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12 DE MAIO DE 2016 23

Importa notar que, apesar de os animais serem integrados no conceito de res por serem objeto de direitos, o

ordenamento jurídico português tem vindo a avançar no sentido de restringir a aplicação do conceito de “coisas”

em função da evolução dos tempos. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela salientam que “a noção

dada neste artigo [202.º do Código Civil] é bastante mais restrita que o conceito correspondente do Código de

1867, para o qual (artigo 369.º) coisa era tudo aquilo que carecesse de personalidade”. Mais acrescentam estes

autores que “a noção deste artigo 202.º também peca ainda pelo facto de as relações jurídicas poderem ter por

objeto, não apenas coisas, mas também pessoas, como sucede no poder paternal e no poder tutelar”3.

Atualmente, em Portugal, o Código Civil não contém disposições que protejam os animais, excetuando-se o

regime da parceria pecuária (artigos 1121.º a 1128.º) que tem como motivação, não o animal, antes os interesses

contratuais de quem exerce o direito de propriedade sobre o mesmo. Assim, conforme já referido, a proteção do

animal resulta, não de referência ou identificação expressa na lei de um estatuto específico, antes,

primordialmente, da sua integração numa espécie de subdomínio do Direito do ambiente sendo-lhe aplicado,

para efeitos privatísticos, o regime das coisas.

Não obstante parte da doutrina portuguesa seguir no sentido de se opor à humanização dos animais, ao

mesmo tempo que refuta o atual estatuto que os reduz à condição de res4 – havendo quem questione o

reconhecimento dos animais como tertium genus (terceiro género entre pessoas e coisas)5 –, sublinhe-se o facto

de entre a doutrina nacional se encontrar quem sustente que os animais devam ser sujeitos jurídicos “tendo em

conta os decisivos imperativos, de natureza ética e jurídica, que promovem a proteção animal”, uma ideia que

“apresenta inegáveis vantagens ao recentrar o animal, evitando os perigosos escolhos da alternativa do tertium

genus e, além disso, consolida a proteção jurídica que os novos direitos impõem”6.

A preocupação com a proteção e bem-estar dos animais não é uma tendência recente em Portugal,

constituindo “um valor estruturante das modernas sociedades pós-industriais, quer a nível interno, quer a nível

internacional”, o que, no entendimento de MENEZES CORDEIRO, obriga o Direito civil a “acompanhar a

evolução dos tempos, incentivando-a ou corrigindo-a, conforme as circunstâncias”7.

No quadro nacional, além do registo da proibição de corridas de touros no século XIX8, importa recordar a

constituição da Sociedade Protetora dos Animais (SPA), a 28 de novembro de 1875, pelo conselheiro José

Silvestre Ribeiro9, que, em 1912, apresentou um documento intitulado “Apreciações e Comentários ao Projeto

de Lei de Proteção aos Animais em discussão no Congresso Nacional” (sic) no qual constam testemunhos de

personalidades influentes da sociedade civil e dos diversos órgãos de soberania em favor da proteção dos “seres

inferiores”. Mais tarde, entraria em vigor o Decreto n.º 5:650, de 10 de maio de 1919 (considerando ato punível

toda a violência exercida sobre animais).

Mais recentemente, podendo questionar-se a hipótese de os animais serem sujeitos e não apenas objeto de

direitos, assumem particular destaque, entre legislação extravagante relacionada com animais, a Lei n.º 92/95,

de 12 de setembro (proteção aos animais), alterada pela Lei n.º 19/2002, de 31 de julho, e pela Lei n.º 69/2014,

de 29 de agosto, sendo que este último diploma, entre outros aspetos, criminaliza os maus tratos a animais de

companhia.

Atualmente, encontra-se em curso um processo de recolha de assinaturas com vista à sua entrega, através

de Petição, em favor da “alteração do estatuto jurídico dos animais no Código Civil”, que conta, à presente data,

com 9.208 assinaturas. A 3 de fevereiro de 2011, foi entregue na Assembleia da República a Petição n.º 138/XI

(2.ª), contendo 8305 assinaturas, na qual se solicitou a alteração do estatuto jurídico dos animais no Código

Civil.

3 Cfr. PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado (artigos 1.º a 761.º), Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, pp. 192 e 193. 4 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1094, 1100-1103; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 288. 5 Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., pp. 1100. 6 Enfatizando-se, a título de exemplo, a evolução do estatuto das pessoas coletivas. Cfr. JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS, op. cit., 1102, 1103. 7 Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil: coisas…, p. 272. 8 Cfr. Decreto de Passos Manuel de 18 de setembro de 1836. 9 A SPA foi reconhecida como instituição de utilidade pública através da Lei n.º 118, de 16 de março de 1914, tendo os estatutos da associação sido aprovados pelo alvará n.º 23/1949, emitido em 13 de junho de 1949 pelo Governo Civil de Lisboa, e publicados em Diário da República, III Série, de 17 de maio de 1980.

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