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Quinta-feira, 4 de Março de 2004 II Série-A- Número 41

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

S U M Á R I O

Resolução: (a)
Aprova, para ratificação, o Acordo de Associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-membros, por um lado, e a República do Chile, por outro, bem como os seus Anexos, Protocolos e Notas, assinado em Bruxelas em 18 de Novembro de 2002.

Projectos de lei (n.os 1, 89, 333, 405 e 409/IX):
N.º 1/IX (Interrupção voluntária da gravidez):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 89/IX (Despenalização da interrupção voluntária da gravidez):
- Vide projecto de lei n.º 1/IX.
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 333/IX (Regime jurídico da criação de municípios na Região Autónoma dos Açores):
- Parecer do Governo Regional dos Açores.
N.º 405/IX (Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez):
- Vide projecto de lei n.º 1/IX.
- Vide projecto de lei n.º 89/IX.
N.o 409/IX (Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez):
- Vide projecto de lei n.º 1/IX.
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.

Propostas de lei (n.os 104 e 115/IX):
N.º 104/IX (Estabelece o regime de autorização a que estão sujeitas a instalação e a modificação de estabelecimentos de comércio a retalho, de comércio por grosso em livre serviço e a instalação de conjuntos comerciais):
- Parecer do Governo Regional dos Açores.
N.º 115/IX - Quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto, alterado pelas Leis n.os 28/82, de 15 de Novembro, e 72/93, de 30 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de Julho, e 2/2001, de 25 de Agosto - Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores (apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores).

Projecto de resolução n.º 230/IX:
Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (apresentada pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).

(a) É publicada em suplemento a este número.

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1998 | II Série A - Número 041 | 04 de Março de 2004

 

PROJECTO DE LEI N.º 1/IX
(INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

PROJECTO DE LEI N.º 89/IX
(DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

PROJECTO DE LEI N.º 405/IX
(SOBRE A EXCLUSÃO DA ILICITUDE DE CASOS DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DE GRAVIDEZ)

PROJECTO DE LEI N.º 409/IX
(SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

I. Introdução

Um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 1/IX - Interrupção voluntária da gravidez.
Também os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) entenderam apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 89/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Por seu turno, um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista (PS) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária da gravidez.
Por fim, as Deputadas do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes" (Os Verdes) apresentaram à Assembleia da República o projecto de lei n.º 409/IX - Sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Estas apresentações foram efectuadas nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitidas e numeradas, as iniciativas vertentes baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer, tendo sido designada como relatora a signatária.
A questão da interrupção voluntária da gravidez foi já objecto de abundantes iniciativas legislativas desde o 25 de Abril, tendo em relação aos projectos de 1997 e 1998 sido elaborados pelo Deputado José Magalhães dois pormenorizados e compreensivos relatórios/pareceres, que foram discutidos e aprovados nesta Comissão [Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 23, suplemento, de 22 de Fevereiro de 1997, e Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 29, de 5 de Fevereiro de 1998], e em cuja análise, conclusões e parecer a actual relatora se revê e subscreve.

II - Dos antecedentes parlamentares
A problemática da interrupção voluntária da gravidez surgiu, na Assembleia da República, logo na I Legislatura por iniciativa da UDP, ao apresentar o projecto de lei n.º 500/I, que, no entanto, não teve qualquer continuidade.
Na II Legislatura, o PCP apresentou o projecto de lei n.º 309/II sobre esta mesma matéria, que, na sequência do debate na generalidade, foi rejeitado em votação nominal com 127 votos contra e 105 a favor.
Na III Legislatura, o PCP retomou a sua iniciativa, agora como projecto de lei n.º 7/III, e o PS apresentou o projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, tendo o primeiro sido rejeitado por maioria, na generalidade, com votos contra do PSD, CDS, ASDI e alguns Deputados do PS e votos a favor do PCP, UEDS e MDP/CDE, e o segundo aprovado com votos a favor do PS, PCP, MDP/CDE, UDS e alguns Deputados independentes, para além das abstenções de dois Deputados do PS.
Com a sua aprovação, o projecto de lei n.º 265/III deu origem à Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, a qual veio dar nova redacção aos artigos 139.º, 140.º e 141.º do Código Penal.
Na VII Legislatura foram apresentadas três iniciativas que visavam alterar as normas respeitantes à interrupção voluntária da gravidez: o projecto de lei n.º 177/VII, do PCP, o projecto de lei n.º 235/VII, do Deputado Strecht Monteiro e outros do PS, e o projecto de lei n.º 236/VII, do Deputado Sérgio Sousa Pinto e outros do PS.
Estas três iniciativas foram discutidas em conjunto, na generalidade, e sujeitas a votação nominal, por requerimento subscrito por todos os grupos parlamentares, tendo o projecto de lei n.º 235/VII por 155 votos a favor, 47 votos contra e 24 abstenções, e rejeitados o projecto de lei n.º 177/VII por 155 votos contra, 99 a favor e 12 abstenções e o projecto de lei n.º 236/VII por 112 votos contra, 111 a favor e 3 abstenções.
O projecto de lei n.º 235/VII, após aprovação final, deu origem à Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, que altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez.
Ainda nessa legislatura, foi retomado o debate sobre a interrupção voluntária da gravidez, com o PCP a apresentar o projecto de lei n.º 417/VII, o PS a apresentar o projecto de lei n.º 451/VII, e os Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo a apresentarem o projecto de lei n.º 453/VII.
Por entender que alguns dos projectos de lei apresentados abordavam expressamente a questão da liberalização da interrupção voluntária da gravidez, ainda que limitada temporariamente, o PSD propôs que a questão fosse objecto de referendo, tendo para o efeito apresentado o respectivo projecto de resolução, que, contudo, acabou por retirar na sequência da discussão conjunta das iniciativas.
Em virtude de requerimento do PSD e do CDS-PP, os projectos de lei foram votados nominalmente, tendo sido aprovado o projecto de lei n.º 451/VII, do PS, por 116 votos a favor, 107contra e 3 abstenções, e rejeitados o projecto de lei n.º 417/VII, do PCP, por 110 votos contra, 107 a favor e 9 abstenções, e o projecto de lei n.º 453/VII, dos dois Deputados socialistas, com os votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP, de Os Verdes, votos a favor dos proponentes e abstenções de Deputados do PS e do PSD.
A 13 de Janeiro de 1998, o PSD volta a apresentar o projecto de resolução n.º 75/VII para a realização de referendo, prévio à votação final das iniciativas que visavam a liberalização, tendo dado origem à Resolução da Assembleia da República n.º 16/98, de 31 de Março.
Na sequência do pedido do Presidente da República, o Tribunal Constitucional, por Acórdão n.º 288/98 - Processo n.º 340/98, de 18 de Abril, verificou a constitucionalidade e legalidade do referendo, pelo que este foi realizado a 28 de Junho, tendo os portugueses votado pela não despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Na VIII Legislatura, o PCP e o BE recuperaram a questão, tendo apresentado, respectivamente, o projecto de lei n.º 16/VIII e o projecto de lei n.º 64/VIII por considerarem que o referendo não foi vinculativo, dado que o número de votantes foi inferior a metade dos cidadãos eleitores inscritos no recenseamento eleitoral, isto é, apenas 31,9% dos eleitores inscritos se pronunciaram. Estes projectos de lei não tiveram, contudo, qualquer sequência.

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Volvidos que estão mais de cinco anos sobre o referendo, entendem os proponentes de todos os projectos de lei em discussão que este é o momento de se voltar a discutir a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

III - O actual quadro legal da interrupção voluntária da gravidez em Portugal:
O artigo 24.º da Constituição (CRP) estabelece que a vida humana é inviolável e que, em caso algum, haverá pena de morte.
De acordo com a douta posição dos constitucionalistas Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à vida é prioritário, estando na base de todos os direitos das pessoas e que decorrem da sua consagração.
O direito à vida significa o direito de não ser morto, de não ser privado da vida. Neste contexto, a proibição da pena de morte e a punição do homicídio surgem como corolário do direito à vida.
Conexos com esta questão estão, ainda que de forma indirecta, envolvidos outros princípios constitucionais, designadamente os consagrados no artigo 36.º, n.º 3 (igualdade dos cônjuges à manutenção dos filhos), no artigo 25.º (direito à integridade pessoal), no artigo 1.º (direito à dignidade da pessoa humana), no artigo 67.º, n.º 1 (realização pessoal), no artigo 68.º, n.º 2 (valores sociais eminentes da maternidade e paternidade), no artigo 69.º (desenvolvimento integral das crianças) e no artigo 71.º (plenitude dos direitos dos que sofrem de doença física ou mental).
A questão de saber se o artigo 24.º da CRP abrange também a vida intra-uterina, foi profundamente tratada no citado Acórdão n.º 288/98, do Tribunal Constitucional, tendo concluído que "não havendo uma imposição constitucional de criminalização na situação em apreço, cabe na liberdade de conformação legislativa a opção entre punir criminalmente ou despenalizar a interrupção voluntária da gravidez".
No direito ordinário, a matéria objecto das iniciativas legislativas em análise encontra-se regulada nos artigos 140.º, 141.º e 142.º do Código Penal referente ao capítulo II "Dos crimes contra a vida intra-uterina".
Os Códigos Penais de 1886 e 1982 incriminavam todos os casos de interrupção voluntária da gravidez.
Somente com a Lei n.º 6/84 viriam a ser estabelecidas três situações tipo onde se exclui a ilicitude do aborto, a saber:

" Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida - aborto terapêutico;
" Mostrar-se indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez - aborto terapêutico;
" Existência de seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez - aborto eugénico;
" Verificação de sérios indícios de que a gravidez resultou de violação da mulher e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez - aborto ético.

Com a Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, veio a ser alterado o artigo 142.º do Código Penal, permitindo o alargamento dos prazos do aborto eugénico para as primeiras 24 semanas de gravidez, bem como para as 16 semanas nos casos em que a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual.

IV - Enquadramento genérico da interrupção voluntária da gravidez em Portugal

As Nações Unidas publicaram recentemente um relatório subordinado ao título "Abortion Policies: A Global Review" que contém um exame, país a país, das políticas nacionais relativos ao aborto induzido e o contexto dentro do qual o aborto é praticado, com o objectivo de proporcionar informação objectiva acerca da legislação e políticas relativas ao aborto no final do século XX.
Este relatório parte da constatação de que o aborto é uma matéria que faz levantar questões e controvérsias "apesar de ser comummente praticado pelo mundo fora e tenha sido praticado mesmo muito antes do início da História registada".
E prossegue referindo que "o aborto suscita questões fundamentais acerca da existência humana tais como, quando começa a vida e o que nos faz ser uma pessoa humana. O aborto está no coração de questões controversas tais como o direito das mulheres ao controlo do seu corpo, a natureza do dever do Estado de proteger os nascituros, a tensão entre as visões seculares e religiosas da vida humana e o indivíduo e a sociedade, os direitos das mães e dos pais a serem envolvidos na decisão sobre o aborto, e o conflito entre os direitos da mãe e do feto. Também central na questão do aborto é uma das questões sociais mais controversas de todas - a sexualidade. Qualquer discussão sobre o aborto leva inevitavelmente à consideração sobre como surgiu a gravidez e às formas através das quais poderia ter sido prevenida através da utilização dos métodos anticonceptivos. No início de um novo século, estas questões e problemas continuam a ocupar um lugar significativo na intervenção pública em todo o mundo".
Depois de uma descrição sobre os desafios práticos e conceptuais do estudo realizado, no capítulo relativo às principais dimensões da política sobre o aborto, conclui sumariando as principais contradições entre a lei e a política, por um lado, e a prática, por outro, nos seguintes termos: "Por detrás destes desafios conceptuais, harmonizar a lei e a política de um país com aquilo que é a prática continua a ser o maior problema. Em muitos países onde a prática do aborto é na generalidade ilegal, as estatísticas indicam que um largo número é praticado, a maioria deles ilegais, com poucas condenações. Dos cerca de 50 milhões de abortos praticados anualmente em todo o mundo, estima-se em cerca de 40% aqueles que são feitos ilegalmente (WHO, 1994a). Nestes países, as autoridades ignoram ou toleram a prática do aborto ilegal ou oficiosamente licenciam clínicas para este propósito. Um certo número de factores é responsável por esta situação. Entre eles está a facilidade com que eles são praticados, a falta de vontade ou de recursos para o condenar, particularmente face à pressão das necessidades sociais, e da natureza clandestina do processo. Em alguns países, onde o aborto é tecnicamente legal, o acesso ao pessoal e às instituições pode ser limitado, assim como a falta de recursos financeiros, o que resulta em mais abortos ilegais. Nos poucos em que o aborto é autorizado, o Governo pode não ter possibilidades de regular a implementação da lei. Em todas estas situações, raramente se aplica a lei exceptuando os casos mais graves, envolvendo normalmente a morte da mulher grávida. Em alguns países, a indiferença perante o aborto é tão grande que a maioria das pessoas não conhece a lei em vigor. O advento do novo desenvolvimento científico como o RU 486, a chamada 'pílula abortiva', torna mais fácil abortar sem a necessidade de equipamentos especiais, o que provavelmente aumenta o fosso entre a lei e a prática".

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Neste mesmo documento se refere, no capítulo atinente a Portugal, que se estima que todos os anos sejam praticados 16 000 abortos ilegais.
Este número não passa, porém, de uma estimativa.
Reconduzindo-se uma prática ilegal, por natureza, à clandestinidade, é extraordinariamente difícil ter certezas sobre números.
Independentemente do conhecimento da sua verdadeira extensão, uma aproximação à realidade seria extremamente importante para que pudessem ser definidas políticas, o mais rigorosas possível.
Nesse sentido, a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma Resolução - a n.º 57/2002, publicada em 17 de Outubro -, no sentido de realizar um estudo que a habilitasse a conhecer a realidade do aborto em Portugal, de forma extensa e profunda no que se refere à realidade em si e às causas que a determinam.
Volvido mais de um ano e quatro meses sobre essa aprovação e não tendo havido consenso na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais sobre a metodologia a seguir para a encomenda de tal estudo, o ponto da situação actual é o de que se decidiu proceder à entrega de um estudo preliminar ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) para avaliar qual o valor do contrato a realizar, para poder depois decidir sobre a tramitação legal aplicável.
Não dispomos, pois, ainda, nem disporemos tão cedo de um levantamento global da situação que siga a abordagem científica adequada, tanto mais que a complexidade e a delicadeza da tarefa dificultam a sua conclusão.
Conforme demonstram, porém, estudos mais dirigidos, recentemente elaborados pelos investigadores Henrique de Barros, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e Teresa Correia da Escola de Enfermagem do Instituto Politécnico de Bragança, segundo o qual uma em cada 200 jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos já abortou, o aborto clandestino assumirá elevadas proporções.
Refira-se ainda, a este propósito, o estudo da Associação para o Planeamento da Família em oito bairros sociais das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto que revela números muito problemáticos, demonstrando que cerca de 30% das mulheres inquiridas já tinham realizado um aborto.
Independentemente dos contornos legais esta é uma verdadeira questão de saúde pública.
O recentemente divulgado Plano Nacional de Saúde dedica-lhe apenas a seguinte frase: "Mantém-se actual a questão da gravidez não desejada e das suas consequências".
A frase é curta, é única, tanto quanto consegui apurar, mas é densa, pois aqui se joga, em toda a sua plenitude, a vastíssima questão das determinantes da saúde.
A temática da interrupção voluntária da gravidez tem proporcionado inúmeros debates e alguns deles têm merecido enorme destaque nos órgãos de comunicação social, sobretudo por força dos processos judiciais recentemente ocorridos e citados nos preâmbulos de quase todas as iniciativas objecto deste relatório.
As perspectivas de abordagem têm variado desde a análise ética, a social, a da saúde pública, a jurídica, a política.
Destaco, de entre a imprensa escrita, um artigo de António Marujo, publicado no jornal Público, de 18 de Dezembro de 2004, sobre a abordagem pela via filosófica e teológica, apenas por não ter sido das mais comuns, desenvolvida pelo Padre Anselmo Borges que propõe "a necessidade de distinguir entre a vida, vida humana e pessoa humana".
Autor de "Corpo e Transcendência" (ed. Fundação Eugénio de Almeida), este membro da Sociedade Missionária da Boa Nova faz questão de vincar três ideias: "A vida humana deve ser garantida e respeitada; o aborto é objectivamente um mal e não pode ser encarado como algo de leviano; e é necessário atender às circunstâncias de cada caso, que são por vezes verdadeiros dramas".
Anselmo Borges propõe, depois, distinguir vida, vida humana e pessoa humana: "Nas primeiras fases, não temos uma pessoa em acto. Até à nidação, quando ainda é possível haver gémeos - ou seja, duas pessoas -, quer dizer que não temos um indivíduo". O teólogo português cita ainda o pensador católico espanhol Pedro Laín Entralgo que, na sua obra "Alma, cuerpo, persona", afirma: "Só a partir de um determinado momento do seu desenvolvimento - desde a configuração da blástula e a nidação? - [o zigoto humano] cumprirá o dilema próprio do modo incondicionado de 'ser em potência': chegar a ser homem em acto ou sucumbir".
O padre Anselmo propõe um caminho de saída: "Se com a morte cerebral a pessoa acabou, porque não se toma, como ponto de partida, a ideia de que enquanto não há cérebro não há vida?".
Noutra perspectiva está José Ramos Ascensão, presidente da Associação Mais Família, um dos grupos pró-vida. Situando-se no debate provocado pelo julgamento de Aveiro, mostra-se favorável a uma "estratégia positiva e activa no apoio às mulheres". "É uma hipocrisia afirmar que o aborto é mau e depois colocar as opções pró-aborto ou pró-vida como equivalentes". Mesmo num caso como o julgamento que está a decorrer em Aveiro, Ramos Ascensão diz que "a absolvição ou a suspensão de pena não escandaliza". O que "não quer dizer despenalizar, pois isso é tornar o aborto a solução mais fácil".
Católico - embora presida a uma associação não-confessional -, Ramos Ascensão diz que as opiniões do bispo do Porto em entrevista ao Expresso são "um sinal da liberdade de expressão dentro da Igreja", embora elas "não estejam em consonância com a doutrina da Igreja".
Sobre a posição católica oficial, Anselmo Borges diz que ela é consequência da falta de formação. "A Igreja ainda não percebeu que o aparecimento da pessoa é um processo" e quando "não há formação, há medo". "Todo o discurso moral é para o princípio da vida e para o seu fim. E o que acontece no durante? Quem defende condições de vida dignas para todos, quem forma os jovens?" E, na polémica sobre a despenalização, "a Igreja não deve reclamar o braço legal, antes apoiar-se na sua força moral".
Por sua vez, Pedro Strecht, em artigo publicado no mencionado Público, há cerca de duas semanas, analisa este tema diferentemente, sob o ponto de vista da saúde mental e não da meramente biológica, esta sendo a mais comum.

V - Enquadramento internacional da interrupção voluntária da gravidez:
Conforme se afirma em trabalho recente cuja elaboração e publicação foi apoiado pelo FNUAP, o mais significativo documento da ONU é o Programa de Acção resultante da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994 e que representa a base para a política de saúde reprodutiva em todo o mundo. Outros momentos-chave na política ONU adiante referidos representaram grandes inovações na agenda internacional.
A Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, que teve lugar em Teerão, em 1968, declarou pela primeira vez o direito humano dos pais ao planeamento familiar, conforme se expressa no Parágrafo 16: "a protecção da família e da criança mantém-se como interesse da comunidade internacional.

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Os pais têm o direito humano básico a determinar livre e responsavelmente o número e espaçamento dos seus filhos".
A Conferência da População Mundial, de Bucareste, em 1974, foi a primeira conferência da ONU sobre população, tendo 1974 sido designado o Ano Mundial da População com o objectivo de aumentar a consciencialização, promover o desenvolvimento de políticas e programas de população e encorajar a expansão da cooperação e assistência internacionais.
O documento resultante desta conferência foi o Plano de Acção da População Mundial (WPPA), que recomendava a todos os governos: "Respeitar e assegurar, independentemente das suas metas demográficas, o direito das pessoas a determinar, de forma livre, informada e responsável, o número e espaçamento dos seus filhos" [Parágrafos 29(a)].
O WPPA durante 20 anos funcionou como orientação para governos, agências internacionais e organizações não-governamentais. Conseguiu introduzir a necessidade de planeamento familiar na agenda internacional e deu origem a muitos avanços positivos tais como um maior empenhamento em políticas de população, mais trabalhadores formados em planeamento familiar, maior fornecimento de materiais e outros recursos. A população foi firmemente estabelecida como uma questão legítima nas agendas sociais, económicas, ambientais, bem como em outras agendas de desenvolvimento.
A primeira Conferência Mundial sobre Mulheres, que teve lugar na Cidade do México, em 1975, introduziu uma nova dimensão, ao declarar que o direito ao planeamento familiar é essencial para a equidade do género.
Em 1984, a Conferência Internacional sobre População, também ocorrida na Cidade do México, na qual tive o gosto de participar, reconheceu o grande aumento do conhecimento do planeamento familiar e do seu acesso desde 1974. Os governos apoiaram-no enquanto contribuição para a saúde materno-infantil, para os direitos humanos de indivíduos e casais e com medida demográfica. Porém, dados do Estudo de Fertilidade Mundial para os países em desenvolvimento, demonstravam que das mulheres em risco de gravidez e que não desejavam mais crianças, apenas metade tinha acesso à contracepção. Este facto levantou pela primeira vez a noção de "necessidade não atendida" - a questão dos casais que desejam contracepção mas à qual não conseguem ter acesso.
Os perigos do aborto não seguro foram reconhecidos como uma das principais causas da mortalidade materna, tendo dado origem à seguinte recomendação: "seguir os passos adequados no sentido de ajudar as mulheres a evitarem o recurso ao aborto, que em nenhum caso deve ser promovido como método de planeamento familiar e, quando possível, providenciar aconselhamento e tratamento humano a mulheres que já tenham recorrido ao aborto" [Recomendação 18 (e)].
Como já atrás se referiu, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), no Cairo, em 1994, foi um marco, que determinou a política global para os serviços hoje implementados. A CIPD fez uma abordagem mais alargada que as conferência prévias, reflectindo as ligações entre população e pobreza.
O documento resultante foi o Programa de Acção do Cairo, assinado por 179 nações, que em conjunto delinearam iniciativas no âmbito da população, educação, saúde, ambiente e redução da pobreza através de uma abordagem centrada no desenvolvimento humano. Esta abordagem definiu uma nova orientação para a comunidade internacional e para todos os governos, substituindo o Plano de Acção da População Mundial de 1974.
A CIPD estabeleceu o novo conceito de "saúde reprodutiva" da seguinte forma: "a saúde reprodutiva é o completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença ou enfermidade, em todas as questões relacionadas com o sistema reprodutivo e suas funções e processos. Assim, a saúde reprodutiva sugere que as pessoas são capazes de viver uma vida sexual satisfatória e segura e que possuem a capacidade de reproduzir e a liberdade para decidir se, quando e com que frequência fazê-lo. Implícito nesta última condição está o direito de homens e mulheres a estarem informados e a terem acesso a métodos de planeamento familiar da sua escolha, seguros, eficazes, económicos e aceitáveis para a regulação da fertilidade, que não sejam ilegais, bem como o direito ao acesso a serviços e cuidados de saúde adequados que possibilitem às mulheres uma gravidez e parto seguros e que providenciem aos casais a melhor possibilidade de terem uma criança saudável" (Parágrafo 7.2).
O "pacote de saúde reprodutiva" foi desenhado para alcançar essa meta, englobando o planeamento familiar, educação sexual, maternidade segura e protecção contra as infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o VIH/SIDA.
Tal como em 1984, foi declarado que o aborto não deve ser promovido como método de planeamento familiar, e os perigos do aborto foram enunciados, através da seguinte recomendação: "(…). Todos os governos (…) são impelidos a consolidar o seu empenhamento em prol da saúde das mulheres, a lidar com o impacto do aborto não seguro na saúde como sendo uma principal preocupação de saúde pública e a reduzirem o recurso ao aborto através da expansão e do melhoramento de serviços de planeamento familiar (…). Em todos os casos, as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade para a gestão das complicações associadas ao aborto" (Parágrafo 8.25).
O aborto não seguro foi definido pela Organização Mundial de Saúde como um procedimento para interromper uma gravidez por uma pessoa sem as qualificações necessárias, ou num ambiente sem as mínimas condições médicas, ou ambas.
A Conferência Mundial sobre Mulheres, em Pequim, em 1995, culminou com a Plataforma de Acção de Pequim, assinada por mais de 180 governos, que deu continuidade ao progresso feitos pela CIPD. A Plataforma de Acção especificou que "os direitos humanos da mulher incluem o seu direito a controlar e a decidir livre e responsavelmente sobre as questões relacionadas com a sua sexualidade, incluindo saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência" (Parágrafo 96).
Aí se reconheceu que o aborto não seguro ameaça as vidas de muitas mulheres, especialmente as mais jovens e pobres, e que medidas de saúde reprodutiva seguras e eficazes reduzem as mortes e lesões relacionadas com o aborto não seguro.
A Plataforma de Pequim levantou também a possibilidade da descriminação do aborto, convidando os governos a considerarem a revisão das leis que contemplam medidas punitivas contra mulheres que se sujeitaram a abortos ilegais.
A sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas para rever o progresso da Plataforma de Acção de Pequim, chamada "Pequim + 5", ocorreu durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, nela tendo também participado, com gosto, a signatária.
A conferência identificou a necessidade de um maior envolvimento na saúde sexual e reprodutiva, com um destaque

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para a: "Elaboração e implementação de programas para encorajar e capacitar os homens na adopção de comportamentos de saúde sexual e reprodutiva seguros e responsáveis e na utilização eficaz de métodos que previnam gravidezes não desejadas e infecções sexualmente transmissíveis, incluindo o VIH/SIDA" (Parágrafo 107g).
A melhoria da saúde materna é, ainda, uma das 8 Metas do Desenvolvimento do Milénio, aprovadas em 2000, aquando da realização da Cimeira do Milénio da Assembleia Geral da ONU.
Noutra vertente, a Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, da Federação Internacional de Planeamento Familiar afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro".
No mesmo sentido, a Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Oportunidades no Parlamento Europeu apreciou e aprovou o projecto de relatório que recomenda a legalização do aborto em todos os Estados-membros da União Europeia. Detaque-se deste projecto de relatório que se considera que "o aborto não deve ser fomentado como método de planeamento familiar" e "recomenda que a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível, a fim de salvaguardar a saúde das mulheres".
Refira-se, de igual modo, a Resolução do Parlamento Europeu sobre o Estado de Saúde das Mulheres na Comunidade Europeia que reconhece que as condições nas quais as mulheres podem desfrutar de saúde sexual e reprodutiva variam significativamente de país para país. A Resolução apelava, assim, aos Estados-membros para legalizarem a prática do aborto provocado em certas condições, pelo menos em casos de violação, gravidez forçada ou de perigo para a vida ou a saúde da mulher, com base no princípio segundo o qual tem de ser a mulher, ela própria, a tomar a decisão final.
Recorde-se, ainda, a plataforma de acção da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres que declara que os governos "devem ponderar a revisão das leis que contêm medidas de carácter punitivo contra as mulheres que tenham realizado abortos clandestinos".
Registe-se, também, no plano europeu, a alteração fundamental que decorre da aprovação, através de um referendo, da despenalização do aborto na Suiça.

VI - Do conteúdo das iniciativas:
Projecto de lei n.º 1/IX do PCP

O projecto de lei n.º 1/IX da iniciativa do PCP propõe as seguintes alterações à actual legislação penal sobre a interrupção voluntária da gravidez:

a) Exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher para garantir o direito à maternidade consciente e responsável;
b) Nos casos de mãe toxicodependente o alargamento do período das 12 para as 16 semanas;
c) A especificação de que, havendo risco de o nascituro vir a ser afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida (eugénico) poderá ser feito até às 24 semanas;
c) O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a IVG pode ser praticada sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar o perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida;
d) O alargamento para 24 semanas no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica;
e) A obrigação de organização dos serviços hospitalares, nomeadamente dos distritais, por forma a que respondam às solicitações de prática da IVG;
f) O acesso a consultas de planeamento familiar.

Pretende o PCP que se institua um regime legal mais adequado que o vigente, nomeadamente tendo em atenção os conhecimentos da medicina, o qual tem de ser acompanhado por políticas que garantam a realização pessoal dos cidadãos e protejam a maternidade e a paternidade, conforme resulta da sua exposição de motivos.

2. Projecto de lei n.º 89/IX do Bloco de Esquerda:
O projecto de lei n.º 89/IX do Bloco de Esquerda assenta nos seguintes pressupostos:

a) Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência, conforme decorre do artigo 1.º do projecto de lei em apreço;
b) O artigo 142.º do Código Penal passa a ter uma nova redacção, segundo a qual não é punível o aborto efectuado por médico:

- A pedido da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez;
- No caso de existirem seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas com consentimento da mulher;
- Sempre que exista perigo de vida para a mulher grávida ou de grave e irreversível lesão para a saúde física e psíquica e for realizado com o seu consentimento até às 16 semanas de gravidez;
- Quando se trate de grávida toxicodependente, desde que realizado, com o seu consentimento, nas primeiras 16 semanas de gravidez;
- No caso das mulheres grávidas portadoras de HIV ou afectadas por este vírus, até às 24 semanas, se esse for o consentimento da mulher;
- No caso de fetos inviáveis, a interrupção de gravidez poderá ser feita em qualquer idade gestacional;
- Constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.

c) O projecto de lei, em análise, acrescenta, ainda, o direito de objecção de consciência dos profissionais de saúde nos casos de interrupção voluntária de gravidez, mas obriga-os ao encaminhamento da mulher para outros profissionais de saúde disposto a prestar o serviço solicitado (artigo 4.º);
d) Prevê, ainda, a organização distrital dos estabelecimentos públicos de saúde para a realização da interrupção voluntária da gravidez, bem como a obrigatoriedade destes estabelecimentos de saúde fazerem o acompanhamento da utente em termos de planeamento familiar.

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3. Projecto de lei n.º 405/IX do Partido Socialista:
O projecto de lei do Partido Socialista apresenta, também alterações ao Código Penal, designadamente ao artigo 142.º, nos seguintes termos:

a) Não é punível a interrupção voluntária da gravidez com o consentimento da mulher grávida nas seguintes situações (artigo 1.º):

- A pedido da mulher e após uma consulta num Centro de Acolhimento Familiar, nas primeiras 10 semanas de gravidez;
- Caso se mostre indicada para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez.

b) É aditado ao Código Penal um artigo 140.º-A, prevendo uma pena de prisão até 2 anos para quem fizer publicidade ilegal de produto, método ou serviço, próprio ou de outrem, como meio de incitar à interrupção voluntária da gravidez.
c) Propõe, este projecto de lei, a criação de uma rede pública de aconselhamento familiar através da existência de Centros de Aconselhamento Familiar em cada distrito, cuja organização e funcionamento se encontram nos artigos 4.º, 5.º e 6.º do projecto de lei em análise.
d) Determina-se o dever de sigilo aos médicos e demais profissionais de saúde bem como ao restante pessoal dos estabelecimentos de saúde públicos ou oficialmente reconhecidos onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez.

4. Projecto de lei n.º 409/IX do Partido Ecologista Os Verdes:
Este projecto de lei funda-se nas seguintes alterações ao Código Penal:

a) A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas 12 primeiras semanas a pedido da mulher grávida;
b) No alargamento do prazo de 16 para 24 semanas dentro do qual a interrupção voluntária da gravidez pode ser praticada sem punição a menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica quando tenham sido vítimas de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual;
c) Garante-se o direito de objecção de consciência aos médicos e profissionais de saúde e, simultaneamente, o dever de os serviços de saúde se organizarem de modo a respeitá-lo e assegurar à mulher a interrupção lícita e voluntária, nos prazos e condições legalmente previstos;
d) Propõe-se, em articulação com os serviços de saúde competentes, o posterior encaminhamento da mulher em termos de planeamento familiar;
e) Assegura-se o dever de sigilo dos médico e demais profissionais de saúde relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento no exercício das suas funções e relativos à prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez.

VII. Conclusões
1. As iniciativas foram apresentadas nos termos do artigo 167.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento;
2. Os projectos de lei têm como objectivo fundamental a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, em condições tipificadas;
3. Os projectos de lei n.os 1/IX (PCP), 89/IX (BE) e 409/IX (Os Verdes) implicam a alteração dos artigos 140.º e 142.º do Código Penal, enquanto o projecto de lei n.º 405/IX (PS) implica a alteração do artigo 142.º do Código Penal e o aditamento do artigo 140.º-A a este Código.

VIII. Parecer
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:

Que os projectos de lei em análise preenchem os requisitos e encontram-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 3 de Março de 2004. - A Deputada Relatora, Maria de Belém Roseira - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: As conclusões e o parecer foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP e de Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 89/IX
(DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

PROJECTO DE LEI N.º 405/IX
(SOBRE A EXCLUSÃO DA ILICITUDE DE CASOS DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DE GRAVIDEZ)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

Relatório

I - Nota prévia

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República um projecto de lei n.º 89/IX que visa a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Posteriormente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou o projecto de lei n.º 405/IX sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez.
Esta apresentação foi efectuada nos termos do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 138.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos.
Ambas as iniciativas desceram à 8.ª Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais e à 1.ª Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para emissão do respectivo relatório e parecer.
Os projectos de lei vertentes serão discutidos em conjunto na reunião plenária de 3 de Março de 2004.

II - Motivação e conteúdo das iniciativas em apreço

2.1- Do projecto de lei n.º 89/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
No entendimento dos proponentes existem razões substanciais para alterar a actual legislação portuguesa fundamentalmente relacionadas com a prática do aborto clandestino.
O corpo normativo desta iniciativa é composto por sete artigos.
A alteração proposta vai no sentido de prever a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, com a concordância da mulher, realizada

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em estabelecimento legal de saúde até ao prazo de 12 semanas.
No entanto, o prazo é alargado para 16 semanas no caso da mãe toxicodependente e 24 semanas, caso a progenitora tenha HIV. (vd. artigo 2.º do projecto de lei).

2.2 - Do projecto de lei n.º 405/IX - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez
Os proponentes preconizam a despenalização voluntária da gravidez em certos casos, hoje não previstos, "para preservação da integridade moral, dignidade social e da maternidade consciente". Despenalizam a interrupção voluntária da gravidez, com a concordância da mulher, realizada em estabelecimento legal de saúde até ao prazo legal de 10 semanas.
O PS propõe ainda uma punição para quem publicita, com propósitos comerciais a prática de aborto. Tal delito deve ser punido com pena de prisão até dois anos (artigo 2.º do projecto de lei).

III - Esboço histórico e antecedentes parlamentares

A problemática do aborto surgiu com a apresentação, na Assembleia da República, pelo Partido Comunista Português dos projectos de lei n.º 307/II, 308/II e 309/II intitulados, respectivamente, "Protecção e defesa da maternidade", "Garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual" e "Interrupção voluntária da gravidez" (vd 2.ª série do Diário da Assembleia da Republica, n.º 50, de 6 de Fevereiro de 1982.)
Mais tarde, o Partido Social Democrata apresentou também um projecto (sob o n.º 374/II) sobre "Direito ao Planeamento Familiar".
Os projectos de lei foram discutidos, tendo sido aprovados na generalidade e descendo à Comissão de Saúde, Segurança Social e Família somente os projectos n.os 307/II e 374/II sobre defesa da maternidade e planeamento familiar, respectivamente. Por sua vez, o projecto n.º 308/II foi rejeitado.
Rejeitado foi também o projecto n.º 309/II sobre interrupção voluntária da gravidez.
Na sessão legislativa subsequente, o PCP apresentou de novo, na íntegra, o referido projecto n.º 309/II. (DAR, 2.ª série, n.º 1, de 1 de Julho de 1983).
Por sua vez, mais tarde, o Partido Socialista veio a apresentar uma alternativa mais restritiva, constante do projecto n.º 265/III (DAR, 2.ª série, n.º 73, de 14 de Janeiro de 1984).
A discussão do projecto n.º 265/III veio a processar-se conforme consta daquele Diário, n.os 67 e 68, de 26 e 27 de Janeiro de 1984, com aprovação na generalidade desse projecto, bem como de mais dois projectos do PS e do PSD sobre educação sexual e planeamento familiar e protecção da maternidade e paternidade (projectos n.º 267/III e 272/III, respectivamente), com rejeição dos projectos n.os 5/III, 6/III e 7/III que o PCP apresentara também sobre as matérias referidas em último lugar.
A matéria relativa ao projecto referido, sobre interrupção voluntária da gravidez, depois de discutido na especialidade pela Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias, foi aí aprovada com algumas alterações.
Seguidamente, subiu a Plenário para aprovação final global (DAR, 1.ª série, n.º 75, de 15 de Fevereiro de 1984), vindo a obtê-la por maioria simples. O mesmo se diga dos projectos relativos à "educação sexual e planeamento familiar" e à "defesa da maternidade e da paternidade" também objecto de aprovação final global na mesma sessão, depois de prévia discussão e votação na especialidade, na respectiva Comissão Parlamentar. Deu origem à Lei n.º 6/84, de 11 de Maio.
Durante a VII Legislatura foram apresentadas várias iniciativas parlamentares, em dois momentos.
Num primeiro momento:

Os projectos n.os 177/VII (PCP), 235/VII e 236/VII (ambos do PS), que visavam alterar a legislação em vigor sobre a interrupção voluntária da gravidez. Os projectos de lei n.os 177/VII e 236/VII foram rejeitados na generalidade. O projecto n.º 235/VII deu origem à Lei n.º 90/97, de 30 de Julho.

Num segundo momento:

Os projectos de lei n.os 417/VII (PCP), 451/VII (PS) e 453/VII (PS), todos atinentes a matéria de despenalização voluntária da gravidez, e o projecto de resolução n.º 38/VII (PSD) sobre o referendo.
O projecto de lei n.º 417/VII (PCP) foi rejeitado na generalidade.
O n.º 451/VII foi aprovado na generalidade, e baixou à Comissão.
O n.º 453/VII foi rejeitado na generalidade.
O projecto de resolução foi discutido, mas retirado.
Simultaneamente com estas propostas, o CDS-PP apresentou o projecto de lei n.º 448/VII, que acabou sendo rejeitado na generalidade.
O projecto de resolução n.º 75/VII, apresentado pelo PSD, sobre a proposta de referendo sobre a alteração da lei do aborto foi aprovado e deu origem à Resolução da Assembleia da República n.º 16/98, de 31 de Março.
A pergunta sujeita a referendo cuja realização foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/98 era do seguinte teor:

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?".

Os resultados do referendo, realizado em 28 de Junho de 1998, consistiram na rejeição da proposta apresentada.
Na VIII legislatura foram discutidos conjuntamente os seguintes projectos: n.º 101/VIII (BE) contracepção de emergência, n.º 308/VIII (PCP) que garante o acesso aos medicamentos contraceptivos de emergência, o n.º 313/VIII (PSD) da gravidez na adolescência e o n.º 314/VIII (PS) sobre a contracepção de emergência. Os projectos n.os 101/VIII, 308/VIII e 314/VIII deram origem à Lei n.º 12/2001, de 21 de Maio.

IV - Enquadramento legal e constitucional

A legislação sobre o aborto está contemplada na Lei n.º 6/84, de 11 de Maio (Exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez), que tem uma modificação introduzida pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho (Altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez). Além disso, deve ter-se em atenção o Código Penal, nomeadamente os artigos 139.º, 140.º, 141.º, 142.º e a Portaria n.º 189/98, de 21 de Março (Estabelece as medidas a adoptar nos estabelecimentos oficiais de saúde que possuam serviços de obstetrícia com vista à efectivação da interrupção da gravidez nos casos e circunstâncias previstos no artigo 142.º do Código Penal).
No Código Penal, o aborto é um "crime contra a vida intra-uterina", punido pelo artigo 140.º do Código Penal vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
A pena para "a mulher grávida que 'der consentimento' ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar" é de prisão até 3 anos (n.º 3

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do artigo 140.º do Código Penal). A mesma pena é aplicável a "quem, por qualquer meio e 'com consentimento' da mulher grávida, a fizer abortar" (n.º 2 do artigo 140.º do Código Penal).
A pena é maior, de 2 a 8 anos de prisão, para "quem, por qualquer meio e 'sem consentimento' da mulher grávida, a fizer abortar" (n.º 1 do artigo 140.º do Código Penal).
Estas penas serão aumentadas de um terço "quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher grávida" e ainda quando o agente "se dedicar habitualmente à prática de aborto punível (…) ou o realizar com intenção lucrativa", nos termos do artigo 141.º do Código Penal vigente.
É excluída a ilicitude da prática do aborto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, nos seguintes termos:

"Artigo 142.º
(Interrupção da gravidez não punível)

1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:

a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas da gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas da gravidez, comprovadas ecograficamente ou outro meio adequado de acordo com as legis artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

2 - A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
3 - O consentimento é prestado:

a) Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou
b) No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parente da linha colateral.

4 - Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos".

V - Conclusões

Atentos os considerandos que antecedem conclui-se no seguinte sentido:

1 - Os projectos de lei foram apresentados ao abrigo do disposto no artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 138.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos formais previstos;
2 - No quadro parlamentar e durante os últimos 22 anos, têm sido apresentadas e discutidas diversas iniciativas legislativas nesta área, sendo que aquelas que têm por objectivo o alargamento das previsões da Lei n.º 6/84, de 11 de Maio (salvo uma alteração aprovada em 1997), têm vindo, por razões diversas, a ser rejeitadas, com excepção do projecto de lei n.º 451/VII(3), da iniciativa do PS, o qual foi aprovado na generalidade, não tendo sido submetido a debate e votação na especialidade por ter sido estabelecido um acordo político partidário de realização de um referendo;
3 - Em 28 de Junho de 1998, em Referendo legal e democraticamente convocado e realizado, a maioria dos votantes pronunciou-se desfavoravelmente em relação à seguinte pergunta: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?";
4 - No que respeita à protecção da vida e da dignidade da pessoa humana, o ordenamento jurídico da República Portuguesa rege-se sobretudo por três documentos fundamentais: a Constituição da República Portuguesa (cujo artigo n.º 24.º, n.º 1, diz que "a vida humana é inviolável"), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (cujo artigo n.º 3 prevê que "todo o individuo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal") e a Convenção sobre os Direitos da Criança (cujo artigo n.º 6, prescreve no seu número um, que "os Estados partes reconhecem à criança o direito inerente à vida").
5 - Apesar de contar já no seu activo com pelo menos cinco legislaturas parlamentares, um referendo nacional e um amplo debate público desde 25 de Abril de 1974, a questão do aborto continua a ser um assunto controverso na sociedade portuguesa.
6 - Tendo presente o acima exposto e a necessidade de se conhecer cientificamente a problemática do aborto na sua totalidade, a Assembleia da República, aprovou, por uma larga maioria, em Setembro de 2002, a elaboração de um estudo independente sobre a situação do aborto em Portugal, estudo esse a efectuar-se por concurso público, sendo que foram, em Fevereiro de 2004, tomadas as medidas necessárias para a escolha da instituição universitária que, em colaboração com a Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, irá proceder à elaboração do respectivo caderno de encargos;
7 - Deram entrada nesta Assembleia da República, durante os últimos 30 dias, duas petições populares com distintos objectivos.
8 - A primeira, subscrita por 121 571 cidadãos, que reclamam a realização de um referendo nacional em que seja perguntado se os eleitores concordam com a despenalização da prática do aborto até às 10 semanas e a pedido da mulher.
9 - A segunda, subscrita por 190 635 cidadãos, que pretende que se mantenha a actual legislação penal sobre o aborto e pede à Assembleia da República e ao Governo que, cada um de acordo com as suas competências específicas, legislem em favor da família, da maternidade e da protecção da vida intra-uterina.

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VI - Parecer
Face ao exposto, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:

a) Que os projectos de lei n.os 89/IX (BE) e 405/IX (PS), preenchem, salvo melhor entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poderem ser discutidos e votados pelo Plenário da Assembleia da República;
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República;

Assembleia da República, 2 de Março de 2004. - O Deputado Relator, António Pinheiro Torres - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: As conclusões foram aprovadas, com votos a favor do PSD, CDS-PP e PS, com exclusão do ponto 4 (que foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS) e 9 (que foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e a abstenção do PS).
O parecer foi aprovado, com votos a favor do PSD, CDS-PP e PS, tendo-se registado a ausência do PCP, do BE e de Os Verdes.

PROJECTO DE LEI N.º 333/IX
(REGIME JURÍDICO DA CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS NA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES)

Parecer do Governo Regional dos Açores

Sobre o assunto em epígrafe identificado, encarrega-me S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional de transmitir o seguinte:

Da análise da proposta de diploma em apreço cumpre emitir, na globalidade, um parecer positivo. Contudo, da análise levada a cabo ao nível da especialidade, considera-se oportuno referir o seguinte:

a) No tocante à divisão sistemática do diploma, deverá ser acrescentado um Capítulo "Disposições gerais", visto que a proposta apenas integra um Capítulo II "Regime jurídico da criação de municípios";
b) A epígrafe do artigo 1.º "Objecto", deverá ser alterada para "Objecto e âmbito" de forma a haver uma melhor correspondência entre a mesma e o conteúdo do texto normativo, que se refere também ao âmbito de aplicação do diploma;
c) A epígrafe do artigo 2.º "Criação de municípios", deverá ser alterada para "Competência", dado que o essencial do normativo se reporta à definição do órgão competente para a criação de municípios na região - a Assembleia Legislativa Regional;
d) Na alínea a) do artigo 3.º, está incorrecta a referência feita ao artigo 7.º, pelo que se propõe que a mesma passe a fazer-se para o artigo 6.º;
e) No n.º 4 do artigo 5.º "Requisitos geodemográficos", certamente por lapso, as alíneas g) e h) ficaram juntas, situação que deverá ser corrigida;
f) No n.º 2 do artigo 6.º, onde está "(...) as freguesias acima referidas (...)", deverá passar a constar "(...) as freguesias referidas no número anterior (...)";
g) No artigo 8.º "Abertura e instrução do processo", no n.º 1 são mencionados os artigos 4.º a 6.º, quando deveriam ser referidos os artigos 3.º a 6.º;
h) No artigo 9.º "Elementos essenciais do processo", no n.º 2, in fine é mencionado o artigo 7.º quando deveria ser referido o artigo 6.º;
i) Na alínea b) do artigo 10.º "Menções legais obrigatórias", mencionam-se "(...) as alíneas d), c) e f) do n.º 1 do artigo anterior", apresentando-se incorrecta a referência feita à alínea c), a qual deve ser alterada para a alínea e);
j) No artigo 12.º "Critérios orientadores", a menção feita ao artigo 10.º deverá ser alterada para o artigo 9.º.

Ponta Delgada, 2 de Março de 2004. - O Chefe do Gabinete, em exercício, João Manuel de Arrigada Gonçalves.

PROJECTO DE LEI N.º 409/IX
(SOBRE A DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais

I - Do relatório

1.1 - Nota prévia

O projecto de lei n.º 409/IX, sobre a "Despenalização da interrupção voluntária da gravidez", da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, datado de 3 de Fevereiro de 2004, o projecto de lei vertente, baixou às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, para efeitos de emissão do competente relatório/parecer.
A iniciativa, objecto do relatório vertente, encontra-se agendada para a reunião plenária de 3 de Março de 2004, e será discutida em conjunto com os seguintes diplomas similares:

- Projecto de lei n.º 1/IX (PCP) - Interrupção Voluntária da Gravidez
- Projecto de lei n.º 89/IX (BE) - Despenalização da Interrupção Voluntária de Gravidez;
- Projecto de lei n.º 405/IX (PS) - Sobre a exclusão da ilicitude de casos de interrupção voluntária de gravidez;
- Projecto de resolução n.º 225/IX (PSD e CDS-PP) - Sobre medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez;
- Projecto de resolução n.º 227/IX (BE) - Propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

Sublinhe-se que, no decurso desta Legislatura, foi já aprovada a Resolução n.º 3/IX sobre o cumprimento das Leis n.os 6/84, de 11 de Maio, e 90/97, de 30 de Julho, e sobre a realidade do aborto clandestino em Portugal.

1.2 - Do objecto e da motivação

Através do projecto de lei n.º 409/IX, visa o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista os Verdes introduzir alterações ao regime jurídico da Interrupção Voluntária da Gravidez, propondo designadamente o seguinte:

a) A exclusão da ilicitude da IVG quando seja realizada a pedido da mulher nas primeiras 12 semanas;

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b) O alargamento do prazo de 16 para 24 semanas para a IVG, nas situações em que existam motivos seguros para crer que o nascituro virá a sofrer de forma incurável de doença grave, incluindo a possibilidade de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana ou malformação congénita;
c) Alargamento do prazo de 16 para 24 semanas para a IVG por menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica quando tenham sido vítimas de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual;
d) Assegura o direito de objecção de consciência aos médicos e profissionais de saúde e o dever dos serviços de saúde se organizarem de modo a assegurar às mulheres a interrupção lícita da gravidez, nos prazos e condições legalmente previstos;
e) Propõe formas de articulação dos serviços de saúde competentes de modo a garantir o posterior encaminhamento da mulher no plano do planeamento familiar;
f) Estabelece o dever de sigilo dos médicos e demais profissionais de saúde relativamente a actos, factos ou informações que tenham conhecimento no exercício das suas funções e relativos à prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez.

De acordo com a exposição de motivos que antecede o projecto de lei n.º 409/IX, "Portugal continua a manter a repressão penal do aborto e, desse modo, a tratar como criminosas as mulheres que voluntariamente decidem interromper a sua gravidez".
Referindo-se ao quadro legal vigente no nosso país sobre a IVG, os proponentes da iniciativa legislativa vertente adiantam que "Uma legislação que contrasta vivamente com o quadro legal europeu dominante, despenalizador da interrupção da gravidez e cujo resultado tem precisamente por isso, conduzido Portugal, ao contrário do que se verifica noutros países, à proliferação, em Portugal, do aborto clandestino, praticado sem regras, em condições de total insegurança e de enorme risco para as mulheres que, em especial se de menores recursos, se tornam neste quadro as mais vulneráveis".
Neste contexto, consideram que o sentido da sua iniciativa legislativa é o de "(…) pôr termo a uma lei iníqua, socialmente injusta, que ignora a dramática realidade do aborto clandestino e que se tem revelado inútil para o fim pretendido".

1.3 - Dos antecedentes parlamentares

Na III legislatura foram discutidos os projectos de lei n.os 7/III (PCP), 265/III (PS) que tinham por objecto a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez.
Esses projectos foram discutidos conjuntamente com outras iniciativas co-relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez, tais como a protecção e defesa da maternidade e garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual (projectos de lei n.os 5/III (PCP); 6/III (PCP) e 267/III (PS e PSD); e 272/III (PS e PSD).
Mais recentemente, no decurso da VII Legislatura, foram discutidos os projectos de lei n.os 177/VII, 235/VII e 236/VII (in DAR II Série-A, n.º 23, de 22 de Fevereiro de 1997).
Apenas foi aprovado, em votação final global, o projecto de lei n.º 235/VII da autoria do Deputado Strecht Monteiro, que originou a Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, que veio a alterar o artigo 142.º do Código Penal [Vd. Discussão e votação in DAR I Série n.º 42, de 21 de Fevereiro de 1997. O texto final encontra-se publicado no DAR n.º 53, de 19 de Junho de 1997], permitindo o alargamento dos prazos do aborto eugénico, nos seguintes termos:

"Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio mais adequado de acordo com as legis artis excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.

Artigo 2.º (Providências organizativas e regulamentares)
O Governo adoptará as providências organizativas e regulamentares necessárias à boa execução da legislação atinente à interrupção voluntária da gravidez, designadamente por forma a assegurar que do exercício do direito de objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde não resulte inviabilidade de cumprimento de prazos legais".

Ainda na VII Legislatura a questão da interrupção da gravidez voltou de novo ao Parlamento, através dos projectos de lei n.os 417/VII (PCP), 451/VII (PS) e 453/VII (dois Deputados do PS), que foram discutidos em conjunto com o projecto de lei n.º 448/VII do CDS (alteração ao artigo 66.º do Código Civil), que acabaram por não ter sequência.
Com efeito, nesse mesmo ano, por força da Resolução n.º 16/98 da Assembleia da República foi proposto a realização de um referendo sobre a interrupção da gravidez, nos seguintes termos [Objecto de fiscalização preventiva da Constitucionalidade - Processo 340/98]:

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

Essa pergunta foi respondida de forma negativa pela maioria dos cidadãos eleitores (embora sem eficácia vinculativa, uma vez que o número de votantes não foi superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento. Assim, a Assembleia da Republica optou por não prosseguir os trabalhos.

1.4 - Audições sobre a IVG promovidas na VII Legislatura

Decorreram nos dias 30 de Janeiro, 3, 4 e 6 de Fevereiro de 1997, na Assembleia da República, um conjunto de audições sobre a interrupção voluntária da gravidez, durante as quais largas dezenas de organismos e associações tiveram a oportunidade de manifestar as suas posições críticas face aos projectos de lei do PS e do PCP sobre a alteração ao quadro legal da IVG.
Sumariamos em seguida as posições dos organismos auscultadas pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Comissão de Saúde, Comissão de Juventude e Comissão de Paridade, que julgamos mantêm a sua actualidade para o debate agora em questão:

Ordem dos médicos (30 de Janeiro de 1997)
A Ordem dos Médicos, na pessoa do seu Bastonário, manifestou-se

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claramente a favor do alargamento dos prazos do aborto eugénico: "o alargamento do período de diagnóstico de malformação é correcto, é difícil que essas malformações sejam precocemente detectadas". Justificou ainda tal posição como pró-natalista, dado que com o alargamento dos prazos pode-se vir posteriormente a concluir que um feto inicialmente inviável afinal é normal.

Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV)
O CNECV considerou que a IVG quando realizada nas primeiras 12 semanas e a pedido de mulher fora das causas de exclusão de ilicitude é contrária aos princípios éticos e aos que fundamentam o sistema jurídico português.

A extensão dos prazos para as causas de exclusão de ilicitude não suscita dificuldades de ordem ética, já que a questão de fundo é a da própria interrupção da gravidez e não a fase de vida pré-natal em que é praticada.

- Não têm objecções à remoção de seres seguramente inviáveis em qualquer fase da gestação;
- Discordam da despenalização da mulher grávida que consente no abortamento fora das indicações e prazos estabelecidos na lei dado que essa proposta ofende ainda o valor constitucional ancorado na vida pré-natal como um bem juridicamente inviolável;
- Discordam da cláusula de objecção de consciência nos termos formulados pelos três projectos de lei;
- Revelaram muitas reservas sobre eventuais abortos praticados em fetos portadores de doenças compatíveis com uma vida de razoável qualidade.

Direcção-Geral de Saúde (30 de Janeiro de 1997)
A Direcção-Geral de Saúde reconheceu que há uma importante população portuguesa que não se reconhece na actual lei do aborto e actua à margem da lei, recorrendo ao aborto em condições deploráveis que desfavorece quem não tem acesso aos cuidados médicos em condições aceitáveis. Não possuem dados fiáveis, estimando-se que são praticados 22 mil abortos por ano (20% dos 110 mil nascimentos).
Os hospitais portugueses registaram 7875 internamentos hospitalares devido aos mais diversos tipos de IVG em 1995. 3056 foram considerados não especificados (provavelmente ilegais), 4283 foram abortos espontâneos, 168 ilegais e 268 legais.

Alta Comissária sobre as Questões da Igualdade e da Família (3 de Fevereiro de 1997)
A Alta Comissária manifestou-se claramente pelo alargamento do prazo para 24 semanas "nos casos de fetos incompatíveis com a vida" e "quando está em causa a saúde psíquica da mulher". Afirmou ainda que não se liberaliza completamente o aborto só quando afecta a saúde psíquica da mulher.
Defendeu, por outro lado, a urgente necessidade de um estatuto para os médicos objectores de consciência. Com efeito, muitas mulheres recorrem aos hospitais para ali efectuarem uma IVG legal e deparam-se com o facto de todos os médicos presentes serem objectores de consciência.

Associação de Juristas Católicos (3 de Fevereiro de 1997)
A Associação de Juristas Católicos foi também manifestamente contra os projectos de lei em apreciação e contra a fundamentação da objecção de consciência.

Associação de Médicos Católicos (3 de Fevereiro de 1997)
Os médicos católicos recusam que o direito ao aborto se sobreponha ao seu direito à objecção de consciência, considerando este um direito fundamental. Entendem que a subalternização da objecção de consciência não tem legitimidade numa sociedade democrática.
Há múltiplas técnicas de DPN aplicáveis em fase diversa da gravidez e o próprio diagnóstico genético é tecnicamente exequível antes dos 16 semanas em serviços habilitados.
A infecção por VIH não é razão para abortar, dado que a percentagem de recém-nascidos atingidos pela doença é de 13% a 20% e que a terapêutica com AZT, já comum em maternidades portuguesas, justifica uma expectativa realista de redução adicional, favorecida também pelo advento previsível de novos fármacos.

Conferência Episcopal (3 de Fevereiro de 1997)
O Padre Feytor Pinto e a ginecologista Isabel Miranda em representação da Conferência Episcopal pronunciaram-se contra a prática do aborto e pelo direito à vida que para a Igreja Católica se inicia no momento da concepção.
Manifestaram-se igualmente contra um referendo ao aborto "a Igreja não aceita nenhum sociologismo ético e, para além disso, diz não ao referendo". Há valores que não devem ser referendados e a vida é um deles.
A ginecologista defendeu a ecografia endovaginal que permite detectar quase todas as anomalias até às 12/13 semanas. Após as 16 semanas, entende que não há alterações significativas no embrião.

Associação Portuguesa de Diagnóstico Pré-Natal
Defendem o alargamento dos prazos para as 24 semanas por razões de saúde do feto ou da grávida já que os actuais prazos são insuficientes para se diagnosticar anomalias nos embriões. Alertaram ainda para a urgência de se criar um estatuto para o médico objector.
São da opinião que se o projecto de lei do Deputado Strecht Monteiro não for aprovado, isso trará com consequência a continuação dos abortos clandestinos e os fluxos de grávidas para clínicas estrangeiras.

Associação para o Planeamento Familiar (APF) (3 de Fevereiro de 1997)
Apoiam os três projectos em discussão, isto porque Portugal é o único país da União Europeia com graves problemas de aborto ilegal, uma vez que, sendo proibido na Irlanda, as irlandesas o fazem em clínicas britânicas.

A APF recomenda:

- IVG por malformação do feto - alargamento até às 22 semanas;
- Causas psico-sociais - recomenda-se que a despenalização seja alargada a este tipo de causas à semelhança do existente na União Europeia;
- IVG por violação - alargamento para as 22 semanas no caso de violação ou crime contra a autodeterminação sexual
- Ênfase na informação e planeamento.

Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres (3 de Fevereiro de 1997)
A CIDM colocou sérias dúvidas sobre a oportunidade de um referendo sobre o aborto que, por ser uma questão de consciência, nunca poderá ser consensual.
Manifestou ainda alguma preocupação pelo facto de a lei não estar a ser aplicada quando são evocados pelas mulheres razões de ordem psíquica para pedir a IVG.
Defendem alargamento dos prazos por permitirem não só mais rigor médico no diagnóstico como mais tempo de reflexão e de amadurecimento da decisão de interromper a gravidez. Pugnam por uma melhor adequação dos estabelecimentos de saúde e quanto à objecção de consciência do direito da mulher grávida entendem que não pode constituir um impedimento à concretização do direito da mulher grávida que preencha os requisitos legais de acesso à IVG.

Associação "O NINHO" (4 de Fevereiro de 1997)
Não é suficiente a alteração da lei do aborto, há que reformular também a prevenção da gravidez indesejada no caso das prostitutas.
Manifestam-se favoráveis à liberalização da IVG.

Departamento de mulheres CGTP-IN (4 de Fevereiro de 1997)
São a favor do aborto a pedido.

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Frisaram que são as mulheres com menos recursos as principais vítimas do aborto ilegal: "É importante não fechar os olhos à realidade e optar por uma solução que permita erradicar o aborto clandestino de Portugal". O referendo não é, para a CGTP, uma solução mas um mero adiamento do problema.

Prof. Agostinho Santos (6 de Fevereiro de 1997)
Defende a utilização da ecografia transvaginal como método de detecção precoce de malformação congénita, que pode ser detectada às 12 - 14 semanas.

1.5 Breve Esboço histórico

Pelo que à incriminação do aborto diz respeito, verifica-se que ela variou em função de épocas consideradas e dos países a que diz respeito. A referência mais antiga que é conhecida, remonta ao ano 3000 a.C. e foi descoberta nos arquivos reais da China, havendo notícia de outros textos remotos, que, de uma ou outra forma, se lhe referiam.
O Código de Hammurabi, v.g., considerava apenas o aborto provocado por terceiros, nada dizendo sobre o aborto consensual.
O Código Hitita também punia o aborto cometido por terceiros, para o qual estabelecia uma pena pecuniária de acordo com a idade do feto. No entanto, se o marido não tivesse outro filho, o agressor seria punido com a morte. Quanto à mulher que, intencionalmente se fazia abortar, era empalada, deixando-se por enterrar.
Entre os Hebreus, só muito depois da chamada "lei mosaica" se passou a considerar ilícita a interrupção da gravidez, testemunhando uma passagem da Bíblia que o aborto só era punido quando praticado por violência, ainda que voluntariamente.[Vd. Bíblia (Êxodo, cap. 21, ver. 22)].
Na Grécia Antiga, os abortos eram bastante frequentes e médicos famosos como por exemplo, Asclepíades, não só os executavam, como ensinavam a perpetrar [António Leite "Legislações recentes sobre o Aborto" in Scientia Jurídica, Tomo XXII, n.º 122-123, p. 384], tudo indicando, no entanto, terem sido punidos com as legislações de Licurgo e Sólon. Foi na Grécia, de resto, que se começou a especular sobre a ideia metafísica de animação do feto.
Platão e Aristóteles, respectivamente na "República" e "Política" fixavam limites e condições para o aborto, sendo plausível que fora de tais parâmetros se não pudesse verificar licitamente, tendo Actius, por sua vez, transmitido a profusa lista das substâncias abortivas e anticoncepcionais indicados por Aspásia, companheira de Péricles.
Em Roma, não obstante algumas leis antigas que pareciam proibi-lo, sobretudo a partir do Império, o aborto tornou-se prática corrente e mesmo entre as classes mais elevadas a "procuratio abortus" não era repelida, influenciados pela filosofia estóica, o feto era considerado uma parte das vísceras da mãe, podendo esta dispor daquilo que era seu.
No tempo dos Imperadores António e Septímio Severo, passou, no entanto, a ser punido com penas muito graves que eram dirigidas à mulher e a terceiros.
Com o advento do Cristianismo, a prática do aborto é considerada contrária ao quinto mandamento "não matar" e, com a conversão dos Imperadores romanos e depois da religião cristã ter sido adoptada como religião do Estado, ter-se-ão multiplicado as leis civis contra os que praticavam o aborto e todos os que nele colaboravam.
No começo da Idade Média, os teólogos disputaram muito em torno da incriminação do aborto. Ainda baseado na doutrina de Aristóteles, que admitia o aborto, no caso de feto ainda não haver adquirido alma, Santo Agostinho considerando que tal só ocorria 40 ou 80 dias depois da concepção, respectivamente quod hominem e quod feminam, não considerava criminoso o aborto praticado antes do decurso de tais períodos. [Muitos médicos e teólogos baseados na teoria supunham que até aquele período o embrião passava pelo estádio de vida meramente vegetativa, semelhante à das plantas, e depois vida sensitiva, como a dos animais, para só depois atingir a vida humana, quando lhe era infundida a alma. Tal era, por exemplo, o parecer de S. Tomás de Aquino, seguido por numerosíssimos discípulos in António Leie, p.385].
Numa resenha retrospectiva temporalmente mais próxima (anos 60/70) também consideradora da geografia do aborto, no que à Europa respeita, pode dizer-se que se vislumbravam, ainda não há muito tempo, três tendências principais.
Uma de cariz mais repressiva fazia sentir-se nas legislações da Bélgica, Espanha, Grécia, Itália e Portugal. Numa linha mais liberal situavam-se países como a URSS e a Hungria, onde o aborto provocado era livre, nomeadamente nos três primeiros meses de gravidez.
Como tendência intermédia havia ainda uma corrente que autorizava o aborto em vários casos tomando em consideração a saúde física ou mental da mãe, a violação e o incesto, permitindo-se, de uma maneira geral, o aborto terapêutico, eugénico e social. Apresentavam-se como seguidores iniciais desta orientação os Países Escandinavos, a Suíça e a Grã-Bretanha.

1.6 - A Constituição da República Portuguesa

A matéria controvertida nos projectos de diploma em apreço implica conexões com vários artigos do texto constitucional, de entre os quais se destaca o artigo 24.º da CRP que consagra o "Direito à vida". Estabelece ainda o seu n.º 2 que "em caso algum haverá pena de morte".
O Direito à vida é o primeiro dos direitos fundamentais constitucionalmente enunciados. No douto entendimento de J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito é prioritário dado que está na base de todos os direitos das pessoas que decorrem deste "ao conferir-lhe uma protecção absoluta, não admitindo qualquer excepção, a constituição erigiu o direito a vida em direito fundamental qualificado. O valor do direito à vida e a natureza absoluta da protecção constitucional traduz-se no próprio facto de se impor mesmo perante a suspensão constitucional dos direitos fundamentais, em caso de estado de sítio ou de estado de emergência e na proibição de extradição de estrangeiros em risco de serem condenados a pena de morte.
A análise que se faz do artigo 24.º da CRP poderá conduzir-nos a entendimentos diferentes consoante entendamos que a vida intra uterina compartilha da protecção que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucionalmente objectivo) mas que não pode gozar de protecção constitucional do direito à vida - que só cabe a pessoas - podendo portanto aquele ter que ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos; ou se formos do entendimento de que os termos "vida" e "morte" do artigo 24.º têm carácter biológico, e para a biologia, a vida humana começa no zigoto. O direito à vida está indissociavelmente ligado ao facto biológico da existência humana, que constitui o pressuposto de tal direito. É lícito, por isso, afirmar que se tem direito a viver porque já se vive.
Se a Constituição da República Portuguesa protege a vida do nascituro e o aceita como titular do direito à vida é porque lhe reconhece a qualidade de pessoa.
Relacionados com esta questão estão de forma reflexa envolvidos os princípios ou normativos constitucionais, tais como:

- Artigo 36.º, n.º 3 (Igualdade dos direitos dos

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cônjuges à manutenção dos filhos); artigo 25.º (Direito à integridade pessoal); artigo 1.º (Dignidade da pessoa humana); artigo 67.º, n.º 1 (Realização pessoal); artigo 68.º, n.º 2 (Valores sociais eminentes da maternidade e paternidade), artigo 69.º (Desenvolvimento integral das crianças); e artigo 71.º (Plenitude dos direitos dos que sofrem de doença física ou mental).

1.7. Do enquadramento legal

1.7.1 - Lei nº 6/84, de 11 de Maio

A Lei n.º 6/84 teve por antecedente o projecto de lei n.º 265/III (exclusão da ilicitude de interrupção voluntária da gravidez) apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, tendo sido aprovada, com os votos contra do PSD e CDS.
É somente com a Lei n.º 6/84 que se estabelecem 3 situações tipo onde se exclui a ilicitude do aborto:

a) Constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida - Aborto terapêutico;
b) Se mostre indicado para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez - Aborto terapêutico;
c) Haja seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez - Aborto eugénico;
d) Haja sérios indícios de que a gravidez resultou de violação da mulher, e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez - Aborto sentimental.

1.7.2 O Código Penal

Os nossos Códigos de 1886 e de 1982 incriminavam todos os casos de aborto, com manifesto desconhecimento por parte de quem profere tais afirmações de que as disposições desses códigos constantes da parte especial se subordinavam à parte geral, a cuja luz deviam ser prioritariamente vistos os casos extremos de aborto terapêutico, sentimental, eugénico, praticado em estado de necessidade, etc.
Por força desta lei foram alterados os artigos 139.º, 140.º e 141.º do Código Penal e estabeleceram-se normas criando punição para os médicos por conduta negligente, adequada organização dos estabelecimentos de saúde para o efeito da prática de IVG, a consagração do direito à objecção de consciência por parte da classe médica e, por fim, a obrigação de os médicos e demais profissionais clínicos se vincularem ao segredo de justiça.
Esta lei acabou por ficar revogada (no referente aos artigos que alteravam o Código Penal) com a revisão do Código penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, ao introduzir-se novo texto aos artigos 139.º e 141.º e algumas normas destinadas a legitimar a prática do aborto.
Vejamos cada um dos artigos de per si , seguindo de perto os comentários de M. Maia Gonçalves:

Quanto ao actual artigo 140.º (anterior 139.º) verifica-se que reproduz, com meras alterações formais os n.os 1, 2 e 3 do artigo 139.º da anterior versão do Código, na redacção que fora introduzida na Lei n.º 6/84, de 11 de Maio. A Comissão de Revisão do Código Penal, nas suas 22.ª e 44.ª sessões, em 16 de Janeiro e 10 de Dezembro de 1990, considerou que após a intensa polémica registada quanto ao aborto e à interrupção voluntária da gravidez, com a intervenção dos diversos órgãos de soberania e sociedade civil, não parecia legítimo a curto prazo, proceder a modificações importantes neste domínio. Assim, a revisão manteve as soluções de fundo que à data vigoravam, e que representam o ponto de equilíbrio alcançado na sociedade portuguesa, apenas oferecendo somente uma melhor redacção, do ponto de vista técnico às soluções contidas na Lei n.º 6/84.
Quanto ao artigo 141.º (aborto agravado) verifica-se que os preceitos dos n.os 1 e 2 correspondem aos n.os 5 e 6 do artigo 139.º, segundo a redacção que lhes fora dada pela Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, os quais por sua vez correspondiam ao artigo 150.º do projecto de parte especial do Código Penal de 1966. Verifica-se em relação à versão anterior, dos n.os 5 e 6 do artigo 139.º, como se referiu supra, nota-se uma acentuada simplificação do texto, o que não implicou nenhuma alteração de fundo relevante.
No tocante ao artigo 142.º (Interrupção da gravidez não punível - anterior artigo 140.º (Exclusão da ilicitude do aborto). O texto deste artigo é resultante da revisão do Código levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
Os n.os 1 e 2 correspondem aos n.os 1 e 2 do artigo 140.º da versão originária do Código, com a redacção que lhe fora dada pela Lei n.º 6/84, de 11 de Maio. A CRCP propusera o período de 22 semanas no n.º 1, alínea c), para a interrupção da gravidez nos casos designados de aborto eugénico. O entendimento governamental foi diferente porquanto a proposta de lei n.º 92/VI retomou o período de 16 semanas de gravidez, da referida Lei n.º 6/84.
Esta situação encontra-se também descrita no relatório da 1.ª Comissão a essa mesma proposta de lei: "A comissão Revisora optara pelo seu alargamento até 22 semanas, no pressuposto de que algumas das anomalias do feto que justificam a prática do aborto (por fazerem provar que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou mal formação) só podem ser detectadas nessa altura. O facto de a proposta reverter ao prazo legal já previsto não se deve a qualquer ponderação de bens jurídicos a ter em conta nesta sede (designadamente, o acréscimo de perigo para a saúde da mãe, sobre o qual não existe consenso nos meios científicos). A razão foi não tocar a matéria sem discussão alargada que estritamente sobre ela incida."
No douto entendimento de M. Maia Gonçalves a proposta da CRCP afigurava-se mais equilibrada e até de harmonia com as soluções da Alemanha e da Espanha. Apontam-se mesmo soluções mais permissivas nos casos da Dinamarca, França, Grécia, Luxemburgo e Inglaterra, que despenalizam o aborto Eugénico até às 25.ª ou à 28.ª semanas.
Neste artigo, e no seguimento da referida lei, consagra-se a exclusão da ilicitude nos casos de aborto terapêutico (n.º 1 alíneas a) e b); eugénico (n.º 1 alínea c) e sentimental [n.º 1 alínea d)].
Podemos observar que o nosso ordenamento jurídico não exclui a ilicitude nos casos de aborto social, ou seja do que é praticado devido à impossibilidade de a família sustentar o nascituro. A nossa lei alinhou assim pelos sistemas menos permissivos, dentre aqueles que consagram a licitude da interrupção voluntária da gravidez.

1.7.3 - O Direito Comparado e a IVG

Quase todos os países da Europa Comunitária têm legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez, bastante recente datando em geral dos anos 70 e 80.
Isto revela-nos a medida do carácter ainda actualíssimo do problema político legislativo.
Nenhum país considera, em princípio, o aborto lícito sem restrições. Nos últimos países em que a proibição era até há pouco no texto legal, absoluta - Bélgica, Portugal e Irlanda - decisões jurisprudenciais ou elaborações jurídicas doutrinárias foram abrindo brechas na irredutibilidade

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legal, invocando a legitimidade da sua prática em situações de necessidade, frequentemente apelando para cláusulas gerais, positivas ou não, de justificação dentro da teoria jurídico-penal geralmente aceite.
As leis dos Estados europeus permitem geralmente a IVG, como excepção contida nos Códigos Penais, nos seguintes casos:

- Perigo de vida ou saúde da mãe (aborto terapêutico)
- Perigo de malformação do feto (aborto eugénico)
- Gravidez resultante de violação (aborto ético ou moral)
- Dificuldades económico-sociais da mãe (aborto por indicação sócio-económica)

A estas situações adicionam-se prazos relativos ao decurso da gravidez e exigências de controlo médico e esclarecimento da grávida ou de autorização tratando-se de menores. Noutras opções, feitas por legislação mais flexível, permite-se ainda a interrupção da gravidez:

- Por simples pedido da grávida, desde que a interrupção tenha lugar durante um certo período de gravidez.

A relacionação entre os motivos de IVG e os prazos permite traçar uma dicotomia, não exaustiva, entre dois grandes grupos de ordenamento jurídicos, consoante sejam mais ou menos "generosos" ou permissivos na matéria.
Podemos observar que o direito comparado das legislações existentes na União Europeia situa a legislação portuguesa nas legislações menos abrangentes, quer no referente aos motivos quer em relação aos prazos para a IVG.
Assim, em termos de legislação comparada, podemos constatar que na Dinamarca, França e Grécia é permitida a IVG a simples pedido da mulher, sem invocação de motivos até às 12 semanas. Tem-se assistido, por outro lado, desde a década de 70 à despenalização da IVG por indicações sociais na Dinamarca, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Inglaterra oscilando os prazos entre as 12 e 28 semanas.
Países como a Holanda e a Bélgica incluem no seu ordenamento a possibilidade de prática de IVG por situação intolerável ou por angústia até às 12 e 24 semanas respectivamente.
Vejamos o quadro seguinte que ilustra de forma clara as situações atrás descritas[Quadro extraído da revista da APF, n.º 55, Março-Abril 1992]:

A) Ordenamentos jurídicos mais permissivos

1. Por simples pedido - Dinamarca (12 sem.) / França (10 sem) / Grécia (12 sem)
2. Por indicações sociais - Dinamarca (2.º Trimestre) / Alemanha (12 semanas) / Itália (90 dias) / Luxemburgo (12 semanas) / Inglaterra (24 sem.)
3. Por situação intolerável - Holanda (24 sem)
4. Por angústia - Bélgica (12 sem)

B ) Ordenamentos jurídicos menos permissivos

5. Por perigo para a vida ou saúde da mãe - Bélgica (menos de 12 sem) / Alemanha (s. limite) / Dinamarca ( 2.º trimestre) / França ( 2.º trimestre) / Grécia ( 20 sem) / Itália (menos de 90 dias) / Luxemburgo (2.º trimestre) / Portugal (12 sem, e em alguns casos sem limite) / Espanha (s. limite) / UK (28 sem)
6. por perigo ou malformação do feto - Bélgica (menos de 12 sem) / Dinamarca (2.º trimestre) / Alemanha (22 sem) / França (2.º trimestre) / Grécia (24 sem) / Itália (9o dias) / Luxemburgo ( 2º trimestre) 7 Portugal (16 semanas) / Espanha (22 sem) / UK (28 sem)
7. Por ter a gravidez resultado de crimes sexuais - Dinamarca (2º trimestre) / Alemanha (12 sem) / Grécia (20 sem) / Itália (menos de 90 dias) / Luxemburgo (2º trimestre) / Portugal (12 semanas) 7 Espanha (12 semanas)

II - Das conclusões

Atentos os considerandos que antecedem, conclui-se no seguinte sentido:

1. O projecto de lei n.º 409/IX, sobre a "Despenalização da interrupção voluntária da gravidez", da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, foi apresentado ao abrigo do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 137.º do Regimento da Assembleia da República.
2. Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, datado de 3 de Fevereiro de 2004, o projecto de lei vertente, baixou às Comissões de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais, para efeitos de emissão do competente relatório/parecer.
3. Através do projecto de lei n.º 409/IX, visa o Grupo Parlamentar do Partido Ecologista os Verdes introduzir alterações ao regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez, propondo designadamente o seguinte:

- A exclusão da ilicitude da IVG quando seja realizada a pedido da mulher nas primeiras 12 semanas;
- O alargamento do prazo de 16 para 24 semanas para a IVG, nas situações em que existam motivos seguros para crer que o nascituro virá a sofrer de forma incurável de doença grave, incluindo a possibilidade de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana ou malformação congénita;
- Alargamento do prazo de 16 para 24 semanas para a IVG por menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica quando tenham sido vitimas de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual;
- Assegura o direito de objecção de consciência aos médicos e profissionais de saúde e o dever dos serviços de saúde se organizarem de modo a assegurar às mulheres a interrupção lícita da gravidez, nos prazos e condições legalmente previstos;
- Propõe formas de articulação dos serviços de saúde competentes de modo a garantir o posterior encaminhamento da mulher no plano do planeamento familiar;
- Estabelece o dever de sigilo dos médicos e demais profissionais de saúde relativamente a actos, factos ou informações que tenham conhecimento no exercício das suas funções e relativos à prática voluntária e lícita da interrupção da gravidez.

4. No tocante às situações de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, propõe-se o alargamento de 16 para 24 semanas.
5. No tocante às situações de aborto eugénico o projecto de lei mantém uma previsão legal de exclusão da ilicitude quando houver seguros motivos de que o nascituro venha a sofrer de forma incurável de HIV e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez comprovadas ecograficamente.

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6. Esta proposta coloca questões de grande complexidade e que foram suscitadas no decurso das audições parlamentares que ocorreram em 1997. A esse propósito, o Prof. Pereira Leite considerou que "uma portadora assintomática de HIV não é exactamente a mulher que tem SIDA. Os casos de gravidez em mulheres que têm SIDA propriamente são relativamente pouco frequentes, sendo mais frequentes os casos em mulheres que são portadoras de HIV. Se tomarmos as precauções de tratar a mulher durante a gravidez, com AZT, se fizermos uma cesariana e não a deixarmos aleitar, a probabilidade de transmissão é à volta de 10%".
7. Por força da Lei n.º 6/84, foram alterados os artigos 139.º, 140.º e 141.º do Código Penal e estabeleceram-se normas que punem os médicos por conduta negligente, que exigem adequada organização dos estabelecimentos de saúde para o efeito da prática de IVG, que consagram o direito à objecção de consciência por parte da classe médica e, por fim, a obrigação de os médicos e demais profissionais clínicos se vincularem ao segredo de justiça.
8. Esta lei acabou por ficar revogada (no referente aos artigos que alteravam o Código Penal) com a revisão do Código penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
9. Com a Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, que veio a alterar o artigo 142.º do Código Penal, permitiu-se o alargamento dos prazos do aborto eugénico, para as 24 semanas estabelecendo-se a interrupção a todo o tempo em caso de fetos inviáveis. Alargou-se para as 16 semanas a IVG em caso de violação, cominando-se ainda que "o Governo adoptará as providências organizativas e regulamentares necessárias à boa execução da legislação atinente à interrupção voluntária da gravidez, designadamente por forma a assegurar que do exercício do direito de objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde não resulte inviabilidade de cumprimento de prazos legais".
10. Quase todos os países da Europa Comunitária têm legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez, bastante recente datando em geral dos anos 70 e 80.

(Os n.os 11 e 12 das conclusões foram rejeitados pela Comissão, com os votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, mas, não tendo sido retirados pelo relator, incluem-se no relatório ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 25.º do Regimento da Assembleia da República).

11. Nenhum país considera, em princípio, o aborto lícito sem restrições. Nos últimos países em que a proibição era, até há pouco, no texto legal, absoluta - Bélgica, Portugal e Irlanda - decisões jurisprudenciais ou elaborações jurídicas doutrinárias foram abrindo brechas na irredutibilidade legal, invocando a legitimidade da sua prática em situações de necessidade, frequentemente apelando para cláusulas gerais, positivas ou não, de justificação dentro da teoria jurídico-penal geralmente aceite.
12. As leis dos Estados europeus permitem geralmente a IVG, como excepção contida nos Códigos Penais, nos seguintes casos:

- Perigo de vida ou saúde da mãe (aborto terapêutico);
- Perigo de malformação do feto (aborto eugénico);
- Gravidez resultante de violação (aborto ético ou moral);
- Dificuldades económico-sociais da mãe (aborto por indicação sócio-económica).

13. A análise que se faz do artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa poderá conduzir-nos a entendimentos diferentes consoante entendamos que a vida intra-uterina compartilha da protecção que a Constituição confere à vida humana enquanto bem constitucionalmente protegido (isto é, valor constitucionalmente objectivo) mas que não pode gozar de protecção constitucional do direito à vida - que só cabe a pessoas - podendo portanto aquele ter que ceder, quando em conflito com direitos fundamentais ou com outros valores constitucionalmente protegidos; ou se formos do entendimento de que os termos "vida" e "morte" do artigo 24.º têm carácter biológico, e para a biologia, a vida humana começa no zigoto. O direito à vida está indissociavelmente ligado ao facto biológico da existência humana, que constitui o pressuposto de tal direito.

III - Do parecer

Face ao exposto, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:

a) O projecto de lei n.º 409/IX, de Os Verdes sobre "A despenalização da interrupção voluntária da gravidez" preenche, salvo melhor e mais qualificado entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poder ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República.
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.
c) Nos termos regimentais aplicáveis, o presente relatório e parecer é remetido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

Assembleia da República, 2 de Março de 2004. - A Deputada Relatora, Sónia Fertuzinhos - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.

Nota: As conclusões foram aprovadas, com votos a favor do PSD, CDS-PP e PS, com exclusão dos pontos 11 e 12, que foram rejeitados, com votos contra do PSD e do CDS-PP.
O parecer foi aprovado, com votos a favor do PSD, CDS-PP e PS, tendo-se registado a ausência do PCP, do BE e de Os Verdes.

PROPOSTA DE LEI N.º 104/IX
(ESTABELECE O REGIME DE AUTORIZAÇÃO A QUE ESTÃO SUJEITAS A INSTALAÇÃO E A MODIFICAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS DE COMÉRCIO A RETALHO, DE COMÉRCIO POR GROSSO EM LIVRE SERVIÇO E A INSTALAÇÃO DE CONJUNTOS COMERCIAIS)

Parecer do Governo Regional dos Açores

Sobre o assunto em epígrafe identificado, encarrega-me S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional de transmitir a V. Ex.ª o seguinte:

Na Região Autónoma dos Açores foi aprovado o Decreto Legislativo Regional n.º 17/99/A, de 29 de Abril, que criou um Regime de Autorização Prévia de Licenciamento Comercial, que abrange a instalação e a modificação de estabelecimentos comerciais a retalho e por grosso com uma área de venda superior a 1500 metros quadrados, nas ilhas de São Miguel e da Terceira, e a 500 metros quadrados, nas restantes ilhas. Assim sendo,

- Afigura-se de toda a pertinência que, no projecto de diploma em apreço, passe a constar um normativo que salvaguarde - atentas as particularidades regionais -, a continuação da vigência na região do Decreto

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Legislativo Regional supra referido, bem como a possibilidade de serem introduzidas, por acto legislativo da Assembleia Legislativa Regional, as adaptações e alterações que se mostrem necessárias, tendo em conta o interesse específico regional e a estrutura da Administração Regional Autónoma.

Ponta Delgada, 2 de Março de 2004. - O Chefe do Gabinete, em exercício, João Manuel de Arrigada Gonçalves.

PROPOSTA DE LEI N.º 115/IX
QUINTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 267/80, DE 8 DE AGOSTO, ALTERADO PELAS LEIS N.OS 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO, E 72/93, DE 20 DE NOVEMBRO, E PELAS LEIS ORGÂNICAS N.OS 2/2000, DE 14 DE JULHO, E 2/2001, DE 25 DE AGOSTO - LEI ELEITORAL PARA A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA REGIONAL DOS AÇORES

1 - A consciência da forte especificidade insular e arquipelágica dos Açores determinou a elaboração de um sistema eleitoral que, em termos constitucionais, estivesse apenas condicionado à sua "harmonia com o princípio da representação proporcional" (artigo 231.º, n.º 2, da Constituição), na "conversão dos votos em mandatos" (artigo 116.º, n.º 2, da Constituição).
Ao contrário do sistema eleitoral para a Assembleia da República que, por força da Constituição, deve: a) "assegurar o sistema de representação proporcional", b) utilizar "o método da média mais alta de Hondt na conversão de votos em mandatos", c) respeitar em "cada círculo plurinominal do território nacional" a proporcionalidade em relação "ao número de cidadãos eleitores nele inscritos", (artigo 149.º, n.os 1 e 2 da Constituição), ficando ainda formalmente delimitado pela Constituição, quer o colégio eleitoral nacional quer o âmbito da representação política da Assembleia da República.
Estes dois últimos aspectos estão também ausentes das disposições constitucionais relativas aos princípios a respeitar pelos sistemas eleitorais das regiões autónomas.
2 - Usando desta liberdade constitucional de conformação em concreto do sistema eleitoral, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, revista pelas Leis n.os 9/87, de 28 de Março, e 61/98, de 27 de Agosto), estabeleceu a sua composição por nove círculo eleitorais correspondentes a cada uma das ilhas da região, elegendo, através de escrutínio por lista, Deputados por contingente (dois por cada ilha), e um Deputado por cada 6000 recenseados ou por cada fracção superior a 1000, mandatos apurados, em cada círculo, pelo método da média mais alta de Hondt.
3 - A fundamentação desta opção e a consciência das suas limitações e riscos estiveram sempre presentes no espírito dos seus proponentes e dos legisladores regionais. Embora, a tónica dominante sobre riscos, tenha variado ao longo dos tempos e das preocupações da conjuntura política. Assim, no anteprojecto de Estatuto Regional, elaborado, em 1975, afirmava-se que, "a existência, em princípio, de um círculo por cada ilha, corresponde a uma realidade social há muito conhecida, e que não deve ser escamoteada".
Acrescentava-se "pode representar um perigo; será o de a representação proporcional não impedir, nos círculos mais pequenos, a supremacia de um único partido. Este perigo não parece conjurável. Poderia sê-lo através da criação de círculos menores, cada um elegendo um único representante. Mas nem assim parece assegurada uma efectiva representação, ao menos bipartidária" (Para uma Autonomia dos Açores, Instituto Açoriano de Cultura, Angra do Heroísmo, 1979, pág. 114).
4 - Em 1992, 17 anos passados sobre aquela preocupação, ditada pela motivação de elaborar um sistema que respeitasse a realidade territorial e histórico-cultural do arquipélago fortemente marcada pela singularidade e dispersão geográfica e pelo lastro sócio-cultural plurissecular e totalmente diverso de ilha para ilha, mas que, ao mesmo tempo não condenasse nem a menor delas, à hegemonia de um só partido; já, então a tónica das preocupações mudara de dimensão e de natureza.
Em testemunho dessa mudança dizia-se, em moção de estratégia partidária: "O sistema eleitoral vigente permite a formação de uma maioria parlamentar de um partido ou coligação que não obteve a maioria dos votos. Trata-se de um risco que pode fragilizar o sistema de partidos, enfraquecer a democracia representativa e impedir a eficácia da acção governativa.
Introduzir-se-ia em tal situação um conflito inconciliável entre a legitimidade eleitoral e a legitimidade parlamentar que iria ferir gravemente o convívio democrático e debilitar a autonomia" (Mota Amaral, O Caminho da Vitória, Ribeira Grande, 1994, pág. 63).
No mesmo ano, em programa eleitoral, acentuava-se que "correcções deverão ser introduzidas no sistema eleitoral, com a finalidade de uma melhor aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, e que se afiguram democraticamente indispensáveis, podendo contemplar a introdução de um décimo círculo eleitoral correspondente ao conjunto da Região". (Os Açores Primeiro, Programa de Governo/PS-Açores, 1992, pág. 4).
5 - Depois de muita discussão jornalística, sobretudo em véspera ou na sequência de actos eleitorais; depois de anos de debate técnico na busca de soluções possíveis; depois de iniciativas políticas, de âmbito partidário e parlamentar, visando soluções e procurando estimular consensos, principalmente, por ocasião de revisões estatutárias; depois de tudo isto, no início desta Legislatura, pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 6/2001/A, de 1 de Março, foi constituída a Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral, com o objectivo de analisar o sistema eleitoral da região, tendo em vista a identificação das questões cujo aperfeiçoamento se mostre necessário ou útil e a determinação de soluções possíveis, bem como o estudo da possibilidade de apresentação de uma proposta concreta de revisão do sistema eleitoral e a sua eventual elaboração.
6- Dos relatórios produzidos por essa Comissão, e que estão acessíveis no sítio electrónico da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, salientam-se, do relatório de Junho de 2002, três conclusões técnicas, de carácter operacional e metodológico, que se consideram com especial relação com a natureza da solução apresentada nesta proposta de lei:

(i) "Na verdade (...) a principal patologia do sistema eleitoral vigente para a Assembleia Legislativa Regional não resulta das distorções à proporcionalidade mas sim da representação desigual";
(ii) "Deste problema resulta que, na conversão de votos em mandatos, o sistema eleitoral favorece mais o segundo maior partido mais votado do que o primeiro";

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(iii) Noutro passo do mesmo relatório enfatiza-se "a tendência conservadora dos sistemas eleitorais e, nesse sentido, o maior realismo na introdução de reformas correctoras de alcance 'cirúrgico'".

Além de se ter procurado respeitar, na alteração apresentada nesta proposta de lei, aquelas regras de carácter operativo, também se respeitou, no essencial da sua letra e dos seus objectivos, a Carta de Princípios Orientadores da Revisão do Sistema Eleitoral da Região Autónoma dos Açores, constante do documento da Comissão atrás citado e que foi aprovada por unanimidade de todos os partidos, mesmo na parte referente à "utilização instrumental do número total de mandatos" (folhas 47 e 48).
A proposta em questão não está dependente do aumento do número de Deputados, mas o seu principal mérito reside na capacidade de eliminar a desigualdade de representação entre os dois partidos mais votados de que enferma o modelo em vigor, mas, em simultâneo, reduzindo, sempre, substancialmente, a distorção entre os partidos menos votados, de modo a que, os chamados votos "perdidos", para todos os partidos, grandes ou pequenos, se limitam a um número meramente residual, em contraste com a situação actual, em que têm um peso elevado e democraticamente pernicioso.
Por tudo isto, pode dizer-se que o círculo de compensação, na modalidade proposta, embora assumindo a aparência de alteração "cirúrgica" é de efeitos estruturais e estruturantes, em relação ao conjunto do sistema eleitoral.
7 - Deste modo, a presente proposta, apresentada pelo PS em sede de Comissão Eventual para a Revisão do Sistema Eleitoral, e nela aprovada com os votos favoráveis dos Deputados do PS e do PCP e com as abstenções dos Deputados do PSD e PP, consagra um sistema eleitoral com 10 círculos: um por ilha, em que o número de mandatos é determinado como hoje acontece e em que o apuramento nestes círculos será também igual ao actual.
Quanto ao círculo regional de compensação, com um número de cinco mandatos, o apuramento é feito da seguinte forma:

a) Soma-se o número total de Deputados eleitos pelos partidos nos nove círculos de ilha;
b) Aplica-se o método de Hondt ao resultado agregado da votação na região de cada partido;
c) Dos quocientes assim obtidos, são eliminados, para cada partido, tantos quantos os Deputados já eleitos nas ilhas;
d) São atribuídos os mandatos do círculo de compensação aos maiores quocientes, depois de feita aquela eliminação.

Este círculo de compensação beneficia sempre os partidos que foram prejudicados no apuramento por ilhas; acontecerá isso, nomeadamente, com os dois partidos mais pequenos, e os cinco mandatos no círculo de compensação são suficientes, como o comprovam as simulações construídas sobre os resultados de todas as eleições regionais desde 1976, para impedir que o segundo partido mais votado tenha mais deputados do que o partido que ganhou as eleições.
8 - Por outro lado, estando aberto o caminho, em sede de revisão constitucional, para excepcionar, quer o princípio da soberania popular na sua dimensão democrático-representativa quer a dimensão territorial da eleição para a Assembleia Legislativa Regional, a presente proposta, tal como defende o PS-Açores e como já foi defendido pelo PS em sede de Comissão para a Revisão Constitucional, avança com a solução técnica para a criação de um círculo eleitoral fora da região, que elegerá dois Deputados, e cujo colégio eleitoral será composto pelos cidadãos portugueses recenseados naturais da região, ou nela recenseados há mais de cinco anos quando fixaram residência noutras parcelas do território nacional ou no estrangeiro.
9 - Finalmente, as razões que justificam a opção pela forma de proposta de lei para esta iniciativa de revisão da lei eleitoral.
A doutrina e a jurisprudência constitucional reconhecem que as disposições em matéria eleitoral constantes do Estatuto são um "cavaleiro estatutário" e não podem beneficiar da forma e da força reservada às demais regras do Estatuto.
Apesar de ter alguma conexão com a organização e funcionamento do sistema institucional autonómico, a matéria das "eleições dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas" foi sempre incluída, a título expresso, no âmbito da reserva de competência da Assembleia da República, fora, portanto, do quadro estatutário.
Com a revisão constitucional de 1997, a matéria relativa à eleição dos Deputados às Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira foi inserida na reserva de lei orgânica, domínio específico da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [alínea j) do artigo 164.º, conjugada com o n.º 2 do artigo 166.º da Constituição].
O Estatuto, pese embora o carácter normalmente superior da sua hierarquia e o seu valor reforçado, não se encontra sujeito aos mesmos requisitos de produção, revelação e controlo preventivo que a Constituição determina para as leis orgânicas.
Nestes termos, existe, no procedimento de produção e alteração do Estatuto, um quid minus em relação à lei orgânica, ou seja, esta última supõe na sua feitura, exigências procedimentais que a Constituição não determina para o Estatuto, pese embora este tender a tornar-se em lei potencialmente mais rígida, em razão da sua reserva de iniciativa à assembleia legislativa regional.
Embora, à luz do corolário tempus regit actum, as normas eleitorais presentemente insertas no estatuto não sejam necessariamente inconstitucionais (porque não foram, como tal, julgadas pelo Tribunal Constitucional e porque as novas exigências formais impostas pela revisão de 1997 só valem para o futuro), o facto é que, qualquer nova lei que disponha, depois de 97, relativamente à eleição de Deputados às assembleias legislativas regionais deve revestir o valor de lei orgânica.
Assim, a assembleia legislativa regional, no uso da faculdade conferida pelas alíneas f) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 31.º do Estatuto Político-Administrativo, apresenta à Assembleia da República seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º

Os artigos 3.º, 12.º, 13.º, 15.º, 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto, alterado pelas Leis n.os 28/82, de 15 de Novembro, e 72/93, de 30 de Novembro, e pelas Leis Orgânicas n.os 2/2000, de 14 de Julho, e 2/2001, de 25 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 3.º
Direito de voto

1 - (...)
2 - São, ainda, eleitores os cidadãos portugueses recenseados naturais da Região, ou nela recenseados há mais

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de 5 anos quando fixaram residência noutras parcelas do território nacional ou no estrangeiro.

Artigo 12.º
Círculos eleitorais
1 - (...)
2 - No território eleitoral há nove círculos eleitorais coincidentes com cada uma das ilhas da região e designados pelo respectivo nome, e um círculo regional de compensação, assim designado, coincidente com a totalidade da área da região.
3 - Há, ainda, um círculo eleitoral fora da região para o qual são eleitores os cidadãos portugueses recenseados naturais da região, ou nela recenseados há mais de 5 anos quando fixaram residência noutras parcelas do território nacional ou no estrangeiro.

Artigo 13.º
Distribuição de Deputados

1 - (...)
2 - O círculo regional de compensação elege 5 Deputados.
3 - O círculo eleitoral fora da Região elege 2 Deputados.
4 - (anterior n.º 2)
5 - (anterior n.º 3)
6- (anterior n.º 4)

Artigo 15.º
Organização das listas

1 - (...)
2 - (...)
3 - O mesmo candidato pode ser simultaneamente candidato num círculo de ilha e no círculo regional de compensação.

Artigo 16.º
Critério de eleição

1 - A conversão dos votos em mandatos, nos círculos de ilha e no círculo eleitoral fora da Região, faz-se de acordo com o método de representação proporcional de Hondt, obedecendo às seguintes regras:

a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)

2 - No círculo regional de compensação, a conversão dos votos em mandatos faz-se de acordo com o método de representação proporcional de Hondt, com compensação pelos mandatos já obtidos nos círculos de ilha, obedecendo às seguintes regras:

a) Apura-se o número total de votos recebidos por cada lista no conjunto dos círculos de ilha;
b) O número de votos apurado por cada lista é dividido, sucessivamente, por 1, 2, 3, 4, 5, etc., sendo os quocientes alinhados pela ordem decrescente da sua grandeza;
c) São eliminados, para cada lista, tantos quocientes quantos os mandatos já atribuídos, para o conjunto dos círculos de ilha, nos termos do número anterior;
d) Os mandatos de compensação pertencem às listas a que correspondem os maiores termos da série estabelecida pelas regras definidas nas alíneas a) e b), recebendo cada uma das listas tantos mandatos quantos os seus termos na série;
e) No caso de restar um só mandato para distribuir e de os termos seguintes da série serem iguais e de listas diferentes, o mandato cabe à lista que tiver obtido menor número de votos.

Artigo 17.º
Distribuição dos lugares dentro das listas

1 - (...)
2 - Caso ao mesmo candidato corresponda um mandato atribuído no círculo regional de compensação e num círculo de ilha, o candidato ocupa o mandato atribuído no círculo regional, sendo o mandato no círculo de ilha conferido ao candidato imediatamente seguinte, na lista do círculo de ilha, na referida ordem de precedência.
3 - (...)
4 - (...)".

Artigo 2.º

1 - O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - O disposto no presente diploma quanto ao círculo eleitoral fora da região produz efeitos com a entrada em vigor da nova lei constitucional.

Aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

Horta, 11 de Fevereiro de 2004. - O Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, Fernando Manuel Machado Menezes.

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 230/IX
PROPÕE A REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO SOBRE A DESCRIMINALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

Nos termos da Constituição e da lei, 121 151 cidadãs e cidadãos dirigiram à Assembleia da República uma iniciativa popular que visa a convocação de novo referendo em que as portuguesas e os portugueses decidam se deve ou não ser revisto o Código Penal para descriminalizar o aborto.
Recebida a iniciativa popular, o Presidente da Assembleia da República enviou-a à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para que esta emitisse, nos termos da lei, o devido parecer de admissibilidade. Por deliberação unânime, a Comissão aprovou um parecer no sentido de recomendar a sua aceitação.
O Presidente da Assembleia da República admitiu então a iniciativa popular, e remeteu para a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a redacção de um projecto de resolução que adopte os respectivos objectivos.
Nestes termos, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias propõe o seguinte projecto

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de resolução para discussão e votação em Plenário da Assembleia da República:

A Assembleia da República resolve, para efeitos do artigo 115.º e da alínea j) do artigo 161.º e nos termos legais aplicáveis, apresentar ao Presidente da República a proposta de realização de um referendo em que os eleitores sejam chamados a pronunciar-se sobre a pergunta seguinte:

"Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras dez semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?"

Assembleia da República, 3 de Março de 2004. - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Anexo

Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Iniciativa popular para convocação de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez

Relatório e parecer

I - Objecto

Nos termos dos artigos 10.º a 19.º da Lei n.º 15-A/98 de, 121 151 cidadãos eleitores apresentaram na Assembleia da República uma petição para convocação de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada nas primeiras dez semanas, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde.
Apresentaram a pergunta a submeter aos eleitores, do seguinte teor:

"Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras dez semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?"

Juntaram o projecto de lei a que a pergunta se reporta, e que é o seguinte:

Projecto de lei
Descriminaliza a interrupção voluntária de gravidez realizada até às 10 semanas em estabelecimento de saúde

O Código Penal actual prevê que a mulher que interrompa a gravidez, excepto em casos excepcionais, deva ser acusada, julgada e condenada a pena de prisão, sendo Portugal e a Irlanda os únicos países da União Europeia em que se mantém essa medida. A presente lei estabelece que a mulher possa interromper a gravidez, até às 10 semanas, em estabelecimento legalmente reconhecido de saúde.

Artigo único
O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 142.º
(…)

1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher:

a) A pedido da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez;
b) Anterior alínea a);
c) Anterior alínea b);
d) Anterior alínea c);
e) Anterior alínea d);

2 - (…);
3 - (…);
4 - (…)."

Foram indicados os mandatários dos peticionantes e a Comissão Executiva a que se reporta o artigo 19.º da Lei n.º 15-A/98 de 3 de Abril.

Por despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República, e nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 15-A/98, a petição baixou à 1.ª Comissão, a fim de ser verificada a sua conformidade com os preceitos constitucionais, legais e regimentais, apreciação essa prévia à admissão da petição.

II- Pressupostos constitucional e legalmente previstos
A 4.ª Revisão Constitucional introduziu no texto constitucional a iniciativa popular referendária.

Dispõe, de facto, o artigo 115.º, n.º 2:

"2 - O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei."

Dispõe-se ainda nesse artigo:

3 - O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
4 - São excluídas do âmbito do referendo:

a) As alterações à Constituição;
b) As questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro;
c) As matérias previstas no artigo 161.º da Constituição, sem prejuízo do disposto no número seguinte;
d) As matérias previstas no artigo 164.º da Constituição, com excepção do disposto na alínea i).

5 - O disposto no número anterior não prejudica a submissão a referendo das questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional, nos termos da alínea i) do artigo 161.º da Constituição, excepto quando relativas à paz e à rectificação de fronteiras.
6 - Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições de formulação e efectivação de referendos."

A Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, transcreve as disposições da Constituição da República nos seus artigos 2.º, 3.º e 10.º.
Assim, resulta da Constituição da República que o referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
Ora, a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez é da competência da Assembleia da República.

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É matéria de reserva relativa da sua competência legislativa - vide artigo 165.º, n.º 1, alínea c).
O Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 288/98, de 19 de Abril, ao pronunciar-se sobre a Resolução aprovada pela Assembleia da República no sentido de ser convocado um referendo sobre a despenalização da IVG, afirma:

"(...) tratando-se de uma despenalização, se inscreve, desde logo, na previsão, da alínea c) do n.º 1 do mencionado artigo 165.º, que se refere à "definição dos crimes e penas", sendo certo que este Tribunal vem uniformemente entendendo, desde o Acórdão n.º 56/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., pp. 153 e segs.), que a reserva parlamentar tanto abrange os casos de criminalização ou penalização, como os de descriminalização ou despenalização (no mesmo sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3.ª ed., 1993, nota IX ao artigo 168.º, p. 672), no que se refere à definição do "cerne do proibido, o ilícito típico" (cf. Acórdão n.º 427/95, in Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 1995."

Mas acrescenta-se ainda no referido acórdão:

"(...) a matéria atinente à interrupção voluntária da gravidez, pelas questões que suscita, se há-de ter como abrangida na alínea b) do mesmo n.º 1 do artigo 165.º, como, aliás, já o havia reconhecido a extinta Comissão Constitucional, no seu parecer n.º 21/82 (Pareceres da Comissão Constitucional, 20.º vol., pp. 92 e 93), em que afirmou:
"O parecer que se solicita surge em volta da apontada ofensa ao artigo 25.º (actual artigo 24.º) da Constituição, mais propriamente em volta do seu n.º 1, em que se declara ser a vida humana inviolável. Não são, como se sabe, pacíficas as leituras desse preceito constitucional quando se põe a questão da interrupção voluntária da gravidez, em que na defesa do que se tem como valores subjacentes se joga com argumentos ora de ordem biológica, social ou política, ora de natureza ontológica, para não dizer teológica, retirados das diversas confissões religiosas. Todos, pode dizer-se, reivindicam o direito de intervir na discussão desta matéria, propondo o seu testemunho com a exigência de uma plena garantia da liberdade de expressão. Estão em causa direitos fundamentais da nossa ordem constitucional, é o que isso significa. Dir-se-á que, independentemente do sentido da opção de cada um, da medida da sua intervenção no debate ou das soluções que mais o atraiam, a posição assumida, qualquer que ela seja, haverá constitucionalmente de pautar-se pelos direitos, liberdades e garantias, com assento no título II da primeira parte da Constituição.
[...]
E essa é uma matéria reservada para a Assembleia da República [...]"

Trata-se, portanto, de um assunto que deve ser decidido pela Assembleia da República, quer nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), quer nos termos da sua alínea b).
E é inequívoco que a descriminalização da Interrupção voluntária da gravidez é assunto de relevante interesse nacional.
Assim, a petição respeita, nesse aspecto, o estabelecido na Constituição da República.

A Constituição exclui ainda do âmbito do referendo,
1. As alterações à Constituição;
2. As questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro;
3. As matérias previstas no artigo 161.º da Constituição, sem prejuízo do disposto no número seguinte;
4. As matérias previstas no artigo 164.º da Constituição, com excepção do disposto na alínea i).

A matéria que se pretende submeter a referendo, não está contida nem no artigo 161.º nem no artigo 164.º da CRP.
É também óbvio que a matéria nada tem a ver com questões e actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro.
E também o referendo proposto não visa alterar a Constituição.
Com esta questão não pode, de facto, confundir-se a argumentação dos que defendem que a Constituição da República proíbe a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Efectivamente, tal como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional supra referido:

"(...) E com esta questão se não deve confundir essoutra que consiste em saber se as eventuais respostas afirmativa ou negativa podem determinar a adopção de soluções normativas desconformes à lei fundamental, caso em que se terá de concluir pela inconstitucionalidade do referendo.
Com efeito, uma coisa será pretender pela via referendária, modificar a própria Constituição, de tal sorte que a legislação a aprovar na sequência do referendo venha a assumir valor constitucional - e, designadamente, só sendo susceptível de fiscalização da constitucionalidade nos exactos termos em que o possam ser as leis constitucionais; e outra, bem diferente, será pretender introduzir, mediante prévio recurso ao referendo, uma alteração legislativa - isto é, uma alteração à legislação ordinária preexistente - incompatível com a Constituição. Ora, a proibição constante da alínea a) do n.º 4 do artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa só se dirige ao primeiro caso - tendo que, contudo, a título autónomo, ser assegurado que não ocorre o segundo caso, no âmbito da verificação da constitucionalidade do referendo."
Assim, a iniciativa popular para a convocação do referendo também não visa alterar a Constituição.
No acórdão supra citado do Tribunal Constitucional, este considerou ainda que também decorria da Constituição a exclusão de iniciativas referendárias nos casos em que o legislador estaria vinculado a uma determinada opção.
Diz-se, com efeito, no Acórdão:

"Poderá, contudo, entender-se que a questão da possibilidade de submeter a referendo a pergunta aprovada pela Assembleia da República, no que diz respeito a saber se a mesma não incide sobre matéria excluída do âmbito da democracia directa, se não esgota com a mera circunstância de se haver verificado que a despenalização, em certos casos, da interrupção voluntária da gravidez se não encontra abrangida pela previsão do n.º 4 do artigo 115.º da Constituição.

Poderá, contudo, entender-se que a questão da possibilidade de submeter a referendo a pergunta aprovada pela Assembleia da República, no que diz respeito a saber se a mesma não incide sobre matéria excluída do âmbito da democracia directa, se não esgota com a mera circunstância de se haver verificado que a despenalização, em certos casos, da interrupção voluntária da gravidez se não encontra abrangida pela previsão do n.º 4 do artigo 115.º da Constituição."

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De facto, na esteira do defendido doutrinalmente por Barbosa Rodrigues (Vide o seu estudo "O referendo português a nível nacional") o Tribunal Constitucional analisou a questão de saber se estaria o legislador português vinculado à criminalização ou à descriminalização, casos em que também estaria excluída a possibilidade do recurso ao referendo.
Afirmando:

"Assim sendo, no caso vertente, quem entender que, em matéria de interrupção voluntária da gravidez, não é constitucionalmente permitido ao legislador, abstracta e genericamente, prever situações de descriminalização, ou despenalização ou definir específicas causas de justificação, terá tendência a logicamente considerar que a matéria de despenalização do aborto, em geral, não será referendável - e a considerar que, in casu, o referendo é inconstitucional, porque uma eventual resposta afirmativa determinaria uma solução jurídica conflituante com o direito à vida. E, paralelamente, quem entender que ao legislador se encontra vedado criminalizar a interrupção voluntária da gravidez, pelo menos dentro de certo prazo, porque a tal se opõe o direito da mulher à livre escolha e à autodeterminação, terá idêntica tendência a considerar a mesma matéria de despenalização do aborto como não referendável - e o referendo como inconstitucional, pois que a eventual resposta negativa implicaria a manutenção de uma violação de direitos das mulheres, assegurados na lei fundamental. Já, porém, para quem entender que a matéria de despenalização do aborto pode ser tratada pelo legislador, no uso da sua margem de discricionariedade, designadamente determinando zonas de despenalização ou definindo causas de justificação, embora dentro de certos limites constitucionalmente desenhados, aquela matéria será referendável; e isto sem prejuízo de se poder considerar que, no caso concreto, a pergunta se encontra formulada de molde que uma das eventuais respostas necessariamente implicará uma solução materialmente inconstitucional - questão que deve ser autonomamente analisada.
Numa outra perspectiva, também se pode visionar que se pretenda negar a possibilidade de recorrer a referendo em matéria como a dos autos, pois que, estando em causa uma questão de conflito de direitos ou de conflito de direitos e valores - ou de concretização de limites imanentes -, que depende "de um juízo de ponderação, no qual se procura, em face de situações, formas ou modos de exercício específico (especiais) dos direitos, encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto de valores constitucionais (à ordem constitucional)", tal "actividade simultaneamente de interpretação e de restrição" parecer dever "integrar-se na competência interpretativa do juiz e, em geral, dos aplicadores da Constituição" (José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Almedina, Coimbra, 1987, p. 224). Terminando o Tribunal Constitucional por decidir, a este respeito que:

"se não antolha motivo para excluir que o referendo incida eventualmente sobre uma questão dessa natureza: é que, ainda aí, por um lado, o povo apenas será chamado a escolher, no plano das opções políticas, entre ponderações suportadas pelo texto constitucional; e, por outro lado, não se descortina que, fora dos casos expressamente previstos na Constituição, se possa excluir o referendo aí onde o legislador pode livremente intervir, no exercício do seu poder soberano."

A Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, estabelece ainda no seu artigo 11.º o seguinte:

"Os Deputados, os grupos parlamentares e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar iniciativas de referendo que envolvam, no ano económico em curso, aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado previstas no Orçamento."

Como é evidente, a iniciativa popular não aumenta despesas nem diminui receitas do Estado previstas no Orçamento.

III- Requisitos formais previstos na Lei n.º 15- A/ 98, de 3 de Abril

Nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, a iniciativa da proposta de referendo da Assembleia da República compete aos Deputados, aos grupos parlamentares, ao Governo ou a grupos de cidadãos eleitores.
De acordo com o artigo 16.º da mesma lei, a iniciativa popular de referendo, tem de ser subscrita, no mínimo, por 75 000 cidadãos eleitores, regularmente recenseados no território nacional, bem como nos casos previstos no artigo 37.º, n.º 2, por cidadãos aí referidos. Disposição esta que diz respeito ao referendo que diga especificamente respeito aos cidadãos residentes no estrangeiro, regularmente recenseados.
O artigo 17.º da lei fixa os requisitos formais a que deve obedecer a iniciativa popular.
E assim, a iniciativa popular deve:

a) Assumir forma escrita;
b) Ser dirigida à Assembleia da República;
c) Conter, relativamente a todos os signatários, o nome completo e o número do Bilhete de Identidade;
d) Explicitar a pergunta ou perguntas a submeter a referendo, devidamente instruídas pela identificação dos actos em processo de apreciação na Assembleia da República, ou, quando não se encontre pendente acto sobre o qual possa incidir referendo, deve a iniciativa popular ser acompanhada de apresentação de projecto de lei relativo à matéria a referendar.

A iniciativa popular respeita os requisitos formais previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 17.º da Lei n.º 15-A/98.
Explicita também a pergunta a submeter a referendo.
Juntaram ainda os signatários o projecto de lei relativo à matéria a referendar que acima se transcreveu.
Impõe-se que atentemos, um pouco, nos requisitos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 17.º da Lei.
De facto, resulta do n.º 4 do artigo, devidamente articulado com o n.º 3, que quando não se encontre pendente acto sobre o qual possa incidir referendo, a iniciativa popular deverá ser acompanhada da apresentação de projecto de lei sobre a matéria a referendar. Não sendo esse o caso, devem ser identificados os actos a que se reporta a iniciativa.
Ora, na altura em que foi entregue na Assembleia da República a iniciativa popular, já se encontravam pendentes três iniciativas legislativas sobre a matéria a referendar do Partido Comunista Português, do Bloco de Esquerda e do Partido Socialista.
Sendo certo que, tal como resulta do preâmbulo do projecto de lei n.º 405/IX do Partido Socialista, na altura em que o mesmo foi apresentado, já se encontrava em curso a recolha de assinaturas para a iniciativa popular de referendo.

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O projecto de lei n.º 1/IX do Partido Comunista Português propõe a não punibilidade da interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido quando realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez a pedido da mulher para preservação do direito à maternidade consciente e responsável.
Prevêem-se ainda outras alterações ao artigo 142.º do Código Penal, matéria não visada pela iniciativa popular.
O projecto de lei n.º 89/IX do Bloco de Esquerda propõe a não punibilidade da IVG efectuada por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, a pedido da mulher nas primeiras 12 semanas de gravidez. Propõe também outras alterações em matéria não abrangida pela iniciativa popular de referendo.
Com o projecto de lei n.º 405/IX , o Partido Socialista visa a não punibilidade da interrupção da gravidez efectuada por médico ou sob a sua direcção, em estabelecimento oficial ou oficialmente reconhecido com o consentimento da mulher grávida, a pedido da mulher e após uma consulta num Centro de Acolhimento Familiar, nas primeiras 10 semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente.
Propõe ainda outras alterações em matéria não abrangida pela iniciativa popular de referendo.
Encontra-se ainda pendente o projecto de lei n.º 409/IX do Partido Ecologista "Os Verdes", apresentado em 30 de Janeiro de 2004, propondo a despenalização da IVG realizada nas primeiras 12 semanas.
O PS apresentou ainda o projecto de resolução n.º 203/IX para a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez realizada nas primeiras 10 semanas.
Sendo a pergunta exactamente igual à apresentada pelos cidadãos subscritores da iniciativa popular.
Com efeito, o Partido Socialista propõe a consulta ao eleitorado sobre a pergunta seguinte:

"Concorda que deixe de constituir crime o aborto realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez, com o consentimento da mulher, em estabelecimento legal de saúde?"

Não se tratando, por ora, de analisar a pergunta a submeter ao eleitorado, pois disso apenas se poderá tratar, importa, no entanto, perante estes dados analisar a conformidade da iniciativa popular referendária, com o disposto no n.os 3 e 4 do artigo 17.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril.
De facto, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º desta lei, a explicitação da pergunta a submeter ao eleitorado deve ser instruída com a identificação dos actos em processo de apreciação na Assembleia da República.
Ora, na altura em que começou a desenvolver-se a iniciativa referendária já se encontravam pendentes na Assembleia da República dois projectos de lei visando a despenalização da IVG - a iniciativa do PCP e a do BE.
Assim, importará saber se face à redacção da lei, a pergunta teria de ser reportada aos dois projectos de lei ou a um só, e no caso afirmativo, que consequências daí resultam para o projecto de lei com que os peticionantes instruíram a pergunta.
De facto, o que será submetido à consulta popular não é um determinado projecto de lei, não é sequer, o projecto de lei apresentado pelos peticionantes, mas tão só o conteúdo material de uma questão a incluir, ou não, em letra de lei, seja qual for o projecto em causa.
Com efeito, tal como diz Gomes Canotilho (em Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição) o referendo não tem por objecto actos normativos, ou projectos de actos normativos. Trata-se, segundo este autor, de uma decisão-regra, que posteriormente será objecto de uma lei ou de uma convenção internacional.
Relativamente ao projecto do PS, que é o que mais se identifica com a iniciativa popular referendária, parece claro que a pergunta apresentada pelos peticionantes pode ser reportada a esse projecto. A pergunta apresentada pelo PS, tal como atrás já se afirmou, é igual à apresentada pelos peticionantes e vice-versa.
E a isto não obsta o facto de o conteúdo do projecto de lei do Partido Socialista conter outras matérias. Já que, tal como decidiu o Tribunal Constitucional, no acórdão que se cita, "nem todos os aspectos do regime que se pretenda estabelecer têm obrigatoriamente de constar da pergunta formulada. É o que acontece, por exemplo, no caso dos autos, com a consulta em centro de aconselhamento familiar, prevista no projecto de lei n.º 451/VII, que não ficará afastada pelo facto de não se encontrar mencionada na pergunta".
De facto, tal como se diz no acórdão, afigura-se importante "importante - até para que a pergunta possa ter uma mínima correspondência com o objecto da iniciativa legislativa - que dela constem, por exemplo, referências à iniciativa da mulher e ao facto de a interrupção da gravidez se efectuar em estabelecimento de saúde."
Mas nada obstará a que, no caso de a resposta ser afirmativa, outros aspectos do regime, também constantes dos projectos de lei do PCP e do Bloco de Esquerda, possam vir a ser contemplados na lei.
Seria impeditivo da aplicação do n.º 3 do artigo 17.º da Lei n.º 15-A/98 o facto de os outros dois projectos de lei preverem a despenalização até às 12 semanas, e conterem ainda outras previsões, nomeadamente quanto a prazos?
Que sim, responderão os que entenderem que não há correspondência entre a pergunta que se reporta às 10 semanas e os projectos de lei que prevêem as 12 semanas.
Que não, responder-se-á se se entender que a lei, no n.º 4 do artigo 17.º, ao exigir a apresentação do projecto de lei quando não se encontre pendente acto sobre o qual possa incidir referendo, apenas reporta essa exigência à inexistência de acto visando de uma forma geral, aquilo que os peticionantes pretendem ou não pretendem. Sem que tal exigência diga respeito a soluções que, em sede de especialidade, possam ser adquiridas na iniciativa legislativa pendente.
A Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, ao admitir no seu artigo 4.º, que possam ser objecto de referendo iniciativas legislativas ainda em apreciação, poderá permitir que se conclua que pode ser colocado ao eleitor solução mais minguada do que a constante daquela iniciativa, para que seja levada em consideração, na hipótese de resposta afirmativa, na elaboração do diploma na especialidade.
Mas a resposta à questão de saber se estamos perante o caso do n.º 3 ou do n.º 4 do artigo 17.º terá de passar averiguação da natureza da exigência da instrução da pergunta com a indicação dos actos em apreciação.
Tal acontece porque se quis, nesse caso, que não fosse apresentado pelos peticionantes um projecto de lei?
Ou tal se destinou apenas a tornar mais fácil o exercício da iniciativa popular?
Ou seja: a compaginação entre a democracia representativa e a democracia directa estará na base da exigência

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de instrução da pergunta com a indicação dos actos em apreciação?
Parece não ser assim.
De facto, nos termos da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho, os cidadãos podem apresentar iniciativas legislativas, sendo a lei menos exigente no que toca ao número de assinaturas necessário (35 000 em vez de 75 000)
Assim, além da legitimidade da via escolhida, poderiam também os cidadãos subscritores ter apresentado um projecto de lei e ter vindo, posteriormente, a reportar o referendo ao projecto por eles apresentado.
Não se vislumbra, assim, que a opção pelo n.º 4 do artigo 17.º constitua sequer qualquer irregularidade, pelo que também relativamente a este requisito da lei, se deve ter por cumprido.

IV- Apreciação autónoma da constitucionalidade

Nos termos do artigo 17.º, n.º 5, da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, tem de ser analisada a observância das disposições constitucionais, legais e regimentais aplicáveis relativamente à iniciativa popular de referendo.
Já atrás se analisou a observância das disposições legais, regimentais e também das disposições constitucionais atinentes.
Outra será, no entanto, a análise da constitucionalidade das soluções decorrentes do resultado do referendo.
Que o Tribunal Constitucional analisou, a título autónomo, aquando da fiscalização preventiva que lhe competia, nos termos constitucionais e legais, da proposta de Resolução da Assembleia da República que decidiu convocar o referendo sobre a despenalização da IVG. (vide artigo 115.º, n.º 8, da CR e artigos 26.º e seguintes da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril).
Decidindo o Tribunal Constitucional que "não havendo uma imposição constitucional de criminalização na situação em apreço, cabe na liberdade de conformação legislativa a opção entre punir criminalmente ou despenalizar a interrupção voluntária da gravidez efectuada nas condições referidas na pergunta constante da proposta de referendo aprovada pela Resolução n.º 16/98 da Assembleia da República.
Assim, também sob o ponto de vista da conformidade material com a Constituição das soluções jurídicas envolvidas pela resposta - afirmativa ou negativa - à pergunta formulada se não suscitam obstáculos àquele referendo".
Assim sendo, e porque o Tribunal Constitucional é o órgão por excelência na apreciação da Constitucionalidade dos actos legislativos, e porque não se levantam à iniciativa popular questões acrescidas quanto a eventuais vícios de inconstitucionalidade que decorrerão, nomeadamente, para alguns do artigo 24.º da CR e para outros (no sentido inverso) do artigo 18.º da Constituição da República, também em sede da análise da constitucionalidade da iniciativa, a título autónomo, nada há que obste à admissão da petição para convocação de um referendo apresentada pelos cidadãos da mesma subscritores.
Em consequência, e nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, a Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias delibera emitir o seguinte parecer:

Parecer

A petição para convocação de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez de iniciativa popular, apresenta-se conforme aos preceitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, pelo que deve ser admitida.

Assembleia da República, 10 de Fevereiro de 2004. - A Deputada Relatora, Odete Santos - A Presidente da Comissão, Assunção Esteves.

Nota: O parecer foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS-PP.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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