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Quinta-feira, 3 de Outubro de 2002 II Série-A - Número 27

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 5, 7, 11 e 115 a 118/IX):
N.º 5/IX (Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto):
- Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente.
- Relatório e parecer da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
- Parecer da Associação Nacional de Freguesias.
N.º 7/IX (Estabelece regras de segurança no transporte colectivo de crianças):
- Relatório e parecer da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
N.º 11/IX (Cria as autoridades metropolitanas de transportes):
- Vide projecto de lei n.º 5/IX.
- Vide projecto de lei n.º 5/IX.
N.º 115/IX - Criação do concelho da Tocha (apresentado pelo CDS-PP).
N.º 116/IX - Define as bases da estratégia de prevenção da toxicodependência e de separação entre drogas duras e drogas leves (apresentado pelo BE).
N.º 117/IX - Medidas para o controlo do consumo de ecstasy (apresentado pelo BE).
N.º 118/IX - Cria o projecto-piloto de prescrição médica de heroína (apresentado pelo BE).

Propostas de lei (n.os 21 e 24/IX):
N.º 21/IX (Modo de exercício do direito de voto por estudantes na eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais):
- Parecer da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
N.º 24/IX - Estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos.

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PROJECTO DE LEI N.º 5/IX
(CRIAÇÃO DAS AUTORIDADES METROPOLITANAS DE TRANSPORTES DE LISBOA E DO PORTO)

PROJECTO DE LEI N.º 11/IX
(CRIA AS AUTORIDADES METROPOLITANAS DE TRANSPORTES)

Relatório e parecer da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente

Relatório

1 - Nota prévia

Os projectos de lei n.os 5 e 11/IX, da iniciativa do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, e que visam a criação das autoridades metropolitanas de transportes, foram apresentados ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 130.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 137.º do mesmo Regimento, tendo baixado à Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente, após despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, para apreciação nos termos do artigo 146.º do supra-referido Regimento.
O Governo entregou, ainda, na Assembleia da República a proposta de lei n.º 19/IX, que visa autorizar o Governo a criar as entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições.
No termos do n.º 1 do artigo 147.º do Regimento da Assembleia da República, decidiu a Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente proceder a uma apreciação conjunta, devendo a emissão do parecer incluir as iniciativas em análise.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 200.º do Regimento, a proposta de lei n.º 19/IX, da iniciativa do Governo, por se tratar de uma autorização legislativa, não merece exame em Comissão.
Entendeu, porém, o relator que, havendo uma iniciativa do Governo versando a matéria dos projectos de lei n.os 5 e 11/IX, seria importante uma análise conjunta dos fundamentos e das propostas.

2 - Objecto

As iniciativas em apreço destinam-se à "Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto" - no caso do projecto de lei n.º 5/IX -, "Cria as autoridades metropolitanas de transportes - no caso do projecto de lei n.º 11/IX - e ainda "Autoriza o Governo a criar entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições" - proposta de lei n.º 19/1X.
O projecto de lei n.º 5/IX, da iniciativa do PCP, prevê que possam vir a ser consideradas como atribuições das autoridades metropolitanas de transportes as seguintes:
- Promover a elaboração, fiscalização e actualização dos planos metropolitanos de transportes em cada uma das regiões, de acordo com a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres;
- Coordenar e controlar a execução dos investimentos, dos financiamentos e das restantes medidas previstas no Plano Metropolitano de Transportes, tomando as medidas que se justifiquem a cada momento para esse fim;
- Definir uma política tarifária homogénea, que favoreça e incremente o serviço público de transportes;
- Proceder à fixação de indemnizações compensatórias ou outras compensações financeiras que se justifiquem;
- Tutelar as empresas públicas regionais;
- Realizar investimentos que, a título excepcional, lhe venham a ser atribuídos nos termos do Plano Metropolitano de Transportes, incluindo os transportes ocasionais;
- Arrecadar e gerir as receitas que lhe venham a ser atribuídas;
- Conceder, autorizar ou contratar a exploração de transportes regulares nas regiões, de acordo com a Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres;
- Dinamizar e coordenar a informação e divulgação do sistema de transportes junto das populações;
- Desempenhar outras funções que lhe venham a ser atribuídas, com vista à boa execução do plano de transportes.
O projecto de lei n.º 11/IX, da iniciativa do BE, prevê que possam vir a ser consideradas como atribuições das autoridades metropolitanas de transportes as seguintes:
- Promover a elaboração, o controlo de execução e actualização dos planos metropolitanos de transporte em cada uma das regiões, de acordo com o estabelecido no artigo 27.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março;
- Garantir a coordenação dos investimentos nas infra-estruturas de transporte colectivo de passageiros previstos nesses planos, definindo a programação dos investimentos, a responsabilidade pela sua execução e o acompanhamento e fiscalização dos projectos a construir;
- Assegurar o planeamento dos serviços de transporte colectivo de passageiros e o estabelecimento de programas coordenados de exploração das redes e linhas para cada uma das empresas prestadoras desses serviços existentes na região;
- Promover a coordenação técnica dos vários sub-sistemas de transportes, designadamente através das melhores escolhas em matéria de localização de terminais, pontos de paragem dos transportes públicos, centros de coordenação e de abrigos de passageiros, bem como da sua articulação e integração técnica entre veículos e demais equipamentos afectos à exploração de serviços de transporte;
- Definir um sistema tarifário comum a todos os operadores de transporte público colectivo regulares de passageiros para cada uma das regiões metropolitanas, no âmbito de uma política de financiamento do transporte colectivo onde se contratualize um determinado grau de cobertura dos custos totais de exploração pelas receitas de exploração;

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- Conceder, autorizar ou contratar a exploração de transportes regulares de passageiros nas respectivas áreas metropolitanas, nos termos dos n.os 7 e 8 do artigo 27.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março;
- Decidir a orientação para a gestão das receitas provenientes dos títulos de transporte multimodais;
- Decidir a orientação para a gestão das receitas provenientes das transferências da Administração Central e resultantes da fracção que vier a ser estabelecida por litro de combustível vendido em relação ao valor arrecadado no Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) e de uma outra fracção, a definir, proveniente das receitas de estabelecimento;
- Aprovar os contratos-programa com cada um dos diferentes operadores de transporte público colectivos de passageiros, numa perspectiva plurianual de gestão e onde se contratualizem o financiamento dos investimentos em Infra-estruturas de Longa Duração (ILD) e a responsabilidade pela sua execução, os níveis de serviço e de qualidade do transporte a oferecer, bem como as subvenções anuais a atribuir coma forma de compensar os défices previsionais de exploração do serviço de transporte regular de passageiros;
- Definir os termos em que se deverá processar o relacionamento e a articulação com todos os restantes organismos da Administração Central e local em todas as áreas de actuação com incidência nos transportes, e pronunciar-se sobre os programas ou projectos de ordenamento do território, investimentos na rede viária municipal e nacional ou a gestão da circulação e estacionamento nos municípios de cada uma das áreas metropolitanas, ou, em sentido inverso, sobre a incidência dos projectos de transportes no ordenamento do território e nas políticas de desenvolvimento económico e social;
- Aprovar todas as medidas tendentes à fiscalização e controlo de execução de toda a legislação aplicável à segurança nos transportes, bem como do normativo referente à higiene e segurança no trabalho;
- Apreciar as propostas acerca da informação aos utilizadores do transporte sobre as redes e serviços de transporte oferecidos em cada uma das regiões metropolitanas;
- Desempenhar as demais funções que resultem da aplicação dos planos metropolitanos de transporte em cada região.
A proposta de lei n.º 19/IX tem como objecto a concessão ao Governo de uma autorização legislativa para criar entidades coordenadoras de transportes nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como transferir para essas entidades as competências necessárias ao desempenho das suas atribuições.
A legislação a aprovar virá a instituir entidades coordenadoras de transportes terrestres nas regiões de Lisboa e Porto, designadas "autoridades metropolitanas de transportes", que terão a forma de pessoas colectivas de direito público, autónomas e em cuja estrutura participem elementos dos organismos da Administração Central com tutela sobre os transportes terrestres, das Câmaras Municipais de Lisboa e Porto e das juntas metropolitanas.
Prevê-se a transferência para as autoridades metropolitanas de transportes de competências indispensáveis ao desempenho das suas atribuições em matéria de transportes, incluindo planeamento, investimentos e infra-estruturas adequadas. O mesmo diploma definirá as competências próprias das entidades coordenadoras de transportes terrestres nas regiões de Lisboa e do Porto.

3 - Análise da realidade

Os últimos inquéritos à mobilidade nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto têm vindo a revelar que a dimensão do mercado dos transportes se situa em cerca de 5,5 milhões de viagens/dia. Só Lisboa atinge valores que se cifram em cerca de cerca de 3,5 milhões.
Para além de tudo, é verificável um progressivo agravamento dos padrões de mobilidade no interior das áreas metropolitanas, o que se verifica com mais gravidade e se agudizou nas últimas duas décadas, decorrente da diminuição das quotas de mercado dos operadores de transporte colectivo em favor do transporte individual.
Para esta realidade contribuem várias circunstâncias e causas, das quais se destacam a ausência de políticas de transportes à escala das áreas metropolitanas, a pouca importância que se tem colocado no planeamento territorial à escala regional, o que tem impedido a integração dos sistemas de transportes no âmbito de um processo permanente de reforço da urbanização nas áreas metropolitanas, e ainda a incipiente articulação das redes de transportes colectivos.
O congestionamento urbano, o desaparecimento dos espaços públicos e pedonais que o automóvel impõe, as dificuldades operacionais dos transportadores, os desperdícios energéticos que transportam consigo impactos negativos no ambiente são sinais visíveis da valorização do automóvel em desfavor do transporte colectivo.

4 - Bosquejo histórico

As iniciativas em apreço traduzem-se na reapresentação dos projectos de lei n.º 487/VIII, do Partido Comunista Português, e n.º 449/VIII, do Bloco de Esquerda.
O projecto de lei n.º 487/VIII teve como relator o Sr. Deputado José Rosa do Egipto, tendo o relatório e parecer sido analisados e aprovados por unanimidade em reunião da Comissão de Administração e Ordenamento do Território, Poder Local e Ambiente realizada no dia 11 de Novembro de 2001.
O projecto de lei n.º 449/VIII teve como relator o Sr. Deputado Nuno Teixeira de Melo, tendo o relatório e parecer sido analisados e aprovados em reunião da Comissão realizada no dia 14 de Novembro de 2001.

5 - Enquadramento legal

Em 1945, pela Lei n.º 2008, de 7 de Setembro, o Presidente da República autorizou o Governo a encontrar formas de se conseguir maior eficiência no sector dos transportes.
Foi, porém, o Decreto n.º 37 272, de 31 Dezembro de 1948, o instrumento escolhido para a definição das orientações relativas à organização do sector dos transportes e à regulamentação das diversas actividades, quer se tratasse do caminho-de-ferro ou do transporte automóvel.
Aí se determinavam as responsabilidades da Administração Central e das autarquias no que diz respeito à autorização da actividade, ao tipo de carreiras, aos horários, bem como aos regimes de exploração.

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O Decreto n.º 59/71, de 2 de Março, altera o Decreto n.º 37 272, de Dezembro de 1948. É, porém, a "descentralização das decisões relativas ao ordenamento dos transportes colectivos", prevista na alínea c) do n.º 2 desse decreto, que inicia a verdadeira transferência da decisão política para as autarquias locais.
A Lei n.º 10/90, de 17 de Março - Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres -, vem revogar a Lei n.º 2008, de 7 de Setembro de 1945, a que já nos referimos.
No artigo 28.º é prevista a instituição "em cada região metropolitana de transportes de um organismo público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, denominado comissão metropolitana de transportes".
Para além das competências das comissões metropolitanas, eram ainda previstos os órgãos da comissão e ainda a sua composição.
Sobre a aplicação dos dispositivos legais referidos, podemos socorrermo-nos de uma passagem da exposição de motivos do projecto de lei n.º 11/IX, onde se diz que "o facto de, desde há 12 anos, não ter sido ainda aplicada, por carecer de regulamentação e de alguma legislação complementar (nomeadamente, o caso da prevista institucionalização das comissões metropolitanas de transportes, conforme o artigo 28.º da Lei n.º 10/90, de 17 de Março), tornou totalmente inconsequente e inútil o esforço legislativo desenvolvido, fazendo com que o País, em termos de enquadramento do normativo regulador da actividade de transporte, tenha regressado a 1948".
A criação das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, pela Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, não veio clarificar o papel dos municípios na política metropolitana de transportes, nem possibilitou que as áreas metropolitanas pudessem assumir a articulação da actividade dos municípios e do Estado como passou a acontecer em outros domínios, como sejam o abastecimento público, a protecção do ambiente, os recursos naturais, os espaços verdes, o saneamento básico e a protecção civil.

6 - Enquadramento teórico e fundamento político

"É chegado o momento de imprimir um novo rumo à nossa política comum de transportes: reequilibrando a distribuição modal de forma sustentável e desenvolvendo a intermodalidade, atacando de forma resoluta o problema do congestionamento e colocando a qualidade dos serviços no centro do nossa acção, salvaguardando o direito à mobilidade" - Edição electrónica da Comissão Europeia, pp 2, 16 e 17. É com esta citação da Comissária Europeia Loyola de Palácio, que se inscreve no prefácio do Livro Branco - A política Europeia de Transportes no Horizonte 2010: a hora das opções, que se alarga a abordagem teórica e se encontram contributos políticos para o entendimento desta importante questão.
A política da União Europeia para os transportes e para a mobilidade é hoje uma das mais importantes. A progressiva paralisia nos transportes, o congestionamento, os danos ambientais, bem como os acidentes, áreas que apresentam indicadores impressionantes revelando sinais de agravamento, podem levar a que, em 2010, o seu custo chegue, ou ultrapasse mesmo, 1% do PIB da União.
Na Orientação V do Livro Branco já referido encontram-se quatro medidas que interessa reportar e referentes:
1 - À política de transportes urbanos nas grandes aglomerações, a fim de conciliar a modernização do serviço público e a racionalização da utilização do automóvel particular. O respeito pelos compromissos internacionais de redução das emissões de C02 está em jogo tanto nas cidades como nas estradas;
2 - À política de urbanismo e de ordenamento do território, que deverá evitar o crescimento inútil da necessidade de mobilidade decorrente de uma planificação desequilibrada das distâncias entre zonas habitacionais e os locais de trabalho;
3 - Às políticas social e de educação, pela melhor organização dos ritmos de trabalho e dos horários escolares, a fim de evitar o congestionamento das estradas, nomeadamente nas partidas e regressos de fins-de-semana, durante os quais ocorre o maior número de acidentes de viação;
4 - À definição da política económica, pela integração de determinados factores que contribuem para o aumento da procura de transporte, em especial os que estão ligados ao modelo de produção just in time e de rotação permanente de existências.
No mesmo sentido vai a Declaração Conjunta das Cidades e Autoridades Locais - Declaração do Rio de Janeiro, 1 e 2 de Junho de 1992 - , que reúne os contributos teóricos e políticos da IULA União Internacional de Autoridades Locais -, da METROPOLIS - Associação Mundial das Grandes Cidades Metrópoles -, da UNITED TOWNS - Organização das Cidades Unidas - e da SUMMIT - Conferência de Cúpula das Grandes Cidades do Mundo.
Nessa declaração aparece como urna das principais recomendações "(...) que os governos nacionais reconheçam formalmente a autonomia ... das áreas metropolitanas, para que elas possam adquirir poderes e obter os recursos necessários para implementar estratégias de desenvolvimento sustentável sobre os seus respectivos territórios e participar de acordos de cooperação internacional".
A Portugal tem-se colocado a questão da representação externa no âmbito do concerto das políticas metropolitanas de transportes. A inexistência de uma entidade representativa única, no caso da Área Metropolitana de Lisboa, leva a que o estatuto de que a Câmara Municipal de Lisboa se reveste no âmbito da European Metropolitan Transport Authorities faça dela um observador e não um membro de pleno direito.
Também ao nível das relações externas e da partilha de experiências, importa que se caminhe para a existência de entidades representativas com um campo de actuação político bem definido.
As recentes eleições legislativas permitiram a actualização do pensamento dos partidos sobre a política de transportes. Se o Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda se propõem repor os diplomas apresentados na anterior legislatura, não pode ser acertado limitar a teorização do problema, por parte destas duas forças políticas, a essas mesmas iniciativas.
O Partido Comunista Português apresenta no seu programa eleitora1 (páginas 37 a 40) um conjunto de propostas e orientações que têm como objectivos a elaboração de um

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plano nacional de transportes que tenha um papel estratégico e estruturante na economia nacional, no ordenamento do território e promova o desenvolvimento sustentado das regiões, sendo a prioridade o transporte público, o encontro de complementaridades entre os diversos modos de transporte com os adequados interfaces e a criação das autoridades metropolitanas de transportes.
O Manifesto 2002 (páginas 45 e 46), do BE, integra, em abstracto, as questões dos transportes no desafio de uma ecologia social como condição de desenvolvimento. Para o Bloco de Esquerda importa o encontro de políticas que liguem o crescimento com a poluição, com a produção de resíduos, com o esgotamento de fontes de energia e propõe-se defender uma "ecologia social" como condição para um modelo de desenvolvimento alternativo e global.
É neste sentido que o BE propõe o encontro de uma política de mobilidade sustentável nas suas vertentes económicas, sociais e ambientais como componente estratégica essencial para a melhoria da qualidade de vida urbana.
O Programa do XV Governo Constitucional (páginas 75 a 83, edição original da AR), que integra o Partido Social Democrata e o Partido Popular, é bem claro na aposta que faz no sector dos transportes. E se algumas das linhas da acção plasmadas não reunirão o consenso dos partidos com assento parlamentar, poder-se-á dizer que a análise das implicações das medidas constantes do Livro Branco dos Transportes, a revisão da Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres e do regime jurídico do transporte público, a consagração de fórmulas de planeamento intermodal das redes de transporte locais e supramunicipais de modo a obter uma maior mobilidade em transporte público podem merecer acordo.
Mas também o Programa de Governo se propõe criar, de forma gradual e consistente (?), as autoridades metropolitanas de transportes como entidades de coordenação ao nível do planeamento, concepção e integração dos diversos meios de transporte, desde logo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
O Programa Eleitoral do Partido Socialista (páginas 112 e 113) é também claro na determinação da necessidade de criação de uma política integrada de transportes ao nível das áreas metropolitanas. A "aposta na coordenação entre Administração Central e local quanto à definição de prioridades e programação de acções, com especial enfoque para as áreas urbanas e metropolitanas", é peça essencial de um novo modelo institucional para o sector. O desenvolvimento desses objectivos é amplamente tratado na moção "Por uma política de cidades em Portugal", apresentada ao XI Congresso do PS por António Fonseca Ferreira (Presidente da Comissão de Coordenação de Lisboa e Vale do Tejo). Nessa moção, e integrada no Eixo Estratégico C - Qualificação das cidades e dos sistemas urbanos -, é proposta a constituição de autoridades metropolitanas de transportes nas áreas de Lisboa e Porto como forma de contribuir para a existência de políticas adequadas no sector dos transportes como sector decisivo no ordenamento do território e na qualidade vida urbana.
Para além das forças políticas, será importante referir um conjunto de posições que, pela sua relevância, se tornam válidas para o debate dos projectos de lei em apreço.
O Fórum dos Transportes Rodoviários de Passageiros - intervenção de encerramento do Presidente da Mesa do Fórum dos Transportes Rodoviários de Passageiros -, realizado na Figueira da Foz em 2000, para além de analisar, na perspectiva dos operadores do sector, o relacionamento institucional e os estrangulamentos legais a que a actividade se sujeita, encontra na necessidade de criação de entidades de coordenação dos transportes, principalmente das grandes áreas urbanas, uma das principais reivindicações.
No mesmo sentido se pronuncia o Prof. Doutor Fernando Camano Garcia - 1999 - A Política Comum de Transportes, Cargos Edições - ao analisar as conclusões do Livro Verde Citizen's network no qual se preconiza a "melhoria da qualidade e um maior investimento no sistema de transportes públicos, no âmbito de uma abordagem integrada com vista à resolução dos problemas de congestionamento do tráfego e à melhoria da qualidade de vida dos cidadãos".
A realização, pela Assembleia Metropolitana de Lisboa, do Seminário "Transportes e Mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa - Seminário Transportes e Mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa", página 171 e seguintes -, trouxe a nu um conjunto de problemas e estrangulamentos que, estando há muito diagnosticados, ficaram mais sistematizados. Nesse seminário o Prof. Doutor Nunes da Silva foi bem claro ao considerar que "aquilo que faz falta nas áreas metropolitanas em particular é exactamente alguém que exerça a autoridade" e que o que se coloca, antes de tudo e em qualquer discussão, é a "necessidade de uma entidade que planeie, coordene e monitorize a gestão dos transportes colectivos de uma área metropolitana".
Todos estes contributos de natureza teórica e programática permitem-nos concluir que estamos perante um tema em que se pode encontrar uma base de entendimento com vastos sectores da sociedade civil.
Há, porém, em debate o novo enquadramento institucional das áreas metropolitanas e a revisão da Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto. Sobra a dúvida de se saber se a discussão política, designadamente a que se prende com a proposta de lei n.º 19/1X, não deveria estar intimamente ligada à questão das novas atribuições, competências e regime financeiro das áreas metropolitanas. Como será também relevante a discussão em torno da valorização, com a consequente desvalorização das juntas metropolitanas, dos municípios de Lisboa e Porto no contexto do concerto das políticas e da gestão como prevê a alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 19/1X.

7 - Consequências económicas e financeiras

Os projectos de lei n.os 5 e 11/IX prevêem que os encargos orçamentais referentes à instalação das entidades a criar sejam suportados pelo orçamento da Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
No que ao regime de pessoal diz respeito, o projecto de lei n.º 5/IX prevê o regime de comissão de serviço para o pessoal com vínculo à função pública, podendo haver recurso à contratação do exterior para acorrer a necessidades urgentes.
O projecto de lei n.º 11/IX prevê a consagração da comissão de serviço para o pessoal com vínculo à função pública, nomeado por despacho do Ministro do Equipamento Social sob proposta da comissão instaladora, podendo haver recurso à contratação de serviço externo para acorrer a necessidade temporárias e específicas.
Não sendo claro o articulado da proposta de lei n.º 19/IX no que às implicações económicas e financeiras diz respeito, há, porém, referência à definição de um "modelo de financiamento do sistema de transporte metropolitano que

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deverá incluir as transferências dos orçamentos municipais, as transferências do Orçamento do Estado e ainda as receitas tarifárias".

8 - Contributos

Nos termos do artigo 150.º do Regimento da Assembleia da República relevaram na análise as posições da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).
O parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses avalia o impacto dos projectos de lei apresentados e enquadra-os no que são os objectivos estratégicos da ANMP.
Assim, diz a ANMP: "é de referir que no ponto 3.28 do documenta "Linhas Gerais de Actuação", aprovado pelo XII Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, se propõe a criação de (...) autoridades metropolitanas e supramunicipais de transportes, que procedam à respectiva articulação". Assim, "desde que a legitimidade da representatividade das populações abrangidas esteja salvaguardada, não se vê grande inconveniente na criação deste tipo de estruturas supramunicipais já que a mesma facilitará um correcto planeamento, coordenação das várias concessões e projectos das empresas públicas de transporte, financiamento das obrigações de serviço público e estabelecimento de regras uniformes e coerentes de política e a obtenção dos recursos necessários ao funcionamento integrado e coerente do sistema de transportes terrestres".
Também a ANAFRE se pronunciou sobre os diplomas e dessa posição importa transcrever as seguintes passos:
"Consideramos uma iniciativa positiva no sentido de dar exequibilidade à rede de transportes existente, racionalizando meios, diminuindo, se possível, os custos, melhorando o serviço público a prestar às populações.
Propomos, no entanto que, de alguma forma, as freguesias possam participar, mesmo que a título consultivo, na definição das prioridades dos transportes das áreas metropolitanas, uma vez que as acessibilidades e redes de transportes devem ser discutidas também com os eleitos nas freguesias, dado a sua especial sensibilidade e maior conhecimento da realidade concreta."

9 - Conclusões

a) As iniciativas que se analisam bebem na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres a sua estrutura e princípios;
b) É prevista a criação de autoridades metropolitanas de transportes semelhantes às comissões metropolitanas de transportes consideradas na lei de bases acima referida;
c) As iniciativas em apreço prevêem uma responsabilização dos municípios e a sua implicação no desenvolvimento das atribuições;
d) Os projectos de lei em análise não se propõem revogar, nas partes em que possam conflituar, a Lei n.º 10/90, de 17 de Março, permitindo a coexistência, na ordem jurídica, hipoteticamente, de várias entidades públicas que têm os mesmos fins e prosseguem os mesmos objectivos;
e) Espera-se que o decreto-lei aprovado pelo Governo na sequência do assentimento (?), em sede parlamentar, da proposta de lei n.º 19/1X, possa resolver as questões referidas em d).

Parecer

Os projectos de lei n.º 5/IX, da iniciativa do Partido Comunista Português, e n.º 11/IX, da iniciativa do Bloco de Esquerda, que visam a criação das autoridades metropolitanas de transportes, reúnem os requisitos regimentais aplicáveis para subir ao Plenário da Assembleia da República.
Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para ulterior oportunidade, aquando do debate na generalidade ou na especialidade.
Apesar de não ter sido dado cumprimento ao n.º 2 do artigo 146.º do Regimento, no que se refere ao prazo de apreciação, em sede de Comissão, dos projectos de lei, considera-se que, por não terem ainda sido agendados para discussão em Plenário, o presente relatório se encontra em condições de promover uma discussão técnica e política em sede da Comissão de Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente.
Consideram-se cumpridas as formalidades previstas no artigo 150.º do Regimento da Assembleia da República.

Assembleia da República, 9 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, Ascenso Simões - O Presidente da Comissão, Jorge Coelho.

Nota: - o relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

Relatório e parecer da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações

Relatório

I - Nota prévia

A apresentação dos projectos de lei n.os 5/IX, do PCP, sobre a "Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto", e 11/IX, do BE, que "Cria as autoridades metropolitanas de transportes", foi efectuada ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 130.° e 137.° do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, os projectos de lei vertentes baixaram à Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações para emissão dos competentes relatório e parecer.
As iniciativas legislativas vertentes serão discutidas conjuntamente com a proposta de lei n.° 19/IX, do Governo, que "Autoriza o Governo a criar entidades coordenadoras de transportes nas Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto e a transferir para essas entidades as competências municipais necessárias ao exercício das suas atribuições". na reunião plenária do próximo dia 18 de Setembro de 2002.

II Do objecto

Com os projectos de lei n.os 5/IX e 11/IX, cujo objecto e regime são coincidentes, visam os seus autores promover a criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto. Assim:
O projecto de lei n.º 5/IX, do PCP, estabelece em concreto:

a) A criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e do Porto, enquanto pessoas colectivas públicas, dotadas de personalidade jurídica, autonomia financeira e administrativa, sob

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supervisão e tutela, com o âmbito territorial fixado na Lei n.° 44/91, de 2 de Agosto, para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (artigos 1.° e 2.º);
b) Os objectivos e as atribuições das autoridades metropolitanas de transportes; as variáveis que devem ser tidas em consideração no processo de definição do financiamento do sistema de transportes, bem como os órgãos das autoridades metropolitanas de transportes (conselho geral e conselho), sua composição e respectivas competências (artigos 3.° a 8.°);
c) O regime de instalação das autoridades metropolitanas de transportes, definindo, nomeadamente a composição, as competências, o funcionamento e o período de duração das comissões instaladoras (artigos 9.° a 12 ° e 16.°);
d) Por último, prevê regras relativas à dotação e recrutamento de pessoal a afectar às autoridades metropolitanas de transportes, remetendo para a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres a responsabilidade pelos encargos orçamentais das comissões instaladoras (artigos 13.° a 15.°).

O projecto de lei n.° 11 /IX, do BE, estabelece, por seu turno:

a) A criação das autoridades metropolitanas de transportes, enquanto pessoas colectivas de direito público de âmbito territorial, que visam a organização dos serviços de transporte colectivos de passageiros, correspondendo-lhes um âmbito territorial coincidente com o fixado na Lei n.° 41 /91, de 2 de Agosto, para cada uma das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (artigos 1.° e 2 °);
b) As atribuições das autoridades metropolitanas de transportes, assim como os seus órgãos (conselho geral, conselho executivo, conselho consultivo e observatório dos transportes) e respectivas competências (artigos 3.° a 8.°);
c) O regime de instalação das autoridades metropolitanas de transportes, definindo, em concreto, a duração do período de instalação, a composição, as competências e o funcionamento das comissões instaladoras (artigos 9.° a 12.° e 15.º);
d) Finalmente, estabelece, também, regras aplicáveis à dotação e contratação de pessoal a afectar às autoridades metropolitanas de transportes, remetendo igualmente para a Direcção-Geral de Transportes Terrestres a responsabilidade pelos encargos orçamentais das comissões instaladoras (artigos 13.° e 14).

Em suma, trata-se de duas iniciativas legislativas cujo objecto e regime são coincidentes. Um análise comparativa mais profunda dos dois projectos de diploma em apreço revela diferenças pontuais, designadamente no que concerne aos objectivos e ao elenco das atribuições das autoridades metropolitanas de transportes, bem como quanto ao financiamento e à estrutura orgânica propostos.

III - Dos antecedentes parlamentares

A discussão em torno da política de transportes, em geral, e sobre as autoridades Metropolitanas de transportes, em particular, foi objecto de diversas iniciativas parlamentares no decurso da VIII Legislatura.
Com efeito, na VIII Legislatura foram apresentados e discutidos conjuntamente (vide DAR I Série n.º 6, de 30 de Setembro de 2000) os projectos de resolução n.os 49/VIII, de Os Verdes, intitulado "Por uma estratégia de promoção do transporte público", 73/VIII, do BE, sobre "Uma alternativa da utilização do transporte público", e 75/VIII, do PS, sobre a "Promoção da utilização do transporte público".
Dos projectos de resolução referidos foram rejeitados os da iniciativa de Os Verdes e o do BE, com os votos contra do PS, votos a favor do PCP, Os Verdes e BE e a abstenção do PSD e do CDS-PP, e aprovado o projecto de resolução n.° 75/VIII, com os votos a favor do PS e PCP, a abstenção do PSD e Os Verdes e votos contra do CDS-PP e BE (vide DAR I Série n.º 8, de 6 de Outubro de 2000), que deu origem à Resolução n.° 68/2003 (vide DAR I Série n.º 250, de 28 de Outubro de 2000), que, no seu n.° 3, alínea a), recomenda ao Governo a "criação das comissões metropolitanas de transportes, dando execução ao previsto na Lei de Bases dos Transportes Terrestres".
Também na VIII Legislatura o PSD apresentou o projecto de resolução n.º 101/VIII (vide DAR II Série n.º A n.º 29, de 27 de Janeiro de 2001), que não chegou a ser discutido.
Finalmente, ainda no decurso da VIII Legislatura foram apresentados os projectos de lei n.os 449/VIII (vide DAR II Série A n.º 62, de 31 de Maio de 2001), do BE, que "Cria as autoridades metropolitanas de transportes", que foi objecto de um parecer (vide DAR II Série A n.º 77, 19 de Julho de 2001) desfavorável emitido pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, e 487/VIII, do PCP, sobre a "Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto", que não chegaram a ser discutidos.
Em suma, os projectos de lei n.os 5/IX, do PCP, e 11 /IX, do BE, correspondem a uma reposição dos projectos de lei apresentados na VIII Legislatura.

IV - Do enquadramento constitucional e legal

A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 9.º as tarefas fundamentais do Estado, nomeadamente a de "promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação das estruturas económicas e sociais. Trata-se, pois, de urna norma no âmbito da qual se podem inscrever as iniciativas legislativas em discussão.
As iniciativas legislativas em discussão devem ser analisadas à luz do regime juridíco vigente que regula a actividade de transportes terrestres.
Neste contexto, importa fazer referência à Lei n.° 10/90, de 17 de Março, denominada Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres, que veio estabelecer os grandes princípios e objectivos a que deve obedecer o sistema de transportes terrestres.

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O citado diploma legal, que dedica um capítulo autónomo aos transportes nas áreas metropolitanas, estabelece expressamente, no seu artigo 28.°, a criação pelo Governo de uma comissão metropolitana de transportes em cada uma das regiões metropolitanas de transportes, sob a forma de organismo público, dotado de autonomia administrativa e financeira, definindo expressamente as suas atribuições, os seus órgãos e respectiva composição.
Trata-se de uma norma legal que, carecendo de regulamentação do Governo, nunca foi incrementada, tendo, entretanto, sido cometidas atribuições aos municípios em matéria de transportes e comunicações, através da aprovação da Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro, que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais.
Por último, de referir, ainda, a aprovação da Resolução n.° 68/2000, que, no seu n.° 3, alínea a), recomenda ao Governo a "criação das comissões metropolitanas de transportes, dando execução ao previsto na Lei de Bases dos Transportes Terrestres", bem como a iniciativa levada a cabo pelo XIV Governo Constitucional, em meados de 2000, traduzida na apresentação e discussão com os vários parceiros envolvidos de um projecto de decreto-lei que instituía as comissões metropolitanas de transportes, previstas no artigo 28.º da Lei n.° 10/90, de 17 de Março, que acabaria por não ser aprovado.
Os projectos de lei n.os 5/IX e 11/IX, ora em análise, seguem de muito perto o regime preconizado na Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres para as comissões metropolitanas de transportes, nomeadamente no que respeita às atribuições fundamentais cometidas àqueles organismos, sem, contudo, preverem expressamente a derrogação da citada disposição legal.
Importa, assim, ter presente que a aprovação pela Assembleia da República dos projectos de lei n.os 5/IX e 11/IX, que dispõem sobre a criação das autoridades metropolitanas de transportes, terá como consequência, por um lado, a derrogação tácita da norma contida no artigo 28.° da Lei n.° 10/90, de 17 de Março, e, por outro, a deslocalização para aquelas entidades de atribuições em matéria de transportes que actualmente estão cometidas aos municípios, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 13.° e densificadas no artigo 18.°, ambos da Lei n.° 159/99, de 14 de Setembro.

V - Parecer

A Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações é do seguinte parecer:

a) Os projectos de lei n.os 5/IX, do PCP, sobre a "Criação das autoridades metropolitanas de transportes de Lisboa e Porto", e 11/IX, do BE, que "Cria as autoridades metropolitanas de transportes", preenchem os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para subir ao Plenário da Assembleia da República para apreciação e votação;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições para o Plenário da Assembleia da República.

Assembleia da República, 16 de Setembro de 2002. A Deputada Relatora, Edite Estrela.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

Parecer da Associação Nacional de Freguesias

Na Europa as autoridades metropolitanas de transporte são um facto. São funções consensuais destas entidades fazer o planeamento e a promoção dos transportes públicos, definir as suas redes, a sua oferta e nível de qualidade, as regras de financiamento e contratualizar serviços com operadores públicos e privados.
As dificuldades de encontrar um modelo de autoridade metropolitana traduzem-se no poder que dá a capacidade financeira, num sector onde os investimentos são elevadíssimos e onde se debate a questão do poder administrativo intermédio entre o poder central e as autarquias locais.
É cada vez mais evidente a absoluta necessidade de uma perfeita interligação e complementaridade entre as várias componentes de um sistema de transportes, quer pela sua importância para a rede nacional quer pela importância cada vez maior que os utentes atribuem à totalidade da cadeia de transportes a utilizar.
Na perspectiva que a Lei de Bases dos Transportes Terrestres e que as competências das áreas metropolitanas são para cumprir, designadamente quanto à articulação de serviços de âmbito supramunicipal, nos sectores dos transportes colectivos, urbanos e suburbanos, e das vias de comunicação de âmbito metropolitano, é necessário que sejam implementadas medidas para a sua concretização.
Os projectos agora apresentados na Assembleia da República visam dar resposta à concretização desta intenção.
Estabelecidos os limites e campos de actuação das autoridades metropolitanas de transportes, é preciso definir com precisão as suas competências e o seu financiamento, as alterações regulamentares e legais, a elaboração de contratos-programa tipo, etc.
Naturalmente que com esta estrutura se visa, sobretudo, promover a coordenação de políticas de intervenção no sector a desenvolver pela Administração Central, metropolitana e local; promover a eficácia institucional através de uma estrutura política e técnico-administrativa; garantir a melhoria da coordenação e planeamento do sistema de transportes em inter-relação com o ordenamento do território; apostar na qualidade do transporte colectivo e garantir a igualdade e homogeneidade tarifária.
Globalmente o projecto de lei do PCP não tem incorrecções técnico-jurídicas, pelo que, sem prejuízo de alguns melhoramentos, nos parece uma boa base de trabalho uma vez tomada esta opção.
De qualquer forma, sempre adiantamos que nos parecem suficientes e pouco pormenorizadas as competências próprias que lhes são atribuídas, podendo ir-se bastante mais além na fase da discussão e do acerto de um texto final em forma de lei; além disso, deveriam ficar definidos, no mesmo texto legal, os meios de financiamento próprios e as transferências a efectuar pela Administração Central em função das suas competências.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo BE, chamamos a atenção para alguns aspectos que nos parecem relevantes: não está suficientemente garantida a representatividade das populações (uma vez que o peso das autarquias é diminuto); além disso, os municípios têm uma acção meramente consultiva, quase que lhe são retiradas competências (sendo que o caminho deve ser o da compatibilização e coordenação entre diversas entidades).

Lisboa, 7 de Julho de 2002. O Presidente do Conselho Directivo, Armando Manuel Diniz Vieira.

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PROJECTO DE LEI N.º 7/IX
(ESTABELECE REGRAS DE SEGURANÇA NO TRANSPORTE COLECTIVO DE CRIANÇAS)

Relatório e parecer da Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações

Relatório

Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, datado de 26 de Abril de 2002, foi ordenada a baixa à 9.ª Comissão do projecto de lei n.° 7/IX, da iniciativa de Os Verdes, estando em apreciação nos termos regimentais.

1 - Objecto do diploma

Pretende Os Verdes, com este diploma, o estabelecimento de procedimentos que orientem e regulem o transporte colectivo de crianças.
São apontados como motivos para a apresentação deste projecto de lei os seguintes aspectos:

- Dispersão da legislação;
- Lacunas de âmbito;
- A legislação actual apenas se refere ao transporte escolar;
- As crianças com idades compreendidas entre os 3 meses e 3 anos não estão abrangidas;
- A avaliação dos condutores dos veículos escolares é inexistente;
- Transporte de volumes não é considerado;
- Não obrigatoriedade de existência de vigilantes durante o transporte.

Em sequência propõe Os Verdes também acabar com excepções que atentem contra a segurança deste tipo de transportes, nomeadamente a permissão para exceder a lotação e a inexistência da obrigatoriedade de cintos de segurança.

2 - Enquadramento legal

Pela análise e pesquisa efectuadas é notória a falta de legislação suficientemente abrangente e mesmo a existente é demasiadamente lata, referindo-se unicamente ao transporte escolar.
O primeiro diploma que encontramos no quadro legal português que se debruça sobre esta temática é o Decreto-Lei n.º 299/84, de 5 de Setembro. Este diploma diz respeito à transferência para os municípios das competências em matéria de organização, financiamento e controlo de funcionamento dos transportes escolares. Só considera o transporte de crianças sujeitas à escolaridade obrigatória, permitindo o transporte de duas crianças num só lugar (idade inferior a 12 anos), e não faz referência nem exigências no que toca à segurança e supervisão. Pelo contrário, pela leitura do artigo 12.º do referido diploma podemos verificar que, no caso de crianças de idade inferior aos 12 anos, a segurança diminuiu face à possibilidade do aumento do número de crianças no respectivo lugar e, por analogia, permitindo eventuais excessos de lotação.
Posteriormente, encontramos apenas componentes de legislação que regula a transferência de verbas para as câmaras municipais a fim de assegurar o serviço de transporte escolar. A definição de critérios de segurança, certificação de veículos, regras de operação e normas de conduta está disseminada por vária legislação, havendo cruzamentos de competências, grandes lacunas, uma profusão de "zonas cinzentas" e um vasto campo de interpretação que poderá dar azo a uma generalizada desresponsabilização.
Outro aspecto que poderia revestir-se de grande importância seria o do funcionamento do conselho consultivo de transportes escolares, previsto no artigo 8.º e seguintes do diploma atrás referenciado, mas cujo funcionamento, pelas suas competências e carácter meramente consultivo de emissão de pareceres, não permite uma acção de fiscalização efectiva ou elaboração de propostas que obriguem os responsáveis autárquicos do município a vincularem-se a medidas de segurança acrescidas, e cuja responsabilidade, por tradição, é remetida para instâncias governamentais.

3 - Conclusão e parecer

O projecto de lei em apreço vem concentrar num diploma algumas normas que actualmente se encontram dispersas. Cria também um conceito mais alargado de transporte colectivo de crianças.
No entanto, decorre da sua análise uma manifesta falta de rigor e abrangência. Esta problemática, se, por um lado, padece de resolução urgente, por outro obriga à produção de um quadro normativo muito mais completo, sob pena de se estar, uma vez mais, a criarem-se disposições avulsas desenquadradas da realidade, e que, em vez de solucionarem de forma definitiva esta importante problemática, apenas terão uma eficácia parcial, gerando interpretações demasiado flexíveis.
O projecto em causa nada diz quanto à obrigatoriedade de licenciamento para a prossecução desta actividade. Apenas refere uma avaliação dos condutores, quando deverá existir uma certificação que implica formação profissional específica e um histórico impoluto por parte dos profissionais. Além do mais, vem ignorar, completamente, a questão do licenciamento dos veículos utilizados para este efeito. E, finalmente, define a forma de fiscalização sem qualquer pormenor e rigor.
Para além das questões prementes deixadas no vazio, a eventual aplicabilidade deste documento está totalmente comprometida, fruto da inexistência de qualquer forma de norma transitória, que, a não existir, lançaria no caos o serviço público que actualmente é prestado, criando graves problemas para o funcionamento normal da sociedade, especialmente nas regiões afastadas dos grandes centros.
Tal não deve, no entanto, retirar mérito à iniciativa de Os Verdes, mas que, pelos fundamentos expostos, não vem corresponder ao diploma que deverá gerar um amplo e generalizado consenso e uma interpretação clara e objectiva na sua aplicação prática, indo tão somente criar áreas não delimitadas de aplicação, não reguladas de forma clara quanto aos prazos de implementação, o que, face à especificidade do seu articulado, o deveria fazer, evitando então o recurso a regulamentação posterior, que irá sempre dificultar o êxito e o mérito desta proposta de diploma em apreciação.
Deste modo, verificando-se o enquadramento legal necessário, no plano constitucional e no plano do Regimento da Assembleia da República, a Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações emite o parecer que, independentemente do mérito da iniciativa e na salvaguarda das diversas opiniões sobre a mesma, o projecto de lei n.º 7/IX , de Os Verdes, se encontra em condições de subir a Plenário para apreciação e votação na generalidade, não sem que se realce o facto da obrigatoriedade de ser pedido

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parecer à Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), o que deverá constar desta deliberação.

Assembleia da República, 16 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, Carlos Rodrigues.

Nota: - O relatório e o parecer foram aprovados por unanimidade.

PROJECTO DE LEI N.º 115/IX
CRIAÇÃO DO CONCELHO DA TOCHA

Preâmbulo histórico e justificativo

Fundada por João Garcia Bacelar em 1610, a Tocha deve o seu nome à ermida dedicada nessa data a Nossa Senhora de Atoja da particular devoção daquele frade oriundo da cidade de Pontevedra. A partir de 1661, data da construção da actual igreja, passou a Tocha a ser um santuário do culto mariano e lugar de peregrinação. A dimensão e importância que essas romarias conferiram à povoação podem ser avaliadas pelo que é referido nas crónicas religiosas da época, como se pode ver pelo que vem escrito na relação dos santuários portugueses dada à estampa por Frei Agostinho de Santa Maria em 1709: "He aquelle sítio hoje tão alegre, e agradável, que só por se ver se pode ir a elle. Tudo hoje está habitado de casas, e he muyto salutífero, e ficalhe o mar em distância de huma legoa" e "He tão grande o concurso da gente, que frequenta aquelle Santuário, que ordinariamente se achão no dia, e vespora da festa da Senhora, mais de vinte mil pessoas, e na mesma vespora do jantar até noite, e no dia, de pela manhãa até o jantar se não vê no seu grande atrio mais que entrarem círios, e Cruzes, e sahirem logo a festejar a Senhora, aonde há carreyras, e outras festas de cavallo". Tão grande actividade e afluxo de gente consagrou desde então a Tocha como local de uma feira de muito movimento, sendo ainda hoje essa tradição visível no formato do seu largo central e na grande afluência que seus mercados dominicais continuam a registar.
Ponto de paragem obrigatória na estrada que liga a Figueira da Foz a Aveiro, a vila da Tocha regista um acelerado crescimento. A povoação aumentou consideravelmente nas últimas décadas por virtude da fixação de várias actividades, que vão das desenvolvidas por diversas entidades relacionadas com a agricultura, que domina a economia da área circundante, até à indústria transformadora de produtos lácteos, passando pela hotelaria e pelo turismo, pela actividade empresarial, comercial e financeira, e pela administração e serviços do mais diverso tipo, como o ensino ou a saúde. Os serviços de saúde, nomeadamente, têm a sua maior expressão no conhecido Hospital Rovisco Pais, hoje reconvertido em hospital regional, enquanto centro regional de medicina física e reabilitação.
A extensa freguesia a que a Tocha deu o nome abrange desde há muito outras povoações, sendo a mais conhecida a antiga aldeia piscatória dos Palheiros da Tocha. Contando ainda com algumas dessas antigas habitações palafíticas devidamente restauradas, dedicadas, de resto, a fins turísticos, a aldeia expandiu-se e transformou-se numa estância balnear muito concorrida, que é hoje conhecida pelo nome de Praia da Tocha e que regista uma população sazonal de muitos milhares de pessoas. O movimento que aí se regista é de tal ordem que houve recentemente necessidade de melhorar radicalmente todo o sistema de acessos rodoviários que a liga à vila da Tocha, passando a intensa circulação automóvel entre a vila e a sua praia a efectuar-se com segurança por intermédio de um itinerário com perfil moderno e adequado ao volume do tráfego existente.
O anseio pela consagração institucional da sua importância e da sua identidade própria é já antigo nas gentes da Tocha e da sua região. A decisão da Assembleia da República, há já 16 anos, de elevar a Tocha à categoria de vila se, por um lado, deu satisfação parcial a esse desejo, conferiu, por outro, um impulso irresistível à caminhada em direcção à meta, considerada pelos tochenses como inelutável, da criação do seu próprio concelho. Desde então, não existe cerimónia oficial, festa local, ou outra ocasião pública em toda a região da Tocha e áreas vizinhas em que essa aspiração colectiva não se manifeste das mais diversas maneiras.
À intensidade dessa reivindicação não ficaram imunes os habitantes da freguesia da Sanguinheira, confinante com a freguesia da Tocha e com ela partilhando a sua vida quotidiana em profunda comunhão de interesses. Bem depressa passaram a fazer também seu o desejo de fazer parte de um novo concelho, que sentissem mais próximo e, ao mesmo tempo, mais capaz de atender à sua vida e à resolução dos seus problemas. Da junção das duas vontades nasceu o projecto de uma nova autarquia, hoje bem expresso no querer inequívoco de muita gente, e assente em realidades territoriais, sociais e económicas bem identificadas e de dimensão indiscutível.
À população das freguesias da Tocha e da Sanguinheira, actualmente incluídas no concelho de Cantanhede, corresponde, assim, um sentimento comum em favor da criação de um novo município, consciente como está de que a sua irmanação e integração num esforço comum lhes permitirá um melhor aproveitamento das suas condições naturais, em ordem ao progresso e a um melhor bem estar sócio-económico de todos.

Requisitos geodemográficos

À data do recenseamento geral da população em 1991 foram contados nas duas freguesias 6538 habitantes. O número de eleitores é hoje de 5294, o que traduziria um ratio eleitor/habitante de 0,81, excessivo para o que é habitual. Pode, assim, depreender-se que o número de habitantes registou um aumento nos últimos anos correspondente ao dinamismo económico entretanto verificado. Esse aumento é, além disso, acompanhado por um acréscimo sazonal de milhares de pessoas que fazem da praia da Tocha a sua segunda residência nos meses de Verão e aos fins-de-semana. A atractividade total da Tocha (praia, campismo, turismo, feiras, etc.) pode medir-se pelo número de dormidas registadas em média nos últimos anos, o qual, sendo superior a 60 000, representa um acréscimo médio diário de mais de 160 habitantes.
A população distribui-se pelos lugares de Tavaredes, Carreiros, Moita, Frexes, Escoural, Sanguinheira, Feitoso, Lagoa Alta, Lombo Folar, Palhagueira, Pedras Ásperas, Córrego do Encheiro, Gesteira, Grou, Taipinas, Casal dos Netos, Lagoa Negra, Fervença, Recachos, Pereirões, Inácios, Caetanas, Bracial, Lagoa dos Bois, Berlengas, Fonte de Martel, Casal do João, Queixada da Raposa, Poueiros,

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Barrins, Escoural, Caniceira, Cochadas, Catarinões, Praia da Tocha e Vila da Tocha.

Área da futura circunscrição

A área da futura circunscrição é de 106,56 Km2.

Actividade económica

Para além de cerca de uma centena de pequenas e médias empresas dos sectores industrial, comercial e de serviços e de várias centenas de empresas agro-pecuárias de características familiares e de actividades empresariais e de serviços ligadas à actividade agrícola, é de registar a existência das seguintes unidades, a maior parte situadas na sede do futuro município:

a) Indústria:
- Uma das mais importantes unidades de transformação da Lactogal, o maior grupo empresarial do sector leiteiro da Península Ibérica;
- Uma torrefacção de oleaginosas (amendoim);
- Uma unidade de fabricação de materiais de betão, Soplacas, pertencente ao grupo Scancem;
- Uma fábrica de divisórias, tectos falsos, etc. (Placocentro);
- Uma unidade de piscicultura (Stolt Sea Farm);
- Diversas serrações e unidades metalomecânicas;
- Uma zona industrial de 100 hectares, recentemente aprovada.
b) Serviços:
- Cooperativa Agrícola da Tocha;
- Cinco agências bancárias;
- Quatro agências de companhias de seguros;
- Duas farmácias;
- Três casas de espectáculos;
- Uma escola de condução;
- Um jornal;
- Uma agência de viagens e aluguer de veículos;
- Três postos de abastecimento de combustível;
- Um supermercado.
c) Hotelaria e turismo:
- Feiras bimensais e os mercados dominicais na vila da Tocha;
- Um mercado dominical na Sanguinheira;
- Uma unidade hoteleira com a classificação de quatro estrelas, com 60 camas, piscina e court de ténis e uma taxa de ocupação média anual de 90%;
- Praia da Tocha, cuja recuperação foi encetada com êxito há alguns anos, com centenas de habitações quer unifamiliares quer em propriedade horizontal;
- Parque campismo com capacidade superior a 500 utentes;
- Várias lagoas naturais, das quais se destacam, pela sua dimensão e beleza, a Lagoa dos Teixoeiros e Lagoa da Salgueira.

Equipamentos

As duas freguesias detêm em conjunto os seguintes equipamentos das áreas da administração, da saúde, da educação, da religião, da assistência social, da cultura e do lazer:
- Uma estação de correios;
- Uma secção de bombeiros;
- Dois postos da GNR;
- Um centro de medicina física e reabilitação da região centro - Hospital Regional Rovisco Pais (150 camas e 350 funcionários);
- Uma extensão de saúde dimensionada para 10 000 utentes;
- Três clínicas dentárias.
- Três cemitérios;
- Sete escolas do 1.º ciclo;
- Uma escola EB 2,3 e secundária.
- Duas igrejas matrizes e quatro capelas católicas;
- Duas igrejas protestantes;
- Dois jardins de infância;
- Um estabelecimento de assistência à terceira idade com capacidade para 150 idosos;
- Seis centros sociais de recreio e cultura;
- Um estádio de futebol;
- Um pavilhão gimnodesportivo;
- Um court de ténis.

Ambiente

O abastecimento de água ao domicílio abrange todas as povoações das duas freguesias. O saneamento básico cobre a vila da Tocha e a Praia da Tocha, sendo o sistema de cada uma destas povoações servido por uma ETAR. A ETAR que trata os efluentes da vila da Tocha trata igualmente os provenientes da indústria aí localizada.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do CDS-PP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º

É criado o município da Tocha, no distrito de Coimbra, com sede na vila da Tocha.

Artigo 2.º

O município da Tocha abrangerá a área das freguesias da Tocha e da Sanguinheira.

Artigo 3.º

A Assembleia da República, através da competente comissão parlamentar, procederá à instauração do processo tendente à efectivação do estabelecido no presente diploma, de harmonia com as disposições da Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/99, de 16 de Junho.

Assembleia da República, 19 de Julho de 2002. Os Deputados do CDS-PP: Telmo Coreia - Acílio Gala - Nuno Teixeira de Melo.

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PROJECTO DE LEI N.º 116/IX
DEFINE AS BASES DA ESTRATÉGIA DE PREVENÇÃO DA TOXICODEPENDÊNCIA E DE SEPARAÇÃO ENTRE DROGAS DURAS E DROGAS LEVES

Exposição de motivos

I - Narcotráfico: um negócio protegido

Ao fim de nove décadas de proibição e repressão do consumo de estupefacientes os resultados estão à vista de todos: a toxicodependência afecta de forma grave a sociedade, quer pelas suas consequências ao nível da saúde pública quer pela criminalidade associada ao preço inflacionado das substâncias, em virtude da proibição em vigor. No nosso país, pelo menos, 17,4% da população entre os 15 e 64 anos já consumiram algum tipo de droga (Notícias IPDT, 2, Junho de 2002).
Apesar do forte investimento no aparelho repressivo dos Estados, a produção e o tráfico de drogas movem cada vez mais dinheiro e interesses. A fronteira entre este negócio ilegal e a aplicação dos lucros em actividades respeitáveis é já inexistente, dada a liberdade de movimentos dos capitais, a existência de off-shores e o segredo bancário que pode proteger os narcotraficantes e pode dificultar as investigações às suas operações bancárias.
Hoje em dia os mercados financeiros vivem em paredes-meias com investimentos resultantes do mercado ilegal das drogas, o que gera efeitos perigosos. Diz o documento que define a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga, aprovado em Conselho de Ministros do anterior governo, no seu ponto 4, que "a própria dimensão do negócio ilícito da droga e a sua penetração obscura na economia legal ameaçam a estabilidade das economias e dos mercados financeiros". Por exemplo, a crise financeira japonesa foi agravada pelo crédito malparado de 800 biliões de dólares da mafia yakuza, que deixou vários bancos à beira da insolvência. Durante o boom económico dos anos 80, e aproveitando o ambiente especulativo, esta organização criminosa reinvestia os proveitos do seu negócio na construção civil e no sector imobiliário em geral, nomeadamente através de sociedades de empréstimos imobiliários.
A economia paralela que representa hoje o comércio ilegal de drogas não pode ser facilmente substituível. É o ex-director do Observatório Geopolítico das Drogas, actual consultor da União Europeia para o assunto, Alain Labrousse, quem calcula que dos lucros do mercado mundial de drogas cerca de 90% são investidos nos países ricos e apenas 10% nos países produtores. O mesmo autor não esquece que desde 1989, o ano em que as grandes potências ocidentais anunciaram medidas drásticas contra o narcotráfico e o branqueamento de capitais, mas que foram insuficientes e incoerentes, a produção de narcóticos duplicou.
A produção de drogas ilegais é hoje em dia uma das indústrias mais lucrativas à face do planeta, motivando e organizando um poderoso tráfico internacional que é protegido pela regra da clandestinidade. Em 1997, segundo a Interpol, o comércio de drogas valeria 400 biliões de dólares, distribuídos na proporção de 90% para o traficante, 6% para o agricultor, 2% para o comerciante da matéria-prima e outros 2% para os responsáveis pela transformação do produto.
Entretanto, o consumo está generalizado nas sociedades modernas, que legalizaram e generalizaram algumas drogas no passado (cafeína, teína, etc.) e ilegalizaram outras, algumas das quais foram legais no passado (morfina e cocaína), como outras que foram produzidas mais recentemente pela indústria química (a heroína, o LSD, e os estimulantes anfetamínicos, por exemplo). Hoje em dia uma parte significativa da juventude e da população tem ou teve alguma experiência com estas drogas. A dependência extrema que algumas delas criam torna-se assim um mercado reservado e extremamente vulnerável, presa dos traficantes e das teias de corrupção que apadrinham o negócio das drogas.
A criminalidade que resulta desta situação tem-se agravado sintomaticamente nos últimos anos em todos os países. A política proibicionista e a solução repressiva têm gerado, tem facilitado e tem protegido a clandestinidade do tráfico, a manipulação criminosa da qualidade das drogas, a violência e criminalidade que estão associadas à dependência e a inconsciência da sociedade sobre o problema. A política proibicionista não pode ser considerada uma solução para o problema da droga: de facto, é parte integrante do próprio problema e é cúmplice do seu agravamento.
Novas tendências do tráfico e do consumo:
Por outro lado, a definição de uma actuação terapêutica ou preventiva a partir da mera distinção entre drogas legais e ilegais é um erro, e um erro perigoso, não apenas porque canaliza os esforços para uma repressão inconsequente, mas sobretudo porque coloca num segundo plano de perigosidade as substâncias actualmente vendidas no mercado legal. Como alerta o relatório do Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) das Nações Unidas, apresentado em Janeiro de 1999, uma das preocupações centrais deste organismo é actualmente a subida do consumo de metilfenidato, um estimulante usado para tratar problemas de falta de atenção das crianças. Esta subida representa uma duplicação das vendas em mais de 50 países, sendo que nos Estados Unidos este estimulante é receitado a bebés com um ano de idade.
Depois do boom das últimas décadas, a produção de cocaína e heroína parece ter estabilizado, a avaliar pelas estatísticas publicadas e pelas apreensões feitas. Segundo a Interpol, 200 milhões de pessoas usam casual ou regularmente drogas ilegais - destes, 140 milhões consomem cannabis, 30 milhões usam estimulantes de tipo anfetamínico, 13 milhões cocaína e oito milhões heroína (dos quais dois milhões vivem no Paquistão). Este organismo policial calcula ainda que se produzem anualmente cerca de 5000 toneladas de ópio, 450 toneladas de heroína e 800 toneladas de cocaína. A quantificação é mais difícil no caso dos estimulantes, tranquilizantes e também da cannabis, com 3500 toneladas apreendidas em 1997. Já se vê que as políticas meramente assentes na repressão não têm razões para festejar: estas drogas estão a conquistar novos mercados e até nos países de maior consumo vêem o seu lugar ameaçado pela nova vaga de drogas sintéticas (ecstasy e derivados anfetamínicos).
As redes de traficantes acompanham os novos tempos, modernizando a tecnologia empregue, diversificando a oferta e aproveitando a desregulamentação dos mercados financeiros para reinvestir os lucros em negócios fora da clandestinidade, o que vem tornar cada vez mais ténue a fronteira que separa economia legal e ilegal.
Deste modo, o mapa tradicional do tráfico de drogas ilegais mudou consideravelmente nos últimos anos. Não que os países produtores tenham deixado de o ser, mas as rotas do tráfico disseminaram-se por quase todo o globo, ao

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ponto da Comissão de Narcóticos do Conselho Económico e Social das Nações Unidas considerar toda a África como uma região de trânsito. Alguns países produtores, cujas circunstâncias tinham mudado nos últimos anos prejudicando a produção, voltam entretanto a produzir heroína, como é o caso do Afeganistão. O relatório aprovado em Viena em Março de 1999 dá outros exemplos deste fenómeno, como a expansão dos circuitos de tráfico a todo o continente americano e a cada vez mais complexa rota balcânica, que envolve novos países.
A Europa continua a ser a maior zona de destino de heroína, embora o mercado dê sinais de saturação, com a estabilização - e mesmo o recuo, em certos países - do consumo. Várias razões são apontadas para esta tendência aparente. O Observatório Geopolítico das Drogas (OGD) sugere que este fenómeno diz apenas respeito às comunidades marginalizadas, que consomem heroína injectada. Por outro lado, desenvolve-se um novo mercado de consumo por parte de cidadãos integrados socialmente, que fumam heroína com elevado grau de pureza, sem a ocorrência de crime associado ao consumo ou recurso aos serviços de saúde. Mantendo-se fora das estatísticas oficiais, o perfil destes consumidores só é conhecido pelos seus fornecedores.
Os novos mercados da heroína mostram a mudança no funcionamento das redes do narcotráfico. Os Estados Unidos - que representam o segundo maior destino mundial - continuam a braços com o aumento do consumo, no momento em que as redes latino-americanas que abastecem o país de cocaína vão ganhando terreno na distribuição de heroína. Segundo dados publicados pela Interpol, a heroína mexicana representa já 5% do mercado total norte-americano. Da mesma forma, já não é novidade a apreensão em solo europeu de heroína produzida na Colômbia. O relatório do OGD referente a 1998 alerta para o facto deste politráfico não se restringir apenas às drogas ilegais, mas a tudo o que tem procura e margens de lucro generosas: é o caso dos materiais nucleares na Rússia e na Turquia; das armas nos Balcãs e em África; dos cigarros na Europa, Ásia ou América Latina; dos automóveis roubados na Europa de Leste ou Médio Oriente; ou dos imigrantes ilegais para a Europa ou Estados Unidos.
O fracasso da política de "guerra à droga":
Durante anos a política oficial sobre toxicodependência resumia-se a um apelo belicista: a "guerra às drogas" devia conduzir a uma sociedade sem drogas. O resultado foi um fracasso catastrófico. Como explicava recentemente uma das grandes revistas científicas de referência no campo da medicina, The Lancet:
"É compreensível que os americanos tenham dúvidas sobre a "guerra às drogas". Desde os anos 70 os USA gastaram biliões de dólares num esforço essencialmente fútil para parar o influxo de drogas, aprisionaram centenas de milhares de homens e mulheres, impondo a muitos homens e mulheres longas sentenças de prisão por ofensas menores, e gastaram biliões em campanhas de escasso impacto através dos média e do sistema de educação. Se bem que os apoiantes desta abordagem agressiva argumentem com o facto de que o uso de drogas nos USA foi reduzido desde os seus picos dos finais dos 70 e 80, o abuso de drogas ilegais e de drogas prescritas é ainda difundido e manteve-se essencialmente sem alterações nos últimos anos. Parece assim que esta abordagem, se pode ser creditada pela diminuição do uso de drogas, está esgotada." (editorial de 31 Março de 2001).
Continua o mesmo editorial do The Lancet:
"A alternativa é tratar o abuso de drogas como um problema de saúde pública. Tal abordagem exige o redireccionamento de muitos dos recursos legais actualmente em uso. O acesso ao tratamento, por exemplo, deve ser muito ampliado. Tem sido calculado que somente um em cada quatro das pessoas que necessitam de tratamento a dependência do álcool e drogas tem acesso aos programas nos USA. Assim, é necessário um grande aumento na despesa com os tratamentos, e deve ser aprovada legislação exigindo às seguradoras privadas que cubram adequadamente as despesas com tratamento por toxicodependência. (...) Finalmente, é necessária mais investigação para compreender a biologia, a psicologia, e a sociologia do abuso de drogas. Obviamente, isto será um esforço enorme, e que exigirá muita coragem política. Mas estudo atrás de estudo tem vindo a demonstrar que o tratamento e a prevenção ajudam muito mais pessoas a um custo muito menor do que as medidas correntes. É tempo de que a América ultrapasse a sua cruzada moral e adopte uma abordagem de saúde pública para o problema do abuso de drogas, uma abordagem que é muito mais provável que seja bem sucedida e que será certamente mais humana."
Ora, o problema dos Estados Unidos é sensivelmente o mesmo que se vive na Europa, e foi essa tomada de consciência que determinou alterações significativas na abordagem dominante. Em Portugal a nova política para a toxicodependência constitui uma das mais importantes decisões da anterior legislatura, decidindo privilegiar o tratamento do toxicodependente em detrimento das políticas criminalizadoras então em vigor.
Essa nova política de descriminalização do consumo respondia a uma necessidade e a uma urgência. Ao conduzir a questão da toxicodependência à autoridade policial, judicial ou prisional, as políticas anteriores condenavam-se à incompetência e inoperacionalidade, tendo como único resultado o aumento da população prisional e tendo efeito nulo em termos de prevenção, de redução de riscos ou mesmo de tratamento. Ora, o resultado destas políticas tinha sido que Portugal, em termos relativos, passara a ser o país europeu com maior taxa de incidência da toxicodependência e, entre os toxicodependentes, de maior grau de contaminação por doenças infecto-contagiosas. Era urgente adoptar outras políticas mais eficientes.
Por isso, a nova política de descriminalização do consumo foi geralmente aceite por técnicos, terapeutas, comunidades, doentes e famílias, apesar do protesto da direita que anunciou um referendo para o qual depois não conseguiu suficiente apoio popular. A população portuguesa entendeu, aceitou e apoiou esta nova orientação que procura tratar a toxicodependência como uma doença e não como um crime.
Ao longo do período de aplicação da nova legislação, verificou-se que esse consenso maioritário tornava necessário aplicar novas medidas, nomeadamente no âmbito da prevenção e redução de riscos. Nesse sentido, o Bloco de Esquerda levou a discussão em plenário da Assembleia da República, em 2001, um projecto de criação de salas de injecção assistida. Pretendia-se, com a aprovação dessa medida, evitar as overdoses e a contaminação dos toxicodependentes

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por doenças infecto-contagiosas e ainda facilitar o acesso a informação e a programas de tratamento. A bancada então maioritária opôs-se a esta legislação usando o argumento circunstancial de que o governo a iria adoptar a breve prazo: pouco tempo depois, o governo aprovou o Decreto-Lei n.º 183/2001, que adoptou essa medida, entre outras, tendo, no entanto, excluído as salas de injecção assistida das cadeias, onde mais eram precisas. Verifica-se agora que esse decreto ficou sem aplicação.
Por todas estas razões, impõe-se retomar e consolidar a política de prevenção e de tratamento da toxicodependência, promovendo uma estratégia de prevenção que seja articulada, multifacetada, coerente e competente na resposta aos grandes problemas.
Ao verificar-se a inutilidade de uma estratégia de prevenção baseada na desinformação ("todas as drogas são iguais") ou na tentativa de criação de pânico ("droga, loucura, morte"), impõe-se, pelo contrário, uma estratégia de informação serena acerca do risco e perigosidade do consumo de drogas, que mobilize os recursos indispensáveis para os programas de prevenção articulada em resposta aos diversos públicos e de tratamento que responda às suas necessidades.
Assim, o Bloco propõe uma orientação e iniciativas para a prevenção da toxicodependência, nomeadamente na definição da rede nacional de instituições públicas e privadas de prevenção e tratamento. Essa orientação conjuga-se com a política de separação entre drogas leves e drogas duras, de tal modo que se retire o comércio de derivados do cannabis do âmbito de actividade dos narcotraficantes e das suas redes de influência. De facto, essa ponte que se pode estabelecer entre os consumos de drogas leves e de drogas duras tem sido um dos instrumentos mais importantes para a extensão da venda ilegal de cocaína e de heroína, entre outras substâncias. Deste ponto de vista, essa medida é um dos pilares mais importantes de uma estratégia de prevenção da toxicodependência.
Tem sido uma das consequências do proibicionismo - só desafiado desde a aprovação da nova legislação sobre toxicodependência em 2000 - a criação da condições que facilitam aos narcotraficantes a instrumentalização de todas as dependências para uma gestão monopolista do mercado, de tal modo que possam impor e generalizar o consumo das drogas que são simultaneamente as mais caras e as que conduzem a uma mais acentuada degradação da capacidade e autonomia individual dos consumidores.
No entanto, a experiência anterior e o fracasso do proibicionismo, como, por exemplo, no caso da proibição do álcool nos Estados Unidos, demonstram categoricamente que um dos instrumentos mais efectivos para tal estratégia é o controlo de um mercado ilegal unificado. Pelo contrário, só se previne separando.
O certo é que o uso das drogas legais está disseminado por todo o mundo, e o seu consumo tem efeitos importantes na saúde pública, sendo por vezes mais grave do que o efeito de drogas ilegais.
As drogas legais e as ilegais:
Os efeitos para a saúde do uso de algumas das drogas legais que estão disseminadas por todo o mundo não são qualitativamente distintos dos das drogas ilegalizadas. Veja-se o caso do álcool ou do tabaco, responsáveis por milhões de mortes todos os anos e para os quais a hipótese de proibição à escala mundial é posta de lado de forma categórica. A Associação Portuguesa de Prevenção do Alcoolismo calculava em 1995 que um em cada 10 portugueses é dependente do álcool, afectando com essa dependência de forma indirecta pelo menos mais uma pessoa em cada 10.
O álcool é directamente responsável pela tragédia que se vive nas estradas portuguesas e nas cenas de violência doméstica em muitos lares. Mas os sucessivos governos desdobram-se em apoios ao sector vitivinícola e fomentam a expansão das rotas de comércio dos vinhos portugueses e a sua produção em massa. Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, de 2 de Novembro de 2000, afirma-se mesmo que "O alcoolismo é a maior toxicodependência dos portugueses", e é verdade. As medidas adoptadas neste campo têm-se limitado a estratégias de prevenção e de informação, bem como de controlo dos preços (impostos sobre o tabaco e álcool, e outras medidas de regulação da oferta) e da qualidade da oferta.
O mesmo se passa com o tabaco, directamente responsável pelas mortes devido a problemas cardiovasculares ou pelo cancro do pulmão. Apesar da cruzada moralista que, tal como no princípio do século em relação às drogas hoje ilegais, faz hoje o seu caminho nos Estados Unidos, parece estar ainda longe um cenário de proibição. Mas é curioso ver os seus opositores argumentarem contra a proibição do tabaco com um discurso que se aplica na perfeição contra os efeitos proibicionistas em relação às drogas hoje legais.
A hipocrisia que serve de base a esta duplicidade de discursos não pode ser separada do poder económico que suporta cada um dos negócios que aqui se discutem. É evidente que para os lobbies dos produtores do álcool e do tabaco interessa manter a imagem da perigosidade associada ao estatuto legal: umas drogas serão condenáveis porque ilegalizadas, outras serão negócios a favorecer porque são legalizados. Enquanto assim for a sociedade vai continuar a ser encaminhada para utilizar as drogas legais de que dispõe sem ser alvo de condenação, e as formas de evasão continuarão a estar condicionadas pelas drogas toleradas pelo sistema, beneficiando com isso o próprio Estado, através dos impostos sobre o tabaco e o álcool, e lucrando as empresas que as produzem e comercializam, mesmo que os efeitos em termos de saúde pública sejam graves.
Existe ainda uma outra categoria de drogas legais, que inclui, aliás, a utilização controlada de derivados de opiáceos e de outras drogas, que são alguns dos produtos farmacêuticos com venda legalmente controlada em farmácias. Nesse caso, optou-se por regras rígidas que definem o acesso tanto a fabricantes (a indústria farmacêutica) quanto a consumidores (mediante a intermediação de pessoal qualificado do sistema nacional de saúde). É um sistema desse tipo e com esse controlo que o Bloco tem proposto para a distribuição medicamente assistida de heroína a toxicodependentes que não acedam a programas de tratamento. Serve este sistema como referência, porque se demonstrou neste caso que pode a legalização ser completamente compatível com controlo social e com protecção da saúde pública.

II - Uma nova abordagem do problema da toxicodependência

Com a legislação sobre prevenção que é aqui proposta é dado mais um passo no sentido de uma nova abordagem do problema da toxicodependência, assente exclusivamente numa perspectiva de saúde pública, afastando os consumidores

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do circuito clandestino, da marginalidade e das práticas de risco no consumo das substâncias em causa.
Prevenção e articulação dos serviços de saúde:
Uma aposta séria na prevenção, em particular dirigida à juventude, sem moralismos mas com informação acerca dos efeitos de cada substância para a saúde, deve estar no centro desta nova política, nomeadamente aproveitando os recursos e verbas transferidas do aparelho repressivo e do sistema prisional. Neste sentido, subscrevemos a análise feita no relatório da Comissão de Estratégia de Combate à Droga:
"Exige-se uma alteração radical da política de informação relativamente às drogas. A informação deve evitar dois perigos em que frequentemente tem incorrido: o da banalização e o da diabolização. A desvalorização dos riscos que os consumos pressupõem aparece de braço dado com a insistência numa informação desadequada ao contexto e à população-alvo, logo sem credibilidade (ex. cartaz dizendo "defende-te, a droga mata", numa atmosfera de belicismo inconsequente, ou campanhas em tudo semelhantes ao já famoso Just say no, tão do agrado de alguns elementos influentes da sociedade americana). A culpabilização e discriminação sistemática dos toxicodependentes fazem-nos deslizar do estatuto de cidadãos com deveres, direitos e um problema grave a resolver para o de "objectos-problema", cujo afastamento da "parte sã" da sociedade passa a ser um imperativo na tentativa de impedir o "contágio"."
Da mesma forma, é necessária uma maior disponibilidade financeira para os tratamentos de recuperação, sobretudo dos toxicómanos dependentes de heroína e de cocaína. Libertam-se assim as energias para tratamentos mais demorados de pelo menos um ano. A lógica central deste "núcleo duro" do tratamento seriam as comunidades terapêuticas de médio e longo curso - seis meses a um ano - e não como agora as consultas avulsas.
À lógica das desintoxicações-recaídas repetidas opomos o argumento do tratamento mais consequente para os heroinómanos em programas prolongados, com equipas integradas e multidisciplinares, com valências médicas, psicológicas, psicoterapêuticas, sócio-terapêuticas, familiares e comunitárias.
Este sistema só será adequado se for realizado em locais próprios, ligados às estruturas de saúde. O modelo mais adequado deve preservar o que já existe, sem no entanto "invadir" os centros de tratamento com a prescrição de drogas legais ou substitutas, como a metadona.
No caso da distribuição da metadona é importante que o circuito a definir não seja misturado com a actividade dos centros de tratamento. Devem ser criadas estruturas intermédias fora dos Centros de Atendimento a Toxicodependentes (CAT), por exemplo sediados em hospitais públicos ou em locais próprios onde exista um registo informatizado dos utentes - de forma a evitar dosagens repetidas - e elaboração de análises toxicológicas prévias - para evitar overdoses por acumulação com outros opiáceos. Estes centros podem albergar outros programas de substituição para além da metadona e devem ser alargados desde já ao meio prisional, a par da prometida e esquecida proposta de distribuição de seringas no interior das cadeias.
Da mesma forma, as estruturas a criar para efeito de disponibilização de heroína para toxicodependentes devem obedecer às mesmas regras - com registo informatizado e sob vigilância médica, e separadas dos CAT, dos locais de distribuição de metadona e de quaisquer outras soluções que tenham como objectivo o tratamento dos toxicodependentes.
Algumas destas estruturas podem ainda exercer funções de supervisão das chamadas "casas de xuto", que devem ser instaladas desde já nos locais de consumo público, como foi até há pouco o Casal Ventoso. Estas "casas de xuto", instaladas por iniciativa pública e sob controlo médico, permitem prevenir os riscos da actual ilegalidade inerente ao tráfico, que não garante a segurança do consumidor nem a qualidade ou composição da substância a ingerir. Estes locais asseguram condições de higiene, nomeadamente através da distribuição de kits com os materiais necessários ao consumo que existe hoje em dia à vista de todos os que vivem ou passam pelas zonas e bairros de consumo.
Outro exemplo é o de a introdução do plano de troca de seringas nas prisões - há vários anos em curso em várias cadeias do vizinho Estado espanhol, sem que a segurança dos guardas tivesse sido posta em causa por isso. Já em Abril de 1999 dizia o então Provedor de Justiça, Meneres Pimentel:
"Entendo que, sem prejuízo do combate à entrada e circulação de droga nas prisões, e tendo presente os números de toxicodependentes e da incidência de doenças infecciosas nas prisões, a par de um juízo de prognose quanto à sua evolução, se deveria proceder à realização de estudos sobre a criação, nos estabelecimentos prisionais, de instalações próprias para a administração pelos reclusos toxicodependentes de droga por via endovenosa, dispondo de material esterilizado e de assistência médica adequada, com sistema de recepção de seringa à entrada do compartimento contra a sua devolução à saída, tendo em vista a redução dos riscos, actualmente alarmantes, de infecção em meio prisional resultante da partilha de seringas." (30 de Abril de 1999, intervenção no IX.º Colóquio sobre "Atitudes, Comportamentos e Toxicodependência", promovido pelo PROSALIS).
No mesmo sentido, o Bloco de Esquerda defende a importância da criação de salas de injecção assistida nas prisões, a serem criadas com as necessárias medidas de segurança.
A criação e desenvolvimento de centros de tratamento livres de drogas devem ser outra das prioridades do sistema. Nestes centros, que podem coincidir com os actuais CAT, os toxicodependentes podem atravessar uma fase de desintoxicação com uso de medicamentos, seguindo-se uma outra fase com uso de antagonistas opiáceos e, em complemento ou alternativa, a psicoterapia. Para além destes centros é igualmente urgente alargar a rede de comunidades terapêuticas estatais que recorram predominantemente ao uso da psicoterapia. Pela simples razão de que hoje em dia não existe essa rede - funcionam apenas duas comunidades terapêuticas do Estado português, com 40 camas no total -, trata-se de uma reivindicação básica para que o tratamento seja encarado como uma prioridade.
Outro problema decisivo é a incidência da toxicodependência na geração de comportamentos criminosos. Actualmente, mais de dois terços da população prisional está condenada por pequenos crimes associados aos preços inflacionados das drogas ilegais. Ao encaminhar o toxicodependente para programas de acompanhamento com prescrição

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médica ou de tratamento, a política proposta neste projecto de lei procura igualmente avançar na resposta ao drama nas prisões portuguesas.
Portugal com voz própria nos foruns internacionais:
Ora, com as medidas já adoptadas em Portugal e com as que agora são propostas, avança-se no sentido de uma nova abordagem do problema da toxicodependência, assente exclusivamente numa perspectiva de saúde pública, procurando afastar os consumidores do circuito clandestino, da marginalidade e das práticas de risco no consumo das substâncias em causa.
Por outro lado, Portugal deve assumir uma responsabilidade maior no debate internacional sobre toxicodependência e controlo de estupefacientes. Ao tomar a iniciativa de deixar de considerar o consumidor de drogas como um criminoso e de separar os mercados das drogas, o Estado português não abandonará a cooperação internacional no combate ao tráfico ilegal, antes mostra que a melhor forma de vencer esse combate é acentuar a prevenção, criar programas de tratamento que seja eficientes e retirar o mercado ao narcotráfico, orientando predominantemente o esforço repressivo para a identificação das transações de capitais suspeitas e dos circuitos do narcotráfico, nomeadamente as que envolvem branqueamento de capitais e a sua posterior introdução em actividades lícitas, e para a apreensão das drogas ilegais. Ao mesmo tempo, sublinha-se assim que os sistemas nacionais de saúde se devem qualificar para responder a este problema epidémico.
Neste contexto, os organismos que representam o país nos fóruns internacionais sobre o tema devem procurar aprofundar o debate sobre as políticas alternativas à repressão do consumo, no sentido de estabelecer pontes e dar apoio, com base na recente experiência portuguesa, aos países que renunciem igualmente a uma prática proibicionista repressiva sobre o consumidor. Essa política deve ser substituída porque, a par dos trágicos efeitos para a saúde pública e para a vida de milhões de pessoas, vem desresponsabilizando os Estados e as sociedades do seu papel na prevenção da dependência de substâncias legais, por vezes indutoras de efeitos bem mais gravosos desse ponto de vista, e cuja permanência no mercado legal não é posta em causa. Não há prevenção eficiente com base na hipocrisia da promoção de drogas legais que são bons negócios e da proibição de drogas ilegais que também continuam a ser bons negócios. E não há prevenção suficientemente eficiente quanto ao uso e abuso de drogas ilegais, pela muito simples razão de que todo esse consumo se exclui da visibilidade social e ocorre num contexto de clandestinidade e reserva que o coloca à margem de qualquer campanha de informação dirigida.
O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, na sua nota 2, de Abril e Maio de 2002, regista, aliás, que o caminho que o país adoptou depois da descriminalização do consumo de droga tem vindo a ser seguido - ou já era desenvolvido - noutros países europeus, e que tal orientação é consonante com os tratados internacionais:
"1 - As convenções das Nações Unidas sobre droga deixam espaço de manobra para que os países controlem como melhor entenderem a posse ilícita de droga para consumo pessoal, sem definirem rigidamente sanções específicas.
2 - Na UE a legislação que regula o consumo pessoal de droga varia de país para país. Nalguns países, as sanções previstas incluem penas de prisão; noutros, a posse para consumo pessoal foi descriminalizada nos últimos anos. (…)
3 - Na maioria dos Estados-membros os tribunais tendem agora a aplicar sanções não penais ao consumo e posse de droga."
E nas conclusões desta nota insiste-se em que a política criminalizadora não deve abranger a penalização do consumo, mas somente o tráfico:
"A filosofia subjacente à Convenção de 1988 das Nações Unidas e a disposição que estipula que a detenção de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas para consumo pessoal deve ser tipificada como infracção penal relacionam-se mais com o combate ao tráfico internacional de droga do que com a criminalização dos consumidores de droga. (…) No caso do consumo e posse de droga, a maioria dos Estados-membros recorre a mecanismos que permitem evitar a aplicação de sanções penais a uma elevada percentagem dos consumidores detidos."
Verifica-se assim que as linhas de força da nova legislação portuguesa, adoptada em 2000, correspondem ao movimento dominante na União Europeia. Não se justificava, assim, o movimento de repulsa e de reposição da situação anterior, que o PSD e o PP procuraram gerar na sociedade portuguesa, e que, aliás, abandonaram quando abdicaram da proposta de realização de um referendo para repor a situação anterior, de criminalização do consumidor de droga.
O comércio passivo dos derivados de cannabis:
No que respeita à alteração ao Decreto n.º 61/94, que regulamenta a Lei n.º 15/93, ela justifica-se pela nova abordagem da questão da toxicodependência que se impõe ao fim de nove décadas de proibicionismo e de sete anos de vigência daquela lei.
Com esta alteração, é dado o enquadramento legal à separação dos mercados das drogas, através de instituição do comércio passivo das substâncias incluídas na tabela I-C, sujeito às regras, ao controlo e à fiscalização dos organismos competentes por lei.
Pretende-se ainda operar uma separação de mercados entre as substâncias inscritas na tabela I-C (cannabis e seus derivados) e as restantes, dado que o consumo das primeiras não se encontra directamente associado a efeitos despersonalizantes e acarreta iguais ou menores riscos para a saúde pública do que outras substâncias legais, como o álcool ou o tabaco. Tendo-se consciência de efeitos nocivos associados ao seu consumo, sobretudo em doses importantes, pretende-se prevenir através da informação e da capacidade de decisão das pessoas, que constituirá sempre o critério determinante de uma prevenção eficaz.
O comércio passivo dos derivados da cannabis visa suprimir as regras que no comércio actual constituem um encorajamento à produção, venda ou consumo. Os seus princípios fundamentais opõem-se às características do comércio ordinário, da livre concorrência, da liberdade do comércio e indústria, de modo a privar a rede de distribuição de toda a agressividade comercial.
A exclusão das regras de direito de concorrência passa pela criação de um controlo da produção, importação e distribuição de cada tipo de droga. Atributos essenciais do comércio tradicional são assim recusados ao distribuidor de substâncias controladas. É o caso do direito da propriedade das marcas e do direito ao símbolo que permite a fixação de uma clientela. A recusa do reconhecimento de marca

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justifica-se pelo facto de a marca comercial ser actualmente um poderoso meio de promoção de produtos. Isto vale não só para a publicidade comercial, inconcebível para os produtos deste tipo, como também para outras formas de propaganda directa (promoção, marketing...) ou indirecta (patrocínio, mecenato...) utilizados nos media.
O comércio passivo das drogas leves pressupõe uma política de preços que exclua as drogas comercializadas do índice de preços. Esta exclusão permite agir sobre a oferta e a procura sem outros constrangimentos que não sejam os imperativos sanitários. Do lado da oferta, uma política de venda a preços estudados permite eliminar os traficantes do mercado lícito. Do lado da procura, uma fixação hábil dos preços permite orientar os consumidores para os produtos menos nocivos. É contudo claro que o comércio passivo, mesmo que alargado numa segunda fase a outras substâncias, não vem resolver o problema da toxicodependência, na medida em que não fornece soluções aplicáveis ao consumidor abusivo. São por isso necessários princípios anexos de prevenção e de reparação dos custos sociais. Estes princípios são a informação aos consumidores e a tributação do custo social da droga.
Este projecto de lei contempla a possibilidade de se prever num momento futuro a inclusão de algumas substâncias da tabela II-A no sistema de comércio passivo ou em sistema análogo, o que se justifica pela insuficiência de conhecimentos e de debate científico acerca das substâncias em causa, e mais concretamente do seu efeito na saúde a longo prazo.
Tem sido esta a orientação defendida por muitos profissionais de saúde associados ao tratamento de toxicodependentes, mas também de outros intervenientes nos processos sociais da toxicodependência. O Dr. Carlos Rodrigues Almeida, Juiz de Direito na 4.ª Vara Criminal, em Lisboa, publicou recentemente um estudo sobre Uma abordagem da política criminal em matéria de droga, que argumenta no mesmo sentido:
"Se é a vida, a saúde e a liberdade do consumidor, a segurança das pessoas em geral e o integral desenvolvimento da infância e juventude que constituem os bens jurídicos e os bens jurídico-penais dignos de tutela, a intervenção do Estado deve procurar salvaguardar tais interesses recorrendo ao direito penal apenas se e na medida em que existir carência de tutela penal, ou seja, na medida em que a criminalização dos comportamentos se torne necessária e seja adequada ao fim em vista, não provocando efeitos secundários intoleráveis.
Nesse sentido há, em primeiro lugar, que analisar a susceptibilidade de lesão daqueles interesses que cada uma das substâncias actualmente incluídas no conceito de droga representa a fim de, em função dessa avaliação, delinear a política concreta para cada uma, que pode e deve ser diversa consoante o diferente grau de danosidade da substância.
Penso que algumas das substâncias actualmente sujeitas a controlo, de que a cannabis é um exemplo paradigmático, não representam um perigo para aqueles bens jurídicos de molde a justificar a intervenção do direito penal, pelo menos quando o seu consumo seja feito por maiores e em privado.
Não obstante saber que ainda subsiste alguma polémica nos meios científicos sobre os efeitos do consumo dos derivados da cannabis, parece-me relativamente segura a afirmação que ele não é susceptível de pôr em perigo a vida e, se comparado com o consumo de álcool e de tabaco, as consequências para a saúde dos consumidores e para a segurança das populações não são mais gravosas do que as destas substâncias, sendo a dependência que gera, a existir, apenas psíquica e em grau moderado.
Também não justifica a intervenção penal a ideia de que o consumo dos derivados da cannabis constituiria um primeiro passo numa escalada da droga. Se é verdade que muitos dos consumidores de heroína consumiram em momentos anteriores derivados da cannabis, também é verdade que consumiram e consomem álcool e tabaco, não sendo por isso que estas substâncias são ilegalizadas. É, por outro lado, seguro que a grande maioria dos consumidores de derivados de cannabis nunca evoluíram para o consumo de heroína. Se nesta sede os derivados da cannabis apresentam especificidade, ela apenas deriva da ilicitude que está associada ao seu consumo.
Por tudo isto parece preferível legalizar e controlar o cultivo, fabrico, transporte, comercialização e consumo de tais produtos, garantindo a sua qualidade e, no caso dos canabinóides, o seu teor de THC, promovendo, em simultâneo, campanhas de sensibilização das populações, e em particular da juventude, no sentido de defenderem a sua saúde e recusarem o consumo de qualquer substância psicoactiva, mas deixando à livre opção de cada um a decisão final. De resto é sempre preferível um consumo legal e em privado, socialmente integrado, que evite o abuso, a um consumo clandestino ou semiclandestino, gerador de segregação e susceptível de penalização.
Quanto a estas substâncias, a intervenção do direito penal deveria cingir-se à punição das transacções efectuadas fora do circuito legal estabelecido, nomeadamente da venda a menores. Proibidos ficariam também todos os actos de promoção do consumo, em especial a publicidade."
É essa a opção estratégica seguida por este projecto de lei.
Em consequência, é necessário impor a separação dos mercados de drogas leves e duras, através de instituição do comércio passivo e sob autorização municipal das drogas leves, sujeito às regras, ao controlo e à fiscalização dos organismos competentes, e uma política de prevenção, de combate ao narcotráfico e de tratamento dos toxicodependentes que decorra dessa separação.
O comércio passivo dos derivados da cannabis contrapõe-se às regras que, no modelo típico de comércio, constituem um encorajamento à produção, venda ou consumo de um qualquer produto. Os seus princípios fundamentais opõem-se deste modo às características do comércio ordinário ou da livre concorrência, bem como aos princípios tradicionais da liberdade do comércio e indústria, e deste modo privam a rede de distribuição de toda a agressividade comercial.
A exclusão das regras de concorrência e de promoção publicitária conduz ao controlo da produção, importação, distribuição e forma de comercialização de cada tipo de droga. Certos atributos do comércio clássico são assim recusados ao distribuidor de substâncias controladas. É o caso do direito da propriedade das marcas e do direito ao símbolo que permite a fixação de uma clientela. A recusa do reconhecimento de marca justifica-se pelo facto de a marca comercial ser actualmente um poderoso meio de promoção de produtos. Isto vale não só para a publicidade comercial, inconcebível para os produtos deste tipo, como também para outras formas de propaganda directa (promoção, marketing...) ou indirecta (patrocínio, mecenato...) utilizados nos media.
O comércio passivo das drogas leves pressupõe ainda uma política de preços que exclua as drogas comercializadas

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do índice de preços. Esta exclusão permite agir sobre a oferta e a procura sem outros constrangimentos que não sejam os dos imperativos sanitários. Do lado da oferta, uma política de venda a preços controlados permite eliminar os traficantes do mercado lícito. Do lado da procura, a fixação dos preços permite orientar os consumidores para os produtos menos nocivos. É, contudo, claro que esta separação de mercado não vem resolver magicamente o problema da toxicodependência, na medida em que não fornece soluções aplicáveis ao consumidor abusivo. São por isso necessários princípios complementares de prevenção e de reparação dos custos sociais mesmo no que diz respeito ao abuso do consumo de derivados da cannabis. Estes princípios baseiam-se na tributação do custo social da droga.
Finalmente, esta política permite uma melhor informação aos consumidores sobre a nocividade e o risco das dependências, porque os abrange na actividade socialmente explícita que é o consumo legal.
Esta política é sustentada pelos estudos científicos que estão disponíveis. Em 11 de Novembro de 1995 a revista The Lancet, já atrás citada, tinha publicado um editorial em que afirmava que, face aos estudos realizados, "O consumo de cannabis, mesmo no longo prazo, não é prejudicial à saúde". Três anos mais tarde, reavaliando a tempestade de debates provocados por esta afirmação, a mesma revista voltava a publicar um editorial em que analisava os resultados de um seminário sobre os efeitos de cannabis na saúde pública. Os médicos e cientistas reunidos nesse seminário estudaram efeitos da ingestão de derivados da cannabis, como a irritação dos brônquios, ou avaliaram o risco de acidentes em resultado da intoxicação, discutindo ainda a dependência e possível afecção das capacidades cognitivas com o uso intenso a longo prazo. Estas provas estavam, ao tempo, a ser consideradas por uma Comissão da Câmara dos Lordes, para efeitos de uma recomendação de realização de novas experiências clínicas de aplicação de drogas leves nos casos de esclerose múltipla e dor crónica. A comissão aprovou então a recomendação da reclassificação da cannabis para que pudesse ser eventualmente prescrita pelos médicos.
O editorial desta revista argumentou então, face a tal evidência científica, que, "De acordo com a evidência científica resumida por Hall e Solowij, será razoável considerar a cannabis como menos ameaçadora para a saúde do que o tabaco e o álcool, produtos que em muitos países são não só tolerados e publicitados mas que são também uma fonte útil de rendimentos fiscais. O desejo de tomar substâncias que alteram o comportamento é uma característica duradoura das sociedades humanas em todo o mundo, e mesmo a legislação mais draconiana não conseguiu extinguir esse desejo - porque por cada substância banida será descoberta uma outra, e é provável que todas tenham algum efeito nocivo na saúde. Isto deveria ser considerado pelos legisladores sociais que, condenando as indulgências de outras pessoas, as procuram ilegalizar. Ora essa legislação não se livra do problema, só o transfere para outro lado. (...) Qualificaremos a nossa opinião de há três anos atrás e diremos que, segundo a evidência médica disponível, o uso moderado de cannabis tem escassos efeitos prejudiciais para a saúde, e que as decisões sobre a legalização ou proibição da cannabis deveriam basear-se noutro tipo de considerações" (editorial de 14 Novembro de 1998).
É de assinalar igualmente que em outros países o uso medicinal da cannabis está definido e regulamentado. A 17 de Março de 1999 o Instituto de Medicina dos Estados Unidos apresentou um relatório declarando que a marijuana tem efeitos benéficos para os doentes terminais, em conclusão de um estudo pedido pelo Office of National Drug Control Policy da Casa Branca. Em seis Estados dos EUA, o uso médico de marijuana é autorizado por decisão de referendos. Em 23 Dezembro de 2000, o governo holandês criou uma instituição nacional para determinar o uso médico da cannabis e para estudar o seu efeito terapêutico, instituição que autorizará e coordenará a produção e terá o monopólio da importação e exportação. O Governo do Canadá autorizou entretanto o aumento do número de pacientes que usam cannabis, por exemplo para o controlo da epilepsia, estando a desenvolver um estudo em comunidades de pessoas infectadas por HIV. O Supremo Tribunal de Ontário, em 30 de Agosto de 2000, tinha decidido que o governo devia clarificar as regras sobre drogas, de modo a permitir o uso terapêutico.
A partir desta evolução dos conhecimentos médicos e do sentido de responsabilidade social, consideramos que a legalização do consumo dos derivados da cannabis é a melhor solução para a saúde pública, e que a sua repressão é a pior, facilitando a estratégia dos narcotraficantes.

III - Concretizar uma estratégia de prevenção e tratamento

O relatório da Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga representou um avanço no sentido da sistematização de propostas, reunindo técnicos e especialistas num debate aberto e plural. Este projecto de lei desenvolve o Plano Estratégico ali proposto, e sublinha a sua urgência, defendendo o Bloco de Esquerda como medidas complementares de uma estratégia de prevenção e tratamento, nomeadamente:
- A criação de gabinetes de apoio e centros de abrigo a partir de autarquias e ONG, subsidiadas para tal efeito pelo Estado. Preferencialmente devem articular-se com equipas de rua que desenvolvam trabalho nos bairros de tráfico e junto de toxicodependentes sem abrigo, "arrumadores" e prostitutas/os, com a finalidade de promoverem comportamentos de redução de danos (uso de preservativo, troca de seringas, rastreio de doenças infecto-contagiosas, cuidados sanitários, manutenção de hábitos de higiene, etc.);
- A revisão do actual programa de troca de seringas, procurando identificar as lacunas a nível da cobertura do território e respectivas causas, dando-lhe novo fôlego e, quando necessário, estabelecendo esquemas de troca alternativos - nas estruturas de saúde, nas ONG e com distribuidores automáticos, de forma a que, em todo o país, haja locais de troca acessíveis;
- A implementação nas prisões de uma política de redução de danos que inclua um rastreio sistemático das doenças infecciosas à entrada e periodicamente, o fornecimento de preservativos e a existência de alas livres de drogas. Neste capítulo, pronunciamo-nos tal como vários membros da Comissão pela implementação do programa de troca de seringas no interior dos estabelecimentos prisionais bem como de criação, com as devidas medidas de segurança, de salas de injecção assistida;
- Aperfeiçoar a política informativa, tornando-a mais rigorosa e específica, nomeadamente publicando

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periodicamente os resultados das análises feitas às drogas apreendidas, com especial relevo para as drogas de síntese, informando sobre as situações de risco acrescido de overdose e sobre a perigosidade dos aditivos detectados (produtos de "corte");
- Sensibilizar e preparar os médicos de família para se tornarem os coordenadores de uma estratégia de apoio aos filhos de toxicodependentes que envolva pediatras, psicólogos e departamentos de saúde mental infantil e juvenil, de forma a poderem ser tomadas as medidas de apoio que forem consideradas necessárias;
- Facilitar o acesso gratuito dos toxicodependentes aos meios contraceptivos. Não permitir que o simples facto de ser consumidor ou toxicodependente possa ser motivo - não justificado por razões de segurança - para excluir ou prejudicar alguém na sua actividade laboral ou escolar.
Uma urgência nacional: se é certo que a política de prevenção e tratamento tem feitos grandes progressos em Portugal, o que se confirma pelos dados do IPDT (Relatório de 2001), é igualmente evidente que é preciso um novo impulso para desenvolver a política de prevenção e tratamento da toxicodependência. O número total de consultas no âmbito dos serviços tutelados pelo IPDT subiu de 310044 em 2000 para 352281 em 2001, havendo nesse ano 32064 utentes em tratamento. Ao mesmo tempo, havia 12863 utentes em tratamento de substituição (metadona, buprenorfina e LAAM). Apesar deste esforço, que se verifica abranger ainda uma pequena parte da população toxicodependente, existe ainda um longo percurso a percorrer, a partir da viragem da política operada em 2000.
É para responder a esta urgência nacional que se impõe definir um plano coerente de prevenção e de tratamento da toxicodependência. Tal é a orientação geral que é seguida pelo presente projecto de lei. Assim, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam à Assembleia da República o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
(Objecto)

A presente lei define o quadro da política de prevenção e redução da toxicodependência.

Artigo 2.º
(Objectivo)

O objectivo das medidas adoptadas por esta lei é a coordenação de uma intervenção social, pública e privada, estruturada e sistemática, que garanta a diminuição sustentada da incidência da toxicodependência em Portugal, reduzindo a procura de drogas e a vulnerabilidade dos toxicodependentes em relação aos narcotraficantes, estimulando o combate ao narcotráfico e formando pessoal científico, técnico e profissional que acompanhe e intervenha junto dos cidadãos que sofram de toxicodependência.

Artigo 3.º
(Programas)

A política de prevenção e redução da toxicodependência inclui programas nas áreas seguintes:

a) Prevenção primária do consumo de drogas;
b) Prevenção de riscos e redução de danos;
c) Apoio e tratamento dos toxicodependentes;
d) Formação profissional dos técnicos em toxicodependência;
e) Separação de mercados entre drogas leves e drogas duras.

Capítulo II
Prevenção primária do consumo de drogas

Artigo 4.º
(Prevenção social)

O programa de prevenção primária de consumo de drogas inclui:

a) A política de prevenção geral, baseada na informação pública acerca dos efeitos das drogas e na estratégia de redução dos consumos;
b) Sub-programas específicos de informação sobre as dependências decorrentes do uso das drogas ilegais e do tabaco, do álcool e de medicamentos específicos;
c) Informação e prevenção do uso de drogas e álcool no trabalho, em particular em funções desempenhadas nos sistemas de transportes ou noutros que envolvam responsabilidade sobre pessoas;
d) Sub-programas que respondam a situações de alto risco, em particular na construção civil e entre profissionais de segurança;
e) Informação e prevenção acerca do uso de drogas no desporto;
f) Políticas dirigidas ao envolvimento das família na prevenção, nomeadamente através do desenvolvimento da capacidade parental de comunicação e acompanhamento, informação e apoio, com o devido suporte por parte dos Ministérios da Educação e saúde;
g) Políticas dirigidas ao envolvimento das comunidades escolares e de outras instituições na difusão da informação e na prevenção da toxicodependência entre os jovens, sob a coordenação do Ministério da Educação.

Artigo 5.º
(Prevenção em cooperação com outras instituições)

A política de prevenção da toxicodependência inclui ainda programas especiais desenvolvidos através de instituições como:

a) Prisões, onde a informação sobre os riscos da toxicodependência se dirige a todos os detidos e presos;
b) Instituições de acolhimento de jovens,;
c) Comunicação social, através de protocolos de colaboração entre essas empresas e os organismos responsáveis pela coordenação da prevenção.

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Capítulo III
Prevenção de riscos e redução de danos

Artigo 6.º
(Definição de política de prevenção de riscos e redução de danos)

A política de prevenção de riscos e de redução de danos inclui as medidas que visem evitar a infecção ou re-infecção por doenças infecto-contagiosas de toxicodependentes ou de quem com eles contacte, e ainda evitar os consumos de substâncias estupefacientes em doses que provoquem perigo de vida, e determina as condições de criação e supervisão de salas de injecção assistida, bem como as condições de funcionamento e coordenação das equipas de rua de auxílio aos toxicodependentes.

Artigo 7.º
(Criação de salas de injecção assistida)

1 - Consideram-se salas de injecção assistida as instalações onde seja feito o consumo de estupefacientes por via intravenosa em condições de controlo sanitário e de higiene.
2 - A autorização de abertura das instalações, a verificação das condições sanitárias e de higiene e a definição dos critérios de selecção de profissionais de saúde e outros nestas salas é da responsabilidade da Administração Regional de Saúde da respectiva zona, sob proposta dos municípios ou de associações ou organizações não governamentais, ou ainda de outras instituições públicas, podendo ainda as Administrações Regionais de Saúde tomar a iniciativa da sua abertura se razões de saúde pública assim o aconselharem.
3 - A criação de salas de injecção assistida nas prisões é determinada pelo Ministério da Justiça e a aplicação desta decisão é coordenada com o Ministério da Saúde, salvaguardando as devidas medidas de segurança.

Artigo 8.º
(Condições de utilização das salas de injecção assistida)

1 - Nas instalações da sala de injecção assistida é interdita a venda de estupefacientes, a venda, distribuição e consumo de bebidas alcoólicas e a presença de máquinas de jogo.
2 - Todos os materiais necessários ao consumo, com excepção da substância estupefaciente, são fornecidos ao utente em condições adequadas de higiene e, após o consumo, ficam em poder do responsável da sala.

Artigo 9.º
(Supervisão das salas de injecção assistida)

1 - A supervisão e acompanhamento dos técnicos e do funcionamento das salas de injecção assistida são da responsabilidade do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência.
2 - As infra-estruturas dedicadas ao funcionamento das salas de injecção assistida devem igualmente servir para prestar informações aos toxicodependentes facilitando o encaminhamento voluntário para locais de tratamento.

Artigo 10.º
(Equipas de rua)

1 - As equipas de rua no âmbito da política de prevenção e combate à toxicodependência são as equipas multidisciplinares que contactam com os toxicodependentes nos seus locais de habitação ou de consumo frequente, no sentido de promoverem a informação sobre toxicodependência, a inserção no sistema de saúde, a protecção contra a transmissão de doenças infecto-contagiosas e, em geral, o acesso às medidas de prevenção de danos e de redução de risco.
2 - As equipas de rua são constituídas por profissionais cuja qualificação, projecto e intervenção é reconhecida e acompanhada pelo Ministério da Saúde, a quem compete aprovar os seus programas de actuação, que definem a área, os objectivos, o orçamento, o financiamento e as formas de avaliação.
3 - Cada equipa de rua está representada no Conselho Nacional das Equipas de Rua.

Artigo 11.º
(Conselho Nacional de Equipas de Rua)

O Conselho Nacional de Equipas de Rua, cuja composição é definida pelo Ministério da Saúde, tem como funções apresentar pareceres sobre políticas de redução de riscos, determinar os critérios de avaliação dos projectos apresentados para a constituição e acção das equipas de rua e definir o seu quadro de actuação.

Artigo 12.º
(Programa de trocas de seringas)

1 - O Ministério da Saúde coordena o programa de troca de seringas, através de protocolos com as farmácias e outras instituições do sistema de saúde.
2 - A troca de seringas é gratuita, feita sob anonimato e em condições que garantam a redução de riscos entre a população toxicodependente.

Capítulo IV
Apoio e tratamento dos toxicodependentes

Artigo 13.º
(Definição de políticas de apoio e tratamento dos toxicodependentes)

O sistema de saúde cria as condições para o apoio e tratamento dos toxicodependentes, através da intervenção de entidades públicas e, sob supervisão e em protocolo com o Ministério da Saúde, de entidades privadas.

Artigo 14.º
(Centros e comunidades terapêuticas)

O programa de apoio e tratamento de toxicodependentes é desenvolvido pelas seguintes instituições, entre outras:

a) Comunidades terapêuticas que desenvolvem programas de tratamento livres de drogas e que criam as condições de apoio psicológico e médico, incluindo o internamento, para a desabituação da toxicodependência,

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b) Centros de atendimento de toxicodependentes, que organizam prestação de informação e de cuidados de saúde a toxicodependentes e o apoio terapêutico, incluindo o fornecimento de medicamentos e, quando necessário, de terapêuticas de substituição, o internamento, ou o apoio a desintoxicação em meio familiar ou outro.

Capítulo V
Formação profissional dos técnicos em toxicodependência

Artigo 15.º
(Formação de técnicos em toxicodependência)

1 - Os Ministérios da Educação e da Saúde definem a política de formação e os critérios de avaliação de cursos de formação dos técnicos em toxicodependência.
2 - O Ministério da Saúde, através dos organismos especializados no tratamento da toxicodependência, organiza ou colabora na organização de cursos de actualização científica e profissional destinados à comunidade profissional que intervém no tratamento da toxicodependência.

Capítulo VI
Organização das estruturas e programas de prevenção

Artigo 16.º
(Rede pública de prevenção e tratamento da toxicodependência)

Os serviços públicos de combate à toxicodependência são organizados em rede nacional, e coordenados por um Conselho Nacional de Tratamento da Toxicodependência, com composição a definir por lei, competindo-lhe coordenar a execução dos programas de prevenção e tratamento da toxicodependência.

Artigo 17.º
(Conselhos distritais de prevenção e tratamento da toxicodependência)

1 - São formados, nos termos da lei, Conselhos Distritais de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, tendo como função a articulação da rede pública que executa os programas de informação e prevenção primária do consumo de drogas, de prevenção de riscos e de redução de danos, de apoio e tratamento dos toxicodependentes, de formação profissional dos técnicos em toxicodependência, e ainda a cooperação com outras entidades envolvidas no tratamento de toxicodependentes nos termos do artigo seguinte.
2 - Aos conselhos distritais compete ainda, em cooperação com as autoridades municipais ou regionais, definir os planos locais de prevenção da toxicodependência.

Artigo 18.º
(Condições de estabelecimento de protocolos com instituições privadas)

1 - As instituições da rede pública podem definir protocolos de colaboração com instituições privadas para a prossecução dos objectivos de prevenção da toxicodependência e de tratamento dos toxicodependentes, nos termos do número seguinte.
2 - Todos os projectos que dão origem a protocolos com instituições privadas são sujeitos a concurso público, em que podem participar instituições credenciadas pelo Ministério da Saúde no âmbito da intervenção em toxicodependência.

Artigo 19.º
(Avaliação de programas e instituições)

Todos os programas e projectos definidos e financiados no âmbito da política de prevenção e de combate à toxicodependência são submetidos a avaliação pública, nos termos da lei.

Capítulo VII
Separação entre drogas leves e drogas duras

Artigo 20.º
(Define a política de separação entre drogas leves e drogas duras)

É definida a política de separação entre drogas leves e drogas duras e as regras do comércio passivo de drogas leves, nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 21.º
(Definição de droga leve)

Para os efeitos da presente lei, são consideradas drogas leves as substâncias descritas na Tabela I-C da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Artigo 22.º
(Altera o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro)

O artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, é alterado, passando a ter a seguinte redacção:

"Artigo 40.º
Consumo

Quem consumir ou, para seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV em locais não autorizados, fica sujeito ao regime contra-ordenacional da lei em vigor."

Artigo 23.º
(Altera o Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro)

1 - São aditados ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, os seguintes artigos, integrados sistematicamente no Capítulo V, sob a epígrafe "Comércio passivo":

"Artigo 47.º-A
(Definição e autorização para a prática do comércio passivo)

1 - Entende-se por comércio passivo a venda em estabelecimentos autorizados das substâncias inscritas na tabela I-C e nas condições definidas neste diploma.
2 - As autorizações para a prática do comércio passivo são requeridas, nos termos do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro, às câmaras municipais, que são as autoridades competentes para a emissão de tais autorizações.

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3 - Compete à câmara municipal responder ao pedido de autorização no prazo máximo de 60 dias, fundamentando a sua resposta.

Artigo 47.º-B
(Características do estabelecimento autorizado para a prática do comércio passivo)

1 - O estabelecimento deve ter por actividade principal o comércio das substâncias indicadas no artigo anterior.
2 - No estabelecimento é interdito o consumo e a venda de bebidas alcoólicas.
3 - O estabelecimento deve ficar situado a uma distância superior a 500 metros de estabelecimentos de ensino básico e secundário.
4 - No estabelecimento é interdito o uso e a presença de máquinas ou outros instrumentos de jogo.

Artigo 47.º-C
(Publicidade do estabelecimento)

É interdita qualquer forma de publicidade, propaganda, patrocínio e utilização pública de marca associada ao estabelecimento ou a qualquer um dos produtos comercializados ou oferecidos no interior do mesmo.

Artigo 47.º-D
(Regras de comércio)

1 - É interdita a entrada e a presença de menores de 16 anos, bem como a venda ou entrega das substâncias nos termos do disposto no artigo 19.º da presente lei.
2 - A quantidade da substância adquirida por cada cidadão não pode exceder a dose média individual calculada para 30 dias.
3 - Cabe ao INFARMED definir as regras a que deve obedecer o controlo da qualidade das substâncias sujeitas ao comércio passivo, de forma a evitar adulterações e outros factores que possam pôr em risco a saúde pública."

2 - Os actuais Capítulos V, VI, VII, VIII da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, passam, respectivamente, a Capítulos VI, VII, VIII e IX.

Artigo 24.º
(Altera o Decreto Regulamentar n.° 61/94, de 12 de Outubro)

Os artigos 5.º, 9.º, 13.º, 14.º, 15.º, 27.º, 37.º, 38.º, 43.º, 70.º e 79.º do Decreto Regulamentar n.° 61/94, de 12 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto Regulamentar n.º 23/99, de 22 de Outubro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 5.°
(...)

1 - (...)
2 - As autorizações só são concedidas se fundamentadas nas necessidades do País e desde que o uso das substâncias ou preparações seja limitado a fins médicos, médico-veterinários, científicos, analíticos ou didácticos, ressalvadas as excepções previstas nas convenções referidas no artigo 3.° e as substâncias inscritas na tabela I-C.
3 - (...)
4 - A autorização para o início da actividade do estabelecimento previsto no ponto 1 do artigo 47.º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, alterado pela presente lei, depende de parecer favorável da câmara municipal da área onde se situa.

Artigo 9.°
(...)

1 - (...)
2 - (anterior n.º 3)

Artigo 13.°
(...)

1 - Quem pretender autorização para o cultivo de espécies vegetais incluídas nas tabelas I e II, para fins médicos, médico-veterinários, de comércio legal ou de investigação científica, deve requerê-la ao INFARMED.
2 - (...)
3 - (...)
4 - A cultura de espécies vegetais inscritas na tabela I-C em quantidade de acordo com a finalidade exclusiva de consumo próprio não necessita de autorização.

Artigo 14.°
(...)

1 - (...)
2 - (anterior n.º 3)

Artigo 15.°
Extracção e fabrico

1 - Quem, pela primeira vez, pretender autorização para extrair alcalóides de espécies vegetais incluídas das tabelas I-A, I-B e I-C ou para os fabricar por síntese, para fins médicos, médico-veterinários, de comércio legal ou de investigação científica, deve requerê-la ao INFARMED até 31 de Outubro, com referência ao ano seguinte.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - A utilização de substâncias compreendidas nas tabelas I, II-B e II-C pela indústria para fins diferentes dos fins médicos, médico-veterinários, científicos ou de comércio legal só pode ser autorizada se o requerente demonstrar o domínio de técnicas apropriadas de transformação.
7 - (...)

Artigo 27.°
(...)

1 - Salvo o disposto no artigo 47.º-A da Lei n.º 15/93, aditado pela presente lei, só mediante apresentação de receita médica ou médico-veterinária com as especificações constantes dos números seguintes podem ser fornecidas ao público as substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I e II.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)

Artigo 37.°
(...)

É proibida a publicidade respeitante a substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I a IV, com excepção

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de publicações técnicas ou suportes de informação destinados exclusivamente a médicos e outros profissionais de saúde e a comerciantes devidamente autorizados.

Artigo 38.°
(...)

1 - (...)
2 - Os rótulos apostos nos recipientes que contenham substâncias ou preparações compreendidas nas referidas tabelas, destinadas a venda, têm obrigatoriamente a indicação da proveniência e da quantidade, em peso ou em proporção, das substâncias contidas e a denominação comum internacional comunicada pela Organização Mundial de Saúde, para além do que se encontra determinado em outras disposições legais, se for caso disso.
3 - (...)
4 - (...)

Artigo 43.°
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - Ficam isentas do pagamento de taxa ou de quaisquer encargos as pessoas colectivas públicas, bem como os casos previstos no n.º 4 do artigo 13.º.

Artigo 70.°
(...)

1 - O fornecimento de substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I-A, I-B e de II a IV sem receita médica, especial ou normal, constitui contra-ordenação punível com coima de 2500 a 250000 euros.
2 - (...)

Artigo 79.º
(...)

A publicidade, propaganda, patrocínio e utilização pública de marca respeitante a substâncias e preparações compreendidas nas tabelas I a IV e a estabelecimentos autorizados ao seu comércio passivo fora do que se dispõe no presente diploma constitui contra-ordenação punível com coima de 500 a 10 000 euros."

Artigo 25.º
(Adita um artigo ao Decreto Regulamentar n.° 61/94, de 12 de Outubro)

Ao Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro, é aditado um artigo 84.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 84.º-A
Violação das proibições

1 - A venda ou o consumo de bebidas alcoólicas em estabelecimentos autorizados para a prática do comércio passivo, constitui contra-ordenação punível com coima de 2500 a 25000 euros.
2 - O uso ou a presença de máquinas ou outros instrumentos de jogo nos estabelecimentos referidos no número anterior constitui contra-ordenação punível com coima de 2500 a 25000 euros.
3 - A entrada ou a presença de menores de 16 anos ou de doentes mentais manifestos nos estabelecimentos referidos no n.º 1 constitui contra-ordenação punível com coima de 2500 a 25000 euros por cada indivíduo, até ao limite máximo de 100000 euros.
4 - A venda de substâncias ao mesmo cidadão excedendo a dose média individual calculada para 30 dias constitui contra-ordenação punível com coima de 2500 a 25000 euros.
5 - A tentativa é punível.
6 - Com a aplicação da coima, podem ser aplicadas as sanções acessórias previstas na lei geral."

Artigo 26.º
(Revoga artigos do Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro)

São revogados o n.º 2 do artigo 9.º, os n.os 2 e 4 do artigo 14.º e o n.º 4 do artigo 16.º, do Decreto Regulamentar n.º 61/94, de 12 de Outubro.

Capítulo VIII
Disposições complementares e finais

Artigo 27.º
(Regulamentação complementar)

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 90 dias a partir da sua entrada em vigor.

Artigo 28.º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado que segue à sua aprovação.

Palácio de São Bento, 18 de Setembro de 2002. Os Deputados do BE: Francisco Louçã - Luís Fazenda.

PROJECTO DE LEI N.º 117/IX
MEDIDAS PARA O CONTROLO DO CONSUMO DE ECSTASY

Exposição de motivos

Segundo os dados mais recentes da Polícia Judiciária e das suas congéneres europeias, o estupefaciente ilegal que regista o maior aumento do tráfico e do consumo é a neurotoxina MDMA, comercializada em forma de comprimidos, também conhecidos pela designação de ecstasy.
O tráfico e o consumo de ecstasy não são uma novidade na Europa. Trata-se da substância sintética que melhor e mais rapidamente conseguiu instalar-se no mercado de drogas ilegais, em parte por surgir associada a uma suposta inocuidade dos seus efeitos a prazo. Nos Estados Unidos foram apreendidos 10 milhões de comprimidos (2001), e na Europa 17 milhões (1999). Admite-se que 90% dos utilizadores regulares de discotecas utilizam esta substância. Até hoje, os estudos científicos realizados não chegaram a conclusões definitivas sobre todos os danos

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para a saúde do consumidor a longo prazo que derivam do consumo de MDMA. Um estudo recente, publicado por John Cole e Harry Sumnal (Universidade de Liverpool) e Charles Grob (Universidade da Califórnia), no The Psychologist, revista da Sociedade Britânica de Psicologia, argumenta de forma controversa que os efeitos do uso do ecstasy têm sido exagerados, e que não estão suficientemente comprovados os seus efeitos danificadores dos neurónios que segregam serotonina. Entretanto, a Food and Drug Administration dos Estados Unidos aprovou a realização de ensaios clínicos para usar o ecstasy em situações de stress pós-traumático. Em qualquer caso, impõe-se um estudo urgente que seja cientificamente conclusivo, e só a plena informação pode constituir dissuasão e prevenção eficaz, tanto mais que se registam casos de mortes por abuso de consumo.
Esta situação de desconhecimento em relação aos efeitos do MDMA a longo prazo tem favorecido o consumo, muito em especial por parte da juventude que encontra nas suas propriedades de estimulante físico um complemento nos seus rituais de lazer e uma alternativa a outras drogas já legalizadas, como o álcool.
Por outro lado, os relatórios do Observatório Geopolítico das Drogas do final da década de 90 já alertavam para a grande capacidade de alargamento do mercado do MDMA. Ao contrário de outras drogas ilegais como a cocaína, a heroína ou o haxixe, que necessitam de transporte de longo curso para chegar aos consumidores dos centros urbanos europeus, os comprimidos de MDMA podem ser elaborados em qualquer cozinha, desde que o produtor possua os ingredientes químicos necessários e a forma de os combinar (disponível em vários sites na internet). Ou seja, eliminados os custos e os riscos no transporte, os comprimidos podem ser produzidos mais perto dos locais de consumo e tornam-se assim acessíveis a qualquer bolsa. No entanto, a disseminação da produção e a concorrência num mercado sem lei acarreta novos riscos, dos quais se destaca o da manipulação do produto e as suas trágicas consequências.
Os resultados das apreensões de drogas em Portugal continuam a ser um segredo bem guardado pela Polícia Judiciária. Nos últimos meses, sem que os motivos tenham sido esclarecidos, as notícias das apreensões de qualquer substância deixaram de fazer referência à quantidade de droga apreendida e passaram a designar a quantidade de doses. Até hoje não se sabe se esta mudança surgiu apenas para aumentar a confiança dos cidadãos nas brigadas anti-droga - afinal, trinta mil doses soam bem melhor que meio quilo -, mas esta nova estratégia de comunicação levanta outros problemas já que a dose média individual definida pela lei faz referência ao princípio activo da substância, isto é, 500 gramas de heroína pura equivalem a muito mais doses que a mesma quantidade de heroína cortada.
Pelas características acima descritas do modo de fabrico dos comprimidos à base de MDMA, é ponto assente que esta se trata de uma droga de fácil manipulação. Ao contrário das autoridades policiais portuguesas, a Interpol divulgou um dado curioso a respeito das análises às apreensões de ecstasy: numa mesma apreensão de alguns milhares de pastilhas, o teor de MDMA nos comprimidos tinha variações brutais. A polícia alertava então que muitos consumidores compravam "gato por lebre", já que boa parte desses comprimidos não correspondia de facto a ecstasy, contendo antes anfetaminas ou nem sequer isso. As apreensões desta droga pela Polícia Judiciária têm igualmente revelado a adulteração destes comprimidos: de 50000 que terão sido apreendidos em Julho de 2002 e analisados, 20000 seriam falsificadas, contendo uma mistura de MDMA com metanfetamina, o que provoca efeitos de habituação mais graves e pode mais facilmente provocar reacções psicóticas. Álvaro Lopes, director do serviço de toxicologia do Laboratório de Polícia Científica, emitiu em Agosto de 2002 um comunicado sugerindo a importância da divulgação de toda a informação acerca dos produtos apreendidos: "Num momento em que o consumo deste tipo de drogas parece aumentar substancialmente no nosso país, cremos ser importante divulgar este tipo de informação, que poderá funcionar como forma de dissuasão pedagógica".
Atentas a esta manipulação dos traficantes que põe em risco a vida dos consumidores, as autoridades holandesas foram pioneiras na instalação de dispositivos que permitem aferir do teor de MDMA presente em cada comprimido, colocando-os em locais de lazer onde se concentram milhares de jovens - como discotecas ou festas rave - para que estes possam voluntariamente fazer o teste de despistagem. Esta medida, inserida na política de redução de riscos, teve boa aceitação por parte dos utentes desses espaços públicos e serviu para prevenir muitas situações de risco devido a pastilhas adulteradas.
Ao contrário do que foi veiculado nos primeiros anos da sua utilização, o ecstasy não é uma "droga limpa", e hoje é seguro que tem efeitos ao nível cerebral ainda por descobrir em toda a sua extensão. As notícias de mortes sob o efeito de ecstasy surgem associadas à falta de informação sobre o seu consumo (são normalmente casos de desidratação e sobretudo de combinação com álcool ou outras drogas, para além de pastilhas adulteradas). Sabe-se que em Inglaterra, entre 1993 e 1997, o abuso de droga provocou 72 mortes, enquanto que o abuso de anfetaminas provocou 158 mortes. Não são conhecidos dados fiáveis relativos a Portugal.
Por estas razões, o Estado português deve estar atento e responder desde já à alteração do padrão de consumo de substâncias psicotrópicas no país. Sabemos já o que custaram os anos de atraso na resposta eficaz ao aumento do consumo da heroína. Com os 20 anos da receita baseada na repressão, Portugal viu crescer exponencialmente a população toxicodependente, com consequências que continuaremos a sentir nos anos mais próximos de cada vez que for divulgado o ranking europeu de infectados pelo HIV.
O sucesso de uma política de redução de riscos mede-se também pela oportunidade de aplicação das políticas. Não adiantam boas intenções para ficar no mesmo papel onde ainda repousam as salas de injecção assistida ou as equipas de rua, só para citar dois exemplos de medidas concretas aprovados por esta Assembleia. Prevenir já novos casos de morte ou lesões cerebrais graves por consumo de comprimidos adulterados é uma obrigação dos organismos que tutelam a saúde pública nesta área. Uma das formas mais simples e eficazes de o fazer passa pela despistagem voluntária do MDMA em discotecas e nos locais de lazer onde se justifique essa medida, alargando a iniciativa que já está em curso em Lisboa, embora com evidentes limitações devido à sua localização não ser a mais favorável para chegar ao conhecimento dos consumidores. Salienta-se igualmente que os serviços de saúde devem acompanhar em detalhe a investigação científica acerca dos métodos de despistagem e da fiabilidade dos testes, dado que os que estão disponíveis são ainda imprecisos e devem ser substancialmente melhorados (Winstock, Wolff,

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Ramsey, 2001, Ecstasy pill testing: harm minimization gone too far?, Addiction, 96: 1139.48).
De facto, algumas medidas têm sido tomadas em Portugal. O projecto apoiado pelo IPDT e que estabeleceu duas instalações que permitem o controlo químico da qualidade das pastilhas (na Curraleira e em Santa Apolónia) é já significativo. Outras iniciativas, nomeadamente de informação presencial em festivais psicadélicos, como o que se desenrolou na Herdade do Torrão, na Barragem de Idanha-a-Nova, indicou novas preocupações na prevenção. A medida fundamental que é proposta por este projecto de lei, consistirá neste sentido, na instalação de dispositivos de verificação química das substâncias contidas nas pastilhas, pelos próprios consumidores, e sob condição de anonimato, junto das discotecas e locais de realização de festas e iniciativas sociais que abranjam um largo número de pessoas.
Assim, nos termos da Constituição da República Portuguesa, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Obrigatoriedade de existência de testes de detecção de MDMA)

1 - É obrigatória a existência em todas as discotecas e estabelecimentos de diversão nocturna afins, com capacidade superior a 200 pessoas, a existência de locais devidamente equipados com testes para detecção de MDMA.
2 - Os equipamentos de testes a que se refere o número anterior deverão ser certificados pelo Ministério da Saúde.

Artigo 2.º
(Utilizadores e fiscalização)

Os locais em que se procede aos testes deverão garantir o anonimato dos seus utilizadores e ficarão sujeitos à fiscalização do organismo responsável pela prevenção da toxicodependência.

Artigo 3.º
(Contra-ordenações)

1 - A violação do disposto no artigo 1.º constitui contra-ordenação punível com coima de 10000 euros a 50000 euros e de 30000 euros a 80000 euros, conforme seja praticada por pessoa singular ou colectiva, respectivamente.
2 - No caso previsto no número anterior, a negligência é punível, sendo o montante mínimo e máximo da coima a aplicar igual a metade dos montantes mínimos e máximos ali previstos.
3 - A reincidência na violação do disposto no artigo 1.º implica a perda das licenças por parte dos proprietários dos estabelecimentos.

Artigo 4.º
(Entidade competente para o processo de contra-ordenação)

A competência para a instrução dos processos de contra-ordenações é da Inspecção-Geral das Actividades Económicas.

Artigo 5.º
(Destino das receitas das coimas)

A receita das coimas reparte-se em 60% para o Estado e em 40% para o organismo responsável pela prevenção da toxicodependência

Artigo 6.º
(Criação de frota móvel para detecção de MDMA)

É criada uma frota móvel que assegure junto de locais de diversão nocturna e de realização de eventos culturais a existência de dispositivos de detecção de MDMA, sob a responsabilidade do organismo público de prevenção da toxicodependência.

Artigo 7.º
(Condições técnicas dos veículos destinados à detecção do MDMA)

Em cada veículo é obrigatória a presença de um técnico especializado, que efectue o teste de despistagem e forneça todas as informações sobre a utilização de MDMA, nomeadamente sobre os riscos do consumo.

Artigo 8.º
(Testes em festivais e outras actividades)

As organizações de festivais, festas, concertos ou quaisquer outras actividades recreativas temporárias que sejam consideradas pelos governos civis como potenciais centros de consumo de MDMA devem assegurar a criação de espaços próprios e de equipamentos para a realização de testes, e podem solicitar a presença de veículos equipados para a detecção do MDMA, junto ou dentro dos seus recintos, enquanto decorrerem as actividades.

Artigo 9.º
(Critérios para a determinação do número de veículos)

O número de veículos será determinado pelo serviço de prevenção da toxicodependência, de acordo com o número de locais e de respectivos frequentadores do centro de diversão nocturna ou da actividade em causa, depois de ouvidas as câmaras municipais, os proprietários dos estabelecimentos, as autoridades de saúde.

Artigo 10.º
(Meios materiais e humanos)

Cabe ao organismo responsável pela prevenção da toxicodependência a disponibilização de meios materiais e humanos necessários à instalação, funcionamento e manutenção da frota móvel, nos termos definidos nos artigos anteriores, bem como a fiscalização da sua actividade.

Artigo 11.º
(Garantias dos utilizadores)

É garantido o anonimato de todos os utentes deste serviço.

Artigo 12.º
(Entrada em vigor)

O presente diploma entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado.

Palácio de São Bento, 18 de Setembro de 2002. Os Deputados do BE: Luís Fazenda - Francisco Louçã.

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PROJECTO DE LEI N.º 118/IX
CRIA O PROJECTO-PILOTO DE PRESCRIÇÃO MÉDICA DE HEROÍNA

Exposição de motivos

A aprovação, em 2000, da alteração legislativa que descriminaliza o consumo de substâncias ilegalizadas veio contribuir para aprofundar a discussão sobre novas soluções para o problema da toxicodependência. A perspectiva defensora da repressão sobre os consumidores tornou-se claramente minoritária, quer entre os médicos e especialistas que lidam de perto com a realidade quer entre os Deputados da Assembleia da República. Importa, portanto, prolongar e estabilizar essa nova política de prevenção, de redução de danos e de combate à toxicodependência.
Portugal é o país da União Europeia onde é proporcionalmente maior o consumo de drogas "duras", como a heroína, onde a SIDA e outras doenças infecto-contagiosas crescem e afectam uma percentagem da população maior do que o resto da União Europeia, sendo que a grande maioria dos infectados é toxicodependente e é essa a causa da infecção. Apesar destes resultados serem divulgados ano após ano, não existiu até agora um sinal claro dos vários governos para tomarem medidas concretas que contrariem a catástrofe e promoverem medidas preventivas de redução de riscos.
E mesmo este padrão de consumo das chamadas drogas duras tem vindo a mudar substancialmente, sem que os meios e os serviços de saúde estejam preparados para acompanhar a evolução. Os toxicodependentes já não são exclusivamente os heroinómanos de há 10 anos. O policonsumo de estupefacientes - para que o Bloco de Esquerda alertava no preâmbulo do projecto de lei n.º 113/VIII - tem vindo a enraizar-se nesta população, e a "mista" (mistura injectável de cocaína e heroína) há muito ganhou terreno nos hábitos de consumo de heroína, com todos os perigos que daí advêm. A possibilidade de manipulação das substâncias é agora ainda maior do que antes e as falsas overdoses continuam a matar quem consome estas drogas na clandestinidade.
É esta situação que determina o Bloco de Esquerda a levantar de novo este debate: à medida que a heroína vai perdendo hoje o seu potencial de atracção junto da população mais jovem, tal como aconteceu no resto da Europa na década de 90, a capacidade dos traficantes em dar outra apresentação à substância - manipulando-a de acordo com critérios de rentabilidade e não de segurança para quem consome - vai certamente manter os lucros, as cumplicidades e as mortes dos únicos que nada têm a ganhar com o negócio. Por isso mesmo, é urgente articular uma estratégia coerente que permita aumentar o nível de informação, melhorar a prevenção e integrar os toxicodependentes no sistema de saúde, permitindo a esperança do tratamento e do fim da dependência.
Orientar os toxicodependentes para o âmbito do sistema público de saúde é uma responsabilidade à qual o Estado não deve nem pode furtar-se. Não basta incluir no Orçamento do Estado um conjunto de verbas para campanhas publicitárias a que se reduz a prevenção, com resultados escassos. Não basta criar CAT (Centros de Atendimento a Toxicodependentes) pelo País para que, depois de ultrapassada a longa lista de espera, o consumidor não tenha alternativa na capacidade de tratamento em comunidades terapêuticas, a menos que esteja disposto a pagar alguns milhares de contos pelo tratamento completo em instituições privadas. Não basta nem é admissível que o Estado português se demita da sua responsabilidade no tratamento e prefira subsidiar generosamente os empresários das desintoxicações em vez de estabelecer uma política coerente que acompanhe os toxicodependentes antes de entrarem na fase em que não vêm outra saída e então decidem regressar aos consumos.
Por estas razões, a prescrição médica de substâncias hoje ilegalizadas, como o são a heroína ou a cocaína, permite que o toxicodependente seja acompanhado por quem conhece o seu metabolismo, garante a qualidade da substância que lhe é administrada e elimine os riscos de contágio de hepatites ou HIV através dos materiais utilizados. Mais ainda: o acompanhamento mantém em permanência a porta aberta para o tratamento, que deve ser valorizado e que é sempre o objectivo fundamental de toda a intervenção médica contra a toxicodependência.
Outra razão existe, também ligada à saúde pública e à segurança das pessoas, para desenvolver esta política de prescrição e acompanhamento médico - o toxicodependente abrangido por esta medida não terá necessidade de roubar para adquirir a substância. A diminuição da pequena criminalidade e a reintegração destes toxicodependentes na sociedade é outro dos objectivos das medidas que o Bloco de Esquerda propõe.
Em termos de concretização destas medidas, o Bloco de Esquerda defende a criação de um projecto-piloto, tendo como base uma pequena amostra da população toxicodependente em Portugal - 300 pessoas em três distritos -, que avance a par de um plano de recenseamento voluntário do conjunto desta população, devendo ambos estar em funcionamento num prazo de um ano após o arranque. Após elaborado o recenseamento, necessariamente voluntário, das e dos toxicodependentes, e após avaliação da experiência de prescrição médica, esta poderá ser alargada a todos os recenseados que a desejem, se tal for a conclusão das entidades que tutelam a iniciativa.
Esta medida tem sido, aliás, defendida não só por profissionais de saúde, em particular muitos dos envolvidos no tratamento de toxicodependentes, como ainda por agentes destacados do processo judiciário. O Dr. Carlos Rodrigues Almeida, Juiz de Direito na 4.ª Vara Criminal, em Lisboa, publicou recentemente um estudo, Uma abordagem da política criminal em matéria de droga, em que defende este ponto de vista:
"Há, de resto, que continuar a aumentar a oferta terapêutica, quer em regime ambulatório quer em regime de internamento, não se podendo esperar que os débeis e ambivalentes propósitos de recuperação de um heroinómano persistam ao longo dos meses que dura, em muitas instituições, o tempo de espera por uma primeira consulta.
Temos, porém, que reconhecer que nem sempre a conjuntura é propícia para se despertar a motivação necessária para o tratamento e nem sempre são favoráveis as perspectivas abertas. Dada a situação de dependência física e forte dependência psíquica, todos temos consciência de que, inevitavelmente, em muitos casos, o toxicodependente prosseguirá o consumo. Assim, parece claramente preferível que o Estado forneça gratuitamente droga de qualidade garantida, em dosagem conhecida, para o consumo desse toxicodependente do que, fechando os olhos, espere que ele se abasteça e a consuma num bairro degradado, quantas vezes lesando, para tanto, terceiros, que possa morrer de overdose ou que seja infectado ao partilhar seringas.

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Não é nada de novo em termos internacionais e, entre nós, é apenas o desenvolvimento da razão que levou à distribuição gratuita de seringas.
A distribuição gratuita de droga, nomeadamente de heroína, a comprovados toxicodependentes, para além de diminuir o risco de lesão dos bens jurídicos protegidos, pode contribuir para a diminuição da criminalidade e, em especial, dos crimes patrimoniais associados ao consumo.
Embora se discuta a relação entre a droga e o crime, parece-me aceitável a conclusão, confirmada em diversos estudos empíricos, que o consumo de droga é um factor relevante da delinquência em relação a determinados universos populacionais, a delinquência é um factor influente no consumo de drogas de outros universos populacionais e, relativamente a outros, existem factores comuns que estão associados ao consumo de drogas e à delinquência.
Seja como for, parece-me igualmente irrefutável a constatação empírica, que a minha experiência também corrobora, que a droga naqueles casos (admito que não seja a maioria) em que não é o factor determinante da prática dos crimes funcionais é, sem dúvida, mais um factor relevante para o aumento de número de crimes praticados por cada agente. Assim, a distribuição gratuita poderia fazer regredir este tipo de criminalidade.
Mas poderia também fazer diminuir o tráfico de droga, não só por restringir a procura mas também por diminuir o envolvimento dos toxicodependentes no tráfico. Como se sabe, os toxicodependentes são aproveitados pelos traficantes como mão-de-obra barata para a realização das tarefas mais visíveis e, por isso, mais sujeitas à repressão.
Tal medida permitiria, assim, reduzir o nível global de criminalidade, o que, além de aumentar a segurança e o sentimento de segurança das populações, faria baixar a pressão que ela exerce sobre as instâncias formais de controlo, permitindo uma reorientação dos meios disponíveis. Para além disso, a distribuição de droga subtrairia uma fonte fácil e segura de lucro dos traficantes, retirando poder económico à criminalidade organizada neste sector.
Reduzir-se-iam, assim, os efeitos perversos da criminalização, criminalização essa que, no essencial, não poderia deixar de ser mantida pelo menos enquanto perdurassem as actuais condicionantes. No combate ao tráfico ilícito empenhariam-se os meios disponíveis, utilizando para tal os meios legítimos do direito penal, com as garantias do processo penal próprias de um Estado de direito. Em traços gerais é esta a via que, em meu entender, deve ser seguida.
Certamente que lhe poderão ser assacadas imperfeições, poderá temer-se a margem de risco que uma distribuição controlada de droga e, nomeadamente, de heroína envolve, podendo recear-se um aumento do consumo das substâncias legalizadas, pelo menos numa fase inicial. Parece-me, contudo, que tais perigos são bastante menores do que aqueles que a actual política acarreta."
O projecto de lei segue esta orientação, definindo um programa-piloto que abrange uma pequena população de toxicodependentes, de tal modo que a sua avaliação permita tomar uma decisão fundamentada acerca da generalização ou não deste princípio de actuação.
O projecto de lei baseia-se igualmente em experiências clínicas realizadas noutros países. A administração medicamente assistida de heroína era prática corrente em Inglaterra até à aprovação do Dangerous Drugs Act (1967), que a interditou. No entanto, tanto a Holanda como a Suíça recuperaram essa orientação, e os resultados clínicos têm aconselhado a continuação dessa intervenção.
Pelas mesmas razões, o Plan Nacional sobre Drogas, em Espanha, tem incentivado essa escolha. A Junta de Andalucia propôs-se, há vários anos, começar a distribuição medicamente assistida de heroína, programa que foi aprovado e entrou em vigor a partir de Março de 2002. Granada e La Línea são as localidades onde se formarão os grupos de toxicodependentes envolvidos neste ensaio clínico. Trata-se de 240 voluntários, maiores de 20 anos e dependentes há mais de três, que receberão 400 miligramas de heroína por dia, repartidas em três doses e sob estrita vigilância médica. Receberão ainda 46000 a 76000 pesetas mensais como contributo para a sua inserção social. O programa terá um custo global de 150 milhões de pesetas, já incluídos no Orçamento da Junta para 2002, dos quais 9 milhões para a compra de heroína. A Catalunha poderá começar igualmente a distribuição de heroína antes do Outono.
Na sequência desta intervenção, o Partido Popular apresentou na Generalitat de Valencia, onde é maioritário, a proposta de estender à região a prática da prescrição medicamente assistida de heroína. Tanto o Ministerio de Sanidad quanto o Plan Nacional sobre Drogas, no âmbito do Ministerio de Interior, apoiaram essa decisão.
Considerando esse conhecimento clínico, considera este projecto de lei que existe uma via de resposta à dependência dos mercados clandestinos e de inserção progressiva nos tratamentos e acompanhamentos pelo Serviço Nacional de Saúde.
Neste sentido, e nos termos constitucionais e regimentais, o Bloco de Esquerda apresenta o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Criação do projecto-piloto de prescrição médica de estupefacientes

1 - É criado o projecto-piloto de prescrição médica de substâncias estupefacientes dispostas na Tabela I anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93.
2 - Este projecto-piloto abrange um máximo de 300 cidadãos toxicodependentes residentes em três distritos do Continente.
3 - Os cidadãos a que se refere o número anterior são cidadãos maiores com pelo menos dois anos de dependência de substâncias estupefacientes, que participam voluntariamente no programa criado por esta lei.

Artigo 2.º
Coordenação e execução do projecto

1 - O projecto-piloto é elaborado e executado pelo Ministério da Saúde e pelas estruturas do sistema de saúde que tenham como responsabilidade coordenar e concretizar o tratamento de toxicodependentes.
2 - Cabe às estruturas de saúde referidas no número anterior definir, em função de parecer médico qualificado, a quantidade de substâncias estupefacientes, nomeadamente de heroína, a disponibilizar a cada doente e outras medidas de acompanhamento e de tratamento.

Artigo 3.º
Utilização de substâncias estupefacientes

As substâncias distribuídas sob controlo médico no âmbito deste projecto-piloto serão obtidas através dos laboratórios

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farmacêuticos legais existentes e com capacidade de produção de tais substâncias ou serão disponibilizadas pelas forças de segurança, de entre as quantidades apreendidas a narcotraficantes, no caso em que esteja verificada e garantida a sua qualidade.

Artigo 4.º
Recenseamento voluntário de toxicodependentes

1 - Para os efeitos da presente legislação e para a consideração das candidaturas a este projecto-piloto é criado, no âmbito dos serviços do Ministério da Saúde, um plano de recenseamento dos toxicodependentes, de adesão voluntária e dependente do consentimento do titular dos dados enquanto manifestação de vontade livre, específica e informada.
2 - Os dados pessoais fornecidos pelos aderentes ao plano de recenseamento são absolutamente confidenciais e gozam de protecção legal, não podendo ser utilizados para outros fins.
3 - O regime jurídico do tratamento dos dados pessoais do toxicodependente aderente ao plano de recenseamento para este programa de prescrição médica será definido por lei.

Artigo 5.º
Alteração do Decreto-Lei n.º 15/93

O Decreto-Lei n.º 15/93, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 45/96, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, é alterado nos seus artigos 4.º, 15.º, 27.º e 62.º, que ficam com a seguinte redacção:

"Artigo 4.º
Licenciamentos, condicionamentos e autorizações

1 - O Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento é a entidade competente a nível nacional para estabelecer condicionamentos e conceder autorizações para as actividades previstas no n.º 4 do artigo 2.º no que concerne às substâncias e preparações compreendidas nas Tabelas I a IV, dentro dos limites estritos das necessidades do País, dando prevalência aos interesses de saúde pública e de ordem científica e didáctica.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)

Artigo 15.º
Prescrição médica

1 - As substâncias e preparações compreendidas nas Tabelas I e II são fornecidas ao público, para tratamento, mediante apresentação de receita médica com as especialidades constantes dos números seguintes e nos termos da lei.
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)

Artigo 27.º
Abuso do exercício de profissão

1 - As penas previstas nos artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 25.º são aplicadas ao médico que passe receitas, ministre ou entregue substâncias ou preparações aí indicados com fim não terapêutico ou sem requisição por parte do utente.
2 - As mesmas penas são aplicadas ao farmacêutico ou a quem o substitua na sua ausência ou impedimento que vender ou entregar aquelas substâncias ou preparações sem receita médica.
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)

Artigo 62.º
(...)

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - No prazo de cinco dias após a junção do relatório do exame laboratorial, e caso não esteja assegurada a qualidade da substância para utilização nos termos da lei, a autoridade judiciária competente ordena a destruição da droga remanescente, despacho que é cumprido em período não superior a 30 dias, ficando a substância, até à destruição, guardada em cofre-forte."

Artigo 6.º
Avaliação do projecto-piloto

1 - A avaliação deste projecto-piloto deve ser feita pelas entidades coordenadoras do projecto, dois anos depois do início do seu funcionamento, sendo o relatório de avaliação submetido à apreciação da Assembleia da República.
2 - A Comissão de Assuntos Sociais da Assembleia da República acompanhará este processo e formulará recomendações à tutela.

Artigo 7.º
Penalizações por tráfico

A utilização para tráfico e não para consumo pessoal das substâncias prescritas implica a exclusão do projecto-piloto e a aplicação dos procedimentos de penalização de tráfico que são previstos na lei.

Artigo 8.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação em Diário da República.

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PROPOSTA DE LEI N.º 21/IX
(MODO DE EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO POR ESTUDANTES NA ELEIÇÃO DE TITULARES PARA OS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS)

Parecer da Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho da Assembleia Legislativa Regional dos Açores

Capítulo I
Introdução

A Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho reuniu no dia 2 de Setembro de 2002, na sede da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, na cidade da Horta, a fim de relatar e dar parecer, na sequência do solicitado por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Legislativa Regional, sobre a proposta de lei n.º 21/IX, originária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, relativa ao "Modo de exercício do direito de voto por estudantes na eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais".
Esta proposta de lei deu entrada na Assembleia Legislativa Regional dos Açores no dia 5 de Agosto, tendo sido enviada à Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho no dia 7 do mesmo mês para apreciação e emissão de parecer até 3 de Setembro de 2002.

Capítulo II
Enquadramento jurídico

A apreciação e emissão de parecer à presente proposta de lei exerce se em conformidade com o disposto na alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º e no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 78.º, em conjugação com o artigo 8.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no artigo 80.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.

Capítulo III
Apreciação na generalidade e na especialidade

A Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, veio consagrar no n.º 2 do seu artigo 117.º que:
"Podem ainda votar antecipadamente os estudantes do ensino superior recenseados nas regiões autónomas e a estudar no Continente e os que, estudando numa instituição do ensino superior de uma região autónoma, estejam recenseados noutro ponto do território nacional."
Por seu lado, o n.º 1 do artigo 120.º do mesmo diploma consagrou que "qualquer eleitor que esteja nas condições previstas no n.º 2 do artigo 117.º pode requerer ao presidente da câmara do município onde se encontre recenseado a documentação necessária ao exercício do direito de voto no prazo e nas condições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 119.º".
Mais adianta o citado artigo, no seu n.º 3, que "o exercício do direito de voto faz-se perante o presidente da câmara do município onde o eleitor frequente o estabelecimento de ensino superior, no prazo e nos termos previstos nos n.os 3 a 7 do artigo 119.º".
Considerando que o artigo 119.º dispõe nos seguintes termos:
"1 - Qualquer eleitor que esteja nas condições previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 117.º pode requerer ao

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presidente da câmara do município em que se encontre recenseado, até ao 20.º dia anterior ao da eleição, a documentação necessária ao exercício do direito de voto, enviando fotocópias autenticadas do seu bilhete de identidade e do seu cartão de eleitor e juntando documento comprovativo do impedimento invocado, passado pelo médico assistente e confirmado pela direcção do estabelecimento hospitalar, ou documento emitido pelo director do estabelecimento prisional, conforme os casos.
2 - O presidente da câmara referido no número anterior envia, por correio registado com aviso de recepção, até ao 17.º dia anterior ao da eleição:

a) Ao eleitor a documentação necessária ao exercício do direito de voto, acompanhada dos documentos enviadas pelo eleitor;
b) Ao presidente da câmara do município onde se encontrem os eleitores nas condições definidas no n.º 1 a relação nominal dos referidos eleitores e a indicação dos estabelecimentos hospitalares ou prisionais abrangidos.

3 - O presidente da câmara do município onde se situe o estabelecimento hospitalar ou prisional em que o eleitor se encontre internado notifica as listas concorrentes à eleição, até ao 16.º dia anterior ao da votação, para os fins previstos no n.º 3 do artigo 86.º, dando conhecimento de quais os estabelecimentos onde se realiza o voto antecipado.
4 - A nomeação de delegados dos partidos políticos e coligações deve ser transmitida ao presidente da câmara até ao 14.º dia anterior ao da eleição.
5 - Entre o 10.º e o 13.º dias anteriores ao da eleição o presidente da câmara municipal em cuja área se encontre situado o estabelecimento hospitalar ou prisional com eleitores nas condições do n.º 1, em dia e hora previamente anunciados ao respectivo director e aos delegados das entidades proponentes, desloca-se ao mesmo estabelecimento a fim de ser dado cumprimento, com as necessárias adaptações ditadas pelos constrangimentos dos regimes hospitalares ou prisionais, ao disposto nos n.os 2 a 9 do artigo anterior.
6 - O presidente da câmara pode excepcionalmente fazer-se substituir para o efeito da diligência prevista no número anterior pelo vice-presidente ou por qualquer vereador do município devidamente credenciado.
7 - A junta de freguesia destinatária dos votos recebidos remete-os ao presidente da mesa da assembleia de voto até à hora prevista no n.º 1 do artigo 105.º";
Considerando que a proposta de lei em apreciação classifica este procedimento como "desajustado e desenquadrado com a prática eleitoral", "acarretando custos e dispêndios desnecessários", uma vez que o equipara ao dos doentes internados e presos;
Considerando que aqueles gozam de um regime especial de exercício do voto por manifesta impossibilidade de se deslocarem para fora dos estabelecimentos hospitalares ou prisionais, condição em que não se encontram os estudantes;
Considerando que o Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto (Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores), alterado pela Lei Orgânica n.º 2/2000, de 14 de Julho, no seu artigo 79.º, passou a consagrar o seguinte:
"1 - Qualquer eleitor que esteja nas condições previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 77.º pode requerer ao presidente da câmara do município em que se encontre recenseado, até ao 20.º dia anterior ao da eleição, a documentação necessária ao exercício do direito de voto, enviando fotocópias autenticadas do seu bilhete de identidade e do seu cartão de eleitor e juntando documento comprovativo passado pelo estabelecimento de ensino onde se encontre matriculado ou inscrito.
2 - O presidente da câmara envia, por correio registado com aviso de recepção, até ao 17.º dia anterior ao da eleição:

a) Ao eleitor, a documentação necessária ao exercício do direito de voto, acompanhada doa documentos enviados pelo eleitor;
b) Ao presidente da câmara do município onde se encontrem eleitores nas condições definidas no n.º 1, a relação nominal dos referidos eleitores.

3 - O presidente da câmara do município onde se situe o estabelecimento de ensino em que o eleitor se encontre matriculado ou inscrito notifica, até ao 16.º dia anterior ao da eleição, as listas concorrentes à eleição para cumprimento dos fins previstos no n.º 3 do artigo 77.º.
4 - A nomeação de delegados das listas deve ser transmitida ao presidente da câmara até ao 14.º dia anterior ao da eleição.
5 - A votação dos estudantes realizar-se-á nos paços do concelho do município em que se situar o respectivo estabelecimento de ensino, no 9.º dia anterior ao da eleição, entre as 9 e as 19 horas, sob a responsabilidade do presidente da câmara municipal, ou vereador por ele designado, cumprindo-se o disposto nos n.os 3, 4, 5, 6, 7 e 8 do artigo 78.º.
6 - O presidente da câmara municipal envia, pelo seguro do correio, o sobrescrito azul à mesa da assembleia de voto em que o eleitor deveria exercer o direito de sufrágio, ao cuidado da respectiva junta de freguesia, até ao 7.º dia anterior ao da realização da eleição.
7 - A junta de freguesia destinatária dos votos recebidos remete-os ao presidente da mesa da assembleia de voto até á hora prevista no artigo 42.º".
Considerando que a proposta apresentada é idêntica ao procedimento descrito nesta Lei Orgânica;
Considerando a necessidade de uniformização e sedimentação de procedimentos eleitorais;
Considerando que esta solução se apresenta como aquela onde melhor se enquadram os destinatários deste regime especial de exercício de voto;
A Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho deliberou, por unanimidade, emitir parecer favorável à proposta de lei n.º 21/IX, relativa ao "modo de exercício do direito de voto por estudantes na eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais", na generalidade e na especialidade.

Horta, 2 de Setembro de 2002. O Deputado Relator, José do Nascimento Ávila - O Presidente da Comissão, Manuel Herberto Rosa.

Nota: - O parecer foi aprovado por unanimidade.

PROPOSTA DE LEI N.º 24/IX
ESTABELECE O REGIME DE CRIAÇÃO, O QUADRO DE ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DAS ÁREAS METROPOLITANAS E O FUNCIONAMENTO DOS SEUS ÓRGÃOS

Exposição de motivos

A Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, criou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, tendo em vista, nomeadamente, a articulação de investimentos e de serviços de âmbito supramunicipal. Para as áreas urbanas exteriores àquelas áreas metropolitanas não foi configurada qualquer solução institucional, prosseguindo, assim, em Portugal continental, a litoralização e a bipolarização da população e das actividades económicas mais dinâmicas, avançadas e competitivas.
Neste contexto, urge promover a reorganização e o equilíbrio do sistema urbano nacional, mediante a consolidação de novas áreas metropolitanas capazes de impulsionar o desenvolvimento social, económico e cultural. A instituição das pessoas colectivas públicas de natureza associativa e de âmbito territorial ora consagradas vem potenciar o aproveitamento de novas oportunidades e a resolução de problemas que ultrapassam claramente as fronteiras municipais.
Importa, pois, contrariar velhas tradições relacionadas com o individualismo e o isolacionismo, o que, por vezes, pautou o funcionamento das instituições autárquicas, promovendo o aprofundamento de relações de complementaridade e de solidariedade entre municípios territorialmente contíguos. Neste sentido, as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas constituirão, certamente, pólos urbanos bem posicionados e bem preparados para enfrentar os desafios incontornáveis da globalização e da competição internacional.
Por sua vez, cumpre assegurar a governabilidade e a funcionalidade dos sistemas urbanos alargados mediante a consagração de mecanismos de articulação e de consensualização de serviços, investimentos, programas, planos, projectos e actuações da Administração Central e da administração local autárquica. Importa, pois, agilizar e operacionalizar a gestão de territórios urbanos de âmbito supramunicipal, orientada pelo desafio estratégico da vida em comunidade.
A presente lei-quadro regula a instituição, a estrutura e o funcionamento das grandes áreas metropolitanas e enuncia as respectivas atribuições e as competências dos seus órgãos. Assim, as áreas metropolitanas são de dois tipos, as grandes áreas metropolitanas e as comunidades urbanas, devendo, respectivamente, integrar, pelo menos, nove municípios contíguos e 350 000 habitantes e, pelo menos, três municípios contíguos e 150 000 habitantes.
A solução institucional proposta enquadra o planeamento e a gestão de espaços urbanos alargados, constituídos por municípios territorialmente contíguos. Simultaneamente, esta solução político-administrativa visa assegurar, por um lado, a articulação dos investimentos municipais de âmbito metropolitano e supramunicipal e, por outro, a conveniente articulação entre os municípios, o Governo e os serviços da Administração Central em diversos domínios do desenvolvimento.
A principal inovação introduzida respeita à possibilidade legal de instituição de comunidades urbanas, as quais integram os seguintes órgãos de natureza deliberativa, executiva

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e consultiva: a assembleia, a junta e o conselho. A eventual instituição das áreas metropolitanas poderá concorrer, designadamente, para a estruturação de pólos urbanos indispensáveis ao desenvolvimento dos territórios menos dinâmicos e competitivos e ao esbatimento das assimetrias de desenvolvimento regional.
A criação de grandes áreas metropolitanas e de comunidades urbanas obedece aos princípios da descentralização e da subsidiariedade, consagrados na Constituição e destacados pelo Programa do XV Governo Constitucional. Estas pessoas colectivas de direito público, de natureza associativa e de âmbito territorial, só poderão ser instituídas voluntariamente, na sequência das deliberações das assembleias municipais dos municípios interessados, e têm em vista o planeamento e o desenvolvimento sustentáveis das realidades urbanas emergentes em Portugal.
Assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Objecto

1 - A presente lei estabelece o regime de criação, o quadro de atribuições e competências das áreas metropolitanas e o funcionamento dos seus órgãos.
2 - De acordo com o âmbito territorial e demográfico, as áreas metropolitanas podem ser de dois tipos:

a) Grandes Áreas Metropolitanas (GAM);
b) Comunidades Urbanas (ComUrb).

Artigo 2.º
Natureza jurídica

As áreas metropolitanas são pessoas colectivas públicas de natureza associativa e de âmbito territorial e visam a prossecução de interesses comuns dos municípios integrantes.

Artigo 3.º
Requisitos territoriais e demográficos

1 - As áreas metropolitanas são constituídas por municípios ligados por nexo de continuidade territorial.
2 - As GAM compreendem obrigatoriamente um mínimo de nove municípios e integram, pelo menos, 350 000 habitantes.
3 - As ComUrb compreendem obrigatoriamente um mínimo de três municípios e integram, pelo menos, 150 000 habitantes.

Artigo 4.º
Instituição

1 - A instituição das GAM e das ComUrb depende do voto favorável das assembleias municipais, sob proposta das respectivas câmaras municipais.
2 - O voto a que se refere o número anterior é expresso em deliberação da assembleia municipal.
3 - As deliberações das assembleias municipais são comunicadas ao Governo, através do Ministério que tutela as autarquias locais, no prazo de 30 dias.
4 - Os municípios não podem pertencer a mais que uma área metropolitana.

Artigo 5.º
Princípio de estabilidade

1 - Após a integração na respectiva área metropolitana, os municípios constituintes ficam obrigados a permanecer integrados na mesma durante um período de cinco anos, sob pena de perderem todos os benefícios financeiros e administrativos e de não poderem integrar áreas metropolitanas diversas daquelas em que se encontravam integrados durante um período de dois anos.
2 - Após o período de cinco anos referido no número anterior, qualquer município pode abandonar a área metropolitana em que está integrado, desde que a respectiva assembleia municipal delibere nesse sentido por maioria de dois terços.
3 - O abandono de um ou mais municípios que interrompa a continuidade territorial só gerará a extinção da área metropolitana caso se traduza na redução do número mínimo de municípios previsto nos n.os 2 e 3 do artigo 3.º.

Artigo 6.º
Atribuições

1 - Sem prejuízo das atribuições transferidas pela Administração Central e pelos municípios, as áreas metropolitanas são criadas para a prossecução dos seguintes fins públicos:

a) Articular os investimentos municipais de interesse supramunicipal;
b) Coordenar actuações entre os municípios e os serviços da Administração Central nas seguintes áreas:

b1) Infra-estruturas de saneamento básico e de abastecimento público;
b2) Saúde;
b3) Educação;
b4) Ambiente, conservação da natureza e recursos naturais;
b5) Segurança e protecção civil;
b6) Acessibilidades e transportes;
b7) Equipamentos de utilização colectiva;
b8) Promoção do turismo e cultura, valorização do património;
b9) Apoios ao desporto, à juventude e as actividade de lazer;

c) Planeamento e gestão estratégica, económica e social;
d) Gestão territorial na área dos municípios integrantes.

2 - Para a prossecução das suas atribuições as áreas metropolitanas são dotadas de serviços próprios, sem prejuízo do recurso ao apoio técnico de entidades da Administração Central nos termos previstos para os municípios.
3 - As áreas metropolitanas podem associar-se e estabelecer acordos, contratos-programa e protocolos com outras entidades, públicas e privadas, tendo por objectivo a gestão de interesses públicos no âmbito das respectivas áreas metropolitanas.

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4 - As competências da Administração Central, quando exercidas pelas áreas metropolitanas, são objecto de contratualização com o Governo, obedecendo a contratos-tipo com a definição de custos-padrão.
5 - Os municípios podem transferir competências para as áreas metropolitanas quando dessa transferência resultem ganhos de eficiência, eficácia e economia.

Artigo 7.º
Património e finanças

1 - As áreas metropolitanas têm património e finanças próprios.
2 - O património das áreas metropolitanas é constituído por bens e direitos para elas transferidos ou adquiridos a qualquer título.
3 - Os recursos financeiros das áreas metropolitanas compreendem:

a) As transferências do Orçamento do Estado;
b) As transferências dos municípios, no caso de competências delegadas por estes;
c) As transferências resultantes de contratualização com a Administração Central e outras entidades públicas e privadas;
d) Os montantes de co-financiamento comunitário que lhe sejam atribuídos;
e) As dotações, subsídios ou comparticipação de que venham a beneficiar;
f) As taxas de disponibilidade de utilização e de prestação de serviços;
g) O produto da venda de bens e serviços;
h) O rendimento de bens próprios, o produto da sua alienação ou da atribuição de direitos sobre eles;
i) Quaisquer acréscimos patrimoniais, fixos ou periódicos, que, a título gratuito ou oneroso, lhes sejam atribuídos por lei, contrato ou outro acto jurídico;
j) Quaisquer outras receitas permitidas por lei.

4 - Constituem despesas das áreas metropolitanas os encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe estão confiadas e com a manutenção e funcionamento dos seus órgãos e serviços.
5 - É vedado às áreas metropolitanas proceder a transferências financeiras para os municípios, ou, por qualquer forma ou meio, apoiar investimentos de interesse estritamente municipal.

Artigo 8.º
Endividamento

1 - As áreas metropolitanas podem contrair empréstimos a curto, médio e longo prazos junto de quaisquer instituições autorizadas por lei a conceder crédito, nos mesmos termos que os municípios.
2 - Constituem garantias dos empréstimos o património próprio e as receitas metropolitanas, com excepção das receitas consignadas.
3 - Os empréstimos contraídos pelas áreas metropolitanas relevam para os limites da capacidade de endividamento dos municípios integrantes, de acordo com um critério de proporcionalidade em razão da capacidade legalmente definida para cada um deles, salvo quando se destinem a financiar projectos e obras transferidas da Administração Central.

Capítulo II
Estruturas e funcionamento

Secção I
Órgãos e funcionamento

Artigo 9.º
Órgãos

1 - São órgãos das grandes áreas metropolitanas:

a) A assembleia metropolitana;
b) A junta metropolitana;
c) O conselho metropolitano.

2 - As comunidades urbanas têm os seguintes órgãos:

a) A assembleia de comunidade urbana;
b) A junta da comunidade urbana;
c) O conselho da comunidade urbana.

Artigo 10.º
Duração do mandato

1 - A duração do mandato dos membros das assembleias e das juntas coincide com a que legalmente estiver fixada para os órgãos das autarquias municipais.
2 - A perda, cessação, renúncia ou suspensão de mandato no órgão municipal determina o mesmo efeito no mandato que detêm nos órgãos da área metropolitana.
3 - Os titulares dos órgãos servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos.

Artigo 11.º
Regime subsidiário

1 - O funcionamento das áreas metropolitanas regula-se, em tudo o que não esteja previsto na presente lei, pelo regime aplicável aos órgãos municipais.
2 - As áreas metropolitanas ficam sujeitas ao regime de tutela administrativa prevista para as autarquias locais.

Artigo 12.º
Fiscalização e julgamento de contas

1 - As contas das áreas metropolitanas estão sujeitas a apreciação e julgamento pelo Tribunal de Contas, nos termos da respectiva lei de organização e processo.
2 - As contas devem ser enviadas pela junta ao Tribunal de Contas, dentro dos prazos estabelecidos para as autarquias locais.
3 - As contas deverão ainda ser enviadas às assembleias municipais dos municípios integrantes, para conhecimento, no prazo de um mês após a deliberação de aprovação pelas áreas metropolitanas.

Secção II
Assembleia metropolitana e assembleia da comunidade urbana

Artigo 13.º
Natureza e composição

1 - A assembleia é o órgão deliberativo da área metropolitana.

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2 - A assembleia é constituída por membros eleitos pelas assembleias municipais dos municípios que compõem a respectiva área metropolitana, em número impar superior ao triplo dos municípios que a integram, num máximo de 55.
3 - A eleição faz-se pelo colégio eleitoral constituído pelo conjunto dos membros das assembleias municipais, eleitos directamente, mediante a apresentação de listas que não podem ter um número de candidatos superior ao previsto no número anterior.
4 - A votação processa-se no âmbito de cada assembleia municipal e, feita a soma dos votos obtidos por cada lista, os mandatos são atribuídos segundo o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt.
5 - A votação e escrutínio referidos nos números anteriores terão de ser efectuados simultaneamente em todas as assembleias municipais integrantes da respectiva área metropolitana.

Artigo 14.º
Mesa

1 - A mesa da assembleia é constituída por um presidente e dois vice-presidentes, eleitos de entre os seus membros.
2 - Compete ao presidente da assembleia:

a) Convocar as sessões ordinárias e extraordinárias;
b) Dirigir os trabalhos da assembleia;
c) Proceder à investidura dos membros da junta;
d) Exercer os demais poderes que lhes sejam conferidos por lei, pelo regimento ou pela assembleia.

Artigo 15.º
Sessões

1 - A assembleia tem anualmente três sessões ordinárias.
2 - A duração das sessões, ordinárias ou extraordinárias, não pode exceder dois dias consecutivos, prorrogável por igual período, mediante deliberação da assembleia.
3 - As sessões ordinárias e extraordinárias são convocadas nos termos do regimento.

Artigo 16.º
Competências

Compete à assembleia:

a) Eleger o presidente e os vice-presidentes;
b) Aprovar as opções do plano e a proposta de orçamento, bem como apreciar o inventário de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e respectiva avaliação e, ainda, apreciar e votar os documentos de prestação de contas;
c) Aprovar a celebração de protocolos relativos a transferências de competências, acordos de cooperação ou constituição de empresas intermunicipais ou de participação noutras empresas;
d) Aprovar a adesão de outros municípios;
e) Aprovar regulamentos, designadamente de organização e funcionamento;
f) Aprovar o seu regimento;
g) Aprovar, sob proposta da junta, a constituição do conselho de administração ou a nomeação do administrador executivo, bem como aprovar a remuneração dos respectivos administradores;
h) Exercer os demais poderes que lhes sejam conferidos por lei, pelo regimento ou pela assembleia;
i) Aprovar, sob proposta da junta, os planos previstos no artigo 18.º, n.º 2;
j) Deliberar sobre a fusão, cisão e liquidação das áreas metropolitanas.

Secção III
Junta da área metropolitana e junta da comunidade urbana

Artigo 17.º
Natureza e composição

1 - A junta é o órgão executivo da área metropolitana.
2 - A junta é constituída pelos presidentes das câmaras municipais de cada um dos municípios integrantes que elegem, de entre si, um presidente e dois vice-presidentes.

Artigo 18.º
Competências da junta

1 - Compete à junta:

a) Assegurar o cumprimento das deliberações da assembleia;
b) Elaborar e submeter à aprovação da assembleia as propostas de plano, de orçamento e as respectivas revisões;
c) Dar execução aos orçamentos, bem como aprovar as suas alterações;
d) Elaborar e aprovar a norma de controlo interno, bem como o inventário de todos os bens, direitos e obrigações patrimoniais e respectiva avaliação, e ainda os documentos de prestação de contas, a submeter à apreciação e votação do órgão deliberativo;
e) Apresentar candidaturas a financiamentos, através de programas, projectos e demais iniciativas;
f) Participar no processo de planeamento e dar parecer obrigatório sob os instrumentos de gestão territorial que abranja parte ou a totalidade do território integrante dos municípios constituintes da área metropolitana, sem prejuízo do disposto no n.º 2;
g) Propor ao Governo os planos, projectos e programas de investimento e de desenvolvimento de alcance supramunicipal;
h) Dirigir os serviços técnicos e administrativos criados para assegurar a prossecução das atribuições da área metropolitana;
i) Propor à assembleia projectos de regulamentos aplicáveis no território dos municípios integrantes;
j) Dar parecer obrigatório sobre os investimentos da Administração Central nas respectivas áreas, designadamente sobre o projecto de PIDDAC anual na parte respeitante aos municípios que integram a área metropolitana e à própria área metropolitana;
k) Propor à assembleia a constituição de um conselho de administração ou a nomeação de um administrador executivo, bem como a fixação da remuneração dos respectivos administradores;

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l) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei ou por deliberação da assembleia;
m) Designar os representantes dos órgãos metropolitanos de transportes previstos na lei;
n) Designar os representantes das áreas metropolitanas em quaisquer entidades ou órgãos previstos na lei.

2 - Compete às juntas no âmbito da gestão territorial, sem prejuízo dos poderes de ratificação do Governo:

a) Nas GAM, a promoção e a elaboração dos planos regionais de ordenamento do território e a participação na elaboração de planos especiais de ordenamento;
b) Nas Comurb, a promoção e elaboração dos planos intermunicipais de ordenamento de território e participação na elaboração de planos especiais de ordenamento.

Artigo 19.º
Competências do presidente

1 - Compete ao presidente da junta:

a) Convocar as reuniões ordinárias e extraordinárias e dirigir os respectivos trabalhos;
b) Executar as deliberações da junta e coordenar a respectiva actividade;
c) Autorizar o pagamento das despesas orçamentadas;
d) Assinar ou visar a correspondência da junta com destino a quaisquer entidades ou organismos públicos;
e) Representar a área metropolitana em juízo e fora dele;
f) Exercer os demais poderes estabelecidos por lei ou por deliberação da junta.

2 - Aos vice-presidentes compete coadjuvar o presidente na sua acção e substituí-lo nas suas faltas e impedimentos.

Artigo 20.º
Reuniões

1 - A junta tem pelo menos uma reunião ordinária mensal.
2 - As reuniões ordinárias e extraordinárias são convocadas nos termos do regimento.

Artigo 21.º
Administração

1 - Nas GAM a junta pode propor à assembleia a nomeação de um administrador executivo ou a criação de um conselho de administração, composto por um número máximo de três membros.
2 - Nas ComUrb a junta pode propor à assembleia a nomeação de um administrador executivo.
3 - O administrador executivo ou o conselho de administração exercem as competências de gestão corrente que lhe forem delegadas pela junta.
4 - O administrador executivo ou o presidente do conselho de administração têm assento nas reuniões da junta sem direito a voto.

Artigo 22.º
Delegação de competências

O presidente da junta pode delegar ou subdelegar o exercício das suas competências nos demais membros da junta ou nos dirigentes dos serviços.

Secção IV
Conselho da grande área metropolitana e conselho da comunidade urbana

Artigo 23.º
Natureza e composição

1 - O conselho é o órgão consultivo da área metropolitana.
2 - O conselho é composto pelo presidente da comissão de coordenação regional, pelos membros da junta e pelos representantes dos serviços e organismos públicos cuja actividade interesse à prossecução das atribuições da área metropolitana.
3 - O conselho é presidido pelo presidente da junta.
4 - Os representantes referidos na parte final do n.º 2 são livremente nomeados e exonerados pelos membros do Governo que detenham o poder de direcção, tutela ou superintendência sobre os respectivos serviços e organismos públicos.

Artigo 24.º
Funcionamento

O conselho pode promover a participação nas suas reuniões, sem direito a voto, de representantes dos interesses sociais, económicos e culturais.

Artigo 25.º
Competências

Ao conselho compete emitir parecer sobre as matérias que lhe sejam submetidas pelos restantes órgãos da área metropolitana.

Capítulo III

Artigo 26.º
Serviços de apoio técnico e administrativo

1 - As áreas metropolitanas são dotadas de serviços de apoio técnico e administrativo, vocacionados para recolher e sistematizar a informação e para elaborar os estudos necessários à preparação das decisões ou deliberações, bem como promover a respectiva execução.
2 - A natureza, a estrutura e o funcionamento dos serviços previstos no número anterior são definidos em regulamento aprovado pela assembleia, sob proposta da junta.

Artigo 27.º
Participação em empresas

As áreas metropolitanas podem participar em empresas que prossigam fins de interesse público e se contenham nas suas atribuições, nos termos previsto na lei.

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Capítulo IV

Artigo 28.º
Regime de pessoal

1 - As áreas metropolitanas dispõem de quadro de pessoal próprio, aprovado pela junta.
2 - O quadro de pessoal das áreas metropolitanas será preenchido, preferencialmente, por funcionários mobilizados dos quadros dos municípios integrantes e das associações de municípios da respectiva área geográfica ou dos serviços da administração directa ou indirecta do Estado.
3 - Sempre que o recurso aos instrumentos de mobilidade do pessoal da função pública não permita o preenchimento das necessidades permanentes, as novas contratações ficarão sujeitas ao regime do contrato individual de trabalho.
4 - Transitoriamente, as necessidades de pessoal podem ser supridas igualmente com os contratados das associações de municípios da respectiva área geográfica, mediante acordo entre as partes, com respeito pelas cláusulas do contrato em vigor e até ao fim do prazo do mesmo.
5 - As funções de membro do conselho de administração ou de administrador executivo podem ser exercidas, em comissão de serviço, por funcionários do Estado, institutos públicos e das autarquias locais, pelo período de tempo de exercício de funções, determinando a sua cessação o regresso do funcionário ao lugar de origem.
6 - O período de tempo da comissão conta, para todos os efeitos legais, como tempo prestado no lugar de origem do funcionário, designadamente para promoção, progressão na carreira e na categoria em que o funcionário se encontra integrado.
7 - O exercício das funções de membro do conselho de administração ou de administrador-executivo, por pessoal não vinculado à Administração Pública não confere ao respectivo titular a qualidade de funcionário ou agente.
8 - O exercício das funções de membro do conselho de administração ou administrador executivo é incompatível com o exercício de qualquer cargo político em regime de permanência e cessa por deliberação da assembleia sob proposta da junta.

Capítulo V
Gestão financeira e patrimonial

Artigo 29.º
Regime de contabilidade

Na elaboração do orçamento das áreas metropolitanas devem ser observados, com as necessárias adaptações, os princípios legalmente estabelecidos para a contabilidade das autarquias locais.

Artigo 30.º
Isenções

As áreas metropolitanas beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais.

Capítulo VI
Extinção e liquidação

Artigo 31.º
Fusão, cisão e extinção

1 - A extinção das áreas metropolitanas pode efectuar-se mediante fusão e cisão com outra área metropolitana.
2 - As áreas metropolitanas podem ainda extinguir-se mediante deliberação nesse sentido.
3 - Nos casos referidos nos números anteriores as áreas metropolitanas podem proceder à liquidação do respectivo património.

Artigo 32.º
Competência para a fusão, cisão, extinção e liquidação

1 - A fusão, cisão, extinção e liquidação das áreas metropolitanas depende de deliberação por maioria de dois terços da assembleia das áreas metropolitanas, observando-se os requisitos mínimos exigidos nos n.os 2 e 3 do artigo 3.º para a sua manutenção.
2 - As deliberações das assembleias das áreas metropolitana são comunicadas ao Governo nos termos previstos no n.º 3 do artigo 4.º.

Artigo 33.º
Fusão

1 - Duas ou mais áreas metropolitanas podem fundir-se mediante a reunião numa só, observando-se o disposto no n.º 1 do artigo 3.º.
2 - A fusão pode realizar-se mediante a incorporação de uma ou mais áreas metropolitanas noutra, para a qual se transferem globalmente os patrimónios daquelas, ou através da criação de uma nova área metropolitana, que recebe os patrimónios das áreas metropolitanas, com todos os direitos e obrigações que os integram.

Artigo 34.º
Cisão

Uma área metropolitana pode ser dividida, observando-se os requisitos do artigo 3.º, passando cada uma das partes a constituir uma nova área metropolitana.

Artigo 35.º
Liquidação

1 - Deliberada a liquidação de uma área metropolitana, esta mantém a sua personalidade jurídica para efeitos de liquidação e até à aprovação final das contas apresentadas pelos liquidatários.
2 - Podem ser liquidatários as juntas das áreas metropolitanas, o administrador executivo ou o conselho de administração, previstos no n.º 1 do artigo 21.º, de acordo com deliberação da assembleia.
3 - O património existente é repartido, sem prejuízo dos direitos de terceiros, entre os municípios na proporção da respectiva contribuição para a sua constituição, e sem prejuízo da restituição integral, ainda que mediante compensação, das prestações em espécie.
4 - A distribuição do pessoal integrado no quadro pelos municípios ou pelos serviços da administração directa ou indirecta do Estado, deve observar, preferencialmente, o retorno ao quadro de origem.
5 - Sempre que não seja possível proceder à integração do pessoal nos termos do número anterior os funcionários devem indicar, por ordem decrescente os municípios em cujo quadro de pessoal preferem ser integrados, procedendo-se à respectiva ordenação em cada carreira ou categoria de acordo com a antiguidade na categoria, na carreira, e na função pública.

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6 - São criados nos quadros de pessoal dos municípios associados os lugares necessários à integração do pessoal da área metropolitana extinta, a extinguir quando vagarem.

Capítulo VII
Disposições transitórias e finais

Artigo 36.º
Comissão instaladora

1 - As comissões instaladoras das áreas metropolitanas são constituídas pelos presidentes das comissões de coordenação regional das respectivas áreas ou comunidades e pelos representantes efectivos das câmaras municipais integrantes.
2 - Compete à comissão instaladora promover a instalação dos órgãos das áreas metropolitanas.
3 - A comissão instaladora deve promover a realização da primeira reunião no prazo de 30 dias após a respectiva instituição em concreto, determinado pelo apuramento dos resultados das deliberações das assembleias municipais, comunicados nos termos do n.º 3 do artigo 4.º.
4 - O Governo apoiará técnica e logisticamente a instalação das áreas metropolitanas.

Artigo 37.º
Regime especial transitório das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto

As Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto promovem, no prazo máximo improrrogável de um ano, a sua adaptação ao regime previsto no presente diploma.

Artigo 38.º
Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 44/91, de 2 de Agosto, findo o período transitório previsto no artigo 32.º do presente diploma.

Artigo 39.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 6 de Agosto de 2002. O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso - O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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