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Quinta-feira, 20 de Setembro de 2001 II Série-A - Número 1
VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)
S U M Á R I O
Resoluções: (a)
- Aprova, para ratificação, a Convenção n.º 176, da Organização Internacional do Trabalho, relativa à segurança e saúde nas minas, adoptada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, em 22 de Junho de 1995.
- Aprova, para ratificação, o Acordo relativo à aplicação provisória entre determinados Estados membros da União Europeia da Convenção elaborada com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia sobre a utilização da informática no domínio aduaneiro, assinado em Bruxelas em 26 de Julho de 1995.
Projectos de lei (n.os 276 e 482 a 484/VIII):
N.º 276/VIII Faz depender da publicação de normas especiais a aplicação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, ao Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro (Regulamento da Náutica de Recreio) :
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 482/VIII - Cria a freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho do Entroncamento (apresentado pelo CDS-PP).
N.º 483/VIII - Criação, no concelho do Entroncamento, da freguesia de Nossa Senhora de Fátima (apresentado pelo PSD).
N.º 484/VIII - Valorização, promoção e qualificação dos tapetes de Arraiolos (apresentado pelo PS).
Propostas de lei (n.os 91, 94 e 100/VIII):
N.º 91/VIII (Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 94/VIII (Estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira):
- Idem.
N.º 100/VIII - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
Projectos de resolução (n.os 149 e 150/VIII):
N.º 149/VIII - Estabelece medidas a favor da regulação dos fluxos internacionais de capitais e da "taxa Tobin" (apresentado pelo BE).
N.º 150/VIII - Pronuncia-se sobre a utilização da barragem do Alqueva e a oportunidade para o desenvolvimento do Alentejo que ela representa (apresentado pelo Deputado do BE Fernando Rosas).
Propostas de resolução (n.os 73 e 74/VIII): (b)
N.º 73/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção penal sobre a corrupção do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, a 30 de Abril de 1999.
N.º 74/VIII - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam envolvidos funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados membros da União Europeia, assinada em Bruxelas, a 26 de Maio de 1997.
(a) São publicadas em suplemento a este número.
(b) São publicadas em 2.º suplemento a este número.
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PROJECTO DE LEI N.º 276/VIII
FAZ DEPENDER DA PUBLICAÇÃO DE NORMAS ESPECIAIS A APLICAÇÃO ÀS REGIÕES AUTÓNOMAS DOS AÇORES E DA MADEIRA DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DECRETO-LEI N.º 567/99, DE 23 DE DEZEMBRO, AO DECRETO-LEI N.º 329/95, DE 9 DE DEZEMBRO (REGULAMENTO DA NÁUTICA DE RECREIO)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
Antes de mais importa manifestar alguma estranheza para o facto do Sr. Presidente da Assembleia da República ter feito baixar à 1.ª Comissão (e só a esta) um projecto de lei que tem a ver com o regulamento da náutica de recreio.
Importa, por isso, elaborar o competente relatório e parecer que antecede a subida a Plenário do projecto de lei n.º 276/VIII para discussão na generalidade.
E a primeira questão que, desde já, nos parece pertinente levantar é a de saber se estão cumpridas as disposições constitucionais, estatutárias e regimentais que permitam o agendamento e discussão na generalidade do projecto em causa.
Trata-se, como decorre da exposição de motivos e do seu articulado, de lei cuja aplicação e interesse respeita exclusivamente às regiões autónomas.
Significa isto que é indiscutível o dever de audição das regiões consagrado no artigo 229.º, n.º 2, da CRP, no artigo 89.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira (Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto) e no artigo 78.º do Estatuto da Região Autónoma dos Açores e cuja tramitação está prevista na Lei n.º 40/96, de 30 de Agosto.
Entendemos que a audição das Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira devem preceder a discussão na generalidade, já que a posição daqueles órgãos de Governo próprio das regiões pode ditar a sequência do processo legislativo e a própria posição de voto, na generalidade, dos vários grupos parlamentares e dos Deputados.
Bom seria, pois, que se fixasse doutrina nesta matéria e que, se possível, fosse desagendado o projecto de lei em apreciação para efeito de cumprimento daquela disposição constitucional.
A questão é tanto mais pertinente quanto é certo que da exposição de motivos resulta que do Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, advêm vários inconvenientes para as regiões, designadamente quanto à "classificação e arqueação das embarcações de recreio", bem como quanto à obtenção da "carta de navegador de recreio", sem, no entanto, se adiantar, em concreto, o grau, extensão e natureza desses inconvenientes e limitações.
Por outro lado, o articulado nada adianta quanto a soluções neste âmbito para as regiões, uma vez que se limita a estabelecer que a aplicação do Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, "depende da publicação de normas especiais que tomem em conta o particular condicionalismo geográfico, populacional e administrativo dos correspondentes arquipélagos".
Significa isto que as soluções diferenciadas para as regiões ficam relegadas para essa legislação especial.
Naturalmente que a audição das assembleias legislativas regionais permitir-nos-ia habilitar com elementos e informações indispensáveis ao debate na generalidade.
Por outro lado, o tempo decorrido sobre a publicação do Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, que é de quase dois anos, pode ter determinado alterações no âmbito de intervenção dos órgãos de administração com competências nesta matéria e até pode ter ocorrido publicação de diplomas regionais atinentes a esta matéria.
Aliás, parece-nos que o artigo 8.º-A proposto deveria referir que a aplicação do Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, depende da publicação de decreto legislativo regional, que proceda à sua adaptação à respectiva região.
Acresce que o Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, introduziu uma alteração ao artigo 33.º, n.º 3, do regulamento da náutica de recreio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro, que implica uma discriminação em relação à Região Autónoma da Madeira, pois permite uma excepção para a Região Autónoma dos Açores, num quadro e situação de todo idênticos em ambas as regiões, o que terá de ser corrigido.
Acontece que no domínio da náutica de recreio transferiram-se competências que cabiam às capitanias para o Instituto Marítimo Portuário (ignora-se se está abrangido pelos institutos em vias de extinção!?), o que se traduziu numa centralização inadmissível, com manifesto prejuízo das populações das regiões autónomas.
Procurou-se corrigir tal retrocesso administrativo com a criação de delegações do Instituto Marítimo Portuário nas regiões, as quais, sem poderes e sem meios, não têm dado a adequada resposta aos problemas regionais do seu âmbito.
Havia, pois, que repensar a transferência de competências dos Institutos Marítimo Portuário para as Administrações Regionais dos Portos, acompanhada dos adequados meios financeiros.
Integrando o Conselho de Náutica de Recreio (artigo 2.º do regulamento) representantes de ambos os Governos regionais, afigura-se-nos que os mesmos deveriam ser ouvidos na 1.ª Comissão sobre o projecto de lei em apreciação.
Para efeito de apreciação da evolução normativa, no tempo, da náutica de recreio, regista-se aqui os seus antecedentes legislativos mais relevantes:
- Decreto-Lei n.º 37 218, de 17 de Dezembro de 1948, Portaria n.º 12 815, de 12 de Maio de 1949, Portaria n.º 13 647, de 16 de Agosto de 1951, Decreto-Lei n.º 40 498, de 16 de Janeiro de 1956, Portaria n.º 18 578, de 7 de Julho de 1961, Portaria n.º 21 771, de 4 de Janeiro de 1966, Portaria n.º 55/72, de 31 de Janeiro, e Portaria n.º 127/74, de 19 de Fevereiro;
- Decreto-Lei n.º 439/75, de 16 de Agosto (Aprova o regulamento das embarcações de recreio);
- Decreto-Lei n.º 97/79, de 5 de Setembro (Altera o regulamento anterior);
- Decreto-Lei n.º 167/88, de 14 de Maio (idem);
- Decreto-Lei n.º 202/92, de 29 de Setembro (idem);
- Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro (Aprova o regulamento de náutica de recreio);
- Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro (Altera o diploma anterior).
Parecer
Salvo a questão da audição das regiões autónomas que, em nosso entender e pelas razões referidas, deve anteceder a discussão na generalidade, somos de parecer que nada obsta, regimental e constitucionalmente, a que o projecto de
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lei n.º 276/VIII suba a Plenário, para ser discutido na generalidade.
Palácio de São Bento, 19 de Setembro de 2001. O Deputado Relator, Guilherme Silva - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.
PROJECTO DE LEI N.º 482/VIII
CRIA A FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, NO CONCELHO DO ENTRONCAMENTO
Introdução
Foi do encontro de duas linhas férreas que surgiu o Entroncamento. A 7 de Novembro de 1862 foi inaugurado o troço da linha do leste, compreendido entre a Ribeira de Santarém e Abrantes. Dois anos depois, a 22 de Maio de 1864, foi a vez do troço entre o apeadeiro da Ponte da Pedra e a vila de Soure, pertencente à linha do norte. Surgiu, assim, o Entroncamento da Ponte da Pedra e depois, por abreviatura natural, somente Entroncamento.
Sobre aqueles anos escreveu um dia Eugénio Dias Poitout, um dos primeiros Presidentes de Câmara: "fixaram-se aqui, em condições de vida precárias, os pioneiros do caminho-de-ferro, oriundos de regiões e até de países distantes." - Eugénio Dias Poitout in A Hora. Jornal Ilustrado, edição especial do XXIII aniversário do concelho do Entroncamento, de 24 de Novembro de 1968, p. 10.
Efectivamente, esta foi sempre uma das características da cidade: a origem diversificada da sua população, o que se traduz por uma grande heterogeneidade cultural. Inicialmente do estrangeiro, uma vez que técnicos franceses, espanhóis e ingleses aqui trabalharam na abertura do caminho-de-ferro. Mas a esmagadora maioria sempre foi oriunda de diversos pontos do País, sobretudo das Beiras e do Alentejo. Esta realidade explica o grande crescimento demográfico do núcleo urbano, que ainda se mantém na actualidade com a vinda de muitos novos residentes oriundos agora dos concelhos circunvizinhos, que em grande parte continuam ainda a ser atraídos pelos caminhos-de-ferro.
Nascemos com o comboio e com ele crescemos. A população desde cedo teve vontade de conseguir a autonomia em relação a Vila Nova da Barquinha, concelho a que então pertencia. A 25 de Agosto de 1926 foi criada a freguesia do Entroncamento, na qual teve um destacado papel o ferroviário José Duarte Coelho. A 21 de Dezembro de 1932 a povoação foi elevada a vila. A criação do concelho data de 24 de Novembro de 1945. Ou seja, em apenas 19 anos o Entroncamento passou de um simples lugar da freguesia da Atalaia a sede de concelho.
Entretanto, a Igreja Católica apercebeu-se da necessidade de reorganizar a sua estrutura no concelho e da importância da criação de uma nova paróquia. Assim, da anterior paróquia da Sagrada Família surgiu recentemente a de Nossa Senhora de Fátima. Pensamos tratar-se de um prenúncio da inevitabilidade de reorganizar também administrativamente a realidade concelhia. E, por isso, foi à designação atribuída à nova paróquia que se foi procurar o nome da nova freguesia.
O Entroncamento é um núcleo urbano relativamente recente, mas que, no entanto, sempre demonstrou um rápido crescimento e uma forte vontade de autonomia política. Em 1998 cerca de 50% dos inquiridos por um jornal local manifestaram-se a favor da criação de uma freguesia na zona norte da cidade. Apenas 33% cento dos que responderam àquela questão se manifestaram contra - ver O Entroncamento n.º 954, de 6 de Agosto de 1998, p. 3.
Pensamos ser esta a altura de corresponder a esse crescimento e a essa vontade com a divisão da actual freguesia do Entroncamento em duas, pois entendemos ser esta uma das melhores formas de corresponder aos anseios dos habitantes de todo o concelho.
Situação geo-administrativa
Ao concelho do Entroncamento corresponde uma única freguesia, criada a 25 de Agosto de 1926, com o Decreto n.º 12 192, também com o mesmo nome. Apresenta uma área aproximada de 13,7 km2 e confina com os concelhos de Vila Nova da Barquinha, Golegã e Torres Novas.
Trata-se de uma unidade administrativa com características essencialmente urbanas. Grande parte da sua área territorial é ocupada pela própria cidade. Nesta freguesia apenas existiam alguns pequenos núcleos habitacionais isolados, mas a maioria deles já foi absorvida pelo crescimento da própria cidade, incorporando actualmente a malha urbana.
Situação social
Sendo uma unidade administrativa com características predominantemente urbanas, a população da freguesia do Entroncamento apresenta elementos bastante singulares.
Dispõe de uma população maioritariamente jovem, em grande parte devido à fixação de populações oriundas dos concelhos vizinhos que para aqui vêm residir, atraídos pelas facilidades de comunicação proporcionadas, sobretudo, pelos caminhos-de-ferro. A sua população activa trabalha principalmente no sector terciário (funcionalismo público, comércio, ensino, etc.). No entanto, há a destacar alguns grupos socialmente importantes pelo número de indivíduos que englobam:
a) Os ferroviários, que estão ligados ao aparecimento desta localidade e que ainda hoje constituem um importante sector da população;
b) Os militares, pois desde cedo o Entroncamento contou com o estabelecimento de várias instituições militares. Contudo, muitos dos que exercem a sua actividade nos quartéis vizinhos, nomeadamente em Santa Margarida e Tancos, também aqui fixaram a sua residência.
Razões de ordem histórica
O território actualmente pertencente ao concelho do Entroncamento era habitado muito antes da chegada dos comboios. Pelo menos, existem referências ao Casal das Vaginhas que remontam ao século XVI. No 1.º Livro de Registos Paroquiais da Paróquia da Atalaia ficou anotado o baptizado realizado a 8 de Dezembro de 1549 de uma criança do sexo feminino, moradora naquele casal pertencente à vila de Atalaia. De um outro livro idêntico, relativo ao ano de 1647, encontram-se referenciados alguns baptizados de moradores do Casal das Vaginhas e do Casal das Gouveias.
Também ao século XVII remonta a construção da Capela de São João Baptista, no primeiro daqueles casais, edificada com as esmolas oferecidas pelos seus habitantes
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e outros devotos. A Corografia Portuguesa do Padre Carvalho da Costa, publicada em 1712, confirma a sua existência - sobre estes primeiros tempos do núcleo urbano ver Luís Miguel Preto Baptista, Os Casais das Vaginhas, Câmara Municipal do Entroncamento, 2000, pp. 16-40.
Contudo, a população seria reduzida. Segundo a obra do Padre Carvalho da Costa, todo o termo da vila de Atalaia teria nos inícios do século XVIII apenas cerca de 250 habitantes, divididos por três núcleos populacionais (Moita, Barquinha e Casal das Vaginhas). Como era uma zona rica em trigo, azeite, vinho, frutas e gado, os seus moradores dedicar-se-iam ao trabalho das suas próprias terras e nas grandes quintas próximas: a Quinta da Ponte da Pedra e a Quinta da Cardiga. Contudo, em meados do século XVIII, o azeite destacava-se como o único produto comercializado por ser excedentário, enquanto o vinho e os cereais nem todos os anos eram produzidos em quantidade suficiente para o consumo.
Mas o início século XIX foi marcante para estas populações. Por aqui passaram as tropas napoleónicas da terceira invasão francesa, comandadas pelo General Massena. Depois de recuar perante as Linhas de Torres Vedras, os franceses estabeleceram o seu quartel-general em Torres Novas, em Novembro de 1810. Nessa época exerceram verdadeiras atrocidades sobre os habitantes dos Casais das Vaginhas. Mas nesses confrontos destacou-se o guerrilheiro Madrugo que com os seus homens, em Janeiro de 1811, enfrentou um destacamento daqueles militares. Nesse célebre combate caíram 20 soldados de Napoleão e apenas dois guerrilheiros locais - ver ibidem, pp. 41-47.
Em meados do século XIX as Vaginhas eram uma pequena aldeia, mas movimentada com a passagem dos almocreves. A grande mudança regista-se já na segunda metade daquele século com a chegada dos caminhos-de-ferro.
Por volta de 1860 o actual Entroncamento era ainda um local quase ermo, denominado Ponte da Pedra, que já existia há alguns anos como um cruzamento de caminhos, muito frequentado pelos arcaicos almocreves que habitualmente se dirigiam para Coimbra. Foi em 1862, com o início da exploração do troço da linha do leste compreendido entre a Ribeira de Santarém e Abrantes, que este lugar começou a ser servido pela Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, que havia sido fundada a 20 de Junho de 1860, pela acção desencadeada por um espanhol, D. José de Salamanca - Frederico de Quadros Abragão, Caminhos-de-Ferro-Portugueses. Esboço da sua história, Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, Edição do Centenário, 1956, pp.253-254. É importante lembrar que o primeiro troço, ligando Lisboa ao Carregado, apenas tinha sido inaugurado seis anos antes, isto é, a 28 de Outubro de 1856.
Foi assim que o lugarejo denominado Ponte da Pedra, situado entre Tomar, Torres Novas, Santarém e Abrantes, e a meio caminho entre Lisboa e Coimbra, vê chegar os primeiros comboios. Mas porque passaria a linha dos caminhos-de-ferro por este local e não por um dos importantes centros urbanos que então o rodeavam?
Os habitantes da vila da Barquinha teimaram obstinadamente em afastar de si o comboio, pois viam nele o aniquilamento do seu porto fluvial do Tejo, que era a fonte de toda a sua prosperidade. No caso de Tomar, importantes questões políticas e económicas se opuseram e ainda porque afastaria os almocreves que tanto lucro davam aos nabantinos. Por outro lado, seria uma opção muito dispendiosa, já que obrigaria à construção de um túnel de 2700 metros. A indiferença dos habitantes de Torres Novas fez com que esta não fosse o local escolhido - ver Maria Madalena Lopes, Entroncamento. O caminho-de-ferro, factor de povoamento e de urbanização, Câmara Municipal do Entroncamento, 1996, pp. 23-31.
Se não fosse o receio em terminar com o tráfego fluvial no Tejo, as dificuldades de ordem técnica em atravessar a lomba que separa os vales de Torres Novas e Tomar, talvez a actual cidade do Entroncamento não existisse, ou então não passaria de um pequeno aglomerado populacional.
Este local, inicialmente designado por Ponte da Pedra, irá mais tarde chamar-se Entroncamento. Na verdade, é aqui que se vai assistir ao entroncar do troço até Soure da linha do norte com a linha do leste que deveria ligar Lisboa a Badajoz, a 22 de Maio de 1864 - ver ibidem, p.37. Assim, este local começará a ser designado por Entroncamento da Ponte da Pedra, e depois, por abreviatura natural, unicamente por Entroncamento.
Já tivemos oportunidade de constatar que a razão do aparecimento do Entroncamento se deve aos caminhos-de-ferro. O seu desenvolvimento e o seu progresso também a ele se irão dever. Teremos, pois, de forma inequívoca, que concordar com o Prof. Luís Schwalbach que, já em 1946, dizia acerca da então vila que "raros serão os modelos que nos manifestem por uma forma tão decisiva a contribuição que pertence à linha férrea na origem e no progresso de uma localidade" - Luís Schwalbach, A geografia da circulação e os agregados humanos, Lisboa, 1946.
O caminho-de-ferro foi, e em parte ainda é, a causa do rápido desenvolvimento que esta cidade tem vindo a assistir desde os seus primeiros tempos. Logo em 1862 se construiu a primeira estação, uma pequena barraca, semelhante a qualquer das outras construídas em terras pouco povoadas, e ainda um depósito de máquinas. Simultaneamente, a necessidade de novas instalações aumentou. Os passageiros, que aqui esperavam, precisavam de locais para descansar, as mercadorias de espaços para serem guardadas e os ferroviários de sítios para pernoitarem ou até habitarem. Assim, pouco a pouco, apareceram 24 barracas de madeira de um lado e do outro da linha, em plena charneca, no local do actual edifício da estação. Ainda antes de 1882 são levantadas as primeiras 24 casas de pedra e argamassa, esboçando-se com elas a actual Rua Latino Coelho - ver Maria Madalena Lopes, obra citada, pp 37-44.
Obras de maior vulto não tardaram. Data de 1864 a construção de uma oficina de máquinas, e de 1879 o primeiro armazém de víveres para uso exclusivo dos ferroviários. A primeira escola, também ela destinada aos filhos dos ferroviários, foi edificada em 1882 na parte sul da linha, frente à antiga estação. Em 1910 vemos aparecer a primeira casa da rua, que se virá a chamar 5 de Outubro.
Também das primeiras décadas do século XX é a construção de vários bairros, outras escolas e oficinas, do segundo armazém de víveres, de uma central eléctrica e de vários edifícios destinados às secções de tracção, viação, via, obras e construção. Foram obras levadas a cabo pela Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses - sobre estas infra-estruturas ver ibidem, pp. 47-49. O seu aparecimento deveu-se à intensificação da viação por linha de ferro e à modernização e maior potência das locomotivas. Por outro lado, num curto espaço de tempo, a população aumentou rapidamente. Por exemplo, num período de 12 anos, entre 1932 e 1944, a população do Entroncamento aumentou de 6000 para 8300 habitantes - Entroncamento, um pouco da sua história, in Terras de Portugal, ano XXVIII, n.º 48 (465), Lisboa, Janeiro de 1956, p. 10.
Com o crescimento da estação e do número de habitantes tornou-se necessária a construção de diversos tipos de
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edifícios, não só para apoio logístico ao caminho-de-ferro mas também para utilização por parte dos seus funcionários.
O primeiro bairro construído pela CP no Entroncamento, entre 1917 e 1919, foi o de Vila Verde, tendo sido ampliado mais tarde, em 1930. Inicialmente era constituído por cinco grupos de duas casas e 10 isoladas, fornecendo habitações para 20 famílias. Em 1930 foi o bairro ampliado com três grupos de duas casas e com seis casas isoladas, fornecendo mais 12 habitações de quatro compartimentos, e com um dormitório para 12 agentes solteiros do pessoal de via e obras da CP. Tirando este último, Vila Verde era constituído por 32 habitações de diferentes dimensões e plantas - sobre este bairro ver Paula Gama do Rosário, Entroncamento. Do mito do progresso à realidade presente, Câmara Municipal do Entroncamento, 1995, pp. 38-39, e Mário Ferreira, O património ferroviário do Entroncamento, in 0 Entroncamento, 7 de Julho de 1994.
Em 1926 terminou a construção de um outro bairro para ferroviários, o Bairro Camões, que teve como seus arquitectos Luís da Cunha e Cottinelli Telmo. Este bairro, o primeiro bairro-jardim de Portugal, pela disposição da sua planta se prestar a isso, vai apresentar características diferentes. Ele pôde ser enriquecido com alguns elementos especiais: o chafariz (desmontado nos finais dos anos 70 e actualmente reinstalado junto ao viaduto Eugénio Dias Poitot, infelizmente bastante alterado), o lampião e os pilares da entrada, procurando-se, nestes últimos, imprimir um cunho nitidamente ferroviário, tomando o carril como motivo - sobre o Bairro Camões, ver Paula Gama do Rosário, obra citada, pp. 39-43 e Mário Ferreira, obra citada.
A Escola Camões que, como o próprio nome indica, faz parte do bairro com o mesmo nome e também é uma obra dos arquitectos Luís da Cunha e Cottinelli Telmo. Trata-se de uma construção de dimensões consideráveis. Concluído em 1932, foram nessa data as suas portas franqueadas aos filhos dos ferroviários em aulas diurnas, enquanto os próprios empregados frequentavam as aulas nocturnas. Na segunda metade da década de 60 funcionava como Escola Técnica de Aprendizes das Oficinas da - CP 14 - A Hora, Jornal Ilustrado, Ano XXXVI, 2.ª Série, n.º 68, Novembro de 1968, número dedicado ao XXIII aniversário do concelho do Entroncamento. Actualmente ainda funciona neste edifício o CERE - Centro de Ensino e Recuperação do Entroncamento.
Mas, para além destes edifícios, foram ainda construídos outros dois bairros: um na Rua D. Afonso Henriques e outro na Rua Latino Coelho, ambos edificados no ano de 1939.
Anteriormente a 1930 já se haviam fixado no Entroncamento, com carácter permanente, os seguintes estabelecimentos militares: Batalhão de Sapadores do Caminho-de-Ferro (1918), Depósito Geral de Material de Guerra (1919), Sucursal da Manutenção Militar (1919), Oficinas do Parque Automóvel Militar (1919), 7.º Grupo de Companhias de Administração Militar (1919) e a Estação Rádio-Telegráfica (1928) - Maria Madalena Lopes, obra citada, p. 48.
O rápido desenvolvimento registado por esta localidade começou a gerar na sua população a vontade de conseguir a autonomia administrativa. Foi o caminho-de-ferro que lhe deu vida e é ele que lhe aumenta a actividade e lhe modifica as condições económicas. O caminho-de-ferro teve repercussões directas e imediatas nos aglomerados que serve, e muito especialmente, no caso do Entroncamento. Não é necessário ser cliométrico para facilmente se perceber a primazia do caminho-de-ferro como factor de desenvolvimento nesta cidade. Em 1900 começou-se a esboçar a crescente importância do caminho-de-ferro, assistindo-se a um desenvolvimento a nível nacional da rede ferroviária, o que vai ajudar o Entroncamento a tornar-se num dos maiores centros ferroviários do País. Na verdade, ele tornou-se na "maior e na mais movimentada gare do País" - A Companhia dos Caminhos-de-Ferro e o seu Entroncamento Ferroviário, in A Hora, Jornal Ilustrado, Ano XXXVI, 2.ª Série, n.º 68, Lisboa, Novembro de 1968.
À medida que o aglomerado se desenvolvia e a população aumentava, aumentavam igualmente as aspirações de independência, pois o Entroncamento encontrava-se dividido em duas freguesias: a parte nascente da linha pertencia à Barquinha e a parte poente à freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas.
Foi a 25 de Agosto de 1926 que o governo da ditadura concedeu a independência política e administrativa ao Entroncamento, elevando-o a sede de freguesia pelo Decreto n.º 12 192, registando na época 800 habitantes que ficavam a pertencer a um só concelho, o da Barquinha. Uma das primeiras realizações da junta de freguesia, presidida por José Duarte Coelho, foi a construção, em 1930, de um mercado coberto, onde hoje funciona o centro cultural. Ainda devido à sua acção surgiram algumas escolas, o cemitério, o jardim-parque Dr. José Pereira Caldas, uma casa de protecção a indigentes e o antigo edifício da junta de freguesia - Paula Gomes do Rosário, obra citada, pp. 27-29.
A 21 de Dezembro de 1932 a freguesia do Entroncamento, que contava já com cerca de 6000 habitantes, foi elevada à categoria de vila, verificando-se 13 anos depois a elevação a sede de concelho. De facto, pelo Decreto n.º 35 134, de 24 de Novembro de 1945, e à custa de uma superfície terrestre outrora na dependência de Vila Nova da Barquinha, surgia o concelho do Entroncamento.
Entretanto, a vila continuava a crescer. Em 1940 foi inaugurada a Igreja Matriz, dedicada à Sagrada Família, pois até aí o culto religioso realizava-se na Capela das Vaginhas. Em 1955 foi concluído o bairro de casas económicas Dr. Oliveira Salazar, actual Bairro da Liberdade. Neste mesmo ano estava em conclusão um outro bairro para as classes economicamente menos favorecidas. Tratava-se do Bairro Engenheiro José Frederico UIrich, pertencente à câmara municipal. Ainda neste ano foi inaugurado o Hospital da Misericórdia do Entroncamento, ainda em funcionamento.
Na década de 60, por acção do então Presidente da Câmara Municipal, Eugénio Dias Poitout, foram construídos o segundo reservatório de água, o edifício para a GNR, o viaduto que mantém o nome do seu impulsionador e que ainda liga as duas "margens" da linha férrea, dois sanitários públicos e estabeleceu um serviço diário de recolha de lixo, entre outras realizações. Em 1965 foi ainda fundada a biblioteca municipal e, por iniciativa particular, o Cine-Teatro São João, recentemente adquirido pela autarquia.
Ao nível das forças de segurança, a Polícia de Segurança Pública (PSP) foi instalada em Maio de 1935 e Guarda Nacional Republicana (GNR) em Outubro de 1962. Esta última instituição de segurança foi recentemente retirada desta freguesia.
Mais recentemente outras obras têm sido edificadas. Na década de 80 a câmara municipal construiu alguns blocos de habitação e o novo edifício onde funciona actualmente a biblioteca municipal, a junta de freguesia e o tribunal. Em Maio de 1983 foi inaugurado um novo mercado diário. Também nesta época se procedeu à criação do Complexo do Bonito, na parte norte da freguesia, onde se localiza a piscina municipal, e está também prevista a construção do estádio municipal e de umas novas piscinas. Próximo deste local está em construção um pavilhão polidesportivo.
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Traçámos de forma breve a ainda também breve história desta cidade ribatejana. Foi assim que surgiu e se desenvolveu o Entroncamento, esse "filho dilecto da CP", como alguém já lhe chamou - A Companhia dos Caminhos-de-Ferro e o seu Entroncamento ferroviário, in A Hora, Jornal Ilustrado, Ano XXXVI, 2.ª Série, n.º 68, Lisboa, Novembro de 1968. No entanto, há que destacar que a origem da actual cidade teve origem na parte sul da linha férrea. Foi igualmente nesta área que o núcleo habitacional se desenvolveu, sobretudo nas primeiras décadas da sua existência. De tal forma que as populações identificam-na como a zona mais antiga, o nosso "centro histórico", e a parte norte da freguesia como a mais recente, a "zona nova". A separá-las encontra-se a linha férrea.
Razões de ordem geográfica
A actual freguesia do Entroncamento encontra-se efectivamente dividida geograficamente pela passagem da linha férrea. Esta é uma verdade inegável, pois até entre as populações se generalizaram as designações de zona norte e zona sul, atendendo à localização das mesmas em relação àquela via de comunicação.
Os caminhos-de-ferro estiveram na origem da nossa cidade. Mas, as suas linhas sempre dividiram claramente as duas partes da freguesia. Aliás, desde cedo se sentiu a necessidade, fruto dessa divisão, de unir as duas áreas. Em 1969 foi inaugurado o viaduto Eugénio Dias Poitout com o objectivo de facilitar a passagem de pessoas e viaturas entre as duas zonas da freguesia. Recentemente foi aberto à circulação um túnel subterrâneo com o mesmo objectivo e espera-se para breve a inauguração de um outro túnel. Enquanto noutros aglomerados urbanos são importantes estradas nacionais ou características naturais que os dividem, como os rios, no Entroncamento são as linhas férreas que delimitam claramente as duas partes da freguesia.
É, igualmente, importante referir que a freguesia que se pretende constituir ficará bem servida ao nível das acessibilidades. Possuirá um acesso directo ao IP6 e, consequentemente, à A1, a principal auto-estrada do País. Aquela zona já é servida por transportes públicos, nomeadamente pela Rodoviária do Tejo, que a liga a diversos concelhos vizinhos. Continuará a ser servida directamente pelo transporte ferroviário, permitindo a deslocação dos seus habitantes para qualquer parte do nosso país.
Contudo, ao nível da distribuição de variados serviços, esta parte do concelho parece ter sido largamente preterida em relação ao resto da cidade. A câmara municipal, a junta de freguesia, o tribunal, a biblioteca municipal, os CTT, e a repartição de finanças, para apresentar alguns exemplos, concentram-se todos na parte sul do concelho, o que acarreta dificuldades a quem reside na outra parte da cidade. Por muitas razões, mesmo as mais simples, aquela população vê-se sempre forçada a deslocar-se à parte sul da cidade. Mesmo os futuros edifícios do tribunal e da biblioteca municipal estão previstos para a parte sul do concelho. A criação de uma nova freguesia irá, certamente, lutar pela alteração desta realidade que nos parece injusta, beneficiando toda a população do concelho.
Razões de ordem demográfica
O concelho do Entroncamento tem, desde a sua origem, apresentado um crescimento demográfico bastante significativo. Na última década a sua população cresceu 27,4%, tendo sido o sétimo crescimento percentual mais elevado a nível nacional e o maior entre os concelhos que não pertencem à faixa litoral do País - Notícias do Entroncamento n.º 904, de 20 de Julho de 2001, p. 8.
De acordo com os Censos de 2001, a população residente apresenta o valor de 18 127 habitantes. Cerca de metade desta população reside na área do concelho a norte das linhas férreas, isto é, a área que propomos para a base territorial da nova freguesia. Trata-se de uma zona de nítido cariz urbano, apresentando, como todo o concelho, uma elevada densidade populacional.
A tendência de crescimento populacional tem sido constante em todo o concelho. Assim, no futuro, julgamos inegável a continuação desse crescimento na parte a norte das linhas férreas, mas também a sul dessas mesmas linhas. A edificação de edifícios para residências é constante. Na área da futura freguesia abundam as urbanizações em construção, o que deixa antever a continuação daquela tendência. Prevê-se, assim, também um rápido crescimento da densidade populacional.
Mas este crescimento bastante rápido da população acarreta consigo maiores responsabilidades aos responsáveis autárquicos. Uma nova freguesia iria facilitar um desenvolvimento mais equilibrado e concertado daquela parte da cidade, onde existem problemas urbanísticos delicados.
Razões de ordem económica
Todo o concelho do Entroncamento apresenta uma grande vitalidade económica. Esta cidade é, por excelência, uma cidade de serviços. Esta realidade é reconhecida por todos, principalmente na região setentrional do distrito de Santarém. Aqui se concentram inúmeros estabelecimentos comerciais e diversos industriais.
Na parte norte do concelho, aquela para onde se prevê a nova freguesia, funcionam numerosas empresas dos mais variados sectores da actividade económica. Aqui está localizada a Zona Industrial do Entroncamento, onde funcionam estabelecimentos industriais, mas também muitos comerciais. Aí podemos encontrar as indústrias de alumínios, de metalomecânica, de mármores e de serralharia e o comércio de móveis e outros variados produtos, para citar apenas alguns casos.
Nesta parte do concelho ainda se localizam outras importantes empresas. É o que se verifica com a Soladrilho, empresa de destaque até internacional ao nível da produção de materiais de cerâmica, ou da Sengurbis, que tem no fabrico de mobiliário o seu ramo de actividade, e que são dois exemplos de dinamismo empresarial.
Mas, dispersos por toda esta zona da cidade, encontram-se numerosos estabelecimentos de variados tipos. Os residentes podem, por exemplo, usufruir dos serviços de uma farmácia, de uma agência bancária, de diversos supermercados e de muitos estabelecimentos do ramo da restauração.
No sector económico a tendência tem sido de expansão. Julgamos que ela continuará no futuro atendendo à dinâmica existente e às boas condições de acessibilidades disponíveis.
Razões de ordem social e cultural
A formação histórica do Entroncamento acabou por condicionar a sua própria composição social. Como escreveu a professora e antropóloga Paula Gama do Rosário, "as pessoas que nasceram no núcleo inicial - o lugar das Vaginhas - ou que são descendentes directos desses indivíduos sentem-se, obviamente, mais entroncamentenses que os demais" - Paula Gama do Rosário, obra citada, p. 98.20 .
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Na parte sul da cidade fixaram-se as populações iniciais do núcleo urbano e formaram-se núcleos de indivíduos provenientes principalmente do Alentejo. Para a zona norte acabaram por convergir indivíduos provenientes das mais variadas zonas do País, acentuando-se esta diferença com o evoluir do tempo, uma vez que aquela era a zona de expansão por excelência - ibidem, p.99.
Esta tendência ainda hoje se mantém. A maioria daqueles que procuram a nossa cidade para residência acaba por se fixar na parte norte da cidade, continuando aquela antiga tendência. Ou seja, é ali que se localiza a maioria daqueles que há menos tempo residem no Entroncamento.
No entanto, encontram-se ali algumas estruturas importantes ao nível social e cultural. Por exemplo, no apoio à terceira idade estão ali localizados dois lares: o Lar Fernando Eiró e o Lar dos Ferroviários. Para apoio aos deficientes existe o CERE (Centro de Ensino e Recuperação do Entroncamento). É também aqui que se encontra o Centro de Saúde do Entroncamento. Tratam-se de estruturas de enorme importância para toda a cidade.
Ao nível cultural, funciona a Escola EB 3 e Secundária do Entroncamento e está prevista a construção de uma nova escola EB 1,2,3. Também ali existe o Centro de Línguas do Entroncamento, importante estrutura de ensino para toda a população.
Ao nível associativo importa destacar o funcionamento da prestigiada Associação Filarmónica do Entroncamento, cuja sede encontra-se no antigo edifício da protecção a indigentes.
Viabilidade político-administrativa
No quadro da Lei n.º 8/93, de 5 de Março, todos os critérios e indicadores nela estabelecidos são largamente satisfeitos pela realidade que já é a futura freguesia de Nossa Senhora de Fátima.
O território da nova freguesia é espacialmente contínuo, o que satisfaz a imposição presente no ponto 1 do artigo 6.º da referida lei.
A criação desta freguesia não provoca alterações nos limites do município do Entroncamento, o que também cumpre o estabelecido no ponto 2 do referido artigo.
A freguesia de origem não fica privada dos recursos indispensáveis e continua a preencher a globalidade dos requisitos exigidos nos parágrafos 1 e 2 do artigo 5.º da referida lei, o que satisfaz o parágrafo 3 do mesmo artigo.
Do ponto de vista financeiro não são previsíveis quaisquer problemas à nova freguesia, uma vez que o seu número de eleitores lhe permite a obtenção dos meios suficientes à sua manutenção e desenvolvimento.
Conclusão
Todo o concelho do Entroncamento encontra-se em fase de acentuado crescimento. A parte norte não é, portanto, excepção. No entanto, há a realçar o facto de esta zona do concelho apresentar características próprias.
A nível histórico, a futura freguesia de Nossa Senhora de Fátima é mais recente que a zona a sul das linhas férreas, onde a cidade teve o seu início. Por isso, é vulgarmente designada pela população como a "parte nova". Esta realidade significa, por outro lado, diferenças ao nível da população aí residente. Trata-se, na maioria dos casos, de indivíduos que escolheram a nossa cidade para local de residência há poucos anos, sendo oriundos de outros concelhos do País. Geograficamente, está claramente diferenciada da parte sul da cidade através da passagem ao longo de todo o nosso concelho das linhas férreas. A nível económico apresenta uma vitalidade que é comum, aliás, a todo o concelho.
Contudo, há a realçar o fosso que se tem mantido entre as duas zonas da cidade no que respeita à distribuição das instituições e serviços. A parte norte da cidade sai claramente desfavorecida, vendo-se a sua população obrigada a deslocar-se à zona sul pelas mais simples imposições da vida quotidiana.
A descentralização administrativa através da criação de uma nova freguesia é uma grande oportunidade dada àquelas populações que passariam a ter uma voz própria que, certamente, irá fazer-se ouvir não só em seu próprio beneficio mas também de toda a cidade. Somente o desenvolvimento concertado de todo o concelho é benéfico.
Por outro lado, a criação de uma nova freguesia dará maior visibilidade a este órgão de gestão autárquica, para nós o mais importante, uma vez que é aquele que trata com as populações de forma mais directa. A coincidência geográfica que sempre se registou entre o concelho e a única freguesia do Entroncamento tem retirado visibilidade política e administrativa a este órgão. Aliás, essa, coincidência tem contribuído para que as populações muitas vezes desconheçam as atribuições próprias daqueles dois órgãos locais.
A criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima irá contribuir largamente para a alteração da realidade atrás descrita e que hoje se verifica no âmbito da única freguesia existente no concelho.
Limites da nova freguesia de Nossa Senhora de Fátima
Como foi atrás referido, a passagem das linhas férreas divide geograficamente o concelho em duas partes claramente distintas. Aquela que fica a norte da linha ferroviária do norte constituirá a futura freguesia de Nossa Senhora de Fátima.
Assim, os limites territoriais da nova freguesia seriam o concelho de Torres Novas (a norte, oeste e sudoeste) e a linha do norte (a nordeste, este e sudeste).
Nova freguesia de Nossa Senhora de Fátima
Critérios técnicos
Alínea Descrição Existente Pontuação
a) N.º de eleitores da nova freguesia 7.399 10
b) % de variação demográfica 7,2% 6
C) N' de eleitores da sede na nova Freguesia 7.399 10
d) N.º de serviços, estabelecimentos comerciais,
Industriais, culturais, artísticos, etc. + de 12 10
e) Acessibilidades 3 tipos 10
0 Distância entre a sede de origem e a nova sede 1 km 2
Total 48
De acordo com o estipulado nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 8/93, de 5 de Março, a futura freguesia do Entroncamento-norte (freguesia de Nossa Senhora de Fátima), enquanto parte integrante do concelho do Entroncamento, cuja densidade
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populacional é de 1323 habitantes por km2, necessitaria somar 40 pontos de acordo com os parâmetros do quadro de comparação. Ao somar 48 pontos reúne as condições necessárias.
No entanto, a criação desta nova junta de freguesia também está condicionada ao ponto 2 do artigo 5.º da referida lei. Também aqui reúne os requisitos necessários. Apresenta um número superior a 3500 eleitores e uma taxa de variação demográfica positiva e superior a 5% na área da futura circunscrição, observada entre os recenseamentos eleitorais de 1995 e 2000.
Neste contexto, e ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do CDS-PP, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
É criada, no concelho do Entroncamento, a freguesia de Nossa Senhora de Fátima, com sede no Largo José Duarte Coelho, n.º 8, 2330 Entroncamento.
Artigo 2.º
Os limites da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, conforme mapa em anexo (a), são: o concelho de Torres Novas (a norte, oeste e sudoeste) e a linha do norte (a nordeste, este e sudeste).
Artigo 3.º
A comissão instaladora da nova freguesia será constituída nos termos e nos prazos previstos no artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de Março.
Artigo 4.º
A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.
Artigo 5.º
São alterados os limites da freguesia do Entroncamento por efeito da desanexação das áreas que passaram a integrar a nova freguesia de Nossa Senhora de Fátima e em conformidade com a presente lei.
Artigo 6.º
A presente lei entra em vigor cinco dias após a sua publicação.
Assembleia da República, 3 de Setembro de 2001. Os Deputados do CDS-PP: Basílio Horta - Herculano Gonçalves - Paulo Portas - Nuno Teixeira de Melo.
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PROJECTO DE LEI N.º 483/VIII
CRIAÇÃO, NO CONCELHO DO ENTRONCAMENTO, DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
Exposição de motivos
Os Deputados do PSD pelo círculo eleitoral de Santarém, através de um dossier devidamente organizado, expressam a vontade das populações abrangidas em promover a criação da futura freguesia de "Nossa Senhora de Fátima", pelo desmembramento da actual freguesia do Entroncamento.
Do mesmo dossier constam deliberações, aprovadas por unanimidade, da Câmara Municipal do Entroncamento e da Assembleia de Freguesia do Entroncamento.
E da documentação apresentada constam, entre outros, os seguintes dados que fundamentam tal aspiração:
I - Razões de ordem histórica e cultural
A freguesia do Entroncamento nasceu e desenvolveu-se a partir do velho Casal das Vaginhas. Com uma área de 13,7 km2 surge do encontro de dois concelhos, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha, aquando do início dos caminhos-de-ferro no nosso país. Terá sido a construção das linhas do norte e do leste e o então apeadeiro da Ponte da Pedra que permitiram o início do desenvolvimento desta terra que hoje conhecemos.
Em Agosto de 1926 foram iniciadas diligências visando a criação da freguesia do Entroncamento. Dos 13,7 km2 que constituem a área do concelho e actual freguesia, dividida pela "linha do norte", 9,163 km2 situam-se a norte da referida linha e tiveram origem na freguesia de Santiago, do concelho de Torres Novas, tendo a restante área origem na freguesia da Atalaia, do concelho de Vila Nova da Barquinha, situada a sul da "linha do norte".
De freguesia, pertencente ao concelho de Vila Nova da Barquinha, que comemora agora 75 anos, passou o Entroncamento a concelho em 1932, mantendo a sua ligação aos caminhos-de-ferro e a linha férrea como linha de divisão e de união.
A "linha do norte" é, assim, a fronteira privilegiada para a divisão da freguesia, que actualmente coincide com os limites do concelho, quer como fronteira, em si, quer também pela origem do espaço: a norte Torres Novas e a sul Vila Nova da Barquinha.
Com esta divisão propõe-se a criação da freguesia de "Nossa Senhora de Fátima", conforme Orago da nova paróquia do mesmo nome, a norte da já mencionada "linha do norte", passando a actual freguesia a designar-se por "S. João Baptista", Orago da Capela do mesmo nome, localizada no velho Casal das Vaginhas.
As designações ora propostas, quer para a futura freguesia quer para a actual, têm por base os oragos do primeiro templo religioso do Entroncamento e da paróquia recentemente criada, sendo, no entanto, passíveis de alteração após auscultação da população.
II - Razões de ordem geográfica e demográfica
O Entroncamento possui uma área de 113,71 km2 e, administrativamente, o concelho é constituído por uma única freguesia, com a mesma área e população, apresentando uma densidade populacional (Censos 2001) de 1219 h/km2.
A freguesia do Entroncamento é, em termos de habitantes, a maior do distrito de Santarém, de tal forma que as duas novas freguesias resultantes da divisão da actual ficarão no ranking das 10 maiores freguesias do distrito.
Tendo presente que a linha do norte do caminho-de-ferro promove uma divisão natural do concelho em parte norte e sul, e partindo do pressuposto de que por este motivo a separação da nova freguesia far-se-ia tendo em conta este limite, a realidade da nova freguesia será de:
Área - 9,163 312 Km2
População residente (Censos 2001) - 10399
População com menos de 18 anos (Censos 2001) - 2158
Número de alojamentos (Censos 2001) - 4685
Estabelecimentos do ensino básico - três
Escola secundária - uma
Complexos desportivos - dois
Complexos de piscinas - uma
Parques de lazer - dois
Pavilhão desportivo - dois
Igrejas (religião católica) - uma
Sedes de paróquia - uma
A nova freguesia, cuja criação agora se propõe, dispõe de uma sólida, florescente e variada actividade económica, na qual se destacam os inúmeros estabelecimentos de actividade económica que compõem a zona industrial, numerosos estabelecimentos de comércio e serviços e de profissões liberais.
Estão localizadas igualmente na área da futura freguesia inúmeras associações que abrangem as diversas áreas de intervenção cultural, recreativa e desportiva.
Também é servida por um conjunto de infra-estruturas de transporte colectivo e de acessos fáceis a qualquer ponto do País.
III - Razões de ordem económica e social
O concelho do Entroncamento está situado no Vale do Tejo, integra a sub-região do médio Tejo e, em termos turísticos, a Região de Turismo dos Templários, Albufeiras e Floresta Central. Confina a norte e a poente com o concelho de Torres Novas, a sul com o concelho da Golegã e a nascente com o concelho de Vila Nova da Barquinha. Detendo uma localização privilegiada, integra, por excelência, um dos principais corredores ferroviários do País.
Encontrando-se localizado no centro estratégico da região de Santarém, constitui um ponto de intersecção fundamental quer da rede viária quer da rede ferroviária. É atravessado pelo IP6 (futura auto-estrada das Beiras) e a construção do IC3 permitirá um acesso privilegiado aos concelhos vizinhos da margem esquerda do Tejo e às novas pontes sobre o Tejo de Santarém e Montijo. É fundamentalmente como nó ferroviário estratégico que no contexto nacional a localização do Entroncamento é ímpar. Atravessado pela linha do norte, que estabelece a ligação com Lisboa e Porto, é também aqui que têm início o ramal de Tomar e as linhas do Leste e da Beira Baixa com ligação ao interior do País e a Espanha. Uma importante rede de comboios e de transportes colectivos rodoviários asseguram igualmente boas acessibilidades ao e do Entroncamento.
O concelho do Entroncamento, de acordo com os resultados preliminares do Censo de 2001, apresenta uma população
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residente de 18 127 pessoas, o que, tendo em conta a população residente aquando da realização do último Censo, representa um crescimento de cerca de 27,4%, bastante superior aos 5,3% verificados ao nível do distrito de Santarém ou aos 4,6% verificados ao nível do País.
No que diz respeito à educação, os estabelecimentos escolares existentes ministram os diversos níveis de ensino, desde o pré-escolar ao superior. A rede escolar é constituída por 11 estabelecimentos do ensino básico, uma escola secundária, duas escolas profissionais e um instituto do ensino superior privado que ministra cursos na área dos transportes.
Em questões de saúde, o município é igualmente servido por um hospital com 60 camas, por um centro de saúde e três farmácias. O concelho do Entroncamento apresenta um ratio de 1,8 médicos por mil habitantes, claramente superior ao 1,4 a nível do distrito.
No domínio das infra-estruturas e dos equipamentos sociais, a totalidade da população do Entroncamento está servida por água canalizada, rede de esgotos e por sistema de recolha de resíduos sólidos e urbanos. É servida adequadamente por uma rede de transportes públicos rodoviários e ferroviários, bem como de serviços de táxis e correios.
Possui igualmente várias infra-estruturas desportivas, culturais e de lazer. De realçar a existência de um parque de campismo e de uma unidade hoteleira e de várias pensões.
Economicamente, o concelho e a cidade do Entroncamento coincidem territorialmente num polo urbano que nasceu e cresceu à volta de uma importante estação de comboios, mas que ao longo dos anos tem sabido alargar e diversificar a sua base do sustentação económica.
O Entroncamento é actualmente claramente uma realidade multifacetada e dinâmica, possuindo (em 1996) cerca de 303 empresas sedeadas no concelho geradoras de elevados níveis de emprego e riqueza.
Em termos gerais os principais traços de caracterização são os seguintes:
- Cidade essencialmente urbana e comercial, importante ponto de atracção sub-regional. Nos últimos 15 anos o número de empresas cresceu a um ritmo de 1,7% ao ano, enquanto que esse crescimento foi de apenas 1,0% ao nível distrital, o que comprova a capacidade de atracção.
- Cidade ferroviária, mantendo a sua ligação umbilical ao caminho-de-ferro e à sua importância como entroncamento de passageiros e mercadorias.
- Cidade militar, pela manutenção de importantes instalações no centro da cidade.
- Cidade formação, oferecendo uma diversidade de opções formativas.
- Cidade retaguarda da Área Metropolitana de Lisboa, dadas as melhorias significativas verificadas no conjunto de acessibilidades ferroviárias, que colocam o Entroncamento a menos de uma hora de Lisboa.
- O concelho do Entroncamento apresenta dos mais elevados índices de consumo e de poder de compra, respectivamente, de 106,5 e 125,5, enquanto ao nível do distrito esses índices se situam apenas em 67,4 e 72,2.
Também o rendimento colectável em sede de IRS é no Entroncamento de cerca de 670 contos contra apenas cerca de 348 contos ao nível distrital.
IV - Razões de ordem político-administrativa
A criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, enquanto concretização do princípio da descentralização administrativa, assenta na vontade das populações abrangidas e visa contribuir para a aproximação da gestão autárquica à população.
Esta nova autarquia local de base permitirá um melhor estudo dos problemas da sua área de influência e contribuirá, por certo, para a melhor e mais participada solução dos mesmos.
Não colidindo as suas repercussões administrativas e financeiras com interesses de ordem geral ou local, a criação da freguesia de Nossa Senhora de Fátima servirá, pelo contrário, como verdadeiro estímulo para o aprofundamento das condições que continuem a possibilitar o desenvolvimento social, económico e cultural da população.
V - Conclusão
A criação, no concelho do Entroncamento, da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, que agora se propõe, assenta na vontade das populações abrangidas, em razões de ordem histórica, geográfica, demográfica, económica e cultural e, bem assim, na sua viabilidade político-administrativa sustentada pelos manifestos interesses locais e pelo facto de, como também já se referiu, as suas repercussões administrativas e financeiras não colidirem com interesses de ordem geral ou local.
Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
É criada a freguesia de Nossa Senhora de Fátima, no concelho de Entroncamento, distrito de Santarém, com sede em Entroncamento.
Artigo 2.º
A actual freguesia designada por freguesia do Entroncamento passará a designar-se por freguesia de S. João Baptista.
Artigo 3.º
Os limites da nova freguesia de Nossa Senhora de Fátima, desmembrada da do Entroncamento e cuja delimitação geográfica se junta em anexo à escala de 1:4000, são os seguintes:
a) A sul, o eixo da linha férrea, designada como "Linha do Norte", com o caminho para Riachos até o cruzamento com o caminho que segue para a Meia Via, 200 metros a oeste da linha férrea;
b) A oeste, pelo citado caminho até ao cemitério da Meia Via,
c) A norte, desde esse ponto em linha recta até ao ponto trigonométrico 87, e desse ponto em linha recta até ao casal Padre Dinis, seguindo a mesma linha até encontrar a Ribeira de Ponte da Pedra;
d) A este, do eixo da linha férrea, designada como Linha do Norte, até encontrar a referida Ribeira da Ponte da Pedra.
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Artigo 4.º
Os limites da proposta freguesia "S. João Baptista", resultantes da criação da nova freguesia de "Nossa Senhora de Fátima", cuja delimitação geográfica se junta em anexo em carta em escala 1:4000, são os seguintes:
a) Os limites a sul, oeste e este, são os definidos no Decreto n.º 12:192/D. Gov. de 25 Agosto 1926;
b) O limite norte, o eixo da linha férrea do norte.
c) A oeste, com o caminho que segue para Riachos;
d) A este, pela Ribeira da Ponte da Pedra, em toda a sua extensão.
Artigo 5.º
1 - A comissão instaladora da nova freguesia será constituída nos termos, no prazo e com as competências previstas no artigo 9.º da Lei n.º 8/93, de 5 de Março.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Câmara Municipal do Entroncamento nomeará uma comissão instaladora constituída por:
a) Um representante da Assembleia Municipal do Entroncamento;
b) Um representante da Câmara Municipal do Entroncamento;
c) Um representante da Assembleia de Freguesia do Entroncamento;
d) Um representante da Junta de Freguesia do Entroncamento;
e) Cinco cidadãos eleitores da área da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, designados de acordo com os números anteriores.
Artigo 6.º
A comissão instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.
Artigo 7.º
A presente lei entra imediatamente em vigor.
Palácio de São Bento, 11 de Setembro de 2001. Os Deputados do PSD: Miguel Relvas - Mário Albuquerque - Luís Marques Guedes.
PROJECTO DE LEI N.º 484/VIII
VALORIZAÇÃO, PROMOÇÃO E QUALIFICAÇÃO DOS TAPETES DE ARRAIOLOS
Data de 1699, numa pauta da Alfândega de Lisboa, a mais antiga referência aos tapetes de Arraiolos. Contudo, os exemplares mais antigos apontam para o começo do seu fabrico no início do século XVII, estando por determinar as suas origens e local de fabrico.
O fabrico destes tapetes atingiu tais dimensões que, no século XVII, levou ao reconhecimento de tal produto como "tapete de Arraiolos", com a qualidade técnica e artística de uma das jóias do artesanato português, reconhecido nacional e internacionalmente.
Dada a sua reconhecida qualidade e importância histórica, a par da ausência de qualquer regulamentação e de parâmetros de qualidade, tem-se verificado ao longo dos últimos 20 anos uma enorme dispersão das zonas de feitura do tapete de Arraiolos, dispersão essa que não tem respeitado as suas características fundamentais. E é assim que se assiste à entrada, em Portugal, de tapetes similares ao tapete de Arraiolos que induzem o consumidor em erro.
Ao mesmo tempo, a tapeçaria em Portugal não tem sido alvo de justificada atenção e investigação/estudo: "(...) a história da tapeçaria em Portugal, ainda que singela e curta, sem grandes fastos gloriosos, é, todavia, um protesto contra o esquecimento e o desprezo em que a deixamos cair" (Sousa Viterbo, 1920). São muitos os exemplares antigos do tapete de Arraiolos expostos por toda a Europa, que também escrevem a história do País.
A afirmação da identidade nacional sai reforçada com a criação de factores competitivos assentes na genuinidade e na diferenciação, com a promoção do desenvolvimento local e turístico, a valorização de profissões e a promoção de emprego qualificado.
Por outro lado, é preciso garantir que este saber e esta técnica se perpetuem pelas gerações vindouras. Esta necessidade é tão mais urgente quanto, segundo alguns especialistas, já se perderam técnicas como a feitura de tapetes com grande densidade de pontos e de pé-de-flor, bem como técnicas de conservação e restauro de tais pontos antigos - os mesmos especialistas que defendem a inovação na produção do tapete como garantia da sua continuidade.
Por todos estes motivos, apresentam os Deputados do Grupo Parlamentar do PS, nos termos legais e constitucionais aplicáveis, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º
Criação
1 - É criada uma pessoa colectiva de direito público a que se dá o nome de Centro do Tapete de Arraiolos.
2 - O Centro do Tapete de Arraiolos tem a sua sede na vila de Arraiolos, podendo abrir delegações em qualquer localidade do território nacional.
Artigo 2.º
Tutela
A tutela do Centro do Tapete de Arraiolos é exercida e repartida, em função das matérias, pelos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Economia e da Cultura.
Artigo 3.º
Atribuições
São atribuições do Centro do Tapete de Arraiolos:
1 - Definir tapete de Arraiolos, através das suas características materiais, decorativas e estéticas.
2 - Organizar o arquivo de todos os tapetes considerados como tapetes de Arraiolos, datados até ao século XX.
3 - Organizar o processo de certificação do tapete de Arraiolos.
4 - Propor legislação adequada à sua defesa.
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5 - Promover estudos de cariz histórico, decorativos e tecnológicos e acções tendentes à promoção e valorização do tapete de Arraiolos.
6 - Criar e registar a marca colectiva "tapete de Arraiolos", e propor os regulamentos de utilização de tal marca.
7 - Identificar e propor as zonas de produção do tapete de Arraiolos.
8 - Promover acções de formação e valorização profissional.
9 - Controlar, certificar e fiscalizar a aplicação das regras de qualidade que definem a marca colectiva "tapete de Arraiolos".
Artigo 4.º
Marca colectiva de certificação
1 - O Centro do Tapete de Arraiolos criará a "Marca colectiva de certificação tapete de Arraiolos", determinará a área geográfica e procederá ao seu registo nacional e internacional.
2 - Na determinação da área geográfica deve atender-se aos usos, história e cultura locais, assim como aos interesses da economia local, regional e nacional.
3 - O Centro do Tapete de Arraiolos proporá, após audição das associações de produtores, os regulamentos de utilização da marca e gerirá a sua aplicação.
4 - Na etiqueta ou selo identificativo da "Marca colectiva de certificação tapete de Arraiolos" será sempre incluído o local de manufactura.
Artigo 5.º
Condições de acesso à marca colectiva de certificação
Apenas os artesãos e as unidades produtivas artesanais que reúnam os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 41/2001, de 9 de Fevereiro, e respectivos regulamentos, terão acesso à marca colectiva de certificação tapete de Arraiolos.
Artigo 6.º
Serviços técnicos
O Centro de Tapetes de Arraiolos criará serviços técnicos próprios, podendo recorrer aos serviços de instituições públicas ou privadas para assegurar o exercício das suas funções.
Artigo 7.º
Órgão consultivo
1 - O Centro de Tapetes de Arraiolos constituirá um órgão de consulta composto, obrigatoriamente, por um representante do IPM, do IPCR, do CITEVE, da Fundação Ricardo Espírito Santo, bem como membros de reconhecida idoneidade técnica ou artística por este nomeados.
2 - Compete ao órgão consultivo dar pareceres técnicos ou artísticos quando solicitados.
Artigo 8.º
Meios financeiros
Constituem receitas do Centro do Tapete de Arraiolos as dotações, para o efeito, previstas no Orçamento do Estado, os rendimentos próprios, doações, heranças ou legados, produtos de prestação de serviços e subsídios ou incentivos.
Artigo 9.º
Disposições finais e transitórias
1 - O Governo nomeará, no prazo de 90 dias, a comissão instaladora do Centro do Tapete de Arraiolos, constituída por um representante de cada Ministério, referidos no artigo 2.º, por um representante a nomear pela ANMP e um representante do movimento associativo do sector a nomear pela comissão nacional do PPART.
2 - A comissão instaladora do Centro do Tapete de Arraiolos proporá ao Governo, no prazo de 180 dias contados a partir da data da sua nomeação, o projecto de estatutos do Centro do Tapete de Arraiolos.
Artigo 10.º
Entrada em vigor
1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2 - As normas com incidência orçamental entram em vigor com o Orçamento do Estado subsequente.
Palácio de São Bento, 19 de Setembro de 2001. Os Deputados do PS: José Alberto Fateixa - Mafalda Troncho - António Braga - Rosalina Martins - José Barros Moura - Isabel Sena Lino - João Sequeira - mais uma assinatura ilegível.
PROPOSTA DE LEI N.º 91/VIII
(ALTERA O REGIME JURÍDICO DOS CRIMES DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA E DE CORRUPÇÃO)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Considerações introdutórias
1 -O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei em epígrafe, que visa introduzir várias alterações no âmbito do crime de tráfico de influência e dos crimes de corrupção.
2 -Quanto ao crime de tráfico de influência, as alterações visam adaptar o direito interno à "Convenção penal sobre a corrupção", do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo a 30 de Abril de 1999, que também sobe a discussão conjunta com a presente proposta de lei, a coberto da proposta de resolução n.º 73/VIII.
3 - No domínio dos crimes de corrupção, o ensejo é o de clarificar e aperfeiçoar o sentido e alcance dos tipos legais de crime, harmonizar o regime previsto para os titulares de cargos políticos com o vigente para os funcionários, ampliar os conceito de funcionário e de titular de cargo político e, ainda, criminalizar a corrupção no sector privado.
4 - Quanto aos crimes de corrupção, ainda é de referir que estas alterações encontram fundamento próximo na "Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados da União Europeia", assinada em Bruxelas a 26 de Maio de 1997, que igualmente sobe a discussão conjunta com a presente proposta de lei, a coberto da proposta de resolução n.º 74/VIII.
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II - Sobre a proposta de lei
5 - O artigo 1.º da proposta de lei visa alterar os artigos 335.º, 372.º, 373.º e 386.º do Código Penal.
6 - No que respeita ao artigo 335.º, o Governo elimina a enumeração exemplificativa dos actos para cuja obtenção se movem as influências, por entender que a mesma protraía uma restrição aos casos de decisões ilegais relativas ao universo das encomendas, e, simultaneamente, alarga a incriminação à venda de influência para a obtenção de uma decisão ilícita (tráfico de influência impróprio).
Consentaneamente com este objectivo, passa a prever-se, na alínea a) do n.º 1, o tráfico de influências para a obtenção de decisão ilícita e, na alínea b), o tráfico de influência para a obtenção de decisão lícita.
Recorde-se que a introdução deste crime no Código Penal ocorreu com a Lei n.º 48/95, de 15 de Março - a redacção actual, contudo, é a da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro -, e visava colmatar eventuais lacunas na incriminação de condutas manifestamente censuráveis e que, sem ele, poderiam escapar à punição por impossibilidade de subsunção a tipos afins ou conexos, designadamente aos de corrupção, de burla e de abuso de autoridade por funcionário.
Não se deixará de acentuar uma preocupação, suscitada pela comparação da actual redacção daquele preceito com a que é proposta.
A redacção actual tipifica vários resultados do crime, todos eles com expressão patrimonial: encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções e benefícios. Todavia, esse elemento que se consubstancia num resultado final de natureza patrimonial está ausente da formulação ora proposta, que se basta com o tráfico de influências para obtenção de uma decisão final favorável, lícita ou ilícita, tenha essa decisão favorável expressão patrimonial para o interessado ou não.
7 - No que respeita ao artigo 372.º, é abolida do n.º 1 a referência à contrapartida entre a vantagem e o acto, por se entender ter sido este conceito alvo de errónea interpretação.
O Governo não refere que interpretação é essa. No entanto, podemos assinalar a diferença de jurisprudência que se regista, por exemplo, nos acórdãos a seguir referidos:
- Acórdão do STJ de 19 de Setembro de 1990, Proc. N.º 40 980/3.ª, por um lado, nos termos do qual "(...) o crime de corrupção só existe e se consuma no momento em que o funcionário venha a receber ou a solicitar o dinheiro ou a vantagem patrimonial como contraprestação (...)", mais considerando "(...) necessária a verificação de dois requisitos: a prática do acto e a promessa ou recebimento do dinheiro ou da vantagem patrimonial (...)";
- Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2001 (in Col. Jur.., Acs. Do STJ, Tomo I, Página 245), por outro lado, nos termos do qual "O crime de corrupção passiva é uma infracção instantânea, que se consuma no próprio momento da prática da conduta ilícita típica, ou seja, no momento em que a pessoa corrupta solicita a vantagem patrimonial ou não patrimonial".
Em todo o caso, é de referir que a alternativa proposta - "para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo", em vez de "como contrapartida de acto ou de omissão contrários aos deveres do cargo" - pode não conduzir aos resultados pretendidos pelo Governo.
O Governo clarifica igualmente a punição quer da corrupção antecedente quer da corrupção consequente, sendo corrupção antecedente aquela em que a promessa ou a dádiva têm lugar antes da conduta do funcionário e subsequente se posterior a essa conduta.
Elimina igualmente o Governo o actual n.º 2 deste artigo, que prevê uma atenuação especial da pena se o funcionário não executar o facto, com o que pretende demonstrar que o crime se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem acompanhado pela demonstração da intenção de praticar um acto ilícito.
8 - No artigo 373.º merece comentário o novo n.º 2, sobretudo na parte em que comina com a pena do crime de corrupção passiva para acto lícito a conduta do funcionário que solicite vantagem de pessoa que venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas.
É certo que isto pressupõe, da parte do funcionário, o conhecimento de que determinada pessoa pode vir a ter pretensão dependente do exercício das suas funções públicas. Parece, contudo, que o funcionário só poderá obter, nessa circunstância, uma promessa de vantagem, pois a pretensão não existe ainda. Sucede que a solicitação de promessa não consta do tipo legal do n.º 2, o que dá origem a alguma dificuldade de compreensão do que o Governo pretende com esta norma incriminatória.
9 - O novo n.º 3 do artigo 386.º e, bem assim, o novo n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos), cumprem a prometida ampliação do conceito de funcionário e de titular de cargo político, respectivamente, de modo a abranger os magistrados do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União Europeia, todos os funcionários da União Europeia e, ainda, os funcionários de outros Estados-membros, quando o crime apresenta alguma conexão com o direito penal português, por ter sido cometido total ou parcialmente em território português.
Esta ampliação decorre do disposto na Convenção mencionada em 4. supra.
10 - As alterações aos artigos 16.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, visam harmonizar as descrições das condutas típicas e das molduras penais dos crimes de corrupção praticados por funcionários, na medida do possível e salvaguardando as especificidades de cada regime, com as dos crimes de corrupção praticados por titulares de cargos políticos.
Igualmente se substitui, no artigo 19.º daquela lei, a isenção de pena pela dispensa de pena, por se tratar de institutos jurídicos diferentes. Por outro lado, quando o titular de cargo político denunciar o crime de corrupção antes de qualquer outro comparticipante não beneficiará de dispensa de pena - actualmente beneficia de isenção de pena - mas de uma atenuação especial da mesma.
11 - O artigo 3.º da proposta de lei adita dois novos artigos ao Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro (infracções anti-económicas e contra a saúde pública), criando os crimes de corrupção no sector privado.
É de referir que o dolo específico destes novos tipos de crime - exige-se a intenção de distorcer a concorrência ou causar prejuízo patrimonial a terceiro - pode criar dificuldades na aplicação da norma.
Parece-nos difícil provar que um administrador corrupto que voluntariamente causa prejuízos à sua empresa o fez com a intenção de provocar distorções à concorrência. Pelo contrário,
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já nos parece muito mais fácil provar a prática de um crime de infidelidade, previsto e punido pelo artigo 224.º do Código Penal.
Ademais é de lembrar que tudo se passa entre entidades do sector privado, e que a entidade prejudicada, em primeiro lugar, será a própria empresa em que o corrupto trabalha ou outra empresa privada.
Assim sendo, parece-nos que o procedimento criminal deveria depender de queixa.
III - Parecer
Pelo exposto, os Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias são de parecer que a proposta de lei n.º 91/VIII está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Assembleia da República, 19 de Setembro de 2001. O Deputado Relator, Narana Coissoró - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e CDS-PP).
PROPOSTA DE LEI N.º 94/VIII
(ESTABELECE MEDIDAS DE COMBATE À CRIMINALIDADE ORGANIZADA E ECONÓMICO-FINANCEIRA)
Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Considerações introdutórias
1 O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei mencionada em epígrafe, que visa estabelecer medidas especiais em matéria de derrogação do sigilo fiscal das entidades financeiras, de registo de voz e de imagem enquanto meio de prova e de perda em favor do Estado das vantagens do crime.
Constata o Governo a insuficiência dos actuais meios de combate à criminalidade organizada e económico-financeira para, a partir daí, tentar criar mecanismos de investigação e de repressão mais eficazes.
É de referir, desde logo, que as medidas aqui propostas visam uma criminalidade específica, na qual a vertente económico-financeira da actividade criminosa alcança a legitimidade de critério definidor da escolha dos tipos de crime aos quais tais medidas se destinam. De facto, o artigo 1.º da proposta de lei refere especificamente tratar-se de "um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado relativo aos crimes de:
a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
b) Terrorismo e organização terrorista;
c) Tráfico de armas;
d) Corrupção passiva e peculato;
e) Branqueamento de capitais;
f) Associação criminosa;
g) Contrabando;
h) Tráfico e viciação de veículos furtados;
i) Lenocínio e lenocínio e tráfico de menores;
j) Contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda.
Por outro lado, é acentuada outra vertente definidora da especificidade dos tipos de crime escolhidos, a saber a forma organizada como são cometidos: com excepção da corrupção passiva e do peculato, na verdade, todos os restantes tipos de crime ou são, pela sua própria natureza, cometidos de forma organizada, ou só serão alvo destas medidas quando demonstrarem serem fruto de uma determinação criminosa organizada (vide n.º 2 do artigo 1.º).
2 Com a presente proposta de lei sobem igualmente à discussão conjunta a proposta de lei n.º 91/VIII (Altera o regime jurídico dos crimes de tráfico de influência e de corrupção) e as propostas de resolução n.º 73/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção penal sobre corrupção, do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo a 30 de Abril de 1999) e n.º 74/VIII (Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados da União Europeia).
II - Sobre os motivos e conteúdo da proposta de lei
a) Sigilo bancário e fiscal:
3 - O denominado sigilo bancário corporiza-se no dever de segredo previsto no artigo 78.º (que tem a seguinte redacção:
Artigo 78.º
(Dever de segredo)
1 Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3 O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços")
do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro. Este dever de segredo impende sobre os "membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional", e "designadamente" abrange "os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias".
O sigilo fiscal vem previsto no artigo 64.º da Lei Geral Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro. O dever de guardar sigilo sobre impende sobre os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária, e compreende "os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal
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que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado".
4 O regime geral de derrogação do segredo bancário para fins de investigação criminal, tal como vem referido na proposta de lei, resulta da conjugação dos artigos 135.º, 181.º e 182.º do Código de Processo Penal com o artigo 79.º, n.º 1, alínea d), do RGICSF.
Nos termos do artigo 181.º do Código de Processo Penal, o juiz de instrução pode proceder à apreensão de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos depositados em bancos ou outras instituições de crédito, mesmo que em cofres individuais, quando houver fundadas razões para crer que estão relacionados com um crime e se revelarão de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.
Aos membros de instituições bancárias assiste o direito de se recusarem a apresentar tais elementos invocando o sigilo profissional, nos termos do disposto no artigo 182.º do Código de Processo Penal, e à autoridade judiciária perante a qual o incidente se suscitar assiste o direito de sindicar a legitimidade da escusa, cabendo sempre ao tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado - ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao plenário das secções criminais - decidir da apresentação de tais elementos com quebra de sigilo profissional, sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante.
O mesmo regime abrange o sigilo dos funcionários da administração fiscal.
5 A derrogação do sigilo bancário, como é sabido, foi matéria abordada na reforma fiscal do final do ano transacto.
A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, trouxe importantes alterações à LGT nesta matéria, prevendo-se, nomeadamente:
a) A possibilidade de acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou outro, no âmbito da acção inspectiva da administração fiscal (alterações ao artigo 63.º);
b) A obrigação de comunicação automática de informações relativas a operações financeiras por parte das entidades bancárias, respeitados os pressupostos e requisitos legais (novo artigo 63.º-A);
c) O direito de acesso directo da administração tributária aos documentos bancários do contribuinte nos casos e circunstâncias previstos na lei, nomeadamente quando existam indícios da prática de crime doloso em matéria tributária (novo artigo 63.º-B).
Correspondentemente, foi criado um processo especial destinado a regular a derrogação do dever de sigilo bancário, com a introdução, pela referida lei, no Código de Procedimento e Processo Tributário dos artigos 146.º-A a 146.º-D.
Finalmente, o artigo 90.º do novo Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, comina com a prática de crime de desobediência qualificada a não obediência a ordem ou mandado emanado de entidade competente em matéria de derrogação de sigilo bancário.
Com o regime geral de derrogação do segredo bancário para fins de investigação criminal coexistem, além do regime específico de derrogação do segredo bancário para efeitos fiscais, outros regimes especiais, dos quais se dá conta sumária:
- O regime previsto no artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (Lei da droga), que exclui a possibilidade de invocação do segredo profissional quando esteja em causa tráfico de estupefacientes ou branqueamento de capitais resultantes do tráfico;
- O regime da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro (Medidas de combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira);
- O Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, que prevê que as denúncias de transacções suspeitas prestadas de boa-fé não constitui violação de sigilo bancário.
Com as alterações propostas o Governo pretende tornar operativo um regime de derrogação do sigilo bancário e fiscal, sobretudo para efeitos da investigação do crime organizado e económico-financeiro.
6 - A primeira alteração vem prevista no artigo 2.º da proposta de lei, nos termos do qual o segredo bancário e fiscal deverá ceder sempre que houver razões para crer que as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade (n.º 1), dependendo apenas de ordem da autoridade judiciária titular da direcção do processo (n.º 2).
Esta é, segundo o Governo, uma das mais importantes alterações do novo regime, pois o magistrado do Ministério Público (ou, por sua delegação, a Polícia Judiciária) que tiver a direcção do processo passa a poder solicitar informações directamente às entidades financeiras e à administração fiscal.
Outra alteração é a possibilidade de o despacho que identifica as pessoas abrangidas pela derrogação do sigilo bancário e fiscal assumir forma genérica quando a especificação das informações a prestar e documentos a entregar não seja possível (n.º 3) e, além disso, quando se trate de informações relativas a arguido no processo ou de pessoa colectiva. Nestes casos, o despacho assume sempre a forma genérica (n.º 4).
Por despacho genérico entende o Governo o despacho que abrange todas as informações que são necessárias à investigação, prescindindo-se assim de novo despacho para cada conta ou para cada transacção relativamente às quais se pretendam informações. A justificação da forma genérica enquanto regra para os pedidos que respeitem a pessoa colectiva prende-se com a consideração que, quanto a estas, não valem as mesmas razões para a protecção de informações que valem quanto a pessoas singulares.
O artigo 3.º da proposta regula a tramitação do pedido de derrogação do sigilo bancário.
O artigo 4.º da proposta de lei introduz na ordem jurídica um novo mecanismo de investigação, o controlo de contas bancárias, nos termos do qual a instituição bancária é obrigada a comunicar quaisquer movimentos sobre a conta à autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, no prazo de 24 horas (n.º 1). Este mecanismo, também previsto no Protocolo adicional à Convenção de cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia, é autorizado ou ordenado, consoante os casos, por despacho do juiz, quando tiver grande interesse para a descoberta da verdade (n.º 2). Este despacho pode ainda incluir a obrigação de suspensão de movimentos, quando tal seja necessário para prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais (n.º 3).
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Finalmente, o artigo 5.º prevê que as pessoas obrigadas ao sigilo bancário e ao sigilo fiscal ficam sujeitas a segredo de justiça quanto aos actos previstos nos artigos 2.º a 4.º de que tomem conhecimento, não podendo divulgá-los às pessoas cujas contas são controladas ou sobre as quais foram pedidas informações ou documentos.
b) Registo de voz e de imagem:
7 - Outra matéria que é objecto de regulamentação inovatória nesta proposta de lei diz respeito à possibilidade de utilizar as reproduções mecânicas de voz e imagem (registos fotográficos, cinematográficos, fonográficos e outros) no âmbito da investigação dos crimes abrangidos pela proposta de lei, mesmo que sem consentimento do visado (artigo 6.º). Significa isto que tais elementos de investigação passam a poder ser utilizados como prova, desde que previamente autorizada ou ordenada pelo juiz a sua produção. c) Perda das vantagens do crime em favor do Estado:
8 - A última matéria que a proposta de lei regula especialmente quanto aos crimes pela mesma abrangidos é a da perda das vantagens do crime em favor do Estado.
9 - O artigo 7.º da proposta de lei dispõe que, em caso de condenação pela prática daqueles crimes, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (n.º 1). O n.º 2 fornece uma definição de património do arguido para efeitos deste diploma, que suscita algumas dúvidas.
Desde logo, constitui património do arguido, entre outros, o conjunto de bens relativamente aos quais ele tenha o domínio e o benefício, mesmo que não estejam na sua titularidade (artigo 2.º, alínea a)).
Podem suscitar-se aqui problemas, com a perda a favor do Estado, de bens sujeitos a registo que estejam na titularidade de outra pessoa que não o arguido. Se um determinado bem imóvel está registado em nome de terceiro, mas o arguido tem o domínio desse bem, pode a presunção de que tal bem foi obtido de forma ilícita pelo arguido prevalecer sobre as presunções derivadas do registo, assim se determinando a sua perda em favor do Estado?
Aparentemente, sim.
Presume-se que integram igualmente o património do arguido os bens transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido e, ainda, os bens recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que se não consiga determinar o seu destino (alíneas b) e c)).
Note-se que a latitude da definição do património presumido do arguido parece contender com as regras gerais do artigo 111.º, que expressamente salvaguardam os direitos de terceiros de boa fé (n.º 2 do artigo 111.º) e, além disso, restringem a aplicação da perda das vantagens do crime ao primeiro elo da cadeia de trocas e transacções, ou seja, à primeira operação realizada com a vantagem do crime.
10 Nos termos do disposto no artigo 9.º da proposta de lei, é ao arguido que assiste a faculdade de provar que os bens que constituem o seu património, de acordo com o n.º 2 do artigo 7.º, têm proveniência lícita. Não se prevê ali a possibilidade de os titulares inscritos de bens que lhes tenham sido transferidos gratuitamente pelo arguido no período de cinco anos anterior à constituição como arguido provarem a licitude da aquisição desses bens por parte deste.
Porque não se lhes dá essa possibilidade, salvaguardando-os assim das consequências negativas de uma eventual inacção do arguido nesta matéria?
Por outro lado, e tal como está formulada, a presunção atinge igualmente os bens que o arguido tenha adquirido mortis causa, isto é, por via sucessória, e tenha posteriormente alienado. Neste caso, talvez seja de entender que nenhum fundamento subsiste para pôr em causa a licitude da aquisição de tais bens pelo arguido e sua posterior alienação.
11 Prevê ainda o artigo 10.º da proposta de lei a possibilidade de arresto dos bens do arguido, para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º - ou seja, a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
Este preceito suscita duas interrogações.
A primeira diz respeito ao que se deve entender por bens do arguido: serão os bens que comprovadamente são propriedade do arguido, ou serão os bens que integram o património do arguido, entendido este no sentido lato do n.º 2 do artigo 7.º?
A segunda decorre, de algum modo, da primeira: suscitando-se controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados nos termos deste preceito, deve o juiz remeter a decisão para o tribunal civil? Ou dever-se-á entender que tal remessa contraria o disposto neste novo regime, estando assim vedada pelo disposto no n.º 3 do artigo 11.º da proposta de lei?
Caso se entenda que a controvérsia sobre a propriedade dos bens é susceptível de justificar a remessa dessa questão para o tribunal civil - mantendo-se, em todo o caso, o arresto decretado (artigo 227.º, n.º 4, do Código de Processo Penal) - parece então que os terceiros eventualmente lesados pela presunção legal só terão oportunidade de defenderem directamente os direitos sobre os seus bens caso os mesmos venham a ser arrestados no decurso do processo.
Talvez não seja a solução mais equilibrada.
III - Parecer
Pelo exposto, e não obstante as dúvidas suscitadas, os Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias são de parecer que a proposta de lei n.º 94/VIII está em condições de subir a Plenário para discussão na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.
Assembleia da República, 19 de Setembro de 2001. O Deputado Relator, Narana Coissoró - O Presidente da Comissão, Jorge Lacão.
Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade (PS, PSD, PCP e CDS-PP).
PROPOSTA DE LEI N.º 100/VIII
AUTORIZA O GOVERNO A LEGISLAR SOBRE O REGIME JURÍDICO DA ACÇÃO EXECUTIVA E O ESTATUTO DA CÂMARA DOS SOLICITADORES
Exposição de motivos
Os processos de execução previstos no actual Código de Processo Civil, e em legislação processual avulsa ou em outras sedes, não asseguram uma justiça rápida e eficaz.
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Os atrasos das execuções por parte dos órgãos jurisdicionais traduzem-se numa verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o princípio constitucional do Estado de direito democrático e o direito de acesso à justiça.
A gravidade da situação actual, traduzida em condenações junto do Tribunal Europeu dos Direitos de Homem, levou o Governo a solicitar ao Observatório Permanente da Justiça Portuguesa a elaboração de um relatório, o qual identificou as causas e os factores de bloqueio da acção executiva em Portugal, expôs as soluções legislativas que outros países europeus encontraram para o mesmo tipo de problemas e adiantou algumas propostas alternativas para romper com o actual ciclo vicioso.
Resultado de um intenso debate público, que envolveu não só os sectores institucionais da justiça portuguesa como também as universidades, especialistas internacionais e uma pluralidade de interessados, a presente proposta de lei e a futura legislação governamental autorizada fornecem elementos importantes que garantem uma profunda alteração dos processos de execução em Portugal.
O paradigma actual assenta na centralização judicial do processo executivo de acordo com regras precisas constantes do Código de Processo Civil e de legislação avulsa.
O repto da reforma ora empreendida move-se entre a necessidade de criar novas figuras que libertem dos tribunais uma massa significativa de processos de execução, e o cumprimento das garantias constitucionais de defesa do executado. O desiderato em questão só pode ser atingido através da criação de um sistema de equilíbrios que envolva todos os intervenientes no processo executivo de forma a que uma justiça certa e rápida se conjugue com os propósitos da segurança jurídica.
O objectivo descentralizador do processo, integrado num contexto global de desjudicialização, resulta na atribuição de poderes até agora na titularidade do juiz, a agentes de execução - oficiais de justiça afectos a secretarias de execução e a solicitadores de execução - e a conservadores do registo predial, mantendo na esfera jurisdicional a competência para decidir, nomeadamente, das oposições à penhora e à execução e dos recursos dos actos praticados por conservadores.
Desta forma, a proposta de lei insere a criação de secretarias de execução, enquanto serviços autónomos com competência para proceder às diligências necessárias à tramitação do processo, independente de acto do juiz.
No caso dos solicitadores de execução, a proposta de lei garante que os actos praticados no domínio do processo comum de execução respeitam a títulos executivos que impliquem a intervenção prévia dos tribunais ou de notários. Eliminam-se, assim, eventuais riscos de a desjudicialização funcionar como elemento de insegurança nas relações jurídicas.
A intervenção judicial nos processos de execução será exercida através de magistrados judiciais afectos a tribunais ou juízos de execução, o que contribuirá para uma maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça.
A realização da penhora por agentes de execução constitui, igualmente, uma importante inovação, na medida em que uma parte significativa dos atrasos nas execuções se verificam neste momento processual. As garantias do executado mantêm-se inalteradas através do direito que lhe assiste de se opor à penhora.
A venda de bens imóveis e o processo especial de execução hipotecária, ambos a realizar em conservatórias do registo predial, libertam os tribunais da prática de actos instrumentais de administração da justiça, atribuindo-os a entidades mais aptas para a realização destes actos processuais. O sistema proposto não afecta direitos ou garantias, na medida em que dos actos do conservador cabe recurso para o juiz de instrução.
Cabe, também, referir que os bons resultados desta reforma envolvem a necessidade de dotar os agentes de execução de meios para conhecer os bens do executado, prevendo-se a possibilidade de consulta de bases de dados fiscais, mediante prévia autorização do juiz, e de outras bases de dados com informação relevante.
A par desta medida entende-se que deve constar de base de dados criada para o efeito, o conjunto de pessoas sem património conhecido e que, por essa razão, tenham frustrado créditos.
A proposta contempla, ainda, alterações de vulto ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Tal torna-se necessário, em primeiro lugar, para regular a formação e o acesso à especialidade de solicitador de execução, de seguida porque urgia reestruturar o sistema de órgãos da Câmara e a matéria disciplinar atendendo às novas exigências da profissão e às exigências de serviço público que dela decorrem.
Assim, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º
Objecto
1 - Fica o Governo autorizado a rever os seguintes diplomas legais:
a) Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, n.º 180/96, de 25 de Setembro, n.º 375-A/99, de 20 de Setembro, n.º 183/2000, de 10 de Agosto, e pela Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro;
b) Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 8/99, de 8 de Janeiro;
c) Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro;
d) Outros diplomas cuja necessidade de modificação decorra da alteração dos diplomas referidos nas alíneas anteriores.
2 - O sentido e a extensão das alterações a introduzir resultam dos artigos subsequentes.
Artigo 2.º
Tribunais ou juízos de execução
1 - Fica o Governo autorizado a criar tribunais ou juízos de execução.
2 - No âmbito de processo de execução, compete ao juiz decidir sobre:
a) A oposição à execução e à penhora, bem como a impugnação e a graduação de créditos;
b) Os recursos dos actos do conservador;
c) A inscrição em base de dados de pessoas sem património conhecido;
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d) Proferir despacho liminar nas execuções de títulos particulares sem assinatura reconhecida;
e) As questões suscitadas pelo oficial público de execução, pelas partes, por terceiros ou pelo conservador;
f) A cominação de sanções pela prática de actos processuais dilatórios.
Artigo 3.º
Secretarias de execução
1 - Fica o Governo autorizado a criar secretarias de execução com competência para, através de oficiais de justiça, efectuar as diligências necessárias à tramitação do processo comum de execução.
2 - O oficial de justiça deve solicitar a intervenção do juiz quando:
a) Existam dúvidas sobre a suficiência do título executivo;
b) Entenda verificar-se a existência de excepções dilatórias de conhecimento oficioso;
c) Entenda ser manifesta a ausência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda.
3 - O oficial de justiça pode requerer ao juiz o auxílio da força pública, devendo fazê-lo quando encontre as portas do imóvel fechadas ou lhe seja oposta alguma resistência.
Artigo 4.º
Solicitador de execução
1 - Fica o Governo autorizado a criar a figura do solicitador de execução com competência para praticar os actos necessários a dar início e a assegurar o andamento dos processos comuns de execução baseados em:
a) Decisão judicial ou arbitral;
b) Requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória;
c) Documento exarado ou autenticado por notário, ou documento particular, com reconhecimento presencial da assinatura do devedor.
2 - O solicitador de execução pode requerer ao juiz o auxílio da força pública, devendo fazê-lo quando encontre fechadas as portas do imóvel ou lhe seja oposta alguma resistência.
Artigo 5.º
Competências do conservador
Fica o Governo autorizado a atribuir competência aos conservadores do registo predial para:
a) Executar, em processo especial de execução hipotecária, obrigação líquida ou liquidável por simples cálculo aritmético, e garantida por hipoteca sobre bem imóvel, baseada em sentença judicial, documento autêntico ou particular legalmente equiparável;
b) Efectuar a venda de imóveis nas conservatórias, por meio de propostas em carta fechada.
Artigo 6.º
Forma do processo
Fica o Governo autorizado a criar uma única forma de processo comum de execução, e a forma especial de processo de execução hipotecária.
Artigo 7.º
Acesso a bases de dados
Fica o Governo autorizado a permitir a consulta por agentes de execução de bases de dados fiscais, mediante prévia autorização judicial, e das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo ou de outros registos ou arquivos que disponham de idêntica informação, para assegurar a realização da penhora.
Artigo 8.º
Elaboração de bases de dados de pessoas sem património conhecido
1 - Fica o Governo autorizado a prever a elaboração de bases de dados de pessoas sem património conhecido, identificando a pessoa, o processo e o valor da execução, sempre que:
a) O condenado no pagamento de quantia certa seja notificado para indicar bens para penhora e não faça qualquer declaração ou declare que não possui qualquer bem penhorável;
b) O agente de execução não encontre bens penhoráveis e nem o exequente, nem o executado, procedam à sua identificação após notificados para indicar bens à penhora.
2 - A inscrição na base de dados de pessoas sem património conhecido opera por despacho judicial.
3 - É sempre possível a quem conste das bases de dados referidas no n.º 1 requerer a sua eliminação ou a introdução de correcções.
4 - Das bases de dados referidas no n.º 1 devem constar, igualmente, os falidos e, bem assim, os executados em processo de trabalho em relação aos quais não tenham sido encontrados bens penhoráveis.
Artigo 9.º
Penhora
Fica o Governo autorizado a permitir que a penhora seja realizada por agente de execução, independentemente de despacho judicial ou citação prévia do executado, sem prejuízo do despacho liminar previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º.
Artigo 10.º
Venda nos depósitos públicos
Fica o Governo autorizado a determinar que os bens removidos para depósitos públicos sejam aí vendidos.
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Artigo 11.º
Apensação de processos
Fica o Governo autorizado a determinar a apensação do processo declarativo onde a decisão haja sido proferida ao processo de execução, salvo em casos de recurso.
Artigo 12.º
Alterações às competências do Ministério Público
Fica o Governo autorizado a proceder à alteração das competências da magistratura do Ministério Público em matéria de promoção de execuções, no que se mostre necessário para assegurar a coerência com as alterações propostas no presente diploma.
Artigo 13.º
Alterações quanto à execução por coimas, custas e taxas de justiça
Fica o Governo autorizado a proceder à adaptação das execuções pelo não pagamento de coimas, custas e taxas de justiça para assegurar a coerência com as alterações propostas no presente diploma.
Artigo 14.º
Recusa de prestação de informações
Fica o Governo autorizado a criminalizar o comportamento do devedor que ilegitimamente recuse fornecer informações, ou dê informações falsas sobre o seu património necessárias aos fins da execução, em termos equivalentes, quanto aos pressupostos e à moldura penal, previstos no artigo 360.º do Código Penal.
Artigo 15.º
Alterações ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores
Fica o Governo autorizado a alterar o Estatuto da Câmara dos Solicitadores com o seguinte sentido e extensão:
a) Modificar a estrutura institucional da Câmara de forma a incluir como órgãos nacionais o Congresso, a Assembleia Geral, o Presidente da Câmara dos Solicitadores, o Conselho Superior Deontológico, o Conselho Geral, e a Assembleia de Delegados, e como órgãos regionais as Assembleias Regionais, o Presidente Regional, as Secções Regionais Deontológicas e os Conselhos Regionais;
b) Criar Colégios da Especialidade;
c) Modificar o âmbito geográfico das delegações da Câmara, fazendo-as coincidir com a área dos distritos judiciais;
d) Estabelecer a capacidade eleitoral passiva na eleição para o órgão Presidente da Câmara a solicitador com inscrição em vigor há 10 anos;
e) Regular a apresentação de candidaturas e determinar a eleição pelo sistema de representação proporcional dos titulares dos respectivos órgãos colegiais;
f) Determinar a obrigatoriedade do voto e o seu exercício por meios informáticos;
g) Determinar que a perda de mandato como solicitador se verifica, também, quando este faltar a mais de três reuniões seguidas ou reuniões interpoladas durante o mandato do órgão da Câmara respectivo, e nos casos em seja disciplinarmente punido com pena superior à de multa, ou com duas ou mais penas disciplinares de multa ou de gravidade inferior;
h) Admitir a figura da escusa ou renúncia à titularidade de órgãos da Câmara;
i) Prever que os Conselhos Regionais atribuam às delegações de círculo uma percentagem do montante recebido das quotas dos solicitadores;
j) Prever que elaboração de uma lista de solicitadores permanentemente actualizada em suporte informático;
l) Regulamentar a inscrição de solicitadores nacionais dos Estados pertencentes à União Europeia, bem como de nacionais de outros Estados;
m) Restringir o direito de inscrição na Câmara aos candidatos que possuam idoneidade moral, não tendo sido condenados pela prática de determinados crimes e não tenham sido sujeitos a pena disciplinar superior a multa no exercício das funcionário público ou equiparado, advogado ou membro de qualquer associação pública;
n) Restringir, ainda, o direito de inscrição na Câmara aos candidatos que estejam abrangidos por incompatibilidades, aos que não estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e a quem esteja declarado falido ou insolvente;
o) Determinar que o solicitador que venha a requerer nova inscrição na Câmara, após mais de cinco anos de suspensão, seja sujeito a exame especial, podendo ter de frequentar novo estágio;
p) Prever, no âmbito do estágio, a presença documentada dos estagiários em julgamentos, a elaboração de relatórios e a realização de um exame de carácter nacional elaborado por uma comissão designada pelo Conselho Geral;
q) Estabelecer que os solicitadores de execução devem contar com três anos de exercício da profissão nos últimos cinco, ter frequentado um curso de formação especial organizado pela Câmara, obtendo aprovação num exame final, prestando provas perante um júri pluridisciplinar;
r) Estabelecer um regime de incompatibilidades do solicitador de execução;
s) Definir, em sede de impedimentos do solicitador de execução, dos seus sócios ou daqueles com quem partilhe escritório assumir mandato judicial por conta daqueles contra quem haja promovido processo executivo, durante o período de um ano, a promoção do processo de execução, quando tenham participado, através de mandato judicial ou outro, em qualquer acto que tenha contribuído para a obtenção, ou quando lhe seja apresentada em conexão com outra questão no âmbito da sua actividade profissional, a promoção da execução quando exista vínculo familiar ou contratual com o exequente ou executado, a
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promoção da execução quando exista ou tenha existido mandato, judicial ou outro, do executado que possa prejudicar a sua isenção e imparcialidade;
t) Criar a conta-cliente do solicitador e do solicitador de execução;
u) Determinar a obrigatoriedade de os solicitadores de execução aplicarem as tarifas a aprovar pelo Ministro da Justiça;
v) Determinar que o solicitador de execução deve ter contabilidade organizada de acordo com regulamentação aprovada pela Câmara, seguro de responsabilidade profissional e conservar em arquivo, durante 10 anos, os documentos relativos à execução;
x) Criar uma caixa de compensações dos solicitadores para compensar as deslocações efectuadas pelos solicitadores de execução, cujo saldo remanescente é utilizado na formação dos solicitadores e candidatos à especialidade de solicitador de execução;
z) Determinar os órgãos competentes da Câmara para dispensar o segredo profissional;
aa) Modificar a moldura da pena de multa para um mínimo de 500 euros a um máximo de 25 000 euros;
bb) Determinar que a suspensão dos solicitadores de execução seja inscrita em lista divulgada por meios informáticos;
cc) Determinar que os tribunais devem comunicar à Câmara as condenações e os despachos de pronúncia emitidos contra solicitadores;
dd) Exigir que a elaboração de propostas de alteração dos estatutos seja aprovada por dois terços dos solicitadores presentes na Assembleia Geral.
Artigo 16.º
Duração
A autorização concedida pela presente lei tem a duração de 180 dias.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 13 de Setembro de 2001. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres - O Ministro da Presidência, Guilherme Waldemar Pereira d'Oliveira Martins - O Ministro das Finanças, Guilherme Waldemar Pereira d'Oliveira Martins - O Ministro da Administração Interna, Henrique Nuno Pires Severiano Teixeira - O Ministro da Justiça, António Luís Santos da Costa - O Ministro da Economia, Luís Garcia Braga da Cruz - O Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Paulo José Fernandes Pedroso.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 149/VIII
ESTABELECE MEDIDAS A FAVOR DA REGULAÇÃO DOS FLUXOS INTERNACIONAIS DE CAPITAIS E DA "TAXA TOBIN"
Ao longo dos últimos anos o processo de globalização tem sido objecto de múltiplas interpretações, e os governos e organismos internacionais têm sido confrontados com escolhas fundamentais nesse contexto. Depois do fracasso do projectado Acordo Multilateral sobre os Investimentos, instituições como a OMC, o FMI e o Banco Mundial têm sido submetidas a críticas que sugerem novas abordagens de estratégias de desenvolvimento.
Essas críticas têm sido desenvolvidas tanto por protagonistas destas instituições, como o vice-governador do Banco Mundial, Joseph Siglitz, que se demitiu em demonstração de desacordo com a política seguida pelo Banco e pelo FMI em relação aos países em desenvolvimento, quanto pelos grandes movimentos de manifestações em favor de uma "globalização com democracia".
Na sequência da gigantesca manifestação de Génova, vários chefes de Estado e dirigentes de organizações internacionais defenderam a necessidade de um novo diálogo. Do mesmo modo, a OCDE tem vindo a defender a regulação dos paraísos fiscais, o combate ao branqueamento de capitais e à evasão fiscal que penaliza fortemente diversas sociedades. Nesse contexto, a União Europeia vai também discutir a aplicabilidade de novas medidas de regulação da circulação de capitais.
Vários governos e organizações internacionais adoptaram, a esse respeito, a recomendação de que seja aplicado um imposto marginal às transações nos mercados internacionais de divisas. O autor original desta proposta, o Professor James Tobin, detentor do Prémio Nobel de Economia, sugeriu que tal imposto - a "taxa Tobin" - fosse fixado entre 0,5% e 0,1%, sendo cobrado no local da emissão de cada ordem de compra e revertendo para um fundo a ser gerido por um organismo mundial, como a ONU ou o FMI. Assim sendo, o imposto incidirá predominantemente sobre os capitais especulativos de curto prazo e não sobre o investimento.
Considerando que tal decisão só é plenamente aplicável se adoptada e concretizada nos principais mercados - os do G7, a Suíça, Hong Kong, Singapura -, a União Europeia pode e deve tomar a iniciativa de promover o debate e a negociação internacional que permitam concretizar uma nova abordagem do combate à globalização selvagem e desregulada, e que permita, em contrapartida, globalizar direitos humanos, o emprego, o acesso aos bens essenciais, incluindo o conhecimento e as oportunidades de uma vida digna.
A Assembleia da República recomenda ao Governo que proponha e defenda nas instâncias da União Europeia iniciativas para a realização de estudos e do debate que viabilize um acordo internacional para a aplicação da "taxa Tobin" e de outras medidas de regulação da globalização.
Palácio de São Bento, 19 de Setembro de 2001. Os Deputados: do BE: Fernando Rosas - Luís Fazenda.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 150/VIII
PRONUNCIA-SE SOBRE A UTILIZACÃO DA BARRAGEM DO ALQUEVA E A OPORTUNIDADE PARA O DESENVOLVIMENTO DO ALENTEJO QUE ELA REPRESENTA
Considerando que a apresentação do projecto de lei n.º 383/VIII, do Partido Comunista Português, visando a reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, e o anúncio recente de legislação do Governo sobre a mesma matéria e assuntos correlativos coloca a urgente necessidade de realizar um debate acerca das linhas de política geral a definir sobre tão importante questão;
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Considerando que desde finais do século XIX e ao longo do século XX personalidades públicas, trabalhadores rurais e suas associações de classe, forças políticas, técnicos e estudiosos da questão agrária postularam de diferentes formas a reestruturação fundiária e a reconversão cultural da agricultura latifundiária alentejana em ligação com a rega;
Considerando que este propósito se mantém actual devido quer à reconstituição das grandes explorações extensivas de sequeiro, novamente concentradas nas mãos de um pequeno número de grandes proprietários, quer ao impasse económico e social da agricultura alentejana, com terras ao abandono e totalmente dependente de subsídios comunitários e de uma PAC que fomentam o parasitismo e o bloqueio da modernização agrícola;
Considerando que o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, ao criar no Alentejo uma das maiores reservas de água da Europa, realiza uma aspiração mais do que secular quanto às possibilidades de iniciar um novo ciclo de desenvolvimento económico e de justiça social na região e no País, assente na irrigação e na modernização agrícola, na normalização do abastecimento de água às populações, no aumento da capacidade energética e no fomento do turismo, o que representa um investimento de cerca de 400 milhões de contos, dos quais 62,5% são financiados pelos contribuintes portugueses;
Considerando que a salvaguarda do interesse público deste investimento e da adequada utilização da água passa pela clara definição dos objectivos estratégicos essenciais que presidem ao conjunto do empreendimento na suas várias dimensões;
Considerando que a existência de água, só por si, como o demonstra a experiência histórica da rega do Alentejo, não garante a realização dos objectivos anteriores e que, consequentemente, é indispensável adoptar medidas reguladoras públicas, medidas que, nomeadamente, evitem a perversão económica, social, ambiental e patrimonial dos objectivos do empreendimento, designadamente transformando-o num instrumento preferencial dos grupos turísticos e dum turismo radicalmente desadequado ao contexto ambiental, patrimonial e paisagístico alentejano, reduzindo a componente agrícola a um aspecto secundário e de lenta e parcial concretização, dominado pelas multinacionais do regadio intensivo e do trabalho semi-escravo (uma extensão da Andaluzia espanhola ou uma variante califomiana do capitalismo selvagem) ou pela especulação fundiária em benefício dos grandes agrários ou dos especuladores imobiliários, tudo com as mais graves consequências económicas, sociais, ambientais e no esgotamento dos solos;
Considerando que a divulgação atempada e ampla dos principais instrumentos de ordenamento e planeamento regional ligados ao empreendimento é fundamental na defesa dos seus objectivos estratégicos, bem como a participação democrática das populações, autarquias, associações ambientais e outras na definição, debate e fiscalização dos mesmos;
A Assembleia da República resolve, nestes termos, recomendar a adopção dos seguintes princípios de política geral para o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva:
1 - São objectivos estratégicos essenciais do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva os seguintes:
a) Criar uma nova agricultura de qualidade, economicamente rentável e que utilize as terras agrícolas de forma compatível com a defesa do ambiente e a preservação dos recursos naturais, cinegéticos e dos solos;
b) Gerar emprego estável e com direitos e assegurar a justiça social, desde logo no quadro de uma divisão e distribuição das terras incluídas no perímetro de rega;
c) Assegurar para o conjunto dos empreendimentos agrícolas e não agrícolas, designadamente turísticos, sistemas de ocupação do território que assegurem a defesa e melhoria do ambiente e da paisagem, o equilíbrio agro-ambiental e a preservação e valorização do património histórico e cultural;
d) Garantir o princípio da minimização dos efeitos negativos ambientais e patrimoniais e da respectiva compensação e regeneração à escala da destruição prevista pela realização do empreendimento.
2 - A utilização prioritária da água para fins agrícolas no Perímetro de Rega do Alqueva é indissociável de um processo de reestruturação fundiária a empreender sob a iniciativa do Estado. A nova estrutura agrária assentará na definição dos limites máximos de propriedade e de superfície a explorar considerados como mais adequados aos diversos sistemas culturais adoptados ou a adoptar. A nova estrutura agrária é condição essencial à optimização do aproveitamento dos recursos, à criação de emprego e melhoria das condições de vida de uma nova população agrícola a fixar e de uma agricultura de média dimensão, rentável, de qualidade e ecologicamente segura.
3 - O arrendamento e distribuição de terras que decorre do processo de reestruturação fundiária deve estar intimamente ligado a um processo de reconversão cultural, no sentido de as novas explorações, mediante o estímulo de sistemas de fiscalidade próprios, de linhas de financiamento preferenciais adequadas ou de outros condicionalismos a estabelecer, se orientarem para a criação de sistemas culturais de qualidade, economicamente rentáveis, ecologicamente seguros e preservadores dos recursos dos solos.
4 - A entidade pública reguladora do processo de reestruturação fundiária e de reconversão cultural terá a possibilidade de sancionar os arrendatários ou concessionários de terras que utilizem sistemas de culturas delapidadoras do solo ou do ambiente, que não utilizem a água, as obras de aproveitamento hidroagrícola ou as suas explorações para os fins previstos, ou que não respeitem a legislação de trabalho, indo até à revogação dos contratos de cedência do uso da terra.
5 - Os empreendimentos turísticos e outras iniciativas não agrícolas a autorizar no quadro dos planos regionais de ordenamento das albufeiras, da zona envolvente do Alqueva, da bacia do Guadiana ou dos planos directores municipais obedecerão rigorosamente aos princípios da salvaguarda e melhoria do meio ambiente, da paisagem e do património histórico-cultural da região e do uso racional e adequado da água.
6 - O processo de enchimento da barragem do Alqueva deve fazer-se gradualmente, por forma a procurar conciliar a progressiva adopção das várias valências do empreendimento com prevalência para a vertente da rega, a necessidade de proceder ao respectivo balanço e uma adequada desmatação e desarborização feitas ao ritmo do enchimento, poupando a destruição imediata e massiça de vastas áreas de habitats prioritários e espécies ameaçadas ou em vias de extinção e de parte do rico património histórico da região.
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7 - Cabe ao Estado, através das empresas públicas por ele constituídas para o efeito, gerir a construção e exploração de infra-estruturas dos sistemas primário de captação e distribuição de água, bem como as do sistema secundário de rega, podendo a gestão destas últimas ser concessionada a associações de beneficiários, autarquias ou outras instituições públicas. O preço final da água destinada a uso agrícola deve ser determinado pelo Governo de acordo com os objectivos de assegurar um seu consumo racional e adequado, bem como de contribuir para a viabilização e estabilização das explorações agrícolas resultantes do processo de reestruturação fundiária e reconversão cultural.
8 - É urgente actualizar, apressar e abrir à efectiva participação dos cidadãos os processos de preparação dos planos regionais de ordenamento que se prendem com o empreendimento do Alqueva, boa parte dos quais se arrastam numa política de pouca transparência, generalidades e indefinição. A audição da Comissão de Acompanhamento Ambiental das Infra-estruturas do Alqueva (CAAIA) e das diversas organizações ambientalistas, bem como de outras estruturas representativas das populações, e a publicação de dados e projectos actualizados são condições prioritárias para o indispensável e já tardio debate público a promover em torno do Alqueva.
Palácio de São Bento, 19 de Setembro de 2001. O Deputado do BE, Fernando Rosas.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.