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Sábado, 21 de Outubro de 2000 II Série-A - Número 9

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2000-2001)

S U M Á R I O

Resoluções:
- Promoção da utilização do transporte público.
- Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Deliberação n.º 22-PL/2000:
Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF) , bem como à organização do seu processo de privatização.

Projectos de lei (n.os 79, 219, 254, 270, 297, 315 e 316/VIII):
N.º 79/VIII (Incentivos para o desenvolvimento do distrito de Viana do Castelo):
- Relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
N.º 219/VIII (Considera o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação pelos educadores de infância habilitados com cursos de formação a educadores de infância para efeitos da carreira docente):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
N.º 254/VIII (Reenquadramento de pessoal da Direcção-Geral de Impostos (DGCI)):
- Idem.
N.º 270/VIII (Exercício antecipado do direito de voto, nas eleições para a Assembleia da República, por estudantes recenseados nas regiões autónomas e ausente delas na data das eleições):
- Parecer do Governo Regional dos Açores.
N.º 297/VIII (Proíbe a passagem de navios contendo cargas radioactivas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Relatório e parecer da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente.
N.º 315/VIII - Cria o projecto-piloto de prescrição médica de estupefacientes (apresentado pelo BE).
N.º 316/VIII - Confirma o passe social inter-modal como título nos transportes colectivos de passageiros e actualiza o âmbito geográfico das respectivas coroas (apresentado pelo PCP):
- Texto e despacho n.º 70/VIII de admissibilidade.

Proposta de lei n.º 49/VIII:
Altera os artigos 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 17.º, 18.º e 24.º e adita os artigos 10.º-A e 14.º-A à Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais).

Projecto de resolução n.º 80/VIII:
Sobre a instalação de um sistema de controlo de tráfego marítimo (apresentado pelo Os Verdes).

Propostas de resolução (n.os 27, 28, 36, 44 e 45/VIII):
N.º 27/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998):
- Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

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N.º 28/VIII (Aprova, para adesão, a Emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
- Idem.
N.º 36/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, e o Protocolo Adicional que proíbe a clonagem de seres humanos, aberto à assinatura em Paris, a 12 de Janeiro de 1998):
- Idem.
- Idem.
N.º 44/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção-Quadro para a protecção das minorias nacionais, aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em Estrasburgo, a 1 de Fevereiro de 1995. (a)
N.º 45/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 181 da Organização Internacional do Trabalho, sobre as agências de emprego privadas, adoptada pela Conferência Internacional do Trabalho em 19 de Junho de 1997. (a)

(a) São publicadas em suplemento a este número.

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RESOLUÇÃO
PROMOÇÃO DA UTILIZAÇÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:
1 - Crie mecanismos de coordenação do sistema de transportes com vista a garantir uma boa articulação entre os vários modos favorecendo a melhoria da mobilidade e acessibilidade dos cidadãos, bem como da sua qualidade de vida;
2 - Reforce a introdução de medidas de promoção dos transportes colectivos de qualidade, dando especial atenção ao desenvolvimento dos modos mais eficientes do ponto de vista ambiental;
3 - Reforce a consolidação da política energética no sentido de obtenção de ganhos de eficiência e de diminuição do impacto ambiental do sector dos transportes.

A consecução destes objectivos passará pela concretização das seguintes medidas:

a) Criação das Comissões Metropolitanas de Transportes, dando execução ao previsto na Lei de Bases dos Transportes Terrestres;
b) Incentivo à criação de títulos de transporte, integrando a utilização do transporte colectivo e do transporte individual, dando prioridade à utilização de parques de estacionamento periféricos de rebatimento aos modos de transporte colectivo;
c) Reforço do investimento nos modos de transporte colectivo de qualidade, em termos de regularidade, fiabilidade do serviço e conforto e com menores custos ambientais, designadamente os modos ferroviários e fluvial;
d) Incremento da construção de um sistema de interfaces que articulem os vários modos de transporte colectivo e destes com o transporte individual;
e) Criação de sistemas de incentivos à melhoria da segurança nos transportes colectivos;
f) Incentivo à criação de títulos de transporte multimodais e à introdução de novas tecnologias de bilhética;
g) Criação de medidas de incentivo à utilização de energias alternativas menos poluentes, nomeadamente nos centros urbanos;
h) Reforço dos sistemas de apoio à inovação e introdução das novas tecnologias no sistema de transportes públicos com prioridade para os incentivos à optimização da utilização das frotas e à utilização da telemática dirigida à melhoria da informação ao público em tempo real.

Aprovada em 4 de Outubro de 2000. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

RESOLUÇÃO
CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, o seguinte:

1 - Tomar nota dos contributos, propostas e observações gerais dos seus representantes na Convenção e aprovar o sentido fundamental dessa intervenção;
2 - Entender que deve ser contrariada a tendência para condicionar os trabalhos da Convenção ao calendário da Presidência francesa com prejuízo de um trabalho aprofundado dentro do prazo fixado pelos Conselhos Europeus de Colónia e de Tampere que termina só no final do ano em curso;
3 - Declarar-se a favor de uma Carta dos Direitos Fundamentais que possa ser aprovada pelos Governos e Parlamentos dos Estados membros como instrumento vinculativo, com valor de direito originário, cujas normas sejam garantidas mediante tutela jurisdicional;
4 - Considerar que a principal função da Carta deverá ser dar aos direitos fundamentais, decorrentes da ordem jurídica comunitária - no respeito do princípio da indivisibilidade e igual importância dos direitos civis e políticos e dos direitos económicos, sociais e culturais - a dignidade formal e material correspondente, densificando e actualizando, através de normas, a protecção dos direitos fundamentais consagrada no artigo 6.º do Tratado de UE, por referência aos princípios gerais de direito definidos à luz da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) e das tradições constitucionais comuns aos Estados membros, bem como da Carta Social Europeia e do direito internacional em geral. Assim, a Carta reforçará a legitimidade política e moral de uma organização singular como a União Europeia que, por atribuição dos Tratados constitutivos, exerce já amplos poderes de carácter político que se repercutem na esfera jurídica de pessoas.
5 - Considerar que a Carta deveria também definir deveres e responsabilidades dos cidadãos perante a União Europeia.
6 - Defender que a presente revisão dos Tratados viabilize a adesão da União à Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
7 - Manifestar o seu empenho na continuação e aprofundamento do debate sobre a Carta - experiência inovadora com importantes lições - apelando à intervenção activa dos cidadãos e das suas organizações representativas.

Aprovada em 4 de Outubro de 2000. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

DELIBERAÇÃO N.º 22-PL/2000
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE FUNCIONAMENTO DA COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR À GESTÃO DA TAP DESDE O PLANO ESTRATÉGICO DE SANEAMENTO ECONÓMICO E FINANCEIRO (PESEF), BEM COMO À ORGANIZAÇÃO DO SEU PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

A Assembleia da República delibera, nos termos do n.º 1 do artigo 101.º e n.º 2 do artigo 129.º do Regimento, e n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 5/93, de 1 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 126/97, de l0 de Dezembro, conceder à Comissão Eventual de Inquérito parlamentar à gestão da TAP desde o Plano Estratégico de Saneamento Económico e Financeiro (PESEF), bem como à organização do seu processo de privatização, o prazo adicional de 90 dias para a conclusão dos respectivos trabalhos.
A concessão do referido prazo adicional reporta os seus efeitos a l4 de Outubro de 2000.

Aprovada em 12 de Outubro de 2000. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

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PROJECTO DE LEI N.º 79/VIII
(INCENTIVOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO DE VIANA DO CASTELO)

Relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano

Relatório

1 - Combate à interioridade e correcção de assimetrias regionais

A análise dos indicadores de crescimento e desenvolvimento do País conduz a uma indiscutível identificação de acentuadas assimetrias regionais. A segmentação mais imediata permite contrastar uma faixa litoral, com desempenho acima da média nacional, com zonas do interior, desertificadas e sem dinâmicas de crescimento e desenvolvimento visíveis. Mas esta é uma visão primária do problema da interioridade, na medida em que escamoteia realidades e dinâmicas concretas, visíveis apenas em escalas de maior pormenor. Estas últimas não só são sensíveis a uma classificação de zonas intermédias como também permitem uma identificação de competências próprias e potenciais pólos de desenvolvimento de cada área.
Permanecendo a necessidade em definir com exactidão o conceito de interioridade, é, contudo, possível tecer algumas considerações relativas a preocupações que se pretendem consensuais quanto a um processo de desenvolvimento integrado, a saber:

a) Reconhecimento do papel crucial do (ritmo de) investimento, privado (de base empresarial) e de natureza pública (em infra-estruturas) no ajustamento estrutural da economia, sem prejuízo da relevância de políticas activas de emprego, do desempenho do sistema educativo, da formação profissional, da gestão da informação e da inovação, da garantia de acesso a equipamentos sociais, entre outros, conducentes à mobilização de recursos, criação de postos de trabalho, fixação da população, promoção e sustentação de oportunidades e melhoria da qualidade de vida do interior;
b) Reconhecimento do investimento directo estrangeiro como dialogante com o nosso tecido empresarial, não sendo propositadamente redutor nem continuamente cooperante pelos fluxos de investimento e formação de emprego que estabelece. Porque a produção se segmenta e localiza onde a combinação capital e trabalho for mais proveitosa, o perigo da retirada do investimento directo estrangeiro permanece, devendo-se sublinhar e insistir na relevância de dinâmicas nacionais, sem prejuízo de parcerias com capitais estrangeiros, vantajosas não só pelo fluxo de investimento como pelo acesso a processos de produção, tecnologia e culturas de gestão inovadoras;
c) Reconhecimento da relevância da dimensão europeia face a incentivos atribuídos no âmbito dos quadros comunitários de apoio e outros incentivos dirigidos aos empreendimentos locais, micro e pequenas empresas e jovens empresários, como importantes vectores de dinamização do investimento privado de base nacional, que devem ser continuadamente aperfeiçoados ao nível da sua aplicação;
d) Reconhecimento da contribuição do PIDDAC para a correcção dos desequilíbrios regionais, e correspondente necessidade em prosseguir estes investimentos dirigindo um reforço cada vez mais substancial às regiões mais desfavorecidas, dessa forma favorecendo a criação de condições de fixação dos cidadãos no interior.

Acresce que os problemas ao nível das políticas regionais não devem ser colocados exclusivamente sob a perspectiva do interior, sem dúvida confrontado com insuficiências ao nível da desertificação humana, fraco nível de investimento e de concentração de equipamentos sociais. Também a cidade, em particular as grandes cidades, vivem problemas de ordenamento e de qualidade de vida.
Encontrando-se sujeitas a pressões migratórias que conduzem à ampliação da sua área metropolitana e a uma pressão sobre as suas infra-estruturas físicas e sociais, torna-se premente acompanhar a tensão sobre as acessibilidades, o parque habitacional e a ameaça de segregação social pela habitação, o saneamento, os equipamentos sociais, a gestão de espaços verdes, os transportes, o controlo do trânsito e dos níveis de poluição e a prevenção da criminalidade, da toxicodependência e da exclusão social.
É na convergência dos interesses do interior e do litoral que se encontra a coesão social, promotora da valorização do capital humano e da sua capacidade de mudança, qualificação, aptidão tecnológica e empregabilidade. Aqui se iniciam os vectores de uma força e cultura empresarial dinâmica, apta e inovadora, competitiva e exigente, capaz de assimilar e de se adaptar à mudança, essa, sim, capaz da correcção de assimetrias regionais.

2 - Antecedentes legislativos recentes

A adopção de medidas de discriminação positiva conducentes à convergência económica e social de todas as zonas do País foi apresentada em período recente, como proposta de alteração à proposta de lei do Orçamento do Estado para 1998 (Lei n.º 127-B/97, 20 Dezembro), tendo obtido consenso e sendo consagrada no seu artigo 32.º.
Na ausência da sua concretização, foi apresentado o projecto de lei n.º 522/VII, publicado no Diário da Assembleia da República de 23 de Maio, tendo sido aprovado na generalidade em 24 de Junho 1998. Após discussão na especialidade deu origem à Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, ficando a sua aplicação na dependência da regulamentação por decreto-lei da delimitação das "áreas territoriais beneficiárias das medidas de discriminação positivas nela contidas".
Também o artigo 46.º do Orçamento do Estado para 1999 (Lei n.º 87-B/98, de 31 Dezembro) reflecte as preocupações com a interioridade, definindo um conjunto de incentivos que se mantêm na dependência da definição por portaria das zonas beneficiárias.
O Orçamento do Estado para 2000 renova estas preocupações através do seu artigo 66.º, resultante de uma proposta de alteração à proposta de lei de Orçamento do Estado para 2000, aprovada por unanimidade. Este artigo restabelece os incentivos definidos no Orçamento do Estado para 1999 e estipula 3 (três) meses como prazo limite para a delimitação das zonas beneficiárias das medidas de discriminação positiva.

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De notar que, à época, as negociações no âmbito do QCA III incluíam a definição de acções específicas para determinadas zonas do interior (com majoração de apoios por região), não sendo congruente definir uma tipologia de zonas beneficiárias das medidas de discriminação positiva conflituante com essas especificações.
Encontrando-se intimamente ligado ao problema da interioridade é igualmente de referir o debate quanto à criação das regiões administrativas, instrumento apresentado como fundamental no ataque à desertificação do interior - aliás, em consonância com a lei-quadro das regiões de 1991, aprovada por unanimidade. Sendo o problema central o de contrariar o surgimento de fossos entre as regiões, pretendia-se evoluir para uma situação de desestatização, profícua na medida em que descentralizava e garantia flexibilidade organizacional a nível administrativo, de gestão e decisional, e desejável, na medida em que o policentrismo, desde que qualificado, organizacional e tecnologicamente apto e com poder decisional, estaria capaz de melhor operacionalizar o crescimento regional.
Outros entendimentos, o espectro político da altura e o processo referendário que se seguiu não permitiram viabilizar esta proposta, procurando-se hoje evoluir para processos de descentralização e desconcentração dos serviços do Estado. A este propósito é de destacar o recente debate do projecto lei n.º 172/VIII - Criação dos Institutos Regionais -, do PCP, equacionando uma reforma da estrutura administrativa intermédia do Estado. De destacar igualmente o funcionamento da Missão para a Reforma da Organização Territorial da Administração do Estado, cujas linhas estratégicas incluem a reforma do Estado no âmbito da organização territorial, com prioridade para a correcção das assimetrias regionais e por essa via procurando garantir maior equidade e desenvolvimento. De novo, tratam-se de opções fracturantes a nível partidário.

3 - O caso específico do distrito de Viana do Castelo

Uma pormenorizada caracterização do concelho de Viana do Castelo poderá ser encontrada em PINHO, P. & BAPTISTA, L. & MALAFAYA, F. (2000) Planeamento e Desenvolvimento em Cidades Portuárias Porto: FEUP-SPTA. Incidindo sobre o concelho de Viana do Castelo, esta análise é, no entanto, entabulada no contexto das regiões norte e Minho-Lima, o que permite extrair indicações quanto ao perfil sócio-económico do distrito. As deficiências que possam decorrer deste breve tratamento são da exclusiva responsabilidade da relatora.
O distrito de Viana do Castelo apresenta uma ampla frente atlântica, com grande proximidade geográfica com a fronteira da Galiza. Trata-se de um distrito em que o atraso no ritmo de crescimento coincide com o início do próprio processo de industrialização, face à proximidade de outros centros mais competitivos, nomeadamente o Porto, e se relaciona directamente com a inexistência de um mercado consumidor capaz de pressionar e alimentar as dinâmicas da oferta.
Sendo de registar, ao nível da estrutura etária da população residente, sinais de um progressivo envelhecimento, à semelhança, aliás, das tendências visíveis a nível nacional. É igualmente relevante assinalar o crescimento na população residente, com a ressalva de um povoamento que é nitidamente disperso, privilegiando o concelho de Viana do Castelo.
O perfil de escolarização revela-se ainda insuficiente perante as exigências do mercado de trabalho, apesar de registar uma situação mais favorável do que a constatada na região norte. Igualmente insuficiente tem sido a capacidade revelada para fixar os recursos humanos com formação superior.
A estrutura da população activa encontra-se nivelada pelos valores da região norte relativos à capacidade de fomento de emprego nos vários sectores, destacando-se as actividades no âmbito da agricultura, comércio marítimo e turismo. Os estaleiros navais constituem um dos mais fortes empregadores, sendo igualmente relevante, como entidade empregadora, a Portucel, que movimenta um significativo volume de mercadorias pelo porto de mar. De assinalar também a relevância da construção civil que explica cerca de 1/3 do emprego no sector II.
A análise do sistema sócio-económico aponta para um perfil pouco empreendedor da população, traduzido no reduzido investimento privado local e na constatação de que os investimentos de vulto são globalmente realizados por iniciativa estatal ou com origem em capital estrangeiro.
A capital do distrito, cidade de média dimensão, concorre directamente com uma rede urbana em que se destacam a Área Metropolitana do Porto, Braga e Barcelos, bem como, do outro lado da fronteira, com Vigo, que se constitui como concorrente, quer como centro urbano quer como porto.
Os principais vectores dinamizadores de Viana do Castelo relacionam-se com o funcionamento de um porto de pesca e comercial, estaleiros navais e marina desportiva, bem como com a existência de um centro histórico, com reconhecido valor patrimonial. A ligação do porto de Viana do Castelo com as redes rodoviárias é hoje ainda deficiente, sendo, no entanto, de destacar o projecto de ligação do porto comercial à nova rede rodoviária mas também a ligação à rede ferroviária e ao novo interface modal em Darque, que beneficiarão as acessibilidades terrestres à infra-estrutura portuária.
Face ao seu posicionamento geográfico estratégico, Viana do Castelo possui um potencial adicional, encontrando-se na posição de constituir um importante elemento dinamizador do desenvolvimento regional do noroeste peninsular. Igualmente dinamizador é a sua inserção no Programa POLIS, que beneficiará Viana do Castelo com um investimento de 17,7 milhões de contos destinados a intervenções na frente ribeirinha, no Campo D'Agonia, na área do mercado municipal e ainda em parte do centro histórico.
Acresce que Viana do Castelo é, actualmente, um dos distritos majorados em termos de capitação do PIDDAC, sendo que, tal como foi afirmado pela Ministra do Planeamento no debate do Orçamento do Estado para 2000, para um crescimento médio do PIDDAC na ordem dos 9,6%, o distrito de Viana do Castelo apresenta um crescimento na ordem dos 28,3%.
As preocupações que o projecto de lei em análise fazem transparecer parecem-nos em consonância com estes desenvolvimentos, na medida em que apontam para o incentivo das potencialidades e vantagens competitivas do distrito de Viana do Castelo, por forma a melhor ser capaz de enfrentar o seu desenvolvimento no futuro, mas sempre enquadrado na envolvente nacional.

4 - O projecto de lei n.º 79/VIII

O projecto de lei n.º 79/VIII consubstancia a opção por medidas de discriminação positiva no combate ao fenómeno da desertificação humana e estrutural das regiões do

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interior do País, neste caso estritamente dirigidos ao distrito de Viana do Castelo. Destaca-se a incidência do projecto lei nos seguintes vectores fundamentais:
- Linha de crédito no valor de 10 milhões de contos, com bonificação de 50% sobre os juros devidos, destinada a apoiar a instalação de pequenas e médias empresas;
- Regime de taxação diferenciada em IRC para empresas existentes ou de nova instalação, bem como um regime especial de amortizações relativas a despesas de investimento, majoradas a 30% abatíveis ao rendimento colectável;
- Regime de majoração a 50% dos encargos sociais obrigatórios para cálculo de custos para efeitos fiscais, quando relativos à criação líquida de postos de trabalho, suportados em contratos sem termo;
- Regime de isenção temporária do pagamento das contribuições à segurança social, na criação líquida de postos de trabalho com contratos sem termo;
- Regime de isenção de pagamento de Sisa para uma faixa etária definida entre os 18 e os 35 anos, quando da aquisição de habitação própria ou de prédios ou fracções autónomas se afectas duradouramente à actividade de empresas;
- Regime de duplicação do período de isenção de pagamento de contribuição autárquica pela aquisição de habitação própria.
De assinalar, como em iniciativas similares anteriores, uma necessária reflexão relativa às questões seguintes:
- Compatibilidade do projecto lei com normas comunitárias relativas à possibilidade de acumulação de auxílios estatais para além de determinados montantes por tipo de região, sob pena de ser necessária ratificação pela Comissão Europeia;
- Compatibilidade do projecto com outros diplomas, designadamente com a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1999);
- Dúvidas quanto à especificação da segurança social enquanto entidade sobre quem recai o encargo decorrente da isenção relativa a encargos sociais obrigatórios;
- Dúvidas quanto à forma de ultrapassar a necessidade de compensação das autarquias face a quebras de receita.

5 - Oportunidade e razoabilidade legislativa

Não obstante a implantação de medidas de discriminação positiva, devidamente articuladas e só assim potenciadoras de efeitos de arrastamento ou de enlace, há que reconhecer a natureza estrutural do problema da interioridade, cuja resolução não é compatível com respostas simplistas de mera concessão de benefício fiscal, devendo a sua atribuição ser equacionada na sua dimensão e relevância devidas, sempre enquanto complemento de uma política devidamente integrada.
Ora, se é certo que a existência de uma política estrutural não impede a atribuição do incentivo fiscal, o projecto lei em análise levanta desde logo questões quanto à pertinência de um tratamento diferenciado para Viana do Castelo perante os benefícios a serem concedidos a outros distritos.
A política do benefício fiscal, já em si merecedora de uma reavaliação global, deverá reflectir uma diferença de tratamento quanto aos distritos com maiores necessidades de apoio público ou, pelo menos, deverá o incentivo ser atribuído em simultâneo àqueles distritos que mais necessitem deste tipo de apoio. Saliente-se que os próprios subscritores parecem aceitar esta insuficiência ao reconhecerem que "existem inequivocamente outros distritos do País que carecem dos mesmos incentivos e das mesmas medidas de discriminação positiva, os quais, uma vez propostos, não deixarão convictamente de apoiar".
Adicionalmente, ao intersectar (sem coincidir) com a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 1999), o conteúdo do presente projecto de lei, levanta de novo dúvidas quanto à sua razoabilidade legislativa, não se percebendo, também aqui, a pertinência de um tratamento diferenciado para Viana do Castelo.
Acresce ainda que a aplicação concreta de quaisquer medidas de discriminação positiva permanece, actualmente, dependente da regulamentação por portaria das "áreas territoriais beneficiárias", o que desde logo interfere com a oportunidade legislativa desta iniciativa.
Compreende-se, no entanto, a preocupação dos subscritores, pelo que se sublinha a urgência em resolver o problema da interioridade, questão tão sensível e de impactos sociais tão profundos, que une, de alguma forma, os diversos grupos parlamentares.

Parecer

A Comissão de Economia, Finanças e Plano é de parecer que o projecto de lei n.º 79/VIII se encontra em conformidade de ser apreciado em Plenário.

Assembleia da República, 13 de Julho de 2000. A Deputada Relatora, Luísa Vasconcelos - O Vice-Presidente da Comissão, José Penedos.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD e CDS-PP), tendo-se registado a ausência do PCP e do BE.

PROJECTO DE LEI N.º 219/VIII
(CONSIDERA O TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO NA CATEGORIA DE AUXILIAR DE EDUCAÇÃO PELOS EDUCADORES DE INFÂNCIA HABILITADOS COM CURSOS DE FORMAÇÃO A EDUCADORES DE INFÂNCIA PARA EFEITOS DA CARREIRA DOCENTE)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Relatório

1 - Introdução

1 - O projecto de lei n.º 219/VIII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, foi apresentado nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo ainda os requisitos formais previstos no artigo 137.º daquele mesmo Regimento.
2 - Segundo os autores, este projecto de lei consagra medidas que visam colmatar lacunas resultantes do processo de promoção do pessoal auxiliar de educação à categoria profissional de educadores de infância, nos termos do Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho, dos Ministérios da Educação e Ciência e dos Assuntos Sociais.

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3 - Este projecto de lei acolhe as pretensões dos trabalhadores que se encontram na situação descrita e vai de encontro às reivindicações das suas organizações representativas.

II - Objectivos do regime jurídico a estabelecer

1 - Nos termos do disposto no artigo 1.º do projecto de lei, "é equiparado a serviço efectivo em funções docentes, para efeitos de progressão na carreira, o tempo de serviço prestado na categoria de auxiliar de educação, pelos educadores de infância habilitados com os cursos de promoção a educadores de infância a que se refere o Despacho n.º 52/80, de 12 de Junho."
2 - Nos termos do artigo 2.º, a contagem de tal tempo de serviço determina a transição para o escalão correspondente.
3 - Finalmente, a lei que vier a ser aprovada entrará em vigor com o Orçamento do Estado para o ano 2001.

III - Parecer

A Comissão da Trabalho, Solidariedade e Segurança Social é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 219/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 3 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Adão Silva.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 254/VIII
(REENQUADRAMENTO DE PESSOAL DA DIRECÇÃO-GERAL DE IMPOSTOS (DGCI))

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

Relatório

I - Enquadramento

1 - O projecto de lei n.º 254/VIII, da iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, CDS-PP e PCP, foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da Republica.
Baixou à Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da Republica, para emissão do relatório e parecer.
2 - O referido projecto de lei pretende que no processo de reestruturação das carreiras do pessoal da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos (DGCI), que foi encetado após a reestruturação organizativa da administração tributária, há que corrigir algumas situações geradoras de eventuais injustiças ao nível do tratamento dado a funcionários titulares de determinados cursos superiores, quer estes pertençam à carreira superior do regime ou à carreira técnica tributária.
3 - De acordo com os autores do projecto de lei, é necessário dotar determinadas categorias da carreira técnica da administração fiscal com pessoas titulares de cursos superiores em determinadas áreas, o que veio justificar a promoção de funcionários licenciados já pertencentes à carreira, desde que reunissem um determinado conjunto de condições. Foi com este entendimento que o Governo, segundo os autores do projecto de lei, aprovou as normas dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 42/97,de 7 de Fevereiro, que vieram reintroduzir na gestão do pessoal da DGCI a possibilidade de nomeação de peritos de fiscalização tributária de 2.ª classe, na situação de supranumerários, de determinados funcionários da carreira técnica da administração fiscal.

II - Objectivos do regime jurídico a estabelecer

Os funcionários da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos pertencentes ao grupo de pessoal de administração tributária, que foram nomeados nas categorias de perito tributário de 2.ª classe e perito de fiscalização tributária de 2.ª classe, na situação de supranumerários, ao abrigo do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 42/97, de 7 de Fevereiro, e que transitaram para as categorias de técnico de administração tributária grau 4, nível 1, ao abrigo do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, consideram-se integrados nos respectivos lugares do quadro de pessoal, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2000.

III - Discussão pública

O presente projecto de lei esteve em discussão pública entre 01 a 30 de Agosto de 2000, não tendo sido recebido qualquer parecer ou pedido de alteração.

IV - Parecer

A Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 254/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 11 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Carlos Alberto.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 270/VIII
(EXERCÍCIO ANTECIPADO DO DIREITO DE VOTO, NAS ELEIÇÕES PARA A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, POR ESTUDANTES RECENSEADOS NAS REGIÕES AUTÓNOMAS E AUSENTE DELAS NA DATA DAS ELEIÇÕES)

Parecer do Governo Regional dos Açores

I

1 - Como nota prévia há que salientar que o referido projecto deu entrada nestes serviços com a falta da primeira parte de um artigo (o artigo II), o que tornava o

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projecto incompreensível. Não obstante diligências efectuadas junto dos serviços da Presidência do Governo Regional e da Assembleia Legislativa Regional, só junto da Assembleia da República foi possível obter a versão completa do mesmo.
2 - A presente informação procurará reflectir aquilo que da experiência recolhida pela existência de normativos em tudo semelhantes na Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores (LEALR) - Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelas Leis n.º 28/82, de 15 de Novembro, e n.º 72/93, bem como pela Lei Orgânica n.º 2/2000, de 14 de Julho, que não só o alterou como renumerou e republicou -, introduzidos pela última alteração legislativa, possa ser útil para o projecto agora em apreciação.
II

3 - Artigo I do projecto de alteração da Lei Eleitoral para a Assembleia da República (LEAR)
Alínea f) do artigo 79.º-A:

a) Se houver razões ponderosas que justifiquem que se exclua qualquer eleitor que, por motivo de estudo ou formação profissional, se encontre deslocado, com alguma permanência, da sua residência habitual, creio que tais razões não subsistem quando se trate de eleitores nessas condições deslocados do Continente ou de uma das regiões autónomas para a outra.
É que, no caso da Assembleia da República, é claramente violado o princípio da igualdade quando se dá oportunidade aos eleitores dos Açores e da Madeira de exercerem o seu direito de voto antecipado fora da respectiva região autónoma, sem exigência de mudança de circunscrição, mas não se reconhece tal direito aos estudantes e formandos do Continente deslocados nos Açores ou na Madeira.
É que agora o universo eleitoral é muito mais amplo e a lei não pode deixar de considerar isso.
b) Afigura-se-me pouco precisa a utilização da expressão "eleitores recenseados nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira". Relevante, para efeitos de recenseamento, é a circunscrição de recenseamento: esta não está dependente da caracterização de nenhuma zona do país como região, autónoma ou não.
Daí que, mais correctamente, o artigo 79.º-A, n.º 1, alínea f), devesse estatuir "os eleitores inscritos em circunscrições de recenseamento situadas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira (...)", como já havia sido proposto no projecto elaborado por estes serviços para a LEALR - a este propósito, a Lei n.º 13/99, de 22 de Março, que estabelece o regime jurídico do recenseamento, artigo 8.º.

III

4 - Artigo II do projecto de alteração da LEAR
Artigo 79.º-D
N.º 1:
Fotocópia autenticada do bilhete de identidade e do cartão de eleitor.
A questão da fotocópia autenticada dos dois documentos referidos foi uma das que mais celeuma levantou junto quer dos estudantes eleitores quer de alguns autarcas.
Por duas ordens de razões: burocratização e custo.

a) Contudo resulta, também, da redacção agora proposta que será de exigir documento autenticado por notário público.
Isto porque:
I - Não é aplicável ao caso concreto a norma do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 29/2000, de 13 de Março (Medidas de modernização administrativa), que prevê que "para a instrução de processos administrativos graciosos é suficiente a simples fotocópia de documento autêntico ou autenticado (artigo 32.º).
II - Não é aplicável ao processo eleitoral quer para os órgãos de soberania quer para os órgãos das regiões autónomas (nem do poder local), porque nenhum deles pode, desde logo, ser considerado processo administrativo gracioso.
São, antes, parte integrante do direito constitucional.
III - Mesmo que assim não fosse, sendo a alteração proposta à LEAR posterior e especial relativamente ao referido decreto-lei, o legislador vem consagrar norma contrária àquela.
IV - É certo que o mesmo Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, no seu artigo 50.º, determina a própria prevalência sobre quaisquer disposições gerais ou especiais relativas aos diversos serviços e organismos da Administração Pública.
Mas impõe-se como evidente que tal disposição refere-se às normas de organização dos serviços da Administração Pública e não à matéria eleitoral.
V - Pela mesma razão não é, claramente, aplicável o Decreto-Lei n.º 30/2000, de 13 de Março.
VI - Como também inaplicável é o Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março, que veio determinar que "podem certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim as juntas de freguesia e o operador de serviço público de correios, CTT - Correios de Portugal, SA".
Isto porque a expressão legal é fotocópia autenticada; ora documento autenticado, nos termos do artigo 377.º do Código Civil, é o documento particular autenticado nos termos da lei notarial (sublinhe-se, aliás, que em nenhum dos artigos do referido Decreto-Lei n.º 28/2000 é utilizada a expressão documento autenticado).
VII - Pode defender-se a utilização de documento autenticado porque a solenidade do acto e as especiais cautelas de que deve ser rodeado o impõem.
VII.i.) - Sendo certo que tal documento será devolvido ao seu titular.
VIII - O entendimento acima expresso é imposto pela determinação do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil de que "na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
b) Soluções possíveis:
A alteração à LEAR pode ser uma boa oportunidade para repensar a solução legal consagrada.

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Por duas vias:
I - Caso se pretenda manter a exigência de documento autenticado, seria de prever a diminuição ou isenção dos emolumentos a pagar pelo acto notarial em causa e a atribuição de prioridade à emissão de tal documento.
II - Caso se opte por simplificar o procedimento, em vez de "fotocópia autenticada" deverá utilizar-se a expressão "fotocópia certificativa" ou outra equivalente, que permita ao intérprete acolher como possível a aplicação ao caso concreto do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
Documento comprovativo passado pelo estabelecimento de ensino onde se encontram matriculados ou inscritos os estudantes.
a) O problema:
I - De salientar que a menção da lei eleitoral a documento comprovativo exigível deverá entender-se como estando feita a recibo de matrícula ou inscrição no estabelecimento de ensino, ou declaração passada por este, podendo reportar-se ao ano lectivo de que se trate ou ao ano lectivo imediatamente anterior (pode dar-se o caso de, em função do decurso do ano escolar, alguns alunos não terem ainda efectuado a sua matrícula ou inscrição).
II - De todo o modo, terá sempre de existir documento comprovativo da matrícula ou inscrição, não bastando por isso a prova de que foi efectuada candidatura para ingressão em qualquer curso/estabelecimento de ensino.
É relativamente a estes estudantes que mais dúvidas surgiram. De facto, como acontece no ano corrente, à altura da apresentação do requerimento para o voto antecipado os estudantes ainda não estão matriculados nem sequer sabem se foram admitidos à universidade, pelo que não podem apresentar documento comprovativo. Contudo, à data da votação, caso hajam ingressado no ensino superior, já não se encontram na sua circunscrição de recenseamento (o problema põe-se com menos acuidade para outros graus de ensino).
É relativamente a estes estudantes que mais dúvidas surgiram. De facto, como acontece no ano corrente, a altura da apresentação do requerimento para o voto antecipado, os estudantes ainda não estão matriculados, nem sequer sabem se foram admitidos à universidade, pelo que não podem apresentar documento comprovativo. Contudo, à data da votação, caso hajam ingressado no ensino superior, já não se encontram na sua circunscrição de recenseamento (o problema põe-se com menos acuidade para outros graus de ensino).
b) Solução possível:
Admitir-se que o candidato ao ensino universitário declare sob compromisso de honra essa condição e se comprometa a apresentar o documento comprovativo no acto de votação perante o presidente da câmara municipal da área do estabelecimento de ensino? Que, por sua vez, remeteria cópia do documento, autenticada pelo notário privativo da autarquia - sem pagamento de emolumentos pela sua emissão -, ao presidente da câmara da área da circunscrição de recenseamento do estudante?
N.º 2:
Alínea a) Parece deficiente a redacção desta alínea. Não seria mais correcto dizer-se: "Ao eleitor (...), acompanhada dos documentos por este enviados"?
N.º 5:
a) Não será criticável a utilização da expressão "paços do concelho", precisamente na lei eleitoral para a Assembleia da República?
Deveria ser substituída pela expressão "edifício da autarquia para o efeito designado pelo presidente da câmara, mediante edital publicado entre o 10.º e o 13.º dia anterior à votação".
Isto porque nalguns concelhos os serviços do município encontram-se dispersos por vários edifícios, sendo mesmo difícil definir aquele que haverá de considerar-se o edifício central (v.g. Lisboa). Além de que deverá ser utilizado aquele que, na prática, aloja os serviços ligados à preparação do processo eleitoral.
b) É importante retirar-se deste número a referência ao n.º 3 do artigo 79.º-B. De facto, nele o que se diz é que "o presidente da câmara entrega ao eleitor um boletim de voto e dois sobrescritos". O que é correcto no caso do exercício do direito de voto antecipado por militares, agentes de forças e serviços de segurança e trabalhadores dos transportes. Já não, contudo, no caso dos estudantes, que recebem do presidente da câmara da área da sua circunscrição de recenseamento esse material.
O que sim poderia ser expressamente consagrado era o dever de o presidente da câmara da área onde situa o estabelecimento de ensino verificar, no acto de votação, que o material remetido ao estudante ainda não foi preenchido ou utilizado.
N.º 6:
Uma nota prosaica, mas com reflexos de algum relevo na logística eleitoral.
Na sua redacção original a Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, ao tratar o voto por correspondência, determinava que o boletim de voto seria inserto num envelope azul que, por sua vez, seria colocado num envelope branco, a remeter à mesa da Assembleia ou secção de voto do eleitor, ao cuidado da respectiva junta de freguesia.
A Lei n.º 10/95, de 7 de Abril, veio inverter a utilização dos envelopes: desde então é o azul a conter o branco. Com uma consequência caricata: como o mercado não produz envelopes azuis em tamanho adequado (v.g. A5) é difícil encontrá-los com dimensão que contenha os referidos envelopes brancos. É certo que a quantidade envolvida em eleições para a Assembleia da República pode determinar um fabrico exclusivo para o acto, mas tal não deixa de parecer desnecessário.
Concluindo:
Sou de parecer que o conteúdo e/ou a redacção dos artigos 79.º-A, n.º 1, alínea f), e 79.º-D, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 5 e 6.º poderiam ser aperfeiçoados.

Açores, 27 de Setembro de 2000. O Director de Serviços de Administração Local, José Álvaro Amaral Afonso.

PROJECTO DE LEI N.º 297/VIII
(PROÍBE A PASSAGEM DE NAVIOS CONTENDO CARGAS RADIOACTIVAS NA ZONA ECONÓMICA EXCLUSIVA (ZEE) PORTUGUESA)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

1 - Considerações introdutórias

Em 15 de Setembro de 2000 o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes apresentou, na Assembleia da República, um projecto de lei visando proibir a passagem,

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na Zona Económica Exclusiva portuguesa, de navios contendo cargas radioactivas.
Tal projecto, a que foi atribuído o n.º 297/VIII, baixou à 1.ª Comissão (e também à 4.ª) para prolação do competente relatório e parecer, por despacho de 20 de Setembro de 2000 de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
É o que cumpre fazer.

2 - A ratio do projecto de lei

A iniciativa legislativa sob escrutínio tem a sua parte dispositiva reduzida a um artigo, cujo texto reproduz, aliás, a própria designação do projecto, nele se podendo ler que "é proibida a passagem de navios contendo cargas radioctivas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa".
O projecto é, contudo, portador de uma extensa exposição de motivos, na qual se elenca um conjunto de argumentos que estão na sua origem. Desde logo, escreve-se, a "necessidade de garantir, numa óptica de eco-segurança, a defesa do bem patrimonial e do recurso estratégico para Portugal que os nossos mares representam".
Mais adiante indica-se que as águas sob jurisdição portuguesa se encontram "expostas a um dos riscos mais sérios que ameaçam a Humanidade, o risco do nuclear. O risco que ciclicamente paira sobre o País (...), com a passagem, até agora permitida pelas autoridades portuguesas, de navios com cargas radioactivas na nossa ZEE".
Porque tal atravessamento de águas sob jurisdição portuguesa ocorre entre três e quatro vezes por ano e porque há que evitar que essa exposição a matérias potencialmente perigosas continue a verificar-se, é indispensável, sustenta-se ainda no texto, editar legislação interna que o impeça, tendo em conta, nomeadamente, "o direito de Portugal adoptar nas águas sobre sua jurisdição todas as medidas reconhecidas no direito internacional para proteger a saúde dos portugueses e os ecossistemas marítimos".

3 - Do enquadramento jurídico internacional

3.1 - O surgimento do conceito de ZEE
A Zona Económica Exclusiva é uma realidade relativamente recente no plano do direito internacional marítimo. Ausente das Convenções de Genebra de 1958, a sua consagração pactícia vem a ter lugar na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, assinada em Montego Bay, a 10 de Dezembro de 1982 (e por isso também conhecida por Convenção de Montego Bay), que lhe dedica os artigos 55.º a 75.º (da imensa bibliografia existente sobre a ZEE pode consultar-se, entre nós, Armando Marques Guedes, Direito do Mar, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1998, pp. 135 - 178 ou Manuel Almeida Ribeiro, A Zona Económica Exclusiva, ISCSP, 1992; na doutrina estrangeira tem particular interesse Francisco Orrego Vicuna, The Exclusiv Economic Zone, Cambridge University Press, 1989).
Embora objecto de expressa consagração nessa Convenção, a sua origem encontra-se alhures, em práticas reiteradas que deram origem ao inusitadamente rápido surgimento de um costume internacional, permitindo a muitos países reivindicar o direito de constituição de uma ZEE antes mesmo de se vincularem àquela Convenção ou de esta sequer ter sido concluída (sobre a natureza costumeira deste espaço marítimo podem ver-se os Acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça nos casos Tunísia versus Líbia (Plataforma Continental) de 1982 e Líbia versus Malta (Plataforma Continental) de 1985).
As razões que explicam a criação da ZEE são por demais conhecidas, mas importa aqui recordá-las para melhor compreender o alcance e os limites dos poderes exercidos pelo Estado costeiro.
De um lado as reivindicações maximalistas dos países mais pobres, que viam as águas próximas das suas costas delapidadas pelas marinhas de terceiros, sem daí retirarem qualquer benefício. Do outro, as pressões dos Estados desenvolvidos, querendo a todo o custo impedir uma extensão de poderes soberanos que subtraísse porções importantes ao alto mar e pusesse, consequentemente, em causa os seus interesses económicos.
As opções vertidas no texto final da Convenção resultam da síntese possível de posições diametralmente opostas. E daí uma Zona Económica Exclusiva com uma largura máxima de 200 milhas marítimas contadas a partir das linhas de base e cuja própria designação deixa antever o resultado desse compromisso. Um novo espaço marítimo que combina elementos provenientes do regime jurídico do mar territorial com ideias colhidas da regulamentação do alto mar. Uma realidade híbrida, que concede ao Estado costeiro poderes exclusivos de exploração dos recursos, mas não afecta o direito de navios arvorando outros pavilhões aí livremente circularem ou de terceiros Estados nela colocarem algumas criações de tipo artificial (como sucede com os cabos submarinos).

3.2 - A natureza jurídica da ZEE e os poderes do Estado costeiro:
Ora, precisamente porque nos encontramos perante uma figura juridicamente heterodoxa, a compreensão concreta da relação que se estabelece entre o Estado costeiro e todos os outros Estados pode conduzir a uma tendência para valorizar os direitos do primeiro ou para proteger a posição dos segundos. Isto é, para optar por uma interpretação territorialista, que assimile o seu regime jurídico ao das zonas sujeitas à soberania do Estado (caso do mar territorial ou mesmo da plataforma continental), ou para privilegiar uma orientação internacionalista, que tende a estabelecer um equilíbrio que, no respeito integral pela filosofia da Convenção de Mondego Bay, não ponha em causa nem os interesses do Estado costeiro nem os de todos os outros Estados, ou seja da comunidade internacional no seu conjunto.
E, neste contexto, importa, desde logo, assentar numa evidência primeira: a ZEE não faz parte integrante do território do Estado, pelo que este não exerce nela de poderes de soberania plena. Tal é, a nosso ver, a única interpretação adequada do conjunto das normas da Convenção que a têm por objecto.
Na verdade, o artigo 56.º é muito claro ao dividir em dois grupos os poderes do Estado costeiro sobre a sua ZEE: poderes de soberania parcial, por um lado, poderes de simples jurisdição e fiscalização, por outro.
No primeiro grupo - poderes de soberania parcial - incluem-se os direitos para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo e no que se refere a outras actividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos.
No segundo grupo - poderes de simples jurisdição e fiscalização - incluem-se os direitos em matéria de colocação de ilhas artificiais, instalações e estruturas, de investigação científica

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marinha, de protecção e preservação do meio marinho ou ainda as destinadas a assegurar o respeito pelas normas internacionais e pelos regulamentos internos aplicáveis à ZEE.
Daqui resulta que todos os outros Estados - mesmo os que não possuem costa - gozam, nas ZEE alheias, das liberdades de navegação, de sobrevoo e de colocação de cabos e ductos submarinos, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos relacionados com aquelas liberdades, tais como os ligados à operação de navios, aeronaves, cabos e ductos submarinos (artigo 58.º, n.º 1).
Por outro lado, a concepção adoptada em Montego Bay tem ainda uma decisiva consequência: a de determinar a aplicação à ZEE de um conjunto de normas relativas ao alto mar (os artigos 88.º a 115.º), desde que compatíveis com o disposto na Parte V, isto é, justamente aquela que delimita o regime jurídico da ZEE, ou seja, uma clara aproximação às teses internacionalistas.
A compreensão desta realidade é deveras relevante para aquilatar da compatibilidade entre a adopção, por um Estado, de medidas proibitivas de navegação na sua Zona Económica Exclusiva e as obrigações que para esse Estado decorrem, não apenas da própria Convenção de 1982 mas ainda da regulamentação de ordem costumeira.
E aqui uma inferência parece impor-se: não constituindo a ZEE parte integrante do território do Estado, não exercendo o Estado costeiro poderes soberanos sobre a mesma, gozando os países terceiros da liberdade de navegação, não é legítimo o estabelecimento unilateral de medidas que visem impedir a passagem de qualquer tipo de navios na ZEE, regra de tal modo central que se aplica, inclusivamente, aos navios de guerra.
Porque a comparação entre as situações é relevante, seja-nos permitido trazer aqui à colação a hipótese normativa prevista na Convenção de Montego Bay a propósito da passagem de navios transportando substâncias radioactivas pelo mar territorial (artigo 23.º).
Como é sabido, e diferentemente do que sucede com a ZEE, o mar territorial faz parte integrante do território do Estado costeiro. Nessa medida, este exerce aí soberania plena, apenas beliscada por um instituto de direito costumeiro designado "direito de passagem inofensiva", mais tarde acolhido na Convenção de Genebra de 1958 sobre o mar territorial e a zona contígua (artigo 14.º e seguintes) e que a Convenção de 1982 naturalmente manteve (artigo 17.º e seguintes).
Ora, tal "direito de passagem inofensiva" aplica-se a todos os navios, públicos e privados, civis e militares (incluindo até os submarinos, desde que naveguem à superfície e arvorem a sua bandeira). Isto é, um Estado não pode impedir a passagem por uma zona do seu território marítimo de navios estrangeiros, ainda que de tipo militar ou envolvendo riscos em termos de poluição, sempre que tal passagem não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança desse Estado (artigo 19.º, n.º 1, da Convenção de Montego Bay).
Compreende-se, no entanto, que, atenta a natureza da actividade a que certas embarcações se dedicam ou estão ligadas, se reconheça ao Estado costeiro o direito de adoptar medidas de cariz preventivo ou de fiscalização e com a condição de tais medidas não acabarem por se traduzir numa forma encapotada de recusa da passagem inofensiva. Uma preocupação que motivou duas normas da Convenção:
- O artigo 22.º, n.º 2, permitindo que se exija aos navios tanques, aos navios de propulsão nuclear e a outros navios que transportem substâncias ou materiais radioactivos ou outros produtos intrinsecamente perigosos ou nocivos a utilização, em exclusivo, de certas rotas marítimas;
- O artigo 23.º, prevendo a necessidade de aquele tipo de navios terem a bordo os documentos e observarem as medidas especiais de precaução estabelecidos em acordos internacionais.
Sintomaticamente, o que não se autoriza é que o Estado costeiro vede a passagem inofensiva, pelo seu mar territorial, de navios transportando resíduos radioactivos. E se um Estado o não pode fazer naquela que é uma parcela do território, muito menos gozará dessa prerrogativa num espaço onde a sua soberania é muito mais difusa, como ocorre na ZEE (sobre esta questão pode ver-se Laurent Lucchini e Michel Voelkel, Droit de la Mer, Paris, Ed. Pédone, 1996, Tomo 2, Volume 2, pp. 260 - 263, 292 - 295 e 348 - 349).

3.3 - A ZEE e a protecção do ambiente:
A questão da protecção do ambiente não é nova no direito do mar. De facto, há algum tempo já que as preocupações dos Estados têm incidido sobre a necessidade de adoptar um conjunto de medidas, quer preventivas quer repressivas, isto é, que evitem, tanto quanto possível, as ocorrências originadoras de danos ao meio marinho ou que façam repercutir sobre o prevaricador as indispensáveis medidas punitivas.
Uma linha de orientação especialmente reiterada após a célebre tragédia do Amoco Cadiz, ocorrida em 16 de Março de 1978 e que, chamando em especial a atenção para as consequências da poluição provocada por acidentes com navios petrolíferos, acabou por representar um marco histórico em tudo o que se prende com o enquadramento jurídico da poluição marítima (ver René-Jean Dupuy e Daniel Vignes (organizadores), A Handbook on the New Law of the Sea, Martinus Nijhoff Publishers, 1991, vol. 2, p. 1151 e seguintes e 1233 e seguintes).
Parece inequívoco que, face ao regime geral da ZEE e à sua caracterização legal, não pode reconhecer-se ao Estado costeiro qualquer direito visando a proibição de passagem nessa zona de navios estrangeiros, ainda quando a natureza da actividade a que essas embarcações se dedicam possa trazer riscos acrescidos.
Mas as preocupações de cariz ambiental não poderão ainda assim justificar uma excepção a tal regra? Na verdade, atenta a cada vez maior relevância que assume, no plano do direito internacional, a matéria de protecção do ambiente, o papel de fiscalização que aos Estados deve caber e a absoluta necessidade de preservar os recursos económicos, não seria aqui aceitável uma conformação especial, em derrogação dos princípios gerais delimitadores da ZEE? E não seriam, inclusive, detestáveis indícios dessa excepção em certas regras da Convenção de Montego Bay?
Uma análise mais fina permite detectar normas que fazem expressa alusão à possibilidade de o Estado costeiro instituir leis e regulamentos sobre a utilização da ZEE, às quais os demais Estados deverão obedecer - é o caso do artigo 58.º, n.º 3. Outras que lhe reconhecem o direito de tomar certas medidas restritivas para garantir o cumprimento das leis e regulamentos por ele adaptados em matéria de exploração, aproveitamento, conservação e gestão dos recursos vivos da ZEE - artigo 73.º, n.º 1. Outras ainda - e estas

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de especial relevo para a questão que nos ocupa - que autorizam os Estados costeiros a adoptar, relativamente às suas zonas económicas exclusivas, leis e regulamentos para prevenir, reduzir e controlar a poluição proveniente de embarcações, (itálico nosso) de conformidade com e em aplicação das regras e normas internacionais geralmente aceites estabelecidas por intermédio da organização internacional competente ou de uma conferência diplomática geral - artigo 212.º, n.º 6.
Mas também por esta via a conclusão a retirar quanto à possibilidade de estabelecer proibições à passagem na ZEE de navios carregando substâncias radioactivas terá, a nosso ver, de ser negativa.
Desde logo, porque se tais normas atribuem ao Estado costeiro o direito de implementar medidas de protecção, não lhe reconhecem o poder de as determinar, o qual caberá normalmente à organização internacional competente, que neste caso será a Organização Marítima Intergovernamental (OMI). E a razão é simples: trata-se da única forma de evitar os evidentes prejuízos que resultariam, para os outros Estados, da unilateralização de práticas restritivas e de garantir a existência, na sua génese dessas acções, de um processo consensual de elaboração e aceitação.
Por outro lado, notar-se-á que nenhuma das disposições citadas, ou outras menos relevantes que podem ser encontradas na Convenção, sustentam a possibilidade de adoptar comportamentos da natureza dos previstos no projecto de diploma em análise. As referências que aí se encontram vão sempre no sentido de aceitar que o Estado costeiro leve a cabo acções preventivas ou fiscalizatórias, mas que não ponham em causa a adequada articulação dos diversos interesses jurídicos em confronto. Outra coisa, bem diversa, e por isso nunca contemplada no texto convencional, é a atribuição a um Estado do poder de recusar a terceiros o exercício de um direito que o jus cogens lhes reconhece.
No limite, a necessidade de compatibilizar os interesses em presença - o do Estado costeiro de proteger os recursos da ZEE e o do Estado terceiro de livremente navegar nesse espaço - poderia justificar o estabelecimento da obrigatoriedade do respeito por certas rotas marítimas ou por sistemas de separação de tráfego, à semelhança do que sucede, como anteriormente se referiu, no mar territorial. Mas mesmo essa solução colocaria, a nosso ver, problemas jurídicos complexos. É tema que não temos, porém, que abordar, pois não consta da iniciativa legislativa em apreço.
À luz das considerações expandidas não surpreende, por isso, que as medidas de carácter proibitivo que foram decididas por um número muito reduzido de Estados (sobretudo na área do Pacífico) digam respeito a navios militares de armamento e propulsão nucleares; que se apliquem à entrada em portos e nas águas interiores do Estado costeiro; e que mesmo essas tenham sido alvo de sérias dúvidas quanto à respectiva compatibilidade com o direito internacional aplicável.

4 - Do enquadramento jurídico interno

O tratamento normativo da ZEE ao nível da ordem jurídica portuguesa é prévio à conclusão da Convenção de Montego Bay. De facto, ainda as negociações da III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar se encontravam muito longe do seu fim, quando Portugal estabeleceu unilateralmente a existência de uma ZEE e definiu os seus contornos legais fundamentais. Uma atitude que visava marcar uma posição política face ao desenvolvimento do processo negocial, mas que tinha também pleno cabimento no processo de sedimentação costumeira desta nova figura, e que conduziu à aprovação da Lei n.º 33/77, de 28 de Maio.
Encontram-se nessa lei alusões várias à ZEE:
- No artigo 2.º, que lhe estabelece uma largura de 200 milhas marítimas;
- No artigo 4.º, que estipula que o Estado português exerce competência exclusiva em matéria de conservação e gestão dos recursos vivos;
- No artigo 5.º, que impõe ao Governo a obrigação de elaborar e fazer respeitar a pesca na ZEE, no quadro de certos parâmetros aí elencados;
- No artigo 6.º, que alude à cooperação internacional em matéria de conservação de recursos vivos;
- No artigo 7.º (a merecer aqui atenção), que refere que o Governo poderá elaborar regulamentação especial para a ZEE, incluindo no que respeita à protecção do ambiente.
Importa, no entanto, salientar que o próprio diploma indica o critério interpretativo a que deve obedecer a aplicação das suas normas, ao afirmar que "o estabelecimento da zona económica exclusiva terá em conta as normas de direito internacional, nomeadamente no respeitante à navegação e ao sobrevoo inofensivos das águas em questão" (artigo 3.º).
O facto de a Lei n.º 33/77 ter sido dada à estampa em pleno processo de elaboração da Convenção de Montego Bay explica que nela se detecte um certo cuidado de regulação, visando, porventura, afastar as consequências negativas da lacuna de normação internacional. Um cuidado que coexiste, porém, sintomaticamente, com a preocupação de afirmar o respeito pelo direito internacional (actual ou vindouro). E que fica patente, também, na expressa referência à necessidade de revisão da própria lei - que continua por fazer - em função dos resultados da III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar.
A situação mudou substancialmente a partir de Outubro de 1997, por via da ratificação da Convenção de Montego Bay (Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 e Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97, ambas publicados no Diário da República, Série I-A, n.º 238/97 (Suplemento) de 14 de Outubro de 1997). Isto é, a partir daí passou a valer na nossa ordem o disposto na Convenção, apenas podendo considerar-se em vigor a parte do clausulado da Lei n.º 33/77 que com ela seja compatível.
No entanto, no momento da vinculação Portugal formulou um conjunto bastante alargado de reservas, em cujo âmbito poderia eventualmente encontrar-se alguma abertura para a adopção unilateral de medidas de interdição de passagem na nossa ZEE.
Para efeitos da nossa indagação apenas releva a declaração n.º 9, nos termos da qual "tendo presente a informação científica disponível e para defesa do ambiente e do crescimento sustentado de actividades económicas com base no mar, Portugal exercerá, de preferência através de cooperação internacional e tendo em conta o princípio preventivo (precautionary principle), actividades de fiscalização para lá das zonas sob jurisdição nacional".
O princípio da precaução, plenamente consagrado no domínio do direito internacional do ambiente (relembre-se, v.g., teor das decisões adoptadas na Conferência do Rio), tem vindo igualmente a ser citado no plano do direito do mar, embora de uma forma mais ou menos controvertida (o

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caso mais conhecido sendo o dos comportamentos adoptados, com base nele, do Canadá).
Entendemos, porém, que, mesmo um hipotético recurso a este instituto, não autorizaria a introdução de lógicas proibitivas em matéria de navegação pela ZEE, na medida em que a adopção de medidas com base naquele princípio teria sempre de assegurar o indispensável equilíbrio com os elementos jurídicos fundamentais da ZEE, nomeadamente no que toca à liberdade de navegação.
Isto é, a eventual aplicação de um princípio de precaução poderia justificar comportamentos de tipo fiscalizador ou preventivo, mas não descambar numa lógica de repressão que subtraísse ao conceito de ZEE conteúdos essenciais à sua própria caracterização existencial. Notar-se-á, aliás, que não é certamente por acaso que o poder político nacional, na citada declaração n.º 9, aponte (e embora aluda às águas para lá da jurisdição nacional, o raciocínio é válido, mutatis mutandis, para a ZEE), no sentido de uma preferencial consensualização das aplicações concretas do precautionary principle. E utilize esse mesmo princípio apenas como fundamento de medidas de fiscalização.
Uma derradeira referência merece a existência, no plano comunitário, de uma política comum de pescas, em consequência do que se verificou, nesta matéria, a transferência de alguns poderes nacionais para as instituições da União. Não julgamos, porém, que se justifique aprofundar aqui as consequências desse facto. Desde logo, na medida em que a iniciativa em apreciação respeita aos aspectos limados à liberdade de navegação e não às questões de exploração dos recursos naturais. Depois, porque a legislação comunitária aplicável sempre terá de conter-se nos limites estabelecidos pela Convenção de Montego Bay e no direito internacional costumeiro, que a ela se sobrepõem.

5 - Conclusão

Face a tudo o que fica dito, o projecto de lei n.º 297/VIII, a ser objecto de aprovação, traduzir-se-ia numa violação das disposições da Convenção de Montego Bay, de que Portugal é parte desde 1997, e a cujo cumprimento se encontra naturalmente obrigado. Isto é, constituiria assim fonte de responsabilidade internacional.
E isso a admitir que poderia sequer produzir efeitos na ordem jurídica nacional. De facto, caso consideremos, como o faz a maioria da doutrina portuguesa e tem sido jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, que o direito internacional convencional tem valor superior aos actos legislativos ordinários, quer anteriores quer posteriores, sempre teria de se concluir que a lei, caso entrasse em vigor, veria essa sua vigência suspensa enquanto vigorasse a Convenção de Montego Bay ou a vinculação a ela do nosso país.
Esta situação concreta leva-nos até a formular uma consideração de jure constituendo: aceitando, no plano da hierarquia das fontes, o princípio da primazia do direito internacional sobre o direito interno, não poderia estabelecer-se, como causa de não admissão de uma iniciativa legislativa no quadro do procedimento legislativo parlamentar, a violação de normas ou princípios de direito internacional a que Portugal se encontre vinculado?

Parecer

Tendo em conta tudo o que ficou anteriormente exposto, e com as reservas expressas no ponto 5 do relatório, somos de parecer que o projecto de lei n.º 297/VIII poderá subir a Plenário, para efeitos de discussão na generalidade.

Lisboa e Palácio de São Bento, 17 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Matos Correia - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados, com votos a favor do PS e do PSD e votos contra do PCP e do BE.

Relatório e parecer da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente

Relatório

I - Objecto da iniciativa

O presente projecto de lei é da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, tendo por objecto estabelecer a proibição de passagem de navios que contenham cargas radioactivas na Zona Económica Exclusiva portuguesa.
Tal proibição fundamenta-se, segundo os autores do projecto, no direito de Portugal adoptar todas as medidas reconhecidas no direito internacional para prevenir a ocorrência de acidentes decorrentes daquele tipo de transportes, em ordem a garantir e proteger a saúde dos portugueses e os ecossistemas marítimos.
Mais: evocam a aplicação do princípio da precaução que pretendem ter ficado consagrado como princípio de direito internacional do ambiente na sequência das conclusões adoptadas pela Conferência do Rio e ratificadas pelo Estado português.

II - Corpo normativo

O projecto de lei n.º 297/VIII, de Os Verdes, apresenta um único artigo, cujo conteúdo se transcreve na íntegra:

"Artigo único

É proibida a passagem de navios contendo cargas radioactivas na Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa."

III - Enquadramento legal e constitucional.

A matéria objecto do presente projecto de lei é matéria de competência da Assembleia da República, vindo inovar no ordenamento jurídico português ao estabelecer a proibição absoluta de circulação de navios contendo cargas radioactivas na Zona Económica Exclusiva, assim salvaguardando a população do perigo abstracto da ocorrência de acidentes com os navios dedicados àquele tipo de transporte.

IV - Enquadramento regimental

Sendo matéria de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, a presente iniciativa de lei integra-se no disposto no artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, tendo-se observado a forma de iniciativa consagrada no artigo 137.º do mesmo Regimento, como bem se assinala na Informação n.º 470/DAPLEN/2000-NT, que integra o processo.

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V - Parecer

Assim sendo, a Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente é de parecer que o projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes está em condições de subir a Plenário.

Palácio de São Bento, 16 de Outubro de 2000. A Deputada Relatora, Maria Santos - O Presidente da Comissão, Mário Albuquerque.

PROJECTO DE LEI N.º 315/VIII
CRIA O PROJECTO-PILOTO DE PRESCRIÇÃO MÉDICA DE ESTUPEFACIENTES

Exposição de motivos

A recente aprovação da alteração legislativa que descriminaliza o consumo de substâncias ilegalizadas veio contribuir para aprofundar a discussão sobre novas soluções para o problema da toxicodependência. A perspectiva defensora da repressão sobre os consumidores tornou-se claramente minoritária, quer entre os médicos e especialistas que lidam de perto com a realidade quer entre os Deputados da Assembleia da República.
Nesse debate parlamentar, que foi agendado pelo Bloco de Esquerda, não foi apenas a descriminalização que esteve no centro da discussão. Foram propostas outras medidas para alterar a fundo uma política cujos resultados são reconhecidamente nefastos, através de alternativas já experimentadas e em curso no resto da Europa, com resultados positivos para a saúde pública, uma vez que é esta que motiva a discussão. Essas medidas não obtiveram então maioria parlamentar, mas, na opinião do Bloco de Esquerda, continuam a ser indispensáveis e incontornáveis.
Portugal é o país da União Europeia onde é maior o consumo de drogas "duras", como a heroína, onde a SIDA e outras doenças infecto-contagiosas crescem e afectam uma percentagem da população maior do que o resto da União Europeia, sendo que a grande maioria dos infectados são toxicodependentes e é essa a causa da infecção. Apesar destes resultados serem divulgados ano após ano, não existiu até agora um sinal claro dos vários governos para tomarem medidas concretas que contrariem a catástrofe e promovam medidas preventivas de redução de riscos, como a instalação de salas de injecção assistida, como tem vindo a ser proposto por inúmeros especialistas e pelo Bloco de Esquerda.
Outro exemplo é o de a introdução do plano de troca de seringas nas prisões - há vários anos em curso em várias cadeias do vizinho Estado espanhol, sem que a segurança dos guardas tivesse sido posta em causa por isso. Já em Abril de 1999 dizia o então Provedor de Justiça, Meneres Pimentel: "Entendo que, sem prejuízo do combate à entrada e circulação de droga nas prisões, e tendo presente os números de toxicodependentes e da incidência de doenças infecciosas nas prisões, a par de um juízo de prognose quanto à sua evolução, se deveria proceder à realização de estudos sobre a criação, nos estabelecimentos prisionais, de instalações próprias para a administração pelos reclusos toxicodependentes de droga por via endovenosa, dispondo de material esterilizado e de assistência médica adequada, com sistema de recepção de seringa à entrada do compartimento contra a sua devolução à saída, tendo em vista a redução dos riscos, actualmente alarmantes, de infecção em meio prisional resultante da partilha de seringas" (30 de Abril de 1999, intervenção no IX.º Colóquio sobre "Atitudes, Comportamentos e Toxicodependência", promovido pelo PROSALIS). No mesmo sentido, o Bloco de Esquerda apresentou uma iniciativa legislativa estabelecendo as condições para a criação de salas de injecção assistida.
E mesmo este padrão de consumo das chamadas drogas duras tem vindo a mudar substancialmente, sem que os meios e os serviços de saúde estejam preparados para acompanhar a evolução. Os toxicodependentes já não são exclusivamente os heroinómanos de há 10 anos. O policonsumo de estupefacientes - para que o Bloco de Esquerda alertava no projecto de lei n.º 113/VIII - tem vindo a enraizar-se nesta população, e a "mista" (mistura injectável de cocaína e heroína) há muito ganhou terreno nos hábitos de consumo à heroína, com todos os perigos que daí advêm. A possibilidade de manipulação das substâncias é agora ainda maior do que antes e as falsas overdoses continuam a matar quem consome estas drogas na clandestinidade.
É esta situação que determina o Bloco de Esquerda a levantar de novo este debate: à medida que a heroína vai perdendo hoje o seu potencial de atracção junto da população mais jovem, tal como aconteceu no resto da Europa na década de 90, a capacidade dos traficantes em dar outra apresentação à substância - manipulando-a de acordo com critérios de rentabilidade e não de segurança para quem consome - vai certamente manter os lucros, as cumplicidades e as mortes dos únicos que nada têm a ganhar com o negócio.
Orientar os toxicodependentes para o âmbito do sistema público de saúde é uma responsabilidade à qual o Estado não deve nem pode furtar-se. Não basta incluir no Orçamento do Estado um conjunto de verbas para campanhas publicitárias a que se reduz a prevenção, com resultados escassos. Não basta criar CAT (Centros de Atendimento a Toxicodependentes) pelo País para que, depois de ultrapassada a longa lista de espera, o consumidor não tenha alternativa na capacidade de tratamento em comunidades terapêuticas, a menos que esteja disposto a pagar alguns milhares de contos pelo tratamento completo em instituições privadas. Não basta nem é admissível que o Estado português se demita da sua responsabilidade no tratamento e prefira subsidiar generosamente os empresários das desintoxicações em vez de estabelecer uma política coerente que acompanhe os toxicodependentes antes de entrarem na fase em que não vêm outra saída e então decidem regressar aos consumos.
Por estas razões, a prescrição médica de substâncias hoje ilegalizadas, como o são a heroína ou a cocaína, permitem que o toxicodependente seja acompanhado por quem conhece o seu metabolismo, garante a qualidade da substância que lhe é administrada e elimina os riscos de contágio de hepatites ou HIV através dos materiais utilizados. Mais ainda: o acompanhamento mantém em permanência a porta aberta para o tratamento.
Outra razão existe, lateralmente ligada à saúde pública, para implementar desde já a prescrição médica - o toxicodependente

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não terá necessidade de roubar para adquirir a substância, já que o seu custo real não tem rigorosamente nada a ver com o preço do mercado ilegal. A diminuição da pequena criminalidade e a reintegração destes toxicodependentes na sociedade é outro dos objectivos das medidas que o Bloco de Esquerda propõe.
Em termos de concretização destas medidas, o Bloco de Esquerda defende a criação de um projecto-piloto tendo como base uma pequena amostra da população toxicodependente em Portugal - 100 pessoas em cada capital de distrito - que avance a par de um plano de recenseamento do conjunto desta população, devendo ambos estar concluídos num prazo de um ano após o arranque. Após elaborado o recenseamento, necessariamente voluntário, das e dos toxicodependentes, e após avaliação da experiência de prescrição médica, esta deverá ser alarmada a todos os recenseados que a desejem, se tal for a conclusão das entidades que tutelam a iniciativa.
Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Cria o projecto-piloto de prescrição médica de estupefacientes

1 - É criado um projecto-piloto de prescrição médica de substâncias estupefacientes - dispostas na Tabela I anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93 - a um máximo de cem cidadãos toxicodependentes em cada capital de distrito.
2 - As substâncias distribuídas sob controlo médico no âmbito deste projecto-piloto serão disponibilizadas pelas forcas de segurança, de entre as quantidades apreendidas a narcotraficantes.

Artigo 2.º
Coordenação do projecto

1 - O projecto-piloto é elaborado e executado em conjunto pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Português das Drogas e Toxicodependência.
2 - A avaliação é feita um ano depois do início das prescrições, pelas duas entidades coordenadoras do projecto.
3 - A Comissão de Saúde e Toxicodependência da Assembleia da República acompanhará este processo e formulará recomendações à tutela.

Artigo 3.º
Avaliação do projecto-piloto

Um ano após a entrada em funcionamento do projecto-piloto deverá a sua tutela submeter à Assembleia da República um relatório de avaliação.

Artigo 4.º
Recenseamento voluntário de toxicodependentes

1 - Para os efeitos da presente legislação, e no âmbito dos serviços do Ministério da Saúde, é criado um plano de recenseamento dos toxicodependentes, de adesão voluntária e dependente do consentimento do titular dos dados enquanto manifestação de vontade livre, específica e informada.
2 - Os dados pessoais fornecidos pelos aderentes ao plano de recenseamento são absolutamente confidenciais e gozam de protecção legal, não podendo ser utilizados para outros fins.

Artigo 6.º
Altera o Decreto-Lei n.º 15/93

O Decreto-Lei n.º 15/93 é alterado nos seus artigos 4.º, 15.º e 27.º, que ficam com a seguinte redacção:

"Artigo 4.º
Licenciamentos, condicionamentos e autorizações

1 - O Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento é a entidade competente a nível nacional para estabelecer condicionamentos e conceder autorizações para as actividades previstas no n.º 4 do artigo 2.º no que concerne às substâncias e preparações compreendidas nas Tabelas I a IV, dentro dos limites estritos das necessidades do País, dando prevalência aos interesses de saúde pública e de ordem científica e didáctica.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)

Artigo 15.º
Prescrição médica

1 - As substâncias e preparações compreendidas nas Tabelas I e II são fornecidas ao público, para tratamento, mediante apresentação de receita médica com as especialidades constantes dos números seguintes.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)

Artigo 27.º
Abuso do exercício de profissão

1 - As penas previstas nos artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 25.º são aplicadas ao médico que passe receitas, ministre ou entregue substâncias ou preparações aí indicados com fim não terapêutico ou sem requisição por parte do utente.
2 - As mesmas penas são aplicadas ao farmacêutico ou a quem o substitua na sua ausência ou impedimento que vender ou entregar aquelas substâncias ou preparações sem receita médica.
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)"

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República.

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Artigo 8.º
Regulamentação

O regime jurídico do tratamento dos dados pessoais do toxicodependente aderente ao plano de recenseamento para este programa de prescrição médica será regulamentado pelo Governo no prazo de 60 dias.

Palácio de São Bento, 13 de Outubro de 2000. - Os Deputados do BE, Francisco Louça - Luís Fazenda.

PROJECTO DE LEI N.º 316/VIII
CONFIRMA O PASSE SOCIAL INTER-MODAL COMO TÍTULO NOS TRANSPORTES COLECTIVOS DE PASSAGEIROS E ACTUALIZA O ÂMBITO GEOGRÁFICO DAS RESPECTIVAS COROAS

Preâmbulo

O passe social inter-modal constitui o título de transporte mais utilizado pela população da região de Lisboa nas suas deslocações pendulares. Instituído após o 25 de Abril, fruto das profundas transformações económicas e sociais, a criação do passe social aumentou a mobilidade da população e constituiu um factor de justiça social. Sendo um dos pilares do serviço público de transportes, a sua utilização deve ser incentivada e promovida.
A função do transporte público como componente essencial do processo económico e produtivo é inquestionável. Países comunitários há onde o título de transporte ou uma parte do mesmo é suportado pelas entidades empregadoras.
A política de direita seguida nos últimos anos e a inerente ofensiva contra o sector público de transportes conduziu a um efectivo agravamento do preço dos passes e à introdução de diferentes tipos de restrições ao seu pleno usufruto.
Consequência directa da entrega a privados de segmentos do mercado até há pouco assegurados por operadores públicos de transporte, são crescentes as situações em que as populações se vêm privadas do acesso a carreiras de transporte com os mesmos títulos que vinham utilizando.
O aumento crescente do peso relativo dos títulos de transporte (com relevo para os passes) no conjunto das receitas das empresas de transportes públicos verificado nos últimos anos revela a progressiva penalização dos utentes e dos trabalhadores, em particular no custeamento deste serviço público. Dos países membros da União Europeia Portugal apresenta uma das mais elevadas taxas de cobertura pelas receitas directas (passes e bilhetes) do total dos custos de exploração das empresas.
Devido às alterações verificadas nestas duas últimas décadas ao nível do crescimento e expansão da malha urbana, com o progressivo afastamento entre a habitação e o local de emprego, as actuais zonas (coroas) abrangidas pelos actuais passes ficaram muito desajustadas das reais necessidades de deslocação da população. Tal facto é, aliás, bem visível na repartição entre os tipos de passe verificada nos últimos anos.
O alargamento da linha das coroas, aproximando os locais servidos do centro do sistema e englobando no seu âmbito outros até hoje não abrangidos, apesar de constituírem importantes núcleos residenciais, visa não apenas ampliar o universo dos utentes com acesso ao passe inter-modal como se traduzirá objectivamente numa redução dos encargos a suportar pelos agregados familiares. Constituirá ainda um factor de promoção do uso do transporte colectivo e de desincentivo ao transporte individual.
Por forma a adequar o passe social inter-modal às novas necessidades de transporte da população e no sentido de salvaguardar e retomar os objectivos sociais que presidiram à criação da figura do passe social inter-modal, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Âmbito geográfico)

As coroas previstas pelas Portarias n.os 779/76, de 31 de Dezembro, 229/77, de 30 de Abril, e 736/77, de 30 de Novembro, e abrangidas pelo sistema de passe social inter-modal da Área Metropolitana de Lisboa passam a ter como âmbito geográfico os limites territoriais referidos no artigo 2.º da presente lei.

Artigo 2.º
(Delimitação das zonas - coroas)

As coroas do passe social inter-modal servidas pelos operadores de transportes públicos de passageiros na Área Metropolitana de Lisboa abrangem as seguintes áreas geográficas:

Coroa L - Os municípios de Lisboa e Amadora; as freguesias de Algés, Linda-a-Velha, Carnaxide e Cruz Quebrada, no município de Oeiras; as freguesias de Odivelas, Pontinha, Olival Basto e Póvoa de Santo Adrião, no município de Odivelas; Sacavém, Portela, Moscavide, Prior Velho e Camarate, no município de Loures; a travessia do Tejo no que respeita às carreiras fluviais com origem ou chegada nos Cais de Cacilhas, Trafaria, Porto Brandão, Seixal e Barreiro, as carreiras rodoviárias na ponte 25 de Abril até à "Praça da Portagem" e as carreiras ferroviárias até à estação do Pragal.
Coroa 1 - As restantes freguesias do município de Oeiras; a cidade de Queluz e a freguesia de Belas, no município de Sintra; as freguesias de Caneças, Ramada, e Famões, no município de Odivelas; as freguesias de Santo António dos Cavaleiros, Loures, Santa Iria de Azóia, Santo Antão do Tojal, São Julião do Tojal, Frielas, Unhos, São João da Talha, Bobadela e Apelação, no município de Loures; a travessia do Tejo em conjunto com a Coroa L, no que respeita às travessias fluviais com origem ou chegada no cais do Montijo e as carreiras rodoviárias sobre a Ponte Vasco da Gama até à primeira paragem na margem sul; as freguesias do Barreiro, Lavradio, Seixalinho, Verderena e Santo André e as localidades de Palhais e Santo António, no concelho do Barreiro; as freguesias de Seixal e Amora e as localidades de Corroios e Arrentela, no concelho do Seixal; as freguesias de Almada, Cacilhas, Cova da Piedade, Laranjeiro e Trafaria e as localidades de São João da Caparica, Corvina, Casas Velhas e Feijó, no concelho de Almada.

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Coroa 2 - As freguesias de Carcavelos, Parede e São Domingos de Rana, no município de Cascais; as freguesias de Rio de Mouro e Cacém, no município de Sintra; as freguesias de Vialonga, Alverca, Forte da Casa e Póvoa de Santa Iria, no município de Vila Franca de Xira; a parte restante dos municípios de Almada, Barreiro e Seixal; os municípios da Moita, Montijo e Alcochete.
Coroa 3 - As restantes freguesias até aos limites administrativos dos municípios de Cascais, Loures e Vila Franca de Xira; em Sintra até ao limite definida pelo traçado de Via de Cintura Norte, com inclusão do perímetro urbano da Vila de Sintra, Cabriz e Várzea; a freguesia do Carregado, no município de Alenquer; a freguesia de Samora Correia, do concelho Benavente; as freguesias de Pinhal Novo, Palmela e Quinta do Anjo, no concelho de Palmela; a freguesia da Quinta do Conde e as localidades de Marco do Grilo, Apostiça, Cotovia, Santana e Maçã, na freguesia do Castelo, no concelho de Sesimbra; a freguesia de São Simão e as localidades de Brejos, Vila Nogueira e Aldeia de Irmãos, na freguesia de São Lourenço, no concelho de Setúbal.
Áreas suplementares: - O passe social é ainda válido, por extensão, nas seguintes áreas urbanas adjacentes ao limite das suas coroas: Alenquer, Azambuja, Sesimbra e Setúbal. Outras extensões que se venham a justificar posteriormente poderão ser integradas no passe por portaria do Ministro da tutela. Os passes com extensão tem identificadas as coroas e as zonas urbanas em que são válidos (ex: L 123 - Azambuja ou 23 - Setúbal).

Artigo 3.º
(Validade)

A validade do uso dos passes sociais inter-modais previstos na presente lei, nos percursos dentro das áreas definidas no artigo 2.º, é extensível a todos os operadores de transportes públicos colectivos, quer sejam empresas públicas ou privadas, a quem já tenha sido ou venha a ser concessionada a exploração de circuitos e redes de transportes.

Artigo 4.º
(Repartição de receitas)

1 - A repartição de receitas do passe social inter-modal pelos operadores será proporcional à repartição do número de passageiros x quilómetro transportados pelos operadores, tendo em conta o modo de transporte.
2 - Compete ao Governo estabelecer anualmente os valores da repartição de receitas, devidamente actualizadas, para o que promoverá os inquéritos e estudos necessários.

Artigo 5.º
(Indemnização compensatória)

Aos operadores referidos no n.º 1 do artigo 4.º será atribuída anualmente uma indemnização compensatória com base numa lógica de rede e tendo em conta as obrigações inerentes à prestação de serviço público.

Artigo 6.º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor com a lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 11 de Outubro de 2000. Os Deputados do PCP: Joaquim Matias - Bernardino Soares - Natália Filipe - Margarida Botelho - Vicente Merendas - António Filipe - Luísa Mesquita - Odete Santos - Octávio Teixeira.

Texto e despacho n.º 70/VIII de admissibilidade

Partilho a opinião de que a Constituição assegura ao Governo uma área mínima de reserva política e administrativa, indispensável à plena assunção, perante a Assembleia da República, das suas responsabilidades como órgão de soberania, com competências na condução da política geral do País e na direcção da administração pública.
Entendo que, nessa área de reserva, o Executivo deve poder determinar, com total autonomia e responsabilidade, o sentido, o conteúdo e o alcance das medidas a tomar no exercício dessas suas competências constitucionais.
A intervenção legislativa parlamentar nesse "âmbito nuclear do poder executivo" poderá, nesta perspectiva, configurar violação do estatuto constitucional do Governo e do princípio da divisão de poderes.
Creio que, no caso concreto, as imposições constantes deste projecto de lei ilustram a hipótese de invasão daquele âmbito. Obrigado a cumprir as determinações vinculativas da Assembleia da República em matéria de política de transportes colectivos de passageiros, o Governo verá, assim, frustrada a possibilidade de determinar, de forma auto-responsável, as suas competências constitucionais nesta matéria.
Com esta reserva, admito o presente projecto de lei.
Baixa à 6.ª Comissão.

Palácio de São Bento, 13 de Outubro de 2000. O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.

PROPOSTA DE LEI N.º 49/VIII
ALTERA OS ARTIGOS 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 17.º, 18.º E 24.º E ADITA OS ARTIGOS 10.º E 14.º-A À LEI N.º 42/98, DE 6 DE AGOSTO (LEI DAS FINANÇAS LOCAIS)

Exposição de motivos

A presente proposta de lei visa rever a Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, essencialmente no que respeita aos critérios de distribuição dos fundos municipais, introduzindo-se também alterações que advêm da orgânica do XIV Governo.
As principais alterações e aditamentos visam atingir um maior equilíbrio na distribuição dos fundos municipais, assegurando aos municípios de menor dimensão um reforço adequado da respectiva capacidade financeira, bem como garantindo crescimentos mínimos, por escalões populacionais.

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É, assim, proposta a criação de um Fundo de Base Municipal, a repartir igualmente por todos os municípios, equivalente a 15% da participação global em impostos do Estado definida no corpo do n.º 1 da artigo 10.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto.
Estabelecem-se ainda crescimentos mínimos referenciados à taxa de crescimento média nacional, sendo a ponderação desta taxa mais elevada nos municípios com 10 000 e menos habitantes e assumindo aquele factor valores progressivamente menores nos escalões populacionais superiores.
Na sequência da criação do Fundo de Base Municipal, alterou-se a ponderação dos critérios de repartição do Fundo Geral Municipal, aumentando a percentagem do indicador "população residente e média diária de dormidas em estabelecimentos hoteleiros e em parques de campismo" de 35 para 40 e retirando-se do elenco daqueles critérios os 5% a repartir igualmente por todos os municípios.
São estas as alterações dignas de referência e que nos permitem uma aproximação significativa do princípio constitucional de equilíbrio financeiro consubstanciado na "correcção das desigualdades entre autarquias locais do mesmo grau".
Assim, nos termos da alínea d) do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República para valer como lei geral da República, a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º

Os artigos 9.º, 10.º, 12.º, 14.º, 17.º, 18.º e 24.º da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 9.º

1 - (...)
2 - As contas dos municípios e das freguesias são remetidas pelo órgão executivo, nos termos da lei, ao Tribunal de Contas, até 15 de Maio, independentemente da sua aprovação pelo órgão deliberativo, com cópia ao Ministro que tutela as Finanças e ao Ministro que tutela as autarquias locais.
3 - O Tribunal de Contas remete a sua decisão aos respectivos órgãos autárquicos, com cópia ao Ministro que tutela as Finanças e ao Ministro que tutela as Autarquias Locais.
4 - (...)

Artigo 10.º
(...)
1 - (...)

a) 4,5% como Fundo Base Municipal (FBM), de acordo com o disposto no artigo 10.º-A;
b) 20,5% como Fundo Geral Municipal (FGM), de acordo com o disposto nos artigos 11.º e 12.º;
c) 5,5% como participação no Fundo de Coesão Municipal (FCM), nos termos do disposto nos artigos 13.º e 14.º.

2 - (...)
3 - Serão anualmente inscritos no Orçamento do Estado os montantes das transferências correspondentes às receitas previstas nas alíneas a), b), e c) do n.º 1 e no n.º 2.
4 - Os montantes correspondentes à participação dos municípios nas receitas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 são inscritos nos orçamentos municipais da seguinte forma:

a) As receitas mencionadas na alínea a) como receitas correntes;
b) As receitas mencionadas nas alíneas b) e c), 55% como receitas correntes e 45% como receitas de capital.

5 - As receitas referidas no número anterior são transferidas por duodécimos até ao dia 15 do mês correspondente.
6 - (anterior n.º 5).
7 - Excepcionalmente, se o diploma de execução do Orçamento do Estado o permitir, poderá ser autorizada pelo Ministro que tutela as Finanças a antecipação da transferência dos duodécimos a que se refere o n.º 5.
8 - (anterior n.º 7).

Artigo 12.º
(...)

1 - (...)

a) (...)
b) (...)
c) (...)

2 - (...)

a) 40% na razão directa da população residente e da média diária de dormidas em estabelecimentos hoteleiros e parques de campismo;
b) (anterior alínea c));
c) (anterior alínea d));
d) (anterior alínea e));
e) (anterior alínea f)).

3 - (...)

Artigo 14.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Os valores do índice de desenvolvimento social nacional, de cada município e de cada unidade de 3.º nível (NUTS III) têm natureza censitária e constam de portaria a publicar pelo Ministério que tutela as autarquias locais.
5 - (...)

Artigo 17.º
Liquidação e cobrança dos impostos

1 - (...)
2 - (...)
3 - Quando a cobrança dos impostos que constituem receita municipal for efectuada pelos serviços

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competentes do Ministério que tutela as Finanças, a respectiva receita líquida dos encargos a que se refere o número anterior é transferida por estes para o município titular da receita, até ao fim do mês seguinte ao da cobrança.
4 - (...)
5 - (...)

Artigo 18.º
Derrama

1 - (...)
2 - (...)
3 - A deliberação sobre o lançamento da derrama deve ser comunicada pela câmara municipal ao director de finanças competente até 31 de Outubro do ano anterior ao da cobrança, para efeitos de cobrança e distribuição por parte dos serviços competentes do Ministério que tutela as Finanças, sob pena de a derrama não ser liquidada nem cobrada no ano em causa.
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 - (...)

Artigo 24.º
Características do endividamento municipal

1 - Os empréstimos a curto prazo são contraídos para ocorrer a dificuldades de tesouraria, não podendo o seu montante médio anual exceder 10% das receitas provenientes das participações do município nos Fundos de Base Municipal, Geral Municipal e de Coesão Municipal.
2 - (...)
3 - Os encargos anuais com amortizações e juros dos empréstimos a médio e longo prazos, incluindo os dos empréstimos obrigacionistas, não podem exceder o maior dos limites do valor correspondente a três duodécimos dos Fundos de Base Municipal, Geral Municipal e de Coesão Municipal que cabe ao município ou a 20% das despesas realizadas para investimento pelo município no ano anterior.
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)
8 - (...)"

Artigo 2.º

São aditados à Lei 42/98, de 6 de Agosto, os artigos 10.º-A e 14.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 10.º-A
Fundo de Base Municipal

O FBM visa dotar os municípios da capacidade financeira mínima para o seu funcionamento, sendo repartido igualmente por todos os municípios.

Artigo 14.º-A
Crescimentos anuais mínimos e máximos

1 - Nenhum município poderá ter um acréscimo de participação nos FBM, FGM e FCM, relativamente à respectiva participação nas transferências financeiras do ano anterior, inferior à taxa de inflação prevista.
2 - A cada município incluído nos escalões populacionais abaixo definidos é garantido um crescimento mínimo, relativamente à respectiva participação global nos FBM, FGM e FCM do ano anterior, equivalente ao factor a seguir indicado, ponderando a taxa de crescimento médio de cada ano:

a) Aos municípios com menos de 10 000 habitantes - 1,25;
b) Aos municípios com 10 000 ou mais e menos de 20 000 habitantes - 1,00;
c) Aos municípios com 20 000 ou mais e menos de 40 000 habitantes - 0,80;
d) Aos municípios com 40 000 ou mais e menos de 100 000 habitantes - 0,60.

3 - A taxa máxima de crescimento dos fundos dos municípios com 100 000 ou mais habitantes é idêntica à taxa de crescimento médio nacional.
4 - O crescimento da participação nos fundos municipais, relativamente ao ano anterior, não poderá exceder, em cada município, o equivalente a 1,5 vezes a taxa média de crescimento nacional.
5 - Os crescimentos mínimos referidos nos n.os 1 e 2 são assegurados pelos excedentes que advierem da aplicação dos n.os 3 e 4, bem como, se necessário, por dedução proporcional nas transferências dos municípios que apresentem uma taxa de crescimento, relativamente ao ano anterior, superior à taxa média nacional e, se tal não for suficiente, por dedução proporcional nas transferências dos municípios que apresentem uma taxa de crescimento, relativamente ao ano anterior, superior à taxa de inflação prevista."

Artigo 3.º

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Artigo 4.º

A Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (lei de finanças locais), rectificada pela declaração de rectificação n.º 13/98, de 25 de Agosto, é republicada em anexo, na íntegra, com as alterações resultantes do artigo 28.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril e do presente diploma.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 28 de Setembro de 2000. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Guilherme Waldemar Pereira d'Oliveira Martins - O Ministro das Finanças, Joaquim Augusto Nunes Pina Moura - O Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

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Anexo
Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto

Lei das Finanças Locais

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Objecto

1 - A presente lei estabelece o regime financeiro dos municípios e das freguesias.
2 - O regime financeiro das regiões administrativas é objecto de diploma próprio.

Artigo 2.º
Autonomia financeira dos municípios e das freguesias

1 - Os municípios e as freguesias têm património e finanças próprios, cuja gestão compete aos respectivos órgãos.
2 - A tutela sobre a gestão patrimonial e financeira das autarquias locais é meramente inspectiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei, salvaguardando sempre a democraticidade e a autonomia do poder local.
3 - A autonomia financeira dos municípios e das freguesias assenta, designadamente, nos seguintes poderes dos seus órgãos:

a) Elaborar, aprovar e modificar as opções do plano, orçamentos e outros documentos previsionais;
b) Elaborar e aprovar os documentos de prestação de contas;
c) Arrecadar e dispor de receitas que por lei lhes forem destinadas e ordenar e processar as despesas legalmente autorizadas;
d) Gerir o seu próprio património, bem como aquele que lhes for afecto.

4 - São nulas as deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que envolvam o exercício de poderes tributários ou determinem o lançamento de taxas ou mais-valias não previstas na lei.
5 - São nulas as deliberações de qualquer órgão dos municípios e freguesias que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei.

Artigo 3.º
Princípios e regras orçamentais

1 - Os orçamentos dos municípios e das freguesias respeitam os princípios da anualidade, unidade, universalidade, especificação, equilíbrio, não consignação e não compensação.
2 - Deverá ser dada adequada publicidade às opções do plano e ao orçamento, depois de aprovados pelo órgão deliberativo.
3 - O princípio da não consignação previsto no n.º 1 não se aplica às receitas provenientes de fundos comunitários, cooperação técnica e financeira e outras previstas por lei.
4 - O ano financeiro corresponde ao ano civil, podendo o orçamento ser modificado através de alterações e revisões.

Artigo 4.º
Poderes tributários

1 - Aos municípios cabem os poderes tributários conferidos por lei, relativamente a impostos a cuja receita tenham direito, em especial os referidos na alínea a) do artigo 16.º.
2 - Nos casos de benefícios fiscais que afectem mais do que um município e de benefícios fiscais que constituam contrapartida da fixação de grandes projectos de investimento de interesse para a economia nacional, o reconhecimento dos mesmos compete ao Governo, ouvidos os municípios envolvidos, que deverão pronunciar-se no prazo máximo de 45 dias nos termos da lei.
3 - Nos casos previstos no número anterior haverá lugar a compensação através de verba a inscrever no Orçamento do Estado.
4 - A assembleia municipal pode, por proposta da câmara municipal, através de deliberação fundamentada, conceder benefícios fiscais relativamente aos impostos a cuja receita tenha direito e que constituam contrapartida de fixação de projectos de investimentos de especial interesse para o desenvolvimento do município.

Artigo 5.º
Equilíbrio financeiro vertical e horizontal

1 - A repartição dos recursos públicos entre o Estado e as autarquias locais é obtida mediante uma afectação financeira a estas, equivalente a 33% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor acrescentado (IVA).
2 - A receita dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor acrescentado (IVA), a que se refere o n.º 1 é a que corresponde à cobrança líquida destes impostos no penúltimo ano relativamente ao qual o Orçamento do Estado se refere, excluindo, no que respeita ao IRC, a parte que corresponde às derramas.
3 - Quando forem conferidas novas atribuições às autarquias locais, o Orçamento do Estado deve prever a afectação de recursos financeiros adicionais, de acordo com os encargos resultantes das novas atribuições.
4 - A participação de cada autarquia local nos recursos referidos no n.º 1 é determinada nos termos e de acordo com os critérios previstos na presente lei, visando corrigir as desigualdades entre autarquias do mesmo grau.

Artigo 6.º
Contabilidade

1 - O regime relativo à contabilidade das autarquias locais visa a sua uniformização, normalização e simplificação, de modo a constituir um instrumento de gestão económico-financeira, permitir o conhecimento completo do valor contabilístico do respectivo património, bem como a apreciação e julgamento do resultado anual da actividade autárquica.
2 - A contabilidade das autarquias locais baseia-se no Plano Oficial de Contabilidade Pública, com as necessárias

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adaptações, podendo prever-se um sistema simplificado para as freguesias cujas contas não sejam obrigatoriamente submetidas a julgamento, em conformidade com a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.

Artigo 7.º
Cooperação técnica e financeira

1 - Não são permitidas quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias por parte do Estado, das Regiões Autónomas, dos institutos públicos ou dos fundos autónomos.
2 - Poderão ser excepcionalmente inscritas no Orçamento do Estado, por ministério, verbas para financiamento de projectos das autarquias locais de grande relevância para o desenvolvimento regional e local, quando se verifique a sua urgência e a comprovada e manifesta incapacidade financeira das autarquias para lhes fazer face.
3 - O Governo e os governos regionais poderão ainda tomar providências orçamentais necessárias à concessão de auxílios financeiros às autarquias locais, nas seguintes situações:

a) Calamidade pública;
b) Municípios negativamente afectados por investimento da responsabilidade da Administração Central;
c) Edifícios sede de autarquias locais, negativamente afectados na respectiva funcionalidade;
d) Circunstâncias graves que afectem drasticamente a operacionalidade das infra-estruturas e dos serviços municipais de protecção civil;
e) Instalação de novos municípios ou freguesias;
f) Recuperação de áreas de construção clandestina ou de renovação urbana, quando o seu peso relativo transcenda a capacidade e a responsabilidade autárquica nos termos da lei.

4 - O Governo definirá por decreto-lei as condições em que haverá lugar à cooperação técnica e financeira prevista neste artigo.
5 - As providências orçamentais a que se refere o n.º 2 e as alíneas b), c), e) e f) do n.º 3 deverão ser discriminadas por sectores, municípios e programas, salvo em casos de manifesta urgência e imprevisibilidade dos investimentos ou das situações que geram os financiamentos.
6 - A execução anual dos programas de financiamento de cada ministério e os contratos-programa celebrados obedecem aos princípios da igualdade, imparcialidade e justiça e são publicados no Diário da República.
7 - Tendo em conta a especificidade das regiões autónomas, as assembleias legislativas regionais poderão definir outras formas de cooperação técnica e financeira, além das previstas no n.º 3.

Artigo 8.º
Dívidas das autarquias

Quando as autarquias tenham dívidas definidas por sentença judicial transitada em julgado ou por elas não contestadas junto dos credores no prazo máximo de 60 dias, pode ser deduzida uma parcela às transferências resultantes da aplicação da presente lei, até ao limite de 15% do respectivo montante global.

Artigo 9.º
Apreciação e julgamento das contas

1 - As contas dos municípios e das freguesias são apreciadas pelo respectivo órgão deliberativo, reunido em sessão ordinária, no mês de Abril do ano seguinte àquele a que respeitam.
2 - As contas dos municípios e das freguesias são remetidas pelo órgão executivo, nos termos da lei, ao Tribunal de Contas, até 15 de Maio, independentemente da sua aprovação pelo órgão deliberativo, com cópia ao Ministro que tutela as Finanças e ao Ministro que tutela as autarquias locais.
3 - O Tribunal de Contas remete a sua decisão aos respectivos órgãos autárquicos, com cópia ao Ministro que tutela as Finanças e ao Ministro que tutela as autarquias locais.
4 - Os municípios que detenham a totalidade do capital em empresas municipais devem mencionar, aquando da apresentação da conta, os movimentos financeiros realizados entre estas e o município, discriminando os resultados apurados e as variações patrimoniais por cada empresa municipal.

Capítulo II
Repartição dos recursos públicos

Artigo 10.º
Transferências financeiras para as autarquias locais

1 - Os municípios têm direito a uma participação em impostos do Estado equivalente a 30,5% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor acrescentado (IVA), assim distribuída:

a) 4,5% como Fundo Base Municipal (FBM), de acordo com o disposto no artigo 10.º-A;
b) 20,5% como Fundo Geral Municipal (FGM), de acordo com o disposto nos artigos 11.º e 12.º;
c) 5,5% como participação no Fundo de Coesão Municipal (FCM), nos termos do disposto nos artigos 13.º e 14.º.

2 - As freguesias têm direito a uma participação em impostos do Estado equivalente a 2,5% da média aritmética simples da receita proveniente dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e sobre o valor acrescentado (IVA), a qual constitui o Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), a distribuir nos termos do disposto no artigo 15.º.
3 - Serão anualmente inscritos no Orçamento do Estado os montantes das transferências correspondentes às receitas previstas nas alíneas a), b), e c) do n.º 1 e no n.º 2.
4 - Os montantes correspondentes à participação dos municípios nas receitas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 são inscritos nos orçamentos municipais da seguinte forma:

a) As receitas mencionadas na alínea a) como receitas correntes;
b) As receitas mencionadas nas alíneas b) e c), 55% como receitas correntes e 45% como receitas de capital.

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5 - As receitas referidas no número anterior são transferidas por duodécimos até ao dia 15 do mês correspondente.
6 - Os montantes do Fundo de Financiamento das Freguesias são transferidos trimestralmente até ao dia 15 do 1º mês do trimestre correspondente.
7 - Excepcionalmente, se o diploma de execução do Orçamento do Estado o permitir, poderá ser autorizada pelo Ministro que tutela as Finanças a antecipação da transferência dos duodécimos a que se refere o n.º 5.
8 - Os índices a ser utilizados no cálculo do FGM, FCM e FFF deverão ser previamente conhecidos, por forma a que se possa em tempo útil solicitar a sua correcção.

Artigo 10.º-A
Fundo de Base Municipal

O FBM visa dotar os municípios da capacidade financeira mínima para o seu funcionamento, sendo repartido igualmente por todos os municípios.

Artigo 11.º
Fundo Geral Municipal

O FGM visa dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao desempenho das suas atribuições, em função dos respectivos níveis de funcionamento e investimento.

Artigo 12.º
Distribuição do FGM

1 - O montante do FGM é repartido por três unidades territoriais, correspondentes ao Continente, à Região Autónoma dos Açores e à Região Autónoma da Madeira, de acordo com os seguintes critérios:

a) 50% na razão directa da população residente, sendo a das regiões autónomas ponderada pelo factor 1.3;
b) 30% na razão directa do número de municípios;
c) 20% na razão directa da área.

2 - A sua distribuição pelos municípios, dentro de cada unidade territorial, obedece aos seguintes critérios:

a) 40% na razão directa da população residente e da média diária de dormidas em estabelecimentos hoteleiros e parques de campismo;
b) 5% na razão directa da população residente com menos de 15 anos;
c) 30% na razão directa da área ponderada por um factor relativo à amplitude altimétrica do município;
d) 15% na razão directa do número de freguesias;
e) 10% na razão directa do montante do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares cobrado aos sujeitos passivos residentes na área geográfica do município.

3 - Os elementos e os indicadores para aplicação dos critérios referidos no número anterior devem ser comunicados de forma discriminada à Assembleia da República, juntamente com a proposta de lei do Orçamento do Estado.

Artigo 13.º
Fundo de Coesão Municipal

1 - O FCM visa reforçar a coesão municipal, fomentando a correcção de assimetrias, em benefício dos municípios menos desenvolvidos e é distribuído com base nos índices de carência fiscal (ICF) e de desigualdade de oportunidades (IDO), os quais traduzem situações de inferioridade relativamente às correspondentes médias nacionais.
2 - O ICF de cada município corresponde à diferença entre a capitação média nacional das colectas dos impostos municipais referidos na alínea a) do artigo 16.º e a respectiva capitação municipal daqueles impostos.
3 - O IDO representa a diferença de oportunidades positiva para os cidadãos de cada município, decorrente da desigualdade de acesso a condições necessárias para poderem ter uma vida mais longa, com melhores níveis de saúde, de conforto, de saneamento básico e de aquisição de conhecimentos.
4 - Para efeitos de cálculo do ICF, as colectas efectivas dos impostos serão acrescidas das que teriam sido cobradas se a liquidação tivesse tido por base a média aritmética das taxas efectivamente praticadas por todos os municípios e dos montantes dos benefícios fiscais concedidos pelo município.

Artigo 14.º
Distribuição do FCM

1 - Por conta do FCM será atribuído a cada município com capitação de impostos municipais, calculada nos termos do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo anterior, inferior à capitação média nacional o montante necessário para que aquela capitação média seja atingida em cada um deles, na razão directa do resultado da seguinte fórmula:

Habm*(CNIM-CIMm)

em que Habm é a população residente no município; CNIM a capitação média nacional dos impostos municipais, e CIMm a capitação dos impostos municipais no município.

2 - O remanescente do FCM será distribuído por cada município na razão directa do resultado da seguinte fórmula:

Habm*(1+IDOm),sendo IDOm>0 e IDOm=(IDSn-IDSm)

em que Habm é a população residente no município; IDOm o índice municipal de desigualdade de oportunidades do município; IDSn o índice nacional de desenvolvimento social, e IDSm o do município.

3 - A metodologia para construção do índice de desenvolvimento social nacional, de cada município e de cada unidade de 3.º nível da Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins estatísticos (NUTS III) consta de documento anexo, que faz parte integrante do presente diploma.
4 - Os valores do índice de desenvolvimento social nacional, de cada município e de cada unidade de 3.º nível (NUTS III) têm natureza censitária e constam de portaria a publicar pelo Ministério que tutela as autarquias locais.
5 - Quando ocorrer a publicação de novos valores do IDS, o crescimento mínimo do índice de cada município, para efeitos de distribuição do FCM, não poderá ser inferior ao crescimento do índice da respectiva NUTS III.

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Artigo 14.º-A
Crescimentos anuais mínimos e máximos

1 - Nenhum município poderá ter um acréscimo de participação nos FBM, FGM e FCM, relativamente à respectiva participação nas transferências financeiras do ano anterior, inferior à taxa de inflação prevista.
2 - A cada município incluído nos escalões populacionais abaixo definidos, é garantido um crescimento mínimo, relativamente à respectiva participação global nos FBM, FGM e FCM do ano anterior, equivalente ao factor a seguir indicado, ponderando a taxa de crescimento médio de cada ano:

Aos municípios com menos 10 000 habitantes - 1,25;
Aos municípios com 10 000 ou mais e menos de 20 000 habitantes - 1,00;
Aos municípios com 20 000 ou mais e menos de 40 000 habitantes - 0,80;
Aos municípios com 40 000 ou mais e menos de 100 000 habitantes - 0,60.

3 - A taxa máxima de crescimento dos fundos dos municípios com 100 000 ou mais habitantes é idêntica à taxa de crescimento médio nacional.
4 - O crescimento da participação nos fundos municipais, relativamente ao ano anterior, não poderá exceder, em cada município, o equivalente a 1,5 vezes a taxa média de crescimento nacional.
5 - Os crescimentos mínimos referidos nos n.os 1 e 2 são assegurados pelos excedentes que advierem da aplicação dos n.os 3 e 4, bem como, se necessário, por dedução proporcional nas transferências dos municípios que apresentem uma taxa de crescimento, relativamente ao ano anterior, superior à taxa média nacional e, se tal não for suficiente, por dedução proporcional nas transferências dos municípios que apresentem uma taxa de crescimento, relativamente ao ano anterior, superior à taxa de inflação prevista.

Artigo 15.º
Distribuição do FFF

1 - O FFF é repartido por três unidades territoriais, correspondentes ao continente, à Região Autónoma dos Açores e à Região Autónoma da Madeira, de acordo com os seguintes critérios:

a) 50% na razão directa da população residente;
b) 30% na razão directa do número de freguesias;
c) 20% na razão directa da área.

2 - A distribuição pelas freguesias, dentro de cada unidade territorial, dos montantes apurados nos termos do número anterior obedece aos seguintes critérios:

a) 25% igualmente por todas;
b) 50% na razão directa do número de habitantes;
c) 25% na razão directa da área.

3 - Os elementos e os indicadores para aplicação dos critérios referidos nos números anteriores devem ser comunicados de forma discriminada à Assembleia da República, juntamente com a proposta de lei do Orçamento do Estado.
4 - A distribuição resultante dos n.os 1 e 2 deve garantir um acréscimo anual da participação de cada freguesia pelo menos igual à taxa de inflação prevista, não podendo dela resultar verba inferior à necessária ao pagamento das compensações para encargos relativos aos presidentes, secretários e tesoureiros das juntas de freguesia, que não exerçam o mandato em regime de permanência.
5 - A compensação necessária para assegurar o montante mínimo previsto no número anterior efectua-se mediante dedução proporcional na participação do FFF com taxas de crescimento superiores à taxa de inflação prevista.

Capítulo III
Receitas das autarquias locais

Artigo 16.º
Receitas dos municípios

Constituem, ainda, receitas dos municípios:

a) O produto da cobrança dos impostos a que os municípios tenham direito, designadamente a contribuição autárquica, imposto municipal sobre veículos e o imposto municipal de sisa;
b) O produto da cobrança de derrama lançada nos termos do disposto no artigo 18.º;
c) O produto da cobrança de taxas por licenças concedidas pelo município;
d) O produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município;
e) O rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por ele administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
f) O produto de multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam ao município;
g) O produto da cobrança de encargos de mais-valias destinados por lei ao município;
h) O produto de empréstimos, incluindo o lançamento de obrigações municipais;
i) O produto de heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor do município;
j) O produto da alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
l) Participação nos lucros de sociedades e nos resultados de outras entidades em que o município tome parte;
m) Outras receitas estabelecidas por lei a favor dos municípios.

Artigo 17.º
Liquidação e cobrança dos impostos

1 - Os impostos referidos na alínea a) do artigo 16.º são liquidados e cobrados nos termos previstos na lei.
2 - Quando a liquidação e cobrança dos impostos referidos na alínea a) do artigo 16.º seja assegurada pelos serviços do Estado, os respectivos encargos não podem exceder 1,5% ou 2,5% dos montantes liquidados ou cobrados, respectivamente.
3 - Quando a cobrança dos impostos que constituem receita municipal for efectuada pelos serviços competentes do Ministério que tutela as Finanças, a respectiva receita líquida dos encargos a que se refere o número anterior é transferida

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por estes para o município titular da receita, até ao fim do mês seguinte ao da cobrança.
4 - As câmaras municipais podem deliberar proceder à cobrança, pelos seus próprios serviços, do imposto municipal sobre veículos, nos termos estabelecidos por lei.
5 - Serão devidos juros de mora por parte da administração central, nos casos de atrasos nas transferências de receitas das autarquias, quer se trate dos impostos que são receitas municipais, quer de transferências de fundos.

Artigo 18.º
Derrama

1 - Os municípios podem lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
2 - A derrama pode ser lançada para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro.
3 - A deliberação sobre o lançamento da derrama deve ser comunicada pela câmara municipal ao director de finanças competente até 31 de Outubro do ano anterior ao da cobrança, para efeitos de cobrança e distribuição por parte dos serviços competentes do Ministério que tutela as Finanças, sob pena de a derrama não ser liquidada nem cobrada no ano em causa.
4 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria colectável superior a 10 000 contos, a colecta do IRC relativa ao rendimento gerado na circunscrição de cada município é determinada pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional.
5 - Nos casos não abrangidos pelo número anterior considera-se que o rendimento é gerado no município em que se situa a sede ou a direcção efectiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável onde, nos termos do artigo 100.º do CIRC, esteja centralizada a contabilidade.
6 - Entende-se por massa salarial o valor das despesas efectuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.
7 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 5 indicarão na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efectuarão o apuramento da derrama que for devida.
8 - O produto das derramas cobradas será transferido para os municípios dentro dos 15 dias seguintes ao do respectivo apuramento.

Artigo 19.º
Taxas dos municípios

Os municípios podem cobrar taxas por:

a) Realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas;
b) Concessão de licenças de loteamento, de licenças de obras de urbanização, de execução de obras particulares, de ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios, bem como de obras para ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal;
c) Ocupação ou utilização do solo, subsolo e espaço aéreo do domínio público municipal e aproveitamento dos bens de utilidade pública;
d) Prestação de serviços ao público por parte das unidades orgânicas ou dos funcionários municipais;
e) Ocupação e utilização de locais reservados nos mercados e feiras;
f) Aferição e conferição de pesos, medidas e aparelhos de medição quando oficialmente qualificados e autorizados para o efeito;
g) Estacionamento de veículos em parques ou outros locais a esse fim destinados;
h) Autorização para o emprego de meios de publicidade destinados a propaganda comercial;
i) Utilização de quaisquer instalações destinadas ao conforto, comodidade ou recreio público;
j) Enterramento, concessão de terrenos e uso de jazigos, de ossários e de outras instalações em cemitérios municipais;
l) Conservação e tratamento de esgotos;
m) Licenciamento sanitário das instalações;
n) Ressarcimento dos prejuízos causados ao município pela exploração de inertes na respectiva área;
o) Qualquer outra licença da competência dos municípios;
p) Registos determinados por lei;
q) Quaisquer outras previstas por lei.

Artigo 20.º
Tarifas e preços

1 - As tarifas e preços a cobrar pelos municípios respeitam, designadamente, às actividades de exploração de sistemas públicos de:

a) Distribuição de água;
b) Drenagem de águas residuais;
c) Recolha, depósito e tratamento de resíduos sólidos;
d) Transportes colectivos de pessoas e mercadorias;
e) Distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

2 - Os municípios podem ainda cobrar tarifas por instalação, substituição ou renovação dos ramais domiciliários de ligação aos sistemas públicos de distribuição de água e de drenagem de águas residuais.
3 - As tarifas e os preços, a fixar pelos municípios, relativos aos serviços prestados e aos bens fornecidos pelas unidades orgânicas municipais e serviços municipalizados, não devem, em princípio, ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação dos serviços.

Artigo 21.º
Receitas das freguesias

Constituem, ainda, receitas das freguesias:

a) O produto de cobrança de taxas das freguesias;
b) O produto de multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam às freguesias;

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c) O rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por ela administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;
d) O produto de heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor das freguesias;
e) O produto da alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;
f) O rendimento proveniente da prestação de serviços pelas freguesias;
g) O rendimento de mercados e cemitérios das freguesias;
h) O produto de empréstimos, a contrair nos termos do artigo 27.º;
i) Outras quaisquer receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor das freguesias.

Artigo 22.º
Taxas das freguesias

As freguesias podem cobrar taxas:

a) Pela utilização de locais reservados a mercados e feiras sob jurisdição ou administração das freguesias;
b) Pelo enterramento, concessão de terrenos e uso de jazigos, de ossários e de outras instalações em cemitérios das freguesias;
c) Pela utilização de quaisquer instalações sob jurisdição ou administração da freguesia destinadas ao conforto, comodidade ou recreio do público;
d) Pela prestação de serviços administrativos;
e) Pelo licenciamento de canídeos;
f) Pela passagem de licenças da competência das freguesias que não estejam isentas por lei;
g) Pelo aproveitamento dos bens do domínio público sob a administração das freguesias;
h) Quaisquer outras previstas por lei.

Capítulo IV
Recurso ao crédito pelas autarquias locais

Artigo 23.º
Regime de crédito dos municípios

1 - Os municípios podem contrair empréstimos e utilizar aberturas de crédito junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito, bem como emitir obrigações e celebrar contratos de locação financeira, nos termos da lei.
2 - A questão do endividamento municipal deverá orientar-se por princípios de rigor e eficiência, prosseguindo os seguintes objectivos:

a) Minimização de custos directos e indirectos numa perspectiva de longo prazo;
b) Garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais;
c) Prevenção de excessiva concentração temporal de amortização;
d) Não exposição a riscos excessivos.

3 - Os empréstimos e a utilização de aberturas de crédito, que para efeitos do presente diploma são designados por empréstimos, podem ser a curto ou a médio e longo prazos.
4 - Os empréstimos de médio e longo prazos têm um prazo de vencimento adequado à natureza das operações que visam financiar, não podendo, em caso algum, exceder a vida útil do respectivo investimento, com o limite máximo de:

a) 25 anos, no caso de empréstimos contratados para aquisição e construção de habitação a custos controlados destinada a arrendamento;
b) 20 anos, nos restantes casos.

5 - O pedido de autorização à assembleia municipal para a contracção de empréstimos de médio e longo prazos é obrigatoriamente acompanhado de informação sobre as condições praticadas em, pelo menos, três instituições de crédito, bem como de mapa demonstrativo da capacidade de endividamento do município.
6 - A aprovação de empréstimos a curto prazo pode ser deliberada pela assembleia municipal, na sua sessão anual de aprovação do orçamento, para todos os empréstimos que a câmara venha a contrair durante o período de vigência do orçamento.
7 - É vedado aos municípios quer o aceite quer o saque de letras de câmbio, a concessão de avales cambiários, bem como a subscrição de livranças e a concessão de garantias pessoais.
8 - Em caso de contracção de empréstimos em moeda estrangeira deve ser adequadamente salvaguardado nos respectivos contratos o risco cambial.

Artigo 24.º
Características do endividamento municipal

1 - Os empréstimos a curto prazo são contraídos para ocorrer a dificuldades de tesouraria, não podendo o seu montante médio anual exceder 10% das receitas provenientes das participações do município nos Fundos de Base Municipal, Geral Municipal e de Coesão Municipal.
2 - Os empréstimos a médio e longo prazos podem ser contraídos para aplicação em investimentos ou ainda para proceder ao saneamento ou ao reequilíbrio financeiro dos municípios.
3 - Os encargos anuais com amortizações e juros dos empréstimos a médio e longo prazos, incluindo os dos empréstimos obrigacionistas, não podem exceder o maior dos limites do valor correspondente a três duodécimos dos Fundos de Base Municipal, Geral Municipal e de Coesão Municipal que cabe ao município ou a 20% das despesas realizadas para investimento pelo município no ano anterior.
4 - Os empréstimos contraídos por associações de municípios relevam, nos termos da lei, para efeito dos limites estabelecidos na presente disposição.
5 - Os empréstimos contraídos pelas empresas públicas municipais relevam igualmente para os efeitos referidos no número anterior.
6 - Do limite previsto no n.º 3 ficam excluídos:

a) O endividamento decorrente de empréstimos destinados à amortização de outros empréstimos e somente durante o tempo estritamente necessário para o efeito;
b) O endividamento decorrente dos empréstimos contraídos com o fim exclusivo de ocorrer a despesas extraordinárias necessárias a reparação de prejuízos resultantes de calamidade pública;

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c) O endividamento decorrente dos empréstimos para aquisição, construção ou recuperação de imóveis destinados à habitação social.

7 - Constituem garantias dos empréstimos contraídos as receitas municipais, com excepção dos subsídios, comparticipações e receitas consignadas.
8 - Os empréstimos contraídos para os fins previstos na alínea c) do n.º 6 são garantidos pela respectiva hipoteca.

Artigo 25.º
Empréstimos para saneamento financeiro municipal

1 - A contracção de empréstimos para saneamento financeiro destina-se à consolidação de passivos financeiros ou outros, designadamente nos casos de desequilíbrio financeiro.
2 - Os empréstimos referidos no número anterior só poderão ser contraídos desde que o resultado da operação não exceda os limites de endividamento impostos por lei.
3 - Os empréstimos para saneamento financeiro não podem ter um prazo superior a 12 anos, admitindo-se um período máximo de diferimento de três anos.

Artigo 26.º
Contratos de reequilíbro financeiro municipal

1 - A contracção de empréstimos para reequilíbrio financeiro destina-se à resolução de situações de desequilíbrio financeiro estrutural ou de ruptura financeira, desde que se mostre esgotada a capacidade de endividamento, e é independente da existência de linhas de crédito com taxas de juro bonificado, criadas para o efeito.
2 - Os empréstimos para reequilíbrio financeiro não podem ter um prazo superior a 20 anos, incluindo um período de diferimento máximo de cinco anos.

Artigo 27.º
Regime de crédito das freguesias

1 - As freguesias podem contrair empréstimos de curto prazo e utilizar aberturas de crédito, junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito.
2 - Os empréstimos e a utilização de aberturas de crédito, que para efeitos do presente diploma são designados por empréstimos, são concedidos pelo prazo máximo de um ano.
3 - A contratação dos empréstimos compete à junta de freguesia, mediante prévia autorização da assembleia de freguesia ou do plenário de cidadãos eleitores.
4 - Os empréstimos são contraídos para ocorrer a dificuldades de tesouraria, não podendo o seu montante exceder, em qualquer momento, 10% do FFF respectivo.
5 - Constituem garantia dos empréstimos contraídos as receitas provenientes do FFF.
6 - É vedado às freguesias quer o aceite quer o saque de letras de câmbio, a concessão de avales cambiários, bem como a subscrição de livranças e a concessão de garantias pessoais.
7 - Em caso de contracção de empréstimos em moeda estrangeira deve ser adequadamente salvaguardado nos respectivos contratos o risco cambial.

Artigo 28.º
Regulamentação do crédito

Os demais aspectos relacionados com a contracção de empréstimos pelos municípios e pelas freguesias, nomeadamente no que diz respeito à respectiva renegociação, bonificação das taxas de juro e consultas ao mercado, assim como as condições de contracção de empréstimos em moeda estrangeira e outras condições a que deve obedecer a contratação pelos municípios de empréstimos para saneamento financeiro e para reequilíbrio financeiro, são objecto de regulamentação por decreto-lei.

Capítulo V
Disposições finais

Artigo 29.º
Coimas

1 - A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais constitui contra-ordenação sancionada com coima.
2 - As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos municipais não podem ser superiores a 10 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, nem exceder o montante das que forem impostas pelo Estado para contra-ordenação do mesmo tipo.
3 - As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos das freguesias não podem ser superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, nem exceder o montante das que forem impostas pelo Estado ou pelo município para contra-ordenação do mesmo tipo.
4 - As posturas e regulamentos referidos nos números anteriores não podem entrar em vigor antes de decorridos 15 dias sobre a sua publicação, nos termos legais.
5 - A competência para determinar a instrução dos processos de contra-ordenação e para a aplicação das coimas pertence ao presidente dos órgãos executivos dos municípios e das freguesias, podendo ser delegada em qualquer dos restantes membros.

Artigo 30.º
Garantias fiscais

1 - À reclamação graciosa ou impugnação judicial da liquidação dos impostos referidos nas alíneas a) e b) do artigo 16.º, bem como das taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza fiscal, aplicam-se as normas do Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações.
2 - Às infracções às normas reguladoras dos impostos mencionadas nas alíneas a) e b) do artigo 16.º aplica-se o Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras e o Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações.
3 - As infracções às normas reguladoras das taxas, encargos de mais-valias e demais receitas de natureza fiscal constituem contra-ordenações e aplicam-se-lhes as normas do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras e o Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações.
4 - Compete aos órgãos executivos, à excepção dos municípios de Lisboa e do Porto, em que a competência é dos tribunais de 1ª instância, a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes de taxas, encargos de

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mais-valias e demais receitas de natureza tributária que aquelas devam cobrar, aplicando-se o Código de Processo Tributário, com as necessárias adaptações.

Artigo 31.º
Regime transitório de cálculo e de distribuição do FGM e do FCM

1 - Nos anos de 1999 e 2000 as percentagens a utilizar para efeitos do n.º 1 do artigo 5.º, do n.º 1 e das respectivas alíneas a) e b) do artigo 10.º serão, respectivamente, 32%, 29,5%, 23,5% e 6%.
2 - Durante os três primeiros anos de vigência da presente lei o crescimento anual das receitas provenientes da participação no FGM e no FCM, bem como no FFF, não poderá exceder, em cada autarquia local, a percentagem que se revele necessária à garantia dos crescimentos mínimos previstos na presente lei.
3 - No ano de 1999 o montante da participação global de cada município nos Fundos Geral Municipal e de Coesão Municipal, prevista no artigo 10.º e no n.º 1 do presente artigo, não pode ser inferior à participação que teria naquele ano no Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) e no IVA Turismo.
4 - A compensação necessária para assegurar a participação mínima estabelecida no número anterior efectua-se mediante recurso à verba obtida por dedução proporcional nas participações no FGM dos municípios em que o acréscimo percentual é superior à média.
5 - Os montantes nacionais do FEF e do IVA Turismo utilizados para efeitos do n.º 3 são os resultantes do FEF para 1998 acrescido do aumento percentual do IVA previsto no Orçamento do Estado para 1999 relativamente ao do ano anterior.
6 - Para os efeitos estabelecidos no n.º 3, na distribuição referida no número anterior são aplicados os critérios, as variáveis base e os indicadores municipais utilizados na distribuição do FEF em 1998.

Artigo 32.º
Regime transitório do endividamento

Dos limites de endividamento previstos no n.º 3 do artigo 24.º fica excluído o endividamento relativo a empréstimos contraídos para execução de projectos comparticipados pelos fundos comunitários.

Artigo 33.º
Isenções

1 - O Estado, seus institutos e organismos autónomos personalizados estão isentos de pagamento de todos os impostos, emolumentos, taxas e encargos de mais-valias devidos aos municípios e freguesias nos termos do presente diploma.
2 - Exceptuam-se das isenções previstas no número anterior a contribuição autárquica dos edifícios não afectos a actividades de interesse público, a taxa prevista na alínea l) do artigo 19.º e as tarifas e preços referidos no artigo 20.º.
3 - Os municípios e freguesias gozam do mesmo regime de isenção de pagamento de todos os impostos, taxas, emolumentos e encargos de mais-valias de que goza o Estado, nos termos do presente artigo.

Artigo 34.º
Adaptação da legislação tributária

A adaptação da legislação tributária para concretização dos poderes a que alude o n.º 1 do artigo 4.º será feita no prazo de 180 dias, após publicação da presente lei.

Artigo 35.º
Aplicação às regiões autónomas

A presente lei é directamente aplicável aos municípios e freguesias das regiões autónomas, sem prejuízo da sua regulamentação pelas assembleias regionais, na medida em que tal se torne necessário e na observância dos princípios da justiça, igualdade e imparcialidade.

Artigo 36.º
Norma revogatória

1 - São revogados a Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, e o artigo 10.º da Lei n.º 23/97, de 2 de Julho.
2 - Mantêm-se em vigor até à respectiva substituição os diplomas legais vigentes publicados em execução de anteriores leis das finanças locais, na parte não contrariada pela presente lei.

Artigo 37.º
Entrada em vigor

A presente lei produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999, sendo aplicável na elaboração e aprovação do Orçamento do Estado para 1999.

Anexo à Lei das Finanças Locais
(referido no n.º 3 do artigo 14.º)

Índice de Desenvolvimento Social (IDS)
Metodologia para a construção

1 - São componentes do IDS os seguintes índices:

a) Esperança de vida à nascença;
b) Nível educacional;
c) Conforto e saneamento.

Com um peso idêntico, de acordo com a seguinte fórmula:

IDS = (e(0) + I(e) + I(cs))/3

sendo:

e(0) = índice de esperança de vida à nascença;
I(e) = índice do nível educacional;
I(cs) = índice de conforto e saneamento.

2 - Fórmula do índice de esperança de vida à nascença (e(0)):

e(0) = 0,5 + [2,511, + 4,515, + 5(110 + 115 + 120 + ... + 1x)]/10

sendo:

1x = número de sobreviventes da tábua de mortalidade.

3 - Fórmula de índice do nível educacional (I(e)):

I(e) = Pe(15 e + anos)/Pt(15 e + anos) x 100

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sendo:

Pe (15 e + anos) = população de 15 e mais anos de idade, sabendo ler e escrever;
Pt (15 e + anos) = população total de 15 e mais anos de idade.

4 - Fórmula do índice de conforto e saneamento (I(cs)):

I(cs) = (IE + IOH2 + IAS)/3 x 100

em que:

IE = índice de existência de electricidade nas unidades de alojamento (UA), obtido de acordo com a seguinte fórmula:

IE = PE/Pt x 100

sendo:

PE = população residente nas famílias que possuem energia eléctrica na UA;
Pt = população residente de ambos os sexos;
IOH2 = índice de existência de água canalizada na UA, obtido de acordo com a seguinte fórmula:

IOH2 = POH2/Pt x 100

sendo:

POH2 = população residente com água canalizada na UA, proveniente de um sistema de canalização pública ou particular;
ISA = índice de existência de saneamento básico na UA, obtido de acordo com a seguinte fórmula:

ISA = PSA/Pt x 100

sendo:

PSA = população residente com instalações sanitárias com retrete (privativa ou não privativa) ligada a um qualquer tipo de sistema público de drenagem de águas residuais, particular ou outro tipo de saneamento.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 80/VIII
SOBRE A INSTALAÇÃO DE SISTEMA DE CONTROLO DE TRÁFEGO MARÍTIMO

Portugal possui uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de 1,6 milhões de quilómetros quadrados, a segunda maior da União Europeia, correspondendo a cerca de 18 vezes a nossa área continental.
Cruzada pelas mais importantes e movimentadas rotas marítimas para o Mediterrâneo, o Norte de África e a América, muito do tráfego mundial de navios com hidrocarbonetos ou substâncias perigosas atravessa diariamente a nossa costa. O risco de acidentes graves de poluição é, pois, real, elevado e permanente e a vigilância marítima da ZEE uma questão prioritária de defesa nacional.
Uma questão de defesa estratégica, no entendimento de Os Verdes, por razões de natureza ambiental, de segurança interna e, ainda, por razões económicas associadas à preservação dos recursos pesqueiros, à defesa dos ecossistemas marítimos e da saúde pública e à manutenção da própria actividade turística, actividade essa determinante para a vida dos cidadãos em muitas regiões do País.
É neste sentido que definimos a vigilância marítima como parte integrante da defesa nacional e como uma prioridade política que, em nosso entendimento, não pode permanecer adiada.
Uma prioridade numa perspectiva de eco segurança que Os Verdes tem sistematicamente colocado na agenda política, concretamente em sede de Orçamento do Estado, contrapondo-a a outros investimentos de carácter belicista manifestamente secundários para o interesse do País. Uma prioridade política que, no entanto, temos lamentavelmente visto adiar.
E tempo de reorientar políticas, definir objectivos, disponibilizar meios financeiros para novos fins.
Nesse sentido, importa dotar, desde já, o País de meios de vigilância marítima eficazes e reconhecidos pela Organização Marítima Internacional (OMI). Sistemas múltiplos, organizados numa cadeia hierárquica clara que permitam com eficiência e rapidez prevenir riscos, optimizar meios, agir em caso de emergência ou catástrofe.
Medidas várias, que reclamam, com urgência, à semelhança do que acontece noutros países europeus, a instalação de um sistema de controlo de tráfego marítimo (Vessel Traffic System/VTS), sistema essencial este, constituído por estações costeiras e portuárias que controlem visualmente a navegação, no Continente e nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, por radar, radiogoniometria por telecomunicações e outras rádio ajudas.
Um sistema que permita assegurar 24 horas por dia, sob quaisquer condições atmosféricas, informação detalhada sobre a passagem de navios nas nossas águas. Um equipamento que propomos seja complementado, no futuro próximo, com um sistema de informação administrativa, comercial, meteorológica, geográfica ou outra (Vessel Traffic Management Information System) que o torne mais operativo e crie serviços de valor acrescentado.
A Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que garanta:
1 - Até final do próximo ano que Portugal esteja dotado de um sistema de controlo de tráfego marítimo (VTS);
2 - Que o Orçamento do Estado para 2001 contenha a dotação de meios financeiros para instalar e pôr em funcionamento em todo o território nacional aquele sistema, no prazo indicado;
3 - Que até 2002 aquele sistema seja complementado com um Sistema de Informação e Gestão de Tráfego (Vessel Traffic Management Information System).

Palácio de São Bento, 16 de Outubro de 2000. As Deputadas de Os Verdes: Isabel Castro - Heloísa Apolónia.

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 27/VIII
(APROVA, PARA RATIFICAÇÃO, A CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A REPRESSÃO DE ATENTADOS TERRORISTAS À BOMBA, ABERTA PARA ASSINATURA EM NOVA IORQUE, A 12 DE JANEIRO DE 1998)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

A 1.ª Comissão tomou conhecimento de que se encontra agendada para apreciação em Plenário a proposta de resolução

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n.º 27/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba, aberta para assinatura, em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998.
A Comissão apreciou o tema suscitado pelo respectivo relator, Deputado Narana Coissoró.
A Comissão é de parecer que as questões que se suscitam na Convenção em face do regime constitucional da extradição carecem de melhor ponderação.
Como tal, a 1.ª Comissão vem apelar a V. Ex.ª que suscite junto das várias bancadas o desagendamento da referida matéria.

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

Relatório

I - Nota preliminar

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 27/VIII, que "Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba, aberta para assinatura em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998".
A apresentação da proposta de resolução n.º 27/VIII foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, com as necessárias adaptações.
O conteúdo da proposta de resolução n.º 27/VIII consubstancia o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, preenchendo igualmente os requisitos formais aplicáveis.
A proposta de resolução n.º 27/VIII foi aprovada na reunião do Conselho de Ministros de 13 de Abril de 2000 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 10 de Maio de 2000, tendo nessa data, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixado às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para emissão dos competentes relatórios e pareceres.

II - Do objecto da proposta de resolução

Através da proposta de resolução n.º 27/VIII visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação, para ratificação, da Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba, aberta para assinatura em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998.

III - Da Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba

A Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba, aberta para a assinatura em 1998, tem como desiderato último a intensificação de relações de cooperação ao nível internacional no domínio do combate ao terrorismo, visando, designadamente, o estabelecimento e a adopção de medidas eficazes e adequadas à prevenção de atentados terroristas cometidos com bombas e a consequente punição dos seus autores.
Com efeito, partindo da constatação de que se intensificam a nível internacional os atentados terroristas em todas as suas formas e manifestações em geral e os atentados terroristas com explosivos e outros artefactos mortíferos em particular e, ainda, que as normas jurídicas multilaterais vigentes se mostram insuficientes para combater os atentados à bomba, as partes contratantes obrigam-se através da citada Convenção, a adoptar e implementar medidas e procedimentos comuns contra o terrorismo à bomba.
Trata-se, pois, de um importante instrumento jurídico internacional que visa assegurar mecanismos e medidas de combate e repressão no âmbito do terrorismo internacional.
A Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas cometidos com bombas é composta por 24 artigos que estabelecem normas relativas à repressão de atentados terroristas à bomba e que, pela sua importância, se destacam as seguintes:
São definidos, para efeitos de aplicação da Convenção, os conceitos de "instalação do Estado", "instalação de infra-estrutura", "artefacto explosivo e outro artefacto mortífero".
Estabelece que comete delito, para efeitos da Convenção, quem (autor, cúmplice, quem organiza ou dirija outros ou, ainda, quem contribua de algum modo para a prática do delito) de forma ilícita e intencional entrega, coloca ou detona um artefacto ou substância explosiva ou outro artefacto mortífero em lugar público, instalação pública ou do Governo, numa rede de transporte público ou numa instalação de infra-estrutura, qualificando igualmente como delito a tentativa.
As partes contratantes comprometem-se, por força do disposto na Convenção, a tipificar nas respectivas legislações internas os delitos referidos, sancionando-os com penas adequadas tendo em conta a sua gravidade. Quando um dos Estados parte seja informado que no seu território se encontra algum culpado ou presumível culpado de um dos delitos referendados fica vinculado a tomar as medidas necessárias e, em conformidade com a sua legislação interna, para proceder a investigações e, quando as circunstâncias o justifiquem, deve promover a extradição.
Por outro lado, os Estados contratantes comprometem-se a prestar a maior assistência possível em relação a qualquer investigação, processo penal ou processo de extradição devido à prática dos delitos em apreço, sendo que, para efeitos de extradição ou de assistência judicial recíproca, nenhum daqueles delitos pode ser qualificado como delito político, delito conexo a um delito político, nem delito inspirado por motivos políticos.
De salientar, ainda, que ao abrigo da Convenção em análise, os Estados parte aceitam intensificar a cooperação com vista à prevenção dos delitos aqui em causa, nomeadamente mediante a adopção de medidas adequadas à repressão dos mesmos, intercâmbio de informação, tecnologia e equipamentos e do desenvolvimento de investigação relativa a métodos de detecção de explosivos.
Finalmente, a Convenção consagra um conjunto de normativos relativos às relações entre os Estados parte, aos conflitos de interpretação e aplicação da Convenção e, ainda, às formalidades exigidas para efeitos de assinatura, ratificação, adesão e denuncia da Convenção.

IV - Dos antecedentes

Portugal tem vindo a acompanhar e a cooperar a nível internacional no combate ao terrorismo internacional, enquanto membro das Nações Unidas.
Com efeito, são vários os instrumentos internacionais já em vigor que visam implementar e intensificar a cooperação internacional no domínio do combate ao terrorismo em todas as suas manifestações. Neste contexto cabe aqui fazer referência aos seguintes instrumentos:
A Carta das Nações Unidas assinada a 26 de Junho de 1945 consagra expressamente princípios atinentes à manutenção

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da paz e segurança internacionais e mecanismos de cooperação internacional.
A Declaração sobre medidas para a eliminação do terrorismo internacional, anexa à Resolução n.º 49/60, da Assembleia Geral, de 9 de Dezembro de 1994, na qual os Estados membros das Nações Unidas condenam todos os actos, métodos e práticas terroristas e chamam a atenção para a necessidade de examinarem o alcance das normas jurídicas internacionais em vigor sobre a prevenção, repressão e eliminação do terrorismo em todas as suas manifestações, por forma a assegurar a existência de um edifício jurídico completo e adequado aos fins em causa.
Por último, de sublinhar igualmente a importância da resolução n.º 51/210, da Assembleia Geral, de 17 de Dezembro de 1996, e da Declaração anexa à mesma, que estabelece medidas de combate e eliminação do terrorismo internacional.
Como se pode facilmente constatar, a adopção da Convenção Internacional para a repressão do terrorismo à bomba complementa os instrumentos jurídicos internacionais já existentes e em vigor e contribui para um reforço do combate ao terrorismo internacional, designadamente no que respeita ao terrorismo à bomba.

V - Parecer

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação adopta o seguinte parecer:

a) A proposta de resolução n.º 27/VIII, que "Aprova, para ratificação, a Convenção Internacional para a repressão de atentados terroristas à bomba, aberta para assinatura em Nova Iorque, a 12 de Janeiro de 1998", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, pelo que está em condições de subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
a) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 12 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Rui Vieira - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 28/VIII
(APROVA, PARA ADESÃO, A EMENDA AO ARTIGO 8.º DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ABERTA PARA ADESÃO A 1 DE MARÇO DE 1993)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota prévia

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 28/VIII, que "Aprova, para adesão, a Emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993", o que faz ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República. Por outro lado, o conteúdo da proposta de resolução em apreço preenche os requisitos formais aplicáveis e consubstancia o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa.
A proposta de resolução n.º 28/VIII foi aprovada em Conselho de Ministros de 13 de Abril de 2000 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 10 de Maio de 2000, tendo, nessa data, por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, baixado às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para emissão do competente relatório e parecer.
A proposta de resolução n.º 28/VIII será discutida na reunião plenária da Assembleia da República do dia 18 de Outubro de 2000.

II - Da proposta de resolução n.º 28/VIII

Através da proposta de resolução n.º 28/VIII visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação, para adesão, da emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993.
A emenda ao artigo 8.º, decidida pelos Estados parte da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, visa, designadamente, substituir o parágrafo 6.º do citado artigo por um parágrafo com a seguinte redacção "O Secretário-Geral das Nações Unidas deverá fornecer o pessoal e a logística necessária para o efectivo desempenho das funções do Comité estabelecido pela Convenção" e aditar um novo parágrafo 7.º, com o seguinte teor: "Os membros do Comité estabelecido pela presente Convenção deverão, com a aprovação da Assembleia Geral, receber emolumentos retirados dos recursos das Nações Unidas, nos termos e condições que a Assembleia Geral decidir".
Trata-se, assim, de uma emenda que visa conferir maior operacionalidade e funcionalidade ao Comité para a Eliminação da Discriminação Racial, criado nos termos da citada Convenção Internacional, na medida em que o Comité passa a ter o pessoal e o apoio logístico necessários para o efectivo desempenho das suas funções fornecido pelo Presidente das Nações Unidas e os seus membros passam a receber emolumentos provenientes dos recursos das Nações Unidas, deixando, assim, os Estados parte de ter a seu cargo as despesas com os membros do Comité.

III - Da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e sua contextualização

A Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, aprovada por Portugal, para adesão através da Lei n.º 7/82, de 29 de Abril, constitui,

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ao nível internacional, o mais importante instrumento jurídico aprovado com vista à eliminação da discriminação racial sob todas as suas formas.
Os Estados parte da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial adoptaram-na tendo em conta outros instrumentos jurídicos internacionais de inegável importância no quadro do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais do homem, nomeadamente:
- A Carta das Nações Unidas que se baseia nos princípios da dignidade e igualdade de todos os seres humanos e no âmbito da qual todos os Estados membros se obrigaram a agir com vista a desenvolver e encorajar o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, de língua ou de religião.
- A Declaração Universal dos Direitos do Homem que proclama o direito à igualdade, liberdade e dignidade de todos os seres humanos sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor ou de origem nacional.
- A Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e aos Povos Coloniais, de 14 de Dezembro de 1960 - Resolução n.º 1514 (XV), da Assembleia Geral -, que proclama a necessidade de pôr rápida e incondicionalmente termo a todas as práticas de discriminação e segregação que acompanham o colonialismo.
- E, ainda, a Declaração das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, datada de 20 de Novembro de 1963 - Resolução n.º 1904 (XVIII), da Assembleia Geral -, que afirma o respeito da dignidade humana e a necessidade de eliminar rapidamente todas as formas de discriminação racial em todas as regiões do mundo.
Para além dos instrumentos jurídicos internacionais referidos que contêm os princípios inspiradores da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, outros, ainda, de não menos importância, podem ser referendados no quadro da protecção da dignidade humana, como seja a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Civis e Políticos, a Carta Social Europeia ou, por exemplo, no domínio do trabalho e emprego, as convenções da OIT relativas à discriminação.
Através da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial os Estados parte condenam a discriminação racial, especialmente a segregação racial e o apartheid, a propaganda e as organizações inspiradas em ideias ou teorias fundadas na superioridade de uma raça e vinculam-se ao prosseguimento de uma política tendente a eliminar todas as formas de discriminação racial e a favorecer a harmonia entre todas a raças, devendo para o efeito:
- Não praticar actos de discriminação racial e proceder de modo a que todas as autoridades e instituições públicas se conformem com esta obrigação;
- Não encorajar, defender ou apoiar a discriminação racial praticada por qualquer pessoa ou organização;
- Adoptar políticas e medidas eficazes de combate à discriminação racial;
- Revogar disposições legais e regulamentares que tenham como efeito criar ou perpetuar a discriminação racial e proibir toda e qualquer prática de discriminação em função da raça;
- Favorecer, se necessário, as organizações e movimentos integracionais multiraciais;
-Adoptar, se as circunstâncias o exigirem, nos domínios social, económico, cultural e outros, medidas especiais e concretas que assegurem o desenvolvimento ou a protecção de certos grupos raciais com vista a garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
Nos termos do artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, foi instituído um Comité Para a Eliminação da Discriminação Racial que acompanha e examina as medidas de ordem legislativa, judiciária, administrativa ou outra adaptadas pelos Estados parte e que visem efectivar as disposições constantes da Convenção.
Com a proposta de resolução n.º 28/VIII visa-se, pois, aprovar, para adesão, a emenda ao citado artigo 8.º da Convenção, designadamente no sentido de dotar o referido Comité dos meios necessários ao efectivo desempenho das suas funções.

IV - Do enquadramento jurídico-constitucional

O respeito pela dignidade da pessoa humana e a proibição da discriminação racial tiveram acolhimento e consagração expressa na Constituição da República Portuguesa e em vária legislação ordinária e, nesse contexto, podemos afirmar que os princípios previstos na Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial se encontram espelhados no quadro jurídico-constitucional português.
A dignidade da pessoa humana constitui um valor essencial e pedra basilar do nosso Estado de direito e, nesse contexto, o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa proclama expressamente que "Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana...".
Por seu turno, o artigo 13.º da CRP estabelece um princípio de não discriminação e igualdade perante a lei, estipulando que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, raça, língua ou território de origem, entre outros motivos.
A referida disposição constitucional é tanto mais importante porquanto é estruturante de todo o edifício dos direitos fundamentais, sobretudo na medida em que proíbe a discriminação.
O princípio da igualdade encontra-se reafirmado nas disposições relativas ao acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º) e à administração pública (artigo 266.º, n.º 2), bem como no que concerne aos direitos, liberdades e garantias.
Uma referência, ainda, para o artigo 46.º do Texto Fundamental que proíbe expressamente organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.

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No que concerne à legislação ordinária em matéria de discriminação racial, de referir, desde logo, a Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 111/2000, de 4 de Julho, que tem por objecto prevenir e proibir a discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica e sancionar a prática de actos que configurem quaisquer formas de discriminação racial. Trata-se, pois, de um diploma legal de enorme importância e que consubstancia os princípios enunciados na Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
Cabe ainda referir o Código de Procedimento Administrativo, designadamente o seu artigo 5.º, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, que estabelece que a administração pública nas suas relações com os particulares deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo praticar quaisquer actos discriminatórios, designadamente em razão da raça.
Também o regime jurídico dos partidos políticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, consagra o princípio democrático (artigo 7.º), à luz do qual não pode ser negada a filiação partidária por motivo de raça.
Por último, de sublinhar as disposições do Código Penal atinentes aos crimes de genocídio e discriminação racial, cujas penas foram agravadas com as alterações introduzidas em 1985e a Lei n.º 20/96, de 6 de Julho, que permite a constituição como assistente em processo penal no caso de crime de índole racista ou xenófoba por parte das comunidades de imigrantes e demais associações de defesa dos interesses em causa.

V - Parecer

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:

a) A proposta de resolução n.º 28/VIII, que "Aprova, para adesão, a Emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993", reúne os requisitos constitucionais e regimentais aplicáveis para subir a Plenário da Assembleia da República;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 16 de Outubro de 2000. A Deputada Relatora, Celeste Correia - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota:- O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE).

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

I - Relatório

Pela proposta de resolução n.º 28/VIII o Governo vem apresentar à Assembleia da República, para aprovação, a Emenda ao artigo 8.º da Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, aberta para adesão a 1 de Março de 1993.
A apresentação da proposta de resolução em análise foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, com as necessárias adaptações.
O conteúdo desta proposta de resolução consubstancia o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, preenchendo igualmente os requisitos formais aplicáveis.
A Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial tem como principal objectivo desenvolver e encorajar o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, de sexo, de língua ou de religião. Esta Convenção visa condenar a discriminação racial e obriga a prosseguir, por todos os meios apropriados, uma política tendente a eliminar todas as formas de discriminação racial, favorecer a harmonia entre todas as raças e assegurar a compreensão e o respeito da dignidade da pessoa humana.
A Convenção estabelece, no seu artigo 8.º, a constituição de um Comité para a Eliminação da Discriminação Racial, que é composto por 18 peritos conhecidos pela sua alta moralidade e imparcialidade, eleitos por escrutínio secreto por quatro anos, de uma lista de candidatos designados pelos Estados parte. A Convenção determina ainda, no parágrafo 6.º do artigo 8.º, que os "Estados parte tomam a seu cargo as despesas dos membros do Comité no período em que estes exercem as suas funções no Comité".
A proposta de resolução n.º 28/VIII trata, fundamentalmente, de substituir o parágrafo 6.º do artigo 8.º da Convenção e acrescentar um novo parágrafo 7.º ao artigo 8.º referente ao funcionamento e às despesas do Comité estabelecido pela Convenção, isto é, o "Secretário-Geral das Nações Unidas deverá fornecer o pessoal e a logística necessária" e "os membros do Comité estabelecido pela presente Convenção deverão, com a aprovação da Assembleia Geral, receber emolumentos retirados dos recursos das Nações Unidas, nos termos e condições que a Assembleia Geral decidir". Esta Emenda visa, assim, dar um novo impulso e dinamismo ao Comité e ao desempenho das suas funções a fim de cumprir de forma mais eficaz e rápida os propósitos desta Convenção.
Por fim, é importante referir que, embora a Emenda em apreço seja de natureza meramente formal, está associada a um fenómeno da maior relevância para a actual conjuntura internacional.

II - Parecer

A proposta de resolução, no seu conteúdo, coaduna-se com o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa e preenche todos os requisitos formais exigíveis.

Palácio de São Bento, 18 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Basílio Horta -O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

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PROPOSTA DE RESOLUÇÃO N.º 36/VIII
(APROVA, PARO RATIFICAÇÃO, A CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO DIGNIDADE DO SER HUMANO FACE ÀS APLICAÇÕES DA BIOLOGIA E DA MEDICINA: CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM E A BIOMEDICINA, ABERTA À ASSINATURA EM OVIEDO, A 4 DE ABRIL DE 1997, E O PROTOCOLO ADICIONAL QUE PROÍBE A CLONAGEM DE SERES HUMANOS, ABERTO À ASSINATURA EM PARIS, A 12 DE JANEIRO DE 1998)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Nota preliminar

O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 36/VIII, que "Aprova, para ratificação, a Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, aberta à assinatura em Oviedo, a 4 de Abril de 1997, e o Protocolo Adicional que proíbe a clonagem de seres humanos, aberto à assinatura em Paris, a 12 de Janeiro de 1998".
A apresentação da proposta de resolução em análise foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia da República, com as necessárias adaptações.
O conteúdo da proposta de resolução n.º 36/VIII consubstancia o disposto na alínea i) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa, preenchendo igualmente os requisitos formais aplicáveis.
A proposta de resolução n.º 36/VIII foi aprovada em reunião do Conselho de Ministros de 18 de Maio de 2000 e deu entrada na Mesa da Assembleia da República em 17 de Maio de 2000, tendo, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixado às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação para emissão do competente relatório e parecer, nos termos regimentais aplicáveis.

II - Do objecto da proposta de resolução

Através da proposta de resolução n.º 36/VIII visa o Governo obter da Assembleia da República a aprovação, para efeitos de ratificação, dos seguintes instrumentos internacionais:

a) Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa em Oviedo, a 4 de Abril de 1997.
b) Protocolo Adicional à citada Convenção que proíbe a clonagem de seres humanos, aberto à assinatura dos Estados membros em Paris, a 12 de Janeiro de 1998.

III - Da Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina: Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina

A Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e da medicina, conhecida por Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, adoptada pelos Estados membros do Conselho da Europa, outros Estados e a Comunidade Europeia, em Oviedo, a 4 de Abril de1997, tem como desiderato último assegurar a protecção do ser humano na sua dignidade e na sua identidade e garantir a toda a pessoa, sem discriminação, o respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da medicina.
Tomando em consideração os rápidos desenvolvimentos da biologia e da medicina, que o seu uso impróprio pode fazer perigar a dignidade da pessoa humana e que os progressos neste domínio devem ser utilizados em benefício das gerações presente e futuras, as Partes contratantes procuram através desta Convenção adoptar os procedimentos e medidas adequadas a garantir a dignidade do ser humano e os direitos e liberdades fundamentais da pessoa.
Neste contexto, a citada Convenção constitui um marco histórico no quadro dos direitos humanos, porquanto coloca em evidência o equilíbrio entre o desenvolvimento/progresso científico no domínio da biomedicina e os interesses do indivíduo, da sociedade e da própria humanidade.
A Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina tem o seu enquadramento nos objectivos do Conselho da Europa, nomeadamente no que concerne à salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, e tem como referencial outros instrumentos jurídicos internacionais de inegável importância, como seja:
- A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, e que reconhece o direito à igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.
- A Convenção para a salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, que promove e salvaguarda os direitos civis e políticos e os direitos do humanos e liberdades fundamentais.
- A Carta Social Europeia, aprovada em 1961, com vista a melhorar o nível de vida e a promover o bem estar do ser humano.
- O Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos e o Pacto Internacional sobre os direitos económicos, sociais e culturais, adoptado em 1966.
- A Convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal, adoptada em 1981, destinada a garantir o respeito a todas as pessoas singulares pelos seus direitos e liberdades fundamentais e, em especial, pelo seu direito à vida privada, face ao tratamento dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito.
- E, por último, a Convenção sobre os direitos da criança, adoptada em 1989, que visa reconhecer e garantir às crianças um conjunto de direitos fundamentais

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tendentes a promover o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade.
A Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina é composta por 38 artigos e estrutura-se em torno de 14 capítulos, ao longo dos quais se desenvolvem as seguintes matérias:

Capítulo 1 - Objectivo e finalidade;
Capítulo II - Consentimento;
Capítulo III - Vida privada e direito à informação;
Capítulo IV - Genoma humano;
Capítulo V - Investigação científica;
Capítulo VI - Colheita de órgãos e tecidos em dadores vivos para fins de transplante;
Capítulo VII - Proibição de obtenção de lucros e utilização de partes do corpo humano;
Capítulo VIII - Violação das disposições da Convenção;
Capítulo IX - Relacionamento da presente Convenção com outras disposições;
Capítulo X - Debate público;
Capítulo XI - Interpretação e acompanhamento da Convenção;
Capítulo XII - Protocolos;
Capítulo XIII - Alterações à Convenção;
Capítulo XIV - Disposições finais.
Entre os aspectos mais importantes da Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, cuja finalidade é a de proteger o ser humano na sua dignidade e na sua identidade no âmbito da biomedicina, sublinham-se os seguintes:
- Consagra o primado do ser humano no sentido da prevalência do bem-estar humano sobre o interesse único da sociedade e da ciência;
-Estabelece o consentimento livre e esclarecido da pessoa como regra geral de qualquer intervenção no domínio da saúde e confere especial protecção às pessoas que careçam de capacidade para prestar o seu consentimento;
- Prevê o respeito pela vida privada e o direito à informação do paciente;
- Proíbe toda a forma de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético;
- Impede, salvo para fins médicos ou de investigação científica e sem prejuízo de um aconselhamento genético apropriado, a realização de testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética;
- Permite as intervenções sobre o genoma humano apenas por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e se não tiverem como fim introduzir modificações do genoma da descendência;
- Proíbe a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida para selecção do sexo, salvo para evitar doenças hereditárias ligadas ao sexo;
- Consagra a liberdade do exercício da investigação científica no domínio da biomedicina no respeito pela protecção do ser humano;
- Proíbe a criação de embriões com finalidades de investigação científica e estabelece que a pesquisa em embriões in vitro, quando admitida por lei, esta deverá assegurar uma protecção adequada do embrião;
-Permite a colheita de órgãos ou tecidos em dador vivo para transplante quando tal seja no interesse terapêutico do receptor e não se disponha de órgão ou tecido proveniente do corpo de pessoa falecida ou de método terapêutico alternativo de eficácia comparável;
- Proíbe a obtenção de lucros através do corpo humano e das suas partes, assim como a utilização das partes do corpo humano para outro fim que não aquele para que foi colhida.
Trata-se, em suma, de uma importante Convenção que consagra um vasto conjunto de normativos que, por um lado, asseguram o livre exercício da investigação científica no domínio da biomedicina e, por outro, garantem o integral respeito pela pessoa humana na sua dignidade e identidade.
São estes os princípios gerais e disposições mais relevantes vertidas na Convenção e que com a aprovação da mesma deverão ter o normal acolhimento e desenvolvimento no ordenamento jurídico português.
De referir, ainda, a propósito da Convenção, o parecer n.º 30/CNECV/2000, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que se pronuncia favoravelmente à ratificação da mesma nos seguintes termos: "A Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina põe em evidência algumas lacunas existentes na legislação portuguesa que carecem de definição legal - tal é o caso de disposições relativas à reprodução medicamente assistida e protecção do embrião, da protecção de incapazes, utilização de partes do corpo humano, ou disposições relativas ao genoma humano - e, por outro lado, a necessidade de um verdadeiro debate multidisciplinar sobre as matérias nela versadas, debate este que se pretende generalizado à sociedade portuguesa em geral e aos vários intervenientes directos nos assuntos nele tocados em particular". E conclui: "O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida considera importante a ratificação da Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, pelo Estado português, chamando a atenção para a necessidade de rapidez na ratificação da Convenção e outros instrumentos internacionais e regionais, dada a crescente aceleração das grandes questões que se põem a todas as sociedades".

IV - Do Protocolo Adicional à Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e medicina, que proíbe a clonagem de seres humanos

O Protocolo em apreço, cuja aprovação, para ratificação, é igualmente requerida pelo Governo, através da proposta de resolução n.º 36/VIII, estabelece um conjunto de disposições anexas à Convenção para a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano face às aplicações da biologia e medicina, no sentido de proibir expressamente a clonagem de seres humanos.
Na adopção do citado Protocolo os seus signatários tiveram em linha de conta os desenvolvimentos científicos no domínio da clonagem; a possibilidade técnica da aplicação

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da clonagem aos seres humanos; a consideração de que a instrumentalização do ser humano através da clonagem se afigura contrária à dignidade do homem constituindo um uso impróprio da biologia e da medicina e, igualmente, as enormes dificuldades de ordem médica, psicológica e social que esta prática biomédica pode acarretar para todas as pessoas envolvidas.
Nessa conformidade o Protocolo em apreço proíbe expressamente qualquer intervenção cuja finalidade seja o de criar um ser humano geneticamente idêntico a outro ser humano, vivo ou morto, não aceitando nenhuma derrogação às suas disposições. A ratificação deste protocolo adicional colocará Portugal no grupo dos países que consideram a clonagem humana uma grave ofensa à dignidade humana e aos direitos fundamentais.
A propósito da clonagem de seres humanos e suas implicações éticas, cabe aqui referendar o Parecer n.º 21/CNECV/97, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que expressamente refere: "A clonagem de seres humanos, pela gravidade dos problemas que põe à dignidade da pessoa humana, ao equilíbrio da espécie humana e à vida em sociedade, é eticamente inaceitável e deve ser proibida".

V - Do enquadramento internacional

A Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina e o Protocolo Adicional surgem como uma resposta à evolução das tecnologias da biologia e da medicina e à necessidade de promover a sua utilização apenas e só no respeito pela dignidade humana e em benefício do bem-estar humano.
Para além dos instrumentos jurídicos internacionais que inspiraram a Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina (Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção para a protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, Pacto Internacional dos direitos civis e políticos, Pacto Internacional sobre os direitos económicos, sociais e culturais, Convenção para a protecção das pessoas relativamente ao tratamento automatizado de dados de carácter pessoal, Carta Social Europeia e a Convenção sobre os Direitos da Criança), outros relativos à biomedicina podem, ainda, ser chamados à colação, designadamente:

- A Resolução de 16 de Março de 1989, do Parlamento Europeu, sobre problemas éticos e jurídicos da manipulação genética;
- A Resolução de 22 de Novembro de 1993, do Parlamento Europeu, sobre fecundação artificial in vitro;
- A Resolução de 28 de Outubro de 1996, do Parlamento Europeu, sobre a protecção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano relativamente à aplicação da biologia e da medicina;
- A Recomendação 1046 (1986), da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre comércio de embriões e de fetos mortos;
- A Recomendação 1100 (1989), da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre utilização de embriões e fetos humanos na investigação científica, que reitera que o embrião deve ser protegido desde a fecundação do óvulo.
- Também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em fase de apreciação e aprovação, contém regras e princípios relativos à protecção da dignidade humana e das liberdades fundamentais face à biomedicina. Com efeito, o n.º 2 do artigo 3.º daquela Carta, relativo ao direito à integridade do ser humano, consagra do domínio da medicina e da biologia o respeito pelo consentimento livre e esclarecido da pessoa; a proibição de práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas; a proibição de transformar o corpo humano ou a suas partes em fonte de lucro e, finalmente, a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos.

VI - Do enquadramento constitucional

O artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa reconhece a todos os cidadãos um conjunto significativo de direitos distintos a que chama de "outros direitos pessoais" e que estão ao serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas, abarcando aquilo a que a literatura jus civillista designa por direitos da personalidade.
De salientar que, por força do IV Processo de Revisão Constitucional (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), foi acrescentado ao catálogo dos direitos pessoais o direito ao desenvolvimento da personalidade, marcando-se por esta via a dignidade da personalidade individual.
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 26.º prevê expressamente que "a lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica", alteração esta que surgiu em correspondência directa e sintonia com os contributos do Conselho da Europa, designadamente através da Convenção da Bioética.
Trata-se, pois, de um comando constitucional inovador, de inegável valor no quadro do respeito pela dignidade da pessoa humana e que deverá servir para balizar a intervenção do legislador ordinário também no que respeita à biomedicina e nas suas implicações para o ser humano.

VII - Do enquadramento legal

No plano legal cumpre sublinhar que a aprovação, para ratificação, da Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina e do Protocolo Adicional que proíbe a clonagem de seres humanos deverá implicar a aprovação e adaptação da legislação ordinária no sentido da conformação do direito interno com aqueles instrumentos jurídicos internacionais, designadamente no que concerne, por exemplo, à reprodução medicamente assistida e protecção do embrião, embriões in vitro, o genoma humano e a utilização de partes do corpo.
Cumpre, em todo o caso, referir neste domínio os seguintes diplomas legais com relevância para a matéria em discussão:
- A Lei n.º 3/84, de 24 de Março, sobre educação sexual e planeamento familiar, que consagra, no seu artigo 9.º, n.º 1, que o "Estado deve promover e proporcionar a todos, através de centros especializados,

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o estudo e tratamento de situações de esterilidade, bem como o estudo e a prevenção de doenças de transmissão hereditária", prevendo expressamente no n.º 2 do referido artigo a inseminação artificial como forma de suprimento da esterilidade.
- O Decreto-Lei n. 319/86, de 25 de Setembro, que visava acautelar a idoneidade das práticas de procriação assistida que já então se desenvolviam em Portugal.
- A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de bases da saúde -, que consagra, na Base XIV, nomeadamente o direito dos pacientes decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição legal especial e que constitui já um afloramento do princípio do consentimento livre e informado. A citada Base reconhece, também, aos utentes o direito à informação sobre a sua situação clínica, evolução provável e alternativas possíveis de tratamento e, ainda, o direito à confidencialidade sobre os seus dados pessoais. Por fim, no que respeita aos menores e incapazes, o legislador remeteu para a lei a previsão das condições em que os seus representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de recusarem a assistência.
- A Lei n.º 12/93, de 22 de Abril, relativa à colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, que contém já alguns dos princípios constantes da Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina, designadamente no que respeita à proibição da colheita de órgãos e tecidos com finalidades lucrativas e a alguns aspectos relativos ao consentimento livre e informado dos dadores. Chama-se a atenção para o projecto de lei n.º 73/VIII, que criminaliza a comercialização de órgãos ou tecidos humanos que se encontra em fase de discussão na especialidade.
- O Decreto-Lei n.º 97/94, de 9 de Abril, que estabelece as normas a que devem obedecer os ensaios clínicos a realizar em seres humanos, de modo a garantir a sua integridade física e psíquica e a eficácia e segurança dos medicamentos, nos termos do qual se encontra previsto o direito à informação e a necessidade do consentimento livre, esclarecido, expresso e dado por escrito pelo sujeito do ensaio clínico ou dos seus representantes legais, quando se trate de menores ou incapazes;
- O Decreto-Lei n.º 274/99, de 22 de Julho, que regula a dissecação de cadáveres ou de parte deles, bem como a extracção de peças, tecidos ou órgãos para fins de ensino e de investigação científica, nos termos do qual a prática daqueles actos só é permitida quando tenha havido o consentimento da pessoa falecida ou a mesma não tenha manifestado em vida a sua oposição e não seja reclamada, neste caso, a entrega do corpo nos termos legais aplicáveis.
- Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, denominada Lei da saúde mental, que consagra o direito à informação do utente dos serviços de saúde mental, o direito de aceitar ou recusar, nos termos legais aplicáveis, a participação em investigações, ensaios clínicos ou actividades de formação e, ainda, o direito de decidir receber ou recusar as intervenções diagnosticas e terapêuticas, salvo nas situações de internamento compulsivo ou situações de urgência em que a não intervenção possa criar riscos comprovados para o próprio ou terceiros.
Finalmente, cumpre referir a iniciativa legislativa discutida e aprovada pela Assembleia da República que regula as técnicas de procriação medicamente assistida, que deu origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 415/VII e que, nos termos constitucionais aplicáveis, foi objecto do veto político do Sr. Presidente da República e, nessa conformidade, devolvido à Assembleia da República para nova apreciação. A iniciativa referida visava regular as técnicas de procriação médica assistida, devendo, caso venha a ser reapreciada, conformar-se aos princípios e disposições constantes da Convenção sobre os direitos do homem e a biomedicina.

VIII - Parecer

A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias adopta o seguinte parecer:

a) A proposta de resolução n.º 36/VIII preenche os requisitos constitucionais e legais, pelo que está em condições de subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 16 de Outubro de 2000. A Deputada Relatora, Maria de Belém Roseira - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE).

Relatório e parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação

I - Relatório

1 - Génese da Convenção

A Convenção Europeia de Salvaguarde dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que tinha por objectivo principal obrigar os Estados a reconhecer e a garantir os direitos civis e políticos, foi assinada em Roma, a 4 de Novembro de 1950, logo no ano seguinte à fundação do Conselho do Europa.
Em 1961 foi assinada, em Turim, a Carta Social Europeia destinada a completar a Convenção pelo reconhecimento e protecção dos direitos sociais na Europa.
O desenvolvimento vertiginoso das ciências e tecnologias nas últimos décadas e as suas implicações na vida e nos direitos da pessoa humana levaram a organização europeia

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dos direitos humanos, que é o Conselho da Europa, a preparar textos que contemplem as novas realidades.
Assim, foi assinada, em 28 de Janeiro de 1981, a Convenção Europeia para protecção das pessoas perante o tratamento automatizado de dados de carácter pessoal.
Por outro lado, a Assembleia Parlamentar e o Comité de Ministros do Conselho da Europa foram adoptando, desde 1976, sucessivas recomendações em matéria de saúde e de medicina tendo em vista dar resposta a vários avanços científicos que poderiam pôr em causa os direitos da pessoa humana.
Em 1990 os Ministros da Justiça, reunidos em conferência, recomendaram ao Comité Ad Hoc de Bioética (CAHBI) o exame da possibilidade de elaboração de uma "convenção-quadro que enunciasse as normas comuns para a protecção da pessoa humana no contexto do desenvolvimento das ciências bio-médicas".
Por seu lado a Assembleia Parlamentar, através das suas Resoluções 1100 (1989) e 1160 (1991), recomendou ao Comité de Ministros a preparação de uma convenção contendo um texto principal, estabelecendo princípios gerais e protocolos adicionais sobre aspectos específicos.
Ainda em 1991 o Comité de Ministros encarregou o CAHBI de elaborar a referida convenção, estabelecendo "normas gerais comuns para protecção da pessoa humana no contexto das ciências bio-médicas".
Foi posteriormente criado o Comité Director para a Bioética (CDBI) que, depois de cerca de cinco anos de trabalho, com participação de representantes da Assembleia Parlamentar, conseguiu levar a cabo o referido mandato.
Ao longo de todo este processo foi muito relevante a participação do representante de Portugal no CBBI, Professor Doutor Daniel Serrão, o qual veio a contribuir decisivamente para a obtenção dos acordos necessários.
As dificuldades encontradas ao longo dos trabalhos resultaram, por um lado, do carácter pioneiro da procura de um texto inovador e, por outro, da integração das perspectivas de muitos países com tradições e preocupações distintas, que foram ainda ampliadas pelas sucessivas adesões ao Conselho de Europa ao longo da década de 90 de novos membros da Europa Central e Ocidental.
O primeiro projecto provisório da Convenção foi enviado à Assembleia Parlamentar em 1994, o qual, após relatório elaborado pelo Deputado Dr. Marcelo Palácios, em nome da Comissão de Ciência e Tecnologia, foi debatido em Plenário. Do Parecer 184 (95) entoo aprovado constavam várias propostas de modificação ao referido projecto.
Foi patente nos debates a grande diversidade de opiniões, que transcendeu em muito as habituais clivagens entre os grupos políticos, às quais se sobrepuseram as sensibilidades e as experiências nacionais e mesmo pessoais de cada parlamentar.
Finalmente, e após relatório e novo debate sobre um texto já modificado, a Assembleia emitiu o seu parecer final 198 (96), o qual levou o Comité de Ministros a aceitar boa porte das recomendações dos parlamentares.
O Comité veio a adoptar formalmente a Convenção em 19 de Novembro de 1996, tendo-se verificado algumas abstenções, designadamente da Alemanha e da Bélgica. Em 4 de Abril de 1997, em Oviedo, os primeiros 21 países, entre os quais Portugal, assinaram a Convenção.
O facto de ter sido possível que ministros, parlamentares e delegados de cerca de 40 países tão diversos pela história, tradições e culturas tenham conseguido aprovar o texto de uma Convenção que aborda questões controversas de bioética moderna mostra, como sublinhou o Professor Doutor Luís Archer, Presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências do Vida, "o poder de um diálogo persistente, franco e honesto (...). O seu resultado constitui num exemplo marcante, e extraordinariamente útil para a sociedade, de como um debate ético bem orientado pode conduzir, sem monolitismos dogmáticos, da dispersão opinativa a um consensualismo unitário".

2 - Princípios fundamentais da Convenção

A Convenção reconhece implicitamente a extraordinária importância dos referidos desenvolvimentos na biologia e na medicina, os quais "devem ser utilizados em benefício das gerações presentes e futuras".
Tendo presente a possibilidade de a utilização imprópria da biologia e da medicina poderem conduzira actos que podem pôr em perigo os direitos humanos, tem como objectivo a protecção da dignidade e identidade de todos os seres humanos e a garantia a todas as pessoas, sem discriminação, do "respeito pela sua integridade e pelos seus outros direitos e liberdades fundamentais face às aplicações da biologia e da Medicina" (artigo 1.º).
Fica estabelecido que os interesses e o bem-estar do ser humano deverão prevalecer sobre o interesse exclusivo da sociedade ou da ciência (artigo 2.º).
Outro princípio a destacar é o da igualdade no acesso aos cuidados de saúde de qualidade satisfatória, que as partes se obrigam a providenciar (artigo 3.º).
A submissão de qualquer intervenção no domínio da saúde ao consentimento informado, livre, esclarecido e revogável é outro princípio que deve ser destacado (artigo 8.º). Dele decorrem regras especiais para protecção das pessoas que não tenham capacidade para consentir, estabelecendo-se que deve ser sempre tomada em consideração a opinião dos próprios incapazes.
Atendendo a que os avanços de genética acarretam uma informação crescente sobre cada pessoa, protege-se a confidencialidade, afirma-se o respeito pela vida privada e estabelece-se a regra do direito a ser informado sobre os dados que a cada um dizem respeito.
O princípio da não discriminação em razão do património genético (artigo 11.º) vem enriquecer a lista constante do artigo 14.º do Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que proíbe já uma série de discriminações conhecidas.
Salvo para fins médicos, afasta-se qualquer utilização de testes genéticos que sejam preditivos de doenças, bem como todo e qualquer intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano, a não ser que haja razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e só se o seu objecto não for a introdução de modificações no genoma de qualquer descendente (artigo 13.º).
É importante a determinação constante do artigo 14.º no sentido de a utilização da assistência médica à procriação não dever ser permitida para escolha do sexo de uma criança a nascer, salvo quando se pretenda evitar uma doença hereditária grave relacionada com o sexo.
Estabelece-se a regra geral da liberdade de investigação científica no domínio da biologia e da medicina, acrescentando que ela não deve ser absoluta pois tem por limite os

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direitos humanos protegidos por esta Convenção e outras disposições que assegurem a protecção do ser humano (artigo 15.º).
É interdita a criação de embriões humanos para fins de investigação, mas não se toma posição sobre a admissibilidade de investigação em embriões in vitro. No entanto, caso seja admitida, a lei nacional deverá assegurar uma protecção adequada ao embrião (artigo 18.º).
A colheita de órgãos e de tecidos de dadores vivos para fins de transplantes é tratada na Convenção no artigo 19.º.
No artigo 21.º consagra-se a regra segundo a qual o corpo humano e as suas partes não devem ser, enquanto tais, fonte de lucro, disposição, aliás, já adoptada pela lei portuguesa (Lei n.º 12/93, de 22 de Abril).
Deve ser finalmente referido que a Convenção contém disposições relativas à violação dos suas disposições reparação de prejuízos e sanções, bem como à obrigação da promoção de debates públicos sobre as questões fundamentais e as aplicações suscitadas pelo desenvolvimento da biologia e da medicina.

3 - Sobre a conveniência da aprovação para ratificação da Convenção

Verificadas as cinco primeiras ratificações, entre elas as da Dinamarca e da Grécia, a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina entrou em vigor em 1 de Dezembro de 1999. Logo de seguida a Espanha procedeu à sua ratificação. Os processos de ratificação de vários outros países membros do Conselho da Europa estão, na actualidade, bastante avançados.
O Governo solicitou ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida parecer, que foi emitido recomendando a ratificação por Portugal e sublinhando o vazio legal existente no ordenamento jurídico português sobre algumas questões, por um lado, e, por outro, a necessidade de modificar algumas normas internas.
A Convenção adopta e explícita valores e princípios caros aos portugueses: o ser humano é o fim em si mesmo, nunca um meio, é o sujeito, que não pode ser considerado como objecto pela ciência. Esta tem de ser livre, mas, sob pena de cair no transpersonalismo, deve sempre ter como único limite os direitos e a dignidade da pessoa humano.
Para além da conveniência evidente de questões que transcendem as fronteiras nacionais terem uma regulamentação comum em todo o espaço europeu do Atlântico aos Urais, a afirmação de princípios fundamentais que se acordam com o humanismo dos portugueses e consolidam e alargam o primado da pessoa humano e o respeito pelos seus direitos, consagrados na Constituição do República, apontam no sentido do conveniência da aprovação desta Convenção.

4 - Protocolo Adicional que proíbe a clonagem de seres humanos

Os êxitos obtidos na criação de alguns animais geneticamente idênticos a outros da mesma espécie abriram as portas à possibilidade técnica, ainda que muito remota, de virem a ser efectuadas experiências semelhantes visando a reprodução de seres humanos pela utilização da técnica da clonagem. Esta circunstância levou à elaboração pela CDBI, submissão a parecer da Assembleia Parlamentar, aprovação pelo Comité de Ministros e abertura à assinatura em Paris, a 12 de Janeiro de 1998, do primeiro Protocolo Adicional à Convenção.
Considerando no preâmbulo que "a instrumentalização do ser humano pela criação deliberada de seres humanos geneticamente idênticos é contrária à dignidade humana e constitui uma utilização imprópria da biologia e da medicina, a qual trará grandes dificuldades de ordem médica, psicológica e social para todos as pessoas envolvidas", fica interdito toda e qualquer intervenção que tenha por objectivo criar artificialmente um ser humano geneticamente idêntico a um outro vivo ou morto.
O protocolo não se aplica a outras utilizações das técnicas de clonagem, designadamente para criação de tecidos com fins terapêuticos.

II - Parecer

Tendo o Governo apresentado à Assembleia da República, para aprovação, a proposta de resolução n.º 36/VIII, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 210.º do Regimento da Assembleia do República, a Comissão emite o seguinte parecer:
A proposta de resolução preenche todos os requisitos formais exigíveis para apreciação em Plenário.

Palácio de São Bento, 18 de Outubro de 2000. O Deputado Relator, Pedro Roseta - O Presidente da Comissão, Luís Marques Mendes.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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