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0001 | II Série A - Número 005S | 10 de Maio de 2002
Sexta-feira, 10 de Maio de 2002 II Série-A - Número 5
IXLEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003
SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Mensagem do Presidente da República:
Sobre questões relativas ao relacionamento institucional entre a Assembleia da República e o Presidente da República no domínio do processo legislativo parlamentar, acompanhada dos pareceres dos Professores Freitas do Amaral, Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Miguel Galvão Teles e Vieira de Andrade.
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MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
SOBRE QUESTÕES RELATIVAS AO RELACIONAMENTO INSTITUCIONAL ENTRE A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E O PRESIDENTE DA REPÚBLICA NO DOMÍNIO DO PROCESSO LEGISLATIVO PARLAMENTAR
No início da nova legislatura e num momento em que estão colocadas na ordem do dia da nossa democracia exigências renovadas e largamente partilhadas de reforma do sistema político, incluindo, também, do funcionamento e organização da instituição parlamentar, pretendo colocar à consideração dos Srs. Deputados algumas questões relativas ao relacionamento institucional entre Assembleia da República e Presidente da República no domínio do processo legislativo parlamentar.
A legitimação da função legislativa proporcionada por um processo legislativo parlamentar democrático, pluralista e transparente constitui um requisito fundamental em Estado constitucional de direito. Trata-se, igualmente, de um domínio em que se manifestam, de forma bem nítida, especiais exigências de cooperação institucional, de equilíbrio e interdependência dos poderes da Assembleia da República e do Presidente da República.
As preocupações principais do Presidente da República são, aqui, as de garantir o cumprimento das exigências constitucionais, sem prejuízo da observância dos princípios da separação de poderes e da autonomia de organização interna da Assembleia da República.
Acontecimentos verificados na última legislatura introduziram algumas notas de perturbação e suscitaram algumas incertezas que importa ver dissipadas no estrito interesse do bom funcionamento e da imagem do Estado democrático e, como sempre tenho defendido, da dignificação e prestígio da instituição parlamentar. De facto, a partir do momento em que a prática até então institucionalizada e baseada na acreditação, por parte do Presidente da República, da declaração de aprovação que lhe é transmitida pelo Presidente da Assembleia da República foi questionada, o problema deixou de ser uma questão meramente interna da Assembleia da República. Torna-se necessário adoptar procedimentos e chegar a soluções regimentais que garantam ou evidenciem a inatacabilidade da regularidade processual de aprovação parlamentar dos decretos que o Presidente da República é chamado a promulgar.
As dúvidas não respeitam, obviamente, à necessidade do integral preenchimento dos requisitos constitucionalmente impostos à regularidade do processo legislativo, mas, unicamente, às modalidades da sua publicitação e à selecção dos factos, elementos e momento atendíveis no apuramento dessa regularidade. Com efeito, sem prejuízo da observância das imposições constitucionais, há objectivos de funcionalidade das assembleias parlamentares e exigências de segurança jurídica próprias de Estado de Direito que têm, também, de ser tidas em conta na resposta àquelas dúvidas.
Assim, não parece razoável que 10 ou 20 anos após a aprovação e entrada em vigor de uma lei se possa pôr em causa a respectiva validade e a estabilidade dos efeitos jurídicos entretanto produzidos com fundamento, por exemplo, na apresentação de uma fotografia ou prova testemunhal, de um vídeo ou filme através dos quais se procure demonstrar que Deputados dados como presentes no momento da votação afinal estavam ausentes. Tal como não parece aceitável, à luz dos princípios estruturantes de uma democracia representativa dos nossos dias, que a ausência de alguns Deputados no estrangeiro em missão oficial da Assembleia da República possa determinar, no momento da votação de uma lei, a inversão da maioria política parlamentar que resultou da escolha popular.
O órgão Presidente da República está directamente envolvido nos problemas associados à regularidade do processo legislativo parlamentar na medida em que o seu poder de promulgar ou recusar a promulgação das leis ou de suscitar a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade pressupõe, pelo menos, a possibilidade de um conhecimento adequado dos procedimentos que acompanharam a respectiva aprovação por parte da Assembleia da República.
No integral respeito do princípio da separação de poderes e da lealdade e cooperação institucionais, o Presidente da República tem-se bastado, a propósito, como não podia deixar de ser, com as declarações de aprovação e, sendo caso disso, com os esclarecimentos e indicações que lhe são transmitidos pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Acontece, porém, que, salvo casos excepcionais, a própria Assembleia da República não tem podido fornecer mais que indicações genericamente apuradas sobre a distribuição partidária dos votos, o que, face às exigências constitucionais, pode ser considerado insuficiente para se apurar da regularidade do processo legislativo parlamentar. De resto, o problema nem sequer pode ser resolvido através do recurso à intervenção preventiva do Tribunal Constitucional, na medida em que também o Tribunal Constitucional, mesmo quando pode já ter acesso às actas definitivamente aprovadas e publicadas em Diário da Assembleia da República, não tem possibilidades de conhecer, a propósito, todas as indicações que poderiam ser juridicamente relevantes.
Como sempre tem acontecido desde praticamente o início do funcionamento da Assembleia da República, não há, em geral, quaisquer indicações que permitam verificar a existência de quorum deliberativo, nas comissões e em Plenário, ou o número de votos efectivamente obtido pelos decretos enviados para promulgação como lei e respectivas disposições, seja no que respeita à votação final global seja às votações na especialidade.
Há, assim, um perigo de incerteza jurídica tanto mais elevado quanto a Constituição exige, em determinados casos, a aprovação por maiorias qualificadas, pelo que, nessas circunstâncias, a possibilidade de um conhecimento preciso daqueles dados é condição de verificação da regularidade do processo legislativo parlamentar e de determinação da validade de algumas leis e das suas eventuais alterações.
Parece ser altura oportuna para a Assembleia da República, como lhe compete o Estado de Direito com separação de poderes, reflectir e tomar posição global sobre os problemas suscitados. Dadas as responsabilidades que me cabem neste domínio, tomei a iniciativa de solicitar a juristas de mérito indiscutível opinião sobre este tema. São os pareceres jurídicos pedidos que, por esta via, faço chegar ao conhecimento da Assembleia da República, ciente de que os Srs. Deputados saberão, com a urgência requerida
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por uma exigência basilar de segurança jurídica em Estado de Direito, encontrar soluções mais adequadas à estabilidade e segurança do processo legislativo parlamentar e à funcionalidade e prestígio das instituições democráticas. Nunca será demais a atenção que, todos nós, dispensemos à preservação e ao aperfeiçoamento das práticas democráticas e ao reforço do Estado de Direito.
Lisboa, 8 de Maio de 2002. - O Presidente da República, Jorge Sampaio.
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