O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Sábado, 29 de Setembro de 2007 II Série-A — Número 3

X LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2007-2008)

SUPLEMENTO

SUMÁRIO Proposta de lei n.º 144/X (Aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexo contendo pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados e do Conselho de Ética para as Ciências da Vida.

Página 2

2 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

PROPOSTA DE LEI N.º 144/X (APROVA A CRIAÇÃO DE UMA BASE DE DADOS DE PERFIS DE ADN PARA FINS DE IDENTIFICAÇÃO CIVIL E CRIMINAL) Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e anexo contendo pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados e do Conselho de Ética para as Ciências da Vida PARTE I CONSIDERANDOS I. a) Nota introdutória O Governo tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República, em 8 de Junho de 2007, a proposta de lei n.º 144/X (2.ª), que «Aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal».
Esta apresentação foi efectuada nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República em vigor à data, reunindo os requisitos formais previstos no artigo 138.º desse mesmo Regimento.
Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República de 12 de Junho de 2007, a iniciativa vertente baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respectivo parecer.
A discussão na generalidade da proposta de lei n.º 144/X (2.ª) já está agendada para o próximo dia 27 de Setembro de 2007.
Foram recebidos, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, os pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados e do Conselho de Ética para as Ciências da Vida, cujos textos se anexa na Parte IV deste parecer.
Foi ainda ouvido em Comissão, no dia 25 de Setembro de 2007, o Ministro da Justiça, Alberto Costa.
I b) Do objecto, conteúdo e motivação da iniciativa A proposta de lei sub judice tem por objectivo estabelecer as normas básicas necessárias à criação e utilização de uma base de dados de perfis de ADN enquanto instrumento de identificação civil e de identificação no âmbito da investigação criminal.
Considerando que «a ‘impressão digital genética’ é a impressão digital dos tempos modernos», o Governo pretende, com esta proposta de lei, a exemplo de diversos países que já produziram legislação nesse sentido, criar uma base de dados de dados de perfis de ADN que permita, no âmbito da identificação civil, a identificação de pessoas desaparecidas, de cadáveres não identificados e a colaboração internacional em processos de identificação e, no âmbito da investigação criminal, a identificação de delinquentes, a exclusão de inocentes ou a interligação entre condutas criminosas, constituindo um importante instrumento para a prevenção da criminalidade, para além de facilitar a cooperação transfronteiriça de combate à criminalidade organizada.
A base de dados de perfis de ADN, que conterá o perfil de cidadãos nacionais, estrangeiros ou apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, sendo preenchida de forma faseada e gradual (cfr. artigo 3.º, n.º 1), será integrada por diversos ficheiros, com regras específicas, a saber e em síntese: — Um ficheiro que contém dados relativos a amostras de voluntários, isto é, de quaisquer cidadãos que consintam, de forma livre, informada e por escrito, a recolha de amostras, a qual é feita mediante pedido escrito do interessado ao INML ou ao Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária. Este ficheiro prossegue fins de identificação civil e de investigação criminal, já que os perfis de ADN nele contidos podem ser cruzados com quaisquer um dos perfis inseridos noutros ficheiros. Há, contudo, uma excepção: é que os arguidos em processo-crime só podem ser entendidos como voluntários na recolha de amostras para fins de identificação civil — ou seja, sem despacho judicial, as amostras de ADN recolhidas em arguido não podem ser utilizadas como meio de prova contra si, em processo penal. Os dados relativos a amostras de voluntários podem ser conservados por tempo ilimitado, salvo se o titular dos dados revogar, de modo expresso, o consentimento anteriormente dado — cfr. artigos 15.º, n.º 1, alínea a), 6.º, 20.º, n.º 3, 26.º, n.º 1, alínea a) da proposta de lei; — Um ficheiro que contém dados relativos a pessoas condenadas, por decisão transitada em julgado, pela prática de crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a três anos, ainda que esta tenha sido substituída, e desde que haja despacho do juiz de julgamento ordenando essa inserção. Não há, portanto, nenhum ficheiro contendo perfis de ADN de arguidos. No âmbito de processos-crime poderão ser recolhidas, mediante despacho do juiz, amostras em arguidos, mas só quando estes venham a ser condenados em pena II SÉRIE-A — NÚMERO 3
__________________________________________________________________________________________________________
2


Consultar Diário Original

Página 3

3 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

de prisão igual ou superior a três anos é que a informação relativa a essas amostras irão integrar um ficheiro, se assim o determinar o juiz de julgamento. Estes dados serão eliminados na mesma data em que se proceda ao cancelamento definitivo das respectivas decisões no registo criminal — cfr. artigos 15.º, n.º 1, alínea e), 8.º, 26.º, n.º 1, alínea f), da proposta de lei; — Um ficheiro que contém informação relativa a «amostras-problema», recolhidas em cadáveres ou partes destes, ou em coisa ou local, cujos dados são conservados por tempo ilimitado, sendo eliminados quando for obtida a identificação; — Um ficheiro que contém informação relativa a «amostras-referência» de pessoas desaparecidas, ou amostras dos seus familiares, obtidas mediante consentimento livre, informado e escrito. Estes dados apenas podem ser cruzados com «amostras-problema» recolhidas em cadáveres e são conservados até que haja identificação, salvo se os parentes pedirem expressamente para eliminar o seu perfil do ficheiro — cfr. artigos 15.º, n.º 1, alínea c), 7.º, 20.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, alínea c), da proposta de lei; — Um ficheiro que contém informação relativa a «amostras-problema», recolhidas em local de crime, em cadáveres ou partes destes, ou em coisa ou local, de acordo com o disposto no artigo 171.º do CPP, cujos dados são eliminados, se a amostra for identificada com o arguido, no termo do processo-crime ou no fim do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal ou, se não for identificada com o arguido, passados 20 anos após a recolha — cfr. artigos 15.º, n.º 1, alínea d), 8.º, n.º 4, 26.º, n.º 1, alínea e), da proposta de lei; — Um ficheiro que contém informação relativa a amostras dos profissionais que procedem à recolha e à análise das amostras, cujos dados são eliminados 20 anos após a cessação das funções. De referir que é condição para o exercício das respectivas funções o prévio consentimento para a recolha e análise das suas próprias amostras — cfr. artigos 15.º, n.º 1, alínea f), 7.º, 18.º, n.º 1, alínea b), 26.º, n.º 1, alínea g), da proposta de lei.

O sistema deverá garantir que os perfis de ADN, e os dados pessoais correspondentes, sejam armazenados em ficheiros separados lógica e fisicamente, manipulados por utilizadores distintos, mediante acessos restritos, codificados e identificativos dos utilizadores, estando vedada a inclusão de qualquer elemento identificativo do titular dos dados no ficheiro, bem como qualquer tipo de pesquisa nominal — cfr.
artigo 15.º, n.os 2 e 3.
A recolha de amostras em pessoas será realizada através de método não invasivo, que respeite a dignidade da pessoa humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal — cfr. artigo 10.º, devendo ser preservada uma parte bastante e suficiente da amostra para a realização de contra-análise, em respeito pelo princípio do contraditório — cfr. artigo 11.º.
Antes da recolha da amostra, o sujeito passivo da colheita goza do direito de ser informado por escrito de um conjunto de aspectos que constam do artigo 9.º da proposta de lei, designadamente da possibilidade de cruzamento do perfil recolhido com os existentes na base de dados de perfis de ADN, sendo que a recolha de amostras com finalidades de investigação criminal implica ainda a entrega de documento informativo de que consta, nomeadamente, a identificação do processo — cfr. artigo 8.º, n.º 5.
A análise da amostra restringe-se apenas àqueles marcadores de ADN que sejam absolutamente necessários à identificação do seu titular, de modo a que não se obtenha qualquer informação de saúde ou relativa a características hereditárias específicas, sendo que a lista de marcadores a utilizar será fixada por portaria, de acordo com as normas internacionais e o conhecimento científico sobre a matéria — cfr. artigo 12.º.
A proposta de lei em apreço proíbe decisões individuais automatizadas, já que, nos termos do artigo 38.º, em caso algum será permitida que uma decisão que produza efeitos na esfera jurídica de uma pessoa ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN. Esta regra decorre, de resto, do princípio geral contido no n.º 4 do artigo 3.º da proposta.
O Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e o Instituto Nacional de Medicina Legal serão as entidades competentes para a realização da análise da amostra com vista à obtenção do perfil de ADN, embora haja a possibilidade de, em certas circunstâncias, a análise poder ser realizada por outros laboratórios — cfr. artigo 5.º. Estas entidades deverão adoptar as condições necessárias para o preenchimento dos requisitos internacionalmente fixados para a acreditação da área laboratorial de análise de ADN dos respectivos laboratórios, em sede de validação de análises, controlo de procedimentos, padronização de metodologias e certificação de equipamentos — cfr. artigo 40.º.
O Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) será a entidade responsável pela base de dados dos perfis de ADN, sendo a sua actividade fiscalizada pelo Conselho de Fiscalização — cfr. artigo 16.º.
O INML terá, assim, como atribuição o tratamento de dados relativos à base de dados de perfis de ADN, competindo-lhe, designadamente, proceder à inserção, interconexão, comunicação e remoção de dados; assegurar o direito de informação e de acesso aos dados pelos respectivos titulares; fornecer dados da base de dados de perfis de ADN aos magistrados do processo e a órgãos de polícia criminal, depois de verificado o cumprimentos dos requisitos legais; assegurar as condições de codificação dos dados. O INML deverá consultar a CNPD para quaisquer esclarecimentos quanto ao tratamento de dados pessoais, devendo cumprir a deliberação desta Comissão, que tem, aliás, competência para verificar as condições de funcionamento da base de dados — cfr. artigo 17.º e 37.º.

Página 4

4 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

De referir que o tratamento dos perfis de ADN e dos dados pessoais deverá processar-se de harmonia com os princípios consagrados na Lei da Protecção de Dados Pessoais, nomeadamente, de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada e autodeterminação efectiva, bem como pelos demais direitos, liberdades e garantias. O tratamento de perfis de ADN deverá processar-se também no estrito respeito pelo princípio da legalidade e pelos princípios da autenticidade, veracidade, unicidade e segurança dos elementos identificativos — cfr. artigo 3.º, n.os 2 e 3.
O Conselho de Fiscalização da Base de Perfis de ADN será uma entidade administrativa independente, com poderes de autoridade, respondendo apenas perante a Assembleia da República — cfr. artigo 29.º, n.º 2. Composto por três cidadãos de reconhecida idoneidade e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, designados pela Assembleia da República, segundo o método da média mais alta de Hondt, para um mandato de quatro anos — cfr. artigo 29.º, o Conselho de Fiscalização terá competência, entre outras, para emitir parecer sobre o regulamento de funcionamento da base de dados, obter informações, por parte do INML, sempre que necessário ao exercício dos poderes de fiscalização, efectuar visitas de inspecção, elaborar relatórios a apresentar à Assembleia da República, com regularidade mínima anual, sobre o funcionamento da base de perfis de ADN — cfr. artigo 30.º, n.º 2.
Os membros do Conselho de Fiscalização irão auferir uma remuneração fixa determinada mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças, da Administração Pública, da Administração Interna e da Justiça — cfr. artigo 30.º, n.º 3.
O Conselho de Fiscalização funcionará em Coimbra, no INML, o qual facultará os meios humanos, administrativos e técnicos, para o que receberá transferência de verbas da Assembleia da República — cfr.
artigo 30.º, n.º 4.
Competirá ao Conselho Médico-Legal do INML elaborar o regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN — cfr. artigo 16.º, n.º 4, o qual deverá ser aprovado no prazo de seis meses após a publicação da lei — cfr. artigo 39.º.

A proposta de lei n.º 144/X encontra-se estruturada da seguinte forma:

Capítulo I — Disposições gerais — artigos 1.º a 5.º; Capítulo II — Recolha de amostras — artigo 6.º a 13.º; Capítulo III — Tratamento de Dados: Secção I — Constituição da base de dados — artigos 14.º a 17.º; Secção II — Inserção, comunicação, interconexão e acesso aos dados — artigos 18.º a 25.º; Secção III — Conservação de perfis de ADN e dados pessoais — artigo 26.º; Secção IV — Segurança da base de dados — artigos 27.º e 28.º; Capítulo IV — Conselho de Fiscalização da Base de Dados de Perfis de ADN — artigos 29.º e 30.º; Capítulo V — Biobanco — artigos 31.º a 34.º; Capítulo V
1 — Disposições sancionatórias — artigos 35.º e 36.º; Capítulo VI — Fiscalização e controlo — artigos 37.º e 38.º; Capítulo VII — Disposições finais e transitórias — artigos 39.º a 41.º.

A proposta de lei em apreço determina a sua entrada em vigor 30 dias após a publicação — cfr. artigo 41.º.

I c) Enquadramento

No plano internacional, são de destacar as normas orientadoras constantes da Recomendação R (92) do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 10 de Fevereiro de 1992 (sobre a utilização do ADN no sistema de justiça criminal), e das Resoluções n.os 97/C 193/02, do Conselho, de 9 de Junho de 1997, e 2001/C 187/01, do Conselho, de 25 de Junho de 2001 (sobre a partilha de resultados dos exames de ADN).
Destaque-se ainda o Tratado de Prüm, assinado em 27 de Maio de 2005, o qual, definindo um quadro legal que visa o desenvolvimento da cooperação no domínio da luta contra o terrorismo, a criminalidade transfronteiras e a imigração ilegal, regula especificamente o intercâmbio de informações sobre ADN, impressões digitais, registo de veículos e dados pessoais e não pessoais no âmbito da cooperação transfronteiriça entre as partes contratantes.
Ao nível do direito interno, importa, desde logo, enquadrar a matéria do ponto de vista constitucional.
De acordo com o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (sublinhado nosso).

Depois, o artigo 26.º da CRP reconhece a todos os cidadãos um conjunto de direitos distintos a que denomina de «Outros direitos pessoais», que abarca os chamados direitos da personalidade, sendo que, nos 1 Há uma gralha material na proposta de lei n.º 144/X, que tem dois Capítulos V, o que implicará correcção em sede de especialidade.

Página 5

5 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

termos do seu n.º 2, «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias» e, segundo o seu n.º 3, «a lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica».
Acresce referir o artigo 25.º da Lei Fundamental, que respeita ao direito à integridade pessoal, e o artigo 35.º, que consagra a protecção dos cidadãos perante o tratamento de dados pessoais informatizados.
Não menos relevante é o artigo 32.º da CRP, concernente às garantias de processo criminal, destacandose, nesta sede, o princípio da presunção da inocência.
É neste panorama constitucional que a intervenção do legislador ordinário se deverá pautar com vista à criação de base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e de investigação criminal.
No plano legal, não há, no nosso ordenamento jurídico, nenhum diploma que regule a matéria objecto da presente proposta de lei. Trata-se, na verdade, de uma inovação legislativa.
Não obstante, refira-se que a Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro, sobre Informação genética pessoal e informação de saúde, tem um artigo 19.º que trata de «Bancos de DNA e de outros produtos biológicos».
Importa, ainda, realçar a Lei da Protecção de Dados Pessoais — Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, bem como os artigos 171.º a 173.º do Código do Processo Penal regulam os exames como meio de obtenção de prova em processo penal.
A criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal constitui um compromisso do XVII Governo Constitucional, ínsito no respectivo Programa do Governo para a área da Justiça. Na verdade, nele pode ler-se o seguinte: «Para melhorar a investigação criminal, (…) será criada uma base geral de dados genéticos para fins de identificação civil, que servirá igualmente fins de investigação criminal (assegurando-se que a respectiva custódia não competirá a órgão de polícia criminal).» Com o intuito de dar cumprimento a este desiderato, o Sr. Ministro da Justiça nomeou uma comissão responsável pela «elaboração de uma proposta de criação e funcionamento de uma base de dados genéticos para fins de identificação civil e investigação criminal que salvaguarde os princípios constitucionais em vigor», composta por representantes do Ministro da Justiça, do Conselho Nacional de Medicina Legal, do Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida, do Instituto Nacional de Medicina Legal, do Laboratório de Polícia Científica, do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e da Comissão Nacional de Protecção de Dados — cfr. Despacho n.º 2584/2006 (2.ª série).

É nesta sequência que surge a proposta de lei em apreço.

PARTE II OPINIÃO DO RELATOR

O signatário do presente relatório exime-se, neste sede, de manifestar a sua opinião política sobre a proposta de lei n.º 144/X (2.ª), a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do novo Regimento (Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de Agosto), reservando o seu grupo parlamentar a sua posição para o debate em Plenário agendado para o próximo dia 27 de Setembro.
Não obstante, não se pode aqui deixar de reconhecer a pertinência das observações tecidas nos pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados e do Conselho de Ética para as Ciências da Vida, anexos ao presente parecer, as quais merecem ser devidamente ponderadas.

PARTE III CONCLUSÕES

O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de lei n.º 144/X (2.ª), que «Aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal».
Esta proposta de lei tem por objectivo estabelecer o quadro jurídico destinado a permitir a criação e utilização de uma base de dados de perfis de ADN enquanto instrumento de identificação civil e de identificação no âmbito da investigação criminal.
A proposta de lei visa, no âmbito da identificação civil, proporcionar a identificação de pessoas desaparecidas, de cadáveres não identificados e a colaboração internacional em processos de identificação e, no âmbito da investigação criminal, a identificação de delinquentes, a exclusão de inocentes ou a interligação entre condutas criminosas, contribuindo para a prevenção criminal e para a cooperação transfronteiriça de combate à criminalidade organizada.
A base de dados de perfis de ADN conterá diversos ficheiros, um dos quais com dados relativos a amostras de voluntários, isto é, de quaisquer cidadãos que consintam de forma livre, informada e por escrito a recolha de amostras. Estes dados poderão servir fins de identificação civil e criminal, na medida em que os perfis de ADN nele contidos poderão ser cruzados com quaisquer um dos perfis inseridos noutros ficheiros, à excepção dos arguidos em processo-crime, que só serão tidos como voluntários na recolha de amostras para fins de identificação civil.

Página 6

6 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Existirá ainda um ficheiro, com finalidades de investigação criminal, que conterá os perfis de ADN de pessoas condenadas, por decisão transitada em julgado, pela prática de crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a três anos, ainda que esta tenha sido substituída, e desde que haja despacho do juiz de julgamento ordenando essa inserção.
Os restantes ficheiros conterão informação relativa a «amostras-problema» recolhidas em cadáveres ou parte destes, ou em coisa ou local; a «amostras-referência» de pessoas desaparecidas ou amostras dos seus familiares obtidas mediante consentimento livre, informado e escrito; «amostras-problema» recolhidas em local de crime, em cadáveres ou parte destes, em coisa ou local, de acordo com o artigo 171.º do CPP; e ainda a amostras dos profissionais que procedem à recolha e análise das amostras.
A recolha de amostras em pessoas será feita através de método não evasivo, que respeite a dignidade da pessoa humana e a integridade física e moral individual, designadamente pela colheita de células da mucosa bucal, devendo o sujeito passivo ser informado por escrito de um conjunto de aspectos tipificados na lei, designadamente da possibilidade de cruzamento do perfil recolhido com os existentes na base de dados.
A proposta de lei proíbe decisões individuais automatizadas, o que significa que não poderão ser tomadas decisões que produzam efeitos na esfera jurídica de uma pessoa, ou que a afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN.
O Laboratório de Polícia Científica e o Instituto Nacional de Medicina Legal serão as entidades competentes para a realização da análise de amostra com vista à obtenção do perfil de ADN.
O Instituto Nacional de Medicina Legal será a entidade responsável pela base de dados de perfis de ADN, sendo a sua actividade fiscalizada pelo Conselho de Fiscalização e também pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, quanto ao cumprimento das normas relativas à protecção de dados pessoais.
Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que a proposta de lei n.º 144/X (2.ª), apresentada pelo Governo, reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutida e votada em Plenário.

PARTE IV ANEXOS

Anexa-se os pareceres emitidos pela Comissão Nacional de Protecção de Dados e pelo Conselho de Ética para as Ciências da Vida.

Palácio de S. Bento, 26 de Setembro de 2007.
O Deputado Relator, Luís Montenegro — O Presidente da Comissão, Osvaldo Castro.

ANEXO 1

PARECER DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS

PARECER N.º 41/2007

Sua Excelência o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias solicitou à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a emissão de um parecer sobre a proposta de lei n.º 144/X que pretende aprovar «A criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal» (adiante designado também e apenas por proposta).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º da Lei de Protecção de Dados (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, designada apenas por LPD), a CNPD é competente para emitir o parecer solicitado.
Cabe, então, emitir o parecer solicitado.

I – Introdução

À CNPD foi solicitado, por S. Ex.ª o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, o parecer ao projecto de lei que visava estabelecer os princípios de criação e manutenção de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e para investigação criminal.
Sobre esse projecto a CNPD emitiu, em 13 de Abril de 2007, o Parecer n.º 18/2007, hoje também disponível em www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/par/par018-07.htm.
Analisada a proposta agora submetida a esta Comissão para emissão de parecer verifica a CNPD que existem algumas diferenças entre estas duas intenções legislativas, mantendo-se, porém, em larga medida, inalterado o regime legal que se pretende instituir.
Desta forma, por razões de economia e de melhor compreensão da posição da CNPD sobre esta matéria, remete-se a opinião da CNPD para aquele Parecer n.º 18/2007, devendo ser este lido e entendido com

Página 7

7 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

referência a este projecto de lei n.º 144/X. Assim, onde, naquele Parecer n.º 18/2007, se lê proposta de lei ou tão-só proposta deve ler-se projecto de lei n.º 144/X.
Por outro lado, algumas considerações e sugestões da CNPD tecidas e fornecidas naquele Parecer n.º 18/2007 foram, directa ou indirectamente, acolhidas neste novo projecto. Desta maneira, sempre que as mesmas considerações e sugestões tenham perdido actualidade por terem sido contempladas neste projecto, devem elas perder, nessa medida, a sua relevância face a este novo texto.
Por conseguinte, faz-se anexar a este o Parecer da CNPD n.º 18/2007, de 13 de Abril de 2007, sendo parte integrante deste parecer, fazendo-se aqui apenas a análise e pronunciamento sobre as novas questões trazidas por este projecto 144/X.

II – Apreciação

a) Exposição de motivos

a`) No quarto parágrafo da actual página 3 da «Exposição de motivos» da proposta de lei a firma-se, na descrição da base de dados do ADN, que esta é composta por três ficheiros, sendo que um deles «contém dados relativos a amostras fornecidas por voluntários, mediante a prestação de consentimento livre, informado, escrito e revogável, o qual serve fins de investigação civil e criminal. Os outros dois ficheiros, independentes daquele, contêm perfis de ADN relativos a amostras de cadáver, parte de cadáver, ou obtidos em coisa ou em local onde se proceda a recolhas, mediante consentimento livre, informado e escrito dos familiares (amostras-referência) e perfis de ADN recolhidos nos locais de presumíveis crimes ou desaparecimentos, para comparação (amostras-problema)».
Parece à CNPD que esta descrição não corresponde ao que se verte de forma mais detalhada no articulado do proposta e pode induzir os intérpretes em erro. Na verdade, os perfis de ADN e os dados pessoais inseridos dos ficheiros da base de dados criada para fins de identificação civil podem ser cruzados para efeitos de investigação criminal, onde quer que se mostre necessário proceder a esse cruzamento (n.º 3 do artigo 20.º do projecto). Mas parece não ser rigorosamente acertado afirmar-se que um dos ficheiros «contém dados relativos a amostras fornecidas por voluntários, mediante a prestação de consentimento livre, informado, escrito e revogável, o qual serve fins de investigação civil e criminal». Na verdade, referindo-se aqui na «Exposição de motivos» que os outros dois ficheiros se reportam às amostras-referência e às amostras-problema, nada se dizendo sobre os perfis de ADN e sobre os dados pessoais recolhidos de arguidos (diferente, neste aspecto, do projecto lei anterior, que falava, logo no texto introdutório, de um ficheiro com finalidades de investigação criminal), parece, então, que os perfis de ADN e a os dados pessoais destes arguidos são recolhidos com base no seu consentimento e inseridos naquele primeiro ficheiro. Ora isto não é verdade, conforme se pode ver da leitura do n.º 3 do artigo 6.º, do artigo 8.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 15.º da proposta.
Sendo assim, o referido quarto parágrafo da página 3 da «Exposição de motivos deve ser aperfeiçoado e tornado condizente com o regime instituído pela proposta.

a``) Tendo desaparecido da proposta a previsão da Comissão Nacional de Perfis de ADN (CNPADN), a «Exposição de motivos» faz, desde logo, referência ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) como entidade responsável pelo tratamento, sendo que algumas operações que, materialmente, pertencem à entidade responsável pelo tratamento são, agora, exercidas «sob a égide» do Conselho de Fiscalização, órgão criado pelo presente diploma para fiscalizar aquele Instituto: n.º 5 do artigo 16.º da proposta.
Aqui, algumas preocupações merecem especial atenção, que desde já se avançam, com o prejuízo da sua inserção nos comentários às respectivas normas.
Na opinião da CNPD, parece existir pouca clareza no texto da proposta sobre o papel de «entidade responsável» atribuído ao INML (n.º 1 do artigo 16.º da proposta) e o papel do Conselho de Fiscalização que se pretende seja uma entidade «fiscalizadora» do INML (n.º 5 do artigo 16.º da proposta), mas que, por vezes, ora parece surgir como um verdadeiro co-responsável, ora parece sobrepor-se ao papel de fiscalização que, em matéria de protecção de dados pessoais, tem cabido à CNPD.

Vejamos: Em primeiro lugar, o Conselho de Fiscalização «fiscaliza» a actividade do INML (n.º 5 do artigo 16.º da proposta) mas, concomitantemente, «controla» essa actividade (n.º 1 do artigo 29.º da proposta).
Em segundo lugar, algumas operações materiais que, tradicionalmente e em matéria de tratamento de dados pessoais, cabem à entidade responsável pelo tratamento, são agora efectuadas «sob a égide» do Conselho de Fiscalização: a comunicação de dados (n.º 2 do artigo 19.º da proposta); interconexão de dados (n.º 4 do artigo 20.º da proposta); acesso de terceiros aos dados pessoais (n.º 3 do artigo 22.º); comunicação de dados relativos a sujeitos intervenientes em processos atinentes à segurança do Estado, à prevenção ou investigação criminal (n.º 3 do artigo 24.º). A prática destes actos por parte da entidade responsável – o INML – sob a superintendência do Conselho de Fiscalização pode perturbar a função fiscalizadora deste Conselho.
Igualmente, a acumulação das funções de controlo (n.º 1 do artigo 29.º da proposta), de autorização (alínea a) do n.º 2 do artigo 30.º da proposta, n.º 2 do artigo 19.º da proposta, n.º 4 do artigo 20.º da proposta, n.º 3 do

Página 8

8 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

artigo 22.º) e de fiscalização (n.º 5 do artigo 16.º da proposta), para além das funções de direcção [alínea h) do n.º 2 do artigo 29.º da proposta], todas elas no Conselho de Fiscalização, pode fazer confluir nesta entidade competências que exigem a prática de actos e operações materiais que poderiam apresentar vantagens se residissem e fossem efectuadas por entidades distintas.
E o mesmo se diga, agora e nesta parte deste parecer pela propriedade e oportunidade da observação, sobre o papel fiscalizador da CNPD (artigo 37.º da proposta) e o seu papel simultaneamente consultivo (n.º 2 do artigo 17.º da proposta).
Quanto ao papel autorizante de interconexões, de comunicações, de comunicação de dados relativos a sujeitos intervenientes em processos atinentes à segurança do Estado, à prevenção ou investigação criminal, de acessos de terceiros, a CNPD tem tido essa competência por força da LPD.
Para a CNPD seria mais clara a manutenção da tradicional configuração de ser o Conselho de Fiscalização a entidade responsável (alínea d) do artigo 2.º da Directiva 95/46/CE, do Parlamento e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995 e alínea d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro – LPD) tendo o INML o papel de subcontratante (alínea e) do artigo 2.º da Directiva 95/46/CE e alínea e) do artigo 3.º da LPD) e sendo a fiscalização efectuada, como em geral o é, pela CNPD.
Esta solução traria a vantagem de apresentar uma nítida separação de poderes e competências, cujo exercício não acarreta a prática de actos e operações materiais de diversa natureza pela mesma entidade, além de que apresentaria uma configuração bem conhecida de todos, com alguma tradição no ordenamento jurídico nacional (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro) e comunitária (Directiva 95/46/CE, do Parlamento e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995), dando expressão à segurança jurídica e à harmonização institucional tão caras a matérias tão novas e dinâmicas como esta que aqui se trata.
Mas outras alternativas existem e no exercício amplo de pronunciamento, aqui se apresentam. O Conselho de Fiscalização, mantendo a sua natureza de entidade administrativa independente, podia assumir a natureza de órgão consultivo, com obrigatoriedade de auscultação por parte do INML que, nos casos em que carecessem de autorização, emitia pareceres vinculativos, ao qual poderia caber ainda a competência de acompanhar e avaliar a actuação do INML, de elaborar relatórios e reportar ao Parlamento, podendo, ainda, exercer as demais competências legais, à excepção da função fiscalizadora. Isto para evitar juntar na mesma entidade as competências de controlo, avaliação e fiscalização. Efectivamente, a proposta deve definir claramente quem garante os direitos dos titulares dos dados, nomeadamente, respondendo às possibilidades abertas pelo n.º 2 do artigo 11.º da LPD.

b) N.º 3 do artigo 1.º

Ficou, agora, muito mais clara a proibição do tratamento para finalidade diferente estatuída no n.º 3 do artigo 1.º da proposta.

c) N.º 5 do artigo 3.º

Diz-se, neste preceito sobre os princípios gerais aplicáveis às bases de dados que a «colecção, manutenção, manuseamento e utilização do material integrado no biobanco deve restringir-se às finalidades descritas no artigo 4.º».
Poderia ter-se adoptado uma formulação mais forte, estatuindo, em harmonia com esta norma do artigo 4.º, uma proibição clara de tratamento do material integrado no biobanco para outra finalidade diferentes daquelas que estão tipificadamente elencadas neste artigo 4.º.
Esta proibição, não apenas condiz de forma mais próxima com a formulação do artigo 4.º da proposta, como responde com mais premência ao princípio da (limitação da) finalidade.
Por outro lado e do lado meramente vocabular, o termo «colecção», frequentemente adoptado no direito comparado e em textos internacionais, costuma, no ramo da protecção de dados, ser traduzido por «recolha», sendo que a adopção deste vocábulo pode trazer mais fácil compreensão desate diploma.

d) N.º 1 do artigo 5.º

Do ponto de vista da CNPD, o INML é a entidade responsável pela recolha e análise da amostra para obtenção do perfil de ADN, sendo o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária um subcontratante encarregue de proceder a essa recolha e/ou análise (artigo 16.º da LPD). Sendo subcontratante, deve ser observado o estipulado no artigo 14.º da LPD.
Por outro lado, mal se compreende que se especifique que a competência para a realização da análise da amostra para obtenção do perfil de ADN é «a nível nacional». Possivelmente tal prende-se com o facto de se prever a eventualidade de rogar a entidades estrangeiras a recolha e análise de amostras. Também neste caso, então, estas devem actuar na qualidade de subcontratantes e aquelas normas da LPD ser respeitadas.
A exigência do artigo 14.º da LPD refere-se, como se depreende da epígrafe do artigo, à segurança da informação.

Página 9

9 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

A competência técnica assume estatuto de princípio e todas as considerações feitas no Parecer da CNPD n.º 18/2007, de 13 de Abril, devem aqui, especialmente, ser recordadas.

e) N.º 3 do artigo 6.º

Esta norma conheceu, do anterior projecto para esta proposta, alteração que veio no sentido convergente ao apontado pela CNPD. No entanto, importa ainda assim assinalar algumas implicações porventura indesejadas que esta redacção comporta:

— Esta norma não se destina apenas ao «arguido na pendência do processo criminal», visa também o cidadão que foi arguido em processo criminal que já conheceu sentença transitada em julgado e se encontra, por conseguinte, findo e, quiçá, arquivado (não pendente). Ora esta redacção refere-se, especificamente, a arguidos em processos pendentes.
— A recolha de amostras de um arguido em processo criminal pendente ou findo para fins de investigação civil (e esta finalidade e a de investigação criminal esgotam o rol de finalidades admissíveis), com base no seu oferecimento voluntário, pode sempre vir a conhecer uma utilização subsequente para fins de investigação criminal (n.º 3 do artigo 20.º da proposta), possibilidade que este n.º 3 do artigo 6.º, decerto, não quer eliminar.
Mas esta redacção parece querer proibir a utilização para fins de investigação criminal. Ou caso não proíba, então, inviabiliza que um arguido seja voluntário porque a utilização (subsequente) para fins de investigação criminal é sempre possível. Então o problema da discriminação dos arguidos não poderem ser voluntários porque as amostras podem sempre vir a ser utilizadas para fins de investigação criminal parece permanecer.

Talvez o que se pretenda dizer nesta norma, pelo menos o que a CNPD configura como possível intenção legislativa, seja que a pessoa titular dos dados pessoais (amostra e futuro perfil), quando for ou tiver sido arguido em processo criminal pendente ou já findo, apenas pode ser entendido como voluntário na recolha de amostras cuja finalidade inicial não é a de utilização para fins de investigação criminal. Finalidade inicial, não subsequente. Esta última pode vir a ser, sempre, a de investigação criminal. Mas a partir do momento da sua constituição de arguido, o mesmo titular não pode revogar o consentimento que prestou enquanto voluntário e exigir a eliminação dos seus dados pessoais (amostras e perfil de ADN) Esta redacção parece permitir que um arguido seja voluntário na recolha de amostra para fins de investigação civil, em condições de igualdade com qualquer outro cidadão, e parece não prejudicar a futura utilização das amostras e perfis de ADN para fins de investigação criminal.

f) N.º 5 do artigo 8.º

Foi aventada no Parecer da CNPD n.º 18/2007 a vantagem e necessidade de transparência deste tipo de tratamento, mormente no que toca à finalidade da investigação criminal. O n.º 5 do artigo 8.º concretiza essa transparência.
Sugere-se que, quando não for possível a entrega do documento onde conste a identificação do processo e os direitos e deveres decorrentes desta lei no momento da recolha, essa entrega seja feita imediatamente a seguir à mesma recolha e sempre mediante termo subscrito pelo titular.
Igual informação deve ser dada ao arguido que veja os seus dados pessoais tratados nos termos do novo n.º 6 da proposta.

g) N.os 3 e 4 do artigo 16.º e artigo 39.º

O regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN, elaborada pelo Conselho MédicoLegal do INML, deve ser submetido a parecer da CNPD.

h) artigo 17.º

O INML é a entidade responsável pelo tratamento.
As competências do INML são as típica e legalmente atribuídas ao responsável pelo tratamento: alínea d) do artigo 3.º da LPD.
Os deveres e obrigações de prestar e satisfazer os direitos dos cidadãos incumbem ao responsável pelo tratamento: n.º 3 do artigo 5.º, artigos 10.º a 17.º da LPD.
As competências do INML são, portanto, as competências das entidades responsáveis pelo tratamento.

i) alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º A sujeição da admissão laboral dos profissionais que procedem à recolha e análise das amostras ao seu consentimento para recolha e análise das suas próprias amostras e tratamento dos seus dados pessoais,

Página 10

10 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

incluindo o perfil de ADN, parece ser um condicionamento que, senão elimina, restringe seriamente a liberdade do consentimento.
Do ponto de vista da CNPD esta restrição pode ser, formalmente, operada por via da presente Proposta, tratando-se, como se tratará, de uma Lei da Assembleia da República.
Compreende a CNPD a necessidade e justificação dessa condição, tanto quanto julga tratar-se de prevenir o contacto das amostras dos titulares com amostras dos profissionais, com consequências nos resultados das análises.
Mas, ao invés de sujeitar os profissionais, ou os candidatos a profissionais de recolha e análise das amostras, à prestação de um consentimento que se quer inteiramente livre sob pena de perderem a sua oportunidade de trabalho (o que retira a liberdade deste consentimento), aquelas necessidade e justificação devem, diferentemente, no entender da CNPD, fundamentar a obrigatoriedade de recolha e análise de amostras dos profissionais para obtenção do seu perfil de ADN, obrigatoriedade que devia ser expressamente estatuída pela presente lei.
Importa aqui indicar que o texto do n.º 1 do artigo 20.º e n.º 2 do artigo 7.º do projecto de lei ao qual a CNPD deu o Parecer n.º 18/2007 requeria o consentimento informado e escrito, sendo a liberdade do consentimento uma característica exigida pela alínea h) do artigo 3.º da LPD. Diferentemente, é a presente Exposição de Motivos e é o corpo do n.º 2 do artigo 7.º e o n.º 1 do artigo 18.º desta Proposta que será Lei que exige o consentimento livre.
Ora, ao mesmo tempo que expressamente passa a exigir a liberdade do consentimento, a mesma norma também condiciona a prestação desse consentimento de tal forma que, em relação a certas categorias de pessoas, reduz ou, na prática, elimina essa mesma característica do consentimento – a «liberdade de consentir livremente, sem penalizações injustificadas para a falta ou recusa de consentimento».

j) artigo 31.º

Pelo n.º 2 do artigo 31.º, as amostras podem ser conservadas por entidades com quem o INML tiver protocolado essa função, desde que essas entidades ofereçam garantias de segurança e confidencialidade da informação.
Esta custódia das amostras por entidades diferentes do INML é nova nesta proposta, vista em comparação com o projecto.
Para além da observância estrita do princípio da finalidade (artigo 4.º), sabendo-se importa, de novo, pela importância central que reveste, lembrar o princípio da competência técnica a que estas entidades devem responder.

k) N.º 2 do artigo 34.º

O n.º 2 do artigo 34.º parece estar, de algum modo, em contradição com o n.º 6 do artigo 8.º.
Ao dizer que as amostras colhidas ao abrigo do n.º 1 do artigo 8.º «só podem ser utilizadas, como meio probatório, no respectivo processo» (sublinhado da CNPD), parece que essas amostras não podem ser utilizadas noutro processo diferente daquele dentro do qual elas foram recolhidas.
Mas o n.º 6 do artigo 8.º afirma que as amostras recolhidas num processo podem ser utilizadas noutros processos, diferente daquele no âmbito do qual foram originariamente recolhidas.
Parece à CNPD que estas duas normas podem ser aperfeiçoadas no que toca à sua harmonização.

l) Outras normas

Em relação a outras normas e a outros aspectos do regime trazido pela presente Proposta valem as considerações feitas pela CNPD no seu Parecer n.º 18/2007.

III – Conclusões:

1 – Deve ser anexado a este parecer o Parecer da CNPD n.º 18/2007, valendo o que neste se disse para a presente proposta de lei.
2 – Deve ser feito o aperfeiçoamento à «Exposição de motivos» apontado no Ponto a´) da Parte II deste Parecer.
3 – Deve ser equacionada a configuração institucional da responsabilidade pelo tratamento, supervisão e fiscalização, de acordo com o vertido no Ponto a``) da Parte II deste parecer.
4 – Devem ser atendidas as considerações feitas nos Pontos c) a f) da Parte II deste parecer.
5 – O regulamento de funcionamento da base de dados de ADN deve ser submetido a parecer da CNPD.
6 – Deve ser retirada a condição prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º da proposta.
7 – Deve ser harmonizado o n.º 2 do artigo 34.º com o n.º 6 do artigo 8.º, ambos desta proposta.

Este é o Parecer da CNPD.
Anexe-se o Parecer n.º 18/2007, datado de 13 de Abril de 2007, que passa a fazer parte deste Parecer.

Página 11

11 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Lisboa, 16 de Julho de 2007.
Eduardo Campos (Relator) — Luís Barroso — Ana Roque — Carlos Campos Lobo — Helena Delgado António — Vasco Almeida — Luís Lingnau da Silveira (Presidente).

PARECER N.º 18/2007

Sua Excelência o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça solicitou à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a emissão de um parecer sobre um projecto de diploma que estabelece «os princípios de criação e manutenção de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e de investigação criminal» (adiante designado também e apenas por Projecto).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º da Lei de Protecção de Dados (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, designada apenas por LPD), a CNPD é competente para emitir o parecer solicitado.
Cabe, então, emitir o parecer solicitado.

I – Introdução

1. O direito à privacidade é um dos direitos de personalidade que, como tal, está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa – CRP), não obstante ter merecido a atenção do direito apenas em tempos mais recentes, não conhecendo, ainda, formulações e contornos consensuais.
2. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o direito à privacidade é, talvez, o maior marco dos direitos de personalidade, muito mais, porventura, do que o direito ao bom-nome e o direito à imagem. A «privacy», na sua equação inicial formulada neste país, comporta quatro dimensões distintas: o direito à solidão ou a estar sozinho (right to be alone); o direito à intimidade da vida privada e familiar; o direito ao anonimato e o direito a não conhecer interferência de terceiros.
1 2 3. Na Europa, é famosa a teoria das três esferas, em que se reconhece a esfera íntima, a esfera privada e a esfera social, em que a primeira é o «núcleo duro do direito à intimidade da vida privada; a esfera privada admite ponderações de proporcionalidade; na esfera social estamos já no direito à imagem e à palavra e não no direito à intimidade da vida privada».
3 4. O que parece inegável é que a protecção da privacidade visa proteger as pessoas em dois sentidos: por um lado, proteger as pessoas em relação à devassa da sua vida privada, preservando uma zona de não ingerência e de não acesso; por outro lado, dotar as pessoas de autonomia no desenvolvimento livre da sua personalidade e na condução da sua vida.
A privacidade é, então, condição de liberdade dos cidadãos.
4 5. Na modernidade, no contexto da sociedade da informação, a efectividade do direito à privacidade reclamou a consagração de um outro direito fundamental que, não apenas garantisse essa efectividade, mas que alargasse e aprofundasse a autonomia dos indivíduos no que toca à informação que lhes é respeitante.
Surgiu, então, o direito à protecção dos dados pessoais, tendo conferido aos cidadãos o direito de definir positiva (permitindo) e negativamente (negando) a utilização dos dados pessoais de que são titulares.
5 Este direito foi eleito para integrar o elenco positivado dos direitos fundamentais, quer na CRP (artigo 35.º da CRP), quer na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 8.º da Carta), como já havia conhecido reconhecimento no seio do Conselho da Europa, nomeadamente através da Convenção n.º 108, relativa à protecção dos dados pessoais no âmbito dos tratamentos automatizados.
6. Seja no papel instrumental do direito à privacidade, enquanto meio de garantir a protecção da reserva da intimidade da vida privada, seja na consideração da sua autonomia enquanto direito fundamental que dota os cidadãos de uma verdadeira autodeterminação informativa, o direito à protecção dos dados pessoais está intimamente ligado, não apenas aos direitos de personalidade, mas igual e directamente à dignidade da pessoa humana, a base da comunidade política portuguesa (artigo 1.º da CRP). Essa suprema importância do direito à protecção dos dados pessoais deu-lhe um lugar próprio no elenco dos direitos, liberdades e garantias.
O alcance de uma sociedade livre e justa (artigo 1.º da CRP) depende da acertada ponderação dos direitos 1 Garcia Marques e Lourenço Martins, «Direito da Informática», Almedina, 2000, Coimbra, pag. 102; André Gonçalo Dias Pereira «O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente», Estudos de Direito Civil, n.º 9, Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2004, Coimbra, pag. 65.
2 Não cabe neste Parecer apresentar de forma doutrinária, muito menos dogmática, os conceitos de privacidade, de intimidade da vida privada ou de «privacy». Sobre este assunto, veja-se, de forma sintetizada mas deveras abrangente, Huw Beverley-Smith, Ansgar Ohly and Agnès Lucas-Schloetter, «Privacy, Property and Personality. Civil Law Perspectives on Commercial Appropriation», Cambridge Studies in Intellectual Property Rights, Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido, 2005, pag. 53 e ss.
3 Jorge Miranda – Rui Medeiros, «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo I, Coimbra Editora, 2005, Coimbra, pag. 290.
4 Ver, quanto a este aspecto, o Parecer da CNPD n.º 37/2006, relativo ao projecto de diploma que visava criar o cartão e cidadão.
5 Ver Maria Eduarda Gonçalves, «Direito da Informação», Almedina, Coimbra, 2003; Catarina Sarmento e Castro, «Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais», Almedina, Coimbra, 2004.

Página 12

12 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

fundamentais em concurso, bem como do equilíbrio entre as liberdades individuais e as garantias colectivas, entre a liberdade e a segurança.
7. A matéria do projecto de diploma aqui em apreço prende-se, igualmente e de forma particularmente premente, com o direito (fundamental) à identidade pessoal, previsto no n.º 1 do artigo 26.º da CRP. A identidade pessoal é aquilo que caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas, é o que torna cada indivíduo singular, único, irrepetível, mas também irredutível e indivisível. A identidade pessoal inclui, tanto a identidade absoluta – aquilo que identifica os indivíduos de forma singular e os torna inconfundíveis entre si – como a identidade relativa – respeitante à memória familiar e à historicidade pessoal. O direito à identidade pessoal comporta, também, estas duas vertentes.
6 8. Mais ainda, caminhando no sentido das profundezas do ser humano e chegando ao «cerne mais oculto da célula e do cromossoma»
7 de cada indivíduo, o Projecto versa sobre a identidade genética
8 de cada cidadão, sobre a criação de bases de dados de perfis de ADN 9 10 11
, quer para fins de identificação civil, quer para fins de investigação criminal. Sobre a identidade genética, o comando contido no n.º 3 do artigo 26.º da CRP traz uma imposição legislativa no sentido de uma garantia adicional e especial de respeito pela dignidade pessoal e pela identidade genética do ser humano, quando colocada perante a utilização de tecnologias e a experimentação científica. Dizemos adicional e especial porque o respeito pela dignidade pessoal não pode ser, em caso algum, questionada, pois ela sustenta toda a comunidade política portuguesa: artigo 1.º da CRP.
Também a identidade genética, sendo uma das identidades pessoais, tem o seu direito reconhecido pelo n.º 1 deste artigo 26.º da CRP; o n.º 3 é, por isso, um aditivo garantístico conferido pela Lei Fundamental à identidade genética. Tendo em atenção que os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias são «direitos de liberdade»
12
, direitos que visam, em primeira mão, proteger os cidadãos face à ingerência do Estado, tendo em vista que esses mesmos direitos estão sujeitos ao regime da «concordância prática»
13
, a necessidade do legislador constituinte consagrar especificadamente esta garantia só pode significar a imposição de um respeito adicional, especial, um plus garantístico a respeitar sempre que se combina identidade genética com criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias.
9. Este cuidado acrescido é plenamente justificado e alicerça-se na maior prudência do legislador constituinte: «Na origem dos grandes riscos que ameaçam a sociedade está a biotecnologia». «Como saldo, podemos dizer que os riscos aumentam sempre, mais celeremente que as soluções dos problemas».
14 II – A Sociedade da Informação e os riscos da modernidade

1. Os últimos 25 anos do século XX ficaram marcados pelo aparecimento da informática. Inicialmente, como instrumento de armazenamento de informação, acabou por demonstrar uma combinação entre rapidez e capacidade até então inimaginável. Seguidamente, como instrumento de realização de operações de cálculo e de cruzamento de informação armazenada, ultrapassou em muito larga medida, em termos de idêntica combinação, a capacidade humana. Finalmente, como instrumento de comunicação, a informática – nomeadamente e de forma muito especial a Internet – mudou os parâmetros do espaço-tempo da vivência humana. A eliminação de distâncias na comunicação e a difusão da realidade em tempo real, tornando global o mais particularista fenómeno local e trazendo à experiência local o mais global dos acontecimentos, foi uma transformação que mudou o mundo.
15 2. No cerne desta transformação está, precisamente, a Informação. 6 Paulo Otero, «Personalidade e Identidade Pessoal e Genética do Ser Humano: um perfil constitucional da bioética», Almedina, Coimbra, 1999, pags. 63 e ss.
7 Luís Archer, «Genoma e Intimidade», Cadernos de Bioética n.º 7, citado em Bernardo Xavier, «O acesso à informação genética. O caso particular das entidades empregadoras», Esudos de Direito da Bioética, Almedina, Coimbra, 2005, pag. 142.
8 A genética «é a ciência que estuda a hereditariedade e os mecanismos e leis da transmissão dos caracteres dos progenitores aos descendentes, bem como a formação e evolução das espécies animais e vegetais»: Stela Barbas, «Direito ao Património Genético», Almedina, Coimbra, 1998, pag. 11.
9 ADN é a sigla que designa Ácido Desoxirribonucleico («molécula formada por um conjunto de substâncias químicas elementares, em que avultam quatro elementos que se agrupam em pares e que formam os intermináveis «degraus da escada helicoidal» a que se chama a «dupla hélice».) Cromossomas são feitos de ADN e, portanto, todo o material genético de um organismo é ADN: Guilherme de Oliveira, «Temas de Direito da Medicina», n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pag. 115 e ss.
10 Perfil de ADN é constituído pelas características singulares de cada indivíduo, a sua «impressão digital genética».
11 O perfil de ADN é tido por todos os seres humanos, único e singular em cada indivíduo, permanecendo imutável ao longo de toda a vida e pós-morte, à excepção dos gémeos monozigóticos, aqueles que provêm do mesmo zigoto, que partilham o mesmo conjunto de genes e a mesma identidade genética. Ver, a este propósito, de novo Guilherme de Oliveira, ob. cit.
12 J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pag.
377.
13 José Carlos Vieira de Andrade, «Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», Almedina, Coimbra, 1987, pag. 222.
14 José de Oliveira Ascensão, «Intervenções no Genoma Humano. Validade Ético-Jurídica», Estudos de Direito da Bioética, Almedina, Coimbra, 2005, pags. 25 e 26.
15 Sobre este assunto, ver, por todos, a trilogia de Manuel Castells intitulada «A Era da Informação – Economia, Sociedade e Cultura» e composta pelos Volume I – «A Sociedade em Rede», pelo Volume II – «O Poder da Identidade» e pelo Volume III – «O Fim do Milénio», todos editados pela Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002.

Página 13

13 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

No que toca ao direito à informação, a informática e a Internet trouxeram novas oportunidades, oportunidades verdadeiramente revolucionárias, pois permitem aos indivíduos aceder directa e imediatamente à quase totalidade da informação de quase todos os sectores da vida humana.
No que toca à privacidade, a informática e a Internet trouxeram sérios riscos, riscos imponderados e incalculados, quer pela capacidade de armazenamento de dados e de informação pessoais, quer pela viabilidade de cruzamento e interconexão de dados e informações pessoais, quer ainda pela possibilidade ilimitada de acesso, divulgação ou difusão de dados e informações.
3. A realidade para os indivíduos, a realidade quotidiana dos cidadãos, ilustra bem o ambiente que pressiona e condiciona, senão mesmo que constrange, a privacidade, os dados pessoais e a informação relativas aos sujeitos, com implicações inegáveis na liberdade dos indivíduos. Efectivamente, os cidadãos vêem os seus dados pessoais (nomeadamente, os dados pessoais sensíveis elencados no n.º 1 do artigo 7.º da LPD – mormente, os dados pessoais de saúde, da vida sexual, os dados genéticos, da vida privada, da origem étnica e da raça), inclusivamente os dados pessoais biométricos, tratados de forma sistemática e generalizada:

a) No âmbito da Administração da Justiça e da Administração Interna, no seio dos diversos registos das Conservatórias e Tribunais, por um lado, e das forças de segurança, por outro, de que a recente criação e introdução do Cartão de Cidadão é exemplo de concentração da informação individual; b) No âmbito da actividade da segurança privada, através da utilização massiva da videovigilância, da videovigilância na circulação rodoviária e, mesmo, a videovigilância nos táxis;
16 17 c) No âmbito da Administração Fiscal, no âmbito da Segurança Social e no seio dos subsistemas de comparticipação e de segurança social, em que as interconexões e cruzamentos de dados com diversas entidades e serviços são frequentes;
18 d) No âmbito das entidades empregadoras e nos locais de trabalho, a utilização de meios electrónicos de vigilância e controlo dos trabalhadores, desde meios de videovigilância, até ao controlo da utilização de telefones, e-mails e Internet, além do tratamento de dados pessoais no seio da medicina do trabalho;
19 20 e) No âmbito do Sistema Nacional de Saúde e das unidades privadas de prestação de cuidados de saúde, nos quais são insatisfatórias as condições de segurança e confidencialidade da informação aí tratada;
21 f) No âmbito da actividade seguradora, nomeadamente no contexto dos seguros de saúde e do ramo Vida;
22 g) No âmbito da actividade bancária, financeira e creditícia; h) No desenvolvimento das diversas e massificadas actividades económicas, onde as vulnerabilidades do papel de consumidor do indivíduo se sobrepõem às potencialidades inerentes ao exercício da sua cidadania.
23 4. Na verdade, as tecnologias da informação são hoje utilizadas, não exclusivamente pelos poderes públicos no exercício das suas competências, não apenas pelas mais avançadas empresas privadas, mas são utilizadas de forma massiva por todos os operadores e agentes do Estado, do Mercado e da Sociedade. Essas tecnologias são aptas a criar perfis económicos e sociais dos cidadãos (perfis em geral, mas com aspectos particulares atinentes às vertentes culturais, políticas, religiosas, rácicas, étnicas, perigosidade e outras vertentes potenciadoras da estratificação social e da discriminação) e encontram um ambiente favorável à sua utilização, ambiente marcado pela guerra e pelo medo, no qual se debate a vigilância, enfatizando os riscos da criminalidade organizada e transnacional e as ameaças à segurança colectiva, ambiente que propicia o surgimento da legislação, medidas administrativas e práticas sociais opressivas das liberdades individuais.
24 «A organização tecnológica avançada e meticulosa da vida social coexiste com riscos espantosos que de todo o lado a ameaçam. A sociedade é ávida de segurança, mas está por muitas formas vulnerável»
25 26 16 Ver Deliberação da CNPD sobre os Princípios sobre o Tratamento de Dados por Videovigilância, disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/principiosvideo.htm 17 Ver Pareceres da CNPD n.º 1/2006, 3/2006, 39/2006 e 32/2006, disponíveis em www.cnpd.pt/bin/decisoes/pareceres.htm 18 Ver Pareceres da CNPD n.º 1/2004, 6/2004 e 23/2004 disponíveis em www.cnpd.pt/bin/decisoes/pareceres.htm 19 Ver Deliberações da CNPD sobre os Princípios sobre o Tratamento de Dados Biométricos para Controlo de Acessos e Assiduidade, disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/principiosbiometricos.htm e sobre os Princípios sobre a Privacidade no Local de Trabalho: o Controlo do Correio Electrónico, da Internet e das Chamadas Telefónicas dos Trabalhadores, disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/principiostrabalho.htm.
20 Ver Deliberação da CNPD sobre os Princípios Aplicáveis aos Serviços de Higiene, Segurança e Medicina do Trabalho, disponível em www.cnpd.pt/bin/orientacoes/MedicinaTrabalho-delgeral.pdf.
21 Ver Relatório da CNPD da Auditoria ao Tratamento da Informação de Saúde nos Hospitais, disponível em www.cnpd.pt/bin/Relatorios/outros/Relatorio_final.pdf 22 Ver Deliberação da CNPD n.os 51/2001 e 72/2006.
23 São inúmeras as Autorizações da CNPD para o tratamento de dados pessoais no âmbito da actividade bancária e financeira, bem como sobre a recolha e o fornecimento de informação relativa ao crédito e à solvabilidade dos indivíduos, podendo ser pesquisadas e consultadas em www.cnpd.pt/bin/decisoes/decisoes.asp.
24 Sobre este aspecto, trouxeram-se aqui as prelecções de Helena Kennedy e de David Murakami Wood na 28.ª Conferência Internacional de Autoridades de Protecção de Dados, realizada em Londres, Reino Unido, entre 2 e 4 de Novembro de 2006. Ver, igualmente, o Relatório sobre a Sociedade Vigiada surgido dessa Conferência e disponível em http://ico.crl.uk.com/files/Surveillance%20full%20report%20final.pdf 25 Oliveira Ascensão, ob. cit., pag. 25.
26 Sobre a Sociedade de Risco, ver, por todos, Ulrich Beck, «Risk Society. Towards a New Modernity», Sage, Londres, 1992.

Página 14

14 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

5. No que à matéria deste Parecer diz respeito, os riscos para a privacidade são, porventura, os mais profundos que podem ser concebidos. «A informatização dos dados de saúde não é, como em muitos outros casos, um mero armazenamento de informação relativa às coisas do homem, mas de informação relativa ao próprio homem em si».
27 Os desafios colocados pela inovação tecnológica e pela aplicação dessa inovação à informação e identidades genéticas revestem, ainda, alguns contornos de aventura da humanidade, com um horizonte de riscos ainda não previsíveis nem, portanto, controláveis.
É possível, hoje, ouvir falar na introdução de tecnologia desenvolvida no ADN recombinante para alteração do património genético de uma pessoa, tal como se pode já ouvir falar na modificação programada do património genético de uma célula humana germinativa ou embrionária; começa a ser tido por normal ouvir falar em atentado à identidade genética; é frequente e estão vulgarizadas no comércio jurídico as patentes biotecnológicas e surge um novo poder fáctico – Biopoder.
28 Na realidade, «as descobertas da tecnologia e da ciência já não circulam livremente entre as universidades e laboratórios, estão a ser privatizadas pela investigação das multinacionais, que, em princípio, guardam os segredos, os resultados das suas investigações numa procura de vencer as concorrentes e conseguir melhores resultados, nomeadamente económicos»
29 6. Com especial cuidado deve colocar-se, por aquele imperativo constitucional consagrado no n.º 3 do artigo 26.º da CRP, conforme o explanado supra em I – 8., mas também pela proibição constitucional constante do n.º 4 do artigo 35.º da CRP
30
, a aplicação das inovações tecnológicas ao tratamento de dados pessoais relativos à identidade genética, tal como se deve envolver essa aplicação das maiores precauções relativas ao acesso e à utilização desses dados tratados.
Na verdade, a massificação do tratamento de dados pessoais em todos os sectores da vida social em que os cidadãos se vêem, inelutavelmente, envolvidos, com a consequente concentração da informação que lhes diz respeito, cria uma zona em que existe um efectivo conhecimento da informação total e de todos os dados pessoais dos indivíduos. Os receios situam-se, não apenas nos acessos indevidos ou nos conhecimentos indevidos, «mas nas potencialidades de comunicação inter-institucional ou inter-sectorial, a nível nacional ou mesmo internacional, que as técnicas informáticas propiciam».
31 Existe uma zona criada através das telecomunicações, dos sistemas informáticos e dos locais de interacção destes sistemas em que se verifica a simultaneidade de toda a informação dos cidadãos, processados nos diversos e espartilhados tratamentos de dados pessoais. Esta zona é acessível às elites que tornam a comunicação neste espaço na sua prática social e conseguem, inclusivamente, deslocalizar os pontos de acesso e de decisão de modo a escaparem ao controlo político e às condicionantes sociais existentes num determinado país.
32 7. Mesmo com conhecimento e consciência desta realidade, o clima de desconfiança gerado em torno das anunciadas ou efectivas ameaças à sociedade democrática leva q que a sociedade e os cidadãos, norteados pela pragmática necessidade de sucesso e eficácia, não só das medidas preventivas da segurança colectiva, mas também das medidas repressivas das ofensas a essa segurança, aceitem imediata e inquestionavelmente o quadro de vigilância permissivo do tratamento dos dados pessoais que lhes respeitam, coligindo a informação respeitante aos indivíduos. Como vimos, o conjunto de tratamentos de dados pessoais que simultaneamente acontecem, conduzindo a uma concentração total da informação do cidadão, acontece pelas melhores, mais positivas e virtuosas razões, desde a prevenção da segurança, a eficiência dos recursos, a efectividade das medidas e a eficácia dos resultados, mas não deixa de produzir um efectivo controlo dos cidadãos por parte dos poderes democraticamente legitimados ou meramente fácticos.
33 Este é o contexto real que deve determinar, na perspectiva da CNPD, que a aplicação das novas tecnologias ao tratamento dos dados genéticos deve observar um conjunto de princípios jurídicos que, seguidamente e de forma meramente indicativa, se passam a listar, sem, contudo, pretender esgotar os que elenco desses mesmos princípios aplicáveis aos tratamentos de dados pessoais genéticos, objectos do projecto.

III – Alguns princípios jurídicos aplicáveis ao regime da protecção de dados pessoais

1. Princípio da dignidade da pessoa humana: é o fundamento e limite da actuação do Estado e subordina mesmo a vontade popular. A expressão «pessoa humana» refere-se às pessoas concretas, ao homem 27 Paula Lobato de Faria, «Protecção Jurídica dos Dados Médicos Informatizados», Direito da Saúde e Bioética, Lex, Lisboa, 1991, pag.
155.
28 Maria Helena Diniz, «O Direito Ante a Nova Imagem da Ética Médico-Científica», Lex Medicinae Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Centro de Direito Biomédico, Ano 2, n.º 4, 2005, Coimbra Editora, 2005, pag 5 a 10.
29 Stela Marcos de Almeida Neves Barbas, «Direito ao Património Genético», Almedina, Coimbra, 2006, pag. 21.
30 Sobre esta proibição, ver Parecer da CNPD n.º 37/2006, relativo ao diploma que criou o Cartão de Cidadão, pag. 6 a 9, disponível em www.cnpd.pt/bin/decisoes/2006/htm/par/par37-06.htm 31 Paula Lobato Faria, ob. cit., pag. 156.
32 Manuel Castells fala, a este propósito, no «Espaço dos Fluxos», que não é espacial mas é uma verdadeira prática social permitida pelas tecnologias de informação e desenvolvida pelas elites sociais e políticas. Para além da obra deste autor já referida, pode ver-se, de forma muito mais abreviada mas muito clara, Manuel Castells e Martin Ince, «Conversas com Manuel Castells», Campo das Letras, Lisboa, 2004, pag. 65 e ss.
33 De novo, a intervenção de David Murakami Wood na 28.ª Conferência Internacional de Autoridades de Protecção de Dados, realizada em Londres, Reino Unido, entre 2 e 4 de Novembro de 2006.

Página 15

15 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

e à mulher em concreto, não a um ser ideal ou abstractamente considerado. Este princípio explica a «garantia contra a obtenção e utilização abusivas de informações relativas às pessoas e às famílias».
34 2. Princípio da Precaução: significa este princípio, sinteticamente, que os cidadãos titulares dos dados pessoais genéticos, objecto de tratamento no âmbito deste Projecto, devem contar com o benefício da dúvida a seu favor, em termos de não verem os seus dados pessoais genéticos serem tratados se houver uma incerteza sobre um qualquer resultado que seja prejudicial para a sua privacidade ou para a sua autodeterminação informacional.
3. Princípio da Prevenção: significa este princípio que deve ser feita uma prognose e avaliação de custos e prejuízos para a privacidade e para a autodeterminação informacional dos cidadãos, antevendo e obstando a priori à sua produção, ao invés de apenas se garantir, a posteriori, a sua reparação.
4. Princípio da proporcionalidade: este princípio desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação, que impõe que o diploma que opere uma restrição a um direito fundamental deve ser o meio adequado para a prossecução do fim pretendido por esse diploma ou por essa medida; princípio da necessidade, que determina que a medida restritiva de direitos fundamentais deve ser indispensável para obter o resultado pretendido, não sendo este possível alcançar por outra medida não restritiva ou menos restritiva dos mesmos direitos fundamentais; princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou da proibição do excesso: dita este princípio a obrigação de que as medidas restritivas dos direitos fundamentais e os fins que estas visam alcançar devem revestir uma «justa medida»
35 e não mostrarem-se excessivas em relação aos fins últimos obtidos. Este princípio encerra, ainda, um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que passa pelo respeito pelo conteúdo essencial das normas consagradoras de direitos fundamentais.
5. Princípio da autonomia: significa este princípio que os cidadãos têm, no direito ao desenvolvimento da personalidade consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da CRP, a autonomia individual, a autodeterminação e a liberdade de traçarem o seu próprio plano de vida, podendo exigir que o Estado e os poderes públicos não o conheçam.
36 6. Princípio da transparência: consagrado no artigo 2.º da LPD, para além da necessária licitude do tratamento, o maior e mais expressivo reflexo deste princípio reside na informação que o titular dos dados pessoais visado pelo tratamento deve conhecer sobre o respectivo tratamento.
7. Princípio da finalidade: consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD, tem uma consequência prática de importância crucial na medida em que limita negativamente a licitude do tratamento de dados pessoais, proibindo a utilização desses dados tratados para finalidades diferentes das iniciais que determinaram a recolha.
8. Princípio do Consentimento Informado: consagrado no artigo 10.º da LPD, tem como fundamento, da parte do responsável pelo tratamento, o dever de tratar os dados pessoais dos titulares com lealdade e de acordo com a boa fé e, do lado dos titulares, a autodeterminação informacional dos cidadãos e a sua liberdade e autonomia, significando que, na ausência de lei, os tratamentos só podem ser levados a efeito com assento no consentimento dos indivíduos e este consentimento deve ser fundado no cabal esclarecimento dos mesmos titulares.
9. Princípio da competência técnica: significa que o tratamento de dados pessoais, mormente em matéria tão sensível como a informação genética e para finalidades tão graves como a identificação civil e investigação criminal, deve ser levado a efeito por entidades e pessoas de reconhecida competência técnica, com créditos firmados na comunidade tecnológica e científica e credenciadas junto das entidades de supervisão.
37 10. Princípio da confidencialidade: significa este princípio que o tratamento de dados pessoais deve importar para as pessoas que contactam com a informação resultante um dever de confidencialidade sobre essa informação, não apenas enquanto procedem a esse tratamento, mas igualmente após deixarem de o fazer, seja qual for a sua intervenção.
11. Princípio do controlo: o tratamento dos dados pessoais genéticos, levado a efeito pela entidade responsável designada por lei, deve ser objecto de acompanhamento, avaliação e controlos permanentes, estando as diversas operações efectuadas no âmbito desse tratamento sujeitas a uma «reserva de autorização» da entidade de controlo (recolhas, utilizações, conservação, acessos, entre muitas outras possíveis).
38 34 Jorge Miranda, Rui Medeiros, ob. cit., pag. 53 e 54.
35 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pag. 393.
36 Ver, por exemplo, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 288/99, de 17 de Abril.
37 Ver, a este propósito, João Carlos Loureiro, «Células Estaminais», «Lex Medicinae», Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Centro de Direito Biomédico, Ano 2, n.º 4, 2005, Coimbra Editora, 2005, pag 21; João Loureiro, «Da Sociedade Técnica de Massas à Sociedade de Risco: Prevenção, Precaução e Tecnociência. Algumas questões jusplicísticas», Stvdia Ivridica 61, Estudos em Homenagem ao Prof.
Doutor Rogério Soares, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pag. 797 e ss.
38 João Carlos Loureiro, na obra citada na nota anterior, pag. 22.

Página 16

16 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

IV – O tratamento dos dados pessoais genéticos para fins de identificação civil
39
: algumas considerações gerais

1. O Projecto pretende introduzir o tratamento de dados pessoais genéticos para fins de identificação civil.
A base de dados genéticos para fins de identificação civil tem, obrigatoriamente, para se mostrar apta a cumprir a finalidade para a qual foi criada, de ser universal, na medida em que regista os dados genéticos de toda a população nacional. Mais ainda, essa finalidade só é realizável se o tratamento dos dados pessoais genéticos for, não apenas universal, mas ainda multi-geracional . De contrário, a utilização do ADN para fins de identificação civil suporia sempre a pré-existência de algum princípio de identificação dos restos mortais, de tal modo que fosse possível restringir os círculos de pessoas (eventuais parentes, por exemplo) cujos perfis de ADN pudessem ser comparados com os perfis de ADN encontrados em despojos e restos mortais que se pretendem identificar. De igual modo, a identificação e relacionamento entre pais e filhos, netos e avós, também supõe a existência de vestígios genéticos que os liguem entre si.
40 2. Os dados pessoais genéticos, não apenas são os que mais profundamente respeitam ao ser humano e a cada um dos indivíduos, conforme se explanou em supra I–8., como ainda revestem as características dos dados pessoais biométricos. Podem resumir-se as características dos dados pessoais biométricos às seguintes: i) universalidade dos dados pessoais biométricos, na medida em que são comuns a todas as pessoas, todas as pessoas têm esses tipos de dados pessoais; ii) unicidade dos dados pessoais biométricos, na medida em que cada pessoa tem os seus dados pessoais biométricos, diferentes de todas as outras pessoas, conferindo a absoluta singularidade a cada indivíduo, pois os dados pessoais biométricos de cada um não se repetem nos outros; iii) permanentes ou vitalícios, pois os dados pessoais biométricos acompanham os indivíduos durante toda a vida; iv) imutáveis, na medida em que permanecem intactos ao longo do tempo, não sofrendo alterações pelo simples facto do decurso temporal; v) indivisíveis, na medida em que os dados pessoais biométricos mantém sempre a sua integralidade e são incindíveis, não podendo ser objecto de fragmentação.
3. O fundamento ou razão de ser da criação da base de dados genéticos é a constante da introdução do Projecto: identificação de desaparecidos. Este o único fundamento para a criação da base de dados genéticos.
Esta finalidade – a da identificação de desaparecidos – num país como Portugal, que não conheceu, na sua história recente, períodos de conflitos sociais agudizados, nem guerras civis, nem regimes ditatoriais, nem fenómenos episódicos de eliminação dos direitos fundamentais, apenas se concebe no contexto de catástrofes e acidentes imprevisíveis e absolutamente excepcionais.
Estamos, então, perante um tratamento de dados pessoais universal, que atinge a totalidade da população nacional, durante mais do que uma geração e de forma perpétua, sob pena de não ser alcançado o objectivo da criação da base de dados genéticos, para prosseguir uma finalidade única que se mostra excepcional – a finalidade apenas existe em casos excepcionais, como sejam as catástrofes naturais, os acidentes invulgares, ou outros fenómenos similares.
A criação de um tratamento desta natureza – tratamento perpétuo e universal dos dados pessoais mais sensíveis que os cidadãos têm – para prosseguir uma finalidade excepcional revela a desproporcionalidade e a excessividade deste tratamento para esta finalidade.
4. Esta excessividade é ainda revelada na medida em que existem outros dados pessoais biométricos, com iguais características, como é a impressão digital – cujo tratamento já é universal mas cujas potencialidades de prossecução das finalidades de identificação civil não foram totalmente esgotadas. Na medida em que este dado pessoal e o seu tratamento é menos intrusivo na privacidade dos cidadãos do que o tratamento dos dados pessoais genéticos, parece que o princípio da necessidade – ou da indispensabilidade – encontra-se, aqui, ultrapassado. Por outro lado, a impressão digital pode servir a finalidade geral de identificação civil com menos riscos do que o tratamento dos dados genéticos, na medida em que este último exige a adopção de tecnologias e métodos ainda não consolidados, parecendo, aqui, que o princípio da precaução foi também olvidado. E em terceiro lugar, os dados pessoais genéticos, em casos excepcionais que requeiram o seu tratamento para identificação civil – catástrofes naturais ou acidentes – podem ser tratados, quer os relativos às pessoas falecidas/desaparecidas, quer os relativos aos grupos com os quais se pretende identificar por comparação, não ficando inviabilizada a prossecução desta finalidade excepcional.
41 42 39 Limitamo-nos, aqui, a apresentar analisar o projecto à luz do regime da LPD e, sempre que necessário, recorreremos à CRP. No entanto, outros instrumentos legais nacionais, comunitários, europeus e internacionais são, substantivamente, observados: a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada na Organização das Nações Unidas e datada de 19 de Dezembro de 1948; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, outorgada no seio do Conselho da Europa e datada de 4 de Novembro de 1950; a Convenção n.º 108 do Conselho da Europa, datada de 28 de Janeiro de 1981; a Recomendação do Conselho da Europa R (97) 5; a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; a Directiva 95/46/CE do Conselho e do Parlamento Europeu, de 24 de Outubro de 1996; o Código Civil (CC); a lei de Identificação Civil (Lei n.º 33/99, de 18 de Maio; e a Lei sobre a Informação Genética e de Saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro) 40 Ver Guilherme Moreira, «Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma», Temas de Direito da Medicina n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pag. 124.
41 Ver nota anterior.
42 Aliás, ao passo que não se conhecem casos de repetição da mesma impressão digital em dois indivíduos diferentes, os gémeos homozigóticos apresentam as mesmas características genéticas: ver Guilherme de Oliveira, na obra citada nas duas notas anteriores, pag. 116.

Página 17

17 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

5. Deve atentar-se, por seu turno, que existem riscos ainda não previsíveis na sua definição nem controláveis que advêm da adopção de tecnologias e conhecimentos científicos de aquisição recente. Em primeiro lugar, os exames ao ADN, mesmo tratando-se de ADN intergénico ou não-codificante, podem fornecer mais indicações de carácter pessoal do que a mera identificação do titular.
Em segundo lugar, a rapidez da evolução tecnológica e científica depressa retirará a «cegueira» ao ADN não-codificante, de forma que este revele outro tipo de informação sobre o seu titular, nomeadamente informação fenotípica dos indivíduos.
Em terceiro lugar, o potencial de informação residente no ADN e a sua valia para outras finalidades, nomeadamente de investigação, constitui uma tentação para os poderes públicos utilizarem os dados pessoais genéticos para outros fins, sempre a coberto de finalidades que se apresentam meritórias. Estas investigações podem ser feitas de modo anónimo, mas podem também exigir a análise do ADN dos familiares dos investigados, o que retiraria o anonimato à investigação.
Em quarto lugar, a mais importante investigação científica neste domínio da informação genética está a cargo, não das entidades públicas nem das universidades, mas das empresas privadas, geralmente laboratórios multinacionais. Estas entidades, não apenas prosseguirão o seu trabalho de investigação para obter informação relevante a partir do ADN não-codificante, como ainda tentarão utilizar para efeitos de identificação qualquer parte do ADN, não apenas o intergénico.
Por outro lado e em quinto lugar, existem diversos acordos comunitários, europeus e internacionais, bilaterais e/ou multilaterais, nos quais intervêm países que utilizam qualquer tipo de ADN, incluindo o ADN codificante, para efeitos de identificação civil. No âmbito destes acordos, verificar-se-à a pressão destes países para que a utilização deste tipo de ADN codificante, para efeitos de mera identificação civil, seja admitida, sob pena de exclusão daqueles países do âmbito desses acordos.
Por outro lado e em sexto lugar, a criação e manutenção da base de dados de ADN pode reclamar o recurso a entidades privadas que prestem os seus serviços neste domínio, através de contratos de prestação de serviços sob qualquer forma jurídica. Este recurso deve revestir-se da maior transparência e assegurar a maximização do princípio da competência técnica, bem como garantir a fidelidade da utilização dos dados pessoais genéticos à exclusiva finalidade prosseguida com a criação desta base de dados.
Ainda e em sétimo lugar, pode haver a tendência ou tentação para a recolha de amostras de ADN, ou para a agregação de amostras de ADN referentes a grupos ou categorias de cidadãos – por exemplo, cidadãos residentes numa determinada localidade, cidadãos oriundos de uma determinada zona do globo, cidadãos contribuintes numa determinada categoria, cidadãos beneficiários de uma determinada prestação social, cidadãos condenados por infracções de diversa natureza – prática que potencia ou efectiva discriminações inaceitáveis.
Por fim, analisando-se a evolução da relação dos poderes públicos com os cidadãos no que toca ao acesso à informação existente no sector administrativo do Estado, verifica-se uma tendência para o acesso progressivo dos cidadãos e entidades a essa informação e para a intensificação do fluxo de informação entre o sector público e o sector privado, para finalidades distintas. Também aqui existe uma tendência actual e acentuada para o acesso das entidades privadas à informação existente no sector público que chegará à informação genética criada e depositada na base de dados surgida do Projecto, tendência que, mais cedo ou mais tarde, pode vir a tornar-se uma realidade efectiva.
43 6. Por último, não se ignora que a base de dados genéticos é criada a partir de dados pessoais genéticos recolhidos com o consentimento informado e escrito. Retomamos, aqui, as características do consentimento relevante para efeitos de tratamentos de dados pessoais, lembrando que ele deve ser, antes de mais, livre e específico, além de informado.
Mas tratando-se de consentimento para tratamento de dados pessoais sensíveis, como são os dados pessoais genéticos, na classificação do n.º 1 do artigo 7.º da LPD, esse consentimento deve ser, não apenas escrito, mas expresso para esse tratamento, directamente dirigido à legitimação desse tratamento.
Para além deste aspecto, o consentimento informado exige, da parte do responsável pelo tratamento, o cumprimento do seu dever de informar o titular, dever de informação esse que integra o próprio processo de tratamento dos dados pessoais genéticos. O dever de informar não se resume a uma mera formalidade, implica o dever de esclarecer o titular em termos compreensíveis e elucidativos para a formação da vontade do indivíduo, bem como o dever de verificar que o titular ficou esclarecido, tudo em respeito à sua autodeterminação informativa. Esse dever de informar inclui o dever de comunicar e dar a conhecer aos titulares os riscos conhecidos e potenciais do tratamento dos seus dados pessoais genéticos, em termos que estes possam avaliar esses riscos e tomar a decisão de os assumir por sua conta, autorizando o tratamento dos seus dados genéticos. Esse esclarecimento deve acautelar a obtenção de um consentimento autêntico, ou seja, um consentimento formado dentro da harmonia do quadro de valores e dentro do sistema de auto-referência do indivíduo, também em homenagem à sua autodeterminação informativa. Por fim, a capacidade do titular para consentir deve ser igualmente suficiente para ele revogar esse consentimento com total liberdade e sem consequências, pois esse consentimento reveste a natureza de acto jurídico de assentimento para o tratamento, não de uma declaração negocial no âmbito de uma relação bilateral semelhante a um contrato.44 43 Sobre estes aspectos, Guilherme de Oliveira, ob. cit.
44 Ensinamentos retirados e adaptados, entre outros, de: André Gonçalo Dias Pereira, «O Consentimento Informado na Relação MédicoPaciente», Estudo de Direito Civil n.º 9, Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, 2004; Dominique Turpin, «Libertés Publiques & Droits Fondamentaux», Seuil, Paris, 2003; e, ainda, de Philippe Frumer,

Página 18

18 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

1. De acordo com a introdução feita ao Projecto, a investigação criminal constitui uma importante parte, senão a maior parte, da finalidade visada pela criação da base de dados genéticos: a identificação de delinquentes; a exclusão de inocentes; a interligação entre diferentes condutas criminosas; a colaboração internacional em processos de identificação e a dissuasão da prática de novas infracções.
Retomamos, aqui, dando-as como reproduzidas, as considerações que fizemos atrás, na Parte II deste Parecer.
Acrescentamos, todavia, que o medo e o terror, as ameaças da criminalidade organizada transnacional e do terrorismo acabam por funcionar como factores de impulsão, de mobilização social, mas também de aceitação e acatamento social, além de que são, inegavelmente, factores de crescimento económico e de progresso tecnológico e científico.
47 Por outro lado, o contrato social nesta sociedade de risco, marcada pelo medo e pelo terrorismo e cujo grande valor que se levanta é a segurança leva a que seja exigida ao Estado uma intocável eficácia judiciária, quer quanto à prevenção, quer quanto à repressão criminal, sentindo os poderes públicos a necessidade e a obrigatoriedade de apresentação de resultados quantitativos e qualitativos no combate à criminalidade.
Estes dois factores – a maior vulnerabilidade dos cidadãos face à sociedade marcada pelo medo e pelo terror das actividades criminosas transnacionais e a maior necessidade dos poderes públicos de apresentarem resultados no combate à criminalidade – não devem significar uma automática e progressiva diminuição dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo estes «direitos de liberdades».
48 2. Mas a verdade é que, por vezes, é esse significado que realmente acontece.
Em França, a base de dados genéticos foi criada em 1998, pela denominada Lei Guigou, de 17 de Junho de 1998, poucos meses após a prisão de um assassino em série captado graças à identificação por ADN, destinando-se essa base à identificação de autores de crimes sexuais. Em 2001, ainda no governo de Leonel Jospin, a Lei Vaillant, de 15 de Novembro, alargou a utilização dessa base de dados à identificação dos autores de crimes contra a vida das pessoas, autores de actos de terrorismo ou atentados aos bens através de violência. Esta lei já previa uma sanção de prisão e multa no caso de o titular se recusar a submeter-se à recolha dos dados genéticos. Em 2003, a Lei Sarkozy, de 18 de Março de 2003, fez incluir os crimes mais banais (furtos e roubos simples, por exemplo) no elenco de crimes aos quais a base de dados genéticos se aplicava para identificação dos seus autores, aumentou as penas pela recusa da recolha da amostra de ADN e previu a inclusão nessa base de dados dos perfis de ADN de pessoas simplesmente suspeitas. Por fim, a Lei Perben II, de 2004, obriga a que todas as pessoas condenadas a mais de 10 anos de prisão vejam o seu perfil de ADN registado na base de dados genéticos para fins criminais, sendo a recusa do fornecimento da amostra sancionada pela perda total do direito à redução da pena durante o seu cumprimento.
49 Esta evolução mostra claramente a pertinência das preocupações manifestadas em relação à perda efectiva do conteúdo dos direitos fundamentais e das liberdades públicas, nomeadamente, dos direitos fundamentais à protecção da privacidade, à protecção da reserva da vida privada e à protecção dos dados pessoais.
3. Não se ignora, porém, que os dados pessoais, os dados pessoais biométricos e. designadamente, os dados pessoais genéticos – o ADN – são provas deveras importantes na perseguição criminal que não podem ser dispensadas numa sociedade que também assiste a uma progressiva complexidade dos métodos criminosos. «La Renonciation aux Droits et Libertes – La Convention Européenne dês Droits de L´Homme à L´Épreuve de la Volonté Individuelle», Bruylant, Bruxelas, 2001.
45 Também neste capítulo, para além da LPD e da CRP, recorremos ao estudo de outros diplomas legais e considerámos o seu regime, ainda que não lhes façamos menção expressa. São eles: o Código Penal (CP); o Código de Processo Penal (CPP); a Lei de Identificação e Registo Criminal (Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto); a Lei de Investigação Criminal (Lei n.º 21/00, de 10 de Agosto); a Lei das Perícias Médico-Legais e Forenses (Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto); os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal (Decreto-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março. Por outro lado, atendemos ainda aos instrumentos comunitários e europeus seguintes: Sistema de Informação sobre Vistos (Decisão do Conselho da União Europeia 2004/512/CE); Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados-Membros da União Europeia (Acto do Conselho 2000/C197/01); Convenção sobre a utilização da informática no domínio aduaneiro (Resolução da Assembleia da República n.º 32/99, de 21 de Abril); Regulamento relativo à criação do sistema Eurodac de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação da Convenção de Dublin (Regulamento (CE) 2725/2000 do Conselho, de 11 de Dezembro de 2000); Convenção de Schengen (Resolução da Assembleia da República n.º 345/93, de 25 de Novembro); Convenção Europol (Resolução da Assembleia da República n.º 60/97, de 19 de Setembro); Tratado relativo ao aprofundamento da cooperação transfronteiras em particular no domínio contra o terrorismo, a criminalidade transfronteiras e a migração ilegal (Tratado de Prum); Recomendação do Conselho da Europa R (87) 15; Recomendação do Conselho da Europa R (92)1.
46 Neste capítulo, somos obrigados a fazer algumas incursões pelo Direito Penal e pelo Direito Processual Penal, cientes que estas áreas do Direito se situam fora da circunscrição de pronúncia da CNPD. Porém, muitos princípios e normas da protecção de dados pessoais devem ser inseridas nas áreas do Direito sobre as quais as intenções e propostas legislativas versam (caso, por exemplo, do princípio da proporcionalidade e da norma da qualidade dos dados do artigo 5.º da LPD). Por outro lado, não podemos esquecer que o Direito Processual Penal é um verdadeiro «Direito Constitucional aplicado», que deriva de normas atinentes aos direitos, liberdades e garantias e que, por sua via, o artigo 2.º da LPD manda respeitar os «direitos, liberdades e garantias fundamentais». Evidentemente, as considerações sobre estas duas disciplinas jurídicas – o Direito Penal e o Direito Processual Penal – não têm mais pretensões do que contextualizar a matéria sobre a qual compete à CNPD pronunciar-se – a protecção da privacidade e dos dados pessoais dos cidadãos.
47 Relatório da 28.ª Conferência Internacional das Autoridades de Protecção de Dados, atrás referida.
48 Ver, supra, I – 8.
49 Fonte: «Le Monde», de 25 de Fevereiro de 2007.
II SÉRIE-A — NÚMERO 3
__________________________________________________________________________________________________________
18


Consultar Diário Original

Página 19

19 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

O tratamento dos dados pessoais genéticos mostra-se, então, uma restrição da privacidade e da protecção dos dados pessoais, enquanto direitos fundamentais, proporcionada à finalidade da investigação criminal, da prevenção da prática de crimes e da repressão dos seus fautores.
No entanto, essa proporcionalidade, porque estamos perante direitos fundamentais pertencentes aos direitos, liberdades e garantias, porque estamos em face dos direitos gerais de personalidade e porque se joga a dignidade da pessoa humana, deve ser aferida em concreto, caso a caso, perante cada homem e cada mulher. A previsão legal dessa restrição deve, também, ser formulada em termos bem definidos e circunstanciados, em razão do princípio da proporcionalidade.
Assim, o tratamento do dado pessoal genético para efeitos de investigação criminal deve ter lugar apenas nos casos em que esse meio de prova – o perfil de ADN – se mostra relevante e adequado a demonstrar a autoria dos crimes que se visam investigar. Depois, o tratamento do dado pessoal ADN só deve ter lugar se for estritamente necessário, absolutamente indispensável, para a investigação e instrução criminal em causa.
Em terceiro lugar, exige-se ainda que a utilização do ADN não se revele excessiva em relação ao crime que se pretende provar.
50 «Mas, também é importante que se saiba distinguir quando é que a prova pericial é adequada a obter determinado resultado, quando é, de facto, relevante e pertinente para o apuramento da verdade e boa decisão da causa.»
51 4. Importa ter presente que, como já aqui dissemos, existe uma pressão da sociedade sobre as autoridades no sentido da obtenção de resultados satisfatórios na investigação policial e judiciária e uma necessidade destas de apresentarem esses resultados com grande eficácia e eficiência – quer do ponto de vista dos meios utilizados, quer do ponto de vista temporal.
Por outro lado, as provas periciais e obtidas através da utilização de tecnologias e de meios científicos gozam de uma reputação próxima da infalibilidade que provocam a tendência para o seu recurso na primeira linha das diligências investigatórias.
52 Sobre o perigo dessa presunção de infalibilidade, mais à frente voltaremos. Mas a fama de rapidez, eficiência e fiabilidade dos resultados que gira à volta do ADN enquanto meio de prova facilmente leva a que as autoridades judiciárias lancem mão deste meio de prova para utilização em casos criminais de menor gravidade, desviando-se, assim, do princípio da proporcionalidade que deve presidir ao tratamento do ADN, vulgarizando os exames genéticos e banalizando aquilo que é, afinal, o depósito mais profundo da identificação individual e o da mais nuclear da dignidade da pessoa humana. 5. O recurso ao ADN para prova de crimes tem consequências ao nível dos princípios da presunção de inocência, do seu derivado «in dúbio pro reo» e do «nemo tenetur se ipsum accusare»: n.º 1 do artigo 32.º da CRP.
Brevemente dizemos que o princípio da presunção de inocência deve ser uma constante intocada, desde o momento em que o indivíduo nem sequer tange os processos investigatórios ou judiciários e até trânsito em julgado de sentença condenatória. Mas após esta sentença e até que nova sentença, por outro crime, transite igualmente em julgado, de novo o indivíduo goza da mesma presunção e esta, de igual modo, deve permanecer intocada até então.
Existe, então, um cuidado muito grande e deveras afinado a ter com o princípio do in dúbio pro reo, sendo este uma expressão matriz do princípio da presunção de inocência. Existe, já o dissemos, a reclamação de eficácia da actuação do sistema judiciário e a necessidade deste sistema apresentar resultados satisfatórios; existe, por outro lado, a fama do ADN como meio de prova, dotado de certeza, de rigor científico e de infalibilidade. No meio, pode acabar por verificar-se um determinismo na classificação do titular do ADN como agente do crime. A utilização do ADN como meio de prova exige, em primeiro lugar, que se tenha em conta que a prova pericial, só por si, não é suficiente para deduzir acusação ou ordenar o arquivamento, para decidir pela pronúncia ou despronúncia, para condenar ou absolver o arguido, antes deve ser vista como um meio complementar de prova ou, pelo menos, de ser complementada por outros meios de prova.
53 Por outro lado, os decisores do sistema judiciário, agentes dos órgãos de polícia criminal e de outras entidades com poderes de autoridade e de inquérito, magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais devem estar alertados para a relativização do valor probatório do perfil de ADN, actuando com toda a prudência e ciência a partir dessa relativização. Esta chamada de atenção deve ser tão mais audível quanto, por força dos n.º 1 e 2 do artigo 163.º do CPP, o juízo técnico ou científico inerente à prova pericial situa-se fora da livre apreciação do julgador, devendo este fundamentar qualquer decisão que divirja daquele juízo. Claro que a utilização do ADN e o juízo técnico que lhe está inerente é apenas respeitante à autenticação ou identificação de pessoas, mas 50 Mais à frente comentaremos a opção do legislador. Não parece, neste momento, consentâneo com o princípio da proporcionalidade que os agentes de certos crimes contra o património – burla agravada, por exemplo, p.p. pelo artigo 218.º do CP – punidos com pena de prisão concreta superior a 3 anos, só por isto, vejam o seu DNA recolhido e registado. O DNA não parece não ser relevante para a prova deste tipo de crimes, a demonstração da autoria deste tipo de crimes deve passar por outros elementos de prova e o DNA não deve ser utilizado para prova de crimes semelhantes mas de menor gravidade – como seja o furto simples de bens de valor diminuto (artigo 203.º e 202.º do CP).
51 Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, «Particularidades da prova em processo penal. Algumas questões ligadas à prova pericial», Revista do CEJ «Prova, Ciência e Justiça», N.º 3, 2.º Semestre de 2005, Almedina, Coimbra, 2005, pags. 188.
52 Damos eco a Guilherme de Oliveira: «Os laboratórios, por melhores que sejam, não chegam para decidir as questões judiciais»: Temas de Direito da Medicina, n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pag. 120.
53 Ver Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, ob. cit., pags. 169 e ss.

Página 20

20 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

uma resposta positiva ou negativa nessa utilização deve merecer uma ponderação meticulosa e fundamentada, não respostas meramente presuntivas.
54 Neste domínio, é imperioso impedir que as verdades científicas produzam realidades aparentes e estas ditem as verdades judiciárias.
É que, se a exclusão de um suspeito ou arguido de uma determinada derivação biológica é inequívoca, levando à sua não acusação, não pronúncia ou absolvição, quando se trata de demonstrar essa derivação, a autenticação ou identificação do sujeito, a resposta que obtemos não deixa de se quedar por uma «probabilidade quase provada».
55 6. A utilização do perfil de ADN para fins de investigação criminal não se faz sem riscos de erróneas conclusões, não apenas por errada ponderação da prova por parte do decisor/julgador, mas inclusivamente porque deturpado resultado técnico a que a sua utilização pode chegar. O ADN não-codificante, como substância química
56 que é, exige do seu tratamento um rigor e uma perícia no seu manuseamento, de elevado nível de precisão.
Desde logo, a recolha do material biológico tem de excluir toda a mistura ou degradação que possa dar origem a um resultado falso.
Depois, importa ter sempre presente que o mesmo indivíduo pode apresentar pequenas diferenças na representação gráfica do seu perfil de ADN, sem qualquer explicação para esse facto.
Em terceiro lugar, existem coincidências casuais de códigos genéticos, sobretudo no seio do agregado familiar alargado e em populações com características semelhantes.
Em quarto lugar, os gémeos homozigóticos apresentam, comummente, o mesmo perfil de ADN.
57 Por fim, existe a tentação, incontornável, de traçar o perfil criminógeno dos indivíduos, a partir do registo do ADN, seja utilizando a informação da base de dados de perfis de ADN para uma finalidade diferente de investigação, seja informal, empírica e especulativamente, a partir do conhecimento da informação existente nesta base a propósito de um qualquer cidadão suspeito ou arguido.
Esta questão é, para o Direito Processual Penal, de importância central, tal como o é para o Direito à Protecção dos Dados Pessoais, na medida em que toca a exactidão dos dados pessoais dos titulares e a fiabilidade da informação a este respeitante (artigo 5.º, n.º 1 alínea d) da LPD).
7. Existe outra questão que é de extrema complexidade no tratamento do dado pessoal «perfil do ADN» para efeitos de investigação criminal e que se prende com a recolha da amostra.
Abrimos esta questão com Figueiredo Dias: «A descoberta de verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas».
58 Temos, do lado da protecção de dados pessoais, que os dados pessoais devem ser tratados de forma lícita e transparente (alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD), devendo ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas (alínea b) do mesmo n.º 1). Por outro lado, de acordo com o n.º 1 do artigo 8.º, os dados pessoais tratados em registos centrais relativos a suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contraordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias devem estar a cargo de serviços públicos com competência específica prevista na respectiva lei de organização e funcionamento, observando normas procedimentais e de protecção de dados previstas em diploma legal.
Do lado dos direitos, liberdades e garantias referentes ao processo criminal e do Direito Processual Penal temos, decorrendo do supremo princípio da presunção de inocência, o princípio «nemo tenetur se ipsum accusare», também denominado privilégio contra a auto-incriminação, o qual proíbe que sobre o arguido penda qualquer ónus probatório e permitindo-lhe, inocuamente para a acusação que sobre ele foi deduzida, não contribuir para a obtenção de meios de prova que o possam incriminar: artigo 32.º, n.º 1, n.º 5 e 8 da CRP.
Nesta conformidade, o n.º 1 do artigo 126.º do CPP: prescreve a nulidade das provas obtidas mediante tortura, coacção ou ofensa da integridade física ou moral das pessoas. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo 126.º define como ofensivas dessa integridade as provas obtidas, mesmo que com consentimento , mediante perturbação da liberdade através de ofensas corporais [alínea a)], utilização da força, fora dos casos e limites permitidos por lei [alínea c)], ameaça com medida legalmente inadmissível (alínea d)) ou promessa de vantagem legalmente inadmissível (alínea e). O n.º 3 do mesmo preceito prevê, ainda, a nulidade das provas obtidas mediante a intromissão na vida privada.
A questão que aqui se coloca é a da recolha da amostra do arguido para efeitos de recolher o perfil de ADN para registo na base de dados criada para efeitos de investigação criminal. A admissibilidade da recusa do arguido em fornecer a dita amostra de sangue ou de qualquer tecido para subtracção do ADN, ou a 54 Ainda Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, ob. cit., pags. 188: «O que pressupõe que a autoridade judiciária tenha conhecimentos bastantes que lhe permitam escolher o tipo de perícia (adequada e viável) que interessa no caso concreto e depois saiba interpretar os resultados obtidos».
55 Expressão colhida em Paula Costa e Silva, «A Realização Coerciva de Testes de ADN em Acções de Estabelecimento da Filiação», Estudos de Direito da Bioética, Almedina, Coimbra, 2005, pag. 165.
56 Ver nota 9.
57 Ver Guilherme de Oliveira, ob. cit..
58 Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», textos coligidos por Maria João Antunes, Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988/89, pag. 22 e ss.

Página 21

21 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

admissibilidade de recusar a intervenção no seu corpo
59 para esse mesmo fim, sem qualquer penalização nem oneração no processo criminal em que se vê envolvido, bem como, por outro lado, a admissibilidade da coercibilidade para obtenção dessa mesma amostra, ou o sancionamento com pena ou ónus, é uma opção que deve ser feita pelo legislador de modo totalmente claro (artigo 18.º, 32.º e 35.º da CRP, artigos 126.º, n.º 2, alínea c), d) e e) do CPP e artigos 7.º, n.º 1 e 2 e 8.º n.º 1 da LPD) De resto, o princípio da legalidade vigente no domínio dos direitos fundamentais e no domínio do Direito Penal e Processual Penal, princípio consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do Projecto, em todas as suas vertentes, reclama a consagração em lei dos limites da actuação coerciva dos poderes públicos na obtenção da amostra para recolha do ADN.
De acordo com o Projecto, a recolha de amostra para fins de investigação criminal é ordenada por despacho do juiz: n.º 1 e 2 do artigo 8.º do Projecto. Nada se diz sobre a admissibilidade de recusa por parte do arguido ou da viabilidade de recolha coerciva. No local próprio, assinalaremos algumas observações a este respeito.
8. No entanto, adiantamos que o artigo 172.º, n.º 1. do CPP diz que se alguém se eximir a qualquer exame ordenado pela autoridade judiciária pode ser «compelido» (relevo nosso) por decisão da autoridade judiciária competente. A Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, diz no seu artigo 6.º, n.º 1, que ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal desde que este se mostre necessário ao processo e seja ordenado pela autoridade judiciária competente. O Decreto-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março, que introduz os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal, a quem compete realizar as periciais médico-legais e forenses (artigo 2.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto), nada diz sobre a coercibilidade da sujeição a exames médicos dos indivíduos.
Ficamos, então, com a obrigatoriedade da sujeição a exame desde que se mostre necessário ao processo e seja ordenada pela autoridade judiciária competente e pela possibilidade de compelir o sujeito a submeter-se a esse exame. Porém, seja exemplo para nós bastante, o Acórdão n.º 616/98 do Tribunal Constitucional, de 17 de Março de 1999, o qual considerou que, apesar de a recolha de sangue para análise ser uma «intervenção banal», ainda assim, essa intervenção é uma violação à integridade física se for feita contra a vontade do titular, à força, coactivamente.
Várias soluções podem ser elencadas:

— A coercibilidade da subtracção de amostras é admitida em alguns ordenamentos jurídicos para fins de investigação de paternidade, como é o caso da Alemanha,
60 para efeitos de investigação criminal, essa prática poderia significar, não apenas a «coisificação» do corpo humano, mas ainda a negação dos princípios constitucionais e de processo penal acima indicados. De resto, a recolha coerciva do ADN, com recurso à força física para obtenção da amostra, em ordem a instruir o processo penal de natureza acusatória contra o próprio titular da amostra, parece assemelhar-se, muito de perto, a práticas próximas da tortura; — A inversão do ónus da prova caso o arguido se recusasse a submeter-se a exames é outra solução, como vigora entre nós no direito civil sobre a investigação da paternidade, mas no direito criminal essa repartição do ónus da prova, além de desvirtuar o princípio da presunção de inocência, parece contradizer a estrutura acusatória do processo criminal, que não se compadece, em caso algum, com uma repartição do ónus da prova (artigo 32.º, n.º 5 da CRP);
61 — A imposição ao arguido de sanção penal ou ónus probatório no caso da recusa retira, em virtude dessa ameaça com medida legalmente prevista, a liberdade do consentimento, para mais, estando o arguido numa «relação especial de poder»
62
, e pouco pode adiantar, pois a recusa pode continuar a ser feita; — A inocuidade para o arguido da sua recusa se se submeter a exame para recolha do perfil de ADN, para além do conhecimento do julgador deste facto e da sua livre apreciação em sede da prova produzida (parece ser o regime vigente entre nós).
— Existe, ainda, uma hipótese que parece não ter sido desenvolvida e que pode surgir como um compromisso entre os direitos dos indivíduos – direito à integridade física, direito a dispor livremente do seu corpo, direito a gozar da plena presunção de inocência, direito a não contribuir para a sua própria condenação, direito a ter um processo criminal de estrutura acusatória e de não pender sobre si qualquer ónus probatório – e os objectivos «sociais»
63 da missão básica do processo – a pacífica convivência social. Essa hipótese é a seguinte: em primeiro lugar, a tentativa de utilizar o ADN de parentes do arguido para efeitos de exclusão e, em segundo lugar, a consagração legal de obrigatoriedade de registo na base de dados genéticos do despacho que ordena a realização do exame, com toda a sua fundamentação
64
, bem como da recusa de submissão por parte do arguido, tudo deixado à livre apreciação da prova por parte do prudente julgador.
65 66 59 Corpo, não apenas como um todo, mas também como um conjunto de partes destacáveis ou separáveis.
60 Fonte: Paula Costa e Silva, ob. cit., pag. 176 61 Guilherme de Oliveira, em «Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma», já referida, admite a possibilidade de se reflectir sobre a imposição de multa ao agente que se recuse a submeter-se a exame para recolha de amostra para fins de retirar o perfil de ADN, bem como uma inversão do ónus da prova neste caso.
62 José Carlos Vieira de Andrade, «Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», Almedina, Coimbra, 1987, pag. 243.
63 Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», Volume I, Verbo, Lisboa, 2000, pag. 52.
64 Mais adiante, a propósito do artigo 8.º do Projecto, defenderemos que este despacho, ao invés do previsto nesta intenção legislativa, devia ser sempre fundamentado. Assim entendemos, também mas não apenas nem sobretudo, por causa desta solução.
65 Ver, atrás, Ponto 5. deste capítulo e nota 54.

Página 22

22 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Parece à CNPD que não deve ser admissível a coercibilidade física, nem a coactividade sancionatória, para obrigar o arguido a permitir a recolha da amostra para efeitos de obter o perfil de ADN, tudo em respeito à dignidade da pessoa humana, à liberdade e integridade individual, em obediência também ao princípio da presunção de inocência e ao princípio do privilégio contra a auto-incriminação, sobretudo através do próprio corpo, mas também parece que nada justifica que o individuo possa pretender ocultar o facto objectivo da sua recusa, subtraindo-o ao conhecimento da realidade factual, sobretudo porque existia fundamentação concreta e proporcionada para a recolha da amostra e registo do perfil do ADN.

Importante, para o regime dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e para o regime da protecção dos dados pessoais, é a definição por parte do legislador da opção tomada, para que a licitude da recolha do dado pessoal ADN para efeitos de investigação criminal seja líquida.

VI – Comentários ao articulado do projecto

Exposição de motivos

a. Nesta parte do projecto diz-se que a criação da base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil é feita com base nas amostras recolhidas de cidadãos voluntários que, de forma livre e esclarecida, dão o seu consentimento l escrito. Do ponto de vista da CNPD, assinala-se que o consentimento informado previsto no n.º 1 do artigo 6.º do Projecto tem o significado de os titulares serem, efectivamente, esclarecidos, nos termos supra expostos, devendo ser feita a verificação desse esclarecimento. De qualquer modo, nesta parte do Projecto, haveria de ser feita a referência ao consentimento, não apenas livre e esclarecido, não apenas escrito, mas igualmente expresso, em conformidade com o n.º 3 do artigo 35.º da CRP e n.º 2 do artigo 7.º da LPD (igual observação será feita a propósito do n.º 1 do artigo 6.º); b. Esta introdução do diploma prevê a livre revogabilidade da declaração de consentimento dos voluntários, consagrando o consentimento tolerante (ver, atrás, Capítulo IV, Ponto 6. e nota 44), conferindo total liberdade ao titular no seu consentimento: alínea h) do artigo 3.º da LPD.
c. As finalidades das bases de dados das experiências internacionais mostram, de novo, que a finalidade da identificação civil é marcada pela excepcionalidade, sendo, então, excessiva para um tratamento universal do dado pessoal mais sensível que o ser humano detém. Por outro lado, a evolução da utilização do perfil da ADN para fins de investigação criminal mostra claramente uma utilização que se iniciou com crimes para os quais esse meio de prova se mostra de pertinência, relevância e eficácia indispensável e ímpar – crimes sexuais – para vir a ser adoptada de forma sistematizada, em crimes para os quais não se mostra pertinente, sequer, muito menos necessária e não excessiva, violando, assim, o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da LPD.
d. A introdução do dado pessoal ADN por despacho do juiz, diz esta parte do diploma, dá-se no caso de condenação em pena concreta superior a 3 anos de prisão. Não se fala no caso da inserção do dado pessoal ADN a partir da constituição de arguido, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 8.º. Num caso, como noutro, para a CNPD, como adiante repetirá, os respectivos despachos deveriam ser fundamentados.
e. O prazo de conservação do dado pessoal ADN para fins de investigação criminal coincide com o prazo de manutenção dos factos sujeitos a registo criminal, nos termos do regime deste registo, o que parece, desde já, consentâneo com o estatuído na alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
f. Em relação à forma de recolha dos dados de arguidos sujeitos a investigação criminal, à sua coercibilidade ou não, a introdução do diploma nada acrescenta ao regime vigente, não contribuindo para a sua clarificação nem indicando qualquer pista de interpretação da vontade do legislador.
g. O ADN não-codificante é o utilizado para fins de identificação, mostrando-se um dado pessoal pertinente, adequado e não excessivo, bem como exacto: artigo 5.º, n.º 1, alíneas c) e d) da LPD. No entanto, devido ao supra exposto, no Capítulo IV, Ponto 5., o ADN intergénico pode revelar já hoje mais informação do que aquela meramente identificadora, além de que no futuro a tecnologia e a ciência, tudo indica, conseguirão extrair mais informação fenotípica do ADN não codificante. Nessa altura, o dado pessoal ADN não-codificante revelar-se-á excessivo para efeitos meramente identificadores.

Artigo 1.º

A finalidade declarada no n.º 1 deste preceito (identificação civil) é determinada, explícita, mas parece à CNPD que é excessivo o tratamento universal do dado pessoal ADN para uma finalidade excepcional – a 66 O registo tem como função definir a situação jurídico-processual do titular para efeitos instrumentais da actividade jurisdicional ou de verdadeiro meio de prova: Maria do Céu Malhado, «Noções de Registo Criminal», Almedina, Coimbra, 2001.

Página 23

23 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

identificação de desaparecidos. De resto, se o tratamento não for universal, a base de dados não se mostra sequer apta para cumprir a finalidade da sua criação: alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
A finalidade declarada no n.º 2 (investigação criminal) é determinada, explícita e legítima: estas características das finalidades respeitam a alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD. No entanto, a proporcionalidade deste tratamento depende de uma ponderação concreta, como atrás se expôs.
Mas o n.º 3 deste artigo não se compreende e não deve ser mantido, na opinião da CNPD.
Deve ser proibida, em absoluto, qualquer utilização, análise ou tratamento, de qualquer tipo de informação obtida a partir das amostras. As finalidades declaradas devem ser numerus clausus das finalidades admissíveis.
Para além das finalidades dos n.º 1 e 2 desta norma, não deve ser utilizada a informação das amostras para finalidade alguma, não havendo de ser feita qualquer ponderação à luz dos fins declarados neste diploma. O tratamento da informação das amostras deve estar totalmente vinculado às duas finalidades taxativamente fixadas nos n.º 1 e 2 deste artigo.
De resto mas para reforçar o que aqui se disse, existe uma contradição material entre esta norma e o n.º 1 do artigo 4.º do Projecto, uma vez que esta norma é peremptória na exclusividade das finalidades.

Artigo 3.º

O n.º 2 deste artigo remete expressamente para princípio os princípios da protecção dos dados pessoais, nomeadamente, para o artigo 2.º da LPD, com reforço da autodeterminação informativa. Outros princípios podem ser aqui trazidos, como aqueles que foram listados no Capítulo III. Importa, pela importância que será dada nos comentários ao artigo 8.º deste Projecto, salientar o princípio da proibição de tomada de decisões individuais automatizadas, previsto no artigo 13.º da LPD.
Sobre o princípio da legalidade, repetimos que, até por causa do seu enunciado, não devem ser admitidas finalidades diferentes das previstas no artigo 1.º que justifiquem a utilização ou mera análise da informação extraída das amostras, nem sequer deve ser admitido o juízo de ponderação dessas finalidades diferentes das previstas por aquela norma. Por outro lado, por causa deste mesmo princípio da legalidade, a recolha de amostra em sede de investigação criminal e no caso de recusa do arguido deve ser definida por lei.
Quanto aos princípios da autenticidade e da veracidade, não encontrou a CNPD outro conteúdo desses princípios que não se reconduzisse à exactidão dos dados pessoais, conforme o estatuído na alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD. Aqui, as melhores regras de recolha das amostras, da sua análise e da sua conservação devem ser observadas, com recurso à melhor e mais fiável tecnologia disponível, recomendandose, em homenagem à transparência e efectividade do princípio da competência técnica, que se procedesse a avaliação externa e partilhada pela comunidade académica e científica.
Já o princípio da univocidade, atentas as características dos dados pessoais biométricos e do ADN, conforme atrás descritas, parece à CNPD que esse princípio também se reconduz à exactidão e actualidade dos dados, previstas na mesma alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
Quanto ao princípio da segurança dos elementos identificativos, porque se trata de dados pessoais sensíveis e, aliás, cuja deturpação e usurpação tem consequências inimagináveis, devem ser adoptadas as mais apertadas regras de segurança, como aquelas que estão previstas no artigo 15.º da LPD, mas incluindo outras que garantam um resultado de elevado nível de desempenho de segurança da informação.
O n.º 4 do artigo 3.º reproduz o artigo 13.º da LPD, princípio que releva para efeitos do comentário ao artigo 8.º deste Projecto e no que se refere ao tratamento de dados deste Projecto.
O n.º 5 do artigo 3.º, de novo, refere-se a «finalidades descritas na presente lei», mas deve ser esta expressão substituída por uma remissão expressa para os n.º 1 e 2 do artigo 1.º, pois nenhuma outra finalidade diferente das aqui enunciadas deve ser admitida.

Artigo 4.º As finalidades previstas no n.º 1 deste artigo são determinadas, explícitas e legítimas, com as observações e reservas já feitas em relação à finalidade da identificação civil. A exclusividade destas finalidades, conforme o aqui previsto, parece contradizer o n.º 3 do artigo 1.º do Projecto, Assim, parece que esta norma, também pelas razões atrás e em local próprio expendidas, deve ser eliminada.
Essas finalidades, mais detalhadas nos n.º 2 e 3, conhecem as limitações trazidas pela norma do artigo 22.º do Projecto, referente às interconexões previstas.

Artigo 5.º

O artigo 16.º do Projecto define a entidade responsável pelo tratamento de dados pessoais: a Comissão Nacional de Perfis de ADN.
Sendo assim,, parece que o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e o Instituto Nacional de Medicina Legal funcionam, à luz do artigo 16.º da LPD, como subcontratantes.

Página 24

24 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Os instrumentos de contratação (sentido lato) entre a entidade responsável e os subcontratantes, devem ser trazidos à CNPD para pronúncia desta Comissão.
As entidades laboratoriais que procedem à análise das amostras (n.º 3 deste artigo 5.º) devem revestir as características satisfatórias à luz do princípio da competência técnica, o que se recomenda seja transparente o processo de selecção, com viabilidade de aferição da comunidade académica e científica.
De acordo com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro, os laboratórios que manuseiam as amostras genéticas devem ser multidisciplinares e devem dotar-se de equipas que garantam a qualidade dos seus serviços, em termos a regulamentar pelo Governo. Esses laboratórios carecem de acreditação e certificação e apenas podem desenvolver a sua actividade após obtenção de licença.
A confidencialidade da informação, os desvirtuamentos da sua utilização e os desvios de finalidade, são potenciados com o aumento de entidades que participam no tratamento. A centralização da informação a que algumas elites têm acesso é construída a partir de tratamentos mais descentralizados, sectoriais e locais, o que significa, então, que todos acabam por ter acesso à informação tratada. 67 Daí que, atendendo à competência técnica desejável e à confidencialidade da informação, bem como à fidelidade dos tratamentos em relação às finalidades exclusivamente permitidas, deve ser reduzido o universo de entidades que processam os dados pessoais genéticos.

Artigo 6.º

A base de dados para efeitos de identificação civil é construída de modo faseado e gradual, até à universalidade.
Importa, aqui, de novo lembrar a excessividade deste tratamento universal para uma finalidade excepcional.
O consentimento informado (esclarecido, com dever de esclarecimento por parte da entidade responsável e dever de verificar esse esclarecimento na mente do titular), além de livre, específico e escrito, deve ser expresso – alínea h) do artigo 3.º, n.º 2 do artigo 7.º da LPD e n.º 3 do artigo 35.º da CRP.
O direito da informação a prestar ao titular deve ser assegurado no momento da recolha: n.º 1 do artigo 10.º da LPD.
A formulação do n.º 3 do artigo 6.º parece discriminatória. É a primeira vez que o Projecto fala em arguido, de modo que esta categoria de titular não conhece referência anterior no texto para a qual implicitamente se esteja a remeter. Mas independentemente deste aspecto redactorial, nada deve obstar a que um arguido em processo criminal, na pendência desse processo, possa endereçar, por escrito, o seu pedido de recolha de amostras para análise laboratorial, a fim de pedir o seu perfil de ADN, caso não se encontre em nenhuma situação das previstas no artigo 8.º seguinte. Esta distinção feita pelo n.º 3 deste artigo 6.º, conforme está formulada, parece discriminatória, o que viola o artigo 2.º, 5.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do artigo 7.º da LPD e 13.º da CRP.
Sendo assim, caso o Projecto queira afastar da categoria de voluntários do fornecimento de amostras para recolha do perfil de ADN os arguidos sobre os quais recaiu despacho que ordenou a submissão a exames para recolha de amostra para obtenção de perfil de ADN, ou que tenham pedido esse exame, conforme o versado no artigo 8.º do Projecto, parece à CNPD dever esta norma do n.º 3 do artigo 6.º dizê-lo textualmente, com referência expressa para a redacção desse artigo 8.º.

Artigo 7.º

O n.º 1 deste artigo 7.º remete para a legislação aplicável à recolha, por parte das entidades competentes, de amostras em cadáveres ou em coisa sobre as quais se procede a recolhas para fins de identificação civil.
Esta recolha não depende, portanto, do consentimento do próprio titular dos dados de ADN, que, assim interpreta a CNPD, está impossibilitado de o prestar e a sua obtenção é já impossível (por morte ou desaparecimento, por exemplo). Do ponto de vista da CNPD, a certeza jurídica recomendava que nesta norma o Projecto consagrasse já que essa recolha é admitida quando o titular dos dados esteja impossibilitado de dar o seu consentimento por ser vítima de acidente ou catástrofe, ou desaparecido em circunstâncias que a própria norma definiria.
A norma do n.º 2 parece dispensável, mas no entanto também o consentimento aí referido deve ser expresso, para além de livre, específico, informado, esclarecido (nos termos anteriormente ditos) e expresso: artigos 3.º, alínea h), 7.º, n.º 2 da LPD e 35.º, n.º 3 da CRP.

Artigo 8.º

O n.º 1 deste artigo 8.º prevê a recolha de amostra em processo-crime ordenada por despacho do juiz a partir da constituição de arguido, com base no disposto no artigo 172.º do CPP. 67 Ver, supra, Capítulo II, Pontos 6 e 7 e nota 32.

Página 25

25 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Do ponto de vista da CNPD, este despacho deve ser devidamente fundamentado com o tipos de crimes que admitem essa ordem, à semelhança do que acontece com outros meios de obtenção de prova (veja-se, por exemplo, o caso das escutas telefónicas).
Em primeiro lugar, porque todas as decisões em Processo Penal devem ser fundamentadas e compreensíveis à luz da investigação ou da instrução.
Em segundo lugar, todas as restrições de direitos fundamentais devem ser fundamentadas, à luz do princípio da proporcionalidade.
Em terceiro lugar, o n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, relativa às perícias médicolegais e forenses, diz que ninguém pode eximir-se a qualquer exame médico-legal quando este se mostrar necessário ao processo e desde que ordenado pela autoridade judiciária. Parece, então, que se o exame for desnecessário, ou pelo menos manifestamente desnecessário, o arguido pode eximir-se à sua realização. O artigo 172.º, n.º 1, do CPP prevê a possibilidade de compelir quem se queira eximir à realização desse exame.
Mas naquele caso de desnecessidade, parece que a possibilidade de compelir o arguido não deve ser admitida. Ora, para avaliar a necessidade do exame é necessário avaliar a fundamentação do despacho e sem esta não se pode decidir compelir o arguido a sujeitar-se ao exame.
Por fim e pedagogicamente, na óptica da CNPD, não deve ser o arguido compelido a realizar um exame médico-legal através de actuação persuasiva, sem haver fundamentação expressa para esse exame. Se se pretende evitar que o arguido, em honra à verdade material, se recuse a realizar o exame de recolha de amostra, não deve a autoridade judiciária escusar-se a fundamentar, e de forma cabal, o despacho que ordena esse exame.
As mesmas razões valem para o despacho previsto no n.º 2 deste artigo 8.º. Aqui, com preocupações acrescidas. O texto legal do Projecto deve ser alterado e exigir, claramente, o despacho fundamentado.
Em primeiro lugar, porque o dado pessoal perfil de ADN pode mostrar-se absolutamente irrelevante e de todo não pertinente em certos crimes cuja prática implicaram uma pena concreta superior a 3 anos de prisão.
Nestes casos, só uma fundamentação que demonstrasse essa pertinência, essa adequação, essa relevância, necessidade e proporcionalidade é que deveria ditar a obrigatoriedade do sujeito de se submeter a exames de recolha de amostra para extrair o perfil de ADN para registo na base de dados de investigação criminal.
Em segundo lugar, porque o próprio Projecto, no n.º 4 do artigo 3.º, refuta a ideia de decisões exclusivamente tomadas com base num tratamento de dados. A obrigatoriedade para o arguido de permitir a recolha de amostras apenas por ter sido condenado em mais de três anos de prisão efectiva, independentemente do tipo de crime cometido, independentemente da pertinência do ADN para esse tipo de crime, independentemente da necessidade desse registo para a prevenção especial ou para a investigação de outras infracções, parece ser uma decisão tomada com base exclusivamente num automatismo «cego» no que toca ao princípio da proporcionalidade, mas que parte de um perfil criminógeno da personalidade do arguido.
Em terceiro lugar, repete-se, na óptica da CNPD, o despacho deve ser fundamentado porque não se deve poder exigir ao titular dos dados que não recuse a submissão a um exame sem fundamento quando o instrumento que ordena esse exame, ele próprio, não apresenta qualquer fundamento.
Para além de fundamentado, parece à CNPD que a baliza da pena concreta de 3 anos para a inserção automática do ADN do arguido na base de dados é excessiva e desproporcionada. A referência da pena para este efeito, sem dispensa de fundamentação , deve ser a dos 10 ou 5 anos , neste caso, a pena concreta de 10 ou de 5 anos de pena de prisão.
Isto, não apenas por razões de proporcionalidade, mas também por razões de coerência e compreensão globais do ordenamento jurídico: parece à CNPD que a referência do ordenamento que diferencia os diversos graus de gravidade da criminalidade é o elemento temporal de 10 ou de 5 anos (ver, por exemplo, n.º 2 do artigo 1.º do CPP, que remete para os artigos 299.º, 300.º e 301.º do CP, alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 118.º do CP, alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º e alínea b) do n.º 2 e, sobretudo o n.º 3 do artigo 16.º do CPP
68 artigo 15.º da Lei do Registo Criminal – Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto).
Consideram-se reproduzidas, neste preceito, as observações feitas supra no Capítulo V, Ponto 7.
Os direitos e deveres dos titulares estão previstos nos artigos 10.º a 13.º da LPD: o direito de informação, o direito de acesso, de correcção e de eliminação e o direito a não ficar sujeito a decisões tomadas exclusivamente por recurso automático a tratamento de dados pessoais que avaliam aspectos da sua personalidade.

Artigo 9.º

Este artigo remete para o artigo 10.º da LPD.
A redacção do corpo deste artigo merece reparo por uma mera falha de escrita: onde se lê «deve ser informado», crê-se que deve ler-se «devendo ser informado». 68 Nesta norma, o Ministério Público pode adiantar que não prevê a aplicação de pena concreta superior a 5 anos, sendo, então, o tribunal singular o competente para julgar os casos cujos crimes são punidos pior pena abstracta superior a 5 anos.

Página 26

26 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

O dever de informar cabe à entidade responsável, a CNPADN, devendo fazê-lo no momento da recolha dos dados, ou seja, quando, por escrito, por carta endereçada, o próprio titular se dirige à CNPADN: artigo 6.º, n.º 2 do Projecto.
Deve, ainda, na opinião da CNPD, de ser prestada a informação de que existe a hipótese de interconexão dos dados pessoais nos termos e para as finalidades previstas no n.º 3 do artigo 22.º deste Projecto.
As pessoas referidas no n.º 1 do artigo 8.º são os sujeitos a quem, após a constituição de arguidos, foi ordenada a recolha de amostra para extracção do perfil de ADN. Não vê a CNPD como não se pode não informar esses arguidos de que os seus dados pessoais vão integrar um ficheiro de dados pessoais, nem a razão pela qual não se informam disso mesmo esses arguidos. Não havendo perigos para a investigação e/ou instrução, a maior transparência e a consideração dos direitos fundamentais dos cidadãos arguidos ditam, na opinião da CNPD, que essa informação lhes deve ser prestada.
O mesmo se diz em relação à alínea c) do mesmo artigo 9.º.
Importa também chamar a atenção para o dever de informar o titular das entidades destinatárias dos seus dados pessoais, obrigação que decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 10.º da LPD, mas que, na opinião da CNPD, deveria ser expressamente consagrado nesta norma.
Por fim, uma vez que a existência de um biobanco é um pressuposto obrigatório para a inserção de dados pessoais genéticos nesta base, na alínea e) deste artigo 9.º do Projecto a informação deve ser afirmativa de que a amostra recolhida «é» conservada num biobanco (não «pode ser conservada»).

Artigo 10.º

A primeira nota a fazer acerca da recolha de amostras para obtenção do ADN prende-se com a fiabilidade dos métodos técnicos de recolha, em relação ao resultado obtido.
Existem riscos de deturpação e deterioração das amostras, já aventadas. Mas sobretudo, aos laboratórios subcontratados, norteados pela legítima expectativa do proveito económico da sua actividade, não deve ser atenuada a exigência técnica dos seus procedimentos e resultados.
Os riscos inerentes à recolha das amostras e à inexactidão da informação devem ser aqui especialmente atendidos.
Existem métodos de recolha mais invasivos do que outros. A maior parte dos laboratórios está preparada para analisar amostras de sangue, sendo a recolha destas amostras das mais intrusivas que se conhece. A proposta do Projecto de colheita de amostras a partir de células de mucosa bucal parece apontar para métodos de recolha menos intrusivos.
No entanto, a integridade física não deve ser entendida como a integridade do corpo unificado, deve abranger igualmente as partes físicas do titular que se separaram e destacaram do seu próprio corpo, tratando-se de voluntários ou de arguidos. É que a dignidade da pessoa humana, a liberdade e integridade individual e o princípio do privilégio contra a auto-incriminação, sobretudo através do próprio corpo, devem ser integralmente respeitados nos indivíduos arguidos.
Esta norma deveria fazer, na opinião da CNPD, uma remissão expressa para os princípios, regras e regime do Código do Processo Penal.

Artigo 11.º

Esta norma apela para a criação do biobanco: n.º 11 do artigo 2.º do Projecto.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro, a criação e manutenção de um biobanco carece de autorização prévia de entidade credenciada emitida pelo «departamento responsável pela tutela da saúde», bem como carece de autorização da CNPD.

Artigo 12.º

A propósito desta norma cabe retomar as considerações sobre a incerteza sobre não revelação de informação do ADN não-codificante, sobre a evolução da tecnociência e a certeza de obtenção de informação a partir dessa parte do ADN.
Deve ser introduzida uma norma neste preceito, na opinião da CNPD, que proíba inteiramente a utilização de outros marcadores que revelem outros dados pessoais dos titulares, tal como deve ser introduzida uma norma que estipule que, caso o estado da arte da ciência e da tecnologia permitir extrair informação de saúde ou outra a partir da acção dos marcadores adoptados, devem estes ser imediatamente afastados.
Por outro lado, não se compreende, a esta luz, o n.º 3 deste preceito. Como os perfis de ADN obtidos a partir das amostras e por aplicação dos marcadores permitem a identificação dos titulares, única finalidade admissível, parece não existir campo para os perfis de ADN serem completados. Pelo menos, parece não existir esse campo sem alargar a finalidade do tratamento, o que não deve ser, sequer, concebido pelo legislador.

Página 27

27 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Por fim, caso a Portaria a que esta norma se refere verse sobre direito da protecção dos dados pessoais, deve essa portaria ser remetida à CNPD para emissão de Perecer.

Artigo 13.º

O n.º 1 define o que se considera ser a identificação do titular. Esta finalidade exige o registo dos perfis de ADN de toda a população nacional.
A identificação faz-se pela comparação do perfil de ADN do titular que se pretende identificar com todo o universo de perfis de ADN existente na base de dados, de forma a poder responder-se quem é aquele titular.
A autenticação faz-se pela comparação do perfil de ADN do titular que diz, ou de quem se diz, ser quem é, com o «seu» perfil de ADN registado na base de dados, por forma a poder responder-se à questão de saber se é verdade quando diz, ou quando se diz, que é quem (se) diz ser.
A propósito do n.º 2 desta norma, importa dizer que não existe regime especial na legislação de protecção de dados referente ao cruzamento ou à comparação. A comparação é um tratamento que não merece, da parte do regime de protecção de dados pessoais, consagração diferente da aplicável a outro tipo de tratamento. De resto, a comparação não se confunde com a interconexão prevista no artigo 9.º da LPD.
O n.º 3 e 4 desta norma apelam para as exigências que devem ser adoptadas sobre a exactidão dos dados pessoais, sobre o rigor dos métodos de recolha das amostras e das análises laboratoriais, bem como devem alertar para os riscos de deturpação, erro, aparências, entre outros casos de falibilidade da informação.

Artigo 14.º

Esta norma refere-se aos «correspondentes dados pessoais» a inserir nos ficheiros de dados pessoais.
Devem nesta norma ser elencados taxativamente quais os dados pessoais (nome, morada, sexo, filiação, entre muitos outros possíveis) a integrar o ficheiro de dados pessoais.
Também sobre estes dados pessoais se coloca a questão essencial para o regime da protecção dos dados pessoais e que se prende com a qualidade dos dados – pertinência, adequação e proporcionalidade (alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD), exactidão e actualidade desses mesmos dados (alínea d) do mesmo preceito). Por outro lado e sobre estes dados pessoais, cabe nesta norma lembrar os direitos fundamentais dos titulares de acesso, de rectificação e de eliminação dos seus dados pessoais.

Artigo 15.º

O artigo 15.º refere-se à constituição da base de dados e à separação dos ficheiros de acordo com os seus conteúdos.
Devem os acessos e utilizações dos dados pessoais existentes nos ficheiros respeitar esta separação e serem observadas as regras de segurança da informação previstas no artigo 15.º da LPD.
A alínea f) do n.º do artigo 15.º do Projecto refere-se aos dados pessoais dos profissionais que procedem à recolha e análise das amostras. As amostras destes profissionais não devem ser recolhidas através do pedido feito por eles, como se de voluntários se tratasse (artigo 6.º n.º 1 do Projecto). Também não devem ser considerados arguidos, porque o não são (n.º 2 do artigo 6.º e artigo 8.º do Projecto). Por outro lado, o consentimento destes profissionais pode ser considerado não livre ou diminuído na sua liberdade, em virtude da sua situação de dependência económica e funcional em relação à entidade responsável pelo tratamento (alínea h) do artigo 3.º da LPD).
Nos ficheiros de dados pessoais relativos a arguidos e para fins de investigação criminal, devem ser assinaladas de forma distinta e notória as situações dos arguidos: o registo deve ter bem visível a qualidade de arguido suspeito, por um lado, ou de arguido condenado em decisão transitada em julgado, por outro.
Esses sinais devem estar bem visíveis nos registos e devem acompanhar todas as comunicações.
Na norma sobre recolha das amostras para obtenção de perfis de ADN deve estar prevista, na opinião da CNPD, a obrigatoriedade da recolha de amostra para obtenção de perfis de ADN dos profissionais que procedem à recolha e análise das amostras.

Artigos 16.º, 17.º, 18.º e 19.º

Estas normas indicam com precisão que é a entidade responsável pelo tratamento de dados aqui existente (a CNPADN), a sua composição e funcionamento, bem como as suas competências.
Por se tratar, crê a CNPD, de um mero lapso, alerta-se para a alínea c) do n.º 3 do artigo 19.º, parecendo a esta Comissão que onde se lê «complemento de omissões», talvez se devesse dizer algo semelhante a «supressão de omissões», «eliminação de omissões» ou «preenchimento de omissões».

Artigo 20.º

No n.º 1 e de novo, o consentimento informado e escrito do titular deve ser, também, expresso.

Página 28

28 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Os despachos referidos nos n.º 2 e 3 devem ser sempre fundamentados, como atrás se defendeu.

Artigo 21.º

A comunicação é uma operação que constitui, por si só, um tratamento de dados pessoais: alínea b) do artigo 3.º da LPD.
Os tratamentos devem ser proporcionados e ter assento no consentimento expresso ou na lei: artigo 35.º, n.º 3 da CRP e artigo 7.º, n.º 2 e 8.º n.º 1 da LPD.
A comunicação aos órgãos de polícia criminal, na opinião da CNPD, deve ser precedida de ordem do juiz de instrução, enquanto «juiz das liberdades e de garantias»: alínea d) do n.º 1 do artigo 269.º do CPP.
De acordo com o disposto no n.º 2 deste artigo 21.º, o pedido de acesso pelas entidades referidas no n.º 1 anterior deve ser fundamentado, não devendo ser permitido esse acesso, caso seja insuficiente essa fundamentação.
O n.º 3 deste artigo 21.º prevê a comunicação, autorizada pela CNPD, da informação existente nas bases de dados de perfis de ADN para outras entidades diferentes das elencadas no n.º 1 e para fins diferentes dos de identificação civil e investigação criminal.
De novo, esta utilização para finalidades diferentes deve ser absolutamente proibida.
Todas as comunicações devem ser registadas.
A entidade responsável deve certificar-se que as entidades destinatárias dessas comunicações não utilizam os dados para finalidades distintas, bem como que respeitam os prazos de conservação e o dever de eliminação dos dados pessoais. Por outro lado, caso a entidade responsável introduza qualquer alteração ou correcção aos dados pessoais registados, essa alteração ou correcção deve ser comunicada aos destinatários que anteriormente receberam os dados, havendo a entidade responsável de certificar-se que estes procedem em conformidade a essa alteração ou correcção.

Artigo 22.º

A interconexão de dados pessoais está prevista no artigo 9.º da LPD.
O artigo 22.º do Projecto preenche os requisitos do artigo 9.º da LPD: estão definidas, com especificidade, as finalidades da interconexão, que se mostra proporcionada e não conduz a discriminações nem a diminuições dos direitos, liberdades e garantias dos titulares.
No n.º 4 desta norma do artigo 22.º, prevê-se, de novo, a possibilidade de utilização dos dados pessoais para finalidades diferentes da identificação civil e da investigação criminal, desta vez permitindo-se excepcionalmente a interconexão para finalidades distintas.
Também neste caso deve ser absolutamente proibida a interconexão de dados pessoais, no âmbito deste Projecto, para finalidades diferentes da identificação civil e investigação criminal.

Artigo 23.º

Os compromissos de Portugal no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal devem ser respeitados, sobretudo os decorrentes da Convenção da Europol e da adesão ao Tratado de Prum.
Todas as comunicações devem ser registadas.
A entidade responsável deve certificar-se que as entidades destinatárias dessas comunicações não utilizam os dados para finalidades distintas, bem como que respeitam os prazos de conservação e o dever de eliminação dos dados pessoais. Por outro lado, caso a entidade responsável introduza qualquer alteração ou correcção aos dados pessoais registados, essa alteração ou correcção deve ser comunicada aos destinatários que anteriormente receberam os dados, havendo a entidade responsável de certificar-se que estes procedem em conformidade a essa alteração ou correcção.

Artigo 24.º

O n.º 1 deste preceito corresponde à proibição constitucional do n.º 4 do artigo 35.º da CRP.
Mas a redacção desta norma deve prever já as excepções a essa proibição previstas no próprio Projecto.
Isto é, a norma deve consagrar a proibição, como o faz, subtraindo dessa proibição as excepções previstas na presente (futura) lei – por exemplo, «salvas as excepções previstas na presente lei».
O n.º 2 desta norma fala, agora, em consentimento expresso, o que corresponde ao n.º 3 do artigo 35.º da CRP e n.º 2 do artigo 7.º da LPD.
Mas a menção à forma escrita do consentimento também deve ser mantida, na opinião da CNPD, até pela harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro.
Esta norma do n.º 2 do artigo 24.º reforça a autodeterminação informativa do titular, como liberdade individual para a qual a qualidade de familiar não se mostra factor de diminuição dessa individualidade.

Página 29

29 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Quanto ao n.º 3 e não contando com a identificação civil, não sendo a resposta pretendida com o acesso a de saber a quem corresponde determinado cadáver ou saber se determinado cadáver pertence a quem se pensa pertencer, parece à CNPD não existir outra razão que justifique que os herdeiros do titular falecido possam aceder à informação existente na base de dados de perfis de ADN, sem intromissão na vida privada ou riscos de discriminação. Mesmo a informação atinente à investigação criminal não deve ser relevante, nem para aferir da existência de envolvimento em crimes contra as pessoas familiares com repercussões sucessórias ( vide, por exemplo, artigo 2166.º do C. C.), uma vez que esta informação só se mostra pertinente, adequada e proporcionada (alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD), segura, exacta e actual (alínea d) do mesmo número) caso tenha havido trânsito em julgado de sentença judicial. De resto, não podendo as pessoas indicadas neste n.º 3 do artigo 24.º do Projecto aceder ao registo criminal, atento o regime dos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, parece à CNPD que muito menos devem poder aceder à informação da base de dados de perfis de ADN.
Por fim, como se trata de acesso a dados pessoais de terceiros, a autorização para esse acesso deve advir de entidade diferente da entidade responsável. O acesso a dados pessoais de terceiros existentes na Base de Dados deste tratamento deve ser feito mediante autorização da CNPD, como acontece para outros casos de acessos do mesmo género. Aliás, tanto assim deve ser, que a CNPADN, no elenco das suas competências listadas no artigo 19.º do Projecto, não está incumbida da competência de autorizar o acesso aos dados pessoais por parte de terceiros.

Artigo 25.º

O tratamento de dados pêra fins estatísticos ou de investigação é feita de forma anonimizada, logo não estamos perante dados pessoais.

Artigo 26.º

Corresponde ao regime do direito fundamental do titular previsto no artigo 11.º da LPD de ter acesso ao conteúdo do registo.
O acesso à informação existente no ficheiro destinado a investigação criminal é feito sem colocar em crise essa investigação, ou a segurança do Estado, a prevenção ou outra investigação criminal, que pode ser nos termos do n.º 5 do artigo 11.º da LPD.
Deve caber à CNPADN, como entidade responsável, os meios necessários à realização nos termos igualmente livres e gratuitos das recolhas e das análises para efeitos de contra-análise, no caso de exercício do direito de correcção.

Artigo 27.º

Esta norma consagra o regime de correcção previsto no artigo 11.º da LPD.

Artigo 28.º

A alínea a) do n.º 1 desta norma, prevendo a conservação ilimitada, deve chamar a atenção, na opinião da CNPD, para os riscos inerentes aos processos técnicos e científicos da conservação dos dados e a sua fiabilidade.
A conservação ilimitada para fins de identificação civil mostra-se proporcionada à finalidade visada por este tratamento: alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
À revogação expressa prevista na alínea a) deste n.º 1 do artigo 28.º deve ter correspondido um consentimento também expresso, conforme já comentado noutras normas deste Projecto.
As alíneas b), c), d), e) e f) respondem com ponderação ao princípio da necessidade: alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
Quanto à alínea d), porém, parece à CNPD que essa eliminação pode não acontecer, por se mostrar necessária a sua conservação, caso o arguido tenha sido condenado em sentença transitada em julgado e o perfil de ADN e a sua conservação e a dos dados pessoais que lhe estão associados se mostre adequada, necessária e proporcional à finalidade da investigação criminal.
Quanto ao n.º 2 do artigo 28.º, a CNPD chama a atenção parta a dificuldade de comunicação entre os tribunais e os serviços de registo criminal e outras entidades, nomeadamente os órgãos de polícia criminal.
Nesta norma, importa precisar que a «notificação» não é a «notificação do magistrado», é antes a «notificação da decisão do magistrado à CNPADN».

Artigo 29.º

Esta norma remete para o regime do artigo 15.º da LPD.

Página 30

30 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Quanto à segurança da informação, deve ser exigida à entidade responsável, bem como às entidades que esta contrata para processamento da informação – recolha e análise das amostras – uma obrigação de resultado, não uma obrigação de (adopção) de meios.

Artigo 30.º

O n.º 1 desta norma prevê a consagração do princípio da legalidade da comunicação dos dados pessoais, não devendo haver excepções em virtude da taxatividade das finalidades destes registos.
O n.º 2 corresponde ao regime de confidencialidade previsto no artigo 17.º da LPD.

Artigo 31.º

Esta norma prevê a segurança da informação e os níveis de acesso, no que toca às amostras. Neste aspecto, o regime estabelecido por este n.º 1 parece claramente insuficiente. O Projecto haveria, na opinião da CNPD, de fixar regras e níveis de acesso, ou remeter a sua regulamentação para instrumento ulterior, mas prévia à constituição das bases de dados, tendo em conta as melhores regras de segurança da informação disponíveis, nomeadamente as previstas no artigo 15.º da LPD. Caso se entenda dever remeter para instrumento de regulamentação ulterior, deve este ser submetido à apreciação da CNPD.
No n.º 2 do artigo 31.º, haveria o Projecto, na opinião da CNPD, de dizer qual das duas entidades conservam as amostras, em respeito à segurança jurídica, à certeza do direito e às melhores garantias dos direitos dos cidadãos.
De resto, cabe à entidade responsável garantir a segurança da informação. E aqui cabe lembrar que, de acordo com o n.º 4 do artigo 20.º do Projecto, só existe inserção de dados com a custódia da respectiva amostra.
Sendo assim, parece à CNPD que a CNPADN continua a ser a entidade responsável pelo tratamento efectuado sobre as amostras, ainda que possam o Instituto Nacional de Medicina Legal e o Laboratório Nacional da Polícia Judiciária actuar na qualidade de subcontratantes no que respeita à custódia das amostras.
Quanto ao n.º 3 deste artigo 31.º, é importante lembrar que a comunicação de amostras é absolutamente proibida nos termos do n.º 2 do artigo 23.º do Projecto.

Artigo 32.º O vocábulo «apenas» significa, para a CNPD, a exclusão absoluta de qualquer outra finalidade das amostras.

Artigo 33.º

Esta norma, novamente e no que toca à segurança da informação, remete parta o artigo 15.º da LPD. Quanto à segurança da informação, deve ser exigida à entidade responsável, bem como às entidades que esta contrata para processamento da informação – recolha e análise das amostras – uma obrigação de resultado, não uma obrigação de (adopção) de meios.

Artigo 34.º

Os prazos de conservação previstos nesta norma mostram-se necessários à finalidade da manutenção das amostras: alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º da LPD.
O n.º 4 desta norma indicia, claramente, na óptica da CNPD, que a entidade responsável pela conservação das amostras continua a ser a CNPADN e que o Instituto Nacional de Medicina Legal e o Laboratório Nacional da Polícia Judiciária actuam na qualidade de subcontratantes.

Regime sancionatório

Tendo em conta a natureza dos dados pessoais tratados, a sua extrema sensibilidade, parece à CNPD que o regime sancionatório das infracções cometidas deveria ser agravado.
Não atribuindo o Projecto competência à CNPADN para proceder à instrução de processos tendentes à aplicação de coimas, esta competência para o regime sancionatório parece caber, por força da alínea n) do n.º 1 do artigo 23.º da LPD, à CNPD.

Artigo 38.º

A fiscalização está a cargo da CNPD, a quem cumpre executar as competências aqui consagradas, para além do dever de cumprir com as demais competências fixadas na LPD.

Página 31

31 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

VII – Conclusões

1 — O presente tratamento de dados pessoais deve ser enquadrado no contexto da Sociedade da Informação descrito nos Capítulos I e II deste Parecer.
2 — Devem ser respeitados e aplicados os princípios jurídicos indicados no Capítulo III deste Parecer.
3 — É insegura e incerta a impossibilidade de obtenção de outro tipo de informação a partir do ADN nãocodificante, mas é certa e segura a possibilidade de, a breve trecho, essa obtenção pode ser feita, devido à rápida evolução científica e ao veloz progresso tecnológico.
4 — A base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil apenas se mostra apta a prosseguir a finalidade que visa alcançar se for constituída com os perfis de todos os cidadãos. Sem essa característica da universalidade, o tratamento não se revela adequado à finalidade que visa prosseguir.
5 — O tratamento de dados pessoais genéticos parece não necessário e excessivo quando efectuado para fins de identificação civil, dada a sua obrigatória universalidade, por um lado, e dada a excepcionalidade da finalidade da sua criação.
6 — Devem ser atendidas as observações feitas pela CNPD no Capítulo IV deste Parecer, sobretudo os riscos da criação da base de dados explicitados no Ponto 5. deste Capítulo.
7 — O consentimento dos titulares deve revestir as características explanadas no Ponto 6. do Capítulo IV deste Parecer.
8 — O tratamento de dados genéticos parece proporcionado quando efectuado para fins de investigação criminal.
9 — Devem, contudo, ser prestadas dobradas atenções aos princípios da presunção da inocência, ao princípio do in dúbio pro reo e ao princípio do nemo tenetur se ipsum accusare no que toca ao tratamento dos dados pessoais genéticos neste âmbito.
10 — As decisões que ordenam a inserção dos perfis de ADN dos arguidos devem ser sempre fundamentadas.
11 — Deve o legislador optar pela inadmissibilidade da coercibilidade física do arguido para submissão ao exame de recolha de amostra, parecendo antes dever consagrar a obrigatoriedade de registo da decisão judicial fundamentada que ordenou a inserção do perfil de ADN na base de dados, bem como a obrigatoriedade do registo da recusa singela do arguido de se sujeitar ao exame para recolha da sua amostra.
12 — O elemento temporal que dita a inserção do perfil de ADN na base de dados para investigação criminal, constituído pela pena concreta decretada de 3 anos de prisão efectiva, parece excessivo, devendo ser substituído pela pena concreta de 10 ou, no mais que se admite, de 5 anos de prisão efectiva.
13 — Devem estar distinta e notoriamente assinalados os titulares arguidos por serem suspeitos de prática de crimes daqueles titulares arguidos que já foram condenados por sentença transitada em julgado.
14 — Devem ser atendidas as demais observações feitas pela CNPD no Capítulo V deste Parecer.
14 — As finalidades de identificação civil (excessiva na opinião da CNPD) e de investigação criminal devem ser exclusivas, o que significa que, em caso algum, devem ser admitidas outras finalidades para a utilização dos dados registados.
15 — O recurso aos serviços de entidades privadas potencia os riscos dos titulares, quer no que toca à confidencialidade da informação, quer no que toca à fidedignidade técnica dos procedimentos e resultados dos exames e análises, pelo que os princípios da confidencialidade e da competência técnica devem ser reforçados nestes casos.
16 — Devem ser consideradas as demais observações feitas no Capítulo VI deste Parecer.
17 — A entidade responsável deve certificar-se, no caso de comunicação dos dados, do respeito por parte das entidades destinatária pela finalidade da sua utilização, pelo prazo de conservação e dever de eliminação e pelo dever de corrigir os dados pessoais.
18 — Deve a Portaria a que se refere o artigo 12.º ser remetida à CNPD para emissão de Parecer.
19 — O Projecto deve indicar quais os dados pessoais associados às amostras e perfis de ADN, tratados no âmbito da base de dados genéticos, em respeito pela alínea b) do n.º 1 do artigo 30.º da LPD.
20 — Devem ser atendidas todas as observações feitas ao articulado do projecto e constantes do Capítulo VII deste Parecer.

Este é o Parecer da CNPD.

Lisboa, 13 de Abril de 2007.
Eduardo Campos (Relator) — Luís Barroso — Ana Roque — Carlos Campos Lobo — Helena Delgado António — Vasco Almeida — Luís Lingnau da Silveira (Presidente).

Página 32

32 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 33

33 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 34

34 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 35

35 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 36

36 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 37

37 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 38

38 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 39

39 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 40

40 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 41

41 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 42

42 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 43

43 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 44

44 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 45

45 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 46

46 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 47

47 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 48

48 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 49

49 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 50

50 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 51

51 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 52

52 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 53

53 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 54

54 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 55

55 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 56

56 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 57

57 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 58

58 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 59

59 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 60

60 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 61

61 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 62

62 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 63

63 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 64

64 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 65

65 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 66

66 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 67

67 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 68

68 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 69

69 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 70

70 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 71

71 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 72

72 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 73

73 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 74

74 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 75

75 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 76

76 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Página 77

77 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007


Consultar Diário Original

Página 78

78 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Consultar Diário Original

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×