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Sexta-feira, 24 de Março de 2000 II Série-A - Número 26
VIII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1999-2000)
S U M Á R I O
Projecto de lei n.º 143/VIII:
Garante iguais condições de acesso ao trabalho de estrangeiros em território nacional (revoga a Lei n.º 20/98, de 18 de Maio) (apresentado pelo Os Verdes).
Projecto de resolução n.º 41/VIII:
Pronuncia-se pela abertura e realização do processo de revisão da Concordata, de 7 de Maio de 1940 (apresentado pelo PS).
Proposta de resolução n.º 11/VIII (Aprova, para ratificação, o Tratado de proibição total de ensaios nucleares adoptado pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 50/245, de 9 de Setembro de 1996):
- Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
- Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional.
Projecto de deliberação n.º 8/VIII:
Composição da Comissão Eventual para a Análise e a Fiscalização dos Recursos Públicos Envolvidos na Organização do EURO 2004 (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República).
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PROJECTO DE LEI N.º 143/VIII
GARANTE IGUAIS CONDIÇÕES DE ACESSO AO TRABALHO DE ESTRANGEIROS EM TERRITÓRIO NACIONAL (REVOGA A LEI N.º 20/98, DE 18 DE MAIO)
Exposição de motivos
A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 13.º, o direito à igualdade entre cidadãos ao proclamar - e citamos - que "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei", no seu n.º 1, e ao acrescentar que "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou situação social", no n.º 2 do mesmo artigo.
Um princípio estruturante do sistema constitucional global que conjuga as dimensões democráticas e sociais inerentes ao conceito de Estado de direito democrático e social, e que consubstancia a ideia de igual posição de todos os cidadãos, independentemente do seu status, perante a lei.
Esse princípio implica igualdade, dignidade social de todas as pessoas e cujo sentido imediato consiste não apenas numa regra orientadora das relações entre os cidadãos e o Estado, mas também numa regra de conduta orientadora de toda a sociedade.
Princípio esse ainda que, ao consagrar a não discriminação e a igualdade de todos perante a lei, designadamente a igualdade entre cidadãos nacionais e estrangeiros (artigo 15.º da CRP), os coloca, enquanto titulares de direito, no mesmo plano face ao direito ao trabalho (artigo 59.º da CRP).
É, pois, neste preciso contexto que se situa a presente iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar de Os Verdes sobre o trabalho de estrangeiros no nosso país, projecto esse que visa pôr fim a um diploma discriminatório (Lei n.º 20/98, de 12 de Maio) que regulamenta o trabalho de estrangeiros em território português.
Um diploma de duvidosa constitucionalidade, que define, violando grosseiramente o preceito constitucional, regras negativamente diferenciadoras nas condições de prestação de trabalho relativas a imigrantes e estrangeiros.
Uma lei, no entendimento de Os Verdes, vergonhosa que dá suporte legal a uma situação de discriminação contra cidadãos estrangeiros, particularmente insustentável num país como o nosso, país também ele de emigrantes e de gente que teve, e continua a ter, de buscar noutras latitudes a melhoria de condições de vida que a sua terra negou.
Uma discriminação na lei que reflecte uma atitude xenófoba perante estes cidadãos, discriminação essa que contribui, na prática, para agravar a fragilidade do seu estatuto perante a comunidade, para dificultar a sua integração na sociedade portuguesa e para acentuar a sua condição de bolsa de mão de obra barata, remetida ao trabalho clandestino, à exploração desenfreada e a uma chocante desigualdade.
Factos tanto mais preocupantes quando são conhecidas as inevitáveis consequências que têm em toda a vida destes cidadãos estrangeiros, tornando-os num alvo preferencial de manifestações de intolerância, de racismo e de xenofobia e de fenómenos que, de modo inquietante, ganham novas proporções um pouco por toda a Europa.
Lei discriminatória, por último, cujo fim Os Verdes propõem num projecto de lei que retoma uma iniciativa da anterior legislatura (projecto de lei n.º 326/VII) e acolhe as recomendações e os princípios definidos, designadamente, no Pacto Internacional Sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como na Carta Social Europeia, do Conselho da Europa, igualmente ratificada pelo Estado português.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo único
É revogada a Lei n.º 20/98, de 12 de Maio, que estabelece a regulamentação do trabalho de estrangeiros em território nacional.
Palácio de São Bento, 21 de Março de 2000. Os Deputados de Os Verdes: Isabel Castro - Fernando Pésinho.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 41/VIII
PRONUNCIA-SE PELA ABERTURA E REALIZAÇÃO DO PROCESSO DE REVISÃO DA CONCORDATA, DE 7 DE MAIO DE 1940
Negociada na década de 30 e aprovada em 1940, a Concordata celebrada entre o Estado português e a Santa Sé - consagrando um regime de reconhecimento preferencial e privilegiado da Igreja Católica- não ficou imune às profundas mudanças que marcaram a segunda metade do século XX.
O derrube da ditadura e a descolonização (que fez desaparecer o mundo para o qual fora gizado o Acordo Missionário) mudaram por completo o contexto no qual se processou durante décadas o relacionamento entre o Estado português e a Igreja Católica. Com o 25 de Abril e o advento da democracia ficaram sem expressão prática normas fundamentais pactuadas num período histórico definitivamente superado.
Em 1975 o texto concordatário foi formalmente revisto, eliminando-se a norma que privava os cidadãos casados catolicamente do direito ao divórcio.
Em 1976 a entrada em vigor da Constituição da República veio estabelecer, de forma inequívoca e com suprema força jurídica, o quadro aplicável a todas as confissões religiosas, cuja liberdade e igualdade de tratamento, no contexto de um Estado laico e de uma sociedade multicultural, ficaram plenamente consagradas, gerando alargado consenso. Em conformidade, os órgãos de soberania abstiveram-se de exercer prerrogativas concordatárias violadoras do princípio constitucional da separação entre o Estado e as igrejas.
Ao longo de mais de duas décadas de democracia o saudável relacionamento entre o Estado democrático e a Igreja Católica levou a que não fosse colocada em primeiro plano a necessidade de uma revisão da Concordata capaz de operar uma destrinça entre normas merecedoras de convalidação e outras tornadas inconstitucionais, caídas em desuso ou sem alcance prático possível no mundo hodierno.
Chegado, porém, o momento de aprovar a primeira lei da liberdade religiosa do regime democrático, rapidamente avultou a importância e a inevitabilidade de dar aos instrumentos que regulam as relações entre o Estado português e a Santa Sé uma redacção plenamente conforme ao novo quadro.
Essa necessidade é hoje consensualmente reconhecida.
Nestes termos, a Assembleia da República pronuncia-se pela adopção, pelo Estado português, das medidas necessárias e adequadas à abertura e à realização, nos termos decorrentes
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da Constituição da República e do direito internacional, do processo de revisão da Concordata de 7 de Maio de 1940.
Palácio de São Bento, 23 de Março de 2000. Os Deputados do PS: Francisco Assis - José Vera Jardim - Manuel Alegre - António Reis - Jorge Lacão - Manuel dos Santos - José Magalhães - Ana Catarina Mendonça - Helena Roseta - José Barros Moura - Cláudio Monteiro - Artur Penedos - Nuno Baltazar Mendes.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 11/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, O TRATADO DE PROIBIÇÃO TOTAL DE ENSAIOS NUCLEARES ADOPTADO PELA RESOLUÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS N.º 50/245, DE 9 DE SETEMBRO DE 1996)
Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
I - Relatório
A - Introdução
1 - O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 11/VIII, que "Aprova, para ratificação, o Tratado de proibição total de ensaios nucleares, adoptado pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 50/245, de 9 de Setembro de 1996".
2 - A supracitada proposta é feita nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República.
3 - O conteúdo da proposta em apreço enquadra-se na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa e reúne os requisitos formais exigidos.
B - O enquadramento do Tratado
1 - Breves referências históricas
"The nuclear military race has no military purpose. Wars cannot be fought with nuclear weapons. Their existence only adds to our perils."
Louis Mountbatten (Earl Mountbatten of Burma) Speech at Strasbourg 11 May 1979.
A adopção do Tratado de proibição total de ensaios nucleares pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução n.º 50/245, de 9 de Setembro de 1990, constitui mais um passo no sentido do desarmamento em geral e no controlo das armas nucleares em particular.
No fim da Segunda Guerra Mundial um enorme desejo de paz, para não voltar a sofrer os horrores da guerra, era o sentimento dominante entre os povos do mundo inteiro. A adopção da Carta das Nações Unidas, em 25 de Junho de 1945, em São Francisco (EUA), seguida da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 24 de Outubro de 1945, depois de a Carta ter sido ratificada pela maioria dos países que a tinha adoptado, incluindo os cinco membros do Conselho de Segurança - Estados Unidos, URSS, Reino Unido, China e França -, colocava entre os principais objectivos da ONU "garantir a paz e a segurança internacionais" consagrando este sentimento colectivo.
O bombardeamento atómico das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em Agosto de 1945, mostra pela primeira vez ao mundo o poder destruidor da bomba atómica, e leva os Estados a reflectir sobre as consequências da sua utilização. Esta nova arma, pelo seu poder e potencialidades, dá também origem a uma revisão profunda das concepções de estratégia, de relações de força e de poder, de política, de diplomacia, e de relações internacionais.
Em 10 de Janeiro de 1946 é votada a primeira resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, que é consagrada à utilização da energia atómica para fins pacíficos e à eliminação das armas atómicas e de destruição maciça.
Muito rapidamente, os Estados Unidos apresentam, no seio da Comissão de Energia Atómica, criada em 15 de Novembro de 1945, o Plano Baruch que propõe uma autoridade internacional para dirigir o desenvolvimento da energia atómica. A URSS contrapõe o Plano Gromyko que defende a proibição das armas nucleares atómicas e a destruição dos stocks existentes. Em 13 de Fevereiro de 1947 é criada a Comissão para os Armamentos Convencionais, onde a URSS apresenta uma nova proposta soviética que pede a redução proporcional de um terço das forças terrestres, navais e aéreas de cada uma das superpotências.
A degradação rápida das relações entre as potências vitoriosas, no imediato pós-guerra, e o facto de os planos, pelo menos em parte, tentarem conservar as vantagens estratégicas de que os respectivos autores dispunham, não permitiram alcançar um acordo nesta matéria. Na verdade, os Estados Unidos ao propor a entrega do desenvolvimento da energia atómica a uma autoridade internacional tentavam afastar a URSS da posse da tecnologia militar atómica. A URSS ao propor a redução proporcional das forças armadas de ambos os lados tentava conservar a vantagem estratégica de que dispunha no domínio das forças convencionais.
Na sequência do desacordo em matéria de desarmamento, a Comissão de Energia e a Comissão para os Armamentos Convencionais foram extintas. No entanto, a importância desta matéria levou a que, em 1952, fosse criada a Comissão do Desarmamento que prosseguiu os trabalhos anteriormente começados.
No XX Congresso do Partido Comunista da URSS, realizado em Fevereiro de 1956, Khrushchev retoma a doutrina da coexistência pacífica, o que vai abrir caminho para o abrandamento da tensão entre os dois blocos, possibilitando a abordagem do desarmamento a nível bilateral, ao mesmo tempo que prosseguiam os trabalhos iniciados no quadro da ONU.
O desanuviamento da atmosfera internacional começou a produzir resultados positivos muito rapidamente. Sem pretender tratar este assunto exaustivamente cumpre assinalar que os avanços foram feitos em direcção à criação de zonas livres de armas nucleares, à proibição de ensaios de armas nucleares e à não proliferação.
No que diz respeito à criação de zonas livres de armas nucleares, temos, em primeiro lugar, o Tratado sobre a Antárctida, assinado em Washington, a 1 de Dezembro de 1959, que entrou em vigor em 23 de Junho de 1961. As principais características deste Tratado são a introdução do conceito de "zona livre de armas nucleares" (nuclear-weapon-free-zone) proibindo todas as explosões nucleares, assim como o armazenamento de resíduos radioactivos na Antárctida.
Cabe ainda fazer referência ao Tratado proibindo as armas nucleares na América Latina, assinado em 14 de Fevereiro
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de 1967, também conhecido por Tratado de Tatelolco (México), que é complementado por dois Protocolos Adicionais.
Este tratado inclui características que merecem ser sublinhadas por constituírem uma novidade neste tipo de acordos internacionais. Deste modo, vemos, pela primeira vez, ser definida uma zona habitada livre de armas nucleares, admitido o controlo de armamentos por um organismo internacional, aceite, formalmente, pelos Estados Unidos a restrição do uso de armas nucleares e aprovado pela China este controlo de armamentos.
Neste grupo temos também o Tratado sobre os princípios que regulam as actividades dos Estados em matéria de exploração e de utilização do espaço exterior, incluindo a lua e os outros corpos celestes, assinado em 27 de Janeiro de 1967, entrando em vigor em 10 de Outubro de 1967. Entre as principais disposições deste Tratado temos a proibição da colocação de armas nucleares e outras de destruição maciça em órbita terrestre ou nos corpos celestes. No entanto, a proibição não compreende o movimento de satélites armados, a trajectória dos mísseis no espaço exterior, nem a colocação de satélites para operar e controlar armas nucleares.
Quanto à proibição de ensaios nucleares, há que notar o Tratado interditando os ensaios de armas nucleares na atmosfera, no espaço exterior e debaixo da superfície do mar, assinado em 5 de Agosto de 1963, em Moscovo, que entrou em vigor em 10 de Outubro de 1963. Nos termos deste tratado fica proibida a realização de experiências nucleares na atmosfera, no espaço exterior e debaixo da superfície do mar. Não foi possível incluir no acordo os ensaios nucleares subterrâneos, pois devido à dificuldade em os detectar seriam aconselhadas inspecções locais.
Nesta medida, este Tratado tem uma continuação lógica no Tratado limitando os ensaios subterrâneos de armas nucleares, assinado em 5 de Abril de 1974 que não foi ratificado pelos Estados Unidos, e no Tratado sobre explosões nucleares subterrâneas para fins pacíficos, de 28 de Maio de 1976.
Relativamente à não proliferação, temos o Tratado de não proliferação de armas nucleares, assinado em 1 de Junho de 1968, que entrou em vigor, em 5 de Março de 1970. Os principais objectivos deste Tratado dizem respeito à limitação das transferências dos meios necessários à fabricação de armas nucleares, à promoção do processo de desarmamento nuclear entre os países que detêm esses meios e à garantia de acesso de todos os países à tecnologia nuclear para fins pacíficos.
O artigo VI deste Tratado estabelece, como dever das partes, prosseguir na tentativa de alcançar o controlo das armas nucleares, o desarmamento nuclear e ainda o desarmamento sobre controlo internacional.
Para terminar, há ainda que fazer uma breve referência aos resultados obtidos a nível bilateral, entre os Estados Unidos e a URSS, nas Conversações sobre a limitação das armas estratégicas (Strategic Arms Limitation Talks (SALT), no quadro do controlo de armamentos.
Neste grupo, temos o Tratado sobre a limitação de sistemas de mísseis anti-balísticos (ABM), assinado em Moscovo, a 26 de Maio de 1972, que entrou em vigo, em 3 de Outubro de 1972. Este Tratado limita a dois os locais de instalação por país dos sistemas de defesa anti-mísseis (ABM).
Em seguida, vem o Acordo SALT I, assinado em Moscovo, a 26 de Maio de 1972, que entrou em vigor em 3 de Outubro de 1972. Este Acordo, válido por cinco anos, estabelece limites quantitativos relativamente aos mísseis balísticos intercontinentais (ICBM), aos mísseis balísticos lançados a partir de submarinos (SLBM) e proíbe a construção de rampas de lançamento de mísseis ICBM.
Por último, o Tratado sobre a limitação de armas ofensivas estratégicas, (SALT II), assinado em 18 de Junho de 1979, que o Senado dos EUA não deixou ratificar devido à intervenção soviética no Afeganistão, o que não impediu os Presidentes Carter e Reagan por um lado, e o Presidente Brezhnev, pelo outro, de afirmarem que o respeitariam. Do Tratado constavam um inventário das armas sujeitas a controlo e uma declaração conjunta sobre os princípios e bases orientadoras de futuras negociações sobre limitação de armas estratégicas.
2 - Enquadramento jurídico internacional
A manutenção da paz e da segurança internacionais são a principal missão atribuída à Organização das Nações Unidas (ONU). Esta é a grande ideia que está inserida no preâmbulo da Carta das Nações Unidas nos seguintes termos: "Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes no espaço de uma vida humana, trouxe indizíveis sofrimentos à humanidade ... e para tais fins ... A praticar a tolerância e a viver em paz uns com os outros como bons vizinhos; A unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; ..."
Esta ideia é reafirmada no artigo 1.º, n.º 1, nos seguintes termos: "Manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz e reprimir os actos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz a chegar por meios pacíficos e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam levar a uma perturbação da paz."
O artigo 2.º, n.os 3 e 4, ao repetirem esta ideia sublinham a sua importância.
O artigo 11.º, n.º 1, retoma este tema, indicando o desarmamento e a regulamentação dos armamentos como modo de o alcançar nos seguintes termos: "A Assembleia Geral poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles conjuntamente."
Portugal é membro da ONU, desde 14 de Dezembro de 1955, e nessa qualidade cabe-lhe agir de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, da Carta da ONU para a realização dos objectivos acima mencionados nos quais a adesão a este tratado se enquadra. Nesta medida, o Governo ao assinar o presente Tratado e ao apresentá-lo à Assembleia da República, para aprovação, seguida de ratificação, está a cumprir os deveres que o País livremente assumiu ao tornar-se de membro da ONU.
3 - O enquadramento jurídico interno
No ordenamento jurídico português encontramos enquadramento legal para a adesão ao Tratado em exame, no artigo 7.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que determina que "Portugal rege-se nas suas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos,
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da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade", que constitui um enquadramento lato da questão.
No n.º 2 do mesmo artigo da CRP o enquadramento legal torna-se mais preciso, pois visa o próprio conteúdo do Tratado quando determina que "Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos".
C - Breve referência às principais disposições deste Tratado
O Tratado de proibição total de ensaios nucleares compreende um Preâmbulo, 17 artigos, dois anexos e um Protocolo, merecendo algumas das suas disposições uma referência particular, pela sua importância no quadro dos objectivos do Tratado.
Em primeiro lugar, temos no preâmbulo uma chamada de atenção para "a necessidade de se desenvolverem esforços progressivos e sistemáticos" para atingir a meta última "o desarmamento total e generalizado, sob controlo internacional rigoroso eficaz" das armas nucleares.
No artigo I temos a proibição de todas as explosões de ensaio com armas nucleares, assim como de causar, encorajar ou participar na realização destas explosões.
O artigo II cria a Organização do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares, "com o intuito de realizar o objecto e a finalidade do dito tratado, assegurar a aplicação das suas disposições incluindo a verificação internacional do respectivo cumprimento e criar um fórum de consulta e cooperação entre os Estados partes".
Está prevista a privação do exercício do direito de voto dos Estados partes, com pagamentos em atraso, em montante igual ou superior à contribuição em dívida, referente aos últimos dois anos.
A Organização terá os seguintes órgãos:
- A Conferência dos Estados Partes;
- O Conselho Executivo;
- O Secretariado Técnico;
- O Centro Internacional de Dados.
A Organização e os Estados partes, nas suas relações no quadro do Tratado, trocarão informação e dados que devem tratar em conformidade com as disposições de confidencialidade e os direitos e deveres decorrentes deste Tratado.
A Conferência dos Estados partes é constituída por um representante de cada Estado parte, sendo o principal órgão da organização. Cada Estado parte dispõe de um voto, o quorum é constituído pela maioria dos Estados partes, sendo as decisões sobre questões de fundo, aprovadas na medida do possível por consenso, ou na sua ausência por maioria de dois terços dos membros presentes e votantes.
A Conferência dispõe de amplos poderes podendo examinar "em conformidade com este Tratado, todas e quaisquer questões, matérias ou problemas do âmbito do mesmo, incluindo os que se relacionarem com os poderes e funções do Conselho Executivo e do Secretariado Técnico".
O Conselho executivo é composto por 51 membros representando várias zonas geográficas conforme indicado no n.º 28 do artigo II.
O artigo III pede aos Estados parte para implementarem, internamente, as medidas necessárias ao cumprimento das suas obrigações decorrentes do Tratado.
No artigo IV está estabelecido o regime de verificação que compreende os seguintes um sistema internacional de vigilância, consultas e esclarecimentos, inspecções in situ e medidas para a criação de confiança.
O artigo V indica as medidas necessárias para garantir o cumprimento das disposições do Tratado, onde estão incluídas, entre outras, a restrição ou suspensão do exercício dos direitos e privilégios outorgados aos Estados parte.
No artigo VI é feita referência ao processo de solução de diferendos relativos à aplicação ou interpretação do Tratado, que pode incluir o recurso ao Tribunal Internacional de Justiça.
Os artigos VII e VIII descrevem o processo de emenda e de revisão do Tratado.
No artigo IX, depois da indicação da duração ilimitada do Tratado, faz-se referência que na notificação da denúncia deve constar a explicação do acontecimento extraordinário que põe em perigo os seus interesses supremos, no entender desse Estado parte.
Os artigos X, XI, XII, XIII, XV, XVI e XVII dão indicações quanto ao estatuto do Protocolo e Anexos, à assinatura, à ratificação, à adesão, às reservas, ao depositário e aos textos autênticos, respectivamente.
No artigo XIV está previsto o regime da entrada em vigor, que compreende a convocação de uma conferência para examinar as medidas a tomar neste sentido, no caso de a entrada em vigor se não ter verificado no período de três anos que decorre a seguir à data da abertura para assinatura.
D - Situação do processo de entrada em vigor do Tratado
Dos 44 Estados, constantes da lista do Anexo 2, cuja assinatura e ratificação é exigida para o Tratado entrar em vigor apenas 28 Estados cumpriram estas exigências, num total de 41 Estados que o assinaram. A República Popular Democrática da Coreia, a Índia e o Paquistão ainda nem sequer tinham assinado. Nestas condições, e tendo já passado três anos sobre a data da abertura para assinatura, realizou-se de 6 a 8 de Outubro de 1999, em Viena, Áustria, a Conferência para Facilitar a Entrada em Vigor do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares, prevista nos termos no n.º 2 do artigo XIV, que "decidirá, por consenso, quais as medidas compatíveis com o direito internacional que podem ser tomadas para acelerar o processo de ratificação a fim de facilitar a rápida entrada em vigor do Tratado".
As principais conclusões da Conferência que estão na declaração final sublinham a importância da entrada em vigor do Tratado, que constitui uma medida efectiva de desarmamento nuclear e de não proliferação e, consequentemente, um passo significativo para a realização do desarmamento nuclear.
Depois de assinalar que existem três Estados, cuja assinatura e ratificação são necessárias para a entrada em vigor do Tratado, que ainda não procederam à assinatura apela-se a dois desses Estados que prometeram não atrasar a entrada em vigor que cumpram a sua promessa e ao outro Estado, que não expressou as suas intenções pede-se que proceda à assinatura e ratificação.
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A declaração termina reafirmando o compromisso com as obrigações de base do Tratado, a vontade de não praticar actos que as violem e o empenho em prosseguir os esforços para que o regime de verificação atinja as respectivas necessidades no momento da entrada em vigor do Tratado.
A esta Conferência assistiram a Líbia, o Paquistão, a Arábia Saudita e o Zimbabwe, países que, nessa data, ainda não tinham assinado o Tratado.
Para completar a informação relativa ao processo de entrada em vigor do Tratado, para além dos dados acima fornecidos sobre o grupo de 44 Estados, há ainda a mencionar que, em 22 de Março de 2000, 155 Estados tinham assinado o Tratado, dos quais 54 também procederam à sua ratificação.
II - Parecer
Atentas as considerações produzidas, somos de parecer que a proposta de resolução n.º 11/VIII reúne os requisitos formais e regimentais necessários, pelo que está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade.
Palácio de São Bento, 23 de Março de 2000. A Deputada Relatora, Rosa Albernaz - O Vice-Presidente da Comissão, Laurentino Dias.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência do PCP.
Relatório e parecer da Comissão de Defesa Nacional
I - Relatório
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, o Governo apresenta à Assembleia da República, para ratificação, o Tratado de proibição total de ensaios nucleares adoptado pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 50/245, de 9 de Setembro de 1996.
Os Estados Partes no presente Tratado, conscientes da "(...) necessidade de se desenvolverem esforços progressivos e sistemáticos no sentido de uma redução global das armas nucleares", e reconhecendo não só "que a cessação de todas as explosões de ensaio com armas nucleares e de todas e quaisquer outras explosões nucleares (...), constitui uma medida eficaz de desarmamento nuclear e de não proliferação em todos os seus aspectos", mas também "que o fim de todas as explosões nucleares acima mencionadas constituirá um passo significativo na concretização de um processo sistemático de desarmamento nuclear" e de promoção da paz e segurança internacionais, acordaram as seguintes obrigações fundamentais:
- " (...) não levar a efeito quaisquer explosões de ensaio com armas nucleares, ou toda e qualquer outra explosão nuclear, e proibir e evitar que tais explosões nucleares ocorram em qualquer lugar do território sob a sua jurisdição e controlo;"
- " (...) abster-se de causar, encorajar ou, por qualquer forma, participar na realização de qualquer explosão de ensaio com armas nucleares, ou toda e qualquer outra explosão nuclear."
No sentido de dar corpo aos desideratos supra enunciados os Estados partes deste Tratado constituem a Organização do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (OTPTEN), que terá a sua sede em Viena, na República da Áustria.
A OTPTEN será constituída pelos seguintes órgãos:
- Conferência dos Estados Partes;
- Conselho Executivo;
- Secretariado Técnico, que integra o Centro Internacional de Dados.
A Conferência é o principal órgão da organização e destacam-se os seguintes poderes e funções pela relevância que encerram:
- Examinar todas e quaisquer questões, matérias ou problemas do âmbito do Tratado;
- Fazer recomendações e tomar decisões sobre quaisquer questões, matérias ou problemas do âmbito do Tratado que sejam levantados por um Estado parte ou submetidos à sua apreciação pelo Conselho Executivo;
- Supervisionar a aplicação do presente Tratado, as actividades do Conselho Executivo e do Secretariado Técnico.
O Conselho Executivo será o órgão executivo da Organização, e é composto por 51 membros de vários países, com a seguinte distribuição geográfica:
- 10 Estados de África;
- Sete Estados da Europa Oriental;
- Nove Estados da América Latina e das Caraíbas;
- Sete Estados do Médio Oriente e da Ásia Meridional;
- 10 Estados da América do Norte e Europa Ocidental;
- Oito Estados do Sudoeste Asiático, Pacífico e Extremo Oriente.
O Secretariado Técnico dará apoio aos Estados partes na aplicação do Tratado.
O Presente Tratado define ainda os privilégios e as imunidades conferidas à Organização e estatui medidas nacionais para a aplicação do presente Tratado.
Com o objectivo de verificar o cumprimento do Tratado será criado um regime de verificação constituído pelos seguintes elementos:
- Um sistema internacional de vigilância;
- Consultas e esclarecimentos;
- Inspecções in situ;
- Medidas de fomento da confiança.
O Tratado institui ainda medidas, que podem incluir sanções, para corrigir uma situação e garantir o cumprimento das disposições do mesmo, destacando-se a possibilidade de restringir ou suspender o exercício dos direitos e privilégios que o Tratado outorga a um Estado se este não corrigir uma qualquer situação que suscite problemas relativos ao cumprimento do Tratado.
No presente Tratado são definidos meios para a solução de diferendos, podendo mesmo, para tal, recorrer-se a disposições da Carta das Nações Unidas.
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10 anos depois da entrada em vigor do Tratado, salvo decisão em contrário tomada pela maioria dos Estados partes, realizar-se-á uma conferência dos Estados partes para rever o seu funcionamento e eficácia.
O Tratado terá uma duração ilimitada.
O Tratado é aberto à assinatura de todos e quaisquer Estados antes da sua entrada em vigor, que ocorrerá 180 dias após a data de depósito dos instrumentos de ratificação por todos os Estados mencionados no Anexo 2 ao presente Tratado, mas nunca antes de dois anos após a sua abertura para assinatura.
O Secretário-Geral das Nações Unidas será o depositário do Tratado.
O Tratado é ainda acompanhado por dois anexos e um Protocolo.
II - Parecer
Nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, a presente proposta de resolução preenche os requisitos necessários para ser apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.
Lisboa e Palácio de São Bento, 23 de Março de 2000. O Deputado Relator, Luís Cirilo - O Presidente da Comissão, Eduardo Pereira.
PROJECTO DE DELIBERAÇÃO N.º 8/VIII
COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO EVENTUAL PARA A ANÁLISE E A FISCALIZAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS ENVOLVIDOS NA ORGANIZAÇÃO DO EURO 2004
A Assembleia da República delibera, nos termos do n.º 4 do artigo 30.º do Regimento, que o número de membros da Comissão Eventual para a Análise e a Fiscalização dos Recursos Públicos Envolvidos na Organização do Euro 2004, seja o seguinte:
PS - 12
PPD/PSD - seis
PCP - dois
CDS-PP - dois
Os Verdes - um
BE - um
Aprovada em 22 de Março de 2000. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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0582 | II Série A - Número 026 | 24 de Março de 2000