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Quinta-feira, 23 de Fevereiro de 2006 II Série-A - Número 88

X LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2005-2006)

S U M Á R I O

Resoluções:
- Cumprimento do Estatuto da Carreira Docente relativamente aos professores de técnicas especiais.
- Viagem do Presidente da República a Timor-Leste.

Projectos de lei (n.os 195 e 211 a 213/X):
N.º 195/X (Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde):
- Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde.
N.º 211/X - Altera o Código Penal (apresentado pelo PS).
N.º 212/X - Adopta medidas para o eficaz funcionamento das comissões de protecção de jovens e crianças em perigo (apresentado pelo BE).
N.º 213/X - Visa combater a realização de espectáculos de luta de cães, criminalizando a sua promoção ou realização (apresentado pelo CDS-PP).

Projecto de resolução n.o 105/X:
Recomenda a definição de uma estratégia nacional para o desenvolvimento da energia das ondas e de medidas de apoio que a sustentem (apresentado pelo PS).

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RESOLUÇÃO
CUMPRIMENTO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE RELATIVAMENTE AOS PROFESSORES DE TÉCNICAS ESPECIAIS

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo:

1 - O cumprimento da legislação em vigor, quanto aos docentes de técnicas especiais com 10 ou mais anos de serviço, dispensados de profissionalização e contratados anualmente para leccionar, com carácter de permanência, as disciplinas respectivas, no sentido da sua integração nos quadros do Ministério da Educação e do processamento dos vencimentos.
2 - Que a situação dos restantes docentes de técnicas especiais não abrangidos pelo disposto no número anterior seja resolvida em sede de Estatuto da Carreira Docente.

Aprovada em 9 de Fevereiro de 2006.
O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

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RESOLUÇÃO
VIAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA A TIMOR-LESTE

A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, dar assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Timor-Leste, entre os dias 17 e 27 do corrente mês de Fevereiro.

Aprovada em 15 de Fevereiro de 2005.
O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.

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PROJECTO LEI N.º 195/X
(INCLUSÃO DOS MÉDICOS DENTISTAS NA CARREIRA DOS TÉCNICOS SUPERIORES DE SAÚDE)

Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Saúde

I - Do Relatório

1.1 - Nota prévia
A 13 de Janeiro de 2006, deu entrada na Assembleia da República o projecto de lei n.° 195/X do Grupo Parlamentar do CDS-PP, que prevê a "(Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde)".
Por Despacho do Presidente da Assembleia da República de 17de Janeiro de 2006, a iniciativa foi admitida, tendo baixado à Comissão de Saúde, para efeitos de elaboração do respectivo relatório e parecer, encontrando-se já agendada a sua discussão no Plenário da Assembleia da República para o dia 22 de Fevereiro de 2006, conjuntamente com o projecto de lei n.º 86/X (BE), que "Consagra a integração da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde e a carreira dos médicos dentistas".
O projecto de lei em análise, que prevê a "Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde", foi apresentado ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 167.° e do artigo 161.°, ambos da Constituição da República Portuguesa, observando os requisitos de forma previstos nos artigos 131.º a 133.º e 138.º do Regimento da Assembleia da República.

1.2 - Do objecto e motivação
Com a apresentação do projecto de lei n.° 195/X, pretende o Grupo Parlamentar do CDS-PP a "Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde".
Consideram os proponentes que a situação da saúde oral em Portugal é preocupante, situando-se entre as piores da União Europeia no que respeita ao acesso aos cuidados de saúde oral, não obstante a aprovação, em Janeiro de 2005, da aprovação do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral.
Esta situação, segundo os autores da iniciativa, torna-se ainda mais evidente face às conclusões de um estudo levado a cabo pela Ordem dos Médicos Dentistas, em Novembro de 2005, onde se constata que "72% dos hospitais e 93% dos centros de saúde não têm este serviço ao dispor dos utentes", registando-se também uma "crescente degradação face aos números de há quatro anos".

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Entendem os mesmos que esta regressão se prende com a impossibilidade de estes profissionais exercerem as suas funções no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Argumentam ainda que o encerramento desta especialidade na licenciatura de medicina reduziu progressivamente o número de médicos estomatologistas, sem que tenha sido feita a sua substituição por médicos dentistas.
Por fim, constatam que "o progresso da medicina dentária no domínio das actividades desenvolvidas pelos médicos dentistas nos diversos estabelecimentos de saúde, mostrou a necessidade de desencadear uma inserção daqueles profissionais na adequada carreira pública".
A iniciativa legislativa em análise é composta por sete artigos que prevêem em concreto: a inclusão do ramo da medicina dentária (correspondente à licenciatura em medicina dentária), nos ramos das actividades da carreira dos técnicos superiores de saúde (artigo 1.°); o perfil profissional do médico dentista (artigo 2.°); as funções das categorias do ramo da medicina dentária (artigo 3.°); a tramitação do pessoal da área de medicina dentária (artigo 4.°); o processo das listas de transição (artigo 5.°); a definição da natureza e objectivos da carreira de técnico superior de saúde (artigo 6.°); e a enumeração dos ramos de actividade (artigo 7.°).

1.3 - Do enquadramento constitucional e legal
A Constituição da República Portuguesa reconhece, no seu artigo 64.°, o direito à protecção da saúde (n.º 1), incumbindo ao Estado "Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;" bem como "Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;" [alínea a) e b) do n.° 3 do artigo 64.°]. Nesta perspectiva, reconhece-se a saúde oral como uma vertente de saúde pública essencial para o bem-estar da população.
No plano legal, convém referir as Recomendações da Organização Mundial de Saúde, bem como a Lei de Bases da Saúde - Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto -, na sua Base I, n.° 2, que evidencia o papel do Estado na "promoção e garante do acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis".
No que respeita ao regime legal da carreira de técnicos superiores de saúde, este encontra-se previsto no Decreto-Lei n.° 414/91, de 22 de Outubro ("Visa definir o regime legal da carreira dos técnicos superiores de saúde dos serviços e estabelecimentos do Ministério da Saúde e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa"), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 501/99, de 19 de Novembro ("Procede à alteração da carreira" dos técnicos superiores de saúde instituída pelo Decreto-Lei n.º 414/91, de 22 de Outubro").
Finalmente, importa ter presente que o projecto de lei em análise versa sobre o estatuto profissional dos médicos dentistas, matéria relativamente à qual é legítimo questionar se integra o conceito de legislação do trabalho para efeitos de apreciação pública junto das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores e empregadores. Salvo melhor e mais qualificado entendimento, a ser considerada matéria laboral, deveria ter sido sujeito, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis (cfr. alínea a), n.º 2 do artigo 56.° da Constituição da República Portuguesa, artigos 524.° e 525.º do Código de Trabalho e artigo 146.° do Regimento da Assembleia da República), ao competente processo de consulta pública.

II - Das conclusões

Atentos os considerandos que antecedem conclui-se no seguinte sentido:

- O Grupo Parlamentar do CDS-PP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República, o projecto de lei n.° 195/X, que propõe a "Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde".
- A presente iniciativa foi apresentada ao abrigo do disposto do n.º 1 do artigo 167.° e do artigo 161.°, ambos da Constituição da República Portuguesa, observando os requisitos de forma previstos nos artigos 131.° a 133.° e 138.° do Regimento da Assembleia da República.
- O diploma visa a integração dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde.
- Com esta iniciativa, procuram seus os autores solucionar o problema de saúde oral em Portugal, nomeadamente no que toca ao acesso aos cuidados de saúde oral integrado do Serviço Nacional de Saúde.

III - Do parecer

Face ao exposto, a Comissão de Saúde é do seguinte parecer:

1. Salvo melhor e mais qualificado entendimento, o projecto de lei n.° 195/X, que propõe a "Inclusão dos médicos dentistas na carreira dos técnicos superiores de saúde", preenche os requisitos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, podendo ser discutido e votado pelo Plenário da Assembleia da República.
2. Os grupos parlamentares reservam as suas posições de voto para o Plenário da Assembleia da República.
3. Nos termos regimentais aplicáveis, o presente relatório e parecer deverá ser remetido ao Senhor Presidente da Assembleia da República.

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Palácio de São Bento, 2l de Fevereiro de 2006.
A Deputada Relatora, Maria Antónia Almeida Santos - A Presidente da Comissão, Maria de Belém Roseira.

Nota: o parecer foi aprovado por unanimidade.

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PROJECTO LEI N.º 211/X
ALTERA O CÓDIGO PENAL

Exposição de motivos

1. Introdução

Através do projecto de lei n.º 98/X, o Grupo Parlamentar do partido Socialista propôs a alteração do Código de Registo Civil, por forma a tornar obrigatória a exibição, para efeitos de registo de nascimento, da declaração de estabelecimento hospitalar, atestando o nascimento aí ocorrido, permitindo-se deste modo o controlo do número de nascimentos ocorridos em Portugal e obviar-se a ocorrência de declarações falsas, de situações de adopção ilegal e de venda de crianças recém-nascidas ou por registar.
Pelas razões a seguir expostas é necessário ir mais além na protecção da dignidade da criança. Por isso, a presente iniciativa legislativa surgiu com a intenção inicial de completar o regime legal vigente - que não tipifica o crime de venda de crianças. Para além disso, torna-se imperativo conformar o Direito Penal interno aos instrumentos internacionais de que Portugal é signatário, nomeadamente ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, adoptado em Nova Iorque, em 25 de Maio de 2000, (Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, de 5 de Março, e Decreto do Presidente da República n.º 14/2003, de 5 de Março) e ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças (Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 2 de Abril, e Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 2 de Abril).
O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, prescrevem que por venda de crianças deverá entender-se "qualquer acto ou transacção pelo qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas para outra pessoa ou grupo contra remuneração ou qualquer outra retribuição" e que "os Estados Partes deverão proibir a venda de crianças (…), por qualquer meio, para fins de exploração sexual, transferência dos órgãos com intenção lucrativa e submissão da criança a trabalho forçado." Estabelece ainda o Protocolo que "a indução indevida do consentimento, na qualidade de intermediário, para a adopção de uma criança com violação dos instrumentos internacionais aplicáveis em matéria de adopção" deve ser tipificado como crime de tráfico de crianças.
Também o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças define o "tráfico de pessoas", como "o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto ou à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração", esclarece que "a exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extracção de órgãos", e explicita que no caso da vítima ser uma criança (idade inferior a 18 anos), o mero recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento para fins de exploração é sempre considerado tráfico de pessoas, mesmo que não tenha sido utilizado qualquer dos meios indicados.
Este Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas apresenta, assim, uma definição de tráfico internacionalmente aceite, e constitui o fundamento do âmbito temático do Protocolo e da cooperação internacional. Merece destaque a obrigação de os Estados partes no Protocolo estabelecerem infracções penais de forma a criminalizar o tráfico, integrando, no mínimo, todos os actos incluídos na definição.
Apesar das várias iniciativas legislativas nesta área (v.g. proposta de lei n.º 149/IX, projectos de lei n.º 218/IX e n.º 22/IX), e do reconhecido desvalor da acção, repugnado pela consciência social, o crime de tráfico de crianças e pessoas para fins de exploração de mão-de-obra e extracção de órgãos não está tipificado no ordenamento jurídico português.
Para a tipificação de novos tipos penais no que concerne ao tráfico de pessoas importa ter presente que o Código Penal português não é totalmente omisso. De facto, integra em determinados tipos aspectos do tráfico

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de pessoas. Assim, o artigo 159.º (escravidão) pune com a pena de prisão de 5 a 15 anos quem "alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar, com a intenção de a manter no estado ou condição de escravo"; o artigo 169.º (tráfico de pessoas) pune com a pena de prisão de 2 a 8 anos "quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando qualquer situação de especial vulnerabilidade, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as condições para a prática por essa pessoa, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo"; e o n.º 2 do artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores) pune com a pena de prisão de 1 a 8 anos "quem aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor de 16 anos, ou propiciar a prática por este, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo."
Também o artigo 296.º (exploração de menor na mendicidade) é susceptível de fundamentar a punição do tráfico de menores para a mendicidade, porém apenas num quadro de comparticipação, não podendo o traficante (v.g. o pai que cede o seu filho a um terceiro para aquele ser utilizado na via pública a pedir esmola) ser condenado numa pena superior a três anos de prisão.
Nos termos do artigo 12.º do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, deve cada Estado parte, decorridos dois anos sobre a entrada em vigor do Protocolo, elaborar um relatório contendo informação detalhada sobre as medidas por si adoptadas para tornar efectivas as disposições do Protocolo. Ora terminado em Abril de 2005 esse prazo, no respectivo relatório do Estado português far-se-ia constar, por uma lado, a omissão legislativa no que respeita ao crime de tráfico de crianças para exploração de mão-de-obra e extracção de órgãos e por outro o facto de para o Direito Penal interno o conceito de criança abranger unicamente os menores de 16 anos de idade.
Quer os compromissos firmados com a Comunidade Internacional, quer as vivências ilícitas que em Portugal se vêem desenvolvendo com os fluxos imigratórios impõem a reformulação do Código Penal português.

2. Tipificação do "tráfico de pessoas" no Direito Penal vigente
2.1. Escravidão e mendicidade

Numa consideração mais atenta do tipo penal do artigo 159.º (escravidão) poderíamos considerar que todo o tráfico de pessoas se integraria no respectivo tipo, uma vez que nessas situações o ser humano é desconsiderado da sua dignidade e tratado como um objecto. Foi mesmo a Convenção Suplementar de Genebra de 1956 que "indicou, a título exemplificativo, vária condutas que qualificou de análogas à de escravidão. Trata-se de comportamentos que têm o elemento típico da escravatura, ou seja, a redução de uma pessoa à categoria de mero objecto, coisa ou mercadoria. São elas a servidão por dívidas, a servidão da gleba, a alienação ou aquisição, a qualquer título, do direito de disposição total sobre mulher ou criança." (Cit. Carvalho, Américo Taipa de, "Artigo 159.º", in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 424.)
No entanto, ainda que o tráfico de pessoas para exploração de mão-de-obra possa em teoria subsumir-se ao tipo previsto no n.º 2 do artigo 159.º CP, tal não sucede com o tráfico de crianças, tal como definido no Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil.
Até mesmo quanto ao tráfico de crianças que tenha por fim a sua exploração na mendicidade (socialmente considerada como uma forma de escravidão contemporânea) há dúvidas que se possa qualificar como tráfico, para efeitos do artigo 159.º do Código Penal (CP). Isto porque a tipificação da exploração de menor na mendicidade (artigo 296.º CP), indicia que a exploração de um ser humano na mendicidade não é reconhecido como uma situação de escravidão.
Acresce ainda que não pode qualificar-se a mendicidade em si como actividade desumana ou proibida, porque, a poder qualificar-se como tal retirar-se-ia sentido útil ao tipo de crime de exploração de menor na mendicidade, uma vez que se aplicaria a alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º CP (Maus tratos e infracção de regras de segurança).
Assim, por um lado, atendendo ao princípio da tipicidade, os casos de tráfico de menores para a prática de mendicidade terão de ser resolvidos no quadro da comparticipação, e uma acção (tráfico) cujo desvalor é maior que a própria exploração do menor na mendicidade é punido com pena equivalente (pena de prisão até 3 anos); e por outro, apesar de o bem jurídico tutelado pelo artigo 296.º ser o "normal e socialmente saudável desenvolvimento da criança e o não agravamento da incapacidade psíquica do incapaz" (Carvalho, Alberto Taipa de, "Artigo 296.º" in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Artigos 202.º a 307.º, Jorge Figueiredo Dias (dir.), Coimbra Editora, pág. 1129) e de os instrumentos internacionais referirem que todo o menor de 18 anos é criança, o tipo penal do artigo 296.º apenas protege os menores de 16 anos e os psiquicamente incapazes.
A formulação do princípio da legalidade, previsto no número 1 do artigo 1.º do CP, nos termos do qual "só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da prática do facto", exige do legislador níveis elevados de clareza e precisão para permitir a sua aplicação

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actualizada pelos tribunais (neste sentido cfr. Canotilho, Gomes/ Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., pág. 193).
Por conseguinte, apesar de ser admissível a interpretação extensiva, o facto de o intérprete ter o dever de fazer uso dela com prudência e moderação, e de o próprio legislador ter a obrigação de especificar clara e suficientemente os factos em que se desdobra a lei penal, tem dificultado a interpretação actualista e a inclusão de novas formas de escravidão no tipo penal previsto no artigo 159.º CP, acabando este preceito por assumir uma função meramente simbólica, não permitindo que os tribunais nacionais o apliquem de forma consistente, não se alcançando de forma eficaz a protecção do bem jurídico em causa - a dignidade da pessoa humana.

2.2. Tráfico de pessoas e "angariação de mão-de-obra ilegal"

O tipo de crime de tráfico de pessoas, na ordem jurídica portuguesa, está limitado às situações em que as pessoas são traficadas para o exercício da prostituição ou actos sexuais de relevo (artigos 169.º e 176.º CP), inserido no Código Penal no âmbito dos crimes contra a liberdade sexual e não no âmbito dos crimes contra a liberdade e a dignidade humanas.
A prática dos crimes de tráfico de pessoas e menores (artigos 169.º e 176.º) podem configurar um concurso efectivo com tipos penais previstos nos artigos 134.º-A e 136.º-A do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto (condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 97/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 4/2001, de 10 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, que tipificam, respectivamente os crimes de auxílio à imigração ilegal e angariação de mão-de-obra ilegal.
Apesar da tipificação destes crimes (não integrados no Código Penal), que lateralmente se relacionam com o tráfico de pessoas para exploração de mão-de-obra, o bem jurídico que se visa proteger é fundamentalmente a segurança interna do Estado, "isto porque a supressão de fronteiras não pode ser efectuada em detrimento da segurança da população, da ordem e da liberdade públicas" (cit. Rodrigues, Anabela Miranda, "O papel dos sistemas legais e a sua harmonização para a erradicação das redes de tráfico de pessoas" in Revista do Ministério Público, Ano 21.º, Outubro-Dezembro 2000, n.º 84, pág. 19).
A previsão legal do crime de auxílio à imigração ilegal e o tipo de angariação de mão-de-obra ilegal incidem fundamentalmente sobre situações de irregularidade no território português, não tendo em consideração o fim ou a utilização do estrangeiro. O bem jurídico protegido é assim, em última análise, a soberania do próprio Estado português, e só "muito" lateralmente e quando a angariação se faça utilizando seres humanos como objectos, se visa a protecção da dignidade humana.
O facto de a comercialização de seres humanos atingir o direito fundamental do homem - a sua dignidade - e da própria sociedade repugnar estes actos, cuja prática constitui uma actividade rentável, imprime uma necessidade urgente de combater esse tráfico de pessoas, tipificando-o como crime, independentemente da penalização estar ou não indirectamente prevista noutras condutas ilícitas.
A própria dimensão do tráfico de pessoas em Portugal é prejudicada pela noção legal adoptada, uma vez que, as pessoas não são só traficadas para exploração sexual, mas também para exploração de mão-de-obra, mendicidade e tráfico de órgãos (artigo 3.º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças).
A Decisão Quadro do Conselho 2002/629/JAI, de 19 de Julho de 2002 relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, estabelece nos seus artigos 1.º e 3.º que todos os Estados-membros devem adoptar as disposições necessárias para garantir que sejam tipificados como crime na legislação nacional todos os actos de "recrutamento, transporte, transferência, guarida, troca e acolhimento de uma pessoa, incluindo a troca ou a transferência do controlo sobre ela exercido, sempre que:
a) seja utilizada coação, força ou ameaças, incluindo rapto; ou
b) seja utilizada manipulação ou fraude;
c) haja abuso de autoridade ou de uma posição de uma vulnerabilidade de tal ordem que essa pessoa não tenha outra alternativa real ou aceitável senão submeter-se a esse abuso; ou
d) sejam efectuados pagamentos ou recebidos benefícios para alcançar o consentimento de uma pessoa que tenha o controlo sobre outra pessoa,
para efeitos da exploração do trabalho ou dos serviços dessa pessoa, incluindo pelo menos, trabalhos ou serviços forçados ou obrigatórios, escravatura ou práticas semelhantes à escravatura, ou para efeitos da exploração da prostituição de outrem, ou de formas de exploração sexual, incluindo a pornografia."

Também a Recomendação Conselho Económico e Social, relativa a Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas, de 20 de Maio de 2002, focaliza a necessidade urgente de harmonização, nas várias ordens jurídicas, dos preceitos e definições legais nesta matéria, em conformidade com os instrumentos internacionais (Guideline 4).

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Portugal é dos poucos países da União Europeia que não típica no seu Direito Penal o crime de tráfico de seres humanos em sentido amplo, não havendo cobertura para a condenação de diversas formas da prática de actos que visam o enriquecimento através da venda de crianças e da exploração de mão de obra e de novas formas de escravatura, como a exploração da mendicidade.
Pelo exposto é importante proceder a uma alteração do crime de tráfico de pessoas, por forma a punir todos aqueles que exploram as pessoas para outros fins, harmonizando-se, deste modo, o Direito Penal português com os instrumentos internacionais de que Portugal é signatário.

3. Conclusões: opção legislativa

A legislação penal nacional até agora em vigor não permite a adequada protecção da liberdade e dignidade humana, bem jurídico atingido no âmbito do tráfico de seres humanos, conforme definido nos instrumentos internacionais supra indicados.
Assim, importa:

1. Tipificar o crime de tráfico de crianças, criminalizando-se condutas que visem a transacção de crianças para extracção de órgãos exploração sexual, de mão de obra e na mendicidade e a cedência de crianças em violação das regras da adopção;
2. Tipificar o crime de tráfico de pessoas para extracção de órgãos, exploração sexual, de mão de obra e na mendicidade, quando o agente recorra à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto ou à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração;
3. Adoptar uma definição de criança, para fins do crime de tráfico de pessoas, que abranja todo o cidadão que não tenha atingido a maioridade;
4. Alargar a protecção do artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores) a todas as crianças, independentemente da sua condição de estrangeiro.

Para a ponderação de uma solução legislativa e para efeitos da densificação do conceito de exploração de mão-de-obra procedeu-se ao confronto do Código Penal alemão, do Código Penal austríaco, do Código Penal francês e do Código Penal espanhol.
O Código Penal Alemão, nos termos definidos nos instrumentos internacionais acima identificados, tipifica autonomamente no âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal (i) o tráfico de seres humanos para exploração sexual (§ 232), punindo o facto com pena de prisão entre 6 meses e 10 anos (ii) o tráfico de seres humanos para exploração de mão de obra (§233), punindo o facto com pena de prisão entre 6 meses e dez anos e (iii) o tráfico de crianças (§ 236), punindo o facto com pena de multa ou prisão até cinco anos.
O Código Penal austríaco adoptando uma técnica legislativa diferente, mas em conformidade com os instrumentos internacionais de que é signatário e também no âmbito dos crimes contra a liberdade, tipifica os crimes de tráfico de escravos (§ 104) e tráfico de seres humanos (§ 104 a), punindo com a pena de prisão até três anos a comercialização de menores, pena esta susceptível de ser agravada até dez anos.
O Código Penal francês tipifica os crimes de exploração da mendicidade (artigo 225-12-5) de exploração e mendicidade em relação a um menor (artigo 225-12-6), punidos com pena de multa e prisão até 10 anos, incluindo a criminalização da intermediação para adopção em violação das leis da adopção no tipo de crime de "atentado contra a filiação" (227-12), punido com pena de multa ou de prisão até 6 meses e os crimes relativos a condições de trabalho e alojamento contrárias à dignidade humana (artigo 225-12-7), punidos com pena de prisão de cinco anos (sete se a vítima for menor) e pena de multa.
O Código Penal espanhol pune, no âmbito dos crimes contra a liberdade e intimidade sexual, com pena de prisão de 1 a 4 anos o tráfico de menores para exploração sexual (artigo 187.º), pune com a pena de prisão de seis meses a dois anos "quem ocultar ou entregar a terceiros um filho para alterar ou modificar a sua filiação" (artigo 220.º e seguintes - da suposição do parto, da alteração da paternidade ou do estado ou condição do menor). Para além de tipificar os crimes favorecimento da imigração ilegal em Espanha e de angariação de mão-de-obra estrangeira ilegal (artigos 313.º e 318.º), pune com a pena de prisão de 2 a 5 anos o tráfico de mão-de-obra (artigo 312.º).
Tendo como ponto de partida o quadro normativo nacional e internacional acabado de traçar, podemos verificar, a diferença entre a noção de tráfico de pessoas na ordem jurídica portuguesa, que está limitado às situações em que as pessoas são traficadas para o exercício da prostituição, e as diferentes noções adoptadas por instrumentos jurídicos internacionais que incluem no conceito, a exploração de mão de obra e a extracção de órgãos.
Dos preceitos acima identificados os Códigos Penais alemão e francês procedem à determinação do conceito de exploração de mão-de-obra.
Assim, nos termos do § 233 do Código alemão são elementos essenciais do crime de tráfico de pessoas:

- Aproveitamento pelo agente de uma situação de necessidade (Zwangslage) e desamparo;

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- Colocação da vítima numa situação de subjugação, servidão por dívidas, ou numa continuada actividade profissional, prestada ao agente ou a terceiro e em que haja uma acentuada desproporção das condições de trabalho relativamente a outros trabalhadores (conceito de exploração);
- A vítima ser (deslocada) de um país estrangeiro.

O § 233 a (Aproveitamento do tráfico de pessoas) pune com a pena de prisão de 3 meses a 5 anos, quem favorecer, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, para fins de exploração sexual e de mão-de-obra. A pena mínima é alargada para 6 meses e a máxima para 10 anos se a vítima for uma criança.
O artigo 225-13 do Código Penal francês pune com pena de prisão até 5 anos "quem obtiver de uma pessoa, cuja vulnerabilidade e estado de necessidade sejam aparentes, a prestação de serviços não retribuídos o a troco de uma retribuição manifestamente em desproporção com o trabalho realizado" e o artigo 225-12-5 qualifica, nomeadamente como exploração da mendicidade, a promoção da mendicidade alheia, com fins lucrativos e a participação nos proveitos de outro, obtidos através da mendicidade.
A noção de tráfico de pessoas é constituída no direito internacional por três elementos essenciais: o recrutamento, transporte e acolhimento das vítimas, a inexistência ou condicionamento da vontade da vítima, a sujeição a actividades degradantes ou desumanas. Pretende-se tipificar como crime (i) situações em que se transportam pessoas e as colocam estrategicamente para estas prestarem pequenos serviços na via pública (lavagem de vidros, venda de pensos rápidos ou lenços de papel), praticarem furtos em locais públicos ou actuarem na mendicidade (e, ao fim do dia, vêm recolhê-los ficando com o dinheiro por estas conseguido) (ii) situações de aproveitamento do estado de necessidade ou desamparo, colocando-a numa actividade profissional numa acentuada desproporção das condições de trabalho relativamente à actividade prestada (recrutamento de pessoas para trabalhar nas obras, fábricas ou explorações agrícolas em condições degradantes).
Optando-se pela não modificação da estrutura do Código Penal propõe-se:

1. No âmbito do tráfico de menores para fins de exploração sexual, o alargamento do âmbito de protecção do tipo previsto no artigo 176.º a todos os menores, bem como a agravação das respectivas penas;
2. A inclusão no artigo 159.º da exploração, com fins lucrativos, da mendicidade alheia;
3. O alargamento do âmbito de protecção do artigo 296.º a todos os menores e o agravamento da pena máxima de 3 para 5 anos de prisão, por forma a permitir a punição da tentativa;
4. A previsão do tipo penal de tráfico de pessoas; e
5. A alteração da epígrafe do artigo 169.º para tráfico de pessoas para exploração sexual.

Assim, com o objectivo de proceder à tipificação do crime de tráfico de pessoas, por forma a punir os actos de exploração de pessoas para outros fins, que não apenas prostituição, harmonizando-se o Direito Penal Português com os instrumentos internacionais de que Portugal é signatário os Deputadas abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, com vista a alcançar soluções mais adequadas à realidade social e que garantam a protecção da dignidade de todos os cidadãos, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Alterações ao Código Penal

O artigo 159.º, 169.º, 176.º e 296.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, alterado pela Lei n.º 6/84, de 11 de Maio, pelos Decretos-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril e 48/95, de 15 de Março, pelas Leis n.os 65/98, de 2 de Setembro, 7/2000, de 27 de Maio, 77/2001, de 13 de Julho, 97/2001, 100/2001, de 25 de Agosto, 108/2001, de 28 de Novembro, pelos Decretos-Lei n.os 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março, e pelas Leis n.os 52/2003, de 22 de Agosto, 100/2003, de 15 de Novembro, e 11/2004, de 27 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, e pela Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 159.º
Escravidão

1. Quem:

a) (…);
b) Com intenção lucrativa, explorar pessoa, utilizando-a para mendigar ou para a prática de pequenos serviços na via pública que consubstanciem a mendicidade;
c) Alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar com a intenção de a manter nas situações previstas nas alíneas anteriores;

É punido com a pena de prisão de 5 a 15 anos.

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Artigo 169.º
Tráfico de pessoas para exploração sexual

(…)

Artigo 176.º
Lenocínio e tráfico de menores

1 - Quem fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição de menor, ou a prática sexuais de relevo é punido com pena de prisão de seis meses a 10 anos.
2 - Quem aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor, ou propiciar as condições para a prática por este, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo, é punido com a pena de prisão se 1 a 10 anos.
3 - Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, actuar profissionalmente com intenção lucrativa, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, ou de qualquer outra situação de vulnerabilidade, ou se esta for menor de 16 anos, é punido com a pena de prisão de 3 a 12 anos.

Artigo 296.º
Exploração de menor na mendicidade

Quem explorar menor ou pessoa psiquicamente incapaz utilizando-o para mendigar, é punido com a pena de prisão até 5 anos."

Artigo 2.º
Aditamento ao Código Penal

É aditado ao Código Penal o artigo 159.º-A.

"Artigo 159.º-A
Tráfico de pessoas

Quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou laboral, ou aproveitando qualquer situação ilegal de imigração ou de especial vulnerabilidade, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as condições para a exploração de mão-de-obra ou a extracção de órgãos ou tecidos humanos é punido coma pena de prisão de 3 a 10 anos.
Por exploração de mão-de-obra entende-se a oferta de trabalho, cuja prestação a título profissional é efectuada em acentuada desproporção entre a actividade prestada e as condições de trabalho.
Na mesma pena incorre quem:

a) Alienar, ceder ou adquirir menor para fins de exploração de mão-de-obra ou extracção de órgão ou tecidos humanos;
b) Obtiver, der ou induzir a declaração de consentimento necessário à adopção de menor, em violação grave das normas legais aplicáveis."

Assembleia da República, 6 de Fevereiro de 2006.
Os Deputados do PS: Maria do Rosário Carneiro - Teresa Venda - Alberto Martins - José Junqueiro - Mota Andrade.

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PROJECTO LEI N.º 212/X
ADOPTA MEDIDAS PARA O EFICAZ FUNCIONAMENTO DAS COMISSÕES DE PROTECÇÃO DE JOVENS E CRIANÇAS EM PERIGO

Exposição de motivos

A Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989, que Portugal ratificou, deu um passo de gigante na defesa e no aprofundamento dos Direitos das Crianças ao considerá-las cidadãos e cidadãs autónomos e portadores de direitos.
Este documento veio também introduzir responsabilidades acrescidas aos Estados na defesa e promoção dos direitos das crianças, que muitas vezes tardam em surgir ou noutros casos não são suficientemente

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eficazes. Não é, seguramente, propaganda quando se diz que um dos indicadores de desenvolvimento de um país é exactamente a forma como trata as suas crianças.
No caso de Portugal podemos afirmar que a Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, foi um passo importante e muito significativo no sentido do aprofundamento da defesa e promoção dos direitos das crianças. Mas, apesar da importância do diploma, este não é suficiente sobretudo devido à escassez dos meios materiais e técnicos que o Estado assegura para tão ampla e árdua tarefa.
O mediatismo de algumas situações que infelizmente ocorreram recentemente no nosso país envolvendo crianças levou a que fosse colocado na agenda política o papel das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Foi também o mediatismo de outras situações dramáticas, envolvendo crianças no nosso país, há uns anos atrás, que levaram a que a Assembleia da República debatesse, em sede de plenário e, via desse processo, fossem aprovadas duas Resoluções da Assembleia da República que recomendavam ao Governo, a entidade que, por lei, tem essa incumbência, a tomada de um conjunto de medidas para evitar que essas situações pudessem ocorrer no futuro. As medidas então propostas pela Assembleia da República constam das Resoluções n.º 20 e 21, de 2001, aprovadas em 15 de Fevereiro e publicadas e 6 de Março desse mesmo ano. As recomendações dirigidas ao Governo visavam o "reforço de medidas de apoio às comissões de protecção de crianças e jovens de forma a ampliar e consolidar uma intervenção sustentada em meios humanos e técnicos, assim como um acompanhamento que incentive a reflexão e partilha de experiências entre diversas comissões", "o reforço da capacidade de actuação das comissões, através do destacamento efectivo, a tempo inteiro de técnicos", " a definição de um plano de formação das equipas interdisciplinares", entre outras medidas de carácter, marcadamente, administrativo. A resolução n.º 21/2001, em articulação com as medidas propostas ao Governo no diploma anterior, recomenda que o Governo proceda à regulamentação urgente do artigo 35.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, isto é, exigia a regulamentação imediata do regime de execução das medidas de promoção e de protecção de crianças e jovens em risco.
Passados exactamente cinco anos sobre a aprovação destas recomendações por parte da Assembleia da República verificamos, já sem espanto, que tudo o que se resolveu recomendar ao Governo continuam a ser, hoje, reivindicações das centenas de pessoas que se encontram no terreno e que, por experiência acumulada, facilmente enumeram as dificuldades e obstáculos com que se deparam e que as impedem de responder cabalmente às difíceis situações que a sociedade de hoje vive, especialmente neste campo sensível das crianças e jovens.
O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, aliás autor do projecto de resolução n.º 103/VII, que deu origem à Resolução da Assembleia da República n.º 20/2001, já citada, não pode alhear-se da discussão em torno de uma problemática importante para qualquer sociedade que tenha em consideração as crianças e os jovens como é o caso da sociedade portuguesa que, por via constitucional - artigo 69.º da CRP-, está obrigada a assegurar às crianças "protecção, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições."
A Assembleia da República deve actuar no sentido de dar conteúdo a boas práticas de produção legislativa, tal como todos os que se dedicam à legística e à ciência legislativa têm vindo a preconizar. Estes últimos, avisadamente, defendem que, apesar da existência de legislação correcta e adequada, esta mesma legislação deve ser, passados 5 anos de vigência, obrigatoriamente revista e fiscalizada para, sendo caso disso, melhorar algumas aporias que a mesma pode concitar àqueles a que se destina. Ora, este entendimento deve ser adoptado porque, precisamente, pode, essa eventual alteração legislativa, contar com os preciosos contributos de quem tem de lidar no quotidiano com esse mesmo diploma. É este o intuito do Bloco de Esquerda: transportar os contributos das comissões de protecção de menores e jovens em risco que, através da imprensa ou mesmo em sede de comissão especializada da Assembleia da República, produziram no intuito de melhorarem a sua actuação no terreno.
Desta forma, embora que muitas das queixas e dificuldades das comissões de protecção passem por um maior reforço financeiro e pelo aperfeiçoamento das condições materiais e logísticas, existem alguns aspectos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco que carecem de revisão para que a mesma não constitua um entrave para o cabal exercício dessas comissões de protecção.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º
Objecto

O presente diploma altera a Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, adoptando medidas para o funcionamento eficaz das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

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Artigo 2.º
Altera a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo

Os artigos 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 26.º, 28.º, 30.º, 32.º, 45.º e 95.º da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, passam a ter a seguinte redacção:

"Artigo 9.º
[…]

A intervenção das comissões de protecção das crianças e jovens depende do consentimento expresso dos seus pais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto, consoante o caso, excepto nas situações onde existam fortes indícios de que sejam estes os próprios causadores da situação de risco para a criança, caso em que as comissões de protecção podem intervir, independentemente do consentimento, devendo, no entanto, comunicar, de imediato, tal situação ao Ministério Público.

Artigo 10.º
[…]

1 - A intervenção das entidades referidas nos artigos 7.º e 8.º depende da não oposição da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos, excepto nas situações onde existam fortes indícios de que a vontade declarada da criança ou do jovem não corresponde à sua vontade real, devendo a comissão de protecção comunicar tal facto, de imediato, ao Ministério Público.
2 - […].

Artigo 11.º
[…]

A intervenção judicial tem lugar quando:

a) […];
b) Não seja prestado ou seja retirado o consentimento nas situações em que este é necessário para a intervenção da comissão ou quando o acordo de promoção de direitos e de protecção seja reiteradamente não cumprido ou que os destinatários do mesmo não tenham respeitado um requisito essencial para o cumprimento do acordo;
c) […];
d) […];
e) Decorridos três meses após o conhecimento da situação pela comissão de protecção não tenha sido proferida qualquer decisão;
f) […];
g) […].

Artigo 13.º
[…]

1 - […].
2 - […].
3 - As entidades referidas nos números anteriores não podem recusar a prestação de qualquer informação ou a entrega de qualquer documento invocando segredo profissional ou outro motivo, desde que as comissões de protecção expressamente refiram a essencialidade da informação pretendida, tendo em conta o superior interesse da criança e do jovem.
4 - Os membros das comissões de protecção ficam obrigadas a segredo, não podendo divulgar as informações prestadas pelas entidades referidas nos n.os 1 e 2, aplicando-se-lhes com as devidas adaptações, em caso de violação de segredo, as disposições previstas para aqueles que prestaram a informação ou o documento.

Artigo 14.º
[…]

1 - As instalações e os meios materiais de apoio, nomeadamente um fundo de maneio e um veículo de transporte de passageiros, necessários ao funcionamento das comissões de protecção são assegurados pelo município e pelo Estado, devendo, para o efeito, ser celebrados protocolos de cooperação com os serviços do Estado representados na Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco.
2 - […].

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3 - A comissão de protecção tem de enviar à entidade legalmente possuidora, de três em três meses, uma escala de utilização do veículo de transporte de passageiros que lhes fica obrigatoriamente afecto no período aí indicado.

Artigo 17.º
[…]

A comissão alargada é composta por:

a) […];
b) […];
c) […];
d) Um médico indicado pelo Hospital Público ou Centro de Saúde que serve a área de competência territorial da comissão de protecção;
e) […];
f) […];
g) […];
h) […];
i) […];
j) […];
l) […];
m) […];
n) Um Procurador da República, em representação dos serviços do Ministério Público com competência na área abrangida pela comissão de protecção;
o) Um Advogado indicado pela Delegação da Ordem do Advogados existente na área de competência da comissão de protecção.

Artigo 19.º
[…]

1 - […].
2 - […].
3 - Havendo motivo que justifique, qualquer membro pode requerer ao presidente a convocação imediata do plenário ou do grupo de trabalho a que pertença.

Artigo 20.º
[…]

1 - […].
2 - […].
3 - […].
4 - Os membros da comissão restrita devem ser escolhidos de forma que esta tenha uma composição interdisciplinar e interinstitucional, incluindo obrigatoriamente um jurista, um psicólogo e uma pessoa com formação nas áreas de educação, serviço social ou saúde.
5 - […].

Artigo 21.º
[…]

1 - […].
2 - Compete designadamente à comissão restrita:

a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) […];
f) […];
g) Informar a comissão alargada, sem identificação das pessoas envolvidas, sobre os processo iniciados e o andamento dos processos pendentes, de dois em dois meses ou sempre que esta solicite alguma informação.

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Artigo 22.º
[…]

1 - […].
2 - […].
3 - Os membros da comissão restrita exercem funções em regime de tempo completo ou tempo parcial, a definir na respectiva portaria de instalação, devendo pelo menos um membro exercer funções em regime de tempo completo.
4 - O número de membros da comissão de protecção em regime de tempo completo aumenta, obrigatoriamente, quando existam mais de 50 processos por cada membro da comissão.
5 - A comissão restrita funcionará sempre que se verifique situação qualificada de urgência que o justifique ou quando algum dos seus membros requerer ao presidente a convocação de uma reunião.

Artigo 26.º
[…]

1 - […].
2 - O exercício de funções na comissão de protecção não deve prolongar-se por mais de seis anos consecutivos, podendo este prazo ser ultrapassado se tal facto contribuir para a manutenção ou melhoria do funcionamento da comissão, não podendo, porém, ultrapassar os 10 anos consecutivos.

Artigo 28.º
[…]

1 - […].
2 - No caso de incumprimento de deliberação por oposição fundamentada de algum serviço ou entidade referidas no número anterior, estas são obrigadas a cumprir a deliberação da comissão quando esta tenha sido subscrita pelo representante dos serviços do Ministério Público referido na alínea n) do artigo 17.º.

Artigo 30.º
Acompanhamento, apoio, avaliação e supervisão

As comissões de protecção são acompanhadas, apoiadas e avaliadas pela Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco, adiante designada por Comissão Nacional, garantindo-lhes esta a adequada supervisão.

Artigo 32.º
[…]

1 - […].
2 - O relatório é remetido à Comissão Nacional e à Assembleia municipal até 31 de Janeiro do ano seguinte àquele a que respeita.
3 - […].
4 - […].
5 - […].
6 - A Comissão Nacional apresentará na comissão especializada da Assembleia da República, até ao dia 31 de Março do ano seguinte, relatório anual detalhado.

Artigo 45.º
[…]

1 - […].
2 - […].
3 - O Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social estabelecerá, no prazo de 90 dias a contar da publicação do presente diploma, em portaria, as condições e os apoios específicos garantidos aos jovens abrangidos por esta medida.

Artigo 95.º
[…]

Faltando ou tendo sido retirados os consentimentos previstos na primeira parte do artigo 9.º, ou havendo oposição de menor, nos termos da primeira parte do artigo 10.º, a comissão abstém-se de intervir e comunica

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a situação a Ministério Público competente, remetendo-lhe o processo ou os elementos que considere relevantes para a apreciação da situação."

Artigo 3.º
Aditamentos à Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo

São aditados à Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, os artigos 21.º-A, 25.º-A, 54.º-A, 56.º-A e 74.º-A com a seguinte redacção:

"Artigo 21.º-A
Intervenção da comissão alargada

No caso previsto na primeira parte da alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, a comissão alargada pode deliberar a reabertura do processo se discordar fundadamente da posição da comissão restrita ou quando tenha em sua posse novos elementos.

Artigo 25.º-A
Cartão de identificação

1 - Os membros da comissão de protecção têm direito a um cartão de identificação individual onde conste o seu nome, fotografia, qualidade de membro da comissão de protecção respectiva e área de competência.
2 - No verso do cartão devem obrigatoriamente constar os direitos e deveres mais relevantes dos membros da comissão de protecção e a menção da lei habilitante.
3 - O cartão é emitido pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e destina-se unicamente a identificar os membros da comissão no exercício das competências que lhes são atribuídas por este diploma.

Artigo 54.º-A
Fiscalização e formação

O Estado assegura a adequada fiscalização das instituições de acolhimento e garante a formação adequada às equipas técnicas.

Artigo 56.º-A
Prioridade na execução das medidas

Quando, por execução de acordo de promoção e protecção, se decida medida em que seja necessária a colaboração de entidade ou instituição, designadamente, consulta ou intervenções médicas ou intervenções em meio escolar, os destinatários da mesma têm prioridade em relação aos restantes beneficiários da entidade ou instituição.

Artigo 74.º-A
Competência dos membros das comissões

No caso previsto no artigo anterior, os membros das comissões de protecção, no interesse da criança e do jovem, têm competência para recorrer, hierárquica ou judicialmente, da decisão de arquivamento por parte do Ministério Público."

Artigo 4.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia da sua publicação excepto para as normas que determinam efeitos financeiros que entrarão em vigor com Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, 15 de Fevereiro de 2006.
Os Deputados do BE: Helena Pinto - Mariana Aiveca - Francisco Louçã - Alda Macedo - João Teixeira Lopes - Fernando Rosas.

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PROJECTO LEI N.º 213/X
VISA COMBATER A REALIZAÇÃO DE ESPECTÁCULOS DE LUTA DE CÃES, CRIMINALIZANDO A SUA PROMOÇÃO OU REALIZAÇÃO

Exposição de motivos

O regime jurídico da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos como animais de companhia consta do Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro.
De acordo com este diploma, é considerado animal perigoso aquele que: (i) tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa; (ii) tenha ferido gravemente ou morto um outro animal fora da propriedade do detentor; (iii) tenha sido declarado como tendo carácter e comportamento agressivos, pelo respectivo detentor, à junta de freguesia da sua área de residência; (iv) tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais. É considerado animal potencialmente perigoso, por outro lado, qualquer animal que, devido às características da espécie, comportamento agressivo e tamanho ou potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais. Como tal foram considerados, designadamente, os cães das raças referidas no anexo à Portaria n.º 422/2004, de 24 de Abril.
Entende o CDS-PP que o regime jurídico constante do Decreto-Lei n.º 312/2003, de 17 de Dezembro, é globalmente adequado, razão pela qual se limitou, num projecto de lei que apresentou conjuntamente com este, a densificar os requisitos mínimos para a obtenção de licenças de detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, acrescentando, à lei actual, dois requisitos relativos à pessoa do detentor.
Com a presente iniciativa legislativa, diferentemente, pretende-se dar resposta a fenómenos despontantes na sociedade portuguesa, que são as lutas de cães de determinadas raças, cada vez mais associadas à detenção deste tipo de animais e, por vezes, a outras práticas criminosas. É certo que estas lutas se fazem clandestinamente, e mesmo aquelas que seguem rituais consagrados entre os possuidores de cães de luta (rituais esses que envolvem a transmissão de quantias elevadas, alegadamente a título de caução de cumprimento das regras desses rituais), não deixam, por esse facto, de constituírem ilícito contra-ordenacional, à face da lei vigente.
Os proponentes da presente iniciativa recordam-se de terem sido divulgadas reportagens, em programas de grande informação, que explicavam detalhadamente como é que se processavam estas lutas de cães, onde, e quais as "regras" a que as mesmas obedecem.
Pode-se questionar se a divulgação deste tipo de reportagens terá o efeito benéfico de levar as pessoas que saibam deste tipo de eventos a darem conhecimento da sua realização às autoridades policiais, ou se terá antes o efeito negativo de as levarem a querer aderir aos mesmos. Uma coisa é certa, todavia, e não passou despercebida aos proponentes da presente iniciativa: é o facto de existir pouca convicção da obrigatoriedade da lei actual, quando não desconhecimento absoluto das respectivas prescrições.
Daí que se proponha o endurecimento do regime relacionado com a utilização desses animais neste tipo de eventos, criminalizando as condutas respectivas.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único

Quem promover, organizar, autorizar ou utilizar, por qualquer forma, canídeos, tendo em vista a realização de espectáculos, ou outras manifestações similares que envolvam lutas entre esta espécie de animais, classificados ou não como potencialmente perigosos, será punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Palácio de S. Bento, 17 de Janeiro de 2006.
Os Deputados do CDS-PP: Nuno Teixeira de Melo - António Carlos Monteiro - Nuno Magalhães - Teresa Caeiro - Pedro Pestana Bastos - Abel Baptista.

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PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.O 105/X
RECOMENDA A DEFINIÇÃO DE UMA ESTRATÉGIA NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA ENERGIA DAS ONDAS E DE MEDIDAS DE APOIO QUE A SUSTENTEM

O consumo de petróleo e outros combustíveis fósseis ao ritmo actual compromete o equilíbrio à escala mundial, quer através do aumento da poluição atmosférica resultante da sua transformação e consumo, com as consequentes alterações climáticas, quer pelo inevitável esgotamento desses recursos num futuro muito próximo.
Os desafios impostos pela necessidade de implementar políticas que assegurem um desenvolvimento sustentável são particularmente pertinentes no domínio da energia.

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A diminuição da dependência dos combustíveis fósseis, a promoção e o desenvolvimento e incentivo às energias renováveis, constituirão um dos maiores desafios do século XXI.
Este é um desafio que se coloca de uma forma relevante ao nosso país.
O nosso quadro é bem preocupante: Portugal é um país fortemente dependente de recursos energéticos importados, produzimos só cerca de 14% da energia que gastamos; somos o país da União Europeia com mais dependência energética do petróleo e, em simultâneo, com elevada ineficiência energética, conjuntamente coroados com uma insuficiente qualidade de ar.
A factura energética dos combustíveis importados tem vindo a sofrer um crescimento galopante o que faz com que as nossas empresas tenham vindo a perder competitividade e os consumidores poder de compra, factores que, conjugados com os compromissos que assumimos no Quadro do Protocolo de Quioto, ou seja, alcançar os 39% de energia consumida a partir de fontes renováveis até 2010, definem um quadro que exige um forte impulso no domínio energético.
Para a redução da dependência económica do nosso país relativamente aos combustíveis fósseis, e na procura de um desenvolvimento sustentável, exige-se uma diversificação das fontes energéticas apostando nas energias renováveis.
Cada vez mais somos confrontados com a exigência de encontrar nas energias renováveis uma alternativa real e fiável às formas convencionais de produção de energia eléctrica, responsáveis por sérias ameaças ao meio ambiente.
Mas, se apostar nas energias renováveis se assume como uma larga contribuição para salvaguarda do património ambiental para as gerações futuras, na verdade, também se assume como uma forma de aproveitar os recursos energéticos nacionais disponíveis, reduzindo a nossa factura energética e a nossa dependência em relação ao exterior.
Esta é uma preocupação e um desafio assumido pelo Governo que, no seu Programa, refere claramente "assumir uma reforçada ambição no desenvolvimento da produção de electricidade a partir de fontes renováveis". O mais importante é que esse desígnio já teve tradução num conjunto alargado de medidas que revelam o seu forte empenho em reduzir a dependência energética face ao exterior, aumentando a capacidade de produção endógena através de um forte investimento nas energias renováveis.
Tradução substantiva desta postura enquadra-se na Resolução do Conselho de Ministros de 29 de Setembro de 2005 que aprovou a Estratégia Nacional para a Energia e no conjunto de incentivos recentemente anunciados para a implementação de projectos de energia renovável na área da bio massa e do bio-combustível, o concurso lançado para a atribuição de 1800 MW de licenças para parques eólicos e a obrigatoriedade de instalação de painéis solares térmicos em novas construções.
Porém, nesta estratégia, Portugal não deve ter uma indefinição face ao seu colossal recurso natural que alberga um potencial energético enorme, o Oceano. Pode-se de alguma forma constatar na Estratégia Nacional para a Energia, concretamente no seu ponto três "Reforço das energias renováveis", que, apesar de referir o oceano como fonte de energia renovável, depois, nas medidas a adoptar, não materializa essa variante.
A energia contida no Oceano, nomeadamente a energia das ondas, apresenta-se particularmente atractiva para países como o nosso, que satisfazem as condições geográficas necessárias e confrontam-se com fortes necessidades de importação de energia.
Portugal revela pontos fortes para a produção de energia eléctrica a partir desta fonte renovável que importa assinalar: a existência de mercado; as condições naturais e estruturais favoráveis, dado que, na costa ocidental do continente português, existem cerca de 330km que podem ser aproveitados para fins de extracção de energia das ondas (não se enquadra nesta extensão as zonas de estatuto reservado a outros fins) com potencial para gerar cerca de 20% do consumo anual de energia eléctrica do País e um forte desafio à capacidade tecnológica e industrial, o que, confere uma excepcional oportunidade para quem vier a dominar a tecnologia devido ao forte atractivo que este recurso energético detém a uma escala global.
Importa de uma forma breve assinalar alguns dos impactos da energia das ondas no nosso país. A nível energético pode representar cerca de 20% do consumo de energia eléctrica no País. A nível sócioeconómico as mais valias para o País são de igual forma relevantes. É um estímulo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico aplicado, potenciando, desta forma, o tecido empresarial. O desenvolvimento de uma indústria fornecedora de bens de equipamento e de serviços para a energia das ondas será certamente um contributo importante para uma resposta às necessidades de crescimento e modernização do país impulsionando as nossas exportações. Acresce a capacidade que tem em gerar novos postos de trabalho.
Segundo estudos já efectuadas, se houver um empenhamento por parte do Governo e as empresas souberem aproveitar as oportunidades, o País poderá dominar 10% do mercado mundial de equipamentos, o que, adicionado ao mercado nacional, poderá representar quase 30% do PIB, criar 10 000 postos de trabalho directos durante 40 anos, contribuir naturalmente para a redução da nossa dependência energética, reduzindo as despesas nas importações de combustíveis fosseis, para além de permitir mais facilmente o cumprimento das metas de Quioto.
A título de súmula, refira-se: é uma forma de concorrer para um substancial decréscimo nas importações energéticas; é geradora de emprego; alavanca o desenvolvimento de capacidade nacional em tecnologia

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oceânica e o desenvolvimento de práticas e posturas de inovação industrial; concorre, de uma forma sólida, para um país ambientalmente mais saudável.
Face ao exposto, a Assembleia da República delibera, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

A Estratégia Nacional para a Energia, decorrente da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, concretamente no seu ponto 3 "Reforço das Energias Renováveis", inclua nas medidas a adoptar, à semelhança da eólica e da bio massa, o enfoque na energia das ondas.
Com a maior urgência desenvolva: Estratégia Nacional para o desenvolvimento da Energia das Ondas e Medidas de apoio que a sustentem.

Assembleia da República, 17 de Fevereiro de 2006.
Os Deputados do PS: Jovita Ladeira - Ana Couto - Luís Vaz - Carlos Lopes - Horácio Antunes - Luís Pita Ameixa - José Augusto de Carvalho - Renato Sampaio - Manuela de Melo - Luís Braga da Cruz - Alberto Martins - Ana Catarina Mendonça - Ramos Preto.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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