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3 | II Série A - Número: 019 | 28 de Outubro de 2008

efeito, através de fonte normativa inferior, ao indicar, expressamente, uma norma constitucional que entende ser aplicável ao exercício dos poderes presidenciais de dissolução do Parlamento regional.
9 — Considero que o funcionamento da democracia portuguesa e do nosso sistema de governo assenta numa regra essencial, que não pode ser posta em causa: o exercício dos poderes dos diversos órgãos de soberania é realizado no quadro da Constituição, não podendo ficar à mercê da contingência fortuita da legislação ordinária.
10 — Se acaso fosse admitido um desvio a este princípio fundamental, doravante seria legítimo condicionar por lei ordinária as competências presidenciais ou de qualquer outro órgão de soberania, com grave prejuízo para o normal funcionamento de todas as instituições da República.
11 — As minhas objecções de princípio estendem-se também à norma do n.º 2 do artigo 140.º do Estatuto, através da qual a Assembleia da República decidiu limitar o poder de iniciativa legislativa dos seus Deputados e grupos parlamentares, no que respeita ao processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
12 — Decorre desta disposição que, em futura revisão do Estatuto, a Assembleia da República apenas poderá alterar, por iniciativa dos seus Deputados ou grupos parlamentares, as normas que a Assembleia Legislativa da Região pretenda que sejam alteradas e que, como tal, constem da sua proposta de revisão.
13 — O Estatuto, sendo embora uma lei da República, passará a ter o seu objecto normativo fixado pelos deputados regionais, adquirindo um grau de rigidez que poderá dificultar o relacionamento entre os órgãos regionais e os órgãos de soberania.
14 — De facto, através da norma do n.º 2 do artigo 140.º do Estatuto, a Assembleia da República procedeu a uma inexplicável autolimitação dos seus poderes, abdicando de uma competência que a Constituição lhe atribui e lhe impõe enquanto assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.
15 — O Estatuto Político-Administrativo dos Açores adquirirá, pois, um carácter de «hiper-rigidez» que poderá criar graves problemas para a coesão nacional. Sempre que esteja em curso um processo de revisão estatutária, os Deputados à Assembleia da República ficarão impedidos de introduzir alterações que entendam ser absolutamente necessárias para, por exemplo, enfrentar situações excepcionais ou para adaptar preceitos do Estatuto a mudanças de fundo entretanto ocorridas na Constituição. À semelhança do que ocorre relativamente ao Presidente da República, trata-se de uma limitação de poderes de um órgão de soberania feita à margem da Constituição, o que é manifestamente inadmissível do ponto de vista do normal funcionamento das instituições da República. Num tempo de grande incerteza, como o demonstra a actual crise financeira internacional, será prudente e razoável a Assembleia da República onerar de tal forma o poder de iniciativa secundária dos deputados que venham a ser eleitos no futuro? 16 — Na ocasião oportuna, chamei a atenção dos portugueses para a necessidade de preservar dois equilíbrios fundamentais da nossa República: o equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania, por um lado; o equilíbrio entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais, por outro. Ambos são imprescindíveis ao funcionamento da República Portuguesa como um sistema democrático, regido por normas constitucionais claras e incontornáveis, no contexto de um Estado unitário que acolhe no seu seio os sistemas autonómicos insulares.
17 — O diploma em causa, ainda que expurgado de inconstitucionalidades de que enfermava, continua a possuir duas normas — as do artigos 114.º e do artigo 140.º, n.º 2 — que colocam em sério risco aqueles equilíbrios político-institucionais, pelo que decidi não o promulgar, em cumprimento do meu mandato como Presidente da República Portuguesa.

Com elevada consideração.

Lisboa, 27 de Outubro de 2008.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.