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Quarta-feira, 20 de agosto de 2014 II Série-A — Número 157
XII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2013-2014)
S U M Á R I O
Decretos n.os
262 e 264/XII:
N.º 262/XII (Cria a contribuição de sustentabilidade e ajusta a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de proteção social convergente, procedendo à oitava alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 347/85, de 23 de agosto, e alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro):
— Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação.
N.º 264/XII (Estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos):
—Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu, anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação.
Resoluções: (a)
— Aprova a Convenção relativa à Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1988, conforme revista pelo Protocolo de Revisão à Convenção relativa à Assistência Mútua em Matéria Fiscal, adotado em Paris, em 27 de maio de 2010.
— Aprova o Acordo Suplementar ao Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis-Generais Militares Internacionais criados em consequência do Tratado do Atlântico Norte entre a República Portuguesa, por um lado, e o Quartel-General do Comando Supremo das Forças Aliadas na Europa e o Quartel-General do Comandante Supremo Aliado para a Transformação, por outro.
Projeto de lei n.o 645/XII (3.ª):
Primeira alteração ao Regime do Segredo de Estado e alteração ao Código Penal (PSD e CDS-PP).
(a) São publicadas em Suplemento.
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DECRETO N.º 262/XII
(CRIA A CONTRIBUIÇÃO DE SUSTENTABILIDADE E AJUSTA A TAXA CONTRIBUTIVA DOS
TRABALHADORES DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL E DO REGIME DE
PROTEÇÃO SOCIAL CONVERGENTE, PROCEDENDO À OITAVA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DOS
REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL, APROVADO PELA
LEI N.º 110/2009, DE 16 DE SETEMBRO, À QUINTA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 137/2010, DE 28
DE DEZEMBRO, À DÉCIMA SEGUNDA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 347/85, DE 23 DE AGOSTO,
E ALTERANDO AINDA O CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, APROVADO
PELO DECRETO-LEI N.º 394-B/84, DE 26 DE DEZEMBRO)
Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu,
anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação
Junto devolvo a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da
Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 262/XII — “Cria a contribuição de sustentabilidade e
ajusta a taxa contributiva dos trabalhadores do sistema previdencial de segurança social e do regime de
proteção social convergente, procedendo à oitava alteração ao Código dos Regimes Contributivos do Sistema
Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, à quinta alteração ao
Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 347/85, de 23
de agosto, e alterando ainda o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
394-B/84, de 26 de dezembro” —, uma vez que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia
se anexa, se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas
conjugadas dos artigos 2.º e 4.º do mesmo Decreto.
Lisboa, 18 de agosto de 2014.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Anexo: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014.
Anexo
ACÓRDÃO N.º 575/2014
Processo n.º 819/2014
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
(Conselheira Maria Lúcia Amaral)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República
Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas
constantes dos n.os
1 e 2 do artigo 2.º, dos n.os
1 a 5 do artigo 4.º e dos n.os
1 a 4 do artigo 6.º do Decreto n.º
262/XII da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 30 de julho de 2014 para
ser promulgado como lei.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação:
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1.º
Pelo Decreto n.º 262/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que cria a contribuição de
sustentabilidade.
2.º
Independentemente do juízo quanto ao mérito das soluções contidas no Decreto em apreciação, importa
garantir que da sua aplicação não resulte incerteza jurídica numa matéria de tão grande importância para a
economia nacional.
3.º
Com efeito, o Decreto em apreciação visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das obrigações
internacionais do Estado, sobretudo no contexto da União Europeia, resultantes, em particular, do Pacto de
Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e
Monetária (Tratado Orçamental).
4.º
Sem prejuízo do que antecede, as normas em causa são suscetíveis de violar princípios e normas
constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção
da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição, tal como resulta
da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em
especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, n.º 862/2013 e n.º 413/2014.
5.º
O presente pedido não visa pôr em causa a necessidade e urgência da adoção de medidas que garantam
o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português mas, tão-só, assegurar que,
em face da existência das dúvidas de constitucionalidade mencionadas no número anterior, tais medidas
passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de modo a instilar a necessária confiança nos
agentes económicos e sociais destinatários destas normas e preservar a credibilidade externa do País.
O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos seguintes termos:
Ante o exposto, e não deixando de ponderar a solicitação do Governo nesta matéria, requeiro, nos termos
do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º
28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das referidas normas do artigo 2.º,
do artigo 4.º e do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º e
13.º da Constituição.
2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foi admitido na mesma
data.
3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, a Presidente da
Assembleia da República veio apresentar resposta na qual ofereceu o merecimento dos autos.
4. Através de requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 4 de agosto de 2014, o
Governo de Portugal, na qualidade de proponente do Decreto n.º 262/XII e orientado pelo princípio da
colaboração veio requerer a junção aos autos de uma nota explicativa sobre as questões suscitadas no
presente processo de apreciação de constitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido
e junto aos autos.
5. Discutido o memorando apresentado pela relatora originária, cumpre formular a decisão em
conformidade com a orientação definida.
II – Fundamentação
A. O objeto do pedido
6. São objeto do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade as disposições constantes dos
n.os
1 e 2 do artigo 2.º, dos n.os
1 a 5 do artigo 4.º e dos n.os
1 a 4 do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da
Assembleia da República.
As referidas disposições têm o seguinte teor:
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Artigo 2.º
Âmbito de aplicação da contribuição de sustentabilidade
1 - A CS incide sobre todas as pensões pagas por um sistema público de proteção social a um único titular
independentemente do fundamento subjacente à sua concessão.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por pensões, para além das pensões pagas ao
abrigo dos diferentes regimes públicos de proteção social, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a
pensionistas, aposentados ou reformados no âmbito de regimes complementares, independentemente da
designação das mesmas, nomeadamente, pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, bem como as
prestações vitalícias devidas por força de cessação de atividade, processadas e postas a pagamento pelas
seguintes entidades:
a) Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Nacional de Pensões (ISS, I.P./CNP) no quadro do sistema
previdencial da segurança social;
b) CGA, I.P.;
c) Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) no quadro do regime de proteção social
próprio.
Artigo 4.º
Cálculo da contribuição de sustentabilidade
1 - A CS incide sobre o valor das pensões mensais definidas no artigo 2.º.
2 - Para a determinação do valor da pensão mensal, considera-se o somatório das pensões pagas a um
único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º.
3 - A aplicação da CS obedece às seguintes regras:
a) 2% sobre a totalidade das pensões de valor mensal até € 2 000;
b) 2% sobre o valor de € 2 000 e 5,5 % sobre o remanescente das pensões de valor mensal até € 3 500;
c) 3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a € 3 500.
4 - Nos casos em que da aplicação da CS resulte uma pensão mensal total ilíquida inferior a € 1 000, o
valor da pensão em pagamento é mantido nos seguintes termos:
a) Pela atribuição de um diferencial compensatório, a cargo do sistema público de pensões responsável
pelo pagamento da pensão, quando estejam em causa pensões de montante ilíquido superior aos valores
mínimos legalmente garantidos e igual ou inferior a € 1 000;
b) Pela atribuição do complemento social quando estejam em causa pensões mínimas do regime geral de
segurança social.
5 - Na determinação da taxa de CS aplicável, o 14.º mês ou equivalente e o subsídio de Natal são
considerados mensalidades autónomas.
Artigo 6.º
Atualização das pensões
1 - O Governo em articulação com os parceiros sociais procede à revisão da forma de atualização anual
das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, tendo por base indicadores
de natureza económica, demográfica e de financiamento das pensões do sistema previdencial e do regime de
proteção social convergente, designadamente:
a) O crescimento real do produto interno bruto;
b) A variação média anual do índice de preços no consumidor, sem habitação;
c) A evolução da população em idade ativa e dos beneficiários;
d) A evolução da população idosa e dos reformados e pensionistas;
e) Outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões.
2 - Da aplicação das regras de atualização anual das pensões não pode resultar uma redução do valor
nominal das pensões.
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3 - Sempre que em determinado ano a atualização das pensões seja negativa, o valor das pensões
mantém-se, sendo o seu valor corrigido em futura atualização positiva por dedução do efeito negativo
acumulado em anos anteriores.
4 - As pensões mínimas e as pensões e outras prestações do subsistema de solidariedade e do regime de
proteção social convergente de natureza não contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualização
que garantam adequados meios de subsistência.
Entende o Requerente que estas disposições são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais
como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição e o princípio da proteção da confiança,
ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2.º da Constituição, tal como resulta da
interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial
nos Acórdãos n.os
353/2012, 187/2013, 862/2013 e 413/2014.
B. Enquadramento do objeto do pedido no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII
7. As normas objeto de fiscalização são relativas a duas das medidas estabelecidas pelo Decreto n.º
262/XII: tanto as normas constantes dos n.os
1 e 2 do artigo 2.º como as normas constantes dos n.os
1 a 5 do
artigo 4.º dizem respeito à medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade; por sua vez, as normas
constantes dos n.os
1 a 4 do artigo 6.º referem-se à medida relativa à revisão da forma de atualização anual
das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente.
No que se refere ao primeiro grupo de normas, o alcance prescritivo das mesmas só é determinável no
quadro do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do Decreto n.º 262/XII).
Porque assim é, começamos pela caracterização do regime normativo da contribuição de sustentabilidade
(cfr., infra 8 a 13), de seguida, procedemos à análise do segundo grupo de normas, as quais se referem à
medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do regime de
proteção social convergente (cfr., infra 13 a 15) e, uma vez examinadas, em separado, as normas relativas a
cada uma das medidas, passaremos ao enquadramento de cada uma delas no regime instituído pelo Decreto
n.º 262/XII (cfr., infra 16-17).
A medida que estabelece a contribuição de sustentabilidade
8. Através da norma constante do artigo 1.º do Decreto n.º 262/XII é criada a contribuição de
sustentabilidade e o primeiro aspeto a dilucidar é a delimitação do respetivo âmbito de aplicação.
Nos termos do disposto nos n.os
1 e 2 do artigo 2.º, a contribuição de sustentabilidade incide sobre todas as
pensões pagas por um sistema público de proteção social a um único titular independentemente do
fundamento subjacente à sua concessão, entendendo-se como tal, para além das pensões pagas ao abrigo
dos diferentes regimes públicos de proteção social, todas as prestações pecuniárias vitalícias devidas a
pensionistas, aposentados ou reformados no âmbito de regimes complementares, independentemente da sua
designação, nomeadamente, pensões, subvenções, subsídios, rendas, seguros, bem como as prestações
vitalícias devidas por força de cessação de atividade.
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 4.º, para a determinação do valor da pensão mensal, considera-
se o somatório das pensões pagas a um único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º, ou seja, o
Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I.P., no quadro do sistema previdencial da
Segurança Social, a Caixa Geral de Aposentações, I.P., e a Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores.
Do teor dos n.os
1 e 2 do artigo 2.º decorre que são abrangidas pensões pagas por um sistema público de
proteção social, ou seja:
a) pensões do sistema previdencial, o qual, nos termos do disposto no artigo 53.º da Lei n.º 4/2007, de 16
de janeiro (alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro), que aprova as bases gerais do sistema de
segurança social, abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por
conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição
facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º desse diploma legal;
b) pensões do regime de proteção social convergente (Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, alterada pela Lei n.º
10/2009, de 10 de março);
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c) pensões do regime público de capitalização do sistema complementar (artigo 82.º da Lei n.º 4/2007, de
16 de janeiro, e Decreto-Lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro);
d) pensões do regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) (Regulamento da
Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, e
alterado pelas Portarias n.os
623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º
22.665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social,
publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 188, de 28 de setembro de 2007).
9. Atendendo à amplitude da formulação do n.º 1 do artigo 2.º, bem como do corpo do n.º 2 desse mesmo
preceito, poder-se-ia questionar se seriam ainda abrangidas pensões do subsistema de solidariedade do
sistema de proteção social de cidadania da segurança social, o qual, nos termos do disposto no artigo 39.º da
Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, abrange o regime não contributivo, o regime especial de segurança social das
atividades agrícolas e os regimes transitórios ou outros formalmente equiparados a não contributivos.
Porém, tendo em conta o inciso final da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º («[…] no quadro do sistema
previdencial da segurança social»), pode concluir-se que, no que respeita ao sistema de segurança social,
apenas são abrangidas pensões do sistema previdencial. Essa interpretação é ainda confirmada pelo teor da
«Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, na parte em que caracteriza o
sistema público de pensões português como sendo composto «[…] pelo sistema previdencial e pelo regime de
proteção social convergente, abrangendo ainda o regime gerido pela Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores» (DAR II, Série-A n.º 130/XII (3.ª), de 16 de junho de 2014, pág. 37). Embora se trate de uma
caracterização imprecisa, ela deixa claro que se não visou incluir no âmbito da contribuição de
sustentabilidade pensões do subsistema de solidariedade do sistema de proteção social de cidadania da
segurança social.
10. Com esta precisão, apenas ficam incluídas no âmbito aplicativo da norma do artigo 2.º prestações
processadas e postas a pagamento por três entidades públicas (aqui incluindo, dada a sua natureza de
pessoa coletiva de direito público, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores). Desde logo, estão
excluídas prestações processadas e postas a pagamento por quaisquer outras entidades públicas. Além disso,
estão ainda excluídas prestações pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, como são os
casos, por exemplo, das instituições de crédito, através dos respetivos fundos de pensões, ou das companhias
de seguros e entidades gestoras de fundos de pensões. Tal significa que, na medida em que, além das
prestações a cargo do designado primeiro pilar, engloba apenas prestações do regime público de
capitalização, a medida de contribuição de sustentabilidade não abrange de forma integral o designado
segundo pilar do sistema de segurança social, nomeadamente as prestações associadas a planos de pensões
criados por regimes previdenciais de natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva (cfr. artigos
81.º, n.º 1, e 83.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).
11. Em ordem a delimitar rigorosamente o âmbito de aplicação da contribuição de sustentabilidade, importa
ainda conjugar o disposto no artigo 2.º com o disposto no artigo 3.º do Decreto n.º 262/XII, o qual vem afastar
do âmbito de aplicação da medida certas prestações que, de outro modo, seriam abrangidas pelo disposto no
artigo 2.º.
Nos termos desse artigo 3.º, ficam excluídas as seguintes prestações:
a) Indemnizações compensatórias correspondentes atribuídas aos deficientes militares, abrangidos pelo
Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os
93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de
16 de maio, 224/90, de 10 de julho, 183/91, de 17 de maio, e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.os
46/99,
de 16 de junho, e 26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 314/90, de 13 de outubro, alterado pelos
Decretos-Leis n.os
146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 250/99, de 7 de
julho;
b) Pensões indemnizatórias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto da Aposentação,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro;
c) Pensões de preço de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, alterado
pelo Decreto-Lei n.º 161/2001, de 22 de maio;
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d) Pensões dos deficientes militares transmitidas ao cônjuge sobrevivo ou membro sobrevivo de união de
facto, que seguem o regime das pensões de sobrevivência auferidas ao abrigo do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º
240/98, de 7 de agosto;
e) Rendas vitalícias, resgates e transferências pagas no âmbito do Decreto-Lei n.º 26/2008, de 22 de
fevereiro;
f) Pensões relativas a grupos fechados de beneficiários cujos encargos são suportados através de
provisões transferidas para os sistemas públicos de pensões, bem como as pensões e subvenções
automaticamente atualizadas por indexação à remuneração de trabalhadores no ativo.
12. É sobre o valor das pensões mensais definidas no artigo 2.º do Decreto n.º 262/XII, com a delimitação
já efetuada, que vai incidir a contribuição de sustentabilidade (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 262/XII), sendo
que, para a determinação do valor da pensão mensal, considera-se o somatório das pensões pagas a um
único titular pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 2.º (artigo 4.º, n.º 2, do Decreto n.º 262/XII).
A taxa efetiva é de 2% para pensões até € 2000; de 2% a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500 (2%
sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente até € 3 500), e de 3,5% para pensões acima de €
3500.
Desde logo, importa observar que, conjugando o teor da alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º, segundo o qual se
encontram sujeitas a uma taxa de 2% a totalidade das pensões de valor mensal até € 2 000, com o disposto
no n.º 4 desse preceito, não é claro como se operacionaliza tecnicamente a cláusula de salvaguarda, nos
termos da qual se garante que da aplicação da contribuição de sustentabilidade o beneficiário que aufira uma
pensão superior a € 1000 não vê a sua pensão ser reduzida para baixo desse limiar. Faz-se referência à
atribuição de um diferencial compensatório (artigo 4.º, n.º 4, alínea a)) ou de um complemento social (artigo
4.º, n.º 4, alínea b)), não estando, no entanto, esses instrumentos normativamente caracterizados nem no
Decreto n.º 262/XII nem por remissão para outros diplomas legais. Não obstante a referida indeterminação
sobre o modus operandi da cláusula de salvaguarda, tal não obsta a que se retire do regime legal a fixação de
um limiar mínimo inultrapassável, por referência ao montante de € 1000, por efeito da aplicação da
contribuição de sustentabilidade.
O que parece certo é que se está perante uma cláusula de salvaguarda e não perante um limiar mínimo de
isenção ou, na terminologia da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, um
«patamar de isenção». E isso poderá explicar-se por estar em causa uma taxa que, de acordo com o regime
estabelecido no artigo 4.º, incide sobre o valor total das pensões auferidas, e não apenas sobre o montante da
pensão que exceda o valor de € 1000.
Independentemente desse aspeto, e recapitulando, a taxa efetiva é de 2% para pensões até € 2000; de 2%
a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500 (2% sobre o valor de € 2000 e 5,5 % sobre o remanescente até €
3 500), e de 3,5% para pensões acima de € 3500. Tal significa que o escalão superior é de € 3500, a partir do
qual se aplica uma taxa fixa de 3,5%. A este respeito, importa considerar que, segundo a «Exposição de
Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, cumulativamente à contribuição de sustentabilidade,
prevê-se que às pensões superiores a € 3500 venham ainda a ser aplicadas contribuições de 15% sobre o
montante que exceda 11 vezes o valor do indexante aos apoios sociais (IAS) mas que não ultrapasse 17
vezes aquele valor, e de 40% sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS. Trata-se, porém, de
uma sobretaxa que, eventualmente, será regulada em diploma autónomo e que, supostamente, apenas
vigorará integralmente em 2015, uma vez que se propõe a redução das referidas taxas em 50% no ano de
2016 e a sua extinção no ano de 2017.
Ainda sobre os limites, inferior e superior, da pensão sobre os quais incide a contribuição de
sustentabilidade, bem como sobre o grau de progressividade da taxa efetiva aplicável, importa fazer uma
última observação.
Na apresentação da Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem do Decreto n.º 262/XII, a Ministra de
Estado e das Finanças afirmou que «[...] cerca de 95% dos pensionistas da segurança social ficam isentos e,
no conjunto dos sistemas, ficam totalmente isentos de qualquer contribuição mais de 87% dos pensionistas»
(DAR, I Série n.º 101/XII/3, de 27 de junho de 2014, pág. 36).
De acordo com o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental: 2014-2018,
emitido em 21 de maio de 2014, pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República, «[o]
impacto decorrente da substituição da CES pela Contribuição de Sustentabilidade é positivo para todos os
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pensionistas, sendo as pensões mensais entre € 3750 e € 4611,42 as mais beneficiadas em termos relativos.
Quando comparada com a CES, a contribuição de sustentabilidade tem subjacente um desagravamento da
taxa efetiva para todas as pensões […] sobre as quais incide. O desagravamento das taxas efetivas é superior
para as pensões situadas no intervalo entre € 3750 e € 4611,42 (11 vezes o valor do Indexante de Apoios
Sociais), e que decorre da diminuição da taxa efetiva de 10% para 3,5%, o que representa uma redução de
65% no montante de contribuição paga pelo CES […]. Relativamente às pensões brutas entre € 1000 e €
1800, a redução do montante é de 42,9% (e resulta da passagem de uma taxa de 3,5 para 2,0%)».
Mesmo não se tratando aqui ainda da apreciação da constitucionalidade da medida (cfr., infra, Parte C.),
importa desde já observar que, sem prejuízo de, no plano da política legislativa, ser legítimo que se apresente
o impacto da medida ora em apreciação por referência a e em comparação com outras medidas com as quais,
porventura, a primeira apresente afinidades, a verdade é que, no plano do Direito, a afetação de posições
jurídicas subjetivas pela medida da contribuição de sustentabilidade – correspondendo ao impacto da medida
– só pode aferir-se atendendo ao conteúdo das posições jurídicas afetadas.
Não tem assim cabimento a consideração segundo a qual as pessoas afetadas pela contribuição de
sustentabilidade ficam todas numa situação melhor do que aquela em que se encontravam na vigência da
chamada contribuição extraordinária de solidariedade (CES). É que a CES, dado o seu caráter transitório – o
que, entre outros aspetos, implicava a necessidade da sua renovação em cada lei orçamental – jamais
produziu qualquer efeito jurídico modelador do conteúdo das posições jurídicas subjetivas relativas a
prestações do sistema público de segurança social sobre as quais incidia. O conteúdo dessas posições
jurídicas manteve-se, pois, nos termos da própria lei, inalterado.
Face ao que foi dito, no plano estritamente jurídico, é inequívoco que a contribuição de sustentabilidade
vem afetar negativamente, com caráter duradouro, posições jurídicas de que são titulares os atuais
beneficiários do sistema público de segurança social.
Com efeito, conforme decorre do âmbito de aplicação da medida e dos demais aspetos do seu regime
jurídico, estamos perante uma decisão, com caráter duradouro, de redução da despesa com prestações
sociais – pensões e equivalente – a cargo de determinadas entidades públicas que integram o sistema público
de pensões.
Não obstante o nomen juris – «contribuição» – poder sugerir que se estaria perante uma medida do lado da
receita, o que se verifica é que, em rigor, a mesma consubstancia uma redução do valor nominal da pensão.
Tal qualificação decorre, além do âmbito de aplicação da medida, do próprio regime relativo ao modo de
processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação, porquanto opera através da dedução ao
valor da pensão do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade, determinado por aplicação da
taxa sobre aquela, competindo à respetiva entidade processadora efetuar essa operação (cfr. n.os
1 e 2 do
artigo 5.º do Decreto n.º 262/XII).
Assim, é de rejeitar a interpretação defendida pelo Governo (pág. 49 da «Nota Técnica»), segundo a qual
«[a] medida da Contribuição de Sustentabilidade assume a natureza de uma contribuição para a segurança
social, nos mesmos termos em que esta noção foi aplicada e desenvolvida pelo TC tanto no Acórdão n.º
187/2013 como no Acórdão n.º 862/2013 relativamente à Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES),
tal como configurada na Lei do Orçamento do Estado para 2013. Trata-se de uma contribuição exigida aos
atuais beneficiários das pensões a pagamento, o que é coerente com a permissão geral de o financiamento
dos sistemas públicos poder ser feito também através da participação dos próprios titulares (cfr. Acórdão n.º
187/2013)».
É certo que no Acórdão n.º 187/2013, embora considerando que a incidência, em geral, de uma obrigação
contributiva sobre os próprios beneficiários ativos representaria um desvio ao funcionamento do sistema – na
medida em que introduz uma nova modalidade de financiamento da segurança social que abarca os próprios
beneficiários das prestações sociais, pondo em causa, de algum modo, o princípio da contributividade (artigo
54.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) – o Tribunal não deixou de entender que a circunstância de o sistema
previdencial assentar fundamentalmente no autofinanciamento, através das quotizações dos trabalhadores e
das contribuições das entidades empregadoras, não obstaria a que se pudesse recorrer a outras fontes de
financiamento, incluindo outras receitas fiscais legalmente previstas, como decorre do artigo 92.º da Lei n.º
4/2007.
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Simplesmente, nesse aresto estava em causa uma medida que, além de incidir sobre prestações relativas
ao sistema público de pensões, incidia globalmente sobre prestações privadas de proteção social, exteriores
ao sistema público de segurança social, sendo esse aspeto do regime, relativo ao âmbito de aplicação da
medida, determinante para o entendimento segundo o qual se não estava aí perante uma simples redução do
valor da pensão.
Ora, no que respeita à medida de contribuição de sustentabilidade, como já se disse, relevantes aspetos do
seu regime jurídico, como sejam o seu âmbito de aplicação (determinadas entidades públicas que integram o
sistema público de pensões) ou o modo de processamento da aplicação da taxa à pensão e da sua afetação
(dedução do montante devido a título de contribuição de sustentabilidade) sugerem que se está antes perante
uma verdadeira redução do valor da pensão.
Além disso, e fundamentalmente, não é sustentável o entendimento segundo o qual se está perante uma
medida que consubstancia o recurso a uma outra fonte de financiamento do sistema da segurança social,
porquanto inexiste qualquer transferência de meios de fora para dentro do sistema público de pensões. Do que
se trata é de uma medida interna ao sistema público de pensões que, cortando na despesa, visa repor o
equilíbrio do saldo de cada regime por ela abrangido.
A medida relativa à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do
regime de proteção social convergente
13. Integram ainda o objeto do pedido de fiscalização de constitucionalidade as normas constantes dos n.os
1 a 4 do artigo 6.º.
A norma constante do n.º 1 desse preceito legal determina que o Governo em articulação com os parceiros
sociais deve proceder à revisão da forma de atualização anual das pensões do sistema previdencial e do
regime de proteção social convergente, tendo por base indicadores de natureza económica, demográfica e de
financiamento das pensões do sistema previdencial e do regime de proteção social convergente, indicadores
esses que, a título exemplificativo, vêm enunciados nas alíneas a) a e) dessa mesma disposição e que são os
seguintes: «o crescimento real do produto interno bruto»; «a variação média anual do índice de preços no
consumidor, sem habitação»; «a evolução da população em idade ativa e dos beneficiários»; «a evolução da
população idosa e dos reformados e pensionistas» e, por último, «outros fatores que contribuam para a
sustentabilidade dos sistemas públicos de pensões».
A norma constante do n.º 2 do artigo 6.º estabelece uma salvaguarda no sentido de assegurar que da
aplicação das regras de atualização anual das pensões não pode resultar uma redução do valor nominal das
pensões.
No n.º 3 prevê-se que a atualização das pensões seja feita na base de uma espécie de conta corrente, nos
termos da qual, conforme já decorre do n.º 2 desse preceito legal, embora da aplicação das regras de
atualização anual das pensões não possa resultar uma redução do valor nominal das pensões, a evolução
negativa da pensão verificada no anon é descontada de uma eventual atualização positiva que venha a
ocorrer no anon+1.
Por último, o n.º 4 vem esclarecer que as pensões mínimas e as pensões e outras prestações do
subsistema de solidariedade e do regime de proteção social convergente de natureza não contributiva podem
ficar sujeitas a outras regras de atualização que garantam adequados meios de subsistência.
14. Relativamente a esta medida coloca-se, no entanto, uma questão prévia relativa à própria apreciação
da conformidade constitucional.
Independentemente da questão de saber se a medida se encontra diretamente associada à contribuição de
sustentabilidade ou constitui um mecanismo autónomo de caráter geral atinente à atualização de pensões, o
certo é que o pedido não é suficientemente explícito quanto às razões por que se justifica a apreciação da sua
conformidade constitucional em fiscalização preventiva.
O pedido considera que as normas em causa – incluindo as faladas disposições do artigo 6.º - «são
suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º
da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do
artigo 2.º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os
353/2012, 187/2013, 862/2013 e
413/2014».
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Parece assim admitir que se possam suscitar dúvidas de constitucionalidade, com base na anterior
jurisprudência do Tribunal, também quanto à matéria da atualização das pensões.
Porém, nenhum desses arestos, que se pronunciaram sobre reduções remuneratórias ou ainda sobre a
contribuição extraordinária de solidariedade consignadas nas leis do orçamento de Estado para 2012, 2013 e
2014, ou, no caso do acórdão n.º 862/13, sobre um mecanismo de convergência de pensões, abordou
concomitantemente qualquer questão referente à atualização de pensões ou aplicou nessa perspetiva os
princípios da igualdade e da proteção da confiança.
Neste condicionalismo, o Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam, com segurança, caracterizar
os fundamentos do pedido, pelo que, nesta parte, dele não pode tomar conhecimento.
Enquadramento da contribuição de sustentabilidade no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII
15. Nos antecedentes pontos ocupámo-nos da caracterização do regime normativo da contribuição de
sustentabilidade, no pressuposto segundo o qual o sentido das normas objeto de fiscalização só é
determinável no âmbito do regime da contribuição de sustentabilidade no seu conjunto (artigos 1.º a 5.º do
Decreto n.º 262/XII).
Importa agora proceder ao enquadramento dessa medida no regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII.
Nos termos da «Exposição de Motivos» que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII que está na origem
do Decreto n.º 262/XII, a proposta de lei, além de «enquadrada pela importância da disciplina orçamental»,
«dirige-se em concreto à proposta de uma solução para o desafio mais importante que se coloca ao sistema
público de segurança social – o da sua sustentabilidade – mormente no que diz respeito aos regimes de
pensões».
Dessa exposição de motivos resulta ainda que a contribuição de sustentabilidade é uma medida que deve
ser perspetivada em conjunto com outras medidas estruturais, no quadro de uma reforma com vista a garantir,
em observância da equidade intra e intergeracional, a sustentabilidade do sistema público de pensões.
Seria expressão dessa intencionalidade o facto de, juntamente com a contribuição de sustentabilidade, o
Decreto n.º 262/XII, estender, através das alterações marginais à contribuição do trabalhador para os sistemas
de previdência social (artigos 7.º e 8.º) e à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigos 10.º e
11.º), aos trabalhadores no ativo e à sociedade em geral o esforço exigido com vista a garantir a
sustentabilidade do sistema público de pensões, o que poderia ser entendido como uma preocupação de
assegurar a equidade intra e intergeracional, indo assim ao encontro das exigências que, em matéria de
reforma do sistema público de pensões, decorrem do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013.
Deste modo, a razão de ser do regime instituído pelo Decreto n.º 262/XII parece ser o de assegurar que o
esforço de contribuição para a sustentabilidade do sistema público de segurança social seja repartido de um
modo equilibrado por todos os portugueses. A par dos atuais beneficiários do sistema, a quem é exigida uma
parte desse esforço através da contribuição de sustentabilidade, são também chamados a contribuir os futuros
beneficiários do sistema, através do aumento das contribuições dos trabalhadores para os sistemas de
previdência social, bem como a sociedade em geral, através do aumento da taxa normal do IVA.
Nesse sentido depõe o facto de tanto a receita da contribuição de sustentabilidade, como a receita do
aumento da taxa contributiva, como a receita proveniente do aumento da taxa normal do IVA serem,
respetivamente, afetadas, imputadas ou consignadas ao sistema público de pensões (cfr. artigos 5.º, 9.º e 12.º
do Decreto n.º 262/XII).
16. Como foi referido, nos termos da mesma «Exposição de Motivos», além de concretamente dirigido a
assegurar a sustentabilidade do sistema público de segurança social mormente no que diz respeito ao regime
público de pensões, o regime instituído por este diploma não deixa de ser enquadrado pela importância da
disciplina orçamental, pretendendo contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas, com vista a
assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes da participação de Portugal na União Europeia e na
área do euro, bem como para a transição para o crescimento económico sustentado.
No que se refere ao cumprimento de compromissos europeus em matéria orçamental, além das obrigações
da República Portuguesa decorrentes do direito da União Europeia – Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia, protocolo e regulamentos que integram o quadro normativo de coordenação e governação da
União Económica e Monetária – é feita referência ao Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação
na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental), assinado em Bruxelas em 2 de março de 2012,
aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 84/2012, em 13 de abril de 2012, e ratificado pelo
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Decreto do Presidente da República n.º 99/2012, de 3 de julho (DAR, I Série n.º 127/XII, de 3 de julho de
2012).
Ainda segundo a exposição de motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 236/XII, «[e]stes
compromissos europeus estabelecem, em particular, o respeito dos valores máximos de referência de 3% do
Produto Interno Bruto (PIB) para o défice orçamental e de 60% do PIB para o rácio de dívida pública, bem
como a obrigação de assegurar uma situação orçamental equilibrada ou excedentária. No período de transição
para estes objetivos, o Estado Português deve ainda definir e executar uma trajetória de consolidação que
assegure a convergência do saldo orçamental estrutural para o objetivo de médio prazo, sob pena de ativação
de mecanismos de correção automáticos. Os compromissos de sustentabilidade das finanças públicas estão já
incorporados na Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto), através da sétima
alteração a essa lei (Lei n.º 37/2013, de 14 de junho) aprovada pelos partidos do arco da governação, que de
resto também confirmaram a ratificação do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na
União Económica e Monetária».
C. Os parâmetros constitucionais
17. O sentido e alcance do direito à pensão e da incumbência imposta ao Estado de organizar e manter um
sistema de segurança social, como decorrência do direito à segurança social consagrado no artigo 63.º da
Constituição, tem sido clarificado pelo Tribunal Constitucional em diversa jurisprudência (Acórdãos n.os
349/91,
318/99, 188/2009, 3/2010 e 187/13) e, por último, no Acórdão n.º 862/2013.
Não há motivo para deixar de seguir, na linha dessa anterior jurisprudência, o entendimento expresso neste
mais recente aresto.
A Constituição não fixa, com caráter de regra suscetível de aplicação direta e imediata, o sistema de
pensões e demais prestações do sistema de segurança social, assim como os critérios da sua concessão e
valor pecuniário. Caberá assim ao legislador ordinário, em função das disponibilidades financeiras e das
margens de avaliação e opções políticas decorrentes do princípio democrático, modelar especificamente
esses elementos de conteúdo das pensões.
Também aqui a liberdade de decisão do legislador é variável, consoante a maior ou menor
determinabilidade das regras constitucionais.
Em certas situações, a margem de conformação do legislador será necessariamente menor. É o que se
verifica com a norma do n.º 4 do artigo 63.º, que garante o princípio – conhecido como “princípio da
totalização” – que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para o cálculo do montante das
prestações: “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e
invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.
Todavia, tem sido afirmado que desse princípio não decorre que o legislador ordinário esteja
constitucionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma pensão rigorosamente correspondente ao das
remunerações registadas durante o período contributivo, não se podendo falar num “princípio da equivalência
entre contribuições e montantes da prestação”, já que o sistema previdencial assenta em mecanismos de
repartição e não de capitalização (cfr. Acórdão n.º 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acórdão
que “a Constituição da República Portuguesa não consagra em qualquer das suas normas ou princípios a
exigência de que se tenha em consideração, como critério para o cálculo do montante das pensões de
reforma, o montante da retribuição efetivamente auferida pelo trabalhador no ativo. Pode – e, numa certa
perspetiva, haverá mesmo que – distinguir-se entre a necessária consideração de todo o tempo de trabalho e
uma (inexistente) imposição de utilização, como critério de cálculo do valor da pensão, do montante dos
rendimentos realmente auferidos” (cfr. Acórdão n.º 675/2005).
18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear o conteúdo concreto ou
final do direito à pensão, respeitados os limites constitucionais pertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento,
autónoma e imediatamente decorrente do texto constitucional, do direito à pensão, não significa que se possa
afirmar o direito a uma determinada pensão. O direito a uma determinada pensão só adquire conteúdo preciso
através da legislação ordinária. Pelo que a sua “vinculatividade jurídica” é “uma criação infraconstitucional”.
Apenas a partir do momento em que o legislador ordinário fixa, com elevado grau de precisão e de certeza, o
conteúdo do direito exigível do Estado, o direito à pensão adquire na ordem jurídica um “grau pleno de
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definitividade e densidade” (cfr. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais, teoria jurídica dos direitos sociais
enquanto direitos fundamentais, Coimbra Editora, 2010, pág. 148).
Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo a concretização legislativa do
direito, ela passará a “integrar a norma de direito fundamental”, correspondendo a faculdades, pretensões ou
direitos particulares integráveis no direito fundamental como um todo. Não obstante, isso não significa uma
absoluta intangibilidade do direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da proteção
específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito, como a proteção
da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses
mesmos princípios.
O direito à pensão está, aliás, particularmente dependente das disponibilidades financeiras do Estado,
sendo, nesse sentido, mais permeável “à pressão da conjuntura”, sobretudo, nos períodos mais críticos de
dificuldades económicas. Essa especial vulnerabilidade justifica-se não apenas com o facto de o direito à
pensão alocar recursos financeiros imediatos, mas também devido à própria estrutura do direito. O direito à
pensão tem na sua formação uma estrutura temporal de média e longa duração, pelo que, durante a vida da
prestação, os contextos socio-económicos que enquadram a atividade legislativa podem alterar-se
radicalmente.
Por outro lado, para além da sua duração prolongada, as pensões são ainda particularmente dependentes
dessa “reserva do possível”, pelo simples facto da sua inserção no sistema solidário de prestação do contrato
geracional. Ora, num sistema previdencial de repartição, os beneficiários não podem ignorar os riscos
envolvidos, com a possibilidade de alteração dos direitos em formação, não se podendo defender que se
reconhece, sem exceções, um “princípio da intangibilidade no que toca ao quantum das pensões” (JOÃO
CARLOS LOUREIRO, Adeus ao Estado Social?, Coimbra Editora, 2010, págs. 166, 170 e 379). E quanto aos
direitos já consolidados, no Acórdão n.º 187/2013 considerou-se o seguinte: «o reconhecimento do direito à
pensão e a tutela específica de que ele goza não afastam, à partida, a possibilidade de redução do montante
concreto da pensão. O que está constitucionalmente garantido é o direito à pensão, não o direito a um certo
montante, a título de pensão».
No entanto, importa reafirmar que o legislador, na conformação que faz, em cada momento histórico, do
direito à pensão está juridicamente vinculado pelas normas e princípios constitucionais. Assim, apesar de um
inequívoco reconhecimento de que o legislador possui liberdade para alterar as condições e requisitos de
fruição e cálculo das pensões, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vários limites
constitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princípio do Estado de Direito. Deste modo,
as alterações que o legislador pretenda levar a cabo têm de se fundar em motivos justificados –
designadamente a sustentabilidade financeira do sistema –, não podendo afetar o mínimo social, os princípios
da igualdade e da dignidade da pessoa humana, e da proteção da confiança.
19. O Estado português cumpriu a “incumbência” que lhe foi atribuída pelo artigo 63.º da CRP definindo um
sistema de segurança social que inclui, enquanto uma da suas componentes, o sistema previdencial. De
acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro) este sistema visa garantir
“prestações pecuniárias substitutivas do rendimento do trabalho perdido” em consequência de certas
“eventualidades”, nas quais se inclui, entre outras, a invalidez, a doença e a velhice (artigos 50.º e 51.º da Lei
de Bases). O “sistema” é estruturado em torno de alguns princípios fundamentais, princípios esses que são a
expressão da livre escolha que o legislador ordinário fez, na sua necessária tarefa de concretizar o programa
aberto do artigo 63.º da CRP.
Assim, entre nós, o direito à pensão adquire-se, de acordo com o princípio da contributividade (artigo 54.º
da Lei de Bases), mediante o cumprimento, por parte do seu titular e de outras entidades, de certas e
determinadas obrigações (artigos 55.º a 57.º da mesma lei), que sendo devidas ao longo do tempo, são o
pressuposto necessário da formação, também ao longo do tempo, do direito a vir a perceber, terminada a vida
ativa, a “prestação pecuniária substitutiva do rendimento do trabalho”. Tal é o resultado de uma outra opção do
legislador, expressa num outro princípio estruturante do sistema, desta vez relativo ao seu próprio modo de
financiamento: na verdade, e de acordo com o disposto no artigo 90.º da Lei de Bases, as prestações
substitutivas dos rendimentos do trabalho devem ser financiadas por quotizações dos trabalhadores e por
contribuições das entidades empregadoras. Finalmente, cumpridos estes requisitos, – que são portanto o
pressuposto causal do direito a perceber a prestação correspondente à pensão, a partir do certo período de
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tempo que é definido em outros lugares do sistema - o montante da prestação a que se tem direito
corresponde a um quantum que, além de ser definido (princípio do benefício definido), é determinado em
função das quotizações feitas e das contribuições realizadas (artigos 57.º e 62.º).
Em cumprimento do princípio da complementaridade (artigo 15.º), a esta forma de proteção social pública
podem associar-se formas de proteção social, cooperativas, mutualistas e privadas, que devem ser articuladas
entre si de forma a “melhorar a cobertura das situações abrangidas e promover a partilha das
responsabilidades nos diferentes patamares da proteção [social]”. Este princípio da complementaridade tem
tradução no regime estabelecido a partir do artigo 81.º da Lei de Bases, onde se definem as modalidades de
que pode revestir esta componente do sistema de segurança social, designada como “sistema complementar”.
A definição surge como necessária, não só face à indeclinável tarefa estadual de articulação entre as várias
formas, públicas e não públicas, de proteção social (artigo 15.º), como face ao princípio do primado da
responsabilidade pública, que, nos termos do artigo 14.º da Lei de Bases, “consiste no dever do Estado de
criar as condições necessárias à efetivação do direito à segurança social e de organizar, coordenar e subsidiar
o [seu] sistema”.
Estas são pois as linhas gerais que definem o modo através do qual o legislador ordinário cumpriu a
“incumbência” que lhe é devolvida nos termos do artigo 63.º da CRP.
20. Face a estes dados, a medida agora em juízo, ao implicar essencialmente a redução, a título definitivo,
de pensões já em pagamento, surge, no contexto do “sistema” que acabámos de descrever, e que foi
modelado pela lei em cumprimento de uma injunção constitucional, como uma limitação de dois princípios
estruturantes desse mesmo sistema, a saber, o da contributividade e o do benefício definido. Na verdade, uma
vez redefinido in pejus, pelo legislador, o montante de uma pensão de que já se beneficia, não só deixa de ser
garantida a tendencial correspondência entre esse montante e a “carreira contributiva” que foi o pressuposto
causal da aquisição do direito à pensão (princípio contributivo), como sobretudo, é posto em causa o princípio
segundo o qual esse montante seria certo (princípio do benefício definido).
Tal não é contudo suficiente para que se considere constitucionalmente proibida a medida legislativa de
redução definitiva de pensões.
Só seria assim se se admitisse uma proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no
sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afetar qualquer situação jurídica
que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude, sob pena de destruir a autonomia da
função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a autorrevisibilidade, seriam
praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a
manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados.
Torna-se assim necessário harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio
dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se
distingam as situações onde a Constituição contenha uma ordem de legislar suficientemente precisa e
concreta, em que a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de proteção já atingido é
necessariamente mínima, daquelas outras em que a proibição do retrocesso social está limitada pelo princípio
da alternância democrática e opera apenas quando a alteração redutora do conteúdo do direito social afete a
«garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio
ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso», a violação da proteção da confiança (cfr. Acórdãos n.ºs
509/2002 e 188/2009).
21. Contudo, tal não significa que o poder de autorrevisibilidade das leis seja um poder ilimitado. O
exercício do poder de autorrevisibilidade, embora assente num princípio que é matricial para a conformação da
ordem constitucional portuguesa – o que determina que essa ordem se funda antes do mais nos
procedimentos que são próprios de uma democracia pluralista – há de conhecer limites, e esses decorrerão da
necessária coexistência entre o princípio do pluralismo democrático e outros princípios constitucionais.
O Estado de direito é um estado de segurança jurídica. E a segurança exige que os cidadãos saibam com
o que podem contar, sobretudo nas suas relações com os poderes públicos. Saber com o que se pode contar
em relação aos atos da função legislativa do Estado é coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que é
conatural a essa função é a possibilidade, que detém o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as
diferentes exigências históricas, opções outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteração dessas
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opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as
novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites
sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa
repercussão sobre o passado.
A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas – tomadas pelo legislador ordinário
no quadro da sua estrutural habilitação para rever opções antes tomadas por outros legisladores históricos –
façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir
genericamente que o legislador recorra a uma “técnica” de modelação da repercussão dos efeitos das suas
escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a
repercussão sobre o passado [das novas escolhas legislativas] pode assumir uma intensidade forte ou
máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de
lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca,
mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a
disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso,
designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legislativas como sendo de
«retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica», ou ainda, mais simplesmente, de «retrospetividade». Como
quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da
eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma
destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança
jurídica que decorre do princípio do Estado de direito.
É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que
seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de
direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder
estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à
retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na
liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos,
liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º,
n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela
qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente
na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de
direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.
Dito isto, resta concluir que o facto de não haver uma proibição constitucional explícita de, noutros casos,
se recorrer às formas graduais e muito variáveis de «retroatividade própria» ou «imprópria» não significa que o
recurso a qualquer uma destas formas esteja sempre e em qualquer circunstância à disposição do legislador
ordinário. O princípio segundo o qual o poder legislativo está genericamente habilitado pela Constituição a
atribuir às suas decisões, por diferentes formas e em diferentes graus, eficácia para o passado, conhece
limites. E estes decorrem da necessária convivência entre este princípio e o princípio do Estado de direito, na
sua dimensão de «segurança jurídica».
22. O método a adotar na resolução deste específico problema constitucional, decorrente da necessária
conciliação entre o princípio democrático, que sustenta a autorrevisibilidade das leis, e o princípio do Estado
de direito, que sustenta os limites impostos a esta autorrevisibilidade por exigências de segurança jurídica, foi
explicitado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 287/90. Aí se disse que, especialmente nos casos em
que o problema se apresenta com contornos mais delicados – e que são aqueles em que ocorre a chamada
«retroatividade imprópria ou inautêntica», também designada como «retrospetividade», nos quais a norma
jurídica nova, conquanto pretenda ter efeitos só para o futuro, incide sobre relações jurídicas já existentes,
constituídas ao abrigo de Direito anterior – haveria que ponderar. E que a ponderação deveria ser feita entre o
peso a dar à “confiança” e “boa-fé” dos cidadãos, que legitimamente contavam ou esperavam a manutenção
da disciplina jurídica ao abrigo da qual a sua situação, perante o Direito, fora anteriormente definida, e o peso
a dar às razões pelas quais as alterações legislativas vinham «afetar» as suas expectativas legítimas. Mais se
concluiu que o resultado da ponderação só poderia ser favorável a estas últimas expectativas, reconhecendo-
lhes uma superior consistência ou um maior peso relativamente ao segundo índice a ponderar, naqueles
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casos em que a sua afetação se mostrasse inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa. O significado dado
a estes últimos termos foi também explicitado:
Em que se traduz esta «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva».
A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios:
a) afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mudança
da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e
ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ai princípio da proporcionalidade,
explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da
Constituição, desde a 1.ª revisão.
Posteriormente, o Acórdão n.º 128/2009, e depois dele, entre outros, os Acórdãos n.os
188/2009, 187/2013
e 862/2013, vieram desenvolver um modelo de “testes”. De acordo com este modelo, para que haja lugar à
tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o
legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerarem nos privados «expectativas» de
continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em
terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do
«comportamento estadual»; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que
justifiquem, em ponderação, a não continuação do comportamento que gerou a situação de expectativa.
A aplicação deste método, assim explicitado pelo Tribunal, a um caso concreto pressupõe antes do mais
que se determine, com precisão, se, nesse caso, a norma sob juízo fez protrair os seus efeitos sobre o
passado e com que grau de intensidade o fez. Na circunstância de ser positiva a resposta a esta questão,
haverá ainda que valorar à luz da Constituição as “expectativas” dos particulares, que confiaram na
inexistência da projeção sobre o passado dos efeitos das novas decisões legislativas. E essa valoração só
pode incidir sobre a consistência das posições jurídicas subjetivas definidas à luz do Direito anterior, e que
vêm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as “expectativas” dos particulares na continuidade, e na
não disrupção, da ordem jurídica, não são realidades aferíveis ou avaliáveis no plano empírico dos factos. A
sua densidade não advém de uma qualquer pré-disposição, anímica ou psicológica, para antecipar
mentalmente a iminência ou o risco das alterações legislativas; a sua densidade advém do tipo de direitos de
que são titulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituição os valora. O ponto é importante. É
que, como se disse no Acórdão n.º 862/2013, quanto mais consistente for o direito do particular, mais exigente
deverá ser o controlo da proteção da confiança.
23. No presente caso, estão em juízo medidas contidas num decreto da Assembleia da República (Decreto
n.º 262/XII) que visam essencialmente reduzir, a título definitivo, o montante de pensões já em pagamento, e
que, nos termos do seu artigo 14.º, deverá entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2015.
Contudo, não obstante a nova disciplina jurídica das pensões pretender produzir efeitos apenas para o
futuro, a verdade é que ela se repercute sobre o passado, na medida em que vem redefinir posições jurídico-
subjetivas constituídas ao abrigo de lei anterior.
Como já se viu, o direito ao recebimento de uma pensão, a título de prestação substitutiva dos rendimentos
de um trabalho que antes se realizou, constitui-se mediante o cumprimento de certas e determinadas
obrigações que a lei determina, e que são, não apenas o pressuposto necessário da aquisição do direito (no
momento igualmente definido pelo sistema legal) mas também a medida do benefício que, chegado o
momento certo, se passará a receber. Quer isto dizer que, se é verdade que o direito à pensão é um direito
líquido e certo nos termos da lei, também é verdade que a sua formação implicou um processo longo, que se
foi protraindo no tempo. Para cada uma das fases desse processo houve direito aplicável, que determinava o
regime e o quantum das obrigações que se deveriam cumprir, a idade a partir da qual o direito a receber o
benefício se constituiria na esfera jurídica do contribuinte-beneficiário, e o montante definido em que ele se
traduziria. Assim, qualquer alteração legislativa que viesse a incidir sobre a redefinição de uma qualquer
destas fases antes da aquisição final do direito à pensão seria, para os quadros conceituais das relações das
leis no tempo, sempre «retrospetiva» ou «impropriamente retroativa», na exata medida em que vinha redefinir
a disciplina jurídica de uma relação que se estabelecera entre o contribuinte-beneficiário e a comunidade no
seu todo (através do sistema de segurança social) a partir do momento em que aquele iniciara a sua carreira
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contributiva. Disto mesmo se deu aliás conta o Tribunal nos exemplos dos Acórdãos n.os
302/2006, 188/2009 e
3/2010, quando estavam em juízo, precisamente, novos regimes legais que alteravam regras preexistentes
sobre o processo, já iniciado mas ainda não concluído, de formação do direito ao recebimento de pensões. Em
todas estas situações o Tribunal invocou o parâmetro da proteção da confiança para poder sustentar o seu
julgamento – que em nenhum destes casos foi de acolhimento da inconstitucionalidade – precisamente porque
considerou que a lei nova, se bem que fixando os seus efeitos apenas para o futuro, não deixava de redefinir o
passado em termos jurídico-constitucionalmente relevantes.
Contudo, se assim é para as situações em que a lei nova vem redefinir os termos em que deve decorrer o
processo de formação do direito à pensão, por maioria de razão o será nas situações em que, como no
presente caso, a mudança legislativa se traduz numa alteração in pejus do montante de uma pensão já em
pagamento. Nestas circunstâncias, a lei nova, se bem que não formalmente aplicável a factos pretéritos, opera
uma acentuada redefinição jurídica do passado, alterando os termos de exercício de um direito já
completamente formado, que a Lei de Bases da Segurança Social qualifica apropriadamente como «direito
adquirido».
Assim, se, no caso de alteração das regras de formação das pensões antes de estas existirem como
direitos «fechados» para os seus beneficiários, já se mostrava adequado convocar o parâmetro da proteção da
confiança para medir da admissibilidade da mutação legislativa, por maioria de razão o será nos casos em que
o que está em causa é uma alteração que incide sobre o montante de uma pensão que já se recebe. É que,
nestes casos, e como se disse no Acórdão n.º 862/2013, «o beneficiário viu entrar na sua esfera jurídica um
direito subjetivo com contornos exatos, estando em situação de exigir do Estado a prestação que lhe é
devida», pelo que se encontrará à partida «numa situação que carece de uma tutela ainda mais reforçada do
que [a de alguém] que está ainda a formar a sua carreira contributiva». Tanto mais que o conteúdo exato,
líquido e certo que esse direito hoje tem é função das regras jurídicas vigentes aplicáveis ao tempo em que o
mesmo [direito] entrou na “esfera jurídica” do seu titular». A consistência da posição jurídica que é afetada pela
entrada em vigor da lei nova parece ser assim, nestas circunstâncias, de grau máximo, para efeitos de um
controlo de proteção da confiança.
A verificação da consistência dos direitos aqui afetados, e em função da qual deve ser medida a
intensidade das “expectativas legítimas” dos seus titulares à sua não afetação, é ainda reforçada se tivermos
em conta a forma como estes direitos são valorados pela Constituição.
Na verdade, se, como vimos, a CRP não deixou à livre disposição do legislador ordinário a decisão sobre a
existência ou não existência de uma qualquer forma social ou solidária (regulada e coordenada pela
comunidade política no seu todo) de proteção das pessoas na velhice, quando a obtenção de rendimentos
provenientes do trabalho já não é existencialmente possível – se ao legislador compete a determinação do
como da obtenção da pensão, mas já não a decisão quanto ao seu se –, então, haverá que concluir que a
mesma CRP não é valorativamente neutra quanto ao modo pelo qual o direito à pensão já recebida é afetado.
Não obstante se tratar de um direito criado por lei ordinária, e, por isso mesmo, por lei ordinária revisível, a
forma da sua afetação não se pode processar num quadro de indiferença constitucional: estão em causa,
neste domínio, as mesmas opções de valor que justificam a previsão, pela CRP, da necessária existência de
um sistema de segurança social que «incumbe ao Estado organizar»; as mesmas opções de valor que estão
presentes nas normas que definem os programas e tarefas estaduais (artigo 9.º); as mesmas opções de valor
que são inerentes a uma República que se empenha na construção de uma «sociedade solidária» (artigo 1.º).
É, pois, no contexto destas valorações que se deve medir e avaliar a densidade das expectativas legítimas
dos particulares à não afetação dos direitos de que são titulares. E, nesse contexto, não pode deixar de
concluir-se que, sendo densas tais expectativas, a necessidade de tutela da confiança na sua não frustração o
é igualmente.
A este ponto acresce um outro.
No domínio de um sistema previdencial como o nosso, que, como vimos, se financia (artigo 90.º da Lei de
Bases da Segurança Social), quanto a prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho, através de
“quotizações dos trabalhadores” e de “contribuições das entidades patronais”, a confiança, para além da
dimensão estritamente subjetiva com que até agora foi tratada, adquire ainda uma dimensão objetiva, que se
associa à sua própria legitimidade enquanto sistema que implica um contrato entre gerações. Se para as
presentes gerações da população ativa portuguesa – as que financiam o sistema previdencial através das
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suas quotizações – a frustração da confiança das gerações mais velhas, beneficiárias atuais do sistema que
financiam, puder aparecer como questão constitucionalmente neutra, indiferente ou irrelevante, nenhuma
razão terão elas próprias (as gerações presentes de contribuintes) para confiar na subsistência do modelo
para o qual contribuem. Ainda por este motivo, a inexistência de uma tutela forte das «expectativas legítimas»
dos pensionistas à não redução do montante das suas pensões parece não ser de aceitar.
24. A redução definitiva do montante de pensões em pagamento é justificada, na exposição de motivos que
acompanhou a proposta de lei apresentada à Assembleia da República, precisamente pelas exigências
decorrentes do “contrato entre gerações”. E é-o a um triplo título: primeiro, porque, diz-se, esse contrato não
será cumprido se a disciplina orçamental a que está obrigado o Estado português não for satisfeita; segundo,
porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a questão da sustentabilidade do sistema de segurança
social não for, no presente, resolvida; terceiro, porque, diz-se, esse contrato não será cumprido se a geração
presentemente beneficiária do sistema (os atuais pensionistas) não contribuir ela própria, no momento atual,
para o financiamento do sistema. Assim se fundamenta portanto que a medida de redução definitiva das
pensões já em pagamento seja tida pelo legislador como uma contribuição de sustentabilidade.
O Tribunal não pode deixar de reconhecer o relevante peso que, à luz da Constituição, detém cada um
destes fundamentos. Se a consistência dos direitos afetados é, nos termos dos parâmetros aplicáveis,
acentuada, não o será menos a consistência da necessidade da sua afetação, dada a relevância dos direitos
ou interesses, também eles constitucionalmente protegidos, que, de acordo com a exposição de motivos
apresentada à Assembleia da República, a justificam. O ponto é determinante, uma vez que o método da
ponderação, atrás explicitado, não pode ser com rigor aplicado se se não tiver em linha de conta o peso
específico que possui cada uma dos elementos a ponderar. Sendo intenso o grau de não satisfação de um
princípio constitucional (neste caso, o princípio segundo o qual devem ser protegidas as legítimas expectativas
dos pensionistas ao recebimento de um benefício definido e adquirido ao abrigo de Direito anterior), mais
intensa terá ainda que ser a razão que justifica essa não satisfação. Quer isto dizer que a afetação dos direitos
dos pensionistas só poderá, neste caso e à luz da Constituição, ser desconsiderada, se se mostrar que ela é
necessária para satisfazer “direitos e interesses constitucionalmente protegidos que se devam considerar
prevalecentes”.
E não há dúvidas quanto à relevância constitucional que assume a imperatividade de realização de
políticas públicas que assegurem a disciplina orçamental, tal como esta última é imposta à República, desde
logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação
e Governação na União Económica e Monetária, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estado
português e de direito interno que concretizam as obrigações implícitas à referida disciplina. Está em causa,
neste domínio, não apenas o cumprimento leal do dever, constitucionalmente assumido, de “empenhamento”
de Portugal “no reforço da identidade europeia” (artigo 7.º, n.º 5, da CRP), mas ainda o cumprimento leal do
dever que as gerações presentes assumem perante as gerações futuras, dever esse que se traduz em impedir
a existência de uma dívida pública que, onerando e pré-determinando as suas escolhas, diminua a capacidade
que não podem deixar de ter essas mesmas gerações de se conduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos
artigos 1.º e 2.º da Constituição.
As exigências decorrentes deste último ponto, que diz respeito ao cumprimento leal do contrato entre
gerações que a subsistência da ordem constitucional portuguesa (como a de qualquer outra) pressupõe,
fazem-se sentir de forma ainda mais premente na necessidade, também invocada na exposição de motivos da
proposta apresentada à Assembleia, de encontrar soluções para o problema da sustentabilidade do sistema
de segurança social, sobretudo na sua vertente de sistema previdencial.
Na verdade, um modelo jurídico que rigidamente mantenha, neste domínio, as soluções pensadas pelo
Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato injusto entre as gerações atuais de beneficiários do
sistema previdencial e as gerações que compõem, no presente, a população ativa portuguesa, e que, através
das suas “quotizações” e “contribuições”, garantem na atualidade o financiamento do modelo previdencial tal
como ele existe. Numa circunstância histórica em que constrangimentos de ordem económica (a perda de
receitas desse mesmo sistema, causada pelo aumento do desemprego e pelos fluxos migratórios) e
constrangimentos de ordem demográfica (o aumento de esperança média de vida e a diminuição da
natalidade) determinam o desequilíbrio financeiro de um sistema que foi concebido, enquanto sistema
harmonioso e justo, num diferente contexto, há que ter em linha de conta que a proteção da confiança
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daqueles que modelaram os seus planos de vida em função de um Direito em certo momento vigente se não
pode fazer a qualquer preço. Sobretudo, não pode deixar de ser contrabalançada com as incertas
“expectativas” que, pela natureza das coisas, detêm as gerações presentes de trabalhadores e contribuintes
em virem mais tarde a beneficiar do mesmo sistema. Tanto bastaria para que, prima facie, se justificasse que,
através da consideração da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acréscimo de esforço
para a manutenção do modelo de solidariedade social do qual beneficiam, modelo esse que não pode deixar
de conter equilíbrios justos no trato entre as diferentes gerações.
A este argumento, que revela só por si o peso dos “direitos e interesses constitucionalmente protegidos”
que são contrapostos aos direitos lesados, justificando portanto, na ótica do autor da norma, a sua afetação,
acresce um outro.
Como vimos, não se encontra na disponibilidade do legislador ordinário determinar se existe ou não existe
um “sistema de segurança social” que proteja os cidadãos na velhice e em outras situações de “falta ou
diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”. Como lhe não cabe determinar se
incumbe ou não ao Estado organizar e coordenar esse sistema, enquanto primeiro responsável pelo, e garante
último do, seu funcionamento. Estas decisões não se encontram à disposição do legislador ordinário porque
foram já tomadas pela Constituição no seu artigo 63.º.
Daqui decorre que, perante os desequilíbrios tão manifestos de um sistema de segurança social que, a
manter-se tal como está, poderá obrigar a República a incumprir as obrigações de disciplina orçamental que
assumiu face aos seus parceiros na União Europeia – o que, por seu turno, poderá implicar que os interesses
e os direitos constitucionalmente protegidos das gerações futuras sejam sacrificados à satisfação dos direitos
e interesses (também constitucionalmente protegidos) das gerações presentes –, o legislador ordinário tem,
face à Constituição, o poder de modificar o sistema, adequando-o às presentes exigências históricas. É o que
resulta do artigo 63.º da CRP, na medida em que aí se determina que não poderá deixar de existir entre nós
uma qualquer forma sistémica e pública de organização da segurança e solidariedade social.
Na perspetiva apresentada pelo proponente do decreto da Assembleia da República, na sua exposição de
motivos, a medida de redução definitiva de pensões cumpre este último desiderato, imposto pela CRP.
Por isso, e voltando ao contexto próprio do método da ponderação atrás enunciado e fixado pelo Tribunal
desde o Acórdão n.º 287/90, desde já se deixa ficar claro que a medida não é arbitrária e mostra-se antes
como uma medida inteligível. Resta porém saber – pois que esta é a específica tarefa que, nos termos do
artigo 221.º da CRP, compete indeclinavelmente ao Tribunal Constitucional – se não será ela excessivamente
onerosa para as pessoas afetadas, ao ponto de, por isso, se não poder concluir que sejam no caso
prevalecentes os direitos e interesses constitucionalmente protegidos que justificam a afetação.
D. A pronúncia sobre as disposições do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República
25. Segundo a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, “a participação de Portugal na União
Europeia e na área do euro obriga ao cumprimento de requisitos exigentes em matéria orçamental, plasmados
no TFUE, no protocolo, e nos regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda
no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária”.
Com efeito, o Tratado da União Europeia estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 4, a união económica e
monetária cuja moeda é o euro como um dos objetivos da União, objetivo que vai ser desenvolvido, nos
artigos 119.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, bem como nos Protocolos n.º
4 relativo ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e n.º 12 sobre o procedimento de défices excessivos, assim
como em disposições de direito derivado da União Europeia.
Ora, uma das principais obrigações dos Estados-membros neste domínio é a de evitar défices orçamentais
excessivos (artigo 126.º, n.º 1, do TFUE), competindo à União Europeia, através da Comissão, acompanhar a
evolução da situação orçamental e do montante da dívida pública nos Estados-membros, a fim de identificar
desvios importantes. Nos termos do artigo 1.º do mencionado Protocolo n.º 12, o défice orçamental deve
respeitar os valores máximos de referência de 3% do Produto Interno Bruto a preços de mercado e 60% para
a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de mercado.
Estas normas de direito originário têm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas através de regras de
direito derivado, designadamente, regulamentos, dos quais se devem destacar, desde logo, os Regulamentos
que integram o Pacto de Estabilidade e Crescimento que prevê medidas de supervisão e coordenação das
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políticas económicas, em particular o artigo 2.º-A, da Secção 1-A, do Regulamento CE n.º 1466/97 do
Conselho, de 7 de julho, que previa como objetivo económico de médio prazo um rácio máximo de 3% do PIB
para o défice orçamental e o Regulamento CE n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre o procedimento
relativo aos défices excessivos.
Estas normas foram alteradas e completadas, na sequência da crise das dívidas soberanas, por um
conjunto de diplomas que integram o chamado “Sixpack”, pacote legislativo europeu de 2011 sobre matéria
orçamental. A estas normas somou-se o denominado “Twopack” que integra dois regulamentos de 2013.
Tratando-se de normas de Direito da União Europeia quer sejam de direito originário ou de direito derivado,
vinculam o Estado Português, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição.
Já a natureza do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária
(vulgarmente designado como Tratado Orçamental), assinado, em 2 de março de 2012, pelos Chefes de
Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia (com exceção do Reino Unido e da República
Checa) é diferente. Tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, após a ratificação por 16 Estados-
membros, 12 dos quais pertencentes à área do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforçar a disciplina
orçamental através da introdução de medidas que garantam uma maior fiscalização e uma resposta mais
eficaz face à emergência de desequilíbrios. O seu principal objetivo, como se afirma no preâmbulo, é a
adoção, com a maior celeridade possível, por parte dos Estados- membros da área do euro, de regras
específicas, de natureza económica e orçamental, incluindo uma "regra de equilíbrio orçamental" e um
mecanismo automático para a adoção de medidas corretivas, que conduzam a um cumprimento mais estrito
dos critérios quantitativos introduzidos pelo Tratado de Maastricht, nomeadamente, os respeitantes ao défice
máximo e ao limite de 60% do PIB para a dívida pública.
Não sendo este o local próprio para uma análise detalhada daquele Tratado, deve, todavia, notar-se o
seguinte:
i) várias disposições do Tratado têm origem em normas de direito derivado da União Europeia ou,
entretanto, passaram a fazer parte dessas normas;
ii) o Tratado Orçamental não integra o ordenamento jurídico da União, pelo que não beneficia do estatuto
que o n.º 4 do artigo 8.º da CRP confere ao direito da União Europeia;
iii) o Tratado é aplicável na medida em que for compatível com o Direito originário e derivado da União
Europeia;
iv) as regras relativas ao “Pacto Orçamental” foram integradas no direito interno português através da Lei
n.º 37/2013, de 14 de junho, que introduziu alterações à Lei de Enquadramento Orçamental.
Acrescente-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de défice excessivo (cfr. artigo
126.º, n.º 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas várias recomendações por parte do Conselho,
tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisa de redução do défice para 2,5 % do PIB em 2015.
Independentemente da vinculatividade ou não destas recomendações, a verdade é que elas não impõem a
Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesa pública e/ou para redução do défice,
antes se limitando a enunciar os objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos,
por força das normas indubitavelmente vinculativas da União Europeia, quais sejam as de direito originário e
de direito derivado, acima citados. Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da União Europeia
neste domínio não se refere aos meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou as metas
que lhe são impostos.
Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a
prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as normas da União Europeia não tem
consequências do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais. Pelo contrário, num sistema
constitucional multinível, no qual interagem várias ordens jurídicas, as normas legislativas internas devem
necessariamente conformar-se com a Constituição (competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo com a
Constituição Portuguesa, administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais (cfr. artigo 221.º da CRP)).
Aliás, o próprio direito da União Europeia estabelece que a União respeita a identidade nacional dos seus
Estados-membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr.
artigo 4.º, n.º 2, do TUE).
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Sublinhe-se, por último, que neste domínio não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o
Direito Constitucional Português. Efetivamente os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade
e da proteção da confiança que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da
constitucionalidade das normas internas relativas a matérias conexas com as que se apreciam nos presentes
autos fazem parte do núcleo duro do Estado de Direito, integrando o património jurídico comum europeu, a
que a União também está vinculada.
Dito isto, há que voltar a realçar que é tarefa indeclinável do Tribunal Constitucional português exercer a
competência que o artigo 221.º da Constituição lhe confere.
26. A medida contida no Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República implica uma alteração significativa
na configuração do sistema previdencial da segurança social portuguesa, sobretudo no ponto em que
determina, no seu artigo 4.º, sob a epígrafe “[c]álculo da contribuição de sustentabilidade”, uma redução do
montante de pensões já em pagamento, a título definitivo, e, portanto, sem qualquer perspetiva de
temporalidade.
Trata-se, por outro lado, de uma limitação do princípio do benefício definido, enquanto princípio
estruturante do modelo de formação do direito à pensão, depois de ele ter sido legitimamente adquirido pelo
seu titular.
É certo que essa medida não aparece isolada. Como já se referiu, o decreto da Assembleia institui um
regime que é completado por outros mecanismos, constantes dos artigos 7.º, 8.º, 10.º e 11.º do decreto, que
pretendem estender o esforço de “sustentabilidade” do sistema, não apenas aos seus contribuintes atuais
(através das alterações marginais à contribuição dos trabalhadores para os sistemas de previdência social),
mas ainda à sociedade no seu todo (através das alterações marginais à taxa normal do Imposto sobre o Valor
Acrescentado). O que aparentemente poderia demonstrar a preocupação do legislador por exigências de
justiça intergeracional.
Todavia, poderá dizer-se que o essencial da escolha política que o decreto contém se cifra na fixação das
taxas correspondentes à «contribuição de sustentabilidade» fixadas no artigo 4.º. E essa fixação equivale
indiscutivelmente a uma medida definitiva de redução das pensões já em pagamento.
O caráter fortemente «retrospetivo» desta medida já foi antes salientado. Por isso mesmo, salientada
também foi a consistência particular que no caso adquire a necessária tutela da confiança das pessoas
afetadas, titulares de direitos já «formados», e valorados – nos termos já descritos – pela Constituição.
A intensidade com que esta confiança merece ser protegida não pode ser tida, pelo Direito, como algo de
meramente instrumental face à defesa de certos e determinados direitos subjetivos. Não está em causa um
mero instrumento que sirva apenas para a afirmação de posições jurídicas detidas por um certo grupo da
sociedade portuguesa. Está em causa, mais do que isso, o cumprimento de um princípio objetivo, decorrente
de escolhas de valor que estruturam toda a ordem constitucional (artigos 2.º e 63.º) e, que por isso mesmo,
interessam à comunidade no seu todo. Nessa medida, qualquer alteração legislativa que se pretenda introduzir
no modelo previdencial português não pode deixar de ter em conta esse elemento de ponderação, que
objetivamente vincula o legislador.
Note-se, por outro lado, que a alteração legislativa é apresentada num quadro de uma acentuada incerteza.
Desde logo porque a medida, em si mesma, põe em causa – em termos que serão melhor desenvolvidos
adiante - o princípio da contributividade e a tendencial correspetividade entre as contribuições que o
beneficiário efetua e o montante de pensão de que poderá usufruir após a passagem à situação de reforma, o
que torna particularmente difícil que as pessoas saibam com o que podem contar relativamente ao destino que
irá ser dado às contribuições que, por imposição da lei, presentemente realizam para sustentar o sistema da
previdência social.
27. Perante os quadros gerais do atual sistema previdencial de segurança social, que foi definido num outro
contexto histórico, e cuja subsistência no presente momento, sem qualquer modificação, poderá suscitar
dificuldades de sustentabilidade das finanças públicas e do próprio sistema de pensões e colocar a República
em situação de incumprimento perante as suas obrigações europeias e das suas obrigações perante gerações
futuras, não pode deixar de reconhecer-se a necessidade de uma reforma do sistema.
O cumprimento desta necessária tarefa não tem, evidentemente, que ser levado a cabo por um só ato ou
de uma só vez. É, no entanto, dificilmente compreensível que a implementação de medidas como as previstas
no Decreto da Assembleia da República n.º 262/XII, implicando uma mitigação radical do princípio do benefício
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definido e um forte impacto nas posições jurídicas subjetivas dos pensionistas – ainda que deva ser
completada por outras iniciativas legislativas – tenha sido adotada no âmbito de um procedimento parlamentar
prioritário e urgente, de tal modo que a proposta de lei, tendo sido apresentada ao Parlamento em 12 de junho,
foi aprovada na generalidade no dia 27 seguinte - a que se seguiu um escasso período de audições públicas
que decorreram apenas durante 21 dias -, e culminou com a aprovação final em 25 de julho.
Poderá reconhecer-se que, sendo de interesse vital para a sociedade portuguesa a resolução do problema
que o Decreto n.º 262/XII procurou [aparentemente] começar a solucionar, ele mereceria um debate exigente,
dificilmente compatível com a celeridade que se imprimiu ao procedimento legislativo; mas, ainda que tal
aconteça, o reconhecimento do défice procedimental não pode ser objeto de censura jurídico-constitucional.
Por outro lado, o Tribunal não dispõe de meios que lhe permitam afirmar prima facie que o legislador não
prosseguiu, ainda que através de um processo excessivamente célere, os fins de interesse público que visava
realizar, nem poderá pronunciar-se sobre a futura calendarização (e efetiva realização) de outras iniciativas
legislativas que se venham a incluir na reforma do sistema de segurança social.
28. Não restam dúvidas – face a todo o anterior percurso argumentativo – que a escolha política essencial
contida nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia, implicando a redução do montante de
pensões em pagamento, afeta fortemente posições jurídicas subjetivas dotadas de intensa tutela
constitucional. E ficou ainda claro que a necessidade de tal tutela, determinada pelo valor de segurança
jurídica contida no artigo 2.º da CRP, não é igualmente satisfeita pela incerteza decorrente do regime contido
nesses artigos (artigo 2.º e 4º).
A questão é, porém, a de saber se o Tribunal, tendo em conta a intensidade grave com que são lesadas
exigências de segurança jurídica e de tutela da confiança legítima das pessoas [na continuidade do Direito],
está contudo em condições de afirmar que os direitos e interesses também constitucionalmente consagrados,
e invocados para justificar tal lesão, não prevalecem sobre os direitos e interesses sacrificados.
Para dar resposta a esta questão o tribunal entende formular as seguintes ponderações.
29. A contribuição de sustentabilidade agora instituída como uma medida estrutural de reforma do sistema
de segurança social - e, por isso mesmo, caracterizada como uma redução definitiva do montante de pensões
já atribuídas - é uma medida similar à antiga contribuição extraordinária de solidariedade (CES) prevista no
artigo 78.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro), e reproduzida
no artigo 76.º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), entretanto
reformulada pela primeira alteração a essa lei (Lei n.º 13/2014, de 14 de março), e que provinha já, ainda que
com diferente base de incidência quanto à taxa aplicável e ao universo dos destinatários, das leis que
aprovaram os orçamentos do Estado para 2011 e 2012 (artigos 162º, n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro, e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).
O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da contribuição
extraordinária de solidariedade, tal como se encontrava configurada na Lei do Orçamento de Estado para 2013
e no Orçamento Retificativo para 2014 (Lei n.º 13/2014), considerou que, em qualquer dos casos, essa era
uma medida de natureza orçamental destinada a vigorar durante um ano e revestia uma natureza excecional e
transitória diretamente relacionada com os objetivos imediatos de equilíbrio orçamental e sustentabilidade das
finanças públicas, e apenas nesse pressuposto é que legitimou a sua conformidade constitucional à luz dos
parâmetros decorrentes do princípio da proteção da confiança e do princípio da proporcionalidade (Acórdãos
n.os
187/13 e 572/14).
A diferença específica que pode detetar-se entre a contribuição de sustentabilidade e a contribuição
extraordinária de solidariedade, para além do já referido aspeto atinente ao seu âmbito material e temporal,
reside no desagravamento das taxas de redução da pensão, o que levou o proponente da norma a declarar,
na exposição de motivos que acompanhou a correspondente proposta de lei, que «os pensionistas terão um
rendimento superior àquele que resultava da aplicação da CES, recuperando, assim, substancialmente, poder
de compra».
De facto, como já foi assinalado, na contribuição de sustentabilidade, a taxa efetiva é de 2% para pensões
até € 2000, de 2% a 3,5% para pensões entre € 2000 e € 3500, e de 3,5% para pensões acima de € 3500, ao
passo que na CES, na parte que agora interessa considerar (isto é, nas pensões de montante inferior a 11
vezes o IAS), a taxa era de 3,5% sobre as pensões de valor mensal entre €1350 e €1800 (que passou a incidir
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posteriormente sobre pensões a partir de € 1000), de 3,5% a 10% sobre pensões de valor mensal entre €
1800,01 e € 3750, e de 10% sobre as pensões de valor mensal superior a € 3750.
Simplesmente, não é o mero desagravamento das taxas aplicáveis que transforma uma medida típica de
disciplina orçamental destinada a obter no imediato uma poupança na despesa pública (como era o caso da
CES) numa medida estrutural que vise assegurar a sustentabilidade do sistema público de pensões a médio e
longo prazo. Além de que nada garante que o legislador – como sucedeu no passado recente relativamente à
CES – venha a alterar a base de incidência da contribuição de sustentabilidade, mediante a alteração da taxa
aplicável ou do limiar mínimo a partir do qual há lugar à redução da pensão.
30. Acresce que não é pela articulação de uma medida de redução de despesa com outras medidas
paralelas de aumento de receita – como é o caso do adicional à quotização dos trabalhadores para os
sistemas de previdência social e do adicional à taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA),
previstas nos artigos 7.º, 8.º e 10.º do Decreto – que é possível conferir à contribuição de sustentabilidade o
sentido de uma medida diretamente vocacionada para a sustentabilidade do sistema de pensões.
O aumento do IVA e das contribuições dos trabalhadores no ativo são, por natureza, medidas conjunturais
que o legislador poderá reverter numa qualquer outra oportunidade, de acordo com critérios económicos que
respeitem especificamente à política tributária ou à política de emprego, e que apenas se manterão
consignadas à segurança social ou à Caixa Geral de Aposentações enquanto puderem subsistir no
ordenamento jurídico como fontes específicas de financiamento do sistema. As quotizações dos trabalhadores
e as receitas fiscais legalmente previstas são expressamente mencionadas na Lei de Bases da Segurança
Social como fontes de financiamento do sistema se segurança social (artigo 92.º, alíneas a) e d), da Lei n.º
4/2007) e não representam mais do que uma forma de ampliação dos recursos financeiros que devam ser
alocados às despesas de funcionamento da segurança social, possuindo, por isso, apenas, um efeito
orçamental.
Por seu turno, a contribuição de sustentabilidade haveria de revestir a natureza de uma medida estrutural
dirigida à sustentabilidade do sistema de pensões em função dos termos em que ela própria se encontrasse
concebida e não apenas por mera associação a mecanismos de diversificação de fontes de financiamento,
quando é certo que essa diversificação, por qualquer das formas possíveis, constitui em si mesma a mera
concretização de um princípio geral de obtenção de recursos financeiros para a segurança social que tem
expressa consagração legal (artigo 88.º da Lei de Bases da Segurança Social).
Por outro lado, contrariamente ao que vem afirmado na exposição de motivos da proposta de lei que
originou o Decreto 262/XII, não é esse o padrão que é possível extrair do acórdão n.º 862/13. Este aresto
pronunciou-se pela inconstitucionalidade de disposições que previam a redução e recalculo do montante de
pensões dos atuais beneficiários da CGA por considerar que os critérios de revisão das pensões a observar
teriam de recolocar num plano de igualdade todos os beneficiários dos dois sistemas públicos de pensões, só
desse modo se podendo assegurar o respeito pela justiça intrageracional e justificar os sacrifícios que fossem
impostos à luz do princípio da tutela da confiança. O acórdão apontou, nesse contexto, para a ideia de que a
violação das expectativas em causa só se justificaria no quadro de uma solução sistémica e estrutural que
fosse suficientemente abrangente. Não é seguramente essa a situação quando uma estrita medida de redução
de pensões, sem ponderação de outros fatores, vem simplesmente acompanhada de medidas conjunturais de
aumento de receita, ainda que por essa via se proporcione que outros estratos da sociedade contribuam para
o orçamento da segurança social.
31. Ainda neste plano de análise, importa notar que o desagravamento da taxa aplicável, por referência à
antiga CES, não é uniforme e é mais acentuado nas pensões entre € 3750 e € 4611,42 (correspondente a 11
vezes o IAS), em que a taxa baixa de 10% para 3,5%, do que nas pensões entre € 1000 e € 1800, em que a
taxa baixa apenas de 3,5% para 2%. A que acresce a aplicação de um diferente critério de progressividade. A
taxa é fixa nas pensões até € 2000 (2%) e nas pensões superiores a € 3500 (3,5%) e progressiva nas pensões
entre € 2000 e € 3500 (em que a taxa varia entre 2% e 3,5%).
O que bem demonstra que o legislador, mais do que introduzir uma condição de sustentabilidade que vise
reduzir de modo uniforme e coerente o montante das pensões a pagar, em termos de satisfazer no futuro os
encargos relativos aos beneficiários do sistema publico de pensões, pretendeu antes obter uma maior
poupança de despesa no curto prazo, afetando mais gravosamente, em termos relativos, as pensões que se
situam em escalões intermédios e a que possa corresponder um maior número de pensionistas.
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Uma solução similar foi adotada na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 33.º), no que se refere à
redução remuneratória dos trabalhadores que auferem por verbas públicas, em que houve lugar à aplicação
de uma taxa progressiva nas remunerações até € 2000 (de 2,5% a 12%), em termos de este último escalão
sofrer a incidência do limite percentual máximo do corte, em contraponto com a sujeição das remunerações
mais elevadas a uma redução proporcional, decorrente da aplicação da taxa fixa de 12%, tendo como
consequência um desequilíbrio na proporção do sacrifício que é imposto aos titulares de remunerações
situadas entre € 1500 e € 2000 por referência aos que auferem vencimentos mais elevados.
A alteração de incidência da taxa de redução remuneratória tinha, nesse caso, o declarado objetivo de
introduzir uma alteração da política salarial na Administração Pública e não agravar a fraca competividade das
remunerações públicas do Estado relativamente ao setor privado para grupos com maiores qualificações e
responsabilidade, por se tratar de grupos aos quais as condições oferecidas são menos competitivas que as
do setor privado (Relatório do Orçamento do Estado para 2014).
Apreciando, em fiscalização sucessiva essa disposição, o Tribunal considerou que essa é uma norma, que,
mesmo tendo em conta assumir uma natureza transitória e prevalecentemente destinada a promover o
reequilíbrio orçamental numa conjuntura de emergência financeira, acaba por acentuar relativamente a níveis
remuneratórios intermédios o caráter desproporcional da redução salarial no confronto com titulares de outros
rendimentos (acórdão n.º 413/2014).
Esse mesmo julgamento é válido, por maioria de razão, para disposições que, visando instituir uma
condição de sustentabilidade do sistema público de pensões, se dirigem, não a pessoal da Administração
Pública no ativo, mas a pessoas que terminaram já a sua atividade profissional e se encontram agora a
usufruir o direito a prestações de proteção social por velhice que está diretamente relacionado (numa relação
sinalagmática) com a sua carreira contributiva para a segurança social (artigo 54.º da Lei de Bases da
Segurança Social).
De facto, não faz sentido relativamente ao pagamento de pensões, em que releva o princípio da
contributividade e do benefício certo, definir os índices de progressividade para a taxa de redução de pensões
em função do resultado financeiro que possa ser obtido (e, portanto, com base num efeito meramente
orçamental) e, desse modo, permitir a aplicação de um regime de progressividade diferenciada para os
diversos escalões de pensões que necessariamente põe em causa a própria equidade interna do sistema.
32. Por outro lado, a aplicação de uma taxa progressiva, variável em razão do montante da pensão, ainda
que apenas em relação a certos escalões, é totalmente alheia às contribuições que os titulares das pensões
outrora realizaram. É certo que se poderá argumentar (como se fez nos Acórdãos n.os
187/2013 e 862/2013)
que, assentando o nosso sistema previdencial numa “lógica de repartição” (pay as you go) e não numa “lógica
de capitalização”, não existe uma correspetividade necessária entre o quantum com que no passado se
contribuiu para o sistema e o quantum que dele, enquanto beneficiário, no presente se recebe, podendo
apenas falar-se numa correspetividade tendencial por efeito da relação direta estabelecida entre a obrigação
legal de contribuir e o direito às prestações. É aliás esse o traço essencial de um modelo de segurança social
que assenta no princípio da solidariedade e da responsabilização coletiva (artigo 8.º da Lei de Bases da
Segurança Social). Contudo, se se considerar que o mesmo modelo, com essa mesma fisionomia, se centra
também no princípio da contributividade, dependendo aliás a sua sobrevivência do cumprimento, por parte dos
contribuintes atuais, das suas obrigações de contribuir, torna-se difícil considerar que é jurídico-
constitucionalmente irrelevante que as reduções definitivas do montante das pensões já em pagamento se
efetuem através de meios que se mostram totalmente indiferentes aos esforços contributivos outrora realizado
pelos beneficiários. E isto por duas ordens de razões: primeira, porque tal indiferença torna particularmente
incerta a coerência de um sistema que continua a assentar, de acordo com o artigo 90.º da Lei de Bases, em
presentes contribuições da faixa ativa da população; segunda, porque tal indiferença implica que se ignorem
as consequências decorrentes da vigência, durante décadas, do princípio contributivo, segundo o qual a
realização das contribuições era, não só condição necessária da aquisição do direito à pensão mas, ainda
mais, critério orientador da determinação do seu quantum.
Ora, a determinação do cálculo da contribuição de sustentabilidade através da aplicação de uma taxa
progressiva de redução ao montante das pensões constitui um desvio ao princípio da contributividade (que
tem pressuposto, como se afirmou, uma relação direta entre a obrigação de contribuir e o direito às
prestações).
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De facto, a progressividade da taxa (e sobretudo a progressividade variável em função do escalonamento
das pensões) determina que a carreira contributiva dos pensionistas afetados passe a ter um reflexo
diferenciado, comparativamente com outros pensionistas sujeitos a uma taxa fixa, no montante total da pensão
que vier a ser atribuída por efeito da aplicação da contribuição de sustentabilidade. Com a consequência de
ocorrer também uma diferente valoração, em termos contributivos, dos tempos de trabalho que devem ser
contabilizados para o cálculo da pensão.
33. A contribuição de sustentabilidade, tal como se encontra caracterizada nos artigos 2.º e 4.º do Decreto
n.º 262/XII, coloca ainda um problema de igualdade entre pensionistas no ponto em que incide sobre todas as
pensões pagas por um sistema público de pensões, mediante a aplicação de uma taxa pré-definida,
independentemente de esses pensionistas se encontrarem em situação distinta por efeito de terem sido objeto
de anteriores reformas do sistema com reflexo no cálculo e valor da pensão já em pagamento.
Como se explanou no Acórdão n.º 188/2009 e, mais recentemente, no Acórdão n.º 862/13, a sucessiva
legislação sobre o sistema de pensões foi impondo gradualmente condições mais gravosas para os
subscritores e beneficiários quer do sistema previdencial da CGA quer do regime geral da segurança social.
No primeiro caso, interessa considerar a Lei n.º 1/2004, de 15 de janeiro (artigo 53.º), que deduziu à
remuneração relevante para o cálculo da pensão a percentagem de quota para efeitos de aposentação e de
sobrevivência, implicando que a taxa de substituição - que traduz a relação existente entre o valor da primeira
pensão e o valor da última remuneração – tenha sido reduzida de 100% para 90%, originando uma redução de
10% com reflexos em igual medida no valor da pensão.
Depois, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, que fez cessar, a partir de 1 de janeiro de 2006, a inscrição
de subscritores na CGA, remetendo o pessoal que inicie funções na administração pública a partir dessa data
para o regime geral da segurança social (artigo 1.º), e, consequentemente, introduziu uma nova fórmula de
cálculo das pensões, que passou a ser composta por duas parcelas, uma para o tempo de serviço prestado
até 31 de dezembro de 2005 (P1) – em que intervém a remuneração mensal relevante nos termos do Estatuto
da Aposentação - e outra para o tempo posterior a essa data (P2) – em que a remuneração de referência é
apurada segundo o regime da segurança social (artigo 5.º).
Posteriormente, a Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que adaptou o regime da CGA ao regime geral de
segurança social em matéria de aposentação e cálculo de pensões, mediante a alteração do artigo 5.º da Lei
n.º 60/2005, introduzindo o fator de sustentabilidade no valor da pensão e fixando o limite máximo da pensão,
fazendo-o corresponder a 12 vezes o indexante dos apoios sociais.
E ainda a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que, mediante a alteração do artigo 5.º da já referida Lei
n.º 60/2005, passou a reportar a remuneração de referência da P1, não à última remuneração, como constava
da redação originária desse preceito, mas à remuneração percebida até 31 de dezembro de 2005 (artigo 80.º).
Finalmente, a Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que, através de nova redação dada ao mesmo artigo 5.º da
Lei n.º 60/2005, reduziu a remuneração a considerar para a primeira parcela (P1) a 80% da remuneração
mensal relevante nos termos do Estatuto da Aposentação e determinou a aplicação, nas pensões atribuídas
pela CGA, do fator de sustentabilidade correspondente ao ano de aposentação de acordo com o regime que
vigorar para sistema previdencial da segurança social.
Em todas estas situações de agravamento do montante da pensão, o legislador atribuiu apenas efeitos
para futuro (artigos 1.º da Lei n.º 1/2004 e 80.º, n.º 2, da Lei n.º 66-B/2012) ou criou direito transitório,
estabelecendo uma cláusula de salvaguarda de direitos de modo a assegurar que os subscritores que já
reunissem as condições para aposentação à data da entrada em vigor da lei pudessem aposentar-se pelo
regime anteriormente aplicável (artigo 7.º da Lei n.º 60/2005) e que as pensões que estivessem a ser
abonadas não sofressem qualquer redução de valor (artigo 7.º da Lei n.º 52/2007).
Também no âmbito do regime geral da segurança social, foram sendo introduzidas reformas que
intentaram reformular o método de cálculo das pensões em termos menos favoráveis aos beneficiários.
Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de setembro (ainda na vigência da Lei de Bases do
Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 24/84, de 28 de agosto), preconizou, entre outras
medidas, que fosse tomado em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos
dos últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprimisse de forma mais ajustada o último
período de atividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e artigo 33.º, n.º 1).
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Posteriormente, a Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto), passou a
ditar que «o cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e progressivo, ter por base os
rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º 3) disposição depois
regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, de 19 de fevereiro, que produzia efeitos desde 1 de janeiro de
2002 (artigo 23.º), que, tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos em formação, veio
garantir aos beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos regimes jurídicos o
montante de pensão que lhes seja mais favorável.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, em execução da Lei de Bases da Segurança Social
de 2007 (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), concretiza a aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo
das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 35/2002, através da eliminação da garantia da atribuição da
pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de
cálculo, e por via da aplicação, em substituição, de uma fórmula proporcional que permite entrar em linha de
conta com as antigas e as novas regras de cálculo e em que intervém um aumento progressivo do peso
relativo da carreira contributiva no apuramento do montante da pensão (artigo 33.º).
Deste modo, a determinação do montante da pensão, no regime geral de segurança social, através da
remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em
consonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes
inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem
inscritos a essa data, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de
transição, que ainda se mantêm em vigor.
A Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, veio entretanto instituir, pela primeira vez, a aplicação ao montante da
pensão estatutária calculada nos termos legais, um fator de sustentabilidade relacionado com a evolução da
esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às modificações resultantes das alterações
demográficas e económicas (artigo 64.º), que foi depois regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10
de maio (artigo 35.º) e adaptado ao regime da CGA pela já referida Lei n.º 52/2007. Mas, à semelhança do que
ocorreu no âmbito da proteção social da função pública, o fator de sustentabilidade não foi aplicado às
pensões do regime da segurança social cujo pagamento se iniciou até 31 de dezembro de 2007 (artigo 114.º,
n.º 2).
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, mediante a alteração dos artigos 20.º e 35.º
daquele outro diploma, modificou a forma de cálculo do fator de sustentabilidade, alterando o ano de
referência inicial da esperança de vida aos 65 anos para o ano 2000, e, com base nesse fator, estabelece uma
nova idade normal de acesso à pensão de velhice, com efeitos apenas em relação às pensões que sejam
requeridas após a data da entrada em vigor do Decreto-Lei.
Verifica-se, por conseguinte, que existem ainda hoje pensionistas do regime da proteção social
convergente que auferem pensões com base numa taxa de substituição de 100%, e que são, por isso,
superiores à remuneração de referência que é paga ao pessoal no ativo – por não terem sido abrangidos pelo
regime decorrente da Lei n.º 1/2004 –, e que não foram sequer afetados pelo fator de sustentabilidade, que
também não foi aplicado às pensões que estivessem a ser abonadas à data da entrada em vigor da Lei n.º
52/2007. Ao passo que outros pensionistas sofreram já a dedução no cálculo da pensão da quota para efeitos
de aposentação, e outros, cumulativamente com essa dedução, suportam ainda a redução da pensão por
efeito da aplicação do fator de sustentabilidade e de outros mecanismos de determinação do cálculo da
pensão (Leis n.os
60/2005 e 66-B/2012).
Paralelamente, no regime geral da segurança social, a determinação do montante da pensão através da
remuneração de referência que represente o total das remunerações de toda a carreira contributiva – em
consonância com o princípio da contributividade – apenas se tornou integralmente aplicável aos contribuintes
inscritos a partir de 1 de janeiro de 2002, sendo que em relação a beneficiários que já se encontrassem
inscritos a essa data, o legislador sempre instituiu cláusulas de salvaguarda e regimes mais favoráveis de
transição, que ainda se mantêm em vigor. Além de que o fator de sustentabilidade, concretizado através do
Decreto-Lei n.º 187/2007, apenas se tornou aplicável às pensões atribuídas a partir de 1 de janeiro de 2008.
O que significa que pensionistas de qualquer dos sistemas públicos (CGA e regime geral da segurança
social) estão em situação mais desfavorável, no que se refere ao cálculo da pensão, em relação a outros que
tenham tido idêntica carreira contributiva com base em idêntica remuneração de referência, apenas porque
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preencheram as condições de reforma ou aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas
do sistema de pensões que entretanto foram implementadas, ou simplesmente porque optaram por manter a
relação laboral – ainda que já dispusessem dos requisitos para a passagem à reforma ou aposentação – até a
um momento e que já se encontravam em vigor esses novos regimes legais.
Ora, a contribuição de sustentabilidade, pretendendo afetar direitos adquiridos e, portanto, pensões já
atribuídas, e produzindo uma redução definitiva das pensões em pagamento, a pretexto de uma alegada
sustentabilidade do sistema, é inteiramente indiferente às situações diferenciadas dos pensionistas que,
apenas porque abandonaram a vida ativa em momentos temporalmente diversos, se encontram já numa
situação mais gravosa por efeito da evolução legislativa em matéria de pensões.
34. Neste condicionalismo, uma tal medida não pode deixar de suscitar sérias dificuldades no plano da
igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional.
Afigura-se que não tem aqui aplicação a ideia – já expressa pelo Tribunal Constitucional em diversas
ocasiões – segundo a qual a alteração legislativa resultante da mera sucessão das leis no tempo (ainda que
relativa a direitos sociais) não afeta, por si, o princípio da igualdade, o que só poderia verificar-se se a nova lei
vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas (veja-se o Acórdão n.º 188/2009 e a
jurisprudência nele citada).
Na verdade, embora estejamos perante uma modificação do tratamento normativo em relação a uma
mesma categoria de situações mas que é determinada por razões de política legislativa que justificam a
definição de um novo regime legal, o certo é que, no presente caso, o legislador pretendeu atingir direitos
constituídos ao abrigo da legislação anterior e com o objetivo declarado de realizar o interesse público de
sustentabilidade do sistema de segurança social.
Se o legislador cria um novo regime legal que se destina a afetar qualquer situação jurídica que se
encontre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pensões já atribuídas), não pode deixar
de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da
medida. Não pode dizer-se, nessa circunstância, que as diferenças de regimes são decorrentes da normal
sucessão de leis. O ponto é que é a nova lei põe em causa o princípio da não retroatividade e passa a aplicar-
se a realidades já anteriormente reguladas, que por via do novo regime legal passam a ser marcadas por um
tratamento desigual.
35. A medida também não resolve qualquer problema no plano da justiça intergeracional, no ponto em que
se não apresenta como um modelo de reforma consistente e coerente em que os cidadãos possam confiar.
E, além disso, acentua a situação de desigualdade, não apenas no que se refere aos atuais pensionistas,
mas também em relação aos atuais contribuintes e futuros beneficiários do sistema de pensões. Basta notar
que a contribuição de sustentabilidade surge como uma medida de redução de pensões de caráter definitivo,
vindo a incidir também sobre os futuros titulares de pensões sem qualquer ponderação dos efeitos gravosos
que as sucessivas modificações do regime de cálculo das pensões e a introdução do fator sustentabilidade –
nos termos que foram já anteriormente explanados – implicam já na determinação do montante da pensão e
até na determinação da idade de acesso à condição de pensionista.
E nesse sentido a contribuição de sustentabilidade é completamente indiferente quer ao esforço
contributivo dos futuros pensionistas quer à redução que a pensão irá sofrer ab initio em consequência dessa
evolução legislativa.
36. Não pode ignorar-se, por outro lado, que o legislador, perante a intensidade da afetação das posições
jurídicas dos particulares, tem um especial ónus de fundamentação. Não basta invocar genericamente um
objetivo de sustentabilidade do sistema público de pensões. É necessário demonstrar que a medida de
redução de pensões, com base na mera aplicação de uma taxa percentual sobre o valor mensal da pensão ou
do somatório das pensões de cada titular, é do ponto de vista objetivo um meio idóneo e apto para a
aproximação ao resultado pretendido e é ainda um meio necessário e exigível, por não existirem outros meios,
em princípio, tão eficazes, que pudessem obter o mesmo resultado de forma menos onerosa para as pessoas
afetadas.
Ora, como vimos, o legislador, no passado recente, adotou já soluções – que, enquadrando verdadeiras
reformas estruturais do sistema – estão especialmente vocacionadas para a sustentabilidade do sistema de
pensões, quer através da alteração do método de cálculo das pensões, quer por via da introdução do fator de
sustentabilidade, como mecanismo de ajustamento automático do valor das pensões e das próprias condições
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de atribuição da pensão à evolução da longevidade. A mera redução do valor da pensão por aplicação de uma
taxa percentual, à semelhança do que sucedeu com a antiga CES, não tem senão um efeito orçamental de
diminuição de despesa a curto prazo sem qualquer capacidade de adaptação a modificações que, no futuro,
resultem de alterações demográficas ou económicas. E a que o legislador apenas poderá responder, no futuro,
na ausência de uma verdadeira reforma estrutural, por via de novas medidas conjunturais de agravamento da
taxa ou de alargamento do universo dos destinatários afetados.
Nestas circunstâncias, o interesse da sustentabilidade do sistema público de pensões, realizado através de
uma mera medida de redução do valor da pensão, sem qualquer ponderação de outros fatores que seriam
relevantes para mitigar a lesão das posições jurídicas subjetivas dos pensionistas – mormente no plano da
igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional e intergeracional –, e desacompanhado também de
uma suficiente justificação que possa esbater as dúvidas quanto à adequação e necessidade da medida, não
pode ser tido como um interesse público prevalecente face à intensidade do sacrifício que é imposto aos
particulares.
Em suma, a contribuição de sustentabilidade, tal como se encontra gizada nos artigos 2.º e 4.º do Decreto
n.º 262/XII, é uma medida que afeta desproporcionadamente o princípio constitucional da proteção da
confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da
República Portuguesa.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do pedido de fiscalização preventiva relativamente às normas do artigo 6.º do
Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República;
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da proteção da confiança ínsito no
princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição, das normas dos artigos 2.º
e 4.º do mesmo Decreto.
Lisboa, 14 de agosto de 2014 – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de
voto) – Catarina Sarmento e Castro (com declaração de voto) – João Cura Mariano – Maria José Rangel de
Mesquita (com declaração de voto) – Pedro Machete – Ana Maria Guerra Martins – João Pedro Caupers –
Fernando Vaz Ventura – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida quanto à alínea b) nos termos da declaração
junta) – Maria Lúcia Amaral (vencida conforme declaração que junto) – José da Cunha Barbosa (vencido pelas
razões constantes da declaração de voto da Conselheira Maria Lúcia Amaral) – Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão, mas apenas com os fundamentos indicados nos números 33 e 34 do Acórdão referentes à
igualdade entre pensionistas tendo como critério de comparação o fator de sustentabilidade.
Efetivamente, a contribuição de sustentabilidade instituída pelas normas questionadas incide sobre
pensionistas cujas pensões já foram afetadas com reduções que visam o mesmo objetivo que é prosseguido
por aquela contribuição. O fator de sustentabilidade, criado pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e
regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, para o regime geral de segurança social e pelo
Decreto-Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, para o regime da CGA, está relacionado com uma das principais
causas da insustentabilidade do sistema público de pensões, como é o caso da evolução da esperança média
de vida. Assim, o valor das pensões estatutárias reconhecidas após 2007 foi ajustado automaticamente à
evolução da longevidade através de um fator definido pela esperança média de vida verificado num
determinado ano de referência – o de 2006 e atualmente o de 2000 -, e a verificada no ano anterior ao início
da pensão. Ora, como este agravamento, que em 2014 corresponde a uma redução da pensão em 12,34%,
não foi aplicado às pensões anteriores a 2008, existe uma evidente desigualdade entre pensionistas quanto ao
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contributo a dar para a sustentabilidade do sistema público de pensões, sendo certo que o aumento da
esperança média de vida é transversal a todos eles.
Essa desigualdade acaba por repercutir-se na contribuição de sustentabilidade, uma vez que não foi
estabelecida qualquer regra que evitasse a dupla penalização dos pensionistas a quem foi (e será) aplicado o
fator de sustentabilidade. Sem eliminar esta desigualdade, aplicando o fator de sustentabilidade a todos os
pensionistas, as medidas que tenham por objetivo a sustentabilidade do sistema suscitarão sempre reservas
quanto à equidade interna do sistema e à justiça intrageracional.
A extensão do fator de sustentabilidade aos atuais beneficiários, independentemente da data da atribuição
da pensão não provoca, a nosso ver, o problema de constitucionalidade que foi levantado no Acórdão n.º
862/2013, relativamente ao regime de convergência de pensões, porque não se trata de um fator que respeite
às condições de atribuição da pensão estatutária, com é o caso da taxa anual de formação da pensão. Apesar
do regime da convergência ter sido apresentado também como uma medida estrutural – alteração da «taxa de
substituição» –, que tinha em vista a sustentabilidade do sistema público de pensões e a justiça
intergeracional, acabava por atingir profundamente as legítimas expectativas de manutenção das regras de
cálculo vigentes à data em que a pensão foi reconhecida, sobretudo quando as normas criadas pelo Estado
garantem que o direito à pensão estatutária fica regulado «definitivamente» no momento em que é
reconhecido. O mesmo não acontece com o fator de sustentabilidade, uma vez que, pelo menos até 2014, não
interferiu na fórmula de cálculo de pensão estatutária, limitando-se a ajustar automaticamente o valor da
pensão à evolução da esperança média de vida.
Lino Rodrigues Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Acompanhei a decisão, no sentido de não tomar conhecimento do pedido relativo às normas do artigo 6.º
do Decreto n.º 262/XII, que cria a Contribuição de Sustentabilidade (CS), bem como quanto à pronúncia de
inconstitucionalidade relativa às normas dos artigos 2.º e 4.º do mesmo Decreto. Subscrevi, no essencial, a
respetiva fundamentação.
2. Ainda assim, por me desviar pontualmente da fundamentação, entendo dever afirmar que, em meu
entender, a CS é uma medida distinta da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), designadamente
(mas não apenas) no que respeita ao universo dos atingidos (v.g., deixa de abranger prestações privadas de
proteção social, exteriores ao sistema público de segurança social). Tendo eu aderido à caracterização que
dela faz o presente Acórdão - enquanto medida que se traduz numa redução, a título definitivo, do valor das
pensões já em pagamento, com um leque de destinatários distinto da CES -, afastei a aplicação da
Constituição fiscal, já que não considero a CS um imposto, ao contrário daquela que foi a minha posição
relativamente à CES.
3. Distancio-me, também, da conceção do presente Acórdão quanto à natureza do direito à pensão
(nomeadamente, quando a esse propósito se remete para alguma jurisprudência anterior).
Por um lado, enquanto prestação substitutiva do rendimento do trabalho, considero que a pensão teria de
receber, pelo menos, uma proteção idêntica à que sustentei relativamente ao salário (por mim considerado
como direito fundamental - Declaração de Voto ao Acórdão n.º 413/2014 e, mais recentemente, ao Acórdão n.º
574/2014 – Processo n.º 818/2014).
Por outro, e essencialmente, a pensão é, em si e por si, objeto de especial proteção constitucional.
Considero, por isso, que a CS afeta negativamente, de forma duradoura, um direito social, com consagração
constitucional expressa no artigo 63.º (direito à segurança social) e 72.º (direito à segurança económica das
pessoas idosas), que é, enquanto tal, um direito fundamental (e não um mero direito derivado a prestações;
sendo, antes, um direito que permite acesso a bens na qualidade de direitos fundamentais, como bem salienta
Reis Novais, «O direito fundamental à pensão de reforma em situação de emergência financeira», www.e-
publica.pt, p. 3). Direito que é resistente à lei, salvo em condições extremas, devidamente fundamentadas. A
posição jurídica protegida pelo direito à pensão é especialmente tutelada quando, como no caso, estamos
perante um direito já consolidado na esfera jurídica do titular (são pensões já em pagamento), e não perante
um direito ainda não constituído. Enquanto direito fundamental, as expetativas de que não sofrerá alteração –
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reduzindo-se a pensão, por exemplo – são ancoradas numa proteção que resulta da sua previsão na
Constituição (mesmo que o seu quantum seja fixado na lei), ou seja, a sua vinculatividade jurídica tem força de
direito fundamental.
Assim sendo, para que uma intervenção restritiva do direito à pensão possa ter lugar – também, quando
afeta o seu quantum, designadamente em virtude da reserva do financeiramente possível - o legislador terá de
respeitar os princípios constitucionais estruturantes, mas terá ainda de apresentar uma justificação
suficientemente robusta, opção que será sindicável pelo Tribunal Constitucional.
4. No caso da CS, o legislador – que tem o ónus da fundamentação - não cumpriu cabalmente o seu dever
de apresentar justificação suficientemente ponderosa para lesar, de modo definitivo – e iníquo - pensões já a
pagamento. Ónus que é particularmente intenso, e sujeito a controlo judicial apertado, por estar em causa um
direito com proteção constitucional.
Não esqueçamos que, como venho repetidamente sublinhando, os destinatários desta medida constituem
um segmento da população que, na sua maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e
dependência (por velhice, invalidez, etc). Por razões atinentes à idade e à saúde, encontrando-se fora do
mercado de trabalho, estes grupos mostram-se incapazes de reorientar a sua vida em caso de alteração das
circunstâncias. Em geral, é uma faixa da população que depende desta prestação social para garantir a sua
independência económica e a sua autonomia pessoal
5. Acresce que, como atesta o Acórdão, o legislador faz ceder este direito fundamental desrespeitando
princípios constitucionais estruturantes (artigo 2.º da Constituição).
Catarina Sarmento e Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanha-se a pronúncia expressa na alínea b) da Decisão do presente Acórdão no que respeita às
normas dos artigos 2.º e 4.º e do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República nos termos que de seguida
se explicitam.
Entende-se que a medida em causa – que, sendo distinta, apresenta pontos de contacto com a
configuração da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) – é normativamente configurada como
uma medida do lado da receita (com as devidas consequência em termos de Imposto sobre as Pessoas
Singulares ou de incidência de contribuições) que, pela sua vigência sem termo e, assim caráter duradouro no
tempo, tem por efeito direto uma redução definitiva do valor nominal de pensões em pagamento.
Distinguindo-se da CES, entre outros, pela sua progressividade menos acentuada em termos de taxas
aplicáveis face aos escalões de pensões definidos e – embora com dúvidas, face ao teor literal do n.º 2 do
artigo 2.º, na parte em que se refere, sem distinção, aos «regimes complementares» (e que não são
expressamente excluídos no artigo 3.º relativo à delimitação negativa do âmbito de aplicação da medida, com
exceção, na sua alínea e), das prestações do regime público de capitalização do sistema complementar) –
pelo caráter menos abrangente em termos de âmbito de incidência, a Contribuição de Sustentabilidade, tal
como a CES, desconsidera totalmente a diversidade de situações subjacentes à qualidade de beneficiário das
prestações afetadas pela medida – elemento determinante para o juízo de inconstitucionalidade da norma do
Lei do Orçamento de Estado para 2013 que previa a CES que formulámos na Declaração de voto aposta no
Acórdão n.º 187/2013 (e reiterámos no Acórdão n.º 572/2014) e, agora também, das normas que consagram a
Contribuição de Sustentabilidade.
Não se acompanha todavia a fundamentação do Acórdão na parte em que se reporta aos Acórdãos n.os
187/2013 e 572/2014 (na parte relativa à CES) e aos Acórdãos n.º 413/2014 (quanto às reduções
remuneratórias) e n.º 862/2013 (quanto à medida de ‘convergência de pensões’) – cfr. n.os
29, 30 e 31 do
Acórdão – na medida em que nos afastámos da respetiva fundamentação e sentido decisório (cfr. Declarações
de voto apostas aos mesmos Acórdãos).
Sem prejuízo do que então se entendeu naquele Acórdão n.º 862/2013 quanto à medida de ‘convergência
de pensões’ (normativamente configurada como uma medida de redução de despesa) – na qual se considerou
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existir ainda, no conjunto, uma vocação ‘estrutural’ (assente na existência de uma diferença, para mais, do
valor das pensões pagas no âmbito do regime de proteção social convergente (CGA) tendo em conta, em
especial, o caráter mais favorável da taxa de substituição) e, em ponderação, a prevalência do princípio da
solidariedade e do interesse público de sustentabilidade do sistema público de pensões prosseguido –, não se
vislumbra, nas normas que instituem a medida ora apreciada, aquela vocação ‘estrutural’ ou elemento de
reforma estrutural – e, assim, orientada para o invocado objetivo de sustentabilidade do sistema público de
pensões –, exatamente pela natureza completamente indiferenciada, nas várias vertentes indicadas no
Acórdão, da Contribuição de Sustentabilidade (que apenas estabelece uma diferenciação, ou progressividade,
das taxas aplicáveis em razão do valor mensal das prestações percebidas a título de pensão).
Maria José Rangel de Mesquita
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei a decisão de não conhecimento do pedido de fiscalização preventiva relativamente às normas do
artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República [alínea a) da decisão].
2. Votei a não inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os
1 e 2 do artigo 2.º e dos n.os
1 a 5 do
artigo 4.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República na linha dos fundamentos já expostos nas
minhas declarações de voto nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 862/2013 (relativo a mecanismos de
“convergência de pensões”) e n.º 572/2014 (relativo à CES, enquanto medida embrionária da reforma em
curso). Na presente declaração de voto reitero essas considerações e adito algumas referentes às normas em
presença.
3. A medida vem fundamentada como necessária para garantir a sustentabilidade do sistema público de
pensões, entre outras motivações. Quanto a essa questão, como se escreveu no voto aposto ao acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 862/2013 (convergência):
«Num contexto de grave crise financeira assume particular acuidade a insustentabilidade do sistema
público de pensões, tendo em conta a insuficiência de meios financeiros necessários ao pagamento das atuais
e futuras pensões, sendo já uma certeza que os futuros pensionistas não poderão auferir os valores
processados nas atuais pensões. Neste contexto, cabe ao Estado, em especial ao Estado-legislador, enquanto
garante de um sistema de segurança social (SS) unificado, encontrar uma solução para o problema, que
dependerá de uma opção sobre a distribuição de sacrifícios e benefícios que pertence primariamente ao
legislador democraticamente legitimado.
Sendo assim, a questão essencial que se coloca ao juiz na apreciação da conformidade constitucional da
solução normativa é a de saber se as implicações financeiras invocadas pelo legislador são suficientemente
relevantes para justificar uma opção legislativa definidora de prioridades na distribuição dos recursos que, por
serem escassos, pode afetar direitos individuais.
Na apreciação da conformidade constitucional de uma tal opção político-legislativa, cabe ao juiz, no
respeito dos limites funcionais ditados pelo princípio da separação de poderes, analisar se a fundamentação
seguida pelo legislador na definição de prioridades merece censura jurídico-constitucional».
4. Vejamos, então:
A CRP consagra o primado da responsabilidade pública em matéria de segurança social (artigo 63.º, n.º 2)
que inclui o dever de financiar um sistema de segurança social. Por sua vez, do artigo 105.º, n.º 1, alínea b),
da CRP, decorre a autonomia orçamental da segurança social, sem prejuízo do caráter unitário do Orçamento
de Estado. A autonomia orçamental exige uma autonomia financeira e nesta assume especial relevância a
componente contributiva do sistema que procura assegurar a auto-sustentabilidade do subsistema
previdencial.
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O sistema deve ser inteiramente autofinanciado devendo as prestações ser custeadas globalmente pelas
contribuições, sem recurso a transferências orçamentais, não constituindo a segurança social um encargo
orçamental financiado por via dos impostos.
Apesar do sistema desenhado pelo legislador ser do tipo contributivo (o valor das pensões de invalidez e
velhice depende do número de anos da carreira contributiva e da remuneração de referência), não existe,
porém, um princípio constitucional da equivalência entre contribuições e montantes da prestação. Nem de
outro modo poderia ser, uma vez que a Segurança Social representa uma função do Estado.
O princípio da contributividade (que tem origem legal) significa que o direito à pensão se adquire mediante
o cumprimento, por parte do seu titular e de outras entidades, de obrigações de contribuição, devidas ao longo
do tempo. De acordo com a interpretação do Tribunal Constitucional, até agora, deste princípio, daqui não
decorre umaequivalência entre contribuições e montantes da prestação, já que o sistema previdencial assenta
em mecanismos de repartição e não de capitalização individual de contribuições. Para além disso, as
contribuições não servem somente para cobrir os encargos com as pensões, mas também demais
eventualidades (aliás, constitucionalmente previstas, como a doença ou o desemprego – artigo 63.º, n.º 3).
Constitui tarefa soberana do Estado a definição das contribuições e prestações, resultando a determinação
do valor das pensões num compromisso entre o princípio contributivo e o princípio distributivo.
Apesar da regra geral estabelecida pelo legislador ordinário (“de cada um segundo a sua remuneração; a
cada um segundo a sua contribuição”) a Constituição deixa-lhe amplo espaço para afeiçoar (ou mesmo
corrigir) este princípio (por ex., estabelecendo pensões mínimas independentes da carreira contributiva), tendo
em conta um fim constitucionalmente protegido. Também o princípio da solidariedade legitima desvios em
relação à correspondência nos montantes. No limite, pode mesmo verificar-se o cancelamento do princípio
contributivo (por ex. através da fixação de “tetos” no valor das pensões), o que a CRP não proíbe, respeitados
que sejam critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Deste modo, a relação entre a contribuição individual e o benefício que cada um retira do sistema varia
necessariamente de contribuinte para contribuinte. É, portanto, meramente relativa a relação entre
contribuições e prestações. Logo, o princípio contributivo não pode ser visto como critério determinante na
avaliação da conformidade constitucional das normas objeto de pronúncia.
5. Impõe-se reconhecer a necessidade de “adequação” do sistema de segurança social aos fatores
económicos e sociais. A sustentabilidade exige a manutenção da “capacidade funcional” do sistema.
Subjacente está uma ideia de justiça intergeracional.
Este princípio da sustentabilidade funda mesmo um dever de intervenção do legislador numa atuação
ponderada com outros princípios como a proteção da confiança, a proporcionalidade e a igualdade. O meu
ponto de partida na aplicação destes princípios às normas trazidas à apreciação do Tribunal, hoje como
sempre, é considerá-las uma restrição de um direito fundamental, por o quantum da pensão se dever
considerar integrado na esfera de proteção do direito à segurança social.
A dimensão coletiva do sistema de Segurança Social pode exigir alterações em ordem a acautelar as
necessidades que se fazem sentir ou que resultam de alteração das circunstâncias (ou pressupostos em que
se baseou a atribuição de pensão). Uma opção que passe por um sistema exclusivamente repartido pelos
contribuintes ativos pode fundar uma injustiça ou mesmo uma desigualdade. Num sistema de repartição como
o português, esta necessidade de alteração (ajustamento) é um elemento que os beneficiários não podem
ignorar.
A confiança não pode ser avaliada apenas numa ótica individual, devendo ser considerados também o
interesse da comunidade e o princípio da justiça intergeracional. De facto, não é só o valor da pensão atribuída
que merece a proteção da confiança. Os cidadãos que agora contribuem também têm uma expetativa tutelável
de que um dia receberão uma pensão suficiente (referente sistémico da proteção da confiança). A
superveniência de profundas alterações demográficas e económicas pode conduzir à injustiça de tratamento
geracional. Assim, apesar de o sistema de Segurança Social assentar na ideia base de que cada geração de
contribuintes (população ativa) financia as pensões da geração de contribuintes precedente (reformados),
certo é que a sua lógica é a de que, em princípio, ele só pode proporcionar as prestações que as contribuições
podem pagar. Perante uma situação deficitária estrutural, e mesmo assegurando mecanismos de garantia
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como o Fundo de Estabilização Financeira, inevitável será encontrar uma solução, que pode passar por
aumentar as contribuições, reduzir as pensões, ou mesmo recorrer a ambas as soluções em simultâneo.
O Decreto n.º 262/XII, contemplando a par da contribuição de sustentabilidade, que atinge apenas uma
minoria de pensionistas e salvaguarda um valor mínimo de pensão (de € 1.000 – o que representa cerca do
dobro do salário mínimo nacional), a consignação da receita resultante do aumento do IVA ao sistema de
pensões e a imputação ao custo técnico da eventualidade de velhice do aumento da taxa contributiva é
justificado pelo poder político como um passo no sentido da sustentabilidade do sistema. Alterados
significativamente os pressupostos em que assentou a determinação do valor das pensões atualmente em
pagamento, chamar os aposentados e reformados a contribuir, em nome da solidariedade e justiça
intergeracional, para a sustentabilidade do sistema público de pensões não se afigura como sendo uma
solução injusta, desproporcionada ou sequer inesperada. Tanto mais porque nenhuma pensão assenta
efetivamente numa contribuição prévia correspondente.
6. O Tribunal Constitucional, no n.º 36 do acórdão, considera a medida como uma mera redução do valor
das pensões, sem ponderação de outros fatores, acompanhada de medidas conjunturais de aumento de
receita. Tenho algumas dúvidas relativamente ao raciocínio desenvolvido. Desde logo tenho dificuldade em
perceber qual é a base argumentativa para se defender que não foram ponderados outros fatores – não creio
que a afirmação possa ser feita desta forma. Por outro lado, não encontro fundamento para considerar que as
medidas de aumento de receita são conjunturais. A revisibilidade e alterabilidade da lei é uma característica
que decorre da sua natureza. Utilizar como argumento para considerar uma medida como conjuntural o facto
de esta poder vir a ser alterada pelo legislador é, pois, insuficiente. Tão-pouco será determinante a inclusão de
normas estruturais relativas à receita para perceber se, de acordo com um juízo de ponderação no âmbito do
princípio da tutela da confiança, o interesse público prosseguido supera o sacrifício exigido.
Isto independentemente da questão da qualificação da Contribuição de Sustentabilidade como redução de
despesa face à qualificação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade como receita – quando ambas as
medidas são estruturalmente idênticas (ou “similares”, de acordo com o acórdão, n.º 29).
Parece-me, sobretudo, de sublinhar o seguinte: uma qualquer medida de alteração do sistema público de
pensões pode estar mal construída, ter deficiências técnicas ou não merecer a concordância subjetiva de
alguém, mas isso não significa que seja inconstitucional. Para isso tem que ser desconforme com a
Constituição.
7. Por fim, cabe abordar a diferença de tratamento assinalada no acórdão resultante da circunstância de a
Contribuição de Sustentabilidade se aplicar indiferenciadamente a pensões calculadas de acordo com regimes
distintos.
De facto, hoje em dia pessoas com idêntica carreira contributiva e com base em idêntica remuneração de
referência recebem pensões com valores diferentes, apenas porque preencheram as condições de reforma ou
aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas do sistema de pensões que entretanto
foram implementadas. No entanto, esse não é um problema de igualdade da presente medida. Em primeiro
lugar, algumas diferenças resultam já de reformas que o Tribunal Constitucional considerou conformes à
Constituição (cfr. o Acórdão n.º 188/2009.).
Acresce que o princípio da igualdade não opera diacronicamente. Como se escreveu naquele acórdão: «É
necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afeta, por
si, o princípio da igualdade. Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento
normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente
iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a
Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição
de um novo regime legal. Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respetivo regime jurídico a
situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade
se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio
da igualdade não opera diacronicamente (Acórdãos n.os
34/86, 43/88 e 309/93, […], e, em matéria
de sucessão de regimes legais de pensões, os Acórdãos n.os
563/96, 467/03, 99/04 e 222/08). (…) Isso não
significa que a igualdade não tenha qualquer proteção diacrónica. O que sucede é que essa proteção apenas
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pode ser realizada através do princípio da proteção da confiança associado às exigências da
proporcionalidade (neste sentido, também, REIS NOVAIS, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais – o
Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10)».
Estas considerações valem, na mesma medida, para o regime objeto de pronúncia: trata-se de uma
alteração legislativa, que opera uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria
de situações, determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo
regime legal, e que adapta o respetivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada
em vigor.
8. Uma nota final quanto à questão da caracterização das medidas trazidas ao Tribunal Constitucional
como “transitórias” (ou seja, conjunturais) ou como “reformas sistémicas” (estruturais).
Concordo que essa caracterização influa no juízo do Tribunal, em especial, na medida em que se encontre
presente na fundamentação do poder político para a adoção da opção legislativa em causa. Mas preocupa-me
que o nível de exigência no escrutínio constitucional da norma perante os parâmetros constitucionais possa
depender, em larga medida, ou por si só, dessa distinção. Por um lado, independentemente desse caráter
estrutural ou conjuntural, os efeitos imediatos para os cidadãos de medidas incidentes sobre prestações
periódicas que integram a sua fonte de rendimento serão necessariamente os mesmos. Por exemplo, afirmar
que a CES não afetou o direito às pensões por ser temporária é dificilmente compreensível pelo cidadão
comum. Por outro lado, a diferenciação baseada no juízo de valor sobre o caráter “sistémico” ou “(a)sistémico”
da medida – por vezes desligado da fundamentação do poder político – cria uma incerteza quanto ao grau de
escrutínio que será aplicado.
Caberá ao Tribunal Constitucional qualificar uma medida como uma “reforma consistente e coerente em
que os cidadãos possam confiar” (n.º 35 do acórdão) para daí retirar consequências ao nível da sua validade
constitucional? Creio ser necessária uma reflexão sobre esta questão.
No imediato, um efeito indesejado desta jurisprudência poderá ser levar o legislador a optar por medidas
transitórias, por estarem sujeitas a um grau de escrutínio menor, que até podem ser mais gravosas para os
cidadãos. Até porque a repetição do “transitório” pode constituir uma via para a permanência.
Maria de Fátima Mata-Mouros
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto ao juízo de inconstitucionalidade pelos seguintes motivos:
1. O direito a receber, em substituição dos rendimentos de um trabalho que no ciclo final da existência
humana se não pode mais prestar, um certo montante de pensão é um direito conformado pela lei ordinária e
não pela Constituição. É a lei que determina quais os pressupostos que devem estar reunidos para que este
direito se constitua, com um conteúdo líquido e certo, na esfera jurídica do seu titular; é a lei que determina a
partir de que momento dele se pode fruir; é nos termos da lei que se determina o montante exato da prestação
que a ele corresponde.
Contudo, tal não significa que o referido direito (a receber um certo montante de pensão) seja, face à
Constituição, um direito comum, que, por ser conformado pelo legislador, se encontre à sua inteira disposição.
Uma vez que incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social que proteja
os cidadãos na velhice (artigo 63.º da CRP),o direito a receber o benefício certo que corresponde a uma
determinada pensão é um direito derivado a prestações. A decisão sobre a sua existência não pertence ao
legislador. Se cabe a este último determinar como é que o referido direito se forma, não lhe cabe decidir se ele
existe ou não: a necessidade da sua existência deriva da Constituição, que obriga desde logo o legislador a
definir os meios (os pressupostos e os procedimentos) que conduzirão à sua configuração final. É o que
decorre do já referido artigo 63.º da CRP, que, aliás, corresponde a uma escolha de valor que está longe de se
apresentar como uma singularidade, ou uma “idiossincrasia”, do ordenamento português.
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Uma medida legislativa que vise a redução definitiva do montante de pensões já em pagamento não pode
por isso deixar de estar sujeita a um apertado crivo constitucional. Não apenas por se tratar de uma medida
com forte pendor “retroativo” – no Acórdão fala-se em “retrospetividade” – mas ainda por implicar
“retroatividade”, ou redefinição jurídica do passado, quanto a toda uma categoria de posições jurídicas
subjetivas que detêm forte tutela constitucional. Concordo, por isso, com todo o ponto de partida em que
assentou a argumentação do presente Acórdão, que partiu do princípio segundo o qual quanto mais
consistentes forem os direitos afetados tanto mais relevante deverá ser a justificação apresentada para a sua
afetação.
2. No caso, o legislador justificou a medida de redução de pensões já em pagamento alegando a
necessidade de, por razões económicas e demográficas, reformar o sistema previdencial português, em ordem
a garantir para o futuro a sua sustentabilidade.
Face ao que anteriormente se disse, parece claro que, se a perdurabilidade de tal sistema se encontrar
financeiramente ameaçada seja por que razão for – seja pelo aumento da despesa provocada pelas mutações
de demografia, seja pela diminuição de receita provocada por perversas mutações económicas –, a tomada de
medidas por parte do legislador para conter a ameaça não corresponde apenas a uma sua faculdade.
Corresponde antes, face ao que determina o artigo 63.º da CRP, a um dever.
Todavia, e como disse o Tribunal no Acórdão n.º 862/2013, esse dever não pode ser prosseguido de
qualquer forma ou por um qualquer modo. Se do seu cumprimento resultar a necessidade de redução do
montante de pensões já em pagamento – disse-se então – tal redução só será legítima se se integrar no
contexto de uma reforma estrutural que, pensada para o futuro, pondere de modo integrado e sistémico as
exigências decorrentes da sustentabilidade do sistema e as exigências decorrentes de princípios de justiça,
intra e intergeracional.
3. Na sequência deste Acórdão, o legislador decidiu reduzir o montante de pensões já em pagamento
através da imposição da [presentemente em juízo] «contribuição de sustentabilidade». Ao mesmo tempo,
aumentou a taxa do IVA e as quotizações dos trabalhadores para o sistema previdencial.
É certo que o fez num quadro de acentuada incerteza. Não teve em conta, na determinação da
«contribuição de sustentabilidade», as carreiras contributivas de cada pensionista; remeteu para diploma
futuro a fixação de uma sobretaxa, que se diz vir a ser transitória, mas que agravará, numa dimensão que
ainda se não conhece, as condições das pensões de certo montante, visto que acrescerá à presente
«contribuição». Previu para o futuro um sistema de atualização de pensões que presumivelmente substituirá
aquele que é definido pelos regimes agora vigentes, mas que só é identificável através de critérios genéricos e
imprecisos, que por vezes replicam fatores já tidos em consideração. Se tivermos em linha de conta os
documentos oficiais que antecederam esta tomada de decisão [de redução de pensões], ficaremos a saber
que ela corresponderá apenas a um “primeiro passo” da “reforma” em “ordem à garantia da sustentabilidade
do sistema previdencial”. Mas ficamos sem saber quando,e como,se darão os passos seguintes.
Finalmente, last but not least, tudo isto foi decidido (como se diz no presente Acórdão) num processo
deliberativo curtíssimo, que não coenvolveu o estudo e (ou) o debate que uma questão como esta, que
interessa à sociedade portuguesa no seu todo, por certo exigiria.
Contudo, estas são considerações que motivarão, para quem as perfilhar, uma atitude de censura cidadã.
Mas não me parece que sejam suficientes para fundamentar uma censura jurídico-constitucional.
4. O Tribunal não pode, com efeito, marcar a agenda da reforma do nosso sistema previdencial. Não lhe
cabe decidir se essa reforma se fará de uma só vez ou se se fará de modo faseado. Dizendo o legislador que
a medida que tomou se integra numa primeira fase dessa reforma, não deve nem pode a jurisdição
constitucional decidir que assim não tem que ser. Como não pode o Tribunal determinar o teor dessa reforma,
identificando as medidas que devem primeiro ser tomadas e as outras, que a elas se seguirão. Por razões de
praticabilidade, não pode o Tribunal exigir do legislador que o encetar de uma qualquer mudança sistémica se
faça tendo antes do mais em conta as carreiras contributivas de cada contribuinte-beneficiário, ou tendo em
conta as posições recíprocas de todos os grupos de pessoas que foram sendo abrangidos pelos diferentes
regimes, que se sucederam no tempo, relativos ao modo de cálculo das pensões. Em suma, não pode o
Tribunal, pela sua natureza de jurisdição, impor ao legislador a sua própria visão do que seja
uma reformajusta do sistema.
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E não o pode fazer por duas ordens de razões, que, estando intimamente ligadas, merecem contudo ser
distinguidas.
Em primeiro lugar, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reformado
sistema público de pensões. O problema é de tal complexidade técnica que pressuporia, sempre e em
qualquer circunstância, a necessidade de fazer escolhas e de tomar decisões especialmente difíceis. Num
contexto de incerteza, quer quanto à evolução dos fatores demográficos e económicos, quer quanto à própria
repercussão que medidas reformadoras poderão vir a ter sobre essa mesma evolução (dada a estreita ligação
existente entre a receita e a despesa do sistema público de pensões e a própria economia), a complexidade
técnica dos problemas envolvidos, que sempre existiria, torna-se ainda mais intensa. Ora, para enfrentar esses
problemas não pode estar o Tribunal, pela sua própria condição, preparado: não tem para tanto vocação
funcional; não está para tanto epistemicamente apetrechado.
Mas além disso, e fundamentalmente, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que
seja uma reforma justa do sistema público de pensões. Não tenho dúvidas de que muitas das objeções feitas
no Acórdão quanto à solução encontrada pelo legislador são razoáveis e de boa-fé apresentadas. Mas o ponto
é justamente esse: perante a existência de diferentes conceções razoáveis quanto ao que seja, quanto a essa
reforma, justo ou injusto –e perante a discussão aberta no espaço público entre essas diferentes conceções
razoáveis –é ao poder legislativo, e não ao poder judicial, que cabe tomar a decisão quanto ao caminho a
seguir. Não é para mim aceitável que um juízo eminentemente moral sobre a justiça de uma tal reforma caiba
a uma maioria formada no seio de uma instituição de índole jurisdicional. Deste modo, segundo creio, não se
melhora a qualidade da deliberação pública. Pelo contrário, degrada-se essa qualidade, uma vez que se nega
aos cidadãos o direito a ter uma palavra a dizer sobre tão delicada matéria.
Maria Lúcia Amaral
__________
DECRETO N.º 264/XII
(ESTABELECE OS MECANISMOS DAS REDUÇÕES REMUNERATÓRIAS TEMPORÁRIAS E AS
CONDIÇÕES DA SUA REVERSÃO NO PRAZO MÁXIMO DE QUATRO ANOS)
Mensagem do Presidente da República sobre o veto, por inconstitucionalidade, que exerceu,
anexando o Acórdão do Tribunal Constitucional e devolvendo o decreto para reapreciação
Junto devolvo a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, da
Constituição, o Decreto da Assembleia da República n.º 264/XII — “Estabelece os mecanismos das reduções
remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos” —, uma vez
que o Tribunal Constitucional, através de Acórdão cuja fotocópia se anexa, se pronunciou, em sede de
fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os
2 e 3.º, do
mesmo Decreto.
Lisboa, 18 de agosto de 2014.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Anexo: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 574/2014.
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Anexo
ACÓRDÃO N.º 574/2014
Processo n.º 818/14
Plenário
Relator: Conselheiro João Pedro Caupers
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. O Presidente da República requer, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das
normas constantes dos números 1 a 15 do artigo 2.º e dos números 1 a 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII
da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 30 de julho de 2014 para ser
promulgado como lei.
O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação:
«1.º
Pelo Decreto n.º 264/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que estabelece os mecanismos das
reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos.
2.º
Independentemente do juízo quanto ao mérito das soluções contidas no Decreto em apreciação, importa
garantir que da sua aplicação não resulte incerteza jurídica numa matéria de tão grande importância para a
economia nacional.
3.º
Com efeito, o Decreto em apreciação visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das obrigações
internacionais do Estado, sobretudo no contexto da União Europeia, resultantes, em particular, do Pacto de
Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e
Monetária (Tratado Orçamental).
4.º
As normas em causa são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da
igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do
Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes
princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º
353/2012, n.º 187/2013, e n.º 413/2014.
5.º
O presente pedido não visa pôr em causa a necessidade e urgência da adoção de medidas que garantam
o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português mas, tão-só, assegurar que,
em face da existência das dúvidas de constitucionalidade mencionadas no número anterior, tais medidas
passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de modo a instilar a necessária confiança nos
agentes económicos e sociais destinatários destas normas e preservar a credibilidade externa do País.»
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O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos seguintes termos:
«Ante o exposto, e não deixando de ponderar a solicitação do Governo nesta matéria, requeiro, nos termos
do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição, bem como do n.º 1 do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º
28/82, de 15 de novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das referidas normas do artigo 2.º
e do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 2.º e 13.º da
Constituição.»
2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido foi admitido na mesma
data.
3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, a Presidente da
Assembleia da República veio apresentar resposta na qual oferece o merecimento dos autos.
4. No dia 4 de agosto foi recebida no Tribunal uma carta do Primeiro-Ministro, requerendo a junção aos
autos de vários documentos, um dos quais uma “Nota Técnica” sobre as questões suscitadas no presente
processo de apreciação da constitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto
aos autos.
5. Elaborado o memorando a que se refere o artigo 58.º, n.º 2, da LTC, e tendo este sido submetido a
debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientação que o Tribunal fixou.
II – Fundamentação
6. É o seguinte o teor das normas que cumpre apreciar:
Artigo 2.º
Redução remuneratória
1 - São reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor
superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer
título, depois dela, nos seguintes termos:
a) 3,5% sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;
b) 3,5% sobre o valor de € 2000 acrescido de 16% sobre o valor da remuneração total que exceda os €
2000, perfazendo uma redução global que varia entre 3,5% e 10%, no caso das remunerações iguais ou
superiores a € 2000 até € 4165;
c) 10% sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
2 - Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual
a € 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10% as diversas
remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:
a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a
exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços;
b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele
número.
3 - As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, as
informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou
outras prestações pecuniárias possam apurar a redução aplicável.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo:
a) Consideram-se «remunerações totais ilíquidas mensais» as que resultam do valor agregado de todas as
prestações pecuniárias, designadamente remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios,
incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação
e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;
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b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio
de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei, os montantes pecuniários que tenham
natureza de prestação social e nomeadamente os montantes abonados ao pessoal das forças de segurança a
título de comparticipação anual na aquisição de fardamento;
c) Na determinação da redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades
autónomas;
d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.
n.os
1 e 2.
5 – Nos casos em que da aplicação do disposto no presente artigo resulte uma remuneração total ilíquida
inferior a € 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a perceção daquele valor.
6 - Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os n.os
1 e 2 é sujeita a desconto
para a Caixa Geral de Aposentações, IP, ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que
resultaria da aplicação da redução prevista no n.º 1 às prestações pecuniárias objeto daquele desconto.
7 - Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em
percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.os
1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos,
calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.
8 - A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada
após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, alterada
pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, 66-B/2012, de 31 de dezembro, e 83-C/2013, de 31 de
dezembro, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 52/2010, de 14 de dezembro, e 66-
B/2012, de 31 de dezembro, para os universos neles referidos.
9 - A presente lei aplica-se aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificados:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) Os Deputados à Assembleia da República;
e) Os membros do Governo;
f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República,
bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e
fiscal e dos julgados de paz;
g) Os Representantes da República para as regiões autónomas;
h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
i) Os membros dos governos regionais;
j) Os eleitos locais;
k) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os
membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que
funcionam junto da Assembleia da República;
l) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos
titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior da
Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do
Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça
e do Procurador-Geral da República;
m) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os
militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;
n) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de
outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central,
regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos
remuneratórios;
o) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de
fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime comum e especial, de
pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de
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regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público,
das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e municipal,
das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;
p) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da
República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer
modalidade de relação jurídica de emprego público, incluindo os trabalhadores em processo de requalificação
e em licença extraordinária;
q) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público
dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo,
incluindo as entidades reguladoras independentes;
r) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades
públicas empresariais e das entidades que integram o setor empresarial regional e local;
s) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas de direito público e das fundações públicas de
direito privado e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;
t) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efetividade de serviço,
que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no ativo.
10 - As entidades processadoras das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidas na
alínea p) do número anterior, abrangidas pelo n.º 6 do artigo 1.º da Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, bem como os órgãos ou serviços com
autonomia financeira processadores das remunerações dos trabalhadores em funções públicas referidos nas
alíneas q) e s) do número anterior, procedem à entrega das quantias correspondentes às reduções
remuneratórias previstas no presente artigo nos cofres do Estado, ressalvados os casos em que as
remunerações dos trabalhadores em causa tenham sido prévia e devidamente orçamentadas com aplicação
dessas mesmas reduções.
11 - O abono mensal de representação previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 40-
A/98, de 27 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os
153/2005, de 2 de setembro, e 10/2008, de 17 de
janeiro, e pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, é reduzido em 6%, sem prejuízo das reduções previstas
nos números anteriores.
12 - O disposto na presente lei não se aplica aos titulares de cargos e demais pessoal das empresas de
capital exclusiva ou maioritariamente público e das entidades públicas empresariais que integrem o setor
público empresarial se, em razão de regulamentação internacional específica, daí resultar diretamente
decréscimo de receitas.
13 - Não é aplicável a redução prevista na presente lei nos casos em que pela sua aplicação resulte uma
remuneração ilíquida inferior ao montante previsto para o salário mínimo em vigor nos países onde existem
serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
14 - A redução remuneratória prevista no presente artigo não é aplicável aos trabalhadores dos serviços
periféricos externos do MNE, sempre que da aplicação desta redução resulte inequivocamente a violação de
uma norma imperativa de ordem pública local que preveja a regra da proibição da redução salarial.
15 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras
normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e
contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.
Artigo 4.º
Reversão gradual da redução remuneratória temporária
1 - A redução remuneratória prevista no artigo 2.º é revertida em 20% a partir de 1 de janeiro de 2015.
2 - No orçamento do Estado para 2016 e nos orçamentos subsequentes, é fixada a percentagem de
reversão da redução remuneratória em função da disponibilidade orçamental.
3 - A reversão total da redução remuneratória a que se refere o artigo 2.º ocorre no prazo máximo de quatro
anos.
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7. A leitura conjunta dos dois artigos conduz à ideia de que se combina (a) uma redução remuneratória
aplicável no ano de 2014 aos trabalhadores pagos por verbas públicas igual à que vigorou até 2013, com (b)
uma redução remuneratória equivalente a 80% desta, em 2015, e com (c) um programa normativo, orientado
para o fim das reduções remuneratórias que vêm atingindo aqueles trabalhadores, nos três anos
subsequentes.
Explicitemos melhor.
Em primeiro lugar, estabelece-se uma redução remuneratória para os trabalhadores que recebem por
verbas públicas, no ano de 2014, semelhante à estabelecida no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de
dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 (OE2011).
Em segundo lugar, consagra-se legalmente a possibilidade de aplicação de reduções remuneratórias até
2018, ou seja, ao longo de mais cinco de um período de oito anos consecutivos (2011 / 2018).
Em terceiro lugar, estabelece-se para 2015 uma redução remuneratória igual a 80% da aplicável no
corrente ano.
Por último, prevê-se uma redução remuneratória ao longo dos anos que compõem o triénio 2016-2018
entre a aplicável em 2015 e zero (n.º 3 do artigo 4.º), nada se concretizando quanto à diminuição anual da
redução em cada um dos três anos que compõem o triénio.
O que de mais importante se sublinha neste programa é que ele permite, objetivamente, dar como assente
que as reduções remuneratórias podem perdurar até 2018.
8. Os parâmetros constitucionais convocados pelo Presidente da República – num pedido cujo fundamento
se limita ao confronto sumário com a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.º
353/2012, n.º 187/2013, e n.º 413/2014) – assentam no princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, e no
princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, constante do artigo 2.º, ambos da
CRP.
Começando por este último, a aplicação do princípio da confiança tem de partir de uma definição rigorosa
dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por
verificados esses requisitos, há que proceder a uma ponderação entre os interesses particulares
desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que
justifica essa alteração. Dessa valoração – em concreto, do peso relativo dos bens em confronto –, assim
como da contenção das soluções impugnadas dentro de limites de razoabilidade e de justa medida, irá resultar
o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional (Acórdão n.º 396/2011).
Assim, como se disse no Acórdão n.º 128/2009, expressando entendimento reiterado em muitos outros
arestos:
«Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança” é necessário, em primeiro lugar, que o
Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas”
de continuidade; depois, devem tais expetativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em
terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do
“comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que
justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.»
No caso em apreço, pode encontrar-se na reiteração da aplicação de medidas de redução remuneratória
conformadas como transitórias a instilação normativa de um quadro de expectativa na melhoria, a prazo, da
situação remuneratória dos trabalhadores pagos por verbas públicas (destinatários da norma),
consubstanciada na reversão das reduções salariais a que vêm sendo sujeitos desde 2011.
Legitimam esta expectativa o cumprimento pelo Estado Português do Programa de Assistência Económica
e Financeira (PAEF) e o consequente termo do seu quadro de vigência, assim como as melhorias da situação
económico-financeira, refletidas em vários indicadores e, sobretudo, nas previsões do Governo contidas no
Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 (DEO): crescimento do produto interno bruto (PIB), redução
da taxa de desemprego, previsão de aumento da procura externa, nomeadamente (cfr. pp. 9 a 11). Poderia
ainda acrescentar-se a já consumada redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para as
grandes empresas, evidenciadora de disponibilidade orçamental.
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Admitir como legítimas as expectativas de uma melhoria da situação remuneratória não implica
necessariamente que essas expetativas, para poderem ser satisfeitas, incorporem um regresso aos níveis
salariais de 2010, logo em 1 de janeiro de 2015. De todo o modo, ainda que tais expetativas existissem, a
intensidade da repercussão, nesse ano, dos compromissos internacionais do Estado português, leva-nos a
questionar se elas não teriam de ceder perante os constrangimentos inerentes a tais compromissos,
nomeadamente dos decorrentes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do Tratado
sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (conhecido em língua
portuguesa como “Tratado Orçamental”, designação que se passa a adotar) leva-nos a vislumbrar a intenção
de refrear as expetativas criadas que, se supõem a reversão das reduções remuneratórias num horizonte não
muito distante, já não abrangerão a circunstância desse prazo vir a ser necessariamente atingido em 1 de
janeiro de 2015.
Sublinhe-se que, no ano de 2015, não só perduram ainda os efeitos do PAEF – por via da fixação da meta
do défice orçamental em 2,5% do PIB e do imperativo de fixação de medidas que suportem a estratégia de
consolidação para a atingir (cfr. artigo 3.º, n.º 8, alíneas g) e h), da Decisão de Execução do Conselho
2011/344/UE, na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) –, como ainda se faz sentir o
efeito do procedimento de défice excessivo. A consequência lógica destas circunstâncias, que acentuam a
relevância do interesse público subjacente, é que as reduções remuneratórias previstas para 2015 ainda se
contêm nos limites da confiança protegida.
9. O triénio 2016 / 2018 convoca outras ponderações, até pelo seu alcance de médio prazo.
O cenário económico de melhoria da situação económico-financeira, refletida em vários indicadores e,
sobretudo, nas previsões do Governo contidas no DEO, compõe um quadro de algum alívio, que não deixará
de se repercutir na situação dos trabalhadores pagos por verbas públicas, podendo entender-se que deva
abranger algo mais do que um mecanismo de reversão que deixa em aberto a possibilidade do nível de
redução de redução remuneratória se manter incólume entre 2016 e 2018.
Cabe recordar que no Acórdão n.º 396/2011 o Tribunal deixou escrito:
«Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta
excecionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental
gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o
Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento (…) Do que não pode
razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um
interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação
de que estamos perante uma desproteção da confiança constitucionalmente desconforme (…) As reduções
remuneratórias integram-se num conjunto de medidas que o poder político, atuando em entendimento com
organismos internacionais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido
por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e
social. São medidas de política financeira basicamente conjuntural, de combate a uma situação de
emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de
representação popular.»
E, na mesma linha, quando novamente chamado a pronunciar-se sobre as reduções remuneratórias
contempladas na Lei do Orçamento de 2013, o Tribunal reconheceu:
«Ora, no caso, há, por um lado, indícios consistentes da necessidade de manutenção de medidas de
contenção orçamental, e, por outro lado, por todas as razões já antes expostas, são patentes as razões de
interesse público que justificam as alterações legislativas, pelo que não se pode dizer que estejamos perante
um quadro injustificado de instabilidade da ordem jurídica.»
10. Uma conclusão fica clara da leitura destes passos da jurisprudência do Tribunal: foram inicialmente
razões de “absoluta excecionalidade” tidas por muito relevantes, que conduziram o Tribunal ao entendimento
de que as reduções salariais então apreciadas não ofendiam o princípio da proteção da confiança. Tais razões
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radicaram posteriormente na necessidade de respeitar os compromissos internacionais assumidos pelo
Estado português, ao subscrever o PAEF.
O PAEF vigorou entre maio de 2011 e maio de 2014, projetando ainda os seus efeitos, como se disse, no
ano de 2015.
Atingido o ano de 2016, encerrado que foi o PAEF e finalizado, como se perspetiva, o procedimento de
défice excessivo em curso, a formulação de idêntico juízo, por via da identificação de razões de interesse
público muito relevantes e com peso prevalecente sobre as expetativas de regresso a um quadro de
estabilidade da ordem jurídica, em termos de justificar a medida no médio prazo, à luz do princípio da proteção
da confiança, carece de outro fundamento.
Segundo a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, que esteve na origem do Decreto n.º
264/XII, «a participação de Portugal na União Europeia e na área do euro obriga ao cumprimento de requisitos
exigentes em matéria orçamental, plasmados no TFUE, no protocolo, e nos regulamentos que desenvolvem o
Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na
União Económica e Monetária».
Importa considerar tais razões, a que o Governo faz referência específica e que retoma e desenvolve na
Nota Técnica já mencionada (cfr. 4 supra).
Com efeito, o Tratado da União Europeia (TUE) estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 4, a união económica e
monetária, cuja moeda é o euro, como um dos objetivos da União, objetivo desenvolvido nos artigos 119.º e
seguintes do TFUE, bem como nos Protocolos n.º 4, relativo ao Sistema Europeu de Bancos Centrais, e n.º
12, sobre o procedimento de défices excessivos, bem como em disposições de direito derivado da União
Europeia.
Ora, uma das principais obrigações dos Estados-membros neste domínio é a de evitar défices orçamentais
excessivos (artigo 126.º, n.º 1, do TFUE), competindo à União Europeia, através da Comissão, acompanhar a
evolução da situação orçamental e do montante da dívida pública nos Estados-membros, a fim de identificar
desvios importantes. Nos termos do artigo 1.º do mencionado Protocolo n.º 12, o défice orçamental deve
respeitar os valores máximos de referência de 3% do PIB a preços de mercado e de 60% para a relação entre
a dívida pública e o PIB a preços de mercado.
11. As normas de direito originário têm vindo a ser desenvolvidas e concretizadas através de regras de
direito derivado, designadamente regulamentos, entre os quais se devem destacar, desde logo, os
regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade e Crescimento – que prevê medidas de supervisão e
coordenação das políticas económicas, em particular o artigo 2.º-A da Secção 1-A do Regulamento CE n.º
1466/97 do Conselho, de 7 de julho, que previa como objetivo económico de médio prazo um rácio máximo de
3% do PIB para o défice orçamental – e o Regulamento CE n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho, sobre o
procedimento relativo aos défices excessivos.
Estas normas foram alteradas e completadas, na sequência da crise das dívidas soberanas, por um conjunto
de diplomas que integram o chamado “Six Pack”, pacote legislativo europeu de 2011 sobre matéria
orçamental, de que se destaca a previsão do Semestre Europeu para a coordenação das políticas económicas
e que inclui, entre outros, a apresentação e a avaliação dos programas de estabilidade e convergência dos
Estados membros (cfr. Secção 1-A, artigo 2.º-A do Regulamento (CE) n.º 1466/97, introduzido pelo
Regulamento (UE) n.º 1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2011).
A estas normas somou-se o denominado “Two Pack”, que integra dois regulamentos de
Regulamento (UE) n.º472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, relativo
ao reforço da supervisão económica e orçamental dos Estados-Membros da área do euro afetados ou
ameaçados por graves dificuldades no que diz respeito à sua estabilidade financeira e o Regulamento (UE) n.º
473/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, que estabelece disposições comuns
para o acompanhamento e a avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção do défice
excessivo dos Estados-Membros da área do eur -se de normas de Direito da União Europeia,
quer sejam de direito originário, quer de direito derivado, vinculam o Estado Português, nos termos do artigo
8.º, n.º 4, da Constituição.
Já o Tratado Orçamental, assinado em 2 de março de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos
Estados-membros da União Europeia (com exceção do Reino Unido e da República Checa), é diferente.
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Tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, após a ratificação por 16 Estados-membros, 12 dos quais
pertencentes à área do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforçar a disciplina orçamental, através da
introdução de medidas que garantam uma maior fiscalização e uma resposta mais eficaz face à emergência
de desequilíbrios. O seu principal objetivo, como se afirma no preâmbulo, é a adoção, com a maior celeridade
possível, por parte dos Estados-membros da área do euro, de regras específicas, de natureza económica e
orçamental, incluindo uma "regra de equilíbrio orçamental" e um mecanismo automático para a adoção de
medidas corretivas, que conduzam a um cumprimento mais estrito dos critérios quantitativos introduzidos pelo
Tratado de Maastricht, nomeadamente os respeitantes ao défice máximo e ao limite de 60% do PIB para
a dívida pública.
Sublinhamos o seguinte:
a) Várias disposições do Tratado Orçamental têm origem em normas de direito derivado da União Europeia
ou, entretanto, passaram a fazer parte dessas normas:
b) O Tratado não integra o ordenamento jurídico da UE;
c) O Tratado é aplicável na medida em que for compatível com os Tratados em que se funda a União
Europeia e com o direito desta;
d) O Tratado não beneficia do estatuto que o n.º 4 do artigo 8.º da CRP confere ao direito da União
Europeia, sendo-lhe antes aplicável o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, como fonte de direito internacional
público que é;
e) As regras constantes do artigo 3.º do Tratado, relativas ao “Pacto Orçamental”, foram integradas no
direito interno português por via das alterações que a Lei n.º 37/2013, de 14 de junho, introduziu na Lei de
Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, posteriormente alterada pela Lei 41/2014, de
10 de julho); através desta integração aquelas regras adquiriram valor reforçado – mas não, evidentemente,
valor constitucional.
Recorde-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de défice excessivo (cfr. artigo 126.º, n.º
7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas várias recomendações por parte do Conselho, tendo-lhe sido
estabelecida uma meta precisa de redução do défice para 2,5 % do PIB, em 2015.
12. Independentemente de dúvidas quanto à vinculatividade destas recomendações – adotadas no âmbito
do procedimento por défice excessivo –, a verdade é que elas não impõem a Portugal medidas concretas e
determinadas para controlo da despesa pública e para redução do défice, antes se limitando a enunciar os
objetivos ou metas, que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por força das normas
indubitavelmente vinculativas da União Europeia, quais sejam as de direito originário e de direito derivado
acima citadas (no entanto, algumas medidas concretas podem resultar das decisões de execução do
Conselho no quadro do PAEF). Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito da União Europeia neste
domínio não abrange os meios que os Estados-membros utilizam para atingir os objetivos ou metas que lhes
são impostos.
Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legislador nacional com vista a
prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com as prescrições da União Europeia não tem
consequências do ponto de vista da aplicação das normas constitucionais. Pelo contrário, num sistema
constitucional multinível, no qual interagem várias ordens jurídicas, as normas legislativas internas devem
necessariamente conformar-se com a Constituição [competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo com a
CRP, administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais (cfr. artigo 221.º da CRP)]. Aliás, o próprio
direito da União Europeia estabelece que a União respeita a identidade nacional dos seus Estados-membros,
refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do
TUE).
Sublinhe-se, por último, que neste domínio não há sequer divergência entre o Direito da União Europeia e o
Direito Constitucional Português. Efetivamente, os princípios constitucionais da igualdade, da
proporcionalidade e da proteção da confiança, que têm servido de parâmetro ao Tribunal Constitucional para
aferir da constitucionalidade das normas nacionais relativas a matérias conexas com as que se apreciam nos
presentes autos, fazem parte do núcleo duro do Estado de direito, integrando o património jurídico comum
europeu, a que a União também está vinculada.
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13. Aqui chegados e retomando as ponderações pertinentes à apreciação do programa normativo face ao
princípio da confiança, cabe reconhecer que, no ano de 2015, o cumprimento dos compromissos a que vimos
aludindo pesa, de forma muito relevante, sobre as opções orçamentais (o que não significa, evidentemente,
que o peso desses compromissos não se faça ainda sentir nos anos subsequentes).
Nas circunstâncias atuais e perante a indeterminação do quadro normativo, não parece possível encontrar
elementos suficientemente claros para suportar um juízo de inadmissibilidade constitucional, à luz do princípio
da proteção de confiança, de medidas de redução remuneratória, ainda que contrariando expetativas de um
grupo de pessoas repetidamente atingido no passado.
E, mesmo que tal fosse possível, o interesse público inerente ao cumprimento dos compromissos
internacionais do Estado português ainda implica, neste período, erosão daquele princípio.
Esta última consideração conduz-nos à apreciação das normas em causa, agora à luz do princípio da
igualdade, igualmente invocado pelo requerente.
14. Também no que respeita ao princípio da igualdade, importa recordar brevemente as posições
assumidas pelo Tribunal relativamente às medidas legislativas que, sucessivamente, foram atingindo os
trabalhadores pagos por verbas públicas.
14.1. A urgência das reduções do défice orçamental explica uma atuação do lado da despesa, mais eficaz
do que uma atuação do lado da receita, pela rapidez dos efeitos produzidos. Nesta linha e retomando
jurisprudência anterior, lê-se no Acórdão n.º 413/2014:
«Situando no âmbito relativo à pertinência orçamental daquelas retribuições e das medidas que as
afetavam o fundamento material para a diferenciação introduzida na repartição dos encargos públicos, o
Tribunal entendeu ainda defensável a asserção segundo a qual, “pela sua certeza e rapidez na produção de
efeitos”, a opção tomada se revelava “particularmente eficaz”, “numa perspetiva de redução do défice a curto
prazo”, mostrando-se desse modo “coerente com uma estratégia de atuação, cuja definição cabe[ria] dentro da
margem de livre conformação política do legislador”.»
14.2. Aquela circunstância legitima alguma medida de “sacrifício adicional” dos trabalhadores que recebem
por verbas públicas, sacrifício que não consuma, por isso, um tratamento desigual arbitrário; na verdade, estes
são pagos por verbas públicas, pelo que apenas a sua remuneração reduz, imediata e automaticamente, a
despesa pública. Pode ler-se no Acórdão n.º 353/2012:
«Entendeu-se que o recurso a uma medida como a redução dos rendimentos de quem aufere por verbas
públicas como meio de rapidamente diminuir o défice público, em excecionais circunstâncias económico-
financeiras, apesar de se traduzir num tratamento desigual, relativamente a quem aufere rendimentos
provenientes do setor privado da economia, tinha justificações que a subtraíam à censura do princípio da
igualdade na repartição dos encargos públicos, uma vez que essa redução ainda se continha dentro dos
“limites do sacrifício”.»
14.3. O sacrifício adicional, porém, tem de conter-se dentro de limites estabelecidos à luz do critério da
“igualdade proporcional”, não podendo ser excessivo quando confrontado com as razões que o justificam. Ou
seja: o Tribunal, por um lado, indaga a razão de ser da diferenciação; por outro, avalia a medida em que a
diferenciação é concretizada. Assim, no Acórdão n.º 353/2012:
«Nestes termos, poderá concluir-se que é certamente admissível alguma diferenciação entre quem recebe
por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia, não se podendo considerar, no atual contexto
económico e financeiro, injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos rendimentos
dirigida apenas aos primeiros.
Mas, obviamente, a liberdade do legislador recorrer ao corte das remunerações e pensões das pessoas
que auferem por verbas públicas, na mira de alcançar um equilíbrio orçamental, mesmo num quadro de uma
grave crise económico-financeira, não pode ser ilimitada. A diferença do grau de sacrifício para aqueles que
são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites.
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Na verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada
pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do
tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo
revelar-se excessiva.»
14.4. A justificação deste sacrifício adicional encontra-se ainda sujeita a duas outras condições: (a) a
consideração de outras alternativas possíveis de contenção de custos; e (b) o caráter transitório da imposição
do sacrifício. Escreveu-se no Acórdão n.º 187/2013:
«Não só porque o tratamento diferenciado dos trabalhadores do setor público não pode continuar a
justificar-se através do caráter mais eficaz das medidas de redução salarial, em detrimento de outras
alternativas possíveis de contenção de custos, como também porque a sua vinculação ao interesse público
não pode servir de fundamento para a imposição continuada de sacrifícios a esses trabalhadores mediante a
redução unilateral de salários, nem como parâmetro valorativo do princípio da igualdade por comparação com
os trabalhadores do setor privado ou outros titulares de rendimento.»
Apreciando o OE2013, o Tribunal considerou que, no terceiro exercício orçamental consecutivo que visava
dar cumprimento ao programa de assistência financeira, «o argumento da eficácia imediata das medidas de
suspensão de subsídio» não tinha já «consistência valorativa suficiente para justificar o agravamento (em
relação ao OE2012) dos níveis remuneratórios dos sujeitos que auferem por verbas públicas». Assim, no
Acórdão n.º 413/2014:
«Constituindo o ano de 2014 um exercício orçamental condicionado ainda pelo esforço de consolidação
orçamental imposto no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira, não existem razões para
alterar este entendimento» (refere-se ao entendimento que o Tribunal tem expressamente assumido em
acórdãos anteriores, no sentido de que, no presente contexto financeiro, continua a ser «certamente
admissível alguma diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da
economia, não se podendo considerar (…) injustificadamente discriminatória qualquer medida de redução dos
rendimentos dirigida apenas aos primeiros» (acórdão n.º 353/2012).
15. Tal como se disse, o juízo de constitucionalidade irá incidir sobre as reduções remuneratórias
estabelecidas no artigo 2.º, conjugadamente com as previsões de reversão estabelecidas no artigo 4.º. Só
assim poderá ser avaliada a transitoriedade que o artigo 1.º atribui àquelas reduções.
As reduções remuneratórias que atingem os trabalhadores pagos por verbas públicas desde 2011 poderão
vigorar até 2018, como se referiu já, abrangendo um período de oito anos consecutivos. E, repete-se, não
existe garantia alguma de que isto não venha a ocorrer.
Tudo isto acontecerá – a acontecer – num contexto de tratamento salarial global dos trabalhadores que
recebem por verbas públicas, novamente atingidos pela redução remuneratória, muito mais penoso do que o
resultante diretamente desta. Na verdade, o quadro só fica completo se somarmos às reduções
remuneratórias os efeitos permanentes decorrentes do aumento do horário de trabalho (redução da retribuição
da hora de trabalho), do aumento das contribuições para a ADSE, do congelamento das promoções e da
progressão na carreira e, ainda, dos programas de redução de efetivos e dos limites à contratação de novos
trabalhadores – ambos potencialmente geradores de aumentos de cargas de trabalho.
O juízo de constitucionalidade pode exigir a resposta sucessiva a duas questões, que se colocam a
propósito de cada uma das normas em apreciação.
A primeira consiste em saber se, terminado formalmente o PAEF, ainda se encontram razões válidas, à luz
do princípio da igualdade, que justifiquem que as remunerações dos trabalhadores em funções públicas
continuem a ser atingidas por reduções.
A segunda – que apenas se colocará se a primeira tiver resposta afirmativa – consiste em determinar se as
normas em causa, corporizando o tratamento desigual daqueles trabalhadores, o fazem em justa medida ou
se, pelo contrário, se apresentam como excessivas.
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16. Pese embora tratar-se de medida diversa daquela agora em apreço, o Tribunal teve já oportunidade de
ponderar a questão da admissibilidade constitucional de reduções remuneratórias no decurso do ano de 2014.
Fê-lo no Acórdão n.º 413/2014, entendendo que medida idêntica àquela que merecera já atenção no passado,
inscrita nos OE de 2011, 2012 e 2013, ainda se podia considerar justificada pela mesma ordem de razões.
Esse entendimento permanece válido e deve ser aqui reafirmado.
O ano de 2015, comporta - já o dissemos - valorações de sinal contrário. Se, por um lado, culmina uma
trajetória de regresso à normalidade ou, pelo menos, de regresso a um patamar liberto do mesmo nível de
constrangimentos das escolhas orçamentais que marcaram os anos de 2011 a 2014, não é menos certo que a
pendência de um procedimento por défice excessivo, que se segue a um período de assistência económica e
financeira, ainda configura quadro especialmente exigente, de excecionalidade, capaz de subtrair a imposição
de reduções remuneratórias nesse ano à censura do princípio da igualdade. Releva, nesse juízo, os termos
mais mitigados do sacrifício imposto, por efeito da estatuição de reduções remuneratórias inferiores em 20%
às que são previstas para o ano de 2014.
17. Já o triénio seguinte – 2016/2018 – determina outra apreciação.
Desde logo, ao contrário do que ainda se poderá entender relativamente aos anos de 2014 e 2015, não
estamos já perante intervenção legislativa de índole conjuntural e de resposta a situação de emergência.
Como decorre do DEO, o ano de 2017 é aquele em que se prevê que seja atingido o objetivo de médio prazo,
o que remete as razões em que se alicerça o programa normativo em apreço, nessa dimensão, para a
condição de opção estratégica, que encontra inscrição num quadro regular de atuação do Estado, ainda que
dominado por exigências de disciplina orçamental e de racionalidade económica.
A própria conformação do mecanismo de reversão das reduções remuneratórias suporta essa conclusão.
Quanto ao ano de 2014, o legislador sinaliza, através da aplicação de reduções remuneratórias no seu nível
sacrificial mais elevado, a ausência de margem orçamental que permita evitar ou mesmo reduzir o sacrifício
imposto a um grupo de pessoas. Já no que respeita ao ano de 2015, a medida do sacrifício é reduzida, o que
significa que há segurança quanto à verificação de “espaço orçamental”, independentemente da exigente meta
do défice e da pendência de procedimento de défice excessivo.
Mas, daí em diante, nenhuma percentagem de reversão é fixada no n.º 2 do artigo 4.º do Decreto n.º
264/XII, funcionalizando inteiramente as reduções remuneratórias à verificação de “disponibilidade orçamental”
por mais três anos. A que acresce, nos termos do DEO, o propósito de condicionar a reversão da medida de
redução remuneratória “à redução da massa salarial por efeito quantidade”, obtida a partir da diminuição do
número de funcionários públicos (cfr. p. 40).
Ora, tais razões não justificam, à luz do princípio da igualdade, que as remunerações dos trabalhadores
pagos por verbas públicas, e só destes, continuem a ser atingidas por reduções durante esses três anos.
Perante a exigência de igualdade na repartição dos encargos públicos, não é constitucionalmente admissível
que a estratégia de reequilíbrio das finanças públicas assente na redução da despesa por via da continuação
do sacrifício daqueles mesmos trabalhadores.
E, caso fosse necessário responder à segunda questão, note-se que, ainda que se continuasse a tolerar tal
escolha, chegar-se-ia ao mesmo juízo de inconstitucionalidade, tendo em conta que a fórmula da reversão
estabelecida nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º possibilita, como se disse, o prolongamento do período de vigência
dos cortes até 2018, sem que, simultaneamente, assegure uma recuperação progressiva efetiva da redução
salarial. Trata-se, na verdade, simplesmente, da subsistência, por mais três anos, de uma redução
remuneratória que, em extremo, pode ser igual, até ao fim do triénio, a 80% daquela que vem vigorando desde
2011.
Sublinhamos que não se pretende, evidentemente, pôr em causa a boa-fé ou a “reta intenção” do Governo,
que terá genuína vontade de que as coisas se passem como prevê. Não se formula um juízo subjetivo sobre a
intenção do legislador, antes se verificando, simplesmente, que a norma não garante, por força da sua própria
formulação, que as coisas se passem, inevitavelmente, como ela estabelece – rectius, como a Nota Técnica
explicita.
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18. Em suma, o Tribunal entende que o que os n.os
2 e 3 do artigo 4.º garantem aos destinatários das suas
normas é uma redução salarial incerta, de percentagem decrescente absolutamente variável entre 80% da
prevista para 2014 e zero, no período entre 2016 e 2018.
Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 353/2012, em passo já transcrito, «a diferença do grau de sacrifício
para aqueles que são atingidos por esta medida e para os que não o são não pode deixar de ter limites (…) Na
verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade proporcional, pelo que a desigualdade justificada pela
diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do
tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo
revelar-se excessiva.»
Nas circunstâncias atuais, a medida da diferenciação subjacente à fórmula adotada nos n.º 2 e 3 do artigo
4.º, possibilitando, repete-se, a subsistência, por mais três anos, de uma redução remuneratória que pode ser
igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011, ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível aos
trabalhadores pagos por verbas públicas, nada havendo de comparável que afete outros tipos de rendimentos.
Nesta medida, não é possível deixar de considerar que ofende o princípio da igualdade.
III — Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do
Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República;
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os
2 e 3, do
mesmo Decreto, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Lisboa, 14 de agosto de 2014 – João Pedro Caupers – Carlos Fernandes Cadilha – Lino Rodrigues
Ribeiro (com declaração de voto) – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Fernando Vaz
Ventura (vencido quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto que junto) – Maria Lúcia
Amaral (vencida quanto à alínea b) da decisão, conforme declaração que junto)– José da Cunha
Barbosa (vencido quanto à alínea b), nos termos da declaração que junto)– Maria de Fátima Mata-
Mouros (vencida, parcialmente na alínea a) e vencida na alínea b) de acordo com a declaração junta)–
Catarina Sarmento e Castro (vencida quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto junta) –
Maria José Rangel de Mesquita (vencida quanto à alínea b) da Decisão, nos termos da declaração de voto que
se junta) – Pedro Machete (vencido quanto à alínea b) da decisão nos termos da declaração junta)– Joaquim
de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a inconstitucionalidade das normas contidas nos n.os
2 e 3 do artigo 4º, em conjugação com o artigo
2.º, do Decreto nº 264/XII da Assembleia da República, com fundamento diferente do que foi adotado no
Acórdão.
Na sequência dos Acórdãos n.os
353/2012, 187/2013 e 413/2014, a medida de redução remuneratória
estabelecida nas normas impugnadas é confrontada com o princípio da igualdade proporcional, considerando-
se que a diferenciação subjacente à fórmula adotada no artigo 4.º para a “reversão” dos cortes salariais
ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível aos trabalhadores em funções públicas, nada havendo de
comparável que afete os demais titulares de rendimentos, designadamente os provenientes das remunerações
pagas pelo setor privado.
Todavia, à luz do objetivo definido para a medida sob escrutínio – redução da despesa pública –, a
comparação deveria ser estabelecida entre os titulares dos rendimentos do trabalho afetados pela redução
remuneratória e os titulares dos demais rendimentos obtidos através de verbas públicas. Não havendo
fundamento razoável para tratamento desigual das várias categorias de rendimentos, a universalidade da
medida imporia que fossem afetados, em igual medida e com as necessárias adaptações, todos aqueles que
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obtêm rendimentos provenientes do orçamento de estado. Segundo o critério escolhido, a razoabilidade na
igualdade ou desigualdade de tratamento tem que se basear na comparação entre o grau de sacrifício que a
redução remuneratória representa para os trabalhadores da Administração Pública e o sacrifício
eventualmente imposto a todos aqueles que auferem rendimentos provenientes de receitas públicas (v.g.
contratos de diferente natureza). Eleger como par comparativo os trabalhadores do setor privado ou os
titulares de rendimentos que não provêm de receitas públicas implica o (i) reconhecimento de “alguma
diferenciação entre quem recebe por verbas públicas e quem atua no setor privado da economia”, (ii) a
necessidade de medir a extensão dessa diferenciação, (iii) e a ponderação da medida da diferença com a
extensão da desigualdade de tratamento. Ora, a determinação dessa diferença não pode ser feita com o
necessário rigor, porque no mesmo contexto de emergência económico-financeira foram tomadas outras
medidas que afetaram negativamente os demais titulares de rendimentos, tornando-se assim difícil, num
controlo de evidência, averiguar a proporcionalidade da desigualdade.
A relação da redução remuneratória com o fim visado pode ser confrontada com o princípio da proibição do
excesso, sem ser necessário tomar em conta a desigualdade com os rendimentos do setor privado. A primeira
vez que a medida foi criada – orçamento de 2011 – a norma passou os “testes “ da proporcionalidade,
considerando-se que as reduções remuneratórias, para além de idóneas e indispensáveis, não se podiam
considerar excessivas, em face das dificuldades a que visavam fazer face: «justificam esta valoração,
sobretudo, o seu caráter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos
particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afetados» (Acórdão n.º 396/2011).
O caráter transitório e excecional da medida restritiva do direito à retribuição constituiu fundamento do juízo
de constitucionalidade de norma idêntica no orçamento de 2013 (Acórdão n.º 187/2013) e do juízo de
inconstitucionalidade no orçamento de 2014, neste caso apenas quanto ao agravamento da medida, por se
julgar ultrapassado o limite de sacrifício exigido pela excecionalidade da situação económico-financeira
(Acórdão n.º 413/2014).
Da conjugação do artigo 2.º com o artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII resultam as seguintes reduções
remuneratórias: (i) para o ano económico de 2014, iguais às estabelecidas na LOE de 2011; (ii) para o ano
económico de 2015, iguais a 80% da aplicável em 2014; (iii), para os anos económicos de 2016 a 2018, a que
for fixada em função da disponibilidade orçamental, variando entre a aplicável em 2015 e zero; (iv) para o ano
económico de 2019, deixa de existir qualquer redução remuneratória.
No corrente ano de 2014, o Acórdão n.º 413/2014 considerou que a medida, na modelação inicial, não era
excessiva, por se tratar de um exercício orçamental ainda condicionado pelo Programa de Assistência
Económica e Financeira (PAEF), pelo que a mesma ponderação não pode deixar de ser efetuada
relativamente à redução prevista nas normas questionadas.
Para o ano de 2015, atenta a justificação dada pelo proponente das normas, ainda se pode considerar a
existência de circunstâncias excecionais prevalecentes sobre os interesses particulares afetados. Com efeito,
existe pendente na União Europeia (EU), desde 2010, um Procedimento por Défice Excessivo, interrompido
com o PAEF, que vincula o Estado a pôr termo à situação que o justifica, reduzindo em 2015 o défice
orçamental para 2,5% do PIB. Aceita-se que por esta razão a norma questionada ainda se encontra dentro do
quadro de excecionalidade e transitoriedade que justificou as reduções remuneratórias nos anos anteriores.
Mas o mesmo não se verifica com as reduções previstas para o triénio de 2016 a 2018. As reduções
remuneratórias foram impostas num contexto de grave crise económico-financeira que reclamava uma
atuação rápida para garantir o financiamento do Estado. A gravidade da situação ordenava que se agisse de
imediato, se fosse preciso à custa de restrições a direitos fundamentais. O risco grave e iminente de default foi
evitado através da assunção de compromissos internacionais e europeus que visavam ultrapassar o estado de
emergência. A urgência remetia, pois, para um estado de coisas absolutamente excecional que justificava uma
intervenção restritiva nas remunerações de quem aufere por verbas públicas, dada a “eficácia imediata” na
consolidação ou redução do défice orçamental (Acórdão n.º 396/2011). Um tal registo permaneceu excecional
com as necessidades a que pretendeu fazer face, em especial a de cumprir o PAEF e a de cessar o
Procedimento por Défice Excessivo.
Acontece que as normas impugnadas, no horizonte temporal referido, indiciam um estado de urgência
permanente que tende a tornar normal a medida de redução remuneratória dos trabalhadores da
Administração Pública. Com efeito, o excesso de perduração temporal da medida generaliza a situação de
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urgência que a ditou, sem resolver definitivamente a situação problemática das finanças públicas, uma vez que
uma intervenção em situação de urgência não resolve duravelmente o problema da sustentabilidade das
finanças públicas. Ora, a duração da medida por um período de oito anos, o correspondente a um quinto da
vida ativa de um trabalhador, transforma o transitório em normal. As normas impugnadas comprometem-se
assim na via de um “provisório permanente” que é excessivamente onerosa para os afetados. Se a
necessidade urgente de fazer face a uma situação de grave e extrema emergência financeira não tornava
excessivo o sacrifício da remuneração, a mesma ponderação não pode ser feita quando a temporalidade do
excecional tende a impor-se como normal. Para os fins da consolidação orçamental e da sustentabilidade a
longo prazo das finanças públicas, que são objetivos da responsabilidade nacional e de interesse nacional,
não é razoável impor por oito anos consecutivos sacrifícios adicionais a um determinado grupo de cidadãos,
sem que tenham sido criadas alternativas que evitassem o prolongamento da medida após a cessação do
PAEF. Neste contexto, a gravidade do sacrifício que se impõe nas normas questionadas sobrepõe-se ao fim
que se pretende alcançar, em evidente desconformidade com o princípio da proibição do excesso.
Lino Rodrigues Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Encontro-me vencido no que respeita à pronúncia de não inconstitucionalidade constante da alínea a) da
decisão, pois entendo que as normas contidas nos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII, as quais contêm o
essencial do regime de reduções remuneratórias incidentes sobre um conjunto de trabalhadores, agentes e
titulares de cargos públicos, que têm em comum auferirem rendimentos através de verbas públicas, para
vigorarem pelo remanescente do ano de 2014 e pelos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 violam o princípio da
igualdade (artigo 13.º da Constituição) em todo o seu âmbito de aplicação temporal.
Com efeito, e em linha com o que referi em declaração de voto junta ao Acórdão n.º 413/2014 (tributário do
entendimento constante dos Acórdãos 396/2011 e 187/2013, de que me afastei), agora que se
mostra ultrapassada a situação de emergência financeira – por natureza temporária e de curto prazo - que
precedeu e conduziu ao PAEF, e que também está no origem do incumprimento que conduziu ao
Procedimento de Défice Excessivo em curso, considero que não existe justificação material válida para que se
continue a diferenciar negativamente quem recebe por verbas públicas, atribuindo a esse grupo de pessoas
uma posição sacrificial de primeira linha na prossecução do objetivo de redução do défice orçamental e, em
geral, de equilíbrio das contas públicas, que a todos, enquanto comunidade, envolve, interessa e beneficia. Tal
tarefa, como o esforço associado de redução da dívida pública, diz respeito à generalidade dos cidadãos, não
existindo razões válidas para que seja feito recair com peso acrescido sobre os trabalhadores e agentes que
recebem a sua remuneração por verbas públicas, por confronto com os demais trabalhadores e titulares de
outros rendimentos.
Nessa medida, a infração do princípio da igualdade que considero presente na medida de redução
remuneratória constante do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII atinge toda a sua expressão sacrificial, pois
considero-a, desde o ponto inicial do programa normativo que emana da articulação desse preceito com o
mecanismo contido no artigo 4.º do diploma, desprovida de justificação material bastante. Esse juízo atinge
naturalmente a aplicação da medida no período remanescente do corrente ano de 2014 e também, por maioria
de razão, a cumulação da redução remuneratória nos quatro anos subsequentes – o que potencia o sacrifício -
, independentemente do seu grau mais mitigado - 80% do valor inicial - no decurso do ano de 2015 e,
potencialmente, nos anos subsequentes, até 2019.
Assim sendo, a linha argumentativa que suporta a pronúncia de inconstitucionalidade constante da alínea
b) da decisão, incluindo a indeterminação e contingência que decorre da conformação normativa do
mecanismo de reversão decorrente dos n.º 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII, condicionado ao
preenchimento do conceito inteiramente aberto de disponibilidade orçamental, constitui um plus, reforçando o
juízo de inadmissibilidade constitucional, por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos
públicos, que decorre da repetida – acumulada - desigualdade de tratamento na repartição dos encargos
públicos entre quem recebe remuneração por verbas públicas e quem aufere outros rendimentos.
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Nessa medida, por decorrência lógica de fundamentos mais abrangentes, acompanho a pronúncia de
inconstitucionalidade constante da alínea b) da decisão, incidente sobre a vertente do programa normativo de
reduções remuneratórias relativa aos anos de 2016, 2017 e 2018.
Fernando Ventura
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto à pronúncia de inconstitucionalidade pelas seguintes razões:
1. O Tribunal faz assentar o presente juízo de inconstitucionalidade na manutenção da sua própria
jurisprudência sobre anteriores medidas legislativas que impunham reduções remuneratórias.
Como sempre dissenti dessa jurisprudência (cfr., por último, a minha declaração de voto aposta no Acórdão
n.º 413/2014), não posso deixar de divergir de mais uma decisão jurisprudencial que oferece, como único ou
principal argumento para o juízo de inconstitucionalidade, a autoridade de fundamentos passados que nunca
compartilhei. A este ponto, no entanto, acresce um outro, que, no presente caso, assume acentuada
relevância.
Se, nas decisões anteriores a que acima me referi, o ponto nevrálgico da dissensão (tal como a entendi),
se situava no devido traçar de fronteiras entre a competência própria do Tribunal Constitucional e a
competência própria do legislador ordinário – tendo eu sempre concluído que, quando aplicada ao domínio das
reduções salariais, a fórmula da “igualdade proporcional” conduziria o Tribunal a ocupar um espaço que nos
termos constitucionais apenas ao poder legislativo pertence –, por maioria de razão concluo que, no presente
caso, a manutenção acrítica de argumentos sustentados no passado exponencia em muito o desequilíbrio já
existente entre o que, de acordo com a CRP, cabe à jurisdição constitucional e o que pode e deve fazer o
poder político, legitimamente mandatado. De forma alguma compreendo por que razão se entende que a
Constituição proíbe que este último possa desenhar uma política económica no quadro de uma previsão de
quatro anos, onde, relativamente aos “cortes salariais” iniciados em 2011, se apresente comoplano possível o
faseamento da sua progressiva reversão. Como não entendo que seja possível aplicar a este mapa futuro – e
desse modo condicionando estratégias político-económicas de médio prazo – a fórmula da “igualdade
proporcional”, com o seu teste do “limite do sacrifício”. Qual o par comparativo que, no quadro incerto de um
plano político futuro (sem que se saiba quais são as decisões que vão ser tomadas em domínios outros como
os que pertencem à política fiscal), pode ser eleito para efeitos de comparação? Qual a medida de diferença
de tratamento [entre quem e quem] a ser apreciada sob o ponto de vista da proporcionalidade? Qual, enfim, o
critério seguro para aferir do seu excesso, daí se extraindo o juízo de inconstitucionalidade?
2. Mas para além de todas estas dúvidas, para as quais não encontrei resposta, um outro ponto há na
fundamentação do Acórdão que merece a minha dissensão.
Enquanto, nas suas anteriores decisões sobre “cortes” salariais no setor público, o Tribunal decidiu as
questões que lhe foram colocadas sem que na sua argumentação se tivesse sequer ponderado o mandato
constitucional para com a integração europeia (cf. artigo 7.º, n.os
5 e 6 da CRP), a presente decisão, embora
se limite a remeter para jurisprudência anterior, dedica uma parte da sua fundamentação à descrição do
quadro normativo de coordenação e governação da União Económica e Monetária.
Contudo, fica-se sem saber, afinal, por que motivo invoca agora o Tribunal esse quadro normativo, e qual a
relevância jurídico-constitucional que lhe confere. Na verdade, nenhuma conclusão valorativa dele se retira
quanto à ponderação própria a fazer no âmbito da “igualdade proporcional”. Por que motivo se não tiveram em
conta, no julgamento sobre a questão de constitucionalidade, as constrições externas à República, e que
perduram para além de 2015?
Além da relevância constitucional conferida à participação da República na União Europeia e às suas
responsabilidades na realização do projeto de integração (cf. artigo 7.º, n.os
5 e 6 da CRP), as quais
constituem em si mesmasum valor da própria ordem constitucional, seguramente que não será jurídico-
constitucionalmente irrelevante a consequência que para a República Portuguesa poderá advir do eventual
incumprimento dessas mesmas responsabilidades. Ora, as Recomendações específicas dirigidas a um
Estado-Membro, no âmbito de um procedimento por défice excessivo, são atos jurídicos cujo incumprimento
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determina o acionamento de sanções previstas designadamente no n.º 11 do artigo 126.º do TFUE. A essas
sanções poderão acrescer sanções específicas estabelecidas no artigo 5.º do Regulamento (UE) n.º
1173/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro, relativo ao exercício eficaz da
supervisão orçamental na área do euro.
Mas mesmo à margem de um procedimento por défice excessivo, as responsabilidades da República
decorrentes do quadro normativo de coordenação e governação da UEM jamais poderão considerar-se, uma
vez mais face ao artigo 7.º, n.os
5 e 6 da CRP, jurídico-constitucionalmente irrelevantes.
Do mesmo modo, não será jurídico-constitucionalmente irrelevante a consequência que para a República
Portuguesa poderá advir do eventual incumprimento do disposto no Tratado sobre Estabilidade, Coordenação
e Governação na União Económica e Monetária (Tratado Orçamental). De entre os diversos requisitos de
disciplina orçamental aí fixados importa realçar o constante do artigo 3.º, no qual se determinam as metas
específicas a atingir pelo saldo estrutural anual das administrações públicas de cada país. É inquestionável o
qualificado valor de interesse público que se deve atribuir ao cumprimento destas exigências, particularmente
se se tiver em linha de conta o disposto no Considerando 25 do referido Tratado. Com efeito, aí se prevê que
«a concessão de assistência financeira no quadro de novos programas ao abrigo do Mecanismo Europeu de
Estabilidade ficará condicionada, a partir de 1 de março de 2013, à ratificação do presente Tratado pela Parte
Contratante em questão, e, logo que expire o período de transcrição a que se refere o artigo 3.º, n.º 2, do
presente Tratado, ao cumprimento dos requisitos estabelecidos nesse artigo» (itálico nosso). Ainda que as
premissas na base das quais foram fixados tais requisitos possam ser objeto de controvérsia no espaço
público (político, científico e académico), não cabe evidentemente ao Tribunal pronunciar-se sobre a sua
bondade.
Assim, e qualquer que seja o princípio constitucional à luz do qual se aprecie a conformidade constitucional
de uma medida legislativa – incluindo o princípio da igualdade nos termos da fórmula da “igualdade
proporcional” – em caso algum pode deixar de integrar-se na ponderação o mandato constitucional para com a
integração europeia.
A isto acresce que, num quadro jurídico extremamente complexo, envolvendo não só uma pluralidade de
ordens jurídicas, mas também uma pluralidade de instituições criadas a fim de assegurar o bom
funcionamento da UEM, nos termos do disposto pelo artigo 3.º, n.º 4, do TUE e do Título VIII da Parte III do
TFUE, não cabe a um tribunal constitucional nacional – seja o Tribunal Constitucional de Portugal ou outro –
definir ou sequer condicionar a evolução futura da UEM. Tal significa que não pode deixar de reconhecer-se às
diferentes instituições, no âmbito das respetivas competências – e, portanto, também, ao legislador nacional
de cada Estado-Membro – uma amplíssima margem de liberdade conformadora quanto à adoção de medidas
que se inserem no quadro de um esforço conjunto, europeu, de cooperação entre os vários Estados da
União, maxime entre os vários Estados da “Zona Euro”, em ordem à estabilização financeira e económica
dessa mesma “Zona” (cfr. ponto 3 da minha declaração de voto aposta no Acórdão n.º 353/2012).
Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Divergi do juízo adotado pela maioria quanto à inconstitucionalidade dos artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 a 3, do
Decreto n.º 264/XII, da Assembleia da República, consideradas conjugadamente, por entender que as normas
neles contidas não comportam violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
2. Os cortes remuneratórios introduzidos pelo legislador naquele Decreto distinguem-se dos anteriores
num duplo plano. Em primeiro lugar, apesar de ter “caráter transitório” (cfr. o artigo 1.º, n.º 1), a medida em
causa assume natureza plurianual, destinando-se a vigorar não só em 2014, mas também em 2015, 2016 e
2017, até à sua total extinção em 2018. O mencionado artigo 4.º estabelece as regras a que deve obedecer a
gradual reversão do corte remuneratório. Em segundo lugar, o contexto no quadro do qual a redução
remuneratória é efetuada é também ele distinto, visto que, concluído o Programa de Assistência Económica e
Financeira (“PAEF”), reabre-se para o Estado português a necessidade de estrito cumprimento das regras
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europeias em matéria orçamental, plasmadas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no
Protocolo e nos Regulamentos que desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento (“PEC”) e ainda no
Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (“Tratado
Orçamental”). Em síntese, esse adimplemento passa pela correção, já em 2015, da situação
de deficit excessivo em que Portugal se encontra (para -2,5% do PIB), e a partir daí, pela aplicação da vertente
corretiva do PEC, algo que implicará o cumprimento de uma trajetória de ajustamento do saldo estrutural até
atingir o objetivo de médio prazo atualmente fixado em -0,5% do PIB (cfr. o Documento de Estratégia
Orçamental 2014-18, o Parecer Técnico n.º 2/2014 sobre o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018,
da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, de 21.05.2014, e o Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º
3/2014, de maio 2014).
3. Considerou maioritariamente o coletivo que os artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto n.º 264/XII,
conjugadamente, na medida em que prevêm que a redução remuneratória dos trabalhadores do setor público
permaneça para lá de 2015 em proporções não totalmente especificadas, violava o princípio da igualdade, nas
suas dimensões de igualdade perante os encargos públicos e de igualdade proporcional. Manteve-se, pois, fiel
ao standard já adotado noutra sede (cfr. os acórdãos n.ºs 353/2012, 187/2013 e 413/2014, disponíveis
emwww.tribunalcontsitucional.pt), em virtude do qual concluiu que, não obstante existir fundamento
(“particularismo distintivo”) para alguma diferença de tratamento entre trabalhadores pagos por verbas públicas
e os restantes trabalhadores, a medida de diferenciação seria inequitativa e desproporcionada, não tendo as
razões invocadas pelo legislador valia suficiente para justificar a dimensão de tal diferença, sobretudo tendo
em conta a possibilidade de recurso a soluções alternativas. O fim do PAEF e a atenuação do contexto de
excecionalidade que o mesmo importava para as finanças nacionais acentuariam a obrigação deste desfecho.
Não obstante as referências por vezes feitas a um “critério de evidência”, o qual indiciaria um escrutínio de
menor intensidade (cfr. o acórdão n.º 353/2012), é patente que o Tribunal se vem afastando progressivamente,
desde o acórdão n.º 396/2011, de um controlo da igualdade como aquele que é ínsito ao princípio da proibição
do arbítrio. Esse afastamento surpreende-se, entre outros aspetos, na insistência quanto à existência
de soluções alternativas – maxime, no juízo quanto à dispensabilidade da redução remuneratória na
prossecução do objetivo de consolidação orçamental – circunstância que indicia um entendimento sobre o
teste da “necessidade” dificilmente compaginável com a margem de apreciação de que o legislador deve
necessariamente dispor em matérias complexas e que envolvem prognoses empíricas e normativas.
4. Mesmo tomando como adequado o standard adotado, no cerne da nossa divergência encontra-se,
porém, o modo como o coletivo apreciou a “justa medida” subjacente à manutenção do corte remuneratório
para os anos de 2016, 2017 e 2018, isto é, o modo como ponderou o acréscimo de sacrifício trazido pela
redução e os interesses públicos convocados pelo legislador. Alguns aspetos merecem, neste ponto, a nossa
particular atenção.
4.1. Um deles prende-se com o peso a conferir ao interesse público subjacente à redução remuneratória.
Não se veem razões para contestar o juízo empreendido pelo legislador quanto à necessidade de prosseguir
na rota de consolidação orçamental. Esse interesse é ditado não só por obrigações assumidas pelo Estado
português no quadro da integração europeia (cfr. o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na
União económica e monetária, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 84/12, e incorporado
na Lei de Enquadramento Orçamental, na sua redação atual), mas também, independentemente de tais
vínculos, por uma certa conceção de finanças públicas, assente num direito financeiro responsável e
intergeracionalmente equitativo.
Conforme avançado supra, o contexto de aplicação da redução remuneratória em 2016, 2017 e 2018não
é o contexto de excecionalidade ditado pelo Programa de Assistência Económico-Financeira. São, com efeito,
inegáveis e incomparáveis os constrangimentos por este impostos como condição do financiamento das
tarefas fundamentais do Estado português. Sucede, no entanto, que o esforço de consolidação
orçamental não se esgotou com aquele programa, resultando igualmente de outros compromissos que o
Governo, naturalmente, ambiciona honrar.
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4.2. Por outro lado, a redução remuneratória em causa, revertida nos termos do artigo 4.º do Decreto, não
ascende a um nível de onerosidade tal que permita continuar a sufragar a tese de que se está perante uma
diferenciação de tratamento “acentuada e significativa” entre trabalhadores do setor público e os demais.
Na verdade, os cortes que se prefiguram valer para os exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 traduzem
uma ablação significativamente menor do que aquela que esteve subjacente às Leis do Orçamento para 2012,
2013 e 2014, e certamente menor, pressuposta a reversão, do que a introduzida por banda da LOE 2011.
Acresce ainda o facto de o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 não prever qualquer redução da
carga fiscal atualmente vigente – leia-se, de medidas de alcance universal, impostas pela via tributária – e de
salvaguardar, ainda, o progressivo desbloqueamento das progressões e promoções das carreiras nas
administrações públicas (cfr. o Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, p. 41). Mais acresce a
salvaguarda de a reversão total vir a ocorrer até 2018, ou seja, como se afirma no n.º 3 do artigo 4.º, no prazo
máximo de quatro anos.
5. Com base nestes elementos, sufragar-se-ia uma ponderação com diferente desfecho, concluindo, por
conseguinte, pela validade constitucional da medida prevista nos artigos 2.º e 4.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto,
conjugadamente, à luz do princípio da igualdade.
J. Cunha Barbosa
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei a decisão de inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII da
Assembleia da República, tendo em conta o seu âmbito de aplicação apenas para os meses em falta do ano
orçamental em curso (2014), por violação do princípio da igualdade em razão dos fundamentos constantes já
da minha declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 413/2014.
No que respeita às normas que determinam a vigência, nos anos subsequentes, das reduções
remuneratórias previstas no artigo 2.º em “conjugação” com o artigo 4.º do mesmo Decreto, pronunciei-me no
sentido de o pedido não dever ser conhecido, essencialmente pelas razões que de seguida passo a expor.
2. É o pedido que delimita o objeto do processo no tocante às normas que o Tribunal pode conhecer e que
se cingem às normas cuja apreciação tiver sido requerida (artigo 51.º, n.os
1 e 5, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, relativa à Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional [LTC]). Dirigindo-se
o juízo de (in)constitucionalidade à dimensão funcional de uma norma, enquanto resultado de determinado ato
legislativo, ele só pode incidir sobre a norma identificada no pedido e que não se confunde com o mero
preceito legal que a incorpora.
Como salientado por RUI DE MEDEIROS, «a razão fundamental para não flexibilizar o princípio do pedido na
fiscalização abstrata arranca da própria caracterização do Tribunal Constitucional como órgão jurisdicional
pela Lei Fundamental. (…) [A] desvalorização da necessidade de iniciativa (…) agravaria incomportavelmente
o perigo de transformação do Tribunal Constitucional “numa superpotência constitucional”. (…) [Num] sistema
que atribui às declarações de inconstitucionalidade força obrigatória geral, torna-se imperioso assegurar que o
processo de fiscalização da constitucionalidade não constitua, tanto do pondo de vista material, como na
perspetiva funcional, legislação» (cfr. RUI DE MEDEIROS, A decisão de inconstitucionalidade, UCE, 1999, p.
449).
O princípio da correspondência entre o pedido e a pronúncia judicial pressupõe, por conseguinte, uma
rigorosa delimitação, pelo pedido, do tema a decidir e, portanto, a discutir. A esta delimitação deve
corresponder, grosso modo, a decisão do Tribunal Constitucional. Nada disto se verificou no presente acórdão.
Desde logo, o pedido incide sobre:
- As normas constantes dos n.os
1 a 15 do artigo 2.º do Decreto n.º 264/XII;
- As normas constantes dos n.os
1 a 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII.
E o Tribunal pronunciou-se sobre:
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- As normas do artigo 2.º em articulação com o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII (alínea a) da
decisão);
- As normas do artigo 2.º em articulação com os n.os
2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII (alínea b)da
decisão).
3. O artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII prevê medidas de reversão gradual da redução remuneratória
temporária prevista no artigo 2.º do mesmo diploma. Do seu teor é possível inferir um programa normativo
orientado para o fim das reduções remuneratórias que incidem sobre os trabalhadores do setor público, a
implementar ao longo de um período de quatro anos, o que pressupõe a manutenção da incidência de cortes
salariais nos próximos orçamentos de Estado. Assim, as normas que determinam a aplicação das reduções
remuneratórias aos anos subsequentes a 2014 resultam da interpretação “conjugada” (na formulação do
acórdão) dos artigos 2.º e 4.º do Decreto. No entanto, as referidas normas nada nos dizem sobre a dimensão
do valor da reversão para os anos subsequentes a 2015 (neste ano prevê-se uma reversão de 20% da
redução prevista no artigo 2.º, no artigo 4.º, n.º 1), ou sobre a relevância do peso destas medidas,
designadamente por comparação com outras medidas de redução da despesa ou aumento da receita,
relativamente a todos os orçamentos subsequentes a 2014.
Apesar desta indefinição normativa, o requerimento apresentado não inclui nenhuma concretização
referente às dimensões normativas do artigo 4.º que pretende ver sindicadas, deixando inteiramente ao
Tribunal a tarefa de delimitação do seu alcance. Ao Tribunal Constitucional apenas cabe a apreciação de
conformidade constitucional de normas ou critérios normativos que lhe sejam pedidos. Não cabe, porém, ao
Tribunal substituir-se ao Requerente na delimitação da “substância normativa” a sindicar nos preceitos legais
elencados como objeto do pedido. Tão pouco constitui sua incumbência a definição do regime que vigorará em
função do sentido das alterações aprovadas com o diploma sob escrutínio.
4. No que respeita à fundamentação do pedido, o Requerente não vai além da manifestação de dúvidas
referentes à conformidade constitucional das normas em análise com os princípios constitucionais da
igualdade e da proteção da confiança, tendo em conta a interpretação dos mesmos que vem sendo feita pelo
Tribunal Constitucional, em especial nos Acórdãos n.os
353/2012, 187/2013 e 413/2014.
Porém, nos arestos mencionados o Tribunal não considerou qualquer tipo de «reversão da redução
remuneratória» como a prevista no artigo 4.º do Decreto.
Acresce salientar que foi sempre em consideração do contexto das leis orçamentais em que se inseriam
que o Tribunal julgou as normas que introduziam reduções remuneratórias violadoras do princípio da
“igualdade proporcional” por implicar um sacrifício excessivo para o grupo de pessoas visado. Ora, o contexto
orçamental dos anos vindouros é um dado que o Tribunal ainda não conhece (nem pode conhecer) – pelo que
não poderá ser objeto de ponderação, no contexto do presente processo.
5. E, todavia, um tal conhecimento apresenta-se como pressuposto indispensável à análise que nos é
pedida.
De acordo com a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 239/XII, que deu origem ao Decreto objeto
do presente processo, as medidas de reduções remuneratórias em apreço surgem associadas exclusivamente
a objetivos de consolidação orçamental e sustentabilidade da despesa. Não configuram instrumentos ao
serviço de um programa de redução estrutural e permanente da despesa gerada pelo pagamento das
contraprestações remuneratórias devidas no âmbito da relação jurídica de emprego público. De facto, «em
termos de excecionalidade, não existem dúvidas de que estamos, portanto, perante medidas de natureza
estritamente orçamental» - cfr. Nota Técnica do Governo, junta aos autos.
Ora, sendo assim, só será possível avaliar a sua validade à luz dos parâmetros constitucionais convocáveis
diante do concreto contexto orçamental em que elas surgirem.
6. Nos termos do artigo 106.º, n.º 1, da CRP, a Lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e
executada, anualmente, de acordo com a respetiva Lei de Enquadramento.
Ainda que sejam já conhecidas as metas de consolidação orçamental a que Portugal se vinculou, bem
como as regras orçamentais europeias aplicáveis, designadamente as referentes ao Procedimento de Défice
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Excessivo e ao Objetivo de Médio Prazo a atingir em 2017, sendo igualmente conhecidas as metas
orçamentais inscritas no “Tratado Orçamental” (o Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da
União Económica e Monetária), no Direito da UE, e na Lei de Enquadramento Orçamental, os instrumentos
normativos para as alcançar apenas serão concretizados anualmente, através das leis de orçamento a aprovar
pela Assembleia da República, democraticamente eleita.
Desconhecido o contexto orçamental referente aos anos orçamentais subsequentes a 2014, a que aludem
as normas contidas no artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII, onde se insere a vigência das reduções
remuneratórias nos anos vindouros (por articulação do artigo 2.º do mesmo Decreto), torna-se impossível para
o Tribunal analisar a respetiva conformidade constitucional, designadamente à luz dos parâmetros
constitucionais invocados pelo Requerente, em especial do princípio da igualdade, princípio constitucional
considerado violado na jurisprudência proferida na matéria.
7. Em face de tudo o que se vem de expor, inevitável será concluir que, nesta parte (as normas relativas à
vigência das reduções remuneratórias pós-2014), o pedido não se encontra definido nem fundamentado de
forma suficiente a poder ser apreciado pelo Tribunal Constitucional no respeito pela exigência contida no n.º 5
do artigo 51.º da LTC (que lhe exige que apenas se pronuncie sobre “normas cuja apreciação tenha sido
requerida”).
Ademais, foi essa a solução encontrada por este Tribunal para parte do pedido formulado no processo de
fiscalização preventiva do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, que correu termos em paralelo
com este, baseado em requerimento em tudo idêntico ao do pressente processo. Afigura-se-me
incompreensível a diferença de tratamento para este processo, quando as “normas” aqui apreciadas revelam
um défice de densidade normativa equivalente àquelas cujo conhecimento foi rejeitado nesse outro processo,
pelo que, para serem objeto de pronúncia foram, afinal, desenhadas pelo próprio Tribunal.
8. A fiscalização preventiva constitui uma função jurisdicional do Tribunal Constitucional, residindo o seu
escopo na garantia de que não entrarão em vigor normas constitucionalmente inválidas.
Caracterizando-se a atividade do Tribunal Constitucional, como a de qualquer tribunal, pela passividade,
não lhe cabendo decidir da oportunidade da sua intervenção, constitui ónus do órgão requerente, enquanto
órgão detentor da iniciativa processual, o papel de selecionar os casos em que se justifica a fiscalização
preventiva, fundamentando o pedido com argumentos que possam ser sindicados jurisdicionalmente. O
respeito pelo princípio do pedido assim o exige.
De outro modo a apreciação do Tribunal correria o risco de ser confundida com uma função meramente
consultiva, o que não se integra na competência de administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-
constitucional que constitucionalmente lhe está atribuída (artigo 221.º da CRP).
9. Apesar de todas as dificuldades acima assinaladas, o Tribunal decidiu conhecer da validade das “normas
conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.º 1, do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República” e das “normas
conjugadas dos artigos 2.º e 4.º, n.os
2 e 3, do mesmo Decreto”. Assim sendo, concluí pela
inconstitucionalidade das mesmas no que respeita aos meses em falta do ano orçamental em curso (2014),
como acima comecei por salientar, e sou forçada a concluir pela não inconstitucionalidade das normas
relativas à redução remuneratória pós-2014. Desde logo, porque as normas são de tal forma vagas que é
impossível nelas descortinar qual será o valor da remuneração decorrente do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto. Se
é assim, não vejo como aplicar os parâmetros constitucionais convocados pelo pedido sobre uma redução,
cujo valor desconheço. Mas, mesmo que tal não fosse o caso, cumpre-me referir que, sendo desconhecido o
contexto orçamental das normas em causa, referente aos anos orçamentais subsequentes a 2014, me é
impossível avaliar a sua conformidade com o princípio da igualdade uma vez que não é possível aplicar a
fórmula daquele princípio (igualdade ponderada), que julgo dever ser aplicada nesta matéria – uma vez que
esta implica o conhecimento desse contexto.
Esse conhecimento do contexto orçamental também é essencial para a aplicação do teste da ponderação,
integrado no princípio da tutela da confiança (face às legítimas expetativas dos trabalhadores à remuneração a
que têm contratualmente direito), bem como dos restantes parâmetros que devem ser adotados em matéria de
restrição de direitos fundamentais.
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Em suma, a minha conclusão pela não inconstitucionalidade no âmbito deste Decreto não significa uma
mudança de posição relativamente à que tomei nos Acórdãos n.os
187/2013 e 413/2014.
Maria de Fátima Mata-Mouros
DECLARAÇÃO DE VOTO
I.
Fiquei vencida quanto à alínea a) da decisão. Considero inconstitucionais as normas conjugadas do artigo
2.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República - que impõe reduções remuneratórias com valores
iguais aos estabelecidos pela Lei n.º 55-A/2010 -, e do artigo 4.º, n.º 1 - que as admite até 2015, ainda que,
nesse ano, reduzidas em 20%.
Na sequência do que afirmei em anteriores declarações de voto (veja-se a Declaração ao Acórdão n.º
187/2013, bem como a Declaração ao Acórdão n.º 413/2014), é importante que se sublinhe que decorridos
vários exercícios orçamentais consecutivos, não pode continuar a servir de justificação às medidas de redução
remuneratória impostas a quem recebe por verbas públicas a invocação de que estas seriam, ainda, a única
opção com efeitos certos, seguros e imediatos para a realização dos objetivos orçamentais traçados. Menos
ainda poderá defender-se que tendo a redução remuneratória, com idênticos valores, passado o teste de
constitucionalidade em 2011 (Acórdão n.º 396/2011), deva emitir-se um juízo de não inconstitucionalidade
para os anos de 2014 e de 2015.
Discordo do presente Acórdão quando sustenta que as legítimas expetativas de uma melhoria da situação
remuneratória não implicam, necessariamente, que essas expetativas exijam um regresso aos níveis salariais
de 2010, logo em 2014 (nem mesmo em 2015).
O decurso do tempo fez com que a excecionalidade e a transitoriedade das reduções remuneratórias, que
sustentaram um juízo de não inconstitucionalidade quanto às normas que as impuseram em 2010, deixassem
de poder ser invocadas.
Como anteriormente escrevi, o período entretanto decorrido impõe um acréscimo de exigência no sentido
de serem encontradas alternativas (conformes à Constituição) que evitem o prolongamento da medida. No
caso, a previsão das normas agora em apreciação duplicaria o tempo de esforço, pelo que os (mesmos)
visados acumulariam sacrifícios ao longo de 4 anos mais, num total de 8 anos! Encontra-se, por isso, há muito
ultrapassado o limite do sacrifício admissível, verificando-se a inexistência de justificação suficiente para
manter a assimetria a que são sujeitos os titulares destes rendimentos, por um lado, mas a redução
remuneratória a que a decisão se refere falha também, independentemente da assimetria, em si mesma, o
teste da proporcionalidade.
Note-se que, como se afirmou em Declaração de voto ao Acórdão n.º 187/2013, e como reconhece o
presente Acórdão, o prejuízo sofrido por estes destinatários ao longo do tempo não se limitou a reduções
remuneratórias reiteradas: sofreram, entre outras medidas, a supressão efetiva do subsídio de férias e de
Natal em 2012; foram afetados pelo aumento do horário de trabalho para 40 horas; pela redução adicional na
compensação sobre o valor do pagamento do trabalho extraordinário; pela alteração das regras das ajudas de
custo nas deslocações em serviço; pela proibição de valorizações remuneratórias decorrentes de promoções
ou progressões; pelo aumento da carga de trabalho decorrente da redução de efetivos e limites à contratação;
pelo aumento da contribuição para a ADSE; pelo agravamento fiscal que atingiu todos os trabalhadores
(reduções de escalões de IRS, aumento das taxas; imposição de uma sobretaxa de 3,5% no IRS; redução de
deduções à coleta …).
Os destinatários das normas são agora sujeitos a um esforço adicional prolongadíssimo, que se acentua se
também tivermos em consideração o esforço já acumulado (i.e., a acumulação da ablação de rendimentos
sofrida ao longo dos anos e outras medidas sacrificiais decretadas).
Não se ignora que, findo o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), Portugal se encontra,
de novo, sujeito a um procedimento de défice excessivo (artigo 126.º do TFUE) e obrigado por metas - como a
de redução do défice -, em virtude de vinculações decorrentes, nomeadamente, do Direito da União Europeia
e do Tratado Orçamental.
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Mas, tal procedimento – aberto, em 2009 pela UE, a Portugal (mas, então, também à Alemanha, Áustria,
Bélgica, Eslováquia, Eslovénia, Itália, Países Baixos, República Checa) – foi imposto para cumprimento de
objetivos que são, ainda assim, menos exigentes do que os definidos pelo PAEF a que Portugal veio a estar
sujeito até maio de 2014 (e que, enquanto durou, fez suspender a vigência do mencionado procedimento).
Apesar da existência de metas, as várias vinculações que atualmente obrigam Portugal não impõem a adoção
desta ou daquela medida em concreto para sua realização, i.e., não obrigam a que as metas sejam atingidas
mediante redução remuneratória dos que recebem por verbas públicas.
E, sobretudo, hoje, - como antes, durante a vigência do PAEF - tais vinculações não põem o legislador, na
definição das medidas concretizadoras de tais objetivos, a salvo do escrutínio de constitucionalidade a realizar
pelo Tribunal Constitucional.
Escrutínio que, em matéria de direitos fundamentais, deve ser especialmente rigoroso. Mesmo admitindo a
possibilidade de afetação do direito à remuneração – aqui, no seu quantum -, o legislador sempre teria de
apresentar uma justificação especialmente robusta – que, como já antes escrevi, invocou em 2010 (condições
excecionais e extremamente adversas; medidas seriam indispensáveis ao reequilíbrio das contas públicas e
apresentavam-se como mais eficazes do que outras, sendo o modo mais certo e rápido de obtenção da verba
imediatamente necessária), e de respeitar os princípios constitucionais estruturantes.
Também por isso, não subscrevo a fundamentação do Acórdão quando, em matéria de direitos
fundamentais, inverte, do ponto de vista metodológico, o ónus de fundamentação, e sustenta (ponto 13) que
um dos fundamentos para se decidir pela não violação do princípio da proteção da confiança (no caso, quanto
ao ano de 2015) é o não haver elementos suficientemente claros para suportar o juízo de inadmissibilidade
constitucional.
Para que, até final de 2014, e em 2015 (como aceita o Acórdão) e nos anos subsequentes até 2018, se
ponha em causa a remuneração (ainda que na mesma medida que em 2010), voltando a sacrificar-se os
mesmos para além do que já lhes foi imposto ao longo do tempo, teria de ser apresentada uma razão
suficientemente forte. A questão está em saber se a procura do equilíbrio orçamental, do respeito pelo limite
do défice estrutural, e pela ratio entre a dívida pública e o PIB podem, sem violação da Constituição, continuar
a fazer-se à custa da redução dos salários dos trabalhadores que recebem por verbas públicas. E, a meu ver,
o legislador não apresentou justificação bastante para continuar a fazê-lo.
Acresce que são optimistas as previsões do Governo relativas à situação económico-financeira, refletidas
no Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018, como o Acórdão dá conta, aliás. Melhoria que abriu as
portas, por exemplo, ao desagravamento do IRC a que já fizéramos referência em declaração de voto anterior
(Declaração de voto ao Acórdão n.º 413/2014).
Assim sendo, e reiterando as razões constantes de anteriores declarações de voto, teria sustentado um
juízo de inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade, mas também da proporcionalidade, das
reduções remuneratórias (quer da norma que as impõe em si mesmas – se consideradas independentemente
da sua duração para o futuro - quer da norma que, embora prevendo a sua reversão, as faz prolongar até
2018).
II.
Votei a alínea b) da decisão, acompanhando o juízo de inconstitucionalidade relativo às normas conjugadas
do artigo 2.º e dos números 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República,
subscrevendo a violação do parâmetro constitucional apontado na fundamentação.
Havendo já anteriormente considerado inconstitucionais as normas que mantiveram, ou ampliaram, as
reduções remuneratórias impostas aos trabalhadores no ativo que auferem por verbas públicas, prolongando-
as no tempo, e sujeitando os que as sofrem a um progressivo acumular de sacrifícios, não poderia deixar de
subscrever a presente decisão quando rejeita – do ponto de vista da constitucionalidade - a possibilidade da
manutenção das reduções – ainda que com a amplitude consagrada em 2010 – para o triénio 2016-2018.
Ao considerar, como acima sumariamente expus, que, já hoje, e perante as circunstâncias atuais, as
reduções remuneratórias são violadoras da Constituição, por desrespeito dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, não posso deixar de votar uma decisão que aponta no sentido da inconstitucionalidade das
reduções para o triénio 2016-2018, por, concordando com a maioria, julgar que no período em questão, - e, a
meu ver, atentos os dados disponíveis -, não existem razões de interesse público relevantes que justifiquem a
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redução remuneratória (relembre-se, em sintonia com posições precedentes que a este propósito assumi, e
com o que acima se escreveu, que já antes defendi a inexistência de tais razões).
Catarina Sarmento e Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida quanto à alínea b) da Decisão e à pronúncia, nela contida, pela inconstitucionalidade das normas
conjugadas dos artigos 2.º (Redução remuneratória) e 4.º (Reversão gradual da redução remuneratória
temporária), n.ºs 2 e 3, do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República, pelas razões essenciais que de
seguida se explicitam.
As normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII estabelecem, respetivamente, uma medida de
«Redução remuneratória» semelhante à estabelecida no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro
(Lei do Orçamento de Estado para 2011) e um programa normativo de «Reversão gradual» daquela «redução
remuneratória temporária» com início (certo) em 1 de janeiro de 2015 e termo (certo) no prazo máximo de
quatro anos – sendo o valor percentual da reversão apenas certo para o ano de 2015 (20%) e, assim, incerto
para o triénio 2016-2018. Da conjugação das normas destes artigos resulta, assim, que a medida de
«Redução remuneratória» se afigura como uma medida, normativamente configurada como medida de
redução da despesa e – diversamente da medida contida na norma da Lei do Orçamento de Estado para 2011
– plurianual (quadriénio 2014-2018) e com termo certo de reversão (total) da redução salarial em 2019.
O Acórdão, na apreciação das questões de constitucionalidade, leva em conta o critério de apreciação que
enunciou nos Acórdãos n.º 396/2011, n.º 353/2012, n.º 187/2013 e n.º 413/2014 o qual respeita, por um lado à
existência de um fundamento para a diferenciação – daqueles que recebem remunerações pagas por verbas
públicas – e, por outro, à medida dessa diferença, concluindo que a medida da diferenciação subjacente à
fórmula adotada nos n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º, possibilitando a subsistência, para além de 2015, no triénio 2016-
2018, de uma redução remuneratória que pode ser igual a 80% daquela que vem vigorando desde 2011,
ultrapassa os limites do sacrifício adicional exigível ao trabalhadores que auferem por verbas públicas, assim
violando o princípio da igualdade (cfr. n.os
17 e 18).
Considera-se, na senda do que se entendeu na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 413/2014 (cfr. A)
e seus fundamentos, que, no contexto temporal de aprovação do Decreto n.º 264/XII, ainda de
excecionalidade económico-financeira, subsistem as razões de interesse público, inerentes desde logo à
«Estratégia de consolidação orçamental» determinada pelas obrigações específicas assumidas pelo Estado
português ao nível internacional (Fundo Monetário Internacional) e da União Europeia, por via do Programa de
Assistência Económica e Financeira (e também pelos Memorando de entendimento sobre as
condicionalidades de política económica e do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras acordados,
respetivamente, com a Comissão Europeia e o FMI) – e, assim, do Programa de ajustamento económico e
financeiro de que Portugal foi objeto (cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Decisão de Execução do Conselho de 30 de maio
de 2011 relativa à concessão de assistência financeira da União a Portugal (2011/344/UE) e, também, artigo
7.º do Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de maio de 2013
(programa de ajustamento macroeconómico)) – que podem ainda justificar a diferença de tratamento daqueles
que auferem rendimentos pagos por verbas públicas que, por essa razão, podem ser chamados a suportar um
esforço acrescido – também porque mais prolongado no tempo – face ao imperativo de adoção de medidas de
redução de despesa que concorram para o cumprimento daquelas obrigações. Assim é, em especial, por força
dos valores, mais exigentes, de 4%, fixado para o défice orçamental para 2014 e de 2,5%, fixado para o défice
orçamental para 2015, dos efeitos do PAEF (e obrigações e, parcialmente, medidas dele decorrentes) que
perduram em 2015 (cfr., em especial, o artigo 3.º, n.º 8, alínea a) e alíneas g) e h), da Decisão de Execução do
Conselho 2011/344/UE na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234/UE) e, ainda das
imposições do procedimento por défices excessivos em curso (cfr. a Recomendação do Conselho de junho de
2013 com vista ao termo da situação de défice excessivo (cfr. 10562/13 de 18/6/2013 e 10562/13 COR 1 de
20/6/2008) que impõe que seja posto termo à situação de défice excessivo em 2015 (Recomendação 1) e um
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valor de 4% para o défice de 2014 e de 2,5% para o défice de 2015 e uma melhoria do equilíbrio estrutural,
respetivamente de 1,4% e de 0,5% do PIB (Recomendação 2)). Por isto se acompanha a alínea a) da Decisão
do Acórdão e respetiva fundamentação, embora sem acompanhar as considerações quanto às melhorias da
situação económico-financeira e seus reflexos.
Entende-se todavia, quanto ao período temporal que transcende 2015 (triénio 2016/2018) – e diversamente
da fundamentação e conclusão do Acórdão nesta parte (cfr. n.ºs 17 e 18) – que apesar do termo de vigência
do PAEF ocorrer em 2014 e o termo do procedimento por défice excessivo ocorrer previsivelmente em 2015,
no contexto de aprovação do Decreto n.º 264/XII, existem ainda razões de interesse público que podem
justificar a referida diferença e a sua manutenção, por um período plurianual que se estende para além de
2015 e com termo (certo) no fim de 2018. Tais razões são, em geral as atinentes ao cumprimento das
obrigações que decorrem do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no quadro da política
económica e também do Pacto de Estabilidade e Crescimento e dos Regulamentos que o integram e,
também, ainda que num plano diverso (de direito internacional), do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e
Governação na União Económica e Monetária, assinado em 2 de março de 2012; e, em especial, o facto de
uma vez concluído o PAEF em 2014 e, assim, terminada a isenção da supervisão e avaliação no quadro do
Semestre Europeu para a coordenação das políticas económicas (previsto no artigo 2.º-A da Secção 1-A do
Regulamento (CE) n.º 1466/97 do Conselho de 7 de julho de 1997, na redação do Regulamento (UE) n.º
1175/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de novembro de 2011) durante o período de vigência
do programa (cfr. artigo 12.º do Regulamento (UE) n.º 472/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21
de maio de 2013), Portugal passa a ficar sujeito àquela supervisão e avaliação no quadro do Semestre
Europeu e à apresentação dos programas nacionais de estabilidade e de convergência e do programa
nacional de reformas (cfr., em especial artigo 2.º-A, n.º 2, c) e d) da Secção 1-A, e artigos 3.º e 7.º do
Regulamento n.º 1466/97 e Recomendação do Conselho de 8 de julho de 2014 relativa ao Programa Nacional
de Reformas de Portugal para 2014 e que formula um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade
de Portugal para 2014, em especial Considerando (4), in fine) – a que se liga o imperativo de um objetivo
orçamental de médio prazo (específico de cada Estado membro) e da trajetória de ajustamento conducente ao
objetivo fixado (artigo 2º-A do Regulamento n.º 1466/97 e artigos 3.º, n.º 2, a) e 7.º, n.º 2, a) do mesmo
Regulamento). Em conformidade Portugal, apesar de o termo do PAEF não ter então ainda ocorrido,
apresentou um Documento de Estratégia Orçamental (2014-2018), atualizado em 30 de abril de 2014 –
também conforme previsto no artigo 3.º, n.º 8, alínea g) da Decisão de Execução do Conselho 2011/344/UE,
na redação da Decisão de Execução do Conselho 2014/234UE – visando corrigir o défice excessivo até 2015
e atingir o objetivo orçamental de médio prazo até 2017 – em consonância com o acolhido pela Lei de
Enquadramento Orçamental (Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto, republicada em último lugar pela Lei n.º
41/2014, de 10 de julho – cfr., em especial, o artigo 12.º-C).
O caráter plurianual da medida de redução remuneratória consagrada pelas normas do artigo 2.º do
Decreto n.º 264/XII, conjugadas com as normas do artigo 4.º, incluindo os nºs 2 e 3, do mesmo Decreto
afigura-se consentânea com as referidas obrigações e, em especial, com o objetivo orçamental de médio
prazo – e o correspondente quadro plurianual de programação orçamental (cfr. artigo 12.º-D da Lei de
Enquadramento Orçamental).
Ora o controlo constitucional agora convocado para as normas constantes dos artigos 2.º e 4.º do Decreto
n.º 264/XII, não pode, em nosso entender, deixar de ponderar aquele interesse público para além de 2015
(sem olvidar a possível subsistência de outras medidas decorrentes das Leis do Orçamento de Estado para
2013 e 2014 que, algumas com e outras sem alcance universal, contribuem de algum modo para a repartição
diversa dos encargos públicos). Por isso se entende que, não obstante a medida de redução remuneratória, na
configuração vertida no Decreto n.º 264/XII, ser concebida num quadro de vigência plurianual e abrangendo
também o triénio 2016/2018 (n.ºs 2 e 3 do artigo 4.º) – e nessa medida impor, face à sua configuração
decorrente da Lei do Orçamento de Estado para 2011 e reiterada nas Leis do Orçamento de Estado para 2012
e 2013, um esforço acrescido, porque ainda mais prolongado no tempo, aos que auferem remunerações por
verbas públicas –, não se verifica de forma evidente a desigualdade de tratamento na repartição dos encargos
públicos que justifique uma pronúncia pela inconstitucionalidade por se encontrarem ultrapassados os limites
do sacrifício.
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Assim, e sendo certo que, com a medida de redução remuneratória em causa, os trabalhadores que
auferem por verbas públicas se mostram mais onerados – e temporalmente mais onerados – na distribuição
dos encargos públicos, por comparação com os titulares de outros tipos de rendimentos, a diferença de
tratamento, fundamentada na diferença de posições dos abrangidos e dos excluídos da medida em causa, não
se afigura excessiva e desproporcionada, enquanto expressão de uma medida ainda excecional e (como se
assume expressamente na epígrafe do artigo 4.º do Decreto n.º 264/XII) «temporária» (ou seja, não definitiva),
ainda que plurianual (e para além do período de vigência de medida similar em 2011, 2012 e 2013), justificada
em face do interesse público de contenção da despesa pública, de redução do défice e de prossecução de um
objetivo orçamental de médio prazo.
Maria José Rangel de Mesquita
Declaração de voto
1. As normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII da Assembleia da República concretizam
normativamente a opção político-orçamental de contenção da massa salarial das Administrações Públicas em
ordem a alcançar as metas quanto à redução do défice orçamental e da dívida pública definidas para Portugal
no quadro de coordenação e governação da União Económica e Monetária, em geral, e do Pacto de
Estabilidade e Crescimento, em especial.
De acordo com a Recomendação do Conselho de 21 de junho de 2013 – uma «recomendação específica
por país» (country-specific recommendation) emitida ao abrigo do artigo 126.º, n.º 7, do TFUE e prevista no
âmbito da vertente corretiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (cfr., em particular, o Regulamento (CE)
n.º 1467/97 do Conselho, de 7 de julho) – Portugal deve reduzir o seu défice orçamental nominal para 4% do
PIB em 2014 e 2,5% do PIB em 2015, de modo a encerrar o Procedimento por Défice Excessivo (PDE)
iniciado em 2009 (e suspenso durante a vigência do PAEF). Porém, uma vez atingido esse objetivo, a vertente
preventiva do citado Pacto (cfr., em especial, o artigo 121.º do TFUE e o Regulamento (CE) n.º 1466/97 do
Conselho, de 7 de julho) prevê, além da manutenção do saldo orçamental nominal abaixo do referencial de 3%
do PIB, o cumprimento de uma trajetória de ajustamento do saldo orçamental estrutural até à consecução do
«objetivo de médio prazo» (OMP) – no que se refere a Portugal, um saldo estrutural definido em -05% do PIB
a atingir em 2017; sobre o OMP, cfr. o artigo 2.º-A do Regulamento (CE) n.º 1466/97). Enquanto não for
alcançado esse objetivo, o ajustamento anual do saldo estrutural não pode ser inferior a 0,5% do PIB e a taxa
líquida de crescimento da despesa pública encontra-se fortemente condicionada (cfr. o artigo 12.º-C da Lei n.º
91/2001, de 20 de agosto – Lei de Enquadramento Orçamental ou LEO – e o artigo 72.º-B e seguintes do
mesmo diploma; v. também o artigo 3.º do Tratado Orçamental).
No tocante à redução da dívida pública, com o encerramento do PDE inicia-se um período transitório de
três anos (2016-2018) que antecede a aplicação da regra de correção do excesso de dívida ao ritmo de 5% ao
ano (cfr. o artigo 10.º-G da LEO). Durante esse período, e em ordem a progredir satisfatoriamente na redução
do rácio da dívida, o saldo orçamental estrutural deve ser ajustado de acordo com certos critérios quantitativos
(cfr., em especial, o ponto 4.4., pág. 12 e seguintes, do Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014
– Análise do Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018).
Confirma-se, por conseguinte, a ideia já afirmada na minha declaração de voto junta ao Acórdão n.º
413/2014 de que «o termo do PAEF não é um “ponto de chegada”, mas antes simples “estação” num caminho
(longo) em direção à situação orçamental sustentável. E, até lá, a liberdade conformadora do legislador
orçamental encontra-se – ou continua – fortemente limitada» (cfr. o respetivo n.º 1.1.). Na verdade, os
interesses conexionados com a redução do défice orçamental e com a redução da dívida pública – que, aliás,
o presente acórdão também não deixa de reconhecer (cfr. o início dos respetivos n.os
13 e 17) – estão
suficientemente identificados e quantificados, e constituem, pela sua importância no plano da economia
nacional e da integração europeia, interesses públicos de primeira grandeza suscetíveis de fundarem políticas
públicas de médio e longo prazo adequadas à sua prossecução. De resto, isso mesmo é confirmado, a
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propósito da análise do Documento de Estratégia Orçamental 2014-2018 (DEO 2014-2018), por um órgão
técnico independente, como o Conselho de Finanças Públicas (cfr. Relatório cit., p. ii):
«[O]s objetivos orçamentais traçados pelo DEO/2014 são adequados ao estado das finanças públicas e da
economia. A necessidade de prosseguir na rota de consolidação orçamental e de continuar a melhorar os
resultados alcançados durante a vigência do programa de assistência financeira é indiscutível.»
Sublinhe-se, por outro lado, que o referido balanço das perspetivas macroeconómicas de Portugal também
não pode deixar de relevar ao nível de eventuais expetativas quanto a uma rápida reversão de medidas
impositivas de sacrifícios de natureza transitória: nesse plano, e uma vez mais, não só o terminus do PAEF
não é sinónimo de regresso ao statu quo ante, como ainda há que percorrer várias outras etapas no processo
de ajustamento (pelo menos: encerramento do PDE em 2015, consecução do OMP em 2017 eaproveitamento
racional do período transitório pós-PDE de 2016 a 2018). Acresce que inexiste qualquer evidência – aliás, bem
pelo contrário, a dar crédito à posição assumida pelo Conselho de Finanças Públicas – de que o esforço
inerente àquela opção político-orçamental seja, em si mesmo considerado, inadequado ou excessivo.
2. As razões justificativas da mencionada opção político-orçamental e do seu recorte específico são
enunciadas no DEO 2014-2018 nos seguintes termos (cfr. pp. 39-40):
«Tendo assegurado a conclusão formal do 11.º exame regular, a preparação do Documento de Estratégia
Orçamental para o período pós-Programa implicou uma reavaliação das perspetivas de médio-prazo em
termos de política orçamental. Esta reavaliação assentou, em particular, na importância de iniciar a reversão
de medidas de carácter transitório, executadas num contexto de emergência financeira
Tendo em conta os compromissos assumidos no quadro europeu e a importância de garantir a
sustentabilidade das finanças públicas, a questão principal residiu na determinação do espaço orçamental
disponível para iniciar o processo de reversão, atendendo a dois pressupostos-chave: (i) a compensação do
impacto orçamental da decisão de forma a cumprir o limite para o défice em 2015; e (ii) a opção por medidas
de carácter permanente para assegurar a continuidade do ajustamento no futuro.
Neste contexto foram tomadas as opções que se seguem.
(i) Reversão da redução remuneratória nas APs
Desde 2011, os trabalhadores do sector público têm a sua remuneração reduzida pela aplicação de uma
taxa progressiva, gerando assim um quadro no qual os trabalhadores com salários mais baixos são protegidos
e os trabalhadores que auferem remunerações mais elevadas são chamados a contribuir com um maior
esforço para a consolidação orçamental. A aplicação destas reduções deve ser de carácter transitório, uma
vez que introduziu uma distorção excessiva entre trabalhadores menos qualificados e aqueles com maiores
qualificações e responsabilidades.
A disciplina orçamental exige que a massa salarial das Administrações Públicas (APs) permaneça contida.
Porém, a redução no número de funcionários públicos que tem ocorrido por força da reduzida taxa de
substituição das aposentações e da execução de programas de rescisões por mútuo acordo, permitiu e
continuará a permitir a redução da massa salarial por efeito quantidade. Assim, cria-se espaço orçamental
para reverter de forma gradual a medida de redução remuneratória atualmente em vigor, sem que tal resulte
da massa salarial agregada nas APs.
Deste modo, o aumento de eficiência e de produtividade na APs, traduzido na prestação de serviços
eficientes e de qualidade com menos recursos, refletindo também o investimento na desmaterialização de
processos, centralização de serviços e racionalização de procedimentos, reverterá em benefício também dos
trabalhadores das APs.
Nesses termos, o Governo aprovou, e pretende discutir com os representantes dos trabalhadores, a
reversão gradual das reduções remuneratórias, tendencialmente num horizonte de cinco anos. Em particular,
prevê-se:
• Para 2015, a reversão de 20% da taxa de redução aplicada atualmente;
• A partir de 2016, a manutenção do valor da massa salarial das APs, com os efeitos da diminuição do
número de efetivos e outros ganhos de eficiência a condicionar o ritmo da reversão da redução
remuneratória.»
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É esta a razão fundamental quer para a unidade e incindibilidade do programa normativo dos artigos 2.º e
4.º do Decreto n.º 264/XII, quer para a indeterminação relativa do ritmo da reversão da redução
remuneratóriaa partir de 2015. De qualquer modo, é de ressaltar a garantia de uma reversão total no prazo
máximo de quatro anos, a qual é reforçada pelo reconhecimento expresso do efeito de distorção associado à
medida de redução remuneratória aplicada desde 2011 aos trabalhadores das Administrações Públicas. Com
efeito, resulta da interpretação conjugada daqueles dois preceitos, e considerando ainda a transitoriedade
expressamente afirmada no artigo 1.º, que:
(i) A redução remuneratória aplicável aos trabalhadores em causa – e que tem um figurino semelhante ao
estabelecido no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 e dezembro (LOE 2011) – pode vigorar durante os
restantes meses do corrente ano de 2014 e até ao fim de 2018;
(ii) Em 2019 tal redução remuneratória não será aplicada;
(iii) Os orçamentos do Estado de 2015 a 2018 deverão fixar uma percentagem de reversão da mesma
redução remuneratória em função da disponibilidade orçamental, sendo que a percentagem aplicável em 2015
deverá ser de 20%.
Por outro lado, a propósito do teste da necessidade ou indispensabilidade da medida aferida com
referência à respetiva proporcionalidade, o Governo salienta o seguinte na Nota Técnica junta ao presente
processo (v. p. 77):
«[Para a consecução da] redução sustentada do défice e da despesa pública nos termos acordados com as
instâncias internacionais, que permita assegurar o financiamento do Estado português[,] não sobra outra
alternativa viável ao legislador, que não passe pela redução das remunerações do universo dos trabalhadores,
agentes e titulares de cargos públicos que aufiram rendimentos através de verbas públicas. As alternativas
que, no plano hipotético, se poderiam divisar implicariam um aumento da carga fiscal – que, entretanto, atingiu
níveis que dificilmente podem ser ultrapassados sem consequências nefastas para a economia,
designadamente para o aumento do desemprego – ou a redução da despesa pública (que deixasse intocados
salários e pensões), o que só se imagina possível – atendendo aos valores necessários – com uma afetação
séria da qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos».
Esta estimativa quanto ao nível da carga fiscal é, além disso, expressamente corroborada na parte
conclusiva do mencionado Relatório do Conselho de Finanças Públicas n.º 3/2014 (p. ii):
«A definição e o cumprimento de limites de despesa é essencial para assegurar a estabilidade e
sustentabilidade das finanças públicas, sobretudo quando o país esgotou o espaço para o crescimento da
dívida pública e da carga fiscal e tem de contar com investimento privado de qualidade, virado para os
sectores transacionáveis e para o aumento da produtividade, com vista a concretizar a estratégia que o
DEO/2014 corretamente enuncia.»
3. Atentas as mencionadas justificações, e considerando de modo particular a imprevisibilidade para além
de certos limites da evolução da economia, não pode deixar de se considerar a medida de reversão das
reduções remuneratórias aplicadas aos trabalhadores das Administrações Públicas como suficientemente
caracterizada, fundamentada e balizada: a mesma tem um termo inicial e um termo final definidos; e tem
igualmente um sentido geral que só não é mais densificado, nomeadamente no que se refere ao ritmo da
reversão da redução remuneratória durante o triénio 2016-2018, por razões de prudência relacionadas com a
necessidade de assegurar a contenção do valor da massa salarial a suportar por aquelas entidades, que são
atendíveis e, em si mesmas consideradas, também são razoáveis. Na verdade, sendo o objetivo da política de
emprego público (com a necessária projeção orçamental no médio e longo prazo) a reversão da redução
remuneratória aplicada aos trabalhadores das Administrações Públicas sem, ao mesmo tempo, aumentar o
valor da respetiva massa salarial, torna-se evidente a interdependência entre o ritmo da reversão da redução
remuneratória e a diminuição do número de efetivos e outros ganhos de eficiência, conforme explicitado no
DEO 2014-2018: o espaço orçamental para a reversão das reduções remuneratórias é criado em função da
«redução da massa salarial por efeito quantidade» imputável àqueles dois fatores. Existe ainda um incentivo
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legal forte no sentido de os órgãos superiores das Administrações Públicas acelerarem o processo do seu
redimensionamento no respeitante ao número de efetivos e aos mencionados ganhos de eficiência, já que em
2019 a lei prevê a cessação das reduções remuneratórias.
Comparando com a situação atual, e que dura desde 2011 devido às sucessivas renovações em leis
orçamentais, verifica-se que o legislador, reconhecendo embora a subsistência de um quadro de necessidade
de redução urgente da despesa pública, se compromete com um dado horizonte temporal para fazer cessar a
política de redução das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas. Atentos os diversos
fatores condicionantes da reversão de tal política – os quais em larga medida escapam ao controlo do
legislador –, não se afigura desrazoável salvaguardar alguma flexibilidade quanto ao ritmo a observar na
concretização da mesma reversão.
Pelo exposto, não parece que o grau de indeterminação que caracteriza o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto n.º
264/XII se deva ter por excessivo. Tal indeterminação, além de balizada pelos termos inicial e final da reversão
das reduções remuneratórias, encontra a sua razão de ser – que é objetivamente justificada – no interesse
público de contenção do valor da massa salarial das Administrações Públicas ao nível atual até dezembro de
2018.
4. No que se refere à persistência de reduções remuneratórias aplicáveis por força da lei aos trabalhadores
das Administrações Públicas, durante os restantes meses do corrente ano de 2014 e, possivelmente, até ao
final de 2018, e à sua avaliação à luz do princípio da igualdade, mantenho que o Tribunal Constitucional, ao
efetuar o juízo correspondente com base no artigo 13.º da Constituição, está habilitado a escrutinar tanto
a racionalidade do fundamento invocado pelo legislador para conferir a diferentes grupos de cidadãos
tratamentos jurídicos diversos, quanto a, mais intensamente, a razoabilidade da medida da diferenciação (cfr.
a declaração de voto conjunta feita no Acórdão n.º 187/2013). No primeiro caso, aplicável a diferenças de
tratamento de menor intensidade e afetando grupos de pessoas em razão de determinadas situações, o
princípio da igualdade vale, sobretudo, como proibição do arbítrio, cujo respeito é controlado com base num
critério de evidência (a desigualdade é proibida, caso não se funde num qualquer fundamento racional e
objetivo); no segundo caso, aplicável a diferenciações jurídicas mais intensas que atingem grupos de pessoas
em razão de aspetos pessoais ou que interferem com a respetiva autonomia pessoal, o princípio da igualdade
vale como proibição de tratamento desigual na ausência de uma justificação substancial e objetiva (a
desigualdade é permitida se e na medida em que se mostre justificada com base num fundamento substancial
e objetivo). O controlo do respeito do princípio da igualdade implica, então, um juízo de proporcionalidade
destinado a verificar: (i) se o fim – interno (consideração de diferenças objetivas preexistentes invocadas para
justificar a diferenciação jurídica estabelecida) ou externo (criação de diferenças de tratamento pelo próprio
legislador em vista de certo fim, determinando ele próprio a espécie e o peso de tais diferenças) – visado pela
desigualdade de tratamento é legítimo; (ii) se tal desigualdade é adequada e necessária para a prossecução
desse fim; e (iii) se existe uma justa medida ou equilíbrio entre a importância do fim prosseguido e a extensão
da diferenciação jurídica (sobre a aplicação do princípio da igualdade na jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal alemão e as insuficiências da formulação da chamada “Nova Fórmula”, cfr. a síntese de
Pieroth, Schlink, Kingreen e Poscher, Grundrechte – Staatsrecht II, 29. Aufl., C.F. Müller, Heidelberg, 2013,
Rn. 470 e ss., pág. 113 e ss.).
4.1. Em vista do fim visado pelo autor das normas dos artigos 2.º e 4.º do Decreto n.º 264/XII – recorde-se:
a consolidação orçamental por via da manutenção do valor da despesa com pessoal –, as reduções
remuneratórias em apreciação, na sua generalidade, não podem ser consideradas arbitrárias, já que, para
aqueles efeitos, os rendimentos com origem em verbas públicas se distinguem essencialmente dos
rendimentos com outras origens – justamente porque se trata de rendimentos provenientes do orçamento do
Estado, o seu aumento ou diminuição repercute-se imediatamente no nível da despesa pública – sendo a sua
diminuição, por isso, adequada àquele objetivo (cfr. os Acórdãos n.os
396/2011, 353/2012 e 187/2013).
4.2. Contudo, tais razões já não valem prima facie em relação àquelas pessoas que tenham um vínculo
com entidades abrangidas na enumeração do artigo 2.º, n.º 9, do Decreto n.º 264/XII, mas cujas
remunerações, não sendo pagas por via do orçamento do Estado, também não relevem como despesa
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pública. Nesses casos, a redução das remunerações não contribui para a consolidação orçamental por via da
redução da despesa pública e, consequentemente, tão-pouco contribui para o esforço de redução da dívida
pública. É o que sucede, por exemplo, com os gestores públicos e os trabalhadores de empresas públicas
abrangidos, respetivamente, pelas alíneas o) e r) do citado preceito, desde que as empresas em que exerçam
funções: (i) sejam qualificáveis como «produtor mercantil», nos termos e para os efeitos do Sistema Europeu
de Contas Nacionais e Regionais (cfr. quanto ao SEC 95, o Regulamento (CE) n.º 2223/96 do Conselho, de 25
de junho, Anexo A, ponto 2.68; e quanto ao SEC 2010, o Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 21 de maio, Anexo A, ponto 20.05); e (ii) não tenham sido «reclassificadas»,
conforme previsto no artigo 2.º, n.º 5, da LEO.
A falta de adequação entre a redução remuneratória aplicada a essas pessoas e o fim invocado pelo
legislador para a justificar inculca que tal medida, nessa parte, não possa deixar de ser tida como arbitrária.
Porém, como este aspeto implica ponderações e desenvolvimentos distintos dos realizados nos Acórdãos
n.os
396/2011, 353/2012, 187/2013 e 413/2014 e o pedido fiscalização preventiva da constitucionalidade se
reporta apenas à suscetibilidade de violação de princípios e normas constitucionais – como, entre outros, o
princípio da igualdade – «tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013 e n.º
413/2014» (cfr. o n.º 4.º do requerimento), entendo que, sob pena de violação do princípio do pedido, tal
matéria não deve ser objeto de decisão no presente processo.
4.3. Quanto à avaliação da razoabilidade da medida de diferenciação, e considerando como termo de
comparação único a proveniência (pública/não pública) dos rendimentos, verifica-se não ser possível
determinar objetivamente a medida da diferença e, por conseguinte, o limiar a partir do qual o “limite do
sacrifício” de quem é tratado diferenciadamente se pode considerar ultrapassado.
Prosseguindo o fim de interesse nacional de redução da despesa pública – a consolidação orçamental pelo
lado da despesa –, o legislador decidiu diminuir os rendimentos de quem recebe por verbas públicas, criando
ele próprio uma desigualdade (sucedendo que os demais cidadãos não podem sequer ser afetados por tais
medidas, sendo-o embora, e porventura juntamente com alguns que fazem parte do primeiro grupo, afetados
por muitas outras medidas igualmente destinadas à consolidação das contas públicas). Simplesmente, dada a
diversidade de medidas adotadas em ordem à consolidação orçamental e o diferente modo como todos foram
por elas atingidos, não é possível estabelecer comparações e, consequentemente, aferir da razoabilidade de
eventuais diferenças de tratamento.
Aliás, como notam os Autores acima referidos – ob. cit., Rn. 473 e 474, pág. 114 –, estando em
causafinsexternos, «a justificação [para a diferença de tratamento jurídico] não pode localizar-se nas próprias
diferenças [criadas pelo legislador], mas tão só nos fins por ele prosseguidos com tal diferenciação». Mais: a
avaliação do teste da necessidade ou indispensabilidade da medida acaba por desempenhar, nos casos em
que a diferença é criada pela própria medida legislativa – e independentemente de se tratar de uma
diferenciação estabelecida in melius ou in peius –, um papel menos relevante do que o que lhe pertence na
avaliação da proporcionalidade de restrições a direitos, liberdades e garantias, já que, para o fim visado pelo
legislador – um fim externo, portanto –, existem por via de regra múltiplas alternativas que afetam de modo
diverso as pessoas integradas num ou noutro dos grupos que resultam da aplicação daquela medida. Em tais
situações, será suficiente para formular um juízo negativo sobre a violação do princípio da igualdade que não
se divise uma alternativa à medida diferenciadora que, sendo igual ou menos onerosa para o Estado, seja
cumulativamente: (i) mais eficaz na prossecução do fim visado; e (ii) menos prejudicial para o grupo de
pessoas desfavorecido em consequência da diferenciação jurídica em análise (cfr. Autores cits., ob. cit., Rn.
475, pág. 114).
Ora, no caso sujeito não se vislumbra uma alternativa que cumpra todas essas condições. Vale, por isso,
também aqui a consideração feita na declaração conjunta anexa ao Acórdão n.º 187/2013 (cfr. o respetivo n.º
6):
«[A maioria entende que] ao aumentar a carga fiscal, e logo, a universabilidade dos encargos (que passam
assim a ser repartidos de forma mais generalizada por todos os contribuintes) mas ao persistir em
sobrecarregar adicionalmente os que recebem por verbas públicas, o legislador estará a desconsiderar a
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igualdade “externa”que une tanto uns como outros cidadãos, excedendo com isso a justa medida em que se
deveria comportar o sacrifício sofrido pelos trabalhadores públicos e pensionistas.
[…]
[Simplesmente, com este argumento] – que serve para que se responda negativamente à questão de saber
se a medida legislativa se inclui ainda nos “limites do sacrifício” – o Tribunal atribuiu-se uma competência (de
aferir a “justa medida” da diferença a partir de uma situação de igualdade a priorística que considera como um
dado vinculante) que, segundo cremos, deveria caber ao legislador. É que, como já vimos, não é este um
domínio em que a Constituição proíba a priori o estabelecimento de diferenças entre as pessoas, seja tendo
em linha de conta o seu critério (pagos ou não pagos por verbas públicas), seja tendo em linha de conta o
seu fim (redução da despesa pública por razões de equilíbrio orçamental).»
Pedro Machete
__________
PROJETO DE LEI N.O 645/XII (3.ª)
PRIMEIRA ALTERAÇÃO AO REGIME DO SEGREDO DE ESTADO E ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL
Exposição de motivos
A Assembleia da República aprovou a Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, que estabelece o Regime
do Segredo de Estado e procede à vigésima primeira alteração ao Código de Processo Penal e à trigésima
primeira alteração ao Código Penal e revoga a Lei n.º 6/94, de 7 de abril.
Tratando-se de matéria no âmbito da qual se torna imperativo estabelecer um justo equilíbrio entre a
salvaguarda de direitos, liberdades e garantias e outros interesses fundamentais do Estado promoveu-se e
garantiu-se um aprofundado diálogo que permitiu assegurar um amplo consenso no processo de deliberação
parlamentar.
Por outro lado, no plano da separação e da interdependência constitucionalmente estabelecidas, o novo
regime do segredo de Estado foi objeto de efetiva cooperação institucional entre Presidente da República e
Assembleia da República, nestes termos assegurando as melhores condições com o objetivo de garantir o
aperfeiçoamento do regime jurídico em apreciação.
No contexto da interdependência, no ato de promulgação da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, Sua
Excelência o Presidente da República remeteu uma mensagem à Assembleia da República através da qual
manifesta a necessidade promover uma alteração, em si mesma equivalente à intenção do legislador, mas que
considerou dever materializar-se de forma expressa para evitar equívocos futuros e assim garantindo o
aprofundamento da segurança jurídica em matéria sensível, nomeadamente ficando expressamente
estabelecido na lei o âmbito da atuação do Primeiro-Ministro em matéria de desclassificação do segredo de
Estado.
Sua Excelência o Presidente da República, considera ainda que a salvaguarda da segurança jurídica ao
nível penal ficará melhor acautelada se o articulado da lei não deixar qualquer dúvida de que o tipo do crime
de violação de segredo de Estado apenas poderá estar preenchido quando estejam em causa condutas que
envolvam a perigosa revelação de informações, factos ou documentos, planos ou objetos previamente
classificados como segredo de Estado nos termos do respetivo regime jurídico tal como resulta estabelecido
na lei do segredo de Estado.
Neste enquadramento, considerando as apreciações referenciadas e mais considerando a total pertinência
das preocupações manifestadas pelo Chefe de Estado, vimos dar concretização às alterações adequadas à
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clarificação das soluções legislativas estabelecidas na Lei que aprova o regime do segredo de Estado e
também no âmbito do Código Penal.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte
projeto de lei:
Artigo 1.º
Alteração ao Regime do Segredo de Estado, aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto
O artigo 6.º do Regime do Segredo de Estado aprovado pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto,
passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 6.º
(…)
1. […].
2. Apenas tem competência para desclassificar matérias, documentos ou informações sujeitos ao regime
do segredo de Estado a entidade que procedeu à respetiva classificação definitiva e, no caso dos
Vice Primeiros-Ministros e dos Ministros, estes ou o Primeiro-Ministro.»
Artigo 2.º
Alteração ao Código Penal
O artigo 316.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, e alterado pela
Lei n.º 6/84, de 11 de maio, pelos Decretos-Leis n.os
101-A/88, de 26 de março, 132/93, de 23 de abril, e
48/95, de 15 de março, pelas Leis n.os
90/97, de 30 de julho, 65/98, de 2 de setembro, 7/2000, de 27 de maio,
77/2001, de 13 de julho, 97/2001, 98/2001, 99/2001 e 100/2001, de 25 de Agosto, e 108/2001, de 28 de
novembro, pelos Decretos-Leis n.os
323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pelas Leis n.os
52/2003, de 22 de Agosto, e 100/2003, de 15 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e
pelas Leis n.os
11/2004, de 27 de março, 31/2004, de 22 de julho, 5/2006, de 23 de fevereiro, 16/2007, de 17
de abril, 59/2007, de 4 de setembro, 61/2008, de 31 de outubro, 32/2010, de 2 de setembro, 40/2010, de 3 de
setembro, 4/2011, de 16 de fevereiro, 56/2011, de 15 de novembro, 19/2013, de 21 de fevereiro, e 60/2013, de
23 de Agosto, e pela Lei Orgânica n.º …/2014, de … de Agosto, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 316.º
(…)
1- Quem, pondo em perigo interesses fundamentais do Estado Português, transmitir, tornar acessível a
pessoa não autorizada, ou tornar público, no todo ou em parte, e independentemente da forma de acesso,
informação, facto ou documento, plano ou objeto classificados como segredo de Estado que devem, em
nome daqueles interesses, manter-se secretos é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2- (…).
3- (…).
4- (…).
5- (…).
6- (…).»
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Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de S. Bento, 13 de Agosto de 2014
Os Deputados, Teresa Leal Coelho (PSD) — Luís Montenegro (PSD) — Nuno Magalhães (CDS-PP)
A DIVISÃO DE REDAÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.