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Quinta-feira, 28 de março de 2013 II Série-A — Número 109
XII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2012-2013)
S U M Á R I O
Moção de censura n.º 4/XII (2.ª):
Moção de censura ao XIX Governo Constitucional (apresentada pelo PS).
Decreto n.º 130/XII: Lei de Bases da Economia Social.
Projeto de lei n.o 372/XII (2.ª) (Altera o regime jurídico de
acesso às pensões de invalidez e velhice pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA,
contemplando o direito a indemnizações por morte ou doença): — Requerimento do PCP dando conta da retirada desta iniciativa legislativa. Projetos de resolução [n.
os 662 e 663/XII (2.ª)]:
N.º 662/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a suspensão da reorganização hospitalar no Oeste e a criação de um grupo de trabalho que integre as autarquias locais e as
associações de utentes (BE). N.º 663/XII (2.ª) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas para a preservação das populações de abelhas e de outros polinizadores (BE).
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MOÇÃO DE CENSURA N.º 4/XII (2.ª):
MOÇÃO DE CENSURA AO XIX GOVERNO CONSTITUCIONAL
Portugal vive um momento dramático sem paralelo na nossa história recente. Em violação dos seus
compromissos eleitorais, o atual Governo tem vindo a prosseguir uma estratégia de empobrecimento do País,
assente numa violenta política de austeridade “do custe o que custar” e numa agenda ideológica ultraliberal
contra as funções sociais do Estado. Os resultados estão à vista de todos:
 O desemprego atinge valores nunca vistos. Há 942 mil desempregados e todos os dias há mais
portugueses que perdem o seu emprego;
 A economia está no terceiro ano consecutivo em recessão profunda (-3,2% do PIB, em 2012);
 A dívida pública continua a aumentar (em 2012, passou de 108% para 123,6% do PIB; um aumento
superior a 20 mil milhões de euros);
 O défice orçamental falha sistematicamente as metas estabelecidas (em 2012, será de 6,4% face aos
4,5% previstos, um desvio superior a 3,2 mil milhões de euros).
As previsões já conhecidas apontam para o aprofundamento da crise nos próximos anos: mais
desemprego (a caminho do milhão de desempregados), menos economia (mais do dobro da recessão prevista
pelo Governo, no orçamento do estado para este ano), mais divida pública e aumento do défice orçamental em
relação ao estabelecido.
Vive-se um sentimento de desesperança e até de desespero, perante a degradação da situação
económica, social e financeira do país, mas sobretudo pela perda de confiança na capacidade do Governo em
oferecer uma resposta credível para a saída da crise.
Esta situação resulta em grande medida das opções e dos erros do Governo. Num contexto difícil e
exigente, o Governo rompeu todos os equilíbrios necessários à boa condução do país e do processo de
ajustamento. Na economia, a opção da austeridade “custe o que custar” e da desvalorização interna
provocaram a entrada numa espiral recessiva e a escalada do desemprego e da dívida. Na frente do diálogo
político e social, a arrogância e a autosuficiência levaram ao afastamento dos diferentes partidos, a ignorar as
vozes e alertas da sociedade civil, e à marginalização dos parceiros sociais. Na frente europeia, o radicalismo
ideológico, a ausência de pensamento próprio e a falta de vontade levaram o Governo a abdicar da defesa
sistemática das melhores soluções para o nosso país, quer ao nível do reforço da UEM, mas também na
melhoria e adaptação do nosso programa de ajustamento.
Mas pior, perante a dramática realidade económica e social em que vivemos, e num quadro de completo
isolamento politico, o Governo concluiu, incompreensivelmente, que o país está na direção correta e que não
há necessidade de correção na trajetória do nosso ajustamento.
O Governo nega a realidade, não reconhece o seu falhanço e insiste em reforçar a dose da sua política da
austeridade, com a proposta de um corte adicional de 4 000 milhões de euros nas funções do Estado. Estes
cortes, sobretudo nas áreas da segurança social, da educação e da saúde, trarão inevitáveis consequências
na redução do acesso aos serviços públicos e na redução das transferências sociais de que depende o
rendimento de muitas famílias, já gravemente atingidas pelas políticas de austeridade. Esta opção contribuirá
ainda mais para o aprofundamento da recessão, para o aumento do desemprego, da pobreza e das
desigualdades sociais entre portugueses.
As principais vítimas da política do Governo são os mais pobres e as classes médias, gravemente afetadas
nas suas condições de vida, de igualdade de oportunidades e de mobilidade social; fortemente atingidas pelo
desemprego e, em muitos casos, confrontadas com um sério risco de pobreza.
Enquanto isso, muitos milhares de jovens, incluindo os mais qualificados, são empurrados para a fatalidade
da emigração por um Governo sem visão de futuro, que se mostra incapaz de lhes abrir um horizonte de
esperança.
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As famílias, por seu turno, enfrentam dificuldades cada vez maiores e as taxas de natalidade caem para
níveis alarmantes.
Os pensionistas e os funcionários públicos foram particularmente atingidos pelo Governo com os
Orçamentos de 2012 e 2013.
O PS sempre se opôs à política de austeridade do Governo, alertando para as consequências na
destruição da economia e do emprego.
O PS sempre foi claro na rejeição da política de empobrecimento e de emigração como instrumentos para
a melhoria da competitividade, mostrando a sua completa incompatibilidade com o mundo desenvolvido em
que nos integramos e com o país moderno que ambicionamos ser.
O PS sempre se bateu pelo diálogo político e social, afirmando em todos os momentos o seu carácter
absolutamente central na resposta à crise.
Por último, o PS sempre se bateu por uma participação forte e ativa de Portugal na negociação europeia,
com vista à superação da gravíssima crise que a Europa atravessa, mas também à melhoria constante e
sistemática do nosso processo de ajustamento.
Os portugueses não aguentam mais. Ao contrário do que diz o Governo, Portugal não está na direção
certa. Chegou a altura de dizer: Basta! Chegou o momento de parar com a política de austeridade que está a
empobrecer o nosso país e a exigir pesados sacrifícios aos portugueses sem que se vejam resultados. Os
portugueses cumpriram, mas o Governo falhou.
O PS tudo fez para que o Governo reconhecesse o seu fracasso, abandonasse a sua política da
austeridade e mudasse de caminho.
O Governo ignorou os alertas e recusou os contributos do PS, bem como de outras organizações e
movimentos da sociedade portuguesa.
A sétima avaliação da aplicação do memorando, por ser a primeira depois de conhecidos os resultados de
2012, constituía o derradeiro momento para o Governo inverter a sua política.
Avisámos o Governo de que esta seria a última oportunidade para fazer essa mudança. O Governo
desperdiçou a derradeira oportunidade para mudar de rumo.
O Governo tornou evidente que não está á altura do momento que vivemos e das responsabilidades que
deveria assumir.
A situação a que o nosso país chegou é de uma enorme gravidade. Os portugueses não aguentam estes
níveis de desemprego, nem mais medidas de austeridade. Estamos à beira de uma tragédia social de
consequências imprevisíveis para a vida dos portugueses e para o nosso regime democrático.
Nenhum órgão de soberania e responsável político pode ignorar o estado de pré-ruptura social e de espiral
recessiva a que o nosso país chegou.
Se o Governo continua, cada vez mais isolado, a violar as suas promessas eleitorais, sem autoridade
politica, incapaz de escutar e de mobilizar os portugueses, a falhar nos resultados, a não acertar nas
previsões, a negar a realidade, a não admitir a necessidade de alterar a sua política de austeridade, a não
defender os interesses de Portugal na Europa, a conduzir o país para o empobrecimento, então só resta uma
saída democrática para solucionar a crise: a queda do Governo e a devolução da palavra aos portugueses.
É o que se pretende alcançar com a apresentação desta moção de censura. Portugal precisa urgentemente
de um novo Governo e de uma nova política.
Mais do que um ponto de chegada, esta moção é um ponto de partida para sairmos das crises que
vivemos. A crise política já existe. Esta moção oferece uma solução para a crise política, como condição
necessária para mobilizarmos os portugueses e vencermos a crise social e económico que nos cerca.
Há um novo consenso político e social em Portugal. Só um novo Governo, democraticamente legitimado,
com forte apoio popular, estará em condições de interpretar e protagonizar o novo consenso nacional,
renegociar (ao nível europeu) uma estratégia credível de ajustamento e proceder ao relançamento sustentável
da nossa economia e da criação de emprego.
Outro caminho é possível e necessário. Um caminho de esperança. Um caminho de ambição. Um caminho
em que Portugal volte a ter voz na Europa. Um caminho feito com as pessoas e para as pessoas, mobilizando
a força, a criatividade e o empenho duma nação milenar que se orgulha do seu passado, se afirma na sua
identidade e acredita no seu futuro. Um caminho com esforço mas com sentido, apostando num Estado Social
mais eficiente e numa economia mais qualificada e competitiva.
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Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta a seguinte moção de censura:
A Assembleia da República delibera, nos termos do artigo 194.º da Constituição da República
Portuguesa, censurar o XIX Governo Constitucional.
Assembleia da República, 28 de Março de 2013.
Os Deputados do PS: António José Seguro — Maria de Belém — Carlos Zorrinho — José Junqueiro —
António Braga — Mota Andrade — Sónia Fertuzinhos — Odete João — Inês de Medeiros — Isabel Oneto —
Jorge Lacão — Alberto Martins — António Ramos Preto — Rui Santos — Elza Pais — Maria Helena André —
Gabriela Canavilhas — Pedro Farmhouse — Miguel Laranjeiro — Ana Paula Vitorino — Idália Serrão — Rui
Paulo Figueiredo — Carlos Enes — Paulo Campos — Nuno Sá — Paulo Pisco — Euríce Pereira — Eduardo
Cabrita — Glória Araújo — João Galamba — Pedro Silva Pereira — Pedro Marques — Miguel Freitas — Jorge
Fão — João Portugal — Acácio Pinto — André Figueiredo — Luís Pita Ameixa — Miguel Coelho — Mário
Ruivo — Fernando Medina.
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DECRETO N.º 130/XII
LEI DE BASES DA ECONOMIA SOCIAL
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece, no desenvolvimento do disposto na Constituição quanto ao sector cooperativo e
social, as bases gerais do regime jurídico da economia social, bem como as medidas de incentivo à sua
atividade em função dos princípios e dos fins que lhe são próprios.
Artigo 2.º
Definição
1- Entende-se por economia social o conjunto das atividades económico-sociais, livremente levadas a
cabo pelas entidades referidas no artigo 4.º da presente lei.
2- As atividades previstas no n.º 1 têm por finalidade prosseguir o interesse geral da sociedade, quer
diretamente quer através da prossecução dos interesses dos seus membros, utilizadores e beneficiários,
quando socialmente relevantes.
Artigo 3.º
Âmbito de aplicação
A presente lei aplica-se a todas as entidades integradas na economia social, nos termos do disposto no
artigo seguinte, sem prejuízo das normas substantivas específicas aplicáveis aos diversos tipos de entidades
definidas em razão da sua natureza própria.
Artigo 4.º
Entidades da economia social
Integram a economia social as seguintes entidades, desde que abrangidas pelo ordenamento jurídico
português:
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a) As cooperativas;
b) As associações mutualistas;
c) As misericórdias;
d) As fundações;
e) As instituições particulares de solidariedade social não abrangidas pelas alíneas anteriores;
f) As associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do
desenvolvimento local;
g) As entidades abrangidas pelos subsectores comunitário e autogestionário, integrados nos termos da
Constituição no sector cooperativo e social;
h) Outras entidades dotadas de personalidade jurídica, que respeitem os princípios orientadores da
economia social previstos no artigo 5.º da presente lei e constem da base de dados da economia social.
Artigo 5.º
Princípios orientadores
As entidades da economia social são autónomas e atuam no âmbito das suas atividades de acordo com os
seguintes princípios orientadores:
a) O primado das pessoas e dos objetivos sociais;
b) A adesão e participação livre e voluntária;
c) O controlo democrático dos respetivos órgãos pelos seus membros;
d) A conciliação entre o interesse dos membros, utilizadores ou beneficiários e o interesse geral;
e) O respeito pelos valores da solidariedade, da igualdade e da não discriminação, da coesão social, da
justiça e da equidade, da transparência, da responsabilidade individual e social partilhada e da
subsidiariedade;
f) A gestão autónoma e independente das autoridades públicas e de quaisquer outras entidades exteriores
à economia social;
g) A afetação dos excedentes à prossecução dos fins das entidades da economia social de acordo com o
interesse geral, sem prejuízo do respeito pela especificidade da distribuição dos excedentes, própria da
natureza e do substrato de cada entidade da economia social, constitucionalmente consagrada.
Artigo 6.º
Base de dados e conta satélite da economia social
1- Compete ao Governo elaborar, publicar e manter atualizada em sítio próprio a base de dados
permanente das entidades da economia social.
2- Deve ainda ser assegurada a criação e a manutenção de uma conta satélite para a economia social,
desenvolvida no âmbito do sistema estatístico nacional.
Artigo 7.º
Organização e representação
1- As entidades da economia social podem livremente organizar-se e constituir-se em associações, uniões,
federações ou confederações que as representem e defendam os seus interesses.
2- As entidades da economia social estão representadas no Conselho Económico e Social e nos demais
órgãos com competências no domínio da definição de estratégias e de políticas públicas de desenvolvimento
da economia social.
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Artigo 8.º
Relação das entidades da economia social com os seus membros, utilizadores e beneficiários
No desenvolvimento das suas atividades, as entidades da economia social devem assegurar os
necessários níveis de qualidade, segurança e transparência.
Artigo 9.º
Relação entre o Estado e as entidades da economia social
No seu relacionamento com as entidades da economia social, o Estado deve:
a) Estimular e apoiar a criação e a atividade das entidades da economia social;
b) Assegurar o princípio da cooperação, considerando nomeadamente, no planeamento e desenvolvimento
dos sistemas sociais públicos, a capacidade instalada material, humana e económica das entidades da
economia social, bem como os seus níveis de competência técnica e de inserção no tecido económico e social
do país;
c) Desenvolver, em articulação com as organizações representativas das entidades da economia social, os
mecanismos de supervisão que permitam assegurar uma relação transparente entre essas entidades e os
seus membros, procurando otimizar os recursos, nomeadamente através da utilização das estruturas de
supervisão já existentes;
d) Garantir a necessária estabilidade das relações estabelecidas com as entidades da economia social.
Artigo 10.º
Fomento da economia social
1- Considera-se de interesse geral o estímulo, a valorização e o desenvolvimento da economia social, bem
como das organizações que a representam.
2- Nos termos do disposto no número anterior, os poderes públicos, no âmbito das suas competências em
matéria de políticas de incentivo à economia social, devem:
a) Promover os princípios e os valores da economia social;
b) Fomentar a criação de mecanismos que permitam reforçar a autossustentabilidade económico-
financeira das entidades da economia social, em conformidade com o disposto no artigo 85.º da Constituição;
c) Facilitar a criação de novas entidades da economia social e apoiar a diversidade de iniciativas próprias
deste sector, potenciando-se como instrumento de respostas inovadoras aos desafios que se colocam às
comunidades locais, regionais, nacionais ou de qualquer outro âmbito, removendo os obstáculos que impeçam
a constituição e o desenvolvimento das atividades económicas das entidades da economia social;
d) Incentivar a investigação e a inovação na economia social, a formação profissional no âmbito das
entidades da economia social, bem como apoiar o acesso destas aos processos de inovação tecnológica e de
gestão organizacional;
e) Aprofundar o diálogo entre os organismos públicos e os representantes da economia social a nível
nacional e a nível da União Europeia promovendo, assim, o conhecimento mútuo e a disseminação de boas
práticas.
Artigo 11.º
Estatuto fiscal
As entidades da economia social beneficiam de um estatuto fiscal mais favorável definido por lei em função
dos respetivos substrato e natureza.
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Artigo 12.º
Legislação aplicável
As entidades que integram a base de dados prevista no artigo 6.º da presente lei estão sujeitas às normas
nacionais e comunitárias dos serviços sociais de interesse geral no âmbito das suas atividades, sem prejuízo
do princípio constitucional de proteção do setor cooperativo e social.
Artigo 13.º
Desenvolvimento legislativo
1- No prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor da presente lei são aprovados os diplomas
legislativos que concretizam a reforma do sector da economia social, à luz do disposto na presente lei e, em
especial, dos princípios estabelecidos no artigo 5.º.
2- A reforma legislativa a que se refere o número anterior envolve, nomeadamente:
a) A revisão dos regimes jurídicos aplicáveis às entidades referidas no artigo 4.º;
b) A revisão do Estatuto do Mecenato e do Estatuto de Utilidade Pública.
Artigo 14.º
(Entrada em vigor)
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Aprovado em 15 de março de 2013.
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção A. Esteves.
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PROJETO DE LEI N.º 372/XII (2.ª)
(ALTERA O REGIME JURÍDICO DE ACESSO ÀS PENSÕES DE INVALIDEZ E VELHICE PELOS
TRABALHADORES DA EMPRESA NACIONAL DE URÂNIO, SA, CONTEMPLANDO O DIREITO A
INDEMNIZAÇÕES POR MORTE OU DOENÇA)
Requerimento do PCP dando conta da retirada desta iniciativa legislativa
Nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 122.º do Regimento da Assembleia da República, e em virtude da
apresentação de projeto de resolução que abrange a mesma matéria, o Grupo Parlamentar do Partido
Comunista Português comunica que retira a seguinte iniciativa legislativa:
Projeto de Lei n° 372/XII (2.ª) – Altera o regime jurídico de acesso às pensões de invalidez e velhice
pelos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA, contemplando o direito a indemnizações por
morte ou doença.
Assembleia da República, 27 de março de 2013.
O Presidente do Grupo Parlamentar do PCP, Bernardino Soares.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 662/XII (2.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO A SUSPENSÃO DA REORGANIZAÇÃO HOSPITALAR NO OESTE E A
CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE TRABALHO QUE INTEGRE AS AUTARQUIAS LOCAIS E AS
ASSOCIAÇÕES DE UTENTES
Em fevereiro de 2012 a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) apresentou
o documento “Proposta de Reorganização da Região do Oeste: Cuidados Hospitalares”.
Nesta altura, a região do Oeste era servida pelo Centro Hospitalar de Torres Vedras (CHTV) e pelo Centro
Hospitalar do Oeste Norte (CHON). Entretanto, em setembro de 2012 foi publicada a Portaria n.º 276/2012, de
12 de setembro, que criou o “Centro Hospitalar do Oeste (CHO), pessoa coletiva de direito público, dotado de
autonomia administrativa e financeira e património próprio, que integra o Centro Hospitalar de Torres Vedras e
o Centro Hospitalar do Oeste Norte”, determinando a sede do CHO nas Caldas da Rainha.
A criação do CHO e consequente extinção do CHTV e do CHON foi mais um fator a contribuir para a já
longa e turbulenta saga que tem caracterizado o processo de reorganização hospitalar no oeste. De facto, este
processo tem gerado constante e compreensível desagrado, seja por parte da população, seja por parte das
autarquias locais, seja por parte dos profissionais dos serviços hospitalares em causa. Ou seja, este parece
ser um processo que não agrada a ninguém mas que tem vindo a ser sucessivamente empurrado para a
frente apesar da manifesta e generalizada oposição.
Refira-se que, no corrente mês de março, o Conselho Distrital do Oeste da Ordem dos Médicos -
organização que nunca foi ouvida sobre o processo de reorganização do oeste - defendeu a manutenção de
urgências médico-cirúrgicas nos hospitais das Caldas da Rainha e de Torres Vedras, a reabertura de
especialidades como oftalmologia, urologia ou reumatologia bem como o reforço dos profissionais nas
restantes especialidades. Esta organização considerou também que o abandono definitivo da recuperação do
Hospital Rainha D. Leonor, enquanto instituição hospitalar e termal, seria uma “perda irreparável”.
As comissões de utentes dos hospitais desta região têm reiterado e demonstrado sucessivas vezes as
incongruências de diversas decisões bem como as consequências destas para a efetivação do seu direito à
saúde. Também as autarquias locais têm aprovado várias moções sobre a reorganização em curso e suas
nefastas consequências.
Perante o exposto, o bom senso ajuíza que se pare para se poder analisar o que já foi feito, o que se
pretende fazer, ouvindo as partes envolvidas – autarquias locais, movimentos de utentes, associações
profissionais, entre outras – para que em conjunto se possa chegar a uma solução que garanta o acesso das
populações aos cuidados de saúde de que necessitam e que tenha em conta as especificidades da região do
oeste. Este processo não é passível de ser feito à distância, sem envolvimento das partes interessadas, como
aliás a realidade tem sucessivamente demonstrado.
Refira-se que a região do oeste, correspondente à Unidade Territorial Estatística de Nível III (NUT III) oeste
de Lisboa e Vale do Tejo, é constituída pelos municípios de Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos,
Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Mafra, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e
Torres Vedras. Segundo o Censos 2011, do Instituto Nacional de Estatística (INE), residem na região do oeste
mais de 440 mil pessoas.
As instituições hospitalares que dão resposta a esta região são o CHO e o Hospital Beatriz Ângelo em
Loures, que atende as pessoas residentes em Sobral de Monte Agraço e em algumas freguesias de Mafra,
designadamente Malveira, Milharado, Santo Estêvão e Venda do Pinheiro. Por seu turno, o CHO dá resposta a
toda a restante população, tendo como prestadores associados o Hospital Termal Rainha D. Leonor nas
Caldas da Rainha, o Hospital Bernardino Lopes de Oliveira em Alcobaça, o Hospital São Pedro Gonçalves
Telmo em Peniche, o Hospital Distrital de Torres Vedras, o Hospital Dr. José Maria Antunes Júnior conhecido
como Hospital do Barro e o Hospital Distrital Caldas da Rainha.
A “Proposta de Reorganização da Região Oeste: Cuidados Hospitalares”, de fevereiro de 2012, da
ARSLVT preconizou alterações profundas na rede hospitalar do oeste. Uma das medidas propostas era a
criação do CHO, que já se concretizou. Eis de seguida algumas das outras medidas:
– Encerramento do Hospital do Barro;
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– Concentração dos serviços baseada no equipamento tecnológico e na infraestrutura de cada edifício
hospitalar (Hospital de Torres Vedras e Hospital Caldas da Rainha);
– Extinção da urgência médico-cirúrgica do Hospital de Torres Vedras que passa a serviço de urgência
básica;
– Manutenção do serviço de urgência médico-cirúrgica no Hospital das Caldas da Rainha;
– Reconversão do Hospital de Peniche em unidade de cuidados continuados, com possibilidade do espaço
do hospital passar a ser usado pelo Centro de Saúde que funciona em instalações contíguas;
– Encerramento do serviço de urgência básica em Peniche;
– Entrega do edifício do Hospital de Alcobaça à Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça e integração na
ARS do Centro por integração no Centro Hospitalar de Leiria/Pombal;
– Concessão do Hospital Termal das Caldas da Rainha a uma entidade empresarial do ramo do Turismo
Termal.
Com estas alterações a ARSLVT preconizou uma poupança total de 15,9 milhões de euros. No entanto, a
voragem economicista está a prejudicar tremendamente as populações, que se vêem arredadas do acesso a
diversos serviços de saúde fundamentais e de proximidade.
Este processo de reorganização da rede hospitalar do oeste tem sido alvo de permanente contestação por
parte das populações das diversas localidades abrangidas, que se têm organizado e promovido vigílias,
debates, manifestações ou petições à Assembleia da República. O desagrado para com o projeto em curso é
total e transversal pelo que urge parar esta sangria de encerramento de serviços e criar um grupo de trabalho -
integrando as autarquias locais, as associações de utentes, entre outras organizações - que analise o
processo de reorganização hospitalar no oeste, de modo a garantir o acesso dos utentes aos serviços de
saúde de que necessitam e aos quais têm direito constitucional e garantindo a manutenção na esfera pública
do SNS das estruturas existentes, como seja o Hospital Termal das Caldas da Rainha.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco
de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
1 – A suspensão da reorganização hospitalar no oeste;
2 – A criação de um Grupo de Trabalho para analisar a reorganização hospitalar no oeste que deve
obrigatoriamente integrar as autarquias locais, as associações de utentes, as organizações dos profissionais
de saúde, além de outras entidades que sejam consideradas pertinentes;
3 – A manutenção do Hospital Termal das Caldas da Rainha como unidade pública integrante do SNS.
Assembleia da República, 28 de março de 2013.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, Helena Pinto — Luís Fazenda — João Semedo —
Mariana Aiveca — Pedro Filipe Soares — Ana Drago — Cecília Honório — Catarina Martins.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 663/XII (2.ª)
RECOMENDA AO GOVERNO A ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A PRESERVAÇÃO DAS POPULAÇÕES
DE ABELHAS E DE OUTROS POLINIZADORES
A população de abelhas está em declínio a nível mundial. O uso de pesticidas, as alterações climáticas, a
perda de biodiversidade vegetal e o monocultivo, a poluição e a perda de habitats, assim como a existência de
espécies invasivas são os fatores responsáveis referidos por vários estudos científicos e relatórios. No caso
dos pesticidas, as abelhas estão facilmente expostas direta e indiretamente, nomeadamente através do seu
deslocamento no vento e pela contaminação das águas, do néctar e do pólen.
As abelhas e outros polinizadores são fundamentais para a segurança alimentar uma vez que cerca de três
quartos das colheitas alimentares do planeta dependem das abelhas e de outros polinizadores para fertilizar
as suas flores. É estimado que 84% das espécies vegetais e 76% da produção alimentar na Europa dependa
da polinização. Acresce que a apicultura é uma importante atividade económica e social que dinamiza as
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zonas rurais e o seu desenvolvimento, permitindo a criação de emprego. A apicultura potencia ainda a
polinização, contribuindo para a manutenção da diversidade genética das plantas e para a preservação da
biodiversidade como um todo. Em 1999, a Convenção sobre Diversidade Biológica, reunida em São Paulo,
emitiu a “Declaração dos Polinizadores” onde reconhecia a situação crítica deste grupo de espécies e o seu
papel fundamental para a biodiversidade.
Em janeiro, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) publicou um relatório científico
onde considerou três pesticidas neonicotinóides (imidaclopride, clotianidina e tiametoxam) como um perigo
inaceitável para as abelhas. O relatório defendia que nenhum pesticida contendo estes químicos possa ser
usado em colheitas que atraiam abelhas, atendendo ao risco de envenenamento das mesmas. Em
consequência deste relatório, a Comissão Europeia propôs uma suspensão por dois anos desses pesticidas
neonicotinóides em colheitas que atraiam abelhas, já a partir de julho. No final desses dois anos haveria uma
reapreciação da suspensão. Contudo, a 15 de março de 2013 os Estados-membros reunidos em Bruxelas
rejeitaram a proposta. A suspensão não conseguiu a necessária maioria qualificada dos votos. No entanto, a
Comissão Europeia já anunciou que vai insistir na proposta. França, Itália, Alemanha, Holanda e Eslovénia já
tomaram medidas para suspender, total ou parcialmente, a utilização destes pesticidas.
Uma petição promovida pela Avaaz e dirigida à União Europeia exigindo que sejam imediatamente banidos
os pesticidas neonicotinóides, responsáveis pela diminuição da população de abelhas reúne já mais de 2,5
milhões de assinaturas. Os neonicotinóides foram produzidos com base na molécula da nicotina e são os
inseticidas mais usados no planeta, pelo que a exposição da população de abelhas a estes compostos é
bastante elevada. Já antes, em março de 2012, dois estudos demonstraram que abelhas expostas a
neonicotinóides registam uma redução de 85% no número de rainhas produzidas pelas suas colmeias e que o
número de abelhas que se perdiam quando procuravam alimento aumentava para o dobro.
Em 2011, Portugal foi o segundo Estado-membro com maior número de derrogações ao uso de pesticidas
em 2011 apenas superado pela França. No ano de 2010, os números nacionais foram semelhantes. Não é
justificável que o país lidere a tabela de derrogações e que aumente o risco de exposição a pesticidas que de
outra forma não poderiam ser usados ou aplicados a determinadas colheitas.
Em Portugal, e também no norte de Espanha e em França, a abelha enfrenta outra ameaça: a Vespa
velutina nigritorax. Esta espécie invasiva, natural da China, da Indonésia e do norte da India foi introduzida
acidentalmente na Europa em 2005 através de um carregamento de produtos hortícolas. A vespa asiática
aguarda as abelhas à entrada das colmeias onde as ataca e captura, transportando o cadáver para o seu
ninho. Face à presença da vespa, as abelhas deixam de sair da colmeia e de procurar alimento. A vespa
asiática expandiu-se e é encontrada desde 2011 no Alto Minho. De momento, decorre um programa de
destruição dos ninhos da vespa exótica.
A proposta do Bloco de Esquerda vai no sentido de preservar as populações de abelhas e outros
polinizadores, nomeadamente através da suspensão dos pesticidas com imidaclopride, clotianidina e
tiametoxam como aliás a própria Comissão Europeia propôs e como os estudos científicos recomendam. O
país não deve ceder à pressão da grande indústria química e deve preservar o interesse público e a
sustentabilidade do ecossistema. Recomenda ainda a redução do número de derrogações concedidas para o
uso de pesticidas. O Bloco de Esquerda recomenda também a criação de um Plano de Ação para a
preservação das referidas populações e que tenha em conta todas as ameaças que as mesmas enfrentam.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco
de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:
1. Que apoie e vote favoravelmente a proposta para a suspensão do uso de imidaclopride, clotianidina
e tiametoxam em colheitas que atraiam abelhas na União Europeia;
2. A suspensão do uso desses neonicotinóides em colheitas que atraiam abelhas em Portugal;
3. A redução do número de derrogações ao uso de pesticidas;
4. A criação de um plano de ação holístico para a preservação das populações de abelhas e de outros
polinizadores.
Assembleia da República, 28 de março de 2013.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, Luís Fazenda — Pedro Filipe Soares — Helena
Pinto — Mariana Aiveca — Cecília Honório — Catarina Martins — João Semedo — Ana Drago.
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