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Quinta-feira, 7 de novembro de 2019 II Série-A — Número 9
XIV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2019-2020)
S U M Á R I O
Projetos de Lei (n.os 44 a 53/XIV/1.ª): N.º 44/XIV/1.ª (PCP) — Repõe os valores de pagamento do trabalho suplementar, para todos os trabalhadores (décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova o Código do Trabalho e da décima primeira alteração à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). N.º 45/XIV/1.ª (PCP) — Altera o Estatuto da GNR relativamente ao horário de referência semanal (primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março). N.º 46/XIV/1.ª (PCP) — Estabelece os critérios de atribuição de transporte não urgente de doentes. N.º 47/XIV/1.ª (BE) — Reconhece o direito a 25 dias de férias no setor privado (décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro). N.º 48/XIV/1.ª (BE) — Revoga as alterações ao Código do Trabalho introduzidas no período da troika relativas ao despedimento por extinção do posto de trabalho e elimina a figura do despedimento por inadaptação, procedendo à décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. N.º 49/XIV/1.ª (BE) — Repõe o valor do trabalho suplementar e o descanso compensatório, aprofundando a recuperação de rendimentos e contribuindo para a criação de emprego, procedendo à décima sexta alteração ao Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. N.º 50/XIV/1.ª (BE) — Revoga as alterações ao Código do
Trabalho introduzidas no período da troika que vieram facilitar os despedimentos e reduz as compensações devidas aos trabalhadores, procedendo à décima sexta alteração à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. N.º 51/XIV/1.ª (PAN) — Determina o fim da prospeção e exploração de hidrocarbonetos em Portugal. N.º 52/XIV/1.ª (PAN) — Privilegia o modelo de residência alternada sempre que tal corresponda ao superior interesse da criança, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso infantil, negligência e violência doméstica. N.º 53/XIV/1.ª (PAN) — Visa assegurar a não discriminação no acesso à habitação por quem possui animais de companhia. Projetos de Resolução (n.os 29 a 32/XIV/1.ª):
N.º 29/XIV/1.ª (PEV) — Implementação da nova maternidade de Coimbra no Campus do Hospital Geral (Covões). N.º 30/XIV/1.ª (PEV) — Reversão da privatização dos CTT. N.º 31/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo a adoção de medidas que permitam reforçar os direitos das mulheres na gravidez e no parto. N.º 32/XIV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que proceda à elaboração de uma Avaliação Ambiental Estratégica relativamente à expansão do Aeroporto Humberto Delgado e construção do aeroporto complementar do Montijo.
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PROJETO DE LEI N.º 44/XIV/1.ª
REPÕE OS VALORES DE PAGAMENTO DO TRABALHO SUPLEMENTAR, PARA TODOS OS
TRABALHADORES (DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, QUE
APROVA O CÓDIGO DO TRABALHO E DA DÉCIMA PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI N.º 35/2014, DE 20 DE
JUNHO, QUE APROVA A LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS)
Exposição de motivos
A degradação geral das condições de vida da maioria dos portugueses foi resultado da política de exploração
que promoveu baixos salários e pensões, cortes nos seus montantes, desemprego, eliminação de apoios
sociais, abono de família, complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção criou uma situação
social dramática.
Nesta estratégia, as alterações às leis laborais promovidas por sucessivos governos, e de forma
particularmente grave pelo Governo PSD/CDS representaram um retrocesso civilizacional profundo e a aposta
num caminho de desvalorização do trabalho e de ataque a direitos fundamentais dos trabalhadores.
A revisão do Código do Trabalho em 2012 promovida pelo Governo PSD/CDS-PP representou a imposição
do trabalho forçado e gratuito com a eliminação de feriados, redução de dias de férias e corte de dias de
descanso obrigatório, extorquindo milhões de euros aos trabalhadores, promovendo a eliminação de mais de 90
mil postos de trabalho e extinguindo feriados que são símbolos de independência nacional e soberania popular.
Visou a diminuição de salários, designadamente com o corte para metade no pagamento do trabalho em dias
de descanso, feriados e horas extraordinárias; apontou para agravamento e generalização do banco de horas,
prolongando o horário de trabalho e pondo em causa a articulação entre a vida profissional e a vida pessoal e
familiar.
Promoveu o aumento da precariedade designadamente com a facilitação do contrato de trabalho de muito
curta duração; a eliminação de obrigações de informação à ACT facilitando a arbitrariedade.
Promoveu os despedimentos, em confronto com a proibição constitucional de despedimento sem justa causa,
admitindo o despedimento por inadaptação sem causa objetiva de mudança no posto de trabalho, a par da
redução do valor das indemnizações.
Constituiu um forte ataque à contratação coletiva invocando uma falsa descentralização e procurando impor
a eliminação de cláusulas de instrumentos de regulação coletiva de trabalho acordados entre associações
sindicais e associações patronais.
O corte de 50% no pagamento do trabalho suplementar, do trabalho em dia feriado ou em dia de descanso
semanal foi aplicado a todos os trabalhadores até 2015, sendo que desde então, apenas as situações
abrangidas pela contratação coletiva garantem o pagamento sem redução. No entanto, várias empresas têm
incumprido a lei e negado o pagamento do trabalho suplementar, em dia de descanso semanal ou em dia feriado
sem redução de 50% do seu valor.
Assim, mantém-se ainda o corte no pagamento para todos os trabalhadores não abrangidos pela contratação
coletiva, pelo que é de elementar justiça assegurar a sua aplicação a todos. Tal significaria a reposição do
pagamento do trabalho extraordinário com um acréscimo de 50% na primeira hora e de 75% nas horas
seguintes; e o trabalho em dia feriado repõe o direito a descanso compensatório correspondente a igual período
das horas trabalhadas ou a um acréscimo de 100% no salário.
Com o presente projeto de lei, o PCP propõe a reposição dos montantes e regras de cálculo do pagamento
do trabalho extraordinário, trabalho suplementar e em dia feriado.
O PCP considera que só uma legislação de trabalho que retome a sua natureza de proteção da parte mais
débil é compatível com uma perspetiva progressista e com o desenvolvimento económico e social.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei visa a reposição do pagamento do trabalho suplementar para 50% da retribuição na primeira
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hora, 75% nas horas e frações subsequentes e para 100% no caso de ser prestado em dia descanso semanal,
obrigatório ou complementar, ou em dia feriado, para todos os trabalhadores.
Artigo 2.º
Alteração ao Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do Código do
Trabalho
Os artigos 229.º, 268.º e 269.º do Anexo da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprova a revisão do
Código do Trabalho, alterada pelas Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, Lei
n.º 23/2012, de 25 de junho, Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, Lei n.º 27/2014,
de 8 de maio, Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto, Lei n.º 28/2015, de 14 de abril, Lei n.º 120/2015, de 1 de
setembro, Lei n.º 8/2016, de 1 de abril, Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, Lei
n.º 14/2018, de 19 de março, Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, e Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, passam a
ter a seguinte redação:
.........................................................................................................................................................................
«Artigo 229.º
(…)
1 – O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil ou em dia de descanso semanal
complementar tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de
trabalho suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 – O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número
de horas igual ao período normal de trabalho diário.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – O descanso compensatório é marcado por escolha do trabalhador, salvo quando esta marcação
possa prejudicar de forma determinante a organização do trabalho por parte da entidade patronal, caso
em que deve ser marcado por acordo entre as partes.
6 – O disposto nos n.os 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho que disponha no sentido mais favorável aos trabalhadores.
7 – Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.os 1, 3 ou 4.
.........................................................................................................................................................................
Artigo 268.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
a) 50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil;
b) 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado;
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho, que disponha no sentido mais favorável aos trabalhadores.
4 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 269.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
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2 – O trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o
funcionamento nesse dia tem direito a descanso compensatório de igual duração ou acréscimo de 100% da
retribuição correspondente.
3 – O trabalhador que presta trabalho em dia feriado tem ainda direito a descanso compensatório
remunerado, a gozar nos três dias úteis seguintes, devendo ser marcado por acordo entre trabalhador e
empregador.
......................................................................................................................................................................... »
Artigo 3.º
Alteração à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas
Os artigos 162.º e 165.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções
Públicas, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 84/2015, de 7
de agosto, pela Lei n.º 18/2016, de 20 de junho, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro pela Lei n.º 25/2017,
de 30 de maio, pela Lei n.º 70/2017, de 14 de agosto, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, Lei n.º 49/2018, de
14 de agosto, Lei n.º Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro, e Lei n.º
79/2019, de 2 de setembro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 162.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
a) 50% da remuneração, na primeira hora ou fração desta;
b) 75% da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.
2 – O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia
feriado, confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 100% da remuneração por cada hora de trabalho
efetuado ou descanso compensatório de duração igual.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
7 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 165.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – O trabalhador que realiza a prestação em órgão ou serviço legalmente dispensado de suspender o
trabalho em dia feriado obrigatório tem direito a descanso compensatório com duração de igual duração e
acréscimo de 100% da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao trabalhador, na ausência de
acordo entre as partes.
......................................................................................................................................................................... »
Artigo 4.º
Entrada em vigor
1 – A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 – O disposto no artigo 3.º apenas produz efeitos a partir da entrada em vigor do Orçamento do Estado
posterior à sua publicação.
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Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Diana Ferreira — António Filipe — Paula Santos — João Oliveira — Duarte Alves —
Ana Mesquita — Bruno Dias — Alma Rivera — Jerónimo de Sousa — João Dias.
———
PROJETO DE LEI N.º 45/XIV/1.ª
ALTERA O ESTATUTO DA GNR RELATIVAMENTE AO HORÁRIO DE REFERÊNCIA SEMANAL
(PRIMEIRA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 30/2017, DE 22 DE MARÇO)
Exposição de motivos
O Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, recentemente alterado pelo Decreto-Lei n.º
30/2017, de 22 de março, embora consagre aspetos importantes como normas de higiene e segurança, ficou
muito aquém das legítimas expectativas dos profissionais da GNR.
A desmilitarização das estruturas desta força de segurança que desempenha missões civis, o direito ao
horário de trabalho de 36 horas e a consagração de outros direitos, revelam o muito que ficou por fazer.
Perdeu-se, assim, a oportunidade de resolver um conjunto de problemas com que os profissionais da GNR
se confrontam diariamente.
Entre estes encontra-se a matéria relativa ao horário de referência semanal.
Na verdade, a consagração de um horário de referência semanal na GNR foi durante vários anos um
elemento essencial da reivindicação de melhores condições de trabalho dos profissionais da GNR.
O PCP não ignora que o atual Governo publicou a portaria que consagra o dito horário de referência semanal,
contudo há aspetos no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana que precisam de ser alterados.
O horário de trabalho determina o tempo de trabalho, medido em número de horas por dia e por semana, ao
que se denomina período normal de trabalho.
O tempo de trabalho e as condições em que é prestado numa profissão tão exigente física e psicologicamente
deve contribuir para que os agentes policiais se encontrem nas melhores condições de saúde, quer físicas, quer
mentais e sociais, garantindo que o serviço público, de interesse nacional, que prestam, é realizado de forma
eficiente e eficaz.
Embora o horário de referência semanal seja de implementação recente, as dificuldades da própria instituição
não têm permitido a sua aplicação a todos os profissionais da GNR, o que gera situações de desigualdade que
importa corrigir.
Na verdade, não é aceitável que as insuficiências do serviço, nomeadamente a falta de pessoal, possam
determinar o não cumprimento de um horário de trabalho que além de graves impactos na saúde destes
profissionais irá implicar consequências na sua vida pessoal e familiar.
A Constituição da República determina a necessidade de o trabalho facultar a realização pessoal, e o trabalho
policial não constitui exceção a este princípio.
Neste sentido, o grupo parlamentar do PCP apresenta a presente iniciativa legislativa que além de consagrar
o horário de trabalho de 36 horas semanais não o faz depender da publicação de qualquer portaria que, com
maior ou menor amplitude, limite o direito ao horário de trabalho.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março
O artigo 27.º do Decreto-lei n.º 30/2017, de 22 de março, passa a ter a seguinte redação:
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«Artigo 27.º
(…)
1 – O exercício de funções policiais pelos militares da Guarda atende a um horário de trabalho de 36 horas
semanais.
2 – A prestação de serviço para além do período normal de exercício de funções é compensado pela
atribuição de crédito horário, sem qualquer corte de remuneração ou respetivos suplementos, subsídios ou
abonos.
3 – Quando os militares da Guarda trabalhem em dia de feriado obrigatório têm direito a um descanso
compensatório com duração igual a metade do número de horas prestadas.
4 – Os períodos de «prevenção», são, para todos os efeitos, contabilizados como horário de trabalho.
5 – (Eliminar.)
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
Os Deputados do PCP: António Filipe — João Oliveira — Paula Santos — Diana Ferreira — Alma Rivera —
Bruno Dias — Jerónimo de Sousa — Ana Mesquita — João Dias — Duarte Alves.
———
PROJETO DE LEI N.º 46/XIV/1.ª
ESTABELECE OS CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO DE TRANSPORTE NÃO URGENTE DE DOENTES
Exposição de motivos
A acessibilidade aos cuidados de saúde por parte dos utentes é bastante difícil, que decorre de crescentes
limitações, que são consequência em grande medida, de uma política profundamente desumanizada que não
tem assegurado o adequado financiamento aos serviços públicos de saúde e que decide medidas com
implicações clínicas a partir de decisões orçamentais. Na base destas opções está a lógica economicista da
gestão da saúde que se projeta nas decisões que têm vindo a ser tomadas de encerramento de serviços de
proximidade, na privatização de serviços, na promiscuidade crescente entre o público e o privado, nos
compromissos com grandes grupos privados da saúde e que tem tido como consequências a transferência de
parte significativa da prestação de cuidados para os grupos privados, a degradação da qualidade dos serviços
prestados e o aumento dos custos para as famílias.
Os portugueses já pagam hoje – para além dos impostos – 27,4% dos custos totais com a saúde, o valor
mais elevado da União Europeia. A causa desta situação resulta da transferência dos custos da saúde para os
utentes, com os elevados custos das taxas moderadoras, a não garantia do transporte de doentes não urgentes
a todos que dele necessitam para aceder à saúde, os elevados custos com medicamentos e tratamentos e até
dos custos da deslocação em virtude do encerramento e da concentração de serviços públicos de saúde, isto,
num contexto de baixos salários e de baixas pensões dos trabalhadores e dos reformados.
Às dificuldades de acesso decorrentes do pagamento das taxas moderadoras soma-se as sucessivas
alterações aos critérios de atribuição dos transportes não urgentes de doentes.
Desde 2010 que sucessivos governos da política de direita introduziram alterações legislativas na atribuição
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dos transportes não urgentes, designadamente o cumprimento cumulativo dos critérios da justificação clínica e
da insuficiência económica, condição única para o acesso ao transporte. Alterações que inviabilizaram e
continuam a inviabilizar o acesso de muitos portugueses aos cuidados de saúde.
Em outubro de 2015, com a nova correlação de forças da Assembleia da República, foram tomadas medidas
positivas, designadamente, na condição de isenção, sendo atribuído o transporte a doentes com incapacidade
igual ou superior a 60%; a menores com doença limitante/ameaçadora da vida, mas muito ténues, no sentido
de melhorar o acesso dos utentes ao transporte não urgente. Pese embora estas alterações, um estudo
divulgado recentemente revelou que no ano de 2017 houve 2 milhões de portugueses que faltaram a consultas,
porque não conseguem pagar os custos com os transportes.
O PCP insiste na necessidade da atribuição do transporte não urgente a todos os utentes do Serviço Nacional
de Saúde que dele necessitem, garantindo que o mesmo se faça a título gratuito, bastando que dele careçam
por motivos clínicos ou económicos, para consultas, exames ou tratamentos, independentemente do período de
duração, pelo que, apresenta a presente iniciativa legislativa.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei assegura o transporte não urgente de doentes a todos os utentes do Serviço Nacional de
Saúde (SNS).
Artigo 2.º
Isenção de encargos com transporte não urgente
O transporte não urgente de utentes que seja instrumental à realização da prestação de cuidados de saúde
no âmbito do SNS é isento de encargos para o utente quando a situação clínica o justifique ou por carência
económica, designadamente no caso de necessidade de tratamentos prolongados ou continuados.
Artigo 3.º
Condições de isenção de encargos
1 – O SNS assegura na totalidade os encargos com o transporte não urgente prescrito aos utentes sempre
que a situação clínica o justifique ou por carência económica.
2 – O SNS assegura, nos termos do presente artigo os encargos com o transporte não urgente dos doentes
que necessitem impreterivelmente da prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada, e
independentemente do número de deslocações mensais.
3 – As situações de prestação de cuidados de saúde de forma prolongada e continuada nos termos referidos
nos números anteriores deverá ser objeto de prescrição única.
Artigo 3.º
Transporte não urgente
Para efeitos do presente projeto de lei, considera-se transporte não urgente o transporte de doentes
associado à realização de uma prestação de saúde e cuja origem ou destino sejam os estabelecimentos e
serviços que integram o SNS, ou as entidades de natureza privada ou social com acordo, contrato ou convenção
para a prestação de cuidados de saúde com o SNS, nas seguintes situações:
a) Transporte para consulta, internamento, cirurgia, tratamentos, exames complementares de diagnóstico e
terapêutica;
b) Transporte para a residência do utente após alta de internamento ou da urgência.
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Artigo 4.º
Comprovação das condições
As situações clínicas são comprovadas por médico do SNS, no momento da prescrição do transporte, sendo
esta registada no processo clínico do utente.
Artigo 5.º
Norma Revogatória
É revogado o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro.
Artigo 6.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente lei, publicando a respetiva portaria no prazo de 30 dias
após a sua entrada em vigor.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
Os Deputados do PCP: Paula Santos — João Dias — João Oliveira — António Filipe — Jerónimo de Sousa
— Alma Rivera — Diana Ferreira — Bruno Dias — Duarte Alves — Ana Mesquita.
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PROJETO DE LEI N.º 47/XIV/1.ª
RECONHECE O DIREITO A 25 DIAS DE FÉRIAS NO SETOR PRIVADO (DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO
À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO)
Exposição de motivos
O direito a férias está consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República Portuguesa,
na sua dimensão de direito ao repouso e ao lazer, e nos artigos 237.º e seguintes do Código do Trabalho.
O desiderato do direito a férias, conforme aliás resulta da letra da lei, é o de proporcionar ao trabalhador a
recuperação física e psíquica, bem como condições de disponibilidade pessoal, integração na vida familiar e
participação social e cultural, pelo que, e de forma a cumprir esse objetivo fundamental, é um direito
irrenunciável.
O direito a férias adquire-se no momento da celebração do contrato e o trabalhador tem direito a um período
de férias retribuídas em cada ano civil. As férias vencem-se no dia 1 de janeiro de cada ano civil e reportam-se,
em regra, ao trabalho prestado no ano anterior.
Por força das alterações introduzidas ao Código do Trabalho de 2009 pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho,
o período de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis. Na versão do Código de 2003, mantida pela Lei n.º
7/2009, de 12 de fevereiro, foi revogado o preceito que previa a majoração das férias em função da assiduidade.
O artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, estabelecia ainda a exclusão da majoração de dias de
férias previstas em instrumento de regulamentação coletiva. Esta norma foi declarada inconstitucional pelo
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Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação do princípio da reserva constitucional de
contratação coletiva, bem como dos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade. Assim sendo,
mantém-se a possibilidade de aplicação da referida majoração sempre que a mesma se aplique a trabalhadores
abrangidos por instrumento de regulamentação coletiva que a preveja.
Em suma, atualmente e independentemente da efetividade do serviço ou assiduidade e do momento em que
o trabalhador tenha sido contratado no dia 1 de janeiro do ano seguinte vencem-se 22 dias de férias.
Na Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na linha do memorando de entendimento com a troika, a lógica
conservadora e ultrapassada era a de alongar os tempos de trabalho com vista a alcançar um aumento da
produtividade. É precisamente com esse espírito que se introduz a eliminação do regime de majoração do
período de férias em função da assiduidade do trabalhador, criado pelo Código de 2003 e mantido na revisão
de 2009 que firmavam uma estratégia, também ela pouco falaciosa, de combate ao absentismo. Assim, também
não podemos concordar com essa opção. Na redação do Código de 2003 a duração do período de férias era
aumentada no caso de o trabalhador não ter faltado ou na eventualidade de ter apenas faltas justificadas, no
ano a que as férias se reportam, nos seguintes termos:
a) Três dias de férias até ao máximo de uma falta ou dois meios dias;
b) Dois dias de férias até ao máximo de duas faltas ou quatro meios dias;
c) Um dia de férias até ao máximo de três faltas ou seis meios dias.
Ora, esta redação deu origem a várias interpretações abusivas que se consubstanciavam na restrição do
acesso à majoração do direito a férias, por parte de trabalhadores e trabalhadoras mesmo quando estes se
limitavam a exercer os seus direitos. A título de exemplo, uma situação que foi denunciada por organizações
sindicais em que o exercício do direito de reunião no local de trabalho foi considerado pelas entidades
empregadoras, indevidamente, como falta.
Das recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º
93/2019, de 4 de setembro, não resultaram alterações nesta matéria.
Note-se que falamos de faltas justificadas, faltas essas que têm um regime próprio e cujos critérios estão
elencados no Código do Trabalho de forma clara, sendo que apenas são consideradas faltas justificadas aquelas
que sejam admitidas pela lei ou autorizadas pelo empregador e que, determinam, em várias situações, a
consequente perda de retribuição o que, naturalmente, penaliza o trabalhador. O regime das faltas injustificadas,
já de si gravoso, não releva para aqui tanto mais que as faltas injustificadas podem consubstanciar justa causa
de despedimento, em virtude da violação do dever de assiduidade.
Assim, a majoração, subordinada às faltas justificadas para efeitos da sua atribuição, implica aceitar que, por
exemplo, um trabalhador assíduo, que faltasse por motivo de falecimento do seu cônjuge, durante 5 dias,
conforme a lei prevê, fosse penalizado face a outro trabalhador que, felizmente, não se viu confrontado com
esta situação dramática.
Por outro lado, os estudos académicos e os dados estatísticos que têm vindo a ser divulgados nos últimos
anos comprovam que o maior absentismo laboral é feminino e tem na sua base a maternidade e o custo social
que representa para as mulheres, fortemente penalizadas no acesso ao trabalho, salarialmente e também por
soluções legislativas que desvalorizam esta realidade atropelando o direito constitucional à família e à proteção
da paternidade e da maternidade.
A majoração das férias é uma opção errada que não serve os interesses dos trabalhadores, não garante
qualquer aumento da produtividade e apresenta-se como uma solução injusta e discriminatória.
A consagração dos 25 dias úteis de férias no setor privado, sem subordinação a quaisquer critérios, como o
da assiduidade, que tornem este direito disforme e discriminatório apresenta-se como uma solução de elementar
justiça. Trabalhadores restabelecidos, física e psicologicamente, produzem mais e produzem melhor. É tempo
de abandonar paradigmas ultrapassados e modelos que assentam numa lógica de degradação das relações
laborais e que não são próprios de um país que se quer desenvolvido. O aumento do tempo de trabalho em
nada contribui para um mercado de trabalho que se pretende que ofereça condições laborais dignas no quadro
de uma economia competitiva e voltada para o futuro.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
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Artigo 1.º
Objeto
A presente lei visa reconhecer o direito a 25 dias úteis de férias.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
O artigo 238.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis
n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de
agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril,
120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018,
de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 238.º
(…)
1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 25 dias úteis.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.
Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe
Soares — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos —
Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Alexandra
Vieira — Fabíola Cardoso — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.
———
PROJETO DE LEI N.º 48/XIV/1.ª
REVOGA AS ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DO TRABALHO INTRODUZIDAS NO PERÍODO DA TROIKA
RELATIVAS AO DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO E ELIMINA A FIGURA DO
DESPEDIMENTO POR INADAPTAÇÃO, PROCEDENDO À DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009,
DE 12 DE FEVEREIRO
Exposição de motivos
O poder de despedir, decorrência do poder diretivo da entidade empregadora, é uma das principais
manifestações da desigualdade que impera na relação laboral. A Constituição da República Portuguesa baliza
este poder da entidade empregadora, através do preceito constitucional da segurança no emprego, consagrado
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no artigo 53.º, que proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
Ora, a Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, que sucedeu às duas versões dos Memorandos de Entendimento da
troika de maio de 2011, introduziu alterações fundamentais ao Código do Trabalho com o objetivo essencial de
desequilibrar as relações de trabalho em favor das entidades empregadoras, precarizando o trabalho, reduzindo
o custo do trabalho e embaratecendo e facilitando os despedimentos. Esta lei operou alterações com impacto
em três áreas fundamentais: tempo de trabalho, despedimento e contratação coletiva. Em suma, aumentou-se
o tempo de trabalho não pago, facilitou-se e tornou-se mais barato o despedimento e fragilizou-se a contratação
coletiva.
No que toca à cessação do contrato de trabalho introduziram-se alterações a duas modalidades de
despedimento por causas objetivas, isto é, a duas modalidades de despedimento determinadas por razões
tecnológicas, estruturais, ou de mercado: o despedimento por inadaptação e por extinção do posto de trabalho.
Isso foi feito através (i) da criação de uma nova modalidade de despedimento por inadaptação sem modificações
introduzidas no posto de trabalho; (ii) da eliminação do requisito da inexistência na empresa de outro posto de
trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador no caso da modalidade
tradicional do despedimento por inadaptação; e da (iii) consagração da possibilidade do empregador definir os
critérios de seleção dos trabalhadores a despedir, nas situações em que existem vários postos de trabalho com
idêntico conteúdo funcional no despedimento por extinção do posto de trabalho.
Estas alterações foram objeto de um pedido de fiscalização da constitucionalidade sendo que duas delas
foram declaradas inconstitucionais por violação da «constituição laboral», designadamente do princípio da
proibição dos despedimentos sem justa causa. Entre as alterações declaradas inconstitucionais incluía-se a
possibilidade de escolha pelo empregador dos critérios de seleção dos trabalhadores a despedir no caso de
despedimento por extinção do posto de trabalho e a eliminação do requisito da inexistência na empresa de outro
posto de trabalho disponível e compatível com a qualificação profissional do trabalhador no caso de
despedimento por inadaptação resultante de alterações introduzidas no posto de trabalho.
Quanto à nova modalidade de despedimento por inadaptação sem alterações introduzidas no posto de
trabalho, apesar de não ter sido considerada inconstitucional pela totalidade dos juízes, acabou por merecer
votos de vencido que importa ter em consideração. Na verdade, a sua constitucionalidade é duvidosa e a sua
subsistência no nosso enquadramento jurídico introduz um elemento de desequilíbrio, arbitrariedade e de
enorme pressão sobre os trabalhadores, pondo em causa princípios fundamentais das relações de trabalho.
Esta nova figura permite, com efeito, o despedimento de um trabalhador mais desgastado ou doente, com mais
anos de trabalho, e cuja redução de produtividade não decorra de nenhum comportamento culposo da sua parte.
Uma tal situação não é suscetível de se enquadrar no despedimento com justa causa e, nesse sentido, encontra-
se à margem da proteção constitucional da proibição dos despedimentos sem justa causa.
A introdução desta figura, regulada nos artigos 373.º e seguintes do Código do Trabalho, autoriza um
despedimento sem que se verifique qualquer alteração no posto de trabalho, bastando, para além das exigências
procedimentais, que exista uma redução continuada de produtividade ou de qualidade, aferida unilateralmente
pelo empregador. Na verdade, o artigo 379.º do Código do Trabalho acaba por se configurar com um «convite»
feito pelo legislador a que o trabalhador denuncie o contrato, ao prever que depois de ser informado pelo
empregador, através de uma «descrição circunstanciada dos factos, demonstrativa de modificação substancial
da prestação», o trabalhador possa unilateralmente cessar o seu contrato. Ou seja, é como se a lei dissesse ao
trabalhador que, face a uma situação em que a entidade empregadora considere que houve uma alteração da
sua prestação, é melhor, por sua iniciativa, renunciar à sua relação laboral. Esta notificação da entidade
empregadora, que não se assume como uma nota de culpa, que dispensa a subsequente tramitação do
processo disciplinar e que não prevê a pronúncia do trabalhador, funciona como um instrumento fortíssimo de
pressão, utilizado facilmente num quadro de assédio moral. Na realidade, o despedimento por inadaptação é
uma figura utilizada sobretudo como veículo de pressão e de assédio moral e, também por isso, deve ser
expurgada da nossa legislação laboral.
Por outro lado, no que toca ao despedimento por extinção do posto de trabalho, foram introduzidos pela Lei
n.º 27/2014, de 8 de maio, novos critérios para determinação do posto de trabalho a extinguir nos casos em que
exista na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico.
Encapotada com o argumento de que se estava a introduzir «a avaliação de desempenho nas empresas», esta
alteração, conduzida pelo ex-Ministro Mota Soares, do CDS-PP, não regulamentou nenhuma modalidade da
avaliação, limitando-se a invocá-la para permitir despedimentos injustos e arbitrários, de acordo com a
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discricionariedade do empregador. Na realidade, a introdução de critérios como as habilitações académicas ou
a maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral teve como propósito exclusivo permitir à empresa
reduzir ao máximo os custos com o trabalho, ofendendo o princípio da segurança no emprego e expondo ao
despedimento trabalhadores com maior antiguidade ou com melhores salários, isto é, pessoas que, regra geral,
terão também maior dificuldade de voltarem a integrar-se no mercado de trabalho. Ao fazê-lo, estas alterações
acabaram por contribuir para uma ainda maior precariedade no emprego, desfavorecendo os trabalhadores mais
experientes (e com uma qualificação feita através do período mais longo no exercício de funções), em detrimento
de mão-de-obra mais barata e com menos direitos.
As recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º
93/2019, de 4 de setembro, não reverteram estas regras gravosas para os trabalhadores, regras estas que, à
data, foram inclusivamente encaradas como circunstanciais e transitórias, sendo certo que o único impacto foi
o de fragilizar a posição dos trabalhadores numa relação marcadamente desigual.
Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresenta o presente projeto de lei com o objetivo de intervir em duas
matérias essenciais que resultaram das alterações legislativas realizadas no período da troika retomando, assim,
o regime legal da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, no que diz respeito ao despedimento por extinção do posto
de trabalho e eliminando da legislação laboral a figura perversa do despedimento por inadaptação.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei elimina a figura do despedimento por inadaptação e altera os critérios de extinção do posto de
trabalho no caso despedimento por extinção do posto de trabalho.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
Os artigos 368.º e 371.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado
pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de
29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de
abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto,
14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro, passam a ter a seguinte
redação:
«Artigo 368.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional
idêntico, para concretização do posto de trabalho a extinguir, o empregador deve observar, por referência aos
respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios:
a) Menor antiguidade no posto de trabalho;
b) Menor antiguidade na categoria profissional;
c) Classe inferior da mesma categoria profissional;
d) Menor antiguidade na empresa.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... .
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Artigo 371.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... :
a) ..................................................................................................................................................................... ;
b) Confirmação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º, com menção, sendo caso disso, da recusa
de alternativa proposta ao trabalhador;
c) Prova da aplicação do critério de prioridades, caso se tenha verificado oposição a esta;
d) ..................................................................................................................................................................... ;
e) ..................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – ................................................................................................................................................................... ».
Artigo 3.º
Norma revogatória
É revogada a alínea d) do n.º 3 do artigo 63.º, a alínea f) do artigo 340.º, os artigos 373.º, 374.º, 375.º, 376.º,
377.º, 378.º, 379.º, 380.º e 385.º, na versão dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as posteriores
alterações.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
1 – A presente Lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
2 – Este regime é aplicável a todos os contratos cuja cessação ocorra após a entrada em vigor da presente
lei.
Assembleia da República, 7 de novembro 2019.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe
Soares — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos —
Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Alexandra
Vieira — Fabíola Cardoso — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.
———
PROJETO DE LEI N.º 49/XIV/1.ª
REPÕE O VALOR DO TRABALHO SUPLEMENTAR E O DESCANSO COMPENSATÓRIO,
APROFUNDANDO A RECUPERAÇÃO DE RENDIMENTOS E CONTRIBUINDO PARA A CRIAÇÃO DE
EMPREGO, PROCEDENDO À DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO APROVADO
PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO
Exposição de motivos
Durante o período da troika, a desvalorização dos rendimentos de quem vive do seu trabalho fez-se por
múltiplas vias. Por via tributária (aumentos de impostos, alteração dos escalões do IRS, sobretaxa), pelas
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alterações na proteção social (cortes nos apoios sociais, congelamento de pensões, alteração das regras do
subsídio de desemprego), por cortes salariais, pelo congelamento de carreiras e pela alteração da legislação
laboral. As alterações ao Código do Trabalho introduzidas pelo Governo PSD/CDS-PP (designadamente pela
Lei n.º 23/2012, de 25 de junho) traduziram-se na diminuição dos rendimentos dos trabalhadores, numa ofensiva
que teve uma especial repercussão no que toca às matérias relativas ao tempo de trabalho.
Esta desvalorização do trabalho pelas alterações da legislação laboral operou quer pelo aumento do tempo
de trabalho (com a eliminação de 4 feriados, de 3 dias de férias e do descanso compensatório), quer pela
redução do valor pago pelo trabalho realizado. Só por esta via, PSD e CDS levaram a cabo uma transferência
de rendimentos do trabalho para o capital de cerca de 2,3 mil milhões de euros.
Uma das matérias em que estes cortes foram mais significativos, tendo, para além do mais, um efeito
negativo do ponto de vista da criação de emprego, foi o trabalho suplementar. Com efeito, por cada dia de
trabalho suplementar, o trabalhador tinha direito a 25% das horas em descanso compensatório. Com as
alterações introduzidas pelo PSD e pelo CDS em 2012, este descanso foi eliminado. Ou seja, se num ano um
trabalhador fizer 160 horas de trabalho suplementar, passou, desde 2012, a trabalhar mais 5 dias sem receber
nada por isso. Por outro lado, foi também reduzido o valor pago pelo trabalho realizado, com a diminuição para
metade da remuneração do trabalho suplementar: por cada hora de trabalho suplementar, o trabalhador passou
a receber, na primeira hora, um acréscimo de 25%, em vez de 50% e, nas horas seguintes, um acréscimo de
37,5%, em vez dos anteriores 75%. Por cada hora de trabalho suplementar em dia feriado, a majoração passou
a 50%, em vez de 100%. Também a majoração em caso de isenção de horário de trabalho foi diminuída para
metade.
Segundo dados oficiais do INE, há cerca de meio milhão de trabalhadores que realizam horas extraordinárias
no nosso país, numa média de 315 horas por ano. O corte para metade do seu valor tem assim um efeito duplo.
Por um lado, diminuiu os rendimentos destes trabalhadores. Por outro, o embaratecimento do trabalho
suplementar e a eliminação do descanso compensatório é uma medida contrária à criação de emprego e é um
incentivo ao preenchimento de postos de trabalho com horas extraordinárias. Ora, ao Estado incumbe, até por
imperativo constitucional, a promoção do pleno emprego, e não políticas que inibam a distribuição do emprego
existente.
Em Portugal, contabilizam-se por ano cerca de 134 505 000 horas de trabalho suplementar. Ou seja, se
acaso todo o trabalho suplementar fosse transformado em postos de trabalho, isso corresponderia a 64.665
postos de trabalho. Contrariar o embaratecimento do trabalho suplementar é, pois, uma medida relevante para
incentivar a criação de emprego.
As recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º
93/2019, de 4 de setembro não reverteram estas regras gravosas para os trabalhadores, regras estas que, à
data, foram inclusivamente encaradas como circunstanciais e transitórias, sendo certo que o único impacto foi
o de fragilizar a posição dos trabalhadores numa relação marcadamente desigual.
Assim, o objetivo do presente projeto de lei é repor o direito ao descanso compensatório por trabalho
suplementar, remunerar com justiça o trabalho extraordinário e desincentivar o abuso das horas extras e do
prolongamento de horários, expurgando o Código de Trabalho das medidas impostas durante o período da
intervenção da troika e do governo das direitas relativas a estas matérias.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei repõe o direito ao descanso compensatório por trabalho suplementar e os valores da
compensação pela prestação de trabalho suplementar.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
Os artigos 229.º, 230.º e 268.º do Código do Trabalho, na versão dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,
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e alterado pelas Leis n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho,
47/2012, de 29 de agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015,
de 14 de abril, 120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de
agosto, 14/2018, de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro, passam a ter a
seguinte redação:
«Artigo 229.º
(…)
1 – O trabalhador que presta trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar
ou em feriado tem direito a descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho
suplementar realizadas, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 – O descanso compensatório a que se refere o número anterior vence-se quando perfaça um número de
horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes.
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – O disposto nos n.os 1 e 2 pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que
estabeleça a compensação de trabalho suplementar mediante redução equivalente do tempo de trabalho,
pagamento em dinheiro ou ambas as modalidades.
7 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 230.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – O descanso compensatório de trabalho suplementar prestado em dia útil ou feriado, com exceção do
referido no n.º 3 do artigo anterior, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com acréscimo
não inferior a 100%, mediante acordo entre empregador e trabalhador.
3 – Em microempresa ou pequena empresa, por motivo atendível relacionado com a organização do trabalho,
o descanso compensatório a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, com ressalva do disposto no n.º 3 do mesmo
artigo, pode ser substituído por prestação de trabalho remunerada com um acréscimo não inferior a 100%.
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
Artigo 268.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... :
a) 50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil;
b) 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de
trabalho nos termos do n.º 6 do artigo 229.º.
4 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação.
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As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe
Soares — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos —
Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Alexandra
Vieira — Fabíola Cardoso — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.
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PROJETO DE LEI N.º 50/XIV/1.ª
REVOGA AS ALTERAÇÕES AO CÓDIGO DO TRABALHO INTRODUZIDAS NO PERÍODO DA TROIKA
QUE VIERAM FACILITAR OS DESPEDIMENTOS E REDUZ AS COMPENSAÇÕES DEVIDAS AOS
TRABALHADORES, PROCEDENDO À DÉCIMA SEXTA ALTERAÇÃO À LEI N.º 7/2009, DE 12 DE
FEVEREIRO
Exposição de motivos
O poder de despedir, decorrência do poder diretivo da entidade empregadora, é uma das principais
manifestações da desigualdade que impera na relação laboral. A Constituição da República Portuguesa baliza
este poder da entidade empregadora, através do preceito constitucional da segurança no emprego, consagrado
no artigo 53.º, que proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
A Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, que sucedeu às duas versões dos Memorandos de Entendimento da troika
de maio de 2011, introduziu alterações fundamentais ao Código do Trabalho com o objetivo de desequilibrar em
favor dos empregadores a regulação do trabalho, de precarizar e reduzir o custo do trabalho e de facilitar e
embaratecer o despedimento.
Por sua vez, a Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, foi ainda mais longe, aprofundando a tendência introduzida
pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, que diminuiu de 30 para 20 dias a base de cálculo das compensações
pela cessação dos contratos de trabalho para quase todas as modalidades de cessação, exceto os
despedimentos ilícitos. A partir de 1 de outubro de 2013, as compensações decorrentes da caducidade dos
contratos a termo e trabalho temporário, da denúncia, da revogação (acordo mútuo), da resolução do contrato
com justa causa pelo trabalhador e do despedimento, nas suas várias modalidades, passou a ter uma base de
cálculo das compensações de 20 dias para 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de trabalho.
Não é demais recordar que, numa relação laboral, o trabalhador se encontra juridicamente subordinado ao
empregador e, na maior parte dos casos, economicamente dependente dos rendimentos do trabalho para
satisfazer as suas necessidades mais elementares (bem como as do respetivo agregado familiar). A fragilidade
do trabalhador despedido resulta, como é óbvio, exponencialmente acrescida e dela decorre a importância desta
compensação pecuniária ao trabalhador. Com efeito, um trabalhador que foi despedido, isto é, que perdeu
involuntariamente o seu emprego em virtude de uma decisão extintiva unilateral da entidade empregadora, é
um cidadão que perdeu o seu principal, por vezes único, meio de sustento. A diminuição do valor das
compensações agrava enormemente a fragilidade da situação em que este trabalhador se encontra. Ao
embaratecer os despedimentos, facilita também esse tipo de práticas por parte das empresas.
Por isso mesmo, importa repor os valores devidos aos trabalhadores como compensação da cessação do
contrato de trabalho, valores esses que foram reduzidos para menos de metade, recuperando-se a fórmula de
cálculo adotada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e o objetivo fundamental da compensação: ressarcir o
trabalhador/a pelos danos resultantes da perda de emprego.
As recentes alterações introduzidas ao Código do Trabalho, designadamente as que resultaram da Lei n.º
93/2019, de 4 de setembro, não reverteram estas regras gravosas para os trabalhadores, regras estas que, à
data, foram inclusivamente encaradas como circunstanciais e transitórias, sendo certo que o único impacto foi
o de fragilizar a posição dos trabalhadores numa relação marcadamente desigual.
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Neste sentido, o Bloco de Esquerda apresenta o presente projeto de lei com o objetivo de intervir numa
matéria essencial que resultou das alterações legislativas realizadas no período da troika operando, assim, uma
repristinação do regime legal da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e repondo o valor da compensação em caso
de cessação por contrato de trabalho que não resulte de despedimento ilícito em um mês de retribuição base e
diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de
Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à reposição dos 30 dias de retribuição base e diuturnidades, para efeitos de cálculo
da compensação por cessação de contrato de trabalho que não resulte de despedimento ilícito.
Artigo 2.º
Alteração ao Código do Trabalho
O artigo 366.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e alterado pelas Leis
n.os 105/2009, de 14 de setembro, 53/2011, de 14 de outubro, 23/2012, de 25 de junho, 47/2012, de 29 de
agosto, 69/2013, de 30 de agosto, 27/2014, de 8 de maio, 55/2014, de 25 de agosto, 28/2015, de 14 de abril,
120/2015, de 1 de setembro, 8/2016, de 1 de abril, 28/2016, de 23 de agosto, 73/2017, de 16 de agosto, 14/2018,
de 19 de março, 90/2019, de 4 de setembro, e 93/2019, de 4 de setembro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 366.º
(…)
1 – Em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a um mês
de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 – Em caso de fração de ano, a compensação é calculada proporcionalmente.
3 – A compensação não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
4 – Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.os 1 ou 2.»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
1 – A presente Lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
2 – Este regime é aplicável a todos os contratos cuja cessação ocorra após a entrada em vigor da presente
lei.
Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: José Moura Soeiro — Isabel Pires — Pedro Filipe
Soares — Jorge Costa — Mariana Mortágua — Sandra Cunha — Beatriz Gomes Dias — João Vasconcelos —
Maria Manuel Rola — Joana Mortágua — José Manuel Pureza — Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Alexandra
Vieira — Fabíola Cardoso — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — José Maria Cardoso — Catarina Martins.
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PROJETO DE LEI N.º 51/XIV/1.ª
DETERMINA O FIM DA PROSPEÇÃO E EXPLORAÇÃO DE HIDROCARBONETOS EM PORTUGAL
Exposição de motivos
Portugal representa um dos países que ratificou o Acordo de Paris, em vigor desde novembro de 2016, cujo
desiderato se cifra na redução das emissões de gases com efeito de estufa permitindo que o aumento da
temperatura até ao ano de 2100 possa ser mantido abaixo dos 2º C (preferencialmente 1,5º C).
Este acordo vincula os países a uma transição energética e produtiva que possibilite alcançar o objetivo
explicitado, cortando as emissões, que na sua maioria têm origem na combustão de combustíveis fósseis –
petróleo, gás e carvão.
O País comprometeu-se em Marraquexe, na Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações
Unidas para as Alterações Climáticas, em obter a neutralidade de carbono, isto é, um balanço neutro de
emissões de gases com efeito de estufa até ao ano de 2050.
No território nacional já existiram várias tentativas de explorar combustíveis fósseis, nunca tendo sido
encontradas reservas comercialmente relevantes no País. Historicamente, a falta de consideração pelos
impactos ambientais, sociais e económicos da atividade extrativa, motivada pelo puro desconhecimento da
miríade de efeitos locais e globais decorrentes da exploração dos combustíveis fósseis, foi determinante nos
processos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos.
Os impactes ambientais a nível local, quer no mar, quer em terra, estão profusamente documentados em
vários locais do mundo, ainda que com maior ênfase em zonas onde existe exploração histórica de combustíveis
fósseis, ilacionando-se que nem as melhores práticas evitam acidentes regulares e poluição difusa e crónica,
com impactes sobre os ciclos naturais, químicos, sobre o ciclo da água e sobre fauna e flora.
A prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos deriva em impactos económicos
profundos, alterando a matriz local e nacional da economia nos países onde ocorre, concorrendo diretamente
contra outros sectores de atividade económica como sejam o turismo, a agricultura, a pesca e outros sectores
que impliquem uma qualidade ambiental elevada e uma perceção de manutenção desses padrões de qualidade
ambiental. A indústria petrolífera tem sido associada, a nível global, à corrupção, à violência e à interferência
nos processos democráticos de vários estados soberanos.
Os impactes sociais da prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos colocam-se
no cruzamento entre os impactos ambientais e os impactos económicos, afetando a vida das populações onde
ocorrem esses processos, tanto diretamente, através da contaminação decorrente dos processos industriais e
seus efeitos sobre a saúde das populações humanas, como indiretamente por via dos impactos a nível de
emprego, a nível de degradação material dos territórios para diferentes práticas e a nível de degradação do meio
ambiente e da paisagem, com reconhecido impacto nas populações.
A possibilidade de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos oferece ainda um
sinal económico de futuro que condiciona as opções energéticas necessárias para executar uma rápida
transição que cumpra os tratados internacionais, os compromissos assumidos a nível da mitigação das emissões
no combate às alterações climáticas e a adaptação a uma matriz energética internacional cada vez menos
dependente de combustíveis fósseis.
O quadro jurídico em vigor foi criado para impulsionar o investimento no sector, facilitando a emissão de um
título único para todas as atividades ligadas à exploração comercial de combustíveis fósseis através de
condições de acesso mais favoráveis, simplificando procedimentos administrativos e estabelecendo regras
claras e permitindo um regime de negociação direta com as concessionárias. Este quadro de facilitação contraria
um quadro de investimento em energias renováveis, nomeadamente solar, eólica e das ondas, que não
beneficiam de um tal tratamento favorável e que são, portanto, prejudicadas por perspetivas futuras de uma
eventual exploração comercial de combustíveis fósseis.
Embora a atual legislação não implique qualquer obrigatoriedade que dite a manutenção de uma
percentagem da produção de uma eventual exploração futura de combustíveis fósseis em território nacional, o
sinal económico dado prejudica ainda a aposta na mobilidade energética, pela indução da ideia de que uma
eventual produção de combustíveis fósseis pudesse reduzir os custos energéticos nas frotas automóveis e de
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transportes coletivos.
As reservas conhecidas de combustíveis fósseis estão em declínio, o que significa que novas reservas, de
petróleo e gás em particular, são reservas de mais difícil acesso, uma vez que, as principais reservas mundiais
de hidrocarbonetos estão, reitera-se, em queda, esgotadas ou em produção. Tal realidade incrementa um nível
de perigosidade aos impactos do processo convencional de exploração de combustíveis fósseis, já que será
plausível que quaisquer reservas detetadas sejam apenas exploráveis por métodos não convencionais, quer
através da fratura hidráulica (fracking), quer através da exploração submarina em grande profundidade (deep
offshore), quer através da combinação das duas. Qualquer uma das hipóteses acima aventadas transporta um
substancial agravamento dos impactos ambientais, económicos e sociais anteriormente descritos.
Portugal tem uma série de ferramentas políticas públicas climáticas, nomeadamente o Programa Nacional
para as Alterações Climáticas, a Estratégia Nacional para a Adaptação às Alterações Climáticas e o Quadro
Estratégico para a Política Climática, que colocam a prioridade nacional tanto na mitigação de emissões como
na adaptação às alterações climáticas, com metas sectoriais para 2020, 2030 e 2050, todas focadas em cenários
de redução de emissões e no desacoplamento do crescimento económico e do consumo de combustíveis
fósseis, apostando em alterações de fundo na matriz energética, nos transportes, na agricultura, na floresta, na
indústria, nos edifícios e nos usos de solos.
Esta nova geração de políticas públicas pretende garantir a transição para uma economia de baixo carbono,
com uma trajetória sustentável de redução das emissões nacionais de gases com efeito de estufa de modo a
alcançar as metas previstas para 2020 e 2030, garantindo o cumprimento dos compromissos nacionais de
mitigação e colocando Portugal em linha com os objetivos europeus. Estas ferramentas legais pretendem
integrar os escopos de mitigação e adaptação nas políticas sectoriais (mainstreaming), nomeadamente nas
políticas de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo, gás e demais recursos geológicos,
nomeadamente o carvão.
No ano de 2016 o investimento privado global em energias renováveis ultrapassou o investimento privado
combinado em energias fósseis (petróleo, gás e carvão) e energia nuclear, uma tendência que vem sendo
seguida desde o ano de 2015 e que assinala uma mudança global na matriz energética, no sentido da transição
para as energias renováveis face ao desafio das alterações climáticas.
Os Estados, a maior parte dos quais partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações
Climáticas, têm sustentado com condições favoráveis ao investimento externo a continuidade de um sector
energético cujos efeitos finais no sistema climático global são possivelmente a maior ameaça alguma vez
apresentada à Humanidade. Em várias cidades, países e diferentes contextos regionais têm sido assumidas
posições à altura deste desafio, nomeadamente prevendo o faseamento acelerado para o fim da prospeção e
produção de combustíveis fósseis, por métodos convencionais e não-convencionais, assim como do próprio
consumo de combustíveis fósseis, em particular nos sistemas de transportes.
Refira-se igualmente que a não sustentabilidade da continuidade de utilização de combustíveis fósseis,
incompatível com o combate às alterações climáticas, é patente nas opções de investigação e desenvolvimento
da própria indústria1 petrolífera, que apresenta uma aposta forte nas tecnologias de captura de carbono para a
produção de combustíveis como alternativa à extração de combustíveis fósseis.
Portugal, país sem histórico de produção de combustíveis fósseis, não pode e não deve manter uma
legislação anacrónica e que não responde aos problemas económicos, ambientais e sociais da
contemporaneidade, evitando a transição energética e mantendo uma legislação com efeitos perversos sobre o
contexto local, nacional e regional.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o Deputado do PAN apresentam
o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede:
1 Veja-se por exemplo o investimento da Shell neste tipo de mecanismos – https://www.shell.com/sustainability/environment/climate-change/carbon-capture-and-storage-projects.html.
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a) À proibição da atribuição de quaisquer novas concessões para prospeção, pesquisa, desenvolvimento e
produção de combustíveis fósseis;
b) À revogação do Decreto-Lei n.º 109/94, de 26 de abril;
c) À alteração do Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março;
d) À regulação das atividades de pesquisa geológica por motivos de investigação científica.
Artigo 2.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março
O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 88/90, de 16 de março, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
1 – Consideram-se como depósitos minerais as ocorrências, de interesse económico, nomeadamente de
substâncias minerais utilizáveis na obtenção de metais nelas contidos, de substâncias radioativas, grafites,
pirites, fosfatos, amianto, talco, caulino, diatomite, barita, quartzo, feldspato, pedras preciosas e semipreciosas,
que satisfaçam os requisitos do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março.
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .»
Artigo 3.º
Regulamentação das atividades geológicas por motivos de pesquisa científica
1 – As atividades de pesquisa geológica, destinadas a conhecer a composição do subsolo por motivos de
investigação científica, nomeadamente sísmica, ficam sob a alçada do Ministério do Ambiente, devendo merecer
um pedido fundamentado por parte das universidades ou unidades de investigação científica, com um plano de
trabalhos que exige o cumprimento da legislação de impacto ambiental e a consulta pública nos locais onde
possam eventualmente ser solicitadas.
2 – O processo estabelecido no número anterior é vedado a entidades com atividade comercial.
3 – O resultado das pesquisas referidas no n.º 1 é público, sendo objeto de divulgação pela Direcção-Geral
de Energia e Geologia, no seu sítio eletrónico.
Artigo 4.º
Proibição da atribuição de novas concessões e da exploração de combustíveis fósseis
1 – É proibida a atribuição de concessões para prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de
combustíveis fósseis.
2 – É proibida a exploração de combustíveis fósseis em todo o território nacional.
Artigo 5.º
Norma revogatória
São revogados o Decreto-Lei n.º 109/94, de 26 de abril, e todos os diplomas que o regulamentam.
Artigo 6.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
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Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
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PROJETO DE LEI N.º 52/XIV/1.ª
PRIVILEGIA O MODELO DE RESIDÊNCIA ALTERNADA SEMPRE QUE TAL CORRESPONDA AO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, EXCECIONANDO-SE O DECRETAMENTO DESTE REGIME AOS
CASOS DE ABUSO INFANTIL, NEGLIGÊNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Exposição de motivos
São vários os estudos científicos efetuados nos últimos anos que atestam que o modelo de residência
alternada1 consubstancia a estrutura familiar que melhor preenche as necessidades (físicas, psicológicas,
emocionais, sociais e materiais) das crianças, garantindo uma maior igualdade entre ambos os progenitores no
envolvimento parental, promovendo uma melhor articulação entre o trabalho e família que será determinante no
acréscimo de bem-estar emocional, familiar e social das crianças2.
Este modelo assenta numa divisão rotativa e paritária dos períodos temporais em que efetivamente ambos
exercem a parentalidade, repercutindo-se no incremento de bem-estar das crianças que as investigações dos
últimos 30 anos têm evidenciado de forma clara e consistente.
Cumpre sublinhar que o envolvimento parental não se resume ao mero exercício de responsabilidades
parentais na vertente da verificação dos «atos de particular importância» (como prescreve a Lei), abarcando
outros vetores como:
a) uma vasta variedade de atividades e decisões (relativas a ensinar e educar; acompanhar, dar apoio e
afeto; brincar e partilhar lazeres; estar junto; levar/buscar à escola; fazer tarefas domésticas; gerir a vida
quotidiana da criança e a articulação trabalho-família, entre outras);
b) formas diversas de interação e relacionamento entre mãe e pai e entre cada um destes e os seus filhos e
filhas;
c) o significado que lhes é atribuído por mães e pais no exercício tanto autónomo como partilhado da
parentalidade na vida quotidiana - neste quadro, demonstra-se a igual importância do envolvimento materno e
paterno para a criança.
A residência alternada promove o envolvimento parental igualitário e a redução do conflito parental,
representando a melhor forma de garantir o superior interesse da criança.
Garante o exercício comum das responsabilidades parentais não apenas para os atos de particular
importância mas por via do estabelecimento de plena igualdade assente numa maior partilha do tempo e das
responsabilidades parentais quotidianas nos cuidados de ambos os pais e mães aos filhos/as.
O atual quadro legal dita uma notória desigualdade no exercício das responsabilidades parentais, sendo que,
em regra é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em atos da vida corrente do filho a um dos
progenitores (o chamado «progenitor residente») conjugado com o facto de o outro (progenitor não residente),
nos parcos momentos passados com o filho, encontra-se impedido de ter influência relevante sobre as
orientações educativas mais importantes definidas pelo progenitor com quem a criança reside habitualmente.
Neste âmbito invoca-se o princípio da autonomia da família, de que são reflexo os princípios da intervenção
1 A residência alternada representa uma modalidade singular de coparentalidade após a dissensão conjugal caracterizada por uma divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos de residência, dos cuidados e da educação da criança, entre o pai e a mãe ou pais/mães do mesmo sexo. 2 A este respeito, ver por exemplo, Marinho & Correia, 2017; Nielsen, 2011, 2014, 2017; Warshak, 2014.
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mínima e da responsabilidade parental, consagrados no artigo 4.º, alíneas d) e f), da Lei de Proteção de Crianças
e Jovens em Perigo, aplicáveis também ao Regime Geral do Processo Tutelar Cível – ora, se no decurso da
vida em comum não se verificou qualquer perigo para a criança que motivasse a intervenção estatal, reveste
total legitimidade a conclusão que dita que ambos os pais cumpriram paritariamente os poderes-deveres que as
responsabilidades parentais encerram, sendo que tal cenário não deve ser drasticamente alterado por via de
decisão judicial face a rutura conjugal, assumindo-se como imperativo que as responsabilidades parentais
continuem a ser exercidas nos mesmos trâmites.
Cumpre sublinhar que o modelo visa primordialmente o superior interesse da criança, afigurando-se este
como o mais capaz de suprir as necessidades físicas, psicológicas, afetivas, emocionais, sociais e materiais das
crianças.
Pela análise da realidade dos países que adotaram uma política de implementação da residência alternada
(como é o caso da Austrália por exemplo), assistiu-se a um generalizado aumento de acordos neste sentido
conjugado com uma diminuição exponencial de conflitos. Mesmos nos casos em que exista alguma
conflitualidade, este modelo obriga os progenitores a promoverem um comportamento de cooperação.
A investigação realizada por Linda Nielsen, mostra que os conflitos, que são muito frequentes no ano da
separação e no ano seguinte à mesma, tendem a decrescer com o passar do tempo, em cerca de 50% a seguir
ao divórcio e 25% nos anos seguintes – a ciência mostra, outrossim que, os progenitores com crianças em
residência alternada têm menos conflitos e desenvolvem relações mais cooperantes do que crianças em
residência única3.
No mesmo sentido apontam outros trabalhos como o de Bauserman que identifica duas explicações para
esta diminuição de conflitos – primeiramente, este modelo implica menos intercâmbios (usualmente designado
por trocas ou entregas) entre pais e mães, pelo que é reduzida a probabilidade de conflito, face a uma situação
de residência única, mais ainda se nas regulações estiver previsto que esses intercâmbios se façam em locais
específicos, por exemplo, na escola.
Em segundo lugar, neste modelo existe uma tremenda diminuição da possibilidade de alguma das partes se
sentir marginalizada, o que se repercute direta e imediatamente na esfera de bem-estar das crianças, sendo
que estas são melhor protegidas quando ambos os progenitores estão envolvidos de forma igualitária na vida
delas.
Encontra-se plenamente assente na literatura que a residência alternada diminui o nível de stress das
crianças e melhora a adaptação à separação conjugal dos pais, em comparação com a residência única. Estudos
mais recentes, com amostras significativas e longitudinais, têm demonstrado que o envolvimento parental
igualitário traduz-se no melhor ajustamento ao divórcio conjugal e melhores indicadores físicos, psicológicos,
emocionais e de bem-estar da criança4.
Se uma criança está habituada a ter mães e pais envolvidos na sua vida quotidiana, a separação ou divórcio
provocará instabilidade se esse envolvimento parental (tempos, atividades parentais, cuidados e
relacionamento) for drasticamente alterado. É nesse envolvimento que se estabelece uma relação quotidiana
não só com os pais e mães, mas igualmente com a restante família alargada.
No que concerne ao bem-estar subjetivo das crianças que compreende a qualidade familiar e a relação com
os seus pares, os dados recolhidos indicam, outrossim, que as crianças em famílias nucleares apresentam
resultados elevados, em residência alternada resultados médios e em residência única resultados baixos – as
crianças em regime de residência alternada têm um maior nível de satisfação geral; mostram melhores
resultados quanto aos fatores psicológicos (ex.: menos depressões); mostram melhor relacionamento com
ambos os progenitores; estão mais satisfeitas com a sua situação escolar e são menos vítimas de bullying.
Revelador é também este elemento obtido pela investigadora Linda Nielsen em 14 estudos – as crianças
sujeitas ao modelo de residência alternada apresentam uma elevada taxa de satisfação (acima dos 90%), sendo
que um número igualmente elevado de estudantes que viveram em residência única afirma que seria do seu
melhor interesse ter convivido mais com o seu pai – com a residência alternada 59% das situações o conflito
parental mantém-se, em 40% diminui e em apenas 1% aumenta, refletindo uma menor probabilidade de expor
a criança à violência interparental em comparação com a residência única.
3 O estudo realizado por Linda Nielsen concluiu que no modelo da residência alternada o conflito diminuía em 40% dos casos, mantendo-se em 59% e subindo apenas em 1%. 4 Bergström, et al., 2013; Bergström, et al., 2015; Fransson, Låftman, Östberg, Hjern, & Bergström, 2017; Turunen, 2015.
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Neste quadro, importante também será ter em consideração a conciliação da vida familiar e da vida
profissional, uma vez que esta conciliação será mais fácil se ambos estiverem presentes no quotidiano das
crianças.
Um estudo realizado pelo advogado e mediador familiar espanhol, José Luis Sariego Morillo e apresentado
na 7.ª Conferência Internacional Igualdade Parental Séc. XXI, em Leiria, demonstrou que em residência única a
criança separa-se de cada um dos pais/mães, em média, 120 vezes ao ano de cada um, ou seja, 240 vezes.
Num modelo quinzenal a criança separar-se-ia 24 vezes de cada pai ou mãe ou num regime semanal na ordem
das 49 vezes. Contabilizou igualmente os quilómetros que uma criança faz em média, em Sevilha, por semana,
nos dois modelos. Verificou que em média em residência alternada a criança faz por semana cerca de 120 km
e uma média de 5 h de automóvel (seja com o pai ou com a mãe). Em residência única observou que uma
criança fazia cerca de 200 km e mais de 7 h por semana eram passados no automóvel.
A fixação do modelo de residência alternada pressupõe que haja uma tendencial escolha por residências
próximas uma da outra, para que seja evitado o desgaste das partes (progenitores e crianças).
Em resumo, a literatura científica tem mostrado que um maior envolvimento parental desembocará em
resultados positivos em vários domínios na relação com a criança. O envolvimento parental inclui 3 componentes
primárias:
(1) um envolvimento positivo nas atividades e interação com a criança ao ponto de influenciar o seu
desenvolvimento;
(2) afetos e responsividade; e
(3) controlo, em particular monitorização e tomada de decisão.
Existem ainda dois domínios auxiliares a ter em consideração:
1 – Cuidados materiais indiretos – atividades que não envolvam interação direta com a criança (como
comprar coisas para a criança) ou cuidados sociais indiretos (como ligação com os pares, ligações com a escola,
etc.);
2 – Processo de responsabilização, onde o pai/mãe monitoriza em que medida o seu envolvimento parental
está a ser adequado às necessidades da criança em função das componentes anteriormente mencionadas.
Por sua vez o envolvimento parental pode processar-se de muitas formas, que passam pela comunicação,
educação, monitorização, processos cognitivos, de cuidados, de cuidados indiretos à criança, partilha de
interesses, disponibilidade, planeamento, partilha de atividades, prover, afetos, proteção e apoio emocional,
sendo o envolvimento em todas estas atividades que dão confiança e segurança à criança na relação com os
seus cuidadores.
Uma sondagem realizada pela Netsonda5 conclui que 68,8% dos pais e mães portugueses consideram que
o melhor para os seus filhos, numa situação de separação, é que estes fiquem a viver com os dois, o que atesta
que a forma como os portugueses olham para esta problemática tem mudado nas últimas duas décadas6.
Afigura-se como fundamental sublinhar que a aplicação da residência alternada não colherá, obviamente,
aplicação em casos de violência doméstica ou abuso sexual ou mesmo alto conflito parental com violência.
Hotton destaca que metade das ocorrências na primeira situação de violência familiar surgem em pleno
decurso de separação entre os companheiros em disputa pela custódia do respetivo filho com privação de
convívio a uma das partes, sendo que situações desta índole fomentarão tendencialmente situações de conflito
parental.
No que concerne ao caso específico do nosso País, resta esclarecer que de acordo com os Relatórios Anuais
de Avaliação da Atividade das CPCJ e com o Relatório Anual de Segurança Interna, a residência alternada não
apresentou qualquer correlação com situações de violência doméstica ou abuso sexual.
À guisa de conclusão, ilaciona-se que a residência alternada não constituiu nenhum perigo adicional, bem
5 Sondagem publicada em setembro de 2018, com base em 1000 entrevistas online recolhidas junto do Painel Netsonda, entre os dias 24 de Maio e 18 de junho de 2018, realizadas a indivíduos de ambos os sexos, com idade entre os 26 e 64 anos e com filhos(as) com 17 anos ou menos, residentes em Portugal Continental. 6 Tendência identificada por Sofia Marinho num inquérito do ISSP, de 2014, onde 47,5% dos inquiridos entendiam que a criança deveria residir alternadamente com ambos os pais.
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como, pelo facto de a criança ter os dois progenitores interessados no seu quotidiano fará com que exista maior
vigilância sobre o seu bem-estar, facilitando a sinalização de qualquer situação de violência ou abuso.
Isto conjugado com o facto de a ciência ser prolífica em demonstrar que as crianças desejam ter tempo de
qualidade com ambos os pais, numa situação de pós-divórcio/separação7, encontrando-se também sobejamente
assente que a maioria das crianças apresenta uma clara preferência pelo modelo da residência alternada pela
conjuntura de continuidade do envolvimento parental de ambos os progenitores o qual abarca um sentimento
de segurança e estabilidade no desenvolvimento da criança.
— Da aplicação da residência do modelo da residência alternada aos bebés e crianças de tenra idade
Vários autores (a título de exemplo, traz-se à colação Warshak e Nielsen) advogam pela existência de um
consenso no que concerne ao facto de as pernoitas frequentes para crianças pequenas com ambos os
progenitores representarem um elemento de proteção, contribuindo para o respetivo bem-estar e não
acarretando a diminuição da qualidade da relação do outro progenitor com a criança.
No caso específico das crianças muito pequenas, afigura-se como muito importante a regularidade da
interação entre ambos os pais com a criança assente numa rotina que abarque pernoitas, maximizando-se desta
forma relações douradoras e vinculações seguras entre as partes.
Existem obviamente outros fatores a considerar na determinação da residência alternada como é exemplo
os horários de trabalho dos progenitores. De qualquer das formas, em situações normais, qualquer
condicionamento ou proibição de períodos temporais mais igualitários da criança com ambos os progenitores
com fundamento na idade precoce da criança, atenta contra a ciência que tem versado o seu estudo sobre o
desenvolvimento infantil, ainda para mais considerando que os primeiros anos de vida são fundamentais para o
desenvolvimento da criança, especialmente por via do estabelecimento de relações significativas com os seus
cuidadores.
Um estudo recente8 conclui, inclusivamente, que as crianças com menos de 3 anos que tiveram relações
significativas com ambos os progenitores (com pernoitas) apresentam em idade adulta melhores
relacionamentos com estes do que aquelas crianças que não tiveram esse tipo de relacionamento.
As alterações promovidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, introduzindo uma presunção jurídica de
exercício conjunto de responsabilidades parentais relativamente aos «atos de maior importância», apresentou
o condão de tentar instituir em regime assente na cooperação parental conjugada com uma proximidade
relacional entre a criança e os progenitores, em casos de inexistência de coabitação e de dissensão familiar
Tal alteração legislativa foi produto da evolução sociológica registada nos últimos anos, a qual se encontra
vertida igualmente em instrumentos internacionais relativos a esta matéria.
As alterações explicitadas derivaram na implementação de um regime regra assente no exercício conjunto
das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida do filho, presente nos
artigos 1901.º, 1906.º, n.º 1, 1911.º e 1912.º do Código Civil (doravante denominado CC).
O artigo 1906.º, n.º 2, prescreve que este regime pode ser alterado pelo Tribunal, através de decisão
fundamentada, determinando que questões de particular importância para a vida do filho sejam exercidas por
um dos progenitores, salvaguardando desta forma o superior interesse da criança em causa.
Por outro lado, e apresentando como cerne o superior interesse da criança, o n.º 7 do artigo 1906.º dita que
«o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande
proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam
amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles».
Quando suscitada a questão concernente à admissibilidade da fixação da residência alternada, a Doutrina9
responde de forma inequívoca no sentido positivo, enfatizando ainda não representar um imperativo legal o
acordo dos pais neste sentido (negrito nosso).
Ana Vasconcelos10 sufraga, defendendo as repercussões positivas no crescimento e desenvolvimento da
7 (Fabricius, 2003; Emery, 2006; Finley & Schwartz, 2007; Bauserman, 2002; Smith, Taylor, & Tapp, 2003; Nielsen, 2014). 8 Fabricius & Suh, 2017. 9 A título de exemplo, vide Guilherme de Oliveira in «A nova lei do divórcio». 10 In «Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada», A tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, Julho 2014, Ebook Cej, p.10.
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criança por via da residência alternada, que «a residência alternada permite que os pais continuem a dividir
atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças
e limitações bem como o valor do papel de cada um para a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis
materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante
identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal».
Por seu turno, Catarina Ribeiro advoga que o estabelecimento da residência alternada apresenta a
«virtualidade de contrariar, na prática, aquilo que alguns psicólogos e pedopsiquiatras apelidam de mito no que
refere à instabilidade da criança decorrente de passar a dividir o seu tempo de vida entre casas de ambos os
progenitores».
Todavia, continuamos a assistir a uma conjuntura – diagnosticada pela investigação – de desigualdade
parental, com reflexos negativos no bem-estar das crianças, por via da manutenção de um regime tradicional
assente na residência da criança com um dos progenitores (em regra, a mãe) e de períodos de contacto
quinzenais de curta duração com o outro (em regra, o pai) – predominantemente em 2 tardes ou em 2 a 4
pernoitas por mês.
Tal desigualdade origina desequilíbrios na vida da criança obstando a um envolvimento parental equitativo e
responsável por parte dos pais após dissolução conjugal, os quais fomentam conflitos parentais e lançam as
crianças num quadro de disparidade afetiva, relacional e social.
A jurisprudência – mormente os tribunais superiores – tem sido pródiga em afastar a aplicação do regime da
residência alternada ancorada em argumentos de várias índoles como é o caso da diminuta idade da criança –
a título de exemplo traz-se à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de novembro de 201311,
o qual sustenta o seguinte:
— «O regime de residência alternada não é, normalmente, o mais adequado no caso de conflito acentuado
entre os progenitores e em que estejam em causa crianças muito pequenas»;
— «Aceita-se que a residência alternada possa em alguns casos funcionar bem, garantindo um contacto
equivalente entre o menor e cada um dos progenitores, mas pressupondo que exista um relacionamento
civilizado entre estes e tratando-se de adolescentes ou jovens que já têm alguma autonomia e capazes de se
organizar em função de hábitos já adquiridos. No caso de crianças muito pequenas, como é o caso dos autos,
tal alternância é manifestamente inadequada».
Claramente contra a corrente jurisprudencial maioritária, importa sublinhar o acórdão do tribunal da Relação
de Lisboa de 12 de abril de 201812, por enfatizar que a residência alternada deve ser a primeira opção aduzindo
que:
De acordo com o novo regime, a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, relativas
às questões de particular importância para a vida do filho, com a residência exclusiva ou alternada, questão que
o julgador terá de decidir, em caso de desacordo dos progenitores, tendo em consideração o superior interesse
da criança e ponderando todas as circunstâncias relevantes, designadamente, a disponibilidade manifestada
por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro» (artigo 1906.º, n.º 5, CC); o interesse
da criança de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores (artigo 1906.º, n.º 7, CC), e
sendo certo que esse desacordo dos pais não será, em princípio, impeditivo da fixação de residência alternada
com ambos os progenitores.
(…)
No entanto, alguns psicólogos e pedopsiquiatras classificam como mito a instabilidade da criança, quando
aplicada à modalidade de residência alternada, admitindo que a questão se pode colocar apenas relativamente
a crianças com idade inferior a dezoito meses».
Acrescenta ainda que:
«Considera-se ser hoje pacífico o entendimento que a figura tradicional do «pai de fim de semana» já não é
11 Passível de verificação em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7fc9968519affb4a80257c3e005c336f?OpenDocument. 12 Possibilidade de consulta no link: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/9FB53DDAF20154A4802582A4004DC961.
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aceite pelos progenitores, que exigem uma participação na vida dos filhos em igualdade de circunstâncias com
a mãe.
O regime de residência alternada, a par da fixação da residência com apenas um dos progenitores tem,
atualmente de ser equacionado como uma das opções a ter em conta quando ocorre a separação do casal com
filhos menores.
Este regime da residência alternada, de acordo com os mais recentes ensinamentos da psicologia, é o que
melhor salvaguarda os interesses da criança, na medida em que permite que a mesma mantenha com ambos
os progenitores um relacionamento o mais próximo possível do existente no período de vivência em comum.»
(sublinhado nosso).
Num parecer sobre esta matéria, a Procuradoria Geral da República (daqui para a frente denominada PGR)
defende que uma eventual alteração legislativa no sentido da promoção da residência alternada como «regime
preferencial» não deve ser «encarado como um regime excepcional, mas antes como normal e até desejável
(…) à residência alternada vêm sido reconhecidas múltiplas virtualidades, as mais relevantes das quais se
reportam à preservação da relação da criança com ambos os progenitores (podendo potenciar a qualidade da
relação recíproca), à susceptibilidade de diminuição do conflito parental e da litigância e à promoção da
igualdade na assumpção pelos progenitores das suas responsabilidades parentais».
A título de complemento, enfatiza-se que não existe qualquer proibição de fixação do regime de alternância
alternada, seja por acordo ou decisão judicial, bem como não se encontra subordinada ao preenchimento de
pressupostos isolados ou cumulativos.
Como sublinha a PGR, «o estabelecimento da residência alternada tem como propósito a aproximação do
modelo existente antes da dissensão familiar (ou daquele que desejavelmente seria concebível ter existido),
garantindo a cada um dos progenitores a possibilidade de (continuar) a exercer os direitos e obrigações inerentes
às responsabilidades parentais e de acompanhar e participar, em condições de igualdade e ativamente, no
processo de crescimento e desenvolvimento dos filhos».
Cumpre referir outrossim que a jurisprudência13 e doutrina mais recente tem defendido unanimemente a
«susceptibilidade de fixação da residência alternada, adequando o seu concreto recorte aos desejos dos
progenitores, nos casos de acordo, e, perante a sua inexistência, deixando aos tribunais (e ao Ministério Público)
a tarefa, por vezes árdua, de definição dos tempos e do modo de a tornar apta a salvaguardar os interesses em
presença, com especial enfoque na observância do superior interesse da criança».
Por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de abril de 2017 advoga o seguinte: «é
posição dominante na jurisprudência a admissibilidade da guarda compartilhada (ou residência alternada), por
acordo ou por imposição do tribunal, desde que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os
conflitos entre os progenitores possam ser, de algum modo, amenizados».
Voltando ao parecer da PGR, esta entidade aduz ainda que «reconhece-se a vantagem de introduzir no
normativo em apreço um ligeiro ajustamento, na linha da recomendação constante do ponto 5.5 da Resolução
2079 (2015) do Conselho da Europa, cujo cunho clarificador terá certamente a virtualidade de dissipar quaisquer
duvidas, ainda que por certo meramente residuais, relativamente à possibilidade de decretamento da residência
alternada, em caso de falta de acordo dos pais e, bem assim, promover o seu decretamento pela consagração
de principio que aponte a necessidade de, por regra, ser privilegiada a fixação da residência da criança, atentos
os benefícios que, seguramente, em assinalável número de casos, a mesma comporta para o processo de
crescimento e desenvolvimento da criança e para o seu bem-estar, conforme a doutrina e os ensinamentos da
psicologia vêm apontando.
O mencionado ajustamento decorre essencialmente da falta de referência expressa, no texto legal, à
residência alternada e da circunstância de a jurisprudência nos nossos tribunais, designadamente dos tribunais
superiores, mostrar constituir ainda a regra a fixação de uma residência única, em detrimento do regime de
residência alternada, ainda que paulatinamente pareça assistir-se a uma inversão desta tendência» (sublinhado
nosso).
Por fim, afigura-se como imperativo trazer à colação o parecer do Conselho Superior de Magistratura que
conclui que«o princípio de que, salvo motivos ponderosos, a residência dos filhos de pais separados deve ser
com ambos os progenitores, de forma alternada e com possível adequação ao caso concreto pelo juiz, é de
prever legalmente» (sublinhado nosso).
13 Como é possível verificar nos acórdãos patentes nos links: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/9FB53DDAF20154A4802582A4004DC961 e http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/38ce9059f1ef502b8025831a0047bd7a?OpenDocument.
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Conclui-se que a implementação da residência alternada não deverá suceder por via automática, havendo
que se efetivar uma avaliação casuística da vida da criança que permita concluir pela exequibilidade da aplicação
deste regime, sempre tendo em consideração o superior interesse da criança.
— Elementos internacionais sobre implementação do regime de residência alternada
Primeiramente, cumpre sublinhar que 20% dos pais e mães portugueses já têm os filhos/a em residência
alternada.
Face à análise da jurisprudência dominante relativamente a esta temática, é notória a presença vincada de
estereótipos de género.
Consequentemente, urge diligenciar pela implementação de iniciativas legislativas que promovam a
residência alternada, à semelhança do que aconteceu no Canadá (2014-2015), em Itália (onde o atual Governo
tem no seu Programa a alteração legislativa no sentido de uma presunção jurídica14), Austrália e em alguns
Estados dos EUA, como o Estado do Kentucky.
A implementação da parentalidade partilhada como regime preferencial tem espoletado uma notória redução
de conflitos conjugais – 35% a 40% na Suécia, mais de 16% na Austrália, 20% na Dinamarca e na Alemanha,
15% na Finlândia, 12,8% no Canadá, 30% na Bélgica, 17% na França, 12,9% no Brasil, 10,5% na Eslováquia,
25% na Noruega e 28,3% em Espanha.
Enfatiza-se que o ponto 5.5 da Resolução 207915, do Conselho da Europa, prescreve aos Estados-Membros
a necessidade de introdução nos respetivos ordenamentos jurídicos do princípio da residência alternada, ditando
que estes devem «introduzir na sua legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando
as excepções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a
criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses».
Apesar de as resoluções não serem juridicamente vinculativas, espelham a manifestação clara de uma
posição política concernente a um tema abarcado pelos domínios de atividade da União Europeia.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o Deputado do PAN apresentam
o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei altera o Código Civil, estabelecendo um princípio o qual dita que o Tribunal deverá privilegiar
o modelo de residência, sempre que tal corresponda ao superior interesse do filho, quando ponderadas todas
as circunstâncias relevantes atendíveis, excecionando-se o decretamento deste regime aos casos de abuso
infantil, negligência e violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada
progenitor em função das suas necessidades e interesses.
Artigo 2.º
Alteração ao Código Civil
É alterado o artigo 1906.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, com as alterações introduzidas pelos
Decretos-Leis n.os 67/75, de 19 de fevereiro, 261/75, de 27 de maio, 561/76, de 17 de julho, 605/76, de 24 de
julho, 293/77, de 20 de julho, 496/77, de 25 de novembro, 200-C/80, de 24 de junho, 236/80, de 18 de julho,
328/81, de 4 de dezembro, 262/83, de 16 de junho, 225/84, de 6 de julho, e 190/85, de 24 de junho, pela Lei n.º
46/85, de 20 de setembro, pelos Decretos-Leis n.os 381-B/85, de 28 de setembro, e 379/86, de 11 de novembro,
pela Lei n.º 24/89, de 1 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 321-B/90, de 15 de outubro, 257/91, de 18 de julho,
423/91, de 30 de outubro, 185/93, de 22 de maio, 227/94, de 8 de setembro, 267/94, de 25 de outubro, e 163/95,
de 13 de julho, pela Lei n.º 84/95, de 31 de agosto, pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de dezembro, 14/96,
de 6 de março, 68/96, de 31 de maio, 35/97, de 31 de janeiro, e 120/98, de 8 de maio, pelas Leis n.os 21/98, de
12 de maio, e 47/98, de 10 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de novembro, pela Lei n.º 16/2001, de
14 Pode ser consultada neste site: https://www.senato.it/japp/bgt/showdoc/18/DDLPRES/0/1071882/index.html. 15 De 2 de Outubro de 2015.
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22 de junho, pelos Decretos-Leis n.os 272/2001, de 13 de outubro, 273/2001, de 13 de outubro, 323/2001, de 17
de dezembro, e 38/2003, de 8 de março, pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 199/2003,
de 10 de setembro, pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pelos Decretos-Leis n.os 263-A/2007, de 23 de julho,
324/2007, de 28 de setembro, e 116/2008, de 4 de julho, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-
Lei n.º 100/2009, de 11 de maio, pelas Leis n.os 29/2009, de 29 de junho, 103/2009, de 11 de setembro, 9/2010,
de 31 de maio, 23/2010, de 30 de agosto, 24/2012, de 9 de julho, 31/2012 e 32/2012, ambas de 14 de agosto,
23/2013, de 5 de março, 79/2014, de 19 de dezembro, 82/2014, de 30 de dezembro, 111/2015, de 27 de agosto,
122/2015, de 1 de setembro, 137/2015, de 7 de setembro, 143/2015, de 8 de setembro, 150/2015, de 10 de
setembro, 5/2017, de 2 de março, 8/2017, de 3 de março, 24/2017, de 24 de maio, 43/2017, de 14 de junho,
48/2018, de 14 de agosto, 49/2018, de 14 de agosto, 64/2018, de 29 de outubro, 13/2019, de 12 de fevereiro, e
pela Lei n.º 85/2019, de 3 de setembro, que passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 1906.º
(…)
1 – ................................................................................................................................................................... .
2 – ................................................................................................................................................................... .
3 – ................................................................................................................................................................... .
4 – ................................................................................................................................................................... .
5 – ................................................................................................................................................................... .
6 – O Tribunal deverá privilegiar o modelo de residência alternada da criança com cada um dos progenitores,
sempre que, ponderadas todas as circunstâncias relevantes atendíveis, estas correspondam ao superior
interesse da criança, nomeadamente tomando em consideração a sua idade, necessidades e interesses.
7 – Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que se verifique a existência da pendência de
processos relativos ao crime de violência doméstica, bem como aos casos em que se verifique negligência ou
abuso infantil sobre a criança, assim como a aplicação judicial de medidas de afastamento ou decisão de
condenação.
8 – (Anterior n.º 6.)
9 – (Anterior n.º 7).»
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
———
PROJETO DE LEI N.º 53/XIV/1.ª
VISA ASSEGURAR A NÃO DISCRIMINAÇÃO NO ACESSO À HABITAÇÃO POR QUEM POSSUI
ANIMAIS DE COMPANHIA
Exposição de motivos
Os animais de companhia são cada vez mais vistos pelos portugueses como parte integrante do seu
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agregado familiar. De acordo com estudos realizados pela Track.2Pet da GFK, realizados em 2011 e pela Zoom
in em 2016, divulgados pelo Jornal Público, mais de 50% dos lares portugueses têm um animal de companhia1.
Assim quando por circunstâncias da vida se torna necessário fazer determinadas alterações, como é o caso de
mudança de casa porque o rendimento familiar sofreu alterações, ou porque se toma a decisão de viver numa
zona geográfica diferente, aqueles que compõe o agregado familiar acompanham a família.
O que ocorre frequentemente a muitos cidadãos quando procuram uma nova casa de morada de família, é
serem confrontados com a proibição de levarem os seus animais de companhia, como o cão ou o gato. Esta
situação provoca uma grande angústia aos detentores de animais pois existem casos em que estas famílias não
conseguem mesmo encontrar um senhorio que os aceite ou alguma outra pessoa que os possa acolher,
restando-lhes entregar o animal num centro de recolha oficial (sendo que nem todos têm possibilidade de os
aceitar) ou pior, o abandono. Também são conhecidas histórias de pessoas que preferem ficar a viver na rua do
que abandonar os animais que tem a seu cargo.
Esta situação gera uma grande desigualdade para estas pessoas e famílias que não tendo possibilidade, por
exemplo, de comprarem uma casa veem a sua liberdade restringida e, no limite, sentem-se forçados a tomar
uma atitude criminosa como é o ato de abandonar um animal de companhia.
Tal significaria ignorar os laços afetivos existentes entre os seres humanos e os animais, laços esses que
bem reconhece a Convenção Europeia para a Proteção dos Animais de Companhia, aprovada pelo Decreto n.º
13/93, de 13 de abril, e que no caso das populações mais isoladas assume maior expressão, por serem muitas
das vezes a única companhia destas pessoas.
Assim como não contemplar qualquer solução para o alojamento de pessoas e animais que se vejam assim
na contingência de não ter para onde ir.
Neste âmbito destacamos o Acórdão da Relação do Porto, de 19/02/2015, disponível online em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3c0d5d98d088fab880257dfc00556bd1?Open
Document&Highlight=0,animais que reconhece que «Constitui um dado civilizacional adquirido nas sociedades
europeias modernas o respeito pelos direitos dos animais. A aceitação de que os animais são seres vivos
carecidos de atenção, cuidados e proteção do homem, e não coisas de que o homem possa dispor a seu bel-
prazer, designadamente sujeitando-os a maus tratos ou a atos cruéis, tem implícito o reconhecimento das
vantagens da relação do homem com os animais de companhia, tanto para o homem como para os animais, e
subjacente a necessidade de um mínimo de tutela jurídica dessa relação, de que são exemplo a punição criminal
dos maus tratos a animais e controle administrativo das condições em que esses animais são detidos.
Por conseguinte, a relação do homem com os seus animais de companhia possui hoje já um relevo à face
da ordem jurídica que não pode ser desprezado.»
Considerando que os direitos do senhorio estão já assegurados no capítulo IV do Código Civil, referente à
locação, não se vê qual o fundamento para permitir tal proibição aos inquilinos. Na verdade, uma das obrigações
do locador é precisamente permitir o gozo da coisa ao locatário, o que nestes casos em particular não acontece
e é suscetível de coagir as pessoas a abdicar de um ser que considera parte da sua família para conseguir
assegurar um teto a si próprio e aos restantes familiares.
Não é justo.
Por outro lado, no artigo 1083.º, do Código Civil, consta como fundamento de resolução do contrato a violação
de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
assim como possível ao senhorio exigir o pagamento de uma caução, o que normalmente até já acontece.
O próprio Decreto-Lei n.º 314/2003, de 17 de dezembro, estabelece que o alojamento de cães e gatos em
prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e
ausência de riscos higiossanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao
homem, bem assim como, o número limite de animais que podem ser alojados nos prédios urbanos, rústicos ou
mistos (n.os 1, 2 e 4 do artigo 3.º do referido diploma).
Importa ainda referir que já se encontra em vigor o novo estatuto jurídico dos animais, o qual os reconhece
como «Seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza», conforme
artigo 201.º-B do Código Civil. Acresce que o artigo 493.º-A do mesmo diploma vem reconhecer um direito a
indemnização por «desgosto ou sofrimento moral» pela perda de um animal em caso de lesão grave do mesmo.
Ora que sentido fará reconhecermos este direito a indemnização em caso de lesão do animal, mas depois
1 http://p3.publico.pt/pet/noticias/23818/em-portugal-mais-de-metade-dos-lares-tem-um-animal-de-companhia.
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admitirmos que cidadãos tenham que prescindir da companhia do seu animal de companhia para aceder a uma
habitação?
Veja-se também o Acórdão da Relação do Porto, de 21/11/2016, disponível online em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c5f225c6c55191028025807a00543ed1?Open
Document, que admite que a restrição de presença de animais no locado, pode constituir uma ofensa aos direitos
fundamentais do arrendatário. Segundo aquele tribunal «O juiz, ao interpretar um contrato, e ao decidir da sua
conformidade com a lei, não pode esquecer a lei constitucional, uma proibição, validamente estabelecida num
contrato de arrendamento, segundo a lei civil, pode apresentar-se, materialmente, como violadora de direitos
fundamentais do arrendatário.
IV – Ainda que estabelecida em contrato é opinião corrente que a proibição genérica de deter animais não
deve ser interpretada à letra, antes deve ter em conta o concreto distúrbio provocado, segundo o substrato
valorativo e os limites protetores das normas da vizinhança e da tutela da personalidade.
V – Os animais, não obstante considerados pelo nosso ordenamento jurídico como coisas (nos termos do
artigo 202.º, n.º 1), fazem parte daquele tipo de propriedade a que tradicionalmente se chama propriedade
pessoal, ou seja, propriedade de certos bens que estão ligados à autoconstrução da personalidade, razão pela
qual na sua atividade valorativa e coordenadora, o juiz tem de atender ao valor pessoalmente constitutivo que o
animal possa ter para o seu dono.
VI – Por essa razão não deve o arrendatário pese embora a existência de cláusula contratual proibitiva, ser
compelido à retirada de um canídeo do locado quando se prove que, além de não ser fonte de qualquer prejuízo
para o sossego, a salubridade ou a segurança dos restantes moradores e do locador, reveste importância no
seio da família e no bom desenvolvimento de um filho que tem perturbações de ansiedade devendo, nestes
casos, a referida cláusula considerar-se não escrita.»
Atendendo a tudo o exposto e ao princípio da igualdade, uma das pedras basilares da nossa Constituição,
todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Por tudo isto, não faz qualquer
sentido permitir que os senhorios de forma abusiva proíbam os inquilinos de fazer o uso pleno da casa arrendada
e de manter os seus animais de companhia consigo.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e o Deputado do PAN apresentam
o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei visa assegurar a não discriminação no acesso à habitação por quem detém animais de
companhia.
Artigo 2.º
Não-discriminação no acesso à habitação
1 – Ninguém pode ser discriminado no acesso à habitação, e em especial ao arrendamento, por deter animais
de companhia.
2 – O disposto no número anterior não obsta à aplicação das demais normas em vigor em matéria de bem-
estar animal e de detenção de animais de companhia, nomeadamente as que respeitam a número máximo de
animais de companhia por fração, aos espaços e condições em que é permitida a detenção de animais perigosos
ou potencialmente perigosos, e à salvaguarda da saúde pública.
3 – O anúncio de oferta de imóvel para arrendamento e outra forma de publicidade ligada à disponibilização
de imóveis para arrendamento ou constituição de outros direitos reais sobre os mesmos, bem como os atos
negociais, praticados pelo próprio ou por terceiros, prévios à celebração do contrato, não podem conter qualquer
restrição, especificação ou preferência baseada na propriedade ou qualquer outra forma de detenção de animais
de companhia.
4 – As cláusulas do contrato de arrendamento e os regulamentos do condomínio não podem conter qualquer
restrição respeitante à presença, no locado, de animais de companhia, sendo nulas as cláusulas e normas que
disponham em contrário.
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5 – A fim de verificar o bom estado de conservação do locado, o senhorio pode proceder à inspeção de
locado desde que, para o efeito, advirta o arrendatário, mediante comunicação escrita, entregue por via postal
registada com 15 dias de antecedência relativamente à data da inspeção, podendo as partes convencionar que
a referida comunicação seja feita por correio eletrónico.
6 – O disposto no número anterior não prejudica os direitos do senhorio e do arrendatário relativamente a
inspeções, vistorias ou outros, constantes do Código Civil ou outra legislação, podendo ainda o senhorio, após
a celebração do contrato e durante a sua vigência, exigir ao arrendatário prova do cumprimento das regras
referidas no n.º 2.
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 29/XIV/1.ª
IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA MATERNIDADE DE COIMBRA NO CAMPUS DO HOSPITAL GERAL
(COVÕES)
Em 2011, o Decreto-Lei n.º 30/2011, de 2 de março, da responsabilidade do governo PS, criou o mega
agrupamento hospitalar designado por Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), por fusão dos
Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e do Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Coimbra (CHPC), passando esta unidade a incorporar 2300 camas, uma fusão com
repercussões muito significativas na região centro do País, decisão que mereceu uma grande oposição de
profissionais de saúde, de utentes e da comunidade em geral.
O CHUC encontra-se hoje com seis das oito unidades hospitalares iniciais: Hospitais da Universidade de
Coimbra, Hospital Geral (Covões), Hospital Pediátrico, Maternidade Bissaya Barreto, Maternidade Daniel de
Matos e Hospital Sobral Cid (Psiquiátrico).
Ao invés do propalado pelo governo de então, e pelo Governo seguinte, do PSD/CDS, a fusão dos hospitais
não viria a melhorar a prestação de cuidados de saúde, nem garantir às populações mais qualidade e
diversificação da oferta, nem aumentar a eficiência dos serviços, antes pelo contrário, conforme se tem
constatado. Aliás, as normas que imperam em países europeus mostram que a boa funcionalidade e o melhor
rendimento dos hospitais se conseguem com unidades que não ultrapassem as 600 a 800 camas.
A agregação dos vários hospitais, que assentava em duas grandes unidades centrais (Hospital da
Universidade de Coimbra e Centro Hospitalar de Coimbra), com caraterísticas e áreas de influência distintas, o
primeiro de cariz universitário, alocado na margem direita do Mondego e o segundo mais técnico inserido na
margem esquerda do rio, levou ao enfraquecimento dos CHC em detrimento dos HUC com o esvaziamento de
serviços e valências, de que é exemplo o encerramento das urgências noturnas ou a falta de capacidade de
resposta ao nível da cirurgia.
Com a fusão dos dois centros hospitalares, as maternidades existentes (Bissaya Barreto e Daniel de Matos)
passaram a estar formalmente integradas numa única unidade, continuando até ao momento em dois polos
distintos geograficamente onde têm sido realizados um número equivalente de partos. Estas duas maternidades
têm sido expostas ao desinvestimento e à deterioração das instalações, agravados pela concentração nos
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CHUC que desestruturou serviços, equipas e equipamentos.
A Maternidade Bissaya Barreto encontra-se localizada no centro da cidade de Coimbra, num edifício
construído de raiz para o efeito em 1963. Esta unidade até à fusão encontrava-se inserida no CHC
conjuntamente com o Hospital Geral dos Covões e com o Hospital Pediátrico.
Por sua vez, a Maternidade Daniel de Matos, que conta com mais de um século de existência, que integrava
os HUC, tem igualmente um papel fundamental na região centro, aproximando-se de 200 000 nascimentos
desde a sua abertura em 1911.
Em 2013, imediatamente a seguir à fusão formal destas duas maternidades, no relatório de contas do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra é referido que já tinha sido feito um estudo, apresentado à tutela no sentido
da construção de uma maternidade única, pois embora aludindo que sejam muito boas tecnicamente e com
excelentes profissionais as suas instalações encontram-se em condições débeis há bastante tempo.
Ao longo dos últimos anos, reconhecendo-se a necessidade de uma nova Maternidade em Coimbra, para
substituir a Bissaya Barreto e a Daniel de Matos, têm sido vários os avanços e recuos por parte dos vários
governos na tomada de decisão da sua localização e construção enquanto se acentua a deterioração das
maternidades existentes.
O processo de decisão, em particular quanto à sua localização, sempre foi revestido de secretismo, sem que
tenha havido um debate público abrangente onde as diversas entidades da cidade, da região e a população em
geral se pudessem pronunciar, uma vez que se trata de uma infraestrutura pública, de um grande investimento
estrutural ao nível dos serviços públicos de saúde que irá abranger uma vasta área do território da região centro
num horizonte temporal alargado.
Em dezembro de 2014, o Ministro da Saúde do Governo PSD/CDS referiu que as duas maternidades não
tinham condições para subsistir isoladas, pelo que o governo estaria a equacionar a construção de uma unidade
de raiz junto ao perímetro do Hospital Universitário, vulgarmente designado de polo de Celas, em alusão ao
nome da zona onde está inserido.
Em junho de 2015, num período que antecedeu as eleições legislativas, o mesmo governo apressou-se a
fechar um intitulado «programa funcional» com a administração dos CHUC para a construção da referida
maternidade no bloco de Celas, ao lado dos serviços de Psiquiatria, sendo referido que a curto prazo seria
lançado o concurso para o projeto de arquitetura para a sua construção.
Um ano depois, no final de 2016, o então Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, numa visita ao
Hospital Pediátrico de Coimbra referiu ter dado autorização para o início da construção da nova maternidade e
do trabalho relacionado com a sua implementação. Nesse sentido a administração do CHUC adiantou que no
início de 2017 iria lançar o concurso internacional para o projeto de arquitetura, a elaboração do projeto de
arquitetura e do caderno de encargos, para que no final desse ano fosse então lançado o concurso da obra
prevista em cerca de 16 milhões de euros, junto ao perímetro do Hospital Universitário entre os serviços de
psiquiatria e de fisioterapia.
Todavia, no início de 2017, no seguimento da contestação que começou a emergir pela respetiva
implementação da maternidade em Celas, o governo recuou constituindo um grupo de trabalho que integrou a
Administração Regional de Saúde do Centro, o CHUC e a Câmara Municipal de Coimbra para estudar, entre
outros, as localizações possíveis, a dimensão e o custo do projeto.
Volvido mais um ano, em meados de 2018, volta novamente a ser anunciado pela administração do CHUC
que a maternidade seria construída junto ao Hospital Universitário, embora a autarquia, que fazia parte do grupo
de trabalho, tenha manifestado a sua preocupação e oposição pelo acentuar dos problemas de
congestionamento e de estacionamento na zona do polo de Celas, onde a circulação e o estacionamento já é
caótico, pelo facto de se situarem outras unidades como o Instituto Português de Oncologia, o Hospital Pediátrico
e o polo III da Universidade de Coimbra.
A administração do CHUC justificou essa localização no perímetro dos Hospitais da Universidade, em
detrimento do Hospital Pediátrico e do Hospital Geral, aludindo a razões de segurança das grávidas pelo facto
da maternidade ficar próxima de serviços como cirurgia muscular, urologia, cardiotorácica ou cuidados
intensivos. Na ótica da administração do CHUC, a opção passaria por centralizar para não duplicar as equipas
e os equipamentos.
Para colmatar as disfunções no acesso e estacionamento, a solução da administração do CHUC passaria
pela construção de um silo-auto, eventualmente a cargo de privados. Esta solução, para alem de até ser
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desmotivadora da utilização do transporte público, não iria resolver o problema do congestionamento automóvel
que se verifica na zona, antes pelo contrário agravaria ainda mais o tráfego.
Por ocasião deste novo anúncio, o Ministro da Saúde voltou a reiterar que a decisão da localização da
maternidade estaria tomada faltando a partir dai lançar o concurso de projeto e executar a obra.
Decorrido mais um ano, em junho de 2019, a Ministra da Saúde afirmou, dando seguimento ao que vinha
sendo referido pelos seus antecessores, que a nova maternidade de Coimbra passaria por se localizar no
perímetro dos Hospitais da Universidade, alegando que todos os estudos técnicos apontam para essa solução
corroborando os estudos apresentados pelo CHUC.
Este anúncio motivou, mais uma vez, a contestação pública de muitos profissionais de saúde pelo facto de
uma maternidade no bloco central dos HUC vir a sobrecarregar ainda mais o espaço e agravar os problemas do
trânsito e do estacionamento, agudizando também o congestionamento de serviços que resultou da criação do
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Porém, em meados do passado mês de setembro, a Ministra da Saúde, não excluiu uma nova localização,
indicando que daí a um mês, em outubro, estaria concluído um novo estudo tendo em conta a localização da
nova Maternidade de Coimbra no Hospital Geral (Covões).
A insistência da localização da nova maternidade no polo de Celas, por parte da administração e do governo,
poderá estar associada à pretensão de levarem por diante o desmantelamento do Hospital Geral (Covões) onde
se acentuou o esvaziamento de serviços e valências após a fusão e respetiva integração no CHUC.
Todavia, tem havido uma ampla oposição por parte de profissionais de saúde, Câmara Municipal,
Comunidade Intermunicipal, forças vivas da cidade de Coimbra, utentes e população em geral que têm tomado
posição a favor da implementação da nova maternidade junto ao Hospital Geral (Covões), impedindo que se
sobrecarregue ainda mais o Hospital Universitário. Nesse sentido, em julho de 2018 foi entregue uma petição
na Assembleia da República com mais de 4500 subscritores que defendem que a maternidade de Coimbra seja
integrada no espaço do Hospital Geral (Covões).
A concentração excessiva da oferta de serviços e pessoas nos HUC obrigará por conseguinte a mais pressão
e respostas além do que foi planeado podendo comprometer a qualidade e eficiência dos serviços prestados, e
por conseguinte, a saúde de todos os utentes.
No que concerne ao sistema urbano, a inserção da nova maternidade no polo dos HUC, para além das
dificuldades de trânsito já existentes devido à localização de outras unidades de saúde e estabelecimentos de
ensino na zona de Celas, iria criar grandes perturbações e agravar a mobilidade pelo aumento do tráfego,
bloqueio na circulação, ocupação de espaço, procura de estacionamento, comprometendo a qualidade
ambiental e de vida de quem aí reside, trabalha ou acede aos serviços.
A solução cada vez mais consensual passará pela instalação da maternidade no campus do Hospital Geral
(Covões), onde existem serviços hospitalares complementares, instalações e espaço adequado se necessário
para a construção de uma unidade de raiz.
A integração no campus do Hospital Geral (Covões) será a melhor opção, permitindo desde logo reativar
este hospital, reforçando as suas valências e inverter o processo de esvaziamento que se acentuou após a fusão
com os HUC.
A nova maternidade a implementar nos terrenos contíguos ao Hospital Geral (Covões), em vez da
concentração na periferia dos HUC, equipando-o com especialidades próprias de um hospital central que se
articulem com as especificidades e exigências de apoio à Maternidade é uma oportunidade para garantir a
continuidade deste hospital, rentabilizando-o, reforçando a rede e oferta pública dos serviços de saúde.
Do ponto de vista de segurança e proteção civil, parece evidente que concentrar, esvaziando tudo em volta,
sem uma alternativa funcional como o Hospital Geral (Covões), poderá, em situação de emergência,
comprometer igualmente a resposta a dar às populações pelo que se justifica que Coimbra possua duas grandes
unidades hospitalares públicas.
Ao nível do ordenamento do território, do sistema urbano e da mobilidade em Coimbra a inserção da
maternidade nos Covões não dificultaria o acesso, nem condicionaria a mobilidade da zona esquerda do
Mondego, antes pelo contrário até iria aliviar o tráfego na margem direita do rio, nem se colocava em causa o
espaço para estacionamento.
Hoje há o reconhecimento de todos da necessidade urgente de construir uma nova maternidade, moderna e
funcional que dê uma resposta adequada ao conjunto das maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos,
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localizada junto de um hospital central para corresponder a situações de urgência e de emergência, assim como
necessidades de apoio laboratorial e de cuidados intensivos, perante complicações imprevisíveis.
É igualmente assentido que, até à construção da nova maternidade, devem ser realizados investimentos e
intervenções urgentes para salvaguardar o funcionamento destas duas unidades, nomeadamente aquisição de
equipamento moderno e a contratação de pessoal, a fim de reforçar e rejuvenescer as equipas multidisciplinares.
Para além deste reconhecimento geral, é cada vez mais consensual para várias entidades da cidade, da
região e população das repercussões muito positivas aos mais diversos níveis da implementação da
maternidade no Campus do Hospital Geral (Covões).
Tendo em consideração o exposto, o Partido Ecologista «Os Verdes» considera prioritário que o governo
realize estudos e inicie o processo de implementação da nova maternidade de Coimbra, no espaço do Hospital
Geral (Covões), sem recorrer às Parcerias Público Privadas, assim como sejam asseguradas, até à conclusão
desta nova unidade, boas condições de funcionamento das maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos,
que passam por realizar obras de manutenção, aquisição de equipamento e contratação de mais recursos
humanos.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista Os Verdes,
apresentam o presente projeto de resolução:
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1 – Realize estudos e inicie a breve prazo o processo de implementação da nova maternidade de Coimbra,
no espaço do Hospital Geral (Covões);
2 – Construa a nova maternidade sem recorrer a Parcerias Público Privadas;
3 – Reforce o Hospital Geral (Covões) com os meios e valências necessárias para corresponder às
necessidades da nova maternidade de Coimbra, desde logo reabrindo as urgências em horário noturno;
4 – Assegure a qualidade do serviço nas maternidades Bissaya Barreto e Daniel de Matos dotando-as com
os recursos humanos e equipamentos adequados e que garanta obras de manutenção das respetivas
instalações até à construção da nova maternidade de Coimbra.
Assembleia da República, 7 de novembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 30/XIV/1.ª
REVERSÃO DA PRIVATIZAÇÃO DOS CTT
Em dezembro de 2013, o Governo do PSD e CDS-PP concluiu a primeira fase da privatização dos CTT,
numa altura em que os portugueses já tinham assistido a um período que podemos designar por «processo
prévio de privatização», com o objetivo claro de preparar e facilitar o caminho de entrega desta importante
empresa aos privados.
Com efeito, tal como sucedeu com outros processos idênticos de entrega de importantes empresas aos
privados, o processo de privatização dos CTT foi precedido de um conjunto de medidas no sentido da
degradação e desmantelamento da empresa, ignorando por completo a garantia da continuação da qualidade
do serviço prestado até aí. Mais uma vez, o que interessava, verdadeira e exclusivamente era preparar a
privatização. Podemos mesmo afirmar que a palavra de ordem foi destruir o que é público para entregar ao
privado.
Depois, e dando sequência às exigências da agenda do neoliberalismo, que continua a assentar na ideia ou
no princípio de privatizar, principalmente nos sectores que se mostram mais capazes de gerar lucros garantidos
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e, se possível, a preços de saldo, o Governo PSD/CDS-PP decidiu, em 2014, proceder à venda da participação
do Estado nos CTT, ou seja, os restantes 31,5% que o Estado então detinha nesta importante empresa, que
foram vendidos em Bolsa, ainda por cima a um preço muito abaixo do mercado.
De um ponto de vista mais geral, desta decisão do Governo de então, resultaram desde logo, duas
consequências muito negativas, tanto para o Estado, como para os cidadãos.
Por um lado, privou-se o Estado de receitas necessárias para dar resposta às políticas sociais. Recorde-se
que os CTT contribuíam todos os anos com importantes receitas para os cofres do Estado porque, enquanto
empresa pública, eram rentáveis e davam lucro, ao mesmo tempo que prestavam um serviço público inestimável.
Facilmente se percebe por que razão se apresentavam como muito apetecíveis para serem privatizados.
Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o país deixou de ter
um serviço de correios público, fiável e seguro.
Por outro lado, com a decisão de privatizar os CTT, o Governo acabou por sujeitar os cidadãos à constante
degradação de um serviço público, como se tem estado a verificar dia após dia. E isto sucede quando os serviços
públicos estão pensados, exatamente, para não ficarem sujeitos à lógica dos lucros privados e à mercê das
«necessidades» da distribuição de dividendos pelos acionistas.
Acresce ainda que os Correios são um serviço fundamental para as populações, para o desenvolvimento do
país e para a coesão territorial, desde logo porque contribuem para atenuar desequilíbrios sociais e económicos.
Os Serviços Postais em Portugal foram instituídos em 1520 e, contando com uma história de quase 500
anos, apesar de todas as transformações por que passaram, foram sempre considerados um serviço de
excelência, o que é reconhecido até no plano internacional, não se estranhando, por isso, que os CTT
representem uma das marcas emblemáticas do nosso país. Na verdade, os CTT não representavam qualquer
problema para o país pois contribuíam com muito emprego, com uma presença nacional muito alargada e com
um serviço de qualidade e com lucros para o Estado.
Além disso, nem a nível mundial a privatização dos Correios é uma tendência. Entre os 50 maiores
operadores mundiais, para além de Portugal apenas a Holanda e Malásia privatizaram a 100% as empresas
postais. Na Europa, apenas a Alemanha, Bélgica, Áustria, Itália e Grécia privatizaram parcialmente o seu capital,
enquanto o Reino Unido dividiu a empresa em duas, mantendo-se a rede de balcões nas mãos do Estado. Por
seu lado, a Dinamarca acabou por reverter a privatização.
Ora, cinco anos depois da privatização desta importante empresa e face à constante degradação do serviço
prestado aos cidadãos, é tempo de repensar, não o contrato de concessão, aliás descaradamente incumprido,
porque isso não resolverá rigorosamente nada, mas a própria propriedade dos CTT.
A verdade é que, após estes cinco anos de privatização, é hoje perfeitamente notória a crescente
deterioração e descaracterização dos serviços de correio, o que contraria o que a própria empresa apresenta
como a sua Missão, Visão e Valores.
Os exemplos desta situação são muitos: encerraram centenas de estações e postos, e muitos destes
encerramentos aconteceram sem aviso prévio (desde a privatização dos CTT foi encerrada mais de uma centena
de estações), em 2018 havia 33 concelhos sem estação dos CTT enquanto em 2012 não existia nenhum
concelho nessa situação, foram vendidos edifícios, foram retirados da via pública centenas de recetáculos
postais, foram despedidos trabalhadores, os vínculos precários aumentaram, aumentaram os percursos de cada
giro de distribuição, assim como os tempos de espera para atendimento.
Mas não ficamos por aqui: há falta de dinheiro disponível nas estações para pagamento de pensões e de
outras prestações sociais, registam-se atrasos que já chegaram a duas semanas na entrega de vales postais
com as pensões, as situações em que o correio deixou de ser distribuído diariamente generalizaram-se (existem
mesmo localidades no país onde o carteiro apenas passa um vez por semana, e outras, pouco mais do que
isso), populações inteiras que se veem obrigadas a deslocarem-se vários quilómetros até à estação mais
próxima, muitas vezes sem terem transportes ou condições para o fazer e o recurso sistemático, por parte dos
CTT, a empresas de trabalho temporário e a prestadores de serviços, entre tantos outros exemplos que aqui
poderiam ser referidos.
Tudo isto sem ter em conta as necessidades e direitos das populações e dos trabalhadores e sem garantir
condições que assegurem a celeridade, a segurança e a privacidade da correspondência.
Ou seja, a degradação deste serviço evidencia-se desde a preparação da sua privatização e, ao longo de
2019, prosseguiu o cenário de agravamento, tendo havido nos primeiros sete meses do ano, quase 3800
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reclamações relacionadas com problemas dos serviços prestados.
De facto, segundo a DECO – Defesa do Consumidor, a partir de 2015, o total de reclamações aumentou e
não tem parado. Entre 2015 e 2016 o aumento foi de cerca de duas mil – de 6890 para 8934 –, tendo, em 2018,
chegado às 16 077 reclamações, incluindo tanto as registadas no livro de reclamações físico e eletrónico como
as recebidas diretamente na Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações.
Em resumo, a privatização trouxe menos qualidade, menos postos de trabalho, menos estações de correios,
menos distribuição, menos lucros e património delapidado. Estamos perante mais uma privatização lucrativa
para poucos e ruinosa para muitos.
Além disso, a esta evidente degradação do serviço, é ainda necessário somar o aumento das tarifas que,
desde a privatização, já subiram mais de 50%. Ou seja, neste momento, e como resultado da privatização e do
rumo de destruição deste serviço, os cidadãos pagam mais e a oferta do serviço é menor, ao mesmo tempo que
os trabalhadores viram as suas condições de trabalho sofrer um substancial retrocesso.
E, como se não bastasse, a Administração dos CTT anunciou ainda a intenção de acabar com centenas de
postos de trabalho na área operacional, de encerrar dezenas de estações de correio e de vender mais
património, o que é uma autêntica vergonha.
Em dezembro de 2017, foi divulgado um plano de reestruturação que previa o despedimento de cerca de
800 trabalhadores e, posteriormente, foi confirmado o encerramento de 22 estações de correios, número que
afinal se veio a verificar ser substancialmente superior ao anunciado.
De acordo com a Comissão de Trabalhadores dos CTT, corre-se o risco de se chegar a 2020 apenas com
cerca de 200 estações, em vez das quase 600 existentes no início de 2018.
Perante esta situação, o que se está a passar nos CTT não é próprio de um Estado de Direito, os acionistas
continuam a apoderar-se, sob a forma de dividendos, de todos os lucros gerados pela empresa e até a
distribuírem dividendos superiores aos lucros, descapitalizando os CTT. Entre 2013 e 2016, foram distribuídos
mais de 270 milhões de euros em dividendos, cerca de um terço da receita total da privatização. Em 2017, os
CTT apresentaram lucros de 27,3 milhões de euros, mas distribuíram dividendos de 57 milhões, o que
corresponde a um payout ratio de quase 209%.
A tudo isto acresce ainda o facto do Banco CTT ter sido implementado sobre a estrutura de Estações de
Correio, funcionando nas instalações e com os trabalhadores dos correios, que são desviados dos balcões dos
serviços postais para os balcões do serviço do Banco, o que aumenta as filas de espera. Definitivamente a
Administração remete o serviço postal para segundo ou terceiro plano, o que interessa é o Banco CTT. Tem
sido por demais evidente a degradação da qualidade do serviço de correios, em benefício do Banco CTT.
Não se estranha, por isso, que durante todo este processo tenhamos assistido a uma incansável luta por
parte das populações e dos trabalhadores no sentido de reinvindicar um serviço de Correios à medida das
necessidades do país.
Também vários autarcas de diferentes forças políticas consideram que a concessão dos CTT deverá ser
resgatada de forma a reverter a degradação deste serviço, uma vez que não estão a cumprir com as suas
responsabilidades.
Não será por acaso que a ANACOM propôs que o Governo multasse os CTT por desrespeito pelo Contrato
de Concessão e Convénio de Qualidade, o que comprova a degradação deste serviço. Ainda assim, importa
destacar que a ANACOM tem permitido as inúmeras propostas de aumento das tarifas por parte do Conselho
de Administração dos CTT.
Neste contexto, é de destacar que a Anacom denunciou que os CTT voltaram a falhar indicadores de
qualidade em 2018, o que levou a que 6,5 milhões de cartas chegassem ao destino demasiado tarde.
A realidade é que, desde que este processo se iniciou até ao dia de hoje, a reivindicação pelo não
encerramento das estações e pela defesa de um serviço público de qualidade tem sido uma constante.
Importa ainda salientar que, em fevereiro de 2018, o Sr. Ministro do Planeamento chegou a afirmar que a
situação dos CTT era consequência da privatização a 100% feita pelo anterior Governo, dizendo que cabia agora
ao regulador assegurar a qualidade dos serviços, porque o Estado deixou de ter participação na empresa.
Contudo, o que importa agora é assumir o enorme erro que foi privatizar os CTT e reverter a situação porque,
a cada dia que se soma, acresce a necessidade de reverter esta privatização, tal como o Partido Ecologista «Os
Verdes» já deixou bem expresso.
Convém ainda clarificar que, mesmo com a evolução a que assistimos nos últimos anos, os CTT não
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perderam a sua importância, continuando a ser um fator de promoção da coesão territorial e de combate às
desigualdades.
Facilmente se conclui que o serviço postal, a continuar nas mãos de privados e seguindo este rumo, tem o
seu futuro comprometido, sob pena de ser destruído de forma irreversível, e que a privatização dos CTT se
apresenta como lesiva para o Estado, as populações e os trabalhadores.
Ora, perante tudo isto, importa que os CTT prestem um serviço de qualidade a toda a população, cumprindo
o seu papel no desenvolvimento do país a nível local, regional e nacional, sendo para isso fundamental que o
Governo defenda este serviço estratégico e os interesses e necessidades dos cidadãos e do país, o que só é
objetivamente possível quando os CTT voltarem a integrar a esfera do Estado, passando este a deter o controlo
e a gestão do serviço postal.
Na verdade, cinco anos após a privatização dos CTT e face ao que assistimos, Os Verdes não têm dúvidas
de que o enfoque para a recuperação dos CTT não reside propriamente no contrato de concessão, mas sim na
própria natureza da propriedade dos CTT, que deve regressar ao Estado, o quanto antes. A sua privatização
nunca se justificou e mantém-se hoje sem se justificar.
E, de facto, face ao exposto, exige-se que o Governo intervenha rapidamente, assumindo um papel de defesa
de um serviço postal de qualidade, público e universal e invertendo este caminho de degradação que, como já
era expectável, se veio revelar trágico para o País, recuperando os CTT e o serviço postal universal através da
reversão da sua privatização e do regresso da sua gestão à esfera do Estado.
Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados do Partido Ecologista «Os Verdes»,
apresentam o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República recomenda ao Governo que inicie o processo de reversão da privatização dos
CTT – Correios de Portugal, por forma a que a sua gestão regresse à esfera do Estado.
Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
Os Deputados do PEV: José Luís Ferreira — Mariana Silva.
———
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 31/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO A ADOÇÃO DE MEDIDAS QUE PERMITAM REFORÇAR OS DIREITOS
DAS MULHERES NA GRAVIDEZ E NO PARTO
Em 2017, morreram em Portugal nove mulheres durante a gravidez, parto ou pós-parto. A taxa de mortalidade
materna — de nove mulheres em 86 154 nascimentos, o que equivale a 10,4 óbitos por um valor referência de
100 mil nascimentos — não estava tão alta desde 1991, ano em que nasceram em Portugal 116 mil bebés e em
que morreram 12 mulheres por cada cem mil nascimentos. Em 2016, Portugal já era o quarto país da União
Europeia com a taxa mais elevada de mortalidade materna, apenas atrás da Estónia, Hungria e Letónia. A
mortalidade infantil está também a aumentar, tendo morrido mais de 60 crianças no primeiro ano de vida em
2018. Estes dados são preocupantes e merecem a nossa reflexão.
É, também, essencial dar uma maior atenção à qualidade da assistência, só assim se assegurando uma
experiência de maternidade plena. Segundo a White Ribbon Alliance, a noção de segurança perinatal deve ser
estendida para além da prevenção de morbilidade ou mortalidade, englobando o respeito pelos direitos humanos
fundamentais das mulheres, incluindo o respeito pela sua autonomia, dignidade, sentimentos, escolhas e
preferências, incluindo a escolha de um acompanhante1. De igual forma, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) tem defendido que apesar dos substanciais progressos alcançados, os países precisam de consolidar e
aumentar os seus avanços e de alargar os seus objetivos para além da sobrevivência, com vista a maximizar a
1 http://whiteribbonalliance.org/wp-content/uploads/2015/03/MBFBF-guidelines.pdf.
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saúde e o potencial das suas populações.2
Em 2015, a Associação Portuguesa Pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto publicou os resultados de
um Inquérito online, que decorreu entre 1/1/2012 e 31/3/2015 e no qual participaram 3833 mulheres, sobre as
suas experiências de parto, que intitulou de «Experiências de Parto em Portugal»3 e que é elucidativo do
caminho que ainda há a percorrer neste âmbito.4
Atendendo a que 97,8% das mulheres declararam ter parido em contexto hospitalar, no que diz respeito ao
tipo de parto, 33,2% das mulheres responderam que teve parto por cesariana nos hospitais públicos, o que vai
também ao encontro da média nacional.5 Segundo dados da Entidade Reguladora da Saúde, avançados pelo
jornal Público6, a taxa de cesarianas no sector privado ascende aos 66%. Portugal é um dos países da União
Europeia com maior taxa de cesarianas, tendo inclusivamente sido criada a Comissão para a Redução de Taxa
de Cesariana, presidida pelo Professor Doutor Ayres de Campos. Em entrevista à revista Visão7, o mesmo
Professor, quando questionado sobre o que deve ser dito a um casal que está à espera de um bebé em consulta
sobre a cesariana, responde:
«Eu acho que deve ser dito que, se houver uma indicação qualquer de saúde para fazer uma cesariana
ninguém hesita. Mas não havendo, e sabemos que em noventa e tal por cento das situações não há indicação
nenhuma, porque a maior parte das grávidas são pessoas saudáveis, a forma mais segura de se ter o bebé é
através de um parto normal. Não é de um parto que é provocado, porque isso também tem um risco maior para
o bebé e também um risco maior de acabar em cesariana, é de um parto que, chegando a altura certa, o bebé
dará sinais de quando é que quer nascer. E começará a ter um trabalho de parto de início espontâneo. É assim
que devem nascer a maioria dos bebés em todo o mundo porque é mais seguro. As cesarianas devem ser
reservadas para aquelas situações onde há indicação prévia, ou para as situações em que, durante um trabalho
de parto não há evolução ou há alguns sinais do bebé que poderá não estar a ser adequadamente oxigenado.
Nessas situações, pode e deve ser feita uma cesariana para que ocorra o nascimento de um bebé normal que
é o que todos nós queremos».
Ainda em resposta à mesma questão do inquérito, 47,6% das mulheres tiveram um parto com alguma
intervenção, sendo que apenas 19,2% das mulheres revelaram ter tido parto vaginal natural, o que constitui
claramente uma minoria.
Estas respostas são ilustrativas do nível de intervenção médica que existe neste âmbito, tornando o parto
cada vez mais instrumentalizado e menos humanizado, quando deveria acontecer exatamente o contrário.
Quando questionadas sobre se tiveram o parto que queriam, 43,5% das mulheres responderam que não.
Nesta questão, as mulheres podiam justificar a sua resposta escrevendo um comentário. A título de exemplo,
foi respondido que «Não porque tive tudo o que não queria: episiotomia, rebentamento das águas artificialmente,
posição de parto deitada» e «não queria que me fizessem a episiotomia, mas nem sequer me deram a escolher».
Face aos comentários, a autora do relatório do Inquérito conclui que «Estes testemunhos são reveladores de
situações e práticas de coerção, de desrespeito pelo direito à recusa e ao consentimento informado, de abuso
e de violência obstétrica que persistem nos serviços de saúde materna portugueses».8
Relativamente à informação sobre as opções de parto, fundamental para escolhas esclarecidas, 43,3% das
mulheres inquiridas revelaram que não lhes foi dada qualquer informação sobre as suas possíveis opções, ou
seja, indução, cesariana, parto domiciliar, etc. Cerca de 23% das inquiridas também revelaram desconforto com
a posição adotada para o parto, tendo a obrigação de permanecer numa posição que não era a pretendida
afetando a sua experiência.
A questão «Perguntaram-me se concordava com cada intervenção ou exame antes de este acontecer?»
2 Cfr. https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/250800/WHO-RHR-16.12-
por.pdf;jsessionid=AB4441092EC602CC98DD53F22722EC4B?sequence=2. 3http://www.associacaogravidezeparto.pt/wp-content/uploads/2016/08/Experi%C3%AAncias_Parto_Portugal_2012-2015.pdf. 4 A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto iniciou recentemente a 2.ª edição do inquérito «Experiências de Parto em Portugal» que, lançado há quatro dias, conta já com mais de 4500 participações. 5 http://www.europeristat.com/images/Comunicado_imprensa_EUROPERISTAT.pdf. 6 https://www.publico.pt/2007/05/11/sociedade/noticia/taxa-de-cesarianas-nas-unidades-privadas-e-de-66-por-cento-o-dobro-do-sector-publico-1293644. 7 http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/a-forma-mais-segura-de-nascer-e-de-parto-normal=f821642. 8 Op. Cit., página 15.
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ganha especial relevância por estarem em causa direitos humanos, tal como foi reconhecido pela OMS9, mas
também porque 43,8% das mulheres referiram que não lhes foi solicitado consentimento para as intervenções,
o que indicia alguma vulgaridade na prática de atos não consentidos e esclarecidos. Não podemos ignorar o
disposto no Código Penal que, sobre o dever de esclarecimento em Intervenções e tratamentos médico-
cirúrgicos, no seu artigo 157.º refere que «(…) o consentimento só é eficaz quando o paciente tiver sido
devidamente esclarecido sobre o diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis consequências da
intervenção ou do tratamento (…)», excecionando a referida norma apenas, naturalmente, as situações de
emergência, que representam a minoria das situações. Sobre este aspeto, no referido Inquérito, se é verdade
que houve mulheres que disseram «Logo quando fui admitida, entreguei o meu plano de parto e mostrei-me
aberta ao diálogo. As enfermeiras foram maravilhosas – leram o plano, discutiram algumas dúvidas (sem nunca
pressionar em nenhum sentido) e ao longo do parto, respeitaram EM ABSOLUTO esse mesmo plano», outras
afirmaram que «Uma episiotomia não consentida é uma violação. Manifestar intenção de não ser anestesiada
foi, no meu caso, uma luta pela qual nenhuma mulher grávida deverá passar… sobretudo num momento como
o trabalho de parto» ou «Não fui informada acerca de nenhuma intervenção».
Importa, ainda, salientar a percentagem de mulheres que revelaram ter sido sujeitas a episiotomia,
intervenção médica que implica uma incisão efetuada na região do períneo (área muscular entre a vagina e o
ânus) para ampliar o canal de parto, que foi de 72,2%, valor este que vai ao encontro da média de episiotomias
nacional. Estes dados têm especial importância por mostrarem como o nosso país está longe de respeitar as
recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a esta prática. A OMS recomenda que a taxa
de ocorrência desta intervenção não ultrapasse os 10%10, mas Portugal tem uma taxa de ocorrência de
episiotomia de 73%, sendo o segundo país da Europa com a taxa mais alta.11
Por último, depois do relatório especial sobre maus-tratos e violência contra as mulheres nos serviços de
saúde reprodutiva, apresentado este ano na Assembleia Geral das Nações Unidas,12 a Assembleia Parlamentar
do Conselho da Europa pronunciou-se sobre este tema.
Na Resolução 2306 de 201913, a «Violência obstétrica e ginecológica» é considerada «uma forma de
violência que tem sido ocultada e demasiadas vezes ignorada. Na privacidade de uma consulta médica ou do
parto, as mulheres são vítimas de práticas que são violentas ou percecionadas enquanto tal. Estas incluem atos
inapropriados ou não consensuais, tais como episiotomias e exames vaginais efetuados sem consentimento,
pressão fúndica uterina ou intervenções dolorosas sem anestesia. Também foi reportado comportamento sexista
na decorrência de consultas médicas.»
De modo a promover cuidados «humanos, respeitosos e dignos», o Conselho da Europa recomenda aos
Estados-Membros a disseminação das boas práticas identificadas pela Organização Mundial de Saúde, a
promoção de educação e estratégias de sensibilização acerca de todos os tipos de discriminação e violência de
género, na qual a violência obstétrica se insere, a implementação de mecanismos legais para o seu combate e
a provisão de assistência às vítimas, entre outras recomendações. A formação dos profissionais de saúde é
considerado um factor-chave para a erradicação deste tipo de violência, sendo recomendada uma «particular
importância à relação entre provedores de cuidados e pacientes, o conceito de consentimento informado,
igualdade entre mulheres e homens, a receção de pessoas LGBTI, pessoas com incapacidades e pessoas
vulneráveis, comunicação, a prevenção de sexismo e violência e a promoção de uma abordagem humana aos
cuidados».
Todos estes dados são fundamentais e permitem uma reflexão aprofundada do estado da qualidade do
serviço de saúde materna e obstetrícia público e qual deve ser o caminho para que este melhore.
Fundamentalmente, é da máxima importância que as mulheres conheçam os seus direitos, tomem decisões
esclarecidas e que se verifique um esforço por parte dos profissionais de saúde não só no sentido de prestar
esse esclarecimento como de respeitar as escolhas das mulheres. Cuidados de boa qualidade exigem a
eliminação de abusos e maus-tratos durante a gravidez, parto e pós-parto, devendo toda a intervenção ser
9 Cfr. Declaração da Organização Mundial de Saúde, «Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em
instituições de saúde», disponível online em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/134588/3/WHO_RHR_14.23_por.pdf. 10 World Health Organization. Classification of practices in normal birth. In: Care in normal birth: a practical guide. Geneva; 1996. p. 34-7. (WHO Technical Report Series FRH/MSM/96.24). 11 http://www.europeristat.com/images/Comunicado_imprensa_EUROPERISTAT.pdf. 12 Cfr. https://digitallibrary.un.org/record/3823698?ln=en. 13 Cfr. http://assembly.coe.int/nw/xml/XRef/Xref-XML2HTML-EN.asp?fileid=28236&lang=en&fbclid=IwAR1Fs_3dBoi-tKCM7djPEsTgGik2ZWjLbuBM4yDJfDPvo2FX5imvAE6xSow.
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baseada no respeito pela dignidade humana, sem qualquer tipo de discriminação. Em suma, é necessário criar
outros indicadores de qualidade que não se cinjam à mortalidade ou aos reinternamentos. As mulheres devem
ser incluídas no processo de parto e deixar de ser entendidas como meras testemunhas do mesmo, mas para
isso é necessário mudar o paradigma atual de parto para um mais centrado na mulher e na sua experiência.
Deverá fomentar-se o parto fisiológico, com possibilidade de apoio continuado, por forma a que aumente o
número de partos naturais e que estes sejam vistos e sentidos como experiências felizes e empoderadoras pelas
mulheres e pelos profissionais de saúde.
Para todo este processo, é essencial a participação das mulheres, da comunidade, dos profissionais de
saúde, dos organismos de educação e certificação e das associações profissionais. A partilha de experiências
certamente resultará na melhoria das condições de trabalho dos profissionais e dos partos para as famílias.
Nestes termos, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por
intermédio do presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
1 – Desenvolva uma campanha nacional de promoção de educação e sensibilização sobre todos os tipos
de discriminação e violência de género, na qual a violência obstétrica se insere, junto do público em geral e, em
particular, dos profissionais dos serviços de saúde materna e obstetrícia, conforme recomenda o Conselho da
Europa;
2 – Crie um questionário de satisfação às mulheres e aos profissionais nos serviços de saúde materna e
obstetrícia;
3 – Dê cumprimento às recomendações da Organização Mundial de Saúde, nomeadamente:
a) Comece, apoie e mantenha programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde
materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente da qualidade da assistência;
b) Enfatize os direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante a gravidez e o parto junto
dos profissionais de saúde materna e obstetrícia e das mulheres;
c) Envolva todos os interessados, incluindo obviamente as mulheres, nos esforços para melhorar a
qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as práticas abusivas.
4 – Promova a realização e divulgação de um estudo sobre situações de abuso, desrespeito e utilização de
práticas não consentidas durante a gravidez o parto em instituições de saúde;
5 – Crie um Grupo de Trabalho que integre nomeadamente associações dos profissionais de saúde e
organizações da sociedade civil para promoção do parto e processo de parto humanizado e, adotando as boas
práticas promovidas pela Organização Mundial de Saúde, elabore recomendações;
6 – Promova o reforço da formação dos profissionais de saúde, que aborde nomeadamente a relação entre
provedores de cuidados e pacientes, o conceito de consentimento informado, a igualdade de género, o
atendimento de pessoas LGBTI+, pessoas com incapacidades e pessoas vulneráveis, comunicação e a
promoção de uma abordagem humana aos cuidados de saúde;
7 – Crie mecanismos de denúncia de situações de abuso, desrespeito e utilização de práticas não
consentidas durante o parto em instituições de saúde;
8 – Adote medidas de redução da taxa de episiotomia, respeitando as recomendações da Organização
Mundial de Saúde sobre esta prática, nomeadamente através da promoção do parto fisiológico e respeitado e
de cuidados prestados em parceira com a mulher, que implicam informação, a oferta de diferentes opções e o
respeito pelas suas escolhas.
Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 32/XIV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA À ELABORAÇÃO DE UMA AVALIAÇÃO AMBIENTAL
ESTRATÉGICA RELATIVAMENTE À EXPANSÃO DO AEROPORTO HUMBERTO DELGADO E
CONSTRUÇÃO DO AEROPORTO COMPLEMENTAR DO MONTIJO
A Avaliação Ambiental Estratégica (doravante denominado AAE) representa, segundo o Guia de Boas
Práticas para a AAE, «um instrumento de avaliação de impactes de natureza estratégica cujo objetivo é facilitar
a integração ambiental e a avaliação de oportunidades e riscos de estratégias de ação no quadro de um
desenvolvimento sustentável. As estratégias de ação estão fortemente associadas à formulação de políticas, e
são desenvolvidas no contexto de processos de planeamento e programação.»
Assim, em suma, a AAE facilita a integração das questões de ambiente e sustentabilidade nos processos
decisórios.
A AAE apresenta como finalidades concretas:
1 – Assegurar a integração de considerações ambientais, sociais e económicas nos processos de
planeamento, de programação e de elaboração de política;
2 – Detetar oportunidades e riscos, avaliar e comparar opções alternativas de desenvolvimento enquanto
estas ainda se encontram em discussão;
3 – Contribuir para o estabelecimento de contextos de desenvolvimento mais adequados a futuras propostas
de desenvolvimento.
O guia supra explicitado defende que estes objetivos abarcam contributos vários, designadamente:
– Assegurar uma visão estratégica e uma perspetiva alargada em relação às questões ambientais, num
quadro de sustentabilidade;
– Auxiliar na identificação, seleção e justificação de opções ganhadoras (win-win) face aos objetivos de
ambiente e desenvolvimento;
– Contribuir para a discussão de grandes opções e para uma decisão mais sustentável (em termos
ambientais, sociais e económicos);
– Detetar problemas e oportunidades estratégicas nas opções em análise e facilitar a consideração de
impactes cumulativos;
– Sugerir programas de seguimento, através de gestão e monitorização estratégica;
– Assegurar processos participados e transparentes, que envolvam todos os agentes relevantes;
– Promover decisões mais integradas em relação aos diversos pontos de vista relevantes (definidos em
função de fatores técnicos e de valores político-culturais).
A AAE impõe uma reflexão ponderada e estratégica às entidades envolvidas nos processos decisórios sobre
determinada matéria, procedendo-se à avaliação das«possíveis oportunidades e riscos de estratégias de
desenvolvimento territorial e sectorial, tendo em vista objetivos de desenvolvimento sustentável», tornando-se
este instrumento como elemento referencial na tomada de uma resolução sustentável.
Nesta sede, impõe-se a efetivação da destrinça entre a AAE e a Avaliação de Impacte Ambiental (daqui para
a frente designada como AIA) assim como desde já importa referir que ambas são complementares e não
exclusivas, ou seja, a AAE não afasta a necessidade de se proceder a AIA (quando legalmente previsto) e vice-
versa.
Apesar de consubstanciarem instrumentos com uma raiz comum – a avaliação de impactes – apresentam
objetos dissemelhantes: por um lado, na AAE a perspetiva é estratégica e de longo prazo, enquanto que a AIA
assume uma visão de execução e de curto/médio prazo; por outro lado, o essencial numa AAE traduz-se numa
reflexão contínua sobre as oportunidades e riscos na preparação e elaboração de planos e programas das
eventuais direções equacionadas, enquanto que na AIA, existe uma assunção de resultados programados de
planos e políticas tidos como altamente prováveis, no sentido da avaliação dos consequentes impactes positivos
e negativos, sugerindo as medidas de minimização ou compensação dos respetivos impactes negativos.
Ora, o Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, o qual aprova a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos
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de Gestão Territorial «desenvolve as bases da política pública de solos, de ordenamento do território e de
urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional, intermunicipal e municipal do
sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e
avaliação dos instrumentos de gestão territorial» (artigo 1.º).
O respetivo artigo 2.º estatui que:
«1 – A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se
organiza, num quadro de interação coordenada, em quatro âmbitos:
a) O âmbito nacional;
b) O âmbito regional;
c) O âmbito intermunicipal;
d) O âmbito municipal.
2 – O âmbito nacional é concretizado através dos seguintes instrumentos:
a) O programa nacional da política de ordenamento do território;
b) Os programas sectoriais;
c) Os programas especiais.
......................................................................................................................................................................... »
Por seu turno, o artigo 39.º, relativo aos programas sectoriais prescreve que:
«1 – Os programas sectoriais são instrumentos programáticos ou de concretização das diversas políticas
com incidência na organização do território.
2 – Para efeitos do presente decreto-lei, são considerados programas sectoriais:
a) Os programas e as estratégias de desenvolvimento, respeitantes aos diversos sectores da
administração central, nomeadamente nos domínios da defesa, segurança pública, prevenção e minimização
de riscos, ambiente, recursos hídricos, conservação da natureza e da biodiversidade, transportes,
infraestruturas, comunicações, energia e recursos geológicos, cultura, saúde, habitação, turismo, agricultura,
florestas, comércio e indústria;
b) Os regimes territoriais definidos ao abrigo de lei especial;
c) As decisões sobre a localização de grandes empreendimentos públicos com incidência territorial.»
(negritos nossos)
Complementarmente, o número 4 do artigo 41.º do diploma explicitado, referente ao conteúdo documental
dos programas sectoriais, refere que «sempre que seja exigida a avaliação ambiental nos termos do artigo 3.º
do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio, o programa
sectorial é acompanhado por um relatório ambiental, no qual são identificados, descritos e avaliados, os
eventuais efeitos significativos no ambiente, resultantes da aplicação do programa, e as medidas de
minimização, tendo em conta os objetivos, e o âmbito de aplicação territorial.»
Mais, a alínea G) do n.º 1 do artigo 46.º dita que «a elaboração dos programas sectoriais e especiais é
determinada por despacho do membro do Governo competente em razão da matéria, em articulação com o
membro do Governo responsável pela área do ordenamento do território, do qual deve constar (…) a sujeição
do programa a avaliação ambiental ou as razões que justificam a inexigibilidade desta».
Em conjugação com as disposições mencionadas nos parágrafos anteriores, deve ser tido em conta o
Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, relativo ao Regime de Avaliação de Planos e Programas, que no fundo
estabelece o regime a que fica sujeita a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente.
Este quadro legal prescreve no artigo 3.º, n.º 1, que estão sujeitos a avaliação ambiental os planos e
programas para os sectores da agricultura, floresta, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de
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resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos e
que constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos mencionados nos anexos I e II do Decreto-
Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, na sua atual redação [alínea A)]; os planos e programas que, atendendo aos
seus eventuais efeitos num sítio da lista nacional de sítios, num sítio de interesse comunitário, numa zona
especial de conservação ou numa zona de proteção especial, devam ser sujeitos a uma avaliação de
incidências ambientais nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na redação que lhe
foi dada pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro (Alínea B); os planos e programas que, não sendo
abrangidos pelas alíneas anteriores, constituam enquadramento para a futura aprovação de projetos e que
sejam qualificados como suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente [Alínea C)] (negritos nossos).
Mais, o artigo 6.º do referido diploma com epígrafe «relatório ambiental», estatui que:
«1 – Juntamente com o plano ou programa sujeito a avaliação ambiental, a entidade responsável elabora um
relatório ambiental no qual identifica, descreve e avalia os eventuais efeitos significativos no ambiente
resultantes da aplicação do plano ou programa, as suas alternativas razoáveis que tenham em conta os
objetivos e o âmbito de aplicação territorial respetivos, e do qual constam, atendendo à prévia definição do seu
âmbito, os seguintes elementos:
a) Uma descrição geral do conteúdo, dos principais objetivos do plano ou programa e das suas relações com
outros planos e programas pertinentes;
b) As características ambientais das zonas suscetíveis de serem significativamente afetadas, os aspetos
pertinentes do estado atual do ambiente e a sua provável evolução se não for aplicado o plano ou programa;
c) Os problemas ambientais pertinentes para o plano ou programa, incluindo, em particular, os
relacionados com todas as zonas de especial importância ambiental, designadamente as abrangidas pelo
Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro;
d) Os objetivos de proteção ambiental estabelecidos a nível internacional, comunitário ou nacional que sejam
pertinentes para o plano ou programa e a forma como estes objetivos e todas as outras considerações
ambientais foram tomadas em consideração durante a sua preparação;
e) Os eventuais efeitos significativos no ambiente decorrentes da aplicação do plano ou do programa,
incluindo os efeitos secundários, cumulativos, sinergéticos, de curto, médio e longo prazos,
permanentes e temporários, positivos e negativos, considerando questões como a biodiversidade, a
população, a saúde humana, a fauna, a flora, o solo, a água, a atmosfera, os fatores climáticos, os bens
materiais, o património cultural, incluindo o património arquitetónico e arqueológico, a paisagem e a
inter-relação entre os fatores supracitados;
f) As medidas destinadas a prevenir, reduzir e, tanto quanto possível, eliminar quaisquer efeitos adversos
significativos no ambiente resultantes da aplicação do plano ou programa;
g) Um resumo das razões que justificam as alternativas escolhidas e uma descrição do modo como
se procedeu à avaliação, incluindo todas as dificuldades encontradas na recolha das informações
necessárias.»
Ora, foi emitida declaração ambiental favorável positiva condicionada relativamente à construção do
Aeroporto Complementar do Montijo. Uma vez que falamos de um importantíssimo vetor relacionado tanto com
a área dos transportes como das infraestruturas, com localização parcial em Zona de Proteção Especial (ZPE)
do Estuário do Tejo e com efeitos significativos no ambiente, não descortinamos nenhuma razão atendível para
que não seja absolutamente exigível e necessária uma Avaliação Ambiental Estratégica, onde deveriam e teriam
de ser estudadas as soluções alternativas ao projeto em apreço.
Ademais, torna-se imperioso realçar que o Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas é
completamente omisso tanto quanto a uma expansão do Aeroporto Humberto Delgado ou Aeroporto
Complementar do Montijo, como se pode verificar na parte relativa ao Plano Estratégico da ANA patente nas
páginas 56 a 59 deste documento.
Ora, sendo que a gestão e a operação aeronáutica do atual Aeroporto Humberto Delgado e do pretenso
Aeroporto Complementar do Montijo estão intrinsecamente interligadas, existe a necessidade de efetivação da
existência da Avaliação Ambiental Estratégica, inserida no âmbito do plano sectorial da área dos transportes,
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sendo que as especificidades deste projeto devem ser avaliadas em relação aos seus impactes cumulativos
com projetos já existentes.
É manifesta a desconsideração pelas repercussões em matéria ambiental na análise dos impactos derivados
da construção do aeroporto complementar do Montijo, como pode ser aferido, por exemplo no resumo não
técnico (primeiro volume do Estudo de Impacte Ambiental), onde se centra primordialmente na análise das
valências económico-financeira do projeto.
Deveriam ser tidas em conta, e daí a premente necessidade da AAE, uma miríade de eventuais
consequências nefastas associadas a este projeto, como é o caso, a título de exemplo, da cabal avaliação das
emissões de gases com efeito de estufa (ainda para mais pensando no objetivo assumido da neutralidade
carbónica), o efeito da existência de uma infraestrutura de grandes dimensões sobreposta, ainda que
parcialmente, a uma zona incrivelmente relevante de conservação da natureza como esta junto ao Estuário do
Tejo [apresenta dois estatutos – Sítio de Interesse Comunitário (ao abrigo da diretiva Habitats) e Zona de
Proteção Especial (diretiva Aves), do impacto sonoro do sobrevoo dos aviões e os efeitos efetivos na fauna e
na flora adjacentes].
Face ao exposto, conclui-se que as premissas legais explicitadas na presente iniciativa se aplicam
claramente à construção do aeroporto complementar do Montijo bem como a expansão do Aeroporto Humberto
Delgado, constituindo uma ilegalidade a não elaboração da necessária Avaliação Ambiental Estratégica.
Assim, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio do
presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:
– Proceda à elaboração de Avaliação Ambiental Estratégica relativamente ao plano sectorial correspondente
à expensão do Aeroporto Humberto Delgado e da construção do aeroporto do complementar do Montijo.
Palácio de São Bento, 7 de novembro de 2019.
As Deputadas e o Deputado do PAN: André Silva — Bebiana Cunha — Cristina Rodrigues — Inês de Sousa
Real.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.