O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 591

Sábado, 6 de Julho de 2002 II Série-A - Número 19

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 61, 67, 75, 76, 81, 82, 85, 91, 94 a 105/IX):
N.º 61/IX (Estabelece o regime jurídico de instalação e funcionamento das farmácias sociais):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 67/IX (Alteração ao Código da Estrada e revogação da Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 75/IX (Criação de farmácias sociais e de farmácias públicas nos centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde e definição do novo regime jurídico das farmácias privadas):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 76/IX (Princípios da administração e regime jurídico dos hospitais e centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde):
- Idem.
N.º 81/IX (Revoga a Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro):
- Vide projecto de lei n.º 67/IX.
N.º 82/IX (Lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 85/IX (Alteração à Lei n.º 1/2000, de 2 de Janeiro):
- Vide projecto de lei n.º 67/IX.
N.º 91/IX (Aprova a lei de enquadramento de gestão hospitalar):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 94/IX - Elevação da povoação de Santa Maria de Sardoura, no concelho de Castelo de Paiva, à categoria de vila (apresentado pelo PSD).
N.º 95/IX - Elevação da povoação de Raiva, no concelho de Castelo de Paiva, à categoria de vila (apresentado pelo PSD).
N.º 96/IX - Altera e republica a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) (apresentado pelo PS).
N.º 97/IX - Aprova um novo código de justiça militar e revoga a legislação existente sobre a matéria (apresentado pelo PS).
N.º 98/IX - Aprova o estatuto dos juizes militares e dos assessores militares do Ministério Público (apresentado pelo PS).
N.º 99/IX - Lei-quadro de apoio às colectividades de cultura, desporto e recreio (apresentado pelo PCP).
N.º 100/IX - Estatuto do dirigente associativo voluntário (apresentado pelo PCP).
N.º 101/IX - Alteração do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, que aprova o Estatuto do Mecenato,

Página 592

alterado pela Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, onde se define o regime de incentivos fiscais no âmbito do mecenato social, ambiental, cultural, científico ou tecnológico e desportivo (apresentado pelo PCP).
N.º 102/IX - Apoio ao associativismo cultural e desportivo (apresentado pelo PCP).
N.º 103/IX - Cria o Conselho Nacional do Associativismo (apresentado pelo PCP).
N.º 104/IX - Reforça os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses (apresentado pelo PCP).
N.º 105/IX - Alteração à Lei n.º 113/91, de 29 de Agosto - Lei de Bases da Potecção Civil (apresentado pelo PCP).

Propostas de lei (n.os 15 e 20/IX):
N.º 15/IX (Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar):
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 20/IX - Aprova as bases gerais do sistema de segurança social.

Projecto de resolução n.o 34/IX (Instituição da comissão de acompanhamento e avaliação prevista na Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro):
- Vide projecto de lei n.º 67/IX.

Página 593

0593 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

PROJECTO DE LEI N.º 61/IX
(ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DE INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DAS FARMÁCIAS SOCIAIS)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota preliminar

O sector da prestação de cuidados de saúde em Portugal continua a ser uma área na qual as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) se encontram particularmente activas.
No que respeita aos cuidados farmacêuticos, só as IPSS que assumam a forma de Associações de Socorros Mútuos e de Irmandade da Misericórdia é que têm alguma actividade - nos termos do artigo 2.º do estatuto das IPSS (Decreto Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro). As IPSS podem assumir uma das seguintes formas: Associações de Solidariedade Social, Associações de Voluntários de Acção Social, Associação de Socorros Mútuos, Fundações de Solidariedade Social e Irmandades da Misericórdia.
As principais Associações de Socorros Mútuos surgiram em Portugal no final do século XIX.
Essas associações são proprietárias de farmácias, existindo, à data actual, 14 farmácias mutualistas (a primeira foi a farmácia da Liga da Associação de Socorros Mútuos de Vila Nova de Gaia, inaugurada em 1905).
A origem das Misericórdias remonta aos finais do século XV.
Até 1975 asseguravam uma significativa percentagem dos cuidados de saúde prestados em Portugal e são, ainda hoje, as IPSS mais activas no sector.
Juntando todas as valências que têm em funcionamento nesta área da prestação de cuidados, as Misericórdias atendem diariamente cerca de 51 mil pessoas e empregam perto de 15 mil funcionários.
As Misericórdias são proprietárias de 36 farmácias, distribuídas pelos diversos distritos do País, incluindo as regiões autónomas.
As Misericórdias regem se pelo estatuto das IPSS - Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (à excepção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) - e as Associações de Socorros Mútuos têm o seu enquadramento normativo no denominado Código das Associações Mutualistas - Decreto-Lei n.° 72/90, de 3 de Março.
AS IPSS, uma vez constituídas e registadas junto dos Ministérios da tutela, adquirem personalidade jurídica e natureza de pessoas colectivas de utilidade pública.
É na qualidade de pessoas colectivas de utilidade pública que gozam de alguns benefícios estabelecidos por lei.
AS IPSS, em particular as Misericórdias, têm capacidade para gerir activos consideráveis e mobilizar amplos recursos humanos. Embora sem fins lucrativos, estas instituições desenvolvem uma actividade económica de carácter directamente produtivo, vendendo produtos e serviços aos seus associados e ao público em geral (de que os serviços farmacêuticos são exemplo), donde resultam excedentes que são posteriormente reinvestidos.
Assim, ao lado de subsídios provenientes de entidades públicas e de donativos de particulares (recursos externos), as IPSS dispõem de rendimentos decorrentes das quotizações dos seus membros e da venda de produtos e serviços a membros ou não membros (recursos próprios).
Quer os subsídios provenientes de entidades públicas quer a extensa lista de isenções fiscais e de impostos de que beneficiam as IPSS constituem, indiscutivelmente, auxílios concedidos pelo Estado em favor daquelas instituições.
A existência de tais benefícios não se repercutiria sobre o mercado se as IPSS não se encontrassem nele em concorrência com as entidades privadas.
Pelo atrás exposto sabemos que os serviços farmacêuticos privativos das IPSS são (ainda que não ilimitadamente) admitidos pela legislação portuguesa em vigor a concorrer no mercado com as farmácias privadas, as quais não beneficiam de quaisquer vantagens fiscais susceptíveis de colocá las em condições de concorrência equivalente.
Estas 50 farmácias vendem medicamentos ao público em geral, ao Serviço Nacional de Saúde e aos diversos sub sistemas.
Há uma clara e acentuada desvantagem concorrencial de que sofrem os privados, desde logo no plano dos custos com a abertura e o funcionamento dos respectivos serviços.
Assim, o Estado português, ao permitir que as chamadas "farmácias sociais" actuem no mercado em concorrência com as farmácias privadas, ao mesmo tempo que lhes concede os citados e importantes auxílios de carácter discriminatório, colocar se á na situação de infringir as regras comunitárias sobre auxílios de Estado, em particular o disposto no artigo 88.º, n.º 1, do Tratado CE.
Mais ainda: não sendo exigido no presente projecto de lei, nos requisitos de instalação das "farmácias sociais", o cumprimento dos critérios demográficos ou geográficos em vigor na legislação nacional, violam-se todos os princípios orientadores do regime legal de abertura e transferência de farmácias plasmados na Portaria n.º 806/87, de 22 de Setembro, com as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 513/92, de 22 de Junho, e n.º 325/97, de 13 de Maio - para já não falar que a atribuição dos alvarás está legalmente sujeita a concurso público.

II - Conteúdo do projecto de lei

No que se refere aos objectivos do projecto de lei, destacamos cinco objectivos:

1 - A presente iniciativa propõe se valorizar o papel do sector social na prestação de cuidados farmacêuticos, estabelecendo se condições para a articulação entre os sectores públicos, privado e social (página 2 do preâmbulo).
2 - O objectivo não é a criação de um sistema alternativo de farmácias, mas a criação de um sistema complementar de prestação de cuidados farmacêuticos que responda às necessidades específicas de certos grupos populacionais (página 2 do preâmbulo).
Ora, o que se prevê no projecto de lei é, de facto, um sistema alternativo, pois no preâmbulo refere se à criação, no máximo, de 100 farmácias sociais, para nada acrescentar no articulado. Donde se conclui que não consta qualquer limite à criação de mais do que 100 farmácias.
O projecto de lei justifica se na complementaridade da prestação de cuidados de saúde farmacêuticos "que responda às necessidades específicas de certos grupos populacionais", determinando lhe "um regime próprio de funcionamento e com taxas de comercialização específicas, com vista a agilizar a estrutura farmacêutica nacional". Desconhece se qual é o critério de capitação geográfico para a admissibilidade destas novas farmácias. Ora, as farmácias destinam se a prestar um serviço de interesse público,

Página 594

0594 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

pelo que não são necessárias se não corresponderem à existência de um mínimo de necessidade de populações numa determinada zona geográfica.
3 - Existem em Portugal 2446 farmácias e 313 postos farmacêuticos.
A capitação real média em Portugal, não considerando os postos, é de 3846 habitantes por farmácia, e considerando os postos é de 3366 habitantes por farmácia. A capitação estipulada pela legislação actual é de 4000 habitantes por farmácia
A distribuição das farmácias nos diferentes distrito do País revela não existirem grandes variações de distrito para distrito.
Num estudo comparado (realizado pelo Infarmed em Dezembro de 1998) onde se analisa a distribuição das farmácias e a distribuição das várias profissões de saúde a nível nacional chega se a coeficientes de variação de 0,18 para as farmácias, de 0,34 para os médicos, de 0,27 para os enfermeiros e de 0,41 para os técnicos de diagnóstico e de terapêutica. Constata se, assim, que a distribuição das farmácias nos diferentes distritos do País é, entre as profissões dos sectores analisados, a mais homogénea.
Esta garantia da distribuição homogénea das farmácias, de acordo com a distribuição da população, assegura nos a não existência de profundas desigualdades no acesso fácil das populações ao medicamento.
Tal acessibilidade decorre ainda complementarmente da prestação de serviços de urgência, através do regime de turnos de serviço permanente, de reforço e de disponibilidade a que as farmácias estão legalmente vinculadas,
Ora, no preâmbulo reconhece se que o "sistema farmacêutico português tem cumprido o seu principal papel, ou seja, tem garantido a prestação de cuidados farmacêuticos com elevados padrões de qualidade, importando aperfeiçoá lo, permitindo o acesso dos utentes ao sistema de cuidados farmacêuticos em mais amplas condições". Assim, não se compreende o porquê das farmácias sociais.
4 - Ainda no preâmbulo diz se "As farmácias sociais deverão ser abrangidas por um regime próprio de funcionamento e com taxas de comercialização específicas ".
Ora, o projecto de lei não dá indicação a esse respeito, remetendo para legislação posterior.
5 - Sendo uma das bandeiras da campanha eleitoral do PS a criação de 100 farmácias sociais, no articulado não se prevê, todavia, qualquer limite.
Finalmente, o diploma constitui uma verdadeira alteração aos diplomas fundamentais que constituem a legislação estruturante do sector farmacêutico.

III - Enquadramento constitucional e legal

Nos termos do n.° 1 do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa é reconhecido a todos os cidadãos "o direito" à protecção na saúde e o dever de a defender e promover, incumbindo ao Estado, nos termos do n .º 3, alínea e) da citada disposição constitucional, "disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico".
Por seu turno, a Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei da Bases da Saúde), consagra, no n.° 3 da Base I, que "a promoção e defesa da saúde pública são efectuadas através da actividade do Estado e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil ser associadas àquelas actividades".
Significa que o direito à prestação de cuidados de saúde e, nomeadamente, a cuidados farmacêuticos, deve ser complementada através da actuação dos sectores social e privado.
A citada lei veio plasmar, designadamente na sua Base XVIII, que "as instituições particulares de solidariedade social com objectivos específicos de saúde intervêm na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, de acordo com a legislação que lhes é própria e a presente lei".
Importa referir a Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965 (Exercício da actividade da farmácia), que estabeleceu, no n.° 4 da Base II, "para cumprimento dos seus fins estatutários, as Misericórdias e outras instituições de assistência e providência social poderão ser proprietárias de farmácias desde que estas se destinem aos seus serviços privativos".
O Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968, veio estabelecer as condições especiais em que as farmácias pertencentes a estas instituições podem dispensar medicamentos aos seus associados.
É, pois, este enquadramento jurídico da actividade farmacêutica que o Partido Socialista pretende alterar através do projecto de lei n.° 61/IX, que estabelece o regime da instalação e funcionamento das farmácias sociais.

IV - Direito comparado

Na União Europeia a noção de "farmácias sociais" é desconhecida da grande maioria dos seus Estados membros. Com efeito, apenas existem - e com variações que tornam difíceis as comparações - realidades semelhantes às ditas "farmácias sociais" na Bélgica, na Franca e na Holanda.
Em Itália, em 1999, cerca de 10% do total das farmácias não eram de propriedade privada e pertenciam a municípios.
Em 1992 a legislação italiana abriu caminho para a privatização das farmácias municipais, permitindo aos municípios gerir as suas farmácias através de empresas privadas e com a possibilidade de continuarem proprietários da maioria das acções.
As primeiras privatizações em larga escala dão se em 1995 (Génova), 1998 (Milão) e 1999 (Bolonha e Rimini) quando estes municípios decidiram vender os seus grupos de farmácias a um único comprador que as adquiriu por valor superior a 50% do seu valor real. Foi o ponto de partida para a formação de cadeias de farmácias em Itália, detidas por multinacionais do sector grossista.
No Reino Unido a National Cooperative Chemists, Ltd (que é membro da União Europeia das Farmácias Sociais (Organizações proprietárias de farmácias que são membros da União Europeia das Farmácias Sociais:
Bélgica - Office des Pharmicies Cooperatives de Belgique (OPHACO)
França - Union National des Services Ambulatoires Mutualiste (UNSAM)
Itália - Aziende e Servici Socio Farmaceutici (ASSOFARM)
Holanda - Service Aandacht en Lage Kosten Apotheken (SAL), Algemeen Ziekenfonds de Volharding (AZIV0)
Portugal - União das Mutualidades Portuguesas, União das Misericórdias Portuguesas
Reino Unido - National Coorporative Chemists Ltd.)
é o maior grupo de farmácias cooperativas, com 280 farmácias (2,3% do total de farmácias).

Página 595

0595 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Criada há mais de 50 anos, em 1945, a sua designação tem origem no final do século XIX quando, de facto, as farmácias surgem no seio do movimento cooperativo.
Actualmente no Reino Unido as cooperativas de farmácias foram transformadas em cooperativas limitadas e funcionam como qualquer outra empresa privada.
Na Bélgica existem 606 farmácias cooperativas (11,5% do total de farmácias), que se encontram filiadas na Ophaco (Office des Pharmacies Cooperatives de Belgique), que é membro da União Europeia das Farmácias Sociais.
Surgiram no final do século passado com fins de solidariedade social.
Estão associadas a mutualidades que podem ser de inspiração cristã, sobretudo na Flandres, ou socialista, sobretudo na Valónia.
Estas farmácias são regidas pela mesma legislação que as farmácias de oficina privada. Atendem o público em geral, a quem dão um desconto de 10% sobre a conta paga na farmácia.
Em França existem 140 farmácias sociais ( 0,6 % do total de farmácias). Surgiram no pós guerra com fins de solidariedade social e não se prevê a criação de novas farmácias sociais no futuro. A última abertura de farmácia social ocorreu em 1989.
Estas 140 farmácias estão divididas em três cadeias: 57 farmácias são propriedade da Federation de la Mutuallité Francaise (FNMF), reunidas numa unidade técnica apelidada de Union Nationales des Services Ambulatoires Mutuallistes ( UNSAM) - membro da União Europeia das farmácias sociais ; 13 farmácias são propriedade da Federation des Mutuelles de France (FMF) e 70 farmácias pertencem à Societés des Secours Miniéres (SSM).
Estas farmácias são regidas pela mesma legislação que as farmácias de oficina privada.
As farmácias pertencentes às mutualidades francesas apenas atendem os seus sócios, a quem aplicam um desconto sobre os medicamentos não sujeitos a receita médica, sobre os medicamentos prescritos não comparticipados e sobre produtos de parafarmácia. Aos restantes medicamentos aplica se o regime geral de preços.
Na Holanda existem cerca de 40 farmácias (27% do total de farmácias) pertencentes a 15 fundações e a uma mutualidade holandesa (Azivo Ziekenfonds).
Esta mutualidade, em Haia, detém serviços farmacêuticos em quatro pontos de venda na cidade e que funcionam através de um sistema de caixas de correio para receituário.
A maioria das farmácias detidas pelas fundações pertence à Fundação SAL (Fundação das Farmacêuticas Trabalhadores por Conta de Outrem), criada nos anos 70.
A Fundação SAL trabalha em conjunto com outra fundação de cuidados de saúde gerais do primeiro nível, que também pertence a farmacêuticos.
Assim, os farmacêuticos das farmácias SAL trabalham para esta segunda fundação, que, por sua vez, cede os seus serviços às farmácias SAL.
O que as farmácias das fundações têm em comum é que estabelecem acordos e contratos com mutualidades, logo não existe nenhuma ligação directa, apenas um contrato de prestação de serviços.
AS farmácias SAL são tributadas da mesma forma que uma farmácia privada.
Em termos de público, no caso da farmácia AZIVO apenas os associados da mutualidade AZIVO podem recorrer à farmácia e ao seu pacote de serviços. Quanto aos medicamentos prescritos e comparticipados, o preço é igual ao praticado em qualquer outra farmácia, não há lugar a descontos. No que diz respeito aos medicamentos não sujeitos a receita médica, onde o próprio farmacêutico determina o preço, estes são vendidos a preços mais reduzidos.
As farmácias SAL também não fazem descontos sobre o preço dos medicamentos dispensados. Alguns preços mais vantajosos para o utente são resultantes de acordos que as farmácias SAL têm com as mutualidades e companhias de seguros.
Feito este sucinto levantamento nestes cinco Estados-membros da União Europeia, com realidades de difícil comparação, constatamos que a noção de "farmácia social" é desconhecida na Áustria, Alemanha, Dinamarca, Espanha, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Suécia e Finlândia.
Constata se, também, que onde existem as referidas "farmácias sociais" elas ou atendem os associados das respectivas entidades proprietárias ou, quando servem o público em geral, delas estão aparentemente ausentes os elementos de distorção resultantes de auxílios estatais.
Nestes países, tal como em Portugal, estas farmácias têm carácter histórico, estando a sua expansão limitada, suspensa ou bloqueada por força da lei.
É assim que na Bélgica e em França as farmácias sociais" estão sujeitas à mesma moratória que afecta a criação de quaisquer novas farmácias. Na Holanda a legislação em vigor não permite a abertura de novas "farmácias sociais" e na Itália as "farmácias públicas" são propriedade dos municípios que têm estado a vendê-las a proprietários privados.
Em Portugal as 50 farmácias existentes (1,9% do total de farmácias), das quais 14 são farmácias mutualistas e 36 são propriedade das Misericórdias, possuem alvará com base legal no n.° 4 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, onde se lê: "Para cumprimento dos seus fins estatutários, as misericórdias e outras instituições de assistência e previdência social poderão ser proprietários de farmácias desde que estas se destinem aos seus serviços privativos. As farmácias que estas instituições actualmente possuam abertas ao público podem continuar no mesmo regime".
O Decreto Lei n.° 48547, de 27 de Agosto de 1968, estabelece, nos seus artigos 44.° e 64.°, as condições especiais em que as farmácias pertencentes a estas instituições podem dispensar medicamentos aos seus associados. Citando o artigo 44.°: "No alvará dos farmacêuticos licenciados nos termos do n. ° 4 da Base II da Lei n.º 2125 indica se expressamente que estas farmácias apenas podem fornecer medicamentos em condições especiais às pessoas que, nos termos dos estatutos ou regulamentos das entidades a que pertençam, tenham essa prerrogativa e nas condições ali expressamente estabelecidas". Citando o artigo 64.º, "As farmácias a que se refere o artigo 44.º só podem atender as pessoas que legalmente nelas se possam abastecer, devendo pedir sempre a comprovação dessa qualidade" e mais ainda "As receitas que forem apresentadas nestas farmácias só poderão ser aviadas desde que tenham consignado o nome do doente ou a sua relação de parentesco, ou outra, com o utente legal da farmácia, justificativa do seu direito de aviar as receitas nessa farmácia". E mais ainda: "Quando se provar que os legais utentes das farmácias adquirem nestas quaisquer medicamentos ou substâncias medicamentosas para terceiros deverá ser-lhes suspenso o seu direito pelo prazo de um ano e, em caso de reincidência, por cinco anos".
Tanto quanto julgamos saber, a esmagadora maioria destas 50 farmácias encontra se em regime de funcionamento aberto ao público desde datas anteriores àquelas em que foram publicados os dois citados diplomas, logo nem

Página 596

0596 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

estão "destinadas aos seus serviços privativos" nem todas elas possuam "expressamente citado nos seus alvarás" as condições especiais de dispensa de medicamentos aos seus associados.
Estão, assim, em concorrência directa com as farmácias privadas: vendem e prestam serviços não só aos respectivos associados, mas também ao público em geral.
Face ao exposto a Comissão é de

Parecer

O projecto de lei n.° 61/IX, do Partido Socialista, que "Estabelece o regime jurídico de instalação e funcionamento das farmácias sociais", encontra-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 25 de Junho de 2002. A Deputada Relatora, Clara Carneiro - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, PCP, BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 67/IX
(ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DA ESTRADA E REVOGAÇÃO DA LEI N.º 1/2002, DE 2 DE JANEIRO)

PROJECTO DE LEI N.º 81/IX
(REVOGA A LEI N.º 1/2002, DE 2 DE JANEIRO)

PROJECTO DE LEI N.º 85/IX
(ALTERAÇÃO À LEI N.º 1/200, DE 2 DE JANEIRO)

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 34/IX
(INSTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO PREVISTA NA LEI N.º 1/2002, DE 2 DE JANEIRO)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Considerações prévias

Um grupo de sete Deputados do Grupo Parlamentar do PSD- Partido Social Democrata apresentou à Assembleia da República o projecto de lei n.º 67/IX - Alteração ao Código da Estrada e revogação da Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro.
Por seu lado, um Deputado pertencente ao Bloco de Esquerda tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 81/IX - Revoga a Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro.
Por último, um grupo de seis Deputados do Grupo Parlamentar do PS - Partido Socialista apresentou à Assembleia da República o projecto de lei n.º 85/IX - Alteração à Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro.
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 130.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do Regimento.
Admitidas e numeradas, as iniciativas vertentes baixaram, a primeira em 12 de Junho, a segunda em 20 de Junho, e a terceira em 27 de Junho de 2002, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer.
A discussão conjunta, na generalidade, destes projectos de lei está agendada para a reunião plenária de 5 de Julho de 2002.

II - Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa

A iniciativa apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD pretende revogar a Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro, que adita ao Decreto-Lei n.º 265-A/2002, de 28 de Setembro, o artigo 5.º-A, que cria a comissão de acompanhamento e avaliação, e o artigo 5.º-B, que suspende por um período de 10 meses a aplicação do disposto no n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 ao artigo 81.º do Código da Estrada (CE), na redacção dada por aquele decreto-lei.
Na exposição de motivos os proponentes alegam que a solução propugnada no Decreto-Lei n.º 265-A/2001 - diminuição do teor de álcool no sangue (TAS) máximo permitido aos condutores para uma taxa de 0,2 g/l e criação de uma contra-ordenação nos casos em que aquela taxa fosse superior a 0,2 e inferior a 0,5 g/l - suscita dúvidas, designadamente quanto à sua eficácia no âmbito do desenvolvimento de uma política de combate à sinistralidade nas estradas portuguesas.
Argumentam igualmente os proponentes que, em virtude de ainda não ter sido constituída a comissão de acompanhamento e avaliação, prevista no citado artigo 5.º-A, decorridos que estão já seis meses desde a entrada em vigor da Lei n.º 1/2002, se impõe a tomada de uma decisão antes que expire o prazo de suspensão, garantindo, assim, a estabilidade do ordenamento jurídico quanto a esta matéria.
Ainda segundo a exposição de motivos apresentada, os proponentes visam com o seu projecto de lei corrigir uma opção que, contendem, foi insuficientemente fundamentada e de carácter meramente parcelar, em benefício da adopção de um conjunto de medidas credíveis e integradas, necessárias à eliminação efectiva das principais causas da sinistralidade rodoviária.
O projecto de lei é concretizado em três artigos, sendo o artigo 1.º o que efectiva a alteração do artigo 81.º do Código da Estrada, o segundo a norma revogatória e o terceiro o que estabelece a entrada em vigor.
Neste contexto, a alteração do n.º 2 do artigo 81.º do Código da Estrada prevista no artigo 1.º do projecto de lei traduz-se na reposição da taxa de álcool no sangue estabelecida no artigo 87.º do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, isto é, 0,5%.
Já a alteração proposta para o n.º 5 desse preceito resume-se ao conformar do dispositivo sancionatório à alteração proposta, eliminando a alínea a), que respeitava à sanção da infracção do disposto quanto à condução com taxa de álcool no sangue superior a 0,2% e inferior a 0,5%, passando as antigas alíneas b) e c) a alíneas a) e b).
No artigo 2.º é expressamente revogada a Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro, e no artigo 3.º é determinada a entrada em vigor do diploma no dia seguinte ao da sua publicação.
Por seu lado, a iniciativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda circunscreve-se a um único artigo que determina tão-só a revogação da Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro,

Página 597

0597 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

repondo-se assim o disposto no artigo 81.º do CE, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro.
Por fim, a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista visa salvaguardar a ratio da Lei n.º 1/2002, criando o dispositivo indispensável à retoma dos objectivos subjacentes à sua aprovação e que justificaram as soluções encontradas - criação da comissão e suspensão da taxa de 0,2 g/l -, isto é, a necessidade de melhor fundamentação de uma qualquer opção legislativa, fosse a antiga ou a nova.
Com efeito, e de acordo com os proponentes, o facto de até ao momento a comissão prevista na lei não ter sido ainda institucionalizada, pelas razões que lhe são externas, designadamente a ocorrência de eleições intercalares, poderá conduzir a que a suspensão da aplicação do disposto no n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 ao artigo 81.º do Código da Estrada (CE), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 2665-A/2001, finde antes de a comissão apresentar o seu primeiro relatório, o que não se compadece com o espírito da supracitada Lei n.º 1/2001, de 2 de Janeiro.
O projecto de lei do PS consubstancia-se também num único artigo, pelo qual se procede à alteração da redacção do artigo 5.º-B no sentido de o termo da suspensão ser no décimo mês a contar da instituição da comissão prevista no artigo 5.º-A e não, como actualmente se prevê, da entrada em vigor da Lei n.º 1/2002.
Em complemento, os referidos Deputados do Grupo Parlamentar do PS apresentaram igualmente o projecto de resolução n.º 34/IX - Instituição da comissão de acompanhamento e avaliação, prevista na Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro -, pelo qual estabelecem a metodologia a seguir na constituição da referida comissão.

III - Antecedente recentes do projecto de lei n.º 67/IX

O Código da Estrada (CE) actualmente em vigor foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, 3 de Maio, no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 63/93, de 21 de Agosto.
No essencial, este novo Código da Estrada veio actualizar as regras jurídicas aplicáveis ao trânsito nas ruas públicas e consolidar a considerável legislação avulsa e a vasta regulamentação então vigente.
No âmbito da fiscalização da condução sob o efeito do álcool, o artigo 87.º veio determinar a proibição de condução sob a influência do álcool, considerando-se como tal a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5%.
Posteriores necessidades de adequação de algumas normas, em especial sob o aspecto sancionatório, à realidade social que visavam regular, levaram à aprovação do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, que procedeu à actualização do Título IV - "Da responsabilidade" - do Código da Estrada.
A adopção do Plano de Acção contra o Alcoolismo, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000 (publicada no Diário da República n.º 276, I Série B, de 29 de Novembro), veio exigir a concretização de medidas em matéria de sinistralidade rodoviária.
Neste contexto, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 162/2001, de 22 de Maio, que introduziu novas alterações ao Código da Estrada que se traduziram, nomeadamente, na diminuição da taxa admissível de álcool no sangue de 0,5% para 0,2% (artigo 81.º do CE), tendo, no entanto, a sua entrada em vigor sido diferida para 1 de Outubro pelo Decreto-Lei n.º 178-A/2001, de 12 de Junho.
Na sequência das alterações ao Código Penal consubstanciadas na Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, e tendo em vista a integração de novas medidas, nomeadamente as relativas à revisão genérica das coimas, cujo montante passou a ser previsto em euros, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, incorporando as alterações preconizadas pelo Decreto-Lei n.º 162/2001, que revogou.
Requerida a apreciação parlamentar deste diploma pelo PSD e pelo CDS-PP, resultou a Lei n.º 1/2002, de 2 de Janeiro, aprovada com os votos a favor do PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e do Deputado independente Daniel Campelo, os votos contra de 16 Deputados do PS e do BE e a abstenção de 10 Deputados do PS.
Como referido, a Lei n.º 1/2002 aditou dois artigos, o 5.º-A e o 5.º-B, ao Decreto-Lei n.º 265-A/2001, criando uma comissão de acompanhamento e avaliação e suspendendo a aplicação do disposto no n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do CE.
O artigo 5.º-A dispõe que a comissão de acompanhamento e avaliação é constituída por cinco personalidades dos meios científicos especializados, das associações promotoras da segurança rodoviária e do sector vitivinícola, sendo três designados pela Assembleia da República, um dos quais o presidente, e dois designados pelo Governo.
Ainda de acordo com o disposto no artigo 5.º-A, a referida comissão deverá exercer a sua acção relativamente às causas das infracções e acidentes com especial incidência sobre a alcoolemia e à eficácia das medidas preventivas, devendo apresentar o primeiro relatório no prazo de seis meses a contar da sua institucionalização, bem como organizar uma consulta pública, submetendo à Assembleia o respectivo relatório.
O artigo 5.º-B, por seu lado, determina a suspensão por um período de 10 meses da aplicação do disposto no n.º 2 e na alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º do CE, considerando-se durante esse período sob influência do álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5% ou que, após exame realizado nos termos previstos no CE e de legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.

IV - Antecedentes comunitários

Na sequência do debate geral sobre "Prioridades da segurança rodoviária na União Europeia - relatório de progresso e hierarquização das acções", o Conselho fez publicar a Resolução do Conselho de 26 de Junho de 2000, sobre o reforço da segurança rodoviária, na qual considera fundamental aprovar, entre outras medidas, uma recomendação sobre a condução sob o efeito do álcool, incentivando os Estados-membros a considerar, nomeadamente, a adopção de uma taxa máxima de alcoolemia de 0,5 mg/ml para os condutores, sem prejuízo da fixação de limites inferiores gerais ou para determinadas categorias de condutores.
Esta medida veio a ser concretizada pela Recomendação da Comissão de 17 de Janeiro de 2001 relativa ao teor de álcool no sangue (TAS) máximo permitido aos condutores de veículos a motor.
As razões subjacentes a esta recomendação prendem-se com a estimativa de que em alguns Estados-membros entre 1% e 5% dos condutores em circulação apresentam níveis de TAS superiores aos respectivos limites

Página 598

0598 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

máximos nacionais de TAS e que esses condutores têm proporcionalmente muito maiores probabilidades de se encontrar envolvidos em acidentes de viação, representando até 20% dos feridos graves ou mortais e até 25% das mortes de condutores, e continuam a representar um problema significativo de segurança rodoviária, apesar da grande redução, nos últimos 20 anos, do número de acidentes de viação envolvendo a condução sob o efeito do álcool.
A Comissão estima ainda que, pelo menos, 10 000 utentes da estrada morrem ainda anualmente em acidentes de viação envolvendo a condução indevida sob o efeito do álcool, e que este é um elemento de aferimento razoável para focar a atenção na perda que tal implica para a sociedade na UE, sendo que o valor social desta perda de vidas, utilizando a regra de 1 milhão de euros formulada no programa de segurança rodoviária da UE, eleva-se a 10000 milhões de euros por ano.
Invocando os trabalhos substanciais de investigação realizados para avaliar o efeito de diminuição da capacidade dos condutores decorrente do consumo de álcool, que demonstraram, de forma conclusiva, uma correlação directa entre o TAS e o risco de envolvimento em acidentes, a Comissão preconiza a eliminação completa da condução indevida sob o efeito do álcool como meta ideal a atingir, o que implica, na prática, uma medição de TAS entre 0,1 mg/ml e 0,2 mg/ml, consoante o nível de tolerância considerado.
Admitindo que a maior parte dos Estados-membros já estabeleceu um limite de TAS de 0,5 mg/ml na sua legislação nacional quer como o limite legal acima do qual se considera que o condutor cometeu um crime, quer como um limite de TAS acima do qual o condutor incorre numa multa administrativa ou numa sanção acessória, a Comissão recomenda que todos os Estados-membros adoptem este limite máximo e caminhem para limites ainda mais baixos, no interesse de uma maior segurança rodoviária, sobretudo no caso de condutores inexperientes.
Nesta última vertente, ao constatar que os condutores inexperientes, particularmente os jovens, estão envolvidos, desproporcionadamente, em acidentes decorrentes da condução sob o efeito do álcool, e dado que o risco de envolvimento destes condutores num acidente devido a condução sob o efeito do álcool é bastante elevado em comparação com o verificado com os condutores mais experientes, a Comissão considera que deve ser adoptado um limite de TAS mais baixo de 0,2 mg/ml, enquanto os condutores estão a aprender a conduzir ou são titulares de uma carta de condução definitiva há menos de dois anos.
Face ao exposto a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de:

Parecer

Que os diplomas em análise encontram-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. A Deputada Relatora, Maria de Belém Roseira - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

PROJECTO DE LEI N.º 75/IX
(CRIAÇÃO DE FARMÁCIAS SOCIAIS E DE FARMÁCIAS PÚBLICAS NOS CENTROS DE SAÚDE DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E DEFINIÇÃO DO NOVO REGIME JURÍDICO DAS FARMÁCIAS PRIVADAS)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

1) A actividade farmacêutica no nosso país é enquadrada juridicamente pela Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965 (Exercício da actividade de farmácia), e pelo Decreto-Lei n.º 48 547, de 27 de Agosto de 1968. Este regime jurídico condiciona o exercício da actividade farmacêutica aos profissionais devidamente qualificados e estabelece a regulamentação específica para o sector. Este é, portanto, o enquadramento jurídico que o Bloco de Esquerda pretende alterar através do projecto de lei n.º 75/IX.
2) Da leitura da exposição de motivos do projecto de lei n.º 75/IX destaca-se como objectivo fundamental desta iniciativa "a criação de farmácias sociais e de farmácias públicas nos centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (SNS)", em nome da "necessidade de definir uma estratégia de racionalização do mercado de medicamentos e de promoção da protecção e promoção da saúde".
2.1) Considerando a actual experiência com as ditas "farmácias sociais" como um contributo significativo "para a promoção de cuidados de saúde, para a distribuição de medicamentos e para assistência a grupos de população particularmente carenciados", o presente diploma prevê o "aumento do número de farmácias sociais em condições bem determinadas" como contributo para o combate ao isolamento geográfico e social das populações.
2.1.2) Do articulado do projecto de lei não se retira quais são "as condições bem determinadas", nem quais os critérios para a sua distribuição geográfica nem o modo como o funcionamento destas farmácias se articulará com as farmácias públicas (a criar) e com as farmácias privadas.
2.2) O segundo grande objectivo deste projecto de lei é a criação de farmácias públicas nos centros de saúde do SNS. Invoca-se como motivação a necessidade de criar um serviço de referência, que constitua "a estrutura vertebral da política de distribuição racional do medicamento".
2.2.1) Do articulado do projecto de lei infere-se apenas que se poderão criar farmácias nos centros de saúde, que podem vender aos utentes do SNS medicamentos a preços eventualmente diferentes dos praticados nas outras farmácias. Esta medida implicaria necessariamente uma aniquilação do actual sistema de distribuição de medicamentos que, como é geralmente reconhecido pelos cidadãos e profissionais de saúde, constitui o sector da saúde que melhor funciona.
3) O presente projecto de lei pretende, ainda, alterar o regime jurídico de abertura e transferência das farmácias, passando a concessão do alvará a ser independente do proprietário ser licenciado em farmácia.
4) Considerando as vastas implicações económicas e sociais de todas as alterações legislativas propostas, não se considera que os objectivos definidos na exposição de motivos sejam prosseguidos no articulado do projecto apresentado.

Página 599

0599 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Parecer

Consideram-se, no entanto, cumpridos todos os requisitos constitucionais e regimentais para a discussão em Plenário do projecto de lei n.º 75/IX, de molde a que os grupos parlamentares possam reservar as suas posições para o debate.

Palácio de São Bento, 1 de Julho de 2002. O Deputado Relator, Miguel Coleta - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

PROJECTO DE LEI N.º 76/IX
(PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO E REGIME JURÍDICO DOS HOSPITAIS E CENTROS DE SAÚDE DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota preliminar

Por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República de 20 de Junho de 2002 baixou à Comissão Parlamentar de Trabalho e Assuntos Sociais, para emissão do respectivo relatório e parecer, o projecto de lei n.º 76/IX, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.

II - Objecto e motivação

Através da iniciativa ora em análise visa o Grupo Parlamentar do BE definir o estatuto jurídico das unidades do Sistema Nacional de Saúde, estabelecendo o princípio da separação entre o sector público e o privado no sistema de saúde.
Esclarecem os autores deste projecto de lei que a saúde não pode ser tratada como um mercado, devendo, sim, imperar, na orientação dos cuidados de saúde, as respostas às necessidades colectivas e não os critérios de rentabilidade privada. Neste sentido, rejeitam a ideia liberalizadora e privatista que tem vindo a ser definida e que constituiria o naufrágio do SNS, para abrir portas a uma generalização da medicina socialmente ainda mais discriminadora, anulando, desta forma, o direito constitucionalmente previsto à prestação dos cuidados de saúde.
O presente diploma consagra, assim, o princípio fundamental da separação entre o exercício da actividade privada e pública, fundamentado na existência de um visível conflito de interesses quando os mesmos profissionais (ou serviços) prestam cuidados no mesmo ramo e à mesma população, concluindo que o princípio do SNS é contraditório com esta permissividade. Reconhece-se a existência de um sector privado prestador de serviços de saúde, onde deve existir um maior profissionalismo e melhor capacidade técnica e humana. O que o presente diploma não permite é a confusão entre os sectores público e privado, estabelecendo regras de separação.
Esta separação deverá ser feita, de acordo com os autores, com critérios rigorosos e não com medidas paliativas, sendo necessário um período de adaptação e transição até ao final do ano 2002. Durante este período deverá ser negociado o estatuto remuneratório dos profissionais do SNS, quer venham a cumprir tempo completo prolongado quer requeiram o tempo parcial, devendo ainda ser redefinidos os organismos de direcção das unidades do SNS em função das escolhas dos seus profissionais pela carreira do SNS ou pelo regime de contratação para prestação de serviços.
Por último, a presente iniciativa constata que, face aos actuais níveis remuneratórios e condições de trabalho dos profissionais de saúde no SNS, não é possível adoptar uma política coerente de separação entre o sector público e o privado, sendo, por isso, indispensável a melhoria dos níveis remuneratórios da carreira do SNS, estatuto esse que, de acordo com os autores da iniciativa, deverá ser negociado entre a tutela e os representantes dos profissionais de saúde, durante o período previsto, até à plena instauração do regime de separação.

III - Enquadramento constitucional e legal

De acordo com o consagrado no artigo 64.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos " (...) têm o direito à saúde e o dever de a proteger", incumbindo prioritariamente ao Estado, nos termos do n.º 3 da citada disposição constitucional, "garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e unidades de saúde".
O Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de Janeiro, veio estabelecer o quadro legal aplicável à actividade e ao funcionamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, sendo, pois, à luz deste quadro legal que se rege a maioria dos estabelecimentos hospitalares que integram o SNS.
A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde - veio, por seu turno, consagrar, no n.º 4 da Base I, que "os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos". Também no n.º 1 da Base XXXVI da citada lei estabelece-se expressamente que "a gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão, submetidas a regras por ela fixadas", disposição esta que proporcionou, nos últimos anos, algumas experiências inovadoras de gestão hospitalar (Hospital de São Sebastião, criado pelo Decreto-Lei n.º 151/98, de 5 de Junho, Unidade Local de Saúde de Matosinhos, criada pelo Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de Junho, e Hospital do Barlavento Algarvio, criado pelo Decreto-Lei n.º 76/2001, de 27 de Fevereiro).
Relativamente a esta matéria, importa ainda referir a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2002, relativa ao "desenvolvimento de uma nova experiência de gestão, traduzida na possibilidade dos hospitais poderem vir a deter a natureza jurídica de entidades públicas empresariais", criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.
Finalmente, e porque abordam matérias conexas com o regime jurídico de gestão hospitalar, há que referir o Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, que "estabelece o regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde", o Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de Maio, que

Página 600

0600 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

"estabelece o regime dos sistemas locais de saúde", o Decreto-Lei n.º 284/99, de 26 de Julho, aplicável aos centros hospitalares e aos grupos de hospitais, e o Decreto-Lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, que "estabelece o regime geral a que deve obedecer a criação de Centros de Responsabilidade Integrados, como forma progressiva de modernização dos estabelecimentos já em funcionamento".
Face ao exposto, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte

Parecer

Independentemente de um juízo sobre o mérito das motivações e consequências da presente iniciativa, relativamente às quais os grupos parlamentares poderão expressar-se aquando do debate na generalidade e na especialidade, o projecto de lei n.º 76/IX está em condições de subir a Plenário para apreciação.

Palácio de São Bento, 2 de Julho de 2002. A Deputada Relatora, Luísa Portugal - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

PROJECTO DE LEI N.º 82/IX
(LEI-QUADRO DA ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA DOS CENTROS DE SAÚDE, HOSPITAIS E SISTEMAS LOCAIS DE SAÚDE DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota preliminar

A apresentação do projecto de lei n.º 82/IX do PCP, relativo à lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, foi efectuada ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, datado de 25 de Junho de 2002, o citado projecto de lei baixou à Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais para emissão do competente relatório e parecer.

II - Do objecto

Através do projecto de lei n.º 82/IX visa o Grupo Parlamentar do PCP criar uma lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde.
O projecto de lei vertente é composto por seis capítulos que versam, designadamente, sobre as disposições gerais aplicáveis aos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde (Capítulo I), as normas especiais aplicáveis aos hospitais (Capítulo II), aos centros de saúde (Capítulo III), à selecção, nomeação, responsabilidade e fiscalização dos órgãos de administração e direcção (Capítulo IV), à gestão financeira, patrimonial e do pessoal dos serviços de saúde (Capítulo V) e disposições finais (Capítulo VI).
Assim, entre os aspectos mais relevantes constantes da presente iniciativa legislativa, permitimo-nos destacar os seguintes:
Das disposições gerais (Capítulo I):
- Qualifica os hospitais e centros de saúde como pessoas colectivas de direito público com autonomia administrativa, financeira e patrimonial;
- Estabelece o regime de tutela inspectiva e de mérito aplicável aos centros de saúde e hospitais;
- Estabelece as competências das Administrações Regionais de Saúde, entre as quais se destaca a regulamentação das regras para concursos de selecção dos órgãos de administração e direcção, a nomeação do júri de avaliação das candidaturas a concurso de gestão e a exoneração dos órgãos de administração e direcção das unidades de saúde ou dos seus membros;
- Estabelece que os sistemas locais de saúde agrupam os centros de saúde, hospitais e outros serviços de saúde públicos na sua área e define os seus órgãos e respectivas competências;
- Estabelece normas relativas à organização da prestação dos cuidados nos hospitais e nos centros de saúde;
- Consagra regras relativas à avaliação da qualidade dos serviços de saúde, prevendo, nomeadamente, a constituição em cada unidade de saúde de uma comissão de avaliação de qualidade, cuja composição é definida pelas ARS;
- Prevê o desenvolvimento de estímulos destinados aos serviços e aos profissionais.
Dos hospitais (Capítulo II):
Estabelece regras relativas aos órgãos dos hospitais (conselho de administração, director do hospital, director clínico, enfermeiro-director, administrador geral, direcção técnica e apoio técnicos), bem como as respectivas competências.
Dos centros de saúde (Capítulo III):
Consagra regras relativas à composição e competências da direcção dos centros de saúde, bem como as competências do director do centro de saúde, do director de enfermagem, director clínico, director administrativo e financeiro e de direcção técnica.
Selecção, nomeação, responsabilidade e fiscalização dos órgãos de administração e direcção (Capítulo IV):
- Estabelece que a selecção dos membros dos conselhos de administração dos hospitais e das direcções dos centros de saúde é feita por concurso, competindo a sua nomeação às ARS;

Página 601

0601 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

- Consagra a possibilidade de exoneração dos membros dos conselhos de administração dos hospitais e das direcções dos centros de saúde devido ao incumprimento do orçamento-programa, à falta de observância ou violação grave dos deveres de gestor.
Da gestão financeira, patrimonial e do pessoal dos serviços de saúde (Capítulo V):
- Estabelece regras relativas a receitas e despesas dos serviços de saúde, à contabilidade, ao património e à gestão patrimonial e financeira;
- Consagra regras relativas ao pessoal, nomeadamente aplicando-lhe o regime jurídico de emprego público e fazendo depender a abertura de concursos de ingresso para as vagas existentes nos quadros de autorização da ARS.

III - Enquadramento constitucional e legal

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no artigo 64.º, n.º 1, que todos os cidadãos "(...) têm o direito à saúde e o dever de a proteger", incumbindo prioritariamente ao Estado, nos termos do n.º 3 da referida norma, "garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e unidades de saúde".
A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, veio, por seu lado, consagrar, no n.º 4 da Base I, que "os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos".
O Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de Maio, veio definir o regime jurídico dos Sistemas Locais de Saúde, estabelecendo que os mesmos são constituídos pelos centros de saúde, hospitais e outros serviços e instituições, públicos ou privados, com ou sem fins lucrativos, com intervenção, directa ou indirecta, no domínio da saúde, numa determinada área geográfica de uma região de saúde.
O citado diploma legal estabelece, nessa conformidade, a forma e os requisitos de criação de SLS, os seus órgãos e respectivas competências, bem como os respectivos instrumentos de gestão.
O Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, estabelece o regime jurídico aplicável aos centros de saúde, nomeadamente no que concerne à sua criação, estrutura organizacional, composição e competências dos respectivos órgãos, mandato dos titulares dos órgãos e correspondentes remunerações e à gestão financeira e patrimonial.
O Decreto-Lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, veio estabelecer o regime geral a que deve obedecer a criação de Centros de Responsabilidade Integrados, definidos como estruturas orgânicas de gestão intermédia, agrupando serviços e/ou unidades funcionais homogéneas e ou afins, que têm por objectivo melhorar a acessibilidade, a qualidade, a produtividade, a eficiência e efectividade da prestação dos cuidados de saúde, através de uma melhor gestão dos respectivos recursos.
São, pois, estes os diplomas legais que Grupo Parlamentar do PCP pretende alterar através do projecto de lei n.º 82/IX.
Contudo, dado que o projecto de lei vertente contempla normas atinentes à gestão hospitalar, importa, de igual modo, fazer uma breve alusão ao quadro legal vigente que tutela esta matéria. Temos, assim:
O Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de Janeiro, que estabelece o quadro legal aplicável à actividade e ao funcionamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Por seu turno, o n.º 1 da Base XXXVI da citada lei estabelece expressamente que "a gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão, submetidas a regras por ela fixadas".
Cumpre salientar que, ao abrigo da citada norma legal, foram sendo levadas a cabo, nos últimos anos, experiências inovadoras no domínio da gestão hospitalar, como sejam as relativas ao Hospital de São Sebastião, criado pelo Decreto-Lei n.º 151/98, de 5 de Junho, à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, criada pelo Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de Junho, e ao Hospital do Barlavento Algarvio, criado pelo Decreto-Lei n.º 76/2001, de 27 de Fevereiro.
Finalmente, de referir a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2002, que prevê a possibilidade dos hospitais poderem vir a adoptar um novo modelo de gestão, através da sua constituição sob a forma de entidades públicas empresariais.

IV - Parecer

A Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 82/IX, do PCP, relativo à lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação.
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 4 de Julho de 2002. O Deputado Relator, Luís Carito - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do PCP, BE e Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 91/IX
(APROVA A LEI DE ENQUADRAMENTO DE GESTÃO HOSPITALAR)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota prévia

O Partido Socialista apresentou à Assembleia da República o projecto de lei n.º 91/IX - Aprova a lei de enquadramento de gestão hospitalar.
Esta apresentação foi efectuada nos termos constitucionais e regimentais, reunindo os necessários requisitos.
A iniciativa sub judice desceu à Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais para emissão do competente relatório e parecer.

Página 602

0602 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

A discussão, na generalidade, deste projecto de lei foi agendada para a reunião plenária de 4 de Julho de 2002.

II - Do objecto e motivação

O projecto de lei n.º 91/IX, resultante da iniciativa do PS, tem como motivação dar cumprimento ao imperativo constitucional do artigo 64.º, n.º 1, com o reconhecimento de que a legislação em vigor já não se encontra adequada a dar cumprimento a esta obrigação constitucional, e, ainda, que deve dar sequência a legislação aprovada durante os últimos anos.
Por outro lado, o PS propõe-se corporizar com este projecto de diploma uma das medidas preconizadas no seu programa eleitoral e, ao mesmo tempo, permitir, na sua óptica, o cumprimento por parte do Estado do compromisso assumido no quadro do Programa de Estabilidade e Crescimento em que Portugal se compromete a "converter em empresas públicas hospitais de média dimensão e com capacidade estrutural e experiência positiva de desempenho que lhes permita, com uma dotação extraordinária de capital, melhorar as condições de qualidade e eficiência de desempenho e resolver o passivo acumulado".
O projecto de lei enuncia ainda diversos considerandos, nomeadamente quanto à modernização da gestão hospitalar

III - Dos antecedentes parlamentares

Desde a IV Legislatura foram apresentados, pelos diversos grupos parlamentares, vários projectos de lei sobre gestão hospitalar e gestão dos centros de saúde.
Na IV Legislatura o Grupo Parlamentar do PRD apresentou o projecto de lei n.º 268/IV, sobre as bases da gestão hospitalar, e o projecto de lei n.º 324/IV, sobre as bases de gestão das Administrações Regionais de Saúde.
Ainda nessa legislatura o Grupo Parlamentar do PS apresentou o projecto de lei n.º 364/IV, sobre as bases de gestão hospitalar, e o Grupo Parlamentar do CDS o projecto de lei n.º 428/IV, sobre a lei de bases da gestão hospitalar.
Na V Legislatura o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei n.º 135/V, sobre gestão hospitalar, e o projecto de lei n.º 766/V, sobre a regionalização dos serviços de saúde, e o Grupo Parlamentar do PS apresentou o projecto de lei n.º 337/V, sobre regionalização e gestão dos centros de saúde. O Grupo Parlamentar do PRD apresentou o projecto de lei n.º 354/V, sobre as bases da gestão hospitalar.
Na VI Legislatura o Grupo Parlamentar do PS apresentou o projecto de lei n.º 540/VI, sobre a lei de gestão hospitalar.
Na VII Legislatura o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei n.º 581/VII, sobre a lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, e ainda o projecto de lei n.º 579/VII, sobre a lei-quadro do financiamento do Serviço Nacional de Saúde. Estas iniciativas foram discutidas conjuntamente ( DAR I Série n.º 82, de 7 de Maio de 1999).
Na VIII Legislatura o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei n.º 494/VIII, sobre a lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde, iniciativa esta que não chegou a ser discutida.
Destas iniciativas apenas o projecto de lei n.º 579/VII foi aprovado, com os votos a favor do PS, do PCP e dos Verdes e com os votos contra do PSD e CDS-PP.

IV - Enquadramento constitucional

A Constituição da República Portuguesa estabelece, no artigo 64.º, n.º 1, que "todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover", direito este que, nos termos do n.º 2, alínea a), do citado artigo, é efectivado "através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito".
Por seu lado, no n.º 4 do artigo 64.º da CRP estabelece-se que "o Serviço Nacional de Saúde tem gestão descentralizada e participada".

V - Enquadramento legal

O Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 202/89, de 22 de Junho, que aprova a Lei de Gestão Hospitalar, para além de qualificar os hospitais quanto à sua natureza jurídica, veio estabelecer os princípios enquadradores da gestão hospitalar, remetendo para regulamentação específica o conjunto de órgãos a existir nos hospitais, a sua designação, composição e competência, responsabilidade e remunerações.
A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto (Lei de Bases da Saúde), veio estabelecer os princípios enquadradores da política de saúde, dispondo, no seu Capítulo III, sobre o Serviço Nacional de Saúde.
O Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, que aprovou o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, veio desenvolver os princípios constantes daquela lei de bases e estabelecer regras atinentes à organização e funcionamento das Administrações Regionais de Saúde, centros de saúde e hospitais.
O Decreto-Lei n.º 335/93, de 29 de Setembro, que aprova o regulamento das Administrações Regionais de Saúde, veio desenvolver e concretizar os princípios consagrados quer na Lei de Bases da Saúde quer no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde quanto às Administrações Regionais de Saúde, designadamente no que concerne às suas atribuições, competências e funcionamento.
O Decreto-Lei n.º 219/99, de 18 de Setembro, cria os Centros de Responsabilidade Integrados nos hospitais do SNS.
Uma referência também ao Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde, e ao Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de Maio, que estabelece o regime dos sistemas locais de saúde.

VI - Parecer

O projecto de lei n.º 91/IX encontra-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições para o debate.

Lisboa, 3 de Julho de 2002. O Deputado Relator, Patinha Antão - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do PCP, BE e Os Verdes.

Página 603

0603 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

PROJECTO DE LEI N.º 94/IX
ELEVAÇÃO DA POVOAÇÃO DE SANTA MARIA DE SARDOURA, NO CONCELHO DE CASTELO DE PAIVA, À CATEGORIA DE VILA

Nota justificativa

1 - Breve caracterização histórica

O topónimo "Sardoura" talvez tivesse procedido do rio deste nome e talvez possa comparar se com "Fontoura" (fonte áurea), "Valoura" (vale áurea), "Riboura" (riba áurea). Todavia, é forçoso mostrar o desconhecimento da significação e ainda apontar que autores há que lhe dão origem arábica. A consideração do elemento "áurea" parece ainda aqui confirmar se com o topónimo Montouro (lugar da freguesia de S. Martinho de Sardoura) o mesmo, na origem que "monte áureo" (tratando se, pois, de topónimos de sentido mineralógico relacionados com a cor dos terrenos tendo em consideração a riqueza mineralógica da Região de Castelo de Paiva.
"Sardoria" é nome já citado no século X e por certoo de muita antiguidade, o que pressupõe que a sua origem seja latina e não árabe.
Ereditate nostra propria que avemus in VALLE SARDORIA urbis Anegie suptus monte Serra Sicca (Diplomata et Chartae doc. 157 do ano 989).
Não haverá dúvida de que, na sua composição, entra o adjectivo latino aureus a um, antecedido do substantivo "Sarda" ou "Sarta". Por isso é, pois, claro que o nome "Sardoira" antes de ser dado à terra o foi ao rio.
No ano de 1045 Rodosilo e filhos vendem a D. Múnio Viegas e a sua esposa D. Únisco a vila de Sardoirinha, na freguesia de Sardoura.
Em 1090 D. Trastamiro Moniz ( filho de D. Múnio Viegas) doa ao mosteiro de Alpendurada propriedades várias, entre as quais a "villa Sala" (Sá de Santa Maria de Sardoura).
Subdividia se a paróquia de Sardoura em reguengos e em honrarias, umas perfeitas e outras imperfeitas. Honras que ficavam na "villa" de Sardoura e na "villa" de Parada, em Linhares, na "villa" de Figueiredo, na Sardoirinha. Sardoura, uma honra perfeita, constituída por quatro casais, em 1258 pertencente a D. Rodrigo Forjaz e a D. Chamoa, honra que foi dada por D. Sancho I à Condessa D. Toda Palazim.
Para além desta honra, o rei tinha no lugar de Sardoura dois casais foreiros, dando lhe um, anualmente, uma taleiga de trigo, uma espádua de porco com nove costelas, mas o trigo devia ser pela medida de Parada, uma galinha, dez ovos, um almude de vinho e um bragal. O outro pagava de foro apenas uma taleiga de trigo e uma espádua de porco de nove costelas. Porém, ambos eram obrigados a dar lutuosa.
A freguesia de Sardoura, no foral dado por D. Manuel I à terra de Paiva, tem um capítulo especial.
Nas Memórias Paroquiais de 1758 do Padre João Rodrigues Pereira de Figueiredo, pároco da freguesia de Santa Maria de Sardoura, localizava se a povoação.
Esta terra de Sardoura se acha no concelho de Paiva, fica na província da Beira, é bispado de Lamego, comarca e termo da vila de Barcelos. A sereníssima Casa de Bragança é a Senhora Donatária deste predito concelho. Esta terra de Sardoura se acha em terras e olivais lavradios se bem de limitado espaço e toda circuitada de terras incultas e montes como são os de S. Gens, São Paulo, monte do Alvo e outros que não têm propriedade ou coisa memorável ou digna de nota que mereça maior extensão. Nesta freguesia não há mais rio do que só um ribeiro que apelidam de rio Sardoura, nasce no monte chamado Serro do Cão que é na estrada que vai para a vila de Arouca e outras terras.
A Igreja nessa época estava já reedificada, excepto a capela mor "(...) orago desta Igreja e a sua padroeira é Nossa Senhora da Assunção que, com solenidade, costuma festejar se por mordomos em os quinze do mês de Agosto de cada ano. A Igreja não tem naves mas é de feitio ordinário."
Importantes e tradicionais são as festividades em honra da Senhora de Agosto (Nossa Senhora da Assunção) na igreja matriz e de Santo Antão (festa das orelheiras) na sua capela erigida no lugar de Sá.
A 30 de Agosto de 1882 fez se concurso para adjudicação das obras da ponte de Entre os Rios. Assente a primeira pedra a 29 de Fevereiro de 1884. A uma fundura de 17 metros abaixo do nível do leito do rio, terminou a construção de todos os pilares a 16 de Outubro de 1885. Últimas experiências feitas a 30 de Abril de 1887. Aberta ao trânsito a 1 de Dezembro de 1887.
Do povoamento pré histórico, castrejo, constam da sua riqueza arqueológica mámoas no Chão, da Forca, em Vales, no Tapado (Vermelhosa); utensílios diversos, do neolítico encontrados no Monte Crasto; necrópole de incineração em Valbeirô, necrópole de Valdemides, na Cruz da Carreira; a pedra formosa no monte Crasto.
Para além do castro que existiu no Monte Crasto, outros devem ter rematado os cumes de S. Gens e de S. Paul.
A electricidade foi inaugurada a 4 de Setembro de 1949.

2 - Condições sócio económicas

A freguesia de Santa Maria de Sardoura tem actividade económica baseada nas seguintes vertentes:
2.1 - Sector primário:
Área do minifúndio e como tal pratica se uma agricultura em regime intensivo com culturas hortícolas, vinha e frutos.
A produção ago florestal e agro pecuária também têm impacto na economia da freguesia.
2.2 - Sectores secundário e terciário:
A actividade industrial é significativa com várias unidades fabris.
O comércio tem também uma representatividade elevada com variados estabelecimentos de cafetaria, mercados, mercearias e outros estabelecimentos de venda a retalho e serviços de apoio a empresas.
2.3 - A freguesia é servida pelas seguintes infra estruturas e associações:
Existe na freguesia o Centro Social de Santa Maria de Sardoura (IPSS, com ATL e actividades para idosos).
Escolas do 1.° ciclo do ensino básico em Reguenga, Pereire e Sá.
Jardins de infância em Oliveira da Reguenga, Pereire e Sá.
Pavilhão desportivo coberto.
Habitação social, com um loteamento a custos controlados.

Página 604

0604 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Habitação promovida pela junta de freguesia em loteamento para auto-construção.
Igreja Matriz e capelas:
Plano director de saneamento concretizado em termos de condutas faltando construir a estação de tratamento de águas residuais (ETAR).
Abastecimento de água ao domicílio para a maioria da população.
Serviços de seguros e bancários.
Serviços de correios e telecomunicações.
Farmácia.
Extensão do Centro de Saúde de Castelo de Paiva a funcionar no edifício da junta de freguesia.
Sede da junta de freguesia.
Associação Cultural e Recreativa de Sardoura, a disputar o Campeonato da II Divisão da Associação de Futebol de Aveiro.
Parque de jogos.
Os transportes são assegurados por serviços públicos e táxis.
Santa Maria de Sardoura possui no seu território o Cais de Sardoura, equipamento portuário de entreposto para mercadorias, com predominância para a pedra que se extrai, designadamente nas pedreiras de Alpendorada, Pedras Salgadas Viseu e Aguiar da Beira.
Este entreposto também é importante para a navegação de recreio que abunda no rio Douro. A título de exemplo, a navegação de recreio no ano de 2001 registou um movimento de 316 embarcações de recreio nas eclusas de navegação, que realizaram 1212 viagens, transportando 5444 turistas, verificando se um substancial aumento, em relação a 2000, do número de embarcações que utilizaram as eclusas, o que justificará um maior interesse pelo turismo fluvial.
Santa Maria de Sardoura tem uma população de mais de 3000 habitantes (sendo a segunda maior freguesia do concelho de Castelo de Paiva em termos populacionais, logo a seguir à de Sobrado), tendo registado no último recenseamento geral da população 858 alojamentos familiares e 797 famílias clássicas.
Santa Maria de Sardoura é freguesia do concelho de Castelo de Paiva, distrito de Aveiro e diocese do Porto. Está situada na margem esquerda do rio Douro, a cerca de cinco quilómetros a noroeste da sede do concelho. Tem por orágo Santa Maria.
A freguesia de Santa Maria de Sardoura reúne os requisitos fixados pela Lei n.º 11/82, de 2 de Junho, para ser elevada à categoria de vila.
Paralelamente, como fica demonstrado, tem razões históricas e culturais que preponderam na presente iniciativa legislativa.
Nestes termos, os Deputados do PSD abaixo assinados, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único

A povoação de Santa Maria de Sardoura, no concelho de Castelo de Paiva, é elevada à categoria de vila.

Palácio de São Bento, 27 de Junho de 2002. Os Deputados do PSD: Manuel Oliveira - Jorge Morgado - Gonçalo Breda Marques - Isménia Franco - José Manuel Ribeiro - Cruz Silva - mais duas assinaturas ilegíveis.

PROJECTO DE LEI N.º 95/IX
ELEVAÇÃO DA POVOAÇÃO DE RAIVA, NO CONCELHO DE CASTELO DE PAIVA, À CATEGORIA DE VILA

Nota justificativa

1 - Breve caracterização histórica

Documentos antigos citam a terra de Raiva como uma área onde existiram duas minas de chumbo denominadas de "Ribeira da Lomba" e "Ferramonte" e uma importante mina de carvão, denominada "Couto Mineiro do Pejão".
Esta área foi remotamente habitada, como se depreende da existência de mámoas descobertas no sítio do Monte Grande, por povos dominadores da Península, de que se encontram numerosos vestígios (mós e fragmentos de colunas). Raiva foi honra e concelho a que D. Manuel pretendeu dar foral. A minuta ainda existe na Torre do Tombo, mas o foral não chegou a ser expedido visto ser honra e o rei lhe não poder conceder regalias especiais.
O cadastro da Beira de 1527 diz que a honra tinha três lugares: Raiva, com oito moradores, Gondarém, com sete, e Serradelo, com sete.
O próprio topónimo principal, Raiva, pela sua forma antiga, Arrábia (cuja vogal inicial depois se confundiu como artigo, resultando menos exactamente Raiva), parece conter, apesar de algumas dificuldades fonéticas, o termo briga, de origem céltica, alusivo ao ópido pré histórico. Aqui passava uma estrada, por certo romana.
A paróquia de S. João da Raiva, cuia igreja foi dos grandes Gascos do século XI, era ainda de apresentação dos fidalgos do século XIII. Em 1109, D. Ermesinda Moniz doou ao Mosteiro de Pendorada a sua parte naquela igreja.
No século XVIII haviam na freguesia capelas ou ermidas dedicadas a S. José e a Santo Ildefonso, em Midões; a Santa Catarina, no Serradelo; a de S. Lourenço, no Folgoso; a de Nossa Senhora das Amoras, cerca de Oliveira; e a de S. Domingos, sobre os Pereiros. Então parte da freguesia era da Casa de Bragança e parte da própria honra da Raiva era da coroa.
Antiga freguesia de São João Baptista da Raiva, foi abadia da apresentação do padroado real e, mais tarde, da apresentação dos Condes de Marialva, D. Francisco Coutinho e D. Brites de Meneses, dos quais a herdou o Infante D. Fernando, que era genro deles. A morte deste e de sua esposa sem descendência fez cair a abadia de Raiva na coroa, que passou a apresentá la, tendo o abade, em meados do século XVIII, um rendimento de 600 000 réis.
Foi concelho a partir de 1527, facto comprovado pelo seu Pelourinho, classificado como imóvel de interesse público desde 11 de Outubro de 1933, através do Decreta n.º 23 122. Ao tempo a Câmara era constituída por um juiz ordinário, um vereador, um procurador e um almotacé.
A freguesia da Raiva pertence ao concelho de Castelo de Paiva, distrito de Aveiro, e tem por orágo S. João Baptista. Dista merca de 12 Km da sede do concelho e situa se na margem esquerda do Rio Douro.

2 - Condições sócio económicas

A freguesia de Raiva tem uma actividade económica nos seguintes domínios:
Actividades agrícolas e florestais: área de minifúndio, pratica se uma agricultura de subsistência, com actividade agro pecuária e florestal.
Actividades comerciais: supermercados, mercearias, cabeleireiros, cafetarias, pastelaria, restauração, estabelecimentos

Página 605

0605 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

de electrodomésticos, estabelecimentos de material eléctrico, sapataria, quiosque, venda de materiais para a construção civil e estúdio de fotografia.
Actividades industriais: fábricas de calçado, carpintarias, oficinas de reparação de automóveis, fabrico de panificação, confecções, indústrias de construção civil e doçaria tradicional.
Serviços: apoio a empresas, posto de abastecimento de combustíveis, serviço público de telefones, posto de CTT, serviços bancários e de seguros, saneamento básico e abastecimento de água e gabinetes de projectos.
Equipamentos sociais e movimento associativo: na freguesia existe o Centro Social do Couto Mineiro, com valências para a primeira infância, actividades de ocupação de tempos livres, apoio a jovens e idosos, casa do povo, atendimento de segurança social, extensão do centro de saúde, serviço de análises clínicas e farmácia.
Estabelecimentos de ensino pré escolar e ensino básico: em construção a Escola Básica 2.3 do Couto Mineiro, do Pejão.
Sede da junta de freguesia.
Igreja e capelas.
Salão de espectáculos.
Parques de jogos.
Polidesportivo.
Associações desportivas.
Associações culturais e recreativas.
Rancho folclórico.
Grupos corais litúrgicos.
Associação de caça e pesca.
Associação de defesa do património ambiental.
A povoação de Raiva é servida por empresas de transportes colectivos e por serviço de táxis.
Na Raiva tem tradição antiga a realização das festas em honra de S. Domingos, que se realiza a 4 de Agosto, e a Nossa Senhora das Amoras, a 7 e 8 de Setembro, para as quais se deslocam pessoas de várias localidades das redondezas.

3 - Localização geográfica e demografia

A freguesia de Raiva, sita no concelho de Castelo de Paiva, pertence ao distrito de Aveiro. Tem uma superfície de cerca de 13.5 quilómetros quadrados e uma população residente próxima dos 3000 habitantes.
Segundo o último recenseamento geral da população, foram registadas 738 famílias clássicas e duas institucionais, bem como 995 alojamentos familiares.
Face ao exposto, parece nos que se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 12.º, conjugado com o artigo 14.º da Lei n.º 11/82, de 2 de Junho, para que a povoação de Raiva seja elevada à categoria de vila.
Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, abaixo assinados, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único

A povoação de Raiva, no concelho de Castelo de Paiva, é elevada à categoria de vila.

Palácio de São Bento, 27 de Junho de 2002. Os Deputados do PSD: Manuel Oliveira - Jorge Morgado - Gonçalo Breda Marques - Isménia Franco - José Manuel Ribeiro - Cruz Silva - mais duas assinaturas ilegíveis.

PROJECTO DE LEI N.º 96/IX
ALTERA E REPUBLICA A LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO (LEI DA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS)

Exposição de motivos

I - A revisão constitucional de 1997 integrou o sistema de justiça militar no sistema penal comum. Isso traduziu-se, em primeiro lugar, na extinção dos tribunais militares em tempo de paz - com o consequente cometimento da jurisdição em matéria penal militar aos tribunais judiciais; em segundo lugar, na imposição de que a composição dos tribunais de qualquer instância que julguem crimes estritamente militares integre juízes militares, em termos a definir por lei; e, finalmente, na consagração do conceito de "crime estritamente militar".
Deste comando resultam consequências nos planos material, processual e organizatório, que cumpre, finalmente, consagrar na lei ordinária. Quanto aos dois primeiros, pode dizer-se que, ficando a jurisdição penal integralmente confiada aos tribunais judiciais, mal se compreenderia que o regime da lei penal comum, substantiva e processual, não fosse adoptado - com as especialidades inerentes à matéria - para os crimes estritamente militares.
Quanto ao plano organizatório, a questão afigura-se diversa. A solução adoptada pelo legislador da revisão constitucional para a atribuição da jurisdição penal militar aos tribunais judiciais não permite deixar intocada a estrutura destes. Ao contrário da solução acolhida por outros ordenamentos jurídicos (v.g., o francês), a CRP dispõe que os tribunais de qualquer instância que julguem crimes estritamente militares devem integrar, na sua composição, juízes militares.
A previsão constitucional da criação de juízes militares privativos explica-se pela abordagem dos crimes estritamente militares como ilícitos penais especiais, cuja apreciação exige específicos conhecimentos técnicos. O legislador da revisão constitucional não desejou uma transição demasiado brusca de um sistema de tribunais altamente especializados em função da matéria para outro em que os crimes sejam submetidos ao julgamento de magistrados não especializados. Daí a solução intermédia dos juízes militares privativos.
Assim, a presente proposta de lei de alteração à LOFTJ vem dar um sentido mais profundo a essa lógica de integração. Se da CRP resulta a presença necessária de juízes militares nos tribunais que julguem crimes estritamente militares, a sede legislativa própria para tornar exequível o preceito constitucional é a LOFTJ.
II - A criação dos lugares de juiz militar obedeceu a uma preocupação de pragmatismo e de economia. Desde logo se afastou a solução de realizar os julgamentos por crimes estritamente militares nos tribunais comuns, de acordo com os critérios de competência territorial, com juízes militares escolhidos ad hoc. Tal solução tinha dois graves inconvenientes.
Em primeiro lugar, as forças armadas não têm a possibilidade de manter em prevenção oficiais generais ou superiores para participarem em julgamentos que se realizem ao longo do País, incluindo nas regiões autónomas. Para além das despesas das deslocações, seria altamente perturbador o constante desviar dos oficiais das suas tarefas normais para irem participar em julgamentos.
Em segundo lugar, sendo os crimes estritamente militares cometidos, na maioria dos casos, por militares, a deslocação

Página 606

0606 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

a tribunal, ao longo de várias sessões de julgamento, de arguidos, testemunhas, peritos e assessores, maioritariamente militares, seria incomportável para as forças armadas se a competência não fosse concentrada e estivesse difusa por todas as comarcas do País.
Deste modo, a solução preconizada no projecto surge como a decorrência lógica das premissas anteriormente descritas. A disposição constitucional que obriga à integração de juízes militares nos tribunais de qualquer instância que julguem crimes estritamente militares, conjugada com a aplicação plena do Código de Processo Penal ao julgamento dos mesmos, leva a prever a existência de juízes militares nas secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, na secção criminal da Relação de Lisboa e nas varas criminais da comarca de Lisboa.
III - O presente projecto de lei retoma, com ligeiras alterações, a proposta de lei do XIV Governo Constitucional.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Artigos alterados

Os artigos 34.º, 47.º, 56.º, 80.º, 98.º e 105.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 34.º
Especialização das secções

As secções cíveis julgam as causas que não estejam atribuídas a outras secções, as secções criminais julgam as causas de natureza penal e de natureza penal estritamente militar e as secções sociais julgam as causas referidas no artigo 85.º.

Artigo 47.º
Definição

1 - (...)
2 - (...)
3 - O Tribunal da Relação de Lisboa tem jurisdição, em todo o território nacional, para o julgamento dos crimes estritamente militares.

Artigo 56.º
Competência das secções

1 - Compete às secções, segundo a sua especialização:

a) (...)
b) Julgar as acções propostas contra juízes de direito e juízes militares, Procuradores da República e procuradores-adjuntos, por causa das suas funções;
c) Julgar processos por crimes cometidos pelos magistrados e juízes militares referidos na alínea anterior e recursos em matéria contra-ordenacional a eles respeitantes;
d) (...)
e) (...)
f) (...)
g) (...)
h) (...)

2 - Nos casos previstos na alínea d) do número anterior intervêm a secção ou as secções especializadas nas matérias objecto do conflito.

Artigo 80.º
Casos especiais de competência

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes estritamente militares, cabe à secção de instrução criminal militar do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, com jurisdição em todo o território nacional; à medida que o movimento processual o justifique podem ser criadas idênticas secções noutros tribunais, com jurisdição numa ou mais áreas definidas no artigo 15.º.
5 - (anterior n.º 4)

Artigo 98.º
Varas criminais

1 - (anterior corpo do artigo)
2 - As varas criminais da comarca de Lisboa têm competência para o julgamento dos crimes estritamente militares, com jurisdição em todo o território nacional.

Artigo 105.º
Composição

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Nas varas criminais da comarca de Lisboa prestam serviço um juiz militar por cada ramo das forças armadas e um da GNR, intervindo nos termos do disposto no Código de Justiça Militar.
5 - (anterior n.º 4)"

Artigo 2.º
Artigos aditados

São aditados os seguintes artigos à Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro:

"Artigo 29.º-A
Juízes militares

No Supremo Tribunal de Justiça há um juiz militar por cada ramo das forças armadas.

Artigo 50.º-A
Juízes militares

No Tribunal da Relação de Lisboa há um juiz militar por cada ramo das forças armadas."

Artigo 3.º
Processos pendentes

Os processos pendentes nos tribunais militares à data da entrada em vigor da presente lei transitam para os tribunais competentes consoante o estado em que se encontrarem.

Artigo 4.º
Regulamentação e entrada em vigor

1 - O Governo regulamentará a presente lei, através de decreto-lei, no prazo de 90 dias a contar da sua publicação.

Página 607

0607 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - O decreto-lei referido no número anterior dispõe, nomeadamente, sobre o destino dos documentos, livros, arquivos e demais bens móveis pertencentes ou afectos aos tribunais existentes.
3 - A presente lei, bem como o decreto-lei que a regulamentar, entra em vigor com a entrada em vigor do novo Código de Justiça Militar, sem prejuízo da vigência da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Assembleia da República, 2 de Julho de 2002. Os Deputados do PS: Vitalino Canas - António Costa - Marques Júnior - Guilherme d'Oliveira Martins - José Magalhães - Miranda Calha - mais uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE LEI N.º 97/IX
APROVA UM NOVO CÓDIGO DE JUSTIÇA MILITAR E REVOGA A LEGISLAÇÃO EXISTENTE SOBRE A MATÉRIA

Exposição de motivos

I - A revisão constitucional de 1997 determinou a integração do sistema de justiça militar no sistema penal e processual penal comum, com todas as respectivas implicações no que toca à legislação penal substantiva e processual, bem como no que se refere ao sistema judicial e à organização dos tribunais.
II - Na VIII Legislatura o governo apresentou propostas de lei que visavam a concretização daquele desiderato. O Grupo Parlamentar do PS assume agora, no essencial, o sentido geral dessas propostas de lei, apresentando, nomeadamente, o presente projecto de lei que aprova um novo Código de Justiça Militar.
O projecto de Código de Justiça Militar consuma a extinção dos tribunais militares em tempo de paz - com o consequente cometimento da jurisdição em matéria penal militar aos tribunais judiciais - e procede à concretização legal do conceito de "crime estritamente militar".
A lei penal comum, substantiva e processual, passará a ser, por via de regra, a lei dos crimes estritamente militares. Isso está em relação com o exercício da jurisdição penal militar, agora, por força da Constituição, atribuído à ordem dos tribunais judiciais.
O facto de agora a Constituição já não falar de "crimes essencialmente militares" mas de "crimes estritamente militares" implica a definição mais restritiva do bem militar a proteger e, por força disso, a redução do elenco destes crimes, com relação aos da lei em vigor.
O que caracteriza o crime estritamente militar são a exclusividade ou prevalência do bem militar em causa e que este se apura com referência às funções atribuídas às forças armadas pela Constituição: garantir a independência nacional, a integridade do território, a liberdade e a segurança das populações contra agressões ou ameaças externas, bem como satisfazer os compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.
Já dizia Figueiredo Dias que "o direito penal militar só pode ser um direito de tutela dos bens jurídicos militares, isto é, daquele conjunto de interesses socialmente valiosos que se ligam à função militar específica: a defesa da Pátria, e sem cuja tutela as condições de livre desenvolvimento da comunidade seriam pesadamente postas em questão". É assim também que a jurisprudência constitucional mais recente afirma que "entre o direito penal geral e o direito penal cujo objecto está associado à actividade militar há, seguramente, uma relação de especialidade, no sentido de este último se referir à tutela de bens jurídicos especiais, inerentes às funções públicas ao serviço do Estado de direito democrático cometidas às forças armadas" (Acórdão n.º 432/99, de 3 de Dezembro de 1999).
Daí que o novo Código considere crime estritamente militar "o facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às forças armadas e como tal qualificado por lei".
Os crimes estritamente militares definem-se, assim, por conexão estreita com os valores da instituição militar constitucionalmente afirmados, os que se recortam na estrutura e funcionalidade dessa instituição em ordem àqueles valores.
Ora, na estrutura da instituição militar sobrelevam as características essenciais da hierarquia e disciplina. São elas que vão justificar - sempre em conjugação com a sua relevância constitucional directa - uma maior intensidade, em geral, da punição, com relação ao direito penal comum. Isto é assim quando se gera uma situação de incapacidade ou falta de prontidão para a realização das funções que às forças armadas são cometidas pela Constituição.
A essencialidade das características da hierarquia e disciplina leva, em certos casos, a um problema de delimitação dos tipos penais estritamente militares. São os casos em que no facto penalmente relevante a intensidade dessas características concorre com valorações próprias do direito penal comum. Isso torna inevitável a construção de tipos penais complexos, onde emerge uma natural dificuldade de arrumação sistemática, é dizer mesmo, uma dificuldade de repartição de tipos entre o CJM e o CP.
Pois se o carácter de estritamente militar se define pela exclusividade ou prevalência do bem militar protegido pela incriminação, não é menos verdade que a qualidade de estritamente militar reconhecida a uma certa factualidade em que concorrem elementos materiais de direito penal comum justifica-se, em certos casos, na intensidade com que as circunstâncias de guerra se impõem à valoração do legislador, de tal modo que existe uma necessária consumpção da identidade destes na emergência de valores constitucionais militares ínsitos àquelas circunstâncias.
Para mais, factos penalmente relevantes capazes de subentrar no conceito constitucional de crime estritamente militar têm já concretização no Código Penal. É o caso dos artigos 236.º (Incitamento à guerra), 237.º (Aliciamento de forças armadas), 308.º (Traição à pátria), 309.º (Serviço militar em forças armadas inimigas), 310.º (Inteligências com o estrangeiro para provocar guerra), 311.º (Prática de actos adequados a provocar guerra), 312.º (Inteligências com o estrangeiro para constranger o Estado português), 313.º (Ajuda a forças armadas inimigas), 314.º (Campanha contra o esforço de guerra), 315.º (Sabotagem contra a defesa nacional), 316.º (Violação de segredo de Estado) e 321.º (Mutilação para isenção de serviço militar).
O novo Código ordena-se ao imperativo constitucional de uma horizontalização da justiça penal, ou seja, da inclusão possível do direito penal militar no direito penal comum. Perante o CP e o CPP - em regra aplicáveis - o CJM tem carácter de excepção. Ali onde se não convoca a Parte Geral do Código Penal ou o CPP é porque existe uma justificação constitucional.

Página 608

0608 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

O resultado da nova política legislativa, que em tais pressupostos assenta, é a notável redução do CJM em vigor. Sublinhe-se a enorme extensão do actual Código (cerca de 400 artigos) que, como se sabe, inclui normas substantivas e de processo, normas de administração e organização judiciárias, tipos penais de "textura" ampla que já não correspondem ao desafio do conceito constitucional de crime estritamente militar.
O novo Código reformula, em toda a linha, a velha ordem do direito penal militar. Aproximando a "cidadela militar" da "cidade civil", segundo a filosofia constitucional de modernização das forças armadas num Estado de direito democrático, ele refunde a normação em vigor: elimina e simplifica tipos, chama a regulação geral do direito penal e processual penal comuns e só subsiste autónomo em homenagem a um princípio de arrumação e economia de sistema, a servir de apoio à interpretação e à aplicação. O que está no novo Código são as normas que especializam princípios gerais de direito penal e processual penal, que tipificam crimes estritamente militares, que definem a organização judiciária militar em tempo de guerra.
Como se deixou afirmado, a arrumação sistemática dessas normas em diploma próprio mostra-se mais adequada porque facilitadora da acção dos operadores jurídicos, já que constitui um método simples e obvia a alterações avulsas em códigos como o CP e o CPP. Ao que acresce que o direito comparado mostra que na maioria dos países de cultura política europeia a normação do direito militar está codificada em lei própria, que é, afinal, de sua vez, revelação do carácter especial desse direito.
III - No sentido de realizar o desiderato constitucional de integração do sistema penal militar no sistema penal comum, a Parte Geral do CJM é, a título principal e não subsidiário, a Parte Geral do CP. Somente a necessidade de especializar momentos normativos da lei penal comum ou regular matérias por ela ignoradas leva à enunciação de uma Parte Geral do CJM. Tal opção harmoniza-se com o disposto no artigo 8.º CP, o qual determina que as suas disposições são aplicáveis aos factos puníveis pelo direito penal militar.
Suprimiu-se a referência à pena de prisão militar - que se designa agora de pena de prisão - por se entender que se trata da mesma realidade já prevista no CP. Contudo, mantém-se a forma diferenciada de execução da pena de prisão imposta a militares que não tenham perdido essa qualidade, que é o seu cumprimento em estabelecimento prisional militar com sujeição à disciplina militar. Esta forma de execução da pena de prisão, tão própria da instituição militar, facilitará a reintegração social do indivíduo na vida militar, após o cumprimento da pena.
Em matéria de penas, prevêem-se, como pena acessória, a expulsão das forças armadas e, como pena substitutiva, a multa.
No artigo 22.º do PCJM prevê-se que "os serviços militares relevantes em tempo de guerra e os actos de assinalado valor em todo o tempo, como tais qualificados e publicados no Diário da República ou quaisquer ordens de serviço, com referência individual, podem, se praticados depois do crime, ser considerados pelos tribunais como motivo de dispensa de pena ou de reabilitação do condenado".
Esta norma remete para um domínio de justificação distinto do que subjaz à dispensa de pena prevista no artigo 74.º do CP. Aqui releva a bagatela penal, ali o carácter excepcional de um benefício que o arguido realiza à sociedade por um comportamento de risco inexigível e que, em boa verdade, o torna merecedor do perdão da pena. Então, a norma do artigo 22.º deixa uma margem de abertura ao juízo concreto do julgador. O mesmo vale no plano da atenuação especial da pena.
IV - Ainda no plano dos tipos penais militares, sublinha-se, em síntese, a remoção de vestígios de "foro pessoal" que entranhavam a definição de alguns crimes, a remoção de tipos com factos obsoletos que já não se verificam ou a conversão da relevância penal de alguns factos numa, menos grave, relevância disciplinar.
Mas também, de outro lado, uma política legislativa de modernização das forças armadas, com enfoque nas missões que lhes são cometidas pela Constituição, implica o surgimento de valores reclamando protecção jurídico-penal em tipos como o ataque a sentinelas ou a elementos dos serviços de saúde e religiosos, os crimes cometidos em aboletamento ou as violências sobre as populações em tempo de guerra.
E, depois, a participação das forças armadas em missões humanitárias e de paz fora do território nacional reclama tutela específica para situações que, por força da concorrência de ordenamentos jurídicos distintos, podem subtrair-se à tutela penal.
O projecto opta por uma induzida variação de amplitude das molduras penais, no sentido do asseguramento de uma previsibilidade mínima da pena. Há ainda uma diminuição acentuada das penas, capaz de observar os critérios de igualdade e proporcionalidade no confronto com as molduras do CP e em ordem às orientações da jurisprudência constitucional. A reponderação da modulação penal foi feita à luz das novas concepções da funcionalidade do direito penal e da interpretação da "coisa militar" segundo os desideratos de um Estado de direito democrático.
V - Ficou observado que o CPP se aplica a título principal à investigação e julgamento dos crimes estritamente militares. Porém, foi necessário especificar quais os tribunais competentes para a instrução e o julgamento dos crimes estritamente militares.
A especificidade dos crimes em causa levou a manter-se a Polícia Judiciária Militar como órgão de polícia criminal para esses crimes, com funções de investigação e coadjuvação das autoridades judiciárias no inquérito e na instrução, tão evidente é a sua preparação para esta tarefa.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

É aprovado o Código de Justiça Militar (CJM) anexo ao presente diploma.

Artigo 2.º
Disposição revogatória

1 - É revogado o Decreto-Lei n.º 141/77, de 9 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 319-A/77, de 5 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 177/80, de 31 de Maio.
2 - São revogadas todas as disposições de diplomas não enumerados no número anterior que sejam incompatíveis com o Código de Justiça Militar, nomeadamente as constantes em legislação especial avulsa que proíbam ou restringem a suspensão da pena de prisão.

Página 609

0609 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 3.º
Conversão de penas

As penas de presídio militar, de prisão militar e de prisão maior que estejam a ser executadas devem ser convertidas em penas de prisão.

Artigo 4.º
Aplicação do regime de liberdade condicional

Às penas que se encontrem em execução à data da entrada em vigor do CJM aplica-se o regime de liberdade condicional nele previsto.

Artigo 5.º
Aplicação da lei processual penal no tempo

1 - As disposições processuais do CJM são de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior.
2 - Da aplicação imediata da nova lei processual penal fica ressalvada qualquer limitação dos direitos de defesa do arguido, aplicando-se a lei anterior com as necessárias adaptações.

Artigo 6.º
Legislação complementar e conexa

1 - O CJM entra em vigor na data da entrada em vigor dos diplomas que versem sobre as seguintes matérias:

a) Regime de execução da pena de prisão imposta a militares;
b) Organização e funcionamento da Polícia Judiciária Militar.

2 - Os diplomas referidos no número anterior são aprovados no prazo de 180 dias a contar da publicação do CJM.

Palácio de São Bento, 2 de Julho de 2002. Os Deputados do PS: Vitalino Canas - António Costa - Marques Júnior - Guilherme d'Oliveira Martins - José Magalhães - Miranda Calha - mais uma assinatura ilegível.

Anexo

Código de Justiça Militar

Livro I
Dos crimes

Título I
Parte geral

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
Âmbito de aplicação

1 - O presente Código aplica-se aos crimes de natureza estritamente militar.
2 - Constitui crime estritamente militar o facto lesivo dos interesses militares da defesa nacional e dos demais que a Constituição comete às forças armadas e como tal qualificado pela lei.

Artigo 2.º
Aplicação subsidiária

1 - As disposições do Código Penal são aplicáveis aos crimes de natureza estritamente militar em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma.
2 - As disposições deste diploma são aplicáveis aos crimes de natureza estritamente militar puníveis por legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário.

Artigo 3.º
Aplicação no espaço

1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, as disposições deste Código são aplicáveis quer os crimes sejam cometidos em território nacional quer em país estrangeiro.
2 - As disposições do presente Código só são aplicáveis a factos cometidos no estrangeiro e por estrangeiros desde que os respectivos agentes sejam encontrados em Portugal.

Capítulo II
Conceitos

Artigo 4.º
Conceito de militar

Para efeito deste Código consideram-se militares:

a) Os oficiais, sargentos e praças dos quadros permanentes das forças armadas e da Guarda Nacional Republicana em qualquer situação;
b) Os oficiais, sargentos e praças não pertencentes aos quadros permanentes na efectividade de serviço;
c) Os alunos das escolas de formação de oficiais e sargentos.

Artigo 5.º
Aspirantes a oficial

Os aspirantes a oficial consideram-se como oficiais, para efeitos penais.

Artigo 6.º
Superiores

Para efeitos de incriminação penal, não se consideram superiores os oficiais, sargentos e praças do mesmo posto, salvo se forem encarregados, permanente ou incidentalmente, do comando de qualquer serviço e durante a execução deste.

Artigo 7.º
Local de serviço

1 - Considera-se local de serviço o quartel, a base, o estabelecimento militar, o navio, a embarcação ou aeronave militar, bem como a área onde decorrem exercícios ou operações militares.
2 - Os navios e aeronaves apresados, ou por qualquer título incorporados nas forças armadas, são considerados militares.

Página 610

0610 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 8.º
Crimes cometidos em tempo de guerra

São considerados crimes cometidos em tempo de guerra os perpetrados estando a Nação em estado de guerra declarada com país ou organização estrangeiros.

Artigo 9.º
Equiparação a crimes cometidos em tempo de guerra

Para efeitos de aplicação do disposto no Livro I e nos Capítulos I a V do Livro II deste Código, consideram-se, com as necessárias adaptações, equivalentes a crimes cometidos em tempo de guerra os perpetrados em estado de sítio, bem como os relacionados com o empenhamento das forças armadas ou de outras forças militares em missões de apoio à paz, no âmbito dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português.

Artigo 10.º
Prisioneiros de guerra e equiparados

1 - Em tempo de guerra, os militares prisioneiros de guerra ficam sujeitos às autoridades militares portuguesas e são tratados, para efeitos penais, consoante o seu posto.
2 - Para efeitos da prática de algum dos crimes previstos no Capítulo VI do Título II do Livro I deste Código, os prisioneiros de guerra e os civis estrangeiros sujeitos, em tempo de guerra, às autoridades militares portuguesas, são considerados como subordinados de qualquer militar português que os tiver prendido ou à ordem de quem estiverem.

Artigo 11.º
Crimes contra a segurança e bens de país aliado

Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, as disposições dos artigos 56.º a 58.º e das Secções III e IV do Capítulo V do Título II do Livro I deste Código são aplicáveis aos factos praticados em prejuízo da segurança de país aliado ou contra os seus bens militares, havendo reciprocidade, ou de grupo ou aliança de que Portugal faça parte.

Capítulo III
Das formas do crime e das causas de exclusão da responsabilidade criminal

Artigo 12.º
Punição da tentativa

A tentativa de crimes estritamente militares é punível, qualquer que seja a pena aplicável ao crime consumado.

Artigo 13.º
Perigo

O perigo iminente de um mal igual ou maior não exclui a responsabilidade do militar que pratica o facto ilícito, quando este consista na violação de dever militar cuja natureza exija que suporte o perigo que lhe é inerente.

Capítulo IV
Das penas

Secção I
Pena principal

Artigo 14.º
Pena de prisão

1 - O crime estritamente militar é punível com pena de prisão.
2 - A pena de prisão tem a duração mínima de um mês e a duração máxima de 25 anos.
3 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo referido no número anterior.

Artigo 15.º
Execução da pena de prisão

A execução da pena de prisão aplicada a militares é regulada em legislação própria, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos.

Artigo 16.º
Liberdade condicional

1 - Aos condenados na pena de prisão de duração inferior a dois anos pode, para além do disposto no Código Penal, ser ainda concedida liberdade condicional, qualquer que seja o tempo da pena cumprida, quando tenham praticado um acto de valor ou prestado serviços relevantes.
2 - O condenado que for posto em liberdade condicional regressa à situação militar que tinha à data da condenação, sem prejuízo da pena acessória que lhe tenha sido imposta.
3 - O serviço militar efectivo prestado durante o período de liberdade condicional é contado para todos os efeitos legais.

Secção II
Penas de substituição, penas acessórias e efeitos das penas

Artigo 17.º
Penas de substituição

1 - Os pressupostos e o regime da suspensão da pena de prisão são os regulados no Código Penal, devendo os deveres e regras de conduta aplicados a militares ser adequados à condição militar.
2 - A pena de multa é aplicável como pena de substituição da pena de prisão nos termos e condições previstos no Código Penal.

Artigo 18.º
Expulsão

1 - A pena acessória de expulsão consiste na irradiação do condenado das fileiras das forças armadas ou de outras forças militares, com perda da condição militar, assim como do direito de usar medalhas militares e de haver recompensas, tornando-o inábil para o serviço militar.
2 - A pena acessória de expulsão só é aplicável aos militares dos quadros permanentes ou em regime de contrato ou voluntariado.

Página 611

0611 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 19.º
Aplicação da pena de expulsão

1 - A pena acessória de expulsão é aplicada na sentença condenatória e executa-se com o respectivo trânsito em julgado.
2 - Pode ser aplicada a pena de expulsão ao militar que for condenado em pena superior a dois anos de prisão e cujo crime revele ser ele incapaz ou indigno de pertencer às forças armadas ou a outras forças militares ou implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função militar.
3 - A pena de expulsão pode ainda ser aplicada ao militar que tiver praticado o crime com flagrante e grave abuso da função que exerce ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, desde que seja condenado em pena de prisão superior a dois anos.
4 - Sempre que um militar for condenado pela prática de crime estritamente militar, o tribunal comunica a condenação à autoridade militar de que aquele depender.

Artigo 20.º
Suspensão do exercício de funções militares

1 - O militar definitivamente condenado a pena de prisão, que não for expulso ou disciplinarmente separado do serviço, incorre na suspensão do exercício de funções militares, ficando fora da efectividade de serviço, enquanto durar o cumprimento da pena.
2 - O tempo em cumprimento da pena de prisão não conta como tempo de serviço militar.

Secção III
Medida da pena

Artigo 21.º
Determinação da medida da pena

Na determinação concreta da pena por crime estritamente militar o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:

a) O comportamento militar anterior;
b) Ser o crime cometido em tempo de guerra;
c) Ser o crime cometido no exercício de funções e por causa delas;
d) Ser o crime cometido em formatura ou estando presentes 10 ou mais militares, não se compreendendo neste número os agentes do crime;
e) Ser o agente do crime comandante ou chefe, quando o facto se relacione com o exercício das suas funções;
f) Ser o crime cometido em presença de algum superior de graduação não inferior a sargento;
g) A maior graduação ou antiguidade no mesmo posto, em caso de comparticipação;
h) A persistência na prática do crime, depois de o agente haver sido pessoalmente advertido para a ilicitude do seu comportamento.
i) A prestação de serviços relevantes e a prática de actos de valor;
j) O cumprimento de ordem do superior hierárquico do agente, quando não baste para excluir a responsabilidade ou a culpa;
l) A provocação por abuso de autoridade nos crimes de insubordinação, quando não baste para justificar o facto;
m) A provocação por insubordinação nos crimes de abuso de autoridade, quando não baste para justificar o facto.

Artigo 22.º
Serviços relevantes e actos de assinalado valor

Os serviços militares relevantes em tempo de guerra e os actos de assinalado valor em todo o tempo, como tais qualificados e publicados no Diário da República ou quaisquer ordens de serviço, com referência individual, podem, se praticados depois do crime, ser considerados pelos tribunais como circunstância atenuante de natureza especial ou como motivo de dispensa de pena ou de reabilitação do condenado.

Artigo 23.º
Reincidência

É punível como reincidente aquele que, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso de natureza estritamente militar depois de ter sido condenado em pena de prisão efectiva por sentença transitada em julgado por outro crime doloso também de natureza estritamente militar.

Título II
Parte especial

Capítulo I
Traição e violação de segredo

Secção I
Traição

Artigo 24.º
Actos de traição contra a Pátria

1 - O militar que, em tempo de guerra, combater contra a Pátria é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.
2 - O militar que, em tempo de guerra, se alistar nas forças armadas do inimigo, é punido com pena de prisão de 12 a 20 anos.
3 - O militar que, em tempo de guerra, se passar para o inimigo, com a intenção de o servir, é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.

Artigo 25.º
Favorecimento do inimigo

O militar que, em tempo de guerra e para favorecer o inimigo:

a) Evitar entrar em combate ou entregar ao inimigo ou abandonar as forças do seu comando, navio, aeronave, posto, material de guerra ou quaisquer outros meios utilizáveis em operações;
b) Prejudicar os movimentos das forças nacionais intervenientes, fazendo sinais ou comunicações errados;

Página 612

0612 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

c) Arriar a bandeira nacional sem ordem do comandante;
d) Mantiver, por qualquer modo, comunicações com o inimigo ou lhe revelar quaisquer elementos referentes às operações ou de interesse para estas;
e) Prestar a outros militares nacionais informações erradas acerca das operações;

é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 26.º
Outros casos de favorecimento do inimigo

O militar que, em tempo de guerra e para favorecer o inimigo:

a) Prejudicar, no todo ou em parte, por qualquer meio, activo ou omissivo, a segurança das forças armadas ou de outras forças militares;
b) Promover ou facilitar a deserção de um ou mais militares na área de operações;
c) Coagir, por qualquer meio, o comandante de qualquer força ou unidade a render-se, ou promover a rendição, retirada ou debandada dessa força ou unidade, ou impedir esta de se reunir;
d) Servir de guia ou informador de forças inimigas, bem como pilotar aeronaves, navios ou embarcações ou conduzir viaturas pertencentes ao inimigo ou ao seu serviço;
e) Revelar ao inimigo a localização de quaisquer obras ou infra-estruturas de defesa;
f) Desviar qualquer força armada a que servir de guia, navio ou aeronave, nacionais ou aliados, a que servir de piloto, ou ocultar a existência de qualquer perigo relevante para aqueles;
g) Causar alarme, antes ou durante o combate;
h) Interceptar ou inutilizar qualquer meio ou via de comunicação, inutilizar o abastecimento ou as suas fontes, quaisquer obras ou infra-estruturas militares, bem como ajudas à navegação, farolagem ou balizagem;
i) Prestar ao inimigo informações ou fornecer-lhe quaisquer elementos referentes ou de interesse para as operações de guerra;

é punido com pena de prisão de 12 a 20 anos.

Secção II
Violação de segredo

Artigo 27.º
Espionagem militar

Aquele que, em tempo de guerra:

a) Se introduzir em algum ponto de interesse para as operações militares, com o fim de obter informações de qualquer género, destinadas ao inimigo;
b) Com o mesmo fim, e seja por que forma for, procurar informações que possam afectar, no todo ou em parte, o êxito das operações ou a segurança de forças militares, postos, quartéis, quaisquer estabelecimentos militares ou pontos de interesse para a segurança militar como tal qualificados por lei;
c) Acolher ou fizer acolher espião de guerra ou agente do inimigo, conhecendo a sua qualidade;
é punido com pena de prisão de 12 a 20 anos.

Artigo 28.º
Revelação de segredos

Aquele que, sem intenção de trair, revelar a qualquer pessoa não autorizada o santo, senha, contra-senha, decisão ou ordem relativa ao serviço é condenado:

a) Em tempo de guerra, na pena de um a quatro anos de prisão;
b) E tempo de paz, na pena de um mês a um ano de prisão.

Secção III
Infidelidade no serviço militar

Artigo 29.º
Corrupção passiva para a prática de acto ilícito

1 - Aquele que, integrado ou ao serviço das forças armadas ou outras forças militares, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa, como contrapartida de acto ou omissão contrários aos deveres do cargo e de que resulte um perigo para a segurança nacional, é punido com pena de prisão de dois a 10 anos.
2 - Se o facto não for executado, o agente é punido com pena de prisão de um mês a três anos.
3 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que acertara ou restituir a vantagem ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.

Artigo 30.º
Corrupção activa

1 - Aquele que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a qualquer pessoa integrada ou ao serviço das forças armadas ou outras forças militares, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que lhes não seja devida, com o fim indicado no artigo anterior e de que resulte perigo para a segurança nacional, é punido com pena de prisão de um a seis anos.
2 - Se os agentes dos crimes referidos nos números anteriores for oficial de graduação superior à do militar a quem procurar corromper, o limite mínimo da pena aplicável é agravado para o dobro.

Capítulo II
Crimes contra os direitos das pessoas

Secção I
Crimes contra a humanidade

Artigo 31.º
Prolongamento de hostilidade

O chefe militar que, sem motivo justificado, prolongar as hostilidades depois de ter conhecimento oficial da paz,

Página 613

0613 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

armistício, capitulação ou suspensão de armas ajustada com o inimigo, é condenado na pena de dois a oito anos de prisão.

Artigo 32.º
Crimes de guerra contra civis

O militar que, violando as normas ou princípios do direito internacional geral ou comum ou as normas de convenções internacionais a que o Estado português tenha aderido, em tempo de guerra, de conflito armado ou durante a ocupação de território inimigo, praticar ou mandar praticar sobre a população civil, sobre feridos, doentes ou prisioneiros:

a) Homicídio doloso;
b) Tortura ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos;
c) Ofensa à integridade física grave dolosa;
d) Tomada de reféns;
e) Constrangimento a servir nas forças armadas inimigas;
f) Deportação;
g) Restrições graves, prolongadas e injustificadas da liberdade das pessoas; ou
h) Subtracção ou destruição injustificadas de bens patrimoniais de grande valor;

é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 33.º
Violação em tempo de guerra

1 - Aquele que, integrado nas forças armadas ou noutras forças militares, em tempo de guerra:

a) Na área de operações, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou oral;
b) Na casa em que estiver aboletado ou que tenha sido requisitada para o serviço, contra pessoa que nela habite, cometa algum dos factos referidos na alínea anterior;

é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

2 - A mesma pena é aplicada se o ofendido for menor de 14 anos, posto que não seja empregue algum daqueles meios.
3 - Se do crime resultar a morte do ofendido, é aplicada a pena de prisão de 12 a 20 anos.

Secção II
Crimes em aboletamento

Artigo 34.º
Homicídio em aboletamento

O militar que, em tempo de guerra, matar o dono da casa em que estiver aboletado ou que tenha sido requisitada para o serviço, ou alguma pessoa que nela habite, é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 35.º
Ofensas à integridade física em aboletamento

1 - O militar que, em tempo de guerra, produzir ofensas no corpo ou na saúde de alguma das pessoas referidas no artigo anterior é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
2 - Se a ofensa for de forma a:

a) Privar o ofendido de importante órgão ou membro ou a desfigurá-lo permanentemente;
b) Tirar ou afectar, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar doença particularmente dolorosa ou permanente ou anomalia psíquica grave ou incurável;
d) Provocar perigo para a vida;

o agente é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.

Artigo 36.º
Agravação pelo resultado

1 - O militar que, em tempo de guerra, praticar as ofensas previstas no artigo anterior e vier a produzir-lhe a morte é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, no caso do n.º 1 do artigo 35.º;
b) Com pena de prisão de oito a 16 anos, no caso do n.º 2 do artigo 35.º.

2 - O militar que praticar as ofensas previstas no n.º 1 do artigo 35.º e vier a produzir as ofensas previstas no n.º 2 do mesmo artigo é punido com pena de prisão de dois a seis anos.

Artigo 37.º
Roubo ou extorsão em aboletamento

1 - O militar que, em tempo de guerra e contra as pessoas referidas no artigo 34.º, cometer o crime de roubo ou de extorsão, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
2 - A pena de prisão de cinco a 15 anos é aplicada se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, ainda que por negligência, ofensa grave à integridade física;
b) O valor da coisa subtraída ou extorquida for consideravelmente elevado.

3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa é aplicada a pena de prisão de oito a 16 anos.

Secção III
Crimes contra feridos ou prisioneiros de guerra

Artigo 38.º
Crimes contra feridos ou prisioneiros de guerra

Aquele que, integrado nas forças armadas ou outras forças militares, em tempo de guerra:

a) Empregar violências contra ferido ou prisioneiro de guerra para o despojar de objectos ou valores ou para qualquer outro fim ilícito; ou
b) Subtrair fraudulentamente alguma coisa às pessoas indicadas na alínea anterior;

Página 614

0614 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

é punido com pena de prisão de quatro a 10 anos, no caso da alínea a) e de dois a oito anos, no caso da alínea b), se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Secção IV
Crimes contra pessoal do serviço de saúde e ministros de culto

Artigo 39.º
Ataque a instalações de assistência hospitalar ou transporte de feridos

1 - Aquele que, em tempo de guerra e na área de operações, atacar instalações de assistência hospitalar ou navio, aeronave, ambulância ou outro veículo destinados ao transporte de feridos, devidamente assinalados, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
2 - Se do ataque resultarem a morte ou lesão de qualquer pessoa são aplicadas:

a) A pena de prisão de oito a 16 anos, em caso de morte;
b) A pena de prisão de quatro a 10 anos, em caso de lesão.

Artigo 40.º
Violência sobre pessoal do serviço de saúde ou ministros de culto

1 - Aquele que, em tempo de guerra e na área de operações, atacar médico, enfermeiro ou outra pessoa dos serviços de saúde militar ou ministro de qualquer culto, no exercício das suas funções militares ou por causa delas, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
2 - Se do ataque resultar a morte ou lesão do ofendido, são aplicadas as penas previstas no n.º 2 do artigo anterior.

Artigo 41.º
Impedimento ao exercício de funções relativas à saúde ou à actividade religiosa

1 - Aquele que, em tempo de guerra e na área de operações, impedir qualquer das pessoas referidas no artigo anterior de exercer as suas funções é punido com pena de prisão de um mês a três anos.
2 - Se em resultado da acção referida no número anterior resultar a morte ou grave lesão de pessoa não assistida, é aplicada a pena de prisão de dois a oito anos.

Secção V
Outros crimes

Artigo 42.º
Ofensas a parlamentário

O militar que produzir ofensas no corpo ou na saúde ou injuriar algum parlamentário, é punido com pena de prisão de dois a oito anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 43.º
Violação de salvaguarda

O militar que violar a salvaguarda concedida a alguma pessoa ou lugar, depois de lhe ter sido dada a conhecer, é punido com pena de prisão de um mês a um ano, salvo se, por qualquer outro acto de violência, incorrer em pena mais grave.

Artigo 44.º
Extorsão por temor de guerra

O militar que, aproveitando-se do temor suscitado pela guerra, exigir a outrem, em proveito próprio, dinheiro ou géneros, é punido com pena de prisão de um mês a três anos, se pena mais grave não for aplicável.

Capítulo III
Crimes contra a missão das forças armadas

Artigo 45.º
Capitulação injustificada

O chefe militar que, em tempo de guerra, capitular, entregando ao inimigo qualquer posto, unidade ou força do seu comando, sem haver empregado todos os meios de defesa de que podia dispor e sem ter feito quanto, em tal caso, exigem a honra e o dever militares, é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 46.º
Actos de cobardia

1 - O militar que, em tempo de guerra:

a) Sem ordem ou causa legítima, abandonar a área de operações com forças do seu comando, antes ou durante o combate;
b) Na área de operações, abandonar, sem autorização, ordem ou caso de força maior, as forças, posto ou unidade do seu comando;
c) Antes, durante ou depois do combate, fugir ou incitar os outros à fuga;
d) Abandonar, sem causa legítima, posto, unidade ou força em perspectiva de sofrer ataque iminente;

é punido com pena de prisão de 12 a 20 anos.

2 - O militar que, em tempo de guerra e para se eximir ao perigo:

a) Na área de operações, deixar de acompanhar, sem motivo legítimo, a força a que pertencer;
b) Inutilizar ou abandonar, sem justificação, armas, munições, víveres ou quaisquer artigos que lhe estejam distribuídos ou confiados;
c) Empregar qualquer meio ou pretexto fraudulento para se eximir a combater ou se subtrair a algum serviço considerado perigoso;

é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

Artigo 47.º
Abandono de comando

O comandante da unidade, estabelecimento, força militar, navio ou aeronave que, em qualquer circunstância de perigo abandonar o comando, é punido:

a) Com pena de prisão de 15 a 25 anos, em tempo de guerra e na área de operações;

Página 615

0615 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

b) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra, fora da área de operações;
c) Com pena de prisão de um a quatro anos, em tempo de paz.

Artigo 48.º
Abstenção de combate

Em tempo de guerra, o comandante de qualquer força militar que:

a) Sem causa justificada, deixar de atacar o inimigo ou socorrer unidade ou força nacional ou aliada, atacada pelo inimigo ou empenhada em combate;
b) Injustificadamente, deixar de perseguir navio de guerra, aeronave ou força terrestre, inimigos, que procurem fugir-lhe;

é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.

Artigo 49.º
Abandono de pessoas ou bens

O comandante de navio de guerra, aeronave ou força terrestre que deva proteger escoltar ou rebocar navio, aeronave, pessoas ou bens e os abandonar sem que se verifique causa de força maior, é punido:

a) Em tempo de guerra e existindo risco de ataque iminente, com pena de prisão de 12 a 20 anos;
b) Em tempo de guerra, não existindo risco de ataque iminente, com pena de prisão de cinco a 12 anos;
c) Em tempo de paz, com pena de prisão de um a quatro anos.

Artigo 50.º
Abandono de navio de guerra sinistrado

Aquele que, fazendo parte da guarnição de um navio de guerra, em ocasião de sinistro no mar, o abandonar ou se afastar do local do sinistro, sem motivo justificado, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.

Artigo 51.º
Não cumprimento de deveres do comandante de navio

1 - O comandante de navio de guerra que:

a) Em tempo de guerra, tendo sido obrigado a encalhar o navio e tornando-se impossível defendê-lo, o não inutilizar, podendo, depois de ter salvo a guarnição;
b) Em qualquer tempo, considerando inevitável o naufrágio ou tendo encalhado o navio o abandonar, havendo probabilidade de o salvar ou que, considerando inevitável o naufrágio, não empregar todos os meios conducentes a salvar a guarnição e o material;
c) Em tempo de guerra e sem motivo legítimo, deixar de perseguir navio mercante inimigo que procure fugir-lhe;
d) Em qualquer tempo, sem motivo legítimo, deixar de prestar socorro a navio que lho peça em ocasião de perigo iminente para este ou para a vida de pessoas;

é punido com pena de prisão de um mês a dois anos.

2 - O disposto na alínea d) do número anterior é aplicável ao patrão de embarcação militar.
3 - Se do facto referido na alínea d) do n.º 1 resultar a perda do navio ou da embarcação é aplicada a pena de prisão de um a quatro anos.

Artigo 52.º
Não cumprimento de deveres de comandante de força militar

O comandante de força militar que, em tempo de guerra:

a) Sendo obrigado a abandonar qualquer posto militar, navio, quartel, base, aeronave, armamento ou munição, não inutilizar, podendo, todo o material que possa ser aproveitado pelo inimigo;
b) Separado, por motivo legítimo, de uma força a que pertença, não procurar incorporar-se novamente nela, logo que as circunstâncias lho permitam;

é punido com pena de prisão de um mês a um ano.

Artigo 53.º
Falta de comparência em local determinado

1 - O militar que, sem causa justificada, não comparecer no posto ou deixar de seguir viagem ou de marchar para fora da localidade onde se encontrar, por não ter comparecido no local e à hora que lhe tiverem sido determinados, é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra e na área de operações, depois de dado o alarme, mandado reunir ou feito qualquer outro sinal equivalente;
b) Com pena de prisão de um a quatro anos, estando o militar nomeado para tomar parte em operações de guerra;
c) Com pena de prisão de um mês a dois anos, se o facto for cometido em base ou porto estrangeiro ou se, por motivo dele, deixar de seguir para fora do território nacional.

2 - Aquele que, integrado nas forças armadas, sem causa justificada, não comparecer no posto ou deixar de seguir viagem ou de marchar para fora da localidade onde se encontrar, por não ter comparecido no local e à hora que lhe tiverem sido determinados, nos casos não previstos no número anterior, é punido com pena de prisão de um mês a um ano.

Capítulo IV
Crimes contra a segurança das forças armadas

Artigo 54.º
Abandono de posto

1 - O militar que, estando de oficial de quarto, de vigia, sentinela, patrulha ou no desempenho de qualquer outra missão de natureza semelhante, sem motivo legítimo, abandonar, temporária ou definitivamente, o seu posto ou a área ou local onde deva permanecer para execução de serviço de guarda ou que seja necessário à segurança de força, quartel, navio, aeronave, base ou estabelecimento militar ou à vigilância das respectivas instalações ou sistemas

Página 616

0616 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

de armas ou não cumprir as instruções que lhe foram dadas, é punido:

a) Com pena de prisão de 12 a 20 anos, em tempo de guerra e em contacto com o inimigo;
b) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, em tempo de guerra e na área de operações, mas sem contacto com o inimigo;
c) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra, mas fora da área de operações.

2 - Aquele que, integrado nas forças armadas, em tempo de paz, estando de oficial de quarto, de vigia, sentinela, patrulha ou no desempenho de qualquer outra missão de natureza semelhante, sem motivo legítimo, abandonar, temporária ou definitivamente, o seu posto ou a área ou local onde deva permanecer para execução de serviço de guarda ou que seja necessário à segurança de força, quartel, navio, aeronave, base ou estabelecimento militar ou à vigilância das respectivas instalações ou sistemas de armas ou não cumprir as instruções que lhe foram dadas, é punido com pena de prisão de um mês a três anos.

Artigo 55.º
Não cumprimento dos deveres de serviço

1 - O militar que, depois de nomeado ou avisado para acto de serviço ou no decurso dele, se colocar na impossibilidade, total ou parcial, de cumprir a sua missão, embriagando-se, adormecendo no local de serviço, ingerindo substâncias estupefacientes ou psicotrópicas ou infligindo a si próprio dano físico é punido:

a) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, em tempo de guerra e em contacto com o inimigo;
b) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra e na área de operações, mas sem contacto com o inimigo;
c) Com pena de prisão de um a quatro anos, em tempo de guerra, mas fora da área de operações.

2 - Aquele que, integrado nas forças armadas, em tempo de paz, depois de nomeado ou avisado para acto de serviço ou no decurso dele, se colocar na impossibilidade, total ou parcial, de cumprir a sua missão, embriagando-se, adormecendo no local de serviço, ingerindo substâncias estupefacientes ou psicotrópicas ou infligindo a si próprio dano físico é punido com pena de prisão de um mês a um ano.
3 - O militar que, em tempo de guerra, não estando de serviço nem nomeado ou avisado para o mesmo, se embriagar, consumir estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, tornando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
4 - Aquele que, integrado nas forças armadas, em tempo de paz, não estando de serviço nem nomeado ou avisado para o mesmo, se embriagar, consumir estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, tornando-se inapto para o cumprimento das obrigações de serviço que normalmente lhe vierem a competir, é punido com pena de prisão de um mês a um ano.

Artigo 56.º
Ofensas a sentinela

1 - Aquele que, injustificadamente, deixe de cumprir ordem legítima dada ou transmitida, de forma inteligível, por sentinela, quando haja simples recusa de cumprimento da ordem, é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de um a quatro anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a um ano, se a sentinela fizer a correspondente cominação.

2 - Aquele que, injustificadamente, desarmar sentinela ou a ofender, no corpo ou na saúde, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
3 - É aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 39.º e no artigo 40.º.

Artigo 57.º
Actos que prejudiquem a circulação ou a segurança

Aquele que, por qualquer forma, prejudicar exercícios ou manobras militares, a circulação de tropas ou de veículos transportadores de armamento ou a segurança de áreas, instalações ou meios navais, terrestres ou aéreos, militares, necessários ao cumprimento de missões legítimas, é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra;
b) Com pena de prisão de um mês a um ano, em tempo de paz.

Artigo 58.º
Entrada ou permanência ilegítimas

1 - O militar inimigo que, em tempo de guerra, se introduzir no teatro de guerra, não fazendo uso de uniforme ou insígnias que o identifiquem como tal, é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.
2 - Aquele que, não sendo militar, em tempo de guerra, sem motivo justificado, disfarçando ou dissimulando a sua identidade ou qualidade, se introduzir na área de operações, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.
3 - Aquele que, em qualquer tempo:

a) Sem motivo justificado, entrar ou permanecer em quartel, base, navio, aeronave, estabelecimento ou área exclusivamente militar;
b) Instalar ou fizer uso, em local de serviço ou em área definida como de interesse para a defesa nacional de equipamentos de intercepção, escuta ou análise de emissões electromagnéticas destinados à obtenção de informações de imagem ou de som, sem autorização competente;

é punido com pena de prisão de um mês a um ano.

4 - É dispensado de pena o militar inimigo cuja introdução referida no n.º 1 for feita com o propósito de servir ou de se pôr ao serviço das forças armadas portuguesas ou das referidas no artigo 11º.

Página 617

0617 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 59.º
Perda ou apresamento de navio por negligência

1 - O comandante de força naval ou de navio solto que, por negligência, causar a perda ou o apresamento de um ou mais navios sob as suas ordens, é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra e em operações;
b) Com pena de prisão de um mês a três anos, em tempo de guerra, mas fora do caso previsto na alínea anterior;
c) Com pena de prisão de um mês a um ano, nos demais casos.

2 - Com as mesmas penas é punido o oficial de quarto que, por negligência, causar a perda ou o apresamento de um navio.

Artigo 60.º
Surpresa, incêndio, encalhe ou avarias por negligência

O comandante ou oficial de quarto que, por negligência, se deixar surpreender pelo inimigo ou de cuja negligência resultar incêndio, encalhe ou avarias consideráveis no navio, é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de um a quatro anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a um ano.

Capítulo V
Crimes contra a capacidade militar e a defesa nacional

Secção I
Deserção

Artigo 61.º
Deserção

1 - Em tempo de paz, comete o crime de deserção aquele que, integrado nas forças armadas:

a) Se ausentar, sem licença ou autorização do seu quartel, base, navio, estabelecimento, local ou posto de serviço e se mantenha na situação de ausência ilegítima por 10 dias consecutivos;
b) Encontrando-se na situação de licença ou dispensa de qualquer natureza ou ausente por outra causa legítima, não se apresentar onde lhe for determinado dentro do prazo de 10 dias a contar da data fixada no passaporte ou guia de licença ou dispensa, ou em qualquer outra forma de intimação;
c) Sem motivo legítimo, deixe de se apresentar no seu destino no prazo de 10 dias a contar da data indicada para esse fim;
d) Estando na situação de reserva, de reforma ou de reserva de disponibilidade e tendo sido convocado ou mobilizado para a prestação do serviço militar efectivo, não se apresentar onde lhe for determinado dentro do prazo de 10 dias a contar da data fixada no aviso convocatório, no edital de chamada ou em qualquer outra forma de intimação.

2 - Em tempo de guerra, comete o crime de deserção o militar que praticar uma das condutas previstas no número anterior, sendo os prazos reduzidos a metade.

Artigo 62.º
Execução da deserção

1 - Os dias de ausência ilegítima necessários para que se verifique a deserção contam-se por períodos de 24 horas desde o momento em que se verifique a falta.
2 - A deserção mantém-se até à captura ou apresentação do agente, perda da nacionalidade portuguesa ou cessação das obrigações militares.
3 - Para efeitos do número anterior só faz cessar a execução do crime:

a) A captura feita por causa da deserção ou seguida de comunicação às autoridades militares;
b) A apresentação voluntária do agente a qualquer autoridade militar, diplomática ou consular portuguesa, com o propósito de prestar o serviço militar que lhe caiba ou de regularizar a sua situação militar;
c) A perda da nacionalidade portuguesa ou a cessação das obrigações militares.

Artigo 63.º
Punição da deserção

1 - O oficial que cometa o crime de deserção é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de cinco a 12 anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um a quatro anos.

2 - Os sargentos, as praças, os militarizados que cometam o crime de deserção são condenados:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de dois a oito anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um a quatro anos.

3 - Nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 2, se não concorrerem os elementos qualificadores previstos no artigo seguinte ou se a deserção não exceder o período de quinze dias, é aplicada a pena de prisão de um mês a três anos.
4 - Se a deserção for cometida por negligência, é aplicada a pena de prisão de um mês a um ano.

Artigo 64.º
Deserção qualificada

1 - O mínimo das penas previstas no artigo anterior é agravado de um terço quando o crime for perpetrado:

a) Estando o militar ao iniciar a ausência, no exercício de funções de serviço superiormente ordenadas, integrado em qualquer força, com ordem de embarque ou de marcha, em marcha ou estando embarcado em navio ou aeronave em serviço fora do território nacional;
b) Precedendo concertação entre dois ou mais militares;
c) Desertando o militar para país estrangeiro.

Página 618

0618 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - Considera-se deserção para país estrangeiro aquela durante a qual o militar se desloca para fora do território nacional ou se mantém no estrangeiro.
3 - É aplicada a pena de prisão de 12 a 20 anos ao militar que, em tempo de guerra, cometa o crime de deserção ausentando-se da área de operações.

Secção II
Incumprimento de obrigações militares

Artigo 65.º
Outras deserções

Comete ainda o crime de deserção aquele que, tendo sido mobilizado ou abrangido pelas obrigações decorrentes de uma requisição de bens, serviços, empresas ou direitos nos termos da legislação sobre mobilização e requisição militares, não se apresente no prazo de 10 dias, a contar da data em que deva realizar a sua apresentação, ou que abandone ilegitimamente o serviço ou o trabalho de que estiver incumbido pelo período de 10 dias consecutivos, cabendo-lhe as penas do artigo 63., n.º 2.

Artigo 66.º
Falta injustificada de fornecimentos

Aquele que, em tempo de guerra, sendo encarregado do fornecimento de géneros, mantimentos, combustíveis, munições ou quaisquer outros artigos ou substâncias para o serviço das forças armadas ou outras forças militares faltar, sem motivo legítimo, com o mesmo fornecimento, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 67.º
Automutilação

Aquele que, em tempo de guerra, para se subtrair ao serviço militar, se mutilar ou por qualquer forma se inabilitar, ainda que só parcial ou temporariamente, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 68.º
Subtracção fraudulenta às obrigações do serviço militar

Aquele que, por meio de fraude ou falsidade, se subtrair ou fizer subtrair outrem às obrigações de serviço militar ou conseguir resultado diferente do devido nas provas de selecção ou classificação, é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de um a quatro anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a um ano.

Secção III
Dano de material de guerra

Artigo 69.º
Dano em bens militares ou de interesse militar

1 - Aquele que destruir ou por qualquer forma inutilizar, no todo ou em parte, temporária ou definitivamente bens, móveis ou imóveis, pertencentes, afectos ou ao serviço das forças armadas ou de outras forças militares e indispensáveis ao cumprimento das suas missões, é punido:

a) Com pena de prisão de quatro a 10 anos, se o crime for cometido em tempo de guerra e na área de operações;
b) Com pena de prisão de dois a oito anos, se o crime for cometido em tempo de guerra, fora dos casos previstos na alínea anterior;
c) Com pena de prisão de um a quatro anos, se o crime for cometido em tempo de paz.

2 - É punido com as mesmas penas aquele que destruir ou por qualquer forma inutilizar, no todo ou em parte, temporária ou definitivamente bens, móveis ou imóveis, não incluídos no artigo anterior, indispensáveis ao cumprimento das missões das forças armadas ou de outras forças militares.

Artigo 70.º
Dano qualificado

1 - Se do dano referido no artigo anterior resultar a mutilação ou lesão graves de qualquer pessoa ou prejuízo consideravelmente elevado, o agente é punido:

a) Com pena prisão de oito a 16 anos, se o crime for cometido em tempo de guerra e na área de operações;
b) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, se o crime for cometido em tempo de guerra, fora dos casos previstos na alínea anterior;
c) Com pena de prisão de dois a oito anos, se o crime for cometido em tempo de paz.

2 - Se do dano resultar a morte, é aplicada a pena de prisão de oito a 16 anos.

Artigo 71.º
Danos ou extravio de documentos arquivados

Aquele que, sem motivo legítimo, queimar, destruir, extraviar ou por qualquer modo inutilizar livros, documentos originais, cópias ou minutas dos arquivos de qualquer unidade, navio, aeronave, estabelecimento, órgão ou repartição militares, é punido com pena de prisão de um a quatro anos.

Secção IV
Extravio, furto e roubo de material de guerra

Artigo 72.º
Extravio de material de guerra

1 - O militar que, sem motivo legítimo, deixar de apresentar material de guerra que lhe tenha sido confiado ou distribuído para o serviço, é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, se o crime for cometido em tempo de guerra;
b) Com pena de prisão de um a quatro anos, em todos os demais casos.

2 - Aquele que comprar, vender ou puser à venda material de guerra, conhecendo essa qualidade e sem que para tal esteja autorizado, é punido com as penas previstas no número anterior, agravadas de metade no seu limite mínimo.

Página 619

0619 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

3 - Considera-se material de guerra:

a) As armas, munições, explosivos e respectivos componentes essenciais pertencentes às forças armadas ou outras forças militares;
b) Os veículos, aeronaves e embarcações militares e respectivos componentes essenciais;
c) O material de comunicações ou de cifra, ao serviço das forças armadas ou de outras forças militares;
d) Qualquer outro bem pertencente às forças armadas ou outras forças militares, necessário às operações em campanha.

Artigo 73.º
Furto de material de guerra

1 - Aquele que, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem, subtrair material de guerra é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, se o valor da coisa furtada for elevado;
b) Com pena de prisão de um mês a três anos, se o valor da coisa furtada não for elevado.

2 - É aplicada a pena de prisão de quatro a 10 anos quando a coisa furtada:

a) For de valor consideravelmente elevado;
b) For subtraída penetrando o agente em edifício ou outro local fechado, por meio de arrombamento, escalamento ou chaves falsas ou tendo-se ele introduzido furtivamente ou escondido com intenção de furtar.

3 - Se a subtracção a que se refere o artigo anterior tiver apenas por objecto o uso de material de guerra é aplicada a pena de prisão de um a quatro anos.

Artigo 74.º
Roubo de material de guerra

1 - Aquele que, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue material de guerra, usando violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é condenado na pena de dois a oito anos de prisão.
2 - A pena de cinco a 15 anos de prisão é aplicada se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, ainda que por negligência, ofensa à integridade física grave;
b) O valor da coisa subtraída for consideravelmente elevado.

3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa é aplicada a pena de oito a 16 anos de prisão.

Capítulo VI
Crimes contra a autoridade

Secção I
Insubordinação

Artigo 75.º
Homicídio de superior

O militar que, em tempo de guerra, matar um superior no exercício das suas funções e por causa delas é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 76.º
Insubordinação por ofensa à integridade física

1 - O militar que ofender o corpo ou a saúde de algum superior no exercício das suas funções e por causa delas é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
2 - Se a ofensa for de forma a:

a) Privar o ofendido de importante órgão ou membro ou a desfigurá-lo permanentemente;
b) Tirar ou afectar, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar doença particularmente dolorosa ou permanente ou anomalia psíquica grave ou incurável;
d) Provocar perigo para a vida;
o agente é punido com pena de prisão de oito a 16 anos.

3 - Se a ofensa vier a produzir a morte o agente é punido:

a) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, no caso do n.º 1;
b) Com pena de prisão de oito a 16 anos, no caso do n.º 2.

4 - O militar que praticar as ofensas previstas no n.º 1 e vier a produzir as ofensas previstas no n.º 2 é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.

Artigo 77.º
Insubordinação por desobediência

1 - O militar que, sem motivo justificado, recusar ou deixar de cumprir qualquer ordem que, no uso de atribuições legítimas, lhe tenha sido dada por algum superior, é punido:

a) Com pena de prisão de 15 a 25 anos, em tempo de guerra, se a desobediência consistir na recusa de entrar em combate;
b) Com pena de prisão de oito a 16 anos, em tempo de guerra e na área de operações, fora do caso referido na alínea anterior;
c) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, em tempo de guerra, a bordo de veículo, navio ou aeronave, que afecte a segurança dos mesmos;
d) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de guerra, fora dos casos referidos na alínea anterior;
e) Com pena de prisão de dois a oito anos, em tempo de paz, se for na ocasião referida na alínea c);
f) Na pena de um a quatro anos de prisão, em tempo de paz e em presença de militares reunidos.

2 - Aquele que, integrado nas forças armadas, nos casos não previstos no número anterior, sem motivo justificado, recusar ou deixar de cumprir qualquer ordem que, no uso de atribuições legítimas, lhe tenha sido dada por algum superior, é punido com pena de prisão de um mês a dois anos.
3 - Quando a recusa ou não-cumprimento forem cometidos por dois ou mais militares a quem a ordem tenha sido dada, as penas são agravadas de um quarto do seu limite máximo.

Página 620

0620 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

4 - Havendo recusa, seguida de cumprimento voluntário da ordem, as penas são reduzidas a metade na sua duração máxima e mínima.

Artigo 78.º
Insubordinação por prisão ilegal ou rigor ilegítimo

O militar que, fora dos casos previstos na lei, prender ou fizer prender um superior, o privar, ainda que parcialmente, da sua liberdade ou empregar contra o mesmo rigor ilegítimo é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 79.º
Insubordinação por ameaças ou outras ofensas

1 - O militar que, sem motivo legítimo, ameaçar um superior no exercício das suas funções e por causa delas, em disposição de ofender, com tiro de arma de fogo, uso de explosivos ou de arma ou outro acto de violência física é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de dois a oito anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um a quatro anos.

2 - O militar que, em acto, local ou razão de serviço ou em presença de militares reunidos, ameaçar ou ofender um superior no exercício das suas funções e por causa delas, por meio de palavras, escritos, imagens ou gestos é punido:

a) Com pena de prisão de um a quatro anos, nos casos da alínea a) do número anterior;
b) Com pena de prisão de um mês a dois anos, nos casos da alínea b) do número anterior.

3 - O militar que, em tempo de guerra, por qualquer dos meios indicados no número anterior, incitar os camaradas à desconsideração para com superior é punido com pena de prisão de um mês a três anos.

Artigo 80.º
Insubordinação colectiva

1 - Os militares que, em grupo de dois ou mais, armados, praticarem desmandos, tumultos ou violências, não obedecendo à intimação de um superior para entrar na ordem são punidos:

a) Em tempo de guerra e na área de operações, com pena de prisão de oito a 16 anos, os que actuarem como chefes ou instigadores de tais actos e com pena de prisão de cinco a 12 anos os demais participantes no crime;
b) Em tempo de guerra, fora da área de operações ou em tempo de paz, se o crime for praticado em acto ou razão de serviço, com pena de prisão de cinco a 12 anos, os que actuarem como chefes ou instigadores e com pena de prisão de dois a oito anos os demais participantes;
c) Nos casos não previstos nas alíneas anteriores, com pena de prisão de dois a oito anos os que actuarem como chefes ou instigadores e com pena de prisão de um mês a dois anos os demais participantes.

2 - Os militares que, desarmados e em grupo, praticarem os actos referidos no número anterior são punidos com as penas nele previstas, consoante os casos, reduzidas a metade nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 81.º
Militares equiparados a superiores

Os crimes previstos neste capítulo cometidos contra sentinelas, vigias, patrulhas, plantões com funções de segurança ou chefes de postos militares são punidos como se fossem praticados contra superiores.

Secção II
Abuso de autoridade

Artigo 82.º
Homicídio de subordinado

O militar que, em tempo de guerra, matar um subordinado no exercício das suas funções e por causa delas é punido com pena de prisão de 15 a 25 anos.

Artigo 83.º
Abuso de autoridade por ofensa à integridade física

1 - O militar que ofender o corpo ou a saúde de algum subordinado no exercício das suas funções e por causa delas é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
2 - Se a ofensa for de forma a:

a) Privar o ofendido de importante órgão ou membro ou a desfigurá-lo permanentemente;
b) Tirar ou afectar, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar doença particularmente dolorosa ou permanente ou anomalia psíquica grave ou incurável;
d) Provocar perigo para a vida;

o agente é punido com pena de prisão de oito a 16 anos.

3 - Se a ofensa vier a produzir a morte o agente é punido:

a) Com pena de prisão de cinco a 12 anos, no caso do n.º 1;
b) Com pena de prisão de oito a 16 anos, no caso do n.º 2.

4 - O militar que praticar as ofensas previstas no n.º 1 e vier a produzir as ofensas previstas no n.º 2 é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.

Artigo 84.º
Circunstâncias dirimentes especiais

1 - Não são ilícitos os factos previstos nos artigos anteriores quando, em tempo de guerra ou nas situações previstas no artigo 9.º, constituam meio necessário e adequado a:

a) Conseguir a reunião de militares em fuga ou debandada;
b) Obstar à rebelião, sedição, insubordinação colectiva, saque ou devastação.

Página 621

0621 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - Não são ilícitos os factos previstos no artigo anterior quando, em tempo de guerra ou nas situações previstas no artigo 9.º, constituam meio necessário e adequado a obter do ofendido o cumprimento de um dever.
3 - O tribunal pode dispensar de pena o militar que cometer o crime previsto no n.º 1 do artigo anterior em acto seguido a uma agressão violenta praticada pelo ofendido contra o agente ou contra a sua autoridade.

Artigo 85.º
Abuso de autoridade por outras ofensas

O militar que:

a) Em presença de militares reunidos ofender, por meio de palavras, algum subordinado no exercício das suas funções e por causa delas;
b) Por meio de ameaças ou violências impedir algum subordinado ou outra pessoa de apresentar queixa ou reclamação a autoridade militar;
c) Por meio de ameaças ou violências constranger algum subordinado a praticar quaisquer actos a que não for obrigado pelos deveres de serviço ou da disciplina;

é punido com pena de prisão de um mês a dois anos, quando ao facto não corresponder pena mais grave.

Artigo 86.º
Abuso de autoridade por prisão ilegal

O militar que, fora dos casos previstos na lei, prender ou fizer prender um subordinado, o privar, ainda que parcialmente, da sua liberdade ou empregar contra o mesmo rigor ilegítimo é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 87.º
Responsabilidade do superior

O superior que tiver conhecimento de que um subordinado está praticando ou praticou qualquer dos actos referidos nos artigos 85.º e 86.º e não puser cobro aos mesmos é punido com as mesmas penas.

Artigo 88.º
Assunção ou retenção ilegítimas de comando

O militar que, sem ordem ou causa legítima, assumir ou retiver algum comando é punido com pena de prisão de quatro a 10 anos.

Artigo 89.º
Movimento injustificado de forças militares

O comandante que, sem motivo justificado, ordenar qualquer movimento de forças militares terrestres, navais ou aéreas é punido:

a) Com pena de prisão de dois a oito anos, se o seu procedimento causar alarme ou perturbação da ordem pública ou constituir acto de hostilidade contra os órgãos de soberania, as chefias militares ou país estrangeiro;
b) Com pena de prisão de um mês a um ano, nos demais casos.

Artigo 90.º
Uso ilegítimo das armas

O militar que fizer ou autorizar os seus subordinados a fazer uso ilegítimo das armas é punido com pena de prisão de um mês a um ano, salvo se pena mais grave for aplicável por outra disposição legal.

Capítulo VII
Crimes contra o dever militar

Artigo 91.º
Benefícios em caso de capitulação

O chefe que, em caso de capitulação ou rendição por ele ajustada, não seguir a sorte da força do seu comando, mas convencionar para si ou para os oficiais condições mais vantajosas que as dos demais militares, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 92.º
Evasão militar

O militar que fugir à escolta que o acompanhava ou se evadir do local onde se encontrava preso ou detido, é punido:

a) Em tempo de guerra, com pena de prisão de um a quatro anos;
b) Em tempo de paz, com pena de prisão de um mês a dois anos.

Artigo 93.º
Serviços ilegítimos a Estados, forças ou organizações estrangeiras

O militar que, em tempo de paz e sem autorização, se colocar ao serviço de Estado, forças ou organizações estrangeiras, contra os interesses da defesa nacional, é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo 94.º
Falta à palavra de oficial prisioneiro de guerra

O oficial prisioneiro de guerra que, faltando à sua palavra, tornar a ser preso, armado, é punido com pena de prisão de cinco a 12 anos.

Capítulo VIII
Crimes contra o dever marítimo

Artigo 95.º
Perda, encalhe ou abandono de navio

1 - O comandante, piloto ou prático de navio mercante escoltado ou ao serviço das forças armadas ou outras forças militares que, em tempo de guerra:

a) Causar a perda ou o encalhe do navio;
b) Abandonar, sem motivo legítimo, o seu posto no navio;

é punido com pena de dois a oito anos de prisão.

2 - Se a perda ou encalhe forem causados por negligência, é aplicada a pena de prisão de um mês a um ano.

Página 622

0622 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 96.º
Omissão de deveres por navio mercante

O comandante de navio mercante que:

a) Escoltado, abandonar o comboio ou desobedecer às ordens do seu comodoro;
b) Em tempo de guerra, não cumprir as ordens que legitimamente lhe forem dadas por navio de guerra português;
c) Em tempo de guerra, não prestar, podendo, socorro a navio de guerra ou ao serviço das forças armadas ou de outras forças militares, português ou de nação aliada, que o pedir;

é punido com pena de prisão de um mês a dois anos.

Livro II
Do processo

Capítulo I
Disposição preliminar

Artigo 97.º
Aplicação do Código de Processo Penal

As disposições do Código de Processo Penal são aplicáveis, salvo disposição legal em contrário, aos processos de natureza penal militar regulados neste Código e em legislação militar avulsa.

Capítulo II
Dos tribunais

Artigo 98.º
Disposições aplicáveis

A competência material, funcional e territorial dos tribunais em matéria penal militar é regulada pelas disposições deste Código, e subsidiariamente pelas do Código de Processo Penal e das leis de organização judiciária.

Artigo 99.º
Competência material e funcional

Compete, respectivamente:

a) Às secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, julgar os processos por crimes estritamente militares cometidos por oficiais generais, seja qual for a sua situação;
b) Às secções criminais do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar os processos por crimes estritamente militares cometidos por oficiais superiores de patente idêntica ou superior à dos juízes militares de 1ª instância, seja qual for a sua situação;
c) A umas e outras, praticar, nos termos da lei de processo, os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos nas alíneas anteriores.

Artigo 100.º
Competência territorial

O Tribunal da Relação de Lisboa e as varas criminais da comarca de Lisboa têm competência em todo o território nacional.

Artigo 101.º
Competência do tribunal colectivo

Os processos por crimes estritamente militares são da competência do tribunal colectivo.

Artigo 102.º
Competência para a instrução criminal militar

1 - A secção de instrução criminal militar do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa tem competência em todo o território nacional.
2 - Em caso de urgência, para efeitos do primeiro interrogatório judicial de arguido detido ou aplicação de medidas de coacção, quando não seja possível recorrer atempadamente ao Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, é competente o tribunal de instrução criminal da comarca onde ocorrer a detenção.

Artigo 103.º
Competência por conexão

A conexão não opera entre processos que sejam e processos que não sejam de natureza estritamente militar.

Artigo 104.º
Conferência nos processos por crime estritamente militar

1 - Na conferência das secções criminais em que se decida processo por crime estritamente militar intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes adjuntos, sendo um deles juiz militar.
2 - A intervenção do juiz militar é feita por escala, salvo nos processos por crimes directamente relacionados com um dos ramos das forças armadas ou com a GNR, caso em que o juiz militar é o oriundo desse ramo.
3 - Nas faltas ou impedimentos do juiz militar referido no número anterior, a respectiva substituição faz-se por sorteio.

Artigo 105.º
Composição do tribunal em audiência

1 - Fora dos casos especialmente previstos na lei, a audiência de julgamento de crime estritamente militar é efectuada:

a) No Supremo Tribunal de Justiça, pelo presidente da secção, pelo relator e por três juízes adjuntos, sendo sempre dois juízes militares;
b) No Tribunal da Relação de Lisboa, pelo presidente da secção, pelo relator e por dois juízes adjuntos, sendo um deles juiz militar;
c) Nas varas criminais da comarca de Lisboa, pelo presidente e por dois adjuntos, sendo um deles juiz militar.

2 - A intervenção dos juízes militares no julgamento efectua-se nos termos do artigo anterior.

Página 623

0623 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 106.º
Impedimentos

Além dos casos previstos no Código de Processo Penal, nenhum juiz militar pode exercer a sua função num processo penal:

a) Quando for ofendido pelo crime;
b) Quando à data em que o crime foi cometido ou o processo iniciado se encontrava sob as ordens imediatas do arguido ou fosse seu superior hierárquico imediato.

Capítulo III
Da Polícia Judiciária Militar

Artigo 107.º
Da Polícia Judiciária Militar

1 - A Polícia Judiciária Militar é o órgão de polícia criminal com competência específica nos processos por crimes estritamente militares, competindo-lhe as funções que pelo Código de Processo Penal são atribuídas aos órgãos de polícia criminal e actuando, no processo, sob a direcção das autoridades judiciárias e na sua dependência funcional.
2 - É da competência reservada da Polícia Judiciária Militar a investigação dos crimes de natureza estritamente militar.

Capítulo IV
Dos actos processuais e das medidas de coacção

Artigo 108.º
Notificações

1 - As notificações aos militares em serviço nas forças armadas ou outras forças militares para comparecerem perante os tribunais, o Ministério Público, a Polícia Judiciária Militar ou para a prática de qualquer acto processual são feitas por simples aviso escrito dirigido ao comandante, director ou chefe da unidade, estabelecimento ou órgão de que o militar dependa.
2 - Se ocorrerem especiais motivos de urgência, os militares em serviço podem ser notificados por aviso verbal, mesmo telefónico, dirigido aos respectivos superiores hierárquicos, que devem providenciar pela notificação imediata.

Artigo 109.º
Medidas de coacção não aplicáveis

Aos militares em serviço efectivo não serão aplicadas as medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação e de obrigação de apresentação periódica.

Capítulo V
Do procedimento

Artigo 110.º
Dever de participação

O oficial que, no exercício de funções de comando e por causa delas, tomar conhecimento de crime estritamente militar, tem o dever de o participar à autoridade competente.

Artigo 111.º
Auto de notícia

O oficial que presenciar qualquer crime de natureza estritamente militar levanta ou manda levantar auto de notícia.

Artigo 112.º
Detenção

1 - Em caso de flagrante delito por crime estritamente militar qualquer oficial procede à detenção.
2 - O oficial que proceder à detenção entrega imediatamente o detido à autoridade competente.

Artigo 113.º
Competência para o inquérito

É competente para a realização do inquérito o Ministério Público que exercer funções no tribunal competente para a instrução.

Artigo 114.º
Assessoria militar

Na promoção do processo por crime estritamente militar o Ministério Público é assessorado por oficiais das forças armadas e da Guarda Nacional Republicana.

Capítulo VI
Da justiça militar em tempo de guerra

Secção I
Organização judiciária militar em tempo de guerra

Artigo 115.º
Tribunais militares

1 - Durante a vigência do estado de guerra são constituídos tribunais militares ordinários, com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar.
2 - Podem ainda ser constituídos tribunais militares extraordinários, com a mesma competência.
3 - Os tribunais militares a que se refere o número 1 são o Supremo Tribunal Militar, o Tribunal Militar de 2ª Instância e o Tribunal Militar de 1ª Instância.
4 - Cessada a vigência do estado de guerra, os tribunais referidos nos números anteriores mantêm-se em funções até decisão final dos processos em julgamento.

Artigo 116.º
Prevalência do serviço de carácter operacional

O serviço de justiça, em tempo de guerra, não prevalece sobre o de carácter operacional, nem dispensa os militares do cumprimento dos deveres inerentes às funções que cumulativamente exercerem.

Artigo 117.º
Composição dos tribunais militares ordinários

1 - O Supremo Tribunal Militar é composto pelos juízes militares do Supremo Tribunal de Justiça e por um juiz auditor, conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.

Página 624

0624 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - O Tribunal Militar de 2ª instância é composto pelos juízes militares da Relação e por um juiz auditor, desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa.
3 - O Tribunal Militar de 1ª Instância é composto pelos juízes militares das varas criminais de Lisboa e por um juiz auditor, juiz de direito das mesmas varas.
4 - O presidente dos tribunais militares ordinários é o juiz militar mais antigo.
5 - Os juízes auditores dos tribunais militares ordinários exercem as funções de relator do processo e são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura.

Artigo 118.º
Tribunais militares extraordinários

1 - Quando motivos ponderosos da justiça militar o imponham ou quando unidades ou forças operarem fora do território ou das águas nacionais, podem ser criados, junto dos comandos das mesmas unidades ou forças, tribunais militares extraordinários.
2 - Os tribunais militares extraordinários são dissolvidos logo que decidirem os processos para que foram convocados, sem prejuízo do n.º4 do artigo 115º.
3 - A nomeação e a convocação dos membros dos tribunais militares extraordinários são feitas por simples ordem escrita do comandante da unidade ou força operacional.

Artigo 119.º
Composição dos tribunais militares extraordinários

1 - Os tribunais militares extraordinários são compostos por:

a) Um presidente e três vogais;
b) Um auditor, que será juiz do tribunal, militar ou civil, mais próximo ou, não o havendo, qualquer indivíduo, militar ou civil, licenciado em direito.

2 - O presidente e os vogais são militares mais graduados ou mais antigos do que o arguido, presidindo o de maior posto entre eles.
3 - Não sendo possível constituir o tribunal militar extraordinário por falta de oficiais com o posto, graduação ou antiguidade exigidos por lei, ou do auditor, é competente para julgar o feito o tribunal militar ordinário.

Artigo 120.º
Ministério Público

1 - Nos tribunais militares ordinários a promoção do processo cabe a magistrados do Ministério Público nomeados pelo respectivo Conselho Superior.
2 - Nos tribunais militares extraordinários e para cada processo é nomeado um oficial mais graduado ou mais antigo do que o arguido, de preferência licenciado em direito, para desempenhar as funções de Ministério Público.
3 - As funções de secretário são desempenhadas por oficiais do serviço geral.

Artigo 121.º
Defensor

A defesa é exercida:

a) Nos tribunais militares ordinários, por advogado;
b) Nos tribunais militares extraordinários, por advogado, por licenciado em direito ou por oficial escolhido pelo arguido.

Artigo 122.º
Competência dos tribunais militares

1 - O Supremo Tribunal Militar, o Tribunal Militar de 2ª Instância e o Tribunal Militar de 1ª Instância têm a competência prevista na lei para o Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal da Relação de Lisboa e varas criminais de Lisboa relativa aos processos por crimes de natureza estritamente militar, respectivamente.
2 - Os tribunais militares extraordinários têm a mesma competência do Tribunal Militar de 1ª Instância.

Secção II
Do processo nos tribunais militares

Artigo 123.º
Princípios gerais

1 - As disposições processuais estabelecidas para o processo em tempo de paz são observadas pelos tribunais militares em tempo de guerra, com as necessárias adaptações, salvas as modificações dos artigos seguintes.
2 - Nos tribunais militares não há fase de instrução.
3 - Sem prejuízo do disposto para os tribunais militares extraordinários, todos os prazos processuais são reduzidos a metade e os processos considerados de natureza urgente.

Artigo 124.º
Especialidades do processo nos tribunais militares extraordinários

1 - Nos crimes cometidos na área de operações, o comandante militar competente, quando os imperiosos interesses da disciplina ou da segurança das forças armadas o exijam, pode determinar que o arguido seja preso e julgado pelo respectivo tribunal militar extraordinário, sem dependência da fase do inquérito.
2 - No caso previsto no número anterior, a ordem para se constituir o tribunal serve de base ao processo e deve conter tudo o que se acha prescrito para a acusação.
3 - A acusação é entregue ao acusado 48 horas, pelo menos, antes da data determinada para a reunião do tribunal e a contestação da acusação apresentada por escrito ou oralmente no início da audiência.
4 - Nos crimes previstos nos Capítulos III e VII do Título II do Livro I serve de base ao processo o parecer de um conselho de investigação, extraordinariamente nomeado e composto por três oficiais, mais graduados ou antigos que o arguido.
5 - As decisões do tribunal militar extraordinário são lidas aos arguidos, indicando-se-lhes que delas podem recorrer no prazo de 48 horas, sendo o recurso e a respectiva motivação apresentadas no tribunal recorrido.
6 - Nestes processos não são admitidas deprecadas e todos os actos da audiência são documentados na acta, podendo ser usados quaisquer meios idóneos a assegurar a sua reprodução integral.

Página 625

0625 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

7 - Em caso de recurso compete ao comandante militar determinar a situação em que o arguido aguarda a decisão, nomeadamente no que respeita ao serviço a prestar na pendência do recurso.

PROJECTO DE LEI N.º 98/IX
APROVA O ESTATUTO DOS JUÍZES MILITARES E DOS ASSESSORES MILITARES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Exposição de motivos

I - O presente projecto de lei, que retoma no essencial uma proposta de lei do XIV Governo Constitucional, destina-se a regular o estatuto e as funções de todos os oficiais das forças armadas e da Guarda Nacional Republicana (GNR) que exercem, por força da Constituição e da lei, funções nos tribunais judiciais e no Ministério Público, seja como juízes militares seja como assessores militares do Ministério Público.
II - O estatuto dos juízes militares é, tanto quanto possível, decalcado do estatuto dos magistrados judiciais, o que corresponde à satisfação de uma exigência constitucional. O texto constitucional prevê "juízes militares" (artigo 211.º, n.º 3) na composição dos tribunais competentes para o julgamento de crimes estritamente militares. O recorte desta figura é necessariamente diverso dos consagrados para os jurados (artigo 207.º, n.º 1), os juízes sociais (artigo 207.º, n.º 2), os assessores tecnicamente qualificados para o julgamento de certas matérias (artigo 207.º, n.º 3) e os assessores militares do Ministério Público (artigo 219.º, n.º 3).
Assim, se a Constituição dispõe, no artigo 215.º, que "os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto", isto significa que o estatuto dos juízes militares deve ser materialmente idêntico ao dos magistrados judiciais.
Por outro lado, resulta evidente que da Constituição não decorre uma equiparação absoluta entre juízes militares e magistrados judiciais, a ponto de exigir a aplicação aos primeiros do estatuto legalmente vigente para estes últimos. Importa ter presente que os juízes militares não são magistrados de carreira mas, sim, militares de carreira que exercem funções judiciais pelo tempo do respectivo mandato, estando já sujeitos ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas ou ao Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, consoante os casos. Daí que aos juízes militares devam estender-se apenas as disposições do Estatuto dos Magistrados Judiciais que regulem o exercício de funções judiciais.
O presente diploma pretende circunscrever as disposições funcionais a aplicar aos juízes militares, com o objectivo de salvaguardar a sua independência funcional. Nesse sentido, o regime estatuído apoia-se na acção fundamental do Conselho Superior da Magistratura (CSM), ao qual competem "a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar".
O regime da nomeação dos juízes militares estabelece uma forma de intervenção do conselho de chefes de estado-maior, "principal órgão militar de carácter coordenador", no princípio segundo o qual compete aos ramos das forças armadas a gestão dos respectivos efectivos, mas sem provocar entorses à competência do Conselho Superior da Magistratura. Daí que a nomeação seja feita pelo Conselho Superior da Magistratura, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior.
Uma vez nomeado, o juiz militar exerce funções em comissão normal de serviço. Por esta forma reconhece-se o carácter dual - a um tempo jurisdicional e militar - desta nova figura de juiz e garantem-se as normais condições de progressão na carreira dos militares nomeados. Ainda atinente ao exercício de funções é o regime remuneratório, ficando os juízes militares a auferir das remunerações dos demais juízes dos tribunais em cujo quadro estejam integrados. A solução não podia ser outra, uma vez que estamos perante o exercício de funções similares em regime de exclusividade.
Finalmente, a cessação das funções de juiz militar - que pode ocorrer por morte, renúncia ou exoneração - obedece, no seu regime, à preocupação de salvaguardar a independência funcional e as garantias de progressão na carreira militar.
III - Os assessores militares do Ministério Público são outra inovação da revisão constitucional de 1997. Entendeu-se consagrar uma forma de assessoria técnica aos magistrados do Ministério Público, uma vez que passa a estar a cargo destes a promoção do processo por crimes estritamente militares.
Para consubstanciar a referida assessoria entendeu-se adequada a criação de um gabinete de assessores militares na Procuradoria-Geral da República. A solução adoptada confere alguma latitude a esta entidade para que possa potenciar ao máximo as formas de assessoria, sem ficar vinculada a uma estrutura demasiado rígida.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Disposição preambular

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma regula o estatuto dos juízes militares e dos assessores militares do Ministério Público.

Capítulo II
Estatuto dos juízes militares

Artigo 2.º
Estatuto dos juízes militares

Enquanto durar o exercício de funções judiciais, os juízes militares estão sujeitos ao presente estatuto e, complementarmente, ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas ou ao Estatuto do Militar da Guarda Nacional Republicana, consoante os casos.

Artigo 3.º
Independência e inamovibilidade

Os juízes militares são inamovíveis e independentes, não podendo as suas funções cessar antes do termo da comissão de serviço, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

Página 626

0626 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 4.º
Cessação de funções

1 - As funções dos juízes militares cessam antes do termo da comissão de serviço quando se verifique uma das seguintes causas:

a) Morte ou impossibilidade física permanente;
b) Renúncia;
c) Exoneração.

2 - A renúncia, que não carece de aceitação, só produz efeitos após a sua comunicação ao presidente do Conselho Superior da Magistratura.
3 - Compete ao Conselho Superior da Magistratura, ouvido o Chefe do Estado-Maior do Ramo respectivo ou o Comandante-Geral da GNR, consoante os casos, verificar a impossibilidade física permanente, a qual deve ser previamente comprovada por uma junta médica militar.
4 - A cessação de funções é objecto de declaração publicada na 2.ª Série do Diário da República.

Artigo 5.º
Irresponsabilidade

1 - Os juízes militares só podem ser responsabilizados civil, criminal ou disciplinarmente pelas suas decisões, nos casos especialmente previstos na lei.
2 - A responsabilidade por crimes comuns ou estritamente militares efectiva-se em termos semelhantes aos dos demais juízes do tribunal em que os juízes militares exerçam funções.
3 - Fora dos casos em que o ilícito praticado constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efectuada mediante acção de regresso do Estado contra o juiz militar em causa.

Artigo 6.º
Regime disciplinar

Os juízes militares estão sujeitos, por factos praticados no exercício das suas funções, ao regime disciplinar previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, com a ressalva das disposições relativas à avaliação do mérito.

Artigo 7.º
Acção disciplinar

Compete exclusivamente ao Conselho Superior da Magistratura o exercício da acção disciplinar sobre os juízes militares.

Artigo 8.º
Incompatibilidades

Os juízes militares não podem desempenhar qualquer outra função, pública ou privada, salvas as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica ou militar, não remuneradas.

Artigo 9.º
Estatuto remuneratório

Os juízes militares percebem os vencimentos, abonos, subsídios e demais suplementos dos demais juízes dos tribunais em que forem colocados, podendo optar pelas remunerações a que tenham direito consoante o seu posto ou situação.

Artigo 10.º
Honras e precedências

Os juízes militares gozam, salvo em cerimónias militares, das honras, garantias e precedências protocolares dos juízes dos tribunais em que forem colocados ou a que estiverem equiparados.

Artigo 11.º
Trajo profissional

Os juízes militares usam, no exercício das suas funções, o uniforme de estilo.

Capítulo III
Movimento de juízes militares

Artigo 12.º
Distribuição de juízes militares

1 - Os juízes militares integram o quadro dos tribunais competentes para o julgamento de crimes estritamente militares, nos termos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e do Código de Justiça Militar.
2 - O quadro de cada um dos tribunais referidos no número anterior prevê, conforme os casos, vagas correspondentes às seguintes categorias:

a) A de juiz militar do Supremo Tribunal de Justiça, reservada aos vice-almirantes e tenentes-generais do Exército e da Força Aérea;
b) A de juiz militar da relação, reservada aos contra-almirantes e majores-generais do Exército e da Força Aérea;
c) A de juiz militar de 1.ª instância, reservada aos oficiais superiores dos três ramos das Forças Armadas ou da GNR.

Artigo 13.º
Movimento de juízes militares

1 - A colocação de juízes militares nos quadros efectua-se por nomeação.
2 - Os juízes militares são nomeados pelo Conselho Superior de Magistratura, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior ou o Conselho Superior da GNR, consoante os casos.

Artigo 14.º
Nomeação

1 - Os juízes militares são nomeados, por escolha, de entre os oficiais no activo e na efectividade de serviço.
2 - Não podem ser nomeados juízes militares os oficiais que:

a) Tenham sido definitivamente condenados em pena criminal privativa da liberdade;
b) Se encontrem definitivamente pronunciados por crimes comuns ou estritamente militares, até ao trânsito em julgado da decisão final.

Artigo 15.º
Regime

1 - Os juízes militares são colocados em regime de comissão normal de serviço.

Página 627

0627 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - A comissão de serviço tem a duração de três anos e pode ser renovada uma vez, por igual período.

Artigo 16.º
Posse

1 - Os juízes militares do Supremo Tribunal de Justiça tomam posse perante o presidente deste Tribunal.
2 - Os juízes militares da Relação de Lisboa e os juízes militares de 1ª Instância tomam posse perante o presidente do Tribunal da Relação.
3 - A posse deve ter lugar nos 10 dias subsequentes à publicação do acto que determinou a colocação.

Artigo 17.º
Regime da exoneração

A exoneração dos juízes militares compete ao Conselho Superior da Magistratura, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior ou o Conselho Superior da GNR, consoante os casos.

Artigo 18.º
Causas de exoneração

1 - São exonerados os juízes militares que:

a) Passem à situação de reforma ou de licença ilimitada;
b) Sejam definitivamente condenados em pena criminal privativa da liberdade;
c) Sejam punidos disciplinarmente por facto cometido durante o exercício das suas funções;
d) Aceitem lugar incompatível com o exercício das suas funções, nos termos do artigo 8.º;
e) Sejam promovidos a posto superior ao fixado para as suas funções.

2 - A exoneração do juiz militar não prejudica o cumprimento da pena que lhe tenha sido aplicada e determina o seu regresso ao ramo das forças armadas a que pertença ou à GNR, consoante os casos.

Artigo 19.º
Suspensão de funções

Os juízes militares suspendem as respectivas funções nos mesmos termos dos magistrados judiciais.

Capítulo IV
Assessores militares do Ministério Público

Artigo 20.º
Assessoria militar

Na promoção do processo por crimes estritamente militares o Ministério Público é assessorado por oficiais das forças armadas e da GNR.

Artigo 21.º
Gabinete de assessoria militar

1 - Na Procuradoria-Geral da República funciona um Gabinete de Assessoria Militar, composto por oficiais das forças armadas e da GNR, de categoria não inferior a primeiro-tenente ou capitão, designados por assessores militares.
2 - O Procurador-Geral da República nomeia os assessores militares, até ao número de quatro, ouvidos os chefes de estado-maior respectivos.
3 - Os assessores militares desempenham as suas funções em regime de comissão normal e vencem de acordo com o posto respectivo.

Artigo 22.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no momento da entrada em vigor do novo Código de Justiça Militar.

Assembleia da República, 2 de Julho de 2002. Os Deputados do PS: Vitalino Canas - António Costa - Marques Júnior - Guilherme d'Oliveira Martins - José Magalhães - Miranda Calha - mais uma assinatura ilegível.

PROJECTO DE LEI N.º 99/IX
LEI-QUADRO DE APOIO ÀS COLECTIVIDADES DE CULTURA, DESPORTO E RECREIO

Preâmbulo

As colectividades de cultura, desporto e recreio existentes no nosso país constituem uma realidade da maior importância na dinamização cultural, artística, recreativa, desportiva e associativa das comunidades locais. Enfrentando dificuldades da mais diversa ordem - escassez de receitas e financiamentos, carência de instalações, dificuldades técnicas e materiais, dificuldades de disponibilidade dos seus dirigentes (em regra benévolos) -, essas associações prestam ainda assim um serviço inestimável às populações e ao progresso cultural, a nível local e nacional.
No entanto, não existe um quadro legal que preveja e defina o apoio do Estado às colectividades, para além de legislação especificamente aplicável a certo tipo de associações. Assim, a importantíssima actividade que é desenvolvida pelas colectividades de cultura, desporto e recreio é, regra geral, integralmente suportada pelos seus associados, por patrocínios privados que as colectividades consigam angariar e pelos apoios concedidos pela administração local. Já quanto à Administração Central, tudo se resume aos subsídios pontuais e discricionários atribuídos pelos governos civis e à contemplação de alguns projectos em PIDDAC, sem que em algum dos casos estejam definidos critérios de apoio transparentes e fiscalizáveis.
Ultrapassar esta enorme lacuna e definir um quadro legal de apoio ao associativismo que permita associar os esforços da Administração Central aos das autarquias, associações e comunidades locais na dinamização da cultura e recreio é o grande objectivo visado pelo presente projecto de lei do Partido Comunista Português.
Para este efeito o PCP propõe a criação, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, de um fundo de apoio ao associativismo, que tenha como atribuições centrais apoiar as colectividades de cultura, desporto e recreio, segundo critérios de igualdade e transparência e de acordo com condições previamente definidas, coordenar as políticas de apoio ao associativismo a desenvolver por todas as entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública Central, e que conte com a participação

Página 628

0628 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

de representantes do associativismo e do poder local ao nível da sua direcção executiva.
No presente projecto de lei o Grupo Parlamentar do PCP propõe um quadro geral de apoios à actividade associativa, através de diversas modalidades, utilizáveis por forma cumulativa ou individualizada. Abre-se, inclusivamente, a possibilidade de, através de protocolos gerais ou dirigidos a determinados apoios previstos na lei, o fundo de apoio ao associativismo poder assegurar às associações, nomeadamente, apoio técnico, cedência de materiais e equipamentos, apoio à formação de técnicos, dirigentes e colaboradores associativos, apoio a transportes em grupo, apoio à aquisição, construção, arrendamento, reparação ou manutenção de instalações, bem como apoio financeiro directo a actividades desenvolvidas pelas colectividades.
Propõe-se para este efeito, e com o intuito de assegurar a transparência da atribuição de apoios do Estado ao associativismo, que o fundo de apoio ao associativismo seja incumbido de propor ao Governo a aprovação, por decreto-lei, de um regulamento de apoio ao associativismo, no qual se estabeleçam claramente os critérios e as regras de concessão de apoio do Estado às colectividades de cultura, desporto e recreio.
Não é a primeira vez que o PCP apresenta iniciativas legislativas visando assegurar o apoio do Estado às actividades que são desenvolvidas pelas colectividades de cultura, desporto e recreio, em benefício do povo português. Desde a V Legislatura (1987-1991) que o PCP tem vindo a apresentar e a reapresentar projectos de lei de apoio ao associativismo e de estatuto dos dirigentes associativos voluntários, os quais têm sido sucessivamente recusados por diferentes maiorias parlamentares. No entanto, cumpre registar que a actividade do PCP na Assembleia da República em prol do associativismo produziu resultados concretos, com a aprovação, em 1999, de um regime legal actualizado das pessoas colectivas de utilidade pública que se traduziu na reposição de benefícios para grande número de colectividades.
O presente projecto de lei não se limita, porém, a reapresentar iniciativas anteriores. Embora nos seus princípios essenciais venha no seguimento de iniciativas anteriormente tomadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, contém novas soluções resultantes da reflexão que o PCP e o próprio movimento associativo têm empreendido.
O presente projecto de lei, visando regular o quadro geral de apoios às colectividades de cultura e recreio, não se ocupa de questões fundamentais para o associativismo, como o estatuto dos seus dirigentes voluntários, a correcção do injusto regime fiscal do associativismo ou a alteração do regime do mecenato associativo, na medida em que tais matérias, pela sua especificidade, são objecto de iniciativas legislativas específicas também apresentadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, integrando com a presente iniciativa um conjunto de projectos de lei de apoio ao associativismo com que o PCP assinala o Ano Internacional do Voluntariado.
A vida confirmou, com a evolução recente da situação do movimento associativo, a indispensabilidade de um enquadramento legal como o agora proposto, que é, aliás, reclamado por múltiplas associações, por encontros do movimento associativo e dirigentes associativos de todo o País, e que foi, inclusivamente, reivindicado pelo IV Congresso das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, realizado em 2001.
Estas propostas não constituem, da parte do PCP, propostas fechadas. O objectivo é, acima de tudo, o de lançar o debate sobre os problemas do movimento associativo e o apoio que lhe é devido por parte do Estado. A adopção de um regime legal de apoio ao associativismo mais justo será fundamentalmente um meio de contribuir para uma melhor qualidade de vida de muitos milhares de portugueses e de permitir a muitos milhares de jovens ter melhores condições de acesso a actividades culturais e desportivas.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece o regime geral do apoio do Estado às colectividades de cultura, desporto e recreio.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação

1 - A presente lei aplica-se a todas as colectividades de cultura, desporto e recreio, e respectivas estruturas federativas ou de cooperação, que tenham obtido personalidade jurídica e não tenham por fim o lucro económico dos associados.
2 - A presente lei não prejudica a atribuição de outros apoios às colectividades que, pela sua natureza ou finalidades específicas, sejam apoiadas nos termos de legislação especial.

Artigo 3.º
Fundo de apoio ao associativismo

1 - Para a concretização das atribuições do Estado no âmbito do apoio às colectividades nos termos da presente lei é criado o fundo de apoio ao associativismo.
2 - O fundo de apoio ao associativismo funciona no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros, sendo a sua organização e funcionamento definidos por decreto-lei.
3 - O fundo de apoio ao associativismo será dotado com as delegações regionais necessárias à prossecução das suas atribuições.

Artigo 4.º
Atribuições

São atribuições do fundo de apoio ao associativismo:

a) Apoiar, nos termos da presente lei, as actividades prosseguidas pelas colectividades de cultura, desporto e recreio;
b) Apoiar a criação de novas colectividades de cultura, desporto e recreio;
c) Coordenar as políticas de apoio ao associativismo a desenvolver por todas as entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública Central;
d) Elaborar e propor ao Governo um regulamento do apoio ao associativismo, no qual são definidos os critérios para a atribuição de apoios às colectividades;
e) Elaborar um relatório anual de aplicação do regulamento do apoio ao associativismo no qual são publicitados todos os apoios concedidos a colectividades por parte de entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública Central;
f) Promover e apoiar acções de formação de dirigentes, colaboradores e técnicos associativos;
g) Garantir apoio técnico e jurídico às colectividades;
h) Organizar um registo nacional de colectividades de cultura, desporto e recreio;

Página 629

0629 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

i) Publicar um anuário do associativismo;
j) Promover e patrocinar estudos sobre a realidade associativa;
k) Outras atribuições que resultem da lei.

Artigo 5.º
Participação

O decreto-lei de organização e funcionamento do fundo de apoio ao associativismo deve assegurar a participação, ao nível da respectiva direcção, de representantes da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias.

Artigo 6.º
Autonomia e independência das colectividades

A concessão de qualquer tipo de apoios por parte do Estado não pode condicionar a autonomia e independência das colectividades perante o poder político.

Artigo 7.º
Não discriminação

Na concessão de qualquer tipo de apoios por parte do Estado nenhuma colectividade pode ser privilegiada ou prejudicada em relação às restantes por motivos políticos, ideológicos, religiosos ou de situação geográfica.

Artigo 8.º
Registo nacional de associações

1 - O Instituto do Associativismo organiza um registo nacional de colectividades de cultura, desporto e recreio, de onde conste a respectiva situação estatutária.
2 - A não inscrição no registo nacional ou a incorrecção de quaisquer dados dele constantes por facto não imputável às colectividades não pode implicar qualquer prejuízo no gozo de direitos, isenções ou regalias, ou na atribuição de quaisquer apoios.

Artigo 9.º
Quadro geral de apoios

1 - As colectividades de cultura, desporto e recreio são apoiadas pelo Estado, nos termos do regulamento de apoio ao associativismo, elaborado e proposto pelo fundo de apoio ao associativismo, e aprovado pelo Governo mediante decreto-lei.
2- O apoio do Estado à actividade das colectividades pode revestir a natureza de apoio técnico, financeiro, à formação de técnicos e dirigentes, ou consistir em apoios aos transportes ou à construção, remodelação ou manutenção de infra-estruturas.
3 - A actividade de carácter associativo dos dirigentes das colectividades abrangidas pela presente lei é objecto de apoio específico a regular em lei especial.

Artigo 10.º
Regulamento

O regulamento de apoio ao associativismo estabelece os critérios e as regras de concessão de apoio às colectividades de cultura, desporto e recreio por parte do fundo de apoio ao associativismo e de outras entidades directa ou indirectamente dependentes da Administração Pública Central, de acordo com os princípios consagrados na presente lei.

Artigo 11.º
Protocolos

1 - Os apoios do fundo de apoio ao associativismo a cada colectividade podem ser globalmente acordados mediante protocolos onde sejam estabelecidas as modalidades, os montantes e as condições dos apoios a conceder, nos termos da presente lei e do regulamento de apoio ao associativismo.
2 - Os protocolos referidos no número anterior podem ser anuais ou plurianuais.

Artigo 12.º
Apoio técnico

1 - O fundo de apoio ao associativismo apoia tecnicamente as colectividades abrangidas pela presente lei, assegurando-lhes, designadamente, informação, acesso a documentação e assessoria e outros recursos humanos de que estas necessitem para a prossecução das suas actividades.
2 - O apoio técnico pode incluir a cedência de materiais e equipamentos segundo condições previstas no regulamento de apoio ao associativismo.

Artigo 13.º
Apoio à formação

O fundo de apoio ao associativismo promove a realização de cursos e outras acções de formação de técnicos, dirigentes e colaboradores associativos e apoia acções dessa natureza que sejam promovidas pelas próprias colectividades ou pelas suas estruturas federativas.

Artigo 14.º
Apoio a transportes

Os encargos motivados pelo transporte em grupo dos participantes em iniciativas e actividades promovidas pelas colectividades abrangidas pela presente lei podem ser suportadas, total ou parcialmente, pelo fundo de apoio ao associativismo, nos termos definidos no regulamento de apoio ao associativismo.

Artigo 15.º
Infra-estruturas

O fundo de apoio ao associativismo apoia financeiramente, nos termos definidos no regulamento de apoio ao associativismo, a aquisição, construção, arrendamento, reparação ou manutenção de instalações que estejam afectas às actividades das colectividades, devendo para esse efeito coordenar a sua actividade com a de outros organismos da Administração central responsáveis pela atribuição de apoios no domínio das infra-estruturas.

Artigo 16.º
Apoio financeiro

O fundo de apoio ao associativismo apoia financeiramente as actividades que sejam desenvolvidas pelas colectividades abrangidas pela presente lei, nos termos previstos no regulamento de apoio ao associativismo.

Página 630

0630 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 17.º
Regulamentação

O Governo elaborará no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei, a regulamentação indispensável à sua integral aplicação.

Artigo 18.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Bruno Dias - António Filipe - Luísa Mesquita - Honório Novo - Carlos Carvalhas - Lino de Carvalho - Bernardino Soares - Rodeia Machado.

PROJECTO DE LEI N.º 100/IX
ESTATUTO DO DIRIGENTE ASSOCIATIVO VOLUNTÁRIO

Preâmbulo

O movimento associativo popular constitui uma realidade da maior relevância na dinamização da vida cultural, desportiva e recreativa e ainda no apoio educativo e social às comunidades onde se insere, aos milhares de associados que o integram e à população em geral.
As associações populares enfrentam dificuldades e problemas da mais variada ordem no cumprimento do serviço de utilidade pública que prestam. Entre essas dificuldades avulta a falta de disponibilidade de tempo dos seus dirigentes para exercerem cabalmente as suas funções.
É, portanto, fundamental, que aos dirigentes destas associações seja reconhecido o importante papel que o seu trabalho voluntário desempenha no desenvolvimento social, cultural e desportivo do País.
É urgente que sejam criadas condições para que os dirigentes associativos voluntários que trabalhem por conta de outrém possam dispor de alguma disponibilidade de tempo para que, com mais eficácia, continuem a desempenhar a título gratuito e sem prejuízos pessoais insuportáveis funções directivas nas respectivas associações.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tem vindo a apresentar, desde há vários anos, iniciativas legislativas que, reconhecendo a importância social do associativismo popular, propõem a adopção de um regime geral de apoio do Estado às suas actividades.
O presente projecto de lei visa, assim, a criação de um estatuto legal dos dirigentes associativos voluntários, no sentido de adaptar de forma razoável o respectivo regime de prestação de trabalho, caso trabalhem por conta de outrém, às exigências de gestão e de acompanhamento das actividades das associações que dirigem.
Importa referir que, na VII Legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou iniciativa legislativa em tudo idêntica à presente, que, apesar de ter sido aprovada na generalidade, sem votos contra, acabou por não ter sido submetida a votação final global. Essa é mais uma razão para confiar que, na presente Legislatura, os dirigentes associativos possam ver aprovado seu estatuto legal, beneficiando, não os dirigentes associativos a título individual mas, sim, as associações e as comunidades a que pertencem e a quem oferecem milhares de horas de trabalho voluntário absolutamente gratuito e com enorme sacrifício pessoal e familiar.
O PCP, ao apresentar a presente iniciativa legislativa no ano 2001, declarado pelas Nações Unidas como Ano Internacional do Voluntariado, pretende também assinalar o reconhecimento que é devido aos dirigentes associativos que voluntariamente prestam um serviço de inestimável valia à comunidade. Reconhecimento esse que deve ter da parte do Estado não apenas palavras mas, acima de tudo, a adopção de um estatuto legal justo, que longe de constituir um benefício pessoal para os dirigentes associativos representaria afinal um benefício para a própria comunidade.
Refira-se, inclusivamente, que o IV Congresso Nacional das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, realizado em 2001, integrou nas suas conclusões a aprovação de um estatuto do dirigente associativo voluntário como uma exigência de todo o movimento associativo. Consciente da justeza dessa reivindicação, o Grupo Parlamentar do PCP entendeu reapresentar uma iniciativa legislativa com esse objectivo.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece o regime geral do apoio do Estado aos dirigentes associativos voluntários na prossecução das suas actividades de carácter associativo.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação

1 - A presente lei aplica-se aos dirigentes de todas as associações e respectivas estruturas federativas ou de cooperação que tenham obtido personalidade jurídica e não tenham por fim o lucro económico dos associados.
2 - Para os efeitos da presente lei considera-se dirigente associativo voluntário o indivíduo que exerça funções de direcção executiva em regime de gratuitidade em qualquer das associações referidas no número anterior.

Artigo 3.º
Princípio geral

Os dirigentes associativos voluntários não podem ser prejudicados no respectivo emprego por virtude do desempenho de cargos directivos nas associações.

Artigo 4.º
Regime de apoio

1 - As faltas dadas pelos dirigentes associativos voluntários por motivos relacionados com a actividade da respectiva associação, mediante aviso prévio à entidade empregadora ou ao responsável máximo pelo serviço público, são consideradas justificadas, dentro dos limites seguintes:

a) Presidente de direcção, até 24 horas mensais;
b) Secretário ou tesoureiro, até 16 horas mensais;
c) Vogais, até 8 horas mensais.

Página 631

0631 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - As faltas dadas nos termos do número anterior pelos dirigentes associativos voluntários que sejam trabalhadores da administração pública não implicam perda de remuneração.
3 - Caso as entidades empregadoras decidam assumir os encargos remuneratórios correspondentes às faltas dadas nos termos do n.º 1 por dirigentes associativos voluntários ao seu serviço, tais encargos serão considerados custos ou perdas para efeitos de IRC, sendo levados a custos em valor correspondente a 130% do total.

Artigo 5.º
Marcação de férias

Os dirigentes associativos voluntários têm direito a marcar férias de acordo com as necessidades associativas, salvo se daí resultar incompatibilidade insuprível com o plano de férias da entidade empregadora ou do serviço.

Artigo 6.º
Tempo de serviço

O tempo de serviço prestado às associações nos termos do artigo 4.º da presente lei conta para todos os efeitos, designadamente promoções, diuturnidades, benefícios sociais ou outros direitos adquiridos, como tempo de serviço prestado no local de trabalho.

Artigo 7.º
Regulamentação

O Governo elaborará no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei a regulamentação indispensável à sua aplicação integral.

Artigo 8.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Bruno Dias - António Filipe - Lino de Carvalho - Luísa Mesquita - Honório Novo - Carlos Carvalhas - Bernardino Soares -Rodeia Machado.

PROJECTO DE LEI N.º 101/IX
ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 74/99, DE 16 DE MARÇO, QUE APROVA O ESTATUTO DO MECENATO, ALTERADO PELA LEI N.º 160/99, DE 14 DE SETEMBRO, ONDE SE DEFINE O REGIME DE INCENTIVOS FISCAIS NO ÂMBITO DO MECENATO SOCIAL, AMBIENTAL, CULTURAL, CIENTÍFICO OU TECNOLÓGICO E DESPORTIVO

Preâmbulo

O Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, com as alterações constantes da Lei n.º 160/99, de 14 de Setembro, define o regime do mecenato social, ambiental, cultural, científico ou tecnológico e desportivo.
Este diploma considera que, para efeitos de IRC, sejam considerados custos ou perdas de exercício, até ao limite de 5/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados, os donativos atribuídos a determinadas entidades com intervenção nos domínios cultural, histórico, ambiental, científico, educacional e desportivo.
Acontece, no entanto, que, embora se encontrem contempladas entidades que prossigam acções no âmbito cultural (como as cooperativas culturais, institutos, fundações e associações que prossigam actividades de investigação, de cultura e de defesa do património histórico-cultural e outras que desenvolvam acções no âmbito do teatro, do bailado, da música, da organização de festivais e outras manifestações artísticas e da produção cinematográfica, audiovisual e literária), bem como entidades intervenientes no sistema desportivo (como o Comité Olímpico de Portugal, a Confederação do Desporto de Portugal, as federações desportivas dotadas de estatuto de utilidade pública desportiva, as associações promotoras do desporto e as associações dotadas do estatuto de utilidade pública que tenham como objecto o fomento e a prática de actividades desportivas), ficam de fora muitas colectividades de cultura, desporto e recreio que desenvolvem actividades de reconhecido mérito.
Afigura-se, pois, de elementar justiça que o regime do mecenato seja igualmente aplicável aos donativos que sejam concedidos a associações e colectividades de desporto, cultura e recreio constituídas em pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos, tendo em conta o inestimável valor social das actividades que são desenvolvidas por estas associações e tendo também em consideração a escassez do apoio que essas actividades recebem da parte dos poderes públicos.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Disposição alterada

O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 74/99, de 16 de Março, alterado pela Lei n.º 160/99, de 14 de Março, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 3.º
Mecenato cultural, ambiental, científico, ou tecnológico, desportivo e educacional

1 - São considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 6/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados, os donativos atribuídos às seguintes entidades:

a) (sem alteração);
b) (sem alteração);
c) (sem alteração);
d) (sem alteração);
e) (sem alteração);
f) Associações e colectividades de desporto, cultura e recreio, constituídas em pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos;
g) (anterior alínea f))
h) (anterior alínea g))
i) (anterior alínea h))
j) (anterior alínea i))"

Artigo 2.º
Entrada em vigor

Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, a presente lei só produz efeitos financeiros com a

Página 632

0632 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Bruno Dias - António Filipe - Luísa Mesquita - Bernardino Soares - Carlos Carvalhas - Honório Novo - Lino de Carvalho - Rodeia Machado.

PROJECTO DE LEI N.º 102/IX
APOIO AO ASSOCIATIVISMO CULTURAL E DESPORTIVO

Preâmbulo

Na VII Legislatura a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 123/99, de 20 de Agosto, de apoio ao associativismo cultural, às bandas de música e filarmónicas. Nessa lei, recentemente regulamentada, as bandas de música, filarmónicas, escolas de música, tunas, fanfarras, ranchos folclóricos e outras agremiações culturais sem fins lucrativos que se dediquem à actividade musical passaram a dispor da possibilidade de reaver do Estado os montantes despendidos com o IVA relativo à aquisição de instrumentos musicais utilizados exclusivamente nas suas actividades.
Esta medida legislativa, que veio, aliás, ao encontro de uma proposta que o PCP havia apresentado no debate do Orçamento do Estado anterior à sua aprovação, é muito meritória e teve naturalmente o voto favorável do PCP. Importa, porém, reconhecer que as justas razões que levaram a Assembleia da República a aprovar a Lei n.º 123/99 são inteiramente válidas no que diz respeito à aquisição de material desportivo por parte das colectividades sem fins lucrativos que se dediquem às actividades desportivas, bem como de material indispensável à produção e exibição audiovisual, teatral e de dança por parte de grupos não profissionais e sem fins lucrativos.
Na verdade, as associações culturais e desportivas prestam um inestimável serviço à comunidade e principalmente aos milhares de jovens a quem possibilitam o acesso à fruição cultural e à prática desportiva. No entanto, tal serviço não obteve ainda da parte do Estado o reconhecimento e o apoio que lhe é devido, o que se traduz no facto de as colectividades desportivas e as associações que se dedicam ao cinema, ao teatro e à dança em moldes não profissionais serem obrigadas a suportar encargos fiscais indirectos (IVA) muito elevados (à taxa máxima) sobre os materiais que adquirem para as suas actividades.
Daí que o PCP, com o presente projecto de lei, proponha a extensão do regime previsto na Lei n.º 123/99, de 20 de Agosto, às colectividades desportivas e às associações culturais sem fins lucrativos, prevendo o reembolso pelo Estado dos montantes correspondentes ao IVA sobre os materiais desportivos e equipamentos para a produção e exibição de audiovisuais, teatro e dança, adquiridos por essas colectividades e por si suportados e que sejam exclusivamente utilizados nas suas actividades. De igual modo se propõe que, tal como aconteceu com a Lei n.º 123/99, o Governo regulamente a lei agora proposta, tendo em conta as especificidades das matérias em causa e, designadamente, as tipologias dos materiais a abranger. Com o presente projecto de lei o PCP está seguro de corresponder a um justo anseio das colectividades desportivas e associações culturais e procura corresponder de algum modo ao reconhecimento que é devido por parte do Estado do valorosíssimo papel que estas associações desempenham no desenvolvimento da cultura e do desporto nacionais e no apoio à juventude portuguesa. Aliás, a reivindicação de isenção dos encargos com o IVA na compra de equipamentos por parte das colectividades consta expressamente das conclusões do Congresso das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, realizado em Loures, nos dias 6, 7 e 8 de Abril de 2001.
Porém, importa que a regulamentação corresponda com celeridade e eficácia à execução das regras através das quais o Governo apoia o associativismo cultural e desportivo, designadamente através da utilização de procedimentos simplificados relativos à apresentação e apreciação das candidaturas e ao processamento do respectivo apoio.
Certos, portanto, de corresponder a uma reivindicação inteiramente justa do movimento associativo, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei define as regras através das quais o Governo apoiará anualmente as associações e colectividades que se dediquem às actividades desportivas, audiovisuais, de teatro ou de dança, constituídas em pessoas colectivas de direito privado sem fins lucrativos.

Artigo 2.º
Forma de apoio

O objecto previsto no artigo anterior reveste a natureza de subsídio, não reembolsável, em valor equivalente ao imposto de valor acrescentado, pago e suportado pelas referidas entidades, que não confira direito a dedução, em cada ano orçamental, na aquisição de equipamentos destinados à produção e exibição audiovisual, teatral e de dança, material desportivo, e vestuário, destinados ao seu uso exclusivo.

Artigo 3.º
Candidaturas ao apoio

As candidaturas ao apoio previsto nesta lei deverão ser instruídas e apresentadas pelas entidades interessadas, nos termos a regulamentar pelo Governo.

Artigo 4.º
Não exclusão

O apoio previsto na presente lei não exclui nem prejudica a candidatura a quaisquer outros subsídios ou incentivos de natureza pública, nomeadamente nas áreas do apoio à cultura e ao desporto.

Artigo 5.º
Regulamentação e entrada em vigor

1 - O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias após a sua publicação.
2 - A presente lei produz os seus efeitos com a entrada em vigor da lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Bruno Dias - António Filipe - Bernardino Soares - Honório Novo - Luísa Mesquita - Lino de Carvalho - Rodeia Machado.

Página 633

0633 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

PROJECTO DE LEI N.º 103/IX
CRIA O CONSELHO NACIONAL DO ASSOCIATIVISMO

Preâmbulo

O associativismo, nas suas múltiplas expressões, e em especial as colectividades de cultura, desporto e recreio, constitui uma poderosa realidade social e cultural. Para muitas centenas de milhares de portugueses o associativismo constitui a única forma de acesso a actividades desportivas, culturais, recreativas ou de acção social. Para além disso, é através do exercício do direito de associação por muitos cidadãos que são asseguradas formas de participação cívica da maior relevância.
Acontece, no entanto, que, para além do associativismo não ter obtido ainda o reconhecimento legal que a sua importância social justificaria - traduzido, designadamente, em formas de apoio às suas actividades ou na aprovação de um estatuto para os seus dirigentes -, o movimento associativo não tem sido considerado pelos poderes públicos como um interlocutor indispensável na definição das políticas que lhe dizem inquestionavelmente respeito.
Importa, assim, à semelhança do que existe em outros países, assegurar a existência em Portugal de uma instância permanente de consulta e participação do associativismo junto dos poderes públicos, e que possa funcionar, de igual modo, como um elemento de apoio e incentivo à própria vida associativa.
Nesse sentido, o PCP propõe a criação, junto da Presidência do Conselho de Ministros, de um conselho nacional do associativismo, integrado por elementos designados pelas estruturas representativas das várias expressões do movimento associativo e por representantes dos departamentos governamentais que mais directamente se relacionam com o associativismo, tendo por objectivos, designadamente, proceder ao estudo e acompanhamento da evolução de todas as questões relativas ao associativismo, dar parecer sobre propostas e projectos legislativos no âmbito da vida associativa, assim como da respectiva regulamentação, pronunciar-se sobre a legislação em vigor relativa ao associativismo e acompanhar a sua aplicação, propor medidas com vista ao desenvolvimento da vida associativa e elaborar em cada mandato um relatório geral da vida associativa.
Trata-se de um órgão desburocratizado, ágil no seu funcionamento, amplamente representativo das realidades associativas, e que pode dar um valioso contributo para a melhor definição e aplicação de políticas que tenham em conta os interesses e aspirações legítimas do associativismo e das populações que este serve nas suas múltiplas actividades.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Natureza

1 - Pela presente lei é criado o conselho nacional do associativismo, adiante designado por conselho.
2 - O conselho é um órgão consultivo que exerce a sua actividade junto da Presidência do Conselho de Ministros .
3 - O conselho exerce a sua competência relativamente a todos os actos e questões de interesse para a vida associativa nacional.

Artigo 2.º
Competência

Compete ao Conselho:

a) Proceder ao estudo e acompanhamento da evolução de todas as questões relativas ao associativismo;
b) Dar parecer sobre propostas e projectos legislativos no âmbito da vida associativa, assim como da respectiva regulamentação;
c) Pronunciar-se sobre a legislação em vigor relativa ao associativismo e acompanhar a sua aplicação;
d) Pronunciar-se sobre a atribuição de apoios ao associativismo por parte do Estado;
e) Propor medidas com vista ao desenvolvimento da vida associativa;
f) Elaborar em cada mandato um relatório geral da vida associativa e da sua evolução;
g) Desempenhar as demais funções que lhe forem atribuídas por lei.

Artigo 3.º
Composição

O Conselho é composto por:

a) Cinco elementos designados, respectivamente, pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da cultura, da educação, do desporto, do trabalho e solidariedade e da juventude;
b) Um elemento designado pela Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio;
c) Um elemento designado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses;
d) Um elemento designado pela Associação Nacional de Freguesias;
e) Um elemento designado pela Confederação Nacional das Associações de Pais;
f) Um elemento designado pela Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres;
g) Um elemento designado pelo Conselho Nacional de Juventude;
h) Dois elementos designados, respectivamente, pelas associações de estudantes do ensino secundário e pelas associações de estudantes do ensino superior;
i) Um elemento designado pela Confederação do Desporto de Portugal;
j) Um elemento designado pelo Comité Olímpico de Portugal;
k) Um elemento designado pela Liga dos Bombeiros de Portugal;
l) Um elemento designado pelas associações de defesa do ambiente;
m) Um elemento designado pela Associação Portuguesa de Deficientes;
n) Um elemento designado pelas associações representativas dos imigrantes;
o) Um elemento designado pela União das Instituições Particulares de Solidariedade Social;
p) Um elemento designado pela Federação Portuguesa de Cineclubes;
q) Um elemento designado pelas associações representativas dos reformados, pensionistas e idosos;

Página 634

0634 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

r) Um elemento designado pelas mutualidades portuguesas;
s) Quatro elementos de reconhecido mérito cooptados pelos restantes membros.

Artigo 4.º
Mandato

1 - Os membros do conselho são designados por quatro anos.
2 - Os membros do conselho mantêm-se em funções até ao acto de posse de quem os substitua.

Artigo 5.º
Estatuto dos membros do Conselho

1 - Os membros do conselho são representantes das entidades que os designaram e podem ser substituídos por estas.
2 - Os membros do conselho perdem o seu mandato caso percam a qualidade pela qual foram designados.
3 - Os membros do conselho exercem as suas funções em regime não remunerado.

Artigo 6.º
Funcionamento

1 - O conselho elege de entre os seus membros um presidente e dois vice-presidentes, por maioria qualificada de dois terços.
2 - O conselho funciona em plenário com a presença da maioria dos seus membros.
3 - O conselho delibera por maioria e o presidente tem voto de qualidade.
4 - O conselho elabora e aprova o seu regimento, que é publicado na II Série do Diário da República.

Artigo 7.º
Comissão permanente

1 - O conselho dispõe de uma comissão permanente que é composta pelo presidente, pelos dois vice-presidentes e por seis vogais eleitos de entre os membros do conselho.
2 - A comissão permanente assegura a execução das deliberações do plenário e o funcionamento regular do conselho.

Artigo 8.º
Reuniões

O conselho reúne ordinariamente uma vez em cada trimestre e extraordinariamente sempre que o presidente o entenda necessário ou sempre que se verifiquem os requisitos estipulados no seu regimento.

Artigo 9.º
Dever de cooperação

O Governo e a Administração Pública cooperam com o conselho, prestando a colaboração que este solicite para o cumprimento das suas atribuições e garantindo os meios logísticos e financeiros necessários para o seu funcionamento.

Artigo 10.º
Orçamento e instalações

Os encargos com o funcionamento do conselho são cobertos pela dotação orçamental atribuída à Presidência do Conselho de Ministros, a quem compete assegurar as instalações e o apoio técnico e administrativo de que aquele necessite para o seu funcionamento.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, a presente lei só produz efeitos financeiros com a entrada em vigor do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Bruno Dias - António Filipe - Bernardino Soares - Carlos Carvalhas - Honório Novo - Luísa Mesquita - Lino de Carvalho - Rodeia Machado.

PROJECTO DE LEI N.º 104/IX
REFORÇA OS DIREITOS DA LIGA DOS BOMBEIROS PORTUGUESES

Preâmbulo

O voluntariado em bombeiros desenvolve a sua acção há mais de 600 anos.
Nasceu da necessidade de protecção contra incêndios em Lisboa, e ao longo dos séculos estendeu a sua acção por todo o território nacional, passando da vertente de combate a incêndios para a protecção civil, apoio às populações contra as calamidades naturais, inundações, incêndios, acidentes rodoviários, doenças súbitas e, mais tarde, no transporte de doentes em ambulância. Resumidamente, pode afirmar-se que o universo das acções de socorro confiadas a bombeiros constitui uma imensidão.
A Liga de Bombeiros Portugueses congrega hoje na sua estrutura central mais de 400 associações e corpos de bombeiros no Continente e nas Regiões Autónomas dos Açores e Madeira e dispõe de uma estrutura descentralizada de federações de bombeiros em todos os distritos e regiões autónomas.
No conjunto, são cerca de 40 000 os homens e mulheres que, voluntariamente, com farda e sem farda, servem com dedicação as populações e prestam apoio às comunidades onde se inserem
As acções de voluntariado crescem de ano para ano nas acções de socorro confiadas a bombeiros e os seus serviços são amplamente reconhecidos pela população portuguesa.
A estrutura, Liga de Bombeiros Portugueses, representa hoje, como atrás se afirma, um universo de homens e mulheres em acções de voluntariado indispensável na sociedade portuguesa e é credora de todo o apoio que a sociedade lhe possa prestar. Assim, considera o PCP ser inteiramente justificado atribuir legalmente à Liga dos Bombeiros Portugueses um estatuto compatível com a sua importância social, designadamente através do reforço dos seus direitos de participação e intervenção.

Página 635

0635 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma reforça os direitos da Liga dos Bombeiros Portugueses com o objectivo de valorizar os inestimáveis serviços prestados à sociedade pelas corporações de bombeiros.

Artigo 2.º
Direitos de participação e intervenção

1 - Sem prejuízo de outras competências previstas na lei, a Liga dos Bombeiros Portugueses goza do estatuto de parceiro social, com direito, nomeadamente, a consulta prévia, pelos órgãos de soberania, sobre todas as iniciativas legislativas respeitantes a matéria do seu interesse.
2 - A Liga dos Bombeiros Portugueses tem o direito de ser ouvida na elaboração dos planos e programas em que seja interessada.

Artigo 3.º
Direito de antena

A Liga dos Bombeiros Portugueses tem direito a tempo de antena na rádio e na televisão nos mesmos termos das associações profissionais.

Artigo 4.º
Apoios

A Liga dos Bombeiros Portugueses tem direito ao apoio do Estado para a prossecução dos seus fins.

Artigo 5.º
Colaboração

Podem ser estabelecidos acordos de colaboração entre o Governo e a Liga dos Bombeiros Portugueses, quer relativos a acções de âmbito interno quer de representação em organismos internacionais, no âmbito das actividades específicas desenvolvidas pelas associações de bombeiros.

Artigo 6.º
Regulamentação

O Governo regulamentará a presente lei no prazo de 90 dias a contar da data da sua publicação.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

Sem prejuízo da sua entrada em vigor nos termos gerais, a presente lei só produz efeitos financeiros com a entrada em vigor do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Rodeia Machado - António Filipe - Bernardino Soares - Bruno Dias - Luísa Mesquita - Carlos Carvalhas - Honório Novo -Lino de Carvalho.

PROJECTO DE LEI N.º 105/IX
ALTERAÇÃO À LEI N.º 113/91, DE 29 DE AGOSTO - LEI DE BASES DA PROTECÇÃO CIVIL

Preâmbulo

A protecção civil é a actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos com a finalidade de prevenir riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade e de atenuar os seus efeitos e socorrer as pessoas em perigo.
A Comissão de Protecção Civil, sendo o órgão especializado de assessoria técnica e de coordenação operacional da actividade das entidades envolvidas na protecção civil, é composta por entidades diversificadas, a quem, pelas suas especificidades, compete planear, coordenar actividades, sensibilizar e articular esforços na prevenção e no socorro de forma eficaz.
Neste sentido, o PCP considera que a composição da CNPC deve ser alargada com a representação da Liga dos Bombeiros Portugueses, pelas responsabilidades que assume nesta matéria.
Existem em Portugal mais de quatro centenas de associações e corpos de bombeiros, cuja estrutura superior de nível nacional é a Liga dos Bombeiros Portugueses e que, simultaneamente, representa cerca de quarenta mil voluntários.
As estruturas de bombeiros integram ainda a parte operacional e a parte administrativa, fazendo com que esta estrutura seja suficientemente representativa dos bombeiros.
Pelo serviço relevante que prestam à comunidade, arriscando em muitos casos a própria vida, e por terem predominantemente uma raiz associativa e voluntária que lhes permite o conhecimento atempado e interessado das situações de risco, consideramos não ser suficiente o estatuto de "convidado" a participar nas reuniões do CNPC apenas quando o seu presidente assim o entenda. A Liga dos Bombeiros Portugueses é uma entidade suficientemente representativa e com especiais responsabilidades nesta matéria que deve exercer as suas funções como membro de pleno direito.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único

O artigo 15 º da Lei n º 113/91, de 29 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção :

"Secção IV
Comissão Nacional da Protecção Civil

(...)

Artigo 15.º
Definição e composição

1 - (...)
2 -(...)

(...)
f) Um representante da Liga dos Bombeiros Portugueses;
g) (anterior alínea f))

Página 636

0636 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

3 - (...)
4 - O presidente, quando o considerar conveniente, pode convidar a participar nas reuniões da Comissão outras entidades com especiais responsabilidades no âmbito da protecção civil, nomeadamente a Associação Nacional de Municípios Portugueses, quando se trate de matérias directamente relacionadas com os seus objectivos institucionais.
5 - (...)"

Assembleia da República, 3 de Julho de 2002. Os Deputados do PCP: Rodeia Machado - António Filipe - Bernardino Soares - Bruno Dias - Luísa Mesquita - Carlos Carvalhas - Honório Novo -Lino de Carvalho.

PROPOSTA DE LEI N.º 15/IX
(APROVA O NOVO REGIME JURÍDICO DA GESTÃO HOSPITALAR)

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota prévia

O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 15/IX, que "Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar".
A apresentação da proposta de lei vertente foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do referido Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, de 28 de Junho de 2002, a referida proposta de lei baixou à Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais para emissão do competente relatório e parecer.
Em conjunto com a proposta de lei n.º 15/IX, do Governo, que "Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar", serão discutidos os projectos de lei n.os 82/IX, do PCP, relativo à "lei-quadro da administração e gestão democrática dos centros de saúde, hospitais e sistemas locais de saúde do Serviço Nacional de Saúde", 76/IX, do BE, relativo aos "Princípios de administração e regime jurídico dos hospitais e centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde", e n.º 91/IX, do PS, que "Aprova a lei de enquadramento de gestão hospitalar".

II - Do objecto

Através da proposta de lei n.º 15/IX visa o Governo introduzir alterações pontuais à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, bem como aprovar, sob a forma de anexo, um novo regime jurídico da gestão hospitalar.
Das alterações à Lei de Bases da Saúde:
No que concerne à Lei de Bases de Saúde, a iniciativa legislativa vertente vem introduzir alterações às Bases XXXI (Estatuto dos profissionais do SNS) e XXXIII (Financiamento do SNS), prevendo em concreto:

a) Que a admissão dos profissionais de saúde poderá, a partir da entrada em vigor da nova lei, reger-se pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho;
b) Como receitas dos serviços e estabelecimentos do SNS o pagamento de actos e actividades efectivamente realizados através de uma classificação de actos médicos, técnicas e serviços de saúde a consagrar numa tabela de preços de referência.

Do novo regime jurídico da gestão hospitalar proposto:
No que respeita à gestão hospitalar, a proposta de lei em análise institui um novo enquadramento jurídico, constante de um anexo, procedendo, nessa conformidade, à revogação do Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, mantendo, contudo, em vigor, até à aprovação da competente regulamentação, o Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de Janeiro.
No anexo relativo ao regime jurídico da gestão hospitalar são estabelecidas as normas aplicáveis a todos os hospitais independentemente da sua natureza jurídica (Capítulo I); as normas especiais aplicáveis apenas aos hospitais do sector público administrativo (Capítulo II), nomeadamente aos estabelecimentos públicos (Secção I) e aos estabelecimentos públicos com natureza empresarial (Secção II); as normas especiais aplicáveis aos hospitais constituídos sob a forma de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (Capítulo III) e aos hospitais privados (Capítulo IV).
Assim:
O Capítulo I, aplicável a todos os estabelecimentos hospitalares independentemente da sua natureza jurídica, prevê os seguintes aspectos:

a) O âmbito de aplicação do diploma abrange todos os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde, a qual engloba, por seu turno, os estabelecimentos do SNS, bem como os estabelecimentos privados que prestem cuidados de saúde aos utentes do SNS e os profissionais liberais com quem sejam celebrados contratos;
b) Prevê que os hospitais que integram aquela rede se possam constituir com a natureza jurídica de:
1) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial;
2) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial;
3) Sociedades anónimas de capitais exclusivamente público;
4) Estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com quem sejam celebrados contratos.
c) Consagra os princípios gerais a observar na prestação dos cuidados de saúde, bem como os princípios específicos da gestão hospitalar;
d) Define as matérias objecto de tutela do Ministro da Saúde, bem como a natureza dos órgãos que devem fazer parte dos hospitais;
e) Consagra a obrigação do Ministro da Saúde divulgar anualmente um relatório com os resultados da avaliação do desempenho e da eficiência dos hospitais.

Página 637

0637 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

O Capítulo II, relativo aos hospitais do sector público administrativo, prevê:
Na secção I
Quanto aos estabelecimentos públicos:

a) O regime jurídico aplicável a estes hospitais;
b) Os princípios específicos de gestão hospitalar, como sejam a garantia da eficiente utilização da capacidade instalada, a elaboração de planos anuais e plurianuais e a celebração de contratos-programa, a avaliação dos gestores hospitalares e restante pessoal de acordo com o mérito do seu desempenho, a promoção de um sistema de incentivos ao desempenho profissional, a articulação de funções essenciais da prestação de cuidados e gestão de recursos em torno dos directores de departamento e serviço, a possibilidade de cessão de exploração ou subcontratação de centros de responsabilidade ou de serviços de acção médica a grupos de profissionais de saúde ou a entidades públicas ou privadas e, consagra, igualmente, que os directores de departamento e de serviço respondem perante os conselhos de administração dos respectivos hospitais;
c) A organização interna dos hospitais, remetendo para regulamentação a composição, as competências e o funcionamento dos órgãos hospitalares, para além de estabelecer que os hospitais se devem organizar e desenvolver a sua acção por centros de responsabilidade e de custos;
d) Um regime de tutela específica para estes hospitais e define as receitas dos hospitais;
e) A possibilidade de, com a entrada em vigor do novo diploma, a admissão de pessoal passar a reger-se pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho;
f) A aprovação de um regime específico para os hospitais com ensino e investigação quanto aos aspectos relacionados com a interligação entre o exercício médico e as actividades de formação e de investigação, no domínio do ensino da profissão médica;
g) A possibilidade de celebração de acordos com entidades privadas que visem a prestação de cuidados de saúde, bem como, por último, a estrutura de órgãos aplicável aos grupos e centros hospitalares.

Na secção II
Quanto aos estabelecimentos públicos com natureza empresarial:
A Secção II estabelece o regime jurídico específico aplicável aos estabelecimentos públicos com natureza empresarial, especificando que os hospitais que revistam aquela natureza jurídica constam de diploma próprio.
Por último, os Capítulos III e IV dizem respeito, respectivamente, ao regime jurídico aplicável aos estabelecimentos hospitalares criados sob a forma de sociedades anónimas de capitais públicos e aos estabelecimentos hospitalares privados.

III - Enquadramento constitucional e legal

O artigo 64.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra expressamente que todos os cidadãos "(...) têm o direito à saúde e o dever de a proteger", incumbindo prioritariamente ao Estado, nos termos do n.º 3 da citada disposição constitucional, "garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e unidades de saúde".
O Decreto-Lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22 de Janeiro, veio estabelecer o quadro legal aplicável à actividade e ao funcionamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. É, pois, à luz deste quadro legal que se rege a maioria dos estabelecimentos hospitalares que integram o SNS.
A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde -, veio, por seu turno, consagrar, no n.º 4 da Base I, que "os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos". Importa, igualmente, fazer uma alusão ao disposto no n.º 1 da Base XXXVI da citada lei, que estabelece expressamente que "a gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão, submetidas a regras por ela fixadas".
Foi, aliás, à luz do disposto na citada norma legal que foram sendo levadas a cabo, nos últimos anos, algumas experiências inovadoras de gestão hospitalar, como sejam as relativas ao Hospital de São Sebastião, criado pelo Decreto-Lei n.º 151/98, de 5 de Junho, à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, criada pelo Decreto-Lei n.º 207/99, de 9 de Junho, e ao Hospital do Barlavento Algarvio, criado pelo Decreto-Lei n.º 76/2001, de 27 de Fevereiro.
Cumpre também referir nesta sede a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2002, relativa ao desenvolvimento de uma nova experiência de gestão, traduzida na possibilidade dos hospitais poderem vir a deter a natureza jurídica de entidades públicas empresariais, criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.
Finalmente, e porque aborda matérias conexas com o regime jurídico de gestão hospitalar, é de referir Decreto-Lei n.º 157/99, de 10 de Maio, que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde, o Decreto-Lei n.º 156/99, de 10 de Maio, que estabelece o regime dos sistemas locais de saúde, o Decreto-Lei n.º 284/99, de 26 de Julho, aplicável aos centros hospitalares e aos grupos de hospitais, e o Decreto-Lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, que estabelece o regime geral a que deve obedecer a criação de Centros de Responsabilidade Integrados, como forma progressiva de modernização dos estabelecimentos já em funcionamento.

IV - Parecer

A Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:

a) A proposta de lei n.º 15/IX, do Governo, que "Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais para apreciação em Plenário;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 2 de Julho de 2002. A Deputada Relatora, Luísa Portugal - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade, tendo-se registado a ausência do BE.

Página 638

0638 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

PROPOSTA DE LEI N.º 20/IX
APROVA AS BASES GERAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL

Exposição de motivos

A iniciativa de rever a actual Lei de Bases da Segurança Social corresponde a um compromisso assumido pelo XV Governo Constitucional perante os portugueses durante a apresentação do respectivo Programa.
A nova Lei de Bases parte para a reforma do Estado Providência, o qual atravessou já várias fases críticas e que neste momento se confronta com o envelhecimento da população, com o desemprego e com a emergência de novos riscos sociais. Não obstante, o Governo reconhece que não é possível pensar a eficácia e a sustentabilidade das políticas sociais dissociando-as da evolução da economia e das finanças públicas e foi nesses termos que esta reforma foi concebida.
A reforma preconizada com a apresentação desta proposta de lei preserva as funções sociais do Estado como um elemento fundamental da protecção das pessoas e das famílias. Para este Governo o social não é um custo para a nação mas, sim, um verdadeiro activo ou recurso para uma sociedade equilibrada entre direitos e deveres, menos dependente e mais solidária.
Desde o seu aparecimento, o Estado Providência foi trazendo consigo o alargamento dos direitos fundamentais, das liberdades, dos direitos sociais, dos direitos de participação nos procedimentos administrativos e na própria gestão das organizações, sendo este um novo momento e uma nova oportunidade para o reformar e contribuir para uma sociedade com maiores responsabilidades sociais, pugnar pelo incremento e implantação de uma cultura de partilha de riscos e assim concorrer para a realização da justiça social.
Esta reforma é absolutamente essencial e de interesse nacional, não podendo ser adiada por muito mais tempo, sob pena de se agravarem as condições em que é possível e desejável fazê-la e com claros prejuízos para as próximas gerações. Trata-se de uma reforma sustentada, baseada no justo equilíbrio entre a criação e a distribuição de riqueza nacional e assente numa lógica de proximidade.
Nesse contexto, a reforma preconizada pelo Governo e consubstanciada nesta proposta de lei aborda uma concepção globalizante da protecção social e incide sobre os diferentes aspectos do sistema de segurança social, nomeadamente a sua arquitectura interna, a sua sustentabilidade financeira e a articulação entre a provisão pública e a participação complementar privada ou social na respectiva estruturação.
Apesar de o actual sistema se debater com vários e diferenciados problemas, a verdade é que também produziu e produz benefícios sociais que podem e devem ser salvaguardados e consolidados e que esta proposta de lei tomou em consideração.
A proposta do Governo consagra um sistema de segurança social que compreende o sistema público, o sistema de acção social e o sistema complementar. O sistema de natureza pública integra o subsistema previdencial de base estritamente contributiva, com uma tendência universal para abarcar todos os regimes especiais e o subsistema de solidariedade de base não contributiva, separando com nitidez a função relativa à gestão de poupanças e a função inerente à redistribuição social. O sistema complementar que esta proposta de lei consagra e responsabiliza será concretizado através de regimes legais, contratuais e esquemas facultativos, procurando conjugar a equidade social intergeracional e a eficácia macro-económica com a gestão da poupança e a eficácia social.
Definido o quadro geral do sistema de segurança social, entendeu o Governo verter na proposta de lei o elenco de princípios orientadores, respondendo a considerações doutrinárias e a ajustamentos que a experiência da gestão demonstrou serem necessários. Assim, para além daqueles que já que se encontram implantados e devidamente arreigados na sociedade, introduz-se o princípio da co-responsabilização social do Estado, das empresas e das famílias a fim proporcionar uma crescente e harmoniosa cultura de partilha de riscos sociais. Esta cultura previdencial revela-se mais avisada e protectora das gerações futuras ao mesmo tempo que disponibiliza o Estado e direccional a sua intervenção para as situações sociais mais delicadas e de maior vulnerabilidade.
A presente proposta engloba também no quadro dos princípios enformadores o da subsidariedade social, que se traduz no primado da família e das pessoas, bem como no incentivo, promoção e acarinhamento das iniciativas locais, voluntárias, privadas e mutualistas de protecção social.
A adopção do princípio da coesão geracional constitui uma opção clara de reconhecimento do esforço dos pensionistas sem desconsiderar os mais jovens, numa lógica equilibrada de equidade intergeracional e intrageracional na assunção das responsabilidades do sistema.
O Governo reitera o princípio da diferencialidade positiva, pugnando, o mais possível, por um nível de prestações sociais justo e eficaz, que discrimine a sua atribuição a favor dos mais pobres, dos mais idosos, das pessoas com menores a cargo e das famílias mais numerosas e das pessoas deficientes. Este princípio concretiza-se, ainda, na diferencialidade das prestações, que devem ser atribuídas de modo a cuidar preferencialmente das situações mais vulneráveis e de maior necessidade, gravidade ou perdurabilidade.
Face às alterações e algumas inovações que esta reforma acarreta, a presente proposta consagra um princípio de igualdade de tratamento dos diferentes segmentos de pensões, designadamente ao nível das condições de acesso, das formas de cálculo ou da actualização do respectivo valor, não discriminando a natureza da opção tomada pelo beneficiário em manter-se no sistema público de segurança social ou em aderir a um sistema complementar. Desta forma, assegura-se a plena liberdade de escolha do beneficiário na gestão social da respectiva poupança.
Esta proposta de lei tem subjacente uma reforma, a do Estado Providência, e contem um objectivo social: diminuir a pobreza, combater a exclusão e erradicar a miséria em que ainda vivem muitas famílias e pessoas, sobretudo as mais idosas. Para isso, a proposta apresentada confere absoluta prioridade ao aumento das proporcional das pensões mínimas, numa lógica de convergência para o salário mínimo nacional e de uma forma sustentável. Nesse sentido, estabeleceu-se a distinção entre carreiras contributivas mais ou menos longas, designadamente até 15 anos, entre 15 e 20 anos, entre 20 e 30 anos e com mais de 30 anos, que constitui o elemento fundamental para a fixação dos mínimos legais das pensões de velhice e invalidez no âmbito da referida lógica de convergência.

Página 639

0639 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Essa lógica de convergência foi vertida igualmente para a família, num reconhecimento claro do seu papel enquanto baluarte de valores essenciais e numa perspectiva de auxílio aos mais idosos. Nessa medida, consagra-se um princípio de convergência com incidência familiar e que se traduz na fixação de montantes mínimos para os casais de idosos com mais de 75 anos, equivalentes ao salário mínimo nacional deduzido da Taxa Social Única, nos casos de cúmulo da pensão e do complemento de pensão por cônjuge a cargo. Esta afigura-se ser uma medida preponderante na melhoria das condições de vida daquelas pessoas, com a qual pretende o Governo implementar a execução de uma política diferenciada para a chamada quarta idade.
O combate ao imobilismo e a adopção do princípio da flexibilidade na segurança social constitui outra das prioridades desta proposta, evitando a decadência do sistema e conferindo maior liberdade de escolha às várias gerações futuras. Nesse sentido, a presente proposta prevê a flexibilização da idade da reforma, indo ao encontro da vontade real das pessoas e também com o intuito de suavizar a transição da condição de trabalhador activo para a de reformado, prevê a possibilidade de pensões parciais em conjugação com políticas laborais de promoção do trabalho em tempo parcial.
A flexibilidade da segurança social, preconizada pelo Governo com a apresentação desta proposta, visa adaptar o sistema e as respectivas soluções às mutações sociais, às novas eventualidades cada vez mais complexas e ao mesmo tempo proporcionar uma gestão integrada e coerente das mesmas.
Nessa óptica de tratamento integrado dos novos riscos sociais estabelece esta proposta de lei que a protecção a conferir no âmbito dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais deve ser concretizada em articulação com outros sectores de intervenção a fim de prestar o apoio adequado, promover a reabilitação dos sinistrados e sobretudo pugnar pela sua integração.
A proposta de lei do Governo não descura os valores familiares e procura prevenir a erosão dos mesmos, reconhecendo o duplo papel da mulher enquanto mãe e enquanto profissional ao prever mecanismos de discriminação na formação das respectivas pensões, assim como atende à dimensão das famílias na determinação dos montantes prestacionais e na adequação da protecção social conferida.
No mesmo sentido e inspirada nos valores mais nobres e fundamentais, esta proposta prevê a regulamentação dos apoios a conceder às políticas de vida e à maternidade, ao mesmo tempo que assegura a compatibilização e conciliação do tempo de trabalho dos pais com as necessidades requeridas para a assistência a filhos menores.
A vontade real das pessoas, formada de forma livre e esclarecida e a sua liberdade de escolha são aspectos considerados pela presente proposta de lei, que os promove, estabelecendo um limite superior contributivo. Esse limite superior, aplicado hoje às contribuições e com reflexos amanhã nas pensões, exonera o Estado do pagamento, no futuro, de pensões exageradamente elevadas geralmente afectas às famílias de maiores rendimentos. Desta forma, liberta-se parcialmente o Estado, cuja intervenção social se vira eminentemente para aqueles que mais precisam, dando-lhes a atenção que requerem e tornando a sua actuação mais incisiva, mais adequada e socialmente mais profícua e eficaz.
Esta é uma mudança considerável, mas inexorável para a modernização do sistema e para a sua sustentabilidade. Como qualquer mudança, mais ainda quando a sua amplitude é geracional, ela deve ser encetada de forma gradual e progressiva, pelo que a proposta de lei apresentada pelo Governo prevê a adopção de diferentes patamares limitativos, a fixar em função dos rendimentos dos beneficiários e que lhes poderão proporcionar uma zona livre de opção entre o sistema público e o sistema complementar de segurança social.
Num reforço da solidariedade, como valor e fundamento inalienável da dignidade humana, o subsistema com o mesmo nome encontra-se moldado em função da pessoa e das suas necessidades e especificidades, destacando-se a introdução de uma nova modalidade de prestações - os créditos ou vales sociais. Estes consubstanciam uma nova forma assistencial afecta a áreas sociais de intervenção específica como a saúde, a educação e a habitação sempre com o objectivo de assegurar condições dignas de vida.
O Governo não podia esquecer o esforço dispendido pelos beneficiários das pensões de velhice e invalidez atribuídas no âmbito deste subsistema, em épocas económicas e sociais marcadas por uma vida dura, pelo trabalho intenso e, não raras vezes, com uma remuneração baixa e injusta a par de poucos ou nenhuns benefícios sociais. Por isso, a proposta apresentada estabelece que o valor mínimo daquelas pensões, acrescidas dos respectivos complementos, não pode ser inferior a 50% do valor do salário mínimo nacional, deduzido da Taxa Social Única.
A reforma da segurança social concretizada com a apresentação da presente proposta de lei pressupõe uma articulação com as políticas de natureza fiscal, procurando eliminar as sobreposições, dissipar as incoerências e corrigir as desigualdades que possam existir, contribuindo assim para uma maior justiça social. No caso das prestações do subsistema previdencial relativas à doença e ao desemprego, esta articulação de políticas e de sectores permitirá, para além da justiça social, contribuir decisivamente para combater e dissuadir a fraude, razão pela qual a presente proposta consagra a limitação daquelas prestações sociais não poderem ser superiores ao valor líquido da remuneração de referência que serve de base de cálculo à prestação em causa, deduzida da taxa social única e da aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Moralizar o sistema e torná-lo mais transparente é também um sinal de modernidade e da mais elementar justiça.
Os efeitos produzidos no âmbito do subsistema de protecção familiar não podem ser anulados pela descoordenação de políticas e de sistemas. Trata-se de uma situação que urge ser corrigida, pois consubstancia desperdício e ineficácia e por isso a proposta de lei em apreço preconiza uma harmonização das prestações concedidas no âmbito daquele sistema com o sistema fiscal, nomeadamente em sede de dedução à colecta ao nível da aplicação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.
O propósito de conciliação da política social com a política fiscal concebido nesta proposta de lei é abrangente e incide igualmente sobre os sistemas complementares, em particular naqueles que venham a ser convencionados no âmbito da contratação colectiva.
Com o mesmo propósito de coerência fiscal, determina esta proposta de lei que qualquer das opções adoptadas pelo beneficiário relativamente ao destino do limite superior contributivo da respectiva remuneração será sempre

Página 640

0640 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

tratada em sede fiscal da mesma forma igualitária, independentemente da natureza pública ou complementar do sistema pelo qual opte. Deste modo, assegura-se igualmente a transparência do mercado que agora se incentiva, proporcionando regras claras de concorrência e reforçando a confiança das pessoas.
O fomento das responsabilidades individuais e partilhadas, bem como a maior abertura do sistema de segurança social aos regimes complementares, implica, naturalmente, um reforço de supervisão prudencial e fiscalizadora do Estado. Tratam-se de funções expressamente consagradas, que permitem defender o consumidor face a eventuais situações abusivas, de discriminação, de incerteza e insegurança, de deficiente informação e também de publicidade enganosa.
A confiança das pessoas e das famílias para a aderirem aos sistemas complementares tem de ser criada e reforçada e nesse sentido a presente proposta prevê a criação dos mecanismos, públicos ou mutualistas, que se revelem necessários para reforçar a garantia do pagamento de pensões.
Nesta proposta de lei o Governo avança sem timidez para a consagração expressa de um sistema complementar, integrado na arquitectura interna do sistema de segurança social e que visa conjugar os objectivos de equidade social entre gerações e de eficácia macro-económica. A sua introdução efectiva e o estímulo à poupança e eficácia financeiras que este sistema pressupõe contribuirão decisivamente para superar os problemas delicados de equilíbrio e sustentabilidade financeiras que se afigurariam ao sistema português num futuro próximo se esta reforma não fosse realizada. O sistema complementar compreende regimes legais, contratuais ou esquemas facultativos e nele destaca-se a consagração da portabilidade dos direitos adquiridos, o que concorre para o reforço da confiança das pessoas e lhes assegura protecção nas situações de maior vulnerabilidade. O financiamento do sistema complementar é obrigatoriamente efectuado em regime de capitalização em consonância com as regras a definir e sob a supervisão prudencial e fiscalizadora das entidades para o efeito determinadas por lei.
A estrutura do modelo de segurança social concebido pelo Governo autonomiza a acção social como um verdadeiro sistema dentro do modelo global de protecção social, revelando a preponderância que aquela assume no seio do desenvolvimento social. De acordo com a presente proposta de lei, a acção social é desenvolvida pelas instituições públicas, autarquias e instituições privadas sem fins lucrativos, mas também apela ao voluntariado e promove a participação das empresas na prossecução dos objectivos que estão subjacentes a este sistema. Este compreende uma rede nacional de serviços e equipamentos sociais de apoio às pessoas e às famílias, envolvendo a participação e colaboração de diversos organismos com diferentes naturezas e na qual se inclui a criação de Centros de Apoio à Vida. A concepção desta orgânica social constitui um afloramento explícito do princípio da co-responsabilização social do Estado, das empresas e das famílias.
Ainda neste domínio a proposta apresentada não deixa de constatar normativamente o papel relevante desempenhado pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social, prevendo a consagração de formas positivas de discriminação em função da natureza das prioridades de política social de cada uma delas. Neste particular, realce-se ainda a inovação que constitui a possibilidade de o desenvolvimento da acção social poder, em certas circunstâncias, ser concretizado por financiamento directo às famílias beneficiárias, numa lógica coerente de toda reforma no sentido da co-responsabilização das pessoas, das famílias e das instituições
Com a apresentação desta proposta de lei, o Governo espera contribuir para promover e consolidar uma nova dimensão ética das relações e transferências sociais, assente nos mais sólidos e nos mais inovadores princípios que enformam a modernidade social.
Nos termos da alínea d) do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei para ser aprovada e valer como lei geral da República:

Capítulo I
Objectivos e princípios

Artigo 1.º
Disposição geral

A presente lei define, nos termos previstos na Constituição da República Portuguesa, as bases gerais em que assenta o sistema de segurança social, adiante designado por sistema, bem como as actividades desenvolvidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

Artigo 2.º
Direito à segurança social

1 - Todos têm direito à segurança social.
2 - O direito à segurança social é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais aplicáveis e na presente lei.

Artigo 3.º
Irrenunciabilidade do direito à segurança social

São nulas as cláusulas do contrato, individual ou colectivo, pelo qual se renuncie aos direitos conferidos pela presente lei.

Artigo 4.º
Objectivos do sistema

O sistema de segurança social visa prosseguir os seguintes objectivos:

a) Garantir a concretização do direito à segurança social;
b) Promover a melhoria das condições e dos níveis de protecção social e o reforço da respectiva equidade;
c) Proteger os trabalhadores e as suas famílias nas situações de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho, de desemprego e de morte;
d) Proteger as pessoas que se encontrem em situação de falta ou diminuição de meios de subsistência;
e) Proteger as famílias através da compensação de encargos familiares;
f) Promover a eficácia social dos regimes prestacionais e a qualidade da sua gestão, bem como a eficiência e sustentabilidade financeira do sistema.

Página 641

0641 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 5.º
Composição do sistema

1 - O sistema de segurança social abrange o sistema público de segurança social, o sistema de acção social e o sistema complementar.
2 - O sistema público de segurança social compreende o subsistema previdencial, o subsistema de solidariedade e o subsistema de protecção familiar.
3 - O sistema de acção social é desenvolvido por instituições públicas, designadamente pelas autarquias, e por instituições particulares sem fins lucrativos.
4 - O sistema complementar compreende regimes legais, regimes contratuais e esquemas facultativos.

Artigo 6.º
Princípios gerais

Constituem princípios gerais do sistema o princípio da universalidade, da igualdade, da solidariedade, da equidade social, da diferenciação positiva, da subsidariedade social, da inserção social, da coesão geracional, do primado da responsabilidade pública, da complementaridade, da unidade, da descentralização, da participação, da eficácia, da conservação dos direitos adquiridos e em formação, da garantia judiciária, e da informação.

Artigo 7.º
Princípio da universalidade

O princípio da universalidade consiste no acesso de todas as pessoas à protecção social assegurada pelo sistema, nos termos definidos por lei.

Artigo 8.º
Princípio da igualdade

O princípio da igualdade consiste na não discriminação dos beneficiários, designadamente em razão do sexo e da nacionalidade, sem prejuízo, quanto a esta, de condições de residência e de reciprocidade.

Artigo 9.º
Princípio da solidariedade

O princípio da solidariedade consiste na responsabilidade colectiva das pessoas entre si no plano nacional, laboral e intergeracional, na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento, nos termos da presente lei.

Artigo 10.º
Princípio da equidade social

O princípio da equidade social traduz-se no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais.

Artigo 11.º
Princípio da diferenciação positiva

O princípio da diferenciação positiva consiste na flexibilização e modulação das prestações em função dos rendimentos, das eventualidades sociais e de outros factores, nomeadamente de natureza familiar, social, laboral e demográfica.

Artigo 12.º
Princípio da subsidiariedade social

O princípio da subsidiariedade social assenta no reconhecimento do papel essencial das pessoas, das famílias e dos corpos intermédios na prossecução dos objectivos da segurança social.

Artigo 13.º
Princípio da inserção social

O princípio da inserção social caracteriza-se pela natureza activa, preventiva e personalizada das acções desenvolvidas no âmbito do sistema com vista a eliminar as causas de marginalização e exclusão social e a promover a dignificação humana.

Artigo 14.º
Princípio da coesão geracional

O princípio da coesão geracional implica um ajustado equilíbrio e equidade geracionais na assunção das responsabilidades do sistema.

Artigo 15.º
Princípio do primado da responsabilidade pública

O princípio do primado da responsabilidade pública consiste no dever do Estado de criar as condições necessárias à efectivação do direito à segurança social e de organizar, coordenar e subsidiar o sistema de segurança social.

Artigo 16.º
Princípio da complementaridade

O princípio da complementaridade consiste na articulação das várias formas de protecção social públicas, sociais, privadas e mutualistas com o objectivo de melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha contratualizada das responsabilidades, nos diferentes patamares da protecção social.

Artigo 17.º
Princípio da unidade

O princípio da unidade pressupõe uma actuação articulada dos diferentes sistemas, subsistemas e regimes de segurança social no sentido da sua harmonização e complementaridade.

Artigo 18.º
Princípio da descentralização

O princípio da descentralização manifesta-se pela autonomia das instituições, tendo em vista uma maior aproximação às populações, no quadro da organização e planeamento do sistema e das normas e orientações de âmbito nacional, bem como das funções de supervisão e fiscalização das autoridades públicas.

Artigo 19.º
Princípio da participação

O princípio da participação envolve a responsabilização dos interessados na definição, no planeamento e gestão do sistema e no acompanhamento e avaliação do seu funcionamento.

Página 642

0642 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 20.º
Princípio da eficácia

O princípio da eficácia consiste na concessão oportuna das prestações legalmente previstas, para uma adequada prevenção e reparação das eventualidades e promoção de condições dignas de vida.

Artigo 21.º
Princípio da conservação dos direitos adquiridos e em formação

O princípio da conservação dos direitos adquiridos e em formação visa assegurar o respeito por esses direitos nos termos da presente lei.

Artigo 22.º
Princípio da garantia judiciária

O princípio da garantia judiciária assegura aos interessados o acesso aos tribunais, em tempo útil, para fazer valer o seu direito às prestações.

Artigo 23.º
Princípio da informação

O princípio da informação consiste na divulgação a todas as pessoas dos seus direitos e deveres, bem como na informação da sua situação perante o sistema e no seu atendimento personalizado.

Artigo 24.º
Administração do sistema

Compete ao Estado garantir a boa administração do sistema público de segurança social e do sistema de acção social, bem como assegurar uma adequada e eficaz regulação, supervisão prudencial e fiscalização do sistema complementar.

Artigo 25.º
Relação com sistemas estrangeiros

O Estado promove a celebração ou adesão a acordos internacionais de segurança social com o objectivo de ser reciprocamente garantida igualdade de tratamento às pessoas e suas famílias que exerçam a sua actividade ou se desloquem a outros países, relativamente aos direitos e obrigações das pessoas abrangidas pelos sistemas de segurança social desses países, bem como a conservação de direitos adquiridos e em formação quando regressem a Portugal.

Capítulo II
Sistema público de segurança social

Secção I
Disposições gerais

Artigo 26.º
Objectivos

1 - O sistema público de segurança social visa garantir aos respectivos beneficiários, de acordo com a legislação aplicável, o direito a determinados rendimentos traduzidos em prestações sociais exigíveis administrativa e judicialmente.
2 - O sistema estrutura-se com base no desenvolvimento do princípio da solidariedade:

a) No plano nacional, através da transferência de recursos entre os cidadãos, de forma a permitir a todos uma efectiva igualdade de oportunidades e a garantia de rendimentos sociais mínimos para os mais desfavorecidos;
b) No plano laboral, através do funcionamento de mecanismos redistributivos no âmbito da protecção de base profissional;
c) No plano intergeracional, através da combinação de métodos de financiamento em regime de repartição e de capitalização.

Secção II
Subsistema previdencial

Artigo 27.º
Objectivos

O subsistema previdencial visa garantir, assente num princípio de solidariedade de base profissional, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas.

Artigo 28.º
Âmbito pessoal

1 - São abrangidos obrigatoriamente no âmbito do subsistema previdencial, na qualidade de beneficiários, os trabalhadores por conta de outrem, ou legalmente equiparados, e os trabalhadores independentes.
2 - As pessoas que não exerçam actividade profissional ou que, exercendo-a, não sejam, por esse facto, enquadradas obrigatoriamente nos termos do número anterior, podem aderir, facultativamente, à protecção social definida na presente secção, nas condições previstas na lei.

Artigo 29.º
Âmbito material

1 - A protecção social regulada na presente secção integra as seguintes eventualidades:

a) Doença;
b) Maternidade, paternidade e adopção;
c) Desemprego;
d) Acidentes de trabalho e doenças profissionais;
e) Invalidez;
f) Velhice;
g) Morte.

2 - O elenco das eventualidades protegidas pode ser alargado em função da necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais, ou reduzido, nos termos e condições legalmente previstos, em função de determinadas situações e categorias de beneficiários.

Artigo 30.º
Princípio da contributividade

O subsistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

Página 643

0643 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 31.º
Regimes abrangidos

1 - O subsistema previdencial abrange os regimes gerais e especiais de segurança social aplicáveis à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 28.º.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 125.º da presente lei, é consagrado o princípio de que o sistema público de segurança social integra os trabalhadores e as entidades patronais, respectivamente, como beneficiários e contribuintes, que por ele não se encontram ainda abrangidos, nos termos a definir por lei, ouvidas as partes interessadas.

Artigo 32.º
Condições de acesso

1 - Para efeitos de protecção social conferida pelo subsistema previdencial é obrigatória a inscrição dos trabalhadores referidos no artigo 28. e das respectivas entidades empregadoras, quando se trate de trabalhadores por conta de outrem, assim como devem ser cumpridas as obrigações contributivas.
2 -As entidades empregadoras são responsáveis pela inscrição no subsistema previdencial dos trabalhadores ao seu serviço.
3 -Sem prejuízo do disposto nos instrumentos internacionais aplicáveis, a obrigatoriedade de inscrição no subsistema previdencial é exigível aos trabalhadores que se encontrem a prestar serviço em Portugal, por período igual ou inferior ao determinado na lei.

Artigo 33.º
Prestações

1 -A protecção nas eventualidades cobertas pelos regimes de segurança social é realizada pela concessão de prestações pecuniárias destinadas a substituir os rendimentos da actividade profissional perdidos, bem como a compensar a perda de capacidade de ganho.
2 -A diversidade das actividades profissionais e as suas especificidades, bem como a existência de outros factores atendíveis, podem determinar alterações da forma da protecção garantida.

Artigo 34.º
Condições de atribuição das prestações

1 -A atribuição das prestações depende da inscrição no subsistema previdencial e, nas eventualidades em que seja exigido, do decurso de um prazo mínimo de contribuição ou situação equivalente.
2 - O decurso do prazo previsto no número anterior pode ser considerado como cumprido pelo recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes, registados no quadro de regimes de protecção social, nacionais ou estrangeiros, nos termos previstos na lei interna ou em instrumentos internacionais aplicáveis.
3 - A falta de declaração do exercício de actividade profissional ou a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de exercício de actividade profissional dos trabalhadores por conta de outrem que lhes não seja imputável não prejudica o direito às prestações.

Artigo 35.º
Determinação dos montantes das prestações

1 - O valor das remunerações registadas constitui a base de cálculo para a determinação do montante das prestações pecuniárias do subsistema previdencial substitutivas dos rendimentos, reais ou presumidos, da actividade profissional.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a determinação dos montantes das prestações pode igualmente ter em consideração outros elementos, nomeadamente e consoante os casos, a natureza do risco social, a duração da carreira contributiva, a idade do beneficiário, o grau de incapacidade ou os encargos familiares e educativos.
3 - Sempre que as prestações pecuniárias do regime de segurança social se mostrem inferiores aos montantes mínimos legalmente fixados, é garantida a concessão daquele valor ou a atribuição de prestações que as complementem.
4 - No caso de prestações destinadas a cobrir as eventualidades de doença ou de desemprego, o valor líquido a pagar não pode ser superior ao valor líquido da remuneração de referência que serve de base ao cálculo da prestação a que o beneficiário teria direito a receber se estivesse a trabalhar, nos termos a definir por lei.

Artigo 36.º
Princípio de convergência das pensões mínimas

1 - Os mínimos legais das pensões de invalidez e de velhice são fixados, tendo em conta as carreiras contributivas, com referência e até ao limite do valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, e tendo em conta as carreiras contributivas.
2 - As pensões que não atinjam o valor mínimo previsto no número anterior correspondentes às suas carreiras contributivas são acrescidas do complemento social previsto na alínea c) do n.º. 1 do artigo 55.º, de montante a fixar na lei.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte a fixação dos mínimos legais das pensões de invalidez e de velhice convergirá para o valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, e será estabelecida com base no sistema de escalões relacionados com as carreiras contributivas:

a) Até 14 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 65 % da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;
b) Entre 15 e 20 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 72,5% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;
c) Entre 21 e 30 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 80% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;

Página 644

0644 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

d) Mais de 30 anos de carreira contributiva, será igual à da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo.

4 - O escalonamento de convergência das carreiras contributivas previsto no número anterior, será concretizado, de forma gradual e progressiva, no prazo máximo de quatro anos contado após a data da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2003.
5 - A verificação de condições económicas, orçamentais ou outras excepcionalmente adversas, poderão justificar uma dilação máxima de um ano na aplicação do disposto nos números anteriores.

Artigo 37.º
Complemento familiar nas pensões mínimas

É criado, nos termos e condições a definir por lei, um complemento familiar para as pensões mínimas, a atribuir aos beneficiários casados, ou em situação legalmente equiparada, cujos rendimentos globais sejam inferiores à remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores deduzida da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem e desde que possuam mais de 75 anos de idade, por forma a garantir que aufiram um valor igual àquela remuneração líquida.

Artigo 38.º
Quadro legal das pensões

1 - O quadro legal das pensões deve ser, gradualmente, adaptado aos novos condicionalismos sociais, de modo a garantir-se a maior equidade e justiça social na sua atribuição.
2 - A lei pode prever a diferenciação positiva das taxas de substituição a favor dos beneficiários com mais baixas remunerações, desde que respeitado o princípio da contributividade.
3 - O cálculo das pensões de velhice e de invalidez têm por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva, nos termos da lei.

Artigo 39.º
Revalorização da base de cálculo das pensões

Os valores das remunerações, de outros rendimentos do trabalho ou quaisquer outros valores que sirvam de base de cálculo das pensões, devem ser actualizados de acordo com os critérios estabelecidos em diploma legal, nomeadamente tendo em conta a inflação.

Artigo 40.º
Flexibilização da idade da reforma

A lei pode consagrar medidas de flexibilidade da idade legal para atribuição de pensões, através de mecanismos de redução ou bonificação das pensões, consoante se trate de idade inferior ou superior à que se encontra definida nos termos gerais.

Artigo 41.º
Pensões parciais

A lei pode prever e regulamentar a consagração de pensões parciais em acumulação com prestações de trabalho a tempo parcial.

Artigo 42.º
Conservação dos direitos adquiridos e em formação

1 - É aplicável aos regimes de segurança social o princípio da conservação dos direitos adquiridos e em formação.
2 - Para efeito do número anterior, consideram-se:

a) Direitos adquiridos, os que já se encontram reconhecidos ou possam sê-lo por se encontrarem cumpridas as respectivas condições legais;
b) Direitos em formação, os correspondentes aos períodos contributivos e valores de remunerações registadas em nome do beneficiário.

3 - Os beneficiários mantêm o direito às prestações pecuniárias dos regimes de segurança social ainda que transfiram a residência do território nacional, salvo o que estiver estabelecido em instrumentos internacionais aplicáveis.
4 - Os efeitos da inscrição não se extinguem pelo decurso do tempo.

Artigo 43.º
Obrigação contributiva

1 - Os beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para os regimes de segurança social.
2 - A obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, sendo os termos do seu cumprimento estabelecidos no quadro do respectivo regime de segurança social.
3 - As cotizações dos trabalhadores por conta de outrem devem ser descontadas nas respectivas remunerações e pagas pela entidade empregadora juntamente com a contribuição desta.

Artigo 44.º
Determinação do montante das contribuições

1 - O montante das contribuições dos beneficiários e das entidades empregadoras é determinado pela incidência da taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem sobre as remunerações até ao limite superior contributivo igualmente fixado na lei.
2 - Acima do limite superior contributivo a percentagem da cotização relativa à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem devida corresponde às eventualidades sobre as quais não incide aquele limite, nos termos a definir por lei.
3 -As taxas contributivas são fixadas, actuarialmente, em função do custo da protecção das eventualidades previstas, sem prejuízo de adequações em razão da natureza das entidades contribuintes, das actividades económicas em causa, das situações específicas dos beneficiários ou de políticas conjunturais de emprego.
4 -Entre o limite superior contributivo a que se refere o n.º do presente artigo e um valor indexado a um factor múltiplo do valor da remuneração mínima mensal garantida para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem, a lei pode prever, salvaguardando os direitos adquiridos e em formação bem como o princípio da solidariedade, a livre opção dos beneficiários entre o sistema público de segurança social e o sistema complementar.

Página 645

0645 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

5 -Nos casos de opção previstos no número anterior assegura-se a igualdade de tratamento fiscal, independentemente do beneficiário optar pelo sistema público de segurança social ou pelo sistema complementar.
6 -Sempre que o beneficiário tiver optado pelo sistema complementar, nos termos do n.º do presente artigo, aplicar-se-á a regra estabelecida no n.º 2.
7 - A determinação legal dos limites contributivos a que se referem os n.os 2 e 4 deverá ter por base uma proposta do Governo, submetida à apreciação prévia da Comissão Executiva do Conselho Nacional de Segurança Social previsto no artigo 114.,º, que garanta a sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social e o princípio da solidariedade.
8 - Salvaguardando os direitos adquiridos e em formação, os limites contributivos a que se refere o número anterior são indexados a um factor múltiplo do valor da remuneração mínima mensal garantida para a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem.

Artigo 45.º
Responsabilidade pelo pagamento das contribuições

1 - As entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das contribuições por si devidas e das cotizações correspondentes aos trabalhadores ao seu serviço, devendo descontar, nas remunerações a estes pagas, o valor daquelas cotizações.
2 - Será nulo qualquer contrato, individual ou colectivo, pelo qual o trabalhador assuma a obrigação de pagar, total ou parcialmente, as contribuições a cargo da entidade empregadora.
3 - Os beneficiários que não exerçam actividade profissional subordinada são responsáveis pelo pagamento das suas próprias contribuições.
4 - O estabelecido nos números anteriores não prejudica o disposto no n.º 5 do artigo 44.º.

Artigo 46.º
Restituição e cobrança coerciva das contribuições ou prestações

1 - As prestações pagas aos beneficiários que a elas não tinham direito, devem ser restituídas à entidade que processou o respectivo pagamento, assim que por esta for notificado e no prazo legalmente previsto.
2 - A cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações, às contribuições e às prestações indevidamente pagas é efectuada através de processo executivo e de secção de processos da segurança social.

Artigo 47.º
Prescrição das contribuições

1 -A obrigação do pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.

Secção III
Subsistema de solidariedade

Artigo 48.º
Objectivos

1 - O subsistema de solidariedade destina-se a assegurar, com base na solidariedade de toda a comunidade, direitos essenciais e a garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar não incluídas no subsistema previdencial.
2 - O subsistema de solidariedade abrange também situações de compensação social ou económica em virtude de insuficiências contributivas ou prestativas do subsistema previdencial.

Artigo 49.º
Incapacidade absoluta e definitiva

O subsistema de solidariedade abrange ainda a cobertura da eventualidade de incapacidade absoluta e definitiva dos beneficiários do subsistema previdencial, na parte necessária para cobrir a insuficiência da carreira contributiva dos mesmos em relação ao correspondente valor da pensão de invalidez, calculada com base numa carreira contributiva completa.

Artigo 50.º
Âmbito pessoal

1 - O subsistema de solidariedade abrange os cidadãos nacionais podendo ser tornado extensivo, nas condições estabelecidas na lei, a refugiados, apátridas e estrangeiros com residência em Portugal.
2 - O acesso às prestações obedece aos princípios da equidade social e da diferenciação positiva e deve contribuir para promover a inserção social das pessoas e famílias beneficiárias.

Artigo 51.º
Âmbito material

O subsistema de solidariedade abrange, nomeadamente, as seguintes eventualidades:

a) Falta ou insuficiência de recursos económicos dos indivíduos e dos agregados familiares para a satisfação das suas necessidades essenciais e para a promoção da sua progressiva inserção social e profissional;
b) Invalidez;
c) Velhice;
d) Morte;
e) Insuficiência das prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho, por referência a valores mínimos legalmente fixados.

Artigo 52.º
Regimes abrangidos

1 - O subsistema de solidariedade abrange o regime não contributivo, o regime especial de segurança social das actividades agrícolas, os regimes transitórios ou outros formalmente equiparados e o rendimento social de inserção.
2 - O subsistema de solidariedade pode ainda abranger os encargos resultantes de isenção, redução ou bonificação

Página 646

0646 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

de taxas contributivas e de antecipação da idade de reforma, bem como o complemento social de prestações do subsistema previdencial necessário para se garantirem os montantes mínimos previstos na lei.

Artigo 53.º
Condições de acesso

1 - A atribuição das prestações do subsistema de solidariedade depende da identificação dos interessados, de residência legal em território nacional e demais condições fixadas na lei.
2 - A concessão das prestações não depende de inscrição nem envolve o pagamento de contribuições, sendo determinada em função dos recursos do beneficiário e da sua família.

Artigo 54.º
Condições de acesso para não nacionais

A lei pode fazer depender da verificação de determinadas condições, nomeadamente de períodos mínimos de residência, o acesso de residentes estrangeiros, não equiparados a nacionais por instrumentos internacionais de segurança social, de refugiados e de apátridas à protecção social garantida no âmbito do subsistema de solidariedade.

Artigo 55.º
Prestações

1 - A protecção concedida no âmbito do subsistema de solidariedade concretiza-se através da concessão das seguintes prestações:

a) Prestações de rendimento social de inserção, nas situações referidas na alínea a) do artigo 51.º,
b) Pensões nas eventualidades referidas nas alíneas b) a d) do artigo 51.º;
c) Complementos sociais nas situações referidas na alínea e) do artigo 51.º;
d) Créditos ou vales sociais consignados a determinadas despesas sociais, designadamente renda de casa, educação especial e custo da frequência de equipamentos sociais, nos termos e condições a definir por lei.

2 - As prestações concedidas no âmbito do subsistema de solidariedade que se refiram a situações de deficiência profunda e de dependência, podem incluir uma majoração social a determinar por lei.
3 - As prestações a que se refere o número anterior podem ser pecuniárias ou em espécie.

Artigo 56.º
Valor mínimo das pensões

1 - O valor mínimo das pensões de velhice ou de invalidez atribuídas no âmbito do subsistema de solidariedade, não pode ser inferior a 50 % do valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores deduzida da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, a que acresce o complemento extraordinário de solidariedade, criado pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro.
2 - A convergência para este valor será feita nos termos estabelecidos no artigo 36.º.
3 - O valor mínimo das pensões de velhice ou de invalidez do regime especial de segurança social das actividades agrícolas, atribuídas no âmbito do subsistema de solidariedade, não pode ser inferior a 60% do valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da cotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem.

Artigo 57.º
Contratualização da inserção

A lei prevê, no âmbito das condições de atribuição das prestações do subsistema de solidariedade, sempre que tal se mostre ajustado, a assunção, por parte dos beneficiários, de um compromisso contratualizado de inserção e do seu efectivo cumprimento.

Artigo 58.º
Montantes das prestações

1 - Os montantes das prestações pecuniárias do subsistema de solidariedade serão fixados por lei, com o objectivo de garantir as necessidades vitais dos beneficiários.
2 - Os montantes das prestações referidas no número anterior devem ser fixados em função dos rendimentos dos beneficiários e das respectivas famílias, bem como da sua dimensão, podendo os mesmos ser modificados em consequência da alteração desses rendimentos, da composição e dimensão do agregado familiar ou ainda de outros factores legalmente previstos.

Secção IV
Subsistema de protecção familiar

Artigo 59.º
Objectivo

O subsistema de protecção familiar visa assegurar a compensação de encargos familiares acrescidos quando ocorram as eventualidades legalmente previstas.

Artigo 60.º
Âmbito pessoal

O subsistema de protecção familiar aplica-se à generalidade das pessoas.

Artigo 61.º
Âmbito material

O subsistema de protecção familiar abrange, nomeadamente, as seguintes eventualidades:

a) Encargos familiares;
b) Encargos no domínio da deficiência;
c) Encargos no domínio da dependência.

Artigo 62.º
Condições de acesso

1 - É condição geral de acesso à protecção prevista na presente secção a residência em território nacional.
2 - A lei pode prever condições especiais de acesso em função das eventualidades a proteger.

Página 647

0647 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 63.º
Condições de acesso para não nacionais

A lei pode fazer depender da verificação de determinadas condições, nomeadamente de períodos mínimos de residência, o acesso de residentes estrangeiros, não equiparados a nacionais por instrumentos internacionais de segurança social, de refugiados e de apátridas à protecção social garantida no âmbito da presente secção.

Artigo 64.º
Prestações

1 - A protecção nas eventualidades previstas no âmbito do subsistema de protecção familiar concretiza-se através da concessão de prestações pecuniárias.
2 - A protecção concedida no âmbito deste subsistema é susceptível de ser alargada, de forma gradual e progressiva, tomando em consideração as mutações sociais e tendo em vista a satisfação de novas necessidades familiares, nomeadamente nos casos de pessoas com menores a cargo, de deficientes, de pessoas dependentes ou de pessoas idosas.
3 - A lei pode prever, com vista a assegurar uma melhor cobertura dos riscos sociais, a concessão de prestações em espécie.
4 - O direito às prestações do subsistema de protecção familiar é reconhecido sem prejuízo da eventual atribuição de prestações da acção social relativas à alínea a) do artigo 84.º.

Artigo 65.º
Montantes das prestações

Os montantes das prestações pecuniárias a atribuir no âmbito da protecção prevista na presente secção são estabelecidos em função dos rendimentos, da composição e da dimensão dos agregados familiares dos beneficiários e dos encargos escolares, podendo ser modificados nos termos e condições a fixar por lei.

Artigo 66.º
Harmonização das prestações

As prestações concedidas no âmbito do subsistema de protecção familiar devem ser harmonizadas com o sistema fiscal, garantindo o princípio da neutralidade, designadamente em sede de dedução à colecta no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Secção V
Disposições comuns

Subsecção I
Prestações

Artigo 67.º
Apoio à maternidade

A lei define as condições de apoio à maternidade podendo prever e regulamentar mecanismos de bonificação das pensões das mulheres em função do número de filhos.

Artigo 68.º
Assistência a filhos menores

A lei assegura a formação dos direitos de atribuição das pensões referentes às eventualidades previstas no n.º 1 do artigo 29.º, tendo em vista uma justa e harmoniosa conciliação entre as responsabilidades familiares, educativas e profissionais dos beneficiários.

Artigo 69.º
Acumulação de prestações

1 - Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.
2 - As regras sobre acumulação de prestações pecuniárias emergentes de diferentes eventualidades são reguladas na lei, não podendo, em caso algum, resultar da sua aplicação montante inferior ao da prestação mais elevada nem excesso sobre o valor total.
3 - Para efeitos de acumulação de prestações pecuniárias podem ser tomadas em conta prestações concedidas por sistemas de segurança social estrangeiros, sem prejuízo do disposto nos instrumentos internacionais aplicáveis.

Artigo 70.º
Prescrição do direito às prestações

O direito às prestações pecuniárias vencidas prescreve a favor das instituições devedoras no prazo de cinco anos, contado a partir da data em que as mesmas são postas a pagamento, com conhecimento do credor.

Artigo 71.º
Responsabilidade civil de terceiros

No caso de concorrência pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.

Artigo 72.º
Deveres do Estado e dos beneficiários

1 - Compete ao Estado garantir aos beneficiários informação periódica relativa aos seus direitos, adquiridos e em formação, designadamente em matéria de pensões.
2 - Os beneficiários têm o dever de cooperar com as instituições de segurança social, cabendo-lhes, designadamente, ser verdadeiros nas suas declarações e requerimentos e submeter-se aos exames de verificação necessários para a concessão ou manutenção das prestações a que tenham direito.

Subsecção II
Garantias e contencioso

Artigo 73.º
Intransmissibilidade e penhorabilidade parcial das prestações

1 - As prestações concedidas pelas instituições de segurança social são intransmissíveis.

Página 648

0648 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - As prestações dos regimes de segurança social são parcialmente penhoráveis nos termos da lei geral.

Artigo 74.º
Garantia do direito à informação

Os beneficiários e as entidades empregadoras têm direito a informação adequada sobre os direitos e obrigações decorrentes da presente lei e legislação complementar.

Artigo 75.º
Certificação da regularidade das situações

1 - Qualquer pessoa ou entidade sujeita a obrigações perante as instituições de segurança social pode requerer, em qualquer momento, que lhe seja passada declaração comprovativa do regular cumprimento dessas obrigações.
2 - Quando não seja passada a declaração comprovativa mencionada no número anterior, o particular pode solicitar aos tribunais administrativos que intimem a Administração a passar o documento pretendido, nos termos da legislação em vigor.

Artigo 76.º
Confidencialidade

1 - As instituições de segurança social abrangidas pela presente lei devem assegurar a confidencialidade dos dados de natureza estritamente privada de que disponham, relativos à situação pessoal, económica ou financeira de quaisquer pessoas ou entidades.
2 - A obrigação de confidencialidade prevista no número anterior cessa mediante autorização do respectivo interessado ou sempre que haja obrigação legal de divulgar os dados abrangidos pela confidencialidade.

Artigo 77.º
Reclamações e queixas

1 - Os interessados na concessão de prestações do sistema podem apresentar reclamações ou queixas sempre que se considerem lesados nos seus direitos.
2 - As reclamações ou queixas são dirigidas às instituições a quem compete conceder as prestações, sem prejuízo do direito de recurso e acção contenciosa, nos termos da presente lei e demais legislação aplicável.
3 - O processo para apreciar reclamações tem carácter de urgência.

Artigo 78.º
Recurso contencioso

1 - Os interessados a quem seja negada prestação devida ou a sua inscrição no sistema ou que, por qualquer forma, sejam lesados por acto contrário ao previsto nesta lei têm direito de acesso aos tribunais administrativos, nos termos das leis que regulam o respectivo regime contencioso.
2 - A lei estabelece as situações de carência para efeitos de apoio judiciário.

Artigo 79.º
Declaração de nulidade

Os actos administrativos de atribuição de direitos ou de reconhecimento de situações jurídicas, baseados em informações falsas, prestadas dolosamente ou com má fé pelos beneficiários, são nulos e punidos nos termos da legislação aplicável.

Artigo 80.º
Revogação de actos inválidos

1 - Os actos administrativos inválidos, de atribuição de direitos ou de pagamento de prestações, são revogados nos termos e nos prazos previstos na lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 -- Os actos administrativos inválidos de atribuição de prestações continuadas podem, ultrapassado o prazo da lei geral, ser revogados com eficácia para o futuro.

Artigo 81.º
Incumprimento das obrigações legais

A falta de cumprimento das obrigações legais relativas, designadamente, à inscrição no sistema, ao enquadramento nos regimes e ao cumprimento das obrigações contributivas, bem como a adopção de procedimentos, por acção ou omissão, tendentes à obtenção indevida de prestações, consubstanciam contra-ordenações ou ilícitos criminais, nos termos definidos por lei.

Capítulo III
Sistema de acção social

Artigo 82.º
Objectivos

1 - O sistema de acção social tem como objectivos fundamentais a prevenção e reparação de situações de carência e desigualdade sócio-económica, de dependência, de disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais, bem como a integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respectivas capacidades.
2 - A acção social destina-se também a assegurar a especial protecção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, deficientes e idosos, bem como a outras pessoas em situação de carência económica ou social, disfunção ou marginalização social, desde que estas situações não possam ser superadas através do subsistema de solidariedade.
3 - A acção social deve ser prosseguida de forma selectiva, personalizada e flexível em articulação com outras políticas sociais públicas, com a actividade de instituições não públicas e fomentando o voluntariado social.

Artigo 83.º
Princípios orientadores

Para a prossecução dos seus objectivos, o subsistema de acção social obedece aos seguintes princípios:

a) Satisfação das necessidades essenciais das pessoas e das famílias mais carenciadas;
b) Prevenção perante os fenómenos económicos e sociais susceptíveis de fragilizar as pessoas e as comunidades;
c) Promoção da maternidade e paternidade como valores humanos inalienáveis;
d) Intervenção prioritária das entidades mais próximas das pessoas carenciadas;

Página 649

0649 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

e) Desenvolvimento social através da qualificação e integração comunitária dos indivíduos;
f) Garantia da equidade, da justiça social e da igualdade de tratamento dos potenciais beneficiários;
g) Contratualização das respostas numa óptica de envolvimento e de responsabilização dos destinatários;
h) Personalização, selectividade e flexibilidade das prestações e dos apoios sociais, de modo a permitir a sua adequação e eficácia;
i) Utilização eficiente dos serviços e equipamentos sociais, com eliminação de sobreposições, lacunas de actuação e assimetrias na disposição geográfica dos recursos envolvidos;
j) Valorização das parcerias, constituídas por entidades públicas e particulares, para uma actuação integrada junto das pessoas e das famílias;
l) Estímulo do voluntariado social, tendo em vista assegurar uma maior participação e envolvimento da sociedade civil na promoção do bem-estar e uma maior harmonização das respostas sociais.;
m) Desenvolvimento de uma articulação eficiente entre as entidades com responsabilidades sociais e os serviços de saúde e assistência.

Artigo 84.º
Prestações

A protecção nas eventualidades a que se refere o presente capítulo realiza-se, nomeadamente, através da concessão de:

a) Prestações pecuniárias, de carácter eventual e em condições de excepcionalidade;
b) Prestações em espécie;
c) Utilização gratuita ou subvencionada da rede pública de serviços e equipamentos sociais ou da rede constituída pelas instituições particulares de solidariedade social e outras instituições privadas sem fins lucrativos com as quais existam protocolos e programas de cooperação celebrados com o Estado;
d) Apoio a programas de combate à pobreza, disfunção, marginalização e exclusão sociais.

Artigo 85.º
Rede de serviços e equipamentos

1 - O Estado deve promover e incentivar a organização de uma rede nacional de serviços e equipamentos sociais de apoio às pessoas e às famílias, envolvendo a participação e colaboração dos diferentes organismos da administração central, das autarquias locais, das instituições particulares de solidariedade social e outras instituições, públicas ou privadas, de reconhecido interesse público sem fins lucrativos.
2 - Inclui-se no âmbito do número anterior a criação de Centros de Apoio à Vida.

Artigo 86.º
Desenvolvimento da acção social

1 - A acção social é desenvolvida pelo Estado, por instituições particulares, designadamente pelas autarquias e por instituições privadas sem fins lucrativos, em consonância com os princípios definidos no artigo 83.º da presente lei e de acordo com as prioridades e os programas definidos pelo Estado.
2 - O desenvolvimento público da acção social não prejudica o princípio da responsabilidade dos indivíduos, das famílias e das comunidades na prossecução do bem-estar social.
3 - O apoio à acção social pode ser desenvolvido através de subvenções, programas de cooperação e protocolos com as instituições particulares de solidariedade social ou por financiamento directo às famílias beneficiárias.
4 - O exercício da acção social rege-se pelo princípio da subsidiariedade, considerando-se prioritária a intervenção das entidades com maior relação de proximidade com as pessoas.
5 - Sempre que tal se revele ajustado aos objectivos a atingir devem ser constituídas parcerias para a intervenção integrada das várias entidades, públicas, sociais, mutualistas e privadas, que promovam o desenvolvimento da acção social.
6 - A lei define o quadro legal da cooperação e da parceria previstas no n.º 5 do presente artigo.

Artigo 87.º
Instituições particulares de solidariedade social

1 - Sem prejuízo da respectiva natureza, autonomia e identidade, as instituições particulares de solidariedade social são apoiadas pelo Estado, designadamente através de acordos ou protocolos de cooperação institucional, prestativa, financeira e técnica celebrados para o efeito.
2 - As instituições particulares de solidariedade social podem ser discriminadas positivamente nos apoios a conceder, em função das prioridades de política social.
3 - Para assegurar o respeito pelos princípios orientadores previstos no artigo 83.º, proteger os interesses dos beneficiários e aferir da prossecução efectiva dos protocolos livremente celebrados, o Estado fiscaliza as instituições referidas no número anterior, nos termos de diploma legal a aprovar e após consulta prévia e obrigatória das respectivas federações e uniões.

Artigo 88.º
Autonomia

As instituições particulares de solidariedade social podem exercer todos os meios de tutela contenciosa junto dos tribunais administrativos para defesa da sua autonomia.

Artigo 89.º
Voluntariado

A lei incentiva o voluntariado e promove a participação solidária em acções daquela natureza num quadro de liberdade e responsabilidade, tendo em vista um envolvimento efectivo da comunidade no desenvolvimento da acção social.

Artigo 90.º
Das empresas

1 - O Estado estimula as empresas a desenvolver equipamentos e serviços de acção social, em especial no domínio do apoio à maternidade e à infância e que privilegiem uma repartição mais equilibrada das responsabilidades familiares, educativas e profissionais dos pais trabalhadores.

Página 650

0650 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - O estímulo às empresas previsto no número anterior pode ser concretizado através de incentivos ou bonificações de natureza fiscal e da utilização de recursos de fundos estruturais europeus.

Artigo 91.º
Comparticipação

A utilização de serviços e equipamentos sociais está condicionada ao pagamento de comparticipações dos respectivos destinatários, tendo em conta os seus rendimentos e os dos respectivos agregados familiares.

Capítulo IV
Sistema complementar

Artigo 92.º
Composição

1 - O sistema complementar compreende regimes legais, regimes contratuais e esquemas facultativos.
2 - Os regimes complementares legais visam a cobertura de eventualidades ou a atribuição de prestações em articulação com o sistema público de segurança social nos casos previstos na lei.
3 - Os regimes complementares contratuais visam a atribuição de prestações complementares do subsistema previdencial na parte não coberta por este, designadamente incidindo sobre a parte das remunerações em relação às quais a lei determina que não há incidência de contribuições obrigatórias, bem como a protecção face a eventualidades não cobertas pelo subsistema previdencial.
4 - Os esquemas complementares facultativos visam o reforço da autoprotecção voluntária dos respectivos interessados.
5 - Os regimes complementares podem ser de iniciativa do Estado, das empresas, das associações sindicais, patronais e profissionais.

Artigo 93.º
Articulação dos regimes complementares

A lei reconhece e promove em articulação com o sistema fiscal os diferentes regimes do sistema complementar convencionados no âmbito da contratação colectiva.

Artigo 94.º
Natureza dos regimes complementares legais

Os regimes complementares legais assumem natureza obrigatória para as pessoas e eventualidades que a lei definir.

Artigo 95.º
Natureza dos regimes complementares contratuais

Os regimes complementares contratuais podem assumir a forma de regimes convencionais e institucionais, ou resultar de adesão individual a esquemas complementares de segurança social.

Artigo 96.º
Natureza dos regimes complementares facultativos

Os esquemas complementares facultativos são instituídos livremente nos termos da lei, assumindo, entre outras, a forma de planos de poupança reforma, seguros de vida, seguros de capitalização e de modalidades mútuas.

Artigo 97.º
Portabilidade

Sempre que, por qualquer motivo, se verifique a cessação da relação laboral, é reconhecida a portabilidade dos direitos adquiridos.

Artigo 98.º
Sucessão

Em caso de morte do titular dos direitos a que se refere o artigo anterior é assegurada a transmissão dos mesmos aos respectivos sucessores.

Artigo 99.º
Administração

Os regimes complementares podem ser administrados por entidades públicas, mutualistas ou privadas legalmente criadas para esse efeito.

Artigo 100.º
Reserva de firma ou denominação social

1 - Nenhuma entidade pública, mutualista ou privada prevista no número anterior poderá utilizar firma ou denominação social das entidades gestoras ou serviços comuns integrados no sistema público de segurança social.
2 - A apreciação da denominação ou firma social é efectuada nos termos da legislação aplicável.

Artigo 101.º
Regulamentação

1 - O sistema complementar é objecto de regulamentação específica que:

a) Salvaguarde a protecção efectiva dos beneficiários das prestações;
b) Preveja uma articulação e harmonização com o sistema público de segurança social;
c) Salvaguarde a equidade, a adequação e efectiva garantia das prestações;
d) Estipule regras de regulação, supervisão prudencial e de fiscalização quanto à garantia e financiamento dos planos de pensões;
e) Estipule regras de gestão e controlo da solvência dos patrimónios afectos aos planos de pensões e respectivas entidades gestoras;
f) Garanta padrões de transparência e clareza de informação aos beneficiários e aos participantes ou seus representantes, quer no que se refere aos planos de pensões, quer no que se refere aos respectivos patrimónios, assegurando a adequada publicidade dos regimes;
g) Respeite os direitos adquiridos e em formação e defina as demais regras gerais de vinculação;
h) Garanta igualdade de tratamento fiscal entre os diferentes regimes complementares;
i) Enuncie, com clareza e estabilidade, o quadro fiscal aplicável às contribuições, benefícios e património afecto à realização de planos de pensões;
j) Defina os incentivos fiscais ao seu desenvolvimento gradual e progressivo, em particular quanto às deduções no âmbito do Imposto sobre o Rendimento

Página 651

0651 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

das Pessoas Singulares que devem garantir igualdade de oportunidades independentemente do valor do rendimento colectável;
l) Respeite os direitos adquiridos e assegure a sua portabilidade;
m) Garanta a não discriminação em função do sexo;
n) Determine as regras de protecção jurídica dos direitos adquiridos e em formação, em caso de extinção e de insuficiência financeira dos patrimónios afectos a planos de pensões e em situações de extinção dos regimes;
o) Defina as regras de constituição e funcionamento das entidades gestoras;
p) Fixe a natureza dos activos que constituem o património afecto à realização de planos de pensões, os respectivos limites percentuais, bem como as regras prudenciais e os princípios gerais de congruência e de avaliação desses activos.

2 - Poderão ser acordados em convenção colectiva instrumentos de gestão e controlo com a participação dos beneficiários e participantes ou seus representantes.

Artigo 102.º
Fundos de pensões

Os fundos de pensões são patrimónios autónomos exclusivamente afectos à realização de um ou mais planos de pensões, cuja actividade é disciplinada nos termos constantes de legislação específica.

Artigo 103.º
Supervisão

A regulação, a supervisão prudencial e a fiscalização do sistema complementar é exercida nos termos da legislação aplicável e pelas entidades legalmente definidas, tendo por objectivo proteger os direitos dos membros e beneficiários dos planos de pensões.

Artigo 104.º
Mecanismos de garantia de pensões

No prazo máximo de dois anos a contar da data de entrada em vigor desta lei serão fixados os mecanismos de garantia de pensões através da mutualização dos riscos, devidas no âmbito do sistema complementar, bem como no âmbito dos regimes a abranger nos termos do n.º 2 do artigo 31.º, tendo por objectivo o reforço da respectiva segurança.

Capítulo V
Financiamento

Artigo 105.º
Princípios

O financiamento do sistema obedece aos princípios da diversificação das fontes de financiamento e da adequação selectiva.

Artigo 106.º
Princípio da diversificação das fontes de financiamento

O princípio da diversificação das fontes de financiamento implica a ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão de obra.

Artigo 107.º
Princípio da adequação selectiva

O princípio da adequação selectiva consiste na determinação das fontes de financiamento e na afectação dos recursos financeiros, de acordo com a natureza e os objectivos das modalidades de protecção social definidas na presente lei e com situações e medidas especiais, nomeadamente as relacionadas com políticas activas de emprego e de formação profissional.

Artigo 108.º
Formas de financiamento

1 - As prestações substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito do subsistema previdencial, são financiadas, de forma bipartida, através de cotizações dos trabalhadores e de contribuições dos beneficiários e das entidades empregadoras.
2 - A protecção garantida no âmbito do subsistema de solidariedade, as prestações de protecção familiar não dependentes da existência de carreiras contributivas e a acção social são, exclusivamente, financiadas por transferências do Orçamento do Estado.
3 - A protecção garantida no âmbito do subsistema previdencial, no que respeita a prestações com forte componente redistributiva, a situações determinantes de diminuição de receitas ou de aumento de despesas sem base contributiva específica e a medidas inseridas em políticas activas de emprego e de formação profissional, bem como prestações de protecção familiar, não previstas no número anterior, é financiada de forma tripartida, através de cotizações dos trabalhadores, de contribuições das entidades empregadoras e da consignação de receitas fiscais.
4 - As despesas de administração e outras despesas comuns do sistema são financiadas através das fontes correspondentes ao subsistema de solidariedade, à acção social, ao subsistema de protecção familiar, bem como aos regimes de segurança social do subsistema previdencial, na proporção dos respectivos encargos.
5 - Podem constituir ainda receitas da acção social as verbas consignadas por lei para esse efeito, nomeadamente as provenientes de receitas de jogos sociais.

Artigo 109.º
Capitalização pública de estabilização

1 - Reverte para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, uma parcela entre dois e quatro pontos percentuais das remunerações sobre as quais incide a taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, até que aquele fundo assegure a cobertura das despesas previsíveis com pensões, por um período mínimo de dois anos.
2 - Os saldos anuais do subsistema previdencial, bem como as receitas resultantes da alienação de património e os ganhos obtidos das aplicações financeiras integram o fundo a que se refere o número anterior, sendo geridos em regime de capitalização.
3 - A ocorrência de condições económicas adversas que originem acréscimos extraordinários de despesa ou

Página 652

0652 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

quebras de receitas pode determinar a não aplicabilidade fundamentada do disposto nos números anteriores.

Artigo 110.º
Fontes de financiamento

São receitas do sistema:

a) As cotizações dos beneficiários;
b) As contribuições das entidades empregadoras;
c) As contribuições dos trabalhadores independentes;
d) As transferências do Estado e de outras entidades públicas;
e) As receitas fiscais legalmente previstas;
f) Os rendimentos de património próprio e os rendimentos de património do Estado consignados ao reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;
g) O produto de comparticipações previstas na lei ou em regulamentos;
h) O produto de sanções pecuniárias;
i) As transferências de organismos estrangeiros;
j) O produto de eventuais excedentes da execução do Orçamento de Estado de cada ano;
l) Outras receitas legalmente previstas ou permitidas.

Artigo 111.º
Regime financeiro

O regime financeiro do sistema público de segurança social deve conjugar as técnicas de repartição e capitalização, entendida nos termos do artigo 109.º, por forma a ajustar-se às condições económicas, sociais e demográficas.

Artigo 112.º
Orçamento e conta da segurança social

1 - O orçamento da segurança social é apresentado pelo Governo e aprovado pela Assembleia da República como parte integrante do orçamento do Estado.
2 - O orçamento da segurança social prevê as receitas a arrecadar e as despesas a efectuar, desagregadas pelas diversas modalidades de protecção social, designadamente as eventualidades cobertas pelos subsistemas previdencial, de solidariedade, de protecção familiar e de acção social.
3 - A conta da segurança social apresenta uma estrutura idêntica à do orçamento da segurança social.
4 - Em anexo ao orçamento da segurança social, o Governo apresentará a previsão actualizada de longo prazo dos encargos com prestações diferidas, das cotizações e das contribuições dos beneficiários e das entidades empregadoras, tendo em vista a adequação ao previsto no artigo 108.º.

Capítulo VI
Organização

Artigo 113.º
Estrutura orgânica

1 - A estrutura orgânica do sistema compreende serviços integrados na administração directa do Estado e instituições de segurança social que são pessoas colectivas de direito público, integradas na administração indirecta do Estado.
2 - Os serviços e instituições de segurança social referidos no número anterior podem ter âmbito nacional ou outro, a definir por lei, tendo em vista a redução de assimetrias geográficas nos serviços prestados.

Artigo 114.º
Conselho Nacional de Segurança Social

1 - A participação no processo de definição da política, objectivos e prioridades do sistema é assegurado pelo Conselho Nacional de Segurança Social.
2 - Será criada, no âmbito do Conselho, uma Comissão Executiva constituída de forma tripartida por representantes do Estado, dos parceiros sociais sindicais e patronais.
3 - A lei determina as atribuições, competências e composição do Conselho e da comissão executiva referidos neste artigo, tendo em conta, quanto a esta última, o estatuído no n.º 7 do artigo 44.º.

Artigo 115.º
Participação nas instituições de segurança social

A lei define as formas de participação nas instituições de segurança social das associações sindicais e patronais, bem como de outras entidades interessadas no funcionamento do sistema.

Artigo 116.º
Isenções

1 - As instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei.
2 - O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social beneficia das isenções previstas na lei.

Artigo 117.º
Sistema de informação

1 - A gestão do sistema de segurança social apoia-se num sistema de informação de âmbito nacional com os seguintes objectivos:

a) Garantir que as prestações sejam atempadamente concedidas aos seus destinatários, evitando a descontinuidade de rendimentos;
b) Assegurar a eficácia da cobrança das contribuições e do combate à fraude e evasão contributiva, bem como evitar o pagamento indevido de prestações;
c) Organizar bases de dados nacionais que, tendo como elemento estruturante a identificação, integrem os elementos de informação sobre pessoas singulares e colectivas que sejam considerados relevantes para a realização dos objectivos do sistema de segurança social e efectuar o tratamento automatizado de dados pessoais, essenciais à prossecução daqueles objectivos, com respeito pela legislação relativa à constituição e gestão de bases de dados pessoais;
d) Desenvolver, no quadro dos objectivos da sociedade de informação, os procedimentos e canais que privilegiem a troca e o acesso de informação em suporte electrónico às pessoas em geral e às entidades empregadoras, bem como aos demais sistemas da Administração Pública, de modo a promover a desburocratização e a aceleração dos processos de decisão.

Página 653

0653 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

2 - O sistema de segurança social promoverá, sempre que necessário, a articulação das bases de dados das diferentes áreas interdepartamentais, tendo em vista simplificar o relacionamento das pessoas com a Administração Pública e melhorar a sua eficácia.

Artigo 118.º
Identificação

1 - Estão sujeitas a identificação no sistema de informação as pessoas singulares e colectivas que se relacionem com o sistema de segurança social no quadro da realização dos seus objectivos.
2 - Para efeitos do número anterior é criado um sistema de identificação nacional único.
3 - A declaração de início de actividade para efeitos fiscais será oficiosamente comunicada ao sistema de segurança social.

Capítulo VII
Entidades particulares

Artigo 119.º
Natureza

As instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, consagradas no n.º 5 do artigo 63.º da Constituição, estão sujeitas a registo obrigatório.

Artigo 120.º
Iniciativas dos particulares

1 - O Estado apoia e valoriza as instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público, sem carácter lucrativo, que prossigam objectivos de natureza social.
2 - O exercício do apoio social prosseguido por entidades privadas com fins lucrativos carece de licenciamento prévio e está sujeito à inspecção e fiscalização do Estado, nos termos da lei.

Artigo 121.º
Fiscalização

O Estado exerce poderes de fiscalização e inspecção sobre as instituições particulares de solidariedade social e outras de reconhecido interesse público, sem carácter lucrativo, que prossigam objectivos de natureza social, por forma a garantir o efectivo cumprimento dos seus objectivos no respeito pela lei, bem como a defesa dos interesses dos beneficiários da sua acção.

Capítulo VIII
Disposições transitórias

Artigo 122.º
Salvaguarda dos direitos adquiridos e em formação

1 - A regulamentação da presente lei não prejudica os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação.
2 - O disposto no n.º 4 do artigo 44.º não é aplicável aos beneficiários que, à data do início da vigência da lei que o estabelecer, considerando a data em que atingirão a idade normal para acesso à pensão de velhice, sejam prejudicados em função da redução da remuneração de referência para o respectivo cálculo.
3 - O disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 44.º aplica-se a todos os beneficiários do sistema com idade igual ou inferior a 35 anos e carreira contributiva não superior a 10 anos, à data da entrada em vigor da regulamentação da presente lei, bem como a todos aqueles que iniciem a sua carreira contributiva a partir da mesma data.
4 - Os beneficiários abrangidos pelo disposto no número anterior poderão ser excluídos da aplicação do mesmo, mediante manifestação expressa dessa vontade, desde que as remunerações registadas tenham excedido, ainda que pontualmente, o limite previsto no n.º 2 do artigo 44.º

Artigo 123.º
Seguro social voluntário

O regime de seguro social voluntário, que consubstancia o regime de segurança social de âmbito pessoal facultativo, deve ser adequado ao quadro legal, designadamente por referência ao estatuído quanto ao sistema complementar na vertente da sua gestão por institutos públicos.

Artigo 124.º
Regimes especiais

Os regimes especiais vigentes à data da entrada em vigor da presente lei continuam a aplicar-se, incluindo as disposições sobre o seu funcionamento, aos grupos de trabalhadores pelos mesmos abrangidos, com respeito pelos direitos adquiridos e em formação.

Artigo 125.º
Regimes da função pública

Os regimes de protecção social da função pública deverão ser regulamentados por forma a convergir com os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações.

Artigo 126.º
Regimes de prestações complementares

Os regimes de prestações complementares, instituídos anteriormente à entrada em vigor da presente lei, com finalidades idênticas às previstas no artigo 92.º, devem adaptar-se à legislação reguladora dos regimes complementares, em prazo a definir para o efeito, sem prejuízo dos direitos adquiridos e em formação.

Artigo 127.º
Aplicação às instituições de previdência

Mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 549/77, de 31 de Dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.

Página 654

0654 | II Série A - Número 019 | 06 de Julho de 2002

 

Artigo 128.º
Beneficiários

Os trabalhadores beneficiários, que tenham optado, nos termos dos Decretos-Lei n.º 278/82 e n.º 106/92, de 20 de Julho e de 30 de Maio, respectivamente, pelo regime jurídico do pessoal das caixas de previdência mantém a sua sujeição a este regime.

Artigo 129.º
Casas do povo

As casas do povo que, a qualquer título, exerçam funções no domínio dos regimes do sistema de segurança social estão sujeitas, em relação a essas funções, à tutela das instituições do sistema, competentes para o efeito.

Capítulo IX
Disposições finais

Artigo 130.º
Protecção nos acidentes de trabalho e nas doenças profissionais

1 - A lei estabelece o regime jurídico da protecção obrigatória em caso de acidente de trabalho.
2 - Este regime deve consagrar uma eficaz e coerente articulação com o sistema público de segurança social e com o sistema nacional de saúde, designadamente no que diz respeito à melhoria do regime legal das prestações, à tabela nacional de incapacidades, à prevenção da sinistralidade laboral, à determinação da actualização das prestações e à assistência adequada aos sinistrados com o objectivo de promover a sua reabilitação e reinserção laboral e social.

Artigo 131.º
Regulamentação

O Governo aprovará as normas necessárias à execução da presente lei no prazo máximo de 180 dias após a data da sua entrada em vigor.

Artigo 132.º
Regiões autónomas

A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, sem prejuízo de regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento, bem como da regionalização dos serviços de segurança social.

Artigo 133.º
Norma revogatória

1 - É revogada a Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto.
2 - Mantêm-se, no entanto, em vigor os Decretos-Lei n.º 35/2002, de 19 de Fevereiro, e n.º 331/2001, de 20 de Dezembro, considerando-se feitas para a presente lei as remissões que nesses diplomas se fazia para a lei agora revogada.

Artigo 134.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 4 de Julho de 2002. O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×