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II SÉRIE-A — NÚMERO 55

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Assim, terão valor reforçado «as leis orgânicas» (I); «as leis que carecem de aprovação por maioria de dois

terços» (II) e «aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis»

(III) ou «que [por força da Constituição] por outras devam ser respeitadas» (IV).

Isto posto, não podemos ignorar que Leis Orgânicas são apenas aquelas que a Constituição assim qualifica

(cfr. artigo 166.º, n.º 2, da CRP). É o que, aliás, decorre do chamado princípio da tipicidade das leis orgânicas,

e não é esse, manifestamente, o caso da Lei n.º 17/2006.

De igual modo, cremos incontroverso que nada na Constituição impõe que a referida Lei-Quadro n.º 17/2007

tivesse de ser aprovada por maioria de dois terços. Não o impõe a CRP, nem, aliás, aquela lei logrou alcançar

essa maioria, uma vez que foi aprovada com a maioria absoluta dos deputados em exercício de funções, com

os votos de PS e CDS (com a abstenção de PSD e BE e os votos contra de PCP e PEV).

Quanto às leis que «por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis», ainda

que, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, estejamos na presença de «um enunciado

linguístico ambíguo»3, sempre tenderemos a acompanhar o entendimento de que, com esta previsão, se

pretende aludir às leis de autorização e/ou às leis de bases e à sua relação com os decretos-leis autorizados ou

de desenvolvimento, i.e., são leis sem as quais essas outras leis não podem considerar-se válidas, seja porque

o órgão que produz estas últimas carece de autorização para exercer a sua competência legislativa, seja porque

o seu âmbito carece necessariamente de prévia disciplina.

A nenhum destes casos, cremo-lo evidente, se subsumirá a possibilidade da Assembleia da República

estatuir sobre a definição de objetivos ou prioridades em matéria de prevenção ou investigação criminal.

Assim, para que a Lei n.º 17/2006 se impusesse a iniciativa legislativa da Assembleia da República que

promovesse a alteração a lei de política criminal, importava que aquela pudesse ser considerada uma lei de

valor reforçado pelo único segmento do preceito constitucional ainda sobrevivente a esta análise, ou seja, será

necessário que a Lei-Quadro n.º 17/2006 possa ser considerada uma das leis «que por outras devem ser

respeitadas». Sucede que, para assim suceder, esse dever de respeito terá igualmente de decorrer «por força

da Constituição».

Ora, não pode ser ignorado que existe expressa referência na Constituição à definição da política criminal,

referência essa que foi introduzida no artigo 219.º, n.º 1, do texto constitucional através da Lei Constitucional n.º

1/97.

Essa referência integra a previsão das funções e estatuto do Ministério Público e faz deste participante na

execução de uma política que é definida «pelos órgãos de soberania». Assim mesmo, no plural, ou seja,

significando que aquela política será sempre o resultado do diálogo normativo operado entre mais do que um

órgão de soberania e ao qual o Ministério Público não será nunca alheio, na medida em que lhe competirá

sempre participar na execução dessa política.

Ora, é dessa credencial constitucional, estatuída no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, que a Lei-Quadro da

Política Criminal emerge e tem a sua razão de ser: é através dela que se concretiza o modo de relacionamento

constitucionalmente previsto entre dois órgãos de soberania – no caso, o Governo e a Assembleia da República

–, as competências de um e outro, os limites que a política criminal não pode transpor, bem como a necessidade

de prévia audição de outros órgãos ou ainda a forma como se densifica a participação do Ministério Público na

execução da política criminal.

Tanto bastará, cremo-lo bem, para considerar que as sucessivas Leis sobre Política Criminal, «por força da

Constituição», deverão respeito a essa outra Lei-Quadro que, especificamente, estatuiu sobre o modo de

aprovação daquelas, os seus limites e procedimentos. Deve, pois, considerar-se a Lei n.º 17/2006, de 23 de

maio, uma lei de valor reforçado, nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 3, in fine, da Constituição.

Assim sendo, quando a Lei n.º 17/2006 estatui, no âmbito do relacionamento entre Governo e Assembleia

da República, que eventuais alterações de uma lei sobre política criminal em vigor dependem de proposta do

Governo (artigo 10.º, n.º 2), isso significa que ela quis reservar a iniciativa dessas alterações ao Governo – órgão

distinto daquele ao qual reservou a sua aprovação, a Assembleia da República.

Ora se a Lei-Quadro reserva ao Governo a iniciativa de propor alterações à lei de política criminal vigente,

forçoso seria, assim, concluir que um projeto de lei que não previsse alteração àquela disposição violaria o

3Vd. Constituição da República Anotada – Vol. II, 4.ª Edição, pág. 60.