O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

Terça-feira, 28 de Outubro de 2008 II Série-A — Número 19

X LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2008-2009)

SUMÁRIO Decreto n.º 246/X (Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores): Mensagem do Presidente da República fundamentando o veto que exerceu e devolvendo o decreto para reapreciação.

Página 2

2 | II Série A - Número: 019 | 28 de Outubro de 2008

DECRETO N.º 246/X (APROVA A TERCEIRA REVISÃO DO ESTATUTO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES)

Mensagem do Presidente da República fundamentando o veto que exerceu e devolvendo o decreto para reapreciação

Sr. Presidente da Assembleia da República Excelência

Tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto n.º 246/X da Assembleia da República, que aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decidi, nos termos do artigo 136.º da Constituição da República Portuguesa, não promulgar aquele diploma, com os seguintes fundamentos:

1 — Quero começar por afirmar que a não promulgação do diploma em apreço não reflecte qualquer juízo negativo sobre o modelo autonómico acolhido na Constituição da República Portuguesa e concretizado no presente Estatuto, agora expurgado de diversas inconstitucionalidades que antes o afectavam.
2 — De facto, não só assumi o compromisso de cumprir e fazer cumprir a Constituição da República, que consagra o modelo autonómico regional no quadro de um Estado unitário, como sempre valorizei as autonomias das regiões insulares, «uma das criações mais frutuosas da democracia portuguesa», para retomar as palavras que proferi ao discursar na Assembleia Legislativa dos Açores, em 8 de Outubro de 2007.
3 — As minhas objecções de fundo são conhecidas dos Srs. Deputados e dos portugueses. Em devido tempo, entendi ser meu dever assinalar ao País que seria «perigoso para o princípio fundamental da separação e interdependência de poderes, que alicerça o nosso sistema político, aceitar o precedente, que poderia ser invocado no futuro, de, por lei ordinária, como é o caso do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, se vir a impor obrigações e limites às competências dos órgãos de soberania que não sejam expressamente autorizados pela Constituição da República».
4 — Ora, é justamente o que sucede com a obrigação, constante da redacção proposta para o artigo 114.º do Estatuto, de audição dos órgãos de governo regional, porquanto a norma constitucional específica sobre a dissolução e demissão dos órgãos de governo próprio, o artigo 234.º da Constituição, vincula o Presidente da República a ouvir tão-só o Conselho de Estado e os partidos representados nas assembleias legislativas das regiões autónomas. É também, de resto, o que consta precisamente do artigo 69.º, n.º 1, do Estatuto, o que confirma a incongruência do referido artigo 114.º do mesmo Estatuto.
5 — Impor ao Presidente da República, através de lei ordinária, a audição de outras entidades, para além daquelas que a Constituição expressa e especificamente prevê, significaria criar um precedente grave e inadmissível no quadro de um são relacionamento dos órgãos de soberania entre si e destes com os órgãos regionais.
6 — O que está em causa, naturalmente, não é uma questão de relevo da autonomia regional, mas, sim, uma questão de princípio e de salvaguarda dos fundamentos da República no que diz respeito à configuração do nosso sistema de governo. Deve referir-se, aliás, que, em 30 anos de autonomia, jamais a Assembleia Legislativa dos Açores foi dissolvida pelo Presidente da República, e, por outro lado, que os órgãos de governo próprio sempre foram ouvidos nos momentos decisivos da vida política regional.
7 — Antes de qualquer apreciação de natureza jurídica sobre a matéria, admitir a possibilidade de impor tal vinculação ao Presidente da República seria admitir a violação de princípios fundamentais da arquitectura político-institucional do Estado português, mais precisamente o princípio segundo o qual o exercício das competências dos órgãos de soberania, tal como se encontra desenhado na nossa Constituição, não é susceptível de alteração ou compressão por simples lei ordinária, a qual possui regras e procedimentos de emissão e de alteração distintos dos da Lei Fundamental da República.
8 — Ao inovar nesta matéria, em relação a versões anteriores do Estatuto, o legislador, para além de criar um intolerável precedente, vai ao ponto de pretender interpretar a letra da Constituição, sem credencial para o

Página 3

3 | II Série A - Número: 019 | 28 de Outubro de 2008

efeito, através de fonte normativa inferior, ao indicar, expressamente, uma norma constitucional que entende ser aplicável ao exercício dos poderes presidenciais de dissolução do Parlamento regional.
9 — Considero que o funcionamento da democracia portuguesa e do nosso sistema de governo assenta numa regra essencial, que não pode ser posta em causa: o exercício dos poderes dos diversos órgãos de soberania é realizado no quadro da Constituição, não podendo ficar à mercê da contingência fortuita da legislação ordinária.
10 — Se acaso fosse admitido um desvio a este princípio fundamental, doravante seria legítimo condicionar por lei ordinária as competências presidenciais ou de qualquer outro órgão de soberania, com grave prejuízo para o normal funcionamento de todas as instituições da República.
11 — As minhas objecções de princípio estendem-se também à norma do n.º 2 do artigo 140.º do Estatuto, através da qual a Assembleia da República decidiu limitar o poder de iniciativa legislativa dos seus Deputados e grupos parlamentares, no que respeita ao processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
12 — Decorre desta disposição que, em futura revisão do Estatuto, a Assembleia da República apenas poderá alterar, por iniciativa dos seus Deputados ou grupos parlamentares, as normas que a Assembleia Legislativa da Região pretenda que sejam alteradas e que, como tal, constem da sua proposta de revisão.
13 — O Estatuto, sendo embora uma lei da República, passará a ter o seu objecto normativo fixado pelos deputados regionais, adquirindo um grau de rigidez que poderá dificultar o relacionamento entre os órgãos regionais e os órgãos de soberania.
14 — De facto, através da norma do n.º 2 do artigo 140.º do Estatuto, a Assembleia da República procedeu a uma inexplicável autolimitação dos seus poderes, abdicando de uma competência que a Constituição lhe atribui e lhe impõe enquanto assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.
15 — O Estatuto Político-Administrativo dos Açores adquirirá, pois, um carácter de «hiper-rigidez» que poderá criar graves problemas para a coesão nacional. Sempre que esteja em curso um processo de revisão estatutária, os Deputados à Assembleia da República ficarão impedidos de introduzir alterações que entendam ser absolutamente necessárias para, por exemplo, enfrentar situações excepcionais ou para adaptar preceitos do Estatuto a mudanças de fundo entretanto ocorridas na Constituição. À semelhança do que ocorre relativamente ao Presidente da República, trata-se de uma limitação de poderes de um órgão de soberania feita à margem da Constituição, o que é manifestamente inadmissível do ponto de vista do normal funcionamento das instituições da República. Num tempo de grande incerteza, como o demonstra a actual crise financeira internacional, será prudente e razoável a Assembleia da República onerar de tal forma o poder de iniciativa secundária dos deputados que venham a ser eleitos no futuro? 16 — Na ocasião oportuna, chamei a atenção dos portugueses para a necessidade de preservar dois equilíbrios fundamentais da nossa República: o equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania, por um lado; o equilíbrio entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais, por outro. Ambos são imprescindíveis ao funcionamento da República Portuguesa como um sistema democrático, regido por normas constitucionais claras e incontornáveis, no contexto de um Estado unitário que acolhe no seu seio os sistemas autonómicos insulares.
17 — O diploma em causa, ainda que expurgado de inconstitucionalidades de que enfermava, continua a possuir duas normas — as do artigos 114.º e do artigo 140.º, n.º 2 — que colocam em sério risco aqueles equilíbrios político-institucionais, pelo que decidi não o promulgar, em cumprimento do meu mandato como Presidente da República Portuguesa.

Com elevada consideração.

Lisboa, 27 de Outubro de 2008.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

Páginas Relacionadas
Página 0002:
2 | II Série A - Número: 019 | 28 de Outubro de 2008 DECRETO N.º 246/X (APROVA A TERCEIRA R
Página 0003:
3 | II Série A - Número: 019 | 28 de Outubro de 2008 efeito, através de fonte normativa inf

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×