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Quinta-feira, 24 de Junho de 2004 II Série-A - Número 67
IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)
S U M Á R I O
Projecto de lei n.o 464/IX (Regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Propostas de lei (n.os 123, 127 e 128/IX):
N.º 123/IX (Define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 127/IX (Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses):
- Idem.
- Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais.
N.º 128/IX (Estabelece o regime jurídico da formação profissional e cria o sistema nacional de formação profissional, identificando os agentes que o integram, as respectivas atribuições, bem como definindo os princípios que regem a sua coordenação, organização, financiamento e avaliação):
- Parecer da Comissão de Educação, Juventude, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
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PROJECTO DE LEI N.º 464/IX
(REGULA A UTILIZAÇÃO DE CÂMARAS DE VÍDEO PELAS FORÇAS E SERVIÇOS DE SEGURANÇA EM LOCAIS PÚBLICOS DE UTILIZAÇÃO COMUM)
Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
I - Nota preliminar
No dia 17 de Junho de 2004, foi depositado na Mesa da Assembleia da República, pelos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Popular, um projecto de lei tendente a regular a utilização de câmaras de vídeo pelas Forças e Serviços de Segurança em locais públicos de utilização comum. A iniciativa foi anunciada ao Plenário, admitida, numerada e mandada publicar, nos termos regimentais.
Tendo sido manifestada pelo Grupo Parlamentar do PP, em Conferência de Líderes, a intenção de, ao abrigo do seu direito potestativo de reserva de ordens do dia de Plenário, fazer agendar a iniciativa para debate na generalidade no dia 24 de Junho, a 1.ª Comissão diligenciou, ainda antes da sua apresentação formal, no sentido de designar relator o Deputado José Magalhães.
Dada a proximidade em relação à data fixada para o debate na generalidade, ficou reservada para o decurso do processo de votação na especialidade a consulta da Comissão Nacional de Protecção de Dados, nos termos decorrentes do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 67/98,de 26 de Outubro.
II- Objectivos e implicações do projecto
1. A iniciativa em apreço visa estabelecer, com valor permanente e de forma estável, o enquadramento legal das actividades de vigilância electrónica em locais públicos por parte de forças de segurança.
Trata-se de dar resposta a uma necessidade operacional para cuja importância a Assembleia da República tem vindo a ser alertada por diversas entidades, assegurando-se, simultaneamente, que o regime a instituir respeite rigorosamente as disposições constitucionais que protegem os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
2. A preocupação de instituir um regime geral invocada pelos proponentes afigura-se pertinente, uma vez que, em matéria tão sensível, é indesejável a proliferação de legislação fragmentária, sobretudo quando a mesma não tenha vigência estável garantida. Menos recomendável ainda é a proliferação de sistemas de vigilância à margem da lei, envolvendo utilização de recursos públicos, financeiros e humanos, sem adequado enquadramento, gerando-se uma melindrosa situação de défice de tutela de direitos dos cidadãos e de penumbra irregular no uso policial de meios de vigilância.
Sucede que a realização em Portugal da fase final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 tornou indispensável a aprovação, por consenso alargado, de dois diplomas que colmataram lacunas em matéria de utilização de meios de vigilância electrónica em locais públicos:
- A Lei Orgânica n.º 2/2004, de 12 de Maio, veio fixar credencial legal provisória para esse tipo de actividades policiais, para vigorar entre 1 de Junho e 11 de Julho de 2004;
- A Lei n.º 16/2004, de 11 de Maio, aprovou medidas preventivas e punitivas a adoptar em caso de manifestações de violência, associadas ao desporto, entre as quais se incluem, com carácter permanente, as referentes às actividades de vigilância electrónica.
Por outro lado, a evolução tecnológica tem propiciado a aquisição e instalação entre nós de uma multiplicidade de meios de vigilância electrónica, quer de carácter fixo quer móvel, cuja aquisição e utilização por forças de segurança é, muitas vezes, pública e notória, pelo que a respectiva legalização deve ser urgentemente enquadrada e não por mais tempo adiada.
3. Na exposição de motivos, os Deputados proponentes justificam o conteúdo e alcance do projecto de lei apresentado nos termos seguintes:
a) "O ordenamento jurídico nacional não prevê o uso da videovigilância em locais públicos de utilização comum, muito embora eles existam, em funcionamento e à vista de toda a gente, sem que qualquer cuidado seja posto na respectiva divulgação e advertência aos cidadãos, que pelos mesmos são visualizados e eventualmente gravados diariamente, em flagrante violação de um conjunto de direitos de personalidade, constitucionalmente garantidos";
b) Graças à autorização legal pretendida, as forças e serviços de segurança "passarão a dispor de mais um valioso auxiliar do desempenho das suas missões, cuja eficácia tem sido testada em vários países da União Europeia, e com resultados positivos";
c) A utilização de sistemas de videovigilância "constituirá um precioso auxiliar das forças e serviços de segurança, no desempenho" das missões de "prevenção da prática de ilícitos e, bem assim, a protecção das pessoas e bens, a conservação e guarda de bens que se encontrem em situação de perigo, entre outras".
4. A dificuldade principal a superar no processo legislativo decorre do facto de a videovigilância e demais formas de vigilância electrónica acarretarem restrição de direitos fundamentais, com vista à salvaguarda de outros bens e valores constitucionalmente protegidos.
Como assinalou o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 255/2002 (1) as actividades de videovigilância constituem "uma limitação ou uma restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignado no artigo 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental".
Por mesmo, os proponentes sublinham, certeiramente:
"Tais restrições são susceptíveis de causar problemas de colisão de direitos, quando, para assegurar o direito à segurança, se comprime o direito à imagem, por exemplo. Nestes casos, não se poderá deixar de encarar o problema sob uma perspectiva de harmonização de direitos, no caso de ser necessária a prevalência de um direito em relação a outros, o que só se pode determinar em função das circunstâncias concretas, pois só mediante esta condição se poderá avaliar o peso de valorização de um direito em relação a outro".
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E concluem:
"Deste ponto de vista, o fundamento ético da videovigilância não pode andar deslocado do direito à segurança interna - enquanto garante, não só da liberdade como também de outros direitos pessoais -, que constitui um dever do Estado garantir, quer sob a perspectiva da manutenção da ordem pública quer sob a perspectiva da prevenção da prática de crimes, e que compete às forças de segurança executar. A segurança é um bem jurídico, que se traduz num determinado objecto, que pode ser material ou imaterial, mas que é valioso, digno de protecção jurídica e constitucionalmente garantido. Mas trata-se de um bem jurídico comunitário, que restringe o exercício de outros bens jurídicos individuais".
5. Sustenta-se, correctamente, que "regulamentar a videovigilância (…) é a única forma de minorar a ofensa a direitos pessoais, num Estado de direito democrático" e que, ao configurar o regime concreto de restrição, o legislador só deve admitir o uso da videovigilância e meios similares:
- "Em primeiro lugar, porque se trata de bens jurídicos situados no mesmo plano constitucional e,
- Em segundo lugar, porque essa restrição resulta de uma relação de reciprocidade: o que o indivíduo perde, no exercício dos seus direitos, reverte a favor da comunidade".
6. Na concreta situação existente em Portugal, o diploma proposto, ao estabelecer um regime jurídico que regule a utilização dos meios de gravação de imagens e sons pelas forças e serviços de segurança, tem, em síntese, dois objectivos:
a) Criar "as condições para que o recurso a este auxiliar ao desempenho das missões que lhes estão cometidas seja expandido";
b) Assegurar que sejam reconduzidos "aos precisos limites da lei aqueles que já estejam em utilização".
III- O contexto internacional e as lições fundamentais do Direito Comparado
7. As opções propostas têm em conta a evolução que se regista em outros países, em especial nos Estados-membros da União Europeia.
No "Documento de Trabalho sobre o Tratamento de Dados Pessoais por meio de Videovigilância" (11750/02/PT,WP 67), adoptado em 25 de Novembro de 2002, pelo Grupo (europeu) de Protecção de Dados Pessoais (Grupo do artigo 29.º") (2) diagnosticou-se, de forma ainda actual, o quadro existente:
"Alguns países também têm disposições específicas que se aplicam independentemente da circunstância de a videovigilância poder envolver o tratamento de dados pessoais. Ao abrigo desses regulamentos, a instalação e o uso de circuitos fechados de televisão e de equipamentos de vigilância semelhantes devem ser previamente autorizados por uma entidade pública - que poderá ser representada, no todo ou em parte, pela autoridade para a protecção dos dados nacional. Esses regulamentos podem diferir em relação à natureza pública ou privada da entidade responsável pelo funcionamento do equipamento em questão.
Noutros países, a videovigilância não é, actualmente, objecto de leis específicas; contudo, as autoridades para a protecção dos dados têm trabalhado no sentido de garantir a boa aplicação das disposições gerais de protecção dos dados, entre outras formas, através de pareceres, directrizes ou códigos de conduta - que já foram adoptados no Reino Unido e que estão a ser redigidos em Itália, por exemplo".
Concretizando, o retrato de situação foi sintetizado nos termos seguintes:
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8. Pretendendo, em primeiro lugar, chamar a atenção para o vasto leque de critérios de avaliação da legalidade e adequação da instalação dos diferentes sistemas de videovigilância na União Europeia, o documento orientador elaborado pelo grupo do artigo 29.º não deixou de pronunciar-se sobre outros aspectos, alertando as instâncias competentes dos Estados-membros para questões relevantes, cuja importância não deve ser subestimada dado tenderem a agravar-se com a sofisticação tecnológica crescente.
Merecem destaque especial dois desses alertas:
a) A necessidade de ter uma visão e avaliação globais do quadro existente ou a estabelecer em matéria de modo a "promover uma abordagem globalmente selectiva e sistemática desta questão", uma vez que "a excessiva proliferação de sistemas de aquisição de imagens em zonas públicas e privadas não deverá resultar na implementação de restrições injustificadas aos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos; caso contrário, os cidadãos seriam efectivamente obrigados a passar por processos desproporcionados de recolha de dados, o que os tornaria identificáveis em massa em vários locais públicos e privados";
b) "As tendências que se aplicam à evolução das técnicas de videovigilância poderiam ser avaliadas com utilidade para evitar que o desenvolvimento de aplicações de software baseadas quer no reconhecimento facial quer no estudo e previsão do comportamento humano leve inconsideradamente a uma vigilância inibidora do dinamismo - ao contrário da vigilância estática convencional, que se destina sobretudo a documentar acontecimentos específicos e os respectivos autores. Esta nova forma de vigilância baseia-se na aquisição automatizada das características faciais dos indivíduos, bem como na sua conduta "anormal" em associação com a disponibilidade de alertas e avisos automatizados, que implicam eventualmente perigos de discriminação".
9. A evolução tecnológica recente, longe de tornar arcaicos as convenções e demais instrumentos internacionais criados com vista à tutela da intimidade da vida privada, veio confirmar a indispensabilidade e pertinência dos princípios e regras pactuados, no novo contexto dominado pelas tecnologias digitais, designadamente:
- Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (artigo 8.º);
- Convenção n.º 108/1981 do Conselho da Europa para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal (o Comité Consultivo instituído pela Convenção entende que as vozes e imagens devem ser considerados dados pessoais, quando fornecerem informações sobre uma pessoa tornando-a identificável, ainda que indirectamente). Mais recentemente, o Conselho da Europa definiu um conjunto de princípios orientadores para a protecção dos indivíduos no que diz respeito à recolha e ao tratamento de dados por meio de videovigilância (3);
- Constituição Europeia: o futuro tratado constitucional, aprovado pelo Conselho em 18 de Junho de 2004, incorpora na sua Parte II, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que prevê no artigo II-7.º, o respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pelas comunicações e, no artigo II-8.º, a protecção dos dados de carácter pessoal.
São igualmente aplicáveis as directivas e outros instrumentos criados no âmbito do direito da União Europeia (4).
10. Retirando lições do quadro sumariamente descrito, a Comissão Nacional de Protecção de Dados aprovou uma bem fundamentada deliberação (com o n.º 61/2004), enunciando os critérios por que se regerá no quadro legal vigente, marcado por lacunas mas não omisso quanto a muitas regras basilares (5).
IV - Opções contidas no projecto de lei
A iniciativa legislativa em apreço coaduna-se com preocupações e critérios orientadores enunciados pela CNPD na deliberação citada. Segundo os proponentes, tratando-se de matéria em que estão em causa direitos fundamentais, "cria-se um regime que garante o respeito pelos direitos em causa, restringindo ao mínimo indispensável a sua restrição por outros direitos da mesma natureza".
Com efeito:
" Regula-se a vigilância tendente ao controlo à distância de acontecimentos, situações e ocorrências feita através de câmaras de vídeo pelas Forças e Serviços de Segurança em locais públicos de utilização comum, para gravação de imagem e som e seu posterior tratamento (artigo 1.º/1);
" O regime fixado é, contudo, "extensível a qualquer outro meio técnico análogo, bem como a qualquer sistema que permita a realização das gravações nela previstas" (artigo 1.º/2);
" Adoptam-se, por remissão, "as definições constantes do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, com as necessárias adaptações" (artigo 1.º/3);
" Só poderá ser autorizada a utilização de videovigilância que vise a protecção de edifícios e instalações públicos e respectivos acessos, a protecção de instalações com interesse para a defesa nacional, a protecção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e a prevenção da prática de crimes (artigo 2.º/1);
" Pretende-se conceder às forças de segurança autorização ope legis, para acesso "para efeitos de fiscalização de infracções estradais", "às imagens captadas pelas entidades que controlam o tráfego rodoviário" (artigo 2.º/3), sempre sob controlo, presume-se, da CNPD;
" A instalação de câmaras de vídeo fixas é sujeita a um regime de autorização prévia, que obedece aos princípios da necessidade, conveniência, adequação e proporcionalidade, sendo a autorização precedida de parecer prévio vinculativo a emitir pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais (artigo 3.º);
" Nos locais objecto de vigilância com recurso a câmaras fixas é obrigatória a afixação, em local bem visível, de informação sobre a existência e a localização das câmaras de vídeo, a finalidade da captação de imagens e sons e informação sobre o responsável pelo sistema, sendo "expressamente proibida a instalação de câmaras fixas em áreas que,
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apesar de situadas em locais públicos, sejam, pela sua natureza, destinadas a serem utilizadas em resguardo" (artigo 4.º);
" Quanto à utilização de câmaras portáteis, o projecto preconiza que se considere aplicável "a legislação própria relativa às forças e serviços de segurança e a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro";
" Propõe-se que a utilização de câmaras de vídeo em locais públicos seja subordinada aos princípios da necessidade ("a autorização de utilização de câmaras de vídeo pressupõe sempre a existência de uma ameaça séria à segurança e ordem públicas - artigo 7.º/4), da adequação e da proporcionalidade, só sendo autorizada "quando tal meio se mostre concretamente o mais adequado para a manutenção da segurança e ordem públicas e para a prevenção da prática de crimes, tendo em conta as circunstâncias concretas do local a vigiar" (artigo 7.º/1 e 2). Estabelece-se ainda que "na ponderação, caso a caso, da finalidade concreta a que o sistema se destina, será igualmente tida em conta a possibilidade e o grau de afectação de direitos pessoais através da utilização de câmaras de vídeo" (artigo 7.º/3). É igualmente vedada a utilização de câmaras de vídeo para a captação de imagens e sons nos locais públicos, "quando essa captação afecte, de forma directa e imediata, a intimidade das pessoas, ou resulte na gravação de conversas de natureza privada, devendo nesses casos, as imagens e sons acidentalmente obtidos, em violação dos princípios legais, ser "destruídas de imediato pelo responsável pelo sistema" (artigo 7.º/ 5 e 6);
" Proíbe-se "a utilização de câmaras de vídeo para a captação de imagens e de sons no interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência, salvo consentimento dos proprietários ou autorização judicial" (artigo 7.º/5).
" Qualquer que seja o tipo de câmara a usar, o tratamento de imagens e sons rege-se pelo disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, em tudo o que não seja especificamente previsto no diploma específico cuja elaboração se visa (artigo 2.º/2);
" Regula-se ainda o regime a aplicar aos registos que evidenciem a prática de factos com relevância criminal, admitindo-se a participação dos factos verbalmente (mas não electronicamente?) quando se revele incumprível o prazo previsto (artigo 8.º);
" As imagens e sons obtidos por qualquer maneira admissível serão conservadas apenas pelo prazo de um mês, salvo no caso de estarem relacionadas com ilícito penal (artigo 9.º);
" Embora seja assegurado o direito de acesso e eliminação das imagens por parte de quem nelas figure, autorizam-se excepções em termos amplos quando o exercício do direito "seja susceptível de constituir perigo para a defesa do Estado ou para a segurança pública, ou quando seja susceptível de constituir uma ameaça ao exercício dos direitos e liberdades de terceiros ou, ainda, quando prejudique a sua utilização em investigação criminal em curso". O artigo 11.º/3 da Lei n.º 67/98 dispõe, contudo, que o direito de acesso não pode ser negado, devendo ser exercido "através da CNPD ou de outra autoridade independente a quem a lei atribua a verificação do cumprimento da legislação de protecção de dados pessoais" (como é o caso da criada no âmbito do Sistema de Informações da República);
" É reforçado o dever de denúncia dos factos que o sistema tenha gravado, quando tais factos constituam ilícito criminal;
" Concede-se a todas as "entidades responsáveis pelos sistemas de vigilância por câmaras de vídeo actualmente existentes" o prazo de "1 ano para procederem à adaptação dos sistemas às disposições da presente lei, contado a partir da data da respectiva entrada em vigor" (artigo 13.º).
V - Conclusões
1 - O projecto de lei em apreço visa estabelecer, com valor permanente e de forma estável, o enquadramento legal das actividades de vigilância electrónica em locais públicos por parte da GNR e PSP;
2 - A dificuldade principal a superar no processo legislativo decorre do facto de a videovigilância e demais formas de vigilância electrónica acarretarem restrição de direitos fundamentais, com vista à salvaguarda de outros bens e valores constitucionalmente protegidos;
3 - Na concreta situação existente em Portugal, o diploma proposto, ao estabelecer um regime jurídico que regule a utilização dos meios de gravação de imagens e sons pelas forças e serviços de segurança, tem, em síntese, dois objectivos: (a) Criar "as condições para que o recurso a este auxiliar ao desempenho das missões que lhes estão cometidas seja expandido"; (b) Assegurar que sejam reconduzidos "aos precisos limites da lei aqueles que já estejam em utilização";
4 - O articulado revela a preocupação de acolher princípios e regras fundamentais decorrentes de instrumentos internacionais e dos critérios orientadores enunciados pela CNPD;
Parecer
O projecto de lei que regula o uso de câmaras de vídeo pelas Forças e Serviços de Segurança em locais públicos de utilização comum encontra-se em condições de ser discutido na generalidade, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o Plenário.
Assembleia da República, 22 de Junho de 2004. - O Deputado Relator, José Magalhães - O Vice-Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.
Notas:
(1) [Referente à utilização de equipamentos electrónicos de vigilância e controlo por parte das entidades que prestem serviços de segurança privada.]
(2) ["Grupo de Protecção das Pessoas no que diz respeito ao Tratamento de Dados Pessoais", instituído pela Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995 (JO L 281 de 23.11.1995, p. 31, disponível em http://europa.eu.int/comm/internal_market/en/dataprot/index.htm). ]
(3) O documento considera, de forma prudente, que "os sistemas de videovigilância podem produzir efeitos positivos em termos de segurança", mas "a eficácia dos seus efeitos não é uniforme. Algumas aplicações traduziram-se numa diminuição de actos ilícitos em espaços públicos. Outras mostraram-se ineficazes ou afastaram a criminalidade para zonas limítrofes ou limitaram-se a oferecer meios de prova em relação às pessoas observadas". Os meios de vigilância só devem ser usados de forma proporcionada [texto integral em http://www.legal.coe.int ].
Na apreciação dos efeitos decorrentes da introdução dos sistemas de viodeovigilância não podem deixar de ser analisados os "efeitos
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potenciais sobre a liberdade e comportamento dos cidadãos", fazendo-se uma necessária reflexão "sobre o grau de violação da vida privada" que tenha especial incidência nas vertentes da "liberdade de circulação" e na análise de "comportamentos".
Em matéria de pertinência é fundamental que os responsáveis pela recolha de imagens:
a) Definam a localização das câmaras e as modalidades de registo (registo e conservação das imagens, ângulos utilizados, escolha de "grandes planos" e scanner de imagens);
b) Reduzam o campo visual em função da finalidade prosseguida ou das zonas em que "a videovigilância é efectivamente necessária, dando uma atenção particular aos casos em que as câmaras - filmando lugares públicos - permitem o registo de som e imagem em lugares privados situados na proximidade";
c) Procedam à recolha de imagens no estritamente necessário à finalidade prosseguida, sendo dispensáveis grandes planos ou detalhes não relevantes em função dos objectivos a que se propõe o responsável.
(4) Com destaque para a Directiva 95/46/CE, cujo alcance é pormenorizadamente examinado no documento de trabalho do Grupo do artigo 29.º, para o qual se remete.
(5) Na introdução à deliberação, assinala a Comissão:
"Estão pendentes na CNPD vários pedidos de autorização de tratamentos de videovigilância. Muito embora a CNPD tenha sugerido à Assembleia da República e ao Governo [nos pareceres n.º 22/2003, de 8 de Julho, e 41/2003, de 3 de Novembro] "legislação geral sobre videovigilância e outros meios electrónicos de controlo" para além da regulamentação relativa à actividade de segurança privada e aos serviços de autoprotecção, verifica-se que, até à data, não foram acolhidas as sugestões formuladas". É precisamente essa a situação que agora se visa alterar, mas unicamente no tocante ao regime aplicável às forças de segurança públicas.
O relatório foi aprovado por unanimidade, estando ausente o CDS-PP e o BE.
PROPOSTA DE LEI N.º 123/IX
(DEFINE O SENTIDO E O ALCANCE DOS ACTOS PRÓPRIOS DOS ADVOGADOS E DOS SOLICITADORES E TIPIFICA O CRIME DE PROCURADORIA ILÍCITA)
Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I - Objectivos e fundamentação da iniciativa legislativa
Em 22 de Abril de 2004 foi aprovada em Conselho de Ministros a proposta de lei que define o sentido e o alcance dos actos próprios dos advogados e dos solicitadores e que tipifica o crime de procuradoria ilícita, a qual foi enviada à Assembleia da República em 11 de Maio.
Na exposição de motivos, o Governo diz visar o reforço do exercício do direito dos cidadãos a uma tutela efectiva dos seus direitos, liberdades e garantias e a uma administração da justiça responsável, mediante a definição rigorosa dos actos próprios dos advogados e solicitadores.
Sumariando a proposta de lei, diz-se na exposição de motivos que a mesma esclarece quais os profissionais que legalmente podem praticar esses actos, e demarca a actuação destas profissões jurídicas de outras profissões regulamentadas por lei.
Salienta-se ainda, no preâmbulo da proposta de lei, que todos os operadores de justiça, e particularmente a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores, têm demonstrado constante preocupação com a procuradoria ilícita e os seus efeitos por vezes irreparáveis para os cidadãos e para as empresas, e têm denunciado essa actividade ilegal.
Segundo o proponente, a proposta acautela as situações em que outras profissões, no exercício de funções regulamentadas por lei, praticam actos próprios dos advogados e solicitadores.
Encontrando-se ainda salvaguardada a prática de determinados actos próprios dos advogados e solicitadores por quem o não seja, quando praticados pelo próprio e no seu interesse ou no interesse de terceiros, em casos especificamente previstos, e ainda quando praticados por representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas.
Ainda segundo a exposição de motivos, define-se na proposta o escritório ou o gabinete de procuradoria ou consulta jurídica ilícita, conferindo-se à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores o direito de requererem junto das autoridades judiciais competentes, o encerramento dos escritórios e gabinetes.
Por último, tipifica a proposta de lei o crime de procuradoria ilícita, por forma a que tal tipificação funcione como elemento preventivo e dissuasor da prática de actos próprios de advogados e solicitadores por quem o não seja (salvaguardadas as excepções previstas na lei, preservando-se a moldura penal existente) segundo se afirma na exposição de motivos.
II - Antecedentes da iniciativa legislativa
Em 3 de Março de 2004 foi lançada, pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores, com o apoio da DECO e da Associação das Mediadoras Imobiliárias (AMIP), a campanha nacional de comunicação de combate à procuradoria ilícita.
Na cerimónia de abertura de tal campanha, o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados destacaria a importância do combate "contra o biscate como forma de vida, contra a economia paralela, contra a evasão fiscal, contra o abuso de boa-fé e da falta de informação dos consumidores, contra a corrupção, contra o favoritismo, contra a opacidade".
Afirmaria ainda que a luta "não é só de advogados, dos solicitadores e das Associações de Defesa dos Consumidores. É a luta de todas as profissões contra os que exercem ilegalmente actividades regulamentadas."
Ao mesmo tempo que salientava o empenhamento de alguns membros do Governo ("infelizmente que ainda não de todos", desabafava) evidenciava a necessidade da aprovação urgente da lei dos actos próprios dos advogados e solicitadores. Lamentando; "ainda não foi esta semana que chegou à Assembleia da República. Tenho a certeza de que chegará na próxima semana. Não pode ser de outra forma!".
Antecedendo esta campanha, regista-se que em 5 de Março de 2003 foi celebrado um protocolo entre a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores e a DECO, através do qual os outorgantes acordaram em medidas de combate à procuradoria ilícita, e em medidas de fomento da
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qualidade, transparência e rigor na prestação de serviços jurídicos.
Em 18 de Fevereiro de 2004 foi celebrado, entre a Ordem dos Advogados e a Associação das Mediadoras Imobiliárias, um protocolo, através do qual ambas as entidades acordaram em acções conjuntas, entre as quais uma campanha de sensibilização dirigida aos advogados e consumidores, veiculando a mensagem de que actos jurídicos e de mediação imobiliária são incompatíveis, e de que exercê-los sem licença constitui crime de usurpação de funções.
Na sequência desta campanha, do gabinete do Sr. Secretário de Estado da Justiça foram emanadas instruções de serviço dirigidas a todos os serviços externos da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, no âmbito do combate à procuradoria ilícita, decorrentes, aliás, do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, alterado e republicado pela Lei n.º 80/2001, como se reconhece nas instruções.
Havendo, como há, um generalizado consenso da necessidade de combate à procuradoria ilícita, não deixa de se salientar que houve quem apontasse as dificuldades que acresceriam nesse combate, resultantes da privatização do notariado - vide conferência realizada no Porto, subordinada ao tema "Existe procuradoria ilícita?" organizada pela Vida Económica e pela Ordem dos Advogados (intervenção da Notária Dr.ª Maria Angelina Leão, que definiria a procuradoria ilícita como um terceiro-mundismo).
III - Soluções da proposta de lei
No artigo 1.º da proposta de lei definem-se os actos próprios dos advogados e solicitadores, que, em princípio, só podem ser praticados por licenciados em direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e por solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores.
Exceptuando-se desta previsão a elaboração de pareceres escritos por docentes das Faculdades de Direito (vide n.º 3 do artigo 1.º)
Também quanto à consulta jurídica se exceptua da previsão do n.º 1 do artigo 1.º, a exercida por juristas de reconhecido mérito e pelos mestres e doutores em direito cujo grau seja reconhecido em Portugal, inscritos para o efeito na Ordem dos Advogados, nos termos de processo especial a definir no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Excepciona-se também a prática de actos próprios dos Advogados e Solicitadores por quem não seja licenciado em Direito, no âmbito da competência resultante do artigo 173.º-C do Estatuto da Ordem dos Advogados e do artigo 77.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores. (ambos os artigos se referem ao exercício da profissão com o título profissional de origem, respeitando o artigo 107.º-C aos advogados da União Europeia, e o artigo 77.º aos solicitadores da União Europeia e de países fora da União Europeia)
Salvaguardando-se o disposto nas leis de processo, definem-se como actos próprios dos advogados e dos solicitadores o exercício do mandato forense e a consulta jurídica, e ainda os seguintes actos:
a) Contratos e actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias ou cartórios notariais;
b) A negociação tendente à cobrança de créditos;
c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos e tributários;
O n.º 7 do artigo 1.º esclarece que todos os actos definidos no artigo quando exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissional são actos próprios dos advogados e solicitadores, embora compreendendo-se nas competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades, cujo acesso ou exercício é regulado por lei. Exceptua-se, no entanto, desta previsão os actos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, por não serem considerados nos termos do nº 8 do artigo 1º, actos praticados no interesse de terceiros. Prevendo-se, no entanto, uma excepção à excepção: no caso de cobrança de dívidas, se esta cobrança constituir o objecto ou actividade principal daquelas entidades, estaremos perante actos praticados no interesse de terceiros, ou seja perante actos próprios dos advogados e dos solicitadores que só por estes podem ser praticados.
Ainda no artigo 1.º, remete-se para o Estatuto dos Solicitadores e para a legislação processual a definição dos termos em que os solicitadores podem exercer o mandato forense e a consulta jurídica.
Na proposta, define-se ainda mandato forense (todo o mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais e comissões arbitrais e os Julgados de Paz, define-se consulta jurídica (toda a actividades de aconselhamento jurídico, a solicitação de terceiro, consistindo na aplicação e interpretação das normas jurídicas); estabelece-se ainda quanto aos advogados, advogados estagiários e solicitadores, a liberdade de exercício dos actos próprios dos advogados e solicitadores, liberdade que não pode ser impedida por qualquer autoridade pública ou privada; dispõe ainda a proposta de lei sobre o título profissional dos advogados e solicitadores.
A proibição de funcionamento de qualquer escritório ou gabinete, seja qual for a forma jurídica da sua constituição, que preste serviços a terceiros que compreendam, mesmo que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e solicitadores, consta do artigo 6.º. A definição de escritório ou gabinete proibido, faz-se por essa referência aos serviços prestados, e também por exclusão: desde que não se trate de escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados e solicitadores, de sociedades de advogados, de sociedades de solicitadores, ou dos gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores.
Mostrando-se violada tal proibição a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores podem requerer junto das entidades judiciais competentes, o encerramento do escritório ou gabinete. O artigo 6.º contém duas ordens de excepções à proibição.
Assim, podem ter escritórios ou gabinetes os sindicatos e as associações patronais desde que os actos próprios de advogados ou solicitadores sejam individualmente exercidos por advogado, advogado estagiário ou solicitador e (requisito cumulativo) sejam praticados para defesa dos interesses comuns em causa.
E podem ainda ter escritórios ou gabinetes para prática de actos próprios dos advogados ou solicitadores, as entidades sem fins lucrativos, que requeiram o Estatuto de Utilidade Pública, se no requerimento de atribuição submeterem a autorização específica a prática de actos próprios dos advogados e solicitadores, desde que estes actos sejam
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praticados para defesa exclusiva dos interesses comuns em causa, e sejam exercidos individualmente por advogado, advogado estagiário ou solicitador. - vide o n.º 4 do artigo 6.º da proposta de lei.
Parece ser este o conteúdo do n.º 4 do artigo 6.º
A forma, entretanto deverá ser aperfeiçoada, já que não nos parece que, para além dos requisitos previstos nesse inciso, possa haver outros como o inculca a expressão nomeadamente contida no corpo dessa previsão. E, por outro lado, parece que os requisitos das alíneas a), b) e c) parecem ser requisitos cumulativos (como acontece, de resto, no n.º 3) o que, no entanto, não está suficientemente clarificado.
A concessão de autorização específica é precedida de consulta à Ordem dos Advogados e à Câmara dos Solicitadores.
Nos termos do artigo 7.º comete o crime de procuradoria ilícita quem, contra o disposto no artigo 1.º praticar actos próprios dos advogados e solicitadores, e quem auxiliar ou colaborar na prática de actos próprios dos advogados e solicitadores.
O crime, dependente de queixa (direito de que são titulares o lesado, a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores) é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
A Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores têm legitimidade para se constituírem assistentes no procedimento criminal.
O artigo 358.º do Código Penal prevê o crime de usurpação de funções que (entre outras situações) é cometido por quem exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possui-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou as não preenche.
Aqui se encontra previsto o crime de procuradoria ilícita, punido com uma pena até 2 anos de prisão ou de multa até 240 dias.
A redacção do actual inciso resultou da revisão do Código Penal constante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, esta resultante da proposta de lei n.º 160/VII. Contudo, a expressão "ou praticar acto próprio de uma profissão" não se encontrava na proposta governamental de então, tendo sido proposta a alteração pelo Partido Socialista. Tal alteração foi aprovada por unanimidade.
Da redacção da alínea b) do artigo 358.º resulta assim que o crime de usurpação de funções aí previstas, deixou de ser um crime de habitualidade. Até à alteração da lei de 1998, alguns tribunais superiores pronunciavam-se no sentido de o crime ser um crime de hábito - Veja-se o Ac do STJ de 16 de Maio de 1996, proferido no processo n.º 144/96.
A proposta de tipificação autónoma da usurpação de funções resultante de procuradoria ilícita coloca algumas questões que importa clarificar.
É ou não o crime proposto um crime de habitualidade?
Se a resposta for afirmativa como parece dever ser, mantém-se ou não o crime de usurpação de funções previsto na alínea b) do artigo 358.º do Código Penal quando for praticado um só acto próprio de advogados ou solicitadores, arrogando-se o agente o preenchimento das condições necessárias para tal, expressa ou tacitamente?
Na hipótese afirmativa, sendo embora mais exigente o requisito "arrogando-se o agente, expressa ou tacitamente o preenchimento das condições necessárias" será de ponderar se, mesmo assim, se justifica uma punição mais grave quando se comete apenas um acto, sendo de metade a moldura penal para os casos em que há habitualidade.
Por outro lado, parece-nos que deverá ser ponderado se a solução desejável é a da autonomização do crime de procuradoria ilícita relativamente à usurpação de funções de outras profissões, como a medicina, também regulamentadas por lei, ou se a solução a encontrar será a de introduzir alterações ao artigo 358.º do Código Penal
Nos termos do artigo 8.º, a promoção, divulgação ou publicidade de actos próprios dos advogados e solicitadores, efectuada por pessoas singulares ou colectivas não autorizadas a praticar os mesmos, constitui contra-ordenação, a que corresponde uma coima de € 500 a € 2500 no caso de pessoas singulares, e de € 1250 a € 5000 euros no caso de pessoas colectivas, mesmo que irregularmente constituídas. Em caso de reincidência, a coima será, respectivamente de € 5000 a € 12500, e de € 10000 a € 25000
É atribuída ao Instituto do Consumidor a elaboração do cadastro do qual constem todas as entidades que tenham sido condenadas em processo contra-ordenacional.
Processo para o qual é atribuída competência ao Instituto do Consumidor, a quem competirá também a aplicação das coimas, mediante denúncia fundamentada do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, ou do Conselho Regional da Câmara dos Solicitadores territorialmente competentes.
O produto das coimas reverte para o Instituto do Consumidor (40%) e para o Estado (60%).
Segundo o actual Código da Publicidade, a publicidade de procuradoria ilícita já constitui contra-ordenação, nos termos dos artigos 7.º (princípio da licitude), 11.º (publicidade enganosa) e do artigo 12.º (princípio do respeito pelos direitos do consumidor).
Nos termos do artigo 11.º da proposta de lei, regula-se ainda a responsabilidade civil decorrente dos actos praticados em violação do disposto no artigo 1.º, os quais se presumem culposos. Conferindo-se à Ordem dos Advogados e à Câmara dos Solicitadores legitimidade para intentar acções de responsabilidade civil para ressarcimento dos danos da lesão de interesses públicos que, estatutariamente lhes cumpre assegurar e defender. Revertendo as indemnizações para um Fundo, gerido em termos a regulamentar, fundo esse destinado à promoção de acções de informação e implementação de mecanismos de prevenção e combate à procuradoria ilícita.
Por último, revogam-se os artigos 53.º e 56.º do Estatuto dos Advogados e o artigo 104.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.
De facto, o artigo 53.º do Estatuto dos Advogados regula o exercício da advocacia em território nacional, e tal matéria encontra-se contida nos artigos 1.º e 5.º.
Quanto ao artigo 56.º desse Estatuto, a sua matéria encontra-se contemplada nos artigos 6.º e 7.º da proposta de lei, salientando-se melhorias nomeadamente no que toca ao regime de encerramento de escritórios de procuradoria ilícita, relativamente ao qual o artigo 56.º era, pelo menos, de duvidosa constitucionalidade, já que atribuía a competência para a decisão de encerramento ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados territorialmente competente, e a competência para a execução de tal decisão à autoridade policial. Competências que
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agora se atribuem às autoridades judiciais (vide n.º 2 do artigo 6.º da proposta).
Também a matéria contida no n.º 3 do artigo 104.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, passa a estar contemplada no artigo 6.º, e a matéria constante dos n.os 1 e 2 daquele artigo 104.º fica contemplada no artigo 7.º (crime de procuradoria ilícita).
Conclusões
a) Existe um generalizado consenso na necessidade de prevenir e combater a procuradoria ilícita;
b) Prevenção e combate que se integra na garantia dos direitos dos cidadãos, nomeadamente do direito ao acesso ao direito e à justiça;
c) Na defesa desse interesse público é importante a melhoria do regime existente relativamente aos actos próprios dos advogados e solicitadores;
d) Na proposta de lei em análise aperfeiçoam-se soluções já constantes do Estatuto dos Advogados e do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, do Código da Publicidade e do Código Penal, soluções a que, de resto, não tem sido dada execução adequada e eficaz.
e) A proposta de lei tem como escopos fundamentais:
" A definição dos actos próprios de advogados e solicitadores;
" A tipificação das excepções que tornam possível a prática daqueles actos por determinadas profissões;
" A proibição de escritórios ou gabinetes de procuradoria que não sejam exclusivamente compostos por advogados e solicitadores, ou que não sejam de sociedades de advogados, de sociedades de solicitadores, ou que não sejam gabinetes de consulta jurídica, que prestem serviços a terceiros compreendendo, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e solicitadores; excepcionando-se no entanto, situações atendíveis, nos termos dos requisitos fixados na proposta de lei.
" A tipificação do crime de procuradoria ilícita;
" O regime contra-ordenacional para a publicidade do exercício da procuradoria ilícita;
" O ressarcimento dos danos da Ordem dos Advogados e da Câmara dos Solicitadores, resultantes de procuradoria ilícita, através de responsabilidade civil.
Parecer
Nestes termos, a Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos Liberdades e Garantias delibera emitir o seguinte parecer:
A proposta de lei n.º 123/IX respeita os preceitos constitucionais e regimentais aplicáveis, encontrando-se em condições de ser apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.
Assembleia da República, 23 de Junho de 2004. - A Deputada Relatora, Odete Santos - O Vice-Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.
Nota: O relatório foi aprovado por unanimidade, estando ausente o CDS-PP e o BE.
PROPOSTA DE LEI N.º 127/IX
(ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DAS PERÍCIAS MÉDICO-LEGAIS E FORENSES)
Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Relatório
I. Introdução
O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República a proposta de lei n.º 127/IX - Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.
Esta apresentação foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa vertente baixou, em conformidade com o despacho do Presidente da Assembleia da República, à Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias para a elaboração do respectivo relatório e também à Comissão do Trabalho e dos Assuntos Sociais para emissão de parecer, quanto às matérias da respectiva competência, nos termos regimentais.
II. Do objecto, motivação e conteúdo da iniciativa do Governo
A proposta de lei apresentada pelo Governo vem, de acordo com a exposição de motivos, dar continuidade à reforma iniciada pelo anterior Governo socialista com a criação do Instituto Nacional de Medicina Legal e a recomposição orgânica daí decorrente visando, nomeadamente, novos e melhores níveis de eficácia, eficiência, racionalização e participação da medicina legal no âmbito da administração da justiça, inserido nos objectivos prosseguidos pelo Decreto-Lei n.º 146/2000, de 18 de Julho.
Ainda de acordo com a exposição de motivos, o Governo procura, com a aprovação da proposta de lei em apreço, "introduzir alterações e aperfeiçoamentos ao regime das perícias médico-legais e forenses, susceptíveis de proporcionarem uma maior operacionalidade e flexibilidade ao sistema, aproveitando-se, simultaneamente, para corrigir as fragilidades entretanto constatadas no regime em vigor e para melhor explicitar as regras que orientam algumas delas, nomeadamente na sequência de progressiva instalação de gabinetes médico-legais entretanto verificada".
A proposta de lei enuncia na exposição de motivos que algumas das soluções adoptadas visam a definição mais rigorosa da delimitação territorial de competências e das condições de adequabilidade para a realização das perícias médico-legais e forenses, da responsabilidade pelas mesmas e a alteração das regras para realização de perícias por entidades terceiras, público ou privadas.
Do mesmo modo, a proposta de lei visa reformular os procedimentos relativos à verificação e certificação de óbitos ocorridos fora de instituições de saúde e as indicações respeitantes à obrigatoriedade de realização de autópsias médico-legais.
Prosseguindo os objectivos enunciados, o Governo pretende também introduzir alterações ao regime de realização de perícias urgentes, com vista a reforçar a preservação de
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indícios e elementos probatórios indispensáveis à investigação criminal, nos casos de suspeita de prática de crime.
Por último, refira-se que a proposta de lei preconiza um regime de livre trânsito e direito de acesso por parte dos funcionários envolvidos em investigação pericial e prevê uma maior colaboração entre as diversas entidades com competências no âmbito da investigação pericial, consubstanciado no direito de acesso à informação disponível e na prestação de esclarecimentos posteriores à realização da perícia.
III. Enquadramento legal vigente e análise sumária da iniciativa do Governo
Como elucida o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março, que aprovou os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal, a medicina legal nasceu das exigências da justiça e é definida correntemente como a ciência que promove "a aplicação de conhecimentos médicos e biológicos à resolução de problemas jurídicos".
Na sua acção pericial do dia a dia, na sua função de resolução de problemas forenses, a medicina legal envolve e utiliza, de forma directa ou indirecta, não só conhecimentos e métodos extraídos de outras especialidades médicas como recorre ainda a um amplo conjunto de ciências e tecnologias não médicas, a que se encontra particularmente vinculada.
A importância da medicina legal resulta, pois, de todo o amplo conjunto de circunstâncias e características que lhe são próprias. Desde logo, da natureza dos assuntos de que se ocupa, contribuindo de forma fundamental para um mais correcto funcionamento da administração da justiça e para a solução de uma série de questões materiais e morais com ela relacionadas.
Da evolução histórica da legislação sobre perícias médico-legais dá conhecimento o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro.
O primeiro diploma legislativo que seriamente se debruçou sobre a realização de perícias médico-legais no nosso país foi a Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899, que dividiu Portugal em três circunscrições médico-legais, em cujas sedes, Lisboa, Porto e Coimbra, passou a funcionar um conselho médico-legal, ao mesmo tempo que criou uma morgue junto da Faculdade de Medicina de Coimbra e das Escolas Médicas de Lisboa e do Porto, com vista a garantir a realização de autópsias médico-legais e o ensino prático da medicina legal, sem deixar de prever a realização de investigações químicas e bacteriológicas nos institutos técnicos do Estado e nos laboratórios municipais de Lisboa e do Porto. Quase de imediato, em 16 de Novembro desse ano, o Governo publicou o Regulamento dos Serviços Médico-Legais, onde fixou os termos de funcionamento dos conselhos médico-legais, bem como o formalismo a observar na realização dos diversos exames médico-legais.
Em 1918, pelo Decreto n.º 4808, de 11 de Setembro, o Governo criou o Instituto de Medicina Legal de Lisboa. Solucionado que estava o problema nesta comarca, procurou-se então dar resposta às principais deficiências apontadas aos serviços médico-legais fora das três grandes comarcas, através da publicação do Decreto n.º 5023, de 29 de Novembro, em que os actuais três institutos de medicina legal, que passaram a fazer parte das Faculdades de Medicina de Lisboa, Porto e Coimbra, ficaram responsáveis pelo serviço pericial das respectivas comarcas e pelos exames de laboratório solicitados pelas restantes comarcas; simultaneamente, foram criados lugares de peritos médicos junto dos tribunais e um curso superior de Medicina Legal destinado a habilitar médicos legistas, com vista a ultrapassar a falta de preparação técnica dos peritos.
O Decreto-Lei n.º 42216, de 15 de Abril de 1959, veio completar e aperfeiçoar o regime de contratação de peritos médicos de comarca instituído em 1918.
Posteriormente, ocorreu uma grande alteração legislativa com a publicação do Decreto-Lei n.º 387-C/87, de 29 de Dezembro, que procurou reorganizar a estrutura dos serviços médico-legais, nomeadamente mediante a criação do Conselho Superior de Medicina Legal, a previsão da possibilidade de criação de gabinetes médico-legais em áreas com grande movimento pericial, bem como a alteração do sistema de nomeação dos peritos médicos com o fim de alcançar um maior rigor no seu recrutamento. Este regime legal veio a ser ligeiramente alterado pelo Decreto-Lei n.º 431/91, de 2 de Novembro, cuja intenção fundamental visou a criação de condições que permitissem assegurar, num futuro próximo, uma situação igualitária entre a carreira de médico legista e as restantes carreiras médicas e que, no fundo, se traduziu num esforço de reestruturação da carreira de médico legista, agora designada por carreira médica de medicina legal.
Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 11/98, que procede à reorganização do sistema médico-legal, veio introduzir alterações e aperfeiçoamentos estruturais, de modo a possibilitar uma maior operacionalidade e flexibilidade dos serviços médico-legais e o seu desenvolvimento extensivo, de forma a que se pudesse alcançar, em todo o território nacional, o indispensável rigor técnico-científico que a actividade pericial deve revestir, a que se alia a adopção de um conjunto de medidas necessárias ao reforço da qualidade na formação.
Por último, o Decreto-Lei n.º 96/2001, que aprova a Lei Orgânica do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), extinguiu os três institutos de medicina legal existentes e criou, em sua substituição, o Instituto Nacional de Medicina Legal, dotado das competências, mecanismos e instrumentos orgânicos necessários com vista a uma melhor racionalização e rentabilização dos recursos técnicos e humanos existentes.
Com esta fusão conseguiu-se instituir metodologias periciais uniformes em todo o País, salvaguardada a independência técnico-científica própria de cada perito na apreciação de cada processo, pondo fim às diferentes escolas doutrinárias existentes e que conduziam a diferenças metodológicas que se revelavam prejudiciais a uma correcta e precisa interpretação da prova pericial, nomeadamente com valorizações distintas para situações similares em função da circunscrição médico-legal em causa.
Assim, desde o final do século passado, a lei portuguesa tem-se preocupado em estruturar a actividade dos serviços públicos de medicina legal, de modo a assegurar a indispensável coadjuvação técnico-científica dos tribunais para o esclarecimento pericial de certos factos, assim como em providenciar pela investigação, o ensino e a formação no âmbito das ciências médico-forenses. É, aliás, reconhecida internacionalmente, mesmo a nível dos países mais avançados nesta matéria, a qualidade da actividade desenvolvida pelo núcleo central da organização médico-legal do nosso país.
Actualmente, o regime jurídico das perícias médico-legais consta do referido Decreto-Lei n.º 11/98, nomeadamente, do
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Capítulo III - Exames e perícias médico-legais, e do Capítulo IV - Autópsias médico-legais.
A proposta de lei agora apresentada pelo Governo vem, essencialmente, autonomizar e densificar o regime jurídico das perícias médico-legais em diploma próprio, revogando, para o efeito, os artigos 40.º a 54.º (Capítulo III - Exames e perícias médico-legais e Capítulo IV - Autópsias médico-legais) e 78.º a 82.º (Capítulo VI - Disposições finais) do Decreto-Lei n.º 11/98.
A autonomização desta matéria em diploma próprio corresponde a uma necessidade de actualização da legislação em vigor, atento sobretudo o facto de as perícias médico-legais constarem de um diploma amplamente revogado, e surge como concretização da reforma encetada pelo anterior Governo com a aprovação dos Estatutos do INML e as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto.
O objectivo prosseguido com esta reforma prende-se com o reconhecimento de que a medicina legal, pelo diversificado leque de actividades que envolve (tanatologia, toxicologia forense, genética forense, clínica médico-legal, psiquiatria forense), existe fundamentalmente em função dos vivos e para os vivos. Estes, com efeito, representam nos dias de hoje a maior parcela do âmbito e objecto (as autópsias, tão associadas à medicina legal no imaginário popular, representam somente cerca de 10% das perícias efectuadas).
Assim, procurou-se garantir que o congestionamento dos serviços oficiais não constitua factor de morosidade na administração da justiça, razão pela qual se permite que aqueles serviços contratem entidades terceiras para a sua realização dentro do prazo fixado pelo tribunal.
Noutra vertente, em virtude da introdução de aparelhos de teleconferência nos tribunais e nos serviços oficiais aos quais são frequentemente requeridas perícias, foi possível alcançar uma maior celeridade processual.
Sem intenção de proceder a um registo exaustivo, importa, no entanto, salientar as alterações mais expressivas, bem como as dúvidas mais relevantes suscitadas pela leitura da proposta de lei, sendo prejuízo de, em fase de discussão na especialidade, se sugerirem aperfeiçoamentos ao articulado.
Na elaboração do presente relatório, procede-se ao cotejo das alterações pretendidas com o disposto na lei vigente, designadamente, no Decreto-Lei n.º 11/98 e nos Estatutos do INML, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 96/2001, seguindo, sempre que possível, a ordem do articulado da proposta de lei.
Assim, e desde logo, no que respeita à realização das perícias (artigo 2.º), constata-se que a proposta de lei segue, de uma maneira geral, o regime geral vigente: isto é, as perícias são realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, podendo recorrer-se a terceiros perante manifesta impossibilidade dos serviços ou, nas comarcas não compreendidas na área de actuação daqueles, à contratação de médicos.
No entanto, a proposta de lei evidencia um retrocesso em relação aos objectivos que vinham a ser prosseguido nas reformas anteriores. Efectivamente, a proposta de lei vem estabelecer a obrigatoriedade da realização das perícias nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML e determinar a excepcionalidade do recurso a terceiros.
Relativamente à requisição de perícias, que a proposta de lei insere no capítulo das disposições gerais, a redacção do artigo 3.º deve ser mais precisa, distinguindo as entidades que as podem solicitar, visto que há perícias que podem ser ordenadas por autoridade judicial ou judiciária e outras que podem também ser solicitadas directamente pelas autoridades policiais (v.g. os exames e perícias de genética, biologia e toxicologia forenses, nos termos do artigo 23.º da proposta de lei e do artigo 29.º dos Estatutos do INML).
No artigo 5.º, relativo à responsabilidade, a proposta de lei vem retirar a independência técnico-científica aos médicos peritos. No entanto, a obrigatoriedade de respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no INML, necessárias à uniformização das perícias, não pode atingir ou afastar a independência ou a autonomia, técnico-científica aos médicos peritos. Atente-se a que a independência técnico-científica própria de cada perito na apreciação de cada processo foi salvaguarda na criação INML, como expressamente assinalado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2001.
Também neste âmbito, a possibilidade de a elaboração ou a conclusão de um relatório ser cometido a perito diferente daquele que efectuou o exame apenas pode ser justificável em caso de manifesta impossibilidade do perito inicial, nunca por urgente conveniência de serviço (artigo 5.º, n.º 6).
A razão subjacente a esta disposição tem a ver com a necessidade de recuperar perícias efectuadas mas relativamente aos quais, por manifesta impossibilidade do perito (v.g. morte, incapacidade, etc.), não foi elaborado o respectivo relatório ou emitida a sua conclusão e desde que, obviamente, existam notas ou documentação suficiente que o permitam. Não deve, pois, ser confundida com uma mera medida para dar resposta à urgência e à conveniência do serviço.
No artigo 6.º, a proposta de lei vem introduzir restrições ao acompanhamento do examinado por pessoa de sua confiança, que passaria a ser permitido apenas nos casos de exames de natureza sexual. No entanto, afigura-se que a limitação agora pretendida deve também ser afastada, designadamente, nos casos de menores, de pessoas idosas ou de portadoras de deficiência.
Por outro lado, proposta de lei pretende que a autoridade judiciária tenha a faculdade de, se assim o entender, assistir à realização de todos os exames periciais. Actualmente, a autoridade judiciária apenas preside, obrigatoriamente, às autópsias médico-legais que não sejam realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML (artigo 43.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 11/98).
Outra novidade é a introdução da possibilidade de o pagamento das custas dos exames e perícias realizadas em estabelecimentos universitários ou de saúde, público ou privado, por inexistirem peritos com formação especializada nas delegações ou gabinetes do INML, poder "reverter, até um máximo de 50%, para os médicos ou técnicos que os tenham efectuado" (artigo 8.º, n.º 4). Todavia, não se estabelecem critérios objectivos que balizem essa reversão, como seja o grau de complexidade e as condições de trabalho proporcionadas pelo respectivo serviço, sendo que devem sempre ser tidos em consideração os valores a pagar aos peritos constantes da portaria em vigor. Igualmente importante é garantir que a realização das perícias, designadamente as solicitadas a peritos em regime de dedicação exclusiva, não interfira com a sua actividade nos lugares de origem.
Igualmente controversa é a questão do direito à informação (artigo 10.º), que terá de ser bem delimitado e servir
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objectivamente para os efeitos pretendido e na exacta medida necessária aos exames médico-legais, não podendo haver um acesso sem limite e sem reserva, atento o direito à intimidade privada do examinado e, em especial, à sua informação genética. Aliás, mais correcta seria a epígrafe de "direito de acesso à informação".
Assim, nos casos em que existam elementos que levem a presumir poder a informação clínica conter matéria de natureza particularmente íntima, em especial em processos psiquiátricos e psicológicos, deve o pedido da mesma, sempre que possível, ser acompanhado por um formulário de consentimento esclarecido assinado pelo examinando, no qual este declara ter sido informado dos objectivos pretendidos e autoriza a instituição e os terapeutas a facultarem a referida informação clínica.
Do mesmo modo, carece de esclarecimento o artigo 11.º, que vem permitir o livre trânsito e direito acesso de funcionários envolvidos em investigações periciais às instalações públicas ou privadas onde decorra a investigação, quando devidamente identificados e em missão de serviço.
O artigo aplica-se apenas às "situações de vítimas mortais de crime doloso ou em que exista a suspeita de tal", mas não especifica a que "funcionários" se refere, de que "missão de serviço" se trata ou em que consiste a "investigação pericial" que menciona, e muito menos apresenta razão que justifique o livre trânsito e direito de acesso.
Trata-se de "funcionários" do INML? Estão identificados para todas e quaisquer "investigações periciais" ou apenas para cada caso concreto? O que justifica o livre trânsito e direito de acesso a todas e quaisquer "instalações públicas ou privadas"? E porquê só às situações de vítimas mortais de crime doloso ou em que exista a suspeita de tal?
Também o disposto no artigo 12.º exige clarificação. De acordo com o previsto neste artigo, deve prescindir-se, por princípio, da presença do perito na prestação de esclarecimentos complementares, devendo a autoridade judicial que a solicita usar os meios técnicos processualmente previstos.
O disposto neste artigo tem de ser lido à luz das alterações introduzidas no Código de Processo Civil, nomeadamente, quanto à possibilidade de audição de peritos através de teleconferência, a partir do seu local de trabalho, desonerando-os da deslocação aos tribunais de outra circunscrição judicial.
Não se pretende, como é óbvio, dispensar a presença do perito, mas tão-só a sua presença física sempre que possível, isto é, sempre que os meios técnicos o permitam.
Assim, sugere-se que a redacção do artigo acentue menos a possibilidade de prescindir da presença do perito e mais o modo como deve ser realizada a prestação dos esclarecimentos.
No artigo 13.º, a proposta de lei aponta para uma definição legal de actos urgentes, o que se reconhece como positivo. No entanto, deve ser clarificado o disposto no n.º 6 deste artigo, uma vez que parece apontar para uma situação de mera impossibilidade de contacto do perito médico do serviço de escala, o que não se afigura justificável, atenta a disponibilidade permanente a que está obrigado quem se encontra escalado. Questão diversa é, obviamente, a das situações anómalas, que podem sempre ocorrer, como é o caso de doença ou morte súbita do perito.
De assinalar que a proposta de lei vem suprimir o pagamento de acréscimo salarial, previsto na lei actual, dispondo o n.º 7 deste artigo que o instituto e os médicos contratados "podem cobrar, por cada perícia médico-legal urgente efectuada, os preços previsto em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça".
Relativamente ao óbito verificado em instituições de saúde (artigo 15.º), a proposta de lei introduz a situação "de suspeita de morte violenta", o que já não surge no óbito verificado fora de instituições de saúde (artigo 16.º), nem é prevista na lei vigente.
É de realçar que a proposta de lei prevê neste artigo, relativo ao óbito verificado em instituições de saúde, que é a autoridade judiciária a enviar "cópia" do boletim de informação clínica, juntamente com o despacho que ordena a realização da autópsia (artigo 15.º, n.º 3), o que também não acontece no caso de óbito verificado fora de instituições de saúde.
As alterações introduzidas nas situações de óbito verificado fora de instituições de saúde (artigo 16.º) são mais profundas, uma vez que a autoridade policial passa apenas a ter o dever de providenciar a comparência do perito médico nos "casos de crime doloso ou em que haja suspeita de tal", o qual procede à verificação do óbito, "se nenhum outro médico tiver comparecido previamente".
A redacção é pouco clara, não permitindo perceber qual a situação em que deve ser chamado o médico perito e o que este verifica. De facto, a leitura da disposição permite também defender que o perito médico apenas é solicitado a comparecer para verificar o óbito, mesmo em caso de crime doloso ou em que haja suspeita de tal, se outro médico não tiver comparecido previamente. Do mesmo modo, não se esclarece que médico é este, e se é perito médico, nem como comparece no local.
Por outro lado, a proposta de lei prevê igualmente que o perito médico proceda ao exame do local e elabore uma informação a enviar à autoridade judiciária. Importa, no entanto, esclarecer que tipo de exame ao local se exige e saber se o perito médico dispõe de conhecimentos técnico-científicos que lhe permitam emitir uma opinião avalizada sobre o assunto. Aliás, afigura-se que a avaliação das características e condições do local devem ser da competência de peritos com conhecimentos técnico-científicos específicos.
Não parece que seja possível exigir ao perito médico que detecte "a presença de vestígios que possam fazer suspeitar de crime". Ao perito médico compete determinar a causa da morte e registar os vestígios encontrados. A valoração destes vestígios terá, obviamente, de pertencer às autoridades policiais ou judiciárias e não ao médico perito.
Ainda quanto aos exames e perícias no âmbito da tanatologia forense, há a salientar a proposta de que a autópsia médico-legal deixe de ser dispensada em situações de morte violenta atribuível a acidentes de trabalho ou acidente de viação dos quais tenha resultado morte imediata (artigo 18.º, n.º 2).
Em sentido contrário, há a realçar a possibilidade de dispensa da autópsia nos casos em que a realização pressupõe o contacto com factores de risco particularmente significativo de comprometer de forma grave as condições de salubridade ou afectar a saúde pública (artigo 18.º, n.º 3), competindo ao presidente do conselho directivo do INML autorizar da dispensa, a qual é comunicada por escrito, e no mais curto prazo, à entidade judiciária competente (n.º 4).
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No que diz respeito à realização das autópsias, a proposta de lei vem estabelecer que as mesmas sejam executar por um médico perito coadjuvado por um auxiliar de perícias tanatológicas. No entanto, caso haja fundadas suspeitas de crime doloso, as autópsias que sejam realizadas em comarca não compreendida na área de actuação de delegação do INML ou de gabinete médico-legal em funcionamento, são obrigatoriamente efectuadas por dois médicos peritos, coadjuvados por um auxiliar de perícias tanatológicas (artigo 19.º).
Já quanto à clínica médico-legal, a proposta de lei estabelece que os exames e perícias sejam efectuados por um único médico perito. A primazia dada aos exames singulares decorre do grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do INML.
Contudo, os exames singulares não se aplicam em casos de agressão sexual, em que os exames "podem ser" realizados, sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem, nem "aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente" (artigo 21.º).
No que respeita ao destino dos objectos e produtos examinados (artigo 25.º), verificam-se também alterações profundas ao regime actual de depósito e destruição das amostras. Com efeito, a proposta de lei vem estabelecer que as amostras ficam em depósito durante o período de dois anos, após o qual o serviço médico-legal pode proceder à sua destruição, salvo se, entretanto, o tribunal tiver comunicado em contrário.
Na lei vigente, a amostra fica depositada até à decisão final do processo (artigo 48.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 11/98) e é o tribunal que ordena a destruição da amostra (artigo 48.º, n.º 3).
A alteração proposta suscita algumas questões. A primeira prende-se com a inversão da entidade que determina a destruição das amostras; a segunda, com o prazo.
Quanto à primeira questão, parece desadequado que seja uma entidade exterior ao processo - portanto, sem conhecimento da relevância das amostras para a questão sub judice - a decidir sobre o seu destino.
Por outro lado, não se especifica o teor da comunicação do tribunal. Isto é, pode o tribunal determinar que as amostras se mantenham em depósito até à decisão final do processo ou pode apenas determinar esse depósito por um outro período, livremente fixado, ou por um novo período de dois anos, sucessivamente renovado de dois em dois anos?
Nada sendo fixado, é manifesto que os tribunais, à cautela, irão determinar que as amostras se mantenham em depósito até à decisão final do processo.
De qualquer maneira, o prazo de dois anos parece notoriamente curto, atento os prazos de duração dos processos judiciais.
A proposta de lei vem também, neste artigo, eliminar a obrigatoriedade de ser lavrado auto, a enviar no prazo de cinco dias tribunal competente, que relate as operações de recolha, acondicionamento e selagem das amostras e de destruição do remanescente.
Por último, refira-se que a proposta de lei vem permitir ao Laboratório de Polícia Científica proceder ao transporte e conservação das amostras relativas aos crimes da competência reservada de investigação da Polícia Judiciária (artigo 25.º, n.º 3).
Esta norma vem, contudo, levantar a questão de saber se não se está a abrir a porta para se criar uma base de dados, nomeadamente genéticos, no Laboratório de Polícia Científica.
Por fim, é de referir que a delicadeza e a importância da matéria tratada na proposta de lei aconselham a que a mesma venha a ser objecto de um amplo debate e a beneficiar de audições com todas as partes envolvidas, a realizar no decurso da discussão em sede de especialidade.
A proposta de lei menciona já a necessidade de audição do Conselho Nacional de Medicina Legal, da Ordem dos Médicos e das associações sindicais representativas do sector. Contudo, a matéria justifica também a audição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Finalmente, afigura-se que as alterações pretendidas pela aprovação da proposta de lei não se compadecem com uma entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação, antes exigindo um período de vacatio legis. Por outro lado, deve ser prevista e acautelada a situação das perícias médico-legais em curso.
IV. Conclusões
1 - O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 127/IX - Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.
2 - A apresentação foi efectuada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento;
3 - A proposta de lei visa introduzir alterações e aperfeiçoamentos ao regime das perícias médico-legais e forenses, susceptíveis de proporcionarem uma maior operacionalidade e flexibilidade ao sistema, aproveitando-se, simultaneamente, para corrigir as fragilidades entretanto constatadas no regime em vigor e para melhor explicitar as regras que orientam algumas delas, nomeadamente na sequência de progressiva instalação de gabinetes médico-legais entretanto verificada;
4 - A proposta de lei agora apresentada pelo Governo vem, essencialmente, autonomizar e densificar o regime jurídico das perícias médico-legais em diploma próprio;
5 - Devem ser ouvidos o Conselho Nacional de Medicina Legal, a Ordem dos Médicos, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e a Comissão Nacional de Protecção de Dados, para além das associações sindicais representativas do sector.
V. Parecer
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:
Que a proposta de lei n.º 127/IX em análise encontra-se em condições constitucionais e regimentais de subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.
Assembleia da República, 23 de Junho de 2004. - A Deputada Relatora, Maria de Belém Roseira - O Vice-Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.
Nota: O relatório foi aprovado por unanimidade, estando ausente o CDS-PP e o BE.
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Relatório e parecer da Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais
I - Nota prévia
A proposta de lei n.º 127/IX (Gov) que "Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses" foi apresentada ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 131.º e 138.º do Regimento da Assembleia da República.
Por despacho do Presidente da Assembleia da República, datado de 26 de Maio de 2004, a proposta de lei vertente, baixou à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O citado despacho também determinou a baixa da citada iniciativa legislativa à Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais com a seguinte menção expressa: "(…) para parecer, quanto às matérias da respectiva competência".
Significa, pois, que à Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais compete, de acordo com a determinação do Presidente da Assembleia da República, emitir o competente parecer sobre as matérias da respectiva competência, cabendo a apresentação do relatório à Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Na opinião da relatora, cumpre sublinhar, desde já, as dificuldades resultantes da partilha de tarefas entre as duas comissões parlamentares, já que o parecer a emitir pela Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais deveria ter em linha de conta uma análise profunda em torno da iniciativa legislativa em apreço, o que é feito, nos termos regimentais aplicáveis, no âmbito do competente relatório.
Importa a este propósito ter presente o teor das conclusões do parecer emitido em 18 de Dezembro de 2003 pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na sequência de um pedido do Presidente da Assembleia da República, sobre conflito de competências entre comissões:
"- A boa interpretação do Regimento aponta para a determinação de uma única comissão como competente em relação a cada processo legislativo, sem embargo de o PAR ter o poder e a liberdade de, na generalidade, enviar uma iniciativa a mais de uma comissão, seja para diligências próprias seja para diligências em conjunto;
- O envio a mais de uma comissão deve integrar a indicação expressa sobre qual o papel de cada uma, em particular a determinação clara de qual a competente para efeitos do prosseguimento do processo legislativo (relatório e discussão na especialidade)".
Ora, no caso vertente e atento o despacho do Presidente da Assembleia da República, resulta expressa e inequivocamente que a comissão competente para efeitos do prosseguimento do processo legislativo, onde se inclui a formulação e apresentação do competente relatório é a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Finalmente, de referir que a discussão da proposta de lei vertente se encontra agendada para o Plenário da Assembleia da República do dia 24 de Junho de 2004.
II - Do objecto e motivação da iniciativa
Através da proposta de lei n.º 127/IX, visa o Governo estabelecer um novo regime jurídico das perícias médico-legais e forenses que, entre outros aspectos, se destacam os seguintes:
1 - Procede a modificações no que concerne à delimitação territorial de competências e das condições de adequabilidade para a realização das perícias médico-legais e forenses e altera as regras aplicáveis à realização de perícias por entidades terceiras;
2 - Reformula os procedimentos relativos à verificação e certificação de óbitos ocorridos fora de instituições de saúde, assim como, as indicações relativas à obrigatoriedade de realização de autópsias médico-legais;
3 - Introduz alterações ao regime de realização de perícias urgentes.
De acordo com a exposição de motivos que acompanha a iniciativa legislativa vertente "com a criação do Instituto Nacional de Medicina Legal deu-se início a uma recomposição orgânica da medicina legal portuguesa visando, nomeadamente, novos e melhores níveis de eficácia, eficiência, racionalização e participação da medicina legal no âmbito da administração da justiça (…)". Concluindo que "depois da criação dos organismos, mecanismos e instrumentos orgânicos necessários para promover a obtenção dos objectivos assinalados, justifica-se agora, dentro da mesma filosofia e dando continuidade ao esforço iniciado num passado recente, a introdução de alterações e aperfeiçoamentos ao regime das perícias médico-legais (…) aproveitando-se, simultaneamente, para corrigir as fragilidades entretanto constatadas no regime em vigor e para melhor explicitar as regras que orientam algumas delas".
III - Do parecer
Face ao exposto, a Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais é do seguinte parecer:
a) A proposta de lei n.º 127/IX do Governo, que "Estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses" preenche, quanto às matérias da competência da Comissão Parlamentar de Trabalho e dos Assuntos Sociais, salvo melhor e mais qualificado entendimento, os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis para poder ser discutida e votada pelo Plenário da Assembleia da República.
b) Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.
c) Nos termos regimentais aplicáveis, o presente parecer é remetido ao Presidente da Assembleia da República.
Assembleia da República, 21 de Junho de 2004. - A Deputada Relatora, Luísa Portugal - O Presidente da Comissão, Joaquim Pina Moura.
Nota: O relatório foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PCP, do BE e de Os Verdes.
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PROPOSTA DE LEI N.º 128/IX
(ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL E CRIA O SISTEMA NACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IDENTIFICANDO OS AGENTES QUE O INTEGRAM, AS RESPECTIVAS ATRIBUIÇÕES, BEM COMO DEFININDO OS PRINCÍPIOS QUE REGEM A SUA COORDENAÇÃO, ORGANIZAÇÃO, FINANCIAMENTO E AVALIAÇÃO)
Parecer da Comissão de Educação, Juventude, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa Regional da Madeira
A 7.ª Comissão Especializada Permanente de Educação, Juventude, Cultura e Desporto reuniu, no dia 21 de Junho de 2004, pelas 15 horas e 30 minutos, a fim de emitir parecer relativo à proposta de lei n.º 128/IX (Gov), que "Estabelece o regime jurídico da formação profissional e cria o sistema nacional de formação profissional, identificando os agentes que o integram, as respectivas atribuições, bem como definindo os princípios que regem a sua coordenação, organização, financiamento e avaliação".
Após análise, a Comissão deliberou não ter nada a opor na generalidade, no entanto, na especialidade, a Comissão deliberou emitir o seguinte parecer:
Nos termos do artigo 4.º da proposta, a concretização dos objectivos da política de formação profissional é feita através de um Programa Plurianual de Desenvolvimento da Formação Profissional, cuja aprovação é da competência do Conselho de Ministros (sob proposta conjunta dos ministros responsáveis pelas políticas educativa e de emprego e formação profissional) após parecer prévio do Conselho Consultivo Naciona1 de Formação Profissional, designado por CCNFP.
Por sua vez, o Programa Plurianual de Desenvolvimento da Formação Profissional consiste num documento estratégico do qual devem constar, nomeadamente, o diagnóstico das necessidades de competências do mercado de trabalho a nível nacional, regional e sectorial e a identificação dos destinatários e prioridades de formação a privilegiar.
Acresce que, o CCNFP, criado pelo Decreto-Lei n.º 308/2001, de 6 de Dezembro, não contempla - erradamente em nosso ver -, na sua composição, representantes das regiões autónomas.
Assim sendo, questiona-se de imediato até que ponto será feita a articulação e como será o seu contributo na definição da política de formação profissional do Governo regional nesta matéria relativamente ao Governo da República, sabendo-se que a Região Autónoma da Madeira integra o Sistema Nacional de Formação Profissional?
Realce-se noutra vertente, e no que diz respeito aos artigos 15.º e 16.º da proposta de diploma, onde são definidas competências dos serviços e organismos do ministério responsável pelas políticas de emprego e formação profissional e especificadas competências do organismo responsável pela execução das políticas de emprego e formação profissional, com a referência de que ao nível do Governo central as áreas do emprego e da formação profissional têm a mesma tutela: o Ministério da Segurança Social e do Trabalho.
Ora, esta realidade diverge da existente nesta região, pois são matérias com tutelas distintas, como é sabido. Neste sentido, seria desejável que esta especificidade pudesse ficar adequadamente definida em sede de adaptação regional do diploma.
Ainda e no âmbito de uma possível adaptação à região, e mais concretamente no que respeita ao artigo 23.º da proposta de diploma, seria igualmente de todo o interesse, especificar, a nível regional, os organismos com responsabilidade na coordenação do Sistema Nacional de Formação Profissional.
Atende-se ao facto de que, uma vez mais, o mencionado artigo 23.º estipula que a citada coordenação é assegurada pelo ministério responsável pelas políticas de emprego e formação profissional, sendo que tais matérias, no âmbito regional, se encontram afectas a diferentes secretarias regionais.
Contudo, e fazendo apelo à abrangência da área da formação profissional, parece-nos que a tutela desta deveria ser incumbida de coordenar!
Destaque também para o facto de que, no corpo de todo o diploma, não ser expressamente feita qualquer referência ao actual sistema de aprendizagem (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 205/96, de 25 de Outubro) pelo que, e por forma a não gerar dúvidas ou ambiguidades no enquadramento deste sis1ema, considerar-se-ia de todo o interesse que do texto do diploma, e de forma expressa, ficasse a percepção inequívoca de qual a modalidade de formação profissional em que o sistema de aprendizagem se insere.
Merece-nos referência, ainda, e para finalizar, o disposto no artigo 50.º da proposta de lei em análise, (refira-se que é o único artigo que se reporta às regiões autónomas, numa lei que se pretende de abrangência nacional). Em nosso entender, deveria esta mesma norma consagrar expressamente que a aplicação da lei às regiões autónomas seria feita sem prejuízo da regulamentação própria em matéria de organização e planeamento, bem como da regulamentação já feita e aquela que venha a ocorrer no quadro de transferência de competências e regionalização de serviços do Estado para as regiões.
Posto à votação, a Comissão deliberou por unanimidade emitir parecer favorável ao diploma em epígrafe.
Este parecer foi aprovado por unanimidade.
Funchal, 21 de Junho de 2004. - O Deputado Relator, Carmo Almeida.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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