
Artigo 6.º
Rendimentos da categoria E
1 - Consideram-se rendimentos de capitais:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)
i) (...)
j) (...)
l) (...)
m) (...)
n) (...)
o )(...)
p) O ganho decorrente de operações de swaps cambiais, swaps de taxa de juro, swaps de taxa de juro e divisas e de operações cambiais.
q) Para efeitos da alínea anterior, os ganhos cambiais associados a valores mobiliários terão tratamento fiscal idêntico à mais-valia gerada pelo título que lhe está associado, enquanto os ganhos cambiais simples, derivados do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola ou os ganhos recorrentes, serão tributados como rendimentos da categoria C, sendo os restantes qualificados como mais-valias.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 - Os juros de suprimentos que excedam o resultante da aplicação da taxa Lisbor a 12 meses, com aplicação diária equivalente ao período do contrato, serão tributados na pessoa do sócio credor como se de efectivos lucros recebidos se tratasse.
Artigo 9.º
Rendimentos da categoria F
1 - (...)
2 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (revogada)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
3 - (...)
4 - (...)
Artigo 10.º
Rendimentos da categoria G
1 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (revogada)
2 - (revogado)
3 - (...)
4 -O ganho sujeito a IRS é constituído, sem prejuízo das regras de determinação do rendimento líquido, pela diferença entre o valor da realização e o valor de aquisição, líquido da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso.
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 - (...)
9 - (...)
10 - (...)
Artigo 11.º
Rendimentos da Categoria H
1 - Consideram-se pensões:
a) As prestações que, não sendo consideradas rendimentos de trabalho dependente, sejam devidas
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a título de pré-reforma, pré-aposentação, de pensões de aposentação ou de reforma, velhice, invalidez ou sobrevivência, bem como outras de idêntica natureza, e ainda as pensões de alimentos;
b) (...)
c) As pensões e subvenções não compreendidas nas alíneas anteriores, com excepção das pensões de preço de sangue previstas no Decreto-Lei n.º 404/82, de 24 de Setembro;
d) (...)
2 - (...)
3 - (...)
Artigo 12.º-A
Imputação objectiva de rendimentos
1 - Os rendimentos obtidos em situações de contitularidade serão imputados aos contitulares nos termos seguintes:
a) Tratando-se de rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, integrar-se-ão como rendimento líquido nas categorias C ou D, consoantes os casos;
b) Tratando-se de outros rendimentos, integrar-se-ão como rendimento bruto das respectivas categorias.
2 - Os rendimentos imputados aos sócios ou membros, que sejam pessoas singulares, das entidades previstas no artigo 5.º do Código do IRC, integrar-se-ão, como rendimento líquido, na categoria B no caso previsto na alínea b) do n.º 1 do e nas categorias C ou D nas demais situações previstas nesse artigo, conforme os casos, nos termos e condições dele constantes.
3 - Os rendimentos imputados aos sócios, que sejam pessoas singulares, das entidades previstas no artigo 57.º-B do Código do IRC integrar-se-ão, de harmonia com o regime nele estabelecido, com as necessárias adaptações, como rendimento líquido, nas categorias C ou D, nos casos em que a participação social esteja afecta ao activo de uma empresa comercial, industrial ou agrícola, respectivamente, ou na categoria E, nos demais casos.
Artigo 17.º
Rendimentos obtidos em Portugal
1 - Consideram-se obtidos em território português:
a) Os rendimentos do trabalho decorrentes de actividades nele exercidos, ou de serviços nele realizados ou utilizados, bem como de actos isolados nele praticados, de carácter científico, artístico ou técnico, ou de prestação de serviços prevista no n.º 4 do artigo 3.º, ou quando devidos por entidades que nele tenham domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável a que o pagamento seja imputável;
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (.,..)
i) (...)
j) (...)
l) (...)
2 - (...)
3 - (...)
Artigo 19.º
Imputação subjectiva de rendimentos
1- (...)
2 - (revogado)
3 - (...)
4 - (revogado)
Artigo 23.º
Rendimentos em espécie
1 -(...)
2 - Tratando-se de rendimentos de trabalho ou devidos em razão da existência de um contrato de prestação de serviços, de agência ou de intermediação, e sem prejuízo das regras específicas constantes dos números seguintes, a equivalência em escudos efectuar-se-á:
a) Pelo valor, incluindo impostos que o onerem, pago pela entidade devedora quando resultantes do fornecimento de bens ou serviços de terceiros;
b) Pelo valor de custo, incluindo os impostos que o onerem, de bens ou serviços da própria entidade devedora, sempre que estes não sejam susceptíveis de transmissão a terceiros;
c) Pelo valor de venda, incluindo os impostos que o onerem, de bens ou serviços da própria entidade devedora, sempre que estes sejam susceptíveis de transmissão a terceiros.
3 - (anterior n.º 2)
4 - No caso de empréstimos sem juros ou a taxa de juro reduzida, o rendimento em espécie corresponde ao valor anualmente obtido por aplicação ao respectivo capital da diferença entre a taxa de desconto do Banco de Portugal para os empréstimos destinados à aquisição, construção ou beneficiação de casa destinada a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, bem como para os empréstimos destinados a suportar despesas de saúde do sujeito passivo ou de membros do seu agregado familiar e a taxa LISBOR a 12 meses da data do contrato, nos restantes casos, e a taxa de juro que eventualmente seja suportada pelo beneficiário.
5 - No caso de exercício do direito de aquisição de viatura, o rendimento em espécie corresponde à diferença entre o valor determinado em conformidade com o disposto nas alíneas seguintes e o valor eventualmente pago pelo beneficiário:
a) Viatura nova: 100 % do valor de aquisição, incluindo os impostos inerentes à aquisição;
b) Viatura com um ano: 80 % do valor referido na alínea a);
c) Viatura com dois anos: 60 % do valor referido na alínea a);
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d) Viatura com três anos: 40 % do valor referido na alínea a);
e) Viatura com quatro ou mais anos: 20 % do valor referido na alínea a).
6 - Para efeitos do disposto no número anterior observar-se-à ainda o seguinte:
a) O valor de aquisição é sempre o correspondente valor de venda da viatura nova, seja qual for a modalidade de aquisição;
b) A idade da viatura conta-se da data da primeira matrícula;
c) A cada uma das percentagens previstas nas alíneas b) a e) acrescem 10 pontos percentuais se, nos 12 meses anteriores ao exercício do direito, a entidade atribuidora tiver suportado com a viatura despesas conservação de valor superior a 500 000$.
Artigo 25.º
Rendimentos do trabalho dependente: deduções
1 - Aos rendimentos brutos da categoria A deduzir-se-ão, até à sua concorrência, por cada titular que os tenha auferido, 80% de 12 vezes o valor mensal do salário mínimo nacional mais elevado.
2 - Se, porém, as contribuições obrigatórias para regimes de protecção social excederem o limite fixado no número anterior, aquela dedução será pelo montante total dessas contribuições.
3 - A dedução prevista no n.º 1 será elevada em 50%, até à concorrência dos rendimentos brutos, sujeitos e não isentos quando se trate de sujeito passivo cujo grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, seja igual ou superior a 60%.
4 - Aos rendimentos brutos da categoria A deduzir-se-ão, ainda:
a) As quotizações sindicais, pelas importâncias que não constituam contrapartida de benefícios relativos a saúde, educação, apoio à terceira idade, habitação, seguros ou segurança social, na parte em que não excedam 1% do rendimento bruto de cada titular que os tiver auferido, sendo acrescidas de 50%;
b) As quotizações para ordens profissionais, sempre que indispensáveis ao exercício da respectiva actividade exclusivamente por conta de outrem;
c) As indemnizações que o trabalhador tenha de pagar à sua entidade patronal por rescisão unilateral do contrato individual de trabalho sem aviso prévio em resultado de sentença judicial ou de acordo judicialmente homologado ou, nos restantes casos, a indemnização de valor não superior à remuneração de base correspondente ao aviso prévio.
Artigo 25.º-B
Determinação de rendimentos presumidos
Os rendimentos previstos no artigo 2.º-A serão anualmente fixados por portaria do Ministro das Finanças, tomado como referência, no todo ou em parte, as remunerações fixadas, segundo os respectivos regimes legais, para os gestores públicos, e outros factores de ponderação, nomeadamente a localização do exercício de funções.
Artigo 26.º
Rendimentos do trabalho independente: deduções
1 - Aos rendimentos brutos da categoria B deduzir-se-ão os seguintes encargos, quando conexos com a sua obtenção:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)
i) (...)
j) (...)
l) (...)
m) (...)
n) (...))
o) (...)
p) (...)
q) (...)
2 - (...)
3 - As amortizações e as mais-valias que se refere a alínea d) do n.º 5 do artigo 3.º, bem como o seu reinvestimento, reger-se-ão pelo disposto no Código do IRC.
4 - As despesas, incluindo as amortizações relativas a viaturas utilizadas no exercício da actividade profissional, devidamente documentadas, reduzem-se a 50% do seu custo efectivo.
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 - (...)
9 - (...)
Artigo 26.º-A
Determinação do rendimento líquido mediante contabilidade organizada
Sempre que o titular dos rendimentos possua, ou seja obrigado a possuir, contabilidade organizada, aplicar-se-á, na determinação do respectivo rendimento líquido, o disposto na Secção III do presente Capítulo, com as necessárias adaptações.
Artigo 41.º
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos da categoria G é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.
2 - (revogado)
Artigo 42.º
Valores de realização
1 - (...)
2 - Nos casos das alíneas a), b) e e) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa, acrescidos da sisa paga e das despesas inerentes e efectivamente suportadas e documentadas relativas à aquisição, ou,
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não havendo lugar àquela liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida, igualmente acrescidos das despesas inerentes e efectivamente suportadas e documentadas relativas à aquisição e registos.
3 - (...)
4 - (...)
Artigo 43.º
Valor de aquisição a título gratuito
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações, acrescido do imposto pago e das despesas efectivamente suportadas e documentadas relativas à aquisição e registos.
2 - Não havendo lugar à liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto, acrescido das despesas efectivamente suportadas e documentadas relativas à aquisição e registos.
Artigo 44.º
Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis
1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa, acrescido da sisa paga e das despesas efectivamente pagas e documentadas relativas à aquisição e registos.
2 - Não havendo lugar à liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto, acrescido das despesas efectivamente pagas e documentadas relativas à aquisição e registos.
3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de projecto, licenciamento, construção e registos, efectivamente suportados e documentados, se superior àquele.
4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.os 1e 2 deste artigo.
Artigo 46.º
Valor de aquisição a título oneroso de outros bens e direitos
No caso da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição quando efectuada a título oneroso, é constituído pelo preço pago pelo alienante, documentalmente provado, acrescido das despesas efectivamente suportadas e documentadas inerentes à aquisição e registos.
Artigo 47.º
Correcção monetária
1 - O valor de aquisição ou equiparado será corrigido por aplicação dos coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação.
2 - (...)
Artigo 48.º
Despesas e encargos
Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição corrigido nos termos do artigo anterior, acrescerão:
a) (...)
b) As despesas necessárias e efectivamente suportadas pelo alienante, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.
Artigo 51.º
Pensões
1 - Os rendimentos da categoria H de valor anual igual ou inferior a 1 480 000$, por cada titular que os tenha auferido, são deduzidos pela totalidade do seu quantitativo, até à concorrência do rendimento sujeito e não isento.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - Aos rendimentos brutos sujeitos da categoria H e até à sua concorrência deduzir-se-ão ainda, se o não tiverem sido a rendimentos da categoria A, as quotizações sindicais na importância em que não constituam contrapartida de benefícios relativos a saúde, educação, apoio à terceira idade, habitação, seguros ou segurança social, na parte em que não excedam 1% do rendimento bruto do respectivo titular, sendo majoradas em 50%.
Artigo 54.º
Deduções de perdas
1 - (...)
2 - O resultado líquido negativo apurado nas categorias B, C, e D pelos sujeitos passivos que possuam ou devam possuir contabilidade organizada serão dedutíveis aos rendimentos líquidos positivos da mesma categoria nos termos e prazos previstos no artigo 46.º do Código do IRC, na parte aplicável.
3 - O resultado líquido negativo apurado nas categorias B, C, e D pelos sujeitos passivos que não possuam ou não sejam obrigados a possuir contabilidade organizada, só poderá ser reportado aos dois anos seguintes àquele a que respeitam, deduzindo-se aos rendimentos líquidos da mesma categoria.
(anterior n.º 3 - revogado)
Artigo 71.º
Taxas gerais
1 - As taxas do imposto são as constantes da tabela seguinte:
Rendimento colectável
(contos) Taxas
(percentagem)
Normal (A) Média (B)
Até 700 ………………………………… 12 12,0000
De mais de 700 até 1200 ……………… 14 12,8333
De mais de 1100 até 2500 ……………… 25 19,1600
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De mais de 2500 até 3500 ………………
De mais de 3500 até 4500 ……………… 30
34 22,6571
25,7556
De mais de 4500 até 6400 ………………
Superior a 6400 ………………………… 37
42 29,0938
........
2 - (...)
Artigo 74.º
Taxas liberatórias
1 - (...)
2 - São tributados à taxa de 25%, com excepção dos rendimentos previstos na alínea a), que são tributados à taxa de 35%:
a) Os prémios de rifas, totoloto e jogo do loto, bem como de sorteios ou concursos;
b) Os prémios de lotarias, as apostas mútuas desportivas e o bingo;
c) Os rendimentos auferidos por não residentes em Portugal, relativos a:
i) Rendimentos do trabalho dependente e do trabalho independente, com excepção dos provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou de prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico;
ii) Remunerações derivadas de serviços de qualquer natureza realizados ou utilizados em Portugal, considerando-se como tais aqueles cujo devedor do correspondente rendimento seja uma entidade residente em território português ou nele esteja situado estabelecimento estável a que o respectivo pagamento seja imputável;
iii) Lucros colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, devidos por entidades sujeitas a IRC;
iv) Pensões.
3 - São tributados à taxa de 20% quaisquer rendimentos de capital auferidos por não residentes em Portugal não expressamente tributados a taxa diferente.
4 - São tributados à taxa de 15%:
a) Os rendimentos de capitais referidos na alínea m) do n.º 1 do artigo 6.º, auferidos por não residentes em Portugal;
b) As comissões por intermediação na celebração de quaisquer contratos e os rendimentos derivados de outras prestações de serviços referidos na alínea e) do n.º 1 do artigo 17.º, pagos ou colocados à disposição de não residentes em território português;
c) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência do sector industrial, comercial ou científico, auferidos por titulares originários não residentes em Portugal.
5 - (...)
6 - (revogado)
7 - (revogado)
Artigo 75.º
Taxa especial - mais-valias
1 - (revogado)
2 - (revogado)
3 - As gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação de trabalho por conta de outrem, quando não atribuídas pela entidade patronal nem por entidade que com esta mantenha relações de grupo, domínio ou simples participação, independentemente da sua localização, são tributadas autonomamente à taxa de 15%.
Artigo 80.º-C
Crédito de imposto por dupla tributação económica
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o crédito do imposto será calculado com base no IRC efectivamente pago pelas sociedades que geraram esses lucros.
Artigo 91.º
Retenção na fonte - regras gerais
1 - Nos casos previstos nos artigos 92.º a 94.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte é obrigada, no acto do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respectivo quantitativo, consoante os casos, ou, tratando-se de comissões ou quaisquer outros rendimentos devidos pela intermediação na celebração de quaisquer contratos e de serviços prestados ou utilizados em território português, no acto do seu pagamento ou colocação à disposição, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses actos ocorrem.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
Artigo 92.º
Retenção sobre rendimentos das categorias A e H
1 - As entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente, com excepção dos rendimentos em espécie, e de pensões, com excepção das de alimentos, são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares.
2 - (...)
3 - Nos casos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 e na segunda parte do n.º 3 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º, bem como nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º, considera-se, para todos os efeitos legais, como entidade devedora
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dos rendimentos aquela que os pagar ou colocar à disposição do respectivo beneficiário.
4 - (...)
Artigo 93.º-A
Pagamento por conta sobre rendimentos em espécie
1 - As entidades devedoras de rendimentos em espécie são obrigadas a entregar nos cofres do Estado, nos termos e prazos previstos no artigo 92.º, uma importância correspondente a 10% do valor equivalente em numerário desses rendimentos.
2 - O imposto assim pago tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final pelo beneficiário, sendo-lhe ainda aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 21.º no que respeita ao englobamento.
3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável a prémios oferecidos em quaisquer jogos, sorteios ou concursos, caso em que a respectiva tributação é efectuada nos termos previstos no artigo 94.º.
4 - Ao pagamento por conta sobre rendimentos em espécie aplica-se o regime dos artigos 20.º e 96.º.
Artigo 94.º
Retenção sobre rendimentos de outras categorias
1 - As entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras, das taxas de 15%, tratando-se de rendimentos das categorias E e F, ou de 20% tratando-se de rendimentos da categoria B ou de comissões ou quaisquer outros rendimentos devidos pela intermediação na celebração de quaisquer contratos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Estão sujeitos a retenção na fonte à taxa de 20%:
a) Os rendimentos de acções, nominativas ou ao portador;
b) Os juros de depósitos à ordem ou a prazo;
c) Os rendimentos de títulos de dívida, nominativos ou ao portador, bem como os rendimentos de operações de reporte, cessões de crédito, contas de títulos com garantia de preço ou de outras operações similares ou afins;
d) Os rendimentos a que se referem a alínea p) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 6.º.
3 - (...)
Artigo 2.º
Regime transitório
O disposto no n.º 4 do artigo 23.º só é aplicável aos empréstimos contraídos ou utilizados após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 3.º
Obrigações legislativas no âmbito do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
Fica o Governo obrigado, no prazo de 90 dias:
1 - A regulamentar a aplicação de regimes indirectos, simplificados e objectivos, de determinação dos rendimentos líquidos das categorias B, C e D, tendo presente o seguinte âmbito e extensão:
a) Os regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação dos rendimentos líquidos, basear-se-ão em índices e módulos estabelecer por cada tipo de actividade exercida, susceptíveis de ponderações diversas consoante a localização e número de anos de exercício das respectivas actividades;
b) Serão definidos por lei as actividades sujeitas aos regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação rendimento líquido, bem como os índices de conversão de rendimentos brutos em rendimento líquido e os módulos, que consistirão sempre em elementos objectivos, nomeadamente pessoal assalariado, pessoal não assalariado, áreas utilizadas, número de veículos utilizados e energia eléctrica consumida, consoante a natureza da actividade exercida;
c) Nos regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação do rendimento líquido nunca poderão ser apurados rendimentos líquidos negativos;
d) Não poderão estar sujeitos aos regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação dos rendimentos líquidos os titulares que optem por possuir, possuam ou devam possuir contabilidade organizada, mas nestes casos, se houver lugar à aplicação de métodos indiciários, nunca poderá por esta via apurar-se um valor de rendimento líquido inferior àquele que seria apurado se o titular estivesse sujeito àqueles regimes;
e) Os regimes indirectos, simplificados e objectivos de determinação do rendimento líquido serão regulamentados no sentido de servirem, simultaneamente, a determinação do IVA que deva ser pago pelos titulares de rendimentos a ele sujeitos.
2 - A incluir expressamente como vantagens acessórias tributáveis no âmbito dos rendimentos do trabalho, generalizando a qualificação às prestações da mesma natureza atribuídas a pessoas ligadas por vínculo de parentesco ou de afinidade que, a qualquer título, prestam serviço às entidades devedoras, definindo, ao mesmo tempo, o momento em que o imposto se toma exigível e os critérios de quantificação do rendimento sujeito:
a) Atribuição do uso de viatura, distinguindo-se para efeitos de rendimento imputado entre uso exclusivamente particular e uso simultaneamente particular e ao serviço da entidade atribuidora;
b) Pagamento de férias, bem como de viagens e deslocações que não sejam ao serviço da entidade que suporta os encargos;
c) Os montantes atribuídos e efectivamente despendidos, mediante atribuição de cartões de crédito ou de débito, de que não sejam prestadas contas, nos termos legais, como despesas de representação;
d) Os ganhos resultantes de acordos de opções sobre acções, obrigações ou quaisquer outros
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valores mobiliários ou direitos equiparados, celebrados pela entidade titular do contrato individual de trabalho, de contrato equiparado, ou de contrato de prestação de serviços, ou por outra que com ela esteja em relação de domínio, de grupo ou de simples participação, independentemente da sua localização territorial;
e) Os prémios de seguros pagos pela entidade patronal de que sejam beneficiários os sócios, administradores, directores, gerentes ou quaisquer outros trabalhadores da empresa e que actualmente se não encontrem incluídos no regime consagrado no n.º 3 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º, com excepção dos seguros de doença e de acidentes pessoais abrangidos pelo regime previsto no artigo 38.º do Código do IRC, sujeitando-os a tributação, como rendimento em espécie, no momento do seu pagamento.
3 - A consagrar um regime optativo de tributação separada dos cônjuges casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, estabelecendo, para o efeito:
a) O conceito relevante de agregado familiar;
b) As regras de imputação dos rendimentos e dos encargos necessários à sua obtenção;
c) A não comunicabilidade de perdas entre cônjuges;
d) Os critérios de imputação de abatimentos, benefícios fiscais. e deduções à colecta, com natureza de elementos pessoalizantes do imposto;
e) As regras relativas ao procedimento declarativo, incluindo o modo de exercício da faculdade de opção pela tributação separada;
f) A natureza definitiva ou temporária da opção pela tributação separada e as consequências da opção durante o período em que for considerada irrevogável, bem como as consequências da revogabilidade da opção;
g) A responsabilidade pela dívida de imposto liquidado a cada um dos cônjuges.
4 - A alterar o Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, em conformidade com as decorrências resultantes das alterações efectuadas ao Código do IRS.
II - Código do IRC
Artigo 4.º
Alterações a artigos do Código do IRC
Os artigos 33.º, 41.º, 46.º, 51.º, 62.º e 72.º do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 33.º
Provisões fiscalmente dedutíveis
1 - (...):
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) As que, de harmonia com os limites mínimos obrigatórios impostos pelo Banco de Portugal e após aceitação pela administração fiscal, tiverem sido constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com sede em outro Estado membro da União Europeia, bem como as que, igualmente após aceitação pela administração fiscal, tiverem sido constituídas de harmonia com os limites mínimos impostos pelo Instituto de Seguros de Portugal às empresas submetidas à sua fiscalização, incluindo as provisões técnicas que as empresas seguradoras se encontram legalmente obrigadas a constituir;
e) (...)
f) (...)
2 - As provisões a que se refere o número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos das expressamente previstas neste artigo considerar-se-ão proveitos do respectivo exercício.
Artigo 41.º
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas de exercício:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)
i) (...)
j) (...)
l) Os juros dos suprimentos que excedam o resultante da aplicação da taxa Lisbor a 12 meses, com aplicação diária equivalente ao período do contrato.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
Artigo 46.º
Dedução de prejuízos fiscais
1 - Os prejuízos fiscais da actividade normal apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos quatro exercícios posteriores.
1-A - O Ministro das Finanças pode autorizar que os prejuízos fiscais apurados nos primeiros três anos de existência da sociedade, por resultarem de investimentos significativos de reconhecido interesse económico, e mediante requerimento a apresentar na Direcção-Geral dos Impostos antes do fim do referido prazo, possam ser deduzidos aos
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lucros tributáveis de um ou mais dos seis exercícios seguintes.
1-B - As perdas de capital resultantes de menos-valias na alienação de partes sociais, de menos-valias mobiliárias e de menos-valias sofridas em contratos financeiros baseados em acções, só podem ser compensadas com ganhos da mesma categoria.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - O previsto no n.º 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi alterada, com ou sem modificação do objecto social, de forma substancial a natureza da actividade anteriormente exercida, sendo essa alteração obrigatoriamente comunicada à respectiva direcção de finanças, até ao fim do mês seguinte à sua efectivação.
8 - (...)
Artigo 51.º
Aplicação de métodos indiciários
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Para efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1, considera-se que existem indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, nomeadamente quando o contribuinte apresente, durante três exercícios consecutivos, prejuízos fiscais ou resultados fiscais nulos e, previamente notificado, não demonstre a sua veracidade no prazo de 30 dias após essa notificação.
Artigo 62.º
Regime especial aplicável às fusões e cisões de sociedades residentes
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - O Ministro das Finanças, quando a fusão se revista de interesse para o adequado redimensionamento das unidades económicas, tendo efeitos positivos na estrutura produtiva, e desde que nenhuma sociedade interveniente tinha mudado de controlo nos últimos 12 meses, pode autorizar, a requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial, que os prejuízos fiscais das sociedades fundidas possam ser deduzidos dos lucros tributáveis na nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no n.º 1 do artigo 46.º, contado do exercício a que os mesmos se reportam, podendo, não obstante, ser fixado no despacho de autorização um plano específico de dedução de modo que os prejuízos a deduzir em cada exercício não ultrapassem determinado limite.
Artigo 72.º
Crédito de imposto relativo à dupla tributação económica de lucros distribuídos
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - Para efeitos do disposto neste artigo, o crédito do imposto será calculado com base no IRC efectivamente pago pelas sociedades que geraram esses lucros.
Artigo 5.º
Tributação das instituições bancárias
Para além das disposições gerais do Código do IRC aplicáveis, a tributação das instituições bancárias respeitará os seguintes aspectos específicos:
1 - Os limites às provisões, para efeitos fiscais, serão os correspondentes aos mínimos impostos, com carácter de obrigatoriedade, por razões prudenciais pelo Banco de Portugal e aceites pela administração fiscal;
2 - As provisões relativas a riscos gerais de crédito, dedutíveis para efeito de cálculo do lucro tributável, serão limitadas a níveis fixados na lei;
3 - Não serão aceites para efeitos fiscais, designadamente:
a) As provisões para risco específico de crédito e as provisões para riscos gerais de crédito constituídas sobre créditos não resultantes da actividade normal;
b) As provisões para menos-valias de títulos e as provisões para menos-valias de outras aplicações na parte correspondente à dedução, ao preço de mercado ou ao valor de referência dos respectivos activos, dos encargos previsíveis com a sua alienação.
4 - Às provisões impostas pelo Banco Portugal aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 33.º do CIRC, que determina a reposição e consequente sujeição a imposto das provisões que tenham sido deduzidas para efeitos fiscais, mas que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que respeitam.
5 - Enquanto os bancos ou outras entidades financeiras mantiverem nas suas carteiras títulos beneficiados por isenções ou reduções da tributação sobre os respectivos rendimentos, serão definidos critérios que concretizem de forma clara o método de determinação dos custos dos fundos utilizados no financiamento das referidas carteiras, preferentemente com base no custo médio dos recursos do passivo e do capital próprio.
6 - Não será aplicada, enquanto subsistir, a isenção de IRC prevista no artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais a novas sucursais de instituições de crédito residentes instaladas nas zonas francas.
7 - Serão considerados residentes em território português, para efeitos de proibição da realização de operações com os mesmos pelas sucursais financeiras exteriores instaladas nas zonas francas, as sociedades residentes fora do território português em cujo capital participem, directa ou indirectamente, em mais de 50% sócios residentes em território português.
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8 - Só serão dedutíveis para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC das sucursais de instituições bancárias não residentes, os juros dos empréstimos concedidos pela sede que, acrescidos às dotações de capital, não ultrapassem o montante mínimo de fundos próprios que a sucursal deveria dispor se lhe fossem a aplicáveis as exigências de rácios de solvabilidade estabelecidos na regulamentação prudência do Banco de Portugal.
9 - Estabelecimento de normas regulamentadoras, clarificadoras das disposições do artigo 57.º do CIRC, definindo os elementos e limites dos custos financeiros debitados pela sede às sucursais de instituições bancárias estrangeiras instaladas em Portugal que poderão ser aceites para efeitos de cálculo do lucro tributável em IRC.
10 - Não serão aceites fiscalmente quaisquer consequências da afectação às sucursais de activos, incluindo a cessão de créditos, que não sejam considerados indispensáveis para a geração de lucros tributáveis ou para a manutenção da fonte de tais resultados sujeitos a imposto.
11 - Para efeitos fiscais, os créditos transferidos da sede ou de outras empresas do grupo para sucursais de instituições bancárias estrangeiras em território português serão avaliados a preços de mercado, não sendo fiscalmente admissíveis as transferências de determinados tipos de créditos, nomeadamente os créditos incobráveis e de cobrança duvidosa e os que não sejam relacionados com a actividade corrente e normal da sucursal de que se trate.
12 - Não serão dedutíveis as despesas imputadas às sucursais pela sede que não seriam aceites para efeito do cômputo do respectivo lucro das sucursais tributável em IRC se fossem realizadas directamente por estas.
13 - Estabelecimento, de forma clara e expressa, do regime de amortização de obras efectuadas pelas instituições bancárias em edifícios arrendados, designadamente definindo um período mínimo de vida útil, e de um sistema de controlo eficaz das retenções na fonte efectuadas pelas instituições bancárias para efeitos de impostos sobre o rendimento.
14 - O Governo regulamentará, no prazo de 90 dias, o disposto no presente artigo.
Artigo 6.º
Tributação de instituições seguradoras
Para além das disposições gerais do Código do IRC aplicáveis, a tributação das instituições bancárias respeitará os seguintes aspectos específicos:
1 - Considerar como possuindo um estabelecimento estável em Portugal, para efeitos fiscais, as instituições seguradoras que se dediquem a celebrar contratos de seguro que visem a cobertura de riscos localizados em território português, quando disponham de um agente para a cobrança de prémios.
2 - Os rendimentos derivados de activos representativos de provisões técnicas constituídas pela sede relativamente à actividade desenvolvida pela sua sucursal ou outra forma de estabelecimento estável situado em Portugal, na mesma proporção em que tais provisões tiverem sido aceites como custo para efeitos de IRC, deverá concorrer para a determinação do lucro tributável em IRC imputável a essa sucursal ou estabelecimento estável, ainda que tais activos não tenham sido afectos à sucursal ou ao estabelecimento estável.
3 - Às provisões impostas pelo Instituto de Seguros de Portugal aplicar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 33.º do CIRC, que determina a reposição e consequente sujeição a imposto das provisões que tenham sido deduzidas para efeitos fiscais, mas que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que respeitam.
4 - O Governo regulamentará, no prazo de 90 dias, o disposto no presente artigo.
Disposições comuns
Artigo 7.º
Acesso das autoridades fiscais às informações protegidas pelo sigilo bancário
1 - Para além das obrigações de informação à administração fiscal a que as instituições de crédito e outras entidades financeiras já estão obrigadas, os impedimentos do regime do sigilo bancário não deverão ser aplicados às informações solicitadas pela administração fiscal nas situações seguintes:
a) Quando haja inversão do ónus da prova, passando esta a recair nos termos da lei, sobre o contribuinte;
b) Quando o contribuinte tiver emitido ou utilizado facturas falsas;
c) Quando, em casos de reclamação, recurso ou impugnação, o acesso a informações protegidas pelo sigilo bancário for necessário para a instrução do processo;
d) Quando o contribuinte beneficie de regimes fiscais especiais e haja necessidade de controlar os respectivos pressupostos e condições de aplicação.
2 - Além das situações referidas no número anterior, será ainda permitido o acesso da administração fiscal às informações protegidas pelo sigilo bancário sempre que houver dúvidas fundadas sobre a veracidade das declarações apresentadas pelo contribuinte, mas exigindo-se que na decisão do Director-Geral dos Impostos se especifiquem as razões que levam a considerar a existência de dúvidas fundadas. O contribuinte terá possibilidade de recurso judicial, embora sem efeito suspensivo, quando considere que houve aplicação abusiva do conceito de dúvida fundada.
3 - A obtenção de informações cobertas pelo sigilo bancário fica sujeita a regras processuais claramente definidas na lei, em que se estabeleça nomeadamente que:
a) A administração fiscal só poderá obter informações protegidas pelo sigilo bancário junto de instituições de crédito e outras entidades financeiras depois de as ter solicitado ao contribuinte e desde que este não tenha podido ser notificado ou não tenha fornecido de forma satisfatória essas informações e os extractos bancários ou outros documentos que as comprovem dentro de um prazo fixado na lei;
b) As decisões de solicitar informações protegidas pelo sigilo bancário às instituições de crédito e outras entidades financeiras terão de ser tomadas pelo Director-Geral dos Impostos ou por quem legalmente o substitua, não podendo ser delegadas. Além de outros elementos, essas decisões deverão fundamentar a necessidade da obtenção daquelas informações e demonstrar a sua conformidade com as disposições legais aplicáveis. O contribuinte será informado dos termos da decisão do director-geral e poderá apresentar recurso
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judicial, mas este não terá efeito suspensivo, posto que ao processo deva ser dado carácter de urgência;
c) As instituições de crédito ou outras instituições a quem tenha sido solicitado o envio por escrito de informações protegidas pelo sigilo bancário, disporão de um prazo, a fixar na lei, para enviarem tais informações e deverão notificar o seu cliente do pedido das autoridades fiscais e das informações enviadas;
d) No caso de a recolha de informações protegidas pelo sigilo bancário se fazer directamente nas instalações de uma instituição de crédito ou outra entidade financeira, essa instituição deverá ser notificada com uma antecedência de, pelo menos, 15 dias sobre a data de tal recolha e fornecerá ao seu cliente a possibilidade de estar presente, ou de se fazer representar, enquanto ela decorrer;
e) As instituições de crédito ou entidades financeiras, e bem assim os respectivos gestores, nos casos em que não forneçam as informações abrangidas pelo sigilo bancário que lhes tenham sido solicitadas nos termos da lei, ficam sujeitas a penalidades correspondentes ao crime de desobediência qualificada;
f) Os funcionários da administração fiscal a quem vierem a ser atribuídas as tarefas de colheita, processamento ou guarda de informações cobertas pelo sigilo bancário deverão ter categoria hierárquica não inferior a determinado nível fixado na lei;
g) Os funcionários referidos na alínea anterior estão obrigados a dever de sigilo em relação às informações e documentos a que tenham acesso ou estejam confiados à sua guarda, sob pena de se sujeitarem a sanções disciplinares, civis ou criminais estabelecidas para os casos de violação do segredo fiscal.
4 - O Governo fica obrigado a regulamentar, no prazo de 90 dias, o disposto no presente artigo.
IV - Benefícios fiscais
Artigo 8.º
Alteração de artigos do Estatuto dos Benefícios Fiscais
Os artigos 20.º, 33.º e 49.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:
Artigo 20.º
Fundos de pensões
1 - São isentos de IRC os rendimentos dos fundos de pensões, constituídos de acordo com a legislação nacional.
2 - São isentos de imposto municipal de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, por avença, os fundos de pensões constituídos de acordo com a legislação nacional.
3 - (...)
Artigo 33.º
Mais-valias realizadas por entidades não residentes
1 - (actual corpo do artigo)
2 - O disposto do número anterior não se aplica:
a) Às mais-valias realizadas por entidades residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável conforme qualificação do n.º 2 do artigo 57.º-A;
b) Às mais-valias realizadas que sejam imputáveis a entidades que possuam estabelecimento estável em Portugal ou que sejam detidas, directa ou indirectamente, em mais de 25% por uma entidade residente em território português ou em que o total das participações, directas e indirectas, de entidades residentes em território português exceda 50%;
c) Às mais-valias resultantes da alienação de participações qualificadas que correspondam a mais de 10% dos direitos de voto.
Artigo 49.º-A
Incentivos fiscais ao investimento de natureza contratual
1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (revogado)
5 - (revogado)
6 - (revogado)
7 - (revogado)
8 - A concessão dos benefícios fiscais previsto no n.º 2, alíneas b) e c), será feita sem prejuízo do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, em particular do seu n.º 3.
Artigo 9.º
Revogação de artigos do Estatuto dos Benefícios Fiscais
São revogados os artigos 21.º-A, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 31.º, 32.º, 32.º-B, 34.º, 36.º, e 36.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho.
Artigo 10.º
Zona francas
São revogadas as alíneas c), d), f), g) e h) do n.º 1 e o n.º 12 do artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho.
Artigo 11.º
Sociedades Gestoras de Participações Sociais
É revogado o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro.
Artigo 12.º
Concentração de empresas
São eliminados os benefícios fiscais constantes dos seguintes diplomas legais:
Decreto-Lei n.º 447/85, de 25 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 251/86, de 25 de Agosto, artigo 12.º;
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Decreto-Lei n.º 168/87, de 18 de Abril;
Decreto-Lei n.º 168/90, de 24 de Maio.
Artigo 13.º
Obrigações legislativas no âmbito dos benefícios fiscais
Fica o Governo obrigado, no prazo de 90 dias, a:
a) Rever o regime fiscal das contas poupança-habitação, nos seguintes termos:
1) Estabelecendo que os referidos saldos passem a ser exclusivamente utilizados para aquisição de habitação no acto de celebração da respectiva escritura de compra e venda, sendo o seu uso certificado pelo notário ou entidade substituta;
2) Estabelecendo que as contas poupança-habitação não possam servir de base ao cálculo do montante a deduzir fiscalmente no caso de aquisição sem recurso ao crédito.
b) Rever o regime jurídico aplicável aos planos individuais de poupança-reforma (PPR) no sentido da introdução de maior rigor e controlo na sua constituição.
Palácio de São Bento, 6 de Janeiro de 2000. Os Deputados do PCP: Octávio Teixeira - Lino de Carvalho - Agostinho Lopes - António Filipe - João Amaral.
PROJECTO DE LEI N.º 63/VIII
ESTABELECE O PROCESSO DE SUJEIÇÃO A CONFIRMAÇÃO DE ACTOS DE LICENCIAMENTO DE OBRAS, LOTEAMENTOS E EMPREENDIMENTOS
Em matéria de princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, de regime de ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos e de regime do planeamento territorial e sua execução impõe-se que sejam respeitados os instrumentos para a sua concretização.
A classificação de Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional e a inserção de algumas áreas, pelas suas características, na Rede Natura 2000 conduzem à salvaguarda dos princípios ambientais protegidos pela Constituição da República, que naturalmente se sobrepõem a actos administrativos que os não respeitam.
Pretende-se a criação de mecanismos e formas institucionais de actuação que assegurem a compatibilidade entre a defesa do ambiente, os direitos dos cidadãos com os direitos dos particulares de modo a que a promoção do ordenamento do território tenha em vista a correcta localização das infra-estruturas e um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e valorização da paisagem.
Artigo 1.º
1 - As licenças de loteamento, de obras de urbanização e de construção, devidamente tituladas, designadamente por alvarás, ficam sujeitas a confirmação da respectiva compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes de plano regional de ordenamento do território ou do Plano Director Municipal, sempre que requerido por uma das partes interessadas.
2 - As licenças de loteamento, de obras de urbanização e de construção, devidamente tituladas, designadamente por alvarás, relativas a áreas incluídas designadamente na Rede Natura 2000, Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional ficam sujeitas a confirmação da respectiva compatibilidade com as regras legalmente impostas, sempre que requerido por uma das partes interessadas.
3 - A confirmação da compatibilidade é feita por decisão ou deliberação da entidade com competência para a gestão do instrumento de planeamento territorial em questão.
4 - Caso seja confirmada a compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo com o instrumento de planeamento territorial entende-se que os direitos resultantes das licenças referidas no n.º 1 não caducaram.
5 - As responsabilidades eventualmente geradas pela decisão ou deliberação de não confirmação de compatibilidade são reguladas pelas normas gerais e especiais reguladoras dos processos de licenciamento a que se refere o presente diploma.
Artigo 2.º
1 - A confirmação da compatibilidade é emitida no prazo de 90 dias.
2 - A ausência de decisão expressa no prazo referido no número anterior consubstancia uma declaração tácita de compatibilidade.
Artigo 3.º
A realização de obras de urbanização e de construção efectuadas em violação ao disposto do presente diploma é passível de embargo e demolição nos termos gerais da legislação do ordenamento do território.
Artigo 4.º
A confirmação da compatibilidade é válida pelo prazo de um ano, findo o qual caducam automaticamente todos os direitos derivados dos actos ou títulos objecto da confirmação que não possuam prazo de validade e que não tenham sido exercidas.
Artigo 5.º
O presente diploma em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, 7 de Janeiro de 2000. Os Deputados do PCP: Octávio Teixeira - Vicente Merendas - Joaquim Matias - Odete Santos.
PROJECTO DE LEI N.º 64/VIII
DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ
Exposição de motivos
A interrupção voluntária de gravidez (IVG) foi objecto de debate ao longo de vários meses na última legislatura. Foi
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mesmo aprovado, na generalidade, um projecto de lei que substituía a Lei n.º 4/84. Subitamente, o processo legislativo foi interrompido, dando lugar à decisão de realizar um referendo sobre a sua matéria substantiva, referendo esse que, como foi oficialmente estabelecido, não logrou efeito vinculativo devido ao facto de apenas 31,9% dos eleitores se terem pronunciado.
Algumas forças políticas sustentam a ideia de que após este referendo não haveria a possibilidade de retomar uma iniciativa legislativa nesta área. Especulou-se ainda acerca de um período de "nojo" para alterar a Lei n.º 4/84. Ora, a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar porque o referendo não teve consequência legal, e mesmo que o tivesse o início de uma nova legislatura atribui-lhe toda a competência.
O aborto clandestino e inseguro constitui uma violência sobre as mulheres.
A penalização do aborto priva as mulheres de exercerem na sua plenitude os seus direitos sexuais e reprodutivos e é, só por isso, uma questão política. A Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional de Planeamento Familiar afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro". A Plataforma de Acção de Pequim declara, no seu ponto 96, que "os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, discriminação ou violência". Os depoimentos que chegam através de linhas de atendimento a mulheres, sobre situações vividas perante uma gravidez que tiveram que interromper, mostram até que ponto se exerce todos os dias uma tal violência.
Sabemos também que o direito de escolher uma maternidade ou paternidade conscientes é limitado muitas vezes por condições sociais graves - problemas de habitação, discriminação do emprego com ameaça de desemprego por causa de gravidez e incapacidade económica de criar uma criança em ambiente de dignidade que lhe permita desenvolver o seu potencial humano. O facto da maternidade permanecer a principal causa de discriminação no emprego não é alheio à escolha que muitas mulheres são obrigadas a fazer, sendo nesse contexto penalizadas pelo facto de serem mães. Mas sabemos também que a interacção entre factores sócio-económicos e a escolha entre o aborto e uma gravidez evolutiva é complexa. Interromper uma gravidez não é apenas opção das mulheres com menores hipóteses económicas. Faz parte de um direito de opção que não pode ser negado.
Apenas 1 a 2% dos abortos realizados em Portugal são feitos de forma segura: estamos perante um grave problema de saúde pública.
Segundo as conclusões do forum organizado pela Plataforma Direito de Optar, realizado em 28 de Junho de 1999, estima-se que apenas 1 a 2% dos abortos realizados em Portugal são feitos ao abrigo da actual legislação, pelo que a margem de insegurança e ilegalidade em que se enquadram 98% dos casos de aborto não pode deixar de pesar sobre a premência de alterar a Lei n.º 4/84. No mesmo forum foi constatada a situação de cerca de 9 mil mulheres portuguesas terem abortado em clínicas espanholas, nos últimos seis anos.
A lei existente não previne o aborto clandestino, antes acarreta para as mulheres que optam pela IVG não só danos físicos de abortos feitos em condições deficientes de saúde mas também danos psicológicos agravados pela criminalização do acto praticado.
Todas as pessoas informadas sabem que não há nenhuma contracepção 100% eficaz, que é impossível assegurar, de momento, condições reais de escolha a toda a população e que no campo das escolhas reprodutivas há factores afectivos e sociais bivalentes que tornam difícil o uso da contracepção.
Manter em vigor uma lei que arrasta as mulheres para as redes da clandestinidade e insegurança, marcando de forma dramática as de menores recursos económicos que se sujeitam a formas quase artesanais de intervenção, reflecte uma falta de sensibilidade social e uma forma desumana de enfrentar este grave problema social e de saúde pública.
O direito da mulher a decidir: o Bloco de Esquerda defende o direito das mulheres decidirem da sua maternidade, e este direito tem de ser levado às últimas consequências sem pôr em perigo a vida das mulheres.
Os avanços no campo da ciência reflectem-se também nesta livre opção, quando em muitos países europeus se comercializa a pílula abortiva (RU) e já em Portugal se encontra à venda a chamada contracepção de emergência ou "pílula do dia seguinte", embora ainda não plenamente assumida pelo Serviço Nacional de Saúde, em termos de distribuição gratuita nos centros de saúde.
A contradição entre estes avanços e o quadro legislativo vigente coloca Portugal como o país mais atrasado da Europa nesta questão, à excepção da Irlanda.
De facto, diremos que uma sociedade que penaliza as mulheres por serem mães e também lhes impede a decisão de escolher ou não uma maternidade não é ainda uma sociedade digna do seu futuro.
Nestes termos, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
(Direito de optar)
Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência.
Artigo 2.º
(Exclusão de ilicitude do aborto)
O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
"1 - Não é punível o aborto efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, nas seguintes situações:
a) A pedido da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez;
b) No caso de existirem seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas com consentimento da mulher;
c) Sempre que exista perigo de vida para a mulher grávida ou de grave e irreversível lesão para a sua saúde física e psíquica e for realizado com o seu consentimento até às 16 semanas de gravidez;
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d) Sempre que existirem sérios indícios de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e for realizado, com consentimento da mulher grávida, nas primeiras 16 semanas, ou nas primeiras 24 semanas, no caso da vítima ser menor ou ser incapaz por anomalia psíquica;.
e) Quando se trate de grávida toxicodependente, desde que realizado, com o seu consentimento, nas primeiras 16 semanas de gravidez;
f) No caso de mulheres grávidas portadoras de HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) ou afectadas por este vírus, até às 24 semanas, se for esse o consentimento da mulher;
g) No caso de fetos inviáveis, a interrupção de gravidez poderá ser feita em qualquer idade gestacional;
h) Constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)"
Artigo 3.º
(Despenalização da conduta da mulher grávida)
O artigo 140.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:
"1 - (...)
2 - (...)
3 - (eliminado)"
Artigo 4.º
(Objecção de consciência)
1 - Os profissionais de saúde têm o direito de invocar objecção de consciência nos casos de interrupção de gravidez e o dever de encaminhar as utentes para outros profissionais de saúde dispostos a prestar o serviço solicitado.
2 - Este direito não é contemplado em casos de emergência para a vida da grávida.
3 - A objecção de consciência é manifestada em documento assinado e fundamentado pelo objector e entregue no respectivo serviço de saúde.
4 - No caso de se provar que o profissional objector de consciência pratica, fora dos serviços de saúde, o acto para o qual fundamentou a sua objecção, será punido com pena de prisão até dois anos.
Artigo 5.º
(Organização dos serviços de saúde)
1 - Em cada estabelecimento público de saúde de âmbito distrital deve ser organizado um serviço onde se realiza a interrupção de gravidez, nos casos previstos no artigo 2.º, ponto 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h).
2 - Sempre que um estabelecimento de saúde público não disponha de condições para a prática da interrupção da gravidez deve encaminhar as solicitações para o estabelecimento de saúde mais próximo, em tempo útil, de forma a não colocar em causa os prazos previstos na lei.
3 - Sempre que se realizar uma interrupção de gravidez o serviço de saúde deve fazer o acompanhamento da utente, em termos de planeamento familiar.
Artigo 6.º
(Dever de sigilo)
Os profissionais de saúde e restante pessoal dos estabelecimentos públicos ou convencionados em que se pratique interrupção de gravidez ficam vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento nas suas funções ou por causa delas relacionados com aquela prática, nos termos e nos efeitos do disposto nos artigos 195.º e 196.º do Código Penal, sem prejuízo das consequências estatutárias e disciplinares de infracção.
Artigo 7.º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.
Assembleia da República, 10 de Janeiro de 2000. Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Luís Fazenda.
PROJECTO DE LEI N.º 65/VIII
ALTERA A LEI N.º 38/98, DE 4 DE AGOSTO (ESTABELECE MEDIDAS PREVENTIVAS E PUNITIVAS A ADOPTAR EM CASO DE MANIFESTAÇÕES DE VIOLÊNCIA ASSOCIADAS AO DESPORTO)
Exposição de motivos
Os fenómenos de violência nos recintos desportivos têm vindo a suceder-se sem que os seus autores sejam punidos pelos actos praticados. O mesmo acontece com a presença nesses recintos de simbologia racista e xenófoba proibida por lei, mas cuja fiscalização e detenção tem sido ineficaz e inexistente.
A aprovação da Lei n.º 38/98 constituiu um passo positivo no sentido de prevenir estes fenómenos, mas a falta da sua aplicação e regulamentação, a menos de quatro anos da realização em Portugal do campeonato europeu de futebol, coloca o País na cauda da Europa nesta matéria. Também por isso a falta de vontade política na regulamentação da lei representa para o poder legislativo uma responsabilidade acrescida quando voltarem a ocorrer assassinatos dentro dos estádios de futebol ou nas imediações dos recintos desportivos.
Atendendo à necessidade, com a máxima urgência, da regulamentação da referida lei, esta proposta de alteração pretende introduzir uma penalização acrescida aos praticantes da violência: a interdição de assistir a espectáculos desportivos.
Com esta medida, procura-se contribuir para a prevenção da violência e para a erradicação dos elementos violentos dos recintos onde o desportivismo deveria estar em lugar de destaque.
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Por estas razões, o Bloco de Esquerda propõe a alteração do artigo 21.º da Lei n.º 38/98, da forma que expõe em seguida:
"Artigo 21.º
(Contra-ordenações)
1 - Constituem contra-ordenação, punida com coima, para os efeitos do disposto no presente diploma:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)
i) (...)
2 - Sem prejuízo no disposto no número anterior, constituem contra-ordenação punida com a interdição de entrada em recintos desportivos por um prazo de cinco a 10 anos as contra-ordenações indicadas nas alíneas d) e f) no número anterior e das faltas incluídas nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 18.º."
Palácio de São Bento, 12 de Janeiro de 2000. Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Luís Fazenda.
PROPOSTA DE LEI N.º 7/VIII
(ESTABELECE NORMAS SOBRE A COOPERAÇÃO ENTRE PORTUGAL E OS TRIBUNAIS PENAIS INTERNACIONAIS PARA A EX-JUGOSLÁVIA E PARA O RUANDA)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Considerações prévias
Em reunião de Conselho de Ministros, ocorrida em 16 de Novembro de 1999, o XIV Governo Constitucional aprovou uma proposta de lei tendo por desiderato estabelecer um conjunto de regras que visam permitir a cooperação entre Portugal e os Tribunais Penais Internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda.
Tal proposta de lei - com o n.º 7/VIII - veio a ser apresentada à Assembleia da República ao abrigo do disposto no artigo 197.º, alínea d), da Constituição, encontrando-se publicada no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 8, de 10 de Dezembro, e baixou à 1.ª Comissão para prolação do competente relatório e parecer, por despacho de 9 de Dezembro de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
II - Do enquadramento jurídico internacional
A ratio decidendi da proposta de lei é, como se lê no seu dispositivo inicial, criar condições para permitir a cooperação e o auxílio judiciários entre o nosso país e os Tribunais Criminais Internacionais para a ex-Jugoslávia e o Ruanda, com o intuito de facilitar a investigação e o julgamento dos responsáveis por violações graves do direito humanitário internacional, cometidas no território da ex-Jugoslávia e do Ruanda e Estados vizinhos.
A génese directa da iniciativa radica, assim, na aprovação, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, das Resoluções n.º 808, de 22 de Fevereiro de 1993, e n.º 827, de 25 de Maio de 1993, relativas à criação do Tribunal para a ex-Jugoslávia, e da Resolução n.º 955, de 8 de Novembro de 1994, que estabeleceu uma entidade jurisdicional de idêntica natureza para o caso do Ruanda.
As razões de tal decisão são bem conhecidas. Confrontada com a particular gravidade e a dimensão das violações do direito internacional humanitário ocorridas nos conflitos que abalaram aqueles territórios, a ONU entendeu indispensável o estabelecimento de mecanismos de carácter internacional que permitissem perseguir e punir todos os indivíduos pessoalmente responsáveis por práticas incompatíveis com esse mesmo direito internacional humanitário, nomeadamente actos contrários às Convenções de Genebra de 1949, violações às leis e costumes de guerra, prática de genocídio ou crimes contra a humanidade.
Tratando-se de tribunais ad hoc, tendo por fim a realização de objectivos específicos e que revestem natureza internacional, a sua acção está em grande medida dependente das condições que os Estados colocarem à sua disposição para o exercício das respectivas funções.
Daí que o Conselho de Segurança haja estabelecido que "todos os Estados cooperarão plenamente com o Tribunal Internacional e os seus órgãos, de acordo com a presente resolução e o Estatuto do Tribunal Internacional e que, em consequência, todos os Estados adoptarão todas as medidas de direito interno necessárias para implementar as disposições da presente resolução e do Estatuto, incluindo a obrigação de os Estados cumprirem os pedidos de assistência ou as ordens emanadas de uma das suas secções... " (n.º 4 da Resolução n.º 827 e n.º 2 da Resolução n.º 955).
Essa é, de resto, uma preocupação que se encontra profusamente demonstrada ao longo do texto do Estatuto de ambos os tribunais, seja a propósito da delimitação do âmbito da cooperação e assistência judicial dos Estados (artigo 29.º do Estatuto do Tribunal para a ex-Jugoslávia e artigo 28.º do Estatuto do Tribunal para o Ruanda), seja a propósito dos poderes do Procurador (artigo 18.º, n.º 2, e artigo 17.º, n.º 2 ) ou do estabelecimento da primazia dos tribunais internacionais sobre os tribunais nacionais (artigo 9.º, n.º 2, e artigo 8.º, n.º 2).
III - Do enquadramento jurídico interno
As resoluções do Conselho de Segurança respeitantes ao tema sob escrutínio foram aprovadas ao abrigo do Capítulo VII da Carta de São Francisco e são juridicamente vinculativas para Portugal, nos termos do artigo 25.º da mesma, que estabelece a obrigação de todos os Estados membros aceitarem e aplicarem esse tipo de decisões.
Acresce que, de acordo com o estatuído no artigo 8.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais que o País integre vigoram directamente na ordem interna portuguesa, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos, sendo certo que a prática e a doutrina jus-internacionalista têm aceite a ideia da aplicação desta cláusula de incorporação automática às resoluções vinculativas do Conselho de Segurança.
Mau-grado esse facto, sucede que Portugal não dispõe de legislação sobre cooperação com os tribunais internacionais, na medida em que a lei de cooperação judiciária em
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matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto) foi pensada e se aplica apenas à cooperação entre Estados. E como a colaboração com organismos internacionais apresenta, neste âmbito, características diversas da cooperação interestadual, a proposta de lei n.º 7/VIII tem por objectivo a aprovação de lei que permita a plena assunção das obrigações que impendem sobre o Estado português.
No plano jurídico-constitucional não se descortinam quaisquer dificuldades, na medida em que a proposta em análise parece compatível com os parâmetros estabelecidos pela lei fundamental em matéria de garantias do processo criminal e de extradição.
IV - Dos contornos fundamentais da proposta
A proposta é composta por 15 artigos, ao longo dos quais se estabelece o modo como deve concretamente operar-se a cooperação e a assistência entre os Tribunais Internacionais da ex-Jugoslávia e do Ruanda e as autoridades judiciárias nacionais.
Nesse quadro, abrange duas situações tipificadas:
- O pedido de renúncia, por parte dos tribunais, à competência dos tribunais nacionais para investigação ou julgamento de um caso concreto (artigo 2.º).
- O pedido do Procurador junto de cada tribunal para proceder directamente a diligências de investigação em território português (artigo 5.º).
A proposta estabelece ainda a tramitação processual do pedido, as competências nele exercidos pelo Ministro da Justiça, pela Procuradoria-Geral da República e pelos tribunais.
No que toca ao pedido de renúncia de competência dos tribunais nacionais, prevê-se que a recusa é de natureza vinculada, só podendo ocorrer em casos tipificados (artigo 2.º, n.º 5 ), o que é uma consequência directa do princípio da primazia da competência dos tribunais internacionais.
Estabelecida é, ainda, a possibilidade de reabertura do processo pelos tribunais nacionais, no caso de o mesmo não ter prosseguido no tribunal internacional (artigo 4.º), o que levou à previsão da suspensão do prazo de prescrição e do processo até à existência de decisão definitiva do tribunal internacional sobre a sua própria competência para conhecer dos factos que constituem objecto do processo (artigo 3.º, n.º 3).
Quanto às diligências solicitadas pelo Procurador, define-se a possibilidade da respectiva proibição em certos casos, bem como o seu acompanhamento pela Procuradoria-Geral da República.
Nos artigos 6.º a 10.º descreve-se o modo como há-de decorrer o processo de detenção e transferência contra pessoa residente em território nacional.
Impõe-se, igualmente, no artigo 11.º que a execução de sentença condenatória do tribunal internacional seja feita de acordo com o processo de revisão e confirmação previsto no Código de Processo Penal.
O derradeiro normativo (o artigo 15.º) estende o tipo legal do crime previsto no artigo 360.º do Código Penal à falsidade de depoimento prestado, em Portugal, no decurso de diligência solicitada por tribunal internacional.
A proposta determina ainda a aplicação à cooperação com os tribunais internacionais, a título subsidiário, de alguns dispositivos da Lei n.º 144/99, nomeadamente no que toca aos requisitos gerais negativos da cooperação internacional, à recusa relativa à natureza da infracção e à extinção do procedimento criminal (artigo 1.º, n.º 3, da proposta).
A este propósito valeria, aliás, a pena ponderar a eventualidade de um enquadramento legislativo de tipo mais amplo. De facto, antevendo-se a criação de mais tribunais de natureza similar aos que agora nos ocupam e a entrada em funcionamento do Tribunal Penal Internacional, as intervenções legislativas casuísticas poderiam, com vantagem, ser substituídas por um conjunto de regras de carácter geral constantes ou de um capítulo novo da Lei n.º 144/99 ou de legislação específica que enquadrasse a cooperação com toda e qualquer entidade jurisdicional internacional.
Parecer
Tendo em conta o que ficou referido, somos de parecer que a proposta de lei n.º 7/VIII, relativa à cooperação entre Portugal e os Tribunais Internacionais para a ex-Jugoslávia e para o Ruanda, reúne os pressupostos constitucionais, legais e regimentais necessários, estando assim em condições de subir a Plenário para efeitos de discussão na generalidade.
Lisboa e Assembleia da República, 12 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, José Matos Correia - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e BE).
PROPOSTA DE LEI N.º 10/VIII
REGULA A CONSTITUIÇÃO, ORGANIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO E ATRIBUIÇÕES DAS ENTIDADES DE GESTÃO COLECTIVA DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS
1 - A legítima exploração das obras e prestações protegidas pelo direito de autor e direitos conexos não pode, de um modo socialmente satisfatório e num mundo moderno, ficar cingida à capacidade e disponibilidade do titular originário do direito. Com efeito, o autor ou o titular de um direito conexo, na maior parte das vezes, não consegue isoladamente gerir de modo conveniente para os seus interesses e para os interesses da comunidade a multiplicidade de tipos e formas de exploração actuais de uma obra ou prestação.
Verificando-se que uma das traves-mestras do direito da propriedade intelectual é o reconhecimento universal do direito exclusivo do autor de fruir e autorizar ou não as suas obras e prestações, tornar-se-ia muito problemático obter a prévia autorização do titular do direito cada vez que alguém em qualquer local do mundo procurasse utilizar uma qualquer modalidade de exploração patrimonial das obras. Basta pensar nos programas de rádio e televisão e nos muitos e variados espectáculos ou nos usos múltiplos de uma obra protegida para se ter uma ideia que a mera gestão individual dos direitos de autor tornaria seguramente impossível a normal e legítima fruição das obras por parte da sociedade.
Por isso, desde o século XVIII que se foi impondo a ideia e a prática de, em muitos casos, a melhor protecção e a melhor exploração dos direitos de autor se conseguir mediante a gestão colectiva confiada a entidades - pessoas colectivas - encarregadas de representar os autores. Isso mesmo foi conseguido através da livre associação dos próprios titulares em "sociedades de gestão colectiva" para defesa e desenvolvimento dos seus direitos.
Por sua vez, o estabelecimento de acordos entre entidades de gestão de direitos situadas em países diversos permitiu
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a exploração económica das obras no plano internacional, desse modo se assegurando o fácil acesso do público consumidor à fruição e utilização das obras beneficiando o desenvolvimento cultural.
Em Portugal o movimento da gestão colectiva é historicamente representado pelo surgimento da Sociedade Portuguesa de Autores e, mais recentemente, pela criação de outras entidades representativas dos interesses de outros titulares de direitos - artistas intérpretes ou executantes, produtores de fonogramas, radiodifusores, editores, etc.
2 - Apesar de existirem há muitos anos, nunca o legislador português regulamentou de modo específico as entidades de gestão colectiva, pelo que a estas se aplicam genericamente as disposições legais aplicáveis ao direito de associação e às cooperativas.
Esta situação é, porém, insatisfatória e insuficiente, pois não se atende à específica natureza deste tipo de instituições, ao conjunto dos seus direitos e obrigações e ao circunstancialismo próprio da sua actividade.
3 - O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos prevê, no seu artigo 218.º, que o regime das entidades de gestão colectiva será regulamentado por lei. Decorridos mais de sete anos desde a data da publicação do código verifica-se que o legislador português ainda não deu cumprimento a esse comando jurídico. O presente projecto de lei visa dar finalmente cumprimento a essa determinação legal.
4 - A necessidade de uma regulamentação da matéria não deriva só de um imperativo legal. Existem razões sociais, culturais e jurídicas para se realizar este trabalho. Há que ter em conta que a legislação nacional e o ordenamento jurídico comunitário já prevêem a gestão colectiva de direitos, quer em termos facultativos quer mesmo como obrigatoriedade jurídica, em certos casos de modalidades de exploração económica e utilização das obras. É mesmo previsível o surgimento de iniciativas tendentes à criação de novos entes de gestão colectiva, a médio prazo, à semelhança do que ocorre noutras sociedades europeias. Essas novas entidades assumiram a gestão específica, e especializada, de certas modalidades de exploração das obras. Aliás, a emergência das modernas tecnologias da informação e o multimédia vão acarretar grandes transformações no próprio modo de gestão colectiva dos direitos, aspecto que está hoje no centro de apaixonados debates.
5 - A importância sócio-cultural e económica da gestão colectiva é evidente e enorme. Actuando quase sempre em regime de monopólios de facto ou mesmo como emanação da lei, as entidades de gestão colectiva exercem funções e poderes socialmente relevantes. A actividade destes entes colectivos coloca amíude a questão sempre espinhosa de resolver o modo adequado de garantir o equilíbrio na afirmação de dois direitos fundamentais, a saber: de um lado a defesa do direito de autor, e do outro lado a defesa do direito de acesso à informação e à cultura, incluindo a fruição das obras pelo público. Paralelamente, surgem com frequência problemas na relação dos associados com a pessoa colectiva, problemas na fixação de tarifas e comissões, na repartição equitativa dos rendimentos obtidos, na gestão administrativa destes, no controlo da exploração das obras, prestações ou direitos, na protecção de titulares de direitos não nacionais e no cumprimento de obrigações de administração e de controlo financeiro. Todo este conjunto de temas/problemas implica a existência de um enquadramento e regulamentação jurídicos próprios e eficazes, bem como um irrecusável papel fiscalizador por parte do Estado. A ausência de normas aplicáveis abre campo para o surgimento de experiências ilícitas, práticas injustas e arbitrárias.
6 - A presente proposta de lei tem em conta o facto de a matéria relativa à propriedade intelectual constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República. Por outro lado, o já citado artigo 218.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos estipula que a regulamentação das entidades de gestão se fará mediante uma lei.
7 - Na análise das experiências de legislação estrangeira sobre a matéria teve-se especialmente em conta a legislação dos Estados membros da União Europeia e destes, em especial, os modelos que são diversos, de países como a Alemanha, a França, a Espanha e a Bélgica. Por outro lado, foi muito útil o estudo das análises e orientações que nos últimos 10 anos tem sido levado a cabo sobre esta matéria no seio da OMPI, em diversos seminários dedicados a este tema.
8 - As experiências estrangeiras não podem em qualquer caso ser neste domínio transpostas para a ordem jurídica portuguesa sem um prévio processo crítico - haja em vista as condicionantes da ordem constitucional portuguesa expressas no artigo 46.º da Constituição. Daí que a proposta de lei leve em conta essa tradição jurídica e constitucional, que, por exemplo, impede a adopção de mecanismos de forte condicionalismo e controlo à criação das pessoas colectivas de natureza associativa. Neste particular, a Constituição portuguesa é assaz liberal na matéria, pelo que o modelo proposto para Portugal não atinge o nível e a intensidade de controlos e exigências técnico-burocráticas existentes nos outros países europeus.
9 - O projecto enraíza-se na experiência portuguesa da legislação relativa às associações e cooperativas, optando-se por um regime de pessoa colectiva de direito privado, embora com um papel de tutela fiscalizadora do Estado que se entende necessária e razoável. O modelo proposto aproxima-se assim do estatuto vigente para as instituições particulares de solidariedade social.
10 - Sendo livre a constituição das entidades de gestão colectiva, de acordo com o princípio constitucional, respeita-se o princípio da não intervenção do Estado, embora se preveja a necessidade de um registo das pessoas colectivas, com efeitos de controlo necessário do exercício efectivo do início de actividade. De outro modo, poderia privar-se a administração pública dos mecanismos de conhecimento e intervenção das situações, quando estas evidenciam sinais de crise e de práticas sociais ilícitas. Daí que o regime de tutela inspectiva, com recurso aos tribunais, se afigure inteiramente adequado.
11 - O regime proposto visa salvaguardar a legítima independência das instituições de gestão colectiva, com a criação dos mecanismos de controlo indispensáveis à preservação do interesse público.
12 - Na linha do que acontece na generalidade dos países, e em resultado das exigências já contidas na legislação nacional e comunitária sobre a propriedade intelectual, prevê-se o recurso à arbitragem para resolução dos litígios. Nalguns casos, a lei dispõe já que a arbitragem é o recurso obrigatório para dirimir conflitos sobre o direito de autor e os direitos conexos na sua relação com os interesses dos vários titulares de direitos e o acesso e fruição das obras e prestações protegidas por parte dos diversos utentes e interessados. Ponderadas as formas de dar sentido útil à arbitragem, optou-se por instituir uma Comissão de Mediação e Arbitragem, que se entende admissível à luz do disposto na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (Lei sobre a arbitragem voluntária, em especial o seu artigo 38.º) e, ainda, o Decreto-Lei n.º 425/86, de 27 de Dezembro (Arbitragem institucionalizada), atentas, em síntese, as seguintes razões:
a) O direito de autor constitui um ramo do direito, autónomo, progressivamente complexo e de elevada
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tecnicidade, exigindo crescentemente o recurso ao conhecimento não apenas da legislação nacional mas de convenções e tratados internacionais, e, ainda, o estudo comparativo de legislações nacionais e das respectivas jurisprudências. Esta situação, que vai seguramente aprofundar-se no futuro, aconselha a que os litígios neste domínio de actividade sejam decididos por profissionais estreitamente ligados a este domínio jurídico, com conhecimento e experiência no tratamento das questões que nele se colocam. De outro modo, a qualidade e o desenvolvimento da jurisprudência nacional neste sector poderão ser negativamente atingidas, haja em vista a situação presente, que não é especialmente meritória e rica;
b) A aplicação da arbitragem deixando às partes em litígio a composição e escolha dos árbitros determina, amiúde, o desinteresse por parte do sujeito mais frágil, social, cultural e economicamente, que tem não raro dificuldades em encontrar árbitros disponíveis e competentes; além disso, a arbitragem nos moldes clássicos é actividade habitualmente cara, não raro, envolvendo encargos muito superiores aos verificados com o recurso aos tribunais comuns. Esta situação traduz na prática, e muitas vezes, uma efectiva denegação da justiça, que importa evitar;
c) É crescente na legislação a previsão, para dirimir conflitos, no âmbito do direito de autor, do recurso à arbitragem obrigatória, o que permite considerar útil a via institucional;
d) À semelhança do que ocorre noutros sectores de actividade (por exemplo, direito do consumo e da actividade de viação, seguros, etc), onde existe uma arbitragem institucionalizada, considera-se que é aconselhável a existência deste específico modelo, a criar junto do Ministério da Cultura, em articulação/apoio técnico com o Gabinete do Direito de Autor;
e) A comissão a instituir não tem competências só de arbitragem, mas exerce a mediação, a solicitação voluntária das partes;
Na realidade mais do que a preocupação com a resolução dos litígios que reflectem sempre uma crise aguda na relação dos diversos interesses actuantes neste domínio, é cada vez mais importante a criação de mecanismos que permitam uma intervenção preventiva do conflito, anterior a este, susceptível de ser alcançado pela via da mediação. Esta, por se constituir como meio voluntário, não colide com o princípio de autonomia reconhecido às entidades de gestão colectiva. Por isso, a designação de Comissão de Mediação e Arbitragem. O seu campo de actuação é potencialmente vasto, uma vez que pode abranger o domínio das relações da entidade de gestão colectiva com os seus associados ou cooperadores e terceiros, especialmente em matéria da fixação de tarifas e cumprimento de direitos e obrigações estatutários;
f) O facto de a actividade exercida pelas entidades de gestão colectiva respeitar a um domínio de relevante interesse público e sócio-cultural, com crescentes impactos económicos, e mobilizar a atenção e os interesses, direitos e obrigações de uma multiplicidade de interessados, titulares de direitos e público em geral - utentes de obras e prestações protegidas - aconselha a que se vise uma organização e uma estrutura de tipo institucional para o campo da resolução dos litígios;
g) A composição prevista para a comissão permite que nela estejam representados os diversos agentes actuantes neste domínio, a saber: o Estado, os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas, os radiodifusores, os editores e os consumidores.
13 - Algumas das obrigações expostas a cargo das entidades de gestão colectiva resultam da necessidade de assegurar a defesa do interesse geral, como é o caso da obrigação de gestão, variante menos densa da obrigação de contratar, haja em vista o regime de monopólio de facto ou quase em que se encontram normalmente este tipo de instituições. A formulação encontrada constante do artigo 11.º da proposta de lei é adaptada ao sistema jurídico português, encontrando-se longe da rigidez do princípio tal qual é afirmado, por exemplo, na legislação alemã, que constitui a referência/fonte neste particular domínio.
Em atenção à função cultural e à prossecução dos fins de interesse público cometidos habitualmente às entidades de gestão colectiva, prevê-se que estas pratiquem tarifas especiais, mais reduzidas, para as instituições sem fins lucrativos. Esta disposição não colide nem se afigura redundante face à previsão do princípio geral, sem prejuízo da diferenciação especial que deve merecer a particular natureza jurídica das instituições que actuam no mercado com fins altruísticos, sem finalidade lucrativa.
Por sua vez, este princípio não fere os legítimos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, antes constituindo a contrapartida, adequada, razoável e justa, dos deveres culturais e sociais postos a cargo dos referidos titulares, o que, no essencial, se reconduz à outra face da afirmação do direito, que é sempre constituído, na justa proporção, pelos direitos e deveres que impendem sobre o sujeito.
14 - Mais do que criar um sistema rígido de fiscalização sobre as instituições, procurou-se enunciar os grandes princípios que devem balizar o funcionamento das pessoas colectivas. Em muitos casos, tais princípios possuem já um longo trabalho de análise e fundamentação doutrinária e jurisprudencial, que permitirá guiar a administração e os tribunais na resolução dos litígios que emirjam.
15 - De um modo geral, as disposições contidas no projecto reproduzem em muitos casos orientações e normas jurídicas que já há muito integram o acervo jurídico clássico do sistema jurídico nacional e do ordenamento jurídico comunitário.
Assim, nos termos da alínea d) do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei para ser aprovada e valer como Lei Geral da República:
Capítulo I
(Disposições gerais)
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
A presente lei regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos, adiante designadas por entidades.
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Artigo 2.º
(Constituição)
1 - A criação de entidades é da livre iniciativa dos titulares do direito de autor e dos direitos conexos.
2 - As entidades são dotadas de personalidade jurídica, prosseguem fins não lucrativos e revestem a natureza de associações ou cooperativas de regime jurídico privado.
3 - O número mínimo de associados ou cooperadores é de 10.
Artigo 3.º
(Objecto)
1 - As entidades têm por objecto:
a) A gestão dos direitos patrimoniais que lhe sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos;
b) A prossecução de actividades de natureza social e cultural que beneficiem colectivamente os seus associados ou cooperadores.
2 - As entidades de gestão poderão exercer e defender os direitos morais dos seus associados ou cooperadores, quando estes assim o requeiram.
Artigo 4.º
(Princípios)
A actividade das entidades respeitará os seguintes princípios e critérios de gestão:
a) Transparência;
b) Organização e gestão democráticas;
c) Participação dos associados ou cooperadores;
d) Justiça na repartição e distribuição dos rendimentos cobrados no exercício da gestão colectiva;
e) Equidade, razoabilidade e proporcionalidade na fixação de comissões e tarifas;
f) Gestão eficiente e económica dos recursos disponíveis;
g) Moderação dos custos administrativos;
h) Não discriminação entre titulares nacionais e estrangeiros;
i) Controlo da gestão financeira, mediante a adopção de adequados procedimentos na vida interna das instituições;
j) Informação pertinente, rigorosa, actual e acessível aos terceiros interessados na celebração de contratos;
k) Reciprocidade no estabelecimento de relações com entidades congéneres sediadas no estrangeiro;
l) Fundamentação dos actos praticados;
m) Celeridade no pagamento das quantias devidas aos legítimos titulares dos direitos;
n) Publicidade dos actos relevantes da vida institucional.
Artigo 5.º
(Autonomia das instituições)
As entidades de gestão escolhem livremente os domínios do objecto da sua actividade e prosseguem autonomamente a sua acção, no âmbito dos seus estatutos e da lei.
Artigo 6.º
(Registo)
1 - É condição necessária para o início da actividade da entidade a efectivação do registo junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC).
2 - O requerimento a solicitar o registo deve ser dirigido ao Inspector-Geral das Actividades Culturais, acompanhado da documentação prevista na legislação aplicável ao registo.
3 - A IGAC pode solicitar os elementos complementares de informação que se mostrem necessários.
4 - O despacho sobre o pedido de registo é proferido no prazo de 40 dias, interrompendo-se a contagem sempre que se verifique o disposto no número anterior.
Artigo 7.º
(Recusa do registo)
1 - A recusa do registo é sempre fundamentada e precedida de um prévio parecer jurídico elaborado pelo Gabinete do Direito de Autor, do Ministério da Cultura.
2 - Do acto de indeferimento do registo cabe recurso, nos termos da lei.
Artigo 8.º
(Utilidade pública)
As entidades registadas nos termos dos artigos anteriores adquirem a natureza de pessoas colectivas de utilidade pública, com dispensa das obrigações previstas no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.
Artigo 9.º
(Legitimidade)
As entidades, obtido o competente registo, estão legitimadas, nos termos dos respectivos estatutos e da lei aplicável, a exercer os direitos confiados à sua gestão e a exigir o seu efectivo cumprimento por parte de terceiros, mediante o recurso às vias administrativas e judiciais.
Artigo 10.º
(Entidades não registadas)
1 - São anuláveis os actos de gestão colectiva praticados por entidade não registada ou cujo registo foi cancelado.
2 - A entidade que exerça a gestão colectiva praticado em violação da lei, nos termos do número anterior, pratica uma contra-ordenação punível com coima de 500 000$ a 5 000 000$.
3 - A negligência é punível.
4 - O processamento da contra-ordenação é da competência da IGAC.
5 - A aplicação das coimas é competência do Inspector-Geral das Actividades Culturais.
6 - O produto das coimas previstas no presente artigo reverte 60% para o Estado e o restante para a IGAC.
Artigo 11.º
(Dever de gestão)
As entidades de gestão colectiva estão obrigadas a aceitar a administração dos direitos de autor e dos direitos conexos que lhes sejam solicitados, de acordo com a sua natureza e atribuições, nos termos dos respectivos estatutos e da lei.
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Artigo 12.º
(Contrato de gestão)
1 - A gestão dos direitos pode ser estabelecida pelos seus titulares a favor da entidade mediante contrato cuja duração não pode ser superior a cinco anos, renováveis automaticamente, não se podendo prever a obrigação de gestão de todas as modalidades de exploração das obras e prestações protegidas, nem da produção futura destas.
2 - A representação normal dos titulares de direitos pela entidade resulta da simples inscrição como beneficiário dos serviços, conforme é estabelecido nos estatutos e regulamentos da instituição e nas condições genéricas enunciadas no número anterior.
Artigo 13.º
(Função social e cultural)
1 - As entidades de gestão colectiva deverão afectar uma percentagem não inferior a 5% das suas receitas à prossecução de actividades sociais e de assistência aos seus associados ou cooperadores, bem como a acções de formação destes, promoção das suas obras, prestações e produtos, e ainda à divulgação dos direitos compreendidos no objecto da sua gestão.
2 - A percentagem referida no número anterior poderá incidir sobre a totalidade das receitas, ou apenas uma parte destas, relativa a determinada ou determinadas categorias de direitos geridos.
3 - As entidades de gestão colectiva deverão estabelecer nos seus regulamentos tarifas especiais, reduzidas, a aplicar a pessoas colectivas que prossigam fins não lucrativos, quando as respectivas actividades se realizem em local cujo acesso não seja remunerado.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 não se aplica nos primeiros quatro anos de existência das entidades de gestão colectiva, contados a partir da data do seu registo.
Artigo 14.º
(Dever de informar)
As entidades devem informar os interessados sobre os seus representados, bem como sobre as condições e preços de utilização de qualquer obra, prestação ou produto que lhes seja confiada, os quais deverão respeitar os princípios da transparência e da não discriminação.
Artigo 15.º
(Estatutos)
1 - As entidades regem-se por estatutos livremente elaborados, com respeito pelas disposições legais aplicáveis.
2 - Dos estatutos das entidades deve constar obrigatoriamente:
a) A denominação, que não pode confundir-se com denominação de entidades já existentes;
b) A sede e âmbito territorial de acção;
c) O objecto e fins;
d) As classes de titulares de direitos compreendidas no âmbito da gestão colectiva;
e) As condições para a aquisição e perda da qualidade de associado ou cooperador;
f) Os direitos dos associados ou cooperadores e o regime de voto;
g) Os deveres dos associados ou cooperadores e o seu regime disciplinar;
h) A denominação, a composição e a competência dos órgãos sociais;
i) A forma de designação dos membros dos órgãos sociais;
j) O património e os recursos económicos e financeiros;
l) Os princípios e regras do sistema de repartição e distribuição dos rendimentos;
m) O regime de controlo da gestão económica e financeira;
n) As condições de extinção e o destino do património.
Artigo 16.º
(Direito da concorrência)
A aplicação dos princípios e regras próprios do regime do direito da concorrência às entidades de gestão colectiva é exercida no respeito pela específica função e existência destas no âmbito da propriedade intelectual, de acordo com as disposições reguladoras de direito nacional e internacional.
Artigo 17.º
(Direito subsidiário)
São subsidiariamente aplicáveis as disposições da legislação das associações e das cooperativas, de acordo com a natureza jurídica das entidades.
Capítulo II
(Organização e funcionamento)
Artigo 18.º
(Órgãos da entidade)
1 - As entidades de gestão são dotadas de uma assembleia geral, um órgão de administração ou direcção e um conselho fiscal.
2 - O conselho fiscal integra um Revisor Oficial de Contas (ROC).
Artigo 19.º
(Composição dos órgãos sociais)
1 - Os órgãos sociais são constituídos por associados ou cooperadores da entidade.
2 - Aos membros dos órgãos sociais não é permitido o desempenho simultâneo de mais de um cargo na mesma entidade.
Artigo 20.º
(Funcionamento dos órgãos)
1 - Salvo disposição legal ou estatutária, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente voto de qualidade.
2 - As deliberações respeitantes a eleições dos órgãos sociais ou a assuntos de incidência pessoal dos seus membros são tomadas por escrutínio secreto.
3 - São sempre lavradas actas das reuniões de qualquer órgão da entidade.
Artigo 21.º
(Mandatos)
1 - Os membros dos órgãos sociais são eleitos por um período de quatro anos, se outro mais curto não for previsto nos estatutos.
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2 - Os estatutos podem limitar o número de mandatos consecutivos para qualquer órgão da entidade.
Artigo 22.º
(Responsabilidade dos órgãos sociais)
Os membros dos órgãos sociais são responsáveis civil e criminalmente pela prática de actos ilícitos cometidos no exercício do mandato.
Artigo 23.º
(Regime financeiro)
1 - As entidades de gestão são obrigadas anualmente a elaborar e aprovar o relatório de gestão e contas do exercício, o plano de actividades e o orçamento.
2 - O conselho fiscal, para além das suas atribuições normais, elabora o parecer sobre os documentos mencionados no número anterior.
3 - Os documentos mencionados no n.º 1 devem ser objecto da mais ampla divulgação junto dos associados ou cooperadores e estar à consulta fácil destes na sede social da entidade de gestão.
Capítulo III
(Do regime de tutela)
Artigo 24.º
(Tutela inspectiva)
1 - O Ministério da Cultura, através da IGAC, e considerando os relevantes interesses de ordem pública relacionados com a acção das entidades de gestão colectiva, exerce sobre estas um poder de tutela inspectiva.
2 - Para o normal desempenho dos poderes enunciados no número anterior, devem as entidades prestar à IGAC as informações que lhes forem solicitadas e proceder ao envio regular dos seguintes documentos:
a) Indicação dos membros que compõem os órgãos sociais;
b) Cópia dos estatutos e respectivas alterações;
c) Cópia dos relatórios de gestão e contas do exercício, bem como dos planos de actividade e orçamento;
d) Lista dos preços e tarifas em vigor na instituição;
e) Lista contendo a indicação dos contratos celebrados com entidades estrangeiras para efeitos de representação;
f) Lista contendo a indicação dos acordos celebrados com entidades representativas de interesses dos usuários de obras, prestações e produções protegidas.
Artigo 25.º
(Âmbito da tutela)
A tutela exercida pelo Ministério da Cultura sobre as entidades, compreende os seguintes poderes:
a) Realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções, sempre que se mostre necessário e, designadamente, quando existam indícios da prática de quaisquer irregularidades;
b) Envio às entidades competentes de relatórios, pareceres e outros elementos que se mostrem necessários para a interposição ou prossecução de acções judiciais, civis ou penais, que tenham por causa a existência de irregularidades e ilícitos praticados pelas entidades.
Artigo 26.º
(Destituição dos corpos gerentes)
1 - A prática pelos corpos gerentes de actos graves de gestão prejudiciais aos interesses da entidade, dos associados ou cooperadores e de terceiros, poderá implicar o pedido judicial de destituição dos órgãos sociais.
2 - No caso previsto no número anterior, compete aos associados ou cooperadores e ao IGAC informar as entidades competentes de todos os elementos disponíveis necessários à propositura da acção judicial.
3 - O procedimento referido no número anterior segue as normas que regulam os processos de jurisdição voluntária.
4 - O juiz decidirá a final, devendo nomear uma Comissão provisória de gestão, pelo prazo máximo de um ano, encarregada de assegurar a gestão corrente da entidade e de convocar a assembleia geral para eleger os novos órgãos sociais.
5 - É legítimo o recurso a providências cautelares para atingir os objectivos referidos no número anterior, caso se verifique a necessidade urgente de salvaguardar legítimos interesses da entidade, dos associados ou cooperadores ou de terceiros.
Artigo 27.º
(Extinção da entidade de gestão)
A IGAC deve solicitar as entidades competentes, a extinção das entidades:
a) Que violem a lei, de forma muito grave ou reiteradamente;
b) Cuja actividade não coincida com o objecto expresso nos estatutos;
c) Que utilizem reiteradamente meios ilícitos para a prossecução do seu objecto;
d) Que retenham indevidamente as remunerações dos titulares de direitos.
Capítulo IV
(Da Comissão de Mediação e Arbitragem)
Artigo 28.º
(Arbitragem voluntária)
1 - Os conflitos emergentes das relações entre as entidades de gestão colectiva e os seus associados ou cooperadores e terceiros contratantes e interessados podem ser submetidos pelas partes para resolução por arbitragem.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, é criada junto do Ministério da Cultura uma Comissão de Mediação e Arbitragem.
3 - A Comissão exerce a arbitragem obrigatória que estiver prevista na lei.
Artigo 29.º
(Competências)
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem, a solicitação dos interessados e mediante acordo destes, poderá intervir ou decidir nos litígios que lhe sejam submetidos, e designadamente:
a) Exercer a mediação nos processos de fixação dos valores de tarifas a aplicar pelas entidades de gestão;
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b) Julgar os litígios em matérias relativas aos actos e contratos produzidos em resultado da actividade exercida pelas entidades de gestão colectiva no cumprimento do seu principal objecto.
2 - Das decisões da Comissão há recurso para o Tribunal da Relação.
Artigo 30.º
(Composição)
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem é composta por sete membros, licenciados em direito e representativos dos diversos interesses ligados ao domínio do direito de autor e dos direitos conexos, incluindo um representante dos consumidores.
2 - Os membros da Comissão são nomeados por despacho do Primeiro-Ministro, sob proposta do Ministro da Cultura, donde constará igualmente a fixação das respectivas remunerações.
3 - Os membros da Comissão podem exercer cumulativamente funções públicas.
Artigo 31.º
(Regimento)
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem elabora os regulamentos internos necessários ao seu funcionamento.
2 - As normas mencionadas no número anterior serão objecto de publicação no Diário da República.
Artigo 32.º
(Mandato)
1 - O mandato dos membros da Comissão de Mediação e Arbitragem é de quatro anos, renováveis.
2 - Os membros da Comissão de Mediação e Arbitragem, no exercício das suas competências, são inamovíveis e não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.
Artigo 33.º
(Apoio técnico-administrativo)
1 - A Comissão de Mediação e Arbitragem é apoiada técnica e administrativamente pelo Gabinete do Direito de Autor, do Ministério da Cultura.
2 - Os encargos decorrentes da actividade da Comissão são suportados pelo orçamento do Gabinete do Direito de Autor, que será dotado das verbas necessárias para o efeito, mediante a competente inscrição.
Artigo 34.º
(Direito subsidiário)
São subsidiariamente aplicáveis ao funcionamento da Comissão de Mediação e Arbitragem as disposições gerais sobre a arbitragem.
Capítulo V
(Disposições finais e transitórias)
Artigo 35.º
(Adaptação de estatutos)
1 - As entidades de gestão colectiva actualmente existentes devem, no prazo de um ano após a entrada em vigor do presente diploma, proceder à adaptação dos seus estatutos em conformidade ao disposto no presente diploma.
2 - A IGAC, decorridos dois anos sobre a entrada em vigor do presente diploma, comunicará às entidades competentes a existência de qualquer eventual infracção ao disposto no número anterior.
Artigo 36.º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Novembro de 1999. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - O Ministro da Economia, Joaquim Augusto Nunes da Pina Moura - O Ministro da Justiça, António Luís Santos da Costa - O Ministro da Cultura, Manuel Maria Ferreira Carrilho.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 19/VIII
CONSTITUIÇÃO DE UMA COMISSÃO EVENTUAL PARA A ANÁLISE E A FISCALIZAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS ENVOLVIDOS NA ORGANIZAÇÃO DO EURO 2004
Exposição de motivos
O Governo, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 117/98, reconheceu "o interesse nacional da candidatura a submeter pela Federação Portuguesa de Futebol para a organização do Campeonato Europeu de Futebol em 2004 e atribuir-lhe a relevância e a prioridade que esse interesse justifica", iniciativa que mereceu o apoio unânime da Assembleia da República.
Para a prossecução da referida candidatura o Governo decidiu assumir, através de uma comparticipação financeira vultuosa (cerca de 15,1 milhões de contos num total de 60 milhões), particulares responsabilidades, nomeadamente no que concerne à beneficiação ou construção de 10 estádios de futebol.
Em 12 de Outubro de 1999 a UEFA decidiu aprovar a candidatura apresentada pela Federação Portuguesa de Futebol, facto que mereceu aplauso quase unânime na sociedade portuguesa.
Recentemente, o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que cria a sociedade anónima EURO 2004, SA - Sociedade Promotora da Realização em Portugal da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol em 2004 -, e aprova os respectivos estatutos.
Essa sociedade tem a capacidade de contrair empréstimos (garantidos pelo Estado), goza de diversos benefícios fiscais e terá o direito de utilizar e administrar os bens do domínio público estatal e municipal que estejam ou venham a estar afectos à realização do campeonato.
Face às expectativas criadas são inegáveis as responsabilidades que recaem sobre Portugal. São, também e por outro lado, naturais a preocupação com a fiscalização dos recursos públicos que serão investidos neste evento e a vontade de impedir eventuais derrapagens nos custos das obras a executar em diversos domínios, sobretudo quando declarações ministeriais falam já em números que ultrapassam o dobro dos inicialmente assumidos.
De acordo com este cenário, o Partido Social Democrata considera imprescindível que seja assegurado o controlo parlamentar dos recursos públicos envolvidos na organização do EURO 2004.
Assim, e nos termos do artigo 178.º da Constituição da República e do artigo 39.º do Regimento, os Deputados
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abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PSD apresentam o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 166.º, n.º 5, da Constituição, o seguinte:
1 - Constituir uma comissão eventual para análise e fiscalização dos recursos públicos envolvidos na organização do EURO 2004.
2 - A comissão terá a composição a determinar pelo Presidente da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 22 de Dezembro de 1999. Os Deputados do PSD: António Capucho - Carlos Marta Gonçalves - Luís Marques Guedes - Guilherme Silva - Manuela Ferreira Leite - Luís Machado Rodrigues - Manuel Moreira - Carlos Encarnação - José Salter Cid - Nuno Freitas - mais uma assinatura ilegível.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 20/VIII
SOBRE A RENEGOCIAÇÃO DO ACORDO DE PESCA ENTRE A UNIÃO EUROPEIA E A GRONELÂNDIA
O sector pesqueiro português tem vindo a conhecer um progressivo mas iniludível declínio ao longo das últimas décadas, que se tem traduzido numa diminuição continuada das capturas efectuadas pela frota pesqueira nacional e também do pescado descarregado no conjunto dos portos nacionais. Concomitantemente, verifica-se uma diminuição drástica do grau de auto-abastecimento em peixe e marisco, expressa em mais de 150 milhões de contos de importações destes produtos no último ano e no facto de Portugal ser hoje o 15.º importador mundial.
A diminuição do peso e da importância económica do sector pesqueiro em Portugal é tão mais chocante quanto ocorre numa actividade em que o País tem largas e antigas tradições, quanto se verifica uma manutenção senão um aumento da importância dos seus produtos na alimentação humana e, finalmente, quanto se constata que em países tão próximos como a Espanha se criaram condições para que acontecesse precisamente o inverso.
Como consequência da acção deletéria que sucessivos governos tiveram sobre o sector das pescas o País já não consta sequer da lista das 50 maiores potências pesqueiras e viu-se ultrapassado por países como o Bangladesh.
Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias em 1986 o declínio do sector pesqueiro acentuou-se rápida e perigosamente, fruto de uma conjugação de factores que incluem o depauperamento de alguns recursos piscícolas, a sujeição a quotas de pesca, uma política imponderada de apoio ao abate de navios sem a contrapartida da construção de outros e, por último, a impossibilidade de o País manter acordos bilaterais de pesca com países terceiros, como até então vinha acontecendo.
Uma tal conjugação de factores revelou-se particularmente negativa no caso da pesca longínqua, e como resultado verifica-se que a sua frota de pesca se encontra reduzida a um mínimo de 14 navios-fábrica quando, há apenas 10 anos, ela era composta por 52 navios.
Exemplo acabado das consequências da negociação comunitária dos acordos de pesca com países terceiros é o da presente paralização da frota pesqueira que opera nas águas de Marrocos, devido às dificuldades de renovação do acordo de pesca entre a União Europeia e aquele país, causadas pela existência de uma enorme frota de pesca espanhola. Assim, Portugal, que à partida, devido ao diminuto e selectivo esforço de pesca que exerce nas águas de Marrocos, poderia esperar continuar essa actividade normalmente, vê-se obrigado a interromper a faina por um prazo ainda indefinido e a arcar com os seus custos que, obviamente, não são só de natureza financeira.
Mas se estas são as consequências inevitáveis da participação do País na política comum de pescas, a verdade é que existem casos, como o da aplicação do acordo de pesca entre a União Europeia e a Groenlândia, que, pela iniquidade que envolvem, exigem da parte do governo português uma outra atitude que não a de prolongada passividade, senão mesmo de indiferença, que tem patenteado.
Portugal, que tem uma tradição antiquíssima de pesca no Atlântico Norte, ao integrar as Comunidades Europeias, deixou de ter acesso às águas da Gronelândia, onde a frota de pesca longínqua - à linha e depois de arrastões - operava continuamente desde os anos 30 (o bacalhau pescado nessas águas chegou a representar 82% do consumo nacional).
Desde essa data até hoje nunca Portugal conseguiu que, do total de capturas permitido pela Gronelândia à frota de pesca da União Europeia nas suas águas, fosse atribuída à frota nacional uma quota-parte - isto apesar de sistematicamente não se esgotarem as possibilidades de pesca previstas. Na verdade, o grau de utilização médio das possibilidades de pesca é de apenas 8%.
A título de exemplo do desperdício das oportunidades de pesca permitido pela gestão comunitária deste acordo refira-se o caso da quota de 46 000 toneladas de cantarilho (red-fish) atribuída à Alemanha, quando este país só captura cerca de 12 000 toneladas. Só a quota de cantarilho desperdiçada anualmente pela Alemanha é largamente superior à totalidade das quotas de pesca atribuídas à frota de pesca longínqua nacional, que foi em 1999 de 16 400 toneladas, quotas essas que são sistematicamente esgotadas.
Esta situação é tanto menos aceitável quanto este é um acordo que envolve contrapartidas financeiras por parte da União Europeia, cerca de 8 milhões de contos anuais, contrapartidas essas que são parcialmente suportadas pela contribuição orçamental portuguesa.
Assim, considerando que não é desejável a renovação do acordo de pesca entre a União Europeia e a Gronelândia, nos moldes actuais que permite uma situação de sub-aproveitamento das possibilidades de pesca disponíveis;
Considerando que é injustificável a manutenção de um sistema de distribuição de quotas que não tem conta os nossos direitos históricos e o grau de utilização pelos diferentes países;
Considerando que, para Portugal, é do maior interesse a renovação do referido acordo e a atribuição à sua frota de pesca longínqua de parte das possibilidades de pesca desperdiçadas por outros países, em particular no caso de espécies como o bacalhau, o cantarilho e a palmeta;
Considerando que o acordo de pescas entre a União Europeia e a Gronelândia termina a 31 de Dezembro de 2000 e que Portugal terá toda a conveniência em precaver a sua posição atempadamente, evitando, assim, apelar a correcções posteriores;
Considerando que já se encontram marcadas as negociações para um novo acordo de pesca com a Gronelândia para 15 de Fevereiro, 10 de Abril e 24 de Maio próximos e que tais datas coincidem com a Presidência Portuguesa da União Europeia;
A Assembleia da República decide recomendar ao Governo que aproveite a presidência portuguesa para obter um novo acordo de pesca com a Gronelândia e, simultaneamente, uma chave de repartição das quotas dentro da União Europeia
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que atribua a Portugal possibilidades de pesca de acordo com os nossos direitos históricos e interesses económicos.
Palácio de São Bento, 6 de Janeiro de 2000. Os Deputados do CDS-PP: Paulo Portas - Basílio Horta - Telmo Correia - João Rebelo - Pedro Mota Soares - Celeste Cardona - Rosado Fernandes - mais uma assinatura ilegível.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 21/VIII
CONCRETIZAÇÃO DE MEDIDAS DE PROTECÇÃO DAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Considerando que existe, desde 1991, um diploma que visa garantir a protecção adequada às mulheres vítimas de violência;
Considerando que, nos termos do seu artigo 17.º da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, deveria ter sido regulamentada pelo Governo no prazo de 90 dias após a sua publicação, o que não foi cumprido;
Considerando que, não obstante inúmeros planos nacionais contra a violência doméstica, a devida regulamentação só teve início oito anos após a publicação da Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, na sequência da aprovação, por unanimidade, da Resolução da Assembleia da República n.º 31/99, de 14 de Abril, resultante de uma iniciativa do CDS-PP;
Considerando que, no cumprimento da referida resolução da Assembleia da República, em Junho de 1999, o Conselho de Ministros aprovou, em Junho de 1999, a Resolução n.º 55/99, que estabelece o plano nacional contra a violência doméstica;
Considerando que quaisquer tentativas, políticas, legislativas ou sociais, no sentido de combater e prevenir o flagelo da violência doméstica serão infrutíferas sem a existência de estruturas concretas, eficazes e gratuitas de auxílio à vítima, em particular no que se refere a uma rede de casas de apoio, onde possam recuperar a sua liberdade, condição essencial para poderem exercer os seus direitos, bem como um atendimento especializado e permanente das vítimas;
Considerando que o Gabinete SOS para atendimento telefónico às vítimas de violência doméstica funciona apenas em dias úteis, das 9.00 às 17.30 horas, contrariamente ao disposto na Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, a qual impõe que tal atendimento funcione "ininterruptamente, durante 24 horas por dia, mesmo aos sábados, domingos e feriados";
Considerando que, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, que cria a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, este diploma deveria ter sido regulamentado no prazo de 90 dias a contar da sua publicação, o que, mais uma vez, não sucedeu;
Considerando que a gravidade e dramatismo da violência doméstica não se compadecem com a existência de um Gabinete SOS que tem horário de função pública, o que impede não só que seja proporcionado um apoio pronto e eficaz como dificulta determinantemente a recolha de provas;
Considerando que, actualmente, são sobretudo ordens religiosas que asseguram o acolhimento, refúgio e amparo das vítimas de violência doméstica e seus filhos, quando tal constitui, na verdade, um dever essencial do Estado;
Considerando que quaisquer alterações legislativas, nomeadamente ao nível do direito penal, só poderão ter resultados eficazes se o Estado puder garantir às vítimas de violência doméstica uma informação integral quanto aos seus direitos e, sobretudo, em caso de carência económica, um acolhimento adequado, um lugar seguro para recuperar a sua liberdade e um apoio cabal na procura de uma vida condigna;
Considerando que o artigo 8.º da Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, prevê a sua entrada em vigor e da respectiva regulamentação com a publicação do Orçamento do Estado para 2000, o que, até à data, não sucedeu;
Considerando que, ao contrário do disposto na Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/99, de 15 de Junho, não entrou em funcionamento permanente o serviço telefónico de emergência para informação e encaminhamento das vítimas de violência doméstica;
Considerando que é imperioso e urgente que tais medidas sejam concretizadas até à aprovação da Lei do Orçamento do Estado, por forma a que este preveja as respectivas dotações orçamentais;
Querendo prevenir a eventualidade de haver uma lei e um Orçamento do Estado aprovado sem que aquela tenha sido regulamentada, o que inviabilizaria completamente a execução prática das medidas previstas,
O Grupo Parlamentar do CDS-PP propõe à Assembleia da República que recomende ao Governo que:
1 - No prazo máximo de 30 dias seja publicada a regulamentação da Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, que cria a rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência, em execução e de acordo com os critérios constantes da Lei n.º 107/99, de 3 de Agosto, garantindo, assim, que no ano 2000 entrem em funcionamento 22 casas de apoio que possam acolher vítimas de violência doméstica, uma em cada distrito e região autónoma, acrescidas de uma casa suplementar nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto;
2 - Seja posto em funcionamento o serviço de atendimento telefónico permanente às vítimas de violência doméstica, a funcionar 24 horas por dia, incluindo aos sábados, domingos e feriados.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2000. Os Deputados do CDS-PP: Paulo Portas - Celeste Cardona.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 2/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, A CONVENÇÃO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA DA TUNÍSIA PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO, ASSINADA EM LISBOA, EM 24 DE FEVEREIRO DE 1999)
Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
I - Relatório
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, o Governo apresenta à Assembleia da República, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República da Tunísia para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, assinada em Lisboa, em 24 de Fevereiro de 1999.
É objectivo desta Convenção harmonizar os sistemas fiscais dos dois países com vista à facilitação dos respectivos investimentos, assegurando que estes aconteçam em condições mutuamente vantajosas, através da eliminação da dupla tributação.
Portugal tem concluído convenções deste tipo com vários dos seus parceiros comerciais, nomeadamente com o
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Reino de Marrocos, com a República da Índia, com a República Popular da China, com a República da Coreia, com a República Checa, etc.
Os impostos actuais a que esta Convenção se aplica são o IRS, o IRC e a derrama, em Portugal; o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e o imposto sobre as sociedades, na Tunísia.
Ao longo da Convenção são apresentadas definições gerais e para uma interpretação rigorosa da mesma é precisado o sentido atribuído aos conceitos de residente (artigo 4.º) e de estabelecimento estável (artigo 5.º) e é definido o procedimento relativo a rendimentos dos bens imobiliários, lucros das empresas, dividendos, juros, redevances, etc.
A Convenção protege, do ponto de vista fiscal, estudantes, estagiários e investigadores.
Na Convenção são apresentados os métodos para eliminar a dupla tributação, consagrando-se os seguintes princípios: a não discriminação; o procedimento amigável e a troca de informações.
A presente Convenção entrará em vigor um mês após a troca dos instrumentos de ratificação.
II - Parecer
Nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, a presente proposta de resolução preenche os requisitos necessários para ser apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.
Lisboa e Palácio de São Bento, 10 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Henrique Freitas - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.
Nota:- O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 3/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, A CONVENÇÃO DO UNIDROIT SOBRE BENS CULTURAIS ROUBADOS OU ILICITAMENTE EXPORTADOS, ASSINADA EM ROMA, A 24 DE JULHO DE 1995)
Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
Relatório
O Governo apresentou à Assembleia da República uma proposta de resolução que visa a ratificação de uma convenção sobre bens culturais roubados ou ilicitamente exportados.
A aprovação desta Convenção reveste-se de importante significado, na medida em que visa a criação de condições internacionais que permita a restituição de bens culturais roubados e o retorno ao Estado de onde indevidamente foram exportados.
A protecção, preservação e valorização do património cultural extravasa os limites territoriais de qualquer país. Só com a cooperação dos entidades competentes se pode assegurar a possibilidade de proceder à devolução respectiva.
Naturalmente, esta Convenção tem um âmbito mais vasto, ao estabelecer a forma de pedido de retorno e correspondente indemnização, a definição do possuidor ou mesmo a de bem cultural considerado para o efeito.
Por outro lado, a concepção de ilicitude e de exportação indevida entrecruza-se necessariamente com os direitos internos, cujos conceitos foram já na sua grande maioria assumidos pelos Estados contratantes.
O papel reconhecido aos tribunais dos Estados envolvidos ou correspondente autoridade competente concede legitimidade suficiente às decisões que venham a ser tomadas sobre os bens culturais em causa.
Esta Convenção vai, de resto, no sentido da legislação nacional já existente ao estipular a apropriação pelo Estado dos bens ilicitamente exportados, em ordem a legitimar o Estado a recorrer aos procedimentos necessários para efeitos de obter a respectivo restituição, regulando a forma de restituição e cooperação entre as diferentes entidades.
Prevê-se também a possibilidade de serem implementadas medidas cautelares, com carácter provisório que antes do processo formal ser desencadeado salvaguardam a protecção de bens.
Entretanto, no caso de alguns Estados terem legislações nacionais que em determinados aspectos sejam mais favoráveis em matéria de restituição ou retorno destes bens culturais podem aplicá-la não colidindo com a Convenção.
Releva-se as disposições relativas à entrada em vigor, uma vez que, tratando-se de uma matéria de âmbito internacional, têm importância os actos a partir dos quais caiem na alçada dos preceitos aqui estipulados.
Parecer
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação entende que a proposta de resolução n.º 3/VIII preenche os requisitos constitucionais e regimentais, pelo que está em condições de subir a Plenário,
Assembleia de República, 12 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Rodeia Machado - Pelo Presidente da Comissão, Laurentino Dias.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 4/VIII
(APROVA, PARA ADESÃO, O TRATADO DE CRIAÇÃO E ESTATUTOS DO CONSELHO LBERO-AMERICANO DO DESPORTO, ASSINADO EM MONTEVIDEU, A 4 DE AGOSTO DE 1994)
Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
Relatório
O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 4/VIII, que "Aprova, para adesão, o Tratado de Criação e Estatutos do Conselho ibero-americano do Desporto, assinado em Montevideu, a 4 de Agosto de 1994".
A supracitada proposta é efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República.
O conteúdo da proposta de resolução em apreço enquadra-se na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa e reúne os requisitos formais aplicáveis.
O presente Tratado formaliza a criação de uma nova organização de carácter inter-governamental, o Conselho lbero-Americano do Desporto, cujo objectivo primordial é a promoção do desporto nos países membros através do estabelecimento de mecanismos de cooperação e de acção comum.
Por outro lado, a adesão de Portugal a este Conselho reforça a nossa presença no quadro sectorial ibero-americano,
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sucedendo à participação portuguesa na Organização lbero-Americana da Juventude, Conferência de Ministros da Justiça dos Países lbero-Americanos e Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvolvimento.
Na medida em que estamos perante os estatutos de uma organização internacional, o texto segue um formulado padrão, definindo os objectivos que regem a actuação do Conselho lbero-Americano do Desporto, a sua estrutura orgânica, as regras de financiamento, bem como as cláusulas relativas à sua eventual dissolução e à sede do organismo.
Este Tratado não estabelece qualquer compromisso incompatível com as obrigações decorrentes do direito comunitário.
Não há lugar a qualquer alteração ou revogação da legislação em vigor, nem à criação de legislação complementar.
Os meios financeiros e humanos não estão quantificados, uma vez que, segundo o disposto no artigo 28.º dos Estatutos, o orçamento do Conselho lbero-Americano do Desporto será financiado, entre outras, mediante contribuições dos Estados a definir.
Parecer
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, tendo presente o Tratado de Criação e Estatutos do Conselho lbero-Americano do Desporto, assinado em Montevideu, a 4 de Agosto de 1994, é de parecer que a proposta de resolução n.º 4/VIII preenche os requisitos formais e obedece aos preceitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, pelo que se mostra em condições de ser apreciada em Plenário da Assembleia da República.
Palácio de S. Bento, 12 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Basílio Horta - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 5/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, O TRATADO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E A REPÚBLICA FRANCESA RELATIVO À COOPERAÇÃO NO DOMÍNIO DA DEFESA, ASSINADO EM PARIS A 30 DE JULHO DE 1999)
Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
Relatório
I - Nota preliminar
O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 5/VIII, que "Aprova, para ratificação, o Tratado entre a República Portuguesa e a República Francesa relativo à cooperação no domínio da defesa, assinado em Paris a 30 de Julho de 1999".
A apresentação da proposta de resolução em análise foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, com as necessárias adaptações.
O conteúdo da proposta de resolução n.º 5/VIII consubstancia o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, preenchendo igualmente os requisitos formais aplicáveis.
A proposta de resolução n.º 5/VIII foi aprovada na reunião do Conselho de Ministros de 11 de Novembro de 1999 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 2 de Dezembro de 1999, tendo, nessa data, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixado às Comissões Parlamentares de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Defesa Nacional para emissão dos competentes relatórios e pareceres.
II - Do objecto da proposta de resolução
Através da proposta de resolução n.º 5/VIII visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação, para ratificação, do Tratado entre a República Portuguesa e a República Francesa relativo à cooperação no domínio da defesa, assinado em Paris a 30 de Julho de 1999.
III - Dos objectivos e do conteúdo do Tratado
O Tratado entre a República Portuguesa e a República Francesa relativo à cooperação no domínio da defesa, assinado em Paris a 30 de Julho de 1999, surge como fruto dos "laços tradicionais de amizade que têm regulado as relações bilaterais de defesa entre os dois países", assumindo esse relacionamento "uma importância significativa ao nível das estruturas de segurança e defesa de que ambos fazem parte, em particular no quadro do reforço da afirmação da identidade europeia de segurança e defesa".
Por outro lado, o Tratado assinado entre os dois Estados resulta, igualmente, dos princípios e objectivos espalhados no Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington, em 4 de Abril de 1949, e na Convenção entre os Estados Parte do Tratado do Atlântico Norte sobre o estatuto das suas forças, assinado em Londres, em 19 de Junho de 1951.
O Tratado assinado entre Portugal e a França relativo à cooperação no domínio da defesa, cuja aprovação, para ratificação, o Governo deseja obter da Assembleia da República, é constituído por 13 artigos, ao longo dos quais se traça um conjunto de regras e princípios relativos à cooperação no domínio da defesa, que as partes se comprometem a observar.
Entre os aspectos mais relevantes do Tratado destacam-se, pela sua importância, os seguintes:
a) O Tratado visa promover a cooperação entre as partes nos domínios de estratégicas sobre a manutenção da estabilidade na Europa e as condições do seu reforço, assim como noutras zonas que as partes decidam estudar; a reflexão sobre as possibilidades de empreender acções comuns no quadro das operações de manutenção de paz ou humanitárias e sobre o conceito de segurança e de defesa e sobre a doutrina do emprego de forças; o controlo do armamento; a gestão, formação e treino do pessoal militar e das forças armadas; a cooperação operacional combinada, troca de informações aérea e realização de exercícios comuns; a realização de acções conjuntas na área das tecnologias, indústrias, material e equipamentos de defesa e, ainda, actividades geográficas, cartográficas e hidrográficas e manifestações históricas, culturais e desportivas;
b) A cooperação entre as partes, que poderá ser implementada através de acordos específicos, concretiza-se essencialmente através de reuniões e contactos regulares entre as partes; a participação em congressos, colóquios e seminários e encontros entre peritos no domínio da defesa; o intercâmbio de conferencistas e alunos de institutos
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militares e de defesa; a possibilidade de frequência de cursos de formação militar, visitas, estágios e estadias e intercâmbios de unidades no âmbito da formação, instrução e treino;
c) As matérias relativas às condições de estadia e assistência médica do pessoal militar e civil das forças armadas do país de origem, bem como dos membros das suas famílias, no território do país de acolhimento, assim como as infracções cometidas e condições de reparação de danos causados por aquele pessoal e pelos membros das suas famílias, são reguladas pelos artigos pertinentes da Convenção entre os Estados Parte ao Tratado do Atlântico Norte sobre o estatuto das suas forças, assinado em Londres, em 19 de Julho de 1951;
d) No que concerne ao financiamento das actividades a desenvolver no domínio da cooperação para a defesa, o mesmo será regulado por acordos técnicos específicos, cabendo a cada parte o financiamento das despesas com o destacamento do seu pessoal no país de acolhimento;
e) A troca de informação e de material classificado será regulada por um acordo suplementar a celebrar pelas partes, aplicando-se entretanto as seguintes regras: as partes comprometem-se a proteger as informações e materiais classificados a que tiverem acesso no quadro do Tratado; as informações e materiais classificados serão fornecidos unicamente pelas vias oficiais que vierem a ser acordadas entre as partes e nenhuma informação pode ser comunicada a terceiros sem prévia autorização escrita das partes;
f) Por último, o Tratado tem uma duração indeterminada, podendo ser alterado a todo o momento, por escrito e de comum acordo entre as partes e os diferendos resultantes da interpretação e da aplicação do mesmo serão regulados por conciliação, não podendo ser submetidos a uma terceira parte.
IV - Do enquadramento internacional
A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco em 26 de Junho de 1945, da qual são subscritores Portugal e a França, teve como finalidade a criação das Nações Unidas, organização internacional, cujos objectivos são a manutenção da paz e da segurança internacionais, o desenvolvimento de relações de amizade entre as nações, a realização da cooperação internacional e harmonização das acções das nações para a concretização destes objectivos.
O Tratado do Atlântico Norte, do qual fazem parte também Portugal e a França, foi assinado a 4 de Abril de 1949 em Washington, com o objectivo de congregar esforços para a defesa colectiva e para a preservação da paz e segurança. Este Tratado consiste essencialmente num acordo de assistência mútua em caso de agressão. Para além das finalidades de defesa, o Tratado tem igualmente objectivos de cooperação no domínio económico, cooperação essa que na prática se alargou a outros domínios, como o social e o cultural.
Na sequência do Tratado do Atlântico Norte foi assinada em Londres, em 19 de Junho de 1951, a Convenção entre os Estados Parte daquele Tratado sobre o estatuto das suas forças.
É, pois, à luz destes instrumentos de direito internacional que deve ser enquadrado o Tratado entre a República Portuguesa e a República Francesa relativo à cooperação no domínio da defesa, em apreciação, cujos princípios orientadores se inserem nos objectivos definidos nos citados instrumentos internacionais.
V - Parecer
A Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação é de parecer:
a) A proposta de resolução n.º 5/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais, pelo que está em condições de subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.
Assembleia da República, 6 de Janeiro de 2000. O Deputado Relator, Carlos Luís - Pelo Presidente da Comissão, Laurentino Dias.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
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