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1885 | II Série A - Número 059 | 15 de Julho de 2000

 

Esta proposta de lei vai, assim, muito para além de quaisquer propostas que visem a instauração de outros modelos, o que, em nosso entender, não se aplicam à participação das mulheres.
Efectivamente, modelos de representação como os referidos configuram uma estratégia que normalmente se aplica a determinados grupos que, pela sua dimensão ou interesses específicos, exigem mecanismos próprios de representação para a defesa dessa especificidade. As mulheres, porém, não são um mero grupo especial, ou uma categoria específica, são mais de metade da Humanidade e uma das suas duas únicas componentes.
No que se refere à representação homens-mulheres deve-se falar de democracia paritária. Não se trata de um grupo específico, cujos interesses próprios importa salvaguardar mas, sim, de metade da Humanidade e dos interesses dessa mesma Humanidade no seu conjunto. Por isso, trata-se de estabelecer um princípio e uma disposição permanente que possam garantir a representação real do povo na sua dualidade do masculino e do feminino.
É certo que, no passado, a adopção de outros modelos produziu efeitos positivos em alguns países e permitiu um avanço considerável na participação feminina em algumas sociedades; mas é a paridade que verdadeiramente reconhece estas duas dimensões essenciais e dá resposta ao princípio da igualdade, enquanto requisito democrático e direito fundamental.
A estas duas dimensões da Humanidade, a do masculino e a do feminino, a história e a cultura têm atribuído tarefas e mundos diferentes, que o nosso tempo, de modo especial, se encarregou de contestar.
O facto de os homens se terem dedicado à esfera pública e as mulheres à esfera privada foi durante muito tempo considerado como relevando da ordem natural das coisas. O peso da história, da ideologia, da cultura, das desigualdades persistentes nos domínios económico e social, assim como a relação dos homens com o poder têm constituído, do mesmo modo, obstáculos no caminho das cidadãs e dos cidadãos para uma efectiva paridade de participação e representação.
A consagração do princípio da paridade, nos termos da presente proposta de lei, tem fundamento num facto incontestável e incontornável: a Humanidade é constituída por homens e por mulheres que concorrem, em conjunto e em complementaridade, para a perenidade da espécie humana.
Por isso, as mulheres devem também participar, em conjunto e complementarmente, na condução dos assuntos da res publica, em termos paritários. Devem participar em igualdade na gestão da polis, portanto na vida política no seu sentido mais amplo e profundo.
A sub-representação das mulheres é um défice lançado contra o universalismo republicano e a igualdade que o fundamenta. A paridade é o único meio de o suprimir, permanecendo fiel ao princípio da igualdade. Porque recusando a desigualdade que caracteriza a situação actual e que é profundamente injusta e anti-democrática, ela aceita e valoriza a diferença, que reconhece a especificidade das pessoas.
Uma participação mais significativa das mulheres na vida política, sendo essencialmente um requisito de justiça e de democracia, permitirá também o aparecimento de novos olhares sobre a realidade e de pontos de vista diferentes, já que homens e mulheres têm, naturalmente, vivências e experiências que são histórica e culturalmente diferentes.
Matérias, até há pouco, situadas fora do âmbito das questões políticas passam a sê-lo, por força da evolução da situação das mulheres e do seu acesso à vida profissional, pública e política. Exemplo relevante na nossa sociedade é o que se refere às questões da compatibilização da vida profissional e pública e da vida privada e familiar, que é a questão chave da organização social do nosso tempo. Por força da entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, o que era matéria que relevava da vida privada passou, por força de tais circunstâncias, para a esfera do político.
Do mesmo modo, em outras áreas - a organização social e do trabalho, as questões da saúde, designadamente a saúde reprodutiva, a organização e gestão da educação e do sistema de ensino - a visão e experiência histórica das mulheres podem contribuir para novas soluções políticas mais abrangentes e inovadoras.
A presente proposta de lei, de forma clara e simples, poderá, assim, constituir uma importante inovação na vida pública, e na renovação das elites políticas, contribuindo também para uma evolução da presença da mulher nos outros sectores da sociedade. De facto, a paridade na vida política, como em outros sectores da sociedade, é um instrumento constitutivo de uma melhor igualdade.
A paridade é, também, uma reforma cultural de grande alcance e profundidade. E nenhuma reforma desta grandeza pode ter êxito sem um mínimo de pragmatismo. Uma paridade de princípio sem objectivos e metas quantificadas e sem um processo de controlo não seria eficaz.
No domínio dos princípios que neste contexto interessa reafirmar, o reconhecimento da igualdade de direitos de mulheres e de homens em relação à cidadania e à participação democrática constitui, por certo, uma das aquisições fundamentais a ter em conta. Por um lado, representa um corolário da afirmação do princípio da dignidade humana, um dos pilares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e, por outro, vem emprestar consistência ao conceito de democracia, também ele um dos seus alicerces fundantes.
"Não obstante, no dizer de Manuela Silva, in Igualdade de Género - Caminhos e Atalhos para uma Sociedade Inclusiva, Lisboa, 1999, subsiste, nas nossas sociedades, como que uma "mão invisível", que tem impedido a concretização deste direito, no que respeita à representatividade e à participação paritária de mulheres e homens nos órgãos e processos de tomada de decisão política.
Deste facto incontestável decorrem consequências duplamente negativas. Em primeiro lugar, para as próprias mulheres que vêem, na prática, ser-lhes cerceada a sua cidadania, com privação de direitos e deveres que formalmente lhes são conferidos; em segundo lugar, para a democracia, que deixa de contar com os recursos potenciais de metade da população supostamente abrangida e, bem assim, perde credibilidade no terreno do respeito pela igualdade, ao marginalizar e, no limite, excluir as mulheres das suas instituições mais genuínas.
Mais do que nunca, as mulheres (mas não só elas!) dão-se conta de que existe um enorme e injusto fosso entre o seu contributo, directo e indirecto, para a produção nacional e a riqueza colectiva, para a constituição das receitas dos orçamentos públicos, para o progresso científico e tecnológico, para a cultura, em suma para o desenvolvimento da sociedade no seu todo e na sua participação efectiva nas tomadas de decisão relativamente à orientação dessas esferas da vida colectiva.
Isto não porque faltem às mulheres as correspondentes qualificações académicas e profissionais, mas tão-somente porque o poder político instituído as mantém ausentes da

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