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Quinta-feira, 29 de Setembro de 2005 II Série-A - Número 52 (*)

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006) (*)

S U M Á R I O

Projectos de lei (n.os 161 a 164/X):
N.º 161/X - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde (apresentado por Os Verdes).
N.º 162/X - Combater a pobreza, igualando as pensões mínimas de reforma ao salário mínimo nacional, alterando o artigo 38.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro (apresentado pelo BE).
N.º 163/X - Proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência (apresentado pelo BE).
N.º 164/X - Define regras para a defesa e reforço dos direitos dos utentes das auto-estradas (apresentado pelo BE).

Projectos de resolução (n.os 69 e 71/X):
N.º 69/X (Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
N.º 71/X - Fundamentação e sustentabilidade do investimento público (apresentado pelo PSD).

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PROJECTO DE LEI N.º 161/X
PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA OU NA EXISTÊNCIA DE RISCO AGRAVADO DE SAÚDE

Exposição de motivos

A igualdade dos cidadãos é um direito fundamental que a Constituição da República Portuguesa consagra quando proclama, em termos latos, no n.º 1 do seu artigo 13.º, que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei", para depois especificar, no artigo 71.º, que "os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição (…)".
Apesar disso, em múltiplas esferas da vida quotidiana esse direito continua longe de ser respeitado, persistindo factos e comportamentos graves em relação a muitos cidadãos, que traduzem violações do direito e discriminações intoleráveis.
Estas discriminações, que se verificam, sobretudo no emprego, na escola, na limitação ao acesso a bens e serviços públicos, nos transportes, na mobilidade e na garantia do direito à habitação, incidem, de modo particularmente visível, sobre os cidadãos com deficiência e estendem-se nalguns domínios às pessoas com risco agravado de saúde.
Estas situações, configurando verdadeiros atentados aos direitos humanos, responsabilizam a sociedade e impõem o dever de procurar soluções. Soluções que passam por uma diferente atitude cultural, é certo, mas que também não dispensam, antes exigem, medidas políticas e legislativas que favoreçam a integração plena destes cidadãos.
É, pois, necessário tomar medidas que sejam capazes de prevenir, de contrariar eficazmente e de penalizar a discriminação que, directa ou indirectamente, condiciona, limita ou nega a plenitude de direitos humanos e a igualdade de oportunidades que a estes cidadãos deve ser garantida.
É precisamente com esse propósito que esta iniciativa legislativa de Os Verdes é apresentada. Um projecto de lei que procura corresponder e fazer eco das reivindicações da Associação Portuguesa de Deficientes, cujas propostas, pela sua justeza, no essencial, acolhemos.
Um projecto de lei antidiscriminação, semelhante ao modelo do diploma em vigor (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto), que proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica.
Uma iniciativa legislativa que vai ao encontro da legislação já adoptada na União Europeia, nomeadamente de um conjunto de orientações antidiscriminatórias, nas quais se inclui a Directiva n.º 2000/78/CE, que estabelece um quadro legal de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional, bem como um programa de acção comunitário de combate à discriminação.
Um projecto de lei, ainda, que de forma inovadora procura dar igualmente resposta a outro problema, para tal se alargando o seu objecto e o universo de destinatários. Trata-se, com efeito, de responder à discriminação de que são vítimas pessoas que, não sendo deficientes, são consideradas em situação de risco agravado de saúde e, nessa qualidade, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas, no acesso de bens fundamentais, como é o caso da habitação.
Uma iniciativa legislativa que Os Verdes já apresentaram em 2002 e que depois da aprovação na generalidade, em 16 de Janeiro de 2003, acabou por caducar, com o fim da legislatura.
É neste contexto, e tendo presente que se mantêm os pressupostos que motivaram a sua apresentação na anterior legislatura, que os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
Objecto

1 - O presente diploma tem por objecto a prevenção e a proibição da discriminação, directa ou indirecta, com base na deficiência e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, em razão de uma qualquer deficiência.
2 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde.

Artigo 2.º
Âmbito de aplicação

1 - A presente lei vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.

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2 - O disposto na presente lei não prejudica a vigência e a aplicação das disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa de que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nele referidos.

Artigo 3.º
Definições

Para efeitos do presente diploma, entende-se por:

a) Discriminação directa: a que ocorre sempre que uma pessoa com deficiência ou com risco de saúde agravado seja objecto de um tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta: a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra coloque pessoas com deficiência ou com risco de saúde agravado numa situação de desvantagem comparativamente com outras pessoas;
c) Risco agravado de saúde: são consideradas pessoas com risco agravado de saúde as que sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional irreversível, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante, sem perspectiva de remissão completa e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida;
d) Discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde: qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.

Capítulo II
Práticas discriminatórias

Artigo 4.º
Práticas discriminatórias

1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência ou em situação de risco agravado de saúde as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão de uma pessoa deter deficiência ou risco agravado de saúde, violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) A adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho ou a recusa de contratação;
b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão de deficiência ou da existência de risco agravado de saúde;
c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços por parte de qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica por qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada;
e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros;
f) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público, bem como no acesso a transportes públicos utilizando, se for o caso, a respectiva ajuda técnica;
g) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, bem como a privação de apoios ou meios específicos de que eventualmente careçam;
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, segundo critérios de discriminação com base na deficiência ou na existência de risco agravado de saúde, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 4.º;
j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;

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l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador ao seu serviço;
m) A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.

2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão com deficiência ou risco de saúde agravado, por motivo do exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.

Artigo 5.º
Ónus da prova

Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminação em razão da deficiência ou da existência de risco agravado de saúde enunciados no presente diploma e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.

Capítulo III
Comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde

Artigo 6.º
Composição

A aplicação da presente lei será acompanhada por uma comissão para a igualdade e contra a discriminação das pessoas com deficiência e risco agravado de saúde, a criar junto da Presidência do Conselho de Ministros, e que terá a seguinte composição:

a) Dois representantes eleitos pela Assembleia da República;
b) Três representantes do Governo, a designar pelos departamentos governamentais responsáveis pelo emprego e segurança social, pela saúde e pela educação;
c) Seis representantes de associações, sendo quatro representantes das associações ou da Confederação das Pessoas com Deficiência e os dois restantes das associações ou da Federação das Pessoas com Risco Agravado de Saúde;
d) Dois representantes das organizações não governamentais de defesa dos direitos do homem ou dos cidadãos;
e) Um representante da Ordem dos Advogados, a designar pela mesma;
f) Dois representantes das centrais sindicais, a designar por cada uma delas;
g) Dois representantes das associações patronais, a designar por estas;
h) Três personalidades a designar pelos restantes membros.

Artigo 7.º
Competências

Compete especialmente à comissão referida no artigo anterior:

a) Aprovar o seu regulamento interno;
b) Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da Administração Pública, no prazo de 30 dias;
c) Recolher toda a informação relativa à prática de actos discriminatórios e à aplicação das respectivas sanções;
d) Recomendar a adopção das medidas legislativas, regulamentares e administrativas que considere adequadas para prevenir a prática de discriminação por motivos baseados na deficiência ou em risco agravado de saúde;
e) Promover a realização de estudos e trabalhos de investigação sobre a problemática da discriminação praticada em razão da deficiência e do risco agravado de saúde;
f) Tornar públicos, por todos os meios ao seu alcance, casos de efectiva violação da presente lei;
g) Elaborar e publicar um relatório anual sobre a situação da igualdade e da discriminação das pessoas com deficiência e com risco agravado de saúde em Portugal.

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Artigo 8.º
Funcionamento

1 - Compete ao Governo dotar a comissão dos meios necessários ao seu funcionamento.
2 - A comissão dispõe de uma comissão permanente, composta por um presidente e por quatro elementos eleitos de entre os seus membros, sendo obrigatoriamente um deles o representante de uma organização de pessoas com deficiência e outro de uma organização representativa de pessoas com risco agravado de saúde.
3 - A comissão reúne ordinariamente uma vez por trimestre e extraordinariamente sempre que convocada pelo presidente, ouvida a comissão permanente.

Artigo 9.º
Dever de cooperação

Todas as entidades, públicas ou privadas, têm o dever de cooperar com a comissão na prossecução das suas actividades, nomeadamente fornecendo-lhes os dados que esta solicitar com vista à elaboração do seu relatório anual.

Capítulo IV
Regime sancionatório

Artigo 10.º
Coimas

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e 10 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

Artigo 11.º
Pena acessória

Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com carácter acessório, aplicar as seguintes penas:

a) Publicidade da decisão;
b) Advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória;
c) Arbitrar uma indemnização-sanção a favor da pessoa alvo de discriminação, atendendo ao grau de violação dos interesses em causa, poder económico dos autores das infracções e condições da pessoa objecto da prática discriminatória.

Artigo 12.º
Concurso de infracções

1 - Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é punido sempre a título penal.
2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

Artigo 13.º
Omissão de dever

Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.

Capítulo V
Disposições gerais

Artigo 14.º
Interpretação e integração

Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades

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Fundamentais, as Normas Gerais para a Igualdade de Oportunidades das Pessoas com Deficiência e a Declaração de Compromisso sobre VIH/SIDA, adoptada pela ONU, em 27 de Junho de 2001.

Artigo 15.º
Regime financeiro

As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

Artigo 16.º
Regulamentação

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias para a instituição da comissão para a igualdade e contra a discriminação de pessoas com deficiência e risco agravado de saúde e definir as entidades administrativas com competência para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no Capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Palácio de São Bento, 20 de Setembro de 2005.
Os Deputados de Os Verdes: José Luís Ferreira - Heloísa Apolónia.

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PROJECTO DE LEI N.º 162/X
COMBATER A POBREZA, IGUALANDO AS PENSÕES MÍNIMAS DE REFORMA AO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL, ALTERANDO O ARTIGO 38.º DA LEI N.º 32/2002, DE 20 DE DEZEMBRO

O nosso Estado providência é ainda incipiente comparativamente aos dos restantes países da União Europeia, a 15. Entre os diversos indicadores que poderiam ser chamados a sustentar esta afirmação constata-se uma distância apreciável nos valores do ratio entre as despesas de protecção social e o Produto Interno Bruto, verificados para Portugal e para a média europeia. Da mesma forma, a parte do PIB dedicada às pensões e a outras prestações da segurança social é uma das mais baixas da Europa.
Torna-se, portanto, incompreensível que, perante as exigências de maior empenho do Estado para enfrentar as acentuadas desigualdades sociais da nossa sociedade, começando desde logo pelo aumento dos níveis de responsabilização na protecção social, surja um discurso político centrado na alegada crise da segurança social, e do welfare state em geral, apareçam perspectivas desresponsabilizantes e de transferência dos riscos sociais para as esferas do indivíduo, do privado e do mercado, assentes num espectro alegadamente catastrófico da evolução da situação na segurança social.
Portugal é o país da União Europeia com maior desigualdade de rendimentos. Segundo os dados do Eurostat, os 10% mais ricos detêm cerca de 28 130 milhões de euros, enquanto que os 50% mais pobres detêm 23 280 milhões do total do rendimento nacional.
A pobreza e as desigualdades sociais têm vindo a aumentar e agravar-se.
O aprofundamento das desigualdades sociais, os níveis de pobreza e de exclusão social no nosso país exigem uma inversão nas políticas dos sucessivos governos, das políticas de emprego, da política fiscal e de combate à fuga e fraude fiscal, entre outras.
Reforça-se a convicção de que sem uma reforma fiscal que combata a fraude e a fuga fiscal e obrigue os ricos a pagarem impostos não há políticas sociais nem alterações no sistema de segurança social que sejam sérias.
A exigência de um combate às desigualdades sociais e à pobreza é uma prioridade de cidadania. As pensões médias para 2005 continuam baixas. A pensão média mensal recebida pelos 2 600 000 reformados da segurança social, em 2005, é de cerca de 259,50 euros, sendo de 266 euros a pensão média mensal de invalidez, de 298,80 euros a pensão média mensal de velhice e apenas de 156,37 euros a pensão média mensal de sobrevivência.
Muitas das pensões mínimas ainda são de valores mais baixos, 45,9% dos reformados recebem uma pensão mínima que, em 2005, varia entre 164,17 euros (valor da pensão social actual) e 333,51 euros, que é a pensão mínima actual de um reformado do regime geral que tenha descontado para a segurança social 40 ou mais anos. Deste total, 868 200 reformados estão ainda a receber em 2005 uma pensão inferior a 217 euros por mês.
A pensão mínima média é, em 2005, apenas de 220,08 euros por mês, tendo registado, entre 2004 e 2005, um aumento de apenas 8,30 euros. No entanto, 868 200 reformados recebem ainda em 2005 uma pensão inferior a 217 euros por mês.

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O Governo, no seu Programa, assumiu a implementação, no prazo de uma legislatura, de uma prestação extraordinária de combate à pobreza dos idosos para que, finalmente, nenhum pensionista tenha que viver com um rendimento abaixo de 300 euros, devendo ser beneficiados aproximadamente 300 000 pensionistas. Ela não vai beneficiar todos os reformados com pensões inferiores a 300 euros por mês, mas apenas um em cada quatro reformados - o número de reformados com pensões inferiores a 300 euros, ou seja, que eventualmente poderão ser beneficiados, ronda o 1,2 milhão. Para além disso, o valor considerado é o rendimento de 300 euros e não a pensão de 300 euros. Isto significa que antes de ser atribuído terão de ser analisados todos os rendimentos de cada reformado, daí a afirmação que a sua atribuição está "sujeita a rigorosas condições de recursos".
O tempo determinará qual será o impacto efectivo na "diminuição da taxa de pobreza".
O Bloco de Esquerda posiciona-se pela sustentabilidade e reforço do sistema público de segurança social. Outros partidos, em duas legislaturas anteriores e nas suas propostas de lei de bases, na oposição, posicionaram-se pela equiparação da pensão mínima da reforma do sistema público ao salário mínimo nacional.
É justíssimo que o mínimo de pensão seja o salário mínimo.
As propostas do Bloco de Esquerda foram objecto de um estudo - Impacto da convergência das pensões mínimas e sociais ao salário mínimo nacional - de Ana Cláudia Gouveia, Ana Isabel Serralha, Daniel Coelho e Susana Figueiredo Santos.
"Para testarmos um cenário mais extremo optámos por analisar o projecto de lei do Bloco de Esquerda (anexo 3), que propõe uma convergência de 81% do SMN para o RESSAA, para o RNCE e para o RGm com anos de contribuições inferiores a 15 (anexo B - tabela B3). Os restantes escalões convergem para 100% do SMN. Neste cenário a despesa em 2006 ascenderá a 4.439 milhões de euros (gráfico 2), 27.9% (968 milhões de euros) superior relativamente ao cenário da Lei de Bases e mais 32% (1.076 milhões de euros) do que no cenário base. O peso da despesa no PIB será de 2.97% (gráfico 3), mais 0.65 pontos percentuais que no cenário da Lei de Bases e mais 0.72 pontos percentuais que no cenário base. Em 2020 o nível de despesa rondará os 4780 milhões de euros, representando 1.90% do PIB. O acréscimo na despesa face ao cenário da Lei de Bases e ao cenário base, respectivamente, seria de 25.6% e 28.9%.

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Concluindo que "A convergência prevista na Lei de Bases acresce a despesa, contudo esse acréscimo é relativamente moderado. Este facto deve-se à formulação particular da medida, que se traduz num aumento do valor das pensões muito pouco significativo para a grande maioria dos pensionistas.
De qualquer forma, é um acréscimo de despesa que não cumpre os objectivos a que se propõe, ficando muito aquém da redução de pobreza pretendida. Com a introdução de uma condição de recursos, seria mais fácil garantir este objectivo. No estudo Gouveia e Rodrigues (2004), os autores simularam um aumento das pensões mínimas de 60% para 70% do SMN líquido. Os indicadores de pobreza diminuiriam menos de 5%, fruto do acréscimo da despesa ser gasto com pessoas não pobres. O estudo refere ainda que um programa alternativo não particularmente bom, com menos de metade dos recursos obteria melhores resultados em termos de pobreza e equidade.
Além disso, existe uma fonte de ineficiência ligada à indexação ao SMN, havendo ganhos com a utilização de linhas de pobreza.
Esta medida não será responsável por um grande agravamento do problema da insustentabilidade do sistema de pensões, cuja raiz reside sobretudo em problemas estruturais. (...)".

Nestes termos, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis os Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
(Altera o artigo 38.º da Lei n.º 32/2002)

É alterado o artigo 38.º, que passa a ter a seguinte redacção:

"Artigo 38.º
Princípio de convergência das pensões mínimas

1 - Os mínimos legais das pensões de invalidez e de velhice são fixados, tendo em conta as carreiras contributivas, com referência e até ao limite do valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da quotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem.
2 - As pensões que não atinjam o valor mínimo previsto no número anterior correspondentes às suas carreiras contributivas são acrescidas do complemento social previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 57.º, de montante a fixar na lei.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fixação dos mínimos legais das pensões de invalidez e de velhice convergirá para o valor da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos

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trabalhadores, deduzida da quotização correspondente à taxa contributiva normal do regime dos trabalhadores por conta de outrem, e será estabelecida com base no sistema de escalões relacionados com as carreiras contributivas:

a) Até 14 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 81% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da quotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;
b) Entre 15 e 20 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 100% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da quotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;
c) Entre 21 e 30 anos de carreira contributiva inclusive, será igual a 110% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da quotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo;
d) Mais de 30 anos de carreira contributiva, será igual a 120% da remuneração mínima mensal garantida à generalidade dos trabalhadores, deduzida da quotização a que se refere o n.º 1 do presente artigo.

4 - O escalonamento de convergência das carreiras contributivas previsto no número anterior será concretizado, de forma gradual e progressiva, no prazo de três anos contado após a data da entrada em vigor do Orçamento do Estado.
5 - (...)"

Artigo 2.º
Produção de efeitos

A presente lei produz efeitos a partir da data da entrada em vigor dos Orçamentos do Estado subsequentes à aprovação deste diploma.

Assembleia da República, 20 de Setembro de 2005.
Os Deputados do BE: Mariana Aiveca - Luís Fazenda - Ana Drago - Francisco Louçã - Helena Pinto - Alda Macedo.

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PROJECTO DE LEI N.º 163/X
PROÍBE AS DISCRIMINAÇÕES NO EXERCÍCIO DE DIREITOS POR MOTIVOS BASEADOS NA DEFICIÊNCIA

Fundamentação

No plano legislativo o combate à discriminação dos cidadãos com deficiência poderá ser feito, fundamentalmente, através de dois tipos de iniciativas legislativas: através de iniciativas que estabeleçam medidas, programas e políticas de apoio à pessoa com deficiência e através de legislação que proíba a violação dos direitos das pessoas com deficiência (legislação antidiscriminação).
A Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 71.º, a igualdade de direitos para os cidadãos com deficiência física ou mental, embora não o explicite no seu artigo 13.º, que estabelece o princípio da igualdade. Por outro lado, embora exista um vasto quadro legislativo disperso, e, em alguns sectores, ineficaz, verifica-se actualmente um vazio legislativo quanto a medidas que previnam e proíbam actos discriminatórios em relação à pessoa deficiente, ao contrário do verificado noutros países, como o Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos da América, e apesar de a existência de uma directiva comunitária - Directiva n.º 2000/78/CE -, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional.
No Reino Unido a lei Disability Discrimination Act, de 1995, aplica-se à discriminação no emprego, à disposição e gestão das instalações e ao fornecimento de bens, equipamentos e serviços. Já a lei irlandesa - a lei The Equal Status Act -, de aplicação mais vasta, refere-se à educação, à habitação, transportes e ao fornecimento de bens, serviços e actividades de lazer. A experiência dos Estados Unidos, resultante de uma lei que entrou em vigor há 15 anos (Americans With Disabilities Act, de 1990) e que abrange áreas como o emprego e o acesso aos serviços públicos, aos transportes, aos edifícios públicos e às telecomunicações, indica que a lei permitiu melhorias em muitos aspectos, como sejam o aumento de crianças com deficiência que frequentam o ensino convencional e uma maior acessibilidade aos transportes públicos.
A presente iniciativa legislativa pretende responder ao que tem sido uma legítima reivindicação das organizações de defesa dos direitos das pessoas deficientes e retoma uma proposta antidiscriminatória, apresentada pela Associação Portuguesa de Deficientes, desenvolvendo-as em alguns pontos.
A iniciativa, que acolhe os princípios definidos na lei antidiscriminatória em razão da raça, cor, nacionalidade ou origem étnica (Lei n.º 134/99, de 28 de Agosto), tem por objectivo reforçar os mecanismos de protecção à pessoa com deficiência, assim como prevenir e proibir actos de natureza discriminatória contra a pessoa com deficiência no emprego e no acesso à educação, à saúde, aos transportes públicos, a locais

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públicos ou abertos ao público, à fruição de bens, equipamentos ou serviços, à aquisição ou arrendamento de imóveis e adopção de actos discriminatórios por parte de organismos públicos.
O projecto de lei inclui ainda os seguintes aspectos:

- Uma definição de discriminação em contexto laboral que tem em conta a necessidade de adaptação funcional da actividade às características da deficiência, e de que os encargos daí decorrentes podem ser compensados por medidas de integração profissional para pessoas portadoras de deficiência, promovidas pelo Estado;
- A introdução de um mecanismo em que a decisão da entidade empregadora relativa à recusa de contratação ou à cessação de contrato de trabalho carece de parecer prévio do Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência;
- Um regime sancionatório igual ao estabelecido para a discriminação em razão da origem étnica ou nacionalidade;
- Atribuição do ónus da prova à parte requerida.

Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Princípios gerais

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma tem como objecto a prevenção e proibição de discriminação em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e a sanção da prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros em razão de uma qualquer deficiência.

Artigo 2.º
(Âmbito)

1 - O presente diploma vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica a vigência e a aplicação de disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa que beneficiem certos grupos desfavorecidos com o objectivo de garantir o exercício de direitos em condições de igualdade.

Artigo 3.º
(Discriminação em razão da deficiência)

Por discriminação em razão da deficiência entende-se qualquer distinção, restrição ou preferência em razão da deficiência, que tenha por objectivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos económicos, sociais e culturais.

Capítulo II
Práticas discriminatórias

Artigo 4.º
(Práticas discriminatórias)

1 - Consideram-se práticas discriminatórias contra as pessoas com deficiência as acções ou omissões dolosas ou negligentes que, em razão da pessoa ter uma deficiência, violem o princípio da igualdade, designadamente:

a) Adopção de procedimento, medida ou critério, directamente pela entidade empregadora ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a factores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho, a recusa de contratação ou qualquer aspecto da relação laboral;
b) A produção ou a difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-selecção ou ao recrutamento, que contenham, directa ou indirectamente, qualquer especificação ou preferência baseada em factores de discriminação em razão da deficiência;

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c) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens, equipamentos ou serviços, por parte de qualquer pessoa singular ou pessoa colectiva pública ou privada;
d) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica, por qualquer pessoa singular ou pessoa colectiva pública ou privada;
e) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, assim como a recusa ou a penalização na celebração de contratos de seguros;
f) A recusa, o impedimento ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público;
g) A recusa, a limitação ou o impedimento de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa, a limitação ou o impedimento de acesso a estabelecimentos de ensino público ou privado, assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência;
i) A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado segundo critérios de discriminação com base na deficiência, salvo se tais critérios forem justificados pelos objectivos referidos no n.º 2 do artigo 2.º;
j) A adopção de prática ou medida por parte de qualquer órgão, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
l) A adopção por entidade empregadora de prática que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador com deficiência ao seu serviço;
m) A adopção de um acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão da deficiência;
n) O acesso aos transportes públicos em condições de segurança e de comodidade e, no caso das pessoas com deficiência que se deslocam em cadeira de rodas, o impedimento que esta pessoa possa utilizar a sua ajuda técnica, ao entrar e sair do transporte.

2 - É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o cidadão portador de deficiência por motivo de exercício de direito ou de acção judicial contra prática discriminatória.

Artigo 5.º
(Discriminação no emprego)

1 - As práticas discriminatórias definidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º não constituirão discriminação se, em virtude da natureza da actividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, a situação de deficiência afecte níveis e áreas de funcionalidade que constituam requisitos essenciais e determinantes para o exercício dessa actividade, na condição do objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
2 - Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior deverá ser analisada a viabilidade da entidade empregadora levar a cabo as medidas adequadas, em função das necessidades de uma situação concreta, para que a pessoa portadora de deficiência tenha acesso a um emprego, ou que possa nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, excepto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade empregadora.
3 - Os encargos não são considerados desproporcionados quando forem suficientemente compensados por medidas promovidas pelo Estado em matéria de integração profissional de cidadãos com deficiência.
4 - A decisão da entidade empregadora relativa à alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º carece sempre de parecer prévio do Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência.

Artigo 6.º
(Ónus da prova)

Quando uma pessoa se considerar alvo de qualquer um dos tipos de discriminações em razão da deficiência enunciados no presente diploma, e apresentar elementos de facto constitutivo da presunção de discriminação, incumbe à parte requerida provar que não houve violação do princípio da igualdade.

Capítulo III
(Regime sancionatório)

Artigo 7.º
(Coimas)

1 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei por pessoa singular constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre cinco e 10 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.

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2 - A prática de qualquer acto discriminatório referido no Capítulo II da presente lei, por pessoa colectiva de direito privado ou de direito público, constitui contra-ordenação punível com coima graduada entre 20 a 30 vezes o valor mais elevado do salário mínimo nacional mensal, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 - Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo são elevados para o dobro.

Artigo 8.º
(Pena acessória)

Sem prejuízo das demais sanções que ao caso couberem, relativamente aos actos discriminatórios previstos na presente lei, o juiz pode, com carácter acessório, aplicar as seguintes penas:

a) A publicidade da decisão;
b) A advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória.

Artigo 9.º
(Indemnização)

As vítimas de discriminação nos termos do presente diploma têm direito a uma indemnização, a qual atenderá ao grau de violação dos interesses em causa, ao poder económico dos autores das infracções e às condições da pessoa objecto da prática discriminatória.

Artigo 10.º
(Concurso de infracções)

1 - Se o mesmo facto constituir, simultaneamente, ilícito penal e contra-ordenação, o agente é sempre punido a título penal.
2 - As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.

Artigo 11.º
(Omissão de dever)

Sempre que a contra-ordenação resulte da omissão de um dever a aplicação da sanção e o pagamento da coima não dispensa o infractor do seu cumprimento, se este ainda for possível.

Capítulo IV
Órgãos competentes

Artigo 12.º
(Extensão de competências)

1 - A aplicação da presente lei será acompanhada pelo Observatório para a Integração das Pessoas portadoras de Deficiência, criado pela Lei n.º 30/98, de 13 de Julho.
2 - Para além das atribuições e competências previstas na Lei n.º 30/98, de 13 de Julho, compete ainda ao Observatório para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência:

a) Emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por actos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários, agentes ou equiparados da administração pública, no prazo de 30 dias;
b) Emitir parecer sobre a decisão da entidade empregadora relativa á alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º.

3 - O relatório anual previsto na alínea f) do artigo 2.º da Lei n.º 30/98, de 13 de Junho, incluirá obrigatoriamente informação recolhida sobre a prática de actos discriminatórios e sanções eventualmente aplicadas.

Capítulo V
Disposições gerais

Artigo 13.º
(Interpretação e integração)

Os preceitos da presente lei devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Carta Internacional dos Direitos Humanos, que compreende a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e,

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também, a Convenção sobre os Direitos das Crianças e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assim como as regras gerais sobre a igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência.

Artigo 14.º
(Regime financeiro)

As disposições da presente lei com implicações financeiras entram em vigor com o Orçamento do Estado para o ano seguinte à entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 15.º
(Regulamentação)

Compete ao Governo, no âmbito da regulamentação da presente lei, tomar as medidas necessárias ao acompanhamento da sua aplicação e definir as entidades administrativas competentes para a aplicação das coimas pela prática dos actos discriminatórios referidos no Capítulo II, no prazo de 120 dias após a sua entrada em vigor.

Assembleia da República, 20 de Setembro de 2005.
As Deputadas e os Deputados do BE: Mariana Aiveca - Luís Fazenda - Ana Drago - Francisco Louçã - Fernando Rosas - Helena Pinto - Alda Macedo.

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PROJECTO DE LEI N.º 164/X
DEFINE REGRAS PARA A DEFESA E REFORÇO DOS DIREITOS DOS UTENTES DAS AUTO-ESTRADAS

Exposição de motivos

Nos últimos anos o principal esforço financeiro por parte dos sucessivos governos de Portugal dirigiu-se, na parte que concerne aos transportes, à construção e melhoria de vias terrestres, com grande incidência na construção de uma rede nacional de auto-estradas que, pelo menos, ligasse as principais cidades portuguesas. Este facto, aliado à quase ausência de estratégia e investimento em outras formas de transporte, levou a que a generalidade dos portugueses se veja forçado a optar pela deslocação em transporte individual de passageiros, o automóvel, escolhendo para tal, quase sem excepção, as auto-estradas.
Esta escolha por parte dos portugueses comporta, para a generalidade da rede de auto-estradas, um custo acrescido - o pagamento de uma taxa (portagem) -, proporcionando contrapartidas. As vantagens desta escolha, apesar da exorbitância cobrada em determinadas deslocações (os veículos de classe 1 pagam mais de 30 euros entre Lisboa e o Porto…), são a segurança, rapidez e comodidade da deslocação, podendo o utente programar a sua deslocação, dadas estas vantagens, com algum grau de certeza.
O Estado, através de sucessivos governos, decidiu que, a bem de uma putativa eficiência económica, a construção, conservação e exploração da rede nacional de auto-estradas estaria melhor entregue se estas tarefas fossem concessionadas a privados. Isto, diga-se, acontece um pouco por toda a Europa. Em Portugal, como é do conhecimento geral, estas tarefas estão entregues a um consórcio designado por BRISA - Auto-Estradas de Portugal, SA., ao abrigo de um decreto anterior a 25 de Abril de 1974, cujas bases foram sucessivamente alteradas por diplomas posteriores. Apesar de não ser a única concessionária a operar no nosso país, a BRISA, directa ou indirectamente, através da detenção de participações sociais dessas empresas, detém o monopólio de exploração da rede nacional de auto-estradas.
O contrato de concessão em vigor, cujo prazo de vigência foi abruptamente aumentado num dos actos que o Governo de Santana Lopes teve premência em efectuar, estabelece as bases a que a concessionária tem de obedecer para, entre outros aspectos, salvaguardar a fluidez e a segurança do tráfego nessas importantes vias.
Uma delas obriga a concessionária a executar obras para aumento do número de faixas de rodagem em cada sentido se o tráfego entre determinados troços atingir certo volume para, precisamente, cumprir com a sua obrigação de garantir a fluidez e segurança da via. Para tanto, como é bom de ver, o trânsito nesses troços, enquanto durarem as obras, resulta irremediavelmente alterado, pois, não raro, só passa a circular por uma faixa de rodagem em distâncias consideráveis. No entanto, enquanto decorrem a execução dos trabalhos, apesar de a concessionária não oferecer um serviço que garanta a fluidez, comodidade e segurança do trajecto, o utente desse mesmo trajecto paga como se a contraprestação tivesse sido integralmente cumprida por parte da concessionária. Este aspecto, por injusto, está previsto na teoria geral do direito e considera-se incorporado em todos os contratos: é o que se designa por excepção de não cumprimento, o que, desde logo, confere o direito ao utente de não cumprir com a sua obrigação - o pagamento da portagem.
No entanto, como é regra em todas as grandes empresas, as concessionárias de auto-estradas possuem um departamento jurídico vasto e bem oleado para responder, de forma célere, a qualquer intromissão no que elas consideram ser os seus direitos. Este facto tem, desde logo, o condão de inibir o utente de efectuar qualquer acção fora da norma porque, primacialmente, não está para se aborrecer por um valor não muito

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elevado em relação ao tempo que certamente vai despender ao confrontar tal arsenal jurídico. Por isso, é necessário que o Estado, através de via legislativa, actue, clarificando os direitos dos utentes das auto-estradas e as obrigações das concessionárias porque o utente não pode ser prejudicado devido ao cumprimento de uma obrigação a que as concessionárias estão, livremente, adstritas.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, no que foi seguido por outros grupos parlamentares, apresentou, em Setembro de 2004, o projecto de resolução n.º 278/IX, onde, na sequência de um outro projecto de resolução aprovado por unanimidade em Janeiro desse ano, se recomendava ao Governo a suspensão do pagamento de portagens no troço Aveiras - Santarém, na A1, e o reforço da prevenção e segurança naquele troço no período de duração das obras, no qual, aliás, se verificaram inúmeros acidentes durante o período de realização das obras, causando imensos prejuízos a quem utilizou aquela via.
Por outro lado, mas também directamente relacionado com este verdadeiro arsenal jurídico ao dispor das concessionárias, o Estado também tem de intervir na definição do tipo de responsabilidade que cabe às concessionárias das auto-estradas. O que se passa hoje em dia é que, após demoradas acções judiciais, a jurisprudência dos tribunais portugueses, salvo raras excepções, tem entendido que a responsabilidade das concessionárias das auto-estradas é meramente subjectiva, isto é, estas só respondem pelos danos causados a utentes se estes provarem a culpa ou negligências daquelas.
Assim, se, por exemplo, um animal atravessa a auto-estrada e, via directa e necessária dessa causalidade, ocorrerem danos para o utente da auto-estrada, este só poderá ser ressarcido dos mesmos se conseguir provar a negligência ou a culpa na actuação da concessionária daquele troço. Isto, para além de quase consubstanciar o que se designa por "prova diabólica", conduz a que as concessionárias, em lugar de envidar esforços para que a circulação pelas vias concessionadas ocorra em segurança e livre de perigos imprevistos para os utentes, como é sua obrigação, utilizem os meios jurídicos ao seu dispor para protelar uma eventual indemnização, isto se o utente conseguir o improvável…
Ora, como de resto acontece em Espanha e em mais países, as concessionárias das auto-estradas, como estão obrigadas a assegurar a segurança das vias a elas concessionadas, devem dirigir os seus esforços para garantir esse importante requisito aos utentes. Para tanto, devem ser as mesmas concessionárias a acarretar com o ónus da prova em caso de ocorrência anómala nas vias que estão encarregues de velar. Devem ser as concessionárias, portanto, e voltando ao exemplo atrás apontado, a provar que o animal que provocou danos a um utente da via concessionada conseguiu entrar na mesma apesar de todos os requisitos de segurança da via terem sido cumpridos pela concessionária, para que esta não seja obrigada a indemnizar o utente.
Assim, o Estado, também por via legislativa, deve intervir neste sentido, clarificando obrigações para as concessionárias, levando a que as mesmas se focalizem no que deve ser prioritário numa concessão do género: a segurança das vias.
Pelo exposto, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, com esta iniciativa legislativa, pretende que as regras de justiça se apliquem em todas as auto-estradas e, se existirem, se considerem incorporadas nos contratos de concessão em curso, reforçando, assim, os direitos de milhões de utentes das auto-estradas e contribuindo para o reforço da segurança das mesmas.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma define regras para a defesa e reforço dos direitos dos utentes das auto-estradas e de travessias rodoviárias com cobrança de portagem.

Artigo 2.º
Âmbito

1 - O disposto no presente diploma aplica-se a todas a vias rodoviárias integradas na rede nacional de auto-estradas, independentemente do pagamento de portagem pela utilização dessas vias.
2 - O disposto no presente diploma aplica-se ainda a todas as travessias rodoviárias em que se cobre portagem pela sua utilização.
3 - Em caso de existência de contratos de concessão, o previsto neste diploma considera-se parte integrante dos mesmos.

Artigo 3.º
Suspensão do pagamento de portagem

1 - Nas vias rodoviárias integradas na rede nacional de auto-estradas onde se efectue o pagamento de portagens o pagamento da portagem suspende-se durante o período em que se executarem obras e enquanto não for reposta a normal circulação da via na extensão correspondente ao lanço intervencionado.
2 - Para efeitos deste diploma, consideram-se obras todos os trabalhos na via de circulação dos quais resultem a supressão de bermas, redução do número de vias utilizáveis, desvios da faixa de rodagem ou impliquem uma redução do limite máximo da velocidade de circulação.

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3 - Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 1, lanço corresponde às secções em que se dividem as auto-estradas.
4 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as travessias rodoviárias onde se efectue a cobrança de portagem.
5 - O regime previsto neste artigo não se aplica no caso de obras com duração inferior a 48 horas.

Artigo 4.º
Informações obrigatórias

1 - Quando se realizem obras nas auto-estradas é obrigatória a colocação de placas informativas em todas as áreas de acesso à via.
2 - As placas informativas devem mencionar, obrigatoriamente, o local intervencionado, a extensão das obras, a duração prevista para o fim das mesmas, o valor de portagem a pagar tendo em consideração o disposto no n.º 1 do artigo anterior e as vias alternativas para os principais destinos.
3 - No local de execução das obras deve existir adequada sinalização, horizontal e vertical, incluindo, obrigatoriamente, dois painéis luminosos, colocados a 5 km e a 1 km do início das obras, onde conste a informação do local de realização das obras, o número de vias impedidas e a velocidade recomendada.
4 - Nas travessias rodoviárias a informação referida no número anterior deve ser colocada no início da travessia e imediatamente antes do início das obras.
5 - O disposto neste artigo aplica-se ainda que a duração das obras previstas não exceda as 48 horas, com excepção da referência ao valor da portagem a pagar.

Artigo 5.º
Responsabilidade civil

1 - Quando, em virtude de ocorrências anómalas à normal circulação nas auto-estradas, com ou sem o pagamento de portagem, resultem danos pessoais ou materiais para os utentes da via o ónus da prova do cumprimento de todas as obrigações de segurança, a que as entidades encarregues da conversação e exploração da via estão adstritas, cabe a estas.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se circunstâncias anómalas as que impeçam a regular circulação na via por ocorrências estranhas aos utentes da mesma e à direcção efectiva do veículo e aos riscos daí provenientes, nomeadamente:

a) Existência de objectos estranhos nas vias de circulação;
b) Atravessamento de animais;
c) Existência de líquidos na via que, pela sua natureza ou volume, possam originar a perda de controlo do veículo de circulação.

Artigo 6.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação, à excepção do disposto no artigo anterior que entra em vigor no dia da publicação do presente diploma.

Assembleia da República, 22 de Setembro de 2005.
As Deputadas e os Deputados do BE: Helena Pinto - Luís Fazenda - Ana Drago - Francisco Louçã.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 69/X
(PROPÕE A REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO SOBRE A INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ REALIZADA POR OPÇÃO DA MULHER NAS PRIMEIRAS 10 SEMANAS)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Relatório

I - Introdução

Um conjunto de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o projecto de resolução n.º 69/X - Propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas.

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Esta apresentação decorre do artigo 161.º, alínea j), do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
Admitida e numerada, a iniciativa baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para a emissão do respectivo relatório/parecer, tendo sido designada como relatora a signatária.

II - Dos antecedentes parlamentares

A matéria da despenalização da interrupção voluntária da gravidez tem sido objecto de várias iniciativas legislativas ao longo das legislaturas desde 1984.
Na VII Legislatura foram apresentadas três iniciativas que visavam alterar as normas respeitantes à interrupção voluntária da gravidez: o projecto de lei n.º 177/VII, do PCP, o projecto de lei n.º 235/VII, do Deputado Strecht Monteiro e outros, do PS, e o projecto de lei n.º 236/VII, do Deputado Sérgio Sousa Pinto e outros, do PS.
Estas três iniciativas foram discutidas em conjunto, na generalidade, e sujeitas a votação nominal, por requerimento subscrito por todos os grupos parlamentares, tendo o projecto de lei n.º 235/VII sido aprovado, com 155 votos a favor, 47 votos contra e 24 abstenções, e rejeitados o projecto de lei n.º 177/VII, com 155 votos contra, 99 a favor e 12 abstenções, e o projecto de lei n.º 236/VII, com 112 votos contra, 111 a favor e 3 abstenções.
O projecto de lei n.º 235/VII, após aprovação final, deu origem à Lei n.º 90/97, de 30 de Julho, que altera os prazos de exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez.
Ainda nessa legislatura foi retomado o debate sobre a interrupção voluntária da gravidez, com o PCP a apresentar o projecto de lei n.º 417/VII, o PS a apresentar o projecto de lei n.º 451/VII, e os Deputados do PS António Braga e Eurico Figueiredo a apresentarem o projecto de lei n.º 453/VII.
Por entender que alguns dos projectos de lei apresentados abordavam expressamente a questão da liberalização da interrupção voluntária da gravidez, ainda que limitada temporariamente, o PSD propôs que a questão fosse objecto de referendo, tendo para o efeito apresentado o respectivo projecto de resolução, que, contudo, acabou por retirar na sequência da discussão conjunta das iniciativas.
Em virtude de requerimento do PSD e do CDS-PP, os projectos de lei foram votados nominalmente, tendo sido aprovado o projecto de lei n.º 451/VII, do PS, com 116 votos a favor, 107 contra e 3 abstenções, e rejeitados o projecto de lei n.º 417/VII, do PCP, com 110 votos contra, 107 a favor e 9 abstenções, e o projecto de lei n.º 453/VII, dos dois Deputados socialistas, com os votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes, votos a favor dos proponentes e abstenções de Deputados do PS e do PSD.
A 13 de Janeiro de 1998 o PSD volta a apresentar o projecto de resolução n.º 75/VII para a realização de referendo, prévio à votação final das iniciativas que visavam a liberalização, tendo dado origem à Resolução da Assembleia da República n.º 16/98, de 31 de Março.
Na sequência do pedido do Presidente da República, o Tribunal Constitucional, por Acórdão n.º 288/98 (Processo n.º 340/98), de 18 de Abril, verificou a constitucionalidade e legalidade do referendo, pelo que este foi realizado a 28 de Junho, com a pergunta "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento legalmente autorizado", tendo os portugueses votado, maioritariamente, não. Por consequência, a Assembleia da República optou por não prosseguir os trabalhos legislativos, embora não tivesse o dever de agir dado que o referendo não teve eficácia vinculativa.
Volvidos mais de cinco anos sobre o referendo, na IX Legislatura voltaram a debate os projectos de lei n.º 1/IX, da iniciativa do Partido Comunista Português, n.º 89/IX, da iniciativa do Bloco de Esquerda, n.º 405/IX, apresentado pelo Partido Socialista, e, por fim, n.º 409/IX. cujos proponentes foram as Deputadas do Partido Ecologista Os Verdes, por considerarem que aquele era o momento de se voltar a discutir a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Porém, os projectos de lei não obtiveram o acordo da maioria parlamentar PSD/Pedro Pinto , tendo sido chumbados no Plenário.
Sete anos depois a questão mantém-se actual, uma vez que o problema do aborto clandestino continua a não estar resolvido. Esta a razão de ser para a apresentação na X Legislatura, de novo, dos projectos de lei dos Grupos Parlamentares do Partido Comunista Português (n.º 1/X), do Bloco de Esquerda (n.º 6/X), do Partido Ecologista Os Verdes (n.º 12/X) e do Partido Socialista (n.º 19/X), sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.
Embora o referendo realizado em Junho de 1998 não tenha sido vinculativo, os proponentes dos projectos de resolução - n.º 7/X, do BE, que propõe a realização de um referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez e n.º 9/X, do PS, que propõe a realização sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 10 semanas - entendem que esta matéria deve ser objecto, de novo, de referendo. Estes projectos de resolução foram discutidos e aprovados no Plenário da Assembleia da República em Abril deste ano.
O Sr. Presidente da República considerou que não estavam reunidas as condições para a realização do respectivo referendo, lançando um apelo no sentido de haver "(…) uma inadiável necessidade de

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repensarmos a adequação do conjunto dos prazos e limites circunstanciais, temporais e materiais que, entre nós, envolvem a realização de referendos (…)", não o tendo, por estas razões, convocado.
Assim, o Partido Socialista, através do seu projecto de lei n.º 122/X, apresentou um diploma com vista a alterar a Lei Orgânica do Referendo, cujo objectivo foi o de pretender criar melhores condições para uma cidadania activa, para mais um passo no aprofundamento dos mecanismos democráticos de participação directa dos cidadãos na vida política.
Propôs a alteração da Lei Orgânica do Referendo, a Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, alargando o intervalo temporal dentro do qual o Presidente da República pode marcar a data de um referendo, tendo em conta a necessidade de facilitar a realização de referendos antes de certos actos eleitorais, particularmente em anos de sucessão de eleições, como é o caso deste ano - sendo certo que a Constituição veda as suas convocação e realização quando já estiverem convocadas eleições para órgãos de soberania, de governo próprio das regiões e do poder local, bem como de Deputados ao Parlamento Europeu -, o que levou a reduzir a antecedência mínima com que o Presidente da República convoca eleições para esse órgão de soberania. Este diploma foi aprovado na reunião plenária de 28 de Julho de 2005.
Já no início desta sessão legislativa, a 15 de Setembro de 2005, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou o projecto de resolução n.º 69/X (objecto deste relatório/parecer) com vista à realização de um novo referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 10 semanas em estabelecimento legalmente autorizado, que, tendo sido admitido pela Mesa da Assembleia da República, foi objecto de recurso por parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP, o qual, discutido e votado em sede de Plenário, com votos contra do PS e do BE e votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes, não mereceu provimento.

III - O actual quadro legal do referendo

Como refere Manuel Proença de Carvalho, Manual de Ciência Política e Sistema Políticos e Constitucionais, 2005, os referendos podem ser deliberativos ou consultivos, de âmbito nacional, regional ou nacional, de iniciativa popular, parlamentar, governamental, presidencial ou monárquica.
São deliberativos quando o seu resultado implica uma decisão obrigatória para o poder político.
São, por sua vez, consultivos quando do seu resultado apenas há uma indicação ao poder político, não estando este obrigado a acatar a vontade do eleitorado.
Em Portugal, face à Lei Fundamental (artigo 115.º), o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.
Estipula, ainda, o artigo 115.º da Constituição da República Portuguesa que "os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na lei".
A Constituição da República Portuguesa consagra, pois, três tipos de referendo: o de âmbito nacional (artigo 115.º), o de âmbito regional (artigos 232.º,n.º 2, e 256.º, n.º 1) e de âmbito local (artigo 240.º). Ora, o referendo de alcance nacional é um dos instrumentos de democracia semi-directa previstos na Constituição portuguesa de 1976. Como refere a Dr.ª Maria de Fátima Abrantes Mendes, in Lei Orgânica do Regime do Referendo, comentada e anotada, 1998, "(...) a ausência de tradição referendária no constitucionalismo português levou a que só 13 anos depois após a aprovação do texto originário da Constituição da República Portuguesa, por altura da 2.ª revisão constitucional operada em 1989, ficasse consagrado o referendo de âmbito nacional", razão pela qual só em 1991 surge a Lei Orgânica do Regime do Referendo (Lei n.º45/91 de 3 de Agosto). De acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional 288/98, "a doutrina portuguesa entendia de forma pacífica que o referendo consagrado entre nós - no âmbito do então artigo 118.º - se regia, basicamente, por três princípios:

a) O referendo nunca é obrigatório, mas sempre facultativo, ou seja, o recurso ao referendo implica sempre uma decisão livre dos órgãos de soberania competentes. Quer a proposta quer a decisão são sempre actos discricionários, pelo que não existe nenhuma decisão cuja legitimidade careça de submissão a decisão referendária;
b) O direito de participação no referendo é limitado aos cidadãos eleitores recenseados no território nacional;
c) O resultado do referendo é vinculativo no sentido de os órgãos do Estado se deverem conformar com o seu resultado, decidindo em conformidade com ele, podendo o sentido ser negativo (impedindo a aprovação de leis ou de convenções internacionais cujo conteúdo tenha sido rejeitado por referendo) ou positivo (obrigando a Assembleia ou o Governo a aprovar, dentro de prazo razoável, o acto legislativo ou convenção internacional correspondente ao sentido da votação) (...)"

O referendo afigura-se nacional quando a participação do eleitorado abrange todo o País, sendo este o caso do referendo sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez.

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0018 | II Série A - Número 052 | 29 de Setembro de 2005

 

A 4.ª Revisão Constitucional, consubstanciada na Lei n.º 1/97, de 20 de Setembro, veio introduzir algumas alterações à versão anterior da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente alargando o campo de iniciativa e da matéria, alterações que se reflectiram com a aprovação de uma nova lei orgânica - Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril - que revogou a anterior Lei n.º 45/91.
Assim, o referendo encontra o seu regime jurídico na Constituição da República Portuguesa e na lei orgânica (Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, com as alterações constantes na Lei Orgânica n.º 4/2005 de 8 de Setembro), definindo-se o tipo de referendo (nacional, regional ou local), a iniciativa de o propor e o seu objecto.
Quanto ao objecto do referendo, o artigo 2.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril, determina que este "só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo (…)". Ora, dado o amplo debate na sociedade portuguesa sobre este tema, os proponentes apresentam estas iniciativas no respeito pela lei, tendo em conta o relevante interesse nacional da matéria nelas vertida. De referir que as iniciativas legislativas em análise em nada ferem o preceituado no artigo 3.º do mesmo diploma, isto é, respeitam os limites materiais do referendo.
Acresce que, quanto às perguntas, elas devem ser "formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem, directa ou indirectamente, o sentido das respostas". Consagra-se, assim, o princípio da inteligibilidade ou compreensibilidade e clareza das perguntas referendárias, de forma a evitar que a vontade expressa dos eleitores seja falsificada pela errónea representação das questões, bem como o princípio da objectividade, o que implica a proibição de juízos de valor implícitos aos quesitos ou sugestões sobre o sentido das respostas.
Ainda sobre esta matéria, deve ter-se em conta o Acórdão n.º 288/98, do Tribunal Constitucional, que refere não caber ao Tribunal Constitucional averiguar se a pergunta se encontra formulada da melhor maneira, mas tão só certificar-se que ela satisfaz adequadamente as exigências constitucionais e legais.

IV - Do conteúdo da iniciativa

O projecto de resolução n.º 69/X, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, com a seguinte pergunta:

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento legalmente autorizado?"

V - Conclusões

1 - A iniciativa foi apresentada nos termos do artigo 161.º, alínea j), do artigo 115.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 131.º do Regimento, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º do Regimento.
2 - O projecto de resolução têm como objectivo a realização de um referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

VI - Parecer

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte parecer:
Que o projecto de resolução aqui apreciado preenche os requisitos constitucionais e regimentais para subir a Plenário, reservando os grupos parlamentares as suas posições de voto para o debate.

Assembleia da República, 28 de Setembro de 2005.
A Deputada Relatora, Ana Catarina Mendonça - O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

Nota: - O relatório, as conclusões e o parecer foram aprovados, com os votos a favor do PS e do BE e votos contra do PSD, PCP e CDS-PP.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 71/X
FUNDAMENTAÇÃO E SUSTENTABILIDADE DO INVESTIMENTO PÚBLICO

No Programa de Estabilidade e Crescimento aprovado para 2005-2009 o Governo prevê que o investimento público não comparticipado cresça a um ritmo anual de 15% até 2009, o que, em relação a um cenário base de crescimento do investimento público de 5% ao ano, representará um acréscimo total de EUR 1640 milhões a preços de 2005.

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Trata-se, em primeiro lugar, de uma opção bastante discutível, pois confere ao Estado um papel principal como motor de crescimento económico - uma fórmula gasta e desactualizada - enquanto que, ao mesmo tempo, através do aumento dos impostos, são retirados recursos às famílias e empresas, isto é, estrangulando a actividade dos agentes económicos. Desvaloriza-se, assim, o que é saudável - ter uma economia privada forte e dinâmica - e promove-se a insustentabilidade de ser o Estado, através da sua despesa, a dinamizar a actividade económica.
As orientações gerais entretanto divulgadas pelo Governo apontam para uma aposta numa política virada para infra-estruturas, teimosamente assente em projectos como o novo aeroporto de Lisboa ou o TGV, ao invés de apostas concentradas nas prioridades da Estratégia de Lisboa, viradas para a área do conhecimento e da qualificação dos recursos humanos.
Ainda por cima, como já se sabe, sem que existam e estejam debatidos e credibilizados junto da opinião nacional os fundamentos e a sustentabilidade desses mega investimentos.
A crise das finanças públicas portuguesas deve levar a uma rigorosa e cuidada selecção do investimento do Estado, que deverá ser concentrado em projectos ou áreas que promovam uma efectiva e duradoura criação de riqueza, assente na competitividade externa da nossa economia, único caminho que permitirá criar emprego de forma sustentada.
Diminuir o grau de arbitrariedade e de subjectividade das opções tomadas deve ser um objectivo dos decisores políticos.
Para que isso aconteça é necessário que o processo de decisão seja objecto de avaliação por parte de uma comissão qualificada, com carácter independente e especialmente criada para o efeito, e que, tanto quanto possível, sejam do conhecimento geral os pressupostos dos projectos em questão, o seu impacte na competitividade geral da nossa economia, bem como a sustentabilidade financeira da sua execução e da posterior gestão.
A Assembleia da República considera assim que, ao adoptar-se esta forma de procedimento, estar-se-á decisivamente a contribuir para garantir o retorno adequado para a sociedade do investimento público seleccionado, aumentando a eficiência da aplicação dos dinheiros públicos e tornando mais claras e transparentes as opções efectuadas.
Com o objectivo último de contribuir para aumentar, de forma sustentada, o crescimento potencial da economia - única forma como a criação de emprego e o bem-estar da população em geral que podem vir a ser significativamente acrescidos de forma duradoura.
Neste contexto, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, a Assembleia da República delibera recomendar ao Governo que:

1 - Os projectos de investimento de valor acima de EUR 50 milhões sejam obrigatoriamente acompanhados por uma comissão especializada, criada para o efeito, integrada por personalidades de reconhecida competência técnica e independência;
2 - A comissão referida no número anterior deve ser composta por sete membros, cinco a indicar pela Assembleia da República e dois pelo Governo;
3 - Os projectos de investimento público devem ser objecto de um parecer prévio da comissão, que avalie, designadamente, a montagem financeira da operação, a sua reprodutividade sobre a produção ou a economia nacional, e o seu impacte sobre a nossa competitividade externa e em termos da elevação dos padrões de qualidade de vida das populações;
4 - As competências da comissão, para além do parecer na fase inicial da selecção do investimento, estendem-se ainda à fase de implementação e execução dos projectos, devendo a sua acção terminar com um relatório que aprecie as respectivas conclusões e entrada em funcionamento;
5 - Os projectos de investimento público devem ser susceptíveis de acompanhamento público, como a divulgação na internet, quer no que respeita aos seus dados essenciais quer na apresentação de um "plano de negócios" que expresse o essencial da projecção de resultados e fluxos financeiros.

Lisboa, 21 de Setembro de 2005.
Os Deputados do PSD: Luís Marques Guedes - Miguel Frasquilho - Regina Ramos Bastos - Pedro Duarte - Fernando Antunes - Carlos Poço - António Almeida Henriques - Hermínio Loureiro - Emídio Guerreiro.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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