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Sexta-feira, 8 de Julho de 2011 II Série-A — Número 9
XII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2011-2012)
SUMÁRIO Projectos de lei [n.os 1 a 3/XII (1.ª)]: N.º 1/XII (1.ª) — Combate os falsos recibos verdes convertendo-os em contratos efectivos (apresentado pelo PCP).
N.º 2/XII (1.ª) — Regula os contratos a prazo para clarificar os seus critérios de admissibilidade (apresentado pelo BE).
N.º 3/XII (1.ª) — Combater a precariedade e os falsos recibos verdes (apresentado pelo BE).
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PROJECTO DE LEI N.º 1/XII (1.ª) COMBATE OS FALSOS RECIBOS VERDES CONVERTENDO-OS EM CONTRATOS EFECTIVOS
O XIX Governo Constitucional da coligação PSD/CDS-PP apresentou ontem o seu Programa de Governo.
Tal como o Governo anterior, entre o conjunto de medidas ali anunciadas nenhuma se dirige ao combate ao grave problema que os falsos recibos verdes constituem na nossa sociedade, atingindo de uma forma particular as novas gerações. Pelo contrário, em diversos aspectos avançam para a sedimentação destas situações no mundo do trabalho.
De facto, em relação à juventude não existem quaisquer medidas programáticas de promoção de estabilidade no emprego. Pelo contrário, o Programa de Governo avança com medidas gravosas que a concretizarem-se implicarão mais precariedade com a «flexibilização do período experimental no recrutamento inicial» e a generalização do trabalho temporário (com a «a admissibilidade do recurso a trabalho temporário sempre que houver uma verdadeira necessidade transitória de trabalho» e «a possibilidade de prescindir da justificação»; a facilitação dos despedimentos com as «simplificações no processo de cessação dos contratos» (pp. 28 e 29 do Programa).
Assim, o Governo do PSD e CDS que tanto clama a ”mudança” não ç mais de uma continuidade das opções políticas que marcaram o Governo PS. Para o PCP, não só é possível como urgente promover, de uma vez por todas um efectivo combate aos falsos recibos verdes para trazer justiça a milhares de trabalhadores que são duramente explorados e sujeitos a uma brutal precariedade.
Na verdade, a precariedade laboral é uma praga social que atinge milhares de trabalhadores, sobretudo jovens e mulheres, a viver sempre na intermitência dos estágios não remunerados, dos estágios profissionais, do emprego sem direitos e do desemprego, sem saber quando e se terão direito ao domingo na folga semanal, sem saber quanto e se vão receber sempre a dia certo; sem saber se terão perspectiva de valorização do seu trabalho e progressão na carreira; mas a saber que os falsos recibos verdes lhes «roubam» 30% do salário.
Hoje no nosso país existem mais de 1 milhão e 200 mil de trabalhadores precários, uma fatia significativa de falsos recibos verdes, cerca de 25% do emprego total, que obedecem a uma hierarquia, que têm um horário de trabalho definido, que têm uma remuneração fixa, mas que não têm um contrato com direitos. A grande maioria destes trabalhadores ocupam um posto de trabalho permanente mas não têm um vínculo efectivo.
Hoje o nosso país, de acordo com dados do Eurostat, depois da Polónia e Espanha, é o país da União Europeia com maior taxa de trabalhadores contratados a prazo, 22% da população empregada.
Contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, encapotado trabalho em regime de prestação de serviços, bolsas de investigação ou estágios profissionais e trabalho temporário sem observância de regras, são as formas dominantes deste fenómeno, que apenas têm como elemento comum a precariedade e a insegurança de vínculos laborais associadas à limitação de direitos fundamentais. Aos períodos contínuos ou descontinuados de precariedade de vínculo juntam-se, quase sempre, longos e repetidos períodos de desemprego.
A precariedade dos contratos de trabalho e dos vínculos, é a precariedade da família, é a precariedade da vida, mas é igualmente a precariedade da formação, das qualificações e da experiência profissional, é a precariedade do perfil produtivo e da produtividade do trabalho. A precariedade laboral é assim um factor de instabilidade e injustiça social e simultaneamente um factor de comprometimento do desenvolvimento do país.
Este grande problema da precariedade do trabalho, com nefastas consequências em todas as dimensões da vida dos trabalhadores e das suas famílias, está a assumir uma dimensão e contornos cada vez mais preocupantes.
Urge a criação de mecanismos dissuasores do recurso a estas práticas ilegais e dar cumprimento ao texto constitucional, protegendo efectivamente a parte mais débil da relação laboral.
O PCP propõe, desta forma, que, detectada uma situação de irregularidade consubstanciada no recurso ilegal à prestação de serviços (vulgo recibos verdes) que imediatamente seja convertido o contrato de prestação de serviços em contrato sem termo, cabendo então à entidade patronal provar a legalidade do recurso aos «recibos verdes».
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O PCP entende que este é um passo fundamental e consequente na luta contra a chaga social da precariedade — do emprego e da vida.
Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Alteração ao Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho
O artigo 12.º do Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 12.º (…) 1 — […]: a) […] b) […] c) […] d) […] e) […] f) O prestador de trabalho se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade, designadamente através da prestação de trabalho à mesma entidade pelo período de seis meses ou que, no mínimo, 70% do seu rendimento total provenha da prestação de serviços a uma mesma entidade ou entidade em relação de domínio ou de grupo; g) O prestador de trabalho realize a sua actividade sob a orientação do beneficiário da actividade.
2 — Para efeitos das alíneas f) e g) do número anterior presume-se a existência de prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, sendo o contrato de prestação de serviços automaticamente convertido em contrato de trabalho sem termo por requisição do trabalhador ou de organização representativa dos trabalhadores junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, cabendo à entidade patronal ilidir tal presunção.
3 — A cessação da prestação de serviços findo o prazo referido na alínea f) do n.º 2, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com a mesma entidade patronal ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de um ano.
4 — [Anterior n.º 3] 5 — [Anterior n.º 4]»
Artigo 2.º Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 29 de Junho de 2011 Os Deputados do PCP: Bernardino Soares — António Filipe — Francisco Lopes — João Oliveira — Miguel Tiago — Bruno Dias — Paula Santos — Jorge Machado — Honório Novo — Jerónimo de Sousa — Rita Rato — Agostinho Lopes — Paulo Sá.
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PROJECTO DE LEI N.º 2/XII (1.ª) REGULA OS CONTRATOS A PRAZO PARA CLARIFICAR OS SEUS CRITÉRIOS DE ADMISSIBILIDADE
Exposição de motivos
Os contratos a termo resolutivo só podem ser celebrados para a satisfação de necessidades temporárias das empresas e não podem ser estendidos para além do tempo necessário para a satisfação dessa necessidade. Aliás, para que uma empresa possa realizar um contrato a prazo com um trabalhador, é necessário que o empregador faça prova dos factos que justificam a celebração desse tipo de contratos.
No entanto, a maior parte das vezes, os empregadores utilizam os contratos a termo para preencher postos de trabalho e funções que são permanentes, visto que a empresa não pode laborar sem a actividade prestada por aquele trabalhador, apesar de a esse posto permanente dever corresponder um contrato sem termo.
Assim, os contratos a prazo para funções permanentes têm grassado no mercado de trabalho, precarizando as vidas de centenas de milhares de pessoas. De acordo com os Quadros de Pessoal 2009, 27,1% dos trabalhadores por conta de outrem estavam contratados a prazo e o Relatório do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 2010 referia que 9 em cada 10 novos empregos eram precários (contratos a prazo) e que existia uma enorme tendência para que esses postos de trabalho não se tornassem permanentes.
Muito se tem dito sobre os pretensos benefícios da flexibilização das condições de contratação e do seu impacto no desemprego. No entanto, os dados estatísticos são claros e hoje sabemos que se a variação do desemprego entre 2008 e 2009 foi de 2,3%, ele se fez à custa do fim dos contratos a prazo — que no mesmo período regrediram 7,5%. Aliás, o "fim de trabalho não permanente" representa actualmente a maior fatia de inscrição nos centros de emprego. Hoje, com a taxa de desemprego a cifrar-se nos 12,4% e com o desemprego real a atingir mais de 800 mil pessoas, não podemos fechar os olhos a esta realidade.
A mensagem que se retira destes dados é simples: quanto maior a precariedade, maior o desemprego.
Para além disto, é também sabido que os trabalhadores a prazo estão mais sujeitos a pressões por parte dos empregadores e têm uma menor capacidade de reivindicação dos seus direitos. Este facto, que radica na sua condição precária e que deve ser combatido, provoca situações injustas, nomeadamente um abaixamento salarial — o ganho mçdio horário de um contrato sem termo ç de 5,21€/h e de um contrato a termo ç de 3,98 €/h —, mais horas de trabalho não remuneradas e piores condições de trabalho face aos trabalhadores com contratos sem termo.
Acresce que, a rotação de quadros nas empresas mina a capacidade das organizações de evoluírem e provoca a sua perda de competitividade. De facto, um trabalhador que tenha investido no seu capital humano para aquela função ou posto de trabalho é uma mais-valia para a empresa e para a sua produção. Cada pessoa que se perde para o binómio precariedade/desemprego significa perda de competitividade e produtividade para o País.
Assim, os contratos a termo devem apenas ser usados com o intuito de suprimir necessidades temporárias das empresas e deve-se proteger os trabalhadores do abuso dos contratos a prazo para funções permanentes e da precarização que este abuso configura.
Para atingir este fim, o Bloco de Esquerda apresenta o presente projecto de lei com os seguintes objectivos:
Impedir a contratação a prazo para funções permanentes. A legislação permite que os contratos a prazo se estendam por três anos ou seis anos, no caso da contratação a termo incerto. Estes prazos vão muito para alçm de qualquer “necessidade temporária” das empresas. Assim, propomos que o contrato a termo certo só possa ser usado até ao máximo de um ano e que o contrato a termo incerto não possa passar dos três anos. Clarificar as condições de admissibilidade da contratação a prazo. A substituição de um trabalhador que foi ilegitimamente despedido não pode servir de pretexto para a contratação de novo trabalhador a Consultar Diário Original
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prazo. Também a contratação a prazo de trabalhadores para substituir quem foi alvo de um despedimento colectivo tem de ser proibido. Combater o desemprego e os direitos de quem trabalha. Se os dados mostram que o aumento da precariedade faz aumentar o desemprego, é necessário um sinal forte que impeça o abuso, proteja os trabalhadores e combata o desemprego. Proteger o emprego e a competitividade. Hoje, milhares de trabalhadores e trabalhadoras esperam ser integrados nos quadros das empresas após o prazo legal para a contratação a termo. Assim, a redução do tempo admissível para os contratos a prazo promove a integração destes trabalhadores e trabalhadoras nas empresas e, logo, das suas capacidades e capital humano específico.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Objecto
Altera a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, regulando os contratos a prazo a fim de clarificar os seus critérios de admissibilidade.
Artigo 2.º Alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro
Os artigos 140.º, 143.º, 144.º, 147.º e 148.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, passam a ter a seguinte redacção:
«Artigo 140.º […] 1 — […] 2 — Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa: a) […] b) [Revogado].
c) […] d) […] e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima, não superior a 6 meses; f) […] g) […] h) […] 3 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) e c) ou e) a h) do número anterior.
4 — [Revogado].
5 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só é pode ser celebrado contrato de trabalho a termo resolutivo quando não tiver ocorrido um processo de despedimento colectivo ou de extinção de posto de trabalho nos doze meses anteriores.
6 — [Anterior n.º 5].
7 — [Anterior n.º 6].
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Artigo 143.º […] 1 — A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a dois terços da duração do contrato, incluindo renovações.
2 — O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição; b) [Revogado].
c) [Revogado].
d) [Revogado].
3 — […] Artigo 144.º […] 1 — […] 2 — […] 3 — O empregador deve comunicar, no prazo de cinco dias úteis, à entidade com competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres o motivo da não renovação de contrato de trabalho a termo sempre que estiver em causa uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, ou um trabalhador em licença de parentalidade.
4 — […] 5 — […] Artigo 147.º […] 1 — […] 2 — Converte-se em contrato de trabalho sem termo:
a) […] b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.os 1 ou 3 do artigo 140.º; c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em actividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 5 dias após a verificação do termo.
3 — […] Artigo 148.º […] 1 — O contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado até três vezes e a sua duração não pode exceder os 12 meses.
2 — […] 3 — […]
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4 — A duração do contrato de trabalho a termo incerto não pode ser superior a três anos.
5 — […] .»
Artigo 3.º Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua aprovação.
Assembleia da República, 30 de Junho de 2011.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Mariana Aiveca — Luís Fazenda — Rita Calvário — Pedro Filipe Soares — João Semedo — Cecília Honório — Francisco Louçã — Catarina Martins.
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PROJECTO DE LEI N.º 3/XII (1.ª) COMBATER A PRECARIEDADE E OS FALSOS RECIBOS VERDES
Exposição de motivos
Portugal tem hoje 800 mil desempregados e quase 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras precários.
Os dados do INE, relativamente ao ano de 2010, revelam que existem 1.968.900 trabalhadores com contratos a prazo e trabalhadores independentes, a maioria dos quais como falsos recibos verdes.
De acordo com o Banco de Portugal (2010), 9 em cada 10 empregos criados são precários e têm pouca probabilidade de se tornarem permanentes e o fim do trabalho não permanente representa já a maior fatia de inscrições nos Centros de Emprego (44,1%), contribuindo decisivamente para a histórica taxa de desemprego de 11,1%.
Diariamente trabalhadores e trabalhadoras, representantes de trabalhadores e movimentos sociais de combate à precariedade denunciam os dramas laborais, pessoais e sociais de quem está nesta situação laboral.
Todos conhecemos situações de falso trabalho independente que se mantêm por dezenas de anos consecutivos para o mesmo empregador e situações de contratos a prazo ou estágios para funções permanentes. Assim, a precariedade no trabalho vai-se tornando regra, sacrificando milhões de vidas.
No entanto, e apesar do aparente consenso dos decisores políticos na critica à precariedade laboral, o Governo e o Partido Socialista têm sistematicamente rejeitado as medidas políticas e as alterações legislativas concretas que resolveriam este problema.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tem reconhecido repetidamente a falta de meios e a dificuldade de fiscalização destas situações. Por um lado, porque nunca foi posta em prática uma verdadeira campanha de fiscalização que, dando corpo ao princípio “trabalho com direitos”, penalizasse os infractores e impedisse a contratação ilegal. Por outro lado, porque a legislação existente não oferece os mecanismos adequados para por termo às ilegalidades laborais.
O Inspector-Geral do Trabalho, José Luís Forte, foi peremptório numa entrevista em Setembro de 2010, dizendo: “A única coisa que se poderia configurar na lei seria se, com a persistência na ilegalidade, se estaria ou não a cometer um crime de desobediência. (…) Se o mecanismo existisse, tornaria mais fácil a diminuição da precariedade e menos usual o incumprimento”.
No entanto, três anos volvidos, a precariedade aumentou de mãos dadas com o desemprego e a crise económica serviu de arma de arremesso e de chantagem contra os trabalhadores e as trabalhadoras.
De facto, a ACT pode levantar uma contra-ordenação ao empregador, caso se verifique que a prestação de actividade, aparentemente autónoma, está, na verdade, a ser realizada em condições características de contrato de trabalho, mas o empregador não fica obrigado à integração do trabalhador. O trabalhador continua, assim, a ter de recorrer à via judicial para a prova da existência de tal contrato de trabalho, apesar de ser a parte mais fragilizada e de, muitas vezes, sofrer enormes pressões por parte do empregador.
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É assim necessário dotar a ACT de poderes administrativos e executivos que permitam a protecção do trabalhador e a sua integração imediata, no caso de se verificar que o empregador o contrata a falsos recibos verdes.
Com este projecto de lei o Bloco de Esquerda pretende: — Combater os falsos recibos verdes, dissuadindo as práticas de contratação ilegal.
— Clarificar o que é falso trabalho independente, bastando que se verifiquem duas condições definidas para a presunção de contrato de trabalho, sem mais.
— Obrigar à integração dos falsos trabalhadores independentes nos quadros das empresas, na Segurança Social e nas Finanças, garantindo que a sua antiguidade na empresa é tomada em conta aquando da realização do contrato.
— Criminalizando a desobediência às indicações da ACT, para que seja claro que o empregador é punido se não integrar o falso trabalhador independente.
— Defender o emprego e o trabalho com direitos, não aceitando a desculpa da crise para acentuar a chantagem social sobre quem trabalha.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte projecto de lei:
Capítulo I
Artigo 1.º Objecto
1 — A presente lei estabelece o procedimento especial de combate à utilização abusiva de falso trabalho independente e sanciona a prática de actos relacionados com este facto.
2 — Este procedimento é autónomo, e não prejudica o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social previsto na Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Artigo 2.º Âmbito
A presente lei vincula todas as pessoas singulares e colectivas, públicas ou privadas.
Artigo 3.º Presunção de contrato de trabalho
1 — Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem pelo menos duas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 — Consideram-se práticas sancionadas as acções ou omissões, dolosas ou negligentes, que, designadamente, promovam:
a) A contratação de trabalhadores sem vínculos laborais permanentes para o desempenho de tarefas que correspondam a necessidades permanentes;
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b) A contratação de trabalho não declarado e ilegal; c) A contratação de falso trabalho independente.
Artigo 4.º Órgão competente
1 — A aplicação da presente lei é efectuada pela Autoridade para as Condições de Trabalho, abreviadamente designada por ACT.
2 — Para além das atribuições e competências previstas no Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de Junho, e no Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de Setembro, compete à ACT emitir despacho homologatório em todos os autos de notícia elaborados no âmbito desta lei.
3 — Os dados referentes a esta matéria são enunciados, em capítulo autónomo, no relatório anual.
Artigo 5.º Acção de informação e orientação
1 — A ACT exerce a acção com a finalidade de assegurar o respeito pelas normas do Código de Trabalho e o combate à precariedade laboral e ao trabalho ilegal, visando a defesa e a promoção do exercício dos direitos dos trabalhadores.
2 — A ACT presta aos serviços da administração directa, indirecta e autónoma do Estado, bem como às pessoas singulares e colectivas de direito público e privado, nos locais de trabalho ou fora deles, informações, conselhos técnicos ou recomendações sobre o modo mais adequado de observar as necessárias medidas para o combate à precariedade e ao trabalho ilegal.
Artigo 6.º Auto de notícia
1 — Quando no exercício das suas funções, a ACT verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer situação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, designadamente as definidas no artigo 3.º, o inspector do trabalho elabora um auto de notícia.
2 — O inspector do trabalho elabora o auto de notícia em relação à infracção que tenha verificado e instrui o auto de notícia com os elementos de prova que disponha e a indicação de pelo menos duas testemunhas.
Artigo 7.º Elementos do auto de notícia
1 — O auto de notícia referido no artigo anterior menciona especificamente os factos que constituem a contra ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidas as infracções e o que averiguar sobre a identificação e residência do arguido, o nome e categoria do trabalhador, o seu tempo de trabalho, a identificação e a residência das testemunhas.
2 — No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal.
Artigo 8.º Notificação e requisição de testemunhas
1 — Os titulares dos órgãos e serviços da administração directa e indirecta do Estado, bem como as empresas e estabelecimentos objecto de acção inspectiva pela ACT podem ser notificados pelo inspector responsável pelo procedimento, para a prestação de declarações ou depoimento que julguem necessários.
2 — A comparência para prestação de declarações ou depoimentos em acções de inspecção ou procedimentos disciplinares, de trabalhadores da administração directa e indirecta do Estado, bem como de outros trabalhadores do sector público, deve ser requisitada à entidade na qual exerçam funções.
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3 — A notificação para a comparência de quaisquer outras pessoas para os efeitos referidos no número anterior pode ser solicitada às autoridades policiais, observadas as disposições aplicáveis do Código de Processo Penal.
4 — Os inspectores da ACT devem fazer constar no seu relatório anual de actividades os obstáculos colocados ao normal exercício da sua actuação.
Artigo 9.º Conclusão do procedimento
1 — No final de cada acção inspectiva, o inspector responsável pelo procedimento elabora um auto de notícia e submete-o à decisão do dirigente máximo do serviço de inspecção, que o deve reencaminhar, para homologação, ao Inspector-Geral do Trabalho.
2 — O Inspector-Geral do Trabalho pode delegar no dirigente máximo do serviço a competência para a homologação dos autos de notícia.
Artigo 10.º Despacho homologatório
O despacho homologatório contém: a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A decisão; e) Eventual participação ao Ministério Público dos factos com relevância para o exercício da acção penal.
Artigo 11.º Notificação à entidade empregadora do despacho homologatório
1 — O despacho homologatório é notificado à entidade empregadora, para, no prazo de 30 dias, regularizar a situação constante do despacho referido no artigo anterior.
2 — Essa regularização obriga a entidade empregadora à inscrição do trabalhador nos serviços da segurança social, bem como à necessária inscrição para efeitos fiscais junto do serviço de finanças.
3 — O despacho homologatório elaborado pelo inspector de trabalho é imediatamente comunicado ao serviço de finanças e à segurança social.
4 — O despacho homologatório que impõe a regularização da situação adquire força obrigatória geral.
Artigo 12.º Efeitos da impugnação judicial
1 — A impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo.
2 — A impugnação judicial que homologue a decisão da ACT, condena o arguido a reintegrar o trabalhador e a regularizar a sua situação laboral.
3 — Caso a impugnação judicial seja aceite e provada não há direito de regresso sobre o trabalhador.
Artigo 13.º Custas processuais
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do regulamento das custas processuais.
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Artigo 14.º Contra-ordenações
1 — Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
2 — Em caso de reincidência, é aplicada uma sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício do outorgado por entidade ou serviço público, por período de dois anos.
Artigo 15.º Responsabilidade penal em matéria de presunção de contrato de trabalho
A omissão das obrigações impostas no n.º 2.º do artigo 11.º constitui crime de desobediência qualificada, prevista e punida pelo Código Penal.
Artigo 16.º Direito subsidiário
Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.
Artigo 17.º Cumprimento da obrigação devida
O pagamento da coima não dispensa o infractor do cumprimento da obrigação, se este ainda for possível.
Artigo 18.º Comunicações
A ACT comunica, trimestralmente, à segurança social e ao serviço de finanças, os procedimentos de contra-ordenação em curso e as coimas aplicadas.
Artigo 19.º Regiões Autónomas
Na aplicação da presente lei às Regiões Autónomas são tidas em conta as competências legais atribuídas aos respectivos órgãos e serviços regionais.
Artigo 20.º Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 90 dias após a data da sua publicação.
Assembleia da República, 29 de Junho de 2011.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Mariana Aiveca — Francisco Louçã — Catarina Martins — Luís Fazenda — Pedro Filipe Soares — Rita Calvário — João Semedo — Cecília Honório.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.