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Sábado, 18 de Setembro de 2004 II Série-A - Número 2

IX LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2004-2005)

S U M Á R I O


Projectos de lei (n.os 451, 478 e 482 a 489/IX):
N.º 451/IX (Regula o processo de selecção dos candidatos portugueses ao exercício das funções de juiz e de altos cargos em tribunais internacionais):
- Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
N.º 478/IX (Elevação da vila de Castelo da Maia à categoria de cidade):
- Proposta de alteração apresentada pelo Deputado do PSD Bernardino Pereira.
N.º 482/IX - Interrupção voluntária da gravidez (apresentado pelo PCP).
N.º 483/IX - Cria os programas ocupacionais e de inclusão de emprego (apresentado pelo BE).
N.º 484/IX - Altera o Código da Publicidade, proibindo a publicidade a bebidas alcoólicas nas federações desportivas, ligas profissionais, sociedades desportivas e clubes desportivos (apresentado pelo BE).
N.º 485/IX - Altera o Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, que aprova o Código de Processo do Trabalho, e a Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo dos Acidentes de Trabalho, instituindo um novo regime processual para o processo para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho (apresentado pelo BE).
N.º 486/IX - Altera a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, concatenando-a com o princípio do direito penal do facto (apresentado pelo BE).
N.º 487/IX - Institui um novo regime para a remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho (apresentado pelo BE).
N.º 488/IX - Despenalização da interrupção voluntária da gravidez (apresentado pelo BE).
N.º 489/IX - Medidas para a promoção da educação sexual em meio escolar (apresentado pelo BE).

Projectos de resolução (n.os 277 e 278/IX):
N.º 277/IX - Viagem do Presidente da República ao Luxemburgo (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República):
- Texto do projecto de resolução, mensagem do Presidente da República e parecer da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa.
N.º 278/IX - Suspensão da cobrança de portagem no troço da A1, Aveiras-Santarém por motivo de obras prolongadas (apresentado pelo BE).

Proposta de resolução n.º 75/IX: (a)
Aprova, para adesão, o primeiro Protocolo à Convenção para a protecção dos bens culturais em caso de conflito armado, adoptado na Haia, a 14 de Maio de 1954.

(a) É publicada em suplemento a este número.

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PROJECTO DE LEI N.º 451/IX
(REGULA O PROCESSO DE SELECÇÃO DOS CANDIDATOS PORTUGUESES AO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES DE JUIZ E DE ALTOS CARGOS EM TRIBUNAIS INTERNACIONAIS)

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa

1 - Relatório

Por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República, datado de 26 de Maio de 2004, foi ordenada a baixa à 2.ª Comissão do projecto de lei n.º 451/IX, da iniciativa do Partido Socialista, estando em apreciação nos termos regimentais.
Objecto do diploma:
O Partido Socialista pretende com este projecto de lei, de acordo com o seu preâmbulo, "(…) assegurar o cumprimento de regras de publicidade, equidade e qualificação e regular, de modo consistente, adequado e uniforme, o processo de designação dos juízes e de titulares de altos cargos públicos dos tribunais internacionais".
Do projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista podemos começar por referir um primeiro apontamento de crítica relativo à não correspondência entre o disposto no preâmbulo e o que está postulado no artigo 1.º do documento.
De facto, o preâmbulo peca por deficiência na discriminação dos órgãos sobre os quais incide este projecto de lei, ou seja, não faz referência a dois tribunais que constam do artigo 1.º (Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia e Tribunal de 1.ª Instância da Comunidade Europeia). Por outro lado, refere o Tribunal de Justiça, presumivelmente das Nações Unidas, omisso no artigo 1.º.
A bem do processo legislativo impõe-se a coincidência entre as disposições explicativas e o articulado que lhe dá suporte. Dirimida esta questão, impõem-se outras considerações sobre a natureza e o espírito deste projecto de lei.
O núcleo fundamental deste documento está no n.º 1 do artigo 4.º, ou seja, o processo de escolha e elaboração da lista de candidatos passa a ser condicionado por uma comissão dita independente.
Parece-me totalmente desnecessária a constituição de mais uma comissão para abordar um tema que é competência exclusiva do Governo, com a participação desejável da Assembleia da República.
É, exactamente, neste ponto que surge a minha maior perplexidade, uma vez que é o próprio Partido Socialista que, numa prévia iniciativa, o projecto de lei n.º 404/IX, vem definir o processo de escolha das personalidades a nomear/designar pelo o Governo para ocupar cargos internacionais, onde propõe, e muito bem, a participação do Parlamento português com toda a sua legitimidade democrática e não uma qualquer comissão nomeada para o efeito.
Julgo que o procedimento mais correcto, também à luz do direito comparado, será manter na esfera de competência do Governo a capacidade de escolher ou recusar, intervindo o Parlamento a montante, através da sua Comissão de Assuntos Europeus, elaborando um parecer não vinculativo sobre os nomes a considerar.
Desta forma estaremos a chegar a uma solução que incorpora de forma equilibrada os dois únicos órgãos de soberania que se devem envolver nestas questões.
Optando pela solução anteriormente apresentada, asseguramos a efectiva responsabilização do Governo pelas decisões tomadas e asseguramos a participação interventiva e determinante da Assembleia no acompanhamento e fiscalização do processo.
Não aprovando esta iniciativa, estaremos a garantir uma abordagem coerente em relação à nomeação de juizes para os tribunais europeus, que deixam de estar envolvidos no fogo cruzado resultante de duas iniciativas socialistas contraditórias. Há a necessidade de regulamentar de forma análoga ao projecto de lei n.º 404/IX a nomeação de juizes de outros tribunais internacionais.
Dever-se-á realçar o aspecto positivo introduzido pelo n.º 3 do artigo 4.º, ou seja, a publicitação do concurso que vai assegurar a transparência e igualdade, por um lado, e, por outro, vai permitir que o Estado português passe a dispor de uma base de dados valiosa de recursos humanos passíveis de ocupar posições de destaque, quer interna quer externamente.
Concluindo, é evidente que o projecto em análise não vem contribuir para melhorar o actual sistema de nomeações, sendo uma peça legislativa avulsa que entra em contradição com outra iniciativa originária da mesma fonte, essa, sim, eficaz e garante da manutenção das competências

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de cada órgão de soberania, do real apuramento das responsabilidades e da celeridade, transparência e igualdade de tratamento que devem assistir a processos desta índole.

2 - Parecer

Perante o acima exposto, a Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa é de parecer que o projecto de lei n.º 451/IX, da iniciativa do Partido Socialista, está de acordo com os preceitos constitucionais e regimentais, podendo subir a Plenário para a discussão na generalidade, para onde cada grupo parlamentar reserva as suas posições.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2004.
O Deputado Relator, Carlos Rodrigues - O Presidente da Comissão, Jaime Gama.

Nota: - O parecer foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do BE e de Os Verdes.

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PROJECTO DE LEI N.º 478/IX
(ELEVAÇÃO DA VILA DE CASTELO DA MAIA À CATEGORIA DE CIDADE)

Proposta de alteração apresentada pelo Deputado do PSD Bernardino Pereira

"A economia e desporto:
Castelo da Maia foi e continua a ser um centro congregador das terras de Avioso.
Castelo da Maia é neste momento um lugar de convergência dos mais diversos interesses económicos e sociais não só da Maia mas também do País e estrangeiro.
Castelo da Maia tem várias dezenas de empresas industriais, desde as rochas ornamentais até confecções, calçado, metalo-mecânicas e outras.
Possui igualmente dezenas de empresas comerciais. Algumas destas empresas fazem parte do grande parque industrial da Maia I.
Castelo da Maia tem uma enorme quantidade de estabelecimentos comerciais dedicados às mais diversas actividades, incluindo um grande hipermercado.
São várias as colectividades culturais, recreativas e desportivas existentes em Castelo da Maia.
De salientar as seguintes:

- Sport Clube Castelo da Maia, dedicado essencialmente ao futebol;
- Juvemaia, dedicado a desportos náuticos;
- Grupo desportivo de Avioso-São Pedro, que pratica o futsal;
- Associação Recreativa, Desportiva e Cultural de Gondim, que se dedica ao futebol;
- Centro de Recreio Popular de Barca;
- Centro Social, Recreativo e Cultural de São Pedro que se dedica ao ciclismo e tem um rancho folclórico;
- Rancho Folclórico de São Cosme de Gemunde, que tem um rancho folclórico;
- Castelo da Maia Ginásio Club, que se dedica ao voleibol (tem vários títulos de campeão nacional, quer masculino quer feminino, em seniores);
- Ténis de mesa de S. Cosmo de Germunde.

Equipamentos colectivos:
- Tem duas farmácias;
- Tem centros culturais e um Conservatório de Música;
- Tem o Museu de História e Etnologia da Terra da Maia;
- Tem uma pensão residencial;
- Tem ensino superior. O ISMAI - Instituto Superior da Maia é frequentado por cerca de 4000 alunos nos diferentes cursos que administra, desde contabilidade, assessoria jurídica, gestão de empresas até à gestão de desporto, entre outros;
- Tem ensino preparatório e secundário nas EB/1 e EB 2/3 do Castelo da Maia e outras EB1 e EB2/3;

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- Tem o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas;
- Tem ensino pré-primário e diversos infantários;
- Tem transportes públicos ligando as outras partes do concelho e aos concelhos limítrofes. De salientar a ligação à cidade do Porto já existente mas que será enriquecida em breve com as três estações da linha do Metro do Porto que ligará o Porto a Trofa;
- Tem três parques públicos, Quinta da Gruta, Monte de Santo Ovídio e Monte de Santa Cruz, onde também se realizam eventos culturais e recreativos;
- Está também a ser construído o grande Parque de Avioso, com uma área de cerca de 35 hectares.

Outros equipamentos colectivos:
- Clínicas privadas de assistência médica;
- Centro público de assistência médica;
- Estação de correios;
- Diversos bancos;
- Mercado Municipal;
- Polidesportivo Municipal de S. Pedro de Avioso"

Assembleia da República, 16 de Setembro de 2004.
O Deputado do PSD, Bernardino Pereira.

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PROJECTO DE LEI N.º 482/IX
INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

I - Introdução

Portugal continua a ter uma das mais atrasadas legislações penais da Europa em matéria de interrupção voluntária da gravidez (IGV). A lei penal portuguesa continua a tratar como criminosas as mulheres que recorrem à IVG. Os últimos meses e anos têm sido marcados pela realização de vários julgamentos por crime de aborto, anunciando-se outros num futuro próximo, frequentemente culminando processos de devassa de intimidade e de humilhante investigação das mulheres visadas. A realidade vem, assim, desmentir a hipócrita ideia de que a manutenção da lei criminalizadora das mulheres não significaria a incriminação das mulheres em tribunal e a possível aplicação das penas previstas na lei.
O debate em torno da despenalização da interrupção voluntária da gravidez ficou marcado em 1998 pela realização de um referendo nacional, acordado entre as lideranças do PS e do PSD, que incidiu sobre matéria constante num projecto de lei já aprovado, na generalidade, na Assembleia da República.
O referendo de 28 de Junho de 1998, em que votaram apenas 31,9% dos eleitores inscritos, não foi vinculativo, dele não decorrendo, portanto, qualquer limitação legal à capacidade de a Assembleia da República legislar neste campo. A Assembleia da República tem toda a legitimidade jurídica e também política para tratar esta questão. Não é aceitável que se invoque um referendo que foi imposto após uma votação na generalidade, impedindo a continuação do processo legislativo em curso, para negar legitimidade política à Assembleia da República para intervir nesta matéria.
A actual maioria de direita tem sistematicamente invocado o referendo de 1998 e supostos compromissos eleitorais, que, pelo menos no caso do PSD, não existem, para justificar a rejeição de qualquer alteração à lei.
O PCP tem intervindo desde 1982 na Assembleia da República em matéria de alteração da lei penal, tendo na anterior legislatura apresentado igualmente um projecto de lei de despenalização da IVG, que não chegou a ser discutido, mercê da dissolução da Assembleia da República.
Lutámos de forma empenhada em todos os momentos pela despenalização da IVG, ao mesmo tempo que nos empenhámos na consagração de medidas visando reduzir a sua prática. Propusemos e vimos consagradas medidas relativas à defesa da educação sexual, ao reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva ou ao reconhecimento e protecção da função social da maternidade e paternidade, áreas em que continuaremos a lutar por mais direitos.

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Foi, aliás, por iniciativa do PCP que se aprovaram já na VIII Legislatura a Lei n.º 9/2001, de 21 de Maio, que "Reforça os mecanismos de fiscalização e punição de práticas laborais discriminatórias em função do sexo", e a Lei n.º 90/2001, de 20 de Agosto, sobre as "Medidas de apoio social às mães e pais estudantes".
Mas o reforço nos meios preventivos do aborto não elimina o problema do aborto clandestino, ainda que o atenue.
Por isso continua a ser essencial a despenalização, porque os graves problemas sociais das mulheres portuguesas continuam a empurrá-las para o aborto clandestino, realizado no estrangeiro ou, como é mais habitual, através do recurso à rede de prestação clandestina destes serviços ou utilizando bárbaros métodos caseiros ao dispor das menos afortunadas.
Todas estas mulheres são vítimas de uma lei penal geradora de mais danos do que aqueles que visa prevenir, sejam do foro físico ou psíquico. Por vezes perdem a própria vida.
Por isso, em Março de 2004, o PCP assumiu novamente a necessidade de alteração da lei penal no sentido da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, através do agendamento potestativo do seu projecto de lei nesta matéria, permitindo igualmente o agendamento de projectos de outros partidos. Foi possível desta forma confrontar a direita com as suas responsabilidades na continuação do tratamento das mulheres que recorrem à IVG como criminosas e reafirmar a legitimidade da Assembleia da República para a alteração da lei penal nesta matéria. Registe-se, aliás, que alguns dos que, defendendo igualmente a despenalização da IVG, davam prioridade à via do referendo, reconhecem hoje a justeza da opção pela alteração da lei na Assembleia da República. Constata-se igualmente que, mais uma vez, os compromissos anunciados pela direita no momento em que rejeitava a despenalização da IVG em matéria de planeamento familiar, educação sexual e outras matérias relacionadas com esta problemática não tiveram concretização, provando-se que afinal mais não eram do que um instrumento para tentar diminuir o impacto político daquela decisão.
Portugal não pode continuar a situar-se entre os países que negam à mulher a liberdade de decidir em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, componente fundamental do direito à igualdade. Por isso reapresentamos o projecto de lei de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, na certeza de que não abrandaremos esta luta enquanto o País não tiver um regime legal que respeite a dignidade e o direito de optar das mulheres portuguesas e permita pôr fim ao flagelo do aborto clandestino.

II - Síntese do projecto de lei

O projecto de lei que apresentamos corresponde, no essencial, aos projectos de lei apresentados na anterior legislatura.
Propomos:
- A exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez quando realizada nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher para garantir o direito à maternidade consciente e responsável;
- Nos casos de mãe toxicodependente o alargamento do período atrás referido para as 16 semanas;
- A especificação de que, havendo risco de o nascituro vir a ser afectado pelo síndroma de imunodeficiência adquirida, o aborto (eugénico) poderá ser feito até às 24 semanas (situação que já está compreendida na actual lei, mas que convirá explicitar dadas algumas resistências ainda existentes relativamente à aplicação da lei);
- O alargamento de 12 para 16 semanas do prazo dentro do qual a IVG pode ser praticada sem punição, nos casos em que a mesma se mostre indicada para evitar perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou saúde física ou psíquica da mulher grávida. Na verdade, a vida demonstrou, nomeadamente nas doentes submetidas a tratamentos antidepressivos, a necessidade de alargamento do prazo;
- O alargamento para 24 semanas no caso de vítimas de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual quando menores de 16 anos ou incapazes por anomalia psíquica;
- A obrigação de organização dos serviços hospitalares, nomeadamente dos distritais, por forma a que respondam às solicitações de prática da IVG;
- A impossibilidade de obstruir o recurso à IVG através da previsão da obrigação de encaminhar a mulher grávida para outro médico não objector de consciência ou para outro estabelecimento hospitalar que disponha das condições necessárias à prática da IVG;
- A despenalização da conduta da mulher que consinta na IVG fora dos prazos e das condições estabelecidas na lei;

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- Acesso a consultas de planeamento familiar.
Com o presente projecto de lei pretende o PCP que se institua um regime legal mais adequado do que o vigente, nomeadamente tendo em atenção os conhecimentos da medicina, o qual tem de ser acompanhado por políticas que garantam a realização pessoal dos cidadãos e que protejam a maternidade e a paternidade.
Assim, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Interrupção da gravidez não punível)

O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 142.º
(…)

1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, quando realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez a pedido da mulher para preservação do direito à maternidade consciente e responsável.
2 - De igual modo, não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, com o consentimento da mulher quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:

a) [actual alínea a) do n.º 1 do artigo 142.º];
b) Se se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física e psíquica da mulher e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez;
c) [actual alínea c) do n.º 1 do artigo 142.º, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho];
d) Houver seguros motivos que indiciem risco de que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas nos termos referidos na alínea anterior;
e) (actual alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 90/97, de 30 de Julho);
f) Nos casos referidos na alínea anterior, sendo a vítima menor de 16 anos ou incapaz por anomalia psíquica se a interrupção da gravidez for realizada nas primeiras 24 semanas comprovadas nos termos referidos na alínea c).

3 - Sempre que se trate de grávida toxicodependente não é punível a interrupção da gravidez efectuada a seu pedido nas condições referidas no n.º 1 durante as primeiras 16 semanas de gravidez.
4 - A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez, referidas no n.º 2, é certificada em atestado de médico, escrito e assinado antes da intervenção, por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
5 - (actual n.º 3)
6 - (actual n.º 4)"

Artigo 2.º
(Despenalização da conduta da mulher grávida)

O artigo 140.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 140.º
(Interrupção da gravidez)

1 - (actual n.º 1)
2 - (actual n.º 2)
3 - (eliminado)"

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Artigo 3.º
(Garantias de prática da IVG nos termos da presente lei)

1 - Os estabelecimentos públicos de saúde, nomeadamente a nível distrital, serão organizados por forma a dispor dos serviços necessários à prática da interrupção voluntária da gravidez, de acordo com o previsto na presente lei, sem prejuízo do direito à objecção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde.
2 - A objecção de consciência deverá ser declarada na altura em que for solicitada a interrupção da gravidez, e terá de constar de documento então assinado pelo objector, sendo tal objecção imediatamente comunicada à mulher ou a quem, no seu lugar, pode prestar o consentimento.
3 - A comunicação referida no número anterior deve ser acompanhada de informação sobre o profissional que não seja objector de consciência.
4 - Sempre que um estabelecimento público de saúde não disponha de condições para a prática de interrupção voluntária da gravidez, as solicitações de intervenção ali apresentadas serão imediatamente encaminhadas por aquele serviço ao estabelecimento de saúde mais próximo onde seja praticada a interrupção voluntária da gravidez, por forma a que esta seja efectuada nas condições e prazos previstos na presente lei.

Artigo 4.º
(Planeamento familiar)

A instituição onde se tiver efectuado a interrupção voluntária da gravidez providenciará para que a mulher, no prazo máximo de sete dias, tenha acesso a consulta de planeamento familiar.

Artigo 5.º
(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do PCP: Bernardino Soares - António Filipe - Carlos Carvalhas - Jerónimo de Sousa - Luísa Mesquita - Rodeia Machado - Bruno Dias - Honório Novo - Ângela Sabino.

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PROJECTO DE LEI N.º 483/IX
CRIA OS PROGRAMAS OCUPACIONAIS E DE INCLUSÃO DE EMPREGO

Exposição de motivos

"Ao celebrar um acordo de actividade ocupacional que se materializa na ocupação efectiva de um posto de trabalho, no qual aquele trabalhador desempenha as mesmas funções que o funcionário que está ao seu lado, apenas com a diferença de este último ter um vínculo jus-laboral, afigura-se-me inaceitável. Tal representa um aproveitamento institucional de situações de vulnerabilidade social, em que se encontram centenas de milhares de desempregados, que cabe ao Estado impedir e punir na pessoa dos dirigentes e de quem propõe a autorização de tais práticas." - Recomendação n.º 4/B/04, do Provedor da Justiça.
Em 1985 iniciaram-se os programas ocupacionais, com o objectivo de integrar e envolver os desempregados em trabalho de utilidade social, permitindo-lhes aumentar as possibilidades de reinserção no emprego e facilitar o acesso à formação profissional ou a outras actividades.
O papel dos programas ocupacionais no conjunto das actividades da política de emprego não pode consistir na execução de tarefas produtivas no mercado de trabalho, mas na ocupação "socialmente útil" de pessoas desocupadas enquanto não lhes surgirem alternativas de trabalho, subordinado ou autónomo, ou de formação profissional, garantindo-lhes um rendimento de subsistência e mantendo-as em contacto com outros trabalhadores e outras actividades, evitando, dessa forma, o seu isolamento e combatendo a tendência para a desmotivação e marginalização dos destinatários destes programas.

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No entanto, verifica-se com consternação que o objecto destes programas tem vindo a ser tristemente adulterado, recorrendo-se aos destinatários destes programas para prover actividades que configuram postos de trabalho permanentes, com a ilegítima vantagem de as entidades promotoras apenas terem de pagar o subsídio de almoço e/ou transporte, sem quaisquer perspectivas inclusivas de formação e qualificação profissional e de emprego para aqueles que delas claramente necessitam.
Como o Provedor de Justiça muito bem assinala na sua Recomendação n.º 4/B/04, "a figura dos acordos de actividade ocupacional foi usada pela administração em manifesto desvio de poder. Com efeito, constituiu uma forma de prover às necessidades próprias dos serviços públicos sem os direitos e as garantias para os trabalhadores que decorreriam da relação jurídica de emprego público. Tratou-se de actuação (e omissão) administrativa injusta e desproporcionada. Por um lado, foi usada de forma desqualificante a mão-de-obra de trabalhadores desempregados, que acreditaram ser possível, por essa via, a sua inserção profissional (na função pública). Por outro, há uma lesão permanente do interesse financeiro do Estado, pois estes trabalhadores, decorrida a vigência dos acordos de actividade ocupacional, vão continuar a ser destinatários dos esquemas de protecção em matéria de desemprego ou apoio social".
O Provedor continua, na recomendação acima referida, dizendo que "a ocupação de postos de trabalho e a prossecução de necessidades permanentes dos serviços através da celebração de acordos de actividade ocupacional, em claro desvio face ao quadro normativo vigente, tem sido uma constante em diversas queixas que me têm sido presentes".
O Provedor conclui de forma a não deixar dúvidas acerca da necessidade de alteração legislativa e de reforço da acção fiscalizadora destes programas, dizendo que "Não se pode perder de vista que as expectativas individuais criadas com a ocupação, ainda que temporária, de um cidadão que se encontre desempregado são, naturalmente, elevadas. Ora, a existência de abusos por parte das entidades beneficiárias, ao celebrar um acordo de actividade ocupacional que se materializa na ocupação efectiva de um posto de trabalho, no qual aquele trabalhador desempenha as mesmas funções que o funcionário que está ao seu lado, apenas com a diferença de este último ter um vínculo jus-laboral, afigura-se-me inaceitável. Tal representa um aproveitamento institucional de situações de vulnerabilidade social, em que se encontram centenas de milhares de desempregados, que cabe ao Estado impedir e punir na pessoa dos dirigentes e de quem propõe a autorização de tais práticas".
Por estes fortes motivos, o Provedor de Justiça considera premente "clarificar o conceito de trabalho necessário para efeitos de programas ocupacionais; responsabilizar, pessoal e solidariamente, quanto à reposição das verbas já concedidas, os responsáveis pela autorização de actividades ocupacionais que consubstanciem a ocupação de postos de trabalho; responsabilizar as entidades promotoras que, tendo aceite projecto inserido em programas de actividade ocupacional, o desvirtuem por forma a corresponder a uma prestação de trabalho inerente a um posto de trabalho, implicando a exclusão das entidades infractoras da promoção de futuros projectos de actividades ocupacionais, para além da responsabilidade contra-ordenacional e criminal que ao caso couber, incluindo a reposição das verbas atribuídas pelo IEFP aos beneficiários da actividade em causa; a definição e a implementação de mecanismos efectivos de fiscalização e acompanhamento, por parte do IEFP, tendo em conta as suas atribuições, quanto à execução de projectos de actividade ocupacional, sem prejuízo da competência de outros organismos com funções inspectivas".
O Bloco de Esquerda, ao apresentar esta iniciativa legislativa, pretende, assim, dar algum conteúdo útil às preocupações do Provedor de Justiça, procurando enfatizar a perspectiva de inclusão no emprego dos destinatários destes programas, alcandorando-a a objectivo prioritário destes programas.
O Bloco de Esquerda propõe ainda que a regulação da actividade ocupacional e de inclusão no emprego se aplique aos trabalhadores a receber prestação do subsídio social de desemprego e aos trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica, provenientes ou não de actividades sazonais, sempre com o objectivo de desenvolver uma política de inclusão no emprego que seja motivante para os trabalhadores, compensadora para as entidades promotoras e, enfim, recompensadora para o Estado.
Pretendemos, outrossim, com este projecto de lei que os destinatários destes programas tenham ainda a possibilidade de desenvolverem uma actividade que lhes possibilite a sua formação e qualificação profissional que facilite o ingresso num emprego estável.
Procura-se, entretanto, com esta iniciativa legislativa dignificar a actividade ocupacional e de inclusão no emprego com a atribuição de uma retribuição correspondente até a uma vez e meia a remuneração mínima mensal garantida por lei, ficando a cargo das entidades promotoras o

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pagamento da diferença entre o montante do subsídio de desemprego e social de desemprego e o montante total a receber pelos destinatários, para além de obrigar as entidades promotoras a integrar como trabalhador efectivo o destinatário do programa sempre que o trabalho desenvolvido por aquele configure um posto de trabalho de natureza permanente.
Assim, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Disposições gerais

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma regula a actividade ocupacional de trabalhadores que aufiram da prestação do subsídio de desemprego e social de desemprego, adiante designados "trabalhadores subsidiados", e de trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica, provenientes ou não de actividades sazonais, adiante designados "trabalhadores em situação de comprovada carência económica", tendo como objectivo desenvolver uma política de inclusão no emprego.

Artigo 2.º
Conceito e âmbito

1 - Entende-se por actividade ocupacional, para efeitos do presente diploma, a ocupação temporária e de inclusão no emprego de trabalhadores subsidiados e de trabalhadores em situação de comprovada carência económica.
2 - As actividades ocupacionais e de inclusão no emprego são realizadas no âmbito de projectos a promover por entidades sem fins lucrativos, adiante designadas por entidades promotoras.
3 - A actividade ocupacional tem por finalidade a inclusão no emprego dos destinatários, não podendo, em caso algum, consistir no preenchimento de postos de trabalho existentes que configurem uma necessidade permanente da entidade promotora.
4 - As delegações regionais do Instituto do Emprego e Formação Profissional, adiante designado por IEFP, em colaboração com os governadores civis e as comissões de coordenação regional, procederão à inventariação das actividades existentes na sua área e à identificação dos períodos de baixa actividade para efeitos de aplicação do presente diploma.

Artigo 3.º
Objectivo das actividades

1 - As actividades ocupacionais e de inclusão no emprego visam, designadamente, os seguintes objectivos:

a) Em relação aos trabalhadores subsidiados, a participação em trabalho inserido em projectos ocupacionais e de inclusão no emprego organizados por entidades sem fins lucrativos, em benefício da colectividade, por razões de necessidade social ou colectiva e para o qual tenham capacidade e não lhes cause prejuízo grave, nos termos previstos no artigo 8.º, possibilitando-lhes uma actividade que potencia a sua formação e qualificação profissional, e que facilite o ingresso num emprego estável;
b) Em relação aos trabalhadores em situação de comprovada carência económica:

i) A criação da possibilidade de desenvolverem uma actividade que facilite, no futuro, o ingresso num emprego estável e evite a desmotivação profissional;
ii) A promoção da satisfação de necessidades colectivas, incentivando a criação de novos postos de trabalho;
iii) A sensibilização das entidades sem fins lucrativos para o tipo de actividades que permitam propiciar uma formação e qualificação que possibilite uma melhor integração dos trabalhadores na vida activa.

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2 - Para efeitos deste diploma têm prioridade as actividades ocupacionais que se desenvolvam em projectos nos domínios do ambiente, do património cultural, de apoio social e de outras consideradas relevantes para a satisfação das necessidades das populações.
3 - As entidades promotoras têm que apresentar um plano de formação e qualificação de base para os trabalhadores no âmbito dos projectos que pretendam desenvolver.

Artigo 4.º
Formação profissional

1 - As entidades promotoras são responsáveis pelo plano e execução da formação e qualificação inicial e contínua dos trabalhadores, no âmbito do programa ocupacional e de inclusão de emprego.
2 - As entidades promotoras não podem exigir ao trabalhador qualquer quantia, seja a que título for, nomeadamente por serviços de orientação ou formação profissional.
3 - A duração da formação profissional prevista nos números anteriores corresponde ao mínimo de oito horas por cada mês de duração do programa ocupacional e de inclusão de emprego.

Artigo 5.º
Consecução dos objectivos

Para a consecução dos objectivos referidos no artigo anterior o IEFP, Instituto de Emprego e Formação Profissional, promove, em articulação com as entidades promotoras e as estruturas representativas dos sectores, as seguintes acções:

a) Sensibilização, informação e orientação profissionais, formação e qualificação de base para os trabalhadores desempregados;
b) Promoção de condições para que em todos sectores de actividade se criem postos de trabalho estáveis e com direitos.

Artigo 6.º
Entidades promotoras

1 - Podem candidatar-se à execução de projectos de actividades ocupacionais e de inclusão no emprego as entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, nomeadamente:

a) Entidades de solidariedade social;
b) Autarquias;
c) Serviços públicos.

2 - As entidades promotoras não podem exigir aos trabalhadores o desempenho de tarefas que não se integrem nos projectos de formação, qualificação e de empregos aprovados.
3 - As candidaturas são apresentadas nos centros de emprego em impresso próprio.
4 - O centro de emprego da área da localização do projecto comunica à instituição de segurança social que abrange o trabalhador o início da execução do projecto, com a indicação dos dados identificadores da entidade promotora e dos trabalhadores abrangidos.

Artigo 7.º
Acordo de actividade ocupacional

1 - As relações entre os trabalhadores subsidiados ou em situação de comprovada carência económica e as entidades promotoras são reguladas num acordo de actividade ocupacional e inclusão no emprego.
2 - Do acordo de actividade ocupacional e inclusão no emprego devem constar, obrigatoriamente:

a) As condições de desempenho da actividade, englobando o seguro de acidentes pessoais;
b) A indicação do local e horário em que se realiza a actividade;
c) A retribuição a auferir, de acordo com o previsto no artigo 9.º;

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d) Outros direitos e deveres recíprocos.

3 - A relação entre a entidade promotora e o trabalhador cessa quando:

a) O trabalhador obtenha ou recuse emprego compatível com a sua formação através da entidade promotora ou do centro e emprego;
b) O trabalhador inicie ou recuse acções de formação profissional por intermédio da entidade promotora ou do centro de emprego;
c) O trabalhador utilize meios fraudulentos nas suas relações com o IEFP ou com a entidade promotora;
d) Com a passagem do trabalhador à situação de pensionista.

4 - Sempre que o trabalho desenvolvido configure uma necessidade permanente de trabalho por parte da entidade promotora, violando o âmbito deste diploma, o trabalhador tem, ipso facto, direito à integração nos quadros da respectiva entidade promotora.

Capítulo II
Actividade ocupacional de trabalhadores titulares das prestações de desemprego

Artigo 8.º
Conceito de prestação de trabalho socialmente útil e inclusivo

1 - Considera-se trabalho socialmente útil e inclusivo aquele que reúna cumulativamente as seguintes condições:

a) Seja compatível com a capacidade, preparação e experiência do trabalhador subsidiado e não lhe causar prejuízo grave, designadamente na acessibilidade ao local de trabalho;
b) Consista na realização de tarefas úteis à colectividade e que, normalmente, não vinham sendo executadas ou eram prestadas por trabalho voluntário;
c) Permita a execução de tarefas de acordo com as normas legais de higiene e segurança no trabalho;
d) Permita a abertura de vagas de modo a integrar o trabalhador nos quadros permanentes das entidades referidas no n.º 1 do artigo 6.º.

2 - A existência de ofertas de emprego e de formação profissional adequadas prevalece sobre a inserção em projectos ocupacionais, nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 7.º.

Artigo 9.º
Relações entre os trabalhadores subsidiados e as entidades promotoras de projectos ocupacionais e de inclusão de emprego

1 - As relações entre os trabalhadores subsidiados e as entidades promotoras de projectos ocupacionais e de inclusão no emprego são reguladas no acordo de actividade ocupacional, a que se refere o artigo 7.º do presente diploma.
2 - A prestação de trabalho inclusivo em projectos confere direito a uma retribuição que não poderá ser inferior a uma vez e meia o salário mínimo mensal garantido por lei, suportando a entidade promotora o pagamento da diferença entre o subsídio de desemprego ou social de desemprego e a retribuição acordada.
3 - Compete ainda à entidade promotora, à qual o trabalho inclusivo é prestado, o pagamento das despesas de transporte, alimentação e do seguro de acidentes.
4 - O trabalhador dispõe de um dia por semana para efectuar diligências de procura de emprego, devendo comprovar a efectivação das mesmas, sem prejuízo do direito de descanso semanal legalmente estabelecido nem do dever de comparência nos serviços do IEFP ou da segurança social, sempre que for convocado.

Artigo 10.º
Regime jurídico de protecção no desemprego

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Durante o período de realização de trabalho necessário inserido em projectos ocupacionais e de inclusão no emprego os trabalhadores subsidiados com o subsídio de desemprego e social de desemprego continuam abrangidos pelo regime jurídico de protecção no desemprego.

Capítulo III
Trabalhadores desempregados em situação de comprovada carência económica

Artigo 11.º
Destinatários

1 - São também destinatários de projectos ocupacionais e de inclusão no emprego os trabalhadores desempregados inscritos nos centros de emprego e que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Não tenham direito às prestações de desemprego ou que já tenham terminado os respectivos períodos de concessão;
b) Se encontrem em situação de comprovada carência económica.

2 - Considera-se verificada a situação referida na alínea b) do número anterior quando o agregado familiar do trabalhador não aufere rendimentos mensais, per capita, superiores a 90% do valor máximo da remuneração mínima mensal garantida por lei, comprovada por documentos demonstrativos dos rendimentos do agregado familiar, designadamente documentos fiscais ou cópias dos recibos das remunerações auferidas.

Artigo 12.º
Subsídio ocupacional

1 - O subsídio mensal dos trabalhadores em situação de comprovada carência económica é de montante igual ao estipulado no artigo 9.º, suportado pelas entidades promotoras e comparticipado pelo IEFP, através de rubrica própria inscrita no Orçamento do Estado nas seguintes percentagens:

a) Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e autarquias - 100% nos primeiros seis meses e 80% nos seis meses subsequentes;
b) Outras entidades sem fins lucrativos - 80% nos primeiros seis meses e 60% nos seis meses subsequentes.

2 - A comparticipação do IEFP prevista nas alíneas a) e b) do número anterior, nos seis meses subsequentes ao primeiro período de subsídio, poderá atingir o valor, respectivamente, de 100% e 80%, quando:

a) Os trabalhadores residam em zonas onde as taxas de desemprego estimadas pelo IEFP sejam superiores às da média nacional;
b) Os trabalhadores sejam oriundos de sectores declarados em crise ou em fase de reestruturação.

3 - À entidade promotora à qual o trabalho ocupacional é prestado compete o pagamento das despesas de transporte, alimentação e seguro de acidentes.
4 - O trabalhador dispõe de um dia por semana para efectuar diligências de procura de emprego, devendo comprovar a efectivação das mesmas, sem prejuízo do direito de descanso semanal legalmente estabelecido nem do dever de comparência nos serviços do IEFP, sempre que for convocado.
5 - Em relação aos projectos de actividades ocupacionais referidos no n.º 1 do artigo 13.º, a comparticipação prevista nas alíneas a) e b) do n.º 1 será reduzida, no início de cada semestre, em 20 pontos percentuais relativamente ao semestre antecedente.

Artigo 13.º
Duração

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1 - Os projectos de actividades ocupacionais e de inclusão no emprego para trabalhadores em situação de comprovada carência económica têm a duração indicada pelas respectivas entidades promotoras, salvo motivo impeditivo indicado pelo IEFP, não podendo exceder os 12 meses de duração.
2 - Os projectos de actividades ocupacionais e de inclusão no emprego não são passíveis de renovações, devendo os trabalhadores, findo o prazo previsto no projecto e mantendo-se a necessidade da actividade até aí desenvolvida, integrar os quadros permanentes das entidades promotoras, não podendo estas, em caso algum, celebrar acordos com outros trabalhadores para a mesma actividade.
3 - A duração do acordo de actividade ocupacional não pode exceder o prazo fixado no n.º 1, período durante o qual o IEFP e estruturas representativas dos trabalhadores do sector acompanharão o programa de formação e qualificação profissional, assegurando-se que o mesmo visa proporcionar a inclusão activa do trabalhador para que este obtenha um emprego estável.

Artigo 14.º
Segurança social

1 - Os trabalhadores em situação de comprovada carência económica, inseridos nos projectos ocupacionais e de inclusão no emprego, ficam obrigatoriamente abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
2 - As contribuições para a segurança social respeitantes às entidades promotoras são por elas suportadas e comparticipadas pelo IEFP nas percentagens referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 12.º
3 - As contribuições para a segurança social respeitantes aos trabalhadores em situação de comprovada carência económica inseridos em projectos de actividades ocupacionais são por si suportadas, através da dedução na retribuição mensal que lhes for pago pelas entidades promotoras.

Artigo 15.º
Comissão de acompanhamento

1 - É criada uma comissão de acompanhamento junto de cada centro de emprego, incluindo dois representantes designados pelo Ministério da tutela e dois indicados pelas organizações sindicais representativas, tendo como função acompanhar o desenvolvimento dos projectos ocupacionais e de inclusão de emprego, de modo a verificar, nomeadamente:

a) Se a actividade ocupacional constante do projecto consiste na ocupação e inclusão de emprego a que as entidades promotoras se vincularam;
b) Se os trabalhadores estão afectados a fins diferentes dos acordados por parte das entidades promotoras;
c) Se as disposições imperativas da presente lei estão a ser cumpridas pelas entidades promotoras;

e, em consequência, a formularem recomendações pertinentes.

2 - O IEFP elaborará as orientações internas que se tornem necessárias à execução das suas atribuições nesta matéria.

Capítulo IV
Disposições finais e transitórias

Artigo 16.º
Incumprimento

1 - O incumprimento injustificado ou a verificação do previsto no n.º 1 do artigo anterior implica a suspensão da comparticipação financeira do IEFP, a reposição das verbas já concedidas, acrescidas de juros à taxa legal, e a exclusão dessas entidades da promoção de projectos de actividades ocupacionais e de inclusão de emprego, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal a que houver lugar.

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2 - A duração da exclusão referida no número anterior será fixada caso a caso pelo IEFP, em função da gravidade do incumprimento ou da indevida afectação, não devendo ultrapassar os três anos.
3 - No caso de a reposição das verbas já concedidas não ser voluntariamente efectuada no prazo que lhe for fixado proceder-se-á à cobrança coerciva, nos termos da lei geral.

Artigo 17.º
Regulamentação

1 - O Governo regulamentará o presente diploma no prazo de 90 dias.
2 - O IEFP elaborará as orientações internas que se tornem necessárias à execução das suas atribuições nesta matéria.

Artigo 18.º
Financiamento

Os programas previstos pelo presente diploma são financiados pelo Orçamento do Estado.

Artigo 19.º
Revogação

1 - Consideram-se revogadas a Portaria n.º 413/94, de 27 de Junho, e a Portaria n.º 192/96, de 30 de Maio.
2 - Consideram-se igualmente revogados os artigos 19.º, 20.º e 21.º da Portaria n.º 247/95, de 29 de Março, e o n.º 2 do artigo 9.º e o artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.
3 - Considera-se suprimida a referência ao conceito de "trabalho socialmente necessário" contida nos artigos 43.º, n.º 1, alínea a), e 51.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril.

Artigo 20.º
Remissão

Quando disposições legais remetam para preceitos de diplomas revogados nos termos do artigo anterior, entende-se que a remissão é feita para as correspondentes disposições deste diploma.

Artigo 21.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para 2005.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 484/IX
ALTERA O CÓDIGO DA PUBLICIDADE, PROIBINDO A PUBLICIDADE A BEBIDAS ALCOÓLICAS NAS FEDERAÇÕES DESPORTIVAS, LIGAS PROFISSIONAIS, SOCIEDADES DESPORTIVAS E CLUBES DESPORTIVOS

Exposição de motivos

As federações desportivas, ligas profissionais, sociedades desportivas e clubes desportivos, tal como definidas na Lei de Bases do Desporto, aprovada pela Lei n.º 30/2004, de 21 de Junho, têm um papel crucial para o desenvolvimento do desporto em Portugal e para o incitamento da saudável competição e encorajamento do exercício físico.
O desporto, como fenómeno complexo que é, congrega em si uma mensagem positiva para a vida em sociedade, mensagem essa que deve ser maximizada nos seus aspectos benévolos,

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levando a que cada vez mais franjas populacionais encarem a prática do desporto como uma prática indispensável nos seus hábitos regulares.
O Estado, ao permitir e apoiar a intervenção dos corpos sociais intermédios públicos e privados que compõem o sistema desportivo e, dessa forma, estimular a prática do desporto, não pode deixar que esses corpos sociais intermédios, na ânsia de encontrar financiamento para as suas actividades, sejam confrontados com propostas que pretendam utilizar a mensagem veiculada pelo fenómeno desportivo, distorcendo a mesma, para promover a venda e comercialização de produtos que, reconhecidamente, resultam contraproducentes para o objectivo primeiro dos mesmos.
O XV Governo Constitucional, no proclamado Plano Nacional de Saúde, que o actual Governo seguramente adopta in totum, na parte em que se refere ao consumo excessivo de álcool, reconhece que, "sendo os jovens os consumidores de amanhã, tornam-se um grupo alvo das campanhas de publicidade e promoção de vendas", qualificando os dados relativos ao consumo de álcool no nosso país como "extremamente preocupantes, sendo o nosso nível e as suas consequências, um grave problema da saúde pública em Portugal".
Durão Barroso, Primeiro-Ministro do XV Governo Constitucional, enquanto Deputado em exercício de funções na VIII Legislatura, foi o primeiro subscritor de um projecto de resolução que foi aprovada por unanimidade e mais tarde publicada como Resolução da Assembleia da República n.º 76/2000, de 18 de Novembro, onde, no seu ponto 7, se "recomenda ao Governo a regulamentação da publicidade a bebidas alcoólicas, tendo em especial atenção a necessidade de não permitir uma associação à actividade desportiva ou outras especialmente susceptíveis de mobilizar jovens".
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou já um projecto de lei respeitante a esta matéria. O projecto de lei n.º 438/IX foi discutido em 29 de Maio de 2004, tendo, mais tarde, sido rejeitado pela actual maioria parlamentar com o argumento que a pretensão do Bloco de Esquerda era exclusivamente determinada pela proximidade da realização do Euro 2004 no nosso país. Um outro argumento utilizado pela actual maioria consistiu, pura e simplesmente, em acusar o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda de se furtar a verdadeiramente discutir o problema do consumo de álcool em Portugal, aduzindo, para justificar tal opróbrio, que o projecto de lei apresentado então se cingir ao universo das federações desportivas, ignorando, as "queimas das fitas" e os "festivais de Verão"!! Nenhum desses argumentos se justifica, visto que a aprovação de um diploma desta natureza não perturba retroactivamente os contratos em vigor pelo que pode e esta norma deve ser discutida e aprovada tão cedo quanto possível, a ser coerente com a resolução anterior da Assembleia da República - caso contrário se verificaria tratar-se unicamente de uma proposta cuja aplicação não era desejada pelos seus próprios autores. Por outro lado, o controlo dos abusos publicitários com a promoção do alcoolismo associado ao desporto não prejudica outras medidas preventivas dirigidas a expressões culturais de outro tipo.
O que o Bloco de Esquerda pretende com esta iniciativa legislativa está longe de se assemelhar a qualquer "lei seca" ou proibicionismo serôdio. Pretende apenas que não se permita a utilização de um veículo privilegiado de uma mensagem positiva para os jovens e para a sua educação como cidadãos, como são as manifestações desportivas, para incentivar o consumo de bebidas alcoólicas. Isto é patente para todos, assim como a oportunidade da iniciativa, pois então. Esta era, aliás, a justificação do projecto de resolução proposto anteriormente pelo PSD, que foi aprovado, e que se tornou inconsequente.
Desta forma, perante a inércia governamental e em particular do primeiro subscritor da iniciativa legislativa acima referida e perante ainda os argumentos diletantes e dilatórios apresentados pela actual maioria parlamentar para rejeitar o projecto de lei n.º 438/IX, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresenta este projecto de lei tentando com o mesmo alcançar objectivos que deviam ser pretendidos por todos: o combate ao alcoolismo e a promoção de estilos de vida saudáveis.
Nestes termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Altera o Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, n.º 6/95, de 17 de Janeiro, n.º 61/97, de 25 de Março, n.º 275/98 de 9 de Setembro, n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, e n.º 332/2001, de 24 de Dezembro, e pela Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho

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O artigo 17.º do Código da Publicidade passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 17.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)
7 - É proibida a publicidade, sob qualquer forma, a bebidas alcoólicas nas e através das federações desportivas, ligas profissionais, sociedades desportivas e clubes desportivos, tal como definidas na Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, em qualquer suporte ou meio sob sua jurisdição"

Artigo 2.º
Disposição transitória

O disposto no presente diploma não prejudica a validade e eficácia dos contratos já celebrados à data da publicação do presente diploma e em execução à data da sua entrada em vigor.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, de 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 485/IX
ALTERA O DECRETO-LEI N.º 480/99, DE 9 DE NOVEMBRO, QUE APROVA O CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO, E A LEI N.º 142/99, DE 30 DE ABRIL, QUE CRIA O FUNDO DOS ACIDENTES DE TRABALHO, INSTITUINDO UM NOVO REGIME PROCESSUAL PARA O PROCESSO PARA A EFECTIVAÇÃO DE DIREITOS RESULTANTES DE ACIDENTES DE TRABALHO

Exposição de motivos

I

Os acidentes de trabalho constituem uma das realidades do nosso país que, pelo número de ocorrências registadas, deveriam constar da lista de preocupações fundamentais do Estado para que se possam combater, de modo eficaz, as principais causas que contribuem para a elevada sinistralidade laboral.
Dados relativos ao ano de 2002 revelam que, em Portugal, o número de acidentes mortais em contexto de trabalho foi de 219 vítimas, revelando-se o sector da construção como o mais afectado, contabilizando-se, nesse sector, 103 acidentes de trabalho dos quais resultaram a morte para o sinistrado.
Os últimos dados estatísticos revelados pelo Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (DETEFP), obtidos com base nas participações enviadas pelas seguradoras e respeitantes ao ano de 2000, registam um total de 208 597 acidentes de trabalho ocorridos em Portugal, dos quais 177 resultaram na morte do sinistrado.
Com a presente iniciativa legislativa não se pretende entrar na área da prevenção e riscos dos acidentes de trabalho pretende-se intervir a jusante, isto é, numa perspectiva pragmática, propõe-se uma intervenção no regime processual dos acidentes de trabalho, numa óptica que

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garanta uma maior celeridade e eficácia na atribuição das indemnizações e pensões previstas para o sinistrado laboral.
Desta forma, pretende-se incutir um novo cunho às situações em que, participado um acidente de trabalho ao tribunal competente, o Ministério Público dá início ao processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho.
No Dossier Justiça 2002, publicado pelo Ministério da Justiça, dados relativos ao ano de 2000, revelam que entraram nos tribunais do trabalho portugueses 19 412 acções de acidentes de trabalho, sendo que, nos processos findos nesse ano, 1622 desses processos concerniam a sinistrados curados sem desvalorização, 11 843 a sinistrados curados com desvalorização inferior a 20%, 1036 a sinistrados curados com desvalorização entre 21% e 60%, 175 a sinistrados curados com desvalorização entre 61% e 100%, e 644 acções relativas a acidente de trabalho em que adveio a morte para o sinistrado.
Segundo esta publicação da responsabilidade do Ministério da Justiça, o tempo médio de duração dos processos de acidente de trabalho é de 10 meses.
De acordo com um estudo elaborado, em Julho de 2002, pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, que integra o Centro de Estudos Sociais, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em que Boaventura Sousa Santos foi o Director Científico, subordinado ao tema "A Justiça Laboral: Análise das recentes dinâmicas processuais", constata-se que mais de 70% dos processos respeitantes a acidentes de trabalho encontra resolução até um ano, tendo no ano de 2001, 76% das acções de acidentes de trabalho uma duração igual ou inferior a um ano, enquanto que 17,1% das acções tiveram como duração um período situado entre um e dois anos, registando-se, ainda no ano de 2001, 122 processos de acidentes de trabalho com uma duração superior a cinco anos.
Segundo este estudo da responsabilidade do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, no ano de 2001, os processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho iniciaram-se maioritariamente com a participação do acidente ao Tribunal por parte da entidade seguradora (79,2%), 16,6% foram iniciados com a participação do próprio sinistrado, 0,4% com a participação da entidade patronal e 3,8% foram iniciados com a participação efectuada por outras entidades.
Tais números explicam-se pela obrigatoriedade da existência de seguro de acidente de trabalho por parte da entidade patronal, por um lado, e pela obrigatoriedade de participação do acidente de trabalho por parte das entidades seguradoras, em certos casos, por outro.
Ainda de acordo com estudo citado, no ano de 2001, na quase totalidade dos processos de acidente de trabalho (96,5%), o sinistrado encontrava-se segurado.
Os processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho terminam maioritariamente na fase conciliatória, por conciliação entre as partes, no entanto, verifica-se que o principal óbice à conciliação das partes se deve à fixação da incapacidade do sinistrado, sendo este motivo o determinante para o início da fase contenciosa, representando, no ano de 2001, sempre segundo o estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa a que se tem vindo a fazer referência, 76% das causas de início da fase contenciosa.
São ainda causa do início da fase contenciosa no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a existência e caracterização do acidente (2,5%), o nexo de causalidade entre acidente e lesão (7,5%), a determinação da entidade responsável (6,8%), a determinação do salário auferido pelo sinistrado na altura do acidente (2%), contribuindo outras causas não especificadas com 5,1% para o início da fase contenciosa, segundo dados relativos ao ano de 2001 divulgados pelo estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
Na fase contenciosa conclui-se no estudo citado, somente 3% destas acções, no ano de 2001, terminam com o pedido declarado improcedente pelo juiz.
Ora, a prática, mais que os números, revela que os moldes pelos quais se regem as acções para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho, em especial os que regem o início da fase contenciosa, é desrespeitador do princípio que superintende o processo de trabalho e as leis do trabalho em geral - o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador - pois, nos actuais moldes, é o trabalhador, rectius, sinistrado, que tem o ónus de iniciar a fase contenciosa, ficando a entidade responsável na cómoda posição de réu, com tudo o que isso implica em termos de distribuição de ónus da prova.
De facto, ao iniciar-se um processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho com a obrigatória participação do acidente, o Ministério Público, entidade encarregue de, simultaneamente, representar o sinistrado e presidir à fase conciliatória do processo, desempenhando um importantíssimo trabalho ao assumir o papel de órgão do Estado e defensor

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do interesse público, depara-se, invariavelmente, com duas situações em sede de tentativa de conciliação, ou seja, depois de efectuado o obrigatório exame médico por perito designado pelo Tribunal e depois de ao sinistrado ter sido fixada, se for o caso, o grau de incapacidade resultante do acidente.
A primeira situação com a qual o Ministério Público se depara e, afortunadamente, a mais frequente, surge com a entidade responsável, na maioria das vezes, a entidade seguradora, via da transferência da responsabilidade operada através da apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho, a aceitar o grau de incapacidade proposto pelo perito designado pelo tribunal, obtendo-se, pois, a conciliação das partes.
Da prática, também, desde logo se pode depreender que são raras as vezes em que é o sinistrado a iniciar a fase contenciosa, tendo como motivo de dissenção o grau de incapacidade fixado pelo perito médico.
A segunda situação com que o Ministério Público se depara, em sede de tentativa de conciliação, é a de as partes não se conciliarem, dando-se início à fase contenciosa.
Aqui, no impulso para o início da fase contenciosa, reside o busílis da questão e representa o cerne do presente projecto de lei.
Ora, existem várias hipóteses com as quais as partes se podem deparar e em que, havendo divergência, pode motivar a abertura da fase contenciosa.
Entre elas, como acima se referiu, surge a divergência acerca do grau de incapacidade fixado pelo perito do Tribunal como causa mais representativa para motivar o início da fase contenciosa. Nestes casos, o actual acervo legislativo permite, por meio de simples requerimento, a abertura da fase contenciosa para fixação do grau de incapacidade, ordenando o Tribunal, na sequência de tal requerimento, a realização de uma junta médica para se proceder, de forma definitiva (sem prejuízo de ulterior recurso ao incidente de revisão de pensão), à fixação do grau de incapacidade.
Na prática, o que sucede é que o início desta fase é despoletado, na maioria esmagadora das vezes, pelas entidades responsáveis, ou, o que será mais correcto neste caso, dado o número de ocorrências, pelas entidades seguradoras que, não raro, têm representantes, já com procuração na secretaria do Tribunal, que têm a possibilidade, que a actual lei lhes confere, legal, portanto, de requerer a constituição de junta médica para fixação da incapacidade, iniciando, assim, a fase contenciosa.
A realidade, que, como todos sabemos, pode ter acepções diversas, nesta situação tem uma que é incontornável: o sinistrado vê adiada a fixação da pensão, dilação que pode, em muitos casos, ser de uma importância extrema para o quotidiano do sinistrado, na maioria das vezes, de um estrato sócio-económico baixo e, por isso, carente de algum contributo de carácter económico.
A lei actual permite, ad absurdum, que a entidade responsável, que não tem de justificar o requerimento para junta médica, inicie a fase contenciosa com tal requerimento, pelo motivo de achar que o grau de incapacidade proposto pelo perito do Tribunal é superior em uma décima ao proposto pelo perito da própria entidade responsável.
O que se pode deduzir é que, actualmente, o requerimento para a realização de junta médica por parte das entidades responsáveis representa uma atitude procrastinatória por parte destas, atitude que tem graves consequências para o sinistrado pela demora que incute ao processo e, consequentemente, à atribuição da pensão ao sinistrado.
O que este projecto de lei propugna é que o recurso à junta médica, iniciando-se por esta via a fase contenciosa, seja facultado somente ao sinistrado, isto é, quando este não concorde com o grau de incapacidade atribuído pelo perito do Tribunal mantém a possibilidade de sindicar essa decisão, indicando, para isso, um perito da sua confiança.
Tal solução teria como consequência imediata a fixação definitiva do grau de incapacidade, na hipótese de o sinistrado se conformar com a incapacidade proposta, sendo, de imediato, atribuída uma pensão ao sinistrado, pensão que a entidade responsável estaria, desde logo, obrigada a pagar.
Esta solução conjuga-se com a lei actual. Afinal de contas, quem fixa o grau de incapacidade do sinistrado é um perito designado pelo Tribunal, supra-partes portanto.
Quem superintende a fase conciliatória é o Ministério Público que, representando o sinistrado, não deixa de defender a legalidade, o Estado de direito e o bom funcionamento da justiça, não podendo, por isso, ser confundido como advogado de alguma das partes. É o Ministério Público, garante da legalidade.
Repugna ao direito e à justiça, no entanto, que seja coarctado às entidades responsáveis o direito de sindicar a decisão do perito do Tribunal.

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Esta iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda não deseja obnubilar direitos que tem como fundamentais, entre os quais o direito ao recurso, constitucionalmente garantido.
Destarte, o presente projecto de lei, de forma a garantir o direito das entidades responsáveis de ver contraditada a decisão do perito do Tribunal, propugna a adequação do incidente de revisão de pensão, actualmente previsto no artigo 145.º do Código do Processo de Trabalho (CPT), podendo as entidades responsáveis recorrer a este incidente em caso de dissonância com a decisão do perito designado pelo Tribunal.
Porém, o recurso ao incidente de revisão da pensão teria um efeito meramente devolutivo, estando, pois, as entidades responsáveis, desde logo, obrigadas a cumprir a decisão advinda da fase conciliatória, pagando a pensão fixada de acordo com o grau de incapacidade atribuído nessa fase.
Um contributo forte para a adopção desta proposta é a própria lei adjectiva - de acordo com as directrizes traçadas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - dos acidentes de trabalho que, no artigo 121.º e seguintes do Código do Processo do Trabalho, estabelece a atribuição de uma pensão provisória ao sinistrado precisamente para salvaguardar a digna sobrevivência do sinistrado que, paradigmaticamente, é o único requisito que o sinistrado tem de provar para que tal pensão provisória lhe seja atribuída.
Com esta proposta pretende-se alcançar de forma mais célere e, por isso, mais justa, os objectivos que o legislador quis atingir com a atribuição de pensões ou indemnizações provisórias, isto é, com esta proposta reforçam-se as competências do Ministério Público para que este, que, nesta fase, conhece melhor o processo que o juiz e, por isso, está mais habilitado para decidir, atribua a pensão ao sinistrado com base no grau de incapacidade fixada pelo perito do Tribunal, que, naturalmente, terá carácter provisório até ao momento em que finda o prazo para que as entidades responsáveis possam recorrer ao incidente de revisão de pensão.
Esta solução confere uma maior celeridade ao processo, evita procedimentos burocráticos que só aumentam a morosidade e os custos dos tribunais e não belisca os direitos de qualquer das partes, pois, apesar de competir ao Ministério Público a representação do sinistrado, o Ministério Público, repete-se, é o defensor da legalidade, portanto, com carácter supra-partes.
O direito é a arte do bom e do justo, dizia Celso. A realidade dos acidentes de trabalho é o clássico exemplo do confronto entre entidades economicamente fortes e cujo escopo social visa o lucro, e pessoas singulares, trabalhadores que necessitam dos rendimentos provenientes do seu trabalho para poderem manter uma vida digna e socialmente aceitável. Urge, por isso, legislação que tenha a especificidade da situação em devida consideração.
O requerimento de junta médica é o motivo predominante para que se inicie a fase contenciosa no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho. Isto significa, desde logo, que a entidade responsável reconhece factos tão importantes como o reconhecimento do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão e em que está determinado o salário auferido pelo sinistrado na altura do acidente e que a entidade notificada para comparecer na tentativa de conciliação se considera responsável.
Caso assim não suceda, apesar de o requerimento de junta médica significar uma demora do processo muitas vezes incomportável para o sinistrado, e o motivo de dissensão entre as partes ser outro que não o grau de incapacidade atribuído pelo perito do Tribunal, então estaremos perante um processo que, embora possa ser considerado relativamente célere, atendendo à pendência processual existente nos Tribunais do Trabalho e à pendência processual existente nos tribunais comuns, acarreta delongas claramente incomportáveis para quem está numa situação de, muitas vezes, absoluta carência de recursos económicos.
Com o actual processo cabe ao sinistrado, por intermédio do Ministério Público, iniciar a fase contenciosa através de petição inicial. Como já se referiu, é de 3% a percentagem, no ano de 2001, de pedidos declarados improcedentes pelo juiz, isto é, 153 acções num universo de 5115.
Na prática, o processo que a presente proposta pretende alterar permite que as entidades responsáveis, ainda na fase conciliatória, assumam a cómoda posição de divergirem, por exemplo, sobre a remuneração que o sinistrado auferia na altura do acidente, não admitirem a caracterização do acidente como acidente de trabalho, negarem que as lesões são consequência do acidente, isto de forma totalmente leviana e sem a devida fundamentação, tendo, via dessa tomada de posição por parte da entidade responsável, de ser o sinistrado a ter que iniciar a fase contenciosa e, portanto, de ser o sinistrado que tem de provar tudo, quando, na maior parte das vezes - como resulta dos números - a assumpção de tais posições por parte das entidades responsáveis não passam de atitudes claramente procrastinatórias que, muitas vezes, têm a sua própria equipa jurídica que mais não faz do que isso mesmo.

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Igualmente grave é a situação em que a entidade responsável notificada para a tentativa de conciliação refere a existência de seguro ou, ao inverso, a inexistência do mesmo, havendo assim um problema no apuramento da entidade responsável.
Uma situação que ocorre com bastante frequência nos tribunais portugueses surge quando a entidade seguradora não chega a acordo na fase conciliatória, aduzindo, para tal, o argumento de o seguro celebrado com a entidade empregadora ter como referência uma remuneração bastante inferior ao que o sinistrado auferia na altura do acidente, o que significa que a entidade seguradora só se responsabiliza pelo pagamento de uma pensão de acordo com o declarado pela entidade empregadora, o que se traduz numa acrescida dificuldade do sinistrado em receber uma pensão de acordo com o realmente auferia, pois as entidades empregadoras que recorrem a este tipo de expediente são, na sua maioria, pequenas empresas, muitas vezes subcontratadas para, por sua vez, efectuarem subempreitadas, empresas essas que têm dificuldades em cumprir com as suas obrigações e, no reverso da medalha, não têm pejo algum em requerer a sua própria falência.
No limite, podemos deparar-nos com situações de inexistência de seguro e total incapacidade da empresa em cumprir com as suas obrigações, tendo, também, nestas situações de ser o sinistrado a propor a acção para que lhe sejam reconhecidos os seus direitos e, muito depois, ter de esperar que seja declarada a falência da entidade responsável para que o Fundo de Acidentes de Trabalho assegure o pagamento da pensão devida.
Mais grave, na situação de inexistência de seguro acima referida é que, não raro, foi o sinistrado que teve de pagar todas as despesas relacionadas com o tratamento das lesões advindas do acidente de trabalho e ainda não recebeu qualquer quantia a título indemnizatório, tendo, mesmo nesta situação limite, de ser o próprio sinistrado a propor uma acção contra a entidade empregadora que, desde o início, vem incumprindo as responsabilidades que legalmente lhe cabem.
Desta forma, o presente projecto de lei pretende, outrossim, ampliar as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho para que, com a acção e responsabilização deste fundo, o sinistrado possa de forma célere e justa obter aquilo a que tem direito.
Pretende-se, assim, com esta iniciativa legislativa, alterar o ónus de impulso processual para o início da fase contenciosa, passando este ónus do sinistrado para a entidade responsável, ficando esta, caso o deseje fazer, com a possibilidade de iniciar a fase contenciosa, através de petição inicial, para as situações em que pretende discutir algo mais que não unicamente o grau de incapacidade fixado para o sinistrado.
Isto significa que o Ministério Público, tendo na sua posse todos os elementos para proferir uma decisão equitativa, pode obrigar a entidade responsável a pagar, desde logo, a pensão e/ou indemnização devida, tendo esta, naturalmente, carácter provisório durante o prazo previsto para que as entidades responsáveis possam dar início à fase contenciosa através de petição inicial ou do incidente de revisão de pensão devidamente adequado.
Caso o Ministério Público entenda que não tem elementos suficientes para proferir uma decisão, cabe ao sinistrado, na esteira do que actualmente acontece (vide artigo 119.º, n.º 3 do CPT), fornecer os elementos de prova requeridos pelo Ministério Público para que este possa decidir.
Com a alteração do ónus de impulso processual proposto, e com as implicações que tal facto acarreta para a distribuição do ónus da prova, haveria, sem dúvida, uma convergência do processo de efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho com o princípio adâmico das relações laborais - a protecção do mais desfavorecido.

II

O Bloco de Esquerda, através do presente projecto de lei, pretende também, como já foi brevemente referido, ampliar as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pela Lei n.º 146/99, de 30 de Abril.
Com as alterações propostas visa-se conferir uma maior dinâmica a tal fundo para, por um lado, garantir uma maior celeridade na atribuição da pensão e/ou indemnização ao sinistrado e, por outro, acautelar que as entidades responsáveis recebam de volta o que ulteriormente se provou não ser responsabilidade das mesmas.
Assim, propõe-se que o Fundo de Acidentes de Trabalho, no caso de recusa de alguma das entidades responsáveis no pagamento da pensão e/ou indemnização atribuída pelo Ministério Público, fique, desde logo, responsável pelo pagamento dessas prestações, sub-rogando o sinistrado nos seus direitos.

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Com as alterações propostas, designadamente com o carácter vinculativo da decisão de atribuição da pensão e/ou indemnização ao sinistrado por parte do Ministério Público, cabe ao Fundo de Acidentes de Trabalho, à semelhança do que está instituído no artigo 122.º, n.º 2 do CPT, assegurar o pagamento de pensões e/ou indemnizações feitas indevidamente ao sinistrado, pagando às entidades responsáveis em caso de dissipação das prestações recebidas pelo sinistrado.

III

Com este projecto de lei o Bloco de Esquerda pretende, portanto, conferir uma maior celeridade na atribuição de pensões e/ou indemnizações ao sinistrado, transportando, pura e simplesmente, os princípios que superintendem a atribuição das designadas pensões provisórias, actualmente previstas na Divisão II do processo para efectivação resultante de acidentes de trabalho, com a vantagem de, com a presente proposta, se atribuir à fase conciliatória deste processo a importância que merece, evitando-se o que se passa hoje em dia nos nossos tribunais, isto é, o facto de as entidades responsáveis comparecerem na fase conciliatória como se esta não passasse de um mero pró-forma, antecâmara necessária da fase contenciosa, podendo estas, leviana e infundadamente, recusar o pagamento de uma pensão e/ou indemnização que é devida a um trabalhador que sofreu lesões advindas de um acidente de trabalho.
Por outro lado, com este projecto de lei recolocam-se as partes no campo processual mais adequado e equitativo, já que, ao transferir o ónus de impulso processual para as entidades responsáveis, manifestamente a parte mais forte nesta relação, o sinistrado, parte mais fraca neste processo, fica na posição cómoda em que o processo vigente coloca hoje as entidades responsáveis, isto é, o ónus da prova do alegado cabe a quem alegou, logo o sinistrado, tendo disponibilizado todos os elementos probatórios ao Ministério Público para que este possa tomar uma decisão conscienciosa, nada mais tem a alegar.
Também, com esta proposta, confere-se uma maior dignidade às funções exercidas pelo Ministério Público e pelo perito médico designado pelo Tribunal, pois as suas decisões passarão a ter uma importância que o processo vigente não lhes concede.
Por fim, ao propugnar uma maior actuação e envolvimento do Fundo de Acidentes de Trabalho neste processo, a presente proposta, para além de garantir que o sinistrado vai ser ressarcido de forma rápida, não faz mais que responsabilizar, também, o Estado para que este, através de práticas fiscalizadoras mais eficazes, se motive para que toda a legislação que versa sobre segurança no trabalho seja efectivamente cumprida.
Nestes termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma consagra um novo regime para o processo para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho e altera as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho, conferindo uma maior celeridade na atribuição de pensões e indemnizações ao sinistrado ou aos seus beneficiários.

Capítulo II
Código de Processo do Trabalho

Artigo 2.º
Alterações ao Código de Processo do Trabalho

Os artigos 104.º, 108.º, 112.º, 115.º, 117.º, 126.º, 138.º e 142.º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 104.º
(…)

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1 - O Ministério Público deve assegurar-se, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, para os efeitos dos artigos 109.º, 112.º e 114.º.
2 - (…)
3 - (…)

Artigo 108.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - Faltando de novo a entidade responsável ou não sendo conhecido o seu paradeiro, é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior se a ausência for devida a falta injustificada.
6 - (…)

Artigo 112.º
Decisão

1 - (…)
2 - O interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, em caso de início da fase contenciosa, a final, condenado como litigante de má fé.
3 - O Ministério Público, reunidos todos os elementos a que o artigo 104.º faz referência, fixa provisoriamente a pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médico, com base na última remuneração auferida pelo sinistrado, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação.
4 - Se o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o Ministério Público rectifica a pensão ou indemnização logo que seja conhecido o resultado final do exame médico que define a incapacidade ou lhe reconhece natureza permanente.
5 - Se houver desacordo sobre a transferência da responsabilidade, a pensão ou indemnização fica a cargo da seguradora cuja apólice abranja a data do acidente.
6 - Se do processo não constar apólice de seguro, a pensão ou indemnização é paga pela entidade patronal, salvo se esta ainda não estiver determinada ou se encontrar em situação de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, caso em que é o Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, o responsável pelo pagamento da pensão ou indemnização.
7 - Se o sinistrado ainda necessitar de tratamento, o Ministério Público determina que este seja custeado pela entidade a cargo de quem ficar a pensão ou indemnização.

Artigo 115.º
Regime de eficácia do acordo ou da decisão

1 - O acordo ou a decisão do Ministério Público produzem efeitos desde a data da sua realização.
2 - O Ministério Público, se o acordo ou decisão não forem homologados e considerar possível a remoção de obstáculos à sua homologação, tenta a celebração de novo acordo ou reformula a decisão para substituir aquela cuja homologação foi recusada.
3 - A não homologação do acordo ou da decisão é notificada aos interessados, mas o acordo ou decisão continuam a produzir efeitos até à homologação do que o vier a substituir ou, na falta deste, até à decisão final.

Artigo 117.º
(…)

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1 - A fase contenciosa tem por base:

a) Petição inicial, em que a entidade responsável pelo pagamento da pensão ou indemnização provisória, o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos;
b) Requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º, do sinistrado quando este não se conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho.

2 - (…)
3 - (…)

Artigo 126.º
(…)

1 - (…)
2 - (revogado)

Artigo 138.º
(…)

1 - (…)
2 - Se na tentativa de conciliação o sinistrado discordar apenas do grau de incapacidade atribuído, pode, no prazo de 20 dias a contar da decisão do Ministério Público, pedir a realização de um exame por junta médica.

Artigo 142.º
Investigação das causas da morte

1 - (…)
2 - (…)
3 - (revogado)
4 - (revogado)
5 - (…)"

Artigo 3.º
Aditamentos ao Código de Processo do Trabalho

São aditados ao Código de Processo do Trabalho os artigos 114.º-A, 117.º-A e 145.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 114.º-A
Homologação da decisão

O juiz, decorrido o prazo a que o n.º 1 do artigo 117.º-A faz referência, sem que tenham sido apresentados em juízo petição inicial ou os requerimentos previsto nos artigos 138.º e 145.º-A, homologa a decisão do Ministério Público de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 117.º-A
Início da fase contenciosa mediante petição inicial

1 - As partes, quando o motivo de discordância da decisão do Ministério Público for outro para além do grau de incapacidade fixado, podem, no prazo de 20 dias, apresentar petição inicial expondo os fundamentos de facto e de direito que julguem pertinentes.
2 - A apresentação da petição inicial não suspende os efeitos da decisão proferida pelo Ministério Público.

Artigo 145.º-A
Revisão da incapacidade por iniciativa da entidade responsável

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1 - A entidade responsável pelo cumprimento da decisão do Ministério Público na fase conciliatória pode, se o único motivo de discordância for o grau de incapacidade atribuído ao sinistrado, no prazo de 20 dias a contar da decisão, requerer a constituição de junta médica, seguindo-se os termos estabelecidos no artigo 139.º.
2 - Do requerimento para a revisão da incapacidade deve constar, de forma fundamentada, qual o grau de incapacidade que a entidade responsável considera adequada, não sendo necessário invocar melhoria da lesão que deu origem à reparação.
3 - A formulação de quesitos para exames médicos é obrigatória.
4 - O juiz pode indeferir o requerimento se considerar a fundamentação insuficiente, contraditória ou obscura.
5 - A apresentação do requerimento de revisão não suspende os efeitos da decisão do Ministério Público.
6 - Admitido o requerimento e realizada a junta médica, decidindo-se esta pela manutenção ou agravamento do grau de incapacidade atribuído ao sinistrado, o juiz condena a entidade responsável em multa compreendida entre 2 e 10 UC's."

Artigo 4.º
Alteração ao Título VI do Código de Processo do Trabalho

A Divisão IV da Subsecção I, da Secção I do Capítulo I do Título VI do Código de Processo do Trabalho passa a denominar-se "Acordo e decisão acerca das prestações".

Artigo 5.º
Revogação de artigos do Código de Processo do Trabalho

São revogados os artigos 113.º, 116.º, 119.º, 121.º, 122.º, 123.º, 124.º e 125.º do Código de Processo do Trabalho.

Capítulo III
Fundo de Acidentes de Trabalho

Artigo 6.º
Alteração à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril

O artigo 1.º da Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 1.º
(…)

1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete:

a) Garantir o pagamento das prestações, reparação e substituição de aparelhos que forem devidos por acidentes de trabalho sempre que, decorridos 30 dias da decisão que atribuiu a pensão ou indemnização ao sinistrado ou aos seus beneficiários, ou 30 dias da falta de pagamento de uma das prestações, a entidade responsável pelo pagamento das prestações, reparação ou substituição de aparelhos ainda não o tenha efectuado;
b) (…)
c) (…)
d) (…)

2 - (…)
3 - (revogado)"

Artigo 7.º
Aditamentos à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril

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São aditados à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho, os artigos 1.º-A e 13.º-A, com a seguinte redacção:

"Artigo 1.º-A
Entidades responsáveis

As entidades responsáveis que tenham sido condenadas ao pagamento de prestações de acordo com o previsto no artigo 112.º do Código de Processo do Trabalho, tendo impugnado judicialmente tal decisão, podem requerer ao FAT o reembolso do pagamento indevidamente efectuado ao sinistrado ou aos seus beneficiários, desde que:

a) Haja uma decisão judicial transitada em julgado favorável às pretensões da entidade responsável;
b) O sinistrado, ou os seus beneficiários, tenham sido notificados, por carta registada com aviso de recepção, para devolver o indevidamente pago e não o tenham feito no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação.

Artigo 13.º-A
Sub-rogação

O FAT, nas hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 1.º-A, fica sub-rogado nos respectivos direitos.

Artigo 8.º
Norma revogatória

É revogado o artigo 13.º da Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho.

Capítulo IV
Disposições finais e transitórias

Artigo 9.º
Derrogação

Consideram-se derrogadas todas as disposições normativas que contrariem o disposto no presente diploma.

Artigo 10.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a publicação.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 486/IX
ALTERA A LEI TUTELAR EDUCATIVA, APROVADA PELA LEI N.º 166/99, DE 14 DE SETEMBRO, CONCATENANDO-A COM O PRINCÍPIO DO DIREITO PENAL DO FACTO

"As leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem sucedidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que a perda de liberdade para alguns seja justificada pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior", escreveu um dia, com inteira razão, John Rawls, in Uma Teoria da Justiça.

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A Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, que aprovou a Lei Tutelar Educativa, visa aplicar medidas tutelares educativas a menores, com idade compreendida entre 12 e 16 anos, que praticaram facto qualificado pela lei como crime.
O intuito primordial deste diploma é, no entanto, o de educar o menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade. Porém, este diploma congrega em si normas que contrariam este objectivo.
Assim, e desde logo, o artigo 66.º da referida Lei diz, no seu n.º 2, que "a inquirição sobre factos relativos à personalidade e carácter do menor, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior e posterior, é permitida, quer para a prova do facto quer para a avaliação da necessidade de medida tutelar e determinação de medida a aplicar".
De seguida, podemos ler no artigo 71.º, n.º 1, que "podem utilizar-se como meios de obtenção de prova a informação e o relatório social".
O artigo 90.º, na sua alínea d), refere que o requerimento para a abertura da fase jurisdicional, a acusação, portanto, deve conter a "indicação de condutas anteriores, contemporâneas ou posteriores aos factos e das condições de inserção familiar, educativa e social que permitam avaliar da personalidade do menor e da necessidade da aplicação da medida tutelar".
Por último, o artigo 94.º, no seu n.º 3, alínea b), refere que o despacho que designa dia para audiência preliminar deve conter "os pressupostos de conduta e de personalidade que justificam a aplicação de medida tutelar".
Ora, consultando a exposição de motivos da Lei Tutelar Educativa, que pode ver-se no Diário da Assembleia da República, II Série A, n.º 54, de 17 de Abril de 1999, incluída na proposta de lei n.º 266/VII, deparamos, no seu ponto 16, que é o princípio da verdade material que preside toda a questão da prova, referindo tal exposição de motivos que não deve confundir-se verdade material com verdade ontológica, ela (a verdade) há-de ser uma verdade judicial, prática e processualmente válida, no sentido que lhe é reconhecido pelo direito processual penal, dizendo, de seguida, que as particularidades que se introduzem visam acautelar a intangibilidade das provas e defender o interesse do menor.
Ligado ao princípio da obtenção da verdade material, continua a exposição de motivos imediatamente supra referida, encontra-se o princípio da livre apreciação da prova. Não se confundindo este princípio com uma apreciação arbitrária e puramente subjectiva, o tribunal deve fundamentar a formação da convicção de molde a legitimar a decisão e a torná-la susceptível de controlo.
Aos meios de obtenção da prova previstos no processo penal adita-se o relatório social, dizendo tal exposição de motivos que esta especialidade justifica-se pela natureza da prova - compreendendo, simultaneamente, o facto e a personalidade - e pela conveniência em não se dispersarem as fontes e em as rodear da necessária discrição. E mais não diz a referida exposição de motivos.
Ora, as normas da Lei Tutelar Educativa referidas são claramente inconstitucionais por violarem, de forma manifesta, um dos princípios fundamentais do direito penal, o princípio do direito penal do facto.
A vigência constitucional do princípio do direito penal do facto pode depreender-se dos artigos 25.º, 27.º, 29.º e, sobretudo, dos artigos 1.º, 2.º e 13.º, 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pois em todos eles está patente a conexão entre pena e crime, entre pena e facto e não entre pena e agente.
Portugal, como Estado de direito democrático, tem um direito penal fundado na protecção dos bens jurídicos fundamentais, partindo do facto danoso em direcção ao seu autor, em que a punibilidade está ligada à prática do facto descrito num tipo legal e a sanção é representada como resposta ao facto concreto e não à formação da personalidade global do autor ou aos perigos que se podem esperar dele no futuro.
Como refere Figueiredo Dias, se há princípio hoje indiscutivelmente aceite em matéria de dogmática jurídico-penal e de construção do conceito de crime, esse é o de que todo o direito penal é direito penal do facto, não direito penal do agente.
Este princípio, hoje pacífico, foi posto em causa pela grande máquina nazi, que Hitler minuciosamente montou com o único desígnio de se servir a si próprio.
Assim, nos anos 30 do século passado, tal princípio foi posto em causa, sendo manifestamente subvertido por certas doutrinas a soldo de políticos totalitários, em que, com carácter científico, trataram de obnubilar este princípio ou tentar que fosse integrado pelos chamados tipos de agente, em que não seria o facto a ser punido mas o "homicida", o "ladrão" ou o "burlão", aos quais passariam a ser dirigidos a criminalização e a sanção.

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0027 | II Série A - Número 002 | 18 de Setembro de 2004

 

A história, mais do que qualquer análise teórica, encarregou-se de pôr bem claro para onde nos levaria a adopção de tais teorias.
É, pois, com enorme perplexidade que nos vemos confrontados com uma lei, em vigor, que refere expressamente que a inquirição sobre os factos relativos à personalidade e ao carácter do menor, bem como às suas condições pessoais e conduta anterior, é permitida para a prova do facto!
Como escreve Claus Roxin, existe um direito penal baseado no modelo do direito penal do agente quando aos pressupostos da cominação da pena pertence algo mais e algo diferente do que o "se" e o "como" de uma acção individual e onde isso se deve procurar na qualidade humana do agente, onde a pena vale para o autor e a responsabilidade criminal gira em torno da caracterização do delinquente como inimigo do direito e o facto funciona somente como condição da sua punibilidade. Em suma, onde a pena se liga à personalidade e à associabilidade ou anti-sociabilidade do autor que decide de modo relevante acerca do "se" e do "como" da pena.
Destarte, tanto teorias como a de tipo normativo de agente ou concepções coevas como a da culpa referida à personalidade ou da culpa na formação da personalidade, em que se sustenta a punição autónoma de modos de vida, tendências e inclinações que estão para além da culpa expressa no facto, conduzirão a um alargamento das malhas da punibilidade absolutamente incompatível com a regra do Estado de direito democrático, pelo facto de se fazerem radicar num quadro de um direito penal do agente.
Estas teorias que se baseiam no princípio do direito penal do agente só podem ser aceites num quadro em que o princípio do direito penal do facto seja um limite intransponível, isto é, quando apenas servirem como instrumentos operatórios de fundamentação e de delimitação da culpa em direito penal e não de extensão da punibilidade para além das fronteiras do facto.
É isto, aliás, que acontece no Código de Processo Penal actualmente vigente na nossa sociedade e que, segundo o artigo 128.º, n.º 1 da Lei Tutelar Educativa e respectiva exposição de motivos, é o modelo orientador e é direito subsidiário da Lei Tutelar Educativa.
O Código do Processo Penal (CPP) estabelece claramente que o contributo que tais teorias baseadas no modelo do direito penal do agente aportam para a dogmática jurídico-penal, se confina estritamente na fundamentação e na delimitação da culpa, no sentido de serem critérios para aferir a medida da pena e nunca para aferir a questão da culpabilidade. Refere o artigo 369.º do CPP que, se depois das votações que o artigo 368.º do CPP ordena, resultar que deve ser aplicada uma pena ao arguido, o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social para determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar.
Assim, o CPP divide claramente a fase do julgamento em dois tempos distintos: o da questão da culpabilidade - artigo 368.º - ; e o da questão da determinação da sanção - artigo 369.º -, consagrando o CPP o princípio da cisão ou da césure, que tem como finalidade salvaguardar a imparcialidade do julgador, acautelando o risco de ele decidir condenar o arguido mais com base na personalidade, no carácter, nas condições sociais, nos antecedentes criminais e policiais do mesmo do que com base na prova realmente produzida em audiência e evitar, dessa forma, qualquer intromissão desnecessária na vida privada do arguido, no momento em que ele se presume inocente e em que não existe a certeza de qualquer condenação.
O Código de Processo Penal, como refere Figueiredo Dias, ao consagrar este sistema mitigado de cesure, permite aumentar a imparcialidade do julgamento face ao risco da interferência da personalidade, do carácter, condições sociais e antecedentes criminais do arguido na determinação da culpabilidade.
Também no direito penal substantivo se procurou demarcar claramente de todas as teorias que advogavam o princípio do direito penal do agente como base para aferir da culpabilidade do arguido, dado que o artigo 13.º do Código Penal, refere que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, representando este artigo o princípio nulla poena sine culpa, isto é, que toda a pena tem de ter como seu suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Assim, não foi aprovado o artigo 2.º do projecto inicial do Código Penal de 1963, que dizia "quem age sem culpa não é punível. A medida da pena não pode exceder essencialmente a da culpa do agente pelo seu facto ou pela sua personalidade criminalmente perigosa", porque se queria evitar a consagração expressa da culpa na formação da personalidade e não por rejeição do contributo dessa teoria para a fase da determinação da sanção mas só para esta fase, evitando-se, assim, quaisquer especulações

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doutrinárias sobre a vigência no nosso ordenamento jurídico-penal do princípio do direito penal do agente.
E, no entanto, eis que surge a Lei Tutelar Educativa a consagrar, sem peias, o princípio do direito penal do agente para os menores que praticaram factos qualificados pela lei como crime!
Não é só a doutrina que se manifesta contra qualquer tipo de vigência do princípio do direito penal do agente no nosso ordenamento jurídico. Também a jurisprudência se debruçou sobre o assunto de forma absolutamente assertiva e pacífica. A título de exemplo refere-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 1998, disponível em dgsi.pt, em que se diz que a ponderação de antecedentes criminais como factor de decisão da "questão da culpabilidade" constitui clara violação do princípio da presunção da inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e nas disposições conjugadas dos artigos 368.º e 369.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Com a vigência da Lei Tutelar Educativa pode-se concluir que, ao permitir que a informação e o relatório social sejam meios de obtenção de prova e que os factos relativos à personalidade e ao carácter do menor, assim como as suas condições pessoais e a sua conduta anterior sirvam para a prova do facto, o princípio da presunção de inocência do arguido, consubstanciado, em matéria de prova, no princípio in dubio pro reo, não existe para os menores!
Estamos, por isso, perante uma lei que permite ao Estado, através do seu aparelho coactivo, restringir direitos fundamentais de uma pessoa, sendo que essa pessoa pode, em caso de dúvida sobre se cometeu ou não certo facto, ser condenada porque, por exemplo, falta às aulas, reprovou vários anos lectivos, consome drogas ou tem um historial de violência para com os seus colegas, permitindo tais factos dilucidar a eventual dúvida que surja acerca do cometimento ou não do facto qualificado pela lei como crime!
É, pois, imperioso expurgar as normas supracitadas da Lei Tutelar Educativa do nosso ordenamento jurídico por serem claramente inconstitucionais e por envergonharem qualquer pessoa com sentido de justiça. A vigência da Lei Tutelar Educativa dá ao aplicador do direito uma tal margem de discricionariedade que não pode, de forma alguma, ser admissível, pois a existência do princípio da livre apreciação da prova, que também confere algum grau de discricionariedade ao aplicador do direito, é limitado pela fundamentação em sede de sentença para poder ser sindicável em sede de recurso. Ora, quando se trata de um menor, o aplicador do direito pode, legitimamente, com base nesta lei, fundamentar a condenação ou absolvição do menor, dizendo simplesmente que o menor provém de uma família desestruturada, que falta às aulas ou que não está integrado na sociedade, condenando-o apesar de ainda poderem subsistir dúvidas sobre o cometimento do facto, com o argumento, insindicável, de o menor carecer de ser educado para o direito, enquanto, também pode suceder que, o aplicador do direito se veja confrontado perante uma situação de dúvida acerca do cometimento do facto pelo menor, mas esse menor provém de uma família perfeitamente integrada e tem um razoável comportamento escolar, decidindo, também de forma absolutamente insindicável, que o menor não carece de ser educado para o direito, absolvendo-o.
Com este exemplo perfeitamente possível é manifesto que esta lei permite que existam discriminações com base na classe social, instrução, situação económica ou condição social, violando claramente o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
É certo que a Lei Tutelar Educativa se dirige aos menores e que tem por intuito a educação para o direito de menores carenciados dessa mesma educação, mas ao permitir que a personalidade do menor interfira logo na determinação da questão da culpabilidade e não simplesmente a jusante, na questão da determinação da medida da pena, pode provocar injustiças que muitos dos impulsionadores da actual dogmática jurídico-penal previram e que tentaram evitar a todo o custo, com um sistema a que alguns chamam hipergarantístico, dado que mais vale um Estado que não condena porque não tem a certeza sobre quem cometeu determinado facto lesivo da ordem social instituída, do que um Estado que condena somente para essa condenação funcionar como lenitivo, aplacando a ira eventual de alguma pressão dominante.
Nestes termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Altera a Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro.

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Os artigos 66.º, 71.º, 90.º e 94.º da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 66.º
(…)

1 - (…)
2 - (revogado)
3 - (…)
4 - (…)

Artigo 71.º
(…)

1 - (revogado)
2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)

Artigo 90.º
(…)

O requerimento para abertura da fase jurisdicional contém:

a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (revogado)
e) (…)
f) (…)
g) (…)

Artigo 94.º
(…)

1 - (…)
2 - (…)
3 - O despacho que designa dia para a audiência preliminar contém:

a) (…)
b) (revogado)
c) (…)
d) (…)
e) (…)

4 - (…)
5 - (…)
6 - (…)"

Artigo 2.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 487/IX
INSTITUI UM NOVO REGIME PARA A REMIÇÃO DE PENSÕES RESULTANTES DE ACIDENTES DE TRABALHO

Exposição de motivos

As remições de pensões resultantes de acidentes de trabalho são, hoje em dia, um motivo de discórdia na sociedade portuguesa.
O regime vigente resulta da imposição dos argumentos das entidades seguradoras que os viram, por isso, plasmados na lei. Os trabalhadores vêem-se, assim, na contingência de ter de receber, em certos casos, de uma só vez o que, normalmente, receberiam de forma faseada, ao longo da sua vida.
Vozes autorizadas e descomprometidas, tais como o Provedor de Justiça, Dr. Nascimento Rodrigues, são os primeiros a realçar "a natureza, essencialmente social, dos direitos dos pensionistas aqui em causa, associada ao facto do novo regime jurídico sobre acidentes de trabalho ter acolhido, inegavelmente, nesta matéria, uma pretensão há muito reivindicada pala globalidade das companhias de seguros. Com efeito, admitindo a remição de pensões de valor exíguo, nos termos em que foi consagrada, o legislador contribuiu para a redução, considerável, dos encargos correntes das seguradoras".
Como é sabido, o regime ora em vigor estatui a obrigatoriedade da remição de pensões para as incapacidades permanentes inferiores a 30% e para as pensões de reduzido montante. Ou seja, na prática o legislador de 1999, usando o argumento de querer beneficiar o sinistrado, acabou por beneficiar apenas as companhias seguradoras.
Isto porque, se se queria beneficiar os sinistrados e, por acréscimo, aportar algumas vantagens para a logística natural de uma companhia de seguros, lógico seria a adopção de um regime em que se possibilitasse a remição das pensões de baixo valor, como escolha do sinistrado, o que, subsequentemente, levaria as companhias de seguros a criar condições mais benéficas que as previstas no regime geral, para, assim, levar o sinistrado a optar pela remição da pensão, processo este que se traduziria, seguramente, em ganhos para ambas as partes envolvidas.
Outra das razões que avultam para que se modifique o actual regime prende-se com questões de índole constitucional. O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99, através da pena dos Conselheiros Bravo Serra, Guilherme da Fonseca, Paulo Mota Pinto e Luís Nunes de Almeida, decidiu declarar inconstitucional a norma constante do artigo 64.º, n.º 2, do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 459/79, de 23 de Novembro, em conjugação com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, na parte em que veda, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis, a remição das pensões correspondentes a desvalorizações iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%, desde que o seu valor não exceda o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 20% sobre o salário mínimo nacional.
Decidiu desta forma o Tribunal Constitucional por considerar que tal disposição violava os artigos 13.º, n.º 1, 59.º, n.º 1, alínea f), e 63.º, n.º 3, alcandorando-se no argumento que uma limitação deste tipo restringe o "poder do trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo da pensão, se não revelaria mais compensador a efectivação da remição, isso redunda, verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social proteja adequadamente os trabalhadores em situações de diminuição de capacidade para o trabalho e do direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional".
O acórdão citado refere outrossim que "o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor. E, por isso, compreende-se que se tal perda não for por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou doença profissional não implicou a futura continuação do desempenho do labor por parte do trabalhador, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (…), possa ser "transformada em capital" a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma "renda" anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja".
Ora, os argumentos aduzidos por este douto aresto podem, mutatis mutandis, ser utilizados para qualificar as disposições que obrigam o trabalhador a receber de uma só vez o que, de outra forma, receberiam faseadamente, como violadores da nossa Lei fundamental.

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Da decisão citada podemos concluir que a disposição em causa foi considerada inconstitucional, primacialmente, por restringir o direito de opção do sinistrado, restrição essa que, ainda segundo o aresto citado, atenta contra os direitos dos trabalhadores constitucionalmente garantidos.
Por outro lado, não se poderá invocar a existência, tanto no anterior regime como no actual, de disposições que restringem o direito de opção do sinistrado, mas em sentido contrário, ou seja, de disposições que impedem que o sinistrado receba uma indemnização de capital quando lhe foi atribuída uma pensão com base numa incapacidade parcial permanente superior a 30%. A razão justificativa é a de, neste aspecto, ter de se dar prevalência ao interesse preponderante.
Foi neste sentido que decidiu o Acórdão a que temos vindo a fazer referência, pois "outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho".
A aplicação de um capital comporta riscos, em virtude da álea natural inerente, o que, quando estamos perante situações em que se presume, dado o grau de incapacidade atribuído ao trabalhador, estar em risco a subsistência do trabalhador, a lei obriga a que a reparação a que o trabalhador tem direito seja efectuada através de uma pensão paga mensalmente, não autorizando, por isso, a remição das respectivas pensões, estabelecendo, por isso, uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.
Com o regime actual, o que a lei presume, sem que nada concorra para tal presunção, é que os trabalhadores a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% e, consequentemente, uma pensão de reduzido valor, mantêm uma capacidade de ganho que lhes permita subsistir sem o pagamento mensal da pensão que lhes foi atribuída e que o capital que lhes foi concedido será bem aplicado, prejudicando esta lei, portanto, o direito de opção do trabalhador, e trata de forma diferente o que, na prática, são situações idênticas, o que, seguindo o raciocínio dos preclaros Juízes Conselheiros no Acórdão citado, equivale a uma "discriminação materialmente infundada".
O regime actual, apesar de reger uma matéria eminentemente social, só tem vantagens para as companhias de seguros, reservando para os sinistrados um papel aquiescente e resignado, quando, muitas vezes, os sinistrados prefeririam apenas, como refere António Couto, sinistrado do trabalho, ao Jornal Público de 28 de Janeiro de 2004, "receber aquele pouquinho todos os meses (…)"
Nestes termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma substitui o regime de remição obrigatória das pensões resultantes de acidentes de trabalho, passando o sinistrado a decidir da remição das pensões quando estas forem de reduzido montante ou quando a incapacidade para o trabalho atribuída pelo Tribunal seja inferior a 30%.

Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro

Os artigos 17.º e 33.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 17.º
(…)

1 - (…)

a) (…)
b) (…)

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c) (…)
d) Na incapacidade permanente parcial inferior a 30%: pensão anual e vitalícia ou capital de remição da pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados;
e) (…)
f) (…)

2 - (…)
3 - (…)
4 - (…)
5 - (…)

Artigo 33.º
(…)

1 - As pensões vitalícias de reduzido montante e as previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º podem ser remidas, nos termos que vierem a ser regulamentados.
2 - (…)"

Artigo 3.º
Alteração à Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

O artigo 56.º da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 56.º
(…)

1 - Podem, a requerimento dos pensionistas, ser remidas as pensões anuais:

a) (…)
b) (…)

2 - Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas e com autorização do tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitam os seguintes limites:

a) (…)
b) (…)"

Artigo 4.º
Revogação do artigo 149.º do Código de Processo do Trabalho

É revogado o artigo 149.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.

Artigo 5.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 488/IX
DESPENALIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ

Exposição de motivos

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As condicionantes legais e formais:
A interrupção voluntária da gravidez (IGV) tem sido objecto de diversos debates nos últimos anos, quase sempre suscitados em torno dos diversos julgamentos de mulheres acusadas da prática de crimes de aborto. Maia, Aveiro, Setúbal, são algumas das cidades que assistiram nos últimos dois anos aquilo que os movimentos anti-escolha diziam em 1998 ser impossível - as mulheres em tribunal pela prática de aborto.
Antes de 1998 a IVG havia sido também objecto de debate ao longo de vários meses na Assembleia da República, na qual foi aprovado, na generalidade, um projecto de lei que substituía a Lei n.º 4/84. Subitamente, o processo legislativo foi interrompido, dando lugar à decisão de realizar um referendo sobre a sua matéria substantiva, referendo esse que rejeitou por escassa margem o princípio constitutivo dessa lei mas que, como foi oficialmente estabelecido, não logrou efeito vinculativo devido ao facto de apenas um total de 31,9% dos eleitores se terem pronunciado.
Algumas forças políticas sustentam a ideia de que após este referendo não haveria a possibilidade de retomar uma iniciativa legislativa nesta área durante um período indefinido. Especularam outras forças políticas acerca da necessidade de um período de "nojo" para alterar a Lei n.º 4/84. Ora, a Assembleia da República teria durante a legislatura anterior, e tem a todo o momento, a legitimidade formal e substancial para legislar sobre a matéria, nomeadamente atendendo a que esse referendo não teve consequência legal, e porque a legislatura seguinte deixa de estar vinculada ao resultado do referendo, mesmo que esse tivesse obtido maioria deliberativa, o que nem sequer aconteceu. Além disso, a maioria chumbou recentemente uma proposta de iniciativa popular, que reuniu 121 151 assinaturas de cidadãs e cidadãos, para realização de um referendo sobre esta mesma matéria. A Assembleia da República tem, pois, toda a legitimidade constitucional para retomar este debate.
As razões substanciais para alterar a actual legislação portuguesa:
Na opinião dos proponentes deste projecto é preciso alterar a lei actual. A correcção da violência que constitui o actual quadro legal é um imperativo de democracia: o aborto clandestino e inseguro constitui uma violência sobre as mulheres, e essa situação é agravada pela ameaça ou pela efectiva penalização criminal das mulheres que abortam, como ficou patente no julgamento da Maia, em que 17 mulheres foram submetidas a um julgamento pela acusação de terem praticado aborto clandestino e nos julgamentos que se seguiram em Aveiro (sete mulheres) e em Setúbal (três mulheres).
No estudo dos investigadores Henrique Barros, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e Teresa Correia, da Escola de Enfermagem do Instituto Politécnico de Bragança, e realizado nas escolas secundárias das capitais de distrito (excepto Leiria e Guarda) e que envolveu perto de 7000 adolescentes, demonstra uma realidade chocante. De acordo com esse estudo, uma em cada 200 jovens portuguesas entre os 15 e os 19 anos já abortou, e esse número torna-se ainda mais significativo no caso das jovens com 19 anos, em que uma em cada 50 admite já ter realizado um aborto.
Segundo as conclusões do fórum organizado pela Plataforma Direito de Optar, realizado em 28 de Junho de 1999, estima-se que apenas 1 a 2% dos abortos realizados em Portugal são feitos ao abrigo da actual legislação, pelo que a margem de insegurança e ilegalidade em que se enquadram 98% dos casos de aborto não pode deixar de pesar sobre a premência de alterar a Lei n.º 4/84. No mesmo fórum foi constatada a situação de cerca de 9000 mulheres portuguesas terem abortado em clínicas espanholas nos últimos seis anos. Outros estudos posteriores indicam que a incidência de aborto clandestino entre as mulheres portuguesas, e particularmente entre as adolescentes, é extremamente alargada e constitui, portanto, um problema de primeira grandeza.
Constata-se igualmente que muitas mulheres portuguesas viajam até ao país mais próximo, cuja legislação tem algumas semelhanças com a nossa, mas onde há uma interpretação tolerante e aberta que permite a decisão da mulher, para aí procederem à interrupção voluntária da gravidez. Em Espanha, de acordo com o Ministério da Saúde espanhol, as interrupções voluntárias da gravidez legais, passaram de 45 503 em 1993, para 77 125, em 2002. A 13 de Janeiro de 2002 publicava o Diário de Notícias um artigo que fazia um levantamento da situação do aborto clandestino realizado em Espanha por portuguesas: "O número é astronómico e excede todas as expectativas. O DN pode garantir que são milhares as portuguesas que anualmente vão abortar a Espanha. Em contacto telefónico com apenas 19 das cerca de 60 clínicas privadas que praticam a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) contabilizámos 3200 mulheres que se deslocam todos os anos ao país vizinho, fugindo à rigidez da nossa lei. Se fosse possível

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obter dados de todos os centros privados que fazem 98% dos abortos no país vizinho, o valor subiria muitíssimo. Até porque, admite ao DN Eva Rodriguez, presidente da ACAI, associação que engloba metade destas clínicas privadas, os números fornecidos "são todos abaixo do real, pela grande competitividade económica". Confessa que se a lei portuguesa mudasse "seria desastroso". Os abortos mais baratos custam 300 e os mais caros 1500 euros (60 a 300 contos), o que dá a ideia da rentabilidade do negócio. A "migração" ibérica começou a sério há uns cinco anos, mas desde 1999 triplicou o número de portuguesas atendidas por nuestros hermanos. (...) Basta ir à Internet para obter informações em português, com preços e hotéis, ou consultar os poucos jornais portugueses que aceitam esta publicidade. (...) Abortar em Espanha? Os políticos portugueses preferem adoptar a táctica da avestruz (...)" A resposta para estes números podemos encontrá-la no mesmo jornal: "Abortar em Portugal não é fácil. Até mesmo pela via legal. Se há hospitais que resolvem o problema em duas ou três semanas, outros levam um mês e mais. As razões são várias: poucas reuniões das comissões de certificação, que têm de autorizar a interrupção, falta de meios, objecção de consciência dos clínicos ou desconhecimento de como devem encaminhar o processo. Estas situações acabam por prejudicar a mulher que legalmente tem direito a abortar, mas cuja burocracia e prazos e inviabilizam o aborto".
Contudo, não podemos ignorar que a maioria das mulheres portuguesas não tem recursos, nem conhecimentos para se deslocarem a Espanha e recorrem a qualquer tipo de solução que lhes afigure como viável. No mesmo DN podemos ler: "O aborto é uma realidade que atravessa toda a sociedade. Mas enquanto que as mulheres socialmente mais favorecidas encontram alternativas, as provenientes de estratos económicos mais baixos são muitas vezes obrigadas a entrar nos circuitos clandestinos quando desejam interromper uma gravidez. Mas que dimensão tem esta realidade? Um estudo da Associação para o Planeamento da Família (APF) em oito bairros sociais das Áreas Metropolitanas do Porto e Lisboa - entre os quais estão Aldoar, Rio Tinto, Chelas, Casal de Cambra e Cruz de Pau - revelou números muito problemáticos. Um inquérito realizado junto de uma amostra dos habitantes (constituída por cerca de mais de 410 pessoas) aponta que 30% das mulheres (ou companheiras dos inquiridos) já tinham realizado uma Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). A grande maioria dessas mulheres apenas tinha feito um aborto, mas 18% tinha feito dois e 12% três ou mais IVG. Importante é também o facto de uma em cada cinco mulheres dos bairros sociais que admitiram ter efectuado um aborto disse ainda ter sofrido complicações em sequência dessa intervenção. Recorde-se que a IVG é a segunda causa de morte materna em todo o mundo e a primeira em mães adolescentes.
De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, 11 089 mulheres recorreram aos hospitais em 2002 com problemas derivados de interrupção da gravidez, das quais cinco morreram.
A estimativa da Associação Portuguesa de Planeamento Familiar aponta para previsões entre os 20 a 40 000 casos de aborto clandestino em Portugal, por ano.
São razões suficientes para se considerar que, na sociedade portuguesa, a consciência acerca da desadequação da legislação em vigor se tem vindo a reforçar.
Uma questão europeia essencial:
A penalização do aborto priva as mulheres de exercerem na sua plenitude os seus direitos sexuais e reprodutivos e é, só por isso, uma questão política. A Carta dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, da Federação Internacional de Planeamento Familiar, afirma, no seu ponto 4, que "todas as mulheres têm o direito de efectuar escolhas autónomas em matéria de reprodução, incluindo as opções relacionadas com o aborto seguro". A Plataforma de Acção de Pequim, aprovada pelo Estado português, declara, no seu ponto 96, que "os direitos humanos das mulheres incluem o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva e de decidir livre e responsavelmente sobre essas questões, sem coacção, discriminação ou violência". Os depoimentos que chegam através de linhas de atendimento a mulheres, sobre situações vividas perante uma gravidez que tiveram que interromper, mostram até que ponto se exerce todos os dias uma tal violência.
Sabemos também que o direito de escolher uma maternidade ou paternidade conscientes é limitado muitas vezes por condições sociais graves - problemas de habitação, discriminação do emprego com ameaça de desemprego por causa de gravidez e incapacidade económica de criar uma criança em ambiente de dignidade que lhe permita desenvolver o seu potencial humano. O facto da maternidade permanecer a principal causa de discriminação no emprego não é alheio à escolha que muitas mulheres são obrigadas a fazer, sendo nesse contexto

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sócio-económicos e a escolha entre o aborto e uma gravidez evolutiva é complexa. Interromper uma gravidez não é apenas opção das mulheres com menores hipóteses económicas. Faz parte de um direito de opção que não pode ser negado.
Nesse sentido, a Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Oportunidades do Parlamento Europeu apreciou e aprovou o projecto de relatório que recomenda a legalização do aborto em todos os Estados-membros da União Europeia, o qual posteriormente foi aprovado pelo Parlamento Europeu - Resolução publicada no JO C 271 E/369, de 12 de Novembro de 2003.
A Resolução do Parlamento Europeu considera, nomeadamente, que "as mulheres e os homens devem ter a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, informadas e responsáveis, no que toca à sua saúde sexual e reprodutiva e aos seus direitos, sem perder de vista a importância da saúde dos outros, e dispor dos meios e das possibilidades para o fazerem, (...) que foram efectuados estudos que apontam para um menor número de abortos nos Estados-membros que combinam uma legislação liberal em matéria de interrupção da gravidez com uma educação sexual eficaz, a existência de serviços de planeamento familiar de alta qualidade e de um vasto leque de meios contraceptivos; que os abortos praticados sem condições de segurança representam um sério risco para a saúde física e mental das mulheres, (...) sublinha que o aborto não deve ser fomentado como método de planeamento familiar" e a fim de salvaguardar a saúde reprodutiva e os direitos das mulheres, a interrupção voluntária da gravidez seja legal, segura e universalmente acessível".
O Parlamento Europeu recomenda assim "um processo de aprendizagem mútua, baseado em comparações de dados relativamente à saúde sexual e reprodutiva e na partilha de experiências positivas e de boas práticas existentes nas políticas e nos programas de saúde sexual e reprodutiva dos Estados-membros e dos países candidatos à adesão".
A resolução refere ainda que o Parlamento Europeu na sua resolução sobre o estado de saúde das mulheres na Comunidade Europeia "reconheceu que as condições nas quais as mulheres podem desfrutar de saúde sexual e reprodutiva variam significativamente de país para país. A resolução apelava aos Estados-membros para legalizarem a prática do aborto provocado em certas condições, pelo menos em casos de gravidez forçada, violação ou de perigo para vida ou a saúde da mulher, com base no princípio segundo o qual tem de ser a mulher, ela própria, a tomar a decisão final. A resolução apelava também aos Estados-membros para que os abortos voluntários fossem realizados em condições de segurança médica e fosse prestado à mulher um apoio de carácter psicológico e social".
Ainda ao nível da EU em 2003 o Parlamento Europeu aprovou o Relatório Anual sobre os Direitos do Homem no mundo em 2003 e a política da União Europeia em matéria de direitos humanos [2003/2005 (INI)], no qual podemos ler:
"O acesso à prestação de cuidados em matéria de saúde reprodutiva abrange todos os tipos de serviço ligados ao ciclo sexual e reprodutivo, incluindo serviços médicos, educacionais, nutricionais, e de aconselhamento para um consentimento informado. Provou-se que a falta de um dos componentes tem repercussões imediatas sobre a qualidade e a esperança de vida no país em causa.
As consequências da denegação do direito humano de acesso à saúde reprodutiva são as seguintes:
- A cada minuto, uma mulher morre vítima de causas ligadas à gravidez e 13 outras sofrem complicações graves;
- Por ano ocorrem cerca de 200 000 mortes maternas em resultado da inexistência ou insuficiência de serviços de contracepção (pelo menos 75 milhões dos 175 milhões de gravidezes anuais não são desejadas, redundando em 45 milhões de abortos e 30 milhões de partos de nados-vivos);
- Por minuto fazem-se aproximadamente 100 abortos, dos quais 40 praticados em condições de risco, por pessoas sem formação médica. Em cada ano morrem 70 000 mulheres devido a abortos praticados sem as devidas condições de segurança.".
O Programa de Acção da ICPD (International Conference on Population and Development), da ONU, declara: "Em caso algum deve o aborto ser promovido como método de planeamento familiar. Todos os governos, bem como as organizações intergovernamentais e não governamentais de maior relevância, são instadas a reforçar o seu compromisso com a defesa da saúde das mulheres, a lidar com o impacto do aborto de risco enquanto problema central da saúde pública e a reduzir o recurso ao aborto através de serviços de planeamento familiar alargados e melhorados. (...) As mulheres que tenham uma gravidez não desejada devem ter acesso imediato a uma informação de confiança e a um aconselhamento compassivo. (...) Nos casos em

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que o aborto não seja ilegal a interrupção voluntária da gravidez deve ser realizada de forma segura. Em qualquer dos casos, as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade para o tratamento das complicações que podem advir da realização de um aborto".
Também a plataforma de acção da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres (atrás citada) declara que os governos devem "ponderar a revisão das leis que contêm medidas de carácter punitivo contra as mulheres que tenham realizado abortos clandestinos".
As modificações científicas e a jurisprudência:
Os avanços no campo da ciência reflectem-se também nesta livre opção, quando em muitos países europeus se comercializa a pílula abortiva (RU) e já em Portugal se encontra à venda a chamada contracepção de emergência ou "pílula do dia seguinte", que passou a ser distribuída gratuitamente nos centros de saúde nos termos de legislação aprovada na legislatura anterior.
A contradição entre estes avanços e o quadro legislativo vigente no que diz respeito à IVG coloca Portugal como o país mais atrasado da Europa nesta questão, à excepção da Irlanda. No entanto, ainda assim se regista um avanço simbolicamente significativo na Irlanda, onde em referendo foram rejeitadas as tentativas de impedir o direito a realizar uma IVG por parte de mulheres que tivessem sido violadas. A extrema violência desta proposta, que procurava impor a proibição absoluta de mulheres violadas e em risco de sobrevivência física ou psíquica de abortarem, mereceu uma resposta popular que constitui o primeiro sinal de mudança da legislação irlandesa. A vitória do não no referendo abre uma via para o aborto legal na Irlanda. Tem que ser encarada como um sinal extremamente positivo atendendo a todo o circunstancialismo social, cultural, religioso e político da Irlanda, onde a proibição do aborto obriga anualmente cerca de 7000 mulheres irlandesas a deslocarem-se até Londres para abortar, de acordo com os dados publicados no jornal Público (3 de Março de 2002).
Também é de registar outra alteração fundamental no panorama europeu, que decorre da aprovação, através de um referendo, da despenalização do aborto na Suiça, registando-se 72% de votos favoráveis à despenalização. A Suécia vai estender a interrupção da gravidez a estrangeiras não residentes.
A Itália aceita as condições económicas e sociais como motivo para recorrer à IVG até aos 90 dias. A Holanda aceita o aborto a pedido da mulher até às 24 semanas, sendo um dos países com menor índice de abortos.
O julgamento da Maia e o debate político e jurídico em Portugal:
O julgamento da Maia resumiu todas as dificuldades dramáticas suscitadas pela legislação actual. É, no entanto, de assinalar que não houve nenhuma voz que se tivesse levantado para pedir a condenação e a prisão dessas 17 mulheres, e que mesmo os que mais se destacaram na campanha contra a alteração da legislação optaram por aceitar o princípio da absolvição - e, portanto, por aceitar a inaplicabilidade da lei, cuja manutenção, no entanto, ainda defendem.
Como refere o Procurador da República, nas alegações de recurso, "Este processo veio demonstrar que o aborto clandestino existe. Existe e vai continuar a existir enquanto se mantiver o actual estado de coisas". "Para uns, o julgamento a decorrer no tribunal da Maia vem recolocar dramaticamente no primeiro plano, perante o país e perante os nossos representantes eleitos o drama do aborto clandestino" (Maia Costa, Público, de 6 de Novembro de 2001). Para outros, a actual lei de criminalização do aborto é "injusta socialmente. É uma lei que aos ricos não afecta porque podem ir fora do País e fazer o aborto" (Paula Regi, Público, idem) (...). Curiosamente, ou talvez não, só em casos muito raros os tribunais têm sido chamados a julgar aquele tipo de crime. As causas para o aborto evidenciam os autos são várias: porque as mulheres já tinham filhos; porque eram novas; porque foram abandonadas pelo respectivo companheiro; porque não tinham condições para o criar; ou porque, pura e simplesmente, não queriam. Neste caso, ora em apreciação, evidencia-se uma grande inadequação da lei à realidade (...) As mulheres que foram julgadas no processo viram-se confrontadas com uma verdadeira situação de conflito, foram deixadas à sua sorte e tiveram de tomar uma decisão solitária e, seguramente pouco informada".
Durão Barroso confessou-se então "pessoalmente dividido" quanto à questão da interrupção voluntária da gravidez. Contudo, afirmou que "seria incapaz de condenar uma mulher que optasse por esse caminho". Adiantou ainda que esta "é uma questão de consciência do foro íntimo de cada um" e que os partidos e o Estado não são donos da consciência das pessoas" (DN, de 19 de Janeiro de 2002).
Muitas outras instituições e personalidades tomaram posição sobre este caso. O sindicato dos trabalhadores da saúde demonstrou a sua indignação e considerou que "a lei é hipócrita e penalizadora das mulheres" (Expresso, de 18 de Janeiro de 2002). Mariano Gago, Deputado

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do PS, Ministro da Ciência e da Tecnologia na época do julgamento, afirmou: "Este é um factor de atraso do país" (Expresso, de 18 de Janeiro de 2002).
Jaime Ramos, médico e ex-Deputado do PSD, lamentou que a legislação portuguesa impeça as mulheres portuguesas de "recorrer com segurança" à IVG, e advertiu que a actual situação implica "riscos intoleráveis" para as mulheres portuguesas, em particular "as de condição mais humilde, que podem ser apanhadas pela justiça e condenadas" (DN, de 18 de Janeiro de 2002). No mesmo sentido, Fernando Moreira de Sá, líder da Comissão Concelhia do CDS/PP da Maia, escreveu no O Primeiro de Janeiro: "A proibição e criminalização do aborto é uma das formas injustas de desigualdade social. Todos nós sabemos que as mulheres das classes sociais mais altas recorrem às clínicas privadas de Espanha para abortar, beneficiando de um sistema moderno de justiça e de cuidados de saúde necessários para a realização de tal acto clínico. Enquanto que as restantes mulheres portuguesas sujeitam-se a ir para a cadeia ou a sofrerem as consequências físicas e psicológicas de uma clandestinidade, em certos casos pagando com a própria vida, fruto de um sistema hipócrita vigente em Portugal. (...) Mas não entendo que em pleno ano de 2002 exista ainda um sistema jurídico que condene uma mulher, privando-a da sua liberdade, porque em circunstâncias difíceis e dolorosas teve que recorrer ao aborto".
Maria José Alves, médica e presidente da Associação de Planeamento Familiar, a propósito da sentença do julgamento da Maia, explicou que "as marcas não se apagam com sentenças suaves" e situações destas não podem acontecer "num país que se diz aberto e moderno" (19 de Janeiro de 2002, DN).
José Paulo Carvalho, dirigente do movimento Vida-Norte, considerou necessária "uma ampla e séria discussão" sobre o aborto, insistindo em que mantém uma "censura clara a este tipo de comportamento", mas assinalando que "a pena de prisão não é certamente a mais adequada" (DN, de 19 de Fevereiro de 2002). No mesmo sentido, Bagão Félix, dirigente do movimento Pró-Vida e actual Ministro da Finanças e da Administração Pública, disse sobre a questão "O que pensa do resultado do julgamento da Maia?" respondeu: "Acho que separa aquilo que devia ter sido separado logo no início do processo, ou seja, separa as 17 mulheres dos abortadores, da máquina iníqua que está por trás do fenómeno. É minha convicção que as mulheres que abortaram devem merecer o nosso respeito e que não lhes devemos apontar o dedo" (Público, de 19 de Janeiro de 2002).
Por outro lado, Maria Antónia Fiadeiro, jornalista, investigadora e mestre em estudos sobre as mulheres, em resposta à questão "Que consequências deve ter este julgamento no quadro legislativo e na acção social?" afirmou que "os diplomas devem voltar ao Parlamento e ser resolvidos o mais depressa possível. Deve haver informação generalizada que permita difusão ampla e desculpabilização para as pessoas recorrerem sem medos e sem obstáculos. Já se arrasta há muito tempo o impasse que é um produto da religião católica. Quem como eu é a favor da despenalização não quer impor nada, quer apenas o direito de opção que poupa o sofrimento e a dor que essa discussão envolve" (Público, de 19 de Janeiro de 2002).
É de destacar, no mesmo sentido, que o anterior Primeiro-Ministro, em debate durante a campanha eleitoral, veio declarar que, a haver um novo referendo, não recomendaria nem o "não" nem o "sim", de modo que o seu partido não tomaria posição na questão.
O julgamento da Maia provocou também um grande impacto nos meios de comunicação social internacionais. James Westhead, repórter da BBC, explicava o interesse internacional afirmando: "Para os ingleses é muito estranho que cá em Portugal as mulheres sejam consideradas criminosas por fazer um aborto" (DN, de 19 de Janeiro de 2002).
No mesmo sentido, e a 26 de Janeiro de 2002, escrevia Inês Pedrosa no Expresso: "Por que é que há, logo ali em Badajoz, uma clínica de tratamento voluntário da gravidez que se anuncia nos jornais portugueses e em Portugal, com uma lei igual à espanhola, estas clínicas são proibidas, empurrando as mulheres do povo (aquela silenciosa maioria que não tem posses ou apoio para se deslocar a Badajoz) para a mais cruel - e muitas vezes mortal - clandestinidade? A quem recorrerão agora as mulheres tristes e desesperadas, esmagadas pela miséria, pelo excesso de filhos, pela brutalidade dos maridos, que recorriam aos serviços da enfermeira-parteira Maria do Céu? Às agulhas de crochet? Ao veneno dos ratos?"
Numa entrevista concedida à BBC o Presidente da República, Jorge Sampaio, pronunciou-se a favor do regresso do tema do aborto à agenda política, tendo mesmo afirmado que a questão do aborto está a ser "camuflada" e que isso não pode acontecer porque é preciso alterar a actual lei.

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O grande impacto do Julgamento da Maia deve-se, sem dúvida, ao facto de ter ocorrido após uma campanha demagoga e desmobilizadora dos movimentos anti-escolha que afirmavam que as mulheres não eram condenadas pela prática do aborto.
De acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, desde 1998 até 2003, registaram-se em Portugal 30 julgamentos pela prática de crime de aborto. No mesmo período, de acordo com a mesma fonte, foi registada a ocorrência de 197 crimes contra a vida intra-uterina.
Muitos mais se sucederão certamente, face às buscas domiciliárias entretanto ocorridas em Algés, Alhos Vedros, Mem Martins e Lisboa.
Outro pormenor importante é a quantidade de meios técnicos e humanos que são disponibilizados para a investigação deste tipo de crimes - no processo de Aveiro foram utilizadas escutas telefónicas, foi montado um esquema de vigilância ao médico arguido durante vários meses, as mulheres foram sujeitas a devassadores exames ginecológicos para os quais não deram o seu consentimento, e que foram pedidos por órgãos policiais e não por magistrado, como exige a lei. No processo de Setúbal foi proferido despacho de não pronúncia pelo juiz de instrução, tendo o Ministério Público recorrido da decisão para a Relação de Évora e obtido decisão favorável, prosseguindo assim o processo para a fase de julgamento.
Esta utilização de meios para perseguir as mulheres implica que outros crimes que efectivamente põe em causa a vida em sociedade ficam por investigar pois os meios não são infinitos.
As implicações éticas e políticas da lei:
Ainda na Idade Média São Tomás de Aquino questionava "Caberá à lei humana proibir todos os vícios e preceituar todas as virtudes?" (Summa Theologiae) - e respondia negativamente. Ora, não será isso mesmo que se pretende fazer no século XXI com a questão do aborto? A lei deve, de facto, estabelecer o domínio das garantias da liberdade e da responsabilidade, e não deve procurar impor ou punir comportamentos que relevam da escolha pessoal, familiar ou social. Durante a sua intervenção na Conferência Europeia sobre Desafios Éticos no Atendimento da Pessoa com Deficiência Profunda, Frei Bento Domingues afirmou que "algumas questões da bio-ética acabam por exigir um enquadramento jurídico num Estado de direito, numa democracia, para se poder viver bem em conjunto em instituições justas. O que levanta a própria questão da invenção da democracia: que democracia queremos nós construir? É uma democracia cada vez mais exigente que o debate de questões éticas, de pronunciamentos éticos e de bio-ética - como, por exemplo, os referendos sobre o aborto ou a eutanásia (...) - podem vencer a tentação frequente de trocar o sentido de responsabilidade pela banalização, pela ética pimba. (...) A sociedade tem de sustentar-se em valores para os quais a razão instrumental e a tecnociência é cega. Sem os valores da autonomia, da solidariedade, e da compaixão, a vida é brutal, cruel".
Está na hora de quebrar com preconceitos morais persecutórios e de deixar de recorrer à invocação de um princípio religioso, a que Frei Bento Domingues chamou "o tapa buracos da ignorância humana", e é por isso tempo de procurar soluções efectivas e concretas. Não basta a indignação perante situações como as dos julgamentos de mulheres pelo facto de terem abortado, porque essas situações continuarão a existir enquanto a lei em vigor não for alterada.
Nesse sentido, atente-se, por exemplo, no acórdão do julgamento da Maia: "Relativamente aos crimes contra a vida intra-uterina por que vêm pronunciadas diversas arguidas e cuja punibilidade constitui o cerne da chamada problemática do aborto, considera-se útil, antes de proceder à subsunção jurídica das condutas apuradas, deixar consignado o esclarecimento, sobretudo necessário para quem não conhece bem os critérios de decisão e regras próprias do funcionamento dos tribunais, de que não se ignoram nem esquecem aspectos, tão polémicos quanto respeitáveis e importantes, que vão do filosófico, moral e religioso, passando pelo científico até ao social e político, e que confluem na discussão pública do problema. (...) Ao tribunal, como órgão de soberania independente, cabe, apenas, a função de administrar a justa solução do caso objecto do processo, jamais os meios ou critérios de a conseguir poderão ser outros que não a Constituição e a lei a que deve obediência, independentemente do julgamento que sobre as respectivas soluções jusnormativas qualquer cidadão é livre de fazer ou defender, democraticamente".
Outras opções foram entretanto defendidas, como a não punição das mulheres através do recurso ao estado de necessidade desculpante, contudo, esta opção não é uma verdadeira opção pois, do ponto de vista jurídico, o acto mantém a sua ilicitude, e, por outro lado, as mulheres continuarão a ser investigadas e julgadas, ficando dependentes de mais um juízo de valor acerca das suas opções.

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Por tudo isto, e na convicção de que uma sociedade que penaliza as mulheres de serem mães e também lhes impede a decisão de escolher ou não uma maternidade não é uma sociedade digna, o Bloco de Esquerda propõe uma novo enquadramento para a prática da IVG no Serviço Nacional de Saúde a pedido da mulher.
A lei actualmente existente não previne o aborto clandestino, antes acarreta para as mulheres que optam pela interrupção voluntária da gravidez não só danos físicos de abortos feitos em condições clandestinas e deficientes em termos de saúde, mas também danos psicológicos agravados pela criminalização do acto praticado.
É bem sabido que não há nenhuma contracepção totalmente eficaz e à prova de erros, e que por isso uma gravidez não desejada pode sempre ocorrer. Por outro lado, no campo das escolhas reprodutivas há factores afectivos e sociais bivalentes que tornam difícil o uso da contracepção.
Manter em vigor uma lei que arrasta as mulheres para as redes da clandestinidade e insegurança, marcando de forma dramática as de menores recursos económicos que se sujeitam a formas quase artesanais de intervenção, reflecte uma falta de sensibilidade social e uma forma desumana de enfrentar este grave problema social e de saúde pública.
Aliás, esta é uma ideia comum a Deputados de todos os grupos parlamentares. Recorde-se a tomada de posição de dirigentes do PSD e do PP, logo após a publicação pelo jornal Expresso das declarações do Bispo do Porto, favoráveis à não penalização das mulheres, e que imediatamente vieram público dizer que a penalização era um erro e que os seus partidos estavam abertos a alterar a lei. Logo de seguida a disciplina foi imposta e a evolução subjugada por um compromisso eleitoral. Não basta lamentar estas situações e remeter a sua solução para 2006, deixando que esta situação se arraste aumentando o número de vítimas.
O Primeiro-Ministro, Santana Lopes, afirmou no passado dia 1 de Setembro de 2004, à saída de uma reunião com o Presidente da República, que o debate sobre o aborto estará sempre em aberto, porque nem as leis nem os resultados dos referendos são definitivos: "Devemos fazer a avaliação do que foi o resultado da aplicação da lei em vigor, que é uma avaliação que deve ser feita em permanência, e irmos preparando um novo tempo, porque nem as sociedade são estáticas, nem as leis são estáticas, nem os referendos são estáticos".
De acordo com a TSF Online, em 1 de Setembro de 2004, "Santana Lopes admitiu ainda que a abertura do ano parlamentar permitirá uma discussão mais serena sobre a questão do aborto, evitando, no entanto, pronunciar-se sobre a lei em vigor que pune a interrupção voluntária da gravidez com penas que podem ir até aos 3 anos de prisão".
É neste contexto que o reconhecimento e o respeito do direito da mulher a decidir deve orientar a nova legislação: nesse sentido, o Bloco de Esquerda defende o direito das mulheres decidirem da sua maternidade, e este direito tem de ser levado às últimas consequências sem pôr em perigo a vida das mulheres.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Direito de optar

Todas as mulheres têm o direito de controlar os aspectos relacionados com a sua sexualidade, incluindo a sua saúde sexual e reprodutiva, e de decidir livre e responsavelmente sobre estas questões, sem coacção, discriminação ou violência.

Artigo 2.º
Exclusão de ilicitude do aborto

O artigo 142.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 142.º
(…)

1 - Não é punível o aborto efectuado por médico, ou sob a sua orientação, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, nas seguintes situações:

a) A pedido da mulher, nas primeiras 12 semanas de gravidez;

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b) No caso de existirem seguros motivos para crer que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas com consentimento da mulher;
c) Sempre que exista perigo de vida para a mulher grávida ou de grave e irreversível lesão para a sua saúde física e psíquica e for realizado com o seu consentimento até às 16 semanas de gravidez;
d) Sempre que existirem sérios indícios de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e for realizado, com consentimento da mulher grávida, nas primeiras 16 semanas, ou nas primeiras 24 semanas, no caso da vítima ser menor ou ser incapaz por anomalia psíquica;
e) Quando se trate de grávida toxicodependente, desde que realizado, com o seu consentimento, nas primeiras 16 semanas de gravidez;
f) No caso de mulheres grávidas portadoras de HIV (síndroma de imunodeficiência adquirida) ou afectadas por este vírus, até às 24 semanas, se for esse o consentimento da mulher;
g) No caso de fetos inviáveis, a interrupção de gravidez poderá ser feita em qualquer idade gestacional;
h) Constituir o único meio de remover o perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida.

2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)"

Artigo 3.º
Despenalização da conduta da mulher grávida

O artigo 140.º do Código Penal passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 140.º
(…)
1 - (...)
2 - (...)
3 - (eliminado)"

Artigo 4.º
Objecção de consciência

1 - Os profissionais de saúde têm o direito de invocar objecção de consciência nos casos de interrupção de gravidez e o dever de encaminhar as utentes para outros profissionais de saúde dispostos a prestar o serviço solicitado.
2 - Este direito não é contemplado em casos de emergência para a vida da grávida.
3 - A objecção de consciência é manifestada em documento assinado e fundamentado pelo objector e entregue no respectivo serviço de saúde.
4 - No caso de se provar que o profissional objector de consciência pratica, fora dos serviços de saúde, o acto para o qual fundamentou a sua objecção, será punido com pena de prisão até dois anos.

Artigo 5.º
Organização dos serviços de saúde

1 - Em cada estabelecimento público de saúde de âmbito distrital deve ser organizado um serviço onde se realiza a interrupção de gravidez, nos casos previstos no artigo 2.º, ponto 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h).
2 - Sempre que um estabelecimento de saúde público não disponha de condições para a prática da interrupção da gravidez deve encaminhar as solicitações para o estabelecimento de saúde mais próximo, em tempo útil, de forma a não colocar em causa os prazos previstos na lei.
3 - Sempre que se realizar uma interrupção de gravidez o serviço de saúde deve fazer o acompanhamento da utente, em termos de planeamento familiar.

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Artigo 6.º
Dever de sigilo

Os profissionais de saúde e restante pessoal dos estabelecimentos públicos ou convencionados em que se pratique interrupção de gravidez ficam vinculados ao dever de sigilo profissional relativamente a todos os actos, factos ou informações de que tenham conhecimento nas suas funções ou por causa delas relacionados com aquela prática, nos termos e nos efeitos do disposto nos artigos 195.º e 196.º do Código Penal, sem prejuízo das consequências estatutárias e disciplinares de infracção.

Artigo 7.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Assembleia da República, 17 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Ana Drago - Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE LEI N.º 489/IX
MEDIDAS PARA A PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO SEXUAL EM MEIO ESCOLAR

Exposição de motivos

Desde 1984 que a discussão sobre a premência da educação sexual em meio escolar tem sido uma constante nos debates parlamentares. Compreende-se que assim seja. Há 20 anos que existe legislação no nosso país sobre a educação sexual em contexto escolar e há 20 anos que as leis aprovadas pela Assembleia da República não são cumpridas. O resultado está à vista: Portugal é o país da União Europeia com maior número de adolescentes grávidas com menos de 17 anos, de infecção por HIV e de cancro no colo do útero.
Somos também o país da Europa em que os jovens se iniciam sexualmente mais precocemente, 15 anos, quase dois anos mais cedo do que na Holanda, país em que os jovens têm aulas de educação sexual desde o 1.º ano de escolaridade. O uso da pílula do dia seguinte terá crescido mais de 40% nos primeiros seis meses deste ano. Numa altura em que, por todo o continente europeu, diminuem drasticamente as doenças sexualmente transmissíveis, em Portugal sobem.
São números que deveriam envergonhar o Governo, inflectindo o caminho da progressiva menorização e indigência de meios a que tem votado a educação sexual em meio escolar. Refém de um acordo com o único partido que votou desfavoravelmente a legislação em vigor, o Governo tem vindo paulatinamente a sobrepor a sua visão ideológica aos interesses da informação científica e promoção da saúde sexual.
Há mais de um ano que o Ministério está a tratar os dados estatísticos do questionário que fez às escolas sobre a sua experiência neste campo. Um questionário entregue por via postal e ao qual apenas metade das escolas respondeu. Os dados que são conhecidos, contudo, alertam-nos para a dificuldade de aplicação da lei no terreno. 75,3% das escolas que responderam ao inquérito de 2002 consideram "não ter agentes educativos com formação adequada para promover a educação sexual". Depois das primeiras sessões de formação, aquando da entrada da lei em vigor, andou-se para trás.
O Programa de Promoção da Saúde que, em 2000, estava a ser aplicado por 667 escolas, e tinha como objectivo ser estendido a todas as restantes, está em "banho-maria". Este programa era importante, representando um passo certo na articulação entre a educação e a saúde através de equipas locais de apoio, educação e de saúde. Também aqui se retrocedeu nestes últimos dois anos e meio.
Um retrocesso que maioria tentou escamotear através da apresentação do projecto de resolução "Sobre as medidas de prevenção no âmbito da interrupção voluntária da gravidez", com o único objectivo de mostrar a sua preocupação e boa-fé no dia em que a Assembleia da República discutia - por pressão de uma petição com mais de 120 000 assinaturas - uma proposta para a convocação de um referendo sobre a descriminalização do aborto. A forma rocambolesca como a discussão dessa proposta veio a público, e os seus episódios diários na

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imprensa, é bem exemplo do aproveitamento sistemático que tanto o PSD como o CDS-PP têm feito da educação sexual em meio escolar.
Todos sabemos que a educação sexual é um assunto que muito preocupa esta maioria. Pena é que tamanho interesse apenas dure o exacto momento em que se debate na Assembleia da República temas como a interrupção voluntária da gravidez, planeamento familiar ou contracepção de emergência. A indefinição existente no Decreto-Lei n.º 259/2000 sobre a estrutura que, a nível de cada estabelecimento, assume a responsabilidade pelo acompanhamento e a avaliação das práticas de educação sexual em muito tem contribuído para a desresponsabilização existente nesta matéria. A nível de cada escola tudo tem ficado dependente da maior ou menor sensibilidade da respectiva direcção e da existência, ou não, de professores vocacionados para a abordagem desta temática, uma opinião corroborada pela coordenadora da Região do Algarve da Comissão Coordenadora da Promoção e Educação para a Saúde - "só os professores com perfil para falar de educação sexual irão abordar o tema" (Diário de Notícias, 11 de Dezembro de 2000).
O actual modelo, apontando para a transversalidade curricular, é exigente, de difícil aplicação e redunda facilmente na diluição de responsabilidades. Um problema que leva o Bloco de Esquerda a defender, com este seu projecto, a criação de uma equipa encarregue em cada escola de adequar a abordagem seguida sobre a educação sexual ao projecto educativo do estabelecimento.
O modelo transversal, apesar das dificuldades encontradas na sua aplicação na maioria das escolas do País, tem virtualidades que não devem ser negligenciadas, importando, sim, complementar o seu alcance com a introdução de uma área curricular de formação autónoma nos ciclos de ensino em que a promoção de uma sexualidade responsável e a diminuição dos comportamentos de risco assume maior importância.
Não é possível cumprir a lei sem professores, designadamente sem professores formados e habilitados para desenvolver as estratégias mais correctas no âmbito da educação para a sexualidade, devendo aproveitar-se mais convenientemente os recursos já existentes em algumas escolas formadoras de docentes para assegurar uma mais conveniente preparação dos futuros professores.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Âmbito

A presente lei regula e define os princípios e valores orientadores da educação sexual nos estabelecimentos de ensino do ensino básico e secundário.

Artigo 2.º
Valores orientadores básicos da educação sexual

Constituem valores orientadores básicos da educação sexual:

a) O reconhecimento de que a sexualidade, como fonte de prazer, de afectividade e de comunicação, é uma componente positiva e de realização no desenvolvimento pessoal e nas relações interpessoais;
b) A valorização das diferentes expressões da sexualidade, nas várias fases de desenvolvimento ao longo da vida;
c) O reconhecimento da importância da comunicação e do envolvimento afectivo e amoroso na vivência da sexualidade;
d) O reconhecimento de que a autonomia, a liberdade de escolha e uma informação adequada são aspectos essenciais para a estruturação de atitudes responsáveis no relacionamento sexual;
e) O respeito pela pessoa do outro, quaisquer que sejam as suas características físicas e a sua orientação sexual;
f) A promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre os sexos;
g) O respeito pelo direito à diferença;
h) O reconhecimento do direito a uma maternidade e paternidade livres e responsáveis;
i) A recusa de formas de expressão da sexualidade que envolvam manifestações de violência e que promovam relações pessoais de dominação e exploração;

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j) A promoção da saúde dos indivíduos na esfera sexual e reprodutiva e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis.

Artigo 3.º
Áreas de promoção da educação sexual na escola

Constituem áreas de promoção da educação sexual na escola:

a) O atendimento individual nos gabinetes de apoio a jovens;
b) A área ou disciplina curricular;
c) A área de projecto.

Artigo 4.º
Gabinetes de apoio a jovens

Em cada escola do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário é criado, pelo Ministério da Educação, um gabinete de apoio a jovens, com as seguintes funções:

a) Atendimento personalizado e encaminhamento de casos, nomeadamente em resposta a problemas familiares, dificuldades de inserção em meio escolar, de orientação escolar;
b) Informações, com tónica na prevenção de comportamentos de risco, sobre saúde, saúde sexual e reprodutiva;
c) Nas escolas do 3.º ciclo e ensino secundário, o gabinete presta apoio em matéria de contracepção, nomeadamente distribuição de preservativos e encaminha para o centro de saúde situações de contracepção de emergência;
d) Articulação com o serviço de psicologia e orientação escolar e com o serviço especial de apoio educativo;
e) Articulação com as equipas locais da coordenação do Programa Educação para a Saúde, das Administrações Regionais de Saúde e dos Centros de Saúde.

Artigo 5.º
Desenvolvimento curricular

1 - A organização curricular dos ensinos básico e secundário contempla obrigatoriamente a abordagem da promoção da saúde sexual e da sexualidade humana, através de uma área ou disciplina curricular autónoma, ou de uma perspectiva interdisciplinar cujos programas abordam a temática.
2 - Será criada uma área curricular no 1.º ciclo do ensino básico cujos princípios orientadores devem estar de acordo com o previsto no artigo n.º 6.
3 - Será criada uma disciplina curricular autónoma nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico cujos princípios orientadores devem estar de acordo com o previsto no artigo n.º 7.
4 - No ensino secundário a abordagem da promoção da saúde sexual e da sexualidade humana decorrerá numa perspectiva interdisciplinar, integrada em disciplinas curriculares cujos programas incluem a temática.
5 - A área ou disciplina curricular referida no número anterior não está sujeita a avaliação sumativa, nem é contabilizada para efeitos de progressão ou retenção de ano.

Artigo 6.º
Área curricular - 1.º ciclo do ensino básico

1 - Colocam-se como objectivos básicos da educação sexual no 1.º ciclo do ensino básico contribuir para que as crianças:

a) Possuam um melhor conhecimento do seu corpo;
b) Compreendam a sua origem, ou seja, os mecanismos de reprodução humana;
c) Valorizem os afectos que os ligam aos outros;
d) Possuam capacidade para se confrontarem com os modelos sócio-culturais do masculino e do feminino.

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2 - De acordo com os objectivos anteriormente enunciados, o Ministério da Educação deve adaptar os programas deste ciclo de ensino e definir estratégias para a articulação escola-famílias, questão de fundamental importância para o desenvolvimento pessoal e social das crianças no seu contexto de vida.

Artigo 7.º
Área curricular - 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário

Colocam-se como objectivos básicos da educação sexual nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário:

a) Compreender a importância da sexualidade e as suas diferentes expressões ao longo da vida;
b) Ser capaz de definir os sentimentos e entender as emoções, desenvolvendo o conhecimento psico-afectivo sobre si próprio e sobre os outros;
c) Promover uma atitude não discriminatória face às expressões e orientações sexuais dos outros;
d) Promover comportamentos de igualdade face aos sexos, respeitando diferentes manifestações de cada um;
e) Adquirir conhecimentos sobre a reprodução humana e a contracepção;
f) Adoptar comportamentos sexuais informados e responsáveis conducentes à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis.

Artigo 8.º
Área de projecto

1 - Será criada no conselho pedagógico de cada escola uma secção responsável por implementar, obrigatoriamente, uma área de educação sexual no projecto educativo da escola.
2 - A secção do conselho pedagógico referida no número anterior dinamiza a escola de modo a constituir uma equipa que receberá formação adequada para implementar actividades na área da educação sexual para as quais será atribuída uma redução horária de 2 horas semanais por professor.
3 - No desenvolvimento desta área de intervenção serão estimulados debates ligados à sexualidade e, no mesmo âmbito, concursos literários e artísticos ligados à sexualidade, comemorações de dias mundiais com particular significado, jogos temáticos e animação cultural.
4 - Os professores a que se refere o n.º 2 garantem a articulação com as equipas locais da coordenação do Programa Educação para a Saúde com o gabinete de apoio a jovens da sua escola e com a associação de pais.

Artigo 9.º
Observatório para o acompanhamento da educação sexual em meio escolar

1 - O Ministério da Educação criará, sob a responsabilidade da Direcção-Geral do Ensino Básico e da Direcção-Geral do Ensino Secundário, um observatório para o acompanhamento da educação sexual em meio escolar, cujo objectivo deverá ser fazer o levantamento, anual, de um relatório elaborado por todos os estabelecimentos de ensino do ensino básico e secundário por forma a perceber como está a ser implementada a educação sexual em meio escolar.
2 - O observatório referido no número anterior deverá estabelecer formas de colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e com o Ministério da Saúde.
3 - Os dados enviados pelas escolas ao observatório para o acompanhamento da educação sexual em meio escolar deverão ser alvo de acompanhamento e avaliação anual, em conjunto com as Direcções-Gerais de Educação, apoiando assim os casos em que a aplicação do modelo de educação sexual revela maiores dificuldades.

Artigo 10.º
Formação de professores

1 - O Ministério da Educação deverá condicionar a acreditação de cursos de formação inicial de professores, estabelecendo como requisito obrigatório conferir habilitação profissional

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para a docência no ensino básico e secundário que os mesmos sejam ministrados em estabelecimentos que incluam no seu plano de estudos uma cadeira, opcional ou obrigatória, de didáctica de educação sexual, a ser incluída numa área disciplinar dedicada à educação para a cidadania.
2 - Cabe a cada escola fazer o levantamento dos professores que estão envolvidos na educação sexual, ao nível do gabinete de apoio a jovens, do conselho pedagógico e na componente lectiva curricular, e propor ao Ministério da Educação programas especiais de formação.
3 - O Ministério da Educação tem a responsabilidade de criar condições para responder às solicitações das escolas, nomeadamente através dos centros de formação de cada área.

Artigo 11.º
Articulação com outras instituições

O Ministério da Educação e as escolas devem articular as suas acções com outras instituições e associações sem fins lucrativos, com idoneidade publicamente reconhecida na área da educação sexual e da saúde.

Artigo 12.º
Regulamentação

O Governo regulamentará o presente diploma no prazo máximo de 90 dias a contar da sua publicação.

Artigo 13.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado para o ano subsequente ao da publicação do presente diploma.

Assembleia da República, 17 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Ana Drago - Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 277/IX
VIAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO LUXEMBURGO

Texto do projecto de resolução, mensagem do Presidente da República e parecer da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa

Texto do projecto de resolução

S. Ex.ª o Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da alínea b) do artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para se ausentar do território nacional, em viagem de carácter oficial a convite de Sua Alteza Real o Grão-Duque do Luxemburgo, entre os dias 27 e 30 do corrente mês.
A Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus e Política Externa emitiu parecer favorável.
Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República ao Luxemburgo, entre os dias 27 e 30 do corrente mês.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
O Presidente da Assembleia da República, João Bosco Mota Amaral.

Mensagem do Presidente da República

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Está prevista a minha deslocação ao Luxemburgo, entre os dias 27 e 30 do próximo mês de Setembro, em visita de Estado, a convite de Sua Alteza Real o Grão-Duque do Luxemburgo.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.

Lisboa, 31 de Agosto de 2004.
O Presidente da República, Jorge Sampaio.

Parecer da Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa

A Comissão de Assuntos Europeus e Política Externa da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, relativa à sua deslocação ao Luxemburgo, em visita de Estado, a convite de Sua Alteza Real o Grão-Duque do Luxemburgo, entre os dias 27 e 30 do corrente, apresenta ao Plenário da Assembleia da República o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos termos em que é requerido.

Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2004.
O Presidente da Comissão, Jaime Gama.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 278/IX
SUSPENSÃO DA COBRANÇA DE PORTAGEM NO TROÇO DA A1 AVEIRAS-SANTARÉM POR MOTIVO DE OBRAS PROLONGADAS

Existe no nosso país o mau costume de se impor portagens e outras taxas, devidas ou indevidas, mesmo antes de as razões que as suportam serem objecto de informação e explicação junto dos cidadãos abrangidos. A rapidez com que o Estado ou as empresas e departamentos sob a sua abrangência aplicam soluções por vezes gravosas para a estabilidade e equilíbrio das populações não é proporcional nem tem a indispensável correspondência quando as situações se invertem, ou seja, quando o Estado tem o dever de compensar ou corrigir erros em que os seus serviços ou empresas contratualizadas incorreram.
Vem isto a propósito de uma situação que é lamentavelmente recorrente: auto-estradas com portagens caríssimas que muito regularmente executam obras, prejudicando os fins específicos das mesmas, e que não satisfazem, portanto, os motivos que justificam a existência de portagens. As obras restringem a fluidez e a velocidade, e, mais, abrem situações propícias a acidentes. Assim, não se compreende como na estratégica via do País, a A1, no troço Aveiras-Santarém, existem obras há largas semanas sem fim à vista, mantendo-se, porém, a cobrança das portagens. Estamos perante uma flagrante injustiça que merece ser reparada e cuja reparação compete ao Estado, já que é este que estabelece contratos de concessão com as empresas (que até há pouco tempo foram públicas) que exploram estas vias de circulação e transporte.
Este tema não é novo na Assembleia da República. Com efeito, Deputados da maioria subscreveram um projecto de resolução (n.º 42/IX), aprovado e publicado no Diário da República n.º 26, de 31 de Janeiro de 2004. Neste se afirma explicitamente que "O pagamento de portagens na auto-estrada só se compreende quando são oferecidas as condições de velocidade e de segurança inerentes à circulação rodoviária normal em auto-estrada ou, no limite, em condições muito aproximadas dessas. Quando são drasticamente reduzidas essas condições, por um período de tempo considerável, não há qualquer justificação para manter a cobrança da portagem, impondo-se, pelo contrário, a suspensão desse pagamento ou, no mínimo, a alteração do valor da portagem em função da extensão do percurso em que o serviço prestado não é o adequado às exigências da infra-estrutura em causa em situação de normal funcionamento". Nada mais justo.
Por outro lado, a resolução aprovada recomenda de forma taxativa "consagrar o princípio da suspensão da cobrança ou alteração do valor da portagens devidas pela circulação em lanços de auto-estrada onde se realizem obras ou trabalhos cuja duração seja superior a 60 dias, desde que impliquem supressão ou estreitamento de vias ou de bermas".

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Dado que as obras em curso no troço Aveiras-Santarém já decorrem há mais de 70 dias e não se vislumbra o seu fim (que está previsto para pelo menos mais alguns meses), e posto que as condições descritas na resolução supracitada se verificam na sua totalidade, a Assembleia da República, dentro das disposições regimentais em vigor, recomenda ao Governo:
1 - A suspensão da cobrança ou a alteração do valor da portagem no troço Aveiras-Santarém durante o período em que durarem as obras em curso.
2 - O reforço da prevenção e segurança neste troço enquanto decorrem as respectivas obras.

Palácio de São Bento, 14 de Setembro de 2004.
Os Deputados do BE: Francisco Louçã - João Teixeira Lopes.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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